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Maritegui
Uma sensibilidade socialista autogestionria nos Andes
Cludio Nascimento
Mariategui ainda se ergue como um farol, que ilumina o horizonte
intelectual e politico dos que querem conferir aos
latino-americanos a opo pelo marxismo
(Florestan fernandes)
1. Introduo
A professora cubana Isabel Monal em ensaio intitulado Marx,
America Latina y el alza del movimiento popular ,( apresentado no 6
Coloquio Marx-Engels,em novembro 2009, promovido pelo
Cemarx-unicamp), afirma que :
Com a entrada do seculo XXI a America Latina se converteu em um
centro das lutas e levantes populares contra o neoliberalismo e o
imperialismo e inclusive se lanou em
esboos de superao do capitalismo (grifos nossos ).Parece que
assistimos a uma
ecloso de efervescncia de transformao social que teve seus
incios desde os ltimos
Anos do seculo recentemente concludo.( Capitalismo:crises e
resistncias.outras expresses.2012.p.261).
Que papel ou influencia tem o marxismo nesse ciclo de novas
lutas em Nuestra
America.E,sobretudo,no arquiplago dos marxismos,quais os que
esto reatualizados ?
E,tambm, qual Marx ? A essa questo Isabel tenta responder em seu
ensaio,
ressaltando o que chama de marxismo fundacional
latino-americano, representado pelo chileno Luis Emilio recabaren,
o cubano Julio Antonio Mella e por sua grande
figura que se destaca, o peruano Jos Carlos Maritegui.(grifo
nosso).E esse
marxismo constitui uma herana insubistituivel para as atuais
lutas antiimperialistas e
anticapitalistas.Monal aproxima esse narxismo fundacional s
idias do Marx tardio,em que aspectos essenciais de sua teoria da
revoluo foram modificados ou enriquecidos(ibid-p.263). Na viso de
Isabel Monal, Esse legado to mais valioso que algumas das idias e
teses com que eles enriqueceram e desenvolveram o marxismo segundo
as condies do
continente se assemelham com aquelas analises e apreciaes dos
clssicos
desenvolvidas no final de suas vidas apesar de que 9com exceo
talvez de Mariategui
em relao a carta de Marx a Vera Zassoulitch ) no podiam ter
conhecido a evoluo
de Marx que o aproximava s possibilidades revolucionarias deste
distante
continente.(ibid-p.264) Para Isabel Monal, O Marx tardio est
mais prximo da America Latina e de suas problemticas, inclusive das
atuais,porque tanto ele como engels chegaram a superar,
entre outras coisas, a ciso, que havia caracterizado sua
concepoentre a chamada
questo nacional e a questo social. E,faz referencia ao que
chamamos de autogesto comunal: E porque ao complexificar tambm,
cada vez mais, o esquema evolutivo (que nunca foi linear, bom
insistir)
chegou a prever a possibilidade, a partir de condies
socioeconimicas especificas,de
que a Russia saltaria a etapa capitalista de desenvolvimento e
que se apoiaria nas
comunas agrcolas no processo at o socialismo grifo nosso-
(borrador da carta a
Vera Zassoulitich), com o qual deixava aberto e assentado esta e
outras possibilidades
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vlidas tambm para outras latitudes a partir, claro est, de
condies especificas que o
permitissem.(ibid-p.265)
Enfim,especificamente em relao ao nosso ensaio sobre o
Amauta,podemos colher na
escruta de Monal que No caso especifico de Mariategui ficou
estabelecido um amplo e profundo nexo entre o conjunto das demandas
sociais e nacionais com as lutas dos
povos indgenas.E comprendeu as possibilidades das comunas
indgenas originarias
( com sua propriedade comunal ) de um conjunto de pases com
numerosa populao indgena como era o caso de sua natal Peru para
constituir as bases das
transformaes at o socialismo-grifos nossos-.(ibid-p.269)
J no final dos anos 80, vrios pensadores mariateguianos
reclamavam uma vuelta Mariategui (Guibal e Ibanez-1987),ou quando
da comemorao do centenario do Amauta ,em 1994, o ensaio de F.Guibal
mais uma vez reclamava a vigencia de Mariategui (1995).A mesma
perspectiva corta os vrios ensaios de M.Lowy sobre
Mariategui,sobretudo, o famoso ensaio o marxismo romntico de
Mariategui (1994). O ensaio de Florestan Fernandes para o
centenario de Mariategui intitulava-se
Significado atual de J.C. Mariategui (1994).
Uma nova etapa se abriu para obra de Mariategui justamente no
ano do seu
centenrio,quando em janeiro de 1994,o neozepatismo surge nas
selvas de
Chiapas,marcando um novo ciclo de lutas em Nuestra America.
As experiencias na Venezuela e na Bolivia , em torno da
autogesto comunal,do poder popular,trouxeram uma nova leitura da
obra do Amauta. Nesse sentido, o trabalho de Miguel Mazzeo,na
Argentina,busca o descobrimento de Mariategui pelos lutadores
envolvidos na construo do poder popular.Essa a marca de seus
livros: Invitacin ao descubrimento(Enero de 2009) e Vigencia de
J.C.Mariategui( Junio de 2009).
Em relao ao Brasil ,a vigencia da obra de Mariategui adquire
mais expresso nesta
conjuntura marcada por Governos social-desenvolvimentistas de
Lula (2003-2010) e de Dilma (2011-2014),que na verdade, um processo
de longa durao, relativo ao esgotamento em nvel estrutural , de
atores, partidos,idias,etc. Parece que se encerra
todo um longo ciclo,iniciado nos anos 30.Para as esquerdas,
significa mais um momento
de reestruturao como os j vivenciados no ps Guerra( 1946) , no
ps Golpe Militar
(1964) e no final da ditadura militar (80) , quando surgiu o PT.
Nestes vrios momentos,
viradas de pocas, as esquerdas ,em alguns, conseguiu superar o
momento histrico de
forma relativamente unitria, noutros , atravs de fragmentaes que
tiveram
posteriormente resultados negativos.Mais uma vez, a historia
conclama por novas
opes.
nesta encruzilhada, que Mariategui traz contribuies
fundamentais.
Em 1994, quando da vitria do neoliberalismo , Florestan
Fernandes ,antevendo
desafios futuros , escreveu sobre a atualidade de Mariategui,
levantando questes que constituem uma verdadeira agenda ,ainda
vlida para os nossos dias. Afinal, os
impasses e problemas estruturais ,postos para as esquerdas nos
governos dos anos
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1994-2002 (FHC), e posteriormente nos dos anos 2003-2012
(Lula-Dilma), no foram
superados .
A obra de Mariategui no Brasil
Se tomarmos com referencia a obra de Leila Scorsim (2006) sobre
a vida e a obra de
JCM,a primeira que aborda de forma sistematica a obra do Amauta
no nosso pais,
veremos que, em nota de p de pgina, a autora ao abordar a herana
poltica de Mariategui, traa um pequeno balano da fortuna de JCM no
Brasil.Leila assinala que tambm na America Latina, os principais
centros de pesquisa ( institutos de investigao e universidades do
Mxico, da Argentina, do Chile, de Cuba e da
Venezuela) dedicam-lhe visvel ateno.Aqui entra a nota:
O que no se verifica no Brasil.Entre ns, somente se traduziu e
tardiamente- uma obra de Mariategui; os 7 ensayos...( traduo de
1974, portanto, com quase 50 anos de
atraso- nota nossa);h uma Coletanea de escritos seus (Bellotto e
Correa,orgs,1982) e
uns poucos deles figuram em M. Lowy (org. 1999);sob
responsabilidade desse
estudioso,est anunciada,pela editora da UFRJ, a edio de uma
antologia
mariateguiana; tenho noticia mas no pude examinar a edio- da
publicao,em Portugal,de alguns textos de Mariategui, pelas edies 70
(Lisboa),logo aps a
Revoluo dos Cravos.Pouquissimos intelectuais brasileiros, na
segunda metade do
sculo 20, interessam-se pela obra de Mariategui os registros que
examinei referem,Ademias de Bellotto e Correa e Michael Lowy, os
nomes de Florestan
Fernandes, Carlos Nelson Coutinho, Alfredo Bosi, Claudio
Nascimento, Jorge
Schwartz,Jos Paulo Neto e Leandro Konder. ( Leila.2007-p.41).
Mas, na segunda dcada do sculo XXI,a fortuna da obra de Mariategui
no Brasil j
considervel.Ressaltamos os diversos ensaios de M.Lowy e o livro
que organizou pela
Editora da UFRJ (2005); o imenso trabalho editorial de Luiz
Bernardo Perics; a
iniciativa de Jos Antonio Seggato (2002).Novas edies de Os 7
Ensaios : a 2 edio pela editora Alfa-Omega (com prefacio de
Florestan Fernandes) em 2004 e a
edio da Expresso popular-Clacso em 2008.Entre outras obras, a
Editora Boitempo lanou o importante livro de Mariategui Defesa do
marxismo(2011).
Fazendo uma sntese, em ordem cronolgica:
-Mariategui: Sete ensaios de interpretao da realidade
peruana.editora Alfa-Omega.1975.(prefacio de Florestan
Fernandes)
-Jos Paulo Neto: O contexto histrico-social de
Mariategui.Encontros com a Civilizao Brasileira,n.21.RJ.1980
-Mariategui,Coleo grandes cientistas sociais.Editora tica.1982
-Hctor Alimonda:Mariategui.Coleo Encanto Radical.Brasiliense.1983
-Claudio Nascimento: Mariategui,che Guevara e Carlos Fonseca,fontes
da revoluo na Amrica Latina.Ceca-Cedac.1989
-Alfredo Bosi: A vanguarda enraizada ( o marxismo vivo de
Mariategui).estudos avanados-USP.1990
-Florestan Fernandes:Significado atual de Jos Carlos
Mariategui.Andes.Brasilia.1994.
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- Florestan Fernandes:Significado atual de Mariategui.Em: A
Contestao Necessria.Retratos Intelectuais de Inconformistas e
Revolucionrios.editora atica.1995
P.Barsotti e L.B.Perics (orgs):Amrica latina: historia, idias e
revoluo.Xam.1998 -M.Lowy (org.): O marxismo na Amrica Latina.Uma
antologia de 1909 aos dias atuais.Fundao Perseu Abramp.1999
-M.Lowy:Marxismo e Romantismo em Mariategui.revista Teoria &
Debate-PT.1999
-E.Amayo e Jos A.Segato: J.C.Mariategui e o marxismo na Amrica
latina.Cultura acadmica.Unesp-Araraquara.2002
-Mariategui,Sete ensaios.2 edio.editora Alfa-Omega.2004
-M.Lowy (org.): Mariategui.Por um socialismo
indo-americanoeditora UFRJ.2005 -Mariategui Do sonho s
coisas.retratos subversivos.L.B.Perics (org.).Boitempo
editorial.2005
-Leila Scorsim : Mariategui vida e obra (expresso popular)
,2006. -Mariategui,Sobre educao.L.B.Perics (org.).Xam.2007 -
Mariategui, Sete Ensaios.expresso Popular-Clacso.2008.
-Mariategui,As origens do fascismo.L.B.Perics(org.).Alameda.2010
-Mariategui.Defesa do marxismo.Boitempo editorial.2011
-Mariategui,A Revoluo Russa.L.B.Perics.expresso Popular.2012
importante assinalar que na monumental Historia do
Marxismo,coordenada por Eric Hobsbawm, Jos Arico tem um ensaio em
que aborda a obra de Mariategui
(Mariategui e o surgimento do marxismo latinoamericano).Historia
do Marxismo vol 7.editora Paz e Terra.
Fazendo um longo parnteses , no que diz respeito ao meu
interesse, posso assinalar
alguns elementos ,em ordem cronolgica:
Nos anos 70,exatamente em 1975,tomei conhecimento da obra de
Mariategui na
Documentao do CEDI *, atravs de documentos e livros que chegavam
de vrios
pases da America Latina, como forma de intercambio editorial com
nossas
publicaes.Nesse sentido, com destaque para as obras publicadas
pela editora peruana
Tarea, sobretudo os ensaios sobre Mariategui escritos por
Alfonso Ibanez e Francis Guibal:
Alfonso Ibanez. Mariategui : Revolucin y Utopia.Ed. Tarea.1978
F.Guibal:Mariategui,um Gramsci peruano ?- Anexo de
Gramsci:filosofia, politica, cultura.Ed. Tarea.1981 Emilio
Choy:Lenin y Mariategui.Amauta.1975
Ainda em 1975 foi publicada a obra mariateguiana os 7 Ensayos...
,prefaciado por Florestan Fernandes,trazendo uma viso mais
sistematica da obra do peruano.
Em 1987 participando de um Seminario em Santiago do Chile,
encontrei educadores
peruanos que me presentearam o livro Mariateguy Hoy,publicado em
1987 por tarea.O livro tinha autoria de F. Guibal e A. Ibanez.
Nessa obra,os dois autores reclamam uma vuelta a Mariategui. Vamos
destacar alguns pontos fortes dessa obra.Para Guibal-Ibanez o que
podemos
achar em Mariategui no um modelo ou receitas,mas todo um estilo
de vida, uma
-
concepo singular do marxismo como teoria e pratica da revoluo
socialista.(ibid-p.8).
No nvel poltico os autores realam a principal Idea do socisliamo
mariateguiano:o trao mais caracterstico a primazia que sempre
outorgou aos movimentos sociais bo
processo de auto-determinao, as formas autnomas de organizao e
de luta do
movimento operrio e popular.(ibid). Mbos defendem que os novos
sujeitos em vias de auto-organizao reclamam uma renovada
racionalidade da prxis revolucionaria. O socialismo ter que ser
reformulado
desde seus fundamentos...(idem-p.11). Em um dos captulos falam
do socialismo indo-americano.Mariategui pe uma problemtica indita:
o fator raa se complica com o fator de classe em forma que uma
poltica revolucionaria no pode deixar de ter em conta.deve-se
converter o fator raa
em um fator revolucionrio(ibid-p.65). Para Mariategui Um
socialismo peruano,ento,ter que apoiar-se basicamente na comunidade
indgena como organismo cooperativo de produo e de consumo para
torna-la a clula de um Estado socialista moderno (ibid-p.65).
E,antecipando os processos em curso nos Andes, Uma conscincia
revolucionaria indgena tardar talvez a formar-se;porm, uma vez que
o indio tenha feito sua a idia socialista, a servir com
uma disciplina, uma tenacidade e uma fora em que poucos
proletrios de outros meios
podero acompanha-lo.(ibid). Nessa perspectiva,para Guibal e
Ibanez A atualidade de Mariategui, portanto,
reposaria no profundo esprito libertrio que impregna toda sua
obra critico-
pratica(...).Em todo caso, suscetvel de sugerir a configurao de
uma nova cultura
poltica autogestionria para nosso hoje histrico(ibid-p.76) Qual
a estrategia? No partindo do protagonismo dos partidos polticos,
que com freqncia tudo submetem a sua virtual ou real administrao
estatal, mas desde a
consolidao do processo de auto-orgnizao dos explorados em forma
democrtica e
unificada.isso supe impulsionar a generalizao das iniciativas
autogestionarias de
democracia direta de base, nas diferentes esferas da atividade
social, ao mesmo tempo
como meio e fim da transformao radical(ibid-p.77). Sem duvidas,
um processo de construo de Poder Popular Comunal :construir desde
abajo, em meio a vida cotidiana, a democracia, a nao e o
socialismo,concluem nossos autores.(idem).
Guibal e Ibanez j nesse livro recorrem obra de M.Lowy, Marxisme
et Romantisme Rvolutionaire),ed. Le Sycomore.1979).A referencia
Lowy diz respeito ao comunismo incaico.Mariategui, ao sentar as
bases do scoailismo indoamericano,tem muito prsente no s a penetrao
do capital imperialista e a industrializao do pais,
mas tambm as tradies comunitrias do campesinato indgena, onde
percebe os
germens do futuro socialismo(ibid-p.86) Por fim, o ltimo
capitulo, Os desafios do socialismo foi de fundamental importncia
para meus trabalhos posteriores sobre Mariategui e o socialismo
autogestionrio,abraando os trs eixos constitutivos do socialismo
:Auto-gesto econmica, Auto-organizao poltica e Auto-criao
cultural.(ibid-p.217-255)
Em 1988 ,participando com um grupo de rurais da regio sul,fomos
a Nicaragua e
Cuba.Na volta preparei um seminrio com o grupo e escrevi um
ensaio intitulado Mariategui, Che Guevara e Carlos Fonseca:fontes
da revoluo na America latina tentativa de situar um filo marxista
romntico.(Ceca-Cedac.1989)
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Ainda em 1988 participei, a pedido de Mauricio Tragtemberg ,de
um curso na UNB
sobre Planejamento,Administrao e Educao.Na oportunidade tratei
das idias de
Mariategui em um ensaio Educao na Transformao (Editora
UNB,1989).
As idias desse ensaio j tinha usado em final de 1991,logo aps a
queda do Muro de Berlim , em um encontro de militantes do
PT-SC,para elaborao do Programa de uma Corrente interna chamada de
Alternativa Socialista,nome extrado de uma Revista francesa
dirigida por Roger Garaudy.Eram as idias extradas da obra de Guibal
e
Ibanez.
Em 1991 no INCA*,iniciei uma investigao sobre Mario Pedrosa e me
surpreenderam
as afinidades eletivas que o critico de artes tinha com
Mariategui.Desse elemento parti para um trabalho traando as
afinidades entre os dois marxistas.O ensaio intitulou-se
Mario Pedrosa e Mariategui, um marxismo embruxado,e foi usado
para um Concurso chamado Jos Arico, na Argentina.Terminei com um
pequeno ensaio publicado na Revista Amrica Libre n.5-1994: Mario
Pedrosa y Mariategui: um marxismo embrujado(um socialismo em la
construccin de la hegemonia cultural) .
Em 1990,em palestra na PUC Recife,um balano sobre os fatos
ocorrido em 1989 no Leste eutopeu,sobretudo na Polonia,retomei as
idias de Mariategui.
Para Revista dos Metalurgicos do Sindicato de Campinas
apresentei um ensaio Leste europeu,reforma ou revoluo ? (1991), que
finaliza com as idias de Mariategui sobre o socialismo
autogestionario.
Determinante foi o contato com os ensaios de M.Lowy sobre o
romantismo revolucionrio,um deles sobre Mariategui : -Em
espanhol:El marxismo romantico de Mariategui.Revista America
Libre-2.1993. -Em Frances:Marxisme et romantisme chez J.C.
Mariategui,ensaio para o Coloquio Mariategui et lAmerique Latine au
seuil du XXI siecle.University Sorbonne.november 1994.
Estes ensaios de M.Lowy, foram fundamentais para articular a
viso de Mariategui no
campo do romantismo revolucionario, junto com Mario
Pedrosa.Inclusive,a pesquisa que iniciei naquela poca ,sobre os
files do romantismo revolucionrio no Brasil
(nomes como Antonio Candido,S.B.de Holanda,Mario de
Andrade,entre outros) vinha
sob o titulo de Constelao mariateguiana brasileira.Mas, com o
tempo o ensaio sobre Mario Pedrosa tomou autonomia e, o sobre
Mariategui tornou-se um ensaio com vida
prpria.
Nessa perspectiva, continuei trabalhando Mariategui ,com o
objetivo de analisar sua
proposta autogestionaria.Esse trabalho me permitiu intercambiar
com vrios
mariateguianos ,alm de M.Lowy.Desse modo, o italiano Antonio
Melis, Roland Forgues e muitos outros.Sobretudo o intercambio com
os filhos de Mariategui,Javier e
Sandro , dos quais recebi toda a obra do Amauta.
No final dos anos 90, mais precisamente em 1999 , para 1
Conferencia nacional da
PNF CUT,realizada em outubro, preparei um ensaio: Educao e
Cultura:instrumentos de transformao da classe trabalhadora ? , em
que abordei as idias de Mariategui,ao lado de Paulo Freire,Gramsci
e Raymond Williams.
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Em 2000, a Revista Utopia y Praxis Latinoamericana de
Zulia-Venezuela publicou um outro ensaio :Jos Carlos Maritegui e o
especifico nacional.
Em uma brochura sobre Autogesto e Economia Solidaria (cadernos
da cidade futura,2000.Florianopolis), retomei as idias de
Mariategui junto as de Mario Pedrosa.
Por fim, quando trabalhava com Economia Solidaria no Governo
Olivio Dutra-RS,em
2002,elaborei um verbete para publicao A Outra Economia
(2003),intitulado Socialismo autogestionario,em que abordei
Mariategui ( junto com R.Williams) no que chamamos de socialismo
indo-americano.
O ensaio atual foi iniciado a pedido do MST para uma coleo da
Expresso Popular.Mas, terminei por escrever um texto mais complexo
que o demandado, ao retomar os ensaios de F.Fernandes sobre
Mariategui.
Todavia, a partir dessa iniciativa ,abordar Mariategui pelo
olhar de Florestan Fernandes, busquei sistematizar a viso do Amauta
sobre o socialismo e a
autogesto.As experincias em curso na Bolivia,Venezuela me
impulsionaram ainda
mais ao estudo da obra de Mariategui.Nesse sentido,os livros de
Miguel Mazzeo na
Argentina foram importantes,e as obras do boliviano Alvaro
Garcia Linera, com
destaque para La Potencia Plebeya.
Numa poca em que fortuna da obra mariateguiana no era das mais
ricas no Brasil ,
do ponto de vista qualitativo, podemos afirmar que houve um
olhar brasileiro em relao a sua obra.Um dos grandes marxistas do
nosso pais,dedicou carinho especial a
obra do Amauta.
Neste sentido, no Brasil, uma das formas mais plenas de
possibilidades de abordagem
da obra de Mariategui, atravs das reflexes de Florestan
Fernandes sobre o legado do
Amauta. Este o sendero que vamos trilhar.
Voltando a Florestan: no ano de 1994, quando se comemorava o
centenrio do
Amauta, Florestan voltaria a obra de Mariategui, com um texto
publicado no Anurio Mariteguiano(volume 6,numero 6,de 1994),com o
titulo de Significado Atual de Mariategui. No ano seguinte, a
editora Atica publicou a ultima obra de Florestan, que morreu
em
agosto desse mesmo ano, significativamente intitulada de A
Contestao Necessria- retratos intelectuais de incomformistas e
revolucionrios.Nesta obra, Florestam busca responder as novas
questes postas para a esquerda brasileira com a vitoria de FHC.
2. O contexto (ps)neoliberal
No centenrio do marxista peruano , um novo bloco dominante se
constitua no Brasil,
articulando uma grande aliana conservadora que unificou o
conjunto das classes
dominantes e elegeu FHC Presidncia do pais.
Oito anos aps este fato, uma outra frente poltica,desta vez de
centro-
esquerda,elegeu nas eleies de 2002 ,Lula,um ex-operario
metalrgico,ex-presidente
da CUT e do PT, Presidncia do pais.Assim, cria-se a perspectiva
de superao de
uma onda longa conservadora ,do neoliberalismo.
-
Dizia-se que a esperana venceu o medo.Na verdade, as
expectativas da sociedade,sobretudo,dos setores mais pobres,
imensa.O novo presidente,quando da
posse em Braslia, simbolicamente rendeu homenagem varias geraes
da esquerda
brasileira: citou na manifestao da avenida Paulista, a Mario
Pedrosa; visitou Celso
Furtado ,Maria da Conceio Tavares,Apolnio de Carvalho;a viva de
Sergio Buarque
de Holanda.
Nos primeiros meses lanou o combate fome.
Durante o III Frum Social Mundial,realizado em Porto Alegre,em
janeiro de
2003,ms da posse de Lula,em Seminrios e Conferencias,
intelectuais de vrios paises
discutiram as novas perspectivas e possibilidades abertas
historia pela eleio de Lula.
Possibilidades entre a esperana e a frustrao
Os inmeros debates ocorridos durante o terceiro Frum Social
Mundial ,e, diversos
ensaios publicados em jornais,revistas , e debates na Mdia, nos
permitem ter uma idia
da perspectiva que se abria no Brasil
As anlises mostram que no se trata apenas de uma nova
conjuntura,mas de uma
mudana que est grvida de possibilidades para transformaes
qualitativas. No
conjunto, entre otimistas e pessimistas, podemos ver que se
trata acima de tudo de uma
aposta pascaliana: ambas as possibilidades, de derrota e de
vitria, esto presentes.
O cientista poltico grego SAMIR AMIN , em debate no Frum Social
Mundial ,
sobre o tema O novo Brasil no mundo atual, afirmava que a situao
do pais potencialmente revolucionaria, e, que seria um terceira
etapa na historia do pais : -a primeira se encerrou com o fim da
escravido;
- a segunda contempla desde a Republica, passando pelo populismo
de Vargas at o
regime militar;
- a eleio de Lula, o inicio da 3a etapa, pois permitir a entrada
em cena das classes
populares.
Esta tem sido a tnica em relao ao momento atual brasileiro: uma
abordagem que
implica temporalidades longas e contradies profundas.
Nesta mesma perspectiva, o cientista poltico brasileiro
Francisco de Oliveira,
escreveria: Na periodizao da longue dure brasileira, a eleio de
Lula...tem tudo para ser uma espcie de quarta REFUNDAAO da historia
nacional, isto , um
MARCO de NO-RETORNO, a partir do qual impom-se novos
desdobramentos. Ela
pode ser a liquidao do que tem sido chamado a LONGA VIA PASSIVA
brasileira, essa forma autoritria da expanso capitalista, uma
modernizao sempre truncada pela
limitao da cidadania. Na periodizao de Oliveira,
-a Abolio seria a primeira refundao;
- a Republica seria a segunda;
-a Revoluo de Trinta, a terceira.
Enfim, o momento atual est marcado pela possibilidade de que as
classes dominadas convertem-se no novo eixo republicano e
democratico. No final do ensaio, nosso Autor adverte que, O
resultado eleitoral no significa hegemonia, mas apenas sua
possibilidade. a poltica que ser instaurada que pode
transformar o resultado em hegemonia.O carater do novo perodo
que se abre ainda enigmtico.
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O critico literario Antonio Candido, tambm fazendo uma analise
de onda de longa
durao afirma que h um simbolismo na eleio de Lula: cansado das
injustias e dos
erros cometidos pelas elites, o povo brasileiro resolveu confiar
o seu destino a algum
da classe operaria. Candido define a singularidade de Lula, pelo
fato de que, continua
essencialmente identificado aos intereses da sua classe. Sob
esse aspecto, a sua vitria
coroa um PROCESSO HISTORICO iniciado com as lutas sociais do fim
do sculo 19 e
acelerado depois de 1930 devido ao incremento da industrializao.
Candido ressalta as
esperanas do ps-Guerra, em 1945, e que, talvez, o momento
decisivo veio com as
greves do ABC em meados do decnio de 1970.
Candido recorre a analogia com a conjuntura aberta em 1945 ,
afirmando que a utopia
dos socialistas naquela poca, expressa por Paulo Emilio de juno
da classe media, do
campesinato e do operariado, pode agora ser uma realidade:
Talvez as trs foras definidas por Paulo Emilio possam agora
compor uma aliana capaz de mudar a face do Brasil.
Por sua vez, Jose Luiz Fiori declara que dos 3 projetos que
disputaram o poder e as
idias no Brasil, o terceiro est se iniciando agora: nunca ocupou
o poder estatal nem comandou a poltica econmica de nenhum governo
republicano, mas teve enorme
presena no campo da luta ideologico-cultural e das mobilizaes
sociais. Nos anos 60, a vertente nacional,popular e democratica do
desenvolvimento chegou a
propor uma reforma do projeto. Para Fiori, a historia no se
repitir, mas no nenhum anacronismo retomar velhos objetivos
frustados e reprimidos atravs da historia para
reencontrar novos caminhos. Todavia, com a mesma metodologia da
longue dure, encontramos vozes que alertavam para a possvel
frustao, titulo do ensaio de Csar Benjamin . Este afirma que ningum
sabe descrever, com um mnimo de preciso, que pais Lula vai
governar.O Brasil que temos pela frente um quebra-cabeas
que ainda no foi montado.. E que, Da trajetria percorrida no
sculo 20, at cerca de vinte anos atrs, j temos interpretaes mais ou
menos consagradas. De l para c estamos em vo cego.
Csar afirma que a crise brasileira no apenas uma crise de
Estado, mas uma crise que perpassa o conjunto da sociedade, e que
sua soluo implica algo muito difcil: revolucionar relaes
sociais.
Em relao a via passiva brasileira, lembrada por Francisco de
Oliveira, Perry Anderson nos advertia que: H tambm o peso da tradio
cultural que se far sentir sobre os agentes de qualquer renovao.
Muito mais ainda que a Itlia, que lanou o
conceito para o mundo, O Brasil por excelncia o pais do
transformismo, a capacidade que possui a ordem estabelecida de
abraar e inverter as foras
transformadoras, at que fica impossvel distingui-las daquilo que
se propunham a
combater. o lado sombrio da incomparvel cordialidade brasileira.
O paz e amor , por antecipao, um vocabulrio de indigesto e derrota.
Uma causa pode sobreviver
a um slogan, mas , sem slogans melhores do que este, as presses
objetivas no vo
demorar a esmagar os desejos subjetivos.
Um longo ciclo : 1973 2003...
Emir Sader, analisou o momento da Amrica Latina a partir do fato
de que : 2003 promete ser o ano mais importante para o continente
desde 1973...A partir de 2003
enfrentamos uma aberta crise de hegemonia na Amrica latina, com
o esgotamento dos
-
blocos no poder, sem que se tenham formado ainda novas foras em
condies de
preencher esse vazio. Se o continente aponta para um horizonte
pos-neoliberal, 2003 ter sido um ano
histrico, como foi 1973, porm desta vez, para um patamar de
avano das lutas
histricas. Assim, abre-se , Um perodo novo em que os espaos de
alternativa esto abertos, representando para o movimento popular e
o movimento de massas possibilidades
novas de interveno, com governos que podem ser expresso e
interlocutores de suas
reivindicaes e que, por sua vez, tero seu significado
condicionado pela prpria ao
das foras sociais, poltiticas e culturais que a esquerda
latino-americana acumulou nas
decadas de resistncia ao neoliberalismo.
O cientista poltico argentino Atlio Boron, afirma que: a eleio
de Lula da Silva representar o comeo do ciclo histrico
pos-neoliberal na America Latina.A vitoria de Lula constitui,para
Boron, um fato histrico comparvel, no ultimo meio sculo, com o
triunfo da Revoluo Cubana em janeiro de 1959, com o de Salvador
Allende no
Chile em setembro de 1970, coma vitria insurreicional
infelizmented derrotada depois- dos Sandinistas e com a irrupo do
zapatismo no Mxico em janeiro de 1974. Contudo ,Boron tambm adverte
para as enormes dificuldades do processo. Diz que as
reformas propostas no so suficientes para a construo de uma
sociedade pos-
capitalista;mas, podem,se forem realizadas sob uma forma
democrtica, auto-
gestionaria,participativa, constituir um aporte considervel para
avanar em direo a
uma nova sociedade.
Revoluo ativa ou iluso de hegemonia ?
Todavia, os primeiros meses de Governo Lula, no corresponderam
s
expectativas(...).Sobretudo, a continuidade no campo da poltica
economica
,emperrando os projetos de cunho social e as polticas
publicas,eixos fundamentais e
determinantes do Programa de Governo do PT.Alguns Ministrios e
Agencias
financeiras foram ocupadas por foras empresariais
conservadoras.Ministerio da
Industria e Comercio, Ministrio da Agricultura , Banco
Central,por exemplo.Este
processo explicaria algumas dificuldades e mesmo derrotas do
campo popular-
democratico: meioambiente com a questo dos transgenicos;a
disputa pela
representao do mundo do trabalho, sindical e cooperativo,travada
no Frum Nacional
do Trabalho.
O cientista poltico Francisco de Oliveira, profundo conhecedor
dos processos
polticos brasileiros tentou analisar o novo momento poltico.Na
introduo nova
edio de sua Critica razo Dualista, o sociologo pernambucano,em
ensaio chamado de Ornitorrinco, conclue que:
A representao de classe perdeu sua base e o poder poltico a
partir dela estiolou-se. Nas especificas condies brasileiras, tal
perda tem um enorme significado: no esta
vista a ruptura com a longa via passiva brasileira,mas j no mais
o subdesenvolvimento
Em um ensaio, significativamente intitulado H vias abertas para
a America Latina?, apresentado como palestra de abertura da
Assemblia geral da CLACSO (Cuba,out.
2003), Chico de Oliveira ,faz referencia ao Governo Lula:
-
A vitria nas eleies e o governo Lula so outros casos de
advertncia que podem dar a iluso de hegemonia das foras do
trabalho; mas, examinando-se o desempenho
presidencial, a verdade pode ser o oposto.Toda a longa acumulao
de experiencia dos
movimentos sociais brasileiros,incluindo-se nele o prprio
movimento sindical do qual
originou-se Lula,produziu uma quase hegemonia nos termos de
Gramsci...O governo
Lula nega, na pratica, essa quase hegemonia e, pelo contrario,
entrega-se reiterao de
tudo que combateu.Para no cairmos no registro simples da
denuncia moral que continua sendo urgente e continua sendo um
elemento da poltica-, faz-se preciso
ESCAVAR AS CAUSAS ESTRUTURAIS DE TAIS DESVIO(grifo nosso).
Ainda h vias abertas para Amrica latina?, ou tambm podemos nos
perguntar: H , ainda, um grito parado no ar : as possibilidades
esto esgotadas ,ou, ser possvel
uma mudana na relao de foras que permita o avano das foras
democrticas e
populares?
Por paradoxal que possa parecer, a conjuntura aberta com o
neoliberalismo (em 1994)
e a conjuntura aberta com a eleio de Lula, ambas portam questes
similares para as
esquerdas. Questes que s podem ser respondidas ,seguindo a
advertecia de Chico de
Oliveira: escavando as as causas estruturais, analisando ondas
de longa durao. Neste sentido, a reflexo de Florestan Fernandes
,traada em 1994 , tambm diz
respeito aos dilemas atuais .
3. o retorno a reflexo de Florestan .
Logo aps a derrota de Lula em 1994, o sociologo Florestan
Fernandes, atravs de
reflexes sobre a atualidade do pensamento de Mariategui, punha
varias questes na
ordem-do-dia.Florestan tentava responder as novas questes ento
postas para as
esquerdas brasileiras,no contexto da vitria do neoliberalismo
com FHC na presidncia.
O centenrio do marxista peruano Mariategui realizou-se no mesmo
ano em que, no
Brasil, o novo bloco dominante constitudo por uma grande
aliana
conservadora,unificando o conjunto das classes dominantes,
chegou ao poder ,com
FHC, nas eleies presidenciais de 94.
Como falamos acima, quando do centenrio do Amauta,em
1994,Florestan voltou ao
nosso autor, com um texto : "significado atual de Mariategui".
Enfim,em julho de 1995,
tivemos a ultima obra de Florestan ,"A Contestao
Necessaria-retratos intelectuais de
inconformistas e revolucionrios".
Nesta obra Florestan,num mpeto Benjaminiano,afirmaria :
" No Brasil,ocorreu um deslocamento de rumos do socialismo e da
social-
democracia.Esta se amalgamou ao controle conservador,interno e
externo,da
economia,da cultura e do Estado.Serve como instrumento de
continuidade no poder das
elites das classes dominantes e de contemporizao com os baixos
salrios e a excluso
de milhes de indivduos da sociedade civil.O socialismo, porem,
encontrou canais de
defesa relativa. O pensamento radical enervou-se e reativou
nichos de sobrevivncia
construtiva."
No prefacio,escrito em julho de 95, aps situar o
contexto,Florestan levanta algumas
questes:
Essas condies novas provocam indagaes sobre os papeis dos
intelectuais nos
movimentos sociais ou sobre o destino de sua produo.
-
- Sucumbiram onda conservadora ou ainda contam com os meios para
criar idias
suscetveis de elaborao pratica, no plano poltico - cultural
?
- De outro lado, estas tendncias radicais ou revolucionarias do
passado In flux possuem
vitalidade suficiente para desencadear novas composies
partidrias e na "
transformao do mundo" ?
- Por fim, o radicalismo burgus ainda pode ou no suscitar
impactos positivos sobre
processos centrpetos de modernizao autctone da ordem social
?
A busca de Florestan tem, claramente, um espirito
Benjaminiano:
" As perguntas apontam a necessidade de sondagens sobre o
passado que se incorporam
ao presente e no podem impedir um futuro com outras
perspectivas."
Florestan particulariza a questo em termos de " nossas
condies":
"O quadro catastrfico no to sombrio . O atraso aninha
potencialidades que esto
sendo arrasadas nos pases imperiais.H um vazio poltico que
protege a emergncia ou
o reaparecimento de foras sociais que no puderam ser eliminadas
confuso que os
controles ultraconservadores impuseram sobre a inteligncia e o
comportamento radical
no surge, aqui, com o mpeto destrutivo que apresenta na Europa e
nos Estados
Unidos."
Para Florestan, " A periferia,contudo, no esmagou todas as
modalidades de
radicalizao social e poltica. A revoluo anticolonial e
nacionalista subsiste e o
significado do socialismo preservou-se ou enriqueceu-se em
diversas regies".
Prossegue,ento,definindo o papel de seu livro neste contexto: "
A Contestao
Necessria" uma tentativa de reter e discutir manifestaes dessa
natureza.Apesar de
suas insuficincias, em vista dos materiais utilizados e da falta
de um fio condutor na
reelaborao interpretativa adotada, representa um ponto de
partida para outras
reflexes de maior envergadura. O que importa, no momento, que
restabelece o valor
de uma herana intelectual e poltica que parecia condenada ao
esquecimento ou
supresso pela violncia".
" A Contestao Necessria focaliza como seu objeto o eclodir de
aspiraes
utpicas, que foram destroadas pelas classes dominantes e pelo
recurso extremo de
duas ditaduras. Assinala esperanas frustadas, que se encontram
pairando sobre a
sociedade brasileira. O livro no tem a pretenso de ser mais
inclusivo, como ocorre
com a obra j clssica de Carlos Guilherme Mota, A Ideologia da
cultura
brasileira(1933-1974)"
Para Florestan, o titulo " Contestao necessria", "repe o
imperativo de salvar
esperanas, que sobrevivem e crescem no substrato de uma
sociedade capitalista
fomentadora de contradies que convertem a radicalidade em estilo
de pensamento e
de ao, indispensveis construo de um futuro limpo da canga
arcaica e
ultraconservadora".
Entre os incorformistas e revolucionarios,Florestan traa uma
constelao que abrange
Antnio Cndido, Caio Prado Jnior, Carlos Marighella, Claudio
Abramo, Fernando de
Azevedo, Gregorio Bezerra, Henfil, Herminio
Sachetta,Mariategui,Jose
Marti,Prestes,Lula,Octavio Ianni,Richard Morse,Roger
Bastide.
No capitulo primeiro, " O Intelectual e a Radicalizao das
Ideias",Florestan inicia-o
com a figura de Lula, em seguida aborda Marti, e, a seguir
Mariategui.
Pontua: "Recorri a uma simulao fecunda: o que faria J.C.
Mariategui nesta era de
incerteza para o socialismo ?
Ele sucumbiria moda e propaganda demolidora do marxismo nas naes
capitalistas
hegemnicas?
-
Minha suposio que Mariategui possua uma personalidade
incorruptvel e
indomavel.Baseio-me no fato de que ele foi pioneiro em duas
frentes:
1-na pugna com conservadores, que encaravam o marxismo como
iluso;
2-e na critica a companheiros que no avanavam com sua fibra e
perspiccia na
interpretao da situao histrica peruana e latino-americana.No
cedeu o passo.Levou
seus combates s ultimas conseqncias, oferecendo a todos as
mesmas respostas de
quem sabe o que faz e por que faz.Em conseqncia, sua figura
admirvel eleva-se
como exemplo em um universo de oportunismo e capitulao".
"Exagerava suas opes tericas ou praticas ? O xito do capitalismo
acarretava o
abandono da utopia ? Nada disso. A historia avana por um curso
que construdo por
seres humanos, e as contradies que os separam aumentaram sem
cessar.Ele lembra
que nossas razes brotam e sobrevivem na Amrica Latina.A escolha
entre o colonial, o
privilegio e a rebelio pode medrar segundo ritmos histricos
lentos e sinuosos. Mas ela
no se desvanece como as nuvens. A menos que a subalternizaro
penetre e paralise os
que sofrem a opresso e a misria, sucumbindo condio de
escravos".
Aps Mariategui,Florestan nos fala sobre Caio Prado Jnior, que, "
como Mariategui,
portanto, plantou o marxismo na Amrica Latina e esperava deste
seu partido (o PCB)
uma orientao revolucionaria especifica e coerente".
Em trs ocasies, Florestan escreveu sobre Mariategui:
No Prefacio (escrito em outubro 1974) aos "7 Ensaios" . No texto
para o Anurio (1994)
dos 100 anos de Mariategui, 20 anos aps aquele Prefacio. E, em "
A Contestao
Necessria" (1995), que de um lado, traz um Prefacio escrito em
1995 e, de outro,
retoma o texto escrito para o Anurio de 1994.
No prefacio aos "7 Ensaios", Florestan Lamentava que " somente
agora, depois de
quase meio sculo aps sua publicao original em livro, ela se
torne acessvel ao
publico e aos estudioso brasileiros". Para Fernandes, Mariategui
teve 2 objetivos nestes
Ensaios,
1- contribuir para a critica socialista dos problemas e da
historia do Peru;
2- concorrer para a criao de uma verso peruana do
socialismo.
" Mariategui o nosso " irmo mais velho", numa CADEIA DE
LONGA
DURAO, a qual mostrou sua primeira florada na dcada de 20,
atingiu um
clmax histrico com a revoluo cubana..."
" O que ficou desse intento revolucionario (...) ? Ficou a
proposio de uma tica
revolucionaria, que no um ersatz intelectual, mas uma resultante
coerente da
aplicao do materialismo histrico interpretao da realidade
peruana (e, por
desdobramento e ampliao, da realidade latino-americana). fcil,
hoje, dizer-se
que se poderia Ter ido mais longe nisto ou naquilo e condenar a
interferncia de
fontes no-marxistas ou para-marxistas sem eu pensamento.
Tomando-se o "aqui" e o "agora" ,porm : quem foi mais longe ? e
quando ? Essas
perguntas no so retoricas.Mariategui no se afirma apenas como
pioneiro.Ele
promove as primeiras analises concretas, de uma perspectiva
marxista, de vrios
temas cruciais:
- a formao do capitalismo na Espanha;
-
- a irradiao do capitalismo da Europa para a Amrica Latina;
- as transformaes da dominao imperialista sob o impacto do
aparecimento e fortalecimento da grande corporao ou da presena
norte-americana;
- e, sobretudo, as relaes entre a base econmica e as estruturas
sociais e de poder da sociedade peruana, nas varias fase do perodo
colonial e do perodo
nacional.
Naquele momento, outubro de 1974, marcado pelo inicio da "
abertura
politica",inicio do fim da ditadura militar no Brasil, Florestan
dizia que :
" Por fim, coloca-nos diante de um exemplo que , em si mesmo, um
desafio.
Mariategui pagou um alto preo sua independncia, honestidade e
firmeza
revolucionaria. Ele o tipo de autor que devemos ler e reler com
ateno,numa
poca que exige de ns que botemos todo o nosso sangue na defesa
de nossas idias-
e na qual a alternativa para a luta sem trguas por uma sociedade
de homens livres
para homens livres a servido".
J o texto para o Anuario,de 1994 e,sobretudo, o Prefacio de 1995
para o livro " A
Contestao Necessria", o momento era outro: o bloco no poder saia
vitorioso em
mais um processo de " revoluo passiva" brasileira, iniciado em
1985 ,com a
Nova Republica, e 1989 ,com a derrota de Lula para Collor,em
conjunto com a
derrocada do socialismo estatal burocrtico no Leste
europeu.Tomava corpo a
poltica neoliberal.
Florestan ,ento, retoma o Prefacio de 1975 ,ampliando-o.Mantm o
texto para o
Anurio de 1994 e, situa os desafios novos no Prefacio para seu
livro sobre os
Intelectuais e Revolucionrios(1995).
No texto intitulado " Significado atual de J.C.Mariategui",
Florestan nos d sua
viso da obra do Amauta.
No epigafre,citando Anbal Quijano,Florestan capta o ncleo
gerador da obra
mariateguiana:
"O recurso diversa realidade entre Europa e Amrica Latina, como
defesa perante
o eurocentrismo...".Ou seja, a base da reflexo que conduz a
dialtica entre tradio
x modernidade.
Vejamos em longas citaes as idias de Fernandes.
J se discutiram muito as contribuies de Mariategui...Nenhum dos
assuntos e
atributos chegou a ser esgotado.Ele escapou, entretanto, s
falhas da memria
coletiva e sua presena superou todas as formas de isolamento que
ameaaram sua
obra ainda em vida.isso aconteceu porque FOI MAIS QUE ' UM
FERMENTO
RADICAL' da ordem - um autentico revolucionario, que exerceu
influencias
pioneiras com razes profundas na realidade americana.
INTERESSA-NOS O QUE ELE REPRESENTARIA, HOJE ,GRACAS S
PECULIARIDADES DO SEU PENSAMENTO E AO,NESTA TRAGICA
ETAPA DE NEGAO DO SOCIALISMO. Parece que o capitalismo
oligopolista
automatizado e "global" suprimiu para sempre as diversas
correntes do anarquismo
,do socialismo e do comunismo...
-
uma aventura arriscar-se s indagaes que proponho... obvio que
Mariategui
no engoliria a mistificao do " socialismo est morto". Ele
sabia
amadurecidamente que o capitalismo no consegue resolver os "
problemas
humanos" , que ele gera e multiplica...Sua convico era clara: os
progressos do
capitalismo redundam em aumento geomtrico da barbrie. Essa
realidade sempre
foi subestimada de uma perspectiva eurocentrica.Um marxista
peruano, todavia, no
tem porque se enganar a respeito.Basta olhar para trs ou para o
presente.Exitos e
progressos trazem consigo contradies crescentes - no extremo
fatal, implosivas.
Uma civilizao que repousa na riqueza, na grandeza e no poder,
por quaisquer
meios exige um sistema social de excluso, opresso e
represso....".
Florestan expe o modo como o peruano via o sistema capitalista,
como expresso
de uma civilizao. E no somente um modo de produo.
" Por isso, o dialogo com Maritegui deve possuir a natureza de
uma opo lcida.
O que est dado como uma " sociedade aberta" ou como uma " ordem
social-
democratica" fecha-se para a imensa maioria ( silenciosa ou
contestadora) e s
oferece "democracia" s elites no poder (isto , s classes
dominantes). A questo
no abarca todas as tcnicas, instituies e valores sociais dessa
civilizao. Mas
seus fundamentos axiologicos e tecnolgicos, asfixiantes e
incoercivelmente
corrosivos."
Florestan, formula,ento,toda uma serie de questes sobre o
capitalismo em sua
etapa atual:
" Portanto, nos dias que correm, Maritegui - ao contrario de
tantos anarquistas,
social-democraticos, socialistas e comunistas - encontraria
dentro de si a indagao
fundamental:
- como representar e explicar a totalidade histrica intrnseca ao
capitalismo monopolista automatizado ?
- O que ele promete de novo evoluo da humanidade e da "
civilizao ps-moderna" ?
- O que reserva aos de baixo, "escoria", ao "trabalhador
mecnico" inativo, aos estratos inferiores e intermedirios das
classes medias ?
- O que ele remete e arranca da periferia, subcapitalista ou em
desenvolvimento capitalista, e aqueles pases nos quais a lenta
transio para o socialismo no foi
ainda arrasada?
- Ciencia, tecnologia, tecnocracia racionalizada foram, por fim,
colocadas a servio dos " homens livres e iguais" ou servem apenas
concepo romana de
riqueza, grandeza e poder - repetida no "destino manifesto" dos
Estados Unidos
e na conglomerao de potncias que encarnam a mesma aspirao de
atingi-la ?
- E qual a essncia civilizatoria desse mesmo capitalismo
ultramoderno ?
- Ele contm a propenso para abolir as classes, a dominao de
classes e a sociedade de classes?
-
- Ou as oculta por trs de uma miragem pela qual a "ideologia"
escamoteada reaparece com vigor nunca pressentido no
"neoliberalismo" ?
Sem nenhuma dvida, questes para as quais as esquerdas, em
reestruturao,
necessitam escavar nas profundezas .
Para Florestan , Os 7 Ensaios de interpretao da realidade
peruana e, Em Defesa do
Marxismo,"delimitam a postura de Mariategui". Florestan critica
o erro das ticas
eurocentricas e bolcheviques no seio do marxismo e, v em
Mariategui " o intelectual
mais puro e apto para perceber o que sucedeu ,se estivesse vivo,
para traar os caminhos
de superao que ligam dialeticamente a terceira revoluo
capitalista plenitude
madura do marxismo revolucionario".
Para Fernandes, no debate de Mariategui com Haya de la Torre, "
patenteia-se,pois,o
quanto Mariategui transcendeu a orbita do marxismo triunfante do
seu tempo e o quanto
ele compartilha conosco a necessidade de ir mais longe para
ver".
" Desse angulo, Mariategui o farol que ilumina, dentro da
pobreza e do atraso da
Amrica Latina, os limites intransponveis da civilizao
capitalista e as exigncias
elementares da " civilizao sem barbrie", que as revolues
proletrias no lograram
concretizar.
- Era cedo demais?
- Elas perderam o rumo?
Essas so perguntas que s a historia em processo poderia
responder.As equaes de
Mariategui classificaram precises contidas na tradio clssica,
paradoxalmente como
se ele fosse um Max Weber a servio do comunismo ( repetindo, de
certa maneira, a
tragdia de Gramsci)".
A "condio de peruano"
Florestan avana na definio do carter do " especifico nacional"
em Mariategui.
" natural que o Peru ocupe uma posio privilegiada no pensamento
de
Maritegui.Ele procede, no obstante, rente tradio marxista- Peru
no se desloca das
varias Amricas e da insero passiva-ativa de todos os envolvidos
nos mundos
histricos dos "conquistadores",antigos e modernos sua condio de
peruano
bsica.Ele tinha atrs de si e sob seu olhar uma grande civilizao,
o destino dos seus
portadores e os seus escombros.Isso o impelia ao estudo do
passado e do presente que
nenhum outro marxista de envergadura poderia realizar. E o
obrigava no s a busca de
analogias e de diferenas que procediam ou da situao homologa das
"naes
emergentes" das Amricas de matriz ibrica, ou do carter varivel
da colonizao e da
independncia como processos de longa durao".
Florestan define esse resumo como " suprfluo e desnecessrio",
mas que o fez para
salientar a experincia europia de Mariategui:" Os 7 Ensaio de
interpretao da
realidade peruana permitem sondar por que ele mergulhou sem
retorno nessas vias
e,depois, ultrapassando-as, props-se enriquecer o marxismo fora
e acima dos eixos
eurocentricos".
Enfim,para Florestan " A atrao de Mariategui pelo
marxismo,malgrado outras
influencias divergentes e em dados momentos muito fortes, brota
da descoberta de uma
-
resposta sua ansiedade de observar, representar e explicar
PROCESSOS
HISTORICOS DE LONGA DURAO e de uma PROPOSTA REVOLUCIONARIA
concomitante, QUE VINCULA DIALETICAMENTE PASSADO, PRESENTE E
FUTURO". A inteligncia de Mariategui "deitava razes mais
profundas no
esclarecimento do ser, no ENTENDIMENTO INTEGRAL DE UMA
CIVILIZAO
NATIVA ESTIOLADA PELA COLONIZAO e na necessidade de romper com
um
oprbrio que esta s explicava parcialmente".
Com o desabamento do socialismo estatal e a ascenso do
neoliberalismo ,para
Florestan Fernandes, " encerrou-se um perodo de longa durao da
historia
recente".Nosso autor assinala uma " ironia da historia":
" O fantasma das sociedade pobres e subdesenvolvidas da Amrica
Latina resultava de
uma contradio: fascismo ou socialismo ?. Neste contexto, as
proposies de
Mariategui marchariam como antes, de acordo com a reduo de
Engels: socialismo ou
barbrie ? So proposies que no foram varridas pela
tempestade.Maritegui ainda se
ergue como um farol, que ilumina o horizonte intelectual e
poltico dos que querem
conferir aos latino-americanos a opo pelo marxismo".
Aps esta "abordagem global" por Florestan da obra de
Mariategui,voltemos nossa
questo:
4. Porque Mariategui ?
Carlos M. Rama, em sua obra pioneira sobre a Historia Del
Movimiento Obrero y Social Latino Americano , destaca o que chama
de uma corrente desviacionista no socialismo de nosso
continente.Assim, afirma que Desde o ponto de vista ideolgico,
interessante destacar como surge uma constante tendncia
latinoamericana a favorecer
a heterodoxia , a marginalidade, em respeito s correntes
fundamentais do socialismo
europeu.Isto vem desde o xito inicial dos socialismos utpicos,
saintsimoniano ou
fourierista... C.Rama destaca os progressos estritamente tericos
do marxismo latinoamericano de nosso sculo, que tem personalidades
de grande relevo, desde Jos Carlos Maritegui
at Anbal Ponce. As experincias e lutas revolucionarias da Amrica
Latina reencontram o pensamento
de Mariategui. No por acaso. A crise dos sistemas ps-ditaduras
militares e a presso
das alternativas democrticas, suscitam mais que questes de ordem
conjuntural; dizem
respeito ao carter especifico da realidade latino-americana e a
definio de um
"marxismo latino-americano", para o qual Mariategui referencia
obrigatria. Para os
revolucionrios do continente, Mariategui , acima de tudo, um
exemplo nico de
unidade dialtica entre a especificidade nacional e a perspectiva
mundial.
Um dos mariateguianos , que aprofundou a via do peruano sobre o
socialismo,Csar
Germana,na introduo a seu livro El socialismo indo-americano de
Jose Carlos Mariategui(Amauta,1995) , nos fala da vigncia de
Mariategui: Em minha opinio, neste momento crucial da humanidade
Mariategui tem algo que nos dizer. Desde o ponto de vista
privilegiado de nossa atualidade , possvel por em
relevo aqueles aspectos da concepo socialista do Amauta que no
conduzem a aporias
socialismo burocrtico nem a passividade das democracias
liberais. bom notar que,
apesar do tempo transcorrido desde sua morte, em sua obra se
mantm vivos alguns
temas que permitem contribuir com novas perspectivas ao velho
debate sobre o
socialismo
-
E,que : A problematizao do socialismo parece com mais urgncia em
um momento histrico,como o que estamos vivendo, em que se tem a
impresso de que um periodo
da humanidade chega a seu fim e que outro est surgindo,sem que
as exigencias de
liberdade e igualdade tenham sido realizadas pelo capitalismo e
pela democracia
liberal. Nas palavras de Roland Forgues, "aps a queda do muro de
Berlim e a derrocada do
'socialismo realmente existente' na ex-URSS e nos pases da
Europa do Leste,o
redescobrimento da obra de Mariategui tornou-se uma necessidade
histrica".
Na apresentao Coletnea J.C.Mariategui e o marxismo na Amrica
Latina, publicada em 2002, podemos ler que: A importncia desta
reapresentao,torna-se ainda mais relevante num momento de crise e
de dificuldadess mltiplas enfrentadas
pela(s) esquerda(s) em geral.Seu marxismo,altamente criativo e
renovador,pode
oferecer elementos e subsdios,no s tericos e histricos,mas
sobretudo polticos,para
todos aqueles que buscam construir uma sociedade mais
democrtica,igualitaria e
fraterna. O socialismo,na viso de Mariategui,porta elementos
fundamentais na perspectiva da
autogesto socialista: a democracia direta tem um papel
importante em sua viso; o papel das diversas formas de
auto-organizao dos trabalhadores.
A reconstruo da esquerda na Amrica Latina, neste contexto de
inicio de sculo,
com todas suas questes, "Em muitos sentidos responde ...a
histrica viso do inicio do
sculo, que tiveram Marti, Mariategui, Haya de la Torre, Sandino,
Zapata, Recabarren e
outros: "NACIONALIZAR A TEORIA".
Corresponde ao que, no mesmo perodo na Europa, foi sintetizado
por Gramsci.
Abordando a situao pos-1917, afirma G.Vacca, "A reelaborao do
marxismo e a
definio de suas tarefas atuais so uma necessidade, porque no seu
desenvolvimento
histrico e no seu estado atual o marxismo lhe (para Gramsci)
aparece largamente
imprestvel. O seu deslocamento do marxismo da Segunda e Terceira
internacionais
consuma-se de forma profunda; assim, em aberta polmica com esses
que Gramsci
culmina o prprio programa de pesquisa na reelaborao da forma
terica do
marxismo".
Dentre os problemas atuais com os quais se defronta a esquerda,
cinco fatos de porte
mundial condicionam o debate sobre socialismo e democracia na
Amrica Latina:
1) O colapso do modelo capitalista liberal na Amrica Latina,
evidenciado no que ficou conhecido como " dcadas perdidas";
2) A desintegrao do modelo do "socialismo estatal burocrtico" na
Europa do Leste e na URSS;
3) A intensificao da concorrncia inter-imperialista;
4) O declnio da potncia industrial dos EUA e o aumento da sua
influencia ideologico-militar;
5) O fim da Guerra Fria, com a abertura de um novo ciclo de
conflitos no Oriente e
entre Ocidente e Terceiro Mundo.
-
6) Os problemas colocados s esquerdas, pelos possveis fracassos
ou vitrias, de
superao do neoliberalismo ( governos Lula , Tabor e Chaves,por
exemplo).
7) a necessidade de referenciais tericos para o novo perodo de
reestruturao das esquerdas.
Pensamos que o aporte terico de Mariategui nos d elementos
valiosos para tratar
estas questes, como tambm sua insistncia sobre o "sentido herico
e criador do
socialismo", combinando com sua defesa da solidariedade
internacional.
Marxismo e Eurocentrismo
Estudando o marxismo latino-americano, Portantiero afirma: "A no
ser
ocasionalmente, em momentos muito pontuais ou parciais da produo
terica e da
pratica poltica, os socialismos clssicos ligados a... tradio das
Internacionais foram
capazes de elaborar um projeto hegemnico ou de avanar
problemticas que pudessem
colaborar nesta direo... Na obra de Mariategui aparece pela
primeira vez um projeto
amplo de constituio de uma vontade coletiva nacional-popular...
As proposies de
Mariategui ficaram no meio do caminho, por sua morte prematura e
pelo bloqueio que a
elas fez a III Internacional".
Da mesma forma, para Orlando Nunez e R.Burbach : " necessrio
compreender o
legado histrico do marxismo nas Americas. Com a notvel exceo de
Cuba e, em
certo sentido, o Chile, nenhum pais capitalista no hemisfrio tem
uma tradio marxista
plantada".
A triste realidade que o marxismo no tem podido enraizar-se
profundamente nas
Americas... Uma possvel explicao poderia ser que o marxismo...
no foi capaz de
desenvolver uma abordagem teorico-estrategica que responda ...as
condies histricas
especificas que existem nas Americas".
Em parte, isso se deve as origens europias do marxismo... Ate a
Revoluo Cubana,
as Americas tinham poucos estrategistas e teoricos
revolucionarios capazes de formular
programas de luta poltica prprios. Um rpido percorrer pela
historia dos movimentos
sociais e comunistas nos EUA, Amrica Latina e Caribe, ilustra as
carncias nesse
sentido.
"A submisso dos PCs nas Americas em relao as propostas polticas
da Terceira
Internacional refletem a debilidade fundamental do marxismo no
continente: sua
incapacidade para desenvolver uma estratgia revolucionaria
independente e nativa.
Durante os anos de seu apogeu (anos 20 e 30) o movimento
comunista fracassou no
objetivo de produzir seu prprio corpo de teoricos marxistas
capazes de desenvolver
programas e estratgias polticas especificas em resposta ...as
condies polticas
especificas enfrentadas pelos comunistas em seus prprios
pases.
Isso no quer dizer que no houve alguns intelectuais nos partidos
que fizeram
contribuies valiosas, tal o caso de Mariategui no Peru, ou Julio
Antonio Mella em Cuba. Porem, em geral, o trabalho intelectual
surgido nas Americas era uma mera
adaptao das idias e princpios polticos que se haviam
desenvolvido na Europa".
Onde o socialismo foi vitorioso na Amrica Latina, o foi sob
formas originais. Em
Cuba e Nicargua, a luta socialista processa-se dentro de uma
matriz de cultura poltica
policlassista, nacionalista e anti-imperialista. Neste processo,
o marxismo no se
"esconde", simplesmente se nacionaliza. Trata-se do problema
sobre o estilo de como
pensar o marxismo na Amrica Latina. Nas palavras do poeta
revolucionrio Ricardo
M.Aviles: "Temos que estudar nossa historia e nossa realidade
como marxistas e estudar
-
o marxismo como nicaraguenses". Nas pistas de Mariategui, no seu
sentido de "um
socialismo indo-americano", a revoluo sandinista ps o marxismo
sobre os ps.
Para, Jos Arico, um estudioso de Mariategui, "uma genuna e
criadora interpretao
da doutrina de Marx ocorreu no Peru, com Mariategui, que sentou
as bases para um
efetivo processo de nacionalizao do marxismo. Este processo
assumiu caractersticas
contraditrias ... no como forma acabada de uma teoria
sistemtica. Surge em forma
inorgnica de intuies. O que Mariategui produziu foi a iluminao
de um caminho, ao
incorporar a experincia europia como lio". Para Jos Arico, a
"via crucis" do
marxismo na Amrica Latina, foi sempre a dificuldade para tratar
o "nacional", o que
pe questes de ordem estratgica, pois, o objeto da pesquisa e da
analise, "o
movimento real", est sempre "nacionalmente" situado.
Como dizia Mrio de Andrade, "A arte musical brasileira... tem
inevitavelmente de
auscultar as palpitaes rtmicas e ouvir os suspiros meldicos do
povo, para ser
nacional e por conseqncia, ter direito a vida independente no
universo (porque o
direito de vida universal s' se adquire partindo do particular
para o geral, da raa para a
humanidade, conservando aquelas suas caractersticas prprias, so
o contingente que
enriquece a conscincia humana. O querer ser universal
desraadamente uma utopia.
A razo est com aquele que pretender contribuir para o universal
com os meios que
lhe so prprios e que vieram tradicionalmente da evoluo do seu
povo".
Os comunismos ou marxismos latino-americanos basearam-se mais
que numa
confrontao sobre estratgias nacionais, na vontade de "aplicar
Lenin, Trotsky, Mao,
etc.".
A polemica histrica entre A.Mella e Haya Torre, sobre a criao do
APRA, foi
marcada pelo sectarismo: Mella afirma que a revoluo mundial o
determinante e que
os processos nacionais so secundrios. Existia uma viso sectria
em relao aos
movimentos que tentassem dar vida a um movimento
"indo-americano". Mariategui
reagiu contra estes simplismos, afirmando que: "o socialismo na
Amrica Latina
impossivel sem resolver a questo nacional".
Usamos o "nacional" diferentemente do "nacionalismo". Assim, nas
palavras de Victor
Tirado: "ir a razes da ptria, reivindicar e usar o pensamento
nacional como fonte para
construir a teoria revolucionaria prpria, no ser nacionalista,
no sentido de fechar-se
em si mesmo".
Como dizia Arguedas: "Por isto no pode surpreendernos que o
criador autentico
latino-americano em todos os campos, resulte em ultima
instancia, um nacionalista, pelo
simples fato de ser original e autentico". Da mesma forma,
Arguedas define o papel de
Amauta, "A revista Amauta instou os escritores e artistas a que
tomassem o Peru como
tema".
A experincia dos anos 20, marcada de um lado, pela COMINTERN, e
pelo outro,
pelo APRISMO, tinha como elemento comum dominante o "ESTATISMO".
Para
ambas estratgias, s o poder estatal possibilitaria a transformao
social na Amrica
Latina. Por isso, a vigncia de Mari tegui repousa no profundo
espirito libertrio que
toma conta de sua obra critico-prtica, suscetvel de "sugerir uma
nova cultura poltica
autogestionaria para nossos dias. No a partir do protagonismo
principal dos partidos
polticos... mas, desde a consolidao do processo de
auto-organizao dos explorados
em forma democrtica e unitria. O que supe impulsionar a
generalizao das
iniciativas autogestionarias de democracia direta de base, nas
diferentes esferas da
atividade social... deste modo, a "criao herica" de que falava
Mariategui, significa o
desafio de construir desde baixo, em meio a vida cotidiana, a
democracia, a nao e o
-
socialismo". Eis um "cardpio" contrario a todo tipo de
"Socialismo estatal e
burocrtico".
Um pensamento Gramsciateguiano
Em relao a Gramsci, Mariategui evocava, com outras palavras, a
preocupao com a
construo de uma vontade nacional-popular, coletiva, e uma
reforma intelectual e
moral, como premissas do socialismo. A questo gramsciana, de
como se pode suscitar
esta vontade nacional-popular, tanto o APRISMO quanto a
COMINTERN,
responderam desde a perspectiva do Estado. A sociedade fica
excluda do processo. Na
viso do "Amauta", o determinante a sociedade, incluindo a
reforma intelectual-moral:
para que a revoluo fosse algo mais que um processo "por cima",
uma "revoluo
passiva", deveria previamente modificar a conscincia dos homens
e romper a inrcia da
tradio que mantm as massas populares na passividade. Percebemos,
aqui, a dimenso
da "Revoluo Ativa de Massa", derivada do conceito gramsciano de
"revoluo anti-
passiva".
A relao Gramsci-Mariategui, poderia se encaixar no que M.Lowy
chama de
"afinidades eletivas". Vejamos a definio de Lowy: "Designamos
por 'afinidades
eletivas' um tipo muito particular de relao dialtica que se
estabelece entre duas
configuraes sociais ou culturais, que no reduzvel ... a
determinao causal direta
ou ... 'influencia' no sentido tradicional. Trata-se, a partir
de uma certa analogia
estrutural, de um movimento de convergncia, de atrao reciproca,
de confluncia
ativa, de combinao podendo chegar a fuso".
Portantiero define o pensamento de Gramsci como "uma obra aberta
a cada historia
nacional, concepo para teoria e pratica polticas que buscam
expressar-se em 'lnguas
particulares', e, conclui: "no e' por acaso que esta abertura de
estilo gramsciano influiu
sobre a primeira possibilidade de aplicao criadora do marxismo
no plano intelectual
na Amrica Latina: o pensamento de Mariategui".
Como afirmou mais recentemente A.Bosi, "Falar dos ideais
polticos de Mariategui
nos dias de hoje, em tempos de Perestroika e Glasnost, e em vias
de encerrar-se (ou
quase) o escuro ciclo das ditaduras do Leste europeu, deixa na
boca um sabor agridoce
de ambivalncia... Mas, a nossa imagem do pensador peruano no se
constri apenas
com aquelas suas expectativas que o socialismo real em parte
frustou. A sua memria e'
acre, repito, mas tambm doce. Relendo os "Sete Ensaios" e outros
textos de critica
ideolgica, v-se o quanto se exerceu a sua inteligncia em funo de
problemas ainda
hoje bsicos para o marxismo e para a vida publica
latino-americana".
Enfim, o que doce e o que acre em Mariategui? O que est vivo e o
que est
morto no "Amauta"?
No conjunto das questes atuais do marxismo, em que incide mais o
pensamento de
Mariategui?
Por certo, no h em Mariategui uma teoria do Estado, e, pouco
material sobre o
problema da revoluo, o partido, alianas, tticas, etc. Mas, com
certeza, onde sua
contribuio mais importante no que diz respeito a analise dos
modos de produo, o
campo da teoria das superestruturas: a questo da conscincia
social, os modos de
"representao", o problema das ideologias, a teoria da cultura,
contra os mecanicismos,
a questo da tica, etc.
-
Portanto, o marxismo de Mariategui no provinciano, mas
antecipatorio, nas pistas
de Gramsci. Talvez, o que poderamos chamar de um "materialismo
cultural" ou na feliz
expresso de Z.Bauman, "a cultura como praxis".
Julio Gdio nos chama a ateno para o fato de que j nos anos 60,
sob a influencia direta da revoluo cubana se introduziu a categoria
de Revoluo Continental, Rodney Arismendi e outros destacados
polticos se preocuparam em impedir as
simplificaes...A desigualdade de desenvolvimento econmico,social
e poltico, se
expressa em nossos paises atravs de indicadores acerca de
situaes de crises ou
estabilidade polticas; de distintas historias culturais;
coexistncia de diferentes lnguas;
caractersticas de classe diferentes....
"Entretanto possvel encontrar um "elo de metodologia poltica"
que una a
diversidade. Godio assinala em relao a Revoluo Nicaraguense, "o
elo politico-
cultural que uniu organicamente os sandinistas ...as massas
trabalhadoras foi o
Sandinismo. Este elo politico-cultural um 'dado' a ser construdo
por todos os
revolucion rios da Amrica Latina, um elemento comum no meio da
diversidade
continental. Significa construir um 'estilo de pensar' e de
'fazer poltica', no qual as
categorias universais do marxismo se tornam concretas via
categorias politico-culturais
nacionais".
Isso, no tem sido pratica corrente entre os teoricos marxistas
da Amrica Latina; ao
contrario, atuam anulando e desintegrando as categorias
nacionais dentro das categorias
universais, as quais perdem, assim, sua operatividade
historico-concreta. A experincia
das revolues em processo e, tambm, as inconclusas da Amrica
Latina, indicam a
primeira regra para levar em conta, para formao de um bloco
histrico "Nacional-
Hegemonico": verificar na pratica as formulaes tericas,
estuda-las em seu
movimento real e, este movimento real das categorias existe na
linguagem popular,
como resultado de uma nova praxis. O fundamental consiste em
organizar e orientar o
'movimento real' das classes sociais, e neste sentido, o
marxismo "um guia para a ao" e no um conjunto de receitas.
Na verdade, so muitas as afinidades entre Gramsci e Mariategui.
Neste sentido,
A.Ibanez realizou uma espcie de "leitura gramsciana de
Mariategui". Aponta a
principal convergncia na questo da "hegemonia" e da "reforma
moral e intelectual".
Jos rico, outro estudioso de Gramsci-Mariategui, aponta que o
significado de
Gramsci para a esquerda argentina dos anos 60, condensou-se na
"busca da realidade":
"No fato de que ele contribuiu decisivamente para trazer a
cultura marxista para a
concreticidade, para o encontro com uma realidade da qual
estvamos alienados".
Como o conjunto da esquerda da Amrica Latina, a Argentina
"nasceu e se
desenvolveu sem a herana e o suporte de uma tradio nacional". A
exceo, foi
Mariategui. E, conclui Arico: "... Mas s' descobrimos Mariategui
atravs de Gramsci".
S os caminhos divergentes das convergncias. Ora, o comandante
Omar Cabezas
"conheceu" Sandino atravs de "Che" Guevara.
Arico resume e sintetiza sua experincia gramsciana: "Gramsci nos
permitiu fixar duas
orientaes... a) a busca do contexto nacional a partir do qual
pensar o problema da
transformao e do socialismo; b) a plena adeso a perspectiva
socialista, entendida
como um processo que se desenvolve a partir da sociedade, das
massas, de suas
instituies e organismos... O tipo de marxismo que buscvamos e
para o qual o
pensamento de Gramsci nos ofereceu os mais altos estmulos e
contribuies, no
tentava encontrar a razo de sua prpria validade em si mesmo, mas
na sua capacidade
de se confrontar com os fatos de uma realidade em
transformao".
-
Tambm para Mariategui, o marxismo no era uma bblia, mas um
instrumento de
analise, um modo de interrogar a realidade. No era um conjunto
de definies e regras.
Como lembrava Carlos Fonseca, "O importante no declamar frases
dos grandes
revolucionrios universais, mas aplicar a realidade, com
criatividade seus ensinos. Em
todo caso, estes revolucionrios no nos legaram meras frases, mas
toda uma ao
criadora".
A partir de sua peculiar articulao entre marxismo e nao,
Mariategui elaborou um
modo especial, peruano, indo-americano e andino, de pensar Marx;
precisamente por ser
mais peruano, converteu-se em universal. Consegui propor um
marxismo to diferente
quanto o de Gramsci e Lukacs e, to valioso como o de ambos".
Mariategui usou uma "chave hermenutica" atravs do verbo
"agonizar": um marxismo
agonico, elaborado longe de quaisquer academias, envolto nos
fatos cotidianos das
multides, das ruas, submerso na vida cotidiana, no senso comum.
"Agonia como
smbolo de luta, contra a morte, como 'criao herica'".
O Amauta rompeu o circulo de ferro da Comintern. Pois, para
esta, no existia
realidade peruana, to s' os "pases coloniais". Peru, Argentina,
Brasil, etc., eram todos
iguais. Existia na Comintern um "assombroso desprezo pelo
reconhecimento do campo
nacional". Neste sentido, o "mariateguismo" pode significar a
tentativa de articular
socialismo e nao.
Nesta perspectiva, dois aspectos se destacam no pensamento de
Jos Carlos
Mariategui:
1) a relao teoria-pratica, ou seja, o Mtodo;
2) o "Carter Nacional".
Em relao ao primeiro aspecto, Mariategui no encarava a teoria de
Marx como um
fetiche, um conjunto de regras que deveriam ser aplicadas
"mecanicamente" a quaisquer
realidades. Questionou o mtodo da "aplicao", substituindo-o por
uma "verdadeira
recriao da teoria em contato, sempre vivo e novo, com a
realidade socio-historica
concreta". Segundo Arico, "A universalidade do marxismo no
reside em sua
capacidade de ser aplicado a qualquer circunstancia, mas na
possibilidade que tem de
recriar-se em circunstancias determinadas".
Seguindo as "Notas" gramscianas do QC, em termos gerais, uma
teoria s' torna-se
organicamente operativa quando e' "traduzida" ao "nacional".
Para isto, precisa apoiar-
se em uma forca social de carter estratgico e, mesclar-se na
cultura nacional-popular.
Diz Gramsci: "as idias no nascem de outras idias, as filosofias
no engendram
outras filosofias, so sempre expresso renovada do
desenvolvimento histrico real". A
verdade do marxismo se expressou em Mariategui na linguagem da
situao concreta do
Peru.
Em relao ao segundo aspecto, do campo nacional, ocorre uma tenso
dialtica e
fecunda entre a validade tendencialmente universal da ferramenta
"cientifica" do
marxismo e, a necessidade de verificar concretamente o acerto de
suas colocaes a
partir de realidades socio-historicas determinadas
nacionais".
Portanto, um marxismo metodolgico, criador, nacional e aberto.
No caso do peruano a
"captura" do tema indigenista operou a "nacionalizao" e a
"peruanizao" do seu
marxismo.
-
Em seu prlogo ao livro "Peruanicemos Al Peru", Csar Mayorga
afirma que, para
"peruanizar o Peru", Mariategui operou com dois princpios:
1- Conhecer a realidade nacional. classe feudal no lhe
interessava nunca o este conhecimento, a burguesia que intentou
faze-lo , em parte com fins particulares,
mais que sociais ou nacionais: conhece-lo um pouco para
explora-lo mais.S o
socialismo aspira a conhecer um pais para liberao e servir s
classes exploradas e
oprimidas.isto no exclui o dever inelutvel de conhecer a
realidade internacional.
"Temos o dever de no ignorar a realidade nacional; mas tambm
temos o dever de
no ignorar a realidade mundial" (Mariategui);
2- o conhecimento da realidade peruana deve comear da realidade
nacional deve comear fundamentalmente pelo conhecimento da
realidade econmica." No
possvel compreender a realidade peruana sem buscar e sem olhar o
fato
econmico"(Mariategui)
Viagem ao Mundo Inca
Entre 1916 e 1923 , ocorreu no Peru um novo ciclo de rebelies
indigenas andinas de
carater milenarista.O Governo de Leguia (1919-1930),com suas
reformas sociais
,possibilitou uma presena ativa de velhos e novos atores
sociais,e,entre eles, os
ndios.Os grupos tnicos realizam em Lima, seus primeiros
Congresso Nacionais,os
operrios lutavam pela jornada de 8horas e os estudantes viviam
as lutas pela reforma
universitria;uma nova intelectualidade surgia com as
universidades populares,
debatendo a reflexo nacional em contato com ndios e
operrios.
Flores Galindo retrata este momento: O descobrimento das classes
populares esteve acompanhado nestes anos com o encontro com uma
espcie de onda ssmica para empregar uma metfora do prprio
Mariategui- que desde os departamentos do sul
peruano parecia irradiar-se ao conjunto do pais:estas massas
indgenas aparentemente
resignadas e vencidas, se rebelam e no mundo cinzento da
Republica Aristocrtica
defendem uma reivindicao que parece em um principio absurda ou
incompreensvel:
querem voltar atrs ,recusam toda a historia que tem suportado
desde a conquista e
desejam recuperar um idealizado imprio Incaico,e assim mostram
uma imagem
diferente do pais e da Nao.Explode em fins de 1915 e incios de
1916 em Puno,na
provncia de Azangaro,o efmero levantamento de Rumi Maqui: um
sargento maior da
cavalaria cujo nome era Teodomiro Gutierrez Cuevas,de formao
,parece,anarquista,que opta em apoiar as massas camponesas e
dirigir uma grande
rebelio.Lamentavelmente, foi descoberta sem seus incios e foi
facilmente
sufocada.Porem isto no impediu que fosse uma alternativa que
abria os caminhos da
esperana. Mariategui,escrevendo para imprensa, anotou elementos
das rebelies messinicas.O
fracasso de sua experincia jornalstica,ao ter seu jornal
invadido pelos militares,leva
Mariategui a fazer uma viagem pelo interior do pais.Assim, viaja
durante 20 dias (1918)
visitando cidades na serra central, conhecendo de perto com os
ndios huanca.
Esta nica viagem de Mariategui ao interior do pais, foi
acompanhado por Ricardo
Martinez de la Torre.Foram ao vale do Mantaro e alguns dias em
Huancayo.
Vrios testemunhos falam de um encontro de Mariategui com a
vanguarda indgena ,nas
vsperas de sua viajem para Europa,no final de 1919.Em Lima,o
Amauta teve encontro
com o lder Carlos Conderona,um dos principais dirigentes do
Comit pro direito Indgena Tahuantinsuyo,de orientao
anarco-comunista. Mariategui tambm
-
conheceu os lideres Carlos Qana e Julian Ayar Quispe, animadores
regionais do
movimento tahuantinsuyo. Juan H.Perez lembra de ter visitado
Maritegui em sua casa
limena; afirmou que Mariategui fazia parte de um grupo de
intelectuais que assessorava
o movimento indigena.
Foi de Mariategui a idia de convocar um Congresso Nacional de
dirigentes
indgenas.A viagem a Europa interrompeu esta serie de
contatos.
Todavia, em sua volta da Europa(1923) ,Mariategui participa da
Universidade Popular
Gonzalez Prada e,assim,retoma contatos com o movimento
indigenista
peruano.Portanto, busca decifrar teoricamente o problema
indigena,e formular as bases de um projeto socialista
indo-americano.
Quasndo volta ao pais, Mariategui encontra o fim de uma grande
convulso agrria,que
afetou sobretudo os departamentos do sul andino.A ocorrncia
quase simultnea de
motins e revoltas rurais no altiplano puneno, nas alturas de
Cuzco,tanto em Ocongate
como em Espinar,a onda rebelde chega a Andahuaylas,inclusive
Ayacucho ,Cailloma e
as alturas de Tacna. Por exemplo,em 1921,em Tocroyoc os
comuneros das alturas
tomam ao povoado ,pedindo a expulso dos mistis dos fazendeiros e
defendem a
restaurao do Tawantinsuyo.As noticias destas rebelies chegam a
Lima,sobretudo,
quando da realizao de Congressos da raa Indgena,que Mariategui
chegou a
assistir;em um destes,conhece,ento,o lder puneno Ezequiel
Urviola.
Estas rebelies fazem parte de um amplo ciclo, iniciado desde o
sculo XVI,na
resistncia nativista a conquista,prolongado depois na revoluo de
Tupac Amaru.
Mariategui descobre que o termo tradio no exclusivo do
pensamento reacionrio,mas que, existe uma relao diferente com o
passado que no passiva venerao dos mortos,mas que luta pela defesa
de uma cultura que resiste a morrer. Aps a represso a rebelio
indgena em Puno,a Universidade Popular acolheu alguns
lideres.Carlos Conderona levou Mariano Lario a casa de
Mariategui. Em 1923,Hiplito
Salazar fundo a FIORP (Federao Indgena Operaria Regional
Peruana, junto com
dirigentes comunais de Puno,Arequipa,Huancavelica e Lima.
Hipolito foi um dos
lideres sobreviventes da rebelio de 1923,em Huancane. Estes
lideres indgenas,
estavam em contato permanente com Mariategui Este ctiticava a
orientao anarco-comunista da FIORP,contudo,reconhecia sua franca
orientao revolucionaria da vanguarda indigena .A casa de Mariategui
era um espao de traduo do castelhano e,do quchua e do aymara.
Nesta dcada de 20, um elemento foi importante no Peru; as
Escolas
Comunais,autogestionarias,bilnges e bicultarais.Em Cuscus
,Francisco Chuquiwanka
Ayulo tinha um escola segundo o modelo de Ferrer Guardi, que
defendia a volta ao
ayllu,a comunidade livre,ao municpio comunista.
Todo este trabalho entno-cultural permitiu a resemantizao do
socialismo.O lider andino Manuel Camacho Alga afirma que o Amauta
semeou palavras,e,dizia que Os 7 Ensayos foram escritos para mim.
Ricardo Bao, afirma que o prprio Mariategui lembrado como um homem
de conhecimento no sentido no ocidental do termo,embora ao mesmo
tempo se reconhea
sua outredade,isto , suas evidentes ligaes com a cultura urbana
criolo-mestia.No contexto aymara, a sabedoria tem,sem duvidas,de
forma anloga a outras culturas
andinas, conotaes mgico-religiosas.Mariategui um bruxo,um laika
para los quecguas,ou um yatiri para os aymaras . Se os Amautas
desapareceram com o fim da civilizao incaica,pela ao
devastadora
da colonizao espanhola,os bruxos e os ancios,como homens de
conhecimento,sobreviveram no seio dos espaos comunais.
-
A verso de Mariategui,como bruxo,foi veiculada por Ezequiel
Urviola,lder mestio(1895-1925),que fez juramento ante a memria de
Pedro Vilca Apaza (1741-
1780),lder do movimento Tupac Amaru,nas vsperas da insurreio
andina de 1923.
Muitos dirigentes indgenas,vinculados ao projeto socialista
mariateguista,eram bruxos
em suas comunidades, alem de dirigentes sindicais e
polticos.
Lario lembra que : Ezequiel Urviola falava que
Mariategui,conhecia bem tudo o que tinha acontecido.Tinha lido
muito Mariategui;dizia que pegava um livro de Mariategui e
bastava toca-lo,e j sabia o que tinha dentro,quando lia as
folhas do livro era exatamente
igual ao que tinha pensado,era um Yatiri Jose Carlos
Mariategui
5. A Vida *
A Agonia de Mariategui
Jos Carlos Mariategui nasceu em Moquegua , no Sul do Peru, em 14
de Junho de 1894.
O pais andino tinha sado ha pouco tempo do desastre da guerra do
Pacifico (1879-
1883), tendo sido humilhado pela coupao militar do Chile e
perdido parte de seu
territrio.Nesses anos, Manuel Gonzalez Prada acirrava o debate
poltico chamando a
ateno do pais para a presena dos ndios,como elemento fundamental
da
nacionalidade.
Mariategui filho de Francisco Javier Mariategui ,descendente de
uma das famlias
mais ilustres do Peru, e de Amlia La Chiora,que pertencia a uma
famlia de origens
indgenas.Logo cedo o pai abandona a famlia, e Marietegui
,primeiro de trs filhos,
cresce sob a influencia da me, caracterizada por uma forte
religiosidade que deixar
marcas no jovem .Desde a infancia,devido a um acidente de
jogo,Mariategui sofre de
um problema na perna, que o obriga a um longo internamento em
Hospital.Neste
perodo,de imobilidade forada, se dedica a vastas leituras , que
formaram a base se sua
primeira formao.Mariategui, um autodidata e ter orgulho desta
condio.
Nestes primeiros anos,outro elemento importante ser a experincia
precoce do
trabalho.Aps a mudana de sua famlia para Lima,comea a
trabalhar,com 15 anos, na
Tipografia do dirio La Prensa.Aps o exercicio de varias funes no
jornal, passa da crnica policial a cronica poltica do
Parlamento.Isto o leva a uma profunda averso a
politica crioula,dominada pela mediocridade. Nesta mesma poca,
com o pseudnimo de Juan Croniquer, dedica-se a crnica da vida
mundana da capital.Colabora em Lulu,dirigida a um publico feminino.
coeditor de El Turf,revista de hipismo,onde publica crnicas de
costumes das corridas dominicais,e contos inspirados no ambiente
dos cavalos.Estas atividades, do ponto de
vista estilstico,lhe permite afinar sua prosa; do ponto de vista
das relaes sociais, lhe
d ocasio de conhecer profundamente o ambiente oligrquico e snobe
de Lima.
Alm deste mundo frvolo de cavalos, cafs e teatros, existe um
outro Peru subterrneo
que no aparece nas crnicas.Aps trabalhar em El Tiempo, 1916 ,
Mariategui comea a escrever peas em que o ndio aparece como
sujeito.No Departamento de
Puno, na fronteira entre Peru e Bolvia, ocorre uma revolta
camponesa de carter
tnico.Entusiasmado,Mariategui aborda as gestas de Teodomiro
Gutirrez Cuevas,
militar do exercito que liderou a revolta e que assume o nome
quchua de Rumi Maki (
Mo de Pedra ).No plano mundial Mariategui aprecia de forma
favorvel Revoluo
na Rssia,em 1917.
-
Nesta fase de sua vida, prevalece o interesse pela atividade
artstica e pela vida boemia.
Participa da revista Colonida, dirigida pelo dannunziano Abraham
Valdelomar.Escreve poemas. Realiza um retiro em um Convento, onde
escreve versos
msticos.Neste clima contraditrio, em 1917, com amigos organiza
uma dana noturna
no cemitrio de Lima, que tem como protagonista uma bailarina
chamada Norka
Rouskaya,e que provoca grande escndalo nos setores tradicionais
da capital.Mariategui
obrigado a se defender publicamente,alegando motivos
estticos.
Em 1918, junto com Csar falcon e Felix del Valle, cria uma
editora de orientao
socialista. Publica a revista Nuestra poca,que assinala a sada
de Mariategui a campo aberto,inclusive sendo agredido por um grupo
de militares,devido a um artigo sobre
gastos militares. Participa de uma comisso de propaganda e
organizao socialista,da
qual se afastar quando caminha para formao do Partido
socialista, cuja fundao
considera prematura. Nestes anos, surgem grande movimentos de
massa.Os
trabalhadores,sob hegemonia anarquista,lutam pela jornada de
trabalho de 8 horas e
contra a alta do custo de vida. Nas Universidades, sob impulso
da experiencia iniciada
em Crdoba(Argentina), desenvolve-se um movimento pelo reforma
universitria. No
inicio de 1919, Mariategui,ento,abandona o jornal El Tiempo,e
funda um dirio que possa acompanhar estes acontecimentos: La
Razn,que se torna um ponto de referencia para estas lutas. Assim,
Mariategui torna-se uma figura publica; surge o lder
poltico e desaparece o artista refinado e decadente.
O Exlio na Europa
As classes dominantes perseguem este novo Mariategui: o Governo
e a Igreja fecham
seu dirio.Neste ano, assume o poder o populista Augusto B. Legia
, no inicio com um confuso programa populista que despertou atenes.
Todavia,sua Presidncia, chamada de Oncenio, uma verdadeira
ditadura. Mariategui e seu amigo Csar Falcon so obrigados a deixar
o pais.Em fins de 1919,ambos partem para
Europa.Inicialmente,passam por New York,onde entram em contato
com a luta operaria
dos porturios;sem eguida, chegam a Frana,onde encontram
intelectuais e
polticos,como,Henri Barbusse.
Ao passo que Falcon vai para espanha, Mariategui parte para
Itlia,onde permanecer
trs anos, que sero fundamentais em sua formao poltica e
intelectual.
A Itlia vivia os anos excepcionais de turbulncia da primeira
ps-guerra: uma crise do
movimento operrio dividido entre a ala reformista e a
maximalist