O Impacto da Oferta de Serviços Microfinanceiros no Nível de Vida da População nas Zonas Rurais em Moçambique: O Caso do Distrito de Gondola Zita Maria Domingos Joaquim Trabalho de Licenciatura Faculdade de Economia Universidade Eduardo Mondlane Outubro de 2008
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O Impacto da Oferta de Serviços Microfinanceiros no Nível de
Vida da População nas Zonas Rurais em Moçambique: O Caso do Distrito de Gondola
Zita Maria Domingos Joaquim
Trabalho de Licenciatura
Faculdade de Economia
Universidade Eduardo Mondlane
Outubro de 2008
DECLARAÇÃO
Declaro que este trabalho é resultado da minha investigação pessoal, estando indicados no
texto e na bibliografia as fontes utilizadas. Esta é a primeira vez que o submeto para a
obtenção de um grau académico numa instituição de ensino superior.
Maputo, aos ____ de Outubro de 2008
_______________________________
(Zita Maria Domingos Joaquim)
APROVAÇÃO DO JÚRI
Este trabalho foi aprovado com ___ valores no dia ____ de Outubro de 2008 por nós,
membros do júri, examinadores da Faculdade de Economia da Universidade Eduardo
Mondlane.
________________________________
(O Presidente do Júri)
________________________________
(O Arguente)
_________________________________
(O Supervisor)
Dedico este trabalho aos meus sobrinhos,
Zuneid L. C. Mussá e Dário Catarino Chipenembe.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao meu supervisor Prof. Doutor Manoela
Sylvestre pelo acompanhamento, atenção e paciência para a concretização deste trabalho;
a Faculdade de Economia – UEM, a Direcção Nacional de Promoção e Desenvolvimento
Rural – MPD e ao Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento pela
oportunidade que me concederam de concretizar o trabalho de campo; a Dra. Ester dos
Santos, Dr. Jorge Tinga e a biblioteca da Faculdade de Economia – UEM por me terem
facultado informação; ao Governo do Distrito de Gondola pela atenção e compreensão; as
pessoas que me apoiaram durante o trabalho de campo, particularmente ao Sr. Aníbal e a
prima Inês; e aos meus pais Mário D. J. Chipenembe e Maria Laura I. Nota, irmão e
amigos pelo amor, carinho, e atenção.
Em especial agradecer a minha irmã, Dra. Judite Chipenembe, pela atenção, dedicação e
paciência na leitura deste trabalho; e ao dr. Félix Simione pela orientação no tratamento
dos dados.
Por último gostaria de agradecer aos meus professores e colegas que me apoiaram e
acompanharam durante a minha formação.
Resumo
A tendência de concentração das instituições microfinanceiras nas principais cidades do
país vem caracterizando o desenvolvimento do sistema financeiro de Moçambique nas
últimas décadas. Diversos factores como a viabilidade financeira das operações na
perspectiva do lucro, a densidade populacional versus procura por serviços financeiros, e a
existência de infra-estruturas básicas vêm determinando a localização física dos balcões
ou agência microfinanceiras no país; colocando assim as zonas rurais em desvantagem. O
presente trabalho procura analisar em que medita o fornecimento de serviços
microfinanceiros nas zonas rurais, particularmente no distrito de Gondola província de
Manica, contribui para a melhoria do nível de vida da população e consequentemente para
o desenvolvimento das zonas rurais. Para tal, com recurso a procedimentos estatísticos
procurou-se analisar os factores que contribuem para a melhoria do nível de vida da
população rural como a oferta de micro-crédito e micro-poupanças, o que permitiu
constatar que a oferta de serviços microfinanceiros tem um impacto bastante positivo nas
pequenas actividades económicas e consequentemente nos níveis de rendimento e
consumo dos agregados familiares alvos.
LISTA DE ACRÓNIMOS
ADEM Agência de Desenvolvimento Económico da Província de
Manica
ADF Agência Francesa de Desenvolvimento
AGRICOM Empresa de Comercialização Agrícola
ASA Association for Social Advancement (Bangladesh)
ASCAs Accumulative savings and Credit Association
ATM Automated Teller Machine
BAD Banco Africano de Desenvolvimento
BCM Banco Comercial de Moçambique
BIM Banco Internacional de Moçambique
BM Banco de Moçambique
BOM Banco Oportunidade de Moçambique
BPD Banco Popular de Desenvolvimento
BRI Bank Rakyata Indonesia
CARE Cooperative for Assistance and Relief Every Where,
International
CCCP Caixas Comunitárias de Crédito e Poupança
CDF Caixa Francesa de Desenvolvimento
CMR Caixa das Mulheres Rurais
CNM Caixa das Mulheres de Nampula
COCAMO Cooperação Canadá-Moçambique
CRESCE Crédito Sustentável para o Crescimento das Empresas
DANIDA Agência Dinamarquesa de Ajuda ao Desenvolvimento Rural
DNPDR Direcção Nacional de Promoção do Desenvolvimento Rural
EDR Estratégia de Desenvolvimento rural
EN Estrada Nacional
FAO Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
FCC Fundo de Crédito Comunitário
FFADR Fundo de Fomento Agrário e de Desenvolvimento
FFPI Fundo de Fomento da Pequena Indústria
FML Federação Mundial Luterana
FRELIMO· Frente de Libertação de Moçambique
GPE· Gabinete de Promoção do Emprego
GAPI Sociedade de Promoção de Pequenos Investimentos, SARL
GTZ Deutsche Gesellsschaft Fuer Technische Zusammenarbeit
HAI Health Action International
ICICI Industrial Credit and Investiment Corporation of India
IFAD· Fundo Internacional para o desenvolvimento Agrícola
IMFs· Instituições Microfinanceiras
INDER Instituto Nacional para o Desenvolvimento Rural
IRAM Instituto de Pesquisa e de Aplicação de Métodos de
Desenvolvimento
Mcel Moçambique Celular
MEDA Mennonite Economic Development Associates
MMF Mozambique Microfinance Facility
MPD Ministério do Plano e Desenvolvimento
MPF Ministério do Plano e Finanças
NPM Netherlands Platform for Microfinance
OI Opportunity International
OMS Organização Mundial da Saúde
ONG Organização Não Governamental
PAP Projecto de Alívio a Pobreza
PAPIR Projecto de Apoio às Pequenas Indústrias Rurais
PDPME Projecto de Desenvolvimento de Pequenas e Médias Empresas
PME Pequenas e Médias Empresas
PNUD Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento
1.2. Justificação e Relevância do Tema ........................................................................... 111.3. O Problema de Pesquisa ........................................................................................... 131.4. Metodologia............................................................................................................. 15
2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO E CONCEPTUAL..................................................... 182.1 Conceitos Fundamentais............................................................................................ 18
2.1.1. Microfinanças.................................................................................................... 182.1.2. Desenvolvimento Rural ..................................................................................... 192.1.3. Pobreza ............................................................................................................. 20
2.2. Teoria Económica .................................................................................................... 212.2.1. A Abordagem Microfinanceira .......................................................................... 212.2.1.1. A Abordagem do Velho Paradigma ................................................................ 212.2.1.2. A Abordagem do Novo Paradigma: Microfinanças Sustentáveis..................... 222.2.2 As Novas Abordagens: Poverty Landing verus Abordagem do Sistema Financeiro ................................................................................................................... 232.2.2. Abordagem do Desenvolvimento Rural ............................................................. 242.2.3. Microfinanças Versus Desenvolvimento Rural .................................................. 25
3. A EVOLUÇÃO DA INDÚSTRIA MICROFINANCEIRA ............................................. 274. ESTUDO DE CASO....................................................................................................... 32
4.1. O Distrito de Gondola .............................................................................................. 324.1. Serviços Financeiros ................................................................................................ 344.2. Análise do Impacto da Oferta dos Serviços Microfinanceiros nas Zonas Rurais........ 39
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 43BIBLIOGRAFIA
ANEXOS
Anexo 1: InquéritosAnexo 2: Produtos, contas e encargos disponíveis no banco BOM, SARLAnexo 3: Teste t de Comparação das MédiasAnexo 4: Dados sobre o nível de vida dos clientes do banco BOM no Distrito de
Gondola
TABELAS
Tabela 1 Distribuição dos Alunos de Acordo com o Nível EscolarTabela 2 Distribuição de Clientes e Carteira de Empréstimos, Segundo o Tipo de
Metodologia (2007) Tabela 3 Impacto da Oferta de micro-crédito no Nível de vida dos ClientesTabela 4 Impacto da Oferta de micro-crédito Tendo em Conta o Período de Tempo
FIGURAS
Figura 1 Transição de Mono para multi-produtos (de CRESCE para BOM)
GRÁFICOS
Gráfico 1 Evolução dos Clientes de MicrofinançasGráfico 2 Distribuição da População do Distrito de Gondola por Posto
AdministrativoGráfico 3 Distribuição da Carteira de Empréstimos do BOM por Cidades/distritosGráfico 4 Volume de Depósitos do BOM, Segundo o Tipo de Conta
1. INTRODUÇÃO
O desenvolvimento das zonas rurais e a erradicação da pobreza absoluta ocupam um lugar
de destaque nas agendas sobre o desenvolvimento socioeconómico de Moçambique. Até
2002/3 dos 54,1% da população do país a viver na pobreza mais de 55% encontravam-se
nas zonas rurais, onde a inexistência ou degradação das infra-estruturas de base é elevada,
a disponibilização dos serviços financeiros é fraca, e a agricultura de subsistência é a base
da economia.
O papel das instituições microfinanceiras no processo de desenvolvimento rural e combate
a pobreza têm sido alvo de grandes debates nos espaços político e económico, destacando-
se o acesso às infra-estruturas de base e aos serviços financeiros como prioridades nos
programas ou estratégia de combate a pobreza e de desenvolvimento rural dos governos
nos países em vias de desenvolvimento donde Moçambique constitui parte integrante.
Deste modo o presente trabalho procura analisar em que medita a oferta de serviços
microfinanceiros às zonas rurais contribui para a melhoria do nível de vida da população,
e consequentemente para o desenvolvimento das zonas rurais. Para tal, com recurso a
procedimentos estatísticos procurou-se analisar alguns factores que contribuem para a
melhoria do nível de vida da população rural, como por exemplo o rendimento e o
consumo dos clientes das instituições microfinanceiras no distrito de Gondola, província
de Manica. O que permitiu constatar que a oferta de serviços microfinanceiros tem um
impacto significante na actividade económica dos pobres e na melhoria dos seus padrões
de vida.
1.1. Objectivos
1.1.1. Objectivo geral
O presente trabalho tem como objectivo geral analisar o impacto da oferta de serviços
microfinanceiros no nível de vida da população nas zonas rurais, e em que medida este
contribui para o desenvolvimento destas regiões.
1.1.2. Objectivos Específicos
Objectivo Específico 1: Avaliar a questão da densidade populacional versus provisão de
serviços microfinanceiros nas zonas rurais, tendo em conta que o que garante
a sustentabilidade da carteira de crédito é o número de clientes;
Objectivo Específico 2: Analisar os fluxos de rendimento dos clientes alvos tendo em
conta a diversidade das actividades económicas, por agregado familiar; e
Objectivo Específico 3: Analisar as potencialidades oferecidas pelo cliente de baixo
rendimento no meio rural, no que se refere a captação de poupanças e
necessidades.
1.2. Justificação e Relevância do Tema
A ideia de analisar o impacto da oferta dos serviços microfinanceiros no nível de vida da
população nas zonas rurais deve-se em parte a importância que a intermediação financeira
pode ter no crescimento e desenvolvimento económico de uma região rural, a partir da
melhoria do padrão de vida da sua população.
A extensão dos serviços e produtos financeiros, por outro lado, constitui uma das
principais preocupações das autoridades financeiras e da sociedade no geral, uma vez que
se verifica uma forte tendência de concentração das instituições financeiras nas principais
cidades do país (Maputo, Beira e Nampula), do que nas zonas rurais1, dada as
características oferecidas pelas mesmas2.
O Governo de Moçambique, para além de pretender alcançar o objectivo de diminuir a
incidência da pobreza de 54% em 2003 para 45% em 2009 e de alterar o padrão de
acumulação de capitais na economia, tem em conta que a população rural pobre3 só
conseguirá romper o ciclo vicioso da pobreza se contribuir e beneficiar do crescimento
económico nacional e que o ritmo de desenvolvimento rural depende não só do nível de
investimento em capital, como também do investimento público que prioriza o
1 O sector rural em Moçambique oferece características que as microfinanças têm dificuldades de ultrapassar, como o sistema de transportes e comunicações frágeis, a fraca densidade populacional, o facto da maioria dos clientes terem apenas a agricultura como fonte de rendimento e a maioria da população encontrar-se marginalmente envolvida na economia monetária; o que leva a crer que os centros urbanos e as zonas peri-urbanas oferecem melhores condições que as zonas rurais (Chidzero, 1998: 21).2 Patel, 2007: 9.3 Em Moçambique mais de metade da população vive abaixo da linha da pobreza, das quais cerca de 64,3% vivem nas zonas rurais (Governo de Moçambique, 2006).
desenvolvimento da capacidade produtiva rural, das infra-estruturas e serviços básicos
institucionais4.
Nesta base, o desafio do Governo consiste em promover serviços financeiros adequados às
iniciativas locais, a partir do reforço da regulamentação e supervisão do sistema
financeiro, bem como da criação de novos instrumentos e da provisão de uma maior
cobertura regional, de modo a aumentar o nível de captação de poupança e
disponibilização de crédito5.
No entanto, na tentativa de analisar o impacto da oferta de serviços microfinanceiros no
nível de vida da população rural, e consequentemente no que se refere ao processo de
desenvolvimento rural, procurou-se escolher uma Instituição Microfinanceira (IMF) que
esteja a trabalhar com a população pobre há mais de 10. Esta opção permitiu a
identificação dos clientes do Banco Oportunidade de Moçambique (BOM) no distrito de
Gondola, província de Manica, como objecto de pesquisa, que a partir da assinatura de um
memorando de entendimento adquiriu a carteira de empréstimos do programa Crédito
Sustentável Para o Crescimento das Empresas (CRESCE) que operou no distrito de 1996 a
20046, o que foi relevante na obtenção de resultados precisos para a compreensão dos
objectivos do trabalho.
Dos vários distritos onde o banco BOM encontra-se a operar, Gondola foi o que mais se
identificou com os objectivos do trabalho. Por um lado pelo sucesso que o programa
CRESCE teve no trabalho com os clientes pobres no distrito de Gondola, por ter sido onde
o programa inicio as suas actividades, e pelo facto dos clientes do programa terem
permanecido com o banco BOM após a assinatura do memorando de entendimento. E por
outro, do distrito ter registado algumas melhorias na expansão da rede de energia eléctrica
e telecomunicações, e na evolução de alguns mercados (a destacar o Cruzamento do
Inchope).
Contudo, acredita-se que este trabalho trará uma contribuição para a literatura sobre
microfinanças em Moçambique, uma vez que a maioria dos estudos7 encontrados pouco
4 Governo de Moçambique, 2006: 1, 67-70.5 Ibidem6 O CRESCE era um programa de microfinanças da CARE que durou 9 anos tendo iniciado as suas actividades em Janeiro de 1996 no distrito de Gondola (Província de Manica), o local de pesquisa. 7 Athmer: 2006; Chidzero: 1998; ICC: 2001; Navalha & Teyssier: 2005; Vletter: 2006; entre outros.
abordam sobre o papel das microfinanças como ferramenta no combate a pobreza nas
zonas rurais.
1.3. O Problema de Pesquisa
O crescente interesse pelas microfinanças, por parte do Estado e outras organizações
relaciona-se em parte com o recente reconhecimento, por parte de alguns desenhadores de
políticas, de que o sector informal8 é muito grande e permanecerá activo por muitos anos9.
As microfinanças constituem um sistema importante de intermediação financeira
apropriado ao desenvolvimento local, baseado em actividades de pequena e média escala10
que devido a sua natureza encontram-se praticamente vedadas a banca convencional11.
Estatísticas do Banco de Moçambique mostram por exemplo que, até Dezembro de 2006,
das 132 agências bancárias existentes nas principais cidades do país e que correspondiam
a 57,89% do total existente, cerca de 78% encontravam-se situadas na cidade de Maputo.
Dos 128 distritos existentes apenas 28 possuíam agências bancárias, permanecendo 78,5%
do território nacional inacessível aos serviços financeiros. Cerca de 77,24% dos
operadores de micro-crédito e 81,8% das agências cooperativas encontravam-se
concentradas na capital do país12.
Um outro estudo mostra que de 1997 a 2006 encontravam-se a operar no mercado não
mais do que 35 IMFs13 que cobriam menos de 1% da população nacional, facto este que se
encontra associados a composição da própria indústria. Isto é, até Dezembro de 2005 a
indústria microfinanceira era composta por 9 associações, 7 ONGs, 5 cooperativas, 4
projectos, 3 bancos comerciais, 3 empresas privadas e uma sociedade de responsabilidade
limitada.14.
8 É no sector informal onde predominam os micro empreendimentos, que são considerados o motor da economia moçambicana.9 Robinson, 2003: 13.10As actividades de pequena e média dimensão no geral, devido ao tamanho, apresentam um sistema de registo contabilístico deficiente ou inexistente e com garantias precária. 11 Patel, 2007: 16.12 Ibidem.op.cit; 2113 A indústria era servida por de 35 IMFs em 1997, 29 em 2000 e 32 em 2005. Das 35 instituições a operar no mercado em 1997 apenas 15 se encontravam operacionais em 2000, e 8 em 2005. Facto este associado ao término de alguns projectos, a transformação e a aquisição de alguns operadores pelos bancos de microfinanças (a CRESCE, KARELA e MEDA foram adquiridas pelo BOM; a GTZ-GPE transformou-se em Socremo).14 Vletter, 2006: 2, 16.
As mudanças introduzidas na legislação financeira levaram ao surgimento dos bancos de
microfinanças, o que permitiu a introdução de novos produtos e serviços microfinanceiros
no mercado, como a poupança15, os seguros, o depósito a ordem e a prazo, o crédito a
habitação, entre outros. Estas mudanças contribuíram para o aumento do volume de
clientes de 20.000 em 1997para 23.000 em 2000, 52.000 em 2003, 65.000 em 2004, e
120.000 (43% eram poupadores) em 2005 (ver gráfico 1)16.
Gráfico 1: Evolução dos Clientes de Microfinanças
0 50000 100000 150000
1997
2000
2003
2004
2005
Numero declientes
Fonte: baseado em Informação retiradas de Vletter, 2006 e Governo de Moçambique, 2007b.
Embora o gráfico 1 mostre uma evolução significativa do volume de clientes de 1997 a
2005, hoje as 59 IMFs existentes no mercado ainda têm uma cobertura bastante
insignificante, inferior a 4% da população do país, facto este que se encontra associado a
concentração das suas actividades na capital do país.
Na tentativa de reverter este cenário, o Governo tem vindo a desencadear alguns esforços,
como por exemplo: (i) a publicação de alguns estudos17, que visam a divulgação e
estimulação do trabalho que vem sendo levado a cabo pelas instituições microfinanceiras;
(ii) o lançamento do Programa de Apoio às Finanças Rurais (2005) com a missão de
incentivar a expansão das IMFs para as zonas rurais, a partir da criação de novas
instituições/organizações financeiras de base comunitária, melhoria da gestão e
coordenação dos fundos do Governo e financiadores, e consequentemente do aumento do
volume de clientes e poupanças18; (iii) a campanha de expansão dos serviços financeiros
às zonas rurais levada a cabo pelo Banco de Moçambique; (iv) a publicação da Estratégia
de Desenvolvimento Rural (2007); (v) a elaboração da Estratégia de Finanças Rurais (em
curso); (vi) e o lançamento da Campanha Nacional de Promoção de Poupanças, uma
15 A CMN introduziu contas de poupança para seus membros em 1994, de forma ilegal, sob o conhecimento e anuência do Banco de Moçambique.16 Vletter: 2006.17 ICC: 2000; Chidzero: 1998; Navalha & Teyssier: 2005; entre outros.18 Patel, 2007: 28.
iniciativa apresentada pela DNPDR na sua IV Conferência Nacional Sobre Microfinanças
em Julho de 2007.
Em suma, a revisão de literatura sobre as microfinanças em Moçambique permitiu, a luz
do objecto de pesquisa que se situa a volta do “impacto das IMFs no nível de vida da
população rural”, colocar a seguinte questão de partida e respectivas hipóteses de trabalho:
Em que medida as IMFs podem contribuir para a melhoria do nível de vida da
população nas zonas rurais, e consequentemente para o desenvolvimento destas
regiões, sem pôr em causa a auto-suficiência institucional, tendo em conta que
a maioria da população pobre encontra-se localizada no meio rural?
Hipóteses 1: A expansão dos serviços microfinanceiros às zonas rurais permite o
desenvolvimento e expansão dos micro empreendimentos e o surgimento de outras
actividades geradoras de rendimento. Sendo assim é uma alternativa para melhorar o nível
de vida da população e com isso reduzir os níveis de pobreza rural.
Hipótese 2: A provisão de serviços microfinanceiros por si só, não garante o
desenvolvimento e expansão dos micro empreendimentos, pois permitem apenas a
sobrevivência dos mesmos em períodos de crise e a melhoria do nível de rendimento dos
seus clientes, visto que existem outros recursos essenciais como as infra-estruturas físicas
e institucionais de base que quando ignorados, podem contribuir para o insucesso de
qualquer programa, projecto ou política.
1.4. Metodologia
Para a elaboração deste trabalho foi feito um levantamento e revisão da bibliografia
básica, seguido de um trabalho de campo que teve lugar no distrito de Gondola, província
de Manica, onde forma entrevistados 100 clientes, 5 trabalhadores da Administração
distrital, três agentes de crédito, dois responsáveis dos grupos ASCAs da ADEM e quatro
trabalhadores dos bancos de microfinanças.
Para responder ao problema levantado durante o trabalho foi seleccionada uma amostra
considerada superior a 10% da população alvo (100 clientes) que obedecera a três
estágios. Num primeiro estágio foi seleccionada uma IMF que esteja a trabalhar com os
clientes do distrito de Gondola que beneficiem dos serviços microfinanceiros a mais de 10
anos de modo a permitir a obtenção de resultados mais precisos – o BOM19. No segundo
estágio foram escolhidos os principais mercados, ao longo da EN6, dos postos
administrativos onde as IMFs têm mais clientes, tais como Amatongas, Inchope e Vila de
Gondola, o que facilitou a localização dos clientes. Nestes mercados fora retirada
aleatoriamente uma amostra de 100 clientes do banco BOM, independentemente de que
tenha sido ou não cliente do programa CRESCE, que foram submetidos a um inquérito
que procurou analisar o nível de bem-estar dos mesmos.
Nos inquéritos foram usadas perguntas fechadas para informações referentes ao tamanho
dos empréstimos e agregado familiar, nível de rendimento, consumo e escolaridade, tipo
de empréstimo, estado civil, e mais; e perguntas abertas para a análise da prestação de
serviços por parte da instituição e obtenção de informações adicionais 20.
Os resultados do inquérito permitiram analisar o impacto do micro-crédito, o produto
microfinanceiro oferecido há mais tempo no distrito de Gondola, ao nível do bem-estar do
cliente.
Neste âmbito foram escolhidas quatro variáveis: o rendimento mensal21, o consumo diário,
o índice de bens e o índice de fontes de rendimento (IFR). O IFR ou índice de diversidade
de rendimento do agregado familiar é obtido a partir da soma do número de fontes de
rendimento vezes o ponderador, e varia de 1 a 3 consoante o tipo de actividade: (i) instável
=1, (para actividades informais como trabalhos casuais, venda de produtos agrícolas entre
outras); (ii) moderada = 2 (para actividades menos instáveis como negócios, transportes,
entre outras); e (iii) estável = 3 (para actividades estáveis, como empregos formais)22.
O índice de bens por sua vez é igual ao número de bens vezes o ponderador, e varia de 0 a
1 consoante o tipo de cabaz de bens do agregado familiar: (i) 0,05 – para agregados
familiares sem bens de valor (casa de caniço com cobertura de plástico e palha e pequenos
utensílios domésticos), (ii) 0,15 – agregados familiares com bens de pequeno valor (casa
de caniço com cobertura de chapa ou casa de bambu e argila com cobertura de plástico e
19 Mais de 50% dos clientes do banco BOM no distrito forma clientes do programa CRESCE. Embora a CRESCE já não esteja em actividade a 3 anos, constatou-se no terreno que o BOM ainda é identificado como CRESCE ou banco da CARE.20 Ver anexos 1 e 4.21 Em alguns casos não nos foi possível obter um rendimento líquido preciso dos clientes.22 Matteis et al, 2006: 68.
familiares com poucos bens duradouros (casa de bambu e argila ou tijolo bruto com
cobertura de chapa, bicicleta, rádio, aparelhagem, telemóvel, cadeiras de madeira ou
plásticas, mesa, televisor, DVD e mais), e (v) 0,5 – agregados familiares com bens de
valor duradouros (casas de alvenaria ou dependências, motorizada ou automóvel, bicicleta,
sofás, uma mesa de 4 ou 8 cadeiras plástica ou de madeira, telemóvel, televisor, DVD,
aparelhagem e mais ).
Em seguida foi feito o teste estatístico de comparação das médias, “Teste – T”, com
recurso ao pacote informático Stata, que pode ser visto com mais detalhes no anexo 3.
Este teste procurou analisar o impacto do crédito em cada variável olhando para
metodologias adoptadas, isto é, o volume do primeiro empréstimo e o tempo que o cliente
beneficia do crédito tendo em conta os níveis de significância convencionais (1%, 5% e
10%).
Para complementar a informação colhida dos clientes foram feitas 9 entrevistas
exploratórias, no terreno, a entidades e individualidades públicas e privadas, sobre a
procura e oferta por serviços financeiros, actividade económica, infra-estruturas, e mais.
Em suma, durante a elaboração deste trabalho enfrentou-se algumas dificuldades tanto na
revisão bibliográfica como recolha de dados no local de pesquisa. Os estudos23 sobre o
sector microfinanceiro em Moçambique apresentam algumas controvérsias no que se
refere ao volume de clientes e carteira de empréstimos. Por exemplos em 1997 para alguns
autores existiam menos de 16.000 clientes, enquanto para outros cerca de 20.000 clientes,
e em 2000 cerca de 16.000 clientes para uns e 23.000 clientes para outros.
Durante o trabalho de campo houve uma relutância por parte de alguns clientes no que se
refere a fornecimento de informações relacionadas com as suas contas de poupança e
depósitos, e alguns clientes individuais recusaram-se a responder o inquérito e a
descriminar os bens adquiridos após o empréstimo. A instituição alvo mostrou-se um
pouco relutante no fornecimento de informações relativas ao distrito de Gondola o que
influenciou na duração do trabalho de campo. A duração do trabalho de campo estava
prevista para um mês mas acabou por durar cinco meses.
23 ICC, 2001; Vletter, 2006; & Governo de Moçambique, 2007b.
2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO E CONCEPTUAL
A compreensão da indústria microfinanceira neste trabalho passou pela definição de
alguns conceitos fundamentais, bem como a apresentação das teorias sobre
desenvolvimento rural e microfinanças, que permitira a formulação do problema de
pesquisa.
2.1 Conceitos Fundamentais
Neste trabalho consideramos importante a definição dos seguintes conceitos:
microfinanças, desenvolvimento rural e pobreza.
2.1.1. Microfinanças
Em Moçambique podemos encontrar vários conceitos de microfinanças, onde o maior
objectivo é encontrar formas eficientes e lucrativas para fornecer uma diversidade de
produtos microfinanceiros. Se por um lado pode ser vista como “actividade que consiste
na prestação de serviços financeiros essencialmente em operações de reduzida e média
dimensão”24, por outro lado a actividade financeira que “procura oferecer acesso aos
serviços financeiros e não financeiros a pessoas com baixo rendimento, que desejem obter
dinheiro para começar ou para desenvolverem actividades geradoras de rendimento.”25
Não obstante as definições acima referidas estarem em curso em Moçambique, alguns
autores demonstram que as microfinanças vão muito mais além da oferta de serviços
financeiros de pequena e média dimensão, porque estas envolvem o apoio social, a
formação, a criação de associações e mais, facto este que as torna uma ferramenta
poderosa de combate a pobreza26. Nesta óptica, microfinanças refere-se a provisão de
serviços financeiros de pequena escala27 (numa primeira fase crédito e poupança) a
camponeses, pescadores ou pastores de gado e pequenos empresários ou a micro
empresários que produzem, reciclam, reparam ou vendem bens, a pessoas que oferecem
24 Banco de Moçambique: 2006, 4.25 FAO, 2002: 11.26 Ledgerwood, 1998; Robinson, 2001; Otero, 2001.27 Os serviços microfinanceiros, embora sejam pouco acessíveis através do sector formal, ajudam as pessoas de baixo rendimento a reduzir o risco, a melhorar a gestão, aumentar a produtividade, a obter elevados retornos no investimento, a aumentar o seu rendimento, a melhorar a qualidade de vida dos seus clientes e agregados familiares
serviços em troca de salário ou comissões, ou ainda a pessoas que arrendam terras,
tractores, animais, máquinas, ou ferramentas a indivíduos ou grupos a nível local, sejam
rurais ou urbanos, nos países em vias de desenvolvimento28.
Para efeitos de análise neste trabalho considera-se as microfinanças como uma actividade
financeira que procura fornecer serviços e produtos (financeiros e não financeiros) de
pequena e média dimensão as camadas mais desfavorecidas da população, de modo a
impulsionar as actividades economicamente pobres e melhorar o nível de bem-estar dos
seus clientes.
2.1.2. Desenvolvimento Rural
A primeira dificuldade que aparece quando se fala em Desenvolvimento é a de conceber
um conceito de desenvolvimento rural que permita um certo consenso na orientação de
políticas que realmente promovam a melhoria do bem-estar das populações que vivem no
meio rural29.
O desenvolvimento rural, do ponto de vista histórico, é restringido a provisão de melhores
condições aos camponeses e às áreas economicamente desniveladas30. Mas este conceito,
embora dependa principalmente do progresso agrícola, implica muito mais na medida em
que incorpora esforços para aumentar o rendimento real dos camponeses e não
camponeses rurais (pastores de gado, pescadores, artesões, comerciantes, e mais) a partir
da criação de emprego, industrialização, provisão da educação, saúde e nutrição, habitação
e variedade de serviços sociais que promovam o bem-estar31.
Em Moçambique, o “desenvolvimento rural significa transformação da composição e da
estrutura social, económica, política, cultural, e ambiental das áreas rurais”; o que significa
actuar sobre os estrangulamentos da economia e das instituições da sociedade rural32.
Não obstante, a existência de diferentes significados há que ressaltar à ênfase que é dada a
equidade na redistribuição do rendimento, provisão de educação, habitação, cuidados de
28 Robinson, 2001: 929 Siman: 2006; 4630 Cramer et al: 2001; 37031 Todaro: 2003, 45432 Ministério da Planificação e Desenvolvimento: 2007, 3.
saúde, e outros bens e serviços, e ao desenvolvimento da agricultura, considerada o motor
da economia rural pelos desenhadores de políticas.
2.1.3. Pobreza
A definição do conceito de pobreza no presente trabalho prende-se com o facto de ser um
elo de ligação entre as microfinanças e desenvolvimento rural. Portanto, ambas as
ferramentas têm como objectivo combater a pobreza, daí a necessidade de contextualizar o
que é pobreza, especificamente nas zonas rurais onde se faz sentir.
Nos finais do século XIX e início do século XX, alguns autores definiram a pobreza como
insuficiência de rendimento, com recurso a perspectiva absoluta que apontava para a
simples subsistência do indivíduo.33 Mas, com o tempo o conceito foi evoluindo a volta de
três grandes abordagens: (i) o enfoque na sobrevivência, uma abordagem mais restritiva,
que predominou até a década de 1950 e originou do trabalho de nutricionistas inglesas que
concluíram que o rendimento dos mais pobres não era suficiente para a manutenção do
rendimento físico individual34; (ii) o enfoque nas necessidades básicas, da década de 1970,
que colocou novas exigências como o acesso a serviços básicos (água, saúde, educação e
cultura)35; (iii) e o enfoque na privação relativa que dá ênfase ao aspecto social, que
pressupõe que para sair da linha da pobreza é preciso obter uma alimentação adequada,
conforto, e desenvolver papéis e comportamentos socialmente adequados.36
Contudo, neste contexto, em Moçambique a pobreza é concebida como a “impossibilidade
por incapacidade, ou por falta de oportunidades de indivíduos, famílias e comunidades de
terem acesso a condições mínimas, segundo as normas da sociedade.”37 E para efeitos
desta pesquisa, pelo facto de durante o trabalho a questão do rendimento estar patente,
trabalhou-se com o conceito de pobreza relativa que se resume na “falta de rendimentos
suficientes para satisfação das necessidades alimentares e não alimentares essenciais, de
acordo com as normas da sociedade”38.
33 Rocha, 2000; Laderchi, Saith & Stewart, 2003: Citado por Machado, 2007: 685.34 Esta concepção foi adoptada na Inglaterra e exerceu grande influência em toda a Europa, tendo sido mais usada pelo BIRD.35 Esta concepção foi adoptada por vários órgãos internacionais, sobretudo os que integram a ONU, representando uma ampliação da concepção de sobrevivência física pura e simples36 Crespo & Gurovitz, 2002: 4.37 Governo de Moçambique, 2006: 8.38 Ibidem.
2.2. Teoria Económica
Para melhor compreender o problema de pesquisa considerou-se importante trazer a luz as
diferentes abordagens que permitem fazer uma ligação entre as microfinanças e o
desenvolvimento rural. Para tal apresenta-se as diferentes abordagens a volta da teoria
microfinanceira e do desenvolvimento rural para em seguida analisar-se o papel das
microfinanças como uma ferramenta de combate a pobreza nas zonas rurais.
2.2.1. A Abordagem Microfinanceira
A teoria microfinanceira circula à volta de duas grandes abordagens, nomeadamente o
Velho e o Novo Paradigma.
2.2.1.1. A Abordagem do Velho Paradigma
O velho Paradigma conduzido pelas teorias financeiras orientadas para oferta39, dos anos
1960 à 1970, surgiu em resposta as condições prevalecentes apôs a Segunda Guerra
Mundial40. Este paradigma parte do princípio que os pobres não podem e não tem
capacidades para reembolsar um empréstimo a taxa de juro do mercado, que o crédito
deve ser direccionado a determinados tipos de clientes, e que os pobres não têm recursos
para poupar (caso poupem, usam formas não financeiras)41.
Esta abordagem tem como base a metodologia do crédito dirigido, que procura ultrapassar
as imperfeições do mercado a partir do fornecimento de novas tecnologias, estimulação da
produção e implementação dos planos do Estado, tudo isto com o objectivo de ajudar os
pobres42. Grande parte dos fundos das IMFs que usam esta metodologia, provêm do
Governo e dos doadores. Estas não têm em conta a sustentabilidade financeira e são na
maioria dos casos instituições altamente subsidiadas, aumentando assim a dependência
financeira.
39 Partem do princípio que não há necessidade das instituições financeiras formais expandirem os seus serviços para as zonas rurais, devido aos elevados custos e riscos que estas oferecem e a actuação e intervenção directa por parte do governo e ONGs na provisão de serviços financeiros.40 Robinson, 2001: 71.41 Ibidem.op.cit; 86.42 Ibidem.op.cit; 47.
A metodologia do crédito dirigido enquadra-se em quatro modelos de crédito subsidiado, a
saber43: (i) instituições que fornecem micro-crédito mas não lhes é permitido mobilizar
poupanças do público por não serem reguladas ou estarem sujeitas a supervisão do Estado;
(ii) instituições que se comportam bem na concessão de empréstimos, mas deficientes na
mobilização de poupanças (o caso do Grameen Bank); (iii) instituições com êxito no
campo das poupanças mas não dos empréstimos, características da etapa de transição do
velho paradigma para o novo (São exemplo os bancos rurais da Índia e as cooperativas de
crédito rural da China); (iv) e o quarto modelo é formado por instituições que fracassaram
tanto quanto a poupança como empréstimos. Uma outra característica deste paradigma que
se encontra associada aos modelos é a vinculação directa entre o crédito e os programas de
capacitação dos tomadores de empréstimos44.
Contudo, as finanças orientadas para oferta não tiveram em conta a realidade política e
social das zonas rurais dos países em vias de desenvolvimento ou a dinâmica financeira
dos seus mercados, o que levou grande parte dos programas de crédito subsidiado a
falência, uma vez que estas, na maioria dos casos, não alcançaram os pequenos
agricultores e apresentaram taxas baixas de reembolsos e perdas constantes45.
2.2.1.2. A Abordagem do Novo Paradigma: Microfinanças Sustentáveis
O Novo Paradigma surge em resposta ao insucesso das metodologias adoptadas pelo
modelo do crédito subsidiado. Esta abordagem centra-se nos conceitos e metodologias
desenvolvidos pelas IMFs na década de 1980 com o fim de garantir um fornecimento
contínuo de serviços microfinanceiros sem recorrer ao subsídio46; e parte do princípio que
dada a estabilidade macroeconómica, as condições políticas, legais, regulamentares e
demográficas, uma IMF pode ser desenvolvidas com vista a fornecer serviços financeiros
às actividades económicas débeis em larga escala de forma sustentável e lucrativa sem
recorrer ao subsídio47.
43 Ibidem.44 Existe uma crença que diz que para que os clientes pobres façam uma boa aplicação do crédito, devem ser capacitados com ferramentas de como fazer um negócio, desenvolve-lo, no que se refere a finanças, alfabetização, agricultura e mais.45 Ibidem.op.cit; 71.46 O que engloba as metodologias para empréstimos individuais e colectivos; a criação de novos produtos financeiros adequados aos clientes pobres (tanto os poupadores como os tomadores de empréstimo); o spreed entre as taxas de juro que proporcionam o lucro institucional; a inovação dos métodos operacionais e do sistema de informação; a expansão das agências; especialização do staff e concessão de pequenos incentivos; e o financiamento da carteira de empréstimos a partir da mobilização de poupança a nível local, bem como de débitos comerciais e investimentos.47 Ibidem.op.cit; 47, 53,73.
Não obstante, diferentemente da velha abordagem, o Novo Paradigma tem como base o
modelo das instituições financeiras comerciais que podem alcançar maior cobertura de
forma sustentável, onde o crédito é financiado pela poupança e através do acesso ao
mercado financeiro comercial, que pressupõe que uma instituição financeira que opera
com a carteira de empréstimos subsidiados não pode alcançar maior cobertura tanto em
operações de poupança como empréstimos, porque as taxas de juro sobre os empréstimos
cobradas, são muito baixas para cobrir os custos e os riscos da intermediação financeira
em larga escala.
2.2.2 As Novas Abordagens: Poverty Landing verus Abordagem do Sistema Financeiro
Com a revolução microfinanceira outras abordagens foram surgindo, mas sempre a volta
do velho e novo paradigmas. Duas visões sobressaíram na década de 1990, a abordagem
do Sistema Financeiro e a abordagem Poverty Landing48. A abordagem Poverty Lending,
mais usada por ONGs centrou-se na redução da pobreza a partir do crédito, muitas vezes
fornecido juntamente com serviços complementares como educação, saúde, instrução,
planeamento familiar, entre outros. Estes serviços são providenciados por IMFs criadas
por doadores ou subsidiadas pelo Governo ou ainda fundadas por outros fundos
concessionários; sendo o objectivo primordial das microfinanças o de atingir os pobres,
especialmente os mais pobres, com o crédito para ajuda-los a ganhar habilidades e vencer
a pobreza49.
A abordagem do Sistema Financeiro por sua vez da ênfase a cobertura em grande escala
dos pobres economicamente activos (tanto tomadores como poupadores) tendo em conta a
auto-suficiência institucional, considerada como único meio possível para satisfazer a
procura generalizada por serviços microfinanceiros. Esta visão considera que o governo e
os doadores não podem financiar o micro-crédito em grande escala e que as microfinanças
não são apropriadas aos pobres, em particular aos sem oportunidades de emprego50.
Embora a Poverty Landing tenha dado uma grande contribuição no desenvolvimento de
metodologias de micro-crédito, acredita-se que as ferramentas da abordagem não foram
48 Rhyne (1998) & Gulli (1998); citado por Robinson, 2001: 22.49 Para a Poverty Landing a captação de poupança não é considerada importante pelo facto dos pobres não poderem guardar em instituições semelhantes ao menos que também emprestem lá. A maioria das instituições que usam esta abordagem providencia micro-crédito aos clientes pobres a baixo custo, e não conhecem a procura por poupança voluntária nos pobres. É uma abordagem que dá mais ênfase ao micro-crédito e não as microfinanças.50 Robinson, 2001: 22.
concebidas para permitir um micro financiamento mais extenso e profundo, pois os
recursos disponíveis para desenvolver a indústria são limitados e os governos e doadores
devem escolher de entre várias opções se os serviços microfinanceiros serão colocados a
disposição de quem pode fazer uso deles. Nesta base, conclui-se que a abordagem Poverty
Lending não tenta atingir a vasta demanda entre os pobres por serviços de poupanças
voluntárias, e que a abordagem do Sistema Financeiro é a mais adequada para expandir a
indústria microfinanceira51.
Em suma, constatou-se que a maturidade do sector microfinanceiro moçambicano não
permite encontrar dentre as abordagens acima referida, uma única abordagem que
caracterize a indústria microfinanceira no país. Isto é, a dependência de subsídios é
notória, tanto por parte das instituições a operar nas zonas rurais como urbanas; há uma
preocupação tanto por parte dos pequenos como grandes operadores em seguir as boas
práticas, e a sustentabilidade institucional é parte dos objectivos da maioria das
instituições.
2.2.2. Abordagem do Desenvolvimento Rural
A abordagem do desenvolvimento vem mudando nas últimas décadas, do ênfase no
desenvolvimento de infra-estruturas e largo financiamento em projectos de capital
intensivo dos anos 1960 para as necessidades básicas das comunidades pobres (anos1970),
para a prioridade no ajustamento estrutural e estabilização económica (anos 1980), e para
a construção de ferramentas de desenvolvimento sustentável no contexto da
globalização52.
“A década de 1990 presenciou grandes mudanças no mercado de ideias de
desenvolvimento. As lições dos programas de ajuste da década de 1980, juntamente com
as inovações da teoria económica, política e social, impulsionaram o pensamento do
desenvolvimento no sentido de um programa caracterizado por uma compreensão mais
ampla e mais bem integrada do desenvolvimento e de um maior pragmatismo com relação
aos instrumentos.”53 A economia do desenvolvimento apartou-se das explicações
macroeconómicas de Keynes e Harrod & Domar para ressaltar os fundamentos micros da
questão do desenvolvimento; surgindo assim uma maior preocupação com as decisões a
nível micro54 e com o papel crucial dessas decisões no crescimento económico55.
Duas questões vêm sendo levantadas nos últimos tempos: (i) a primeira refere-se aos
esforços das estratégias e políticas de desenvolvimento no combate a pobreza – em que
medida estes afectam os níveis de pobreza; e segunda referente ao papel da assistência
externa no processo de desenvolvimento – se esta é essencial no princípio ou no fim do
projecto ou empreendimento56. O desenvolvimento focalizado no desenvolvimento rural é
considerado uma componente muito importante no combate a pobreza pelo facto de
aproximadamente ¾ da população mundial pobre viver nas zonas rurais57 e de parte dos
pobres nas zonas urbanas terem emigrado do campo para cidade a procura de melhores
condições de vida.
Em Moçambique cerca de 54,1% da população (2002/03), maioritariamente rural, vive na
pobreza, facto este que leva o desenvolvimento rural a ocupar um lugar de destaque nas
agendas sobre o desenvolvimento económico e social do país. Nas zonas rurais a pobreza
encontra-se associada ao fraco desenvolvimento da agricultura, infra-estruturas e
mercados, e a fraca disponibilidade de instituições financeiras58.
Contudo, o governo considera que o desenvolvimento económico e social das áreas rurais não é sinónimo de
desenvolvimento agrícola; que o padrão de vida das famílias rurais depende da complexa relação entre a
produção familiar e trabalho assalariado, agrícola e não-agrícola; e que o ritmo do desenvolvimento rural
depende directamente do nível do investimento concentrado no fomento do capital humano, financeiro,
comercial, intelectual e social59.
2.2.3. Microfinanças Versus Desenvolvimento Rural
Os objectivos das microfinanças e do desenvolvimento interceptam-se em três níveis: (i)
Ambas têm como objectivo aliviar a pobreza. As microfinanças60 criam acesso ao capital
produtivo, o qual juntamente com outras formas de capital (humano e social) permite as
pessoas saírem da pobreza. (ii) O segundo ponto de intercepção entre as microfinanças e o
desenvolvimento ocorre ao nível institucional, isto é, elas procuram criar instituições
54 Decisões no que se refere ao papel da mulher, a mão-de-obra, mercados de crédito precários, bem como no que se refere ao papel das redes e instituições informais no tratamento do fracassos dos mercados.55Ibidem.56 Otero, 2001: 9.57 Banco Mundial, 200158 Governo de Moçambique: 2006, 69-70.59 Ibidem.60 Conceptualmente as microfinanças abordam uma restrição encarada pelos pobres, a escassez do capital.
privadas que fornecem serviços financeiros aos pobres e façam parte das infra-estruturas
do país, isto é, elas são um canal de distribuição61; (iii) o terceiro e último ponto, verifica-
se ao nível da intercepção entre as microfinanças e o sistema financeiro62 que ocorre a
partir do reconhecimento da saúde do sistema financeiro como peça importante do enigma
do desenvolvimento, pressupondo que a melhoria e reforma do sector financeiro devem
ser uma prioridade para os países em vias de desenvolvimento.63
As microfinanças ao interceptarem o desenvolvimento a estes níveis passam a ter a
capacidade de criar mudanças estruturais na maneira como o capital é acessível a
população64. Nestes termos, é de reconhecer que as regras de funcionamento do sistema
financeiro são cruciais para o processo de desenvolvimento económico;65 e que as
políticas governamentais e sociais, bem como o nível de desenvolvimento do sector
financeiro, influenciam as organizações microfinanceiras na oferta de serviços financeiros
aos pobres66.
Alguns analistas67 mostram que não há evidências sólidas do crescimento e transformação
dos negócios como resultado do fornecimento de crédito, mas sim de que o crédito
permite os pequenos empreendimentos sobreviverem as crises. Enquanto os doadores e
profissionais têm interesse na análise do impacto como forma de investigação do mercado
através do qual aprenderão mais acerca das necessidades do cliente e de como melhorar os
seus serviços. Estes pressupõem ainda que, em geral o impacto das actividades
microfinanceiras ocorre a três níveis: impacto a nível económico a partir do crescimento
registado a nível regional, a nível sociopolítico ou cultural; e a nível pessoal ou
fisiológico.
61 A criação de um canal de distribuição que forneça acesso a serviços aos sectores pobres é um dos grandes desafios com quem os Governos se deparam. Neste ponto, o propósito das microfinanças é de criar instituições privadas sustentáveis especializadas em fornecer serviços financeiros aos pobres62 Quando as IMFs fazem parte do sistema financeiro, podem aceder ao mercado de capitais para financiar a carteira de empréstimos a qual permitirá o aumento do número de pessoas pobres a serem alcançados; e podem capturar poupanças e fornecer outros serviços financeiros importantes para os pobres63 Otero, 2001:10-12.64 Ibidem.65 Todaro, 2003: 732.66 Ledgerwood, 1998: 11.67 Ledgerwood, 1998; Otero, 2001; Robinson, 2001 e outros.
3. A EVOLUÇÃO DA INDÚSTRIA MICROFINANCEIRA
A actividade microfinanceira é muito antiga e universal na sua forma endógena ou
informal; as primeiras cooperativas de crédito, as SACCOS-Credit Union, datam do século
XIX68.
Numa primeira fase, a comercialização microfinanceira não era limitada a pequenos
grupos de instituições espalhadas mas sim uma indústria nova e em crescimento69. Os
primeiros bancos de desenvolvimento e programas de micro-crédito rurais70 datam dos
anos 1950 e encontravam-se todos virados para o sector agrícola71.
De 1960 a 1970 o sistema financeiro foi caracterizado pela repressão financeira, onde o
Estado tinha poder sobre os bancos obrigando-os a praticarem taxas de juro muito baixas.
Nessa altura, as taxas de juro não cobriam os custos de transacção, uma parte do
empréstimo não era coberta e devido a indicação, por parte do Estado, sobre quem devia
receber o crédito, uma boa parte dos empréstimos não era recuperado, o que levou mais
tarde a maioria dos bancos de desenvolvimento a falência72. As taxas de reembolso que
eram baixas, a corrupção e o subsídio intenso contribuíram também para o
desaparecimento dos programas de micro-crédito criados na década de 50.
Os primeiros projectos de desenvolvimento agrícola ou de apoio às Pequenas e Médias
Empresas (PME) e os fundos rotativos, surgiram no período de 1970 a 1990. Período este
caracterizado pela liberalização financeira, que não foi suficientemente forte para alterar
de forma substancial a descriminação das PME no sistema financeiro73. A tentativa de
mudar esta situação levou mais tarde a revolução microfinanceira74
Contudo, a liberalização microfinanceira teve um grande impacto sobre a actuação das
instituições financeiras internacionais. Esta, a partir dos argumentos de Mckinnon & Shaw
(1973) e do modelo de Stiglitz & Weiss (1981), impulsionou os pioneiros em
68 Teyssier, 2007: 4.69 Robinson, 2001: 54.70 Estes programas eram geralmente acompanhados por elevadas perdas, falta de crédito e dificuldades de alcançar os clientes rurais mais pobres.71 Ibidem.op.cit; 53.72 Nitsch & Santos, 2001: 173.73 Ibidem.op.cit; 172.74 O termo revolução microfinanceira refere-se a oferta de serviços microfinanceiros rentáveis – pequenos empréstimos e poupanças – para os pobres economicamente activos a partir de instituições financeiras sustentáveis. Estes serviços são proporcionados por instituições que competem entre si a nível local – em termos de habitação e de lugares de trabalho dos clientes – tanto em áreas urbanas como rurais.
microfinanças75 a adequar a abordagem do sistema financeiro para microfinanças, isto é, a
partir do desenvolvimento de novas metodologias de empréstimos adequadas aos clientes
mais pobres, demonstrando assim que a provisão de micro-crédito a taxas de juro que
cubram os custos operacionais na sua totalidade podem trazer bons retornos76.
A década de 80, representa o ponto de viragem na história das microfinanças, pois foi
neste período que se verificou um aumento significativo de instituições a operarem no
mercado microfinanceiro, mas no fim desta década o paradigma das microfinanças passou
a tomar um novo rumo. O Grammen Bank e o BRI (dois bancos de microfinanças)
mostraram que as IMFs podem alcançar mais de um milhão de tomadores de empréstimo
com elevadas taxas de retorno; e que o sistema micro bancário pode servir a mais de 6
milhões de contas poupanças e operar sem subsídio (o caso do BRI)77.
O BRI e o BancoSol foram as primeiras IMFs auto-suficientes a desenvolver a gestão, a
estrutura organizacional, o sistema de informação, o sistema de formação do pessoal, e o
controle da supervisão interna que visavam cobrir os custos operacionais e de reembolso
bem como prover microfinanças lucrativas. O sucesso destes bancos gerou uma
competição a nível dos próprios países, impulsionando assim o surgimento de outras
instituições a nível internacional78.
O surgimento do crédito solidário em 1990, uma abordagem do Grammen Bank, trouxe
uma nova dinâmica nas microfinanças; a maioria dos bancos de desenvolvimento entra em
falência, trazendo a luz o conceito de sustentabilidade. Foi precisamente na década de 90
que as microfinanças desenvolveram a sua indústria79
Nos últimos anos, em vários países em vias de desenvolvimento, têm se verificado uma
crescente preocupação por parte das instituições formais em unir a distância entre os
pequenos tomadores no sistema financeiro formal e informal80. Alguns autores salientam
que a ideia de que a as microfinanças são actividades conduzidas por ONGs com fins não
lucrativos e fora do sistema formal está a mudar. Por exemplo em 2002 o ICICI Bank, um
dos maiores bancos privados na Índia, que viu uma oportunidade para fazer lucro nos
mercados intocáveis enquanto melhora o nível de vida dos pobres, iniciou um modelo de
75 O Badan Kredit Desa, os Villages Banks, o Banco Dagang Bali na indonésia; a SEWA na Índia; entre outros.76 Ibidem.77 Robinson, 2001: 5478 Ibidem.op.cit; 2379 Ibidem.80 Perkins, Radelet & Snodgrass, 2001: 551
parceria, no qual a IMF actua como agente e não intermediário financeiro, reduzindo
assim o risco da carteira de empréstimos81.
Contudo, com o desenvolvimento da Indústria microfinanceira surge a necessidade de se
desenvolver uma regulação e supervisão apropriada para as IMFs. Em alguns países
verifica-se a regulamentação dos intermediários financeiros não bancários e a proliferação
de canais de disseminação de informação a nível internacional a cerca das melhores
práticas microfinanceiras82.
3.1. As Microfinanças em MoçambiqueEm Moçambique as microfinanças apesar de predominarem no mercado informal sob a
forma de Xitique83, que existe há muitos anos, é um tema muito recente.
Nos primeiros anos após a independência o Governo da FRELIMO reconheceu a
importância da agricultura para a economia, o que fez com que se canalizasse a maioria do
capital de empréstimos disponibilizados pelo Estado à agricultura através do Banco
Popular de Desenvolvimento (BPD), mas as péssimas taxas de retorno levaram a um recuo
por parte do Estado, o que fez com que o crédito dos bancos comerciais não alcançasse às
zonas rurais, com a excepção dos empréstimos aos grandes comerciantes e a empresas de
fomento84.
As reformas introduzidas a partir de 198785 e a aprovação em 1990 do programa Linhas
Gerais para a Reforma do Sistema Financeiro86, levaram ao surgimento das primeiras
tentativas de estabelecer um fundo não bancário: a criação do Fundo de Crédito para
Empresas Urbanas em 1989, enquanto uma componente do PRU e do Banco Mundial
executada pelo Gabinete de Promoção do Emprego (GPE) que procurava financiar
81Duflo: 2005.82São exemplo as bases de dados Mixmareting (www.mixmarketing.org), e a Microfinance Information Exchange, Inc.(www.microfinancegateway.org), uma organização sem fins lucrativos que fornece informações da estrutura da indústria microfinanceira nos países em vias de Desenvolvimento, entre outras.83 O Xitique refer-se a pequenos grupos informais de poupança e crédito rotativo compostos por 4 a 10 pessoas, onde as contribuições são feitas regularmente (diariamente, semanalmente, quinzenalmente ou mensalmente), consoante o fluxo de renda dos seus membros. No fim de cada contribuição o valor é passado para um dos membros de forma rotativa. A frequência dos reembolsos e o valor da contribuição depende dos recursos e necessidades dos participantes (Chidzero, 1998: 27).84Vletter, 2006: 55.85É introduzido o Programa de Reabilitação Económica (PRE), mais tarde designado PRES (1989), uma política de ajustamento estrutural com o objectivo de restabelecer os equilíbrios macroeconómicos e restaurar um ambiente conducente ao desenvolvimento económico (Gobe, 1994: 4).86Este programa assentava em três pilares principais: transformar e fortalecer o Banco de Moçambique; reforçar a transparência em todas as actividades do Banco Central; e criar uma supervisão bancária a altura do desenvolvimento do mercado financeiro. Isto tudo com o objectivo de promover a poupanças, o investimento e o crescimento do sistema financeiro.
actividades urbanas; e o estabelecimento do Fundo de Comercialização para a concessão
de créditos aos comerciantes agrícolas87. Em 199088 é implementado o primeiro programa
de crédito pelo PNUD/UNEFEM em Gaza (Matuba), envolvendo o BPD. A partir de 1991
várias instituições estavam a conceder crédito, sendo a maioria as ONGs, destacando-se o
Projecto de Desenvolvimento de Pequenas e Médias Empresas (PDPME), com uma linha
de crédito financiado pelo Banco Mundial.
A assinatura do Acordo Geral de Pás, em 199289 permitiu que a indústria microfinanceira
começasse a ganhar o seu espaço no país90. Em 1993, aparece a primeira iniciativa
microfinanceira, World Relief (que apresentou bons resultados), com o objectivo de
estabelecer bancos comunitários para as mulheres pobres dos mercados de Chókwè (Gaza)
que abriu cerca de 16 bancos comunitários em menos de 6 meses e atingiu uma taxa de
reembolso de quase 100%, na concessão de créditos no valor de 50 a 100 USD. Em 1994 é
criada a Caixa das Mulheres de Nampula (CNM)91, uma união de crédito fundada pela
associação das mulheres rurais com o apoio da Cooperação Canadá-Moçambique
(COCAMO)92.
Em 199893 é lançado o primeiro workshop nacional sobre o sector microfinanceiro em
Moçambique e publicado o primeiro estudo94 sobre o sector. Desta conferência resultou a
criação de 3 projectos: o Microstart com o objectivo de capacitar as instituições a nível de
operadores através da formação de especialistas locais; o Mozambique Microfinance
Facility (MMF) com o objectivo de apoiar as IMFs na fase da institucionalização e
fornecimento de serviços; e do Upstream com o objectivo de capacitar as instituições do
governo na definição e implementação de políticas adequadas. Estes projectos permitiram
a criação de uma base de dados e um Web-site das IMFs no país, do Draft de Política e
Estratégia Nacional de Microfinanças e do regulamento das microfinanças pelo Banco de
Moçambique a partir do Decreto nº57/ 2004. Estes também contribuíram para a expansão
87Vletter, 2006: 3.88 É criado o Instituto Nacional para o Desenvolvimento Rural (INDER), mais tarde designado DNPDR, e decretado o Fundo de Fomento da Pequena Indústria (FFPI).89O Banco de Moçambique é reestruturado e criado o Banco Comercial de Moçambique (BCM); vários seminários são realizados, destacando-se o seminário sobre o financiamento rural, financiado pelo Fundo de Fomento Agrário e de Desenvolvimento (FFADR) que visava a implementação dum sistema de serviços financeiros rurais.90 Ibidem. 91 Esta apesar de não ser uma cooperativa em termos legais permite aos seus membros abrir contas correntes, e faz parte do grupo dos poucos operadores microfinanceiros auto-suficientes.92 Ibidem.op.cit; 4.93A SOCREMO, a primeira IMF a tornar-se instituição financeira registada, inicia as suas actividades; e é aprovado o primeiro decreto que regula o funcionamento das microfinanças, o decreto 47/98, que deu o direito ao Banco de Moçambique de determinar as taxas de juro e os limites de crédito.94 Chidzero: 1998.
do volume de clientes de 16.000 em 2000 para 52.000 em 2003, 65.000 em 2004, 100.000
em 2005 e mais de 100.000 em 200695. A IV Conferência96 foi realizada em Julho de 2007
sob o lema Microfinanças em Moçambique – abordagens adaptadas ao meio rural97.
Portanto, durante os primeiros anos, as microfinanças eram parte integrante dos programas
de desenvolvimento rural das ONG98. Hoje, os programas de desenvolvimento rural, tais
como os promovidos pelo BAD, IFAD, PNUD, Banco Mundial e por agência bilaterais
procuram identificam as necessidades em provisão financeira da comunidade para em
seguida procurarem por provedores apropriados de serviços financeiros. É exemplo o
Projecto de Pesca Artesanal de Nampula, financiado pelo IFAD que contratou os serviços
do FFPI para disponibilizar crédito individual aos pescadores, comerciantes e
processadores; e da Ophavela para a implantação de PCRs entre as comunidades costeiras
de Nampula99.
95 Governo de Moçambique, 2007b: 4.96 A II e III Conferencias tiveram lugar em 2000 e 2004 respectivamente, e culminaram com a publicação de um segundo estudo pelo ICC em Fevereiro de 2001; e a criação do task force que inclui o Governo, Banco de Moçambique, IMFs e parceiros para a elaboração do regulamento no âmbito da lei das instituições de crédito em Moçambique.97 Ibidem.op.cit; 6.98 Vletter, 2006: 58.99 Ibidem.
4. ESTUDO DE CASO
O presente capítulo encontra-se dividido em três partes: a primeira que compreende a
caracterização do distrito de Gondola do ponto de vista geográfico, administrativo, e económico; a
segunda que apresenta a actividade financeira; e a terceira e última parte que procura analisar o
impacto da oferta dos serviços microfinanceiros nas zonas rurais.
4.1. O Distrito de Gondola
O distrito de Gondola localiza-se na região centro do país a Leste da província de Manica,
e tem como limites geográficos a Sul o rio Revué que o separa do distrito de Sussundenga,
a Nordeste o distrito de Gorongosa (Sofala), a Este o distrito de Nhamatanda (Sofala), a
Sudeste o distrito do Buzi (Sofala), a Norte o rio Pungué que o separa dos distritos de
Macossa e Barue, e a Oeste o distrito de Manica100.
Este distrito possui cerca de 262.412 habitantes, uma superfície de 5.739km² e uma
densidade populacional de 41,2 hab/km². Em termos administrativos, encontra-se dividido
em 7 postos administrativos101 nomeadamente Macate, Inchope, Amatongas, Matsinho,
Zembe, Cafumpe e a Vila de Gondola.102. O gráfico 2 mostra que Macate é o posto
administrativo mais populoso com cerca de 55.838 habitantes, o que corresponde a 22%
da população de Gondola, seguindo-se Amatongas com 16%, Matsinho, Cafumpe e
Inchope com 14% cada, Vila de Gondola com 13% e Zembe com apenas 7%.
Gráfico 2: Distribuição da população do Distrito de Gondola por posto administrativo
Vila de Gondola13%
Inchope14%
Amatongas16%Cafumpe
14%
Matsinho14%
Zembe7%
Macate22%
Fonte: Governo de Moçambique: 2008.
100 Governo de Moçambique, 2005a: 2.101 A cidade de Chimoio, capital provincial, embora não esteja contemplada como parte administrativa do Distrito de Gondola, localiza-se no meio do mesmo.102 Governo de Moçambique, 2005a: 2; Governo de Moçambique: 2008, 4.
A mão-de-obra do distrito, que corresponde a mais de 90%, localiza-se nos campos
agrícolas e nas serrações de madeira103. Enquanto os restantes 10% encontram-se a
desenvolver pequenas actividades informais, a trabalhar na empresa Caminhos de Ferro de
Moçambique, na Administração Distrital e nos empreendimentos de grande dimensão
como a Empresa de Agua Mineral de Maforga, as pedreiras de Matsinho, o Oleoduto e a
Fábrica de Farinha Infama localizados na Vila, e o matadouro Rainham Investiment
(fabrica chouriço) em Cafumpe104.
Gondola é um distrito com um grande potencial agrícola, florestal e pecuário.
Aproximadamente 70% da produção agrícola do deste distrito provêm do sector familiar,
que se dedica mais ao cultivo do milho, mapira, amendoim, feijão, hortícola, tabaco e
frutas; sendo o resto da produção produzida pelos grandes produtores como por exemplo
Abílio Antunes e a AGRICOM, que também compram a produção dos camponeses e a
revendem105.
As redes de energia eléctrica e telecomunicações encontram-se bem expandidas, com
serviços de telefone, telefax, fax, internet e telefonia móvel, oferecidos pela TDM, MCel e
Vodacom. Existem no distrito 257 fontes de água potável operacionais (77 poços, 2
nascentes protegidas, e 178 furos mecânicos), que abastecem cerca de 49% da população
em todo o distrito, e um sistema de água canalizada106 deficiente e degradado que abastece
a 325 domicílios na vila107.
Tabela 1: Distribuição dos Alunos de acordo com o nível escolar
Fonte: Adaptado de Governo de Moçambique, 2008: 34-35.
103 No total o distrito possui 13 serrações, sendo as maiores as de Muda e as exploradas pela empresa Lorena na Vila de Gondola104 Entrevista 7, 28/04/2008; Entrevista 8, 28/04/2008105 Entrevista 7, 28/04/2008. 106 A empresa de água fornece águas impróprias para consumo (turva) a uma taxa de 70 meticais a cerca de 325 domicílios.107 Entrevista 8, 28/04/2008; Governo de Moçambique, 2005a: 4; Governo de Moçambique, 2008: 28-29.
De acordo com a tabela 1 o distrito possui 241 escolas das quais 100 são centros de
alfabetização, 138 escolas primárias públicas, 1 primária privada e 2 secundárias para um
horizonte de 72.671 alunos, o que corresponde a 28% da população do distrito,
acompanhados por 1019 professores.
O serviço de saúde é composto por 10 unidades sanitárias, das quais 9 são centros de
saúde do tipo II e um hospital distrital, e por 33 postos de socorro, o que permite uma
maior cobertura sanitária. Este serviço é assegurado por 95 funcionários do Sistema
Nacional de Saúde, dos quais 61 são técnicos de saúde, 33 agentes de serviço e um
médico; para além das ONGs (Kubatsirana e Save Children) e Agências Internacionais
(HAI e OMS), que se encontram a operar no distrito108.
4.1. Serviços Financeiros
O sistema financeiro do distrito de Gondola é bastante pequeno e está virado para o micro-
crédito. De momento as instituições financeiras não têm agências bancárias instaladas no
distrito, apenas disponibilizaram alguns serviços como o ATM (Millennium BIM) e o
Banco Móvel (BOM)109. O Banco Móvel, um serviço financeiro novo no país, foi
introduzido pelo BOM em Junho de 2006 na província de Manica, com o objectivo de
satisfazer a procura por serviços financeiros nas regiões com baixa densidade populacional
sem pôr em causa a sustentabilidade financeira da instituição. Este banco funciona como
uma agência financeira, efectuando todo o tipo de transacções desde abertura de contas a
depósitos, levantamentos, pagamentos, transferências, e mais110.
A SOCREMO, o Novo Banco e o BOM encontram-se a trabalhar com os clientes do
distrito de Gondola há mais de três anos. Estes bancos de microfinanças embora tenham as
suas agências bancárias instaladas na cidade de Chimoio, enviam os seus agentes de
crédito ao distrito duas a três vezes por semana para visitarem seus clientes, fazer
cobranças, assinatura de contratos e arrecadarem novos clientes nos principais mercados
dos postos administrativos ao longo da Estrada Nacional N6 (Vila de Gondola, Amatongas
e Inchope). Com excepção do banco BOM, os clientes das IMFs dirigem-se
108 Governo de Moçambique, 2008: 7, 41.109 Operaram no distrito duas agências bancárias, o Banco Austral e o BIM, que acabaram por encerrar as suas portas entre 2003 e 2005 devido a crise de circulação de capital que se instalou no distrito após a queda da empresa CFM (mais de 50% dos trabalhadores foram despedidos e indemnizados após a privatização da linha férrea), que culminou com a redução da procura por serviços financeiros; e uma IMF, CRESCE (programa de microfinanças da CARE) que terminou em Dezembro de 2004 (Entrevista 7, 28/04/2008 & Inquérito 2, 12/09/2008).110 Entrevista 1, 21/04/2008.
constantemente a cidade de Chimoio para efectuarem as suas transacções e resolverem
pequenos problemas111.
Neste distrito existem também pequenos grupos de poupança formados pela ADEM, as
ASCAs112, nos postos administrativos de Macate e Vila de Gondola; uma linha de crédito
para a agricultura do GAPI113 no posto administrativo de Macate114; e um programa de
crédito comunitário do Governo, no âmbito do projecto dos 7 milhões de meticais, em
todos os postos administrativos.
As ASCAs também conhecidas por PCRs (Poupança e Crédito Rotativo) foram
introduzidas em Gondola em Agosto de 2006 pela ADEM, a partir da formação do grupo
Kupona Ngueacha115, hoje composto por 35 mulheres116. Nos grupos identificados no
distrito, o crédito é financiado pela poupança dos seus membros e varia de 500Mts a
5.000Mts, dependendo do número de membros e de necessidades, e do valor de poupanças
disponível, bem como do volume de poupanças do indivíduo (a poupança deve ser
superior a 40% do valor do crédito requisitado). O empréstimo é pago no final do mês ou
do período de vencimento dependendo do volume ou da finalidade do crédito, mediante o
pagamento de mais 10% ou 20% do valor emprestado (as taxas de juro variam de grupo
para grupo)117.
O programa de crédito comunitário, por sua vez, embora apresente uma maior cobertura
regional, possui apenas 238 beneficiários. Até Abril de 2008, dos 7 milhões de meticais
alocados ao distrito, apenas 700 mil meticais (100 por posto administrativo) foram
disponibilizados para a comercialização de produtos agrícolas, abertura de moagens,
fabrico de blocos e pavés, venda de roupas usadas e produtos alimentares diversos, com o
fim de promover o auto-emprego. Os montantes de crédito dependem do tipo de
actividades a serem desenvolvidas pelos beneficiários118 e variam de 500 Mts a 10.000
Mts.
111 Entrevista 1, 21/04/2008; Entrevista 2, 22/04/2008.112 São grupos semi-formais de dimensão reduzida formados para fazerem poupanças regulares, com possibilidade de concessão de crédito entre os seus membros. Estes são formados com o objectivo de facilitar o acesso aos serviços de poupança e crédito a pessoas sem recursos.113 O GAPI, embora esteja a conceder micro-crédito no distrito de Gondola, não é considerado como IMFs por alguns autores pelo facto de se tratar de um grossista; isto é, o GAPI disponibiliza capital de empréstimo a várias associações (Vletter: 2006).114 Entrevista 8, 28/04/2008.115 kupona Ngueacha em Chiteue, língua local da Província de Manica, significa viver na base do sofrimento. 116 Entrevista 3, 23/04/2008.117 Entrevista 3, 23/04/2008; Entrevista 9, 30/04/2008.118 Cabe aos líderes comunitários escolher os beneficiários do crédito e encaminha-los para a administração distrital.
4.1.1. O Banco Oportunidade de Moçambique
O Banco Oportunidade de Moçambique, SARL foi fundado a 16 de Fevereiro de 2005,
pela Opportunity International, uma organização internacional estabelecida nos EUA e
obteve a licença para trabalhar como banco comercial em Março do mesmo ano119.
Durante o processo de formação, este adquiriu as carteiras de empréstimo do programa
CRESCE, Karela e kulane (projecto da Meda em Maputo), mediante a assinatura de um
memorando de entendimento em Dezembro de 2004, tendo iniciado a sua actividade em
Janeiro do mesmo ano com um capital de 40.900.000 Mts, numa primeira fase nas
províncias de Maputo, Manica (Chimoio e Gondola), Sofala e Zambézia (Quelimane e
Mocuba) 120.
Em 2006 os seus activos financeiros aumentaram para 73.950.000 Mts, o que permitiu um
aumento do volume de empréstimos de 11.445.972 Mts em 2005 para 24.227.420 Mts em
2006 (Gráfico 3). O gráfico 4 mostra que no mesmo ano o volume de depósito das contas
a prazo, de transacção, e poupança, aumentou bastante, tendo os depósitos a prazo
aumentado em mais de 100% com abertura de mais balcões nas cidades de Quelimane,
Beira e Maputo, onde as carteiras de empréstimo registaram um aumento acima dos 100%.
A Cidade de Chimoio, que cobre toda a província de Manica, registou o crescimento mais
baixo, de cerca de 58%.
Gráfico 3: Distribuição da Carteira de empréstimos Gráfico 4: Volume de Depósitos do BOM, segundo o
119 Tem como maiores accionistas a Opportunity Transformation Investment, Inc. com cerca de 55,3% do capital, a Oikocredit Ecum. Develop. Coop. Society U.A. com 16, 39%, e a CARE International com 13,86% (KPMG, 2007: 32).120 KPMG, 2007: 9,Vletter, 2006: 17; Inquérito 2, 12/09/2008.
O distrito de Gondola embora não possua uma agência financeira até 2006 possuía uma
carteira de empréstimos superior à de Mocuba. Com a introdução de novos produtos
financeiros121 a carteira de empréstimos do distrito de Gondola aumentou em mais de
40%, o que permitiu que dos 122 clientes adquiridos do programa CRESCE122, mais de
90% permanecessem com a instituição.
Tabela 2: Distribuição de clientes e carteira de empréstimos, segundo o tipo de metodologia(2007)
Metodologia
Trust Bank Grupos Solidários Empréstimos individuais Empréstimos a trabalhadores
Distribuição dos
clientes
3 grupos de 25
membros cada
24 grupos de 3 a 7
membros81 1
Distribuição da carteira
de empréstimos90.600 567.000 1.779.500 10.000
Fonte: Inquérito 2, 12/09/2008
Os dados acima mostram que até Dezembro de 2007 o banco possuía 24 grupos solidários,
3 Trust Banks, 82 clientes individuais, o que corresponde aproximadamente a 250 clientes;
para uma carteira de empréstimos no valor de 2.447.100 Mts, com um risco de 2,5% para
30 dias e 0,5% para 90 dias123.
Hoje existem aproximadamente 300 clientes no distrito, dos quais 217 são tomadores de
empréstimos e 217 poupadores. A carteira de empréstimos é de 1.479.929 Mts, com uma
taxa de reembolso de 97% e um risco abaixo dos 2%124.
Importa realçar que, a cedência da carteira de empréstimos do programa CRESCE ao
banco BOM contribuiu bastante para a diversificação dos produtos e serviços
microfinanceiros disponíveis no distrito. A Figura 1 mostra a evolução da oferta de
produtos e serviços microfinanceiros no distrito de 1996 a 2008125.
121 Ver Figura 1122 A CRESCE foi a pioneira em microfinanças no distrito de Gondola. Trabalhou com o distrito de 1996 a 2005, numa primeira fase a conceder crédito em grupo aos comerciantes informais e pequenos produtores (carpinteiros, alfaiates e artesões).123 De acordo com as boas práticas a carteira de riscos de uma instituição financeira deve ser inferior a 5%. A CRESCE durante o seu período de trabalho também apresentou uma boa carteira de riscos, 1,1% e 1,09% para mais de 30 dias (1998 e 2000, respectivamente) e 0,41% para mais de 90 dias (2000) (Chidzero, 1998: 84; & ICC, 2001: 67-68).124 Entrevista 1, 21/04/2008; & Inquérito 2, 12/09/2008.125 A CRESCE iniciou as suas actividades em Janeiro de 1996 numa primeira fase no distrito de Gondola, para em seguida expandir-se para as cidades de Chimoio, Beira e Quelimane, e para os distritos de Manica e Mocuba. Este foi o primeiro programa de microfinanças no distrito, e duros sensivelmente 8 anos.
Figura 1: Transição de mono para multi-produtos (de CRESCE para BOM)
Enquanto CRESCE, de Janeiro de 1996 a Dezembro de 2004, a população de baixa renda
do distrito apenas beneficiava-se da oferta de micro-crédito em grupo e individual. O
crédito em grupo era oferecido a partir da metodologia de grupos solidários e Trust Bank:
(i) os grupos solidários são compostos por 4 a 7 pessoas, formados de forma arbitrária, e
recebem empréstimos no valor de 4.000 Mts a 50.000Mts a taxas de 6% fixa; e (ii) os
Trust Banks são compostos por 25 a 30 membros126. No geral os grupos são formados
pelos clientes e não estão sujeitos a monitoria por parte da instituição, permitindo assim
que os mais pobres beneficiem do crédito mesmo sem possuírem bens duráveis127 para
servirem de garantia.
A figura 1 mostra ainda que com a transição do programa CRESCE para o banco BOM, a
partir de Janeiro de 2005 a população de Gondola, para além de beneficiar do crédito,
passa a ter onde guardar as suas poupanças de forma segura, rentável e a baixo custo (o
valor mínimo para abertura de conta é de 100 Mts128). Hoje o banco tem o serviço Banco
Móvel que se desloca duas vezes por semana ao distrito (Inchope e vila de Gondola);
permitindo assim que os clientes façam os seus pagamentos e depósitos sem se deslocarem
126 Ver Anexo 2.127 Antes da assinatura do contrato de crédito as IMFs fazem um levantamento dos bens (rádio, bicicleta, chapas de zinco, electrodomésticos, mobiliário e mais) que o cliente possui para usa-los como garantia no caso de incapacidade de pagamento. Nos grupos solidários a incapacidade de pagamento de um dos membros do grupo é assegurada pelos restantes.128 Ibidem.
1996 2002 2005 2008
Crédito: Crédito: Crédito: Crédito:
Grupo solidário Grupo solidário Grupo solidário Grupo solidário
TEYSSIER, Sophie (2007). Desenvolvendo um Sector Microfinanceiro Inclusivo em
Moçambique: Metodologias de Microcrédito. In: CURSO DE FORMAÇÃO
EM MICROFINANÇAS. Maputo: DNPDR-MPD. Setembro.
TODARO, M. and SMITH, S. C. (2003). Economic Development. 8th Edition. Boston:
Addison Wesley.
VLETTER, Fion de (2006) O Sector Microfinanceiro e Moçambique: realizações,
perspectivas e desafios. Maputo: MMF.
WOLFENSOHN, James D. and BOURGUIGNON, François (2004). Desenvolvimento
Redução da Pobreza: Reflexões e Perspectiva. In: REUNIÃO ANUAL DO
BANCO MUNDIAL & FMI.
WORLD BANK (2001). Rural Development Strategy. In: http://wbln0018.world bank.org/essd/rdv/vta.nsf/Gweb/Strategy.
Lista de entrevistados
1 Gerente do Banco Oportunidade de Moçambique de Chimoio. Trabalho de Campo.
Chimoio, província de Manica: 21/04/2008.
2 Agentes de Crédito das IMFs (Socremo, NovoBanco e BOM) a trabalharem no
distrito. Trabalho de Campo. Gondola, província de Manica: 22/04/2008.
3 Sra. Isabel Oliveira responsável pelo grupo de Poupanças Kupona Ngueacha,
formado pela ADEM em Gondola, província de Manica: 23/04/2008.
4 Encarregado da Vila de Gondola. Administração Distrital de Gondola.
Administração Distrital de Gondola, província de Manica: 24/04/2008.
5 Encarregado do Posto Administrativo de Amatongas. Administração Distrital de
Gondola. Gondola, província de Manica: 25/04/2008.
6 Encarregado do Posto Administrativo de Inchope. Administração Distrital de
Gondola, província de Manica: 25/04/2008.
7 Secretário Permanente da Administração Distrital de Gondola, província de Manica:
28/04/2008.
8 Director do Serviço Distrital de Actividades Económicas do Distrito de Gondola,
província de Manica: 28/04/2008.
9 Sr. Fernando Jaqueta responsável por um grupo de Poupanças, formado pela ADEM.
Gondola, província de Manica: 30/04/2008.
Lista de Entidades e individualidades Inquiridas
1 Inquérito a 100 Clientes do Banco Oportunidade de Moçambique do Distrito de
Gondola, província de Manica: 22-30/04/2008.
2 Inquérito ao Banco Oportunidade de Moçambique. Maputo: 12/09/2008.
ANEXOS
Anexo 1: Inquéritos
Inquérito 1Nível de bem-estar dos clientes das IMF
1. Identidade: ________________ 2. Idade: __________3. Sexo: ________4. Estado Civil: ___________ 5. Nível de escolaridade_______6.Onde trabalha: _______________________________________________________________7. Com quem vive: _____________________________________________________________________________8 Tamanho do agregado familiar: _________9. É Chefe de família? Sim________ Não___________10. Quantas pessoas trabalham no seu agregado familiar: ______________________
Rendimento11. Fontes de rendimento do agregado familiar.
Actividades Remuneração1234
12. De que tipo de serviços financeiros beneficia? __________________________________________________________________________________________________________________________________12.1. Em que instituição? ______________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________________________________12.2. A quanto tempo recebe credito desta instituição? ______________________________________
Serviço Montante Taxa de Juros Periodicidade Duração
1
2
3
4
12.3. Alguma vez teve dificuldades de pagar o empréstimo, caso tenha pedido algum?Sim__________ Nao____________Se sim quais são essas dificuldades? ______________________________________________________ _____________________________________________________________________________________12.4. Está satisfeito com os serviços financeiros da IMF?Sim_________ Não_____________11.5. Se não, Porque?R: ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Consumo12. Por dia, Quanto gasta para alimentação? ______________________________12.1 Tipo de alimentos consumidos
Produtos Custo unitário1234567
89
1011
12.2. Tem acesso a serviços de saúde?Hospital__________ Centro de Saúde_____________ Posto de Saúde___________Medico Tradicional_______12.2.1. Consegue pagar as consultas ou tratamentos? Sim_________ Não__________12.2.2. Se não porque? _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________12.3. Os seus filhos têm acesso a educação? Sim_________ Não__________
12.3.1. Se não porque? ___________________________________________________________________________________________________________________________________12.3.2. Consegue pagar as despesas escolares dos seus filhos? ___________________________12.3.3. Se não porque?________________________________________________________________________________________________________________________________________________
12.3.4. Nível de escolaridade do agregado familiar:Idade Sexo Nível escolar Ano de ingresso
12345678910
13. Bens adquiridos: Antes do empréstimo Depois do empréstimo
Inquérito 2Avaliação da oferta de serviços microfinanceiros no Distrito de Gondola
1. Nome da Instituição: _____________________________________________________2. Quando Iniciou as actividades? ____________________________________________3. Quantos clientes a instituição adquiriu do projecto CRESCE em Gondola? ___________4. Quantos clientes possuem hoje no Distrito de Gondola? ____________4.1. Homens: ___________ Mulheres: ___________4.2. Tomadores de empréstimos______________ Poupadores__________________4.3. Volume de clientes segundo as metodologias de crédito no Distrito de Gondola
MetodologiaAno Trust Bank Grupos solidários Empréstimos Individuais Empréstimos a trabalhadores
2005
2006
2007
5. Qual o volume da carteira de empréstimos para o distrito? ______________________5.1Qual é a taxa de reembolso? ________________________5.2. Volume de empréstimos segundo as metodologias
MetodologiaAno Trust Bank Grupos solidários Empréstimos Individuais Empréstimos a trabalhadores
20052006
2007
5.3 Qual a metodologia mais usada pela instituição no distrito e que oferece melhores taxa de retorno?____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
7. Percentagem da carteira de riscos:Ano Mais de 30 dias Mais de 90 dias200520062007
8. Quais os serviços mais procurados pelos clientes no distrito de Gondola?__________________________________________________________________________________________________________________________________________________
9. Quais as dificuldades enfrentadas pelos agentes de crédito nos distritos?________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
10. Porquê o banco não tem uma agência no distrito de Gondola?___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
11. Houve desistência por parte dos clientes no processo de mudança de CRESCE para BOM?___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
12. Porque é que o Banco não concede crédito a produção agrícola?____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________13. Informações adicionais:______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Anexo2: Produtos, Contas & Encargos disponíveis no BOM, SARL
ProdutosEmpréstimos
Empréstimos individuaisValor mínimo
(MT)Valor Máximo
(MT)Prazo
MínimoPrazo
MáximoTaxa de
Juro(%)
Cálculo do Juro Encargos(MT)
Frequência dos Pagamentos
5.000,00 150.000,00 4 Meses 12 Meses 5 p/m Saldo decrescente 1.000,00 Mensal
Ha: mean (diff) < 0 Ha: mean (diff) != 0 Ha: mean (diff) > 0t = 0.9346 t = 0.9346 t = 0.9346
P <t = 0.8204 P > |t| = 0.3593 P > t = 0.1796
Tabela 2: Evolução do índice de bens (evol 6 = para Trust bank; evol7 = para grupos solidários)Variable Obs Mean Std. Err. Std. Dev. [95% Conf. Interval]
53 5000 1140 Mensal 6 meses Não Sim 3 anos54 10000 2265 Mensal 6 meses Não Não 6 anos
55 2800 365 Quinzenal 5 meses Não Não8 meses
56 25000 4000 Mensal 5 meses Sim Sim 8 anos
57 25000 3200 Mensal 8 meses Não Não12 anos
58 3500 988 Mensal 5 meses Não Não 1 ano49 25000 4000 Mensal 5 meses Sim Sim 8 anos60 15000 3100 Mensal 6 meses Não Sim 9 anos61 10000 2270 Mensal 6 meses Não Não 7 anos62 14000 2400 Mensal 7 meses ASCAs Não ASCAs Não 9 anos63 15000 3005 Mensal 6 meses Não Sim 6 anos64 15000 2500 Mensal 6 meses Não Não 5 anos65 5000 1140 Mensal 6 meses Não ASCAs Não 8 anos
66 7000 1567.5 Mensal 6 meses Não ASCAs Não11 anos
67 2500 650 Mensal 5 meses Não Não 9 anos
68 50000 6650 Mensal 10 meses Não Não10 anos
69 4000 910 Mensal 6 meses Não ASCAs Não 5 anos70 4000 511 Quinzenal 5 meses Não Não 2 anos71 4000 511 Quinzenal 5 meses Não Informal Não 2 anos
72 2500 650 Mensal 5 meses Não Não 1 ano73 3500 988 Mensal 5 meses Não Não 1 ano
74 3500 920 Mensal 5 meses Não NãoNovo Banco 1 ano
75 6000 1205 Mensal 6 meses Socremo Não Não 1 ano76 6000 1205 Mensal 6 meses ASCAs 1600 1775 Mensal 1 mes Não ASCAs Sim BIM 9 anos77 4000 511 Quinzenal 5 meses Não Não 2 anos78 15000 3005 Mensal 6 meses Não Sim 6 anos79 15000 2500 Mensal 6 meses Não Não 5 anos80 15000 3005 Mensal 6 meses Não Sim 6 anos81 15000 2500 Mensal 6 meses Não Não 5 anos82 5000 1140 Mensal 6 meses Não ASCAs Não 8 anos
83 7000 1567.5 Mensal 6 meses Não ASCAs Não11 anos
84 3500 920 Mensal 5 meses Não Não 9 anos85 4000 511 Quinzenal 5 meses Não Não 2 anos86 4000 511 Quinzenal 5 meses Não Informal Não 2 anos87 2500 650 Mensal 5 meses Não Não 1 ano88 3500 988 Mensal 5 meses Não Não 1 ano89 15000 3005 Mensal 6 meses Não Sim 6 anos90 15000 2500 Mensal 6 meses Não Não 5 anos91 5000 1140 Mensal 6 meses Não Não 2 anos92 4000 511 Quinzenal 5 meses Não Informal Não 2 anos93 2500 650 Mensal 5 meses Não Não 1 ano94 10000 2270 Mensal 6 meses Não Não 7 anos95 5000 1140 Mensal 6 meses Não ASCAs Não 8 anos96 10000 2270 Mensal 6 meses Sim Sim 6 anos97 15000 3100 Mensal 6 meses Não Sim 9 anos98 5000 1140 Mensal 6 meses Não ASCAs Não 8 anos
99 7000 1567.5 Mensal 6 meses Não ASCAs Não11 anos
100 15000 3100 Mensal 6 meses Não Sim 9 anos
Fonte: trabalho de campo realizado no distrito de Gondola em Abril de 2008