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HISTRIA E POLTICA:
ELEMENTOS INTRODUTRIOS
Walmir Barbosa
O estudo da Poltica uma necessidade que se impe de forma intensa
na nossa contemporaneidade. Estudo que deve buscar combinar
abordagens macro e micro
estruturais.
Em termos macro estruturais porque, em face da globalizao e do
neoliberalismo,
convivemos com contradies e conflitos que se expressam de
mltiplas formas.
Vivenciamos o aprofundamento da distncia entre ricos e pobres
(Norte versus Sul; e entre
dominantes versus dominados), o agigantamento da destruio
ambiental, a multiplicao
das guerras regionais, a exacerbao da violncia, a
instrumentalizao da cincia pelo
capital.
Em termos micro-estruturais porque, em face da afirmao cultural
dos grupos
tnicos oprimidos, da revoluo feminina, da afirmao social da
criana e do adolescente,
entre outros processos, convivemos com contradies e conflitos de
cunho privado e
cotidiano que tambm se expressam de mltiplas formas. Vivenciamos
a crise da relao de
gnero, o ressurgimento do xenofobismo, o conflito de geraes.
A nossa contemporaneidade expressa, tambm, a viabilidade de
construo de um
novo processo civilizatrio erigido sobre as macro estruturas da
lgica do capital, da razo
crtica instrumental e do burocratismo estatal. So evidencias
dessa realidade a insurgncia
representado pelo movimento contra a globalizao, a multiplicao
de novos movimentos
sociais, o constrangimento frente a desigualdade, pobreza e
violncia no mundo.
A viabilidade de construo de um novo processo civilizatrio
demanda, tambm, a
superao das micro estruturas do machismo, da discriminao racial,
da discriminao de
jovens e velhos. So evidencias dessa realidade o surgimento de
novas experincias de
relacionamento de gnero, de encontro de diversidades religiosas
e tnicas.
Mestre em Histria das Sociedades Agrrias e professor de Cincia
Poltica pela UCG.
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A tomada de uma conscincia dos problemas mundiais em termos
macro e micro
estruturais uma necessidade e amplia a importncia da Poltica.
Ela pode atuar no sentido
de compreende-los, bem como contribuir para a construo de
respostas coletivas para os
mesmos.
A compreenso da Poltica pode ser respaldada pela disciplina
Cincia Poltica. Da a
importncia de abordarmos o conceito de poltica, os problemas
advindos do seu mtodo e
do seu objeto, os seus limites. Pode, tambm, ser respaldada
pelas possibilidades abertas por
meio do dilogo que a disciplina Cincia Poltica pode estabelecer
com outras disciplinas
das cincias humanas, bem como com outras esferas de manifestao
da nossa
subjetividade. Da a necessidade da questo poltica ser abordada
em uma perspectiva de
totalidade e interdisciplinar.
O presente texto tem como propsito conduzir uma reflexo acerca
da Poltica a
partir da histria do mundo ocidental. Ele se constitui em uma
reflexo introdutria, para
fins acadmicos, sobre o desenvolvimento da poltica como prxis e
como disciplina
construda no processo histrico, tendo em vista uma reflexo
futura mais consistente.
Todavia, necessrio registrar que, mesmo com todos os limites, as
contribuies de Camila
Dalul Mendona e os dilogos crticos com Paulo Faria e Sebastio
Cludio Barbosa tem
sido de grande valia.
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SUMRIO
APRESENTAO 1 A UTILIDADE DA POLTICA
1.1 A Constituio de uma Sociedade Rica Politicamente
2 CONCEITUANDO POLTICA
2.1 Poltica e Poder
2.2 A Finalidade da Poltica
2.3 Poltica e Conflito
2.4 A Delimitao da Poltica
2.5 Poltica e Moral
3 CONCEITUANDO CINCIA POLTICA
3.1 Surgimento e desenvolvimento da Cincia Poltica
3.2 Concepes a cerca da Cincia Poltica
3.3 Papel da Cincia Poltica
3.4 Cincia Poltica e interdisciplinaridade
3.5 Mtodos e Tcnicas
3.6 - O Procedimento da Comparao
3.7 O Problema da Avaliao
4 A GRCIA E A INVENO DA POLTICA
4.1 A Vida Poltica de Esparta
4.2 A Vida Poltica de Atenas
4.3 A Criao da Poltica
4.4 A Finalidade da Poltica Para os Gregos
4.5 Os Regimes Polticos
5 ROMA: O DOMNIO DO PRAGMATISMO ARISTOCRTICO
5.1 A Repblica Romana
5.2 O Movimento Reformista dos Irmos Traco
5.3 O Imprio Romano
5.4 A Virtude Personificada
6 IDADE MDIA E O PODER TEOLGICOPOLTICO
6.1 Sociedade e Economia Medieval
6.2 A Expanso Feudal
6.3 A Crise Feudal
6.4 As Bases das Teorias Polticas Crists Medievais
6.5 As Teorias Teolgico-Polticas Medievais
6.6 Auctoritas e Potestas
6.7 O Poder Dual
6.8 O Pensamento Poltico da Cristandade Tardia
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7 MAQUIAVEL E O NOVO PRNCIPE
7.1 A Itlia de Maquiavel
7.2 Maquiavel e a Criao do Pensamento Poltico Moderno
7.3 Principados e Repblicas
7.4 A Revoluo na Poltica
7.5 Os Limites de Maquiavel
8 O CONTEXTO HISTRICO DAS TEORIAS MODERNAS
8.1 O Renascimento
8.2 A Reforma Protestante
8.3 Os Estados Nacionais Aristocrticos
8.4 Estado Nacional e Mercantilismo
8.5 O Iluminismo e a Razo
9 REVOLUO ARISTOCRTICO-BURGUESA NA INGLATERRA
9.1 Revoluo Aristocrtico-Burguesa na Inglaterra
9.2 Tericos da Revoluo Aristocrtico-Burguesa na Inglaterra
9.2.1 Hobbes e o Contrato Social
9.2.2 O Estado de Natureza
9.2.3 O Contrato Social em Hobbes
9.2.4 Locke e a Teoria Liberal
9.3 Estado e Propriedade
9.4 Locke e o Pensamento Liberal
10 REVOLUO BURGUESA NA FRANA
10.1 Rousseau e a Vontade Geral
10.2 A soberania
10.3 As Leis e o Legislador
10.4 O Governo
10.5 A Religio Civil
10.6 A Propriedade Privada e a Desigualdade Social
10.7 Crticas ao Pensamento de Rousseau
10.8 - Montesquieu e os Trs Poderes
10.9 Os Trs Poderes
10.10 A Teoria dos Trs Poderes
11 A CONTEMPORANEIDADE
11.1 Liberalismo, Cidadania e Estado
11.2 Capitalismo e Contestao do Mundo do Trabalho
11.3 Crise do Capital e Welfare State
11.4 A Grande Crise do Capitalismo e os Novos Regimes
12 A FRANA PERMANECE REVOLUCIONRIA
12.1 A Comuna de Paris de 1871
13 A REVOLUO DE OUTUBRO DE 1917
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14 TEORIAS E PENSAMENTOS POLTICOS CONTEMPORNEOS
14.1 O Pensamento Positivista
14.2 Estado e Poltica Cientfica
14.3 Sociedade e Vontade Poltica
14.4 Concepo Anarquista
14.5 Autoridade, Estado e Lei
14.6 A Revoluo Social Anarquista
14.7 - Sociedade, Estado e Poltica no Marxismo
14.8 Sociedade e Totalidade em Marx
14.9 A Concepo Materialista da Histria
14.10 A concepo Marxista do Estado
14.11 A Construo da Concepo de Estado de Marx
14.12 A influncia de Hegel
14.13 O Estado no Jovem Marx
14.14 A concepo de Estado de Marx de 1848 1852
14.15 As Contribuies de Gramsci
14.16 - O Pensamento Liberal de Marx Weber
14.17 As Razes do Mtodo de Weber
14.18 Capitalismo e tica Protestante]
14.19 Ao Social e Racionalidade
14.20 Classe Social e Estamento
14.21 Poltica e Poder
14.22 A burocracia
14.23 Liberalismo e Vontade Poltica
15 IMPRIO E DESTRUIO
15.1 Capital Globalizado e Destruio
15.2 O Que Fazer?
16 ATUAIS DESAFIOS PARA A POLTICA E A TICA
16.1 A Dimenso da Poltica
16.2 Poltica tica
16.3 Elementos de Orientao Para Uma Poltica tica
16.3.1 O Homem como Ser e como Fim
16.3.2 Equivalncia entre Igualdade e Diferena
16.3.3 Pauta, Processo e Luta pelos Direitos Humanos
16.3.4 Radicalizar a Prtica Poltica Democrtica
16.4 Liberdade, Igualdade e Justia Como Realizao tica
ANEXO 1
BIBLIOGRAFIA
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1) A UTILIDADE DA POLTICA
Qual a utilidade da Poltica? Certamente a sua utilidade varia
segundo as nossas
opes e escolhas sociais, ou seja, a forma de leitura construda,
os interesses sociais com os
quais nos comprometemos, e assim por diante.
Na perspectiva liberal conservadora a Poltica poderia ser til
para a tomada de
medidas que assegurassem a ordem, a coeso e a paz social. Destas
medidas dependeria a
viabilidade do progresso econmico e social da sociedade.
A Poltica seria o campo da prtica social dos operadores polticos
(governos,
partidos, polticos, burocratas, etc), tendo em vista a conduo de
reordenamentos
institucionais que poderiam readequar o Estado, o governo e as
instituies s necessidades
de uma sociedade em constante evoluo. O campo privilegiado da
poltica seria o Estado,
ordenado por meio dos seus trs poderes. No seu mbito e de forma
vertical seriam definidas
as polticas de reforma, de regulao e de controle da
sociedade.
Na perspectiva liberal progressista a Poltica poderia ser til
para a conquista da
justia social, da cidadania para todos. Conquista esta que
passaria, entre outras iniciativas,
pela reverso do fenmeno da pobreza. Da pobreza scio-econmica,
isto , da carncia
material fruto da reproduo do fenmeno da concentrao de renda, do
mercado informal
de trabalho, do desemprego e subemprego. E da pobreza poltica,
isto , da carncia poltica
fruto da tragdia histrica de um povo impedido de gerir seu
prprio destino, de se organizar
para a defesa dos seus direitos, de se libertar da manipulao
poltica, de institucionalizar a
democracia.
Na perspectiva liberal progressista, na qual a pobreza poderia,
enfim, manifestar-se
em uma dimenso scio-econmica e em uma dimenso poltica, elas
estariam mutuamente
condicionadas. Por exemplo, ganhos de renda da sociedade poderia
ser acompanhado por
sua distribuio regressiva, o que demonstra que no seria possvel
resolver o problema da
pobreza scio-econmica sem a participao poltica das camadas
populares. Em outro
exemplo, uma poltica assistencialista poderia at distribuir
benefcios e minorar
conjunturalmente a fome, mas poderia, todavia, terminar por
agravar a pobreza poltica,
desmobilizando, assim, a Poltica das massas e dos movimentos
sociais. Poderia, ainda, a
longo prazo, agravar a prpria pobreza scio-econmica na medida em
que exerceria uma
ao destrutiva sobre a capacidade de presso poltica das camadas
populares.
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Na perspectiva igualitria e libertria a Poltica poderia ser til
para a
construo/organizao do mundo do trabalho em uma perspectiva de
transformao da
sociedade capitalista e burguesa. O horizonte utpico seria a
construo de uma nova ordem
social na qual o homem esteja no centro da sociedade, no o
capital.
Na perspectiva igualitria e libertria esta transformao teria que
se dar a partir do
mundo do trabalho e de forma radical, isto , de baixo para cima
e revolucionariamente. Isto
porque a profundidade das transformaes haveria de colocar um fim
na propriedade
privada, nas classes sociais, na desigualdade social e no Estado
(tal como o conhecemos).
Qualquer que seja a perspectiva que se tenha da Poltica ela deve
ser pensada em
uma dimenso tica, isto , deve se pautar pela busca permanente da
liberdade, da igualdade
e da justia entre os homens. Nesta direo, a Poltica se constitui
em um campo de prxis e
em uma disciplina por meio da qual uma sociedade, diferenciada
por classes e grupos
sociais, formula suas reivindicaes e projetos sociais e os
coloca claramente no debate e na
disputa poltica e social.
Identificar as bases sobre as quais se reproduz a sociedade,
revelar as relaes que
estas bases estabelecem com as formas de poder e
resgatar/indicar formas de organizao e
experincia poltica historicamente construdas se constitui,
seguramente, em um passo
necessrio nesta direo.
1.1 A Construo de uma Sociedade Rica Politicamente
necessria a construo de uma conscientizao poltica a respeito da
injustia
social. A construo desta conscincia por parte de amplos setores
sociais pode
circunscrever-se nos limites da sociedade capitalista e
burguesa. Expressar-se enquanto
conscincia de direitos sociais dos quais uma parcela da
sociedade encontra-se impedida,
isto , reconhecer a pobreza scio-econmica como injustia e a
pobreza poltica como
represso.
A construo da conscincia poltica da injustia social pode, ainda,
ultrapassar os
limites da sociedade capitalista e burguesa. Amplos setores
sociais podem compreender a
pobreza scio-econmica e a pobreza poltica como decorrncia dos
fundamentos de um
modo de produo que gera, de um lado, o desperdcio, a
sub-utilizao das foras
produtivas, a distribuio regressiva da riqueza e propriedade, a
exausto dos recursos
naturais, e de outro, o domnio poltico, a opresso ideolgica, a
pasteurizao das
identidades culturais. Uma conscincia que se faz libertria e
igualitria.
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A perspectiva de conscientizao poltica da injustia social pode
ser diversificada.
Todavia, necessrio o desenvolvimento de trs grandes processos
sociais, sem os quais no
ser possvel a formao de atores polticos crticos, motivados por
projetos polticos
prprios e fortemente organizados para viabiliz-los.
Efetivar a universalizao da educao pblica, gratuita e de
qualidade e conquistar
os espaos de educao (escola, universidades, etc) do Estado e do
capital so passos
necessrios para a construo da conscientizao poltica contra a
injustia social. De um
lado, porque a educao permite a aquisio, desde instrumentaes
primeiras para a
conscientizao poltica como ler, escrever, informar, interpretar,
analisar, at o acesso ao
conhecimento cientfico e tecnolgico desenvolvido pela
humanidade. De outro, porque a
conquista dos espaos da educao e sua transformao em sociedade
civil organizada
permite que sejam orientados para formar o mundo do trabalho
para a liberdade, no para o
capital, na medida em que podero ser criados projetos de educao
alternativa e
impulsionar projetos sociais alternativos tendo a educao e o
espao em que ela ocorre
como ferramentas.
necessrio preservar ou mesmo reconstruir as identidades
culturais comunitrias. A
condio de classes e grupos sociais atuando como sujeitos sociais
e polticos possui como
fundamento a cultura de cada povo. Esta necessidade torna-se
urgente quando os centros de
poder do capital aciona poderosas foras pasteurizadoras e
homogeneizadoras da cultura, a
exemplo das novas mdias, dos oligoplios de informao, dos novos
kits culturais.
Por fim, as classes, grupos e indivduos sociais necessitam se
organizar e se
defender. Operar redefinies no Estado e limites na economia de
mercado, ou mesmo
colocar em questo as bases sobre as quais a sociedade atual se
articula, no atual perodo de
luta de classes, somente ser possvel por meio da construo de uma
vasta organizao da
sociedade civil do mundo do trabalho. necessrio libertar
organizaes tradicionais da
sociedade civil do mundo do trabalho, a exemplo dos sindicatos e
dos partidos polticos, do
imobilismo burocrtico, do favorecimento material de grupos
polticos encastelados na sua
estrutura e da tradio vertical e autoritria de relao com a base,
bem como impulsionar a
criao de organizaes novas da sociedade civil do mundo do
trabalho, como ONGs,
movimentos de ambientalistas, de sem-teto, de minoria.
A Poltica pode ser til na construo destes trs grandes processos
sociais, tendo em
vista a conquista da conscientizao poltica acerca da injustia
social. Eles podem ser
insuficientes para a conquista da justia social, mas pouco poder
ser efetivamente realizado
nessa direo sem os mesmos.
Emerson PedrosoHighlight
Emerson PedrosoHighlight
Emerson PedrosoHighlight
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2) CONCEITUANDO POLTICA
O termo Poltica deriva do adjetivo grego Plis (politiks), que
significa tudo o que
se refere cidade e, consequentemente, o que urbano, civil e
pblico. Na sua origem o
termo Poltica assume uma significao mais comum de arte ou cincia
do governo, com
intenes descritivas e/ou normativas.
No mbito deste significado, o termo Poltica , tambm, utilizado
para designar
obras dedicadas ao estudo da esfera de atividade humana que se
refere s coisas do Estado.
Em certa medida uma influncia da obra Poltica de Aristteles, o
primeiro grande marco
na abordagem da natureza, funes e diviso do Estado.
Com Marx o termo Poltica incorpora o sentido de conflito ou luta
de classes. Com
isto ocorre um deslocamento ontolgico da abordagem da Poltica da
esfera pblica para a
sociedade diferenciada socialmente. A esfera pblica passa a ser
concebida como realidade
determinada pelo conflito ou luta de classes.
Com Michel Foucault o termo Poltica ultrapassa o que se refere
ao Estado e as
classes sociais. Incorpora poltica as relaes sociais no plano
das micro estruturas sociais,
reproduzidas no cotidiano e que se materializam em uma rede
infinita de poder. Estas
relaes perpassariam as relaes de gnero, de grupo etrio, etc, e
se expressariam na rede
de poder.
2.1 Poltica e Poder
Poltica pode ser definida como o campo de prxis e o conjunto de
meios que
permite aos homens alcanarem os objetivos desejados. Para
alcanar estes objetivos a
Poltica lana mo do poder, isto , de uma relao entre sujeitos,
dos quais um (ou alguns)
impe ao outro (ou outros) a prpria vontade e determina o seu
comportamento.
Forma-se o poder poltico, ou seja, uma forma especfica de poder,
que se distingue
do poder que o homem exerce sobre a natureza e de outras formas
de poder que o homem
exerce sobre outros homens (poder paterno, poder desptico, etc).
O poder poltico na
tradio clssica ocorre apenas nas formas corretas de Governo. Nas
formas viciadas o
poder poltico exercido em benefcio dos governantes, o que
significa um poder no
poltico.
Emerson PedrosoHighlight
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Podemos distinguir trs grandes classes de poder. O poder
econmico, que se baseia
na posse de certos bens para induzir aqueles que no os possuem a
manter um certo
comportamento, sobretudo na realizao de um certo tipo de
trabalho. De tal forma que
aqueles que possuem abundncia de bens so capazes de determinar o
comportamento de
quem se encontra em condies de penria, por meio de promessa,
concesso de vantagens,
e assim por diante. O poder ideolgico, que se baseia na
influncia que as idias formuladas
de um certo modo, por um grupo investido de certa autoridade,
expressas em certas
circunstncias e difundidas mediante certos processos, exercem
sobre as condutas da
sociedade. Este poder pode assumir uma forma laica ou religiosa.
O poder poltico, que se
baseia na posse dos instrumentos mediante os quais se exerce a
fora fsica. o poder coator
no sentido mais estrito da palavra.
Essas trs formas de poder fundamentam e mantm uma sociedade de
desiguais, isto
, dividida em ricos e pobres com base na primeira classe de
poder; em sbios e ignorantes
com base na segunda classe de poder; e em fortes e fracos com
base na terceira classe de
poder. As trs grandes classes de poder esto profundamente
condicionados pelas relaes
de produo dominantes em cada sociedade, isto , pela forma como
os homens, distribudos
por meio de classes sociais e em conflito, organizados a partir
de um tipo especifico de
propriedade e de trabalho, produzem e distribuem os excedentes.
Portanto, o conflito, no
mbito das relaes de produo, percorre as trs grandes classes de
poder e vice-versa. Da
a necessidade de apreendermos as trs grandes classes de poder em
perspectiva ampla, isto
, de maneira a incorporar as formas de contra-poder.
O poder poltico, como possui como meio especfico de exerccio a
fora, o poder
supremo ao qual todos os demais esto de algum modo subordinados.
Exatamente por isso
o poder a que recorrem todos os grupos sociais dominantes (a
classe dominante), em ltima
instncia, para manter o domnio interno, para se defender dos
ataques externos e para
impedir a desagregao do seu prprio grupo e sua eliminao. Por
conseguinte, a
construo do contra-poder a que recorrem todos os grupos sociais
dominados (classe social,
grupo tico, etc) consciente da sua condio, tendo em vista
resistir ou construir uma nova
ordem social e, por conseqncia, um novo poder.
A possibilidade do uso da fora o que distingue o poder poltico
das outras formas
de poder, mas isso no significa que ele se resolva no seu uso.
Mesmo quando poder poltico
e Estado se identificam plenamente, como na perspectiva liberal,
a possibilidade do uso da
fora no suficiente para a preservao do poder poltico dos grupos
dominantes. Por isso
a necessidade da legalidade e da legitimidade para o seu uso,
sem o que os grupos
Emerson PedrosoHighlight
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dominantes no poderiam construir a idia do uso da fora como um
imperativo da
manuteno da ordem e da coeso social. Segundo Bobbio,
(...) o que caracteriza o poder poltico a exclusividade do uso
da fora
em relao totalidade dos grupos que atuam num determinado
contexto social. Exclusividade esta que o resultado de um
processo de
monopolizao da posse e uso dos meios com que se pode exercer
a
coao fsica. Este processo de monopolizao acompanha o
processo
de incriminao e punio de todos os atos de violncia que no
sejam
executados por pessoas autorizadas pelos detentores e
beneficirios de
tal monoplio (Bobbio, 1992, p. 956).
O Estado, na perspectiva liberal, concebido como uma empresa
institucional de
carter poltico. Um aparelho poltico-administrativo que leva
avante, em certa medida e
com xito, a pretenso do monoplio da coero fsica como ato
legtimo, com vistas ao
cumprimento das leis em um determinado territrio.
Enquanto a perspectiva liberal oculta o fato de que o monoplio
da coero fsica
relativa a um determinado grupo social, o marxismo parte
justamente deste ponto no tocante
a sua concepo de Estado. O Estado, na perspectiva marxista,
concebido como um
instrumento da classe poderosa economicamente para que a mesma
possa tornar-se a classe
dominante politicamente, de forma a adquirir os meios
fundamentais para dominar e
explorar a classe oprimida.
O poder poltico sob uma hegemonia social busca alcanar a
exclusividade, isto ,
no permitir, no mbito de seu domnio, a formao de grupos armados
independentes ou de
infiltraes ou agresses oriundas do exterior, bem como de debelar
ou dispersar os que
porventura vierem a se formar; a universalidade, isto , a
capacidade que tm os detentores
do poder poltico de tomar decises legtimas e eficazes para toda
a coletividade, no que diz
respeito distribuio e destinao dos recursos materiais e
culturais; a inclusividade, isto
, a possibilidade de intervir, de modo imperativo, em todas as
esferas possveis da atividade
dos membros do grupo e de encaminhar tal atividade ao fim
desejado ou de desvi-la de um
fim no desejado, por meio de instrumentos de ordenamento jurdico
(Bobbio, 1992, p. 957).
O poder poltico possui possibilidades e limites. As
possibilidades e limites podem
decorrer da prpria formao poltica. Um Estado teocrtico, por
exemplo, estende o seu
poder sobre a esfera religiosa, enquanto que o Estado laico
declina diante dela. As
Emerson PedrosoHighlight
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possibilidades e limites podem ser definidos institucionalmente
no mbito do prprio poder
poltico. A instituio da ditadura na Repblica Romana, por
exemplo, encontra-se prevista
na lei sob determinada circunstncia, forma de exerccio e tempo
de durao.
2.2 A Finalidade da Poltica
Ao se identificar o elemento especfico da Poltica pelos meios de
que ela se serve,
caem as definies teleolgicas da Poltica, ou seja, definies que
se apoiam numa
articulao necessria entre o fato e sua causa final, ou, ainda,
pelo fim ou fins que ela
persegue.
Os fins que se pretende alcanar pela ao dos agentes polticos so
aqueles que, em
cada situao, so considerados primordiais para uma determinada
classe ou grupo social,
ou para amplos setores sociais: em pocas de lutas sociais e
civis, por exemplo, o fim poder
ser a unidade do Estado, a concrdia, a paz, a ordem pblica, etc;
em tempos de paz interna
e externa, o fim poder ser o bem-estar; em tempos de opresso por
parte de um Governo
desptico, o fim poder ser a conquista dos direitos civis e
polticos. A Poltica no tem fins
perpetuamente estabelecidos e, muito menos, um fim que os
englobe a todos e que possa ser
considerado como o seu nico fim. Os fins da Poltica variam de
acordo com os interesses
de classes, o tempo e as circunstncias.
Esta rejeio do critrio teleolgico no significa que no se possa
falar de um fim
mnimo na Poltica. A prpria leitura de Maquiavel nos indica como
fim bsico da poltica a
ordem pblica nas relaes internas, a defesa da integridade
nacional de um Estado em
relao a outros Estados e a proteo do povo em face dos poderosos.
Este fim o fim
mnimo porque condio necessria para a consecuo de todos os demais
fins,
concilivel, portanto, com eles. Mesmo um estado de desordem
social desencadeado por
um partido ou movimento revolucionrio no o seu objetivo final,
mas um objetivo
conjuntural necessrio para a mudana da ordem social e poltica
vigente e criao de uma
nova ordem.
A superao das concepes teleolgicas de Poltica, acarreta, ainda,
a superao de
recomendaes polticas prescritivas, isto , que no definem o que
concreta e
normalmente a Poltica, mas indicam como que ela deveria ser para
ser uma boa Poltica.
Obviamente, tal superao tende a valorizar a ao concreta
conduzida pelos atores polticos
em aliana e/ou conflito, no cotidiano, onde a prxis se
realiza.
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Finalmente necessrio superar as definies de Poltica que a
concebem como uma
forma de prtica de poder que no tem outro fim seno o prprio
poder, isto , onde o poder
um fim em si mesmo. A concepo de Poltica que concebe o exerccio
do poder pelo
poder decorre, por um lado, do fato de que no h um objetivo
especfico da poltica que se
convertesse em um guia da ao poltica, do outro, da prpria
construo de uma
representao subjetiva de quem ocupa o poder e de quem teoriza
esta ocupao,
relativizando/banalizando a importncia do poder de forma a
sacrificar o seu sentido pblico
e instrumentaliza-lo por meio de uma ao voltada para os seus
prprios interesses pessoais
ou corporativos.
Caso o fim da Poltica fosse realmente o poder pelo poder, de
nada serviria a Poltica.
Esta concepo de poltica, que se materializa na prtica do homem
poltico maquiavlico,
busca respaldo por meio de uma leitura parcial e deturpada de
Maquiavel.
2.3 Poltica e Conflito
O conflito acompanha a histria do homem. Nos primrdios o homem
conflitua
consigo mesmo por meio de comunidades. Ordenadas a partir do
sexo e da idade e
praticando economias destruidoras dos recursos naturais, as
comunidades disputam as
regies de caa e as florestas. A liberdade e o igualitarismo da
comunidade contrasta com a
constante conduo de guerras s outras comunidades. No h lugar
para a Poltica porque
no h conflito de interesses sociais distintos e uma estrutura de
pensamento racional na
comunidade.
O surgimento da propriedade privada, usufruda pela aristocracia
agrria, a exemplo
da Antiga Grcia, ou da propriedade pblica, usufruda pela
burocracia de Estado, a
exemplo do Antigo Egito, inaugura o conflito de interesse social
distinto. A comunidade d
lugar sociedade, isto , uma organizao social fundada na
diferenciao social.
A Poltica, tal como a conhecemos hoje, inventada em uma
sociedade na qual a
propriedade privada, a desigualdade social e os novos conflitos
so acompanhados por uma
forma racional de conceber o mundo. A Poltica consiste em uma
forma racional de
administrar e/ou superar os conflitos a partir da construo de
uma esfera pblica por meio
de leis, de instituies e da prtica do debate pblico.
A Poltica no assegura objetivos comuns. A Poltica se constitui
inicialmente em um
campo de prtica tendo em vista legalizar, justificar e legitimar
a propriedade privada e a
opresso sobre o mundo do trabalho. Nesta direo, a classe
proprietria e dominante lana
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mo dos filsofos (intelectuais) que, liberalizados da produo,
produz idias e concepes
de mundo do interesse desta classe.
A Poltica se constitui, tambm, em um campo de prtica tendo em
vista resistir e, no
limite, romper com a propriedade privada e a opresso do mundo do
trabalho.
Diferentemente da classe proprietria e dominante, as classes do
mundo do trabalho no
pde dispor, por um longo perodo histrico, de filsofos
(intelectuais) que, liberalizados da
produo, produzissem idias e concepes de mundo do seu
interesse.
A Poltica possui como funo associar e defender os amigos em face
dos inimigos.
Estes podem se servir de leis, instituies, instrumentos
polticos, isto , de diversos meios
legais, fsicos e culturais para atingir os prprios fins. Isto
transforma o poder poltico em
um poder superior a todas as outras formas de poder e ao qual
todos recorrem para resolver
os conflitos. A no soluo dos conflitos no contexto de uma ordem
social e/ou internacional
pode acarretar a decomposio do Estado e/ou da ordem
internacional, de forma a dar lugar
a anarquia destrutiva do Estado e/ou da ordem internacional e
das prprias relaes de
produo, a reformulao do Estado e/ou da ordem internacional nos
limites das relaes de
produo vigentes ou a construo do novo Estado e/ou nova ordem
internacional a partir de
novas relaes de produo.
2.4 A Delimitao da Poltica
Na tradio clssica a Poltica compreende toda a vida da Plis.
Abrange toda sorte
de relaes sociais, de tal forma que o poltico coincide com o
social.
A delimitao da Poltica no mundo ocidental tem incio com o
cristianismo. Ele
efetua a separao entre o poder espiritual e o poder temporal com
a prpria idia de
ressurreio de Cristo, isto , Cristo morre em matria e renasce em
esprito, o que ter que
ser vivenciado por todos que queiram alcanar a salvao. Os homens
podem escolher entre
agir segundo o poder espiritual ou o poder temporal, sendo que o
primeiro possui primazia
em relao ao segundo perante Deus.
O cristianismo, nascido na teocracia judaica, subtrai a esfera
Poltica do domnio da
vida religiosa e inaugura o conflito entre poder espiritual e
poder temporal. Conflito que
pode configurar, no mbito da separao, o domnio do poder
espiritual sobre o poder
temporal (Alta Idade Mdia Ocidental), o domnio do poder
espiritual por parte do poder
temporal (Idade Moderna Ocidental) ou a separao sem
interdependncia direta entre o
poder espiritual e o poder temporal (Idade Contempornea
Ocidental).
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O surgimento da economia mercantil burguesa no perodo moderno um
outro
momento desta delimitao. A liberdade de ao econmica da burguesia
em um mercado
sob controle relativo por parte do Estado (mercantilismo)
expressa um momento inicial da
subtrao das relaes econmicas da esfera da poltica. Tem origem, a
partir de ento, a
contraposio da sociedade civil - enquanto o domnio da vida
material privada, isto , a
esfera privada - em relao sociedade Poltica - enquanto o domnio
da esfera pblica, isto
, o Estado.
O tema fundamental da Filosofia Poltica moderna o tema dos
limites do Estado
(sociedade poltica), principal organizao da esfera pblica, em
relao aos indivduos
(sociedade civil), esfera da vida privada, seja em relao a vida
religiosa, seja em relao
vida poltica, seja em relao a vida econmica. Desse modo, surgem
na Filosofia Poltica
moderna dois tipos ideais de Estado: o Estado absolutista,
hobesiano, anti-liberal, com
tendncia a estender sua influncia sobre amplos nveis da vida
social, em uma clara reao
ao sacrifcio da esfera pblica esfera privada em curso com a
acumulao primitiva de
capital e a progressiva afirmao da economia de mercado; e o
Estado liberal, lockeano,
anti-absolutista, com tendncia a declinar em intervir nas
esferas privadas religiosas,
polticas e econmicas, em uma clara expresso do projeto de classe
burgus, cuja afirmao
depende da total liberdade econmica, da afirmao de uma ordem
social baseada na
propriedade e riqueza e do fim do monoplio aristocrtico sobre o
Estado.
A delimitao da poltica em face do social, do religioso e do
econmico; a crescente
capacidade de organizao, conscientizao e interveno poltica de
amplos setores sociais
do mundo do trabalho; e a crtica do Estado como aparato
poltico-administrativo-militar
separado da sociedade e instrumentalizado pela classe dominante,
d lugar no sculo XIX
hiptese de desapario do Estado. Esta desapario ocorreria num
futuro mais ou menos
remoto, com a conseqente absoro do poltico pelo social. O fim
(supresso) da Poltica
enquanto prtica realizada de forma privilegiada pela burocracia
estatal e partidos polticos e
favorvel aos detentores da propriedade, daria lugar a uma
liberdade e igualdade social
usufruda por todos os homens.
O fim da Poltica, nesta perspectiva, no significa o fim de toda
forma de
organizao, de instituies e de poder. Significa o fim de uma
determinada forma de
organizao, de instituies e de poder fundada na propriedade
privada e na desigualdade
social e regida pelo uso exclusivo da coero e do domnio.
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2.5 Poltica e Moral
A reflexo acerca das relaes estabelecidas entre Poltica e Moral
deve ter como
referncia primeira a tica. tica pode ser definida como
pensamento e como ao que
concorra para a construo da liberdade, da igualdade e da justia.
Uma esttica de
pensamento e de ao do indivduo, do grupo social e da sociedade,
presente no cotidiano e
nos diversos processos sociais, voltada para a prpria humanizao
do homem e a conquista
da felicidade. Humanizao e felicidade somente alcanvel na medida
em que se alcana a
liberdade, igualdade e justia.
Moral pode ser definida como o conjunto de regras consideradas
vlidas
independente do tempo, do lugar e do indivduo ou grupo social. A
moral tende a ser mais
fechada, a-crtica e a-histrica quanto mais condicionada estiver
das concepes religiosas e
menos condicionada estiver da tica, e tende a ser menos fechada,
a-crtica e a-histrica,
quanto menos condicionada estiver das concepes religiosas e mais
condicionada estiver da
tica. O critrio de julgamento de uma ao moralmente boa ou m a do
respeito a uma
norma cuja preceituao tida por categrica, independentemente do
resultado da ao.
Todavia, poder no ser dogmtica quando referenciada pela
tica.
A Poltica pode ser definida como o campo de prxis e o conjunto
de meios que
permite aos homens alcanarem os seus objetivos. A poltica tende
a ser mais autoritria,
corrupta e excludente quanto mais desmobilizado for o mundo do
trabalho e menos relaes
estabelecer com a tica, e tende a ser mais democrtica, proba e
inclusiva quanto mais
mobilizado for o mundo do trabalho e mais relaes estabelecer com
a tica. O critrio de
julgamento de uma ao politicamente boa ou m, por sua vez, pura e
simplesmente o do
resultado da ao. Isto porque, como vimos, a poltica no possui
fins perpetuamente
estabelecidos. Os fins da Poltica variam de acordo com os
interesses de classes, do tempo e
das circunstncias. Todavia, poder no ser instrumental quando
referenciada na tica.
Pode haver aes morais que so imPolticas (ou aPolticas) e aes
Polticas que so
imorais (ou amorais). preciso ressaltar que, embora uma ao
Poltica boa ou m
diferente de uma ao Moral boa ou m, elas possuem uma profunda
relao.
Do ponto de vista da poltica, quando Poltica e Moral no podem se
harmonizar na
prxis humana, a responsabilidade poltica para com um resultado
almejado pode impor o
sacrifcio da Moral. Neste caso emerge a instrumentalizao da
poltica e a licena para uma
prtica autoritria. Maquiavel exemplifica isto quando afirma que
nas aes de todos os
homens, sobretudo dos prncipes, quando no h tribunal qual
recorrer, deve-se considerar
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o resultado. Assim, um prncipe deve conquistar e manter um
Estado. Os meios sero
sempre considerados honrados e por todos louvados (Maquiavel,
1999, p. 108). Do ponto
de vista da Moral a recomendao de Maquiavel no vale, j que uma
ao, para ser julgada
moralmente boa, pode ser praticada com o nico fim de cumprir o
prprio dever.
Para o universo da Moral o que pode contar a pureza de intenes e
a coerncia da
ao com a inteno. O critrio do seu julgamento, neste caso, seria
o da tica da convico,
geralmente usado para julgar as aes individuais. Para o universo
da Poltica o que pode
contar a certeza e fecundidade dos resultados. O critrio do seu
julgamento, neste caso,
seria o da tica da responsabilidade que se usa ordinariamente
para julgar aes de grupo, ou
praticadas por um indivduo, mas em nome e por conta do prprio
grupo, seja ele a classe, o
povo, a nao, a Igreja, o partido.
A Moral e a Poltica movem-se de fato no mbito de dois sistemas
ticos diferentes.
Para alguns pensadores seriam mesmo contrapostos. Todavia, mais
do que imoralidade da
Poltica e de impoliticidade da Moral se deveria falar
corretamente de dois universos ticos
que se movem segundo princpios diversos, de acordo com situaes
singulares em que os
homens se encontram e agem. Mas se interagem profundamente.
O contraste entre Moral e Poltica entendido por alguns
pensadores como contraste
entre tica individual e tica de grupo, tambm utilizado para
demonstrar e explicar a
secular disputa existente em torno da razo de Estado, isto , dos
princpios e mximas
segundo os quais aes no justificadas moralmente quando
praticadas por um indivduo,
so justificadas e por vezes exaltadas e glorificadas se
praticadas por quem quer que exera
o poder em nome do Estado. A razo de Estado representa uma clara
licena para o
detentor do poder desenvolver aes moralmente injustas e que, no
raramente, trazem de
contrabando um contedo anti-tico. Neste caso, a contraposio
entre Poltica e Moral
assume a condio de teorizao instrumental para justificar o
sacrifcio da construo da
igualdade, da liberdade e da justia em favor de interesses
materiais e espirituais privados e
mesquinhos de determinados indivduo, grupo ou classe social.
A alegao de que a Poltica a razo do Estado, isto , da esfera
pblica, tem
repleta correspondncia na afirmao de que a Moral a razo do
indivduo, isto , da esfera
privada. Assim, formariam-se duas razes que quase nunca se
encontrariam. necessrio
ressaltar que, para esta concepo, a razo do Estado traduziria a
tica de grupo em seu
mais alto grau de expresso e de potncia, isto , a coletividade,
de forma a ocultar o
movimento social de totalidade que integra o local, o nacional e
o internacional e que revela
contradies e conflitos de interesses sob a manta da
coletividade.
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3) CONCEITUANDO CINCIA POLTICA
A Cincia Poltica no se encontra perfeitamente conceituada.
Primeiramente,
porque se trata de uma cincia muito recente, de forma que o seu
objeto no se encontra bem
definido e nem o seu domnio inteiramente explorado. Em segundo
lugar, no h um
consenso quanto a existncia da Cincia Poltica, de forma que para
muitos trata-se apenas
de um ramo da Sociologia a Sociologia Poltica (Pedroso, 1968, p.
9).
Alguns concebem a Cincia Poltica como sendo a cincia do Estado,
reconhecido
como instituio superior a todas as demais. Esta concepo
subdivide-se em duas outras
concepes: em cincia do Estado-governo e em cincia do
Estado-nao.
A concepo da Cincia Poltica como cincia do Estado-governo
compreende que o
seu mbito de atuao se restringe ao Estado em sentido estrito,
isto , os governantes, os
poderes do Estado, o sistema de governo etc. A concepo da Cincia
Poltica como cincia
do Estado-nao compreende que o seu mbito de atuao se dirige ao
Estado em sentido
lato, isto , a ao e reao dos indivduos e grupos sociais sobre o
Estado-governo, alm
claro dos temas concernentes ao prprio Estado-governo.
A concepo da Cincia Poltica como a cincia do Estado, ainda que
alguns
ampliem esta concepo de forma a incluir a ao e reao dos
indivduos e grupos sociais
s polticas do Estado-governo, restringe a viso da Cincia
Poltica. Ela tende, como vimos,
a dar nfase s estruturas polticas institucionais e orientar-se
na direo destas estruturas
polticas formais e institucionais.
Alguns concebem a Cincia Poltica como sendo a cincia do poder,
podendo este
assumir diversas formas. O fenmeno da autoridade e do poder de
Estado seria apenas uma
das manifestaes do poder. O poder estaria presente, ainda, na
empresa, na universidade,
nas ONGs, na famlia etc.
A concepo da Cincia Poltica como sendo a cincia do poder, ainda
que alguns
atribuam um papel privilegiado ao Estado, amplia a viso da
Cincia Poltica. Assim,
querendo ou no, consciente ou inconscientemente, todos fazem
poltica por que todos esto
integrados em uma infinidade de estruturas de poder (famlia,
igreja, empresa, classe social
etc). A poltica seria, portanto, um fato da condio social do
homem.
Arriscando uma definio do que venha a ser Poltica e reconhecemos
de incio que
toda definio sempre problemtica - podemos afirmar que a ela um
campo, um processo
e um sistema de relaes polticas pelo qual as pessoas com
determinadas metas e
valores polticos se agrupam com o objetivo de formular e aplicar
polticas pblicas e
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privadas. Estas polticas so conduzidas por atores polticos como
o eleitor, o cliente, o
partido poltico, as personalidades, as classes sociais, o
departamento de governo, os grupos
tnicos, as organizaes da sociedade civil, o pai etc. Pode
assumir a forma da greve, do
lobby, da guerra, das presses sub-liminares etc.
A Cincia Poltica, por sua vez, estuda este campo, processo e
sistema de relaes
polticas. Ocupa-se das instituies do governo e do Estado, das
organizaes da sociedade
civil, dos interesses dos diversos grupos sociais, da conscincia
poltica dos indivduos em
face da poltica, das idias e doutrinas polticas, da
interdependncia entre a poltica local,
regional, nacional e internacional. Ocupa-se, enfim, da macro e
da micro-poltica.
A Cincia Poltica deve, portanto, possuir uma viso e um poder de
abordagem
micro-poltica (anlise do comportamento poltico individual e de
pequenos grupos, das suas
expectativas e objetivos polticos, e dos seus desdobramentos na
poltica como um todo) e
uma viso e um poder de abordagem macro-poltica (anlise da
totalidade da poltica, de
forma a enfocar as relaes inter-institucionais a nvel local,
regional, nacional e
internacional, as relaes extra-institucionais etc.) (Sorauf apud
Pedroso, 1968, p. 13).
3.1 Surgimento e desenvolvimento da Cincia Poltica
A Poltica, enquanto um campo de prtica social em que os
indivduos se colocam e
so reconhecidos como capazes de transformar a realidade,
portanto, livre de concepes
teocrticas e teo-deterministas, surge na Grcia Antiga. Neste
momento, surge tambm a
Poltica enquanto disciplina que investiga a Poltica como campo
de prtica social.
A poltica apoiava-se mais no raciocnio dedutivo, e no tanto na
observao dos
fatos. Por outro lado, caracterizava-se fundamentalmente por um
contedo filosfico e
orientada por uma perspectiva normativo-descritiva. Ela
normalmente declinava em face da
interpretao da poltica como ela realmente era, mas se
concentrava em definir como
deveria ser o poder e como os indivduos deveriam agir para
alcan-lo.
Aristteles (384 322 a.C.) representou um marco tendo em vista a
futura formao
da Cincia Poltica. Isso porque, mesmo no mbito da filosofia e
orientado pela Poltica
ideal, adotou o mtodo indutivo, realando a observao das diversas
formas de poder (e no
poder) poltico, conforme atesta a sua anlise das constituies e
dos regimes polticos
gregos e das constituies e dos regimes impolticos ou
no-polticos.
Maquiavel representou um outro marco no processo de formao da
Cincia Poltica.
A obra O Prncipe dessacraliza a poltica e a coloca como um
terreno puramente humano,
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cuja dinmica determina o curso da sociedade como um todo, isto ,
no h mais Deus e no
h mais destino, apenas os homens com as suas escolhas, opes,
interesses e lutas. O
objetivo da poltica a conquista e manuteno do poder para
assegurar a ordem, preservar
as instituies e ampliar o poder do Estado-governo; e o alcance
dos objetivos e das metas
depende de uma tcnica poltica, sem a qual o governante (prncipe,
doge, rei etc) no possui
eficcia poltica, isto , virt. A poltica afastada da filosofia e
da deduo ao valorizar o
mtodo da observao direta e objetiva do fenmeno poltico, livre de
pr-conceitos e
elementos morais cristos, e ao valorizar a tcnica da comparao
entre as diversas
experincias de poder na Pennsula Itlica. H, ainda, uma busca
pela apreenso das leis,
isto , das tendncias e dinmicas que regem os fatos sociais e
polticos.
Montesquieu, por meio da sua obra O Esprito das Leis, tambm
contribui com a
formao da Cincia Poltica. Isto na medida em que, lanando mo do
mtodo da
observao e do raciocnio indutivo e orientado por uma
objetividade cientfica, busca
identificar as leis, os sistemas jurdicos e os sistemas polticos
de diversos pases, bem como
correlacion-los com as condies sociais, culturais, polticas e
naturais de cada pas. O
objetivo era apreender as caractersticas das diversas leis,
sistemas jurdicos e sistemas
polticos e em quais ambientes histricos-scios-naturais as
diversas leis e sistemas se
adequariam. Montesquieu evidenciou uma concepo de Estado como
uma totalidade real,
de forma que as leis, instituies e costumes expressariam uma
unidade concreta e
necessria, na qual se intercomunica territorialidade, cultura,
experincia poltica, religio, e
assim por diante.
Marx, que reconhecia a realidade como em contnuo movimento e
permeada de
contradies e conflitos e que props uma abordagem de totalidade
da mesma, lana as
bases definitivas para a formao da Cincia Poltica. No todo,
expresso pelo modo de
produo, haveria uma articulao necessria entre a base - estrutura
scio-econmica e a
superestrutura estrutura formada pelas estruturas jurdicas,
polticas e ideolgicas. De tal
forma, que no seria possvel compreender o fenmeno poltico
unicamente pelo universo
poltico, mas necessariamente tendo que integrar na investigao os
demais nveis da vida
social, isto , na perspectiva da interpretao de totalidade.
O Estado nesta abordagem, por exemplo, no mais se apresentaria
como uma
estrutura a-histrica e supra-classes sociais. Nem tampouco as
tcnicas polticas usuais se
apresentaria como a forma da poltica. O Estado definiria-se,
respectivamente, por meio
de um direito e de um burocratismo determinado pelas relaes de
produo isto , a
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forma como a propriedade, o trabalho e a apropriao do excedente
encontra-se estruturado
na sociedade e nele expressaria uma hegemonia de uma classe
social.
Michel Foucault contribuiu com a criao da Cincia Poltica na
medida em que
ultrapassou o que se refere macro-estrutura e s classes sociais
na abordagem da Poltica.
Incorpora anlise poltica as relaes sociais em nvel das micro
estruturas sociais, porque
nelas tambm encontram-se estruturas de poder e porque h
interdependncia e
intercomunicao entre as macro e as micro-estruturas de
poder.
A Cincia Poltica foi profundamente influenciada, a partir do
final do sculo XIX,
pela busca por parte das cincias sociais em geral de um
conhecimento cientfico com a
mesma veracidade e exatido das cincias naturais. Agregou-se a
esta perspectiva o
sentido instrumental do estudo e da pesquisa, isto , almejava-se
respostas s necessidades
concretas colocadas na esfera do poder (no sentido
Estado-governo e Estado-nao).
Esta concepo de Cincia Poltica desenvolveu-se como sendo a
Cincia Poltica.
Dos Estados Unidos estendeu-se pelo mundo, apoiada no
desenvolvimento e aprimoramento
dos mtodos de pesquisa das cincias sociais, com grande nfase na
quantificao e na
criao de instrumentos de medio de opinies, tendo em vista
identificar comportamentos
e expectativas polticas dos eleitores. Nos Estados Unidos esta
concepo de Cincia
Poltica materializou-se nas vertentes de anlises: a) Legalista,
preocupada em ocupar-se
das estruturas legais e constitucionais, das instituies e dos
direitos e deveres dos cidados;
b) Reformadora, preocupada em ocupar-se dos problemas
governamentais e legislativos e
de influenciar os governos e legislativos para a criao de
institutos de pesquisa institucional
(institutos de pesquisa governamental e legislativos) dirigidos
por estes poderes; c)
Filosfica, preocupada em ocupar-se dos estudos de Teoria Poltica
(idias, valores e
doutrinas polticas); d) Cientfica, preocupada em ocupar-se da
pesquisa por meio da
observao emprica sistemtica (Sorauf apud Pedroso, 1968, p.
22).
Esta concepo de Cincia Poltica reproduziu caractersticas como a
fragmentao
do objeto (hiperfactualismo), a instrumentalizao da pesquisa, o
vnculo direto com o poder
e a limitao dos estudos e pesquisas aos Estados Unidos. A crtica
s caractersticas desta
concepo de Cincia Poltica ocorreu entre 1950 e 1965, no justo
momento em que a
Cincia Poltica deixou de ser basicamente norte americana.
Atualmente, encontra-se ainda muito presente a concepo de Cincia
Poltica que
fragmenta o objeto, de forma a restringir-se observao emprica e
a recusar-se teorias
explicativas gerais. Encontra-se tambm ainda presente a
preocupao em explicar como as
coisas so, de forma a valorizar a estabilidade e coeso social e
a subestimar as tenses,
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contradies e conflitos inerentes vida social, em especial quando
envolve o mundo do
trabalho.
Todavia, encontra-se tambm muito presente a concepo de Cincia
Poltica crtica
da quantificao excessiva, da obsesso pela medio do comportamento
poltico dos grupos
sociais e da pretensa neutralidade cientfica. Concepo que
valorizadora da abordagem
interdisciplinar no mbito das cincias sociais, tendo em vista a
busca da apreenso de
totalidade do fenmeno poltico; e que busca o necessrio equilbrio
na apreenso do como e
do por que tenso e estabilidade, mudana e conservao, dissenso e
consenso,
materializam-se no processo poltico.
3.2 Concepes a cerca da Cincia Poltica
Atualmente h pelo menos duas grandes concepes acerca da Cincia
Poltica. A
concepo dialtica da Cincia Poltica, que reconhece a
transitoriedade de todas as formas
polticas e que busca compreender a poltica como parte da
compreenso do todo social, e a
concepo emprica da Cincia Poltica, que reconhece a existncia de
uma mecnica do
comportamento poltico do homem e que esta pode ser
apreendida.
A concepo dialtica da Cincia Poltica a concebe como uma
disciplina que se
ocupa dos estudos dos clssicos da poltica, bem como dos fenmenos
e das estruturas
polticas, investigados de forma sistemtica e rigorosa, apoiada
em um amplo e cuidadoso
exame das obras polticas, dos fatos e da documentao de pesquisa.
Apia-se nas tcnicas
de pesquisa que se utiliza da coleta de dados de documentao
histrica. Tcnicas das quais
se valem estudiosos polticos do passado, como Aristteles,
Maquiavel, entre outros.
Para a concepo dialtica de Cincia Poltica ela se constitui em
uma disciplina
histrica, ou seja, uma forma de saber cujo objeto de investigao
parte da inconstante
ao humana e se desenvolve no tempo, sofrendo contnua
transformao. Isto faz do objeto
concreto investigado pela Cincia Poltica um objeto singular, que
no se repete. Do que se
conclui ser impossvel, de fato, um dos procedimentos
fundamentais que permitem aos
fsicos e aos bilogos a confirmao ou a refutao das prprias
hipteses formuladas, isto ,
a experimentao e/ou demonstrao do objeto do mundo natural,
determinado em uma
relao de causalidade necessria e cuja mutabilidade somente se
verifica em milhes de
anos.
A concepo emprica da Cincia Poltica a concebe como uma cincia
organizada
por meio das metodologias das cincias empricas mais
desenvolvidas, a exemplo da fsica e
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da biologia. O que deve orientar o estudo do fenmeno poltico
segundo esta concepo o
comportamento que indivduos e que grupos sociais expressam na ao
Poltica. So
exemplos do comportamento poltico de indivduos e grupos sociais
o exerccio do voto, a
participao dos filiados na vida de um partido, a prtica
parlamentar, a participao
eleitoral das mulheres das camadas populares.
O estudo do fenmeno poltico na concepo emprica da Cincia Poltica
deve
apoiar-se tanto na investigao com base na anlise de dados quanto
no emprego da
observao direta ou da pesquisa de campo por meio de tcnicas
tiradas da Sociologia
Durkeiminiana (ela mesma inspirada nas metodologias das cincias
empricas), como a
aplicao de questionrios, de entrevistas, etc. Assim, o estudioso
do fenmeno da poltica
na concepo emprica da Cincia Poltica, cujo objeto o
comportamento dos indivduos e
grupos sociais, deve recolher dados e submete-los a tcnicas de
investigao de forma a
captar as leis que comandam o movimento da Poltica. Estas
tcnicas exigem, para a sua
padronizao, o uso sempre crescente de mtodos quantitativos.
O rigor na conduo dos estudos na concepo da Cincia Poltica
emprica, de
forma a recolher dados e obter resultados seguros passa pela
classificao, formulao de
generalizaes e conseqente formao de conceitos gerais, determinao
de leis (pelo
menos de leis estatsticas e provveis, de leis de tendncia, de
regularidade ou
uniformidade), e elaborao de teorias. A concepo da Cincia
Poltica emprica ambiciona
o status de cincia na perspectiva de explicar fenmenos e no
apenas limitar-se sua
descrio.
A concepo da Cincia Poltica emprica busca, tambm, a previso, o
seu grande
objetivo e finalidade prtica. A pretendida previso da cincia
emprica, adequada para as
cincias naturais, so impossveis, a nosso ver, quando se trata de
cincias humanas. Isto
porque o comportamento do homem deriva de algumas caractersticas
da maneira de agir do
homem. O homem um animal teleolgico, isto , suas aes se servem
de elementos teis
para obter seus objetivos, conscientes ou no; um animal
simblico, isto , se comunica
com seus semelhantes por diversos meios; um animal ideolgico,
isto , se utiliza de
valores vigentes no sistema cultural no qual est inserido a fim
de racionalizar seu
comportamento; um animal social, isto , a sua ao construda
coletiva e
conflituosamente e se expressa em todos os nveis da vida social;
um animal constitudo de
manifestaes subjetivas imprevistas e de escolhas imponderveis,
isto , foge de um padro
de comportamento que configurasse uma mecnica social.
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A Cincia Poltica, segundo a concepo dialtica, no pode formular
previses
cientficas. Pode e deve oferecer, com base em estudos de
totalidade e interdisciplinar,
cenrios possveis para os fenmenos polticos em curso estudados. A
pretenso dos
estudiosos da concepo da Cincia Poltica emprica de formular
previses pode levar, na
melhor das hipteses, a conjecturas e, na pior, a profecias.
3.3 Papel da Cincia Poltica
A Cincia Poltica, assim como as demais cincias, possui a vocao
de proporcionar
conhecimentos e informaes e de socializ-los na comunidade
poltica. O seu uso por parte
das classes e grupos sociais e dos diversos atores polticos
certamente variar mediante a
forma de incerso de cada classe e grupo social no processo de
produo e distribuio dos
bens materiais e culturais. Conforme Marx, a forma da referida
incerso determinar a
natureza e a qualidade da conscincia de cada classe e grupo
social (Marx e Engels, Volume
1, p. 3001).
Duverger, partindo desta descoberta de Marx, demonstrou como o
papel da poltica
reflete esta realidade que contraditria. Conforme Duverger,
(...) desde que os homens refletem sobre a poltica, tem eles
oscilado
entre duas interpretaes diametralmente opostas. Para uns, a
poltica
essencialmente uma luta, um combate: o poder permite aos
indivduos e
grupos que o detm assegurar sua dominao sobre a sociedade e
dela
tirar proveito; os outros grupos e outros indivduos se erguem
contra
esta dominao e esta explorao, esforando-se por resistir-lhe
e
destru-los. Para outros, a poltica um esforo no sentido de
reinar a
ordem e a justia: o poder assegura o interesse geral e o bem
comum
contra a presso das reivindicaes particulares. Para os
primeiros, a
poltica serve para manter os privilgios de uma minoria sobre
a
maioria. Para os segundos, ela um meio de realizar a integrao
de
todos os indivduos na comunidade e de criar assim a sociedade
justa de
que falava Aristteles.
(...) os indivduos e as classes oprimidas, insatisfeitas,
pobres, infelizes,
no podem julgar que o poder assegure uma ordem real, mas
somente
uma caricatura da ordem, sob a qual se mascara a dominao dos
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privilegiados: para eles a poltica luta. Os indivduos e as
classes
abastadas, ricas, satisfeitas, crem que a sociedade harmoniosa e
que
o poder mantm uma ordem e
autntica: para eles a poltica integrao (Duverger apud
Pedroso,
1968, p. 24).
Todavia, Duverger chamou a ateno para o fato de que esta
realidade, de
fundamentao slida, no esgota a problemtica e a ambivalncia da
Poltica. Isto porque,
mesmo os mais conservadores, atarracados defesa da ordem social,
tem que reconhecer
que a poltica no d conta de assegurar de maneira plena a
referida ordem, o que lhes
obriga admitir a continuidade do conflito e a necessidade de
concesses; e mesmo os mais
crticos, atarracados defesa da transformao social, tem que
reconhecer que a Poltica no
se restringe ao domnio, o que lhes obriga admitir que a poltica
e a esfera pblica
institucional em particular realize algumas funes do interesse
de todos. Esta problemtica
e ambiguidade reflete no prprio carter e papel do Estado.
Conforme Duverger,
O Estado e, de um modo geral, o poder institudo em uma
sociedade
sempre e em todo lugar, ao mesmo tempo, instrumento de
dominao
de certas classes sobre outras... e um meio de assegurar uma
certa
ordem social, uma certa integrao de todos na coletividade para o
bem
comum. A proporo de um e outro elemento muito varivel,
segundo
as pocas, as circunstncias e os pases; mas os dois coexistem
sempre
(Duverger apud Pedroso, 1968, p. 25).
3.4 Cincia Poltica e interdisciplinaridade
Para muito, a Cincia Poltica, por ser uma cincia jovem, no
possui um mtodo e
um objeto consolidado e definido. O que aparentemente poderia
ser uma fragilidade em face
das demais cincias sociais, pode representar uma flexibilidade e
uma vantagem. Isto porque
ela pode compor mais facilmente com as demais cincias na busca
de uma abordagem de
totalidade do fenmeno poltico, que tambm objeto das demais
cincias sociais. Portanto,
a interdisciplinaridade, que uma necessidade na perspectiva da
abordagem de totalidade do
objeto, na Cincia Poltica um imperativo quando se quer evitar as
simplificaes
positivistas ou as interpretaes superficiais.
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Com a Sociologia a Cincia Poltica compartilha estudos como o
desenvolvimento e
dinmica do Estado, a crise dos regimes polticos e luta das
classes e demais grupos sociais;
com a Histria a Cincia Poltica compartilha estudos como a formao
do Estado, o
desenvolvimento do pensamento poltico e o processo das revolues
e contra-revolues
sociais; com a Economia a Cincia Poltica compartilha estudos
como a correlao entre a
forma de insero dos grupos e classes sociais nas estruturas de
produo e distribuio dos
bens materiais e culturais e a conscincia social que estes
mesmos grupos e classes sociais
reproduzem, a correlao entre interesses econmicos e grupos de
presso e a correlao
entre teorias econmicas e teorias polticas; com a Psicologia a
Cincia Poltica compartilha
estudos como a dinmica e forma dos fundamentos do poder e da
obedincia so absorvidos
pelos indivduos, a sugesto subliminar de objetivos pelo
marketing poltico e a
transformao e/ou instrumentalizao de mitos e arqutipos em fora
poltica; com a
Geografia a Cincia Poltica compartilha estudos como a construo
e/ou prolongamento das
relaes de poder das classes e grupos sociais dominantes no espao
urbano, os fundamentos
e estratgias geopolticas e os interesses polticos que permeiam
as polticas pblicas para o
meio ambiente; com a Antropologia a Cincia Poltica compartilha
estudos como a
construo da identidade e seus desdobramentos polticos, as
conseqncias do
rebaixamento tico e esttico da indstria cultural e a reposio dos
padres de domnio
ideolgico-cultural e as relaes de poder e de domnio presente nas
relaes de gnero,
etnias e etrias. Com a Filosofia a Cincia Poltica compartilha
estudos como as obras de
filosofia poltica, o pensamento e teoria poltica e a relao do
filsofo (e pensador em geral)
com o poder.
Com as reas de formao, estudo e investigao, como a Pedagogia, a
Cincia
Poltica compartilha estudos como a relao entre a Pedagogia e os
compromissos polticos,
o teor poltico subjacente s polticas educacionais e o papel
scio-poltico do educador em
sentido lato; com o Direito Constitucional a Cincia Poltica
compartilha estudos como o
processo de formulao e reformulao das leis, a hegemonia de
classe expresso na
arquitetura constitucional e a ao e reao dos grupos, classes e
segmentos sociais por
meio das suas organizaes scio-polticas (ONGs, partido poltico
etc) sobre a constituio.
Para muitos cientistas polticos a especificidade da investigao
da Cincia Poltica
seria o resduo abandonado pelas demais cincias sociais, pela
filosofia e pelos demais
campos disciplinares, como o partido poltico, os polticos, o
governante etc (Pedroso,
1968, 16 e 17). Todavia, este resduo tambm pode ser estudado
pelas demais cincias e
disciplinas. O que no raramente ocorre o estudo do dito resduo
de forma fragmentada e
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instrumental, isto , fora das mltiplas determinantes em que o
mesmo se encontra inserido e
na perspectiva de formular proposies a seu aperfeioamento.
A Cincia Poltica pode e deve, portanto, buscar a
interdisciplinaridade. Nesta
perspectiva poder almejar a sntese de totalidade na abordagem do
seu objeto.
3.5 Mtodos e Tcnicas
A Cincia Poltica lana mo dos mtodos e tcnicas adotados pelas
cincias sociais.
Frequentemente adota como procedimento: 1) O estudo exploratrio
preliminar do objeto; 2)
A delimitao (cronolgica, espacial e temtica) do objeto; 3) A
formulao de hipteses
explicativas; 4) O desenvolvimento da pesquisa por meio da
observao direta, da conduo
de entrevista, da aplicao de questionrios, da anlise documental
(cartas, notcias,
memrias, papis oficiais, relatrios oficiais, dados censitrios
etc), da quantificao de
dados e resultados etc; 5) A elaborao de interpretaes acerca do
objeto, bem como a
formulao de teorias sobre o mesmo.
3.6 O Procedimento da Comparao
A disponibilidade de dados gerais e amplos, como aqueles de
carter econmico,
histrico, social, e de dados especficos e delimitados, como de
opinio, elite, proporciona
novas fontes para o estudo da Cincia Poltica. A tendncia o
enriquecimento dos estudos
da Cincia Poltica voltados para identificar o comportamento de
indivduos e grupos sociais
em uma dada conjuntura, bem como estudos de estrutura, a exemplo
das relaes polticas
entre e inter classes sociais.
As possibilidades de estudos comparados so ampliados a exemplo
dos estudos de
regimes polticos, dos sistemas partidrios, da relao entre os
poderes, da relao
Estado/sociedade civil, entre os diversos pases. Os estudos de
Poltica comparada chega a
ponto de induzir alguns estudiosos a identificar a Cincia
Poltica contempornea com esta
abordagem especifica, ou seja, distinguir os estudos polticos do
passado com a abordagem
cientfica comparada dos estudos polticos contemporneos.
A comparao, que para muitos constitui-se em um mtodo, no
propriamente um
mtodo, nem tampouco um monoplio da Cincia Poltica. A comparao um
dos
procedimentos mais elementares e necessrios para toda pesquisa
que tem por objetivo
tornar-se cientfica.
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O estudioso de Poltica comparada no deve se limitar somente a
utilizar o processo
de comparao com o fim de identificar realidades polticas
(regimes, partidos, etc) dos
diferentes pases, mas pode tambm fazer largo uso dos mtodos
histrico e estatstico. Em
suma, a Poltica comparada no deve ter apenas a exclusividade da
comparao (Bobbio,
1992, p. 165 e 166).
A tcnica da comparao ocupa, enfim, uma grande importncia na
conduo da
pesquisa. De um lado, porque permite a comparao entre dois ou
mais objetos (processos
ou fatos scio-polticos) investigados, de forma a possibilitar a
identificao das
continuidades e descontinuidades entre os mesmos. De outro, a
comparao pode se
constituir em um recurso tendo em vista convalidar pesquisa e
resultados obtidos, na medida
em que permite averiguar limites e erros na conduo da pesquisa e
na avaliao dos
resultados obtidos.
3.7 O Problema da Avaliao
A Cincia Poltica uma cincia em que a objetividade cientfica mais
dificilmente
alcanvel. Todavia, mesmo sem pretender a ilusria neutralidade
cientfica necessrio
buscar o quanto possvel suspender os juzos de valor durante a
pesquisa, de forma a obter o
mais possvel de objetividade cientfica.
O desenvolvimento da Cincia Poltica no deve ser direcionado pelo
ideal emprico
e positivista de uma Poltica cientfica, isto , de uma ao Poltica
baseada no
conhecimento e domnio das dinmicas objetivas do desenvolvimento
da sociedade e do
comportamento poltico dos indivduos e cujos resultados poderiam
ser previstos. Mas deve
proporcionar referncias aos atores polticos para que no fiquem
abandonados sua prpria
intuio.
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4) A GRCIA E A INVENO DA POLTICA
A histria da humanidade encontra-se marcada por um
desenvolvimento
caracterizado por crises expansivas e regressivas. A histria
grega uma evidncia desse
desenvolvimento.
O perodo Micnico (1950 a 1100 a. C.) da histria grega sucumbe
diante das
invases dricas. A Grcia passa a conviver com um modo de vida
agrrio, articulado a
partir das comunidades familiares que possuem e trabalham
coletivamente a terra.
O perodo Homrico (1100 a 800 a. C.) marca a rearticulao da Plis
por meio da
redistribuio da terra entre as aldeias e da unificao das mesmas
em cada regio. Ao final
do perodo Homrico j possvel identificar alguns aspectos que so
de extrema
importncia para a compreenso do desenvolvimento histrico
posterior da Plis.
Primeiramente a formao de pequenos Estados constitudos por meio
de uma
cidade principal. Tal processo decorre em grande medida da
prpria conformao orogrfica
da Grcia, regio bastante montanhosa e irregular. O segundo
refere-se a relaes entre a
Plis e os organismos polticos menores (ghenos, fratria e tribo).
A Plis assume a
condio de um centro poltico superior dos organismos polticos
menores e voltados para
os interesses pblicos gerais. O terceiro se refere qualidade e
quantidade das funes
assumidas pela Plis. Funes que emergem da prpria sobreposio da
Plis aos
organismos menores sem, contudo, se amesquinhar mediante os
interesses particularistas.
Por fim, cada Plis preserva a sua identidade em face das demais.
As ligaes sagradas,
materializadas em torno de clebres santurios, por exemplo, no
conseguem exercer uma
ao eficaz a favor da unificao poltica da Grcia.
Desse modo, formam-se unidades cantonais ligadas por vnculos
federativos, mas
que no renunciam s prerrogativas de soberania. O temor da
hegemonia de uma cidade
sobre as outras acompanha a identidade dos cidados. Nesse perodo
a Plis governada por
reis, embora no fossem sagrados.
O perodo Arcaico (800 a 500 a. C.) convive com o surgimento da
propriedade
privada da terra e com a dinmica da sua concentrao. Em
consequncia, ocorre a
separao da sociedade entre proprietrios (pequenos, mdios e
grandes) e no-proprietrios.
O grupo de poderosas famlias guerreiras concentra as terras,
adquire escravos, constitui-se
na aristocracia tradicional e limita os poderes dos reis.
Pequenos proprietrios empobrecidos
e endividados so reduzidos condio de escravos ou perdem a
propriedade da terra e so
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assentados em suas antigas propriedades como hectmoros ou
sexteiros, isto , trabalhadores
agregados que retm um sexto dos excedentes por eles
produzidos.
O final do perodo Arcaico tm incio um movimento colonizador,
responsvel por
proporcionar uma vlvula de escape para os conflitos sociais, por
desencadear uma
recomposio social e por desencadear uma intensa expanso
mercantil da Plis grega. Tal
processo determina o fortalecimento do carter urbano da Polis,
que inaugura uma
experincia social de intensa sociabilidade e uma abordagem no
mitolgica da realidade; a
converso da tradicional agricultura de cereais (trigo e cevada)
para a agricultura
especializada de oliveiras e vinhas, que redunda na concentrao
das terras e escravos nas
mos da aristocracia tradicional; o surgimento de uma nova
aristocracia vinculada a
construo de navios e ao comrcio, que ameaa por meio da riqueza
monetria a
hegemonia aristocrtica; e o empobrecimento do campesinato
vinculado a pequena
propriedade, que desencadeia um ambiente favorvel para a formao
de rebelies
populares.
O perodo Clssico (500 a 338 a. C.) tm incio com a nova realidade
social e
econmica, bem como com o esgotamento do movimento colonizador,
at ento fator de
moderao dos conflitos sociais. Este contexto histrico concorre
para uma crise do regime
aristocrtico.
Tem incio a presso da nova aristocracia e das camadas populares
para a abertura
do regime e para as reformas sociais. Uma aliana poltica entre a
nova aristocracia e as
camadas populares determina a converso das leis interpretadas
segundo a tradio em leis
escritas; a passagem da justia privada para a justia pblica; a
interrupo da tendncia de
concentrao de terras e de reduo da populao grega pobre condio de
escravos ou de
trabalhadores sexteiros; e a consolidao da pequena
propriedade.
O regime aristocrtico sucumbe definitivamente em algumas Plis
por meio da
tirania, uma forma de governo ilegtimo, fruto da presso sobre as
instituies e conduzido
por meios coercitivos. A base social e poltica destes regimes a
aliana entre a nova
aristocracia e as camadas populares, com o objetivo de dar fim
ao monoplio poltico da
aristocracia, de impulsionar das atividades comerciais, de
consolidar a pequena e mdia
propriedade e de impedir a transformao de gregos em
escravos.
A necessidade de escravos passa a ser preenchida basicamente
pela pirataria e pelas
guerras. De tal forma que a construo da democracia em diversas
cidades, com o cultivo do
cio para as artes, os esportes e a poltica, se mantm por meio da
expanso do escravismo,
isto , o processo de maior elevao da humanizao do homem se apoia
no processo de
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maior brutalizao do homem. Uma ideologia escravista sustenta
esta sociedade. Segundo
Aristteles,
H na espcie humana indivduos to inferiores a outros como o
corpo
o em relao alma, ou a fera ao homem; so os homens nos quais
o
emprego da fora fsica o melhor que se obtm. Partindo dos
nossos
princpios, tais indivduos so destinados, por natureza,
escravido;
porque, para eles, nada mais fcil que obedecer. Tal o escravo
por
instinto: pode pertencer a outrem (...) e no possui razo alm
do
necessrio para dela experimentar um sentimento vago; no possui
a
plenitude da razo (Aristteles, A Poltica, cap. II, p. 7 e
13).
A no constituio de um Estado de vastas dimenses no permite a
formao de
uma sociedade de massa, isto , de relaes sociais e polticas
impessoais em face do poder
e da poltica. O carter comunitrio da Plis, em que pese a diviso
social de classes que a
propriedade privada e o escravismo provoca, no completamente
perdida. A prpria
relao cotidiana e direta dos indivduos em torno da Polis repe
este carter comunitrio,
apenas que mais conflitivo em decorrncia da desigualdade.
Esta realidade expe os interesses dominantes (propriedade,
poder, etc) a
permanente questionamento. Agrega-se a esta realidade o fato de
que os mitos rememoram a
vida na Hlade homrica, precedente propriedade privada da terra.
Se, por um lado, tal
rememorao no alimenta no homem livre, pobre e cidado a
perspectiva de retorno a um
paraso perdido pr-propriedade privada e escravismo, devido a
prpria condio de homem
privilegiado em face do escravo, por outro, o coloca em conflito
com o aristocrata que
concentra a maior parte da propriedade da terra e dos escravos e
com o poder que exerce em
prol da defesa dos seus interesses.
A democracia grega do perodo Clssico reflete, portanto, a
contradio de uma
democracia direta e restrita em uma sociedade de maioria
escrava; a contradio de uma
camada social de homens livres, pobres e cidados que alimentam
sonhos que o presente
circunscreve como sombras do passado, mas que no podem assumir
transparncia e lucidez
devido a legitimidade do escravismo, fruto do amesquinhamento
ideolgico-poltico cujas
bases materiais so as vantagens sociais em relao aos escravos; a
contradio da camada
social aristocrtica, que mediante as lutas polticas levada a
admitir a participao poltica
dos homens livres e pobres, mas que sempre age no sentido de
remover e/ou restringir esta
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participao poltica, quando na verdade esta democracia escravista
e esta participao
asseguram uma singular cumpricidade dos homens livres, pobres e
cidados com a defesa da
propriedade privada, o escravismo e da Polis.
O perodo Helenstico (338 a 275 a. C.), sob domnio macednico,
marca a perda
da liberdade e autonomia poltica da Grcia antiga. Marca, ainda,
a expanso da cultura
grega em direo ao oriente.
4.1 A Vida Poltica de Esparta
A expanso de Esparta ocorre entre 730 e 720 a. C. com a
conquista das regies da
Lacnia e Messnia e a reduo dos seus habitantes condio de
escravos. Forma-se uma
sociedade composta por cidados (espartanos), camada superior com
privilgios; periecos,
camada intermediria, livre e sem direitos polticos que
dedicam-se ao comrcio, artesanato
e agricultura; e hilotas, camada inferior de escravos
pblicos.
Esparta, por meio do legislador Licurgo, estabelece uma
organizao social e
poltica apoiada na igualdade e solidariedade dos cidados
(espartanos), sem o que no seria
possvel preservar uma sociedade na qual para cada cidado h 10
escravos, expropriados e
escravizados em sua prpria terra natal. A militarizao ,
portanto, uma manifestao de
um estado de guerra latente.
Os cidados recebem, em regime de usufruto, lotes (kleroi) e
escravos de
propriedade pblica; tm inibido o esprito de concorrncia,
individualismo e vaidade;
levam uma vida simples e despojada, mas totalmente devotada
cidade; submetem-se a uma
educao pblica bsica; e dedicam-se a serem bons soldados.
H uma discreta desigualdade econmica e social, visto que
permitido acumular
lotes por meio do casamento, bem como comercializar as terras no
enquadradas no sistema
de loteamento estatal. Contudo, as prprias exigncias de
envolvimento e de participao
dos cidados (espartanos) menos favorecidos economicamente na
guerra contra a rebelio
que os hilotas messnios realizam entre 650 e 620 a. C.,
determina a reformulao da
estrutura poltica. Ocorre a reduo dos poderes do Conselho de
Ancios (Gersia), a
ampliao do poder da Assemblia dos Cidados (pela), a ampliao da
participao
poltica dos cidados (espartanos) e a conteno de processos de
aprofundamento da
desigualdade econmica e social entre os cidados
(espartanos).
Esparta passa a possuir um sistema poltico peculiar. Possui uma
diarquia (dois
reis), apoiada em duas famlias dinsticas (gidos e Euripntides)
que no podem casar
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entre si. As funes dos reis so basicamente militares e
religiosas. Possui a Gersia, um
conselho de 28 ancios agregada pelos dois reis, qual os prprios
reis esto submetidos.
Possui a Assemblia dos Cidados (pela) que elege os membros da
Gersia e discute e
aprova propostas de governo encaminhadas pela Gersia.
Finalmente, possui o Eforato,
organismo composto por cinco foros tambm eleitos pela Assemblia
dos Cidados
(pela), de autoridade executiva e cujo mandato se estende por um
ano.
4.2A Vida Poltica de Atenas
Atenas, fundada pelos Jnios, inicia a unificao da tica por volta
do sculo XIII
a. C.. Organizada inicialmente sob o governo da monarquia,
rapidamente cede lugar para a
aristocracia.
O governos aristocrtico de Atenas apoia-se nos euptridas
(bem-nascidos) ou
como eles se chamam, os aristoi (os melhores). Compe-se de trs
magistrados eleitos por
um ano para o Arcontado: o arconte basileu (rei), o arconte
polemarco (chefe militar) e o
arconte epnimo (aquele que empresta o nome ao Arcontado). O
ncleo real de poder
encontra-se no Conselho dos Ancios (Arepago). Finalmente, existe
a Assemblia do
Povo (Eclsia), com poderes bastante reduzidos.
A ascenso de uma nova aristocracia enriquecida com o comrcio,
com a
construo naval e com o artesanato mercantil, excluda do governo
aristocrtico, e a revolta
dos camponeses com a perda das suas terras e a sua reduo condio
de escravos ou de
homens livres forados a trabalhar como hectmoros ou sexteiros,
isto , trabalhador que
retm um sexto do produzido, igualmente excludos, converte-se em
movimentos de presso
por reforma no regime aristocrtico.
Drcon, um arconte de origem euptrida, d incio s primeiras
reformas, de
maneira a buscar atender algumas das reivindicaes das camadas
populares. Drcon atende
a reivindicao do estabelecimento de leis escritas, mas as
concebe dentro de um esprito de
extrema rigidez.
Slon, que tambm euptrida, nomeado arconte em 594 a. C.. Probe
a
escravido por dvida, fortalece as pequenas e mdias propriedades
e rompe formalmente
com o monoplio poltico dos euptridas. Cria um regime poltico
censitrio com base em
valor referenciado no rendimento da terra, de forma abertamente
favorvel aos euptridas,
a classe que detm a propriedade sobre a maior parte das terras.
Os cidados so divididos
pelo regime poltico censitrio em quatro classes polticas: os
pentacosiomedimnas,
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basicamente euptridas, que colhem 500 medidas ou mais, que podem
usufruir das altas
magistraturas; os cavaleiros, basicamente ricos comerciantes e
armadores (nova
aristocracia), que colhem entre 300 e 500 medidas, que podem
usufruir das altas
magistraturas; os zeugitas, basicamente camponeses mdios, que
colhem entre 200 e 300
medidas, que podem usufruir dos cargos da baixa administrao; e
os thetas, basicamente
camponeses pobres (pequenos proprietrios ou sexteiros), artesos,
marinheiros, que colhem
menos de 200 medidas, que podem apenas usufruir do direito de
voto na Assemblia do
Povo (Eclsia), mas sem uso da palavra. Cria o Conselho dos
Quatrocentos (Bul) com
atribuio de preparar as sesses da Assemblia do Povo (Eclsia), o
que efetivamente
reduz o poder do Conselho de Ancios (Arepago), de forma a
restringi-lo aos assuntos
religiosos. E, finalmente, cria o Tribunal Popular (Helieu ou
Helia) no qual todas as
classes tem acento.
Slon, sob um esprito reformista moderado, recusa autorizar a
distribuio de
terras e edifica uma estrutura de poder de participao popular
restrita. Suas reformas, se por
um lado, esto aqum do que as camadas populares almejam, por
outro, vo alm do que os
euptridas estavam dispostos a ceder. Como conseqncia, se segue
trinta anos de anarquia
poltica. Mesmo a subsequente substituio da renda da terra para a
renda em dinheiro como
a referncia de valor para identificar as classes no regime
poltico censitrio, o que
efetivamente d incio a quebra o monoplio poltico dos euptridas e
permite o real acesso
da nova aristocracia mercantil sobre as altas magistraturas, no
suficiente para deter os
conflitos, em especial o descontentamento das camada
populares.
Conforma-se uma crise de hegemonia aristocrtica. A aristocracia
no consegue
dominar como no passado e resiste em conduzir de maneira
inequvoca a reformulao do
regime poltico e das bases sobre as quais a sociedade se apoia.
A nova aristocracia e,
principalmente, as camadas populares, no se deixam dominar como
no passado e exigem as
reformulaes polticas e sociais.
Os interesses e conflitos em curso cristalizam trs partidos
polticos bem
identificados do ponto de vista social, econmico e geogrfico: os
pedienses, grandes
proprietrios da plancie, a aristocracia tradicional; os
paralianos, moradores da costa, a
nova aristocracia mercantil vinculada ao desenvolvimento do
comrcio; e os diacrenses,
pequenos proprietrios das montanhas, vinculados principalmente
propriedade da terra.
Este contexto poltico proporciona um ambiente favorvel para o
aparecimento de
uma liderana poltica forte, na medida em que pode se apoiar na
insatisfao dos
paralianos e diacrenses. o que faz Pisstrato, possuidor de
grande fortuna e de
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notoriedade por, respectivamente, ser aristocrata e ter ocupado
o cargo de arconte
polemarco (chefe militar).
Aps simular a condio de vtima de uma tentativa de assassinato e
manobrar para
usufruir de uma guarda pessoal, toma o poder apoiado nos
paralianos e diacrenses e na sua
prpria guarda. Aps uma alternncia de deposio e reconduo ao
poder, Pisstrato o
assegura definitivamente em 540 a. C., o que o torna o primeiro
tirano de Atenas. O seu
governo notabiliza-se por ter derrotado a aristocracia
tradicional, de forma a reduzir
significativamente o poder dessa classe, e por ter conduzido
grandes realizaes sociais e
econmicas: independncia dos pequenos e mdios proprietrios em
relao aos grandes
proprietrios, estmulo ao comrcio e artesanato, criao de empregos
para os pobres,
realizao de emprstimos pblicos para os camponeses; realizao de
obras pblicas de
interesse popular, remodelao da arquitetura de Atenas; criao de
uma justia intinerante;
apoio a grandes festas populares religiosas, estmulo a concursos
teatrais, etc.
Hiparco e Hpias, filhos e sucessores de Pisstrato, fracassam na
manuteno da
tirania. Intensifica a oposio dos euptridas, que buscam o apoio
de Esparta, e a violncia
converte-se em mtodo bsico da tirnia, inclusive com a encomenda
de assassinatos. Aps
o assassinato de Hiparco, Hpias deposto em 510 a. C. pelos
euptridas com o apoio de
Esparta.
A queda da tirania, em que pese o papel desempenhado pelos
euptridas e por
Esparta, no reconduz Atenas para o regime aristocrtico. A luta
poltica que se segue se
revolve favorvel aos novos aristocratas e as camadas populares,
de forma a levar Clstenes
ao poder.
A superao definiti