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Desenvolvimento Regional e Grandes Projetos Hidreltricos
(1990-2010): o caso do Complexo
Madeira1
Deborah WernerMestre em Desenvolvimento Econmico pelo Instituto
de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP),
Campinas, SP. Doutoranda. Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de
Janeiro, RJ.E-mail: [email protected]
ResumoO trabalho analisa o processo de instalao das hidreltricas
de Santo Antnio e Jirau, no rio Madeira. As hidreltricas,
componentes do Complexo Madeira, iro acrescentar juntas 6.450 MW ao
Sistema Interligado Nacional (SIN). A anlise dos projetos
hidreltricos justifica-se por dois motivos: os empreendimentos
marcam a retomada da expanso do setor eltrico aps a reformulao do
marco regulatrio em 2004; e seu planejamento pretendeu articular a
instalao dos projetos ao desenvolvimento regional em bases
sustentveis. Assume-se como hiptese que o tratamento atribudo s
regies atingidas por barragens, ao estar circunscrito no mbito da
legislao ambiental, insuficiente para abarcar a complexidade das
questes que envolvem o desenvolvimento dessas regies. Nesse
sentido, o estudo de caso do Complexo Madeira permite verificar que
a despeito de o processo decisrio de instalao dos empreendimentos
estabelecer medidas mitigadoras e compensatrias com o intuito de
viabilizar e legitimar os projetos, o que torna seus empreendedores
protagonistas no processo de reestruturao das regies, a problemtica
socioambiental e o modo de apropriao dos recursos territoriais a
que esto vinculados evidenciam os limites dos projetos como
promotores do desenvolvimento regional.
Palavras-chave Desenvolvimento regional. Projetos hidreltricos.
Amaznia.
Regional development and large hydroelectric projects
(1990-2010): the case of Madeira Complex
ABSTRACT1
The objective this paper is to analyze the process of
installation of the Santo Antonio and Jirau hydraulic Power plant,
in Madeira river. They will contribute with 6,450 MW to the Sistema
Interligado Nacional (SIN) [National Interconnected System]. The
hydroelectric power plants take up the resumption of electric
sector expansion as established in 2004. The objective of this
planning intended to install projects for regional development
based on sustainability. The presumption that these regions in the
area of dams, under environmental legislation, will be damaged, is
overcome by the benefits of issues involving the development of
these regions. The study of Madeira river complex brings in the
process of restructure of the regions, the socio-environmental
issues, and how the appropriation of the territorial resources is
carried out for promoting the regional development.
KeywordsRegional Development. Large dams. Amazon
1 Este trabalho apresenta questes desenvolvidas na dissertao de
mestrado intitulada Desenvolvimento Regional e Grandes Projetos
Hidreltricos (1990-2010): o caso do Complexo Madeira, apresentada
ao Programa de Ps-graduao em Desenvolvimento Econmico do Instituto
de Economia da Universidade Estadual de Campinas.
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maneira pela qual o setor eltrico incorpora a questo regional, a
partir de restries impostas pela Poltica Nacional de Meio Ambiente
(PNMA), de 1981, que ir interferir na autonomia do setor eltrico
sobre as regies.
A segunda seo apresenta a perspectiva de desenvolvimento
regional atribuda ao Complexo Madeira, defendido pelos planejadores
como um projeto estruturante, ao ser capaz de promover um novo
vetor de ocupao territorial em decorrncia das potencialidades
proporcionadas pela montagem infraestrutural de energia e
transporte e pelas compensaes socioambientais implementadas pelos
empreendedores.
A terceira seo discute os limites dessa perspectiva, ao
questionar o modo de apropriao dos recursos territoriais amaznicos
e o projeto de desenvolvimento a que as hidreltricas se vinculam. A
quarta seo traz as consideraes finais.
A QUESTO REGIONAL NO MBITO DO SETOR ELTRICO
A instalao de grandes projetos hidreltricos no Brasil pode ser
compreendida a partir da lgica de grandes projetos de investimento
(GPI). A falncia do padro de planejamento regional gestado nas
dcadas de 1950 e 1960, e cristalizado no modelo da Superintendncia
do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), fez emergir os grandes
projetos de investimentos setoriais como o modo caracterstico de
interveno estatal no perodo militar. A tnica do GPI o acionamento
das regies perifricas a partir da necessidade de explorao econmica
dos recursos territoriais (VAINER e ARAJO, 1992).
Os grandes projetos de investimento quais sejam, grandes
unidades produtivas relacionadas ao desenvolvimento de atividades
bsicas, incio de cadeias produtivas, para extrao e produo de
minrios, grandes obras de infraestrutura, complexos industriais
porturios, termeltricas, hidreltricas, etc. (LAURELLI, 1987,
apud
INTRODUO
O presente trabalho analisa o processo de instalao das
hidreltricas de Santo Antnio e Jirau, no rio Madeira, municpio de
Porto Velho, em Rondnia, Amaznia brasileira. A anlise dos projetos
hidreltricos justifica-se por dois motivos principais: os
empreendimentos marcam a retomada da expanso setorial aps a
reformulao do marco regulatrio em 2004; e seu planejamento
pretendeu articular a instalao dos projetos ao desenvolvimento
regional em bases sustentveis. Estes dois elementos devem ser
analisados luz dos compromissos assumidos pelos empreendedores. O
carter de energia limpa e renovvel atribudo matriz energtica
brasileira confrontado pelas consequncias sociais e ambientais
decorrentes da instalao de grandes projetos hidreltricos, o que
coloca em questionamento a capacidade dos empreendimentos se
articularem ao desenvolvimento das regies em que se inserem,
principalmente quando se trata da regio amaznica.
A hiptese que pauta o trabalho a de que o tratamento atribudo s
regies atingidas por barragens, ao estar circunscrito ao mbito da
legislao ambiental, insuficiente para abarcar a complexidade das
questes que envolvem o desenvolvimento das regies atingidas por
barragens. Assim, a partir do estudo de caso da instalao das usinas
hidreltricas de Santo Antnio e Jirau que essas questes sero
analisadas, mostrando que, a despeito de o processo decisrio de
instalao dos empreendimentos estabelecer medidas mitigadoras e
compensatrias com o intuito de viabilizar e legitimar os projetos,
o que torna seus empreendedores protagonistas no processo de
reestruturao das regies, a problemtica socioambiental e o modo de
apropriao dos recursos territoriais a que esto vinculados
evidenciam os limites dos projetos enquanto promotores do
desenvolvimento regional.
O trabalho est estruturado em quatro sees, alm da introdutria. A
primeira seo discute brevemente a noo de grande projeto de
investimento (GPI), para ento compreender a
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sentido que a ao estatal no perodo nacional-desenvolvimentista
se caracteriza por eixos claros de acumulao de capital e de ocupao
do espao territorial (TAVARES, 1999, p. 463).
A forte expanso do setor eltrico, capaz de atender ao projeto
nacional-desenvolvimentista baseado na industrializao, e
viabilizado a partir da atuao da estatal Eletrobrs, criada na dcada
de 1960, obedeceria ao planejamento regional aos moldes dos GPIs.
medida que a expanso do setor eltrico esgotava a possibilidade de
aproveitamento dos recursos hdricos prximos aos principais centros
de consumo, havia a necessidade de avanar a fronteira energtica do
pas, com nfase na regio Norte, em que a produo de energia eltrica
barata viabilizaria a transferncia de indstrias eletrointensivas
para o Brasil, com destaque para a minerao.
No entanto, a instalao de grandes projetos de investimento em
regies perifricas no foi capaz de superar as desigualdades nem a
subordinao do conjunto do territrio lgica e ao ritmo ditados pelo
centro hegemnico da economia, uma vez que a energia gerada no
estaria relacionada ao impulso das atividades produtivas regionais.
Vainer e Arajo (1992) afirmam que as regies perifricas acionadas
para participar do processo de industrializao por meio do
fornecimento de recursos naturais foram investidas por um movimento
de conquista com o objetivo de apropriao e explorao dos recursos
estratgicos atravs da mobilizao direta do territrio, de modo que o
centro instalou na periferia enclaves econmicos, polticos e
ambientais.
Para os autores, os grandes aproveitamentos hidreltricos so
exemplos perfeitos e acabados do padro que se expressa nos grandes
projetos de investimento, em que regies, extensas bacias e reas de
vrzea so transformadas em jazidas energticas. As atividades
econmicas, a vida social, as populaes que configuram e ocupam esses
espaos tornam-se obstculos ao processo de apropriao territorial
pelo capital e pelo poder do centro e devem, consequentemente, ser
removidos.
VAINER, 1990), foram assumidos como meio mais eficaz de
assegurar a difuso acelerada do progresso tcnico nas regies e capaz
de superar as desigualdades regionais que marcam o desenvolvimento
capitalista brasileiro.
Conforme Arajo (1991), sob essa forma de interveno a ao estatal
no mais se preocuparia em viabilizar a captura das regies para
inseri-las no processo de industrializao complementar ao centro
hegemnico2; seu objetivo passava a ser identificar os potenciais
microlocalizados passveis de serem explorados no mbito de um
programa estratgico nacional. Nesse sentido, a interveno do Estado
buscou concretizar a apropriao de riquezas atravs dos grandes
projetos de investimento, que se tornaram os geradores de novas
regies, fazendo com que o planejamento e a gesto desses espaos
viessem a ser competncia da empresa ou agncia setorial responsvel
pelos investimentos. Vainer (1990) afirma que ante cada setor
produtivo, cada agncia setorial, no mais se apresentam as regies,
mas um espao integrado e diferenciado de localizao de investimentos
e projetos, que conformam um conjunto de pontos que no se
individualizam seno pelo potencial que oferecem conquista
econmica.
Assim, a partir da dcada de 1970, enquanto a atuao das agncias
de planejamento do desenvolvimento regional limitava-se a
incentivos fiscais e elaborao de planos muitas vezes no
concretizados, a reconfigurao do territrio foi sendo realizada a
partir de decises tomadas em grandes agncias setoriais, como a
Eletrobrs, a Companhia Vale do Rio Doce e a Petrobrs (VAINER,
2007). Por esse aspecto, no eram os tcnicos regionais que
planejavam as regies, mas os planejadores e tomadores de deciso em
cada um dos macrossetores de infraestrutura. Nesse
2 Conforme anlise de Francisco de Oliveira (2008), a respeito do
que veio a ser o processo de articulao do Nordeste ao dinamismo
econmico do Centro-sul, desde a criao da Sudene. Destaca-se que tal
processo se diferenciou daquele presente na concepo original da
Sudene, que pretendia uma dinmica autnoma de expanso econmica e
industrial para o Nordeste.
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de atuao do setor eltrico brasileiro; a presso de rgos
internacionais de financiamento4 sobre as consequncias
socioambientais dos projetos; e o processo de democratizao do pas.
Tais eventos repercutem no planejamento do setor eltrico, que
pressionado a incorporar nos projetos os aspectos sociais e
ambientais dos empreendimentos.
A perspectiva ambiental no planejamento do setor eltrico a
partir da dcada de 1980, a qual foi tratada como insero regional
por parte da Eletrobrs, baseou-se na ideia de no coincidncia
regional entre os custos e benefcios dos projetos, ou seja, os
custos eram socializados na regio de instalao dos projetos
hidreltricos, enquanto seus benefcios eram apropriados pelas regies
consumidoras de energia. Como forma de solucionar os conflitos
advindos dessa configurao, a regio de instalao dos projetos deveria
receber, por parte dos empreendimentos, melhorias infraestruturais,
compensaes e medidas de mitigao aos danos sociais e ambientais
(LEMOS, 1999).
No mbito das medidas socioambientais, o setor eltrico buscaria
fazer um balano entre os benefcios setoriais (energticos) e as
necessidades sociais, tendo como lastro o equilbrio entre os
impactos positivos e negativos dos empreendimentos. Alm disso,
buscaria a internalizao no projeto energtico a usina hidreltrica
dos custos relativos s aes socioambientais indispensveis implantao
do empreendimento, conforme definido em lei ou como resultado de
negociao (Eletrobrs, 1991, apud Lemos, 1999). Esses custos seriam
definidos pelas seguintes categorias: aes preventivas, aes
mitigadoras, aes compensatrias e aes que visassem explorar as
oportunidades de aproveitamento mltiplo dos recursos naturais e/ou
potencialidades regionais para outros setores.
Barragens, que reuniu grupos sociais de diversas regies
atingidas por barragens (VAINER, 2004).
4 Os primeiros estudos ambientais no Brasil foram preparados
para alguns dos grandes projetos hidreltricos levados a cabo pelo
Estado na dcada de 1970, a partir de exigncias do Banco Mundial
para a concesso de financiamentos.
Nesse sentido, a expanso do setor eltrico a partir do
planejamento e instalao de grandes projetos hidreltricos refletiu o
carter desigual e concentrado do desenvolvimento brasileiro
marcado, segundo Brando (2010), por descontinuidades e predao de
recursos materiais, humanos e ambientais.
No entanto, a partir da dcada de 1970, as questes ambientais
ganham nfase em nvel internacional, o que ter rebatimentos nas
polticas de planejamento no Brasil (SANCHZ, 2008). Com a
institucionalizao da Poltica Nacional de Meio Ambiente PNMA (Lei
6.938, de 31 de agosto de 1981), que estabelece instrumentos e
mecanismos de insero da perspectiva ambiental no planejamento do
desenvolvimento, com destaque para a avaliao de impacto ambiental e
o licenciamento ambiental, o setor eltrico passa a ser alvo das
polticas ambientais vigentes, momento em que o setor se posiciona
em relao aos aspectos regionais dos projetos.
De acordo com Lemos (1999), a estrutura estabelecida desde a
dcada de 1960, com a criao do Ministrio de Minas e Energia e da
Eletrobrs, garantiu ao setor eltrico uma estrutura institucional
capaz de conceder enorme autonomia e capacidade de interveno sobre
os territrios e suas dinmicas sociais e ambientais. Como
consequncia, por 20 anos o setor eltrico atuou de modo a deter
total controle sobre seus espaos de interveno, isento de preocupao
com as questes sociais e ambientais, uma vez que o que imperava era
o controle real e inquestionvel de interveno sobre o espao
regional. Tal postura s viria a ser arrefecida a partir do
estabelecimento da Poltica Nacional de Meio Ambiente.
s alteraes institucionais, somam-se a intensificao dos conflitos
a partir da emergncia de movimentos sociais3, que questionam o
modo
3 No caso do setor eltrico, diversas experincias de resistncia
em vrias regies do pas levou constituio de um movimento nacional, o
Movimento de Atingidos por Barragens MAB, que surge no incio da
dcada de 1990, a partir do I Encontro Nacional de Atingidos por
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(1990-2010): o caso do Complexo Madeira
2020), sendo que a maior expanso do parque hidreltrico se
concentra na regio Amaznica6.
No entanto, o conturbado processo de ocupao territorial do espao
amaznico, relacionado aos grandes projetos de investimentos
estatais como hidreltricas, rodovias, indstrias mnero-siderrgicas,
e projetos agropecurios, leva ao questionamento acerca da retomada
da expanso do setor eltrico brasileiro por meio de grandes projetos
hidreltricos na bacia amaznica como favorvel ao processo de
desenvolvimento da regio. Com intuito de reverter essa tendncia, o
Complexo Madeira foi defendido sob argumentos referentes sua
capacidade de engendrar um novo processo de ocupao territorial,
aspectos enfatizados pela Avaliao Ambiental Estratgica (AAE) e pelo
Estudo de Impacto Ambiental (EIA)7, ambos elaborados pelos
proponentes dos projetos, Furnas Centrais Eltricas S.A. e
Construtora Norberto Odebrecht S.A8., e analisados a seguir.
6 Conforme o PDEE 2008-2017, 64% do potencial hidreltrico
planejado sero supridos pela regio at 2017 (Brasil, 2009). As
hidreltricas de Santo Antnio, Jirau e Belo Monte correspondero em
2020 a 10% da capacidade instalada do Sistema Interligado Nacional
(SIN). Ao serem includos nesse conjunto, os empreendimentos dos
rios Teles Pires, Tapajs e Jamanxim, planejados pela Empresa de
Pesquisa Energtica (EPE), representaro a participao de todas essas
usinas em 14% do total, no final do horizonte de planejamento
(BRASIL, 2011).
7 O Estudo de Impacto Ambiental (EIA), determinado pela Lei
6.938, de 31 de agosto de 1981, um documento tcnico-cientfico que
se compe de diagnstico ambiental dos meios fsico, bitico e
socioeconmico; anlises dos impactos do projeto e suas alternativas;
definio dos impactos negativos e elaborao de medidas mitigadoras; e
programas de acompanhamento e monitoramento a serem implementados
pelos empreendedores. Para dar publicidade, este documento subsidia
o Relatrio de Impacto Ambiental (Rima), elaborado de modo adequado
ao fcil entendimento da populao. A Constituio Federal de 1988, em
seu artigo 225, inciso IV, recepciona o EIA.
8 Em 2001, Furnas Centrais Eltricas S.A. e Construtora Norberto
Odebrecht S.A. obtiveram a concesso por parte da Agncia Nacional de
Energia Eltrica Aneel de registro ativo para o desenvolvimento de
Estudos de Inventrio e, posteriormente, estudos de Viabilidade do
rio Madeira, no trecho de 260 km, entre a Vila de Abun, na divisa
com a Bolvia, e a cachoeira de Santo Antnio, prximo cidade de Porto
Velho (Furnas, 2005).
O caso do Complexo Madeira referente s hidreltricas de Santo
Antnio e Jirau, localizadas no rio Madeira, em Porto Velho, Rondnia
revela que a retomada da expanso setorial aps o marco regulatrio de
20045 guarda relao com o modo de apropriao dos recursos
territoriais que marcaram o perodo desenvolvimentista, ao enfatizar
no processo decisrio a capacidade dos projetos hidreltricos de
superar o atraso e promover o desenvolvimento regional. A novidade
no modo de interveno conferida pelos argumentos que atribuem
sustentabilidade ambiental aos projetos.
O CARTER ESTRUTURANTE DO COMPLEXO MADEIRA
O processo de integrao da Amaznia ao mercado nacional foi
consolidado a partir da dcada de 1970 sob o planejamento
centralizado, que realizou a abertura da Amaznia ao processo
hegemnico de acumulao e permitiu que a valorizao de capital se
realizasse atravs do enfoque setorial, que buscava a apropriao de
recursos especficos do territrio (LEMOS, 2007). Obedecendo a essa
lgica, o espao regional Amaznico viria a ocupar a posio de jazida
mineral e energtica na diviso regional de trabalho do pas.
A instalao do Complexo Madeira, formado pelas hidreltricas de
Santo Antnio e Jirau, no rio Madeira, no municpio de Porto Velho,
Rondnia, que juntas acrescero 6.450 MW de capacidade instalada ao
Sistema Interligado Nacional (SIN), inaugurou um novo processo de
expanso do setor eltrico brasileiro a partir de grandes
empreendimentos hidreltricos na Amaznia, sob novas bases
institucionais resultantes do marco regulatrio de 2004. Os Planos
Decenais de Expanso Energtica (PDEE) recentes expressam o carter de
jazida energtica conferido Amaznia. Conforme o PDEE 2011-2020, a
capacidade de gerao hidrulica ser elevada no Brasil em 39% (de
82.939 MW, em 2010, para 115.123 MW, em
5 Leis 10.847 e 10.848, de 15 de maro de 2004.
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Avaliao Ambiental Estratgica (AAE)
A Avaliao Ambiental Estratgica (AAE) pretendeu ser um estudo
mais amplo do que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), documento
exigido pela legislao brasileira, pois analisou os projetos
propostos a partir de relaes territoriais mais extensas, inclusive
internacionais. Conforme o estudo, o Complexo Madeira deve ser
compreendido como um capital fsico e institucional que, diante das
dimenses e funes no aparelho produtivo regional e nacional,
promover por si s forte impulso e nova trajetria de desenvolvimento
para a regio (FURNAS, 2005).
O carter estruturante do Complexo Madeira relaciona-se com suas
potencialidades energticas e
hidrovirias. Com relao hidroeletricidade, alm das usinas de
Santo Antnio (3.150 MW) e Jirau (3.300 MW), foram planejados os
aproveitamentos hidreltricos de Guajar, projeto binacional na
fronteira do Brasil com a Bolvia, no rio Guapor (3.000 MW); e a
barragem de Cachuera Esperanza (600 MW), no rio Beni, em territrio
boliviano. Acompanham os projetos as redes de linhas de transmisso
para a conexo do sistema nacional interligado, atravs da linha de
transmisso Porto Velho Araraquara, com 2.350 km de extenso; e a
rede de hidrovias que se estenderiam pelos territrios da Bolvia, do
Peru, atravs dos rios Madeira, Guapor, Mamor, Beni e Madre de Dios,
totalizando 4.155 km de vias navegveis entre Brasil, Bolvia e Peru
(Furnas, 2005).
FIGURA 1O Complexo Madeira composto por quatro usinas
hidreltricas: Santo Antnio, Jirau, Guajar e Cachuera Esperanza
Fonte: SWITKES, 2008.
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Desenvolvimento Regional e Grandes Projetos Hidreltricos
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Com a consolidao da infraestrutura hidroviria haveria novo vetor
de dinamismo econmico, que ao atrair cargas procedentes de vrias
partes dos trs pases (Brasil, Bolvia e Peru), induziria a explorao
do territrio em novas e variadas frentes produtivas, pela
disponibilidade de transporte barato. Com relao ao contexto
internacional, as hidrovias, que alcanariam a fronteira
Brasil-Bolvia em direo ao interior do territrio boliviano e o
territrio fronteirio Peru-Bolvia, contribuiriam para a proposta de
integrao fluvial sul-americana, da Comisso Andina de Financiamento
(CAF), que envolve a integrao fluvial interconectada por transporte
multimodal, das bacias do Orinoco, Amazonas e Prata, no total de
50.000 km navegveis.
Nesse sentido, o Complexo Madeira uma componente fundamental
para a integrao continental proposta pela Iniciativa para a
Integrao da Infraestrutura Regional Sul Americana (IIRSA),
iniciativa de doze pases9 para promover o desenvolvimento
infraestrutural de transporte, energia e comunicaes sob uma viso
regional de integrao (IIRSA, 2011). Portanto, a proposta de
desenvolvimento expressa no Complexo Madeira est relacionada
integrao competitiva da regio amaznica aos mercados globais, de
modo que a reduo nos custos de transporte e energia viabilizaria a
exportao de produtos e proporcionaria o desenvolvimento de novas
atividades produtivas na regio, inclusive a indstria, outrora
incapaz de se desenvolver em decorrncia do dficit na oferta de
energia, conforme o estudo (FURNAS, 2005).
Aqui cabe um contraponto: apesar de a Avaliao Ambiental
Estratgica (AAE) do Complexo Madeira explicitar a potencialidade de
nova dinmica econmica para a regio a partir do
9 Os pases so Argentina, Bolvia, Brasil, Chile, Colombia,
Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. A
coordenao da proposta fica a cargo da Comisso Andina de
Financiamento (CAF), do Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID), do Banco Mundial e do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econmico e Social (BNDES).
O estudo estabeleceu perspectivas para uma nova dinmica
territorial e setorial desencadeadas pelo Complexo Madeira,
decorrentes de investimentos em energia e transporte regional, e
pela maior presena do Estado exercendo a gesto territorial, alm de
suas funes tpicas que envolvem a legislao, regulao, e execuo de
polticas, com destaque para as sociais. Desse modo, a implantao do
Complexo Madeira poderia promover maior governana, decorrente da
atuao da matriz institucional como um todo, pblico e privada.
Considera-se que, a despeito dos aspectos buscados, poderia ocorrer
a reverso e/ou alcance de resultados sociais e ambientais aqum do
esperado. Positivos ou negativos, os resultados dependeriam do
processo social e da participao dos diversos agentes
envolvidos.
As vantagens do projeto envolveriam a contribuio para a manuteno
da poltica setorial em torno da matriz energtica limpa, pois
proveniente de fonte renovvel, produzida em larga escala,
competitiva e de interesse para o pas; o estabelecimento de um novo
padro tecnolgico na gerao em rios de plancie, as turbinas tipo
bulbo; e a possibilidade de contribuir para a integrao regional do
sistema interligado nacional ao extremo oeste do pas e pases
vizinhos, como Bolvia e Peru.
Com relao s hidrovias, suas vantagens decorrem do fato de o rio
ser uma alternativa natural de transporte de cargas e pessoas,
principalmente na regio amaznica, que j tem as cidades de Manaus,
Porto Velho, Belm e Santarm como centros importantes para as malhas
hidrovirias. Nesse sentido, o Complexo Madeira potencializaria a
vocao natural do rio Madeira para a navegao. Ainda, os
investimentos em hidrovias seriam favorveis ao processo de
planejamento e gesto territorial, pois no se configurariam em
potencializadores de ocupao desordenada, como se verificou a
partir de investimentos rodovirios na dcada de 1970 (FURNAS,
2005).
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infraestrutura; gerao de emprego; elevao dos recursos
financeiros para Municpio, Estado e Unio, decorrentes da Compensao
Financeira pela Utilizao dos Recursos Hdricos para fins de energia
eltrica10; s compensaes socioambientais e financeiras que permitem
o aprimoramento da oferta de servios pblicos e elevam os recursos
disponveis para investimentos pblicos; e integrao regional
proporcionada pelo capital fsico expresso na infraestrutura
energtica e de transporte, aspecto enfatizado pela Avaliao
Ambiental Estratgica.
Por esses aspectos, os empreendimentos propostos revelariam sua
importncia enquanto capital fsico a contribuir para alterar
significativamente as tendncias de desenvolvimento de grande parte
da poro sudoeste da regio amaznica, o que possibilitaria a atrao de
investimentos complementares que, em conjunto, provocariam efeitos
multiplicadores de renda e emprego mais duradouros, trabalhando a
favor da incluso social (FURNAS, 2005).
Para discutir tais questes, o EIA estabeleceu dois cenrios para
a regio de instalao dos projetos (FURNAS, 2005, Tomo C:IV-1). O
primeiro considerou as tendncias de desenvolvimento da regio sem os
empreendimentos e destacou o intenso processo de ocupao que
caracteriza a
10 A Compensao Financeira pela Utilizao de Recursos Hdricos foi
instituda pela Constituio Federal de 1988 e se refere ao percentual
que as concessionrias de gerao hidreltrica pagam pela utilizao de
recursos hdricos. A Agncia Nacional de Energia Eltrica (Aneel)
gerencia a arrecadao e a distribuio dos recursos entre os
beneficirios: Estado, Municpios e rgos da administrao direta da
Unio (Aneel, 2012). Com relao s hidreltricas de Santo Antnio e
Jirau, durante a fase de operao Unio, Estado e Municpio recebero R$
55 milhes/ano relativos Jirau, sendo R$ 25 milhes/ano para o
municpio de Porto Velho; R$ 25 milhes/ano para o estado de Rondnia;
R$ 5 milhes/ano para a Unio; e R$54,8 milhes/ano, relativos a Santo
Antnio, sendo R$ 24,9 milhes/ano para o municpio de Porto Velho; R$
24,9 milhes/ano para o estado de Rondnia; R$ 5,0 milhes/ano para a
Unio.
Complexo Madeira, o prprio estudo destaca que, com relao
estrutura produtiva brasileira, o transporte hidrovirio vir a
favorecer a produo de gros, com nfase na produo de soja do oeste do
Mato Grosso, em torno do Campo Novo de Parecis e da regio sul de
Rondnia, centrado em Vilhena. Este aspecto ser importante para
compreender os pontos crticos do Complexo Madeira.
Com relao sustentabilidade ambiental, o Complexo Madeira se
vincula ampliao da matriz energtica em bases renovveis, bem como ao
uso de nova tecnologia adotada para explorao de recursos hdricos na
Amaznia, a partir da utilizao de turbinas tipo bulbo. Esses
equipamentos so apropriados para a operao de usinas de baixa queda,
o que permite a reduo significativa da rea alagada, favorecendo a
construo de usinas em rios de plancie, como os rios amaznicos.
Os aspectos mencionados seriam combinados com a promoo do
fortalecimento institucional a partir das articulaes
pblico-privadas no processo de reordenamento territorial.
Estudo de Impacto Ambiental (EIA)
A despeito de a Avaliao Ambiental Estratgica (AAE) analisar o
Complexo Madeira a partir de seu projeto mais amplo, com quatro
hidreltricas, hidrovias e linhas de transmisso, o Estudo de Impacto
Ambiental (EIA), documento institucionalmente reconhecido pela
legislao ambiental brasileira como necessrio para subsidiar a
tomada de deciso acerca da instalao de projetos ambientalmente
impactantes, ir tratar dos aspectos especficos da construo das
hidreltricas de Santo Antnio e Jirau, de modo que os demais
projetos foram postergados a outro processo decisrio.
Segundo o EIA, a instalao do Complexo Madeira est relacionada
modernizao da
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Desenvolvimento Regional e Grandes Projetos Hidreltricos
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infraestruturais em si, como pelas aes engendradas pelos
empreendedores no mbito das compensaes ambientais pelos impactos.
Desse modo, os empreendimentos engendrariam novo padro de ocupao
territorial e assumiriam a funo de polo de desenvolvimento regional
a partir da reorganizao territorial com o atributo da
sustentabilidade.
O cenrio que caracteriza a regio com os empreendimentos
considera como efeitos adversos: a alterao da estrutura social e
poltica local a partir da atrao da populao dos povoados
comprometidos pelos empreendimentos Teotnio, Amazonas e Mutum-Paran
para Porto Velho; a presso sobre Terras Indgenas; supresso de
vegetao para a instalao dos empreendimentos; e a alterao da
ictiofauna (peixes) em termos de diversidade e abundncia. O
documento atesta, entretanto, que haver um conjunto de medidas a
serem adotadas pelos empreendedores para a correo, mitigao ou
compensao de inmeras alteraes que os empreendimentos causaro aos
ambientes naturais da referida regio e sua populao (FURNAS, 2005,
Tomo C, IV-7). Afirma ainda que, apesar de a regio em foco sofrer
com as presses antrpicas, que podem se agravar com os
empreendimentos, testemunhar
alm de compensaes sociais notveis, a oportunidade de proteo de
importantes reas florestais, onde podero ser aplicados recursos
para sustar a predao sistemtica nelas verificada e, ato contnuo,
frear o desmatamento (FURNAS, 2005, Tomo C, IV-7, grifo nosso).
Tambm a compensao financeira vinculada utilizao dos recursos
hdricos da regio e o dinamismo econmico engendrado pela instalao
dos investimentos resultariam na elevao de recursos para
investimento na melhoria dos servios pblicos e preservao
ambiental.
Como pode ser verificado no caso do Complexo
parcela do territrio do Estado de Rondnia para a qual foram
planejados os empreendimentos, marcada pela incorporao de reas para
as atividades agrcolas e velocidade na apropriao dos recursos
naturais, processo intensificado a partir da dcada de 1970, com os
projetos de colonizao ao longo da BR-364.
afirmado pelo estudo que as rodovias representaram mecanismos
estruturantes de um padro de ocupao territorial com enfoque exgeno
regio, que desconsiderou as questes socioambientais, as
caractersticas locais e as formas de organizao territorial
pretritas infraestrutura rodoviria implantada. Como conseqncia,
ocorreu a concentrao populacional principalmente ao longo da
BR-364, com intensificado processo de desmatamento, e em ncleos de
colonizao associados malha viria, rompendo com o padro de ocupao ao
longo dos cursos d`gua.
A potencialidade econmica da regio sem os empreendimentos
estaria relacionada ao reforo e aprofundamento das relaes
prexistentes, quais sejam, explorao madeireira, agropecuria e
extrao mineral, sem alteraes no padro de ocupao vigente. Somam-se a
isso, a reproduo do padro dos servios bsicos, em decorrncia das
perspectivas de investimento, incapazes de superar a precariedade
na regio; e a degradao ambiental.
O segundo cenrio buscou definir a qualidade ambiental e a
qualidade de vida da populao a partir da instalao dos
aproveitamentos hidreltricos de Santo Antnio e Jirau, e os vinculou
ao desenvolvimento regional, ao promoverem a melhoria da qualidade
ambiental; a superao de gargalos na economia regional, como energia
e transporte; a ampliao e melhoria dos servios bsicos; a gerao de
novos postos de trabalho; e o aperfeioamento do padro cientfico.
Tais aes decorreriam tanto do dinamismo econmico proporcionado
pelos investimentos
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benefcios de circuitos de acumulao externos regio.
Na dcada de 1970, esse processo esteve relacionado implantao do
que seria o maior complexo integrado minerrio do mundo, com
infraestrutura de energia e transporte, a partir de negociaes entre
o governo brasileiro, atravs da ento estatal Companhia Vale do Rio
Doce, e de um grupo japons de produtores de alumnio. O projeto
demandou a construo da hidreltrica de Tucuru, o que levou criao da
estatal Eletronorte (BERMANN, 1996). Os recentes projetos
hidreltricos, implementados aps a reestruturao setorial iniciada na
dcada de 1990, que culmina no marco regulatrio de 2004 que permitiu
a atuao de grupos privados no segmento de gerao de energia eltrica
, contam com multinacionais dos setores de energia e minerao como
scias nas parcerias pblico-privadas11.
A instalao de grandes projetos no perodo desenvolvimentista,
apesar de ter promovido a desconcentrao industrial de setores
relacionados explorao de recursos naturais, por localizarem-se em
regies perifricas, no foi capaz de reduz as disparidades regionais.
De fato, acabou por determinar a captura das regies perifricas para
a apropriao de recursos territoriais como minerais e energticos por
parte dos centros hegemnicos nacionais e/ou internacionais, ao
passo que muitas vezes promoveu nas regies de implantao dos grandes
projetos uma profunda desestruturao das atividades econmicas
preexistentes, redundando no crescimento desordenado da populao,
desemprego, favelizao, marginalizao social e degradao
ambiental.
11 Alguns exemplos so o Consrcio Energia Sustentvel, responsvel
por Jirau, em que a principal acionista a multinacional Suez Energy
South American Participaes, Ltda., com 50,1% de participao; o
Consrcio Norte Energia, responsvel por Belo Monte, no rio xingu,
que conta com a participao da mineradora Vale, com 9%, e da
siderrgica Sinobrs, com 1% de participao societria; e o Consrcio
Estreito Energia, responsvel pela hidreltrica de Estreito, no rio
Tocantins, que conta com a participao da GDF Suez (40,07%), e das
mineradoras Vale (30%), Alcoa (25,49%).
Madeira, o setor eltrico, a partir do planejamento de grandes
projetos hidreltricos, guarda atributos do que Vainer (2005, apud
Lemos, 2007) aponta como o modo contemporneo de estruturao e gesto
do territrio. Conforme o autor, o carter (re)estruturante se revela
nos grandes projetos e nas polticas macrossetoriais, a exemplo do
setor eltrico, em decorrncia do porte dos empreendimentos, da
dimenso dos recursos mobilizados humanos, materiais, financeiros,
espaciais e ambientais e das
transformaes produzidas no meio ambiente, no espao e na
sociedade.
Ressalta-se ainda que, pelo diagnstico realizado e medidas
propostas, o EIA pode ser considerado um instrumento de interveno
regional no escopo dos grandes projetos hidreltricos, o que refora
o protagonismo dos empreendedores nas regies de instalao dos
projetos.
No entanto, a despeito dos argumentos que enfatizam os aspectos
favorveis ao Complexo Madeira enquanto vetor de novo ciclo de
desenvolvimento para a regio, medida que se anunciam novos
investimentos do setor eltrico, com nfase na regio Amaznica, so
levantadas questes que remetem ao processo de migrao e urbanizao
desordenada, inviabilizao de atividades econmicas, processo de
deslocamento compulsrio e degradao ambiental relacionada aos
empreendimentos, o que coloca em questionamento o carter de energia
limpa e renovvel atribuda hidroeletricidade e a compatibilidade dos
projetos s especificidades sociais, econmicas e ambientais do
territrio amaznico, aspectos analisados a seguir.
DESENVOLVIMENTO REGIONAL EM QUESTO
Na Amaznia, a apropriao dos recursos para fins de energia
eltrica corrobora as afirmaes de Vainer e Arajo (1992) quanto
apropriao e mobilizao produtiva de recursos naturais em
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Os proponentes afirmaram apoio gerao de renda para garimpeiros,
agricultores, pescadores e moradores ribeirinhos, sem o
detalhamento de como isso ocorreria. Destacaram ainda a melhoria
nas condies dos servios pblicos, com nfase nos servios de sade; e
elevao na receita tributria do municpio, do estado e do governo
federal, durante a fase de construo, e aps, com as compensaes
financeiras. Apesar da excluso
das obras de navegabilidade do rio Madeira no processo de
licenciamento, o projeto elaborado permitiria sua retomada quando
houvesse interesse do governo brasileiro e empresrios.
Sobre a contratao de mo de obra, os proponentes do projeto
expuseram a prioridade em se contratar mo de obra local a partir de
investimentos de capacitao, durante dois anos antes do incio da
instalao. Para tanto, foram firmados
convnios entre os empreendedores e instituies especializadas do
Servio Social da Indstria (SESI) e Servio Nacional de Aprendizagem
Comercial (Senac).
Os aspectos negativos advindos do aumento populacional em
decorrncia das obras seriam compensados com aspectos positivos
relacionados ao aumento dos recursos em circulao e consequentemente
dos investimentos. Portanto, o Complexo Madeira seria capaz de
romper com o histrico de degradao social que marca os grandes
projetos hidreltricos.
Entretanto, no momento da audincia pblica, os questionamentos
por parte da populao (representantes de classe, sindicatos,
trabalhadores rurais, indgenas, acadmicos, entre outros) envolveram
questes que explicitaram dvidas e incertezas quanto aos benefcios
dos projetos (WERNER, 2011).
Com relao instalao do Complexo Madeira, o discurso
desenvolvimentista retomado sob a lgica do GPI. As medidas de
mitigao, compensao e melhoria na qualidade de vida da populao,
somadas elevao na oferta de emprego, dinamizao econmica propiciada
pelos investimentos e oportunidade de diversificao das atividades
produtivas, conferiram legitimidade s hidreltricas do Madeira
enquanto propulsoras do desenvolvimento regional.
Na audincia pblica de Jaci-Paran12, o Complexo Madeira - neste
momento circunscrito s hidreltricas de Santo Antnio e Jirau - foi
apresentado como uma oportunidade para Rondnia iniciar novo ciclo
de desenvolvimento regional, com apoio explcito de polticos locais,
ao favorecer a gerao de emprego, atrao de indstrias e elevao na
arrecadao dos recursos. Ainda, os projetos estariam em consonncia
com as prerrogativas de sustentabilidade ao contribuir com a matriz
energtica limpa e renovvel, capaz de livrar o pas do racionamento
energtico, como o ocorrido em 2001.
O municpio de Porto Velho seria beneficiado com investimentos
infraestruturais de adequao, aprimoramento e recomposio. Por parte
dos proponentes, Furnas e Odebrecht, foi destacado o compromisso
com o remanejamento da populao da rea de formao dos reservatrios,
realocao e indenizao das perdas e a recomposio econmica das
atividades inviabilizadas. Os empreendedores apoiariam o
desenvolvimento regional a partir da capacitao dos setores
econmicos locais, para que se estruturassem e ampliassem sua
capacidade produtiva.
12 As atas das audincias pblicas das hidreltricas de Santo
Antnio e Jirau esto disponveis no site do Ibama, no entanto, sem
que as discusses na ntegra sejam apresentadas. Apenas as discusses
da audincia pblica de Jaci-Paran, realizada em 10 de novembro de
2006, foram obtidas na ntegra com a empresa Furnas Centrais
Eltricas S.A.. Essa foi a primeira audincia do processo de
licenciamento das usinas hidreltricas de Santo Antnio e Jirau, aps
a suspenso do processo por parte do Ministrio Pblico Estadual.
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legislao brasileira, as prprias exigncias anexadas s licenas
ambientais, em forma de condicionantes, reforam o carter
legitimador que as medidas de mitigao e compensao expressam, pois
vinculam a instalao dos empreendimentos oferta de servios bsicos e
oportunidades no existentes na ausncia dos empreendimentos, o que
favorece sua aceitao perante a populao. Nesse sentido, o
compromisso por parte do empreendedor em contribuir com os
investimentos infraestruturais e melhoria dos servios pblicos e as
potencialidades na gerao de emprego e renda atuam como fatores de
legitimao dos empreendimentos, de modo a justificar a sua
necessidade para a regio (WERNER, 2011).
No entanto, imperaram no processo de licenciamento dos
empreendimentos do Madeira a incerteza e a insegurana quanto
efetiva concretizao das aes propostas pelo projeto no perodo de
licenciamento prvio13, tanto pelo fato de o empreendedor ser
oculto, quanto pela inexistncia detalhamento das medidas a serem
executadas, o que s ocorre aps a realizao do leilo de energia,
quando se estabelece o empreendedor dos projetos, responsvel pela
elaborao do Projeto Bsico Ambiental (PBA), que ir detalhar as
medidas mitigadoras e compensatrias.
Souza (2009) afirma que os estudos de impacto servem mais para
legitimar o empreendimento do que para identificar os riscos,
prejuzos e consequncias para as sociedades e meio ambiente
13 O processo de licenciamento ambiental normatizado pela Conama
06/87, que estabelece que, com relao aos aproveitamentos
hidreltricos, a Licena Prvia (LP) ) dever ser requerida no incio do
estudo de viabilidade da Usina; a Licena de Instalao (LI) dever ser
obtida antes da realizao da Licitao para construo do
empreendimento, e a Licena de Operao (LO) dever ser obtida antes do
fechamento da barragem. Aps a obteno da LP, realizado o leilo
pblico que estabelece o empreendedor dos projetos. Este dever
elaborar o Projeto Bsico Ambiental (PBA), que estabelece as medidas
a serem implementadas pelo empreendedor para mitigar e compensar os
impactos apontados pelo Estudo de Impacto Ambiental (EIA).
As preocupaes envolveram a temporalidade entre a recomposio dos
modos de vida e o incio das obras; a temporalidade entre a presso
sobre os servios pblicos e o momento em que se iniciariam as
compensaes e os investimentos; a insuficincia dos estudos de
impacto ambiental; a especialidade dos empregos gerados; a oferta
de empregos para homens e mulheres; a proteo de terras indgenas,
inclusive para ndios isolados; as compensaes sociais e ambientais
que envolveriam os empreendimentos; o aproveitamento local dos
recursos madeireiros a serem suprimidos para a formao do
reservatrio; a infraestrutura de transporte a ser aprimorada para
apoio aos produtores da regio; a infraestrutura de integrao
regional sul-americana que, apesar de amplamente contemplada na
Avaliao Ambiental Estratgica (AAE) como vetor de desenvolvimento
regional sustentvel, foi excluda do processo de licenciamento; e o
processo indenizatrio e de regularizao fundiria.
revelada no mbito da audincia pblica a posio do empreendedor
enquanto planejador de polticas para a regio. Assim, pelo fato de
realizarem aes que se confundem com aquelas atribudas ao poder
pblico, as medidas de mitigao e compensao realizadas pelos
empreendedores tornam-se objetos de barganhas, moeda de troca no
processo de licenciamento, e permitem legitimar os projetos perante
a populao como necessrios para a superao da precariedade nos
servios pblicos.
Acselrad et al. (2009), ao estabelecer os mecanismos de injustia
ambiental, afirmam que as empresas, ao se instalar em reas de
residncia de baixa renda e/ou desprovidas de servios pblicos
essenciais, conseguem diante da omisso do poder pblico obscurecer a
viso crtica dos moradores, instalando os servios necessrios, como
postos de sade, creches, etc.
Com relao a essa situao, a anlise do Complexo Madeira permite
afirmar que, considerando a
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vez mais especializado em gros, minrio e energia.
A despeito de argumentos acerca da potencialidade das obras
engendrarem o desenvolvimento da regio, Menezes (2009) adverte para
o fato de que essas intervenes estatais reduzem os custos de
transporte e energia para atividades industriais ligadas produo de
commodities, beneficiando apenas alguns grupos econmicos, como
minerao, produo da soja e celulose. Portanto, o Complexo Madeira
reforaria o padro de desenvolvimento relacionado exportao de bens
primrios que marca o processo de ocupao territorial da regio.
Considerando a adoo de polticas neoliberais a partir da dcada de
1990 no Brasil, o dinamismo das regies passou a depender de sua
competitividade no mercado externo, o que requereu vultosos
investimentos para atender s necessidades logsticas das atividades
exportadoras (ARAJO, 1999). Como consequncia, apesar de o principal
determinante dos investimentos industriais no pas serem as
exportaes, as polticas neoliberais aprofundaram nosso papel
enquanto mero exportador de produtos bsicos de baixo valor agregado
e elevado contedo energtico (BERMANN, 2003).
De acordo com Vainer (2007), outro aspecto relevante o fato de
que o processo de apropriao dos territrios a partir dos grandes
projetos de investimento no perodo atual se diferencia do processo
de integrao nacional que marcou o perodo desenvolvimentista. As
privatizaes dos setores estratgicos, ao lado da ausncia ou
fragilidade do planejamento regional, acarretam a ao soberana das
empresas sobre as decises, de modo que a privatizao dos setores
responsveis pela infraestrutura acabou tendo como corolrio a
privatizao dos processos de planejamento e controle territorial
intrnseco aos grandes projetos. Conforme o autor, apesar de os
grandes projetos de investimento voltarem tona, como a integrao
afetados. Segundo a autora, as populaes no so ouvidas como parte
do processo decisrio de construo das barragens ineficcia do
processo de audincia pblica , assim como as relaes sociais so
consideradas de menor importncia e passveis de mitigao e compensao,
se comparadas com os efeitos sobre os meios fsicos e biticos,
considerados mais relevantes em termos de inviabilizao da obra.
J Ioris (2010) destaca que os impactos das hidreltricas so
enquadrados na metodologia utilitarista de anlise de
custo-benefcio, em que se quantificam ganhos e perdas por meio de
tcnicas de valorao ambiental que iro nortear a definio do nvel mais
adequado de compensao dos impactos socioambientais. No entanto,
apesar do argumento cientfico que sustenta os estudos, tais
metodologias ignoram diferenas polticas e sociais que influenciam a
aprovao dos projetos.
Alm disso, no caso do Complexo Madeira, o argumento de energia
limpa atribuda aos empreendimentos hidreltricos e seu potencial em
termos de desenvolvimento regional se confrontou com o debate
acerca do modo de apropriao dos territrios e dos recursos
amaznicos, o que permitiu que a discusso em torno dos projetos
superasse a negociao sobre as medidas de mitigao e compensao que
envolvem o cumprimento da legislao ambiental.
Conforme Garzon (2008), o Complexo Madeira no se vincula
exclusivamente ao planejamento energtico nacional, mas se insere em
um conjunto de projetos de infraestrutura que submete a regio
amaznica a uma nova ordem territorial, vinculada s instituies
financeiras internacionais e aos setores primrio-exportadores.
Carvalho (2010) assegura que, a partir da integrao, a Amaznia
torna-se importante para a viabilizao da insero internacional das
empresas brasileiras, de modo a ser questionada pelo aprofundamento
do modelo primrio-exportador a que se coloca o Brasil, cada
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agropecuria, pesca e extrao florestal), o que
compromete o potencial dos empreendimentos em promover um novo
processo de ocupao territorial e dinamismo econmico para a regio;
ii) a elevao na arrecadao de impostos a partir da instalao dos
projetos foi expressiva no setor de servios, com destaque para
aqueles relacionados s demandas ocorridas na fase de instalao dos
empreendimentos, o que pode ser arrefecido aps essa fase; iii)
recrudescimento do processo migratrio; iv) presso sobre servios
pblicos j deficitrios, a partir do fluxo migratrio;
v) ineficincia das medidas de mitigao e
compensao; entre outros aspectos14.
Com relao presso sobre os servios pblicos, a Plataforma Dhesca
Brasil identificou, em Misso
de Monitoramento realizada em abril de 2011, crises no sistema
de educao e de sade, aumento do dficit habitacional e crescimento
da violncia.
Sob esse aspecto, de acordo com a Dhesca (2011), houve
crescimento de homicdios dolosos, vtimas de abuso ou explorao
sexual de crianas e adolescentes e estupros. J sobre o processo de
remanejamento e indenizao da populao, o relatrio Dhesca destaca as
subindenizaes de terras e benfeitorias, reduo da renda familiar,
lotes pequenos e de baixa fertilidade, interdio de reas de pesca,
alm de moradias e fornecimento de infraestrutura de qualidade
precria. Recentemente, mais um episdio de degradao da vida da
populao foi verificado a partir da instalao dos
projetos.
O episdio ocorreu no bairro Tringulo, centro de Porto Velho. A
abertura das comportas da UHE Santo Antnio, em 23 de janeiro de
2012, acarretou o desbarrancamento e a socavao de cerca de 7
14 As transformaes ocasionadas a partir da instalao do Complexo
Madeira foram discutidas na dissertao de mestrado que subsidia este
artigo, e apresenta uma anlise preliminar das transformaes
verificadas no mercado de trabalho e nas finanas pblicas a partir
da instalao dos empreendimentos (WERNER, 2011).
do rio So Francisco, a hidreltrica de Belo Monte e o Complexo
Madeira, o diferencial o fato de que parte das grandes empresas e
os empreendimentos territoriais no esto mais sob controle do Estado
brasileiro, o que dificulta o controle social sobre
os mesmos. Nesse sentido que as aes das empresas passam a
reordenar os territrios a partir de seus interesses.
Assim, reafirma-se o carter de portadores de
grande potencial de organizao e transformao dos espaos atribudo
aos grandes projetos de investimento; no entanto, seu grande
potencial de decompor e compor regies est relacionado projeo para
os espaos locais e regionais interesses quase sempre globais, o que
faz deles globais-locais (VAINER, 2007). No caso dos
empreendimentos do rio Madeira, tais interesses se expressam na
relao dos projetos com a IIRSA.
Considerando esse aspecto que possvel compreender o Complexo
Madeira como um projeto reestruturante, medida que pretende
reordenar o espao amaznico a partir de condicionantes ditadas pelos
mercados internacionais, sendo o Estado o viabilizador desse
projeto de insero competitiva, que submete o territrio aos ditames
globais. Porm, apesar de cumprir seu papel de servir ao processo de
acumulao, ainda so limitados os efeitos dos projetos em termos de
melhoria na qualidade de vida da populao na regio de instalao dos
empreendimentos.
A despeito do carter inovador em termos sociais, econmicos e
ambientais apresentado no discurso de viabilizao do Complexo
Madeira, a instalao dos projetos seguiu o mesmo padro que marca a
histria do setor eltrico nas regies: i) a promessa de ampliao de
empregos formais tem se realizado em atividades relacionadas fase
de instalao dos empreendimentos (construo civil e servios), ou
ainda em setores relacionados ao processo de ocupao tradicional da
regio (extrao mineral,
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Desenvolvimento Regional e Grandes Projetos Hidreltricos
(1990-2010): o caso do Complexo Madeira
por outro, atinente capacidade do investimento infraestrutural
propagar seus efeitos para seu entorno e superar o carter de
enclave so questes ainda em suspense com relao ao Complexo Madeira,
o que coloca em xeque as perspectivas de desenvolvimento regional
engendrado por grandes projetos hidreltricos.
CONSIDERAES FINAIS
A retomada da expanso do setor eltrico, com nfase na explorao
dos recursos hdricos amaznicos, acompanhada do discurso da
compatibilidade de instalao de grandes projetos hidreltricos ao
desenvolvimento regional sustentvel. Por parte dos proponentes dos
projetos e do governo, os empreendimentos se apresentam como
redentores de novas formas de ocupao territorial, uma vez que sua
instalao vincula-se ao fornecimento de infraestrutura econmica e
social, de proteo ambiental, de novas articulaes da poltica
regional, o que confere ao projeto hidreltrico o carter de
planejador do territrio. Ao cumprir tais funes que o projeto
hidreltrico torna-se vivel social, econmica e ambientalmente.
Converge para a tentativa de legitimao do projeto o processo de
licenciamento ambiental, uma vez que o Estado confere protagonismo
ao empreendedor no que se refere ao reordenamento territorial, ao
atribuir aos projetos a possibilidade de superar as deficincias
sociais das regies atingidas
por barragens por meio de medidas de mitigao e compensao
ambiental. Como consequncia, tais medidas tornam-se objeto de
barganha entre empreendedor e populao local. Assim, os Estudos de
Impacto Ambiental estabelecidos para subsidiar o processo de deciso
sobre a viabilidade dos projetos hidreltricos, mesmo que
insuficientes,
acabam por se configurar em um instrumento de
legitimao e aceitao em favor dos projetos.
km jusante do eixo da barragem, em decorrncia do movimento
irregular do rio Madeira. O processo erosivo atingiu diretamente
cerca de 115 moradias, a 5 km do eixo da barragem. As famlias
tiveram de ser remanejadas emergencialmente para hotis e pousadas
no municpio de Porto Velho, e suas atividades econmicas e sociais
foram inviabilizadas. O consrcio Santo Antnio Energia (SAE) assumiu
parcialmente a culpa aps um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)
intermediado pelo Ministrio Pblico Estadual: parcialmente, pois
atribuiu aos moradores a irregularidade ocupacional ao habitarem
reas de risco. Cabe ressaltar que o Bairro Tringulo iniciou-se no
sculo xIx em funo da construo da estrada de ferro Madeira-Mamor, e
no h relatos de episdios no passado comparveis ao ocorrido
(INFORMATIVO TRINGULO, 2012) 15.
O que se constata que a proposta do Complexo Madeira de
engendrar o desenvolvimento regional sustentvel a partir das
hidreltricas confronta-se com o que se tem verificado na regio.
Segundo
Garzon (2010), o descolamento entre o previsto nos estudos de
impacto ambiental e o ocorrido aps a instalao dos projetos decorre
da ausncia de meios, prazos e recursos como parmetros para o
cumprimento dos programas ambientais. Assim, apesar de a
viabilidade dos projetos estar condicionada ao cumprimento das
medidas de mitigao e compensao, no h garantias de que tais
condicionantes sero suficientes como
forma de amenizar os impactos desencadeados pelos projetos,
exemplo do ocorrido no bairro Tringulo.
Se por um aspecto o Complexo Madeira cumpre o seu papel de
articular a regio amaznica dinmica global de integrao competitiva
dos mercados,
15 O episdio ocorreu aps a realizao da pesquisa de dissertao de
mestrado a que o presente artigo se refere, porm foi aqui inserido
pois corrobora as anlises realizadas na pesquisa, bem como ilustra
os processos em curso na regio de instalao das hidreltricas de
Santo Antnio e Jirau.
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O fato de as regies serem marcadas por processos de ocupao
precrios, sem que sejam garantidos direitos fundamentais, faz com
que a viabilidade seja atestada sob a argumentao da superao de tais
carncias, o que arrefece o poder de barganha da sociedade ante os
interesses que envolvem o processo decisrio de instalao dos
empreendimentos hidreltricos. Destarte, a precariedade no processo
de ocupao das regies no deveria ser justificativa para a instalao
dos
projetos, nem tratada no mbito do processo decisrio dos mesmos,
pois apenas favorece sua legitimao politicamente, sem permitir que
se discutam mais profundamente os danos sociais e ambientais que
acarretam.
No obstante, ao serem identificados os interesses que permeiam a
necessidade de instalao dos projetos setores primrio-exportadores e
eletrointensivos, aspecto verificado pelo vnculo das
hidreltricas IIRSA questionou-se no caso do Complexo Madeira o
modelo de desenvolvimento a que os projetos atendem, pois apesar do
discurso em prol do desenvolvimento regional e nacional, tais
projetos aprofundam o padro de ocupao territorial vigente, com
socializao dos danos sociais e ambientais.
Por esse aspecto, apesar da nfase conferida s condicionantes
socioambientais como forma de compatibilizar os projetos regio de
instalao, em ltima instncia o debate em torno das usinas
hidreltricas do Madeira pode ser considerado um debate acerca do
modo de apropriao do espao amaznico, ao questionar a insero
perifrica do pas, que posiciona a regio como fornecedora de
commodities e energia aos circuitos nacionais e internacionais
custa da explorao predatria dos recursos materiais, humanos e
sociais, que marca a histria do setor eltrico e do desenvolvimento
brasileiro.
REFERNCIAS
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