ECOS DE MARLEY: O REGGAE E O MOVIMENTO NEGRO BRASILEIRO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO – CCHE/FAED CURSO DE BACHARELADO E LICENCIATURA EM HISTÓRIA
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
ECOS DE MARLEY: O REGGAE E O MOVIMENTO NEGRO BRASILEIRO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX
CLÁUDIO LUIZ PACHECO JUNIOR
FLORIANÓPOLIS, 2014
CLÁUDIO LUIZ PACHECO JUNIOR
ECOS DE MARLEY:
O REGGAE E O MOVIMENTO NEGRO BRASILEIRO NA SEGUNDA METADE DO
SÉCULO XX
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de História do
Centro de Ciências Humanas e da Educação, da Universidade do Estado de
Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel e
Licenciado em História.
Orientador: Prof. Dr. Paulino de Jesus Francisco Cardoso
FLORIANÓPOLIS – SC
2014
CLÁUDIO LUIZ PACHECO JUNIOR
ECOS DE MARLEY: O REGGAE E O MOVIMENTO NEGRO BRASILEIRO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX
Trabalho de Conclusão de Curso em História do Centro de Ciências Humanas e da Educação da Universidade do
Estado de Santa Catarina como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado e Bacharel em História.
Banca Examinadora
Orientador: _____________________________________
Prof. Dr. Paulino de Jesus Francisco Cardoso
Universidade do Estado de Santa Catarina
Membros: ______________________________________
Profa. Dra. Claudia Mortari
Universidade do Estado de Santa Catarina
_____________________________________
Profa. Dra. Luisa Tombini Wittmann
Universidade do Estado de Santa Catarina
Florianópolis, 04/07/2014
AGRADECIMENTOS
Gostaria imensamente de agradecer, primeiramente, à toda positividade que recebi e que, do
meu modo, tentei retribuir. Esse circuito de energia positiva foi vital para confecção deste estudo.
As noites em que passei acordado até ver o sol nascer foram inspiradas por toda uma vibração
calorosa que fluía do ambiente e passava por dentre meu peito - arrancando emocionados impulsos
de produção em meio às músicas tão emblematicamente presentes neste trabalho.
Estas mesmas noites em claro só se fizeram possíveis por causa do apoio integral que tive de
meus pais – Cláudio e Ethel. Se não fosse todo apoio material, emocional e, principalmente, a
paciência – por me aturarem andando pela casa de madrugada, fazendo barulho em meio ao
silêncio, até a hora em que eles acordavam para ir trabalhar às 7h, – este estudo provavelmente não
teria sido concluído neste semestre. Também agradeço a minha irmã Ana Paula, e seu cônjuge, por
imensas madrugadas debatendo assuntos relacionados à música, e outras utopias de minha
personalidade, coisas que por vezes parecem impossíveis, e outras tão problemáticas, mas que só se
desenvolvem quando a gente pode compartilhar nossos anseios e receios com alguém. As utopias só
existem por que são comentadas, a propósito. Ninguém pode prever o amanhã, as grandes
conquistas humanitárias com certeza já foram classificadas como utopias anteriormente. E no
amanhã, espero poder desfrutar das minhas utopias com esta família. Juntamente, quero agradecer à
minha inspiradora Kelenn, à qual eu agradeço imensamente, também, pela paciência, pelo carinho,
pela tolerância com minhas ignorâncias perante à vida, e por ter aturado minhas insônias
intelectuais. Estes foram meus Portos Seguros, e eu espero lhes ter feito perceber até então o quanto
sou grato por tudo.
Agradeço à inspiração que as letras de Reggae me passaram, principalmente de Bob Marley,
The Abyssinians, Goundation, e Ponto de Equilíbrio - ao mundo denunciado por estas que até então
eu não podia visualizar tão nitidamente. Juntamente, todo o meu desenvolvimento intelectual,
crítico, acadêmico, partiu do diálogo destas com os ensinamentos, e acima de tudo
questionamentos, feitos por meus mestres da graduação – Professores Doutores para não cometer
injustiças quanto às suas qualificações, certo? Eu não vou citar nomes, acho desnecessário. Mas me
refiro à todos que tiveram humildade de atender às minhas indagações sobre Rastafári, ainda que
pouco conhecimento tivessem acerca do tema. Estes são verdadeiros professores; foram os que mais
me ajudaram e marcaram minha graduação, indicando bibliografias que dialogavam com o que eu
tentava dizer pela música, mas não tinha ainda base teórica ou documental, além das mesmas.
Mostraram que a humildade, que nos faz moldáveis, está acima do academicismo quadrado, reto,
direcionado. Espero com este trabalho ajudar-lhes um pouco com a temática Rastafari e com o
Movimento Negro, embora este segundo já esteja, digamos, “mais desenvolvido” no contexto
historiográfico brasileiro. Muito obrigado, especialmente ao Professor Doutor Paulino Cardoso, à
quem prefiro chamar carinhosamente de Mestre por ter me lapidado as ideias sempre com
indicações exatas - como um corte cirúrgico frente ao embaralhamento de ideias que eu lhe
apresentava. Suas sugestões foram de fato cruciais, serei imensamente grato, e espero poder fazer
algo que lhe represente à altura, dentro de minhas limitações.
Agradeço aos amigos, parceiros incontestáveis, tanto aos de infância que se mantiveram até
hoje ao meu lado, quanto aos que conheci na faculdade. Todos me ajudaram, direta ou
indiretamente, à canalizar energia positiva para desenvolver este trabalho, seja através das dúvidas,
ou me fornecendo indagações quanto às letras de Reggae. Como? Me convidando aos shows, bares,
e afazeres que aliviam nossas vidas acadêmicas. Se não fossem estes momentos eu teria certamente
implodido. Agradeço especialmente ao André que me ajudou em muito com temáticas tão
diferenciadas que dificilmente caberiam aqui nesta dedicatória, me mostrou muitas coisas que
fizeram melhor me compreender perante este mundo que vivenciamos. Ao Glauco, Carlos, Dael,
Tia Karin, Tia Soraya, Tio Má, que fizeram possível um núcleo musicológico em suas casas,
raeggado por uma boa Sound System que incomodou muitos vizinhos. Ao Bruno, e o outro Bruno,
por infindáveis noites de Dota, entre outras de viradas de copo, às quais serviram sempre para o
entretenimento produtivo, que possibilitou extravasar as tensões e rendeu outros bons dias de
trabalho. Exclusivamente, eu gostaria de agradecer ao Tio Má e ao Glauco, por terem me concedido
o prazer de lhes acompanhar no verão das férias de 2013/2014, à bordo do Marcelino,
possibilitando me manter financeiramente na Pinheira em estudo, meditação, reflexão, e produção,
quando meus pais não estavam presentes. As madrugadas que acordamos às 4 da manhã para pescar
camarão, em que eu pude filosofar com vocês, me possibilitaram vislumbrar a natureza, e a vida, de
forma tão significativa que não existem palavras para descrever a gratidão que sinto.
Por fim, agradeço à espiritualidade amiga, à Jah, à Deus, e todos aqueles que não se
manifestam fisicamente, que me mantiveram forte, saudável, confiante no sucesso. Por mais que às
vezes eu demonstrasse falta de dedicação, esta fonte se encarregou de me mostrar de mil e uma
formas indiretas que meu caminho era este, que a música não podia parar, tanto quanto eu não
poderia parar de reverberar suas mensagens. Embora eu não acredite que dê para se expressar a
gratidão de forma direta através de letras, esta é minha tentativa de dizer-lhes que foram, e são,
muito importantes na minha vida, para além deste Trabalho. Este é só o começo. Sei que se tiver
vocês do meu lado, o mundo se tornará muito mais leve aos meus ombros. Espero que as páginas
seguintes lhe tragam alguma significação...
A Terra já girou o suficiente pra fazer o sol nascer várias vezes e você não percebe
que não apita nada nesse esquema, se não faz parte da solução, então faz parte do
problema.
Planet Hemp, Raprockandrollpsicodeliahardcoreragga
Porquê assim como uma árvore plantada – plantada pelos rios d’água – que produz
frutas verdes no tempo devido, tudo na vida tem um propósito. Encontre sua razão em
cada estação, sempre.
Bob Marley,
Forever Loving Jah
RESUMO
PACHECO JUNIOR, Cláudio Luiz. Ecos de Marley: o reggae e o Movimento Negro Brasileiro na
segunda metade do século XX. 2014. 108 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Bacharelado e Licenciatura em História) – Universidade do Estado de Santa Catarina,
Florianópolis, 2014.
O presente trabalho tem a intenção de compreender como o tema da História Africana foi
interpretada e relida por agentes culturais e políticos na Diáspora Africana - à ver Bob Marley e o
Movimento Negro Brasileiro - com o intuito de interferir em seus meios, como uma ferramenta
política. Para isto, nos apoiaremos em autores como Paul Gilroy, Sérgio Costa e Kwame Anthony
Appiah, e outros, para reflexão acerca da configuração de um do Atlântico Negro e suas
reverberações artísticas culturais. Faremos uma análise biográfica de Bob Marley. Para isto, serão
analisados além dos teóricos relacionados à área da Biografia, uma série de fontes audiovisuais e
escritos à respeito do sujeito histórico. Para analisar o Movimento Negro, utilizamos D’Adesky
como referência para fazer apontamentos sobre conferências que suscitam as temáticas em pauta no
movimento, de acordo com seus períodos, e outros autores que se dedicam a estudá-lo como
fenômeno político. Por fim, uma análise de músicas do cantor e outra de fotografias de militantes
negros será efetuada, contribuindo para o propósito final que seria aproximá-los, mostrá-los
concordantes em vários aspectos, embora separados geograficamente.
Palavras-chave: Reggae, Bob Marley, Movimento Negro, Rastafári, Pan-Africanismo.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Militantes do Mov. Negro no Plenário do STF (2012)38
Figura 2 Manifestação do Mov. Negro no Rio de Janeiro, 197838
Figura 3: Militantes do Mov. Negro/Pernambuco .................. 38
Figura 4: Assunção Aguiar, Militante do Mov. Negro de Teresina homenageada no evento em pauta
na Câmara, dia 20/11/2012 ...................................................... 38
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................... 13
1. BOB MARLEY .................................................................... 17
2. BOB MARLEY E O RASTAFARIANISMO ......... 22
3. BOB MARLEY E O MOVIMENTO NEGRO ....... 34
CONCLUSÃO ........................................................................... 42
FONTES ....................................................................................... 44
REFERÊNCIAS ........................................................................ 45
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INTRODUÇÃO
Então eles querem queimar o portão de Zion, a entrada para minha casa. Procure-nos em
um país estrangeiro, num gueto moderno [...] você os critica, você os escandaliza, eles te
usam de novo [...] Todos aqueles heróis não entrarão nos jardins da vida. Então, eles
querem ensinar jovens leões, sim, com seus sacos de mentiras, eles já tomaram meu
coração e alma, e trocaram por uma montanha de ouro [...] Mas eles ainda querem ser
anjos, então diga homem para todos aqueles heróis: eles não podem entrar nos jardins da
vida. (GROUNDATION, Undivided, s/d, s/p, tradução nossa).
Vivemos em uma sociedade onde a cobiça e a ganância muitas vezes dominam os
sentimentos humanos, fazendo-nos cada vez mais perceber menos oportunidades ou caminhos
alternativos alheios à lógica dominante, individualista. Esta questão, que pode ser entendida como
dominação em alguns aspectos, se torna um círculo vicioso, governamental, a partir da qual o
Estado nos impõe a competição como forma de relação prevalecente entre os compatriotas. A
proposição de inter-relações humanas despretensiosas, hoje, pode significar utopia, ingenuidade ou
até mesmo infantilidade.
Nesta perspectiva de vida, excluímos, e/ou somos excluídos, de determinados grupos
sociais. Somos forçados, conscientemente ou não, à ver a nós mesmos com o olhar fixo sobre o
outro. Acostumamo-nos a nos identificar a partir das diferenças, por sobrevivência ou por
comodidade. A partir desta identificação parcial do ser humano – pois não vivemos em ilhas, e o
contato com o outro acaba por nos tornar híbridos, culturalmente (HALL, 1992) – é que nos
habituamos a procurar diferenças para rotular pessoas diversas, mas que certamente podem ter
muito em comum com nós mesmos. Talvez estejamos passando por um período de desmitificação
do outro, visto a recente historiografia cultural pós-moderna. As experiências humanas através do
século XX, e agora no século XXI, têm servido argumentos contestantes, favorecendo iniciativas
intencionalmente cosmopolíticas, que se reletem, por exemplo, no Brasil, em ações afirmativas que
intencionam, em última análise, a reparar erros antigos – embora este não seja seu fim primeiro.
Até então, politicamente, vivemos em um tabuleiro de xadrez – Branco versus Negro. De
um lado temos os Brancos, momentaneamente mais fortes, com mais peças em pé no tabuleiro. De
outro, os Negros, com muitos peões em pé, mas ainda poucas peças de maior mobilidade e poder
decisório, como por exemplo: rainha, torres, cavalos. O peão negro está na casa conquistada de
onde pode reviver outras peças antes destruídas pelos cavalos em defesa do Rei Branco, e agora
revive a Rainha Negra. Outro peão já segue o mesmo caminho para reviver os cavalos, os bispos, e
segue o jogo. O que negligenciamos, entretanto, em meio a este “jogo”, é que estamos lidando com
humanos que, mutuamente, não há outro perdedor senão a humanidade.
O momento histórico atual deflagra evidências de o africano, descendente histórico de
sujeitos escravizados, busca reerguer-se para, quem sabe, finalmente se igualar ao Branco em prol
de melhorias globais das condições sociais. Vê-se que parte considerável dos pressupostos
imperialistas, capitalistas, encontram-se já pesquisados e desvendados. O Brasil avançou,
conquistando ambiente cultural em que, aos poucos, as barreiras estabelecidas entre os fenótipos
estão diluindo, embora observemos ainda muitas formas de preconceitos a serem combatidas..
O hibridismo cultural estudado por autores como Stuart Hall (1992) e João Cardoso (2008),
é condição para aqueles que tentam compreender mais precisamente as relações estabelecidas entre
os diferentes grupos de uma mesma sociedade. Não obstante, verifica-se a presença, ainda, de
definições homogeneizantes, que estão na base das discriminações sociais – reprodução de
construções culturais com traços do imperialismo – que prejudicam de forma alarmante a condição
de vida de grande parte da população brasileira. Temos no Brasil, condições sociais, historicamente
dadas, diferentes para parcelas definidas da população, muitas destas resultantes do preconceito da
Raça, invalidando a Democracia Racial – favorecida por Gilberto Freyre1 – na nossa sociedade.
Esta situação nos leva a refletir a respeito de uma das frentes militantes que lutam por um
verdadeiro País Para Todos. A população afrodescendente brasileira vive hoje um momento de
1 A obra de Freyre Casa Grande e Senzala (1933) teria favorecido a teoria da Democracia Racial, na qual o autor sugere
que o Brasil seria uma nação híbrida, com contribuições das três raças formadoras: o índio, o negro, e o branco.
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colheita de frutos significativos, consequência de um século, ao menos, de lutas por
reconhecimento cultural, historiográfico, e político. Pode-se dizer que os agentes desta luta se
basearam em sua própria história para levantar argumentos históricos, levantar uma memória que
lhe servisse de apoio ideológico e exemplar, que lhes dessem força e credibilidade suficientes para
confrontar o sistema político, opressor, que silenciava uma história gritante de resistência e busca
por igualdade social e política.
Além dos intelectuais, uma série de artistas tentam, ou tentaram, expressar este contexto
vivido no período contemporâneo. A denúncia feita sobre a condição que leva ao confronto social é
a temática de expressões artísticas que aspiram a um futuro promissor: cosmopolítico, já que
vivemos sob um regime governamental democrático. É aí que Bob Marley se torna emblemático.
Sabemos que há uma grande lacuna entre o contexto midiático contemporâneo a Marley, bem como
a tecnologia disponível naquele momento, e hoje. Entretanto, à medida que a popularização dos
meios midiáticos avançou, facilitada pela internet e a linguagem Inglesa (adotada como língua
oficial e internacional para diálogo), por exemplo, obtivemos meios para aproximar os dois
contextos, seja através de traduções na internet, vídeos de shows do cantor ou até mesmo a
historiografia disponível na WEB, on-line acerca do tema (geralmente estudos caribenhos).
Neste trabalho, propõe-se estudar uma ligação entre Bob Marley e o Movimento Negro
brasileiro, tendo como evidência o grito ressonante de ambos por ações de união frente à
discriminação racista, preconceituosa e imperialista que as características do sistema econômico
atual impuseram aos protagonistas de origem africana da nossa história.
Através de um entrelaçado que perpassa as experiências de Kwame Anthony Appiah, Paul
Gilroy, e o brasileiro Sérgio Costa, tentamos compreender nas letras, na musicalidade,
atuação/performance artística - sob a ótica de Antonacci2 - de Bob Marley, a expressão afirmativa
de uma cultura – vulgarmente denominada cultura negra – que permanece viva por meio de
subcondições na sociedade. Os preconceitos recorrentes se reproduzem por meio do discurso do
Estado que omite, através da recusa histórica e historiográfica, a validação das ações do
afrodescendente na construção do próprio Estado.
O tema expõe, entre outros, os conceitos de cultura, ou tradição, principalmente. Sabemos
que estes conceitos são complexos e de difícil explicação. Entretanto, eles aparecem nas três
referências bibiográficas apontadas: O Atlântico Negro (GILROY, 2001); Na Casa de Meu Pai
(APPIAH, 1997); e Dois Atlânticos (COSTA, 2006), bem como em Maria Antonieta Antonacci
(2013). Em geral, aparece como um conjunto de expressões humanas que daria significância
identitária aos grupos, tendo em sí uma relação íntima com a História alvo, ou ainda uma forma
como determinado grupo se situa, se interpreta, perante o mundo que presencia - a sociedade que
vive. Não é intenção aqui simplificar o termo, mas sim tentar explicá-lo de forma coerente com o
que aparece nas referências acima citadas.
Appiah3, por exemplo, tenta nos apresentar que a cultura intelectual de seu contexto pós-
guerra europeu (modernismo, onde o absolutismo étnico reina) inferioriza os saberes chamados
africanos e toda intelectualidade negra. Através de um texto riquíssimo em conhecimeto/filosofia
de matriz africana, em diálogo com pensadores europeus clássicos e uma erudição que se destaca
dos cientistas sociais, Appiah nos leva à casa de seus ancestrais, sob uma perspectiva racialista4,
2 Antonacci fará um diálogo entre antropologia, história e literatura, apontando lugares subalternos de alguns povos que
condicionados na sociedade à estes locais marginais, preservaram seus discursos, sua tradição, parte de suas histórias,
através da literatura de cordel e cantos dos chamados “repentistas”, no Brasil, por exemplo. A autora é formada em
História pela UFRGS, mestre em História Econômica pela USP, Doutora em História Econômica pela USP também, e
pós-doc em Antropologia Social pela EHESS(1999-2000). Sua experiência é relacionada à area de História,
principalmente História do Brasil, com interesses voltados à História da África, Culturas Africanas e Afro-
Brasileiras.(Dados tirados do site
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4783502U4 acessado 07/05/2014) 3 Appiah é um filósofo nascido em Gana em 1954, formado doutor pela Universidade de Cambridge, e professor de
estudos afro-americanos e de filosofia na Universidade de Harvard. Sua obra reune aspectos interdisciplinares,
perpassando a sociologia, antropologia, história, biologia, e nela o autor discute aspectos interculturais, à ver idéias
africanas, norte-americanas, e europeias (Na Casa de Meu Pai, 1997). 4 Racialista seria uma perspectiva que não hierarquiza as diferentes raças.
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para sinalizar como a construção mítica tem sido arquitetada pelos cientistas (europeus em sua
maioria) sociais durante anos, de modo a desqualificar, homogeneizar e reduzir as diferentes
culturas africanas. Para Appiah, o termo cultura ainda está ligado ao conceito de Raça. O autor se
utiliza deste, de forma sócio histórica, isto é, não trata o mesmo como um conceito biológico, ao
contrário de Du Bois5, a quem o autor dirige críticas por se utilizar do termo de forma racista,
biológica e hierarquizante. Todo preconceito e prejuízo das relações sociais (ou boa parte) do
presente momento se relacionam à hierarquização racial – ao passo que propõe-se uma cultura
modelo, restando às demais segui-la. Temos noção, a partir disto, de que a descolonização da
África, e de outros territórios antes colonizados, contribuiu para derrubar, gradativamente, a
máscara do eurocentrismo. Justamente, sabemos agora dos males causados pelos discursos
nacionalistas extremistas – à la Mussolini, Hitler, por exemplo - que da historiografia positivista se
utilizavam para transformar heróis em modelos nacionais, grupos específicos em seres humanos
“superiores”, os quais por direitos construídos, politicamente, exerciam sua soberania sobre os
demais povos que eram invisibilizados e/ou perseguidos, exterminados inclusive.
Appiah revela que vivemos ainda, mesmo após as catástrofes mundiais traumáticas
(primeira e segunda Guerras Mundiais), na penumbra do amanhecer (1997, p.76). Amanhecer este
que significa nos desprender dos conceitos racistas. Deste modo, seria possível pensarmos em
cultura, relativizando-a, admitindo as diferenças individuais e coletivas, os diversos contextos a
partir dos quais se desenvolve, considerando, sobre tudo, os complementos que compõem a
humanidade. Para o autor, ainda, o africano carrega uma insígnia, que seria a cor da pele, o fator de
ligação entre as populações africanas diaspóricas, vinculando-as entre si e ao continente Africano –
a identidade ligada à insígnia da cor.
É também com relação à denominação Raça Negra que Gilroy6 trabalha, tentando
desconstruir estereótipos que reúnem culturas distintas em uma única Raça, por exemplo. O eixo
principal de O Atlântico Negro (2001) intenciona quebrar a prática ignorante e inferiorizante que
desqualifica e homogeneíza as diversas culturas englobadas e simplifificadas como raça negra.
Uma vez concordado que no mundo moderno não é reconhecida a participação do negro na
sociedade em praticamente nenhum aspecto, quanto ao ocidente, Gilroy contribui para o debate
edificador que lança o afrodescendente como agente histórico. Primeiro, ao romper com discursos
que negam a inteligência do negro7 (2001, p.40) e, segundo, ao afirmar que as culturas modernas
não são puras (2001, p.42). Em outras palavras, sua intenção é fazer saltar à vista que a
inferiorização racial/cultural é resultado de desconhecimento, da falta de saber, já que as diferentes
culturas estão em constante contato e se transformam a partir de experiências contrastantes. Ao
focar o Oceano Atlântico como objeto de estudo cultural (2001, p.57), ele analisa os estados
modernos a partir do Reino Unido, apontando uma “colisão de comunidades culturais formadas e
mutuamente excludentes” (2001, p.42-43), que se julgam de forma eurocêntrica, hierarquizando
características, primeiramente fenotípicas, bem como culturais, desde, no mínimo, o período
chamado Iluminista (2001, p.44). Negam, deste modo, o hibridismo defendido pelo autor, julgando
como se as chamadas raças vivessem isoladamente, em ilhas e se mantivessem “puras”, originais.
O que sabemos, a partir dos estudos de Stuart Hall (1992), é, para ser razoável, questionável, se não
5 Du Bois é um afrodescendente norte-americano, doutor pela Universidade de Harvard, interessado nas áreas de
história, sociologia e economia, e principalmente era um ativista militante que lutava por direitos iguais para os negros.
Seus trabalhos intelectuais e suas iniciativas como militante envolvem esta temática de direitos iguais. Sua forma de
militância é correspondente ao contexto racista em que viveu nos Estados Unidos, já que este nasceu em 1868, e passou
a criticar o racismo e as violências contra o negro no início do século XX naquele país, e posteriormente,
internacionalmente. Dados tirados do site http://www.loc.gov/rr/program/bib/dubois/ acessado em 07/05/2014 .
6 Gilroy é professor da Universidade de Yale, segundo consta em sua obra O Atlântico Negro, e teria tentado buscar
definir a modernidade a partir do conceito de diáspora negra e suas narrativas, construindo uma identidade para as
populações diaspóricas, contidas entre outras, nas músicas deste atlântico negro, conforme abordado nos parágrafos
seguintes. 7 No Brasil esta é uma discussão que avançou muito desde Gilberto Freyre em relação à própria concepção da
importância do africano na formação do país, apesar de todo o preconceito que ainda existe. Para melhor compreensão
ler Casa Grande e Senzala (FREYRE, 1933).
16
inválido. Mais pontual seria, aqui, percebemos na Tradição, originada deste contato favorecido pelo
Atlântico Negro, uma ferramenta que “legitima uma frente política negra em oposição a supremacia
política branca (GILROY 2001, p.354) ”, bem como a criação de uma identidade para estes povos
diaspóricos afrodescendentes.
A partir deste eixo temático cultural, identitário, as ideias de Gilroy são discutidas por
Sérgio Costa em Dois Atlânticos (2006). A intersecção que Costa vai montar, se dá ao discorrer
sobre movimentos culturais, políticos, artísticos, que apoiam uma contracultura na modernidade.
Entende-se o termo Contracultura como algo contestador em relação à cultura vigente, tida como
modelo ideal, tornando-se um “discurso filosófico que rejeita a separação moderna, ocidental, de
ética e estética, cultura e política”(GILROY, 2001, p.98). Deste modo, é aí que cultura, política,
ética, estética, artes cênicas, música, tudo isto pode estar englobado como movimento
contracultural, e o foco do estudo de ambos os autores perpassa a insígnia notada por Appiah como
fator de junção por dentre os povos africanos diaspóricos, ou como vai acrescentar ao debate
Gilroy, do Atlântico Negro. O diálogo por dentre estes três teóricos se baseia nessa junção,
demarcando a insígnia como ferramenta unificadora e política para estes povos.
Sérgio Costa8 preferirá afirmar a música negra como expressão (contra)cultural de um povo
marginalizado politicamente nos Estados contemporâneos. Seria esta uma forma de explorar a
memória histórica dos negros para daí manifestar-se politicamente onde suas vozes eram até então
silenciadas (COSTA, 2006). Ao dialogar com Gilroy em seu texto, Costa então nos mostra que a
“história da diáspora africana se desenvolveu fora da órbita política formal através da música, dança
e performance” (COSTA, 2006, p.117). Ou seja, a história política dos negros teria sido mais
propagada através de músicas do que por meios clássicos, como livros, contextos escolares, por
exemplo, fornecendo através desta via, musiccal, uma construção da identidade dos africanos
diaspóricos. Fato que faz Gilroy, através de Costa, discutir algo semelhante – visto que ambos estão
escrevendo em momentos e contextos diferentes - da perspectiva de Du Bois sobre a “dupla
consciência dos negros” no âmbito da modernidade: “inclusão na construção efetiva no processo de
construção da modernidade e(...)pela exclusão sistemática da vida política no âmbito dos Estados-
Nações (COSTA, 2006, p.118). Ou seja, aí então identifica-se a questão da ambivalência do negro,
que resultaria numa crise de identidade, que por sua vez vai caracterizar as lutas do movimento
negro dos séculos XX, e XXI. O foco, estaria direcionado à criação, neste meio excludente e até
então de indifereça para com o negro, de autoestima, uma identidade, e de positivação das
características fenotípicas, além das culturais, dos afrodescendentes.
Bob Marley e o Movimento Negro Brasileiro serão colocados em foco neste trabalho como
agentes expoentes desta contracultura, buscando estabelecer um elo entre os dois, um diálogo
possível. Acredita-se ainda que algumas semelhanças entre eles mereçam estudo acentuado, que
permita acrescentar algo às discussões historiográficas. A estas, sugerir-se-ia a utilização de mais
expressões culturais – principalmente músicas - como fontes históricas, testemunhos produzidos a
partir dos sujeitos históricos.
O uso do termos Branco, e Negro, e suas variações, neste estudo condizem apenas com a
dedução da “constatação de desigualdades sociais que têm como causa adscrições raciais. Ou seja, a
polaridade branco/’não branco’ estrutura a distribuição de oportunidades sociais” (COSTA 2006, p.
207). Em relação ao termo, também recorrente, Afrodescendente nos remetemos ao uso deste em
fóruns internacionais para representar os negros da diáspora, conforme explica d’Adesky na
apresentação de seu livro (D’ADESKY 2006, p.10).
8 Sérgio Costa é brasileiro possui formação em Ciências Econômicas pela UFMG, mestrado em sociologia pela mesma,
e doutorado pela Universidade Livre de Berlim na Alemanha (1996). Atualmente é professor de sociologia desta última,
e por certo tempo teria sido professor adjunto da UFSC(1997-1999). Suas pesquisas e publicações circundam a area da
sociologia política, sociologia comparativa e teoria social contemporânea. A democracia e as diferenças culturais, as
desigualdades sociais, e temáticas ligadas ao racismo são também temas de sua especialização. Dados baseados no site
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4781809E5 acessado dia 07/05/2014.
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1. BOB MARLEY
Ao perceber as invocações imagéticas que nos aparecem mentalmente quando pensamos
Bob Marley, podemos nos deparar com uma quantidade de informações variadas que circundam
Bob como pessoa, indivíduo. Estas imagens podem atribuídas a fontes como músicas, souveniers,
fotos, vídeos, som, voz, entre inúmeros exemplos diretamente vinculados à experiência pessoal.
Este fenômeno mental e sensorial pode-se atribuir ao fato de que Bob Marley tenha se
tornado (ou tornaram-no), além de indivíduo social, um símbolo capaz de reunir diferentes
significações. Suas canções com senso político, sua significação imagética e cultural, a emblemática
evocação à Cultura Rastafári – entre outros aspectos apropriados pela indústria musical/cultural – o
fizeram um produto de consumo mundial desde meados da década de 1980 até hoje (RABELO,
2006). Contudo, para além destas representações, havia um Marley indivíduo, com determinadas
condutas culturais através das quais se relacionava com seus semelhantes, consumia, e era, como
outros, dotado de vícios e virtudes. Como historiadores, devemos pensar na possibilidade de se
“reconstruir” este Bob Marley. A Biografia pode nos fornecer uma possibilidade hermenêutica à
respeito da vida de Bob, mas qual seriam suas implicações metodológicas para com a historiografia
atual? Possibilitaria um fragmento da trajetória de vida de Bob ao historiador pesquisador?
Ao tentar se trabalhar historicamente com uma personagem, é necessário tentar compreender
o seu contexto. Para isto, pode-se dizer que as produções destinadas ao consumo cinematográfico9
são ligeiramente úteis para análise da Jamaica da década de 1970. Do ponto de vista historiográfico,
necessitamos ainda fazer um estudo de caso que aborde e situe Bob no tempo e no espaço,
correspondentes às metodologias históricas de pesquisa atuais.
De acordo com as entrevistas escritas analisadas10
, podemos situar Bob como um artista
afrocaribenho, nascido em 1945, descendente de mãe afrocaribenha, ex-escrava, e pai Inglês, de
pele caucasiana, com quem tivera muito pouco contato. Na Jamaica, teria iniciado sua carreira
musical e atingido o status de músico influente. Após determinado momento da carreira, decidira
sair dali para proferir suas palavras para o mundo à partir da Inglaterra, no início da década de 1970.
Em seguida, não se fixara em um local por muito tempo, transitava entre Jamaica, Londres e Miami,
mas pode-se concluir que suas estadias na Jamaica foram as que lhe influenciaram definitivamente
em suas abordagens11
, supondo que estes deslocamentos possam ter contribuído para sua
reafirmação das condições dos afrodescendentes de forma global. Horace Campbell (1987) e Danilo
Rabelo (2006) confirmam em suas obras alguns destes aspectos, como por exemplo a filiação de
Bob Marley, suas transições locais, seu sucesso. Vão além, entretanto, quando passam a tratar
temáticas que são, inclusive, retratadas pelo filme Rockers It’s Dangerous12
. Estas fontes buscarão
ccontxtualizar o desenvolvimento de Bob ao longo de anos vivendo em uma Jamaica que reservava
aos descendentes africanos um espaço hostil, onde:
A juventude dos guetos vivia sem perspectiva de ascensão social e muitos jovens
ingressavam na marginalidade [...]aprendiam a defender-se das constantes brigas, a se
armar com armas de fogo[...]essa população juvenil marginalizada e sem muita educação
escolar e/ou erudita ficou conhecida como Rude Boys (RABELO, 2006, p.284)
9No caso, utilizaremos da análise efetuada sobre as seguintes fontes: a) Filme “Rockers Its Dangerous” filmado na
Jamaica entre 1976/1978 que retrata a condição dos guetos jamaicanos no período, e conta com um elenco de músicos
de reggae locais, como por exemplo Jacob Miller, Kiddus I, Lee Perry, entre outros; b) Documentário Marley (2012),
do diretor Kevin Mcdonald; c) Documentário Time Will Tell (1992), dirigido por Declan Lowney. 10
Vide CARDOSO, M. A. Bob Marley por ele mesmo. Editora Martin Claret Ltda., São Paulo. 2007.
11
Isto se supõe com base no que será tratado mais adiante no presente estudo, aonde trataremos de situar o contexto em
que Bob cresceu. 12
Bob Marley é tratado neste filme em segundo plano, a história principal envolve outros cantores Rastas. No período
retratado no filme, Bob não residira na Jamaica, mas o filme retrata a condicção social jamaicana, e o cotidiano de rude
boys e Rastas.
18
Bob Marley teve uma vida ligada aos Rude Boys na adolescência (Idem, p.281), e teria,
ainda nesta fase, testemunhado problemas com a brutalidade das ações policiais, e a pobreza dos
arredores de Kingston, capital da Jamaica (CAMPBELL, 1984, p.140).
Esta constatação levantada nas referências – Campbell e Rabelo – se confrontadas com os
documentos – filme Rockers, entrevistas -, nos leva a pensar em como trabalhar
metodológicamente, dentro da área historiográfica, com diferentes evidências históricas. Como
traçar um fragmento da vida de Bob através de diferentes documentos e fontes?
Alguns teóricos têm estudado a temática nas últimas décadas, questionando a validação
historiográfica da biografia. De acordo com Sabina Loriga (In. REVEL, 1998) a temática dos
excluídos da memória teria reaberto o debate acerca dos usos da Biografia na área historiográfica.
Pode-se dizer que, ao menos, François Dosse (2009) e Vavy Pacheco Borges (2008) irão partir do
mesmo pressuposto: o de que a crise da historiografia no período pós-guerras (questionamento dos
heróis à la positivismo Rankeano), também influenciara na Biografia. A questão social do indivíduo
Biografado, adjunto das questões relacionadas às possíveis identificações deste, assinalaram o ponto
chave do debate historiográfico a respeito da temática. Borges (2008) irá se apropriar de Dosse
(200913
) para diferenciar três fases da Biografia:
Em recente obra teórica sobre o tema, o historiador francês François Dosse sugere três fases
no percurso da biografia: uma primeira que chama de "idade heroica", na qual a biografia
transmitiria modelos, valores para as novas gerações; uma segunda fase, a da "biografia
modal", em que a biografia do indivíduo teria valor somente para ilustrar o coletivo (a
sociedade do biografado em tempos e em espaços diversos); e uma terceira e última fase, a
atual, que chama de "idade hermenêutica", momento em que a biografia tornou-se terreno de
experimentação para o historiador, aberto a várias influências disciplinares. (BORGES, 2008,
p.207).
Assim, a chamada “Idade Hermenêutica” de Dosse demarca sua influência na Biografia,
propondo a descrição histórica do indivíduo como ser social - em referência às várias influências
disciplinares assinaladas acima – e não mais um herói com uma função “divina”, predestinada, que
incumbia às pesquisas biográficas uma abordagem de levantamentos teleológicos, heroicizante. Esta
teleologia, como consequência, levava ao indivíduo como resultado linear de ações passadas,
baseados em fatos, e por isto teria sido criticada como simplista, insuficiente em cumprir com as
inúmeras mudanças recorrentes na vida do ser. Vavy Pacheco Borges criticará, ainda, inclusive o
Boom de memória, provocado pela midiatização das massas, que por certo pode comprometer a
abordagem devido às inúmeras referencias teleológicas sobre determinado sujeito.
Sabina Loriga (1996) sinaliza quanto à metodologia histórica que deve estar presente no
estudo Biográfico, contribuindo para nos distanciarmos da abordagem jornalística. Giovanni Levi
também atentará para a metodologia histórica frente às narrativas biográficas, simplistas, culpadas
por grandes distorções e anacronismos (LEVI, 1989, In: AMADO, Janaína & FERREIRA, Marieta
de Moraes, 2005) Vavy Pacheco Borges possivelmente notara estas indicações, e defenderá também
que a contextualização historiográfica dos documentos utilizados para a pesquisa Biográfica é ponto
essencial (bem como nas obrigações metodológicas do ofício do historiador atual).
Todos estes autores atentaram para pontos críticos quanto à Biografia como área
Historiográfica. A insuficiência de uma narrativa linear, visto que o indivíduo está em constante
relação, influenciando e sendo influenciado, é o primeiro ponto comum. Esta crítica faz referência,
em última análise, à forma cronológica que aparecem determinados eventos nas biografias
jornalísticas ainda hoje. Estas, visam criar uma escada, uma trilha, que levará o biografado ao seu
ápice, ao mesmo tempo em que carrega o biógrafo à armadilha teleológica criticada pelos autores.
13
Em 2009 seria o ano da tradução brasileira feita por Gilson César Cardoso de Souza, Editora da USP, conforme
consta na Revista Eletrônica de História, disponível em:
http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/historiaemreflexao/article/download/734/451. Acessado dia
20/06/2014. O texto original de François Dosse, que foi utilizado por Vavy seria: Dosse, François Le pari
biographique: écrire une vie, Paris, La Découverte, 2005.
19
Por outro lado, todos questionam se ao se respeitar estes limites, a vida de uma pessoa
conseguiria ser transcrita. Bem, estes cuidados que o biógrafo deve ter são apenas uma forma de se
aproximar do biografado, de sua trajetória de vida, pois dificilmente a Biografia será feita de forma
totalmente imparcial.
Angela de Castro Gomes (2004) e Dosse (2009) talvez sejam a resposta sobre como se
captar o sujeito meio à tantas ilusões criadas. Ambos focarão na perspectiva do Homem Plural,
possuidor de diferentes facetas, uma “metamorfose ambulante” ao melhor estilo Raul Seixas. As
“identificações do eu” ao longo do tempo, e da vida coletiva/social/individual, podem ser captadas
pelo olhar minucioso do pesquisador ao se deparar com, por exemplo, diferentes biografias sobre
determinado sujeito. Desta forma poderíamos driblar, fugir, (d)os interesses comerciais contidos nas
narrativas biográficas atuais de sucesso, por exemplo, mencionadas por Bordieu (1986), Borges
(2008) e Castro Gomes (2004). Ao driblá-las, favoreceríamos a neutralidade e tenderíamos a
perceber dados sutis da realidade, das subjetividades, dos detalhes, informações que revelam muito
mais sobre a vida integral do ser objetivado. Se questionados e problematizados adequadamente,
podem, tais sinais, tornarem-se mais próximos de uma perspectiva de análise histórica.
Se apontarmos as formas como Castro Gomes sugere captarmos estes detalhes, veremos que
ela supõe a “escrita de si” como uma área que pode conter muitos destes sinais. São “escritas de si”
as cartas, os diários, as autobiografias, entre outros. Estas podem situar o indivíduo no tempo e
espaço, possibilitando construir a personalidade do biografado. Por exemplo, um ordenamento de
eventos como no caso de um álbum de fotos sobre uma viagem da família, com enfeites destacando
aspectos, pode revelar afinidades relacionais, gostos, cronologia dos eventos factuais. Dosse irá
trabalhar com esta perspectiva também, denominando estes sinais como Biografemas. Ao se utilizar
dos biografemas, é possível perceber mudanças no indivíduo ao longo de sua vivência por exemplo,
mas somente do ponto de vista da auto escrita, ou seja, criados pelo próprio indivíduo.
E quanto às impressões externas sobre o sujeito? Ainda Dosse, nos fornecerá então a
relação entre “mesmidade” e “ipseidade”, se apropriando de Ricoeur. A relação pode se tornar um
pouco confusa, mas se trata de relacionar aquilo que o biografado tenta imprimir de sí, em relação
àquilo que se manteve ao longo do tempo, e que sofrera alternância de sentido pelas influências
externas (apropriações, interpretações, ou “o mal” para Dosse). Quanto a isto, esclarece o autor:
A ‘mesmidade’ evoca o caráter do sujeito naquilo que ele tem de imutável, à maneira de
suas impressões digitais, enquanto a ‘ipseidade’ remete à temporalidade, à promessa, à
vontade de uma identidade mantida a despeito da mudança: é a identidade sujeita à prova
do tempo e do mal (DOSSE, 2009, p.342) .
Temos a “hermenêutica do si” num entre-lugares, numa encruzilhada entre o ponto de vista
de terceiros e o “eu”. Portanto, o “eu”, do sujeito observado, não pode ser definido senão de forma
indireta, indicando aproximações, assumindo verdades ou identificações.
Neste momento, o leitor pode se perguntar “onde se localiza Bob Marley neste raciocínio?”
Respondemos que para encontrá-lo, de forma historiográfica, é mister nos aproximarmos da noção
de biografemas e da relação entre “ipseidade e mesmidade” estudados. Marley foi discutido através
de diferentes abordagens ao longo dos últimos anos. Alguns o reescrevem como místico (RABELO,
2006)14
, outros como “Herói da raça negra” (CARDOSO, 2007)15
, e a visão menos fundamentada
que encontrams é a de que era um artista jamaicano de cabelos trançados que cantou e popularizou
o Reggae, reforçando o anarquismo e o socialismo, hippie e pró-Cuba16
(LANCELOTTI, 198117
).
Existem nestas diversas abordagens sinais que podem ser interpretados utilizando Dosse, que
possibilitarão pesquisar o objeto Bob Marley em determinado momento, dentro de uma
14
Revelando uma abordagem messiânica sobre Marley, vangloriando-o divinamente, recontando seus passos
linearmente, predestinando-o. 15
Mostrando uma abordagem do fã-clube de Bob Marley, adorado. 16
Esta perspectiva sobre Marley, jornalistica, é menos fundamentada por apenas reproduzir estereótipos sem apresentar
nenhuma fonte, ou documento, que justifique os julgamentos feitos pelo autor do texto. 17
Reportagem datada da semana de 20 de maio de 1981, na página 56 da revista Isto É, situada na coluna da respectiva,
abordando a temática Memória.
20
hermenêutica historiográfica adequada. Se faz útil para esta pesquisa, reunir aqui os seguintes
pontos frequentes no material analisados: a) Bob Marley era um artista jamaicano que influenciou
seu contexto social, dentro de um contexto preconceituoso, na Jamaica; b) Denunciava, Bob, os
interesses políticos por trás do preconceito e a omissão que sofriam os afrodescendentes no período
analisado; c) Seu gênero musical era o Reggae, de certa forma influenciado por preceitos
rastafarianistas; d) Sua origem remetia à pobreza e violência das ruas de um local marginal
reservado prioritariamente aos afrojamaicanos18
; e) a memória que Bob tentara perpassar era o
cosmopolitismo. O que sugere que a sua valorização do negro seria como forma de reerguê-lo para
igualdade frente às posições da população branca, garantidas por privilégios baseados em
preconceitos; f) Bob tivera diferentes momentos de identificação com o mundo ao seu redor; g) Bob
era um crítico da sociedade em que vivia e explicitava isto através de suas músicas; h) Carregava
em si as Memórias Ancoradas em Corpos Negros (ANTONACCI, 2012), ou seja, ele demonstrava
em suas performances, canções, dentre outras expressões, características ligadas à Tradição Oral de
matrizes africanas, conforme será trabalhado adiante.
Estes são os sinais recorrentes nas abordagens sobre Marley. Poder-se-ia aprofundar a
pesquisa tendo em vista a vastidão de fontes. Posto isto, esclarecemos que, considerando a
quantidade das abordagens e interpretações, concentraremos nosso foco nestas elencadas,
entendendo como suficientes para o trabalho acadêmico proposto. Cabe ao historiador
problematizar estes dados, perceber no tempo as mudanças, documentais, inclusive, nas
perspectivas adotadas, e aplicar os métodos historiograficamente válidos para a confecção de uma
pesquisa que tente abarcar uma trajetória da vida de Bob Marley na História.
18
Bob Marley vivia, partir de 1955, em Trenchtown - a maior favela da capital da Jamaica, Kingston. As casas neste
território sofriam problemas sanitários sérios, uma vez que a água era escassa, e a energia elétrica era
ausente(RABELO, 2006, p.283). A mãe de Bob tivera que se mudar para esta localidade justamente para procurar
emprego, mas a condição era precária neste quesito também, a ponto de que a juventude vivia “sem perspectivas de
ascensão social e muitos jovens ingressavam na marginalidade”(RABELO, idem, p.284).
22
2. BOB MARLEY E O RASTAFARIANISMO
Neste momento, se faz crucial tentarmos aprofundar as considerações anteriores - à respeito
da identificação de Bob Marley proposta – explorando mais criteriosamente os traços característicos
destacados. A maior parte destas conclusões dialogam diretamente com a identificação cultural
Rastafári de Bob, de modo que este quesito se torna pontual e será desenvolvido a seguir.
Primeiramente, podemos fazer um levantamento sobre as principais crenças do Rastafari
para melhor explorarmos a temática. É muito dificil definir Rastafari como algo único, ou imutável.
Conforme analisado em Rabelo(2006), as crenças variam entre os grupos Rastafaris, ou Rastas, não
delimitando uma vertente única de análise. Desta forma, podemos apenas nos aproximar de um
apanhado geral, feito por Rabelo na mesma obra, onde se encontram citados alguns outros
pesquisadores que foram à campo para estudar as vertentes Rastas. De acordo com os documentos
apontados por Rabelo, pode-se dizer que as principais crenças entre os grupos Rastas - apresentadas
por Sam Brown - a partir da década de 1950 (contexto de Bob Marley), diriam o seguinte :
1. Nós firmemente nos opomos a afiar instrumentos usados na profanação da figura
humana, i.e., cortar o cabelo, barbear-se, tatuagem da pele, o corte da carne.
2. Somos basicamente vegetarianos fazendo uso escasso de certa carne animal e ainda
banindo o uso de carne suína em todas as formas, frutos do mar, peixes sem escamas,
caramujos.
3. Nós não cultuamos e observamos nenhum Deus além de Rastafari, banindo todas as
outras formas de culto pagão, ainda que respeitemos todos os crentes.
4. Nós amamos e respeitamos a irmandade da humanidade ainda que nosso primeiro amor
seja para os filhos de Cã.
5. Nós desaprovamos e abominamos totalmente ódio, ciúme, inveja, engano, astúcia,
traição etc.
6. Não concordamos com o prazer da sociedade atual e seus males modernos.
7. Nós somos jurados em criar uma ordem mundial de irmandade.
8. Nosso dever é estender as mãos da caridade a qualquer irmão em desgraça,
primeiramente para aqueles que são da ordem rastafari, em seguida, para quaisquer
humanos, animais, plantas etc., igualmente.
9. Nós realmente aderimos às leis antigas da Etiópia.
10. Na sua decisão, no seu propósito de amar a Ras Tafari, tu nunca deverás aceitar títulos e
possessões que o inimigo em seu medo possa procurar para te oferecer19
.
Se torna pontual neste documento, perceber algumas questões chave para o entendimento do
Rastfaraianismo proferido por Bob. No primeiro item do documento analisado, é notória a questão
da “profanação da figura humana”, ou seja, a recusa de alterar o próprio corpo por qualquer motivo,
seria repugnado pelos Rastas. A palavra “profanação”, indica que o corpo seria algo “divino”, e se
modificado por alguma forma referida pelo documento, estaria comprometido, profanado.
Também, os elementos número quatro e oito, se referem à características cosmopolíticas
que serão analisadas mais adiante em relação ao rastafarianismo propagado por Marley através de
suas músicas. Entretanto, neste momento parece ser mais crucial nos aprofundarmos mais na
temática Rastafari ligando-a ao Marley.
Bob teria se aproximado da cultura Rastafári após seu regresso do breve período de sete
19
Este manifesto é de autoria de Sam Brown, escrito em 1964. Rabelo, em sua tese de 2006, se utiliza dele a partir de
análise própria da obra de Ackell(1981, p.12-14)
23
meses em que estivera nos Estados Unidos tentando levantar fundos para investir em sua carreira
musical. Nesta altura de sua vida, Marley já estivera casado com Rita Marley, que se convertera ao
rastafarianismo “impressionada com a visita de Hailé Selassie à Jamaica em Abril daquele ano20
”
(RABELO, 2006, p. 289). Entretanto, não seria ela quem influenciaria Bob incisivamente à cultura
Rasta. Após seu regresso à Jamaica, Bob teria se envolvido com Mortimo Planno, quem lhe ensinou
sobre os rastas, e tivera lhe conseguido um contrato a partir de um amigo cantor, Johnny Nash
(RABELO, 2006). Esta associação com Planno seria a porta rastafari aberta na vida de Bob, pela
qual ele tivera penetrado ao se interiorizar filosoficamente; diria Bob: “Você tem que olhar dentro
de si para ver Rasta. Todo negro é um Rasta, ele só têm que olhar dentro de si. Ninguém me disse,
Jah me disse ele mesmo. Eu olhei para dentro de mim e vi Jah Rastafári” (FERGUSSON, 2004
apud RABELO, 2006, p.291). Este episódio, também coincidira com a cronologia presente no livro
de Cardoso (2007), o qual afirma que, mais precisamente, em 1968 Bob Marley teria sido “iniciado
no rastafári, por Mortimo Planno, um pregador do Divino Templo Teocrático do Rastafári”
(CARDOSO, 2007, p.46). É importante entendermos o que seria esse rastafarianismo expresso tão
abertamente por Bob em suas músicas, pois tem-se estudado que “a associação com Planno mudou
o teor dos discursos de suas canções, antes voltadas para os temas de amor e para a glorificação do
estilo de vida marginal e violento dos rude boys.” (RABELO, 2007, p.291).
Segundo os levantamentos feitos, os
“Rastafaris na Jamaica estavam em processo de criação de uma cultura popular que era
baseada no espírito da resistência, combinado com o bom humor e o espírito de alegria que
se tornou parte da disposição das populações africanas no mundo. Como as relações
capitalistas se enraizaram na sociedade, e as pessoas tiveram o sentimento distinto de que o
capitalismo estava destruindo as suas personalidades, os Rastas eram uma seção de
trabalhadores pobres que queriam quebrar com o espírito de competição e individualismo
que permeava a sociedade e suas principais instituições” (CAMPBELL, 1987, p.121).
Esta definição de Campbell é emblemática, pois ao mesmo tempo que se mostra a
característica contracultural dos Rastas, mostra também o contexto em que a Jamaica de Bob
passara, conforme apontado anteriormente. Podemos qualificar o movimento Rastafári como uma
contracultura, que é influência e também é influenciada, pelas críticas sociais e políticas no
chamado Atlântico Negro, aonde Gilroy nos situa:
A história do Atlântico Negro, constantemente ziguezagueando pelos movimentos de povos
negros – não só como mercadorias mas engajados em várias lutas de emancipação,
autonomia e cidadania -, propicia um meio para reexaminar os problemas de nacionalidade,
posicionamento, identidade e memória histórica. Todos esses problemas emergem com
especial clareza se compararmos os paradigmas nacionais, nacionalistas e etnicamente
absolutos da crítica cultural encontrados na Inglaterra e na América com essas expressões
ocultas, residuais ou emergentes, que tentam ser de caráter global ou extranacional. Estas
tradições apoiaram contraculturas da modernidade que afetaram o movimento dos
trabalhadores, mas que não se reduzem a isto. ” (GILROY, 2001 p.59)
Através de Gilroy, então, compreendemos que o Rastafarianismo, se analisado, pode nos
mostrar melhor os paradigmas sociais e políticos em que Bob, e os Rastas, estavam inseridos. Pode-
se dizer que a temática Rastafári perpassa o discurso de movimentos como o Garveysmo, a
Négritude, o Pan-Africanismo e o Ethiopianismo.
A palavra Pan-Africanismo21
suscita uma tendência da época entre 1900-1927, período do
auge colonialismo europeu, a onde uma série de aglomerados internacionais sob o prefixo pan
20
O ano aqui referido é 1966. Em 10 de fevereiro Bob teria se casado com Rita, e dois dias após teria ingressado para
os Estados Unidos. (RABELO, 2006) 21
De acordo com Nascimento, a revolução Haitiana de 1804 teria desencadeado o movimento pan-africanista mundial,
intensificado nas Américas com base nas aspirações abolicionistas. Este movimento teria se articulado como político e
intelectual no fim do século XIX com Edward Blyden, Booker T. Washington, Du Bois, e sua primeira conferência teria
sido em 1900, sendo estes participantes de sua primeira vertente. A partir dos anos 1920, Marcus Garvey teria ganhado
força em escala mundial (conforme também consta em CAMPBELL,1987) e confirmara a segunda vertente do Pan-
Africanismo tentando estabelecer um bastião econômico, político e cultural soberano na África continental ao se juntar
24
surgiram se opondo ao poderio militar, econômico e cultural do Ocidente eurocentrista. Se formara
como movimento político após a Conferência Pan-Africana e, Londres, em 1900, organizada por
Sylvester Williams, e marcada pela participação de Du Bois (1986, p. 372; 1999, p. 64 apud
NASCIMENTO 2008a) que proferia a emblemática frase “o problema do século XX é o problema
da linha de cor”, presente em sua “Comunicação às Nações do Mundo” (NASCIMENTO, idem).
Mais tarde, nas conferências seguintes, Du Bois – sociólogo e escritor afro-norte-americano – teria
organizado mais quatro conferências pan-africanistas (NASCIMENTO, ibidem) se mostrando um
dos arquitetos da essência do movimento no período pré-decolonialização do continente africano,
que seria a elevação da autoestima do negro frente à opressão eurocêntrica. Du Bois, junto C.L.R
James e George Padmore, ainda teria explorado a história da África para mostrar ao mundo as
contribuições artísticas e culturais que os africanos traziam para a humanidade22
. Se utilizava desta
contribuição africana como ferramenta indispensável na luta por auto-identificação dos
afrodescendentes (CAMPBELL, 1987). Muito em comum tivera este movimento com o
Garveysmo, salvo por alguns detalhes que envolvem desenvolvimento tecnológico, intelectual, do
continente africano.
O Garveysmo, teria sido uma marca de nacionalismo militante, identificado com ideais pan
africanistas da UNIA, e que intencionava levar às pessoas negras um senso de identificação com
toda a África, salientando ao mesmo tempo a autoconfiança. Teria este, se juntado ao rank dos
protestos internacionais, e colocava a centralidade da consciência de raça na luta por liberdade. Seu
líder jamaicano, Marcus Garvey, teria fundado “o maior movimento africano da história
internacional” (NASCIMENTO, 2008a, p.167), a UNIA (Associação Universal para o Avanço
Negro). Antes disso, Garvey (1887-1940) se esforçou para ser um intelectual erudito, se graduou na
Church of England High School, chegou a fazer durante um tempo o curso de direito da Birkbeck
College, mas não completou. Na Jamaica, se interessou em “aprender e absorver a cultura urbana
de Kingston, especialmente as técnicas de oratória” (RABELO, 2006, p.123-124). Tivera, o mesmo
viajado, e acima disto vivenciado, por dentre diferentes territórios, nos quais ele pode perceber as
condições de vida adversas dos afro-americanos (RABELO, idem, p.121-125). Em agosto de 1914,
“teria fundado uma organização para a luta dos direitos civis dos afro-descendentes” (RABELO,
ibidem, p.125), e por dentre as suas medidas, as que mais chamam atenção se relacionam ao fim do
linchamento e da discriminação racial nos países da diáspora; a luta pelo ensino da história africana
nas escolas públicas; e a adoção do verde, preto, e o vermelho como cores simbólicas da
emancipação dos povos afrodescendentes (NASCIMENTO, 2008a).
Ainda, o movimento de Garvey se fazia resumido no lema “A África para os africanos, no
continente e no estrangeiro” (NASCIMENTO, 2008b, p.109). Neste lema, percebe-se um ponto de
discussão que acabou por rotular o movimento como propagador de um racismo às avessas,
segregacionista. Ao se lançar como união pan-africanista, e que visa o “regresso” à África, pode-se
julgar que o movimento teria como alvo o isolamento em relação aos brancos para união africana
segregante dos demais, que lhes possibilitassem fortalecimento contra a cultura hegemônica
dominante, eurocêntrica, o quê poderia ser confundido com um nacionalismo de estado, ou algo
semelhante. Entretanto, Elisa Larkim Nascimento mostra que a UNIA tinha interesses mais amplos
quanto à esse “regresso segregacionista” mal interpretado. Segundo a autora, uma série de estudos a
respeito, inclusive sobre a literatura produzida pela UNIA, mostrava que não se tratava de uma
volta literal à África, e sim uma proposta de contribuição dos afrodescendentes para o
desenvolvimento do continente africano23
, e bem estar, visando criar uma base de força e unidade
as forças dos africanos diaspóricos e continentais. O movimento Négritude, de Ayme Césaire, Léopold Senghor,
também na década de 1920 surgira na França, circundando a racialidade como resposta ao racismo - valorizar as raças
diferentes e não hierarquizá-las qualitativamente. NASCIMENTO, 2008a). 22
Esta afirmação de Du Bois da mensagem que a raça negra tem a contribuir para o desenvolvimento da humanidade
também foi destacada por Appiah (1997). 23
De modo tecnológico, intelectual, visando desenvolver o continente fisicamente, conforme diria Garvey: “devemos
mandar nossos cientistas, mecânicos e artesãos para que lá construam estradas de ferro, edifiquem as grandes
instituições educacionais e outras instituições necessárias (UDOM, 1964, p. 385 apud NASCIMENTO, 2008a).
25
para todos seus filhos (CLARK e GARVEY, 1974; MARTIN, 1976; LEWIS, 1988 apud
NASCIMENTO, 2008). Era seu objetivo, portanto:
[...] estabelecer uma nação central para a raça, estabelecer embaixadas ou agências nas
principais cidades e países do mundo para a proteção de todos os Negros, para promover a
conscientização espiritual preocupada a respeito das tribos nativas da África, estabelecer
universidades, colégios, academias e escolas para a educação racial e a cultura do povo e
trabalhar para melhores condições dos Negros em todo lugar” (NEMBHARD, 1940 apud
CAMPBELL, 1987)24
.
Quanto ao Etíopianismo, e o Négritude, podemos exaltar que suas preocupações se
identificavam mais quanto à critica do modelo eurocêntrico de descrever a sociedade baseada em
dualismos, o bem/mal baseado no branco/preto. Ambos visavam quebrar com estereótipos
qualitativos e equivocados construídos pelos colonialistas no período colonial da África, mas como
se discutirá, as influências destas expressões contraculturais não se restringiram ao continente
Africano.
A Négritude de Leopold Senghor é um movimento cultural negro que prega, na França, uma
solidariedade “racial” dos negros no período pós-guerra (APPIAH, 1991, p.23), e a destruição dos
mitos raciais eurocêntristas através de um firme protesto contra o colonialismo francês por
expressões culturais (CAMPBELL, 1987). Pode-se pensar aqui naquilo que Gilroy propõe perceber
como “um discurso filosófico que rejeita a separação moderna, ocidental, de ética e estética, cultura
e política” (GILROY, p.98), uma vez que a négritude assume esse papel filosófico de protesto.
Por Etíopianismo, se manifesta uma vertente político-religiosa, que se volta contra a “bíblia
dos brancos”, na qual os negros são vistos como “bestas”, animalizados, portanto inferiores.
Baseiam-se na ideia de que a Etiópia era um dos maiores centros do “mundo Bíblico”, juntamente
com Syria, Egito, Palestina, e essa visão da “Bíblia Branca” seria uma distorção proposital por parte
das traduções europeias. O fato é que, embora este movimento tivera se revelado primeiramente na
África do Sul, ele se espalhou para a América, como sugere o estudo de Willian Scott, no qual este
nos situa:
Os afroamericanos, estimulados pelas referências à antiga Etiópia nas escrituras e sermões,
supunham que em um território Africano não definido estaria a salvação da Raça, pois um
dia um messias negro emergiria de lá para redimi-los religiosamente, socialmente, e
politicamente. Tão arraigado teria sido esta interpretação que os africanos no novo mundo
começaram a se pensar como Etíopes, usando o termo para descrever-se e para descrever
suas organizações25
(apud CAMPBELL, 1987).
Rabelo também irá abordar o termo, entretanto colocando-o geograficamente como uma
expressão não exatamente religiosa, mas que se desenvolvera no norte dos EUA por dentre escravos
que se referiam ao termo como uma “ideologia de orgulho racial” (RABELO,2006, p.116), na qual
ao se utilizarem das referências bíblicas que exaltavam a Etiópia de forma digna - e se identificaram
com tal - os escravos estariam se opondo às imposições racistas das interpretações eurocentristas
(RABELO, 2006). O fato é que dentro do Rastafarianismo as duas versões não se contradizem,
visto que ambas mostram que na Jamaica, possivelmente, essa expressão se manifestará, e com o
raciocínio desenvolvido a seguir, à respeito ideologia rastafári, se tornara mais evidente não só este
aspecto do etíopianismo, mas também a mescla desta com garveysmo, pan-africanismo e négritude,
interferindo no mundo social/individual, resultando na contracultura Rasta.
De acordo com Danilo Rabelo (2006), a genealogia do movimento Rastafári se inicia com a
coroação de Ras Tafari Makonnen (1892-1975) em 2 de novembro de 1930. Ainda, embora Tafari
fosse o imperador coroado na Etiópia (Continente Africano), o grande esforço que este fizera para
que o mundo inteiro soubesse de um líder africano tomando posse de um trono - entrando para o
cenário internacional de reis – fez com que vários jornais do ocidente imprimissem fotos da
coroação, juntamente mostrando a potência do seu império junto às tropas de seu exército negro
24
Tradução nossa. 25
Tradução nossa.
26
(CAMPBELL, 1987). A identificação atribuída à Ras Tafari Makonnen no momento de sua
coroação na Etiópia, na Catedral de São Jorge em Adis Abeba (Capital da Etiópia), envolvia o
recebimento das honrarias religiosas, representadas juntamente à nomeação de Ducentésimo
Vigésimo Quinto Imperador da Dinastia Salomônica, pelos títulos de Negusa Negast (Rei dos Reis),
Senhor dos Senhores, Leão Conquistador da Tribo de Judá, Eleito de Deus. Somente neste
momento o nome Haile Selassie I, que significa “Poder da Trindade”, teria sido designado ao
imperador. Sua coroação tivera sido testemunhada por 12 líderes internacionais, chefes de Estado,
como por exemplo Príncipe Henry, Duque de Gloucester (filho do rei George V da Inglaterra e
irmão dos reis Edward VIII e GEORGE VI) Marechal Franchet d’Esperey da França, Príncipe
Udine da Itália, e o Paxá Muhammad Tawfiz Nassim do Egito (RABELO, 2006).
Na Jamaica, um dos primeiros Rastafaris teria sido Leonard Howell (CAMPBELL, 1987;
RABELO 2006), o qual teria intenção de pregar ao povo negro da Jamaica que o único rei que eles
deveriam ser Leais era o Imperador da Etiópia, Selassie, invés do Rei Inglês colonizador da Jamaica
(CAMPBELL, 1987). A intenção de Howell pode ser interpretada como uma reação de revolta
contra “às condições de marginalização econômica, social e política dos afro-jamaicanos”
(RABELO, 2006, p.180), e sua pregação sobre a divindade de Selassie só tivera sido iniciada após a
leitura minuciosa de escrituras bíblicas pelo mesmo (idem). Estes fatos lhe que rendera problemas
com a polícia colonial britânica – foi preso uma vez que as autoridades da jamaica colonial teriam
percebido o potencial anticolonial de sua idolatria pelo líder Etíope (CAMPBELL, idem). Através
da pregação de Howell, o povo jamaicano tivera contato com a notícia da coroação de Selassie.
Para os pobres afrojamaicanos, a coroação de um rei africano à quem poderiam legitimar
através da Bíblia e da descendência de Salomão, significou a nova deificação de um Deus Negro e
um Rei Negro no lugar de um Rei da Inglaterra (CAMPBELL, ibidem). Garvey, neste momento, se
figurava um profeta entre os seus poucos instruídos e iletrados seguidores jamaicanos, que tinham
por base informações dos jornais da UNIA e a Bíblia (CAMPBELL, 1994 apud RABELO, 2006).
Tivera ele proferido através do jornal da UNIA The Blackman em 8 de novembro de 1930:
No domingo passado, uma grande cerimônia aconteceu em Adis Abeba, a capital da
Abissínia. Era a coroação do novo Imperador da Etiópia – Ras Tafari. [...] Várias das
principais nações da Europa enviaram representantes para a coroação, portanto, pagando
seus respeitos a uma nascente nação negra que está destinada a exercer um grande papel na
história futura do mundo. A Abissínia é a terra dos negros e nós estamos contentes em
aprender que ainda que os europeus têm tentado inculcar nos abissínios que eles não
pertencem à raça negra, eles têm aprendido a réplica de que eles são, e estão contentes em
sê-lo. Ras Tafari tem viajado para a Europa e América e, portanto, não é estranho à
hipocrisia e aos métodos europeus, e do que nós entendemos e sabemos sobre ele, ele
pretende introduzir métodos e sistemas modernos em seu país. Ele já começou a recrutar de
diversas partes do mundo homens competentes em diferentes ramos da ciência para ajudar a
desenvolver seu país para a posição que ele deve ocupar entre as outras nações do
mundo[...]O salmista profetizou que Príncipes viriam do Egito e a Etiópia Estenderia as
mãos cheias para Deus. Não temos dúvidas que o tempo agora chegou. Etiópia está agora
realmente estendendo suas mãos. Este grande reino do Oriente tem estado escondido por
muitos séculos, mas gradualmente ele está se levantando para tomar um lugar principal no
mundo e nós da raça negra devemos auxiliar de todas as formas e apoiar a mão do
imperador Ras Tafari. (apud RABELO, 2006, p.193)
Além de estar acima citado sinais do etíopianismo, percebe-se todo apelo na fala de Garvey,
pan-africanista, o caráter messiânico religioso que o salmista dera ao líder etíope, bem como a
Etiópia como lugar de redenção da raça negra. Advém daí também mais um discurso sobre Selassie
estar reunindo forças para desenvolver seu Império, fazendo contatos diplomáticos através de
viagens internacionais, e ele mesmo estabelecendo a Etiópia como local aberto para os negros do
mundo todo.
Pode se questionar, o leitor, neste momento se o único elo entre a Jamaica e a Etiópia teria
sido a Coroação e a pregação de Howell. Bem, além deste evento, após a coroação em 1930, na data
de 1935 a Itália Fascista de Mussolini enviou suas tropas para a dominação territorial da Etiópia
(CAMPBELL, 1987; RABELO, 2006). Os Jamaicanos, em contato com o pan-africanismo, se
27
opuseram ao acontecido. Tanto os Rastas, quanto os não-Rastas, levantaram suas vozes contra o
evento. Os jornais jamaicanos imprimiram matérias com fotos nessa época mostrando as histórias
de atrocidades que estavam sendo acometidas pela Itália em solo Etíope, incluindo gases venenosos,
bombardeios aéreos, e inclusive testes em campos de concentração na Etiópia, durante 1935-1941,
tiveram sido feitos. O fato atraíra a compaixão de africanos por todo o mundo, uma vez que muitos
se ofereceram para ajudar à Etiópia (CAMPBELL, 1987). Em 1936, na cidade de Genebra, Selassie
buscaria o apoio da Liga das Nações, e tivera sido o único chefe de estado presente, proferindo
naquele momento seu discurso, denunciou as atrocidades do exército italiano e a passividade da
Liga das Nações(visto que um dos objetivos da Liga seria a seguridade coletiva dos integrantes).
Dizia Selassie no discurso:
[...] Exceto o Reino do Senhor não há nesta terra alguma nação superior à outra. Poderia
ocorrer que um governo forte achar que ele pode com impunidade destruir um povo fraco,
então a hora urge para o povo fraco apelar à Liga das Nações para dar seu julgamento em
total liberdade. Deus e a História lembrarão de seu julgamento (SELASSIE, 1936, p.6 apud
Rabelo 2006, p 187.).
Embora a Liga das Nações tivesse recusado suporte para Selassie, a Revista Time o
condecoraria Homem do Ano por causa de seu discurso. Em seguida, Winston Churchill (1874-
1965) teria dado exílio à Selassie na Inglaterra e o ajudado a formar um exército, que serviria para
retomada da Etiópia em maio de 1941. Após o fim da Grande Guerra, a Etiópia entra para a
Organização das Nações Unidas, enquanto Selassie reconstruía o país (RABELO, 2006). Deste
modo, Selassie se firmava como um elo entre Jamaica e África, mais precisamente Etiópia. A
invasão italiana durante a Grande Guerra, o apoio de Churchill, o episódio com a Liga das Nações,
e a publicação na revista Time, tivera lhe dado grande destaque no mundo. Seus feitos “heróicos”,
mostraram aos afro-jamaicanos, que eles tinham então mais motivos acreditar no Deus Negro,
redentor da raça Negra perante os abusos dos europeus. Não obstante, é oriunda deste cruzamento
de eventos uma boa parte da identificação de Selassie como a reencarnação de Jesus, um Deus vivo,
que seria a principal crença por dentre quase todos os grupos rastafáris26
(CAMPBELL, 1987;
RABELO, 2006).
Após Selassie ter sido assim representado internacionalmente, eis que seu governo passa a
ser desempenhado, novamente, na Etiópia. Cria, neste, uma constituição em 1955 aonde reservava
direitos iguais para todos os súditos do império, e o direito de voto a todos os indivíduos
considerados intelectualmente maduros. Também retoma seu circuito de viagens internacionais
diplomáticas (RABELO, idem). Foi em meio à estas viagens, que em 1966, teria Selassie visitado a Jamaica, causando um
aglomero de massas da população negra que a classe diretora do Estado teve que pensar “novos
modos de relacionamento com essa respeitável força” (CAMPBELL, 1987, p.127). Após o impacto
desta visita, jovens rastafaris adotam termos cristãos para falar de Selassie lembrando dos eventos
com a segunda guerra mundial, a ponto de que o Estado Jamaicano, agora independente, teria,
inclusive, encorajado esta atitude ao reconhecer pela primeira vez na história desta sociedade a
Igreja Ortodoxa Ethiopiana como instituição religiosa autêntica. (CAMPBELL, idem).
Walter Rodney se envolve com o rastafarianismo, para trazer uma interpretação da História
Africana à ideologia Rasta. Quem seria este? Bem, Rodney teria nascido na Guiana e foi formado
em História com especializações na temática da escravidão. Este historiador se incubiu de levar ao
movimento Rastafári a história africana, sob um ponto de vista do materialismo histórico, como
importante ponto para o processo de libertação, preservando a memória da escravidão e tentando
26
Há um debate entre os próprios Rastas a respeito da divindade de Selassie, mas a maioria prefere se manter apenas na
perspectiva de seus atos heroicos e suas interpretações bíblicas, e ignorar a situação do povo da Etiópia após, e durante,
seu Império, conforme consta em Danilo Rabelo (2006, p.354). Para efeito de estudo sobre a influência desta
perspectiva rastafári sobre o sujeito estudado (Bob Marley) adotamos a mesma, visto que era a visão reproduzida por
suas músicas, como por exemplo Forever loving Jah; Jah Live; Get up Stand Up, entre outras. Para uma visão deste
“outro lado da História” de Selassie, ver Ryszard Kapuscinski (1978)
28
incluir isto na temática Rastafari como argumento político contestador (RABELO 2006;
CAMPBELL 1987).
De acordo com Campbell, Rodney teria percebido os Rastas como parte da voz que exalta
no negro sua humanidade, devido ao fato destes terem captado a importância de, não só lembrar,
mas viver, a herança de seus traços culturais africanos, dentre eles o da oralidade como forma de
perpassar sabedoria, conhecimentos, história (CAMPBELL, 1987). Diria Rodney “Na nossa época
o Rastafári tem representado a força líder da expressão da consciência negra” (apud CAMPBEL,
1987, p.130), e ainda, segundo Campbell, Rodney teria tido “consciência de como a ideia da raça
teria se tornado parte das lutas por libertação dos negros em todo lugar” (idem). Muito
provavelmente, devido à esta percepção, seu envolvimento com os Rastas (e mais quem tivera
interessado da população afro-jamaicana, em quebrar os princípios eurocentristas), se dera a partir
de ensinamentos de história proferidos por aulas, a partir do materialismo histórico, aonde tentava
esclarecer a desinformação sobre a cultura e a história etíope, por exemplo (RABELO, 2006;
CAMPBELL, 1987). As aulas, os encontros, de Rodney com os Rastas eram “baseados nas
reuniões destes últimos, conhecidas como Groundations ou Grounations” (Rabelo, 2006, p.254),
expressão recorrente pelo menos, na banda contemporânea “Groundation27
” que recorre com seu
Reggae, na maioria de suas letras, à menções da história africana sob interpretação dos Rastas
jamaicanos. Todavia, podemos dizer que a questão da identidade negra a partir da identificação com
uma história em comum é o ponto que mais tarde fará muito sentido ao se relacionar Bob Marley e
o Movimento Negro Brasileiro, mas, por enquanto, nos abstemos na sequência da explicação sobre
os Rastas.
As atividades políticas de Rodney, juntamente dos Rastas, não poderiam ser ignoradas pelas
autoridades do Estado capitalista jamaicano. Imagine, um marxista pregando contra o capitalismo
em pleno período da polarização mundial entre Estados Unidos e União Soviética (socialista)28
?
Logo Rodney tivera sido banido da Jamaica, impedido de voltar à sua residência após ter ido
apresentar um seminário no Canadá, em 1968, sendo declarado como potencial “ameaça à
segurança do país”, conforme Campbell nos conta (CAMPBELL, 1987).
A experiência de Rodney, embora ele tivesse sido banido de seu país, mostrou não só aos
Rastas, trabalhadores rurais, mas também à classe média jamaicana, que todos os afrodescendentes
não deviam ter receio de se identificar com suas raízes africanas, e isto gerou uma nova onda de
identificações com os Rastafáris por dentre diferentes camadas da sociedade jamaicana
(CAMPBELL, idem). Não obstante, faz mais sentido agora perceber o movimento Rastafári
proferido por Marley como pertencente às contraculturas do Atlântico Negro de Gilroy, quando
pensamos no quê o autor transcreve, afirmando que:
Seu avanço do estatus de escravo para o status de cidadão os levou a indagarem quais
seriam as melhores formas possíveis de existências social e política. A memória da
escravidão, ativamente preservada como recurso intelectual vivo em sua cultura política
expressiva, ajudou-os a gerar um novo conjunto de respostas para essa indagação. Eles
tiveram de lutar – muitas vezes por meio de sua espiritualidade – para manterem a unidade
entre ética e a política, dicotomizadas pela insistência da modernidade em afirmar que o
verdadeiro, o bom e o belo possuíam origens distintas e pertenciam a domínios diferentes
do conhecimento[...] (GILROY, 1993, p.99)
As ideias de Rodney, ainda, em diálogo com sociólogos, e a maior adesão por parte da
classe média jamaicana ao movimento Rastafári, resultou em novas direções para o mesmo, dentre
estas surgiu a facção denominada “Doze Tribos de Israel”. (CAMPBELL, 1987.)
Criada por Vernon Carrigton, em 1968 (RABELO, 2006, p.256), a Doze Tribos de Israel
centrava-se na adoração à figura de Selassie, e na repatriação, focando-se também na leitura da
Bíblia como elemento fundamental. A organização se tornara um atrativo para os artistas culturais
27
Banda estadunidense fundada em 1998 que mistura ritmos do Jazz, Blues e Reggae. Para maiores informações
sugere-se a visita: http://www.groundation.com/ 28
À respeito, sugere-se a leitura de HOBSBAWM, Eric (1994). Era dos Extremos: O breve século XX, 1914-1991. Ed.
Companhia das Letras, São Paulo, SP.
29
afro-jamaicanos, provavelmente pelo fato de promover o Reggae seriamente, artistas mais notórios
do reggae jamaicano ingressaram na “doze tribos”, e teria sido nesse cenário que as massas
jamaicanas reafirmaram a forte influência cultural quanto à promoção da consciência negra. No
final da década de 1960, a influência dos Rastas na cultura popular jamaicana era notória, visto que
os maiores artistas de Reggae se envolviam nos principais movimentos Rastas sem vergonha de
balançar seus Dread Locks. Cantores de Reggae - como por exemplo o nosso principal alvo de
estudo, Bob Marley - através de suas músicas ajudaram muitos jamaicanos a construírem suas
raízes e a riqueza de suas histórias (CAMPBELL, 1987). Como? Bem, os artistas praticaram todas
as características estudadas acima, com relação aos Rastas, e proferiam esta ideologia através de
suas músicas como será demonstrado nas próximas páginas.
Pode-se concluir que os Rastas tinham a intenção de construir a História através do seu
ponto de vista em relação à sociedade. Acrescentaria ainda, através de Gilroy, que:
Esta subcultura muitas vezes se mostra como a expressão intuitiva de alguma essência
racial mas é, na verdade, uma aquisição histórica elementar produzida das vísceras de um
corpo alternativo de expressão cultural e política que considera o mundo criticamente do
ponto de vista de sua transformação emancipadora (GILROY, 193, p.99)
Não só construir a história a partir de seu ponto de vista, mas também os excluídos na
matéria histórica como agente social, com direitos sociais plenos de igualdade aos opressores, ao
mesmo tempo em que exaltavam as suas características africanas como motivo de orgulho, de
identificação plena com suas “raízes” culturais e fenotípicas, sem ser conceituada de forma
pejorativa como a sociedade eurocentrista os classificava. Assim, era também, intenção dos Rastas
criar e proferir um “discurso filosófico que rejeita a separação moderna, ocidental, de ética e
estética, cultura e política” (GILROY, 1993, p.98), contracultura produto do Atlântico Negro na
Jamaica.
Bob Marley escolheu a música para contribuir às aspirações dos Rastafáris. Já foi dito
anteriormente que as músicas de Marley tiveram mudanças em seus conteúdos a partir de sua
aderência ao movimento Rastafári, mais especificamente ao “Doze Tribos de Israel”. Com isso,
podemos estudar e analisar em variados trechos de suas letras a referência aos quesitos Rastas. Ao
mesmo tempo em que ele tenta reproduzir a mensagem destes, ele transforma a si próprio no
interlocutor que “modela e é modelado” pelo rastafarianismo, como diria Campbell: “o poder da
arte que a música de Bob Marley representa tem feito mais para popularizar as questões do
movimento de libertação Africana do que várias décadas de trabalho árduo dos Pan-Africanistas e
revolucionários internacionais” (1987, p.145). Pode-se observar também na música de Bob Marley
a política de transfiguração(o surgimento de desejos, relações sociais e modos de associação
qualitativamente novos no âmbito da comunidade racial de interpretação e resistência e também
entre esse grupo e seus opressores do passado) e a política de realização(a noção de que uma
sociedade futura será capaz de realizar a promessa social e a política que a sociedade presente tem
deixado irrealizada), de Gilroy (1993, p.94 à 96), aonde a presença de ambas implica na “formação
de uma comunidade de necessidades e solidariedade, que é magicamente tornada audível na música
em si e palpável nas relações sociais de sua utilidade e reprodução culturais” (GILROY, 1993,
p.96). Em outras palavras, a menção que temos popularmente relacionado às noções de “paz e
amor” que circunda os ouvintes de Marley, são denotativos desta característica de desejo utópico
contido nas músicas - lembrando que estas características são oriundas, também, de outros artistas
do Atlântico Negro. Resumindo, o desejo básico destas músicas também incluem:
[...]conjurar e instituir os novos modos de amizade, felicidade e solidariedade consequentes
com a superação da opressão racial sobre a qual se assentava na modernidade e sua
antinomia do progresso racional, ocidental, como barbaridade excessiva. Dessa forma, as
artes vernaculares dos filhos dos escravos dão origem a um veredicto sobre o papel da
arte[...]. (GILROY, 1993, p.97).
30
Notem que o termo “filhos dos escravos” remete, neste sentido, aos Rastas, quando
relacionamos com a história questionada e suscitada por Rodney, colocada como “alavanca” ao
desenvolvimento do movimento Rasta..
Podemos pensar na questão da escravidão, da memória, inclusive, ao pensar em duas
músicas de Bob Marley, a ver a música 400 yearse Redemption Song29
. Em 400 years30
a memória
da escravidão é invocada por Marley a partir do questionamento “quatrocentos anos, e é a mesma
filosofia”, aonde esta filosofia seria a própria escravidão, nesta mesma canção, transformada em
protesto contra os abusos sofridos pelos negros. E Redemption Song, aonde claramente Bob se
colocará na posição de escravo com “velhos piratas, é, eles me roubaram, me venderam para os
navios marcantes”, e voltará ao seu tempo atual na parte em que diz “emancipem-se da escravidão
mental, ninguém além de nós mesmos pode libertar nossa mente, não tenha medo da energia
atômica, porquê nenhum deles pode parar o tempo”, ou seja a ligação do tempo atual de Marley,
com a memória da escravidão personificada nele próprio, é uma forma de se utilizar da memória
como utensílio contra as ameaças representada pela “bomba atômica” que existe somente no seu
contexto, não antes na escravidão. Podemos ainda acrescentar que este confronto fica mais evidente
quando pensamos na frase seguinte desta mesma música, na qual, sugere Bob: “por quanto tempo
vão matar nossos profetas, enquanto ficamos parados olhando?[...]você não vai ajudar a cantar essas
canções da liberdade?”.
Porquê a música? Podemos pensar. Bem, pode-se dizer que esta questão perpassa temática
da tradição contida nesta História, mais precisamente do Atlântico Negro, resgatada pelos Rastas
através das influências de Walter Rodney.
A tradição oral teria, nas Áfricas e em suas diásporas, papéis e funções que abrangem todos
os aspectos da vida31
. Segundo Kazadi wa Mukuna32
, em prefácio à obra de Maria Antonieta
Antonnaci33
, seria uma relação na qual tanto a música quanto a dança seriam um meio de
“comunicação e documentação” que serviriam como “ferramentas essenciais para a tradição oral” :
Para os vivos, é uma ferramenta didática usada para instruir os membros de uma geração
mais jovem a seus papéis como membros efetivos de suas comunidades. Além disso, a
linguagem também providencia informação pertinente sobre a natureza da música, indo da
estrutura melódica de uma música e sua organização rítmica, a suas implicações
harmônicas e ao papel que ela desempenha no dia a dia das pessoas. (MUKUNA apud
ANTONACCI, 2013, p.11)
Ainda mais profundamente, o mesmo se apoia em Hampâté Bá (1981, p.168) para explicar
que (para os Africanos) “a tradição oral é a grande escola da vida, e todos os seus aspectos são
cobertos e afetados por ela. É ao mesmo tempo religião, conhecimento, ciência natural, aprendizado
em um ofício, história, entretenimento e recreação”. Assim sendo, percebemos que, através destas
palavras, a música é um dos elementos presentes na tradição oral que envolve toda a forma de se
construir, e passar adiante lições, conhecimento, história, e se divertir ao mesmo tempo. A
construção de elementos culturais se faz assim através desta tradição de oralidade por dentre os
povos africanos. O Atlântico Negro teria se encarregado de perpassar da África aos sujeitos
diaspóricos esta herança cultural, apropriada pelos Rastas, e performantizada por Bob Marley. Por
exemplo, podemos notar através deste texto de Mukuna, e de todo o desenvolvimento que
Antonacci irá tratar em seus ensaios contidos neste livro, que há, na cosmovisão africana, infusões
com animais e outras forças da natureza34
, e isto é um significante demonstrativo da concepção de
unidade cósmica dos povos e culturas diaspóricos, além dos Africanos continentais. Nas canções de
29
Disponível traduzida em http://www.vagalume.com.br/bob-marley/redemption-song.html Acessado dia 05/07/2014. 30
Disponível traduzida em http://www.vagalume.com.br/bob-marley/400-years.htm Acessado dia 05/07/2014. 31
Não seria a intenção aqui de restringir apenas ao continente Áfricano questões ligadas à musica. 32
Etnomusicólogo, Kent University. 33
Memórias Ancoradas em Corpos Negros(2013) 34
“realidades vivenciadas sem apartações entre reinos humano e espiritual, animal, vegetal e mineral”(MUKUNA apud
ANTONACCI, 2013, p.14).
31
Bob podemos testemunhar esta cosmovisão translaçada com sua concepção Rastafári, ao nos
depararmos com frases como por exemplo:
Levantei esta manhã, sorri com o sol nascendo, três pequenos passarinhos, pousaram na
minha porta, cantando doces músicas, de melodias puras e verdadeiras, cantando: ‘esta é
minha mensagem para você, não se preocupe com isso, cada pequena coisa vai ficar bem’
(Three Little Birds35
).
Neste trecho da música Three Little Birds podemos perceber a personificação dos
passarinhos tanto quando Bob afirma que eles lhes disseram palavras humanas, quanto na música,
uma vez que quando este trecho da fala dos passarinhos é cantada, as I-Trees(três cantoras da
banda, sub-vocals) cantam junto com bob, dando-nos impressão de que são os passarinhos cantando
junto com Bob, devido a entonação de suas vozes adjuntas à de Marley.
Também podemos perceber esta integração do Eu com o Todo, a partir da própria referência
que os Rastas se utilizam para falar de si, e que aparece frequentemente nas falas de Bob Marley. O
termo I and I, ou Eu e EU em português, é utilizado para fazer referência a si e ao todo,
simultâneamente, integrando o “eu” ao “todo”, indiferenciável, a não ser fisicamente, mas
demonstrando que espiritualmente todos fazem parte do mesmo, e por isto são todos em um, e um
em todos, demonstrando o conceito da filosofia da existência “Pertenço, logo existo”36
. Este mesmo
I and I pode ser utilizado para referir-se a primeira pessoa do plural possessivo (nosso, nossos,
nossa, nossas), Primeira pessoa do plural (nós), e, como dito antes, para designar o “eu” (Danilo
RABELO, 2006). Isto pode nos levar a concluir que Eu, nós, e nossos são ambas a mesma coisa,
dando a entender que não há nada de posse individual, exprimindo a ideia de que não há diferença
entre o meu, seu, deles, ou outro pronome possessivo, isto é substituído pelo pretexto “Pertenço,
logo existo”, dando esta noção de unidade cosmopolita. Também aí podemos perceber a crítica ao
capitalismo, aonde, segundo Rabelo, “ a substituição dos pronomes my e our [meu e nosso] pelas
formas I e I-n-I [I and I, Eu e EU] representa o propagado desapego dos rastafáris aos bens
materiais.
Temos nesta perspectiva falada, musicalizada, junto da performance da banda The Wailers
(canto das I-Trees simbolizando os passarinhos, por exemplo), uma expressão cultural que desafia
as leituras ocidentais, direcionadas a considerar as letras como fonte documental que se sobressai
por dentre culturas orais. Esta tentativa de fazer audível e visível as memórias ancoradas nestes
corpos negros através de voz e performances, aparece continuamente nas apresentações de Bob,
sobressaindo para além da interpretação de suas letras.
Percebemos, ainda, que por Bob Marley, “através do corpo, do ritmo, e de seus
prolongamentos materiais afloram índices de costumes africanos e perfis de seus
documentos/monumentos, desdobrando interrogações à história” (MUKUNA apud ANTONACCI,
2013, p.16). Também Gilroy irá tratar da temática, ao dizer que a música possibilita uma
memorização da tradição ao contar história e dramatizá-la (GILROY, 1993, pp. 370-374). O
questionamento presente nas músicas de Bob, como por exemplo a citação em Get up Stand up37
“Pastor, não me diga, que o paraíso está embaixo da terra[...]nem tudo que brilha é ouro, só metade
da história foi contada”, ou ainda na mesma “ Estamos cheios e cansados do seu jogo de ismos[...]O
Deus todo poderoso é um homem vivo, vocês podem enganar algumas pessoas algumas vezes, mas
não podem enganar a todos o tempo todo”, contesta os valores eurocentristas, bem como o
capitalismo e a Igreja “branca”, ao mesmo tempo em que atesta que o Deus rastafári é vivo, ou seja
Selassie: traços da tradição Rasta anteriormente estudados.
Se analisarmos as performances de Bob Marley em palco, em shows ou em entrevistas
audiovisuais, perceberemos explícitos os signos carregados por ele, através de sua corporeidade
aliada de seu canto. Segundo Antonacci, o corpo significa um “locus em que ficam codificadas
35
Disponível traduzida em http://www.vagalume.com.br/bob-marley/three-little-birds-traducao.html acessado dia
26/06/2014. 36
Mukuna é quem vai utilizar o termo (apud Antonacci 2013, p.14) 37
Disponível em http://www.vagalume.com.br/bob-marley/get-up-stand-up-traducao.html acessado dia 26/06/2014 às
18:33.
32
memórias, crenças, hábitos, ofícios transmitidos em compartilhados rituais cotidianos”
(ANTONACCI 2013, p.239). Sérgio Costa também partilha desta atribuição ao corpo, defendendo
que este é um símbolo ao qual se atribuí significação. Podemos perceber nos gestos, danças, formas
de entonações em relação às músicas proferidas por Marley, traços que demonstram sua interação
com a cosmovisão africana em relação ao rastafarianismo, aonde sempre
No clímax[de seus shows], libertam-se ‘miríades’ de ritmos, cores, formas, vibrações,
expressando a ‘presença de uma realidade espiritual superior, [...]constituindo um daqueles
momentos de suprema comunhão entre o presente e o passado do clã, entre as dimensões
materiais e espirituais da sua existência (BALOGUN apud ANTONACCI, 2013, p.50).
Marley se pronuncia, deste modo, como o que Antonacci reconhece como representação “de
memórias impressas na morfologia e dinâmica de corpos negros, [da onde]fluem arquivos vivos de
sabedoria africana[...]histórias de Áfricas e suas diásporas espalhando arco de saberes e filosofia
política africanos nas margens do Atlântico”. A questão da oralidade africana, representada pela
performance energética, vibrante de seus shows, adjunto do conteúdo político denunciante de suas
letras, somam-se para mostrar o artista como um “arquivo vivo” de história africana. Um Griot que
através de sua arte de narrar permite encenação com gestos estilizados, utilizando suas “armas”
como forma representante de uma “estética da resistência”, na qual suas palavras são experiênciadas
em seu próprio corpo. Ao ser dramatizadas, geram ainda uma simbologia de suas raízes,
representadas pelos seus Dread Locks balançando de forma vibrante, orgulhosa ao representar
gritantemente: “me vejam, olhem minhas raízes”.
34
3. BOB MARLEY E O MOVIMENTO NEGRO
Segundo a compreensão que o apanhado de ensaios presentes na coleção Sankofa,
organizada por Elisa Larkin Nascimento, no Brasil, até o século XX, a voz do afrodescendente era
discriminadamente abafada, ou ignorada, através de mecanismos políticos, como por exemplo as
teorias raciais inferiorizantes, que invalidavam e culpavam estes pela infelicidade da civilização
brasileira. Os brancos não davam real importância aos levantes do negro, negando a
representatividade de afrodescendentes em ambientes políticos que deveriam ser públicos. Deste
modo, os afrobrasileiros teriam que criar meios de comunicação para si mesmos. Esta, se dava por
vias que não só tentavam informar esta camada marginalizada, mas também cabia-lhe educar,
orientar e em algumas instâncias até mesmo formar profissionalmente o indivíduo negro. Deste
modo, esta militância se contrapunha à negação civil da sociedade dominante, formando uma frente
organizada que hoje denominamos de Movimento Negro.
Hoje, o Movimento Negro Brasileiro contempla questões ligadas à identidade coletiva dos
afrodescendentes. Além da inclusão no âmbito da política, Kabengele Munanga introduzirá a
reivindicação identitária do afrodescendente, contraproposta à cultura hegemônica dominante
(Sankofa I, 2008). Em outras palavras, para Kabengele (e outros autores da mesma coletânea de
ensaios) a inferiorização de seres humanos baseada em critérios fenotípicos é perpetuada em nossa
sociedade através de uma negação cultural, na qual o afrobrasileiro se vê fora da própria história
brasileira, como se este fosse um sujeito inativo na sociedade. De fato, isto é válido se
considerarmos apenas os ensinamentos eurocentristas que o Estado Brasileiro promoveu nas escolas
até então. Apenas agora, após o decreto da lei 10639/03 – lei que obriga o ensino de história dos
povos africanos e afrodescendentes nas escolas públicas do Brasil – esta perspectiva tem sido
desconstruída no âmbito escolar nacional, não obstante os muitos obstáculos ainda presentes, como
a (des)qualificação do corpo docente, encarregado deste dever. Esta ação do governo só se
concretizara devido às conquistas do movimento negro brasileiro do século XX. Percebe-se,
contudo, tal iniciativa como intencional quanto à promoção do interesse na área, na coleção
Sankofa38
. Nesta, o movimento negro é publicado sob uma perspectiva na qual os autores recontam
parte da história do movimento negro, perpassando-a por seus agentes históricos e possibilitando
rreação resultante no avanço desta questão social brasileira. Segundo aponta Kabengele:
Os movimentos negros contemporâneos, enriquecidos pela experiência dos movimentos
anteriores(Frente Negra, Teatro Experimental do Negro, pan-africanismo, Négritude), têm
plena consciência de que a luta contra o racismo exige uma abordagem integral de sua
problemática, inclusive da construção de sua identidade e de sua história, até então contada
apenas do ponto de vista do dominante[...] trata-se de tornar o negro brasileiro visível
através do seu passado recuperado[...]ou seja, a democracia exige o respeito da diversidade
étnica e cultural, bem como o reconhecimento do direito de toda cultura. (MUNANGA,
2008, p.23)
Quantidade significativa dos ensaios contidos nesta coleção vão destacar o papel
fundamental de Abdias Nascimento e o Teatro Experimental do Negro, como iniciativa importante
para a manifestação do movimento negro, juntamente com a “mídia negra” (Moore; Dzidzienyo;
Elisa Nascimento; entre outros autores na coleção). A abordagem contida neste ambiente militante
do T.E.N. se manifesta de modo a se utilizar de atores afrodescendentes que através de
performances utilizariam o próprio corpo para protestar. Este fato se entrecruza com a ação de Bob
Marley nos palcos internacionais. Ambos se utilizam do corpo como meio de manifestação mais
expressivo, promovendo sua cultura, suas características, como algo que embora possa ser diferente
38
Evento referente à estudos, cujo qual o objetivo é discutir e promover a história dos africanos e afrodescendentes
diaspóricos como agentes históricos tão influentes e construtores da sociedade atual quanto os que histórica hegemônica
cultural promove.
35
em alguns aspectos ainda é algo natural e de igual valia defronte à qualquer outro corpo humano.
Tanto Bob, quanto a iniciativa do Teatro Experimento do Negro, veiculam as memórias ancoradas
nos corpos negros - à la Antonacci ao tratar da questão da tradição oral herdada da “mãe África” -
como recurso para manifestar politicamente seus anseios e aspirações político-sociais.
O corpo então, aparece como instrumento de expressão válido ao negro que ainda se vê em
ambivalência no mundo civil imperialista. Os trabalhos de Stuart Hall e Gilroy, para Costa,
mostram a importância do corpo para uma resistência e representação política do negro, bem como
mostra as experiências do Teatro Experimental do Negro. O corpo é sujeito ao significado que lhes
atribuem, é um signo (COSTA, 2006). Juntamente à esta transformação do corpo em instrumento
político, temos o quê Gilroy chama de “política de transfiguração” (GILROY, 2001, p.96). Para
Costa, esta “opera com o registro da imaginação utópica, se alimenta nos rituais de confraternização
e solidariedade e não é traduzível nos termos da política institucional” (COSTA, 2006, p.118).
Gilroy, acrescenta que este “registro da imaginação utópica” enfatiza uma aspiração à melhores
condições na sociedade para o descendente africano, ao registrar desta forma o:
Surgimento de desejos, relações sociais e modos de associação qualitativamente novos, no
âmbito da comunidade racial de interpretação e resistência e também entre esse grupo e
seus opressores do passado. Ela aponta especificamente para a formação de uma
comunidade de necessidades e solidariedade, que é magicamente tornada audível na
música, em si e palpável nas relações sociais de sua utilidade e reprodução culturais.
(GILROY, 2001, p.96)
Temos então uma noção de que a música, o corpo, e busca de condições até então
inexistentes, são as expressões máximas da contracultura aqui estudada. Mas qual música, corpo e
imaginação conseguiria de fato reunir todos estes elementos? E, mais ainda, atingir uma relevância
suficientemente capaz de quebrar barreiras de linguagem, fronteiras, e levar a manifestação do “eu
negro” além do preconceito? Podemos aqui lembrar, mais uma vez, das questões veiculadas por
Marley mundialmente. O Reggae como veículo dos Rastas, é uma resposta válida, de acordo com o
estudo levantado, às respectivas perguntas.
Além da Política de Transfiguração, Gilroy ainda completa a análise da expressão musical
dos africanos, descendentes de outros escravizados, com o que ele vai chamar de Política de
Realização – ou Politics of Fulfiment (GILROY, 2001, p.95.). Suponhamos que a música fosse uma
espécie de “moeda da sorte” capaz de definir ou influenciar de algum modo, o jogo político
moderno. O autor apontara a Política de Realização como a segunda face desta moeda completada
pela Política de Transfiguração. Esta face (Realização) estaria representando uma “cobrança” por
parte dos artistas negros em relação à democracia: “a noção de que uma sociedade futura será capaz
de realizar a promessa social e política que a sociedade presente tem deixado irrealizada” (2001,
p.95). Ou, como prefere Costa apontar:
A política de satisfação de necessidades(lê-se Política de Realização39
) praticada por
descendentes de escravos demanda que(...) a sociedade civil burguesa cumpra as promessas
de sua própria retórica. Ela cria o meio no qual demandas por objetivos como uma justiça
não racializada e uma organização racional dos processos produtivos podem ser expressos
(GILROY Apud. COSTA, 2006, p.119).
Atentado à sacar desta moeda, consciente da situação dos seus semelhantes contemporâneos,
e munido de todos estes quesitos aqui levantados pela discussão com os teóricos analisados, temos
Robert Nesta Marley, vulgo Bob Marley (1945-1981) lançando suas ideias aos quatro ventos.
Pode-se dizer que de alguma forma, esses ventos trouxeram ao reconhecimento brasileiro
suas letras e canções contestadoras, vide o consumo da indústria cultural já tratado em outro
momento deste estudo. De acordo com a análise de alguns documentos e referências bibliográficas,
a seguir explorados, tentará se aproximar Bob do Movimento Negro Brasileiro, colocando suas
vozes em concordâncias e analisando algumas fotos de militantes negros que demonstram através
39
Nota do autor.
36
de seus corpos certa ligação à imagem de Bob, do Rasta, ao se utilizarem de semelhantes
figurações, simbologias.
Primeiramente, temos para análise o livro Anti Racismo: Liberdade e Reconhecimento, de
Jacques d’Adesky (2006). Trata-se de uma coleção de ensaios aonde o autor monta suas reflexões
sobre o papel do movimento negro na luta antirracista no Brasil, a partir da transcrição de seus
seminários em conferências nacionais e internacionais, e publicações em revistas de sua autoria. A
bibliografia proposta, ainda, atesta que houveram debates intelectuais à respeito de temáticas
relacionadas à Identidade e à diferentes condições sociais entre brancos e negros no Brasil.
A partir de uma análise minuciosa percebemos que seu conteúdo vai discutir à respeito de
como o racismo no Brasil serve para fazer a manutenção, não institucional, das posições de poder,
condições de trabalho, e questões relacionadas, nas quais ao negro esta reservado a posição de
marginalidade. Como vai analisar Costa (2006) à respeito do racismo no Brasil:
desde a abolição da escravidão nunca houve mecanismos constitucionais legais de
desfavorecimento dos negros. Contudo[...]negros têm menos chances de ascensão social
que brancos. Ou seja, não há razões para que os negros brasileiros acreditem no tratamento
igualitário prometido pela lei: as práticas sociais se encarregam, sistematicamente, de
reintroduzir a desigualdade de oportunidades (COSTA 2006, p. 213).
Ou seja, conforme consta no excerto acima, as práticas sociais são as maiores responsáveis
pela propagação e manutenção do negro nas condições de marginalidade anteriormente
mencionado. Na Coleção Sankofa I, por exemplo, a mesma temática vai ressurgir, apoiando-se no
fato de que alguns cientistas sociais, brasileiros, destacam o fato de o país nunca ter tido instituições
“aparteístas”, como a África do Sul, e apontam para o fato de que ainda “aqui[existe] uma
legislação considerada forte, que proíbe qualquer tipo de discriminação racial. O Preconceito racial,
entretanto, parece bastante difundido, e a pele escura pode afetar de forma negativa a autopercepção
e as oportunidades de milhões de pessoas” (DZIDZIENYO In. Sakofa I, p.216). Não podemos
negar que em alguns períodos houveram governantes brasileiros que optaram por projetos
imigracionistas, por exemplo, qualificando as “raças”, culpando todos que não eram europeus pelo
subdesenvolvimento do Brasil, mas isto já se tornaria outra questão40
. Neste momento, o que se
pretende é afirmar que as discriminações são - atualmente - de cunho cultural, preconceituosa, e não
institucional, mesmo embora em determinado período da história brasileira algo semelhante possa
ter ocorrido.
Alguns destes fatores sociais vão ser abordado por d’Adesky (2006). O racismo aparece em
seu discurso como fator social construído historicamente, politicamente. Carlos Moore (2007)
também nos passará esta percepção de como historicamente se tem construído o racismo, fazendo
entre outros, uma análise da tese de Cheik Anta Dioup, aonde o mesmo vai mostrar como os gregos
do período clássico admiravam os povos das pirâmides (Egípcios). Ao se negar “aos
afrodescendentes o acesso à real história de seus antepassados” procurou-se recusar uma “memória
dos afro-brasileiros”, “suas ligações com o passado africanos”, prejudicados assim pelo “racismo
organizado” que fez com que o “enorme contingente populacional se despojasse dos traços mais
decisivos de sua identidade e fosse alimentando uma autoestima cada vez mais baixa” (LOPES In.
Sankofa II, p.23). O problema que temos no Brasil é, também, relacionado às representações
imagéticas do negro por dentre as mídias, ou essas invisibilidades do papel do afrodescendente
como agente histórico, por exemplo propagado por livros didáticos que possivelmente não abordem
a temática africana a não ser com relação à escravidão. Segundo d’Adensky, ainda, em relação ao
retrato que a mídia faz do afrobrasileiro, acomete-se uma injustiça aos mesmos, visto que as
imagens relacionadas à estes são “depreciativas”, inclusive são também por isto alvos de
40
Caso deseje aprofundamento, é recomendável a leitura de Kabengele Munanga:. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil
– identidade nacional versus identidade negra (1997 ); José Murilo de Carvalho :Cidadania no Brasil. O longo
Caminho(2002); ou ainda Mário de Andrade: Macunaíma: o herói sem nenhum caráter (1973). Nestes, encontrarão
bons debates, e críticas, à respeito da culpa relacionada aos não-europeus pela incivilidade, subdesenvolvimento, dos
Brasil.
37
“numerosos e importantes trabalhos universitários, mostrando sua importância na perpetuação das
desigualdades raciais no Brasil” (d’Adensky 2005 apud d’Adensky 2006, p.117).
O problema reside no fato de que o mito da Democracia Racial ainda “continua viva e forte
do ponto de vista da maioria da população branca” (d’ADESKY 2005 apud d’ADESKY 2006,
p.72). O autor assevera, ainda, que pensar sobre oportunidades “iguais” somente seria possível na
medida em que recusemos o racismo existente, a invalidação imagética do afrobrasileiro. A questão
da identidade equivale, para ele, à dignidade para o ser humano, essencial para a autoestima do
negro. Encontrar as próprias raízes, ter contato com o seu passado histórico, para além da
escravidão, corresponderia a uma ferramenta contrária à marginalização social, que carrega em si
sentimentos de impotência do negro frente à sociedade opressora ao seu redor.
Acredita-se, portanto, que o mais contundente para este estudo, ao abordar d’Adesky é
perceber que o autor apresenta os anos de 1970 como época em que o Movimento Negro estaria
pensando justamente nestas questões identitárias ligadas aos mesmos moldes que o rastafarianismo,
no período, considerava. Segundo o autor, os líderes do Movimento Negro dos anos 1970, estariam
reivindicando questões semelhantes, que o Teatro Experimental do Negro teria inaugurado:
Respeito da igualdade de cidadania, e reconhecimento adequado do valor da História da África e da
imagem dos afro-brasileiros a partir de si mesmos. Os Rastas por volta de 1970 também incluíam
esta temática – Via Walter Rodney - da história africana em sua ideologia como forma de criar
bases argumentativas políticas e de reconhecimento identitário, conforme estudado anteriormente.
Em ambos, percebemos que a invisibilização, ou invalidação, do negro se perpetua na sociedade
através de preconceitos. Suas vozes tentam destonar, até silenciar, o racismo.
Nota-se então, que enquanto Bob assumia seu posto Rastafári, o Movimento Negro
Brasileiro também clamava por reinvindicações semelhantes, embora se utilizando de recursos mais
intencionalmente políticos, militantes ativos na poítica do País.. Talvez, o mercado transatlântico
criado para a cultura popular negra, que deu conexão com plateias brancas e possibilitou a
construção de uma estética negra (COSTA 2006, p. 116), tenha feito possível o contato entre os
africanos diaspóricos, tanto no Brasil quanto na Jamaica, fazendo os mesmos se ligarem às mesmas
origens, e daí se identificarem com essa cultura do Atlântico Negro, de forma semelhante. Para o
mesmo, as lojas de discos seriam uma “espécie de arquivo popular, e também o rádio e os clubs
funcionam como disseminadores de um certo ‘idioma cultural negro’” (GILROY 1995, apud
COSTA 2006, p.117). Uma das aproximações que se é possível fazer, é perceptível ao analisarmos,
além da referência de d’Adesky, alguns documentos, no caso fotos de militantes do movimento
negro na década de 1970, e períodos posteriores, no Brasil, aonde os Dread Locks já se mostram
inclusive, como forma de identificação e assimilação de traços africanos, igualmente utilizados de
forma genuína pelos Rastas, concordando com que Campbell diria: “a Cultura Rastafári continua
uma inspiração” (CAMPBELL, p.150).
38
Figura 1: Militantes do Mov. Negro no Plenário do STF (2012)
41
Figura 2 Manifestação do Mov. Negro no Rio de Janeiro, 197842
Figura 3: Militantes do Mov. Negro/Pernambuco43
Figura 4: Assunção Aguiar, Militante do Mov. Negro de Teresina homenageada no evento em pauta na Câmara, dia
20/11/201244
41
Disponível em: http://wap.portaldostrabalhadores.com.br/news-pt-br/2012-04-25/movimento-negro-comemora-
legalizacao-de-cotas-nas-universidades/ acessado: 26/06/2014. 42
Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/na-rhbn/orgulho-da-cor-1 acessado em: 26/06/2014 43
Disponível em: http://mnupenambuco.blogspot.com.br/2010/03/parabens-todosas-militantes-do-mnupe.html acessado
em 26/06/2014.
39
Nota-se que as tranças, algumas até com as cores características apropriadas pelos Rastas,
demonstram, de certa forma, um elo entre este grupo e as Áfricas do Atlântico Negro, tal qual
Rastas e Movimento Negro. Ainda, Marley, como analisado anteriormente, usava seus dreads como
simbologia à raiz identitária assumidamente africana, visto ainda que para os Rastas é isso que
significa o Dread Locks: suas raízes. A apropriação por parte destes militantes da simbologia Rasta,
presente, por exemplo, na estética de seus cabelos, sugere uma interação ao passo que evidencia a
assunção de raízes históricas, bem como os Rastas. A identidade presente nas demandas destes
afrodescendentes nos convida a aprofundar mais ainda o estudo em relação às fontes, mais
especificamente às músicas de Marley.
A partir de alguns artigos45
e principalmente do documentário Freedom Road (2007)46
,
sabemos que o sucesso de Bob ultrapassa as barreiras do gueto para alcançar outros ambientes, de
fato, a partir do lançamento do LP Catch a Fire, na Inglaterra, em 1973. Após perder dinheiro com
produtores jamaicanos que exclusivamente o exploraram, Bob e sua banda The Wailers47
assinaram
um contrato com a produtora Island Records (produtora musical Inglesa, de Londres). O sucesso
teria alcançado níveis inéditos para Bob e sua banda, visto que em 1974 o Reggae jamaicano se
tornaria uma febre na Inglaterra, tendo Bob como seu expoente máximo (CARDOSO, p.47).
Curioso perceber este sucesso, em se tratando de alguém que conquistou o público a partir da
temática identitária de negro, frente às diversas formas de opressão do mundo imperialista pós-
moderno, levando muitas pessoas a se reconhecerem nele, na tradição, já estudada, evocada por
Marley. Ao decorrer do documentário Freedom Road, decorridos aproximadamente 30 minutos,
uma das fundadoras da gravadora, Island Records48
afirma que o disco, “Catch a Fire”, somente
fizera sucesso após um “golpe” de publicidade que consistiu na troca da capa do álbum, devido a
pouco aceitação pelo público da primeira edição, por outra na qual Bob posara para foto ostentando
sua identidade característica fenotípica, simbolizada pelo seu cabelo ao “estilo black power” e sua
pele reluzentemente negra, além de seu cigarro cujo significado traduz a religiosidade jamaicana
Rastafari (fato que tivera causado bastante polêmica, mas que por si mesmo já requer um outro
estudo de caso que não este). Esclarece-se que a primeira edição não obtivera sucesso no primeiro
ano e meio de vendas, em Londres, onde fora lançado e produzido,
Assim, embasado as evidências encontradas, tem-se que a assunção por Bob, de sua própria
identidade, de forma explícita, o permite transcender limites territoriais, impelir sua mensagem a
outros continentes, atraindo a atenção não somente dos negros, embora principalmente, por ocasião
de sua performance e vibração no palco, além de suas letras. Tais elementos podem ser observados
em imagens e som, ainda hoje em vídeos na WEB ou outros meios midiáticos. Temos aqui
expressos então a questão da identidade, bem como Kywza Joanna dos Santos vai analisar em O
Reggae como expressão da negritude moderna na música popular brasileira49
(2010):
O Reggae jamaicano ao entrar no circuito pop internacional não deixou de ser reggae, não
deixou de ser a expressão musical que continha a poética da negritude, e foi como gênero
musical ligado aos ideais de negritude50
que inspirou bastante a identificação de negros,
brancos e mestiços em outros países diaspóricos. Essa identificação principalmente com as
letras do reggae, que tratam basicamente dos problemas dos povos negros como
discriminação, autoafirmação, também deixaram a marca no estilo do regueiro como a
44
Disponível em: http://www.45graus.com.br/militantes-do-movimento-negro-de-teresina-s-o-homenageados-pela-c-
mara,geral,99759.html acessado 27/06/2014. 45
Vide Textos: Bob Marley Por Ele Mesmo (CARDOSO, 2007); e Ícone do Reggae se Mantém Vivo. Disponível em
http://puc-riodigital.com.puc-rio.br/media/6%20-%20icone%20do%20reggae%20se%20mantem%20vivo.pdf Acessado
em 20/10/2013. 46
Disponível legendado em http://www.youtube.com/watch?v=QBezgkQPx1k Acessado em 20/10/2013 e com
informações disponíveis em http://www.fnac.com.br/freedom-road-dvd-cd/p/536673 Acessado 20/10/2013. 47
Bob Marley, Peter Tosh e Bunny Wailer na formação original. 48
Gravadora que Bob Marley teria assinado contrato em Londres, na Inglaterra, antes do lançamento do álbum. Vide
Documentário Freedom Road. 49
Disponível em http://musica.ufma.br/musicom/trab/2010_GT2_02.pdf acessado 20/10/2013. 50
Negritude é um movimento cultural negro que prega, na França, uma solidariedade “racial” dos negros no período
pós-guerra. (APPIAH, 1991, p.23); ainda se define, também, como um movimento poético.
40
valorização da cor, dos cabelos, ainda têm força não apenas nas diásporas negras, mas em
todo o mundo (SANTOS, 2010, p.3)
Importante acrescentar que o debate feito por alguns autores da coleção Sankofa (volume
dois), analisam o quanto o movimento Négritude, o pan-africanismo, e outras influências
internacionais de afrodescentes propagadas em congressos, teriam influenciado, também, o
movimento negro no Brasil51
. Abdias Nascimento, por exemplo, tivera contato direto com estas
fontes de inspiração - os congressos e outros intelectuais militantes do movimento negro
internacional - tentando incluir sempre a condição dos afrobrasileiros nestes círculos de debate,
utilizando-se da experiência do Teatro Experimental do Negro como referência de prática
contracultural.
Santos, apontará ainda em relação ao reggae, que “cada lugar absorveu esta influência do
reggae jamaicano, reelaborou esse gênero”. Podemos então, nesse sentido, pensar o diálogo firmado
entre bandas brasileiras de reggae com as letras de Bob Marley. Nas canções de Bob, podemos
captar traços da Política de Realização e da Política de Realização, simultaneamente. Por exemplo,
nos utilizando novamente da música Get up Stand up (de 197352
), Bob não define raça/cor nem
nenhuma distinção para alavancar o sujeito à luta por seus direitos visando uma sociedade
cosmopolitica (à la Costa53
), e transparecendo sinais daqueles preceitos Rastafaris anteriormente
analisados, aonde se propõe uma ajuda, e amor, global, sem distinções (página 23 e 24 deste).54
. Por
isto, na análise de Appiah em Na Casa de Meu Pai (1997), o autor coloca que seria crucial
desmontar e esquecer o conceito de raça. O contundente é perceber o quanto este mesmo conceito
se tornou uma ferramenta política poderosa.
A metáfora da “luz” também não pode ser negligenciada. Appiah afirmou que vivemos “na
penumbra do amanhecer” (1997, p.76), como visto anteriormente neste mesmo estudo. Uma vez na
escuridão, nos tornamos incapazes de enxergar caso a natureza não disponibilize iluminação,
teremos que agir com nossa inteligência para criar meios para enxergarmos. O meio que Bob
encontrou foi a música: levar luz (não se trata aqui de nenhuma relação com o iluminismo, longe
disto) àqueles que precisam se auto afirmar, sem mais se esquivar de si mesmos ao tentar se
transformar em um outro modelo pré-estabelecido. No mesmo ano de Get up Stand up, Bob lançara
no mesmo álbum Catch a Fire, a música Concrete Jungle, na qual ele vai abordar a sua condição de
vida na cidade dita “civilizada”, mas que na verdade o escraviza através do imperialismo, em pleno
século XX, deixando-o em situação de Ambivalência, omitindo dele próprio sua luz interior, ou em
outras palavras, o impossibilitando de ser quem ele é realmente. Diz a sua letra:
Nenhum sol irá brilhar no meu dia hoje, alta lua amarela não sairá para brincar. A
escuridão têm coberto minha luz, e transformou meu dia em noite. Onde está o amor para
ser encontrado? Alguém vai me contar? (...) Mesmo sem correntes nos meus pés, eu não
estou livre, sei que estou aqui, amarrado e cativo, jamais conheci a felicidade(..) Ninguém
vai me socorrer porque eu devo me erguer sozinho deste chão nesta selva de concreto55
.
Notório, então, que Bob expõe a sua condição ambivalente na sociedade jamaicana, assim
como o percebemos em sua condição social - semelhante ao afrobrasileiro – e, que ele apela ao
ímpeto do afrodescendente destas sociedades, como fonte de energia para reerguer-se, pois a ajuda
necessária restaria de si próprio, e não do outro.
Além de Bob, é possível perceber que estas mensagens hoje ainda ecoam de forma
expressiva, tanto em relação aos teóricos aqui estudados – Gilroy, Costa, Appiah – como em outras
variáveis. Hoje, no século XXI, bandas brasileiras exploram e disseminam aquilo que Bob semeara
51
Lembre-se que o Rastafári na Jamaica também teria se apoiado nestas influências. 52
Vide CARDOSO, 2007. 53
Sociedade Cosmopolita seria para Sérgio Costa uma sociedade em que se respeitem todas as culturas sem
hierarquizá-las. (COSTA, 2006, p.14) 54
Para uma compreensão melhor do conteúdo ler a música na íntegra. Ver a tradução desta em
http://www.vagalume.com.br/bob-marley/get-up-stand-up-traducao.html Acessado 6/2/2014. 55
Para uma compreensão melhor do conteúdo, ler a música na íntegra. Ver a tradução desta em
http://www.vagalume.com.br/bob-marley/traducao-de-concrete-jungle-selva-de-concreto.html Acessado 6/2/2014.
41
naquele momento. A Banda Ponto de Equilíbrio, do estado do Rio de Janeiro, entre outras que
assumem músicas com características identitárias populares, propaga valores muito similares aos
que Bob expunha. Declaradamente influenciada pelo ícone jamaicano56
, em 2010 a banda lançara o
álbum Dia após Dia Lutando, com participação de artistas contemporâneos a Bob Marley, vivos
ainda hoje57
. Nele, está presente a música África 2, música com a qual a banda tenta encorajar o
povo negro brasileiro à assumir sua história, suas raízes, fazendo alusão também à luz, afirmando
ser ela o fator de crescimento e fortalecimento dos negros. Diz:
Não tenha medo, medo, medo, medo da escuridão, nem tudo que é negro, negro negro
remete à escuridão(...)nem tudo que é preto, preto, preto remete ao medo não. Todo
africano tem a cor da sua terra, oh mãe África! (...) E saiba donde vem, e saiba quem tu és,
e saiba quem tu fostes (...).
Mamãe nos deu a luz, mamãe nos deu a luz, no dia do nascimento, mamãe nos deu a luz,
mamãe nos deu a luz, e o fortalecimento, que é preciso para o povo preto crescer e ser
fortalecido, não tenha medo de ser quem tu és, seja progressivo.58
Note que quando se refere à luz, no texto da música, o autor não utiliza o artigo a craseado,
à, que significaria “dar luz à”, isto é, parir. Quando o autor se refere à luz, fica clara a sua a
proposição desta como agente capaz de quebrar a escuridão, algo relacionado a uma característica
própria, aquilo que sua própria mãe, África, lhe dera no dia do nascimento, e que, ao mesmo tempo,
pode se relacionar fisicamente à sua identidade africana, seu fenótipo e sua genética. Bob Marley
outrora dissera que a sociedade lhe omitiu a luz, sua identidade natural. Ao afirmar “A escuridão
têm coberto minha luz”, e que, também escuridão, “transformou meu dia em noite”, ele critica a
sociedade que lhe impõe como algo natural, a escuridão transfigurada na cor da pele, como algo
negativo, um interdito que proíbe ser quem se é. Talvez por isto mesmo ele pergunta “aonde está o
amor para ser encontrado?”. A música da banda Ponto de Equilíbrio soluciona esta questão
levantada por Marley ao apresentar a luz como sinônimo de identidade, ao reafirmar a
identidade/luz como força, o amor próprio através da autoafirmação, a condição para erigir-se
diante da “selva de pedras”.
56
Vide site da banda, disponível em http://www.bandapontodeequilibrio.com.br/discografia/ Acessado 2/2/2014. 57
Segundo o mesmo site, este album consta uma participação jamaicana especial de Don Carlos e também a Banda The
Congos. 58
Disponível em http://www.vagalume.com.br/ponto-de-equilibrio/africa-2.html#ixzz2sfTdK8FG Acessado
02/02/1014.
42
CONCLUSÃO
Acreditamos que a ignorância, aquilo que não se conhece, que omite a história de
determinados grupos sociais, étnicos, ou sujeitos, é justamente o que impossibilita o
desenvolvimento moral e intelectual do ser humano - uma vez prejudicado em sua percepção, o
homem torna-se incapaz de identificar-se com a situação em que seu semelhante discriminado vive.
Ofuscado ainda, para beneficiar ou vangloriar, a posição de uma minoria responsável por parte das
violências e atrocidades constatadas.
O problema relacionado ao preconceito social, racial, observado no Brasil, comparado ao o
que acontece em outros lugares do mundo – no caso estudado, na Jamaica – tiveram como porta-
vozes tanto Marley quanto o Movimento Negro Brasileiro. Ambos se utilizaram de sua tradição
oriunda do desenvolvimento do Atlântico Negro, frente à situação de injustiças que experienciavam
em suas respectivas sociedades, em determinado período histórico.
A História, situada na tradição adotada pelos filhos deste Atlântico Negro, deu condições
para o afrodescendente situar-se, perceber positivamente suas origens, e reconhecer os motivos que
reproduziram ao longo do tempo a manutenção de condições sociais marginalizadas. Se torna,
desde modo, a História Africana, especificamente, uma forte aliada na luta por uma sociedade civil
mais democrática, plena, cosmopolítica, que considere de fato a humanidade de forma igualitária
em toda sua diversidade, sem hierarquias culturais, étnicas, ou pigmentocráticas.
O preconceito não institucionalizado é claramente combatido por estas vertentes (contra)
culturais estudadas. A identidade assumida do negro, perante as formas de invalidação da sociedade
racista, se tornou uma marca de combate explicitada por este estudo, embora não seja algo
exclusivo. Ao perceber nas músicas, nas iniciativas de militantes negros, a utilização desta
identidade como forma de agir politicamente, mostrou ser possível a análise histórica direcionada a
expressões culturais pouco abordadas, de interesse restrito de determinados pontos de vista, como o
Reggae Jamaicano que conta com pesquisas escassas nas universidades brasileiras.
A cultura de modelo eurocentrista, que guia a sociedade por via de hierarquias, e
oligarquias, que se perpetuam, por exemplo, através da pouca instrução, desinformação intencional
acerca dos Outros, revela mecanismos ocultados no interior deste imperialismo, global, atual. Neste
estudo, uma das formas injustas de funcionalidade deste modelo encontra-se denunciada, seja por
meio de músicas de bandas contemporâneas e outras que ainda reverberam, seja pelo Movimento
Negro.
Tivemos até então vigente o regime político, testemunha do quê Sérgio Costa aponta quando
diz que “ao escravo que se encontrava excluído do mundo civil burguês organizado em torno do
diálogo, restava o próprio corpo como meio de manifestação e comunicação” (2006, p.117). De
certa forma, este estudo, mostrou que o corpo fez-se instrumento de mais valia para a contraposição
desta política59
. A tentativa de invalidar a voz dos oprimidos vai, vagarosamente, sendo também
invalidada no contexto intelectual, e cultural, brasileiro e jamaicano, desde o século XX, no
mínimo. Isto denuncia algumas mudanças no contexto atual, em relação ao que Costa aponta em
Gilroy:
“A dimensão esquecida que o Atlântico Negro representa na modernidade, e a escravidão
como filho bastarda que a história moderna sempre tentou esconder” (COSTA, 2006,
p.117).
Esta omissão, que aos poucos se desconstrói, na medida em que o “ser negro” está passando
de um reflexo biológico utilizado como ferramenta política, para um status culturalmente
conquistado e que move-se sistematicamente (COSTA, 2006). O campo imaginativo das utopias até
então propagadas pelo Reggae já aparece no horizonte como, embora distante, palpável. Ainda há
longo caminho a ser trilhado até o cume do status cosmopolitico, tanto quanto há para os excluídos
59
Não temos a intenção de afirmar aqui, que ainda temos escravos em nossa sociedade, mas sim que a expressão
“escravo” aparece nas canções de Marley, por exemplo, como uma crítica à condição em que o negro se encontra na
sociedade. A memória da escravidão é reinterpretada pelos agentes alvo como crítica frente às condições adversas,
diferentes e injustas frente às condições, ou disposições, que o branco usufrui.
43
de nossa democracia, alcançarem o estatuto monetário que os alavancaria da pobreza. Entretanto as
iniciativas inclusivas, afirmativas, estão sendo arquitetadas e praticadas no Brasil, após um século
de estudos à respeito da temática no país.
Podemos concluir, ainda, de forma contundente, a partir do que foi possível pesquisar neste
Trabalho de Conclusão de Curso, que a análise dasontes, considerando a sua quantidade e a
especificidade desta atividade, como as letras das canções, das figuras de linguagem utilizadas por
Marley, demandam explorá-las em sua complexidade. Portanto, torna-se apenas parcialmente
visível o que tentamos abordar a partir do texto de Antonacci, uma vez que não foi possível analisar
parte das perfomances energéticas, ou outros traços que envolvem a insígnia e todas as
identificações cosmogônicas que Bob faz em suas apresentações. Quanto a este aspecto - partindo
desta insuficiência – pretendemos a continuidade desta pesquisa, visando aprofundar a análise de
mais materiais audiovisuais disponibilizados atualmente com os recursos de tecnologia existentes,
observando, por exemplo, o impacto destas atuações de Marley no público, além das capas de
discos do artista, que podem muito nos dizer, acreditamos, sobre aquele contexto. Outras
indagações são também possíveis, dado o vasto campo de investigação e exame propostos com este
estudo.
O que se objetivou nesta abordagem foi minimamente dialogar com diversas frentes que se
entrelaçam e unem vozes em direção ao sol, aquele que quebraria a penumbra evidenciada por
Appiah. Deste modo, cantando ao sol, talvez afastemos a lua branca e gelada que eclipsou uma
camada da população mundial que sente frio há algum (entenda-se bastante) tempo. Essa cultura
serve de alimento para nós, humanos, que perseguimos um sonho cosmopolita, e ainda “fornece
uma grande dose da coragem necessária para prosseguir vivendo o presente” (GILROY, 2001,
p.94).
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FONTES
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Paulo, 2007.
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Marley. Diretor: Kevin Macdonald, 2012.
Rockers it’s Dangerous. Diretor: Ted Bufaloukos, 1978.
Time Will Tell. Diretor: Declan Lowney, 1992.
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http://www.vagalume.com.br/groundation/undivided.html. Acesso em: 26 de junho de 2014.
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