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AS DINMICAS SIMBLICAS E A (RE)CONSTRUO DA IDENTIDADE
DOCENTETHE SYMBOLIC DYNAMICS AND THE
RECONSTRUCTION OF THE TEACHING IDENTITY
Manfredo Carlos Wachs*
Resumo
Adotamos nesta pesquisa o princpio da teoria narrativa,
formulado por Paul Ricoeur, que visa a auxiliar as pessoas a
narrarem a sua prpria histria. A significao e ressignificao da
identidade docente, na dimenso da teoria narrativa, integram a
relao dialtica entre a mesmidade, ipseidade e alteridade. A nossa
inteno conhecer os processos de formao da identidade docente que no
se restrinjam s questes cognitivas, que so fundamentais, mas tambm
avaliar processos que considerem outras dimenses do processo de
autoconhecimento. As diferentes dinmicas utilizadas nas atividades
de formao continuada visavam reflexo sobre a identidade e a prxis
docente. Por isso, elas tinham a inteno de proporcionar s pessoas
docentes a reflexo sobre si-mesmo para compreender-se melhor. Neste
artigo, apresentamos algumas das dinmicas interativas e simblicas
utilizadas na pesquisa e que permitiram verificar processos de
ressignificao da identidade docente.
Palavras-chave: Identidade docente. Ressignificao. Teoria
narrativa. Prxis docente. Dinmicas simblicas. Teoria de
smbolos.
Abstract
In this research we adopted the theoretical principle of the
narrative theory, formulated by Paul Ricoeur, which helps people
narrate their own history. The signification and resignification of
a teaching identity, within the dimension of
* Professor e diretor do Instituto Superior de Educao Ivoti
ISEI. Professor pesquisador da Faculdades EST. Membro do Conselho
de Educao da Rede Sinodal de Educao. E-mail: .
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the narrative theory, integrate the dialectical relationship
between sameness, ipseity and alterity. Our intention is to become
acquainted with the processes of teaching identity formation that
are not restricted to cognitive issues, which are fundamental, but
also to evaluate processes that consider other dimensions of the
self-knowledge process. The different dynamics used in the
continuous formation activities were aimed at reflecting upon
teaching identity and praxis. Therefore, they had the intention of
providing teachers with a reflection about themselves for greater
self-knowledge. In this article, we present some of the interactive
and symbolic dynamics which are used in the research and that
allowed to verify the processes of re-signifying teaching
identity.
Keywords: teaching identity, re-signification, narrative theory,
teaching praxis, symbolic dynamics, theory of symbols.
Introduo
Elaborar uma reflexo sobre a identidade docente pode representar
apenas uma recordao de acontecimentos e nem sempre uma reflexo
sobre a prxis educativa. Se ficar restrita somente recordao, ento
esse processo se limitar s lembranas do passado e a um ato de
saudosismo. Entretanto, se ocorrer uma identificao de situaes
marcantes, que foram determinantes na trajetria educativa inicial
da pessoa e na formao como educador, acompanhada de uma reflexo
sobre as mesmas, ento esse movimento poder se transformar num
momento de interpretao e reinterpretao da trajetria histrica e do
processo de formao da identidade docente.
O educador portugus Antnio Nvoa, ao teorizar sobre a formao de
docentes, afirma que
[...] urge (re-)encontrar espaos de interao entre as dimenses
pessoais e profissionais, permitindo aos professores apropriar-se
dos seus processos de formao e dar-lhes um sentido ao quadro das
suas histrias de vida. [...] A formao deve estimular uma
perspectiva crtico-reflexiva, que fornea aos professores os meios
de um pensamento autnomo e que facilite as dinmicas de autoformao
participada. [...] A formao no se constri por acumulao, mas sim
atravs de um trabalho de reflexividade crtica sobre as prticas de
(re-)construo de uma identidade pessoal.1
1 NVOA, Antnio. Formao de professores e profisso docente, p.
25.
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fundamental que, na formao do docente, seja no perodo da formao
bsica, seja no da continuada, ocorra uma anlise reflexiva crtica
sobre a sua prpria formao pessoal e acadmica. Entretanto, esse
processo no pode ficar restrito a uma dimenso individual e nem a
uma ao isolada, mas deve ser realizado em espaos comunitrios.
Na dimenso da percepo da identidade pessoal, o filsofo e telogo
Paul Ricoeur afirma que o outro mais prximo do eu o si-mesmo do eu,
o eu reflexivo, o si-mesmo como um outro ou o outro de si mesmo.2 A
dimenso mais prxima da pessoa a reflexo que a prpria pessoa faz de
si mesma e isto se torna mais efetivo na reflexo sobre a relao de
si mesma com o outro. A pessoa docente se conhece melhor quando
olha a si mesma diante do outro e quando tem conscincia da sua
trajetria de formao profissional na relao direta com a formao de
outros docentes. O telogo e pedagogo Roberto Daunis, apropriando-se
da concepo de Ricoeur, afirma que identidade pressupe
autoconhecimento, capacidade de perceber-se e de tornar-se
consciente de si mesmo.3 Esse processo de identificao da identidade
se d especialmente atravs do processo narrativo, porque ao narrar,
a pessoa elabora um duplo caminho, o de uma perspectiva
retrospectiva e prescritiva. Ou seja, a ressignificao da identidade
docente se elabora na dupla dimenso da retrospeco e da
prospeco.
Paul Ricoeur aponta para os traos marcantes da sua teoria
narrativa, destacando que ela faz a mediao entre a descrio e a
prescrio4 na construo da identidade pessoal. Esta se faz
essencialmente atravs da narrativa da trajetria pessoal e
profissional, consubstanciada por uma reflexo crtica. Nessa
perspectiva, Ricoeur afirma que a tarefa do hermeneuta, na teoria
da identidade narrativa, pr em equilbrio os traos imutveis que esta
deve ancoragem da histria de uma vida num carter e os que tendem a
dissociar a identidade do si da mesmidade do carter.5 O processo de
ressignificao da identidade docente no pode limitar-se reflexo
crtica e nem narrao da histria pessoal. O processo narrativo tem a
inteno de ajudar a pessoa do docente a conhecer-se melhor para
prescrever a dimenso de identidade pessoal e profissional mais
consciente e autnoma.
2 Apud DAUNIS, Roberto. Jovens: desenvolvimento e identidade, p.
102.3 Ibid., p. 101.4 RICOEUR, Paul. O si-mesmo com um outro, p.
139.5 Ibid., p. 148.
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1 A proposta metodolgica
1.1 Princpios e caminhos metodolgicosO processo metodolgico de
compreenso da identidade docente
essencialmente uma ao hermenutica, porque implica interpretar a
prtica educativa, a narrao da autocompreenso e a elaborao terica do
embasamento da sua prxis. Nessa perspectiva, optou-se pelo
referencial terico do pensamento de Paul Ricoeur, de uma
hermenutica simblica, embasada no entendimento do duplo sentido ou
de mltiplo sentido, cujo papel consiste em mostrar ocultando,6 onde
o processo de compreenso das narrativas necessita de interpretao e
que consiste em decifrar o sentido oculto no sentido aparente, em
desdobrar os nveis de significao implicados na significao
literal.7
Paul Ricoeur afirma que toda hermenutica , explcita ou
implicitamente, compreenso de si mesmo mediante a compreenso do
outro.8 Esta sua compreenso fica ainda mais evidente ao
verificarmos a sua anlise sobre os autorretrato de Rembrandt:
Rembrandt s se conhece ao pintar o seu retrato e ao olhar-se no
seu retrato. Quer dizer, o exame dele mesmo d-se no ato de se
pintar a si mesmo. Mas ao decifrar, ao ler o quadro, de certo modo,
leio Rembrandt, mas tambm me leio a mim como semelhante e distinto
de Rembrandt.9
Isso vai significar que, ao narrar a sua concepo de prxis
educativa e, especificamente, da ao docente, pode-se desencadear
uma reflexo pessoal sobre si mesmo. E a pessoa passa a se conhecer
melhor. O autoconhecimento vai sendo aprimorado quando a pessoa
estimulada ao exerccio de organizar e reorganizar o seu pensamento
para poder descrever a sua prtica educativa.
Nessa perspectiva de investigar como o docente compreende a si
mesmo e a sua docncia, realizamos atividades educativas que
envolviam dinmicas simblicas. As dinmicas e a investigao foram
realizadas com pessoas que participavam em seminrios e cursos de
formao 6 RICOEUR, Paul. O conflito das interpretaes: ensaios de
hermenutica, p. 14.7 Ibid., p. 15.8 Ibid., p. 18.9 Apud HELENO, Jos
Manuel M. Hermenutica e ontologia em Paul Ricoeur,
p. 221, nota 1.
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continuada, em seminrios organizados por escolas no incio do
perodo letivo e em cursos de especializao lato sensu. Os seminrios
ou jornadas pedaggicas acontecem, periodicamente, em muitas
escolas, no incio de cada ano e/ou no recesso escolar de julho, e
promovem, nos docentes, uma disposio positiva para reflexes e
desafios. A minha participao como docente, nesses seminrios,
ocorreu a partir de convites da prpria escola. Os cursos de
especializao so frequentados por profissionais de diferentes reas.
A participao das pessoas nos cursos j revela uma predisposio para a
reflexo e qualificao profissional e para uma ressignificao da sua
prxis educativa. Construmos uma metodologia de pesquisa baseada na
integrao entre a ao docente a atividade de pesquisador, integrando
a academia com a cotidianidade docente.
A metodologia utilizada nesses seminrios foi repetida em outras
ocasies, recebendo, obviamente, alguns ajustes conforme as
caractersticas e as necessidades de cada atividade de formao
docente. A repetio das dinmicas, seja com o mesmo grupo de pessoas
ou em outros contextos, visava verificar a eficcia da dinmica. A
temtica desses seminrios girava em torno da identidade docente e as
atividades duravam, em mdia, quinze horas de atividade reflexiva,
sendo realizados em dois dias. Esse tempo de durao e o nmero de
participantes permitiam uma interao com as pessoas do grupo docente
e um dilogo nos perodos livres. A reflexo realizada pelos
participantes nas atividades de formao continuada, durante os
seminrios de capacitao, foi aprofundada pelas contribuies tericas,
principalmente do pensamento dos telogos e filsofos Paul Tillich e
Paul Ricoeur e do psiclogo Carl Gustav Jung.
Como procedimento metodolgico de apropriao da compreenso da
identidade docente, desenvolvemos dois exerccios distintos de
reflexo simblica nas atividades de formao continuada de docentes. A
inteno bsica desses exerccios simblicos criar um espao de interao e
expresso da compreenso que o docente tem sobre a identidade
docente. Os dois exerccios simblicos, realizados nas atividades em
sala de aula, esto relacionados com interpretao de imagens. Alm
disso, h tambm a compreenso epistemolgica de que a expresso do
pensamento da pessoa no pode ficar restrita dimenso textual.
No primeiro exerccio, os docentes faziam um desenho sobre a sua
compreenso de identidade docente. No segundo, os docentes
interpretavam pinturas, gravuras ou fotos com representaes
simblicas.
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Iniciamos com o exerccio do desenho, pois queramos proporcionar
espaos para as pessoas expressarem o seu pensamento antes de lhes
trazer alguma concepo ou teoria elaborada por algum pensador. Aps
esse primeiro momento didtico, foi integrado o exerccio de
interpretao de imagens e representaes simblicas.
1.2 Dinmicas simblicas1.2.1 Dinmica do desenho
A dinmica do desenho, como um dos exerccios de interpretao da
identidade do prprio docente, transcorre da seguinte maneira: a) as
pessoas so convidadas a produzirem um desenho simblico, no qual
elas representam, atravs de uma imagem simblica, como elas
compreendem a sua docncia; b) num segundo momento, as pessoas so
convidadas a deixar o seu desenho onde esto sentadas, a percorrer o
lugar e a observar o desenho das demais pessoas; c) em seguida,
pede-se que escrevam, nas costas do desenho da colega, a sua
interpretao do desenho; d) cada pessoa retorna ao seu lugar e
analisa o que foi escrito no seu desenho; e) as pessoas
compartilham, em voz alta e em plenrio, as interpretaes dos
desenhos.
Na primeira vez em que se realizou essa dinmica, apareceram com
destaque as representaes das imagens do caminho, da mo, do sol ou
da luz de velas, da montanha, da montanha com sol, da espiral, do
crculo. Destes, o que mais aparece so os desenhos do caminho e da
mo com diferentes configuraes. A partir disso, desenvolvemos
exerccios de interpretao com grupos, utilizando a dinmica de
representaes simblicas do caminho e da mo. Procuramos no ficar
restritos interpretao oral e escrita, mas tambm realizamos
atividades de expresso corporal, em que as pessoas apresentavam as
suas interpretaes das imagens simblicas. Pretendia-se, assim, que
as pessoas pudessem revelar o seu pensamento das mais variadas
formas interpretativas.
1.2.2 Dinmica de imagens simblicasA dinmica da interpretao de
imagens simblicas transcorreu
da seguinte maneira: a) as pessoas observam a imagem simblica,
em silncio, procurando perceber cada detalhe da gravura. Elas tambm
so estimuladas a fixar o seu olhar e a interpretar os detalhes e o
conjunto da imagem; b) so convidadas a relatar o que consta na
gravura. Neste
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segundo passo da dinmica, as pessoas so convidadas a relatar
somente o que veem e no a interpretarem a imagem. A inteno dessa
orientao metodolgica dar destaque ao conjunto da imagem e permitir
que as diferentes percepes sejam relatadas. Aqui, as pessoas tambm
podem ser convidadas a mencionar o elemento que mais lhes chama a
ateno ou que elas querem realar na obra; c) so convidadas, no
terceiro momento da dinmica, a interpretar a imagem simblica,
relacionando-a com a atividade docente. importante criar condies
para expressem livremente o seu pensamento e necessrio considerar
relevante todas as falas e interpretaes.
A metodologia de trabalho pressupe a leitura e anlise do pen-
samento de docentes e sua significao na construo da identidade
docente. Adotamos o princpio de interpretaes compartilhadas, em que
as pessoas socializam as suas opinies umas com as outras,
procurando aprofundar a reflexo e deixar evidente a compreenso
pessoal e grupal e a confrontao com a contribuio de pensadores. Na
interpretao grupal, realizada atravs de manifestaes livres do
pensamento, possvel perceber as interpretaes mais significativas
para o grupo e evitar a interpretao isolada e individualizada.
1.2.3 Espelho retrovisorNesta dinmica, foram apresentadas
diversas fotos e/ou figuras
com imagens em espelho retrovisor. Aqui, as pessoas so
convidadas a refletir sobre o significado do espelho retrovisor e o
que ele poderia significar simbolicamente. Aps a anlise da figura
simblica em si, cada pessoa desafiada a realizar um exerccio de
simbolizao a partir do espelho retrovisor como smbolo da trajetria
docente, relacionando com a sua trajetria de formao docente e com
sua identidade docente.
Nas respostas, h pessoas que descreveram experincias positivas
que, ao relatar a sua histria de vida, fortalecem o sentido que
elas do para a sua prxis. H manifestaes em que as pessoas, ao
relatarem a sua histria, revelam o seu processo de ressignificao. H
tambm relatos que apontam para a importncia da ressignificao. H as
que revelam a importncia da narrativa da trajetria profissional,
pois, ao faz-lo, tomam conscincia da sua construo identitria.
Atravs da redao da trajetria pessoal e no somente na narrativa
oral, podemos perceber a importncia da narrao para a construo da
identidade docente. Os depoimentos que apresentamos
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abaixo10 constituem uma amostra do processo de tomada de
conscincia da construo e ressignificao da identidade docente.
Depoimento n 1No caminhar da educao, fui formada por
profissionais de
reaes diferentes e de cada um deles trouxe comigo um pouquinho.
O jeito srio de muitos, a arrogncia de outros, a falta de humildade
de alguns. Fui educada nos primeiros anos com professoras as quais
tenho admirao e carinho, pois tiveram grande significncia em minha
vida seguinte.
No caminhar do trem fui parar em uma cidadezinha, quase vilarejo
no interior, no serto da Bahia; foi muito diferente e estranho para
mim. Meu professor era homem, e era uma pessoa que se achava melhor
que todos; os alunos eram sempre medocres para ele (para no citar
burros). Durante esse perodo senti muita dificuldade, mas, venci.
Durante o ensino fundamental e mdio tive um professor narcsico; ele
sentia-se o melhor, apenas as colocaes dele eram corretas e ns no
tnhamos sequer o direito de questionar. Apenas absorver seus
contedos.
Hoje, em minha caminhada educacional, carrego um pouquinho de
cada um deles em minha mala, pois foram e so pessoas assim que
fazem o meu caminhar positivo e diferente.
Esta educadora trouxe a imagem do trem e os seus diversos pontos
de parada e incluiu a mala de viagem como uma figura simblica e a
relacionou com a bagagem da vida e como elemento simblico do que
levamos junto e do que descarregamos no transcorrer da vida. A sua
reflexo promoveu a reflexo sobre o que podemos e devemos nos
desfazer e agregar na prtica docente. Cada nova experincia, cada
nova reflexo, algo mais que acrescemos nossa trajetria de vida.
Cada nova vivncia interpessoal nova influncia que recebemos e
acrescentamos nossa vida. Verificamos, nesta dinmica, que as
pessoas conseguem mais falar de forma indireta do que direta de
certas experincias marcantes da vida. Elas se sentem protegidas
psicolgica
10 O uso dos relatos foi autorizado pelos declarantes nas
atividades em sala de aula. Mantemos o anonimato dos mesmos para,
por um lado, preserv-los e, por outro lado, transformar os relatos
pessoais em textos reflexivos e simblicos de uma atividade letiva.
Estes no foram os nicos relatos. Escolhemos estes, pois foram os
que provocaram maior impacto nos grupos e promoveram reflexes
intergrupais. A nossa escolha j um ato interpretativo, porque
selecionamos o que tem relao com a nossa reflexo.
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e emocionalmente ao se exporem simbolicamente. Isso tambm ocorre
quando relatam algo de si de forma indireta.
Depoimento n 2
Outra pessoa, na dinmica de olhar-se no espelho e contemplar
retrospectivamente a sua trajetria pessoal, elaborou o seguinte
texto11:
O meu tempo de escola iniciou no segundo semestre de 1962,
quando minha me e meu pai decidiram que eu deveria ser uma espcie
de aluno visitante na escola que ficava perto da casa deles. O
motivo: eu no sabia falar portugus. [...] Naquele tempo fui com
medo para a escola. Medo de ser repreendido por no saber falar,
medo de no saber o que me perguntariam. [...] Mas, olho para a
escola de 1 a 4 srie como um tempo bem aproveitado, muito estudo,
muita dedicao, muita recomendao para ser bem educado e no
desobedecer professora, no fazer baguna. Sempre me senti reprimido
diante da professora. [...] O que eu escrevi at aqui, na verdade
nunca coloquei no papel, nem refleti sobre isso, mas percebo que
isso me marcou profundamente: eu vou para a escola para aprender,
para cumprir com as exigncias da escola, sinto-me aflito, medo de
no corresponder s expectativas, de no tirar nota suficiente, de no
passar de ano. [...] Aprendi nesse processo a gostar das aulas em
que o professor d a aula, faz a preleo, eu escuto e anoto.
Responder a perguntas, participar de dinmicas deixava-me aflito.
Sempre preferi ser ouvinte e de preferncia sentar nas ltimas
classes para me sentir mais seguro, poder observar o todo.
[...]
Alguns dias aps receber o relato acima, eu me encontrei com esta
pessoa e tivemos oportunidade de conversar, em particular, sobre o
teor do texto. Eu lhe agradeci pela sinceridade e pela transparncia
do seu relato, pois havia diversos dados de bastante significao
pessoal. Na ocasio, a pessoa compartilhou que tinha sido a primeira
vez que conseguira falar da sua trajetria de vida e que esse fato
estava lhe fazendo bem.
Afirmou que o conjunto de figuras simblicas utilizadas na
atividade da sala de aula o ajudou a redigir o texto. Para esta
pessoa, foi 11 Nesta transcrio, exclumos partes do texto que
relatam elementos da vida pessoal e
mantivemos elementos relacionados a sua formao e que foram
determinantes para a constituio da identidade profissional. Em
dilogo pessoal, na poca do curso, o declarante autorizou o uso do
texto para esta pesquisa, contanto que se preservasse o seu nome.
Este relato foi escrito em janeiro de 2002, num curso de
especializao em Aconselhamento Pastoral e Psicolgico.
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marcante a reflexo sobre a foto de um caminho com uma porteira.
Esta figura foi especialmente significativa, pois a fez lembrar-se
de imagens e situaes da vida do campo que conhecia muito bem.
Tambm, tinha sido significativa a reflexo sobre a importncia de
atravessar barreiras, de ultrapassar a porteira para poder
prosseguir no caminho da vida profissional e o quanto essa ao
fundamental para a constituio de uma identidade profissional.
Durante nosso dilogo, recordou o quanto foi importante o comentrio
do grupo de colegas de que a porteira da foto abre para os dois
lados, podendo a pessoa, dessa maneira, entrar ou sair, prosseguir
ou retornar.
Nesse relato, podemos retomar a reflexo apresentada por Paul
Ricoeur sobre a dimenso de que narrar a sua trajetria de vida
representa uma autointerpretao dos fatos ocorridos. Da mesma forma,
no fato de retomar e reescrever o texto, ocorre uma reinterpretao,
uma reflexo sobre a sua prpria trajetria de vida. Ns podemos dizer
que, no momento em que o redator do texto olha o seu autorretrato,
seja uma gravura ou uma autodescrio, ocorre uma interpretao e, com
isso, inicia-se uma atividade hermenutica. Por isso, to importante
quanto ter escrito o texto, foi o fato de poder t-lo analisado
oralmente alguns dias depois.
Depoimento n 3
Um participante escreveu o seguinte texto:12
Olhando para o espelho, para o passado, desde o meu primeiro dia
de aula no Jardim de Infncia, acredito ter recebido um bom ensino
escolar. Penso ter tido a sorte de ter em meu currculo escolar,
bons professores e boas professoras. Pessoas que tinham amor pelo
seu trabalho, pela sua misso de ensinar. Desde pequena, acredito
que pela motivao recebida de minha me e de meu pai, sempre tive
vontade de aprender, de saber mais. O ir para escola sempre foi um
prazer. No importava a forma que eram ministradas as aulas, o que
importava era saber mais, conhecer o desconhecido. Se analiso a
maneira como eram ministradas as aulas, acredito que eram da forma
mais tradicional, sem muitos recursos didticos criativos, com raras
excees. Mesmo assim, lembro que a turma participava com interesses
e os que tinham mais dificuldades eram, na maioria das vezes,
vistos com carinho e ateno. As escolas onde estudei eram
12 Este texto foi escrito no curso de especializao e a autorizao
de uso foi dada oralmente.
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do Municpio ou do Estado, mesmo assim escolas que recebiam algum
destaque pelo seu ensino e organizao. Vejo, hoje, que por ter
recebido a minha educao fundamental de forma tradicional, mas
cativante, tenho muitas vezes dificuldades de ser diferente. Hoje
parece que essa maneira de ensinar no cabe mais, os jovens parecem
querer saber mais de forma diferente. Os interesses so outros [...]
Isto fica bastante evidente quando preciso realizar/ministrar as
aulas de ensino confirmatrio. Muito ainda preciso aprender e,
sobretudo, ter a coragem de arriscar novas formas de ensinar.
A dinmica de mirar-se no espelho, olhando para a sua trajetria
de vida, ajudou essa pessoa a compreender melhor a sua atual prtica
educativa. Olhando para trs e recordando a metodologia de ensino
vivenciada, ela reconheceu a influncia da sua vivncia como
estudante de educao bsica na sua atual forma de ensinar. Ao mesmo
tempo em que ela percebeu que esse perodo de aprendizagem poderia
ser considerado como uma educao tradicional, ela tambm reconheceu o
seu valor e manteve os elementos que considerava importantes. O seu
mirar-se no espelho no foi uma mera recordao, mas uma ao reflexiva
sobre a sua prpria formao bsica e sobre a sua prxis atual. Outro
elemento importante da sua autorreflexo foi a distino realizada
entre o ato de ensinar e a relao interpessoal com o professor.
Nessa ao comparativa, fica destacada a influncia da postura de um
determinado professor. Ela reproduz essas marcas consciente e
inconscientemente na sua atividade educativa.
1.3 O movimento simblicoTranscrevendo a dinmica, relatando as
vozes significativas,
compartilhando as representaes simblicas dos desenhos e
registrando os processos de significaes, est-se realizando uma ao
hermenutica, porque se est dando uma significao ao ato reflexivo e
transformando-o em referencial reflexivo. Ricoeur afirma que a
reflexo a apropriao de nosso esforo para existir e de nosso desejo
de ser, atravs das obras que atestam esse esforo e esse desejo.13
Portanto, tanto a narrativa quanto a prpria reflexo so uma afirmao
da existncia humana, so uma manifestao do desejo de querer ser
ouvida, so uma construo do direito de falar e de ouvir. Segundo
Paul Ricoeur, a narrativa de um fato carregado de valor simblico no
uma simples descrio do
13 RICOEUR, Paul. O conflito das interpretaes, p. 277.
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mesmo, mas uma interpretao, uma restaurao de sentido.14 E toda
nova narrativa por si s j se torna uma reinterpretao.
As situaes marcantes e os smbolos fundantes de uma identidade
pessoal e profissional passam a ser percebidas no momento em que se
proporciona um processo de mirar-se no espelho, se oportuniza a
reconstruo da memria significante, se desenvolve uma retrospeco
narrativa da trajetria pessoal e uma perspectiva futura de aes
significativas. Nem sempre o processo de ressignificao ocorre no
tempo e no espao em que se deseja e nem quando se provoca uma
dinmica de ressignificao e ressimbolizao. Por isso, as dinmicas de
operacionalizao simblica devem permitir a tomada de conscincia das
transformaes pessoais. Ao mesmo tempo, na maioria das vezes, as
transformaes s so percebidas quando j efetuaram mudanas ou quando
esto em pleno processo de ressimbolizao e no no momento em que se
inicia o processo. Entretanto, devemos reconhecer que a autonomia
de significao da pessoa relativa, pois ela provocada e desafiada e
as lembranas significativas so despertadas e conectadas com o
consciente pessoal.
Carl Gustav Jung afirma que os contedos psquicos transpessoais
no so inertes ou mortos.15 Eles permanecem no inconsciente pessoal
e operam transformaes nas pessoas, na mesma proporo em que as
vivncias marcantes se tornam smbolos fundantes, pois se incorporam
construo da personalidade e da identidade da pessoa. Os smbolos
fundantes, conforme Jung, no podem ser manipulados vontade.16 Os
processos de significaes e de mudanas no so manipulveis pela pessoa
proponente de uma dinmica e nem pelo consciente pessoal. Ou seja,
eles no esto sujeitos e nem atrelados vontade da pessoa e nem esto
presos vontade do consciente pessoal como se fosse um fichrio no
qual se acessa quando bem se deseja. essa independncia e esse
movimento de ao dinmica dos smbolos fundantes que se encontram no
inconsciente que cria a possibilidade de autonomia da pessoa e
permite que ela se torne sujeito de si mesma.
A sensao da revelao de situaes difceis provoca um
constrangimento e uma profunda dificuldade para acessar os objetos
simblicos que se encontram no fundo do inconsciente. E quanto
maiores 14 RICOEUR, Paul. Da interpretao, p. 19.15 JUNG,Carl
Gustav. O eu e o inconsciente, 230.16 Ibid., 225.
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forem as evidncias de situaes dolorosas, tanto mais se
manifestam as atitudes de resistncia e de recolhimento devido ao
sentimento temeroso e cauteloso. Segundo o pensamento de Paul
Tillich, nesse ponto se manifesta mais a ansiedade diante do
desconhecido17 do que o medo de encontrar algo desagradvel, pois o
medo se refere a algo concreto e a ansiedade ao desconhecido, ao
imprevisvel, ao no controlvel, negao do objeto. O fato de se ter
conscincia do medo e o ato de enfrent-lo j devem ser considerados
como uma faanha extraordinria, mas no so as nicas condies para que
se possa chegar verdadeira experincia de si-mesmo.18 Jung afirma
que, psicologicamente, no se possui o que no se experimenta na
realidade,19 do mesmo modo que as situaes existenciais s podem ser
elucidadas base da experincia20 e da vivncia de ressimbolizao.
Nem os sculos da nfase na racionalizao e do iluminismo, nem a
percepo meramente intelectual so capazes de produzir a
ressignificao ou o processo de equilibrao, pois os smbolos
tradicionais no exprimem o que o inconsciente quer ouvir.21 A
anlise crtica das situaes marcantes e simblicas pode encontrar
inmeros defeitos e variantes na construo da identidade docente.
Contudo, a mera intelectualizao no proporciona ressignificao. Os
mitos so narrativas maravilhosas, pois permitem a expresso de
realidades simblicas que revelam e ocultam situaes existenciais. O
telogo Paul Tillich afirma que o mito a associao de smbolos que
exprimem o que nos toca incondicionalmente.22 Portanto, a
ressignificao de situaes existenciais s ocorre num processo de
elucidao interpretativa e vivencial de smbolos fundantes da
identidade docente, daquilo que nos toca incondicionalmente,
daquilo que se encontra na profundeza da existncia humana. Hubertus
Halbfas afirma que o smbolo a janela que d acesso profundeza da
alma, que traz superfcie o que se encontra nas profundezas.23
Jung afirma que h pessoas que se abalam excessivamente com as
descobertas dolorosas, esquecendo que no so as nicas a possurem
17 TILLICH, Paul. A coragem de ser, p. 29.18 JUNG, Carl Gustav.
AION Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo, 62.19 Ibid., 61.20
Ibid., 63.21 Ibid., 67.22 TILLICH, Paul. A dinmica da f, p. 37.23
HALBFAS, Hubertus. Das dritte Augen, p. 3.
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um lado sombrio.24 Diante disso, importante ajudar essas pessoas
a realizar uma descentrao pessoal, para que se vejam inseridas num
contexto em que vivem pessoas com problemas semelhantes ou
distintos do seu. Nesse sentido, a realizao de dinmicas e de jogos
simblicos pode produzir uma reconstituio de equilbrio
psicoemocional, alm de uma relao mais saudvel com as outras pessoas
e, ao mesmo tempo, proporcionar um sentimento de alvio da carga e
da sobrecarga emocional e da culpabilidade ao descobrir pessoas
vivendo situaes semelhantes.
A tarefa do hermeneuta que procura compreender a identidade
docente interpretar as manifestaes do prprio docente e analisar
criticamente as suas narraes, verificando se ocorre um processo de
construo da individuao ou uma projeo da persona. fundamental que
possa ocorrer esse discernimento interpretativo. Contudo, essa
descoberta no se d numa primeira manifestao e nem numa primeira
narrao da trajetria pessoal. necessrio ocorrer uma maior
inter-relao pessoal e grupal.
2 Identidade docente abertura para novos olhares
A narrao no uma mera apresentao de fatos, acontecimentos ou
situaes, mas uma exposio interpretativa, porque, ao narrar, a
pessoa organiza e reorganiza a sua experincia pessoal. A pessoa que
narra seleciona detalhes, excluindo ou incluindo aspectos
considerados mais ou menos importantes e esse processo j implica,
por si s, uma atividade de reinterpretao. O processo de seleo uma
atividade interpretativa que, contudo, nem sempre tem critrios
claros e opera tanto com o consciente quanto com o inconsciente. Na
perspectiva da anlise junguiana, entende-se que o inconsciente
libera para o consciente o que est em condies de ser narrado, de
ser ressignificado e ressimbolizado, possibilitando, assim, a
dinamizao da identidade docente. Nessa relao dialtica entre o
consciente e o inconsciente ocorre uma autorregulao do self.
O processo de ressignificao pode ser desencadeado atravs de
dinmicas de simbolizao e de ressimbolizao, em que se utilizam de
narrativas simblicas, mticas e onricas, figuras simblicas, relatos
de poesias, expresso de artes como desenho, pintura, foto e
corporalidade 24 JUNG, Carl Gustav. O eu e o inconsciente, 225.
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dramtica, entre outras. As dinmicas devem estar permeadas de
narrao e reflexo interpretativa crtica, tanto individual quanto
comunitria. Para tanto, deve-se tambm respeitar e reconhecer as
diferentes redes de conexes nas relaes inter e intrapessoais das
pessoas que integram as dinmicas de simbolizao e perceber que nem
todos os momentos e vivncias so oportunos para uma
ressimbolizao.
O telogo Paul Tillich afirma que os smbolos no podem ser
inventados. Eles surgem e desaparecem como seres vivos.25 Nesta
mesma direo, Tillich afirma que os smbolos provm do inconsciente
individual ou coletivo e s tomam vida ao se radicarem no
inconsciente do nosso prprio ser.26 Considerando e analisando estas
afirmaes de Tillich, podemos dizer que, da mesma forma, a
ressimbolizao no se d por uma deciso externa e nem pode ser imposta
de fora e nem sempre ocorre quando uma pessoa proponente a realiza.
Ela se d quando o integrante ou grupo est em condies de vivenci-la
exterior e interiormente. Ou seja, quando h uma predisposio e
quando a pessoa j est inserida num processo pessoal e grupal de
narrativa da trajetria docente. A ressimbolizao se d quando os
smbolos e os mitos tomam vida e quando revelam profundezas ocultas
do nosso prprio ser.
Paul Tilich afirma que aquilo que toca o homem
incondicional-mente precisa ser expresso por meio de smbolos,
porque apenas a lingua-gem simblica consegue expressar o
incondicional.27 A reflexo sobre a identidade docente vai implicar
o desenvolvimento de uma anlise sobre smbolos e mitos que tocam as
profundezas da alma humana, que tocam incondicionalmente a
existncia humana. A linguagem simblica uma das formas expressivas
para manifestar o que move a existncia e que d sentido prxis
educativa e fundamenta a identidade docente. Dessa for-ma, podemos
afirmar que a hermenutica da identidade docente envolve a reflexo
sobre os smbolos e mitos fundantes da identidade docente.
Ao desenvolver a reflexo sobre a dimenso simblica na formao de
professores, a educadora Ecleide Furlanetto aponta para a construo
do self grupal que se constitui no processo comunitrio de construo
de identidade. Ecleide Furlanetto se apropria do conceito junguiano
de self, que representa a totalidade do ser e que integra tanto a
expresso do consciente quanto do inconsciente. Enquanto Jung
utiliza o conceito 25 TILLICH, Paul. Dinmica da f, p. 32.26 Ibid.,
p. 31.27 Ibid., p. 30.
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de self mais para dimenso individual, Furlanetto amplia o
conceito para uma dimenso inter-relacional e grupal. Ela baseia a
sua reflexo no conceito de self grupal, elaborado por Carlos
Byington, destacando que o self grupal expressa a totalidade das
foras conscientes e inconscientes, subjetivas e objetivas, atuando
num grupo e sendo coordenadas pelos mesmos arqutipos que o self
individual.28
Ecleide Furlanetto afirma que o self grupal no se constitui pela
simples justaposio dos indivduos, mas sim pelo encontro de sujeitos
que, por meio de suas trocas conscientes e inconscientes, compem
uma totalidade na qual as partes funcionam articuladas.29 Quanto
mais a narrativa dos processos pessoais da identidade docente for
realizada de forma comunitria e as pessoas puderem interpretar e
reinterpretar comunitariamente ao narrarem a trajetria pessoal de
vida e a compreenso da sua identidade docente, tanto mais poder
ocorrer eficaz e efetivamente um processo de individuao e a
constituio de um self grupal. Isso tambm significa que, quanto
maiores forem os processos de interao entre as pessoas do mesmo
grupo, maior ser o grau de confiana e, consequentemente, de revelao
do inconsciente.
Procurando relacionar a reflexo psicopedaggica de Byington e
Furlanetto com a compreenso teolgica de Tillich, podemos dizer que
o self grupal ocorre quando os smbolos e os mitos que tocam a
existncia humana no so expresses somente de uma nica pessoa, mas
representao de um grupo de pessoas. Isso significa que, para se
tornar possvel a concretizao do self grupal, preciso que ocorram
relaes simblicas, tanto conscientes quanto inconscientes, entre as
pessoas componentes de um grupo. Os smbolos e mitos expressados
comunitariamente, em atividades grupais, precisam ser significantes
para a maioria das pessoas do grupo e no somente para uma delas.
Entretanto, devemos recordar a posio de Tillich que afirma que os
smbolos no podem ser manipulados. Portanto, nas relaes do self
grupal, haver simbolizaes e significaes grupais, mas os smbolos
podero ter significados distintos entre as pessoas do mesmo grupo.
A questo do self grupal no significa uma uniformidade de
interpretao, mas uma inter-relao significante entre as pessoas do
grupo.
28 BYINGTON, Carlos Amadeu Botelho. Pedagogia simblica: a
construo amorosa do conhecimento do ser, p. 29.
29 FURNALETTO, Ecleide Cunico. A formao de professores: aspectos
simblicos de uma pesquisa interdisciplinar, p.76.
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Nas significaes que ocorrem nas narrativas interpretativas e
reinterpretativas, h um fortalecimento da individuao de cada pessoa
e, consequentemente, um fortalecimento da identidade docente. No
fortalecimento da individuao, tambm se processa uma dimenso de
singularidade, pois cada pessoa e se torna mais singular em relao a
outra pessoa. Os smbolos fundantes, apesar de terem uma significao
grupal, tm uma interpretao distinta e particular para cada pessoa.
Nas significaes grupais e nas partilhas interpessoais, pode tambm
se constituir uma singularidade plural ou uma pluralidade singular,
quando as partilhas e as experincias significativas e significantes
da identidade docente se tornam uma singularidade plural, porque,
na perspectiva ricoeuriana, a mesmidade e a ipseidade dos
componentes do grupo se fortalecem na relao da alteridade e formam
uma unidade e no uma dissonncia. Isso significa que cada self
grupal ser singular, apesar de ser constitudo pela pluralidade de
pessoas singulares, e, portanto, distinto de outros selfs
grupais.
Na sua anlise sobre singularidade e pluralidade, Sara Pain
afirma que somente a liberdade pode nos levar da singularidade
pluralidade e da pluralidade singularidade.30 Dessa forma, devemos
dizer que no possvel constituir um self grupal sem um claro
processo dialtico da relao entre singularidade e pluralidade e sem
um claro processo dialgico, em que h uma atitude de ouvir a
manifestao do self individual da outra pessoa. A constituio do self
grupal s ser consistente e se consolidar quando estiver presente a
dimenso de intersubjetividade dialgica,31 em que sujeitos falantes
e ouvintes consideram a subjetividade das suas relaes e
interpretaes e quando, numa atitude dialgica e emancipatria,
revelam as suas impresses e interpretaes. Seguindo a interpretao de
Paulo Freire, que reflete sobre a intercomunicao amorosa, podemos
salientar que necessrio que haja uma intercomunicao ntima entre
duas conscincias que se respeitam.32 Ou seja, a individuao e,
consequentemente, a construo do self grupal se faz numa construo de
relao direta com a alteridade, integrado pela sabedoria do ouvir e
do dialogar, e com as relaes interpessoais das intercomunicaes
amorosas.
30 PAIN, Sara. Aspectos filosficos e socioantropolgicos do
construtivismo ps-piagetiano II, p. 49.
31 WACHS, Manfredo Carlos. O Ministrio da confirmao, p.87-89,
151-155.32 FREIRE, Paulo. Educao e mudana, p. 29.
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Ecleide Furlanetto afirma que o
[...] resgate das histrias de vida nos permite entrar em contato
com nossas vivncias, bem ou mal elaboradas, e construir novos
significados para elas. Essa posio de cooperao que assume o ego,
centro da conscincia, com a personalidade total, o self,
proporciona um sentido de inteireza e uma possibilidade de
existncia mais profunda. uma entrega a caminho.33
So os processos de resgate da trajetria de vida, tanto de sua
prpria histria quanto de outros docentes, que proporcionam uma
individuao e permitem compreender e ampliar a conscincia de como
foram se constituindo as matrizes pedaggicas e a formao da sua
identidade docente, atravs das construes simblicas e mticas.
A reflexo e as dinmicas de ressignificao e ressimbolizao,
propostas por algum que conduz as atividades de formao continuada,
no provocam uma ao significante apenas nas outras pessoas, mas
podem provoc-la, inclusive, na prpria pessoa que coordena a
atividade de simbolizao e de ressimbolizao. Entretanto, esse
processo somente possvel quando a pessoa que conduz a dinmica se
considera integrante do grupo que vivencia a dinmica, quando assume
uma atitude de intersubjetividade dialgica e quando faz da ao
reflexiva sobre a atuao docente um momento de aprendizagem e de
troca de saberes. O processo de ressignificao e ressimbolizao no
uma relao e nem uma ao puramente objetiva; ele tambm uma objetivao
subjetiva e uma subjetivao objetiva. Essa relao dialtica entre
objetivao e subjetivao faz parte do processo, porque a pessoa que
coordena a dinmica de ressimbolizao precisa reconhecer-se como um
sujeito em processo permanente de formao e de ressignificao da sua
identidade docente e, ao mesmo tempo, como algum que acompanha e
auxilia as demais pessoas nos seus processos de significao e
ressignificao.
Isso significa desencadear um processo de mirar-se no espelho.
Essa possibilidade implica que a prpria pessoa que coordena a
dinmica de significao e simbolizao tambm pode assumir a condio de
mirar-se no espelho e, simbolicamente, pode realizar um processo de
retrospeco, percebendo os elos de conexo entre os fatos marcantes e
fundantes de uma identidade docente com as caractersticas atuais da
sua identidade docente. Alm de tomar conscincia da motivao, 33
FURLANETTO, Ecleide Cunico. A formao de professores: aspectos
simblicos
de uma pesquisa interdisciplinar, p. 73.
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consciente e inconsciente, da atuao docente, da opo metodolgica
e dos recursos pedaggicos utilizados. Isso significa criar espaos e
oportunidades para as pessoas se mirarem no espelho e
desvestirem-se e revestirem-se de suas roupas identitrias e implica
estabelecer conexes entre o passado e o presente, entre as
experincias e reflexes fundantes de uma realidade identitria com a
configurao atual da identidade, num processo de ativao da
memria.
Sara Pain,34 referindo-se aos processos de aprendizagem
cognitiva, afirma que permanece na memria o que realmente foi
significativo. Ela ainda afirma que se algum no tem memria, porque
tem dificuldade de trazer para o presente, de conectar o presente
com seu passado. Ou seja, apropriar-se de si mesmo, apropriar-se de
suas prprias experincias no passado.35
Ou seja, realmente tornam-se parte da memria aquelas situaes,
aquelas vivncias, experincias, leituras, palavras, que obtiveram um
significado simblico e que tiveram uma dimenso significante. No
entender do telogo Paul Tillich,36 tornam-se simblicas as questes
que possuem um carter ltimo, que tocam incondicionalmente a pessoa,
ou seja, que se relacionam com a existncia e com o sentido de ser,
proporcionando a coragem de ser que d condies para enfrentar
ansiedades e conflitos. Portanto, resgata-se da memria o que se
tornou significativo, sejam marcas positivas ou negativas, o que se
tornou mar-ca referencial de uma identidade. Isso significa que,
para se ter melhor conscincia da identidade pessoal e profissional,
importante mirar-se no espelho e descobrir o seu prprio processo de
construo identitria.
Concluso ou intervalo numa jornada
Ao compreendermos a constituio da identidade docente como algo
dinmico e em constante formao e reformulao, entendemos que a
narrativa de si mesmo e de sua trajetria pessoal e profissional um
elemento fundamental para o fortalecimento tanto da identidade
docente quanto da reflexo sobre a sua prxis educativa. A atividade
de dinmica simblica proporciona um processo de revelar e ocultar,
de se expor e se proteger.
34 PAIN, Sara. Aspectos filosficos e socioantropolgicos do
construtivismo ps-piagetiano III, p. 51.
35 Ibid., p. 50.36 TILLICH, Paul. Dinmica da f, p. 5, 31 e
37.
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Os processos de simbolizao e ressimbolizao da identidade docente
podem proporcionar um processo de significao e ressignificao de si
mesmo de sua ao docente e promover um sentido do ser docente.
Entretanto, estes processos somente ocorrem num ambiente favorvel,
em que haja um ambiente saudvel, em que a pessoa e o prprio grupo
estejam predispostos a mexer com as marcas ocultas em nossas
vidas.
Os smbolos fundantes do nosso ser e do nosso fazer podem ser
ressignificados quando ocorrem uma inter-relao pessoal e grupal com
o self.
Referncias
BYINGTON, Carlos Amadeu Botelho. Pedagogia simblica: a construo
amorosa do conhecimento do ser. Rio de Janeiro: Record,
1996.DAUNIS, Roberto. Jovem: desenvolvimento e identidade troca de
perspectiva na psicologia da educao. So Leopoldo: Sinodal,
2000.FREIRE, Paulo. Educao e mudana. Pref. Moacir Gadotti, trad.
Moacir Gadotti e Lillian Lopes Martins. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1993.FURNALETTO, Ecleide Cunico. A formao de professores:
Aspectos simblicos de uma pesquisa interdisciplinar. In: SEVERINO,
Antnio Joaquim; FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (Orgs.). Formao
docente: rupturas e possibilidades. Campinas: Papirus, 2002. p.
69-82HALBFAS, Hubertus. Das dritte Augen: religionsdidaktische
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JUNG, Carl Gustav. AION Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo
Trad. Mateus Ramalho Rocha. Petrpolis: Vozes, 1991. (Obras
Completas de C. G. Jung, v. 9, t. 2)JUNG, Carl Gustav. O eu e o
inconsciente. Trad. Dora Ferreira da Silva. Petrpolis: Vozes, 1987.
(Obras completas de C. G. Jung, v. 7, t. 2)NVOA, Antnio. Formao de
professores e profisso docente. In: ______. Os professores e sua
formao. Lisboa: Publicao Dom Quixote. Instituto de Inovao
Educacional, 1995. p. 15-33.PAIN, Sara. Aspectos filosficos e
socioantropolgicos do construtivismo pospiagetiano III. In: GROSSI,
Esther Pillar; BORDIN, Jussara (Orgs.). Construtivismo
ps-piagetiano: um novo paradigma sobre aprendizagem. Petrpolis:
Vozes, 1993. p. 43-53.
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RICOEUR, Paul. O conflito das interpretaes: ensaios de
hermenutica. Trad. Hilton Japiassus. Rio de Janeiro: Imago,
1978.RICOEUR, Paul. Da interpretao: ensaio sobre Freud. Trad.
Hilton Japiassus. Rio de Janeiro: Imago, 1977.TILLICH, Paul.
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Leopoldo: Sinodal, 1974.WACHS, Manfredo Carlos. O Ministrio da
confirmao: contribuies para um mtodo. So Leopoldo: Sinodal/IEPG,
1998.