1 Literatura Brasileira de Expressão Alemã www.martiusstaden.org.br PROJETO DE PESQUISA COLETIVA Coordenação geral: Celeste Ribeiro de Sousa WOLFGANG AMMON 1869-1938 (Ingrid Ani Assmann) 2015 Resumos Comentados Sumário 1. Panorama............................................................................. p. 2 2. O desnudamento do processo imigratório no conto Familie Rottorff im Urwalde de Wolfgang Ammon................................................ p. 10 3. A literatura teuto-brasileira: uma literatura de contestado e contestação? ...................................................................... p. 23 4. A esperança do imigrante..................................................... p. 29 5. A imagem do negro e do índio na obra ammoniana.................. p. 45 6. Notas sobre uma experiência de tradução: Hansel Glückspilz de Wolfgang Ammon................................................................ p. 53 7. Reflexões sobre a tradução do romance Hansel Glückspilz de Wolfgang Ammon (1869 - 1938)........................................... p. 60
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WOLFGANG AMMON · 2015-05-06 · O desnudamento do processo imigratório no conto Familie ... mas parece que independe de sua vontade o aparecimento da dor, do pesar Leid ... Pfeifend
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Literatura Brasileira de Expressão Alemã www.martiusstaden.org.br
PROJETO DE PESQUISA COLETIVA Coordenação geral: Celeste Ribeiro de Sousa
WOLFGANG AMMON
1869-1938
(Ingrid Ani Assmann) 2015
Resumos Comentados
Sumário
1. Panorama............................................................................. p. 2
2. O desnudamento do processo imigratório no conto Familie Rottorff im
Urwalde de Wolfgang Ammon................................................ p. 10
3. A literatura teuto-brasileira: uma literatura de contestado e contestação? ...................................................................... p. 23
4. A esperança do imigrante..................................................... p. 29
5. A imagem do negro e do índio na obra ammoniana.................. p. 45
6. Notas sobre uma experiência de tradução: Hansel Glückspilz de
Wolfgang Ammon................................................................ p. 53
7. Reflexões sobre a tradução do romance Hansel Glückspilz de
Wolfgang Ammon (1869 - 1938)........................................... p. 60
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1.
Panorama
Ingrid Ani Assmann
Após um levantamento bibliográfico do autor teuto-brasileiro
Wolfgang Ammon, pudemos verificar que sua obra é relativamente
numerosa e diversificada, apresentando textos literários e não-
literários.
Conseguimos grande parte de sua obra através do Arquivo de
Imigração Alemã do Instituto Martius-Staden. Outra parte adquirimos
através de um intenso trabalho de correspondência com bibliotecas
dos Sul do Brasil, com parentes distantes do autor como Donaldo
Ritzmann, de S. Bento do Sul, SC, e com um de seus críticos, Hans
Ternes, que presta serviços junto à Universidade Lawrence em
Appleton,Wisconsin, nos Estados Unidos. Muitos textos de Ammon
não foram publicados. Conseguimos cópias xerografadas de alguns e,
de outros, apenas referência bibliográfica.
Num primeiro contato com a obra de Ammon, verificamos que
ela se encontra, em grande maioria, escrita no antigo gótico alemão,
oferecendo, portanto, dificuldades para a leitura.
O grande número de trabalhos publicados e a cuidadosa escolha
dos títulos, particularmente de seus artigos, revelam a preocupação
do autor com os aspectos culturais e étnicos dos imigrantes alemães
e seus descendentes no Brasil.
Assim, por exemplo, em Seelische Konflikte (Conflitos
espirituais), Ammon leva o leitor a debater intimamente a questão da
própria nacionalidade: “O que sou realmente? Alemão ou Brasileiro?
Em Amboss oder Hammer (Ser bigorna ou martelo), o autor diz
que é dada, ao indivíduo, a escolha de participar, de escrever e de ter
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voz ativa na vida política e social do seu município ou estado através
do título de eleitor.
Já em Ein Gebot der Selbsterhaltung (Um mandamento para a
conservação da própria existência), Ammon demonstra que esta
conservação existe na medida em que as pessoas se unem para
defender um ideal comum.
Em Wege zu besserem Vertändnis (Caminhos para uma melhor
compreensão), Ammon reivindica essa “melhor compreensão” entre a
Alemanha e o Brasil devido ao problema das escolas alemãs estarem
“impedidas por decretos imprudentes ou pelo fechamento parcial
delas”.
Em sua longa e difícil luta, Ammon emprega, em Unsere
Heimat... unsere Zukunft (Nossa pátria.. nosso futuro), o discurso
mais acertado para convencer os brasileiros de ascendência alemã do
seu dever de fidelidade à pátria por uma “questão de solo”, e do
cuidado devido à cultura dos seus antepassados por uma “questão de
sangue”.
A característica ammoniana defendendo a cultura alemã ao lado
da cultura brasileira, incentivando a troca de conhecimentos entre
elas para o enriquecimento mútuo, transparece não apenas nos
artigos jornalísticos como nas narrativas de maneira geral.
Paralelamente ao trabalho jornalístico, Ammon colabora, de
modo intenso e eficaz, publicando textos literários nos anuários
teuto-brasileiros já mencionados.
Além dessas publicações em anuários e jornais, alguns de seus
textos são divulgados em forma de livro.
O primeiro livro de Ammon, Hansel Glückspilz (Joãozinho
Felizardo), de 1926, é considerado como a primeira publicação
destinada a jovens no campo da literatura teuto-brasileira. Nessa
obra o objetivo visado pelo autor é apresentar o Brasil às crianças de
ascendência germânica. Tal meta é atingida na medida em que
descreve as belezas e as singularidades da paisagem brasileira, em
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diversos cenários, correlacionadas com as aventuras e peripécias do
protagonista.
A narrativa Tertianers Irrfahrten in Brasilien (Os desenganos de
um adolescente no Brasil), também pertence ao campo da literatura
juvenil. Foi concluída dois meses antes do falecimento do autor e, por
isso, não foi publicada.
O segundo livro que Ammon publica, Die ersten Jahre als
Kolonist (Os primeiros anos como colono), surge no palco da
literatura teuto-brasileira em 1927. É uma coletânea, composta de
textos de diferentes gêneros, com linguagem clara e fluente,
apresentando relatos verídicos e fiéis da vida do teuto-brasileiro, do
imigrante lavrador, do industrial e do comerciante. São textos que se
adaptam ao ambiente brasileiro e à comunidade de leitores.
Para comemorar os cinquenta anos da cidade de São Bento
(SC), Ammon escreve a Chronik von São Bento (Crônica de São
Bento), publicada em 1923. Revela aí seu domínio também no campo
da representação histórica e científica. A obra foi publicada em
alemão e português simultaneamente e a tradução portuguesa ficou a
cargo de Elly Herkenhoff (1906-2004).
O gênero lírico, também presente na obra de Ammon, será
comentado aqui rapidamente em dois poemas: “Lust und Leid” e
“Hochlandstimmung”.
A poesia de Wolfgang Ammon exprime, além do tema da
emigração com toda a gama de sentimentos que desperta, temas de
natureza mais universal. É o que percebemos no poema abaixo:
Lust und Leid Prazer e Pesar
Unbewusst oder bewusst: Inconsciente ou conscientemente
Lebt es in jeder Brust Vive em cada peito
Das Sehnen nach Lust... O desejo ansioso do prazer...
Aber nicht allzuweit Mas não muito distante
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Immer da sprungbereit Sempre ali, pronta para o salto
Lauert das leid. Espreita a dor.1
Este poema, curto, desenvolve preliminarmente o tema
proposto pelo título em que se contrapõe, “Lust” e “Leid”. Porém,
consciente ou inconscientemente cada ser humano procura “Lust”
(prazer), mas parece que independe de sua vontade o aparecimento
da dor, do pesar “Leid). Percebemos, nessa contradição, o tratamento
“universal” que o autor confere ao comportamento humano.
O tempo verbal predominante no poema é o presente (lebt,
lauert), e “o presente é o tempo gramatical por excelência da lírica”,
segundo Emil Staiger em Conceitos Fundamentais de Poética. Tira
das ações verbais sua temporalidade, como se houvesse um
mergulho no eterno onde as ações permanecessem inalteráveis com
o fluir do tempo.
Ao final de uma “leitura de leitor”, daquele tipo de leitura que
Dámaso Alonso em Poesia Espanhola - Ensaio de Métodos e Limites
Estilísticos, afirma ser o primeiro conhecimento da obra poética e
cuja característica principal é a intuição globalizadora, fica-nos no
espírito como que uma ressonância suave das palavras Lust /
bewusst / Brust. Esta sonoridade, que resulta da sibilante, é
bruscamente interrompida pela adversativa “Aber” e reforçada pelas
palavras Allzuweit / sprungbereit / Leid.
O gênero lírico é compartilhado pelos que se encontram na
mesma “disposição anímica” (expressão de Emil Steiger),
identificando o imigrante escritor e o imigrante leitor. Aqui, a saudade
da Alemanha distante e o apego ao solo brasileiro expressam o
sentimento dualista que está presente em cada imigrante. Ammon
revela esse dualismo no seguinte poema:
1 Trad. Ingrid Assmann. Tradução literal para que o leitor possa acompanhar a análise mais de perto.
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Hochlandstimmung Ambiente do planalto
Auf dem Weg nach Curitiba No caminho para Curitiba
Schaut von schwarzer Erde Rand Da escura borda da terra
Eine hohe Arariba Uma alta arariba contempla
Weit hinaus ins grüne Land. Ao longe todo o verde da terra.
Melancholische Pinheiros Melancólicos pinheiros
Ragen Stamm an Stamm empor Erguem-se um ao lado do outro
Auf dem Mulen-Pfad Tropeiros Nas veredas de mulas
Ziehen durch Taquara-Rohr. Tropeiros passam pelo bambuzal
Pfeifend huscht die Beutelratte Assobiando esgueira-se o marsupial
Durch das Unterholz dahin, Através da vegetação rasteira,
Unterm Laub der herva-mate Embaixo da folhagem da erva-mate
Glänzt die Samambaia grün. Brilha o verde da samambaia.
Lauernd liegt die Jararaca A jararaca deitada espreita
Dort vergräbt sich ein Tatu Ali um tatu se enterra
Schnell zum Bache huscht die Paca, A paca rápido se esgueira rumo ao riacho
Droben schwebt ein Urubú. No ar paira um urubu.
Fremd die Pflanze, Tier’ und Namen, Estranhos são as plantas, os animais e os nomes
Doch dem Herzen so vertraut, Mas tão confiantes ao coração
Aus der Landschaft herbem Rahmen A paisagem de contornos ásperos
Klingt’s mir doch wie Heimatlaut. Soa-me mesmo como pátria. 2
As quatro primeiras estrofes descrevem a paisagem brasileira
com suas peculiaridades, quer no aspecto da flora, quer no da fauna.
Na primeira estrofe em que “eine hohe Arariba” estende a vista
para contemplar o campo verde à sua frente, a própria árvore
assume às vezes do “eu lírico” que, do alto do planalto, observa a
natureza que a cerca.
Na segunda estrofe os “Melancholische Pinheiros”, expressam o
estado de tristeza e depressão em que o “eu lírico” se encontra,
apesar da beleza da paisagem.
A estrutura do poema revela expressões que se opõem como:
2 Trad. Ingrid Assmann. Tradução literal para que o leitor possa acompanhar a análise mais de perto.
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schwarze Erde grünes Land
(terra negra) (terra verde)
melancholische Pinheiros glänzt die samambaia grün
(melancólicos pinheiros) (brilha o verde da samambaia)
lauernd pfeifend
(à espreita - quieto) (assobiar-com barulho)
vergräbt sich schwebt
(enterra-se) (paira no ar)
Hochland Unterholz
(alto) (baixo-vegetação rasteira)
hohe arariba
(alta arariba)
emporragem liegen
(levantar-se) (estar deitado)
droben unter
(em cima) (em baixo)
Fremd Heimatlaut
(estranho) (som da pátria)
herbem Rahmen dem Herzen vertraut
(bordas ásperas) (confiantes ao coração)
A oposição desses termos, quer a nível do significado, quer a
nível da estrutura, comprova a dualidade natural que caracteriza o
imigrante.
Para descrever o planalto brasileiro, Ammon faz uso de palavras
em português como arariba, pinheiros, samambaia, jararaca, etc., e
de palavras em alemão como Weg, Erde, Land, Stamm, Beutelratte,
etc. Na língua português, os substantivos são escritos, de maneira
geral, com letra minúscula. Já na língua alemã todos eles são sempre
grafados com letra maiúscula. No poema, todos os substantivos são
escritos com maiúscula, quer os que representam “a cultura
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brasileira”, quer os que representam “a cultura alemã”. O poeta
dispensa assim, a ambas, um tratamento “de igual para igual”.
Da mesma maneira que, no poema, uma palavra depende, ou
está em função da outra para realizar o todo, as duas culturas podem
viver “Stamm an Stamm” (uma ao lado da outra), ajudando-se
mutuamente, para o enriquecimento desse “Hochland”, de aspectos
múltiplos, mas “dem Herzen so vertraut”(tão próximo ao coração).
Assim, a “Stimmung” que reinaria então no “Hochland” poderia
ser de “Heimatlaut” para todos, como o é para o poeta.
Ammon expressa uma profunda interiorização de sentimentos e
emoções num pequeno volume intitulado Lebensmut (Ânimo de
viver). Nesta obra estão reunidos quase todos os seus poemas.
Para Manfred Kuder, os poemas de Ammon tratam de temas
ideológicos, com expressões e frases de sentido universal e genérico.
Mostram experiências de vida que apresentam não só determinadas
impassibilidades do ser humano, como também sua capacidade para
conseguir suportar os dias negros e depressivos comuns ao homem.
Por outro lado, os poemas fixam a rica vivência de comerciante do
autor, cujas experiências ele apresenta também em suas narrativas
de imigração.
Na obra Lebensmut o autor apresenta, além de seus próprios
poemas, trechos de poemas de Johann Wolfgang Goethe (1749-
1832) e Friedrich Schiller (1759-1805), entre outros, e palavras de
estímulo e consolo de filósofos como Schopenhauer (1788-1860),
Immanuel Kant (1724-1804) e outros. Esses textos são apresentados
por Ammon com a finalidade de combater a opressão espiritual, o
medo, as preocupações e as inseguranças próprias do ser humano.
Wolfgang Ammon escreve para leitores de língua alemã, mas
com finalidade diversas. Pode-se perceber, em toda sua obra, que ele
“direciona” alguns textos para leitores específicos.
Assim, há textos voltados diretamente para os alemães que
ainda estavam na Alemanha e queriam emigrar para o Brasil. Nesses,
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Ammon adverte-os das consequências de uma emigração leviana,
irrefletida. São exemplos disso: “Die ersten Jahre als Kolonist”(Os
primeiros anos como colono) e “Die Familie Rottorf in Urwalde”(A
família Rottorf na mata virgem).
Paralelamente, o autor apresenta alguns textos dirigidos aos
adolescentes teuto-brasileiros, com o intuito de apresentar-lhes a
natureza brasileira, com todas as suas particularidades e
excentricidades e aproximá-los dela. Como ilustração, temos as
aventuras de Hansel Glückspilz (Joãozinho Felizardo).
Há ainda, textos direcionados para todos os imigrantes e seus
descendentes, independentemente de viverem na cidade ou no
campo (colônia). Aqui, Ammon discorre sobre as necessárias
dificuldades que o imigrante alemão encontra para incorporar-se à
sociedade brasileira, principalmente devido à diferença de língua,
usos e costumes entre duas culturas tão diversas. Esse processo
lento de assimilação, com todas as suas variantes, está presente
principalmente em seus romances e contos. Estes, muito mais do que
“relatos históricos”, proporcionam um retrato vivo das privações dos
imigrantes, de suas lutas diárias numa selva hostil ao homem.
Outra característica de Ammon, que aparece também em seus
poemas e ensaios, são as profundas reflexões sobre a vida em toda
sua significação.
Nos textos em que procura esclarecer e informar os leitores,
Ammon permanece “o conselheiro e guia silencioso e objetivo”.
Destarte, a prosa ammoniana, de estrutura simples e transparente,
está em constante sintonia com a realidade brasileira que o autor
vive e testemunha em todas as suas nuanças.
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2.
O desnudamento do processo imigratório no conto Familie
Rottorf im Urwalde de Wolfgang Ammon
Ingrid Ani Assmann
Desde 1824, ano oficial de entrada do imigrante germânico em
solo brasileiro, muitas têm sido as causas sociais , econômicas e
políticas da Alemanha e do Brasil que favoreceram a sua imigração
Na Alemanha desenvolve-se, paralelamente, uma intensa
propaganda por parte das companhias de colonização e de agentes
de emigração, tanto do Brasil como de outros países. Essa
propaganda se fazia em torno da "concessão de terras no Novo
Mundo com a garantia de que todos seriam proprietários, sem
qualquer referência às dificuldades que os futuros colonos teriam de
enfrentar".(Seyferth, 1974, p.28)
No Brasil, a maior parte dos imigrantes alemães, em todo o
século XIX, concentra-se fundamentalmente nas províncias
meridionais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, em consequência de
interesses do Governo Imperial. Era necessário povoar essas vastas
áreas desabitadas com um tipo humano de características agrárias,
necessárias à formação de pequenas propriedades e à substituição da
mão de obra escrava.
O número de imigrantes, nas demais regiões, não chega a ser
significativo, com exceção da Província de São Paulo que atraiu
muitos deles, durante a primeira metade do século XIX, para o
trabalho na lavoura de café. Entretanto, as precárias condições de
vida e de tratamento dispensado ao imigrante limitam bastante a
imigração na segunda metade do século. Consequentemente, a
propaganda a favor da emigração para o Brasil é proibida pelo
governo alemão através do Reescrito de Heydt de 1859 ocasionando
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quase uma paralisação na entrada de imigrantes, especialmente os
que vinham através das sociedades de colonização.
A partir de 1870,o governo brasileiro organiza um programa
para recrutar e transportar os imigrantes e assume as providências
necessárias para sua fixação.Por outro lado,a proibição alemã de
1859, é revogada em 1896 permitindo a livre entrada de imigrantes e
a propaganda de companhias e agentes de colonização até o
rompimento das relações do Brasil com a nação alemã durante a
Primeira Guerra.
A corrente imigratória sofre, então, uma nova estagnação,que
terminaria com o fim da Guerra e com a regulamentação das
condições para a chegada e fixação dos imigrantes pelo governo
brasileiro.
Esse breve panorama histórico justifica-se como parâmetro
para situar em sua época o conto Familie Rottorf im Urwalde, bem
como o posicionamento de Wolfgang Ammon frente à imigração, fator
subjacente em toda a sua obra, sob a faceta da contestação.
O conto Familie Rottorf im Urwalde (Família Rottorf na mata
virgem) faz parte do volume Die ersten Jahre als Kolonist. Die Leiter
zum Glück, de 1927.É uma das narrativas mais conhecidas de
Ammon. Após sua publicação, em l924, pela revista berlinense Die
Gartenlaube, as inúmeras cartas recebidas pela redação comprovam
esse fato.
Além disso, o setor de emigração alemã (Das deutsche
Auswanderamt) de Berlin, reconhecendo o valor que a narrativa
pudesse ter para os que desejavam emigrar, recomenda-a
principalmente para aqueles que quisessem fazê-lo sem, antes,
refletir bastante.(Ammon, 1927, p.249)
O texto relata, com muita fidelidade, a experiência da família
Rottorf, que emigra para o Brasil ao constatar que eram insuportáveis
as circunstâncias na terra natal pós-guerra. Essa decisão é tomada
após a leitura de um simples artigo de jornal.
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No decorrer de toda a narrativa são descritos, minuciosamente,
os problemas enfrentados pela família na tentativa de adaptação à
vida no campo.
O conto termina quando os Rottorf mudam-se para Curitiba,
onde o pai pode exercer sua profissão de engenheiro mecânico com
um bom salário.
São personagens do conto Oscar Rottorf, sua esposa, os filhos,
ainda crianças, Maria, Gerhart e Fritz, o agrimensor Röder e os
vizinhos Fult e Weller.
Logo ao chegar a nova terra o véu de romantismo que, durante
meses, revestira os pensamentos da família é rasgado subitamente.
A realidade mostra-se rude e fria.
"...Die harte Wirklichkeit stand vor ihnen... Der
undurchdringliche Urwald... blickte sie aus dunklen Märchenaugen
an". (p. 249)
"...A dura realidade estava perante eles...a mata virgem
impenetrável...os olhava com escuros olhos de contos de fadas".
O chefe de família percebe então que
"...Jetzt erst, wo es zu spät war, kam die Erkenntnis", (p.
251)
"...somente agora, quando já era tarde demais, veio a
compreensão".
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Todos os planos e projetos traçados minuciosamente, durante a
preparação da tão almejada viagem, vão se desvanecendo, quando o
condutor do carro de bois, que leva a família para as terras que tinha
comprado, fala sobre a vida do imigrante.
"...dass eine Kolonistenfamilie viele Jahre schwer arbeiten und
schlecht leben müsse, ehe sie so weit käme, ein ordentliches
Bretterhaus mit Stallungen und Garten, eine ergiebige Pflanzung,
eine mässig grosse Weide und etwas Vieh schuldenfrei ihr eigen zu
nennen". (p. 254)
"...que uma família de colonos precisaria trabalhar arduamente
muitos anos e viver muito mal antes que chegasse a possuir, sem
dívida, uma casa de madeira razoável, com estábulos e jardim, uma
plantação rendosa, um pasto moderadamente grande e um pouco de
gado".
As reflexões do chefe da família voltam-se para a pátria que
deixaram revelando, assim, sua insegurança com relação à prévia
decisão de emigrar, agora já cumprida.
"...Brauchte man dazu in die Fremde zu ziehen? Wenn seine
Familie in Deutschland zehn Jahre lang sich alles, aber auch alles
versagen würde, ausser dem Notwendigsten, wenn sie so elend
wohnen, sich in Flicken kleiden, hungern und darben würde, müBten
sie dann nicht mehr als das Doppelte zurücklegen, selbst wenn er nur
als Schlossergeselle arbeitete?" (p. 254-255)
"...Para conseguir isso, a gente precisaria emigrar? Se sua
família, na Alemanha, durante dez anos se privasse de tudo mesmo,
com exceção do imprescindível, se ela morasse tão miseravelmente,
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se ela se vestisse com roupa remendada, se ela passasse fome e
sofresse penúrias, será que a família, lá, não pouparia mais do que o
dobro, mesmo se o pai trabalhasse apenas como serralheiro?"
Todas as dúvidas, interrogações que o oprimem, Rottorf tenta
rebater com a esperança que o conduziu ao Brasil.
"...aber hier im Urwalde, hat man täglich den Genuss der
herrlichen Natur,man ist frei; und alles, was man schafft, ist für die
Familie".(p. 255)
...mas aqui na mata virgem tem-se todo dia o prazer da
natureza maravilhosa, a gente é livre e tudo o que se consegue é
para a família".
0 personagem deixa transparecer, em suas palavras, a situação
que o imigrante vivia na Alemanha. O cidadão não era livre e, de
tudo que conseguia, tinha que ceder uma parte ao governo, através
de taxas e seguros.
Cansado dessa vida, resolve emigrar para a terra em que tudo
era lindo e maravilhoso. Tudo era revestido com um véu romântico.
Tudo parecia uma vida de aventura, como a da família Robinson,
mencionada no texto.
Na nova terra os problemas são tantos, e de natureza tão
diversa, que assumem proporções monstruosas. Após uma sua
doença, Rottorf resolve procurar outro lugar onde o clima fosse mais
propício para ele e sua família. Mas é praticamente impedido pelo
dono da "venda" a quem deve dinheiro,e conclui que
"...man war auch hier im Urwalde nicht sein freier Herr! Man zwang
ihn, gegen seinen Willen zu bleiben". (p. 293)
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"...a gente também não era dono de si mesmo aqui na mata
virgem. Forçavam-nos a ficar, contra a nossa vontade".
Ao lado do chefe da família está a mulher, alemã, que também
revela a atitude de um ser humano dividido. Diz ela:
"...Wenn wir einige Monate hinter uns haben, spüren wir diese
Arbeit nicht mehr. Dann wird alles besser". (p. 267)
"...Quando alguns meses tiverem se passado, não sentiremos
mais este trabalho. Então, tudo irá melhorar".
Ela encoraja e estimula toda a família para que o desânimo e a
insegurança não proliferem.
Mas, após muito esforço, vendo que toda a família pode
sucumbir pela não adaptação, ela fraqueja:
"...Nein, stöhnte Frau Rottorf im geheimen, wenn sie besorgt
auf die abgemagerten Kinder blickte, welche schwer beladen ins Haus
wankten. Hier halten wir nicht lange aus! Diese ewige Hitze und dazu
das
Fieber!" (p. 286)
"...Não, suspirava a senhora Rottorf às escondidas, quando
olhava com preocupação as crianças, magras, que cambaleavam sob
as cargas pesadas que levavam para dentro da casa. Aqui, não
vamos suportar por muito tempo! Este calor incessante e, além disso,
a febre!"
Muitas vezes ela lembra, com saudades, da anelada pátria, tão
distante:
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"... Immer aber kam das Gespräch auf das verlassene
Vaterland, von wo man sich all das Gute und Schöne, das man früher
nicht gewürdigt hatte, hierher wünschte, denn hier fehlte ja alles."
(p.269)
"... a conversa sempre versava sobre a terra natal abandonada
onde se desejava tudo de bom e de belo, que antes não era
valorizado, pois aqui faltava tudo".
Outras vezes, porém, tenta estimular toda a família,para que
tenha confiança na nova terra.
"...Ich hoffe, wir werden ganz gut abschneiden! Lebten wir denn
in Deutschland ohne Nahrungssorgen? Und was haben wir denn so
herrliches drüben gehabt, he? Seid zufrieden, dab wir ein eigenes
Heim besitzen!" (p. 288)
"... Tenho certeza que vamos ter êxito: Por acaso vivíamos na
Alemanha sem preocupações com alimentação? E o quê tínhamos lá
de tão maravilhoso? Fiquem satisfeitos, por possuirmos uma morada
própria:"
Os dois personagens aqui retratados estão divididos, como
vimos, entre a saudade da pátria e a esperança de vencer na terra
escolhida.
Esses dois polos, presentes na vida do emigrante alemão,estão
em constante oposição na narrativa, até seu final. Então, os
problemas são superados e, consequentemente, o conflito cessa.
No conto, o narrador descreve tão minuciosamente a paisagem,
as situações enfrentadas pelos personagens, seus conflitos íntimos,
anseios, dúvidas, inquietações, contentamento e insegurança que
parece ao leitor estar também vivenciando tudo.
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Na narração é mencionada a fonte responsável pela decisão que
a família toma para emigrar - um artigo de jornal - e, a partir daí, a
criação da imagem quimérica de uma terra prometida que se revela
desapontadora para a família quando chega a seu destino.
Ammon vale-se dessa narrativa para criticar a propaganda
irresponsável sobre o Brasil, publicada nos jornais alemães. Toma a
posição de esclarecedor da mesma, e começa a produzir
paralelamente, uma propaganda esclarecedora a "Aufklärungs
propaganda" (Ammon, 23 maio 1933)
Podemos afirmar que a narrativa em questão é‚ um exemplo
concreto de "Aufklärung", pois ilumina sempre os polos opostos de
uma situação e quer mostrar que
"....Es ist keine Lage so verzweifelt, daß man ihr nicht auch
eine gute Seite abgewinnen, daß man ihr nicht entrinnen könnte". (p.
258)
"...não há nenhuma situação tão desesperadora, de que não se
possa conquistar um lado bom, que dela não se possa escapar".
A estrutura da narrativa contrapõe sempre dois temas que
perpassam o conto: a emigração/imigração e, como consequência, a
oposição Alemanha/Brasil, terra-mãe/nova terra.
O tema da natureza brasileira concretiza-se às vezes positiva e
coloridamente.
"... Es roch nach Vanille und Honig. Über der Lichtung
gaukelten prachtvoll gefärbte Schmetterlinge und bunt schillernde
Kolibris".(250).
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"... tinha cheiro de baunilha e mel. Sobre a clareira brincavam
magníficas borboletas coloridas e colibris cintilantes com suas
variadas cores".
Outras vezes, tal tema caracteriza o lado negativo e árduo da
fauna brasileira.
"... die Tragameisen und das Unkraut in Brasilien dem Pflanzer
einen unaufhörlichen Verteidigungskrieg auferlegen, der fast
ebensoviel Zeit in Ansspruch nimmt wie alle Vorarbeiten." (p. 271)
"...as formigas carregadeiras e a erva daninha, no Brasil,
impõem ao agricultor uma interminável guerra de defesa que dura
quase o mesmo tempo dispensado a todos os trabalhos
preparatórios".
Por outro lado, o tema da civilização apresenta um excesso
dessa condição que se opõe, portanto, à vida na mata, no campo, ao
ar livre, longe de qualquer vestígio que lembre o mundo civilizado.
Assim, no início, a família vê a mata como "Zauber der
Romantik (magia do romantismo), e a vida do colono
"...ohne jeglichen Kulturzwang, ohne europäische Vorurteile...
Dort im Urwalde gab es Keine Ausgaben fur Heizung und Licht, für
Steuern und Miete, für neue moden und andere im zivilisierten Leben
nötige Dinge". (p. 252)
"...sem todas as pressões culturais, sem os preconceitos
europeus... Lá na mata virgem não havia despesas com aquecimento
e luz, com impostos e aluguel, com moda nova e outras coisas
necessárias para a vida civilizada".
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Contudo, em contato direto com a natureza, a mesma vida os
fez sentir falta do mundo da cultura e, por extensão, da Alemanha.
"...ein Atemzug der Kulturwelt hatte sie gestreift. Die liebe
weite Welt, wie lag sie fern und entrückt."(p. 275)
"...um fôlego do mundo da cultura os havia roçado. A querida
pátria distante, quão longe e oculta ela estava".
Por outro lado, apesar de todos os obstáculos, a família quer se
adaptar à vida no campo,à vida de colono. Num momento de
regozijo, pelo aniversário da mãe, a família faz novamente
comparações entre a Alemanha e o Brasil, a vida na cidade e a vida
no campo, optando por esta última.
"... Was hatte man drüben gehabt? Vor einem Jahr? Revolution,
Teuerung, Keine Einnahmen, Not an Lebensmitteln". (p. 277)
"... 0 que a gente tinha lá? Há um ano atrás? Revolução,
inflamação, nenhum rendimento, falta de mantimentos".
A inveja, a ambição, o luxo e a ganância são criticados como
características do mundo civilizado.
Por isso a vida simples, sem luxo, em que todos eram iguais é
louvada.
"...Hier in der grünen Wildnis gab es wenigstens keine
Gelegenheit zum Neid auf Bessergestellte... Hier waren alle Menschen
gleich in ihrer Lebenshaltung, in ihrer Stellung zueinander". (p.777)
"...Aqui na mata virgem não havia pelo menos oportunidade
para sentir inveja de alguém com melhor situação... Aqui todas eram
iguais na vida, um em ralação ao outro."
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Tal estrutura montada em termos ou expressões que se opõem,
aparece já no título do conto:
Podemos dizer que, a partir desta decomposição,o nome da
família precisa de oxigênio e, portanto, emigra para a floresta onde
ele é abundante. Por extensão:
A família, saturada das pseudo vantagens e facilidades do
mundo civilizado, emigra para um mundo "primitivo", onde esperava
ter a liberdade tão desejada. Entretanto, não se adapta à vida de
colono, sofre com o clima, pois é‚ semelhante à turfa que, para
proliferar, necessita de um clima mais frio (Hochland) e os Rottorf
foram morar no "Tiefland", onde o clima é mais quente, não
ocorrendo, portanto, a adaptação.
0 prefixo do nome Rottorf ou vermelho, "turfa vermelha" revela
que esta não é uma turfa comum. Como a turfa vermelha, os Rottorf
21
não são pessoas comuns. São pessoas cultas que se encontram na
floresta que não é apenas "Wald", mas "Urwald, floresta virgem.
No conto, o narrador trabalha com as palavras. Assim, quando
o personagem se autoconsola com a beleza da paisagem e usa a
expressão "man schafft", (a gente consegue) o narrador toma-lhe
emprestada a frase e lhe dá nova acepção.
"...Man "schafft" hier wirklich, denn man muß das kulturfähige
Grundstück erst dem mächtigen Urwald abringen". (p. 255)
"...a gente "trabalha" aqui realmente, pois precisa-se, primeiro,
desbravar a mata virgem poderosa para se ter uma terra que seja
capaz de produzir".
O narrador apodera-se da narrativa do personagem para
chamar a atenção do leitor a fim de que este não se perca apenas no
prazer de desfrutar de tão bela natureza, pois
"...Das Leben fragt uns nicht, ob es uns gefällt. Es muß eben
gelebt werden, ob wir wollen oder nicht."
"...A vida não nos pergunta se ela nos agrada. Ela precisa ser
vivida, se quisermos ou não."
Todavia, depende de nós o uso do como a vivemos.
"...ob wir immer die unangenehmen Seiten betonen oder lieber
unseren blick auf die angenehmen lenken wollen, die ja auch im
ärmsten Leben nicht fehlen". (p. 259)
22
"se acentuamos sempre os lados desagradáveis ou preferimos
nos deter nos lados agradáveis que, mesmo na vida mais pobre, não
faltam".
0 narrador, assim, demonstra que os polos se opõem ou se
completam, pois todos os valores são muito relativos, e que o
romantismo e as ilusões dão colorido e alegria à vida. Demonstra
também, que a liberdade tão desejada pode se concretizar desde que
se acatem seus preceitos e que se saiba, antes de tudo, interpretá-la
e respeitá-la.
Referências bibliográficas
AMMON, Wolfgang. Familie Rottorf im Urwalde. In: Die ersten Jahre als
Kolonist. Die Leiter zum Glück. Curitiba: Impressora Paranaense Max
Schrappe, 1927. p.247 - 305.
AMMON, Wolfgang. Nachrichtendienst und Aufklärungspropaganda. Der
Urwaldsbote, Blumenau, 23 maio 1933.
AULICH, Werner. Vom Pathos der Auswanderer. In: Staden Jahrbuch.
São Paulo, 4, p.203 - 217, 1956
CANSTATT, Oscar. Repertório crítico da Literatura Teuto-Brasileira. Rio
de Janeiro: Ed. Presença, 1967.
KUDER, Manfred. Die Deutschbrasilianische Literatur und das
Bodenständigkeitsgefühl der deutschen Volksgruppe in Brasilien.
Berlin: Ed. Ferd Dümlers, 1937.
ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Ed. Globo, 1969, 2 v.
23
SEYFERTH, Giralda. A Colonização Alemã no Vale do Itajaí-Mirim. Porto
Alegre: Movimento, 1974.
3.
A literatura teuto-brasileira: uma literatura de
contestado e contestação?
Ingrid Ani Assmann
A partir de um conto de Wolfgang Ammon de 1926 “Im
Contestado”, pretendemos discutir a situação da literatura teuto-
brasileira dentro do contexto da literatura brasileira e da literatura
alemã.
O protagonista Hubert Scharf, jovem bancário alemão de 22
anos, emigra para o Brasil. Agora, após dois anos de muitas
privações, questiona sua emigração irrefletida e impetuosa devido a
uma desilusão amorosa.
Em Campo Alegre, onde trabalha, como ajudante da venda e
zelador dos animais do estábulo, para um pequeno comerciante
brasileiro, vem a conhecer um viajante de nome Anton Boberteich.
Um dia, durante uma viagem para a cidade mais próxima, Canoinhas,
pergunta-lhe sobre um emprego melhor. Anton relata-lhe a
preferência dos empregadores pelos filhos de alemães nascidos aqui,
por dominarem o idioma local e estarem familiarizados com a
situação. Os recém-chegados (Neudeutsche) eram vistos com receio,
intolerância e preconceito.
24
Porém, no decorrer do diálogo, Anton propõe-lhe uma
sociedade na região do Contestado e assim a define: “Como você
sabe, o Contestado é uma região disputada entre os estados
brasileiros de Santa Catarina e Paraná. Trata-se lá de uma questão
de limites de uma enorme faixa de terra... muitos eremitas
brasileiros, famílias ali se assentaram para fugirem da polícia e
autoridades..... Eles vivem da pequena agricultura, do rendimento da
erva-mate que colhem na floresta virgem e de sua caça... Os
proprietários destas vendas não pagam nenhum tipo de imposto...
Eles cercam ao longo da vereda um pedaço de terra e se consideram
então senhor e proprietário dentro dessa imensidão de terras... Tais
apropriações denominam-se, dentro da região contestada como
“posse”, provavelmente baseada na expressão “beati possidentes”...
Como nenhum dos dois estados envolvidos têm o direito de
apropriação e de governar na região do Contestado, não há assim
nenhum tipo de autoridade... No Contestado ainda vale a “Lei do
Punho”. ( p.78 e 79).
Robert Scharf e Anton Boberteich compram uma velha venda e
a “posse” de um brasileiro que queria sair dali. Esta venda fica entre
as vendas de Joaquim Abílio ( 3 Km de distância) e do velho Cândido
de Lima ( 4 km).
Depois de muitos incidentes e problemas, Hubert consegue se
adaptar e se impor na região Contestada, pois “o homem se adapta a
qualquer situação, mesmo a um constante perigo que nos espreita.”
(p.91).
Quando falamos da literatura teuto-brasileira ou da literatura de
expressão germânica do Brasil, estamos referindo-nos aos textos
literários escritos pelos imigrantes alemães ou dos descendentes
destes.
A ideia em associar e relacionar a literatura dos imigrantes
alemães aos vocábulos “Contestado” e “Contestação” é, em si, muito
polêmica.
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Partindo do conto enfocado, temos o protagonista Hubert em
sua venda, que fica localizada entre duas outras vendas. Tanto o
comerciante Joaquim Abílio como Cândido de Lima não o querem ali,
não o aceitam, pois Hubert representa um grande perigo para seus
negócios.
O protagonista, que no início do conto, aparece como inseguro,
temeroso e ingênuo, aos poucos revela-se como confiante, corajoso e
“scharfblickend”(perspicaz) .
Assim, o índice de sua mudança de comportamento, já presente
em seu nome, Hubert Scharf, acaba por se concretizar.Vejamos:
Scharfer Blick -olhar penetrante.
Scharfes Gehör -audição apurada.
No entanto, para discutirmos a posição da literatura teuto-
brasileira dentro do contexto da literatura brasileira e dentro do
contexto da literatura alemã, precisamos, primeiramente, “verificar”o
que alguns críticos dizem sobre esta produção literária.
Para Wilhelm Schneider (1936), a valorização estética da
literatura teuto-brasileira está diretamente associada ao
enriquecimento que ela possa trazer à literatura alemã. Este critério
estende-se também a todas as outras literaturas escritas em língua
alemã fora da Alemanha.
Os textos da literatura teuto-brasileira desta época apresentam
a vida de um grupo de pessoas inserido numa estrutura político-social
mais primitiva do que a da Alemanha da época. Baseia-se na vida do
colono imigrante e suas relações com o meio que o cerca.
Assim, o valor da literatura teuto-brasileira, para Wilhelm
Schneider, está no fato de ela deixar patente para o leitor que é
válido conservarmos espiritualmente o grande significado e valor
dessa forma de vida, antiga e pura, para que possamos através do
exemplo do camponês, do homem simples, nos livrarmos da crença
no avanço de uma falsa civilização.
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Por outro lado, é corrente a presunção de que o melhor escritor
teuto-brasileiro alcança apenas o valor de um escritor europeu
médio, como diz Werner Aulich (1956, p. 206):
“Sem dúvida é possível afirmar que mesmo o melhor poeta
teuto-brasileiro não atinge, no que diz respeito à concepção
estilística, à consciência linguística e à estruturação temática, senão a
média dos autores alemães. Mas da mesma forma, pode se afirmar
que esse dois valores distintos devem ser medidos de duas maneiras,
sendo necessário chegar a critérios diferentes para avaliar com
justiça um “fenômeno recente, único e isolado”.
Aulich interpreta de um modo claro o problema da valorização
da literatura teuto-brasileira. Ela deve, realmente, ser analisada com
critérios diferentes, pois a nada levaria o recurso aos padrões
habituais da crítica literária atual segundo os quais é determinada a
“literariedade” de um texto.
Há uma afirmação de Herder (Apud Aulich, 1956), segundo a
qual não existe um critério abstrato para analisar fenômenos
literários e culturais. O crítico deve se colocar nas condições locais,
temporais e espirituais em que estes fenômenos surgiram, para que
possa com “alma flexível” compreender os sentimentos de um povo a
partir de sua real vivência.
Enquanto Kuder (1937), acentua o lado brasileiro da literatura
teuto-brasileira como o mais significativo, Fittbogen (1933) enfatiza o
pólo alemão. São duas atitudes divergentes, ditadas naturalmente
por posições filosóficas, políticas e culturais diversas. Em parte, isso
se deve ao fato de atribuírem tendências políticas a essa literatura. É
claro que a política não está totalmente ausente, mas é necessário
procurar um critério neutro de avaliação. De modo geral o escritor
teuto-brasileiro está acima das desavenças raciais e políticas, mais
preocupado com sua vida profissional e particular: o trabalho, o
descanso, as alegrias e tristezas que bem expressa em sua obra. O
problema da incorporação do imigrante à nova terra e da
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marginalidade cultural de que foi vítima também estão refletidos em
sua literatura.
Assim, a nosso ver, a literatura teuto-brasileira é uma
ramificação no contexto geral da literatura do Brasil, ramificação que
não se alinha entre as vanguardas de sua época sob o ponto de vista
formal ou das técnicas ficcionais de que se vale. Utiliza, ao contrário,
formas literárias herdadas do país de origem. Pode-se interpretar
esse procedimento como um processo de apropriação de elementos
que expressam melhor a alma de um povo que deixou seu país para
viver noutro, totalmente diferente. Não é, portanto, uma imitação
tardia.
Há uma liberdade no escrever e no uso de um vocabulário
híbrido, com o intuito de melhor delinear esse tipo humano tão
peculiar: o imigrante. A literatura teuto-brasileira não revela
mudanças de estilo de época. Inexistem, portanto, movimentos ou
escolas literárias claramente delineados.
O grande acervo da literatura teuto-brasileira revela, entre
outras coisas, o nível cultural e o gosto estético dos imigrantes
alemães da época e é, até certo ponto, um material ainda
desconhecido da cultura brasileira em geral.
Por quê então insistirmos na designação possível de literatura
de contestação e de contestado?
Parece-nos ser uma “literatura de contestação”, à medida que é
uma literatura que não está engajada esteticamente com nenhuma
vanguarda de sua época. Porém, põe-se a serviço de uma ideia que é
a revelação, entre outras, do “pathos” da emigração, experiência
existencial profunda e única.
A sua posição de “literatura contestada” verifica-se enquanto
respira à terceira margem do rio, não pertencendo nem à margem
direita ( Alemanha), nem à margem esquerda (Brasil). A sua
existência não é reconhecida, nem pela cultura alemã, nem pela
cultura brasileira. No entanto, é nos textos da literatura teuto-
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brasileira, que encontramos registrados os primeiros traços fortes da
aculturação do imigrante à nova terra. Por outro lado, vive uma
situação de “literatura incontestada”, pois não é disputada para fazer
parte da história literária do Brasil ou da Alemanha. Entretanto, lendo
um artigo de 1977 sobre Gertrud Gross-Hering (1879-1968)
constatamos que o seu nome consta na Grande Enciclopédia Delta La
Rousse como “autora brasileira de expressão germânica”.
Mas, o destino da literatura teuto-brasileira, parece ser, por
enquanto, viver à margem da literatura ocidental, sob uma névoa de
estranho preconceito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE, Mario Marcondes de. Contestado: distorções e