21-Artigo Bruno Mello Souza Alacip 2013
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Impactos do capital social sobre a participao poltica em Porto Alegre, Montevidu e Santiago
do Chile
Bruno Mello Souza (bmellosouza@yahoo.com.br)
rea: Opinin pblica y comportamento electoral
Trabajo preparado para su presentacin en el VII Congreso Latinoamericano de Ciencia
Poltica, organizado por la Asociacin Latinoamericana de Ciencia Poltica (ALACIP).
Bogot, 25 al 27 de septiembre de 2013.
Impactos do capital social sobre a participao poltica em Porto Alegre,
Montevidu e Santiago do Chile
Bruno Mello Souza1
RESUMO
Este artigo trata de examinar a participao poltica em Porto Alegre, Montevidu e
Santiago do Chile pelo prisma do conceito de capital social. Para isso, parte-se da
premissa de que maiores ndices de confiana interpessoal e institucional poderiam incidir
para que os cidados das trs cidades participem da poltica, em partidos, conselhos
populares e manifestaes. O trabalho, utilizando dados da pesquisa Capital social e desenvolvimento sustentvel na promoo da cidadania e da qualidade de vida, realizada pelo Ncleo de Pesquisas sobre a Amrica Latina (Nupesal/UFRGS) em 2005, evidenciou
que O capital social, por sua vez, mostrou ter certa importncia para explicar a
participao em partidos polticos, tanto em termos de confiana interpessoal como de
confiana institucional: os mais confiantes configuraram maior propenso a se inserir
nestas organizaes; no que tange aos conselhos populares, a participao em seu interior
apresentou relaes muito mais complexas com o capital social; J para a explicao da
participao em manifestaes, a confiana interpessoal parece configurar uma dimenso
mais importante do capital social do que a confiana institucional, que, embora tambm
importante, varia mais em intensidade e direo analtica: em alguns casos, uma maior
confiana nas instituies estimula a participao, j em outros, a motivao provm
precisamente do fato dos cidados no confiarem nas mesmas.
Palavras-chave: capital social, participao poltica, democracia, Porto Alegre,
Montevidu, Santiago do Chile.
1. Introduo
O presente estudo trata de examinar a participao poltica em trs cidades latino-
americanas, Porto Alegre, Montevidu e Santiago do Chile, sob o prisma do conceito de
capital social. O que se busca examinar se as relaes de confiana, tanto interpessoal
como institucional, possuem impactos significativos sobre a participao poltica nos
locais examinados. Ser que uma relao mais consistente de confiana tenderia a
proporcionar um cenrio mais adequado participao poltica nos nveis formal,
informal e intermedirio nas capitais gacha, do Uruguai e do Chile? De que maneira so
dados estes impactos?
Estudos como o de Robert Putnam (1996) apontam que o estabelecimento de tais
relaes de confiana propiciam um cenrio mais democrtico. medida que os cidados
confiem uns nos outros e nas instituies, a partir desta premissa, teriam maior facilidade
para estabelecer laos uns com os outros, e a buscar, junto esfera poltica, a soluo de
suas demandas mais urgentes. Assim, se o capital social possui poder explicativo para o
1 Mestre em Cincia Poltica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutorando do Programa
de Ps-Graduao em Cincia Poltica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail:
bmellosouza@yahoo.com.br
florescimento de uma sociedade mais ou menos democrtica, torna-se fundamental
verificar como tal relao dada no mundo prtico.
Para alcanar este objetivo, so utilizados dados provenientes da pesquisa Capital social e desenvolvimento sustentvel na promoo da cidadania e da qualidade de vida, realizada no ano de 2005 pelo Ncleo de Pesquisas sobre a Amrica Latina
(Nupesal/UFRGS), nas cidades de Porto Alegre, Montevidu e Santiago do Chile. O
conceito de capital social foi operacionalizado por meio das variveis de confiana
interpessoal, confiana no congresso nacional, confiana no governo do pas, e confiana
nos partidos. J do ponto de vista da participao poltica, foram utilizadas as variveis
de participao nos partidos polticos, participao em conselhos populares e participao
em manifestaes ou protestos. Estas variveis de participao buscam abarcar tanto a
dimenso institucional da participao, com os partidos, como uma dimenso
intermediria, uma vez que os conselhos constituem-se como um canal importante de
interlocuo entre a sociedade civil e as esferas de governo, e a dimenso no-
convencional, com uma modalidade de participao que fica no se configura dentro das
molduras formais da democracia, embora sejam por ela aceitas.
Este artigo est estruturado da seguinte forma: incialmente, realizada uma
discusso conceitual, abordando capital social e participao poltica, examinando
algumas das vertentes que constituem as abordagens acerca destes conceitos. Em seguida,
apresentam-se cruzamentos entre as variveis de capital social e de participao poltica,
com vistas a verificar a existncia ou no, de impactos da confiana interpessoal e
institucional sobre as formas pelas quais os cidados participam da arena poltica. Por
fim, apresentamos as concluses, fazendo alguns apontamentos em termos de agenda de
pesquisa e tecendo algumas consideraes adicionais sobre os dados ora examinados.
2. Marco terico
Inicialmente, de extrema importncia verificar as abordagens tericas referentes
aos conceitos examinados no presente trabalho. Nesse sentido, os dois conceitos centrais
nesta abordagem so o de capital social, e o de participao poltica. Comeamos pelo
conceito de capital social, que se refere, de forma geral, s relaes de confiana
estabelecidas pelos sujeitos entre si, e tambm junto s instituies polticas.
2.1. Capital social
No que diz respeito aos conceitos utilizados neste estudo, o capital social
relevante como elemento fundamental para tornar uma cultura poltica mais participativa.
Capital social uma categoria analtica utilizada por Robert Putnam (1996), em seu
estudo que trata de comparar as regies norte e sul da Itlia. O autor examina, dessa
maneira, as formas alternativas que podem ser construdas pelos sujeitos para organizao
e realizao de suas demandas. As relaes de confiana interpessoal e institucional so
os fundamentos que estabelecem a categoria de capital social. Alm disso, essas relaes
so dadas em diferentes dimenses, sejam formais, sejam informais, ou na organizao
das demandas, tendo ponto de contato com as esferas governamentais, ou na construo
de redes de solidariedade comunitrias, buscando a obteno de objetivos comuns, com
base na cooperao.
Os principais autores, que abordam o capital social como elemento positivo, alm
de Putnam (1996), so Coleman (1988) e Fukuyama (1995; 2001). Durlauf e Fafchamps
(2004) afirmam que tais autores desenvolvem seus estudos tomando por base trs
princpios subjacentes: (1) o capital social produz externalidades positivas para os
componentes de um grupo; (2) tais externalidades so alcanadas por meio de confiana,
normas e valores recprocos e suas conseqncias sobre as expectativas e
comportamentos; (3) os valores, as normas e a confiana mtua surgem a partir de
mecanismos informais de organizaes que se baseiam em redes sociais e associaes
(DURLAUF e FAFCHAMPS, 2004).
O conceito de capital social surgiu originalmente com Pierre Bourdieu (1980), que
o define, de modo geral, como o poder de mobilizao que os indivduos possuem em
relao a um grupo. Nesta perspectiva, as redes sociais no so dadas naturalmente, e
precisam ser construdas atravs de investimentos estratgicos, com vistas a se obter
outros benefcios (PORTES, 1998).
Coleman (1988), por seu turno, examina o capital social do ponto de vista da
criao de capital humano. O autor define capital social por sua funo como sendo uma
variedade de entidades detentoras de dois elementos em comum: o primeiro deles que
todas consistem de alguns aspectos concernentes s estruturas sociais; o segundo que,
por meio destes mecanismos, encontram-se facilitadas certas aes dos atores dentro da
estrutura. Esta abordagem abriu caminho para a redefinio de uma srie de processos
diferentes e at mesmo contraditrios de capital social: (1) inclui mecanismos, como
reciprocidade e aplicao das normas pelo grupo, que geram capital social; (2) as
consequncias de sua posse, tal como o acesso privilegiado informao; e (3) a
organizao social aproprivel que fornece o contexto para fontes e efeito para materializao. Nesse cenrio, os recursos obtidos por meio de capital social tm, do
ponto de vista do sujeito que os recebe, o carter de presente.
Ao criticar Coleman, Portes (1998) destaca que o autor no conseguiu distinguir
entre os possuidores de capital social, as fontes de capital social e os recursos polticos
em si, inerentes a estas relaes. Torna-se importante, assim, fazer uma distino entre as
motivaes daqueles que recebem e aqueles que doam nas trocas mediadas pelo capital
social, e nesse ponto que o referido autor consegue fazer a articulao e diferenciao
entre os diferentes papis estabelecidos por meio dos atores nos mecanismos do capital
social. Os recebedores desejam, em seu papel, obter acesso a bens valiosos facilmente compreensveis; j os doadores, por seu turno, possuem motivaes muito mais
complexas, uma vez que eles fornecem estes bens sem obter um retorno imediato
(PORTES, 1998). Alm disso, Portes sugere que os tericos do capital social devem ter
algumas preocupaes analticas, tais como: separar a definio do conceito dos seus
efeitos; estabelecer controles de direcionalidade para que a presena de capital social
possa ser verificvel antes de produzir os seus efeitos; controlar outros fatores capazes de
interferir e explicar o capital social; e tambm identificar as origens histricas do capital
social nas diferentes sociedades de maneira sistemtica.
Fukuyama (2001) define capital social como uma norma informal capaz de
promover a cooperao entre os indivduos, baseada em relaes de reciprocidade.
Enquanto na esfera econmica estes laos servem para reduzir os custos de transao, no
mbito poltico eles promovem um tipo de vida associativa necessrio para o sucesso de
governos limitados, no contexto democrtico moderno. Ao mesmo tempo em que o
capital social proveniente, muitas vezes, de jogos baseados no j bastante conhecido
dilema do prisioneiro, ele tambm possui origem em aspectos tais como religio,
experincias histricas compartilhadas e outros tipos de normas culturalmente
estabelecidas (FUKUYAMA, 2001). Entretanto, o autor enfatiza um aspecto
fundamental, e que se coloca como uma problemtica importante quando analisamos
alguns processos institucionais: dificilmente estes laos podem ser gerados por meio de
polticas pblicas, dada a complexidade de fatores que englobam a criao de capital social, considerando tambm que suas fundaes culturais so elementos que dificultam
este intento.
Fukuyama tambm alerta para a existncia de uma certa oposio dos laos de
capital social em culturas tradicionais e organizaes sociais em relao modernizao
econmica. Ele afirma que os grupos constitudos nesses cenrios possuem laos de
confiana extremamente estreitos, que dificultam a cooperao entre os membros de tais
grupos e sujeitos que se encontram fora do crculo, gerando, assim, externalidades
negativas de excluso e fechamento (FUKUYAMA, 2001). Em contraste, as sociedades
modernas possuem um amplo nmero de grupos sociais sobrepostos, o que permite
mltiplas relaes de pertencimento e identidades (FUKUYAMA, 2001). Neste
panorama, os laos de confiana acabam constituindo elemento positivo na esfera social
e econmica, considerando tambm as relaes de livre mercado verificadas no mbito
global.
Woolcock e Narayan (2000), por sua vez, definem capital social como as normas
e redes que possibilitam s pessoas agir coletivamente. Os autores definem quatro
abordagens principais que tm sido verificadas nos estudos de capital social: (1)
comunitria; (2) redes; (3) institucional. A perspectiva comunitria considera o capital
social uma coisa boa pela sua prpria natureza; a perspectiva de redes, por sua vez,
destaca a importncia tanto das associaes na dimenso vertical quanto na dimenso
horizontal, entre as pessoas, e tambm as relaes internas e entre entidades
organizacionais; j a perspectiva institucional coloca o capital social como elemento que
pode ser alavancado pelo ambiente poltico, legal e institucional (WOOLCOCK e
NARAYAN, 2000).
No entanto, o autor mais proeminente e cuja perspectiva mais se aproxima da
abordagem do presente trabalho Robert Putnam (1996), que aborda ao mesmo tempo a
dimenso interpessoal e institucional das relaes de confiana estabelecidas na
sociedade, e sua vinculao com o funcionamento das instituies democrticas.
Verificando as discrepncias existentes entre o norte e o sul da Itlia, a despeito de uma
mesma moldura institucional, o autor chegou concluso de que, aliado a um histrico
comunitarista do norte, surge como fator explicativo para o que ele denominou
comunidade cvica o capital social, definido pelo mesmo como os nveis de confiana interpessoal e institucional estabelecidos entre os sujeitos. Estes laos de confiana seriam
importantes para fomentar uma cultura poltica mais democrtica, afeita participao e
tolerncia. Coleman (1988) surge complementando essa idia, ao enfatizar que o capital
social serve como facilitador das aes dos atores, embora no diferencie entre doadores
e recebedores, conforme postulado por Portes (1998). Entretanto, tal diferenciao
tambm depende muito da concepo do que est inserido na lgica do capital social. O
referido autor parte da premissa de uma relao desigual, estabelecida entre doadores e
recebedores de benefcios. Porm, a lgica de capital social utilizada por Putnam (1996),
Coleman (1988) e Fukuyama (2001), trata de uma relao de reciprocidade: os papis,
assim, no so fixos, e so dinmicos, ou seja, em um ou outro momento, todos se
constituem como doadores e recebedores de benefcios. Mais do que isso, os atores so,
acima de tudo, compartilhadores dos bens, cujos papis so difusos e de difcil definio.
precisamente esse o prisma do capital social ao qual se filia o presente trabalho, qual
seja, uma viso de que por meio de relaes de confiana estabelecidas entre as pessoas,
e tambm com as instituies, pode-se aumentar a participao poltica, por via de
cooperao, busca de um bem comum, estreitamento de laos com as instituies e, por
consequncia, uma otimizao dos resultados apresentados pelos governos. Os laos de
confiana estabelecidos por meio do capital social configuram-se, ento, como um
elemento capaz de lubrificar a participao poltica, medida que os atores venham a compartilhar interesses e adquiram ferramentas simblicas que permitem a ao coletiva.
Levando em considerao este vnculo conceitual, a seguir abordado o conceito de
participao poltica.
2.2. Participao poltica
No que diz respeito participao poltica, tal discusso est ligada diretamente
concepo de democracia. Autores como Robert Dahl (2001), por exemplo, preocupam-
se muito mais em definir requisitos mnimos para configurar uma democracia, pensando-
a em grande escala. Segundo o referido autor, uma democracia em grande escala exige
elementos como: (1) funcionrios eleitos; (2) eleies livres, justas e frequentes; (3)
liberdade de expresso; (4) fontes de informao diversificadas; (5) autonomia para as
associaes; (6) cidadania inclusiva (DAHL, 2001). Esse tipo de elaborao postula a
democracia em unidades maiores, como pases, ou seja, Dahl no fecha completamente
as portas para outros instrumentos democrticos e participativos, desde que estes sejam
dados em escalas menores. O dilema das grandes democracias, assim, de que a
participao dos cidados diminuiria a eficcia do sistema, considerando aquilo que o
autor denominou Lei do Tempo e dos Nmeros: quanto maior o nmero de cidados numa unidade democrtica, menos esses cidados podem participar de forma direta das
decises do governo e maior a necessidade de delegao da autoridade a terceiros (IDEM,
2001). Esse tipo de postulado sobre a democracia no , de forma alguma, ponto pacfico
na Cincia Poltica. Santos e Avritzer (2002) questionam as premissas adotadas por Dahl
(2001) afirmando que, se por um lado a representao facilita o processo democrtico em
escala ampliada, por outro ela dificulta a soluo de duas outras questes fundamentais:
a prestao de contas e a representao de mltiplas identidades.
Paul Hirst (1992), por seu turno, afirma que no existe democracia no singular, mas sim uma variedade de doutrinas, mecanismos polticos e processos de deciso de
natureza democrtica. Nesse sentido, o autor chama a ateno para o fato de que a
democracia representativa pode ver mudadas as polticas, mas a estrutura bsica da
autoridade permanece intacta (HIRST, 1992). Hirst (1992) considera essencial que o
governo seja mais permanentemente obrigado a prestar contas e repercutir a presso e o
debate pblicos, uma vez que isso tornaria o processo de formulao e execuo das
polticas mais coerente e eficaz.
O conceito de participao poltica pode ser examinado sob diferentes
perspectivas tericas, algumas levando em considerao uma dimenso mais formal,
enquanto outras abordando tambm dimenses situadas fora do mbito institucional,
considerando outros padres de participao, dados em arenas alternativas. Por uma tica
mais formal, Verba e Nie (1972) definem a participao poltica como se tratando das
iniciativas dos indivduos orientados a influenciar a escolha de funcionrios do governo
ou suas decises. Este tipo de abordagem desconsidera dimenses de insero poltica
que gravitem fora da rbita da participao convencional, vinculada de forma direta s
instituies formais, polirquicas. O enfoque de Joseph La Palombara (1978) surge
preenchendo esta lacuna, incorporando as atividades no convencionais ao conceito de participao poltica, ao considerar maneiras pelas quais os sujeitos se inserem na vida
poltica de um pas margem das instituies formais de mediao poltica, escapando,
assim, da moldura formal estabelecida, e ultrapassando a mesma, alcanando outras
esferas de reivindicao, muitas vezes voltadas a uma manifestao mais enftica de
opinies por parte da sociedade civil.
Nesse panorama, surgem autores que buscam uma forma de balancear e
equacionar essa dicotomia, visando institucionalizar e incorporar mais os sujeitos comuns
vida poltica. Um destes autores Jrgen Habermas (1997), que prope um modelo
deliberativo de democracia, o qual seria capaz de reduzir a centralidade do Estado
enquanto ncleo do espao poltico. Nessa perspectiva, seriam criados espaos de
discusso dirigidos pelo Estado, que se dariam de maneira complementar ao mesmo,
articulando uma cidadania consciente e politizada com uma proposta de transformao
do modelo democrtico de gesto do Estado (HABERMAS, 1997).
Numa perspectiva um pouco mais radical, Carole Pateman (1992) trabalha com
bastante profundidade esta questo, colocando em xeque as perspectivas tericas que
vem as massas como incapazes de participar, conforme postulado por Schumpeter
(1984), e coletando subsdios em pensadores como Rousseau (1978), Stuart-Mill (1980)
e Cole (1919) para afirmar a importncia de uma participao concebida de forma mais
ampla, possuindo tambm um importante papel educativo, uma vez que ajudaria a
legitimar junto aos cidados as decises tomadas de forma coletiva, desenvolvendo, dessa
forma, as atitudes e qualidades psicolgicas necessrias para uma sociedade democrtica.
Santos e Avritzer (2002), na mesma linha de Pateman, ao abordar a crise da explicao
democrtica tradicional, evidenciam o surgimento de concepes contra-hegemnicas do
conceito de democracia, voltadas para uma democracia participativa, que postulam o
reconhecimento da pluralidade humana, a nfase na criao de uma nova gramtica social e cultural e o entendimento da inovao social em articulao com a inovao institucional, criando uma nova institucionalidade da democracia. Complementando esta
ideia, Gugliano (2004) afirma que a perspectiva participativa se diferencia por enfatizar
fundamentalmente trs questes: a participao, a deliberao e a valorizao dos
aspectos qualitativos do processo democrtico.
Nessa direo, a democracia participativa torna os indivduos sujeitos polticos
mais protagnicos, buscando no dia-a-dia, em comunidade e envolvidos em processos de
cooperao, solues de problemas coletivos, de interesse comum, que ajudem a melhorar
suas vidas, criando um elo junto aos governos. Entretanto, o que se observa no contexto
latino-americano um desinteresse dos cidados pela poltica (BAQUERO, 2006), uma
vez que os diferentes governos no tm conseguido resolver as necessidades e demandas
mais urgentes dos cidados. Esta de respostas, amenizada, bem verdade, pelo
surgimento de vrios governos progressistas no continente, surge como fator que afasta
os sujeitos da poltica, vendo-a como algo distante e, mesmo, hostil s suas necessidades.
Este cenrio preocupante, uma vez que leva a uma diminuio progressiva da confiana
institucional, que provm da incapacidade do governo de dar resposta s necessidades
materiais dos sujeitos, e dos processos de corrupo verificados neste cenrio. Uma boa
amostra desta desconfiana foi verificada nas manifestaes recentemente ocorridas no
Brasil, no ms de junho de 2013. A pauta trazia consigo alguns elementos antipolticos a
antipartidrios, de rejeio s instituies democrticas existentes no pas. Diminuda a
confiana na esfera maior, de mbito governamental, as pessoas tornam-se cticas, e
acabam por abandonar as relaes de confiana que auxiliam na busca de solues
alternativas que melhorem suas vidas. Dessa forma, nesse cenrio de desconfiana e
afastamento, cabe verificar se tais relaes repercutem sobre a participao poltica nas
trs cidades estudadas, Porto Alegre, Montevidu e Santiago do Chile. Os dados a seguir
mostram de que maneira o capital social tem, ou no, influenciado na disposio dos
cidados destes lugares a participar da esfera poltica, seja pela via formal, seja por uma
via mais informal.
3. Capital social e participao poltica em Porto Alegre, Montevidu e Santiago
do Chile
Nesta seo, passa-se a examinar mais detidamente os reflexos que o capital social
possui sobre a participao poltica, no mbito dos partidos, dos conselhos populares, e
das manifestaes e protestos. A questo que norteia este eixo do artigo a seguinte: os
laos de confiana, tanto interpessoal quanto institucional, preconizados por Putnam
(1996), contribuem para que os cidados participem mais da arena poltica em diferentes
dimenses? Inicialmente, so averiguados os vnculos entre o capital social e a
participao convencional, plasmada pelos partidos polticos.
3.1. Capital social e participao em partidos
A primeira dimenso do capital social a ser verificada nesta seo, que o relaciona
participao em partidos polticos, a da confiana interpessoal. Busca-se compreender
em que medida o fato de as pessoas confiarem umas nas outras contribui para que as elas
se organizem coletivamente e se insiram na esfera poltica, por meio das organizaes
partidrias. O Grfico 1 mostra esta relao:
Grfico 1- Confiana nas pessoas e participao em partidos em Porto Alegre,
Montevidu e Santiago do Chile (%)
n Porto Alegre= 510; n Montevidu= 500; n Santiago do Chile= 500.
Fonte: Pesquisa Capital social e desenvolvimento sustentvel na promoo da cidadania e da
qualidade de vida (Nupesal/UFRGS, 2005).
No Grfico 1, pode-se notar que, nas trs capitais, aquelas pessoas que concordam
que se pode confiar nas outras pessoas apresentam maiores percentuais de participao
em partidos do que aquelas que dizem no confiar, Entretanto, enquanto em Porto Alegre
a diferena bastante pequena entre os que confiam e os que no confiam, ficando abaixo
do erro amostral, em Montevidu e Santiago do Chile os percentuais dos cidados que
confiam nos outros e participam praticamente dobram em relao queles que no
confiam e participam.
Assim, mesmo considerando que pode haver uma variao da fora desse impacto
de acordo com o contexto, fica claro que no se pode negligenciar a importncia relativa
que a confiana interpessoal possui para a participao em partidos. De modo geral, os
cidados das cidades estudadas encontram maiores estmulos a participar no nvel
institucional conforme confiam mais nos outros. Alm da dimenso de confiana
interpessoal, o conceito de capital social inclui tambm a dimenso institucional. Parte-
se do princpio de que, quanto mais os sujeitos confiam nas instituies polticas, mais
democrticos e participativos eles se tornam, uma vez que instituies inconfiveis no
teriam a capacidade para responder, de maneira eficaz, s demandas da maioria da
populao e, portanto, a prpria participao cairia num espao vazio. Levando isso em
considerao, a primeira dimenso institucional do capital social aqui examinada refere-
se confiana nos legisladores dos pases em pauta. Afinal, uma maior confiana no
Congresso Nacional capaz de gera rmaior participao nos partidos? dessa questo
que trata o Grfico 2.
Grfico 2- Confiana no Congresso Nacional e participao em partidos em
Porto Alegre, Montevidu e Santiago do Chile (%)
n Porto Alegre= 510; n Montevidu= 500; n Santiago do Chile= 500.
Fonte: Pesquisa Capital social e desenvolvimento sustentvel na promoo da cidadania e da
qualidade de vida (Nupesal/UFRGS, 2005).
O Grfico 2 indica que o impacto da confiana nos legisladores do pas sobre a
participao nos partidos se d de forma muito mais forte em Montevidu. Enquanto 46%
dos montevideanos que confiam muito no Congresso participam ou j participaram dos
partidos, 16,5% dos que no confiam fizeram a mesma afirmao. Em Santiago do Chile,
a tendncia se repete, mas de maneira muito mais fraca, quase nula, com as diferenas
percentuais ficando abaixo do erro amostral. J em Porto Alegre, a tendncia se v
invertida: os que no confiam, por mais paradoxal que possa parecer, participam mais dos
partidos. Entretanto, a diferena percentual nfima, tambm abaixo do erro amostral.
A primeira varivel de confiana institucional mostrou-se com impacto
considervel apenas em Montevidu. Isso indica a necessidade de se fazer uma anlise
bastante cuidadosa quando se compara diferentes contextos histricos, institucionais e
culturais. Enquanto em alguns lugares, uma varivel como esta deve ser considerada de
maneira mais aprofundada, em outros o impacto aparece de forma bastante reduzida.
Talvez exatamente por isso, por no se saber ao certo qual o comportamento uma varivel
desse tipo pode apresentar, torna-se bastante perigoso negligenci-la. Outra dimenso
institucional relevante para a presente anlise refere-se confiana no governo do pas.
O Grfico 3 cruza essa varivel com a participao nos partidos polticos.
Grfico 3- Confiana no governo do pas e participao em partidos em
Porto Alegre, Montevidu e Santiago do Chile (%)
n Porto Alegre= 510; n Montevidu= 500; n Santiago do Chile= 500.
Fonte: Pesquisa Capital social e desenvolvimento sustentvel na promoo da cidadania e da
qualidade de vida (Nupesal/UFRGS, 2005).
De acordo com os dados apresentados no Grfico 3, nas trs capitais aqueles que
confiam muito nos governos de seus respectivos pases tendem a participar mais dos
partidos polticos do que aqueles que confiam pouco ou no confiam. No entanto, no
possvel afirmar categoricamente que quanto maior a confiana maior o nvel de
participao, pois, curiosamente, em Montevidu e Santiago do Chile, os que no confiam
no governo afirmam participar mais dos partidos do que aqueles que dizem que confiam
pouco; j em Porto Alegre, os percentuais de participao entre os que confiam pouco e
os que no confiam so exatamente os mesmos: 18,2%.
Ao contrrio da confiana no Congresso, a confiana no governo apresenta-se
como um elemento razoavelmente mais confivel na explicao da participao nos
partidos polticos nos trs casos examinados. A confiana no governo parece constituir
um incentivo para a participao convencional. Alm da confiana no governo e no
Congresso, uma varivel de confiana institucional extremamente importante para a
anlise desse tipo de participao a que se refere aos partidos polticos. A tendncia
lgica ora postulada de que, quanto mais os sujeitos confiem nos partidos, mais eles vo
participar dos mesmos. O Grfico 4 trata de estabelecer se existe, de fato, empiricamente,
tal relao em Porto Alegre, Montevidu e Santiago do Chile.
Grfico 4- Confiana nos partidos e participao em partidos em Porto
Alegre, Montevidu e Santiago do Chile (%)
n Porto Alegre= 510; n Montevidu= 500; n Santiago do Chile= 500.
Fonte: Pesquisa Capital social e desenvolvimento sustentvel na promoo da cidadania e da
qualidade de vida (Nupesal/UFRGS, 2005).
Conforme possvel notar no Grfico 4, nas trs capitais existe uma diferena
considervel entre os cidados que confiam muito nos partidos em relao queles que
no confiam, e a sua participao nos mesmos. Embora em termos generalizantes o
resultado seja bastante lgico, e em Porto Alegre e Montevidu o decrscimo de confiana
gere efetivamente uma diminuio na participao, cabe notar que em Santiago do Chile
o percentual dos que no confiam e participam levemente superior em relao ao
percentual de entrevistados que confiam pouco e ainda assim participam dos partidos
polticos.
De forma geral, foi possvel perceber que, grosso modo, o capital social possui
certa importncia na anlise da participao nos partidos. Tanto em termos institucionais
quanto interpessoais, aquelas pessoas que afirmam possuir maior confiana tendem a se
inserir mais nos partidos. A nica varivel que apresentou resultados controversos foi a
de confiana no Congresso, na qual foi possvel perceber uma incidncia mais clara
somente na capital uruguaia. Se, por um lado o capital social apresentou alguns reflexos
significativos sobre a participao institucional, agora cabe examinar se o mesmo se d
em relao aos conselhos populares, que configuram a dimenso intermediria de
participao poltica de acordo com os pressupostos deste trabalho. Estas relaes sero
verificadas na seo que segue.
3.2. Capital social e participao em conselhos populares
Uma vez que o capital social apresentou alguns resultados significativos quando
relacionado participao nos partidos, de se esperar que ele tambm tenha impactos
importantes sobre a participao nos conselhos populares. Primeiramente, porque esse
tipo de participao, que se aproxima de uma perspectiva mais comunitria, pressupe
uma vinculao maior entre os membros da sociedade, para que estes se organizem e
elaborem suas demandas junto ao Estado. Em segundo lugar, porque uma participao
nesses espaos exige, em tese, que os cidados confiem minimamente nas instituies
polticas. No parece plausvel imaginar, num primeiro momento, que um indivduo v
se envolver numa arena decisria se no confia nas estruturas polticas configuradas pelo
status quo. Levando tais premissas em considerao, a anlise da participao nos
conselhos populares inicia com a sua relao com a confiana interpessoal em Porto
Alegre, Montevidu e Santiago do Chile.
Grfico 5- Confiana nas pessoas e participao em conselhos populares em
Porto Alegre, Montevidu e Santiago do Chile (%)
n Porto Alegre= 510; n Montevidu= 500; n Santiago do Chile= 500.
Fonte: Pesquisa Capital social e desenvolvimento sustentvel na promoo da cidadania e da
qualidade de vida (Nupesal/UFRGS, 2005).
A premissa de que a confiana interpessoal relevante para a participao nos
conselhos populares somente pode ser verificada em Montevidu e Santiago do Chile:
nestas cidades, as pessoas que afirmam que se pode confiar nas outras tendem a participar
mais dessas estruturas. Em Porto Alegre, porm, ainda que com diferena mnima e
abaixo do erro amostral, curiosamente os sujeitos mais desconfiados participam mais dos
conselhos.
Dessa forma, ainda que a confiana interpessoal tenha algum impacto sobre a
participao em nvel intermedirio em Montevidu e Santiago do Chile, o mesmo no
ocorre com Porto Alegre. o caso de uma varivel que pode ter um nvel de impacto
diferente de acordo com o contexto, com sua fora explicativa podendo variar de acordo
com as nuances constitudas em cenrios diversos. Se no nvel interpessoal o impacto do
capital social sobre a participao em conselhos populares deve ser relativizado, resta
saber se, no nvel institucional, o fenmeno se repete, ou, pelo contrrio, apresenta
tendncias mais consistentes e semelhantes nas diferentes cidades. O Grfico 6 cruza a
confiana no Congresso Nacional e a participao nos conselhos:
Grfico 6- Confiana no Congresso Nacional e participao em conselhos
populares em Porto Alegre, Montevidu e Santiago do Chile (%)
n Porto Alegre= 510; n Montevidu= 500; n Santiago do Chile= 500.
Fonte: Pesquisa Capital social e desenvolvimento sustentvel na promoo da cidadania e da
qualidade de vida (Nupesal/UFRGS, 2005).
No que diz respeito confiana no Congresso, enquanto em Santiago do Chile a
relao de que quanto maior a confiana, maior a participao, em Porto Alegre ocorre
o oposto: com o decrscimo da confiana nos legisladores nacionais, aumenta a
participao nos conselhos populares. Assim como em Santiago do Chile, em Montevidu
os sujeitos que confiam muito no Congresso participam mais do que os que no confiam.
No entanto, na capital uruguaia, o percentual de participao dos que no confiam e
participam discretamente mais elevado que o dos cidados que confiam pouco e
participam. Porm, cabe salientar que tal diferena fica dentro do erro amostral.
Novamente, possvel perceber que, de acordo com o contexto, o nvel de impacto
do capital social sobre a participao nos conselhos varia no s em termos de
intensidade, mas tambm em direo: enquanto na capital gacha os desconfiados se
inserem mais nessas estruturas, nas outras duas capitais a tendncia se inverte. Tambm
no nvel de confiana institucional encontra-se a questo do governo do pas: ser que os
sujeitos que confiam mais nos seus governos participam mais dos conselhos? o que o
Grfico 7 trata de apresentar:
Grfico 7- Confiana no governo do pas e participao em conselhos
populares em Porto Alegre, Montevidu e Santiago do Chile (%)
n Porto Alegre= 510; n Montevidu= 500; n Santiago do Chile= 500.
Fonte: Pesquisa Capital social e desenvolvimento sustentvel na promoo da cidadania e da
qualidade de vida (Nupesal/UFRGS, 2005).
No que concerne confiana no governo nacional, o fenmeno anteriormente
registrado se repete: enquanto nas capitais uruguaia e chilena os que confiam muito
participam mais, em Porto Alegre ocorre o contrrio: quanto menor a confiana no
governo, maior o percentual de participao. Contudo, na capital gacha a diferena fica
abaixo do erro amostral de 4%. Novamente, tambm, enquanto em Santiago do Chile a
participao nos conselhos decai de acordo com o nvel de confiana, em Montevidu os
entrevistados que no confiam no governo do pas participam um pouco mais do que
aqueles que confiam pouco (com diferena abaixo do erro amostral, no entanto).
Mais uma vez, possvel perceber que os impactos da confiana institucional
variam em intensidade e direo de acordo com diferentes contextos. Por fim, verificada
a relao da confiana nos partidos com a participao nos conselhos populares. Partidos
polticos, de modo geral, so um conceito cuja confiana pode ser considerada
razoavelmente mais estvel: enquanto governos e legislaturas mudam e se orientam em
diferentes direes ideolgicas, de acordo com quem est no poder, os partidos mantm,
grosso modo, uma certa estabilidade ideolgica. Ser que, por essa considervel diferena
conceitual, os partidos ecapam lgica das variveis anteriormente examinadas? Os
dados esto apresentados no Grfico 8.
Grfico 8- Confiana nos partidos e participao em conselhos populares
em Porto Alegre, Montevidu e Santiago do Chile (%)
n Porto Alegre= 510; n Montevidu= 500; n Santiago do Chile= 500.
Fonte: Pesquisa Capital social e desenvolvimento sustentvel na promoo da cidadania e da
qualidade de vida (Nupesal/UFRGS, 2005).
No que diz respeito confiana nos partidos, possvel notar algumas diferenas.
Primeiramente, em Santiago do Chile os que afirmam no confiar nos partidos participam
percentualmente um pouco mais dos conselhos; em segundo lugar, em Montevidu,
quanto maior a confiana, maior a participao (nas variveis anteriores, os que
afirmavam confiar muito apresentavam maior ndice de participao, porm os que
responderam confiar pouco tinham menores percentuais de participao do que os
sujeitos que no confiavam); em terceiro lugar, embora a tendncia porto-alegrense se
repita, de que os cidados que no confiam so os que mais participam, os que confiam
muito apresentam percentuais levemente mais elevados de participao nos conselhos em
relao aos indivduos que confiam pouco. necessrio ressaltar, ainda, que as diferenas
entre os que confiam muito e no confiam, tanto em Porto Alegre como em Santiago do
Chile, ficam abaixo do erro amostral.
De maneira geral, verifica-se que a relao entre capital social e participao em
conselhos deveras complexa. Ela muda de acordo com o cenrio, tanto em fora
explicativa, quanto em direo. Por vezes, maior confiana institucional e interpessoal
parece gerar uma maior participao. Porm, em outros contextos, a desconfiana que
apresenta percentuais preponderantes de participao, ainda que de maneira relativamente
frgil, como visto no caso de Porto Alegre. Finalmente, na prxima seo so examinadas
as relaes estabelecidas entre o capital social e a participao no-convencional,
plasmada pela participao em manifestaes ou protestos.
3.3. Capital social e participao em manifestaes ou protestos
J foi mostrado que o capital social possui impactos significativos e relativamente
claros sobre a participao nos partidos, e influncias complexas e controversas sobre a
participao em conselhos populares. E no que concerne participao no-convencional,
em termos de manifestaes e protestos? A confiana nas pessoas faz com que os sujeitos
se disponham a participar mais desse tipo de ao? E a confiana institucional, contribui
positivamente para que as pessoas protestem mais, com perspectivas de que tais
instituies de fato elaborem respostas s suas demandas? Ou pelo contrrio, quanto mais
desconfiados os cidados so em relao s instituies polticas, mais eles se sentem
obrigados a protestar e contestar os governos? So questes dessa natureza que passamos
a tratar a partir de agora, iniciando pela influncia da confiana nas pessoas sobre a
participao em manifestaes ou protestos:
Grfico 9- Confiana nas pessoas e participao em manifestaes ou protestos em
Porto Alegre, Montevidu e Santiago do Chile (%)
n Porto Alegre= 510; n Montevidu= 500; n Santiago do Chile= 500.
Fonte: Pesquisa Capital social e desenvolvimento sustentvel na promoo da cidadania e da
qualidade de vida (Nupesal/UFRGS, 2005).
Conforme possvel perceber pelo Grfico 9, nas trs capitais examinadas a
tendncia se repete: quanto mais os cidados confiam uns nos outros, mais eles participam
de manifestaes ou protestos. A confiana interpessoal surge, assim, como elemento de
importncia considervel para que os sujeitos de Porto Alegre, Montevidu e Santiago do
Chile participem nesta dimenso no-convencional.
Dessa maneira, o fato de se estabelecer uma relao de confiana em junto a seus
pares parece fazer com que os indivduos encontrem estmulos para participar. a partir
da confiana interpessoal que os sujeitos criam laos, estipulam objetivos comuns e saem
s ruas para protestar conjuntamente. E no nvel institucional, como se d esta relao? A
confiana serve como alicerce significativo para a participao? Ou , pelo contrrio, a
desconfiana nas instituies que acaba por incentivar os indivduos a se mobilizar? O
Grfico 10 estabelece o vnculo entre confiana no Congresso dos pases e participao
em manifestaes ou protestos.
Grfico 10- Confiana no Congresso Nacional e participao em
manifestaes ou protestos em Porto Alegre, Montevidu e Santiago do Chile (%)
n Porto Alegre= 510; n Montevidu= 500; n Santiago do Chile= 500.
Fonte: Pesquisa Capital social e desenvolvimento sustentvel na promoo da cidadania e da
qualidade de vida (Nupesal/UFRGS, 2005).
No que diz respeito confiana no Congresso Nacional, os dados mostram que,
enquanto em Porto Alegre aqueles que no confiam participam mais do que aqueles que
confiam muito, em Montevidu e Santiago do Chile, quanto maior a confiana nesta
instituio, maior a participao em protestos. Na capital gacha, contudo, este impacto
relativamente menor do que nas outras duas cidades. E ainda deve ser feita a ressalva
da dimenso temporal: dentre aqueles que confiam muito e participam, pode haver uma
preponderncia de sujeitos que j participaram no passado, mas no vem essa
necessidade no presente.
Novamente, depara-se com uma varivel cujo poder explicativo da participao
deve ser relativizado de acordo com o cenrio examinado. Em alguns casos, como o de
Porto Alegre, o incentivo ao protesto parece advir precisamente da desconfiana que os
cidados tm em relao aos legisladores nacionais. Por outro lado, nas cidades de
Montevidu e Santiago do Chile, a mobilizao surge em funo de uma maior confiana.
Isso pode indicar que, exatamente por confiarem nas boas intenes e na competncia de
seus legisladores, uruguaios e chilenos encontrem respaldo para protestar na expectativa
de verem suas demandas correspondidas. Outra dimenso de confiana institucional
importante a se verificar refere-se confiana no poder executivo dos pases. O Grfico
11 cruza esta varivel com a participao em manifestaes ou protestos.
Grfico 11- Confiana no governo do pas e participao em manifestaes
ou protestos em Porto Alegre, Montevidu e Santiago do Chile (%)
n Porto Alegre= 510; n Montevidu= 500; n Santiago do Chile= 500.
Fonte: Pesquisa Capital social e desenvolvimento sustentvel na promoo da cidadania e da
qualidade de vida (Nupesal/UFRGS, 2005).
O Grfico 11 mostra que, nas trs capitais, os sujeitos que confiam muito no
governo do pas participam mais de manifestaes ou protestos do que aqueles que no
confiam. Porm, enquanto em Montevidu e Santiago do Chile esta tendncia apresenta-
se muito mais clara e simtrica, em Porto Alegre os percentuais so muito parecidos, com
diferena abaixo do erro amostral de 4%, e os que mais participam so os que afirmam
confiar pouco no governo. Novamente cabe recordar que a dimenso temporal includa
na varivel de participao tambm pode ter alguma influncia: dentre os que confiam
muito, pode haver um peso maior dos que j participaram de protestos mas no o fazem
mais, por estarem satisfeitos com o governo do pas.
Mais uma vez, enquanto o capital social na dimenso de governo nacional aparece
como importante elemento explicativo da participao no-convencional em alguns
locais, em outros este poder explicativo se v diminudo, alertando-nos novamente para
o fato de que diferentes panoramas merecem tratamento diferente, no se podendo, a
princpio, definir se a varivel de confiana no governo , ou no, importante para a
explicao dos motivos que levam os cidados a sarem s ruas para se manifestar. Por
fim, verifica-se a relao entre confiana nos partidos polticos e a participao no-
convencional nas trs capitais estudadas:
Grfico 12- Confiana nos partidos e participao em manifestaes ou
protestos em Porto Alegre, Montevidu e Santiago do Chile (%)
n Porto Alegre= 510; n Montevidu= 500; n Santiago do Chile= 500.
Fonte: Pesquisa Capital social e desenvolvimento sustentvel na promoo da cidadania e da
qualidade de vida (Nupesal/UFRGS, 2005).
No que concerne confiana nos partidos polticos, possvel perceber que h
uma certa ligao entre esta varivel e a participao em manifestaes ou protestos nas
trs cidades. Enquanto em Montevidu e Porto Alegre esta relao um pouco mais
discreta, embora significativa, em Santiago do Chile esta tendncia bem mais clara:
quanto mais os cidados da capital chilena confiam nos partidos, mais eles se sentem
dispostos a sair s ruas e se manifestar, quando assim julgam necessrio.
J em relao confiana institucional, parece haver uma relao mais forte da
confiana nos partidos com a participao no-convencional do que da confiana no
Congresso e nos governos nacionais. De modo geral, a confiana interpessoal parece
configurar uma dimenso mais importante do capital social quando se trata dos elementos
que incentivam os sujeitos a sarem s ruas e protestar. A confiana institucional, embora
tambm relevante, apresenta maior variao de intensidade e mesmo de direo analtica
de acordo com os diferentes contextos.
Nos dados acima foi possvel notar, em linhas gerais, que a relao entre capital
social e participao guarda certas complexidades. Enquanto o poder explicativo do
conceito adquire certa importncia no trato da participao em partidos, quando se
verificou estes impactos sobre a participao em conselhos populares e manifestaes ou
protestos, as relaes se complexificaram de acordo com o cenrio examinado, variando
em intensidade e direo nos diferentes contextos.
4. Consideraes finais
No presente artigo, buscou-se examinar as relaes do capital social com a
participao poltica, comparando trs cenrios latino-americanos: o de Porto Alegre,
capital do Rio Grande do Sul/ Brasil; o de Montevidu, capital do Uruguai; e o de
Santiago do Chile, capital chilena. Inicialmente, foi realizada uma varredura acerca dos
conceitos de capital social e de participao poltica, ambos vislumbrados em suas
possveis ligaes com a democracia. Partiu-se do princpio de que relaes de confiana
institucional e interpessoal contribuem para uma democracia mais forte, medida que
tais relaes permitem que os sujeitos interajam mais entre si, organizem-se, busquem
conjuntamente as solues para os seus problemas, e ao mesmo tempo possibilitam um
maior dilogo com as esferas governamentais. A participao, por sua vez, advm da
ideia de que, embora a dimenso procedural possua inegvel importncia para a vida
democrtica, necessrio que se alcance uma perspectiva mais substantiva do papel do
cidado na sociedade: assim, viver democraticamente seria viver a democracia com mais
intensidade e com maior extenso, no cotidiano, e no apenas nos pleitos realizados
periodicamente em um pas. Dada esta moldura terica, buscou-se examinar, atravs de
cruzamentos dos dados, os impactos que o capital social, atravs da confiana
institucional e interpessoal, apresentaram sobre a participao poltica nos mbitos
institucional, intermedirio e informal.
Nesse sentido, o capital social mostrou ter certa importncia para explicar a
participao em partidos polticos, tanto em termos de confiana interpessoal como de
confiana institucional: os mais confiantes configuraram maior propenso a se inserir
nestas organizaes. Assim, a nica varivel que revelou resultados controversos foi a de
confiana no Congresso, na qual uma incidncia mais clara somente foi verificada em
Montevidu. No que respeita aos conselhos populares, a participao em seu interior
apresentou relaes muito mais complexas com o capital social. Ocorre uma grande
variao de acordo com os diferentes panoramas, tanto em fora explicativa das variveis
quanto em direo. Por vezes, maiores confianas institucional e interpessoal parecem
gerar mais participao; no entanto, em outros cenrios, a desconfiana que mostra
percentuais preponderantes de participao, ainda que de forma relativamente discreta,
como se verificou no caso de Porto Alegre. J para a explicao da participao em
manifestaes, a confiana interpessoal parece configurar uma dimenso mais importante
do capital social do que a confiana institucional, que, embora tambm importante, varia
mais em intensidade e direo analtica: em alguns casos, uma maior confiana nas
instituies estimula a participao, j em outros, a motivao provm precisamente do
fato dos cidados no confiarem nas mesmas.
Evidentemente, a explicao da participao poltica no se esgota na pauta
conceitual do capital social. Alm da confiana que os sujeitos estabelecem entre si e
junto s instituies polticas, outras variveis de opinio pblica podem incidir sobre a
participao poltica. Entre essas variveis, podemos destacar, por exemplo, a sofisticao
poltica, o senso de eficcia poltica subjetiva, padres de autoritarismo e personalismo,
e a forma como os cidados encaram a democracia e suas instituies enquanto canais
legtimos de mediao poltica. Os recentes fatos ocorridos nas gigantescas manifestaes
ocorridas no Brasil no ms de junho deste ano indicam que a questo da participao
poltica ainda encontra-se fortemente na pauta daqueles que pensam e estudam os
fenmenos polticos no Brasil e no Mundo. Mais do que isso, nesta pauta voltam a surgir
com certa fora as questes referentes prpria legitimidade do sistema democrtico,
que, ao no oferecer respostas suficientemente eficazes s demandas advindas da
populao, pode se ver fragilizado a mdio e longo prazo, uma vez que outras solues
aparentemente mais fceis, com vistas a salvar a ptria, podem surgir ou reemergir em um cenrio que ainda no se encontra bem resolvido do ponto de vista societal. O
momento sugere que sejam pensados dispositivos para fortalecer a democracia, que sejam
buscados elementos que agreguem qualidade ao modelo democrtico existente, e tragam
essas significativas parcelas da populao, sedenta por participao, para espaos
institucionais capazes de promover crescentemente a interlocuo entre sociedade civil e
Estado.
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