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RAP RIO DE JANEIRO 42(1):83-108, JAN./FEV. 2008
ISSN0034-7612
Democracia deliberativa: leitura crtica do caso CDES luz da
teoria do discurso*
Fbio Vizeu** Daniel Bin***
SUMRIO: 1. Introduo; 2. A democracia na modernidade: dos limites
do Estado burocrtico ao retorno da participao direta; 3. O processo
demo-crtico do ponto de vista do discurso; 4. Procedimentos
metodolgicos; 5. Apresentao e anlise do caso CDES; 6. Concluso.
SUMMARY: 1. Introduction; 2. Democracy in modernity: of the
limitations of the bureaucratic state to the return of direct
participation; 3. The demo-cratic process from the discourse
perspective; 4. Methodological procedures; 5. Presentation and
analysis of the CDES case; 6. Conclusion.
PALAVRAS-CHAVE: administrao pblica brasileira; democracia
deliberativa; teoria da ao comunicativa.
KEY WORDS: Brazilian public administration; deliberative
democracy; com-municative action theory.
Este artigo prope uma leitura crtica da prtica da democracia em
tempos atuais. Para tanto, empreende uma reflexo sobre a democracia
na moder-nidade, em que os limites impostos pelo Estado burocrtico
apontam para a possibilidade do desenvolvimento mais profcuo da
democracia deliberativa. Os autores observam teoricamente a prtica
discursiva e seu potencial de-
Artigo recebido em maio 2006 e aceito em jul. 2007.
Mestre em administrao pelo Centro de Pesquisa e Ps-Graduao em
Administrao da Universidade Federal do Paran (Ceppad/UFPR) e
doutorando em administrao pela Escola de Administrao de Empresas de
So Paulo da Fundao Getulio Vargas (Eaesp/FGV). Professor do curso
de administrao do Centro Universitrio Positivo (Unicenp). Endereo:
Rua Carlota Mion, 13, ap. 04 Campina do Siqueira CEP 80740-660,
Curitiba, PR, Brasil. E-mail: [email protected].
Mestre em administrao pela UFPR e doutorando em sociologia na
Universidade de Braslia (UnB). Pesquisador visitante (honorary
fellow) no Departamento de Sociologia da University of
Wisconsin-Madison. Endereo: The University of Wisconsin-Madison
3407 William H. Sewell Social Sciences Building 1180 Observatory
Drive, Madison, WI, 53706, EUA.
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mocratizante, para ento desvelar em que medida a orientao
estratgica da ao em espaos discursivos pretensamente democrticos
compromete o sentido de igualdade participativa. Para ilustrar a
abordagem terica, analisam empiricamente o caso do Conselho de
Desenvolvimento Econmico e Social (CDES), um frum de debates entre
representantes da sociedade civil e do governo, criado no incio da
gesto Lula no intuito de fomentar a participa-o da sociedade em
questes do Estado. A despeito do avano obtido na adoo de tal
modelo, quando o contexto democrtico analisado luz da teoria do
discurso, surgem novas referncias de anlise das contradies nas
quais se estabelece a prtica democrtica nesses tipos de fruns. O
caso do CDES revela um paradoxo: apesar de certos procedimentos da
democracia deliberativa, recorrente a orientao estratgica.
Deliberative democracy: a critical look at the CDES case through
the discourse theoryThis article takes a critical look at how
democracy is practiced today. It re-flects on democracy in modern
times, when the boundaries imposed by the bureaucratic state
indicate the possibility of a productive development of
deliberative democracy. It then observe in theory the discursive
practice and its democratic potential so as to reveal to what
extent the strategic direction of actions in allegedly democratic
discursive spaces compromises the meaning of participatory
equality. To illustrate its theoretical approach, it presents an
empirical analysis of the case of Economic and Social Development
Council (CDES) a forum composed by civil society and government
representatives created in the beginning of the Lula administration
in order to improve the participation of society in state issues.
Even though the adoption of this model has represented an advance,
when the democratic context is analyzed through the discourse
theory there are new analytical references of the contradictions in
which the democratic practice is established in these kinds of
forums. The CDES case reveals a paradox: although some procedures
characterize deli-berative democracy, strategic orientation is
recurrent.
1. Introduo
Apesar de constituda em uma poca remota, a democracia tem sido
considerada um modo deliberativo e poltico que caracteriza
fortemente a modernidade. No h praticamente Estado no mundo atual
que no se intitule democrtico, no obstante a diversidade de
sistemas de governo que possam ser associados ao termo (Giddens,
1991). Hoje a democracia decepciona por conta da degradao das
prticas democrticas, e um dos motivos o sentimento dos eleitores de
no estarem sendo devidamente representados (Demo, 2002a). Nesse
sentido, Dahl (2000) aponta para um paradoxo: apesar de ser
constatado um declnio
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na confiana dos cidados nas instituies polticas democrticas, a
confiana e o desejo pela democracia em si continuam elevados. Essa
lacuna entre o sistema democrtico como um ideal de governo e os
atuais procedimentos e mecanismos polticos pretensamente
democrticos demonstra a necessidade de se repensar a prpria prtica
democrtica, especialmente no que tange a sua viabilidade
emprica.
A racionalizao observada na modernidade, que propugnou a
impessoa-lidade das regras, retirou o indivduo de cena e fez do
Estado um ente superior, colocando em questo o prprio ideal
democrtico, j que comprometia a eman-cipao e criava a coero pela
racionalidade tcnica e sistmica da burocracia (Habermas, 1987). No
entanto, tm surgido movimentos cuja idealizao se aproxima daquilo
que seria o ncleo original do conceito de democracia (Costa, 2002),
uma vez que visa participao poltica mais efetiva do cidado.
Se-gundo Giddens (1991), as democracias de nossa poca tm
experimentado a intensificao das atividades de vigilncia no
interior dos Estados-nao; esse processo tem gerado presses
crescentes para uma maior participao demo-crtica do cidado
politizado. Esse parece ser o caso dos arranjos polticos que se
associam democracia direta e que, com isso, oferecem um contraponto
democracia representativa, chamada por Santos e Avritzner (2003) de
elitista, liberal, tradicional, clssica e hegemnica.
Assim, vemos surgir no cerne dos estados contemporneos diversos
espa-os de deliberao/discusso que pretendem avanar na consolidao de
uma democracia mais participativa. Uma das designaes atribudas a
esses espaos a denominao conselhos, cuja composio dada por
integrantes da so-ciedade civil e do governo. Constitudos
especialmente em torno de grandes questes sociais sade, educao,
segurana pblica etc. estes conselhos foram incorporados estrutura
dos governos nacional e subnacionais, para ga-rantir a
descentralizao poltico-administrativa e a participao da populao na
formulao e controle das polticas sociais setoriais (Costa,
2002:87-88). Recentemente, no Brasil, foi constitudo o Conselho de
Desenvolvimento Eco-nmico e Social CDES, um frum misto de
assessoramento ao presidente da Repblica, do qual fazem parte
diferentes personalidades da sociedade civil e do governo. Sua
criao foi amplamente divulgada como um esforo, por parte do governo
que se estabelecia no ano de 2003, rumo participao democrtica da
sociedade no processo decisrio.
Este artigo verifica a dimenso e a efetividade do CDES como
espao demo-crtico, considerando a possibilidade de aproximao entre
o ideal democrtico e a concretizao da prtica democrtica. Para
tanto, buscamos no modelo de democracia deliberativa de Habermas a
base para a compreenso das condies que viabilizam a prtica
democrtica no atual contexto nacional multicultural. Por meio do
recente desenvolvimento da filosofia da linguagem (Habermas,
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1987), o autor delimitou um novo critrio de racionalidade para a
prtica social, de forma a constituir uma nova base epistemolgica
para o processo democr-tico (Habermas, 2002). Todavia, no mesmo
sentido que prov um referencial epistemolgico rico para se pensar
em uma democracia deliberativa vivel, a teoria comunicativa de
Habermas questiona a capacidade de um determinado tipo de ao
racional estratgico como prtica adequada ao processo democrtico
pleno que reside na possibilidade simultnea de emancipao e
igualdade poltico-participativa. O intuito do artigo foi verificar
no CDES a existncia de aes discursivas de carter estratgico, no
sentido de contestar as condies de igualdade poltico-participativa
que deveriam sustentar esse tipo de organizao poltico-democrtica.
Nossa hiptese de trabalho que a existncia da orientao estratgica em
tais espaos de participao demonstra ser apenas aparente o avano
rumo democracia plena, j que a ao racional estratgica pressupe uma
interao coercitiva e opressora.
O presente artigo se divide em trs partes: discusso sobre o
desenvolvi-mento da prtica democrtica na modernidade, onde se
destaca a transfigurao do ideal de igualdade e justia a partir do
advento do Estado burocrtico e a recuperao do ncleo original, no
qual se privilegiava a participao direta; apresentao do modelo de
democracia deliberativa e dos elementos da teoria do discurso de
Habermas que sustentam tal modelo; e apresentao do caso do CDES e
dos resultados da anlise dos dados luz do referencial terico
apre-sentado nas sees precedentes.
2. A democracia na modernidade: dos limites do Estado burocrtico
ao retorno da participao direta
Apesar de marcadamente inspirado na Antigidade, o conceito
moderno de democracia assume diferenas substanciais com a concepo
grega (Sartori, 1994). A mais significativa diz respeito forma como
a democracia era opera-cionalizada em ambos os perodos histricos,
ou seja, a participao direta na Antigidade e a representao na era
moderna apesar de existirem questio-namentos quanto ao escopo
participativo na democracia ateniense, fato este que pe em dvida o
seu carter direto (Sartori, 1994). De qualquer modo, essa diferena
entre a concretizao democrtica da antigidade e a da era moderna
abarca aspectos mais profundos, relacionados com o contexto social
em que as duas concepes histricas de democracia eram aplicadas. A
polisgrega era uma instituio relativamente simples, por isso a
concepo de um governo do povo na era antiga era muito mais factvel
do que na era moderna. Nesta ltima, a complexidade social se
acentuava cada vez mais, pelo crescen-
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te pluralismo de classes sociais (Rmond, 1997) e pelo surgimento
de uma estrutura administrativa sofisticada e independente: o
governo estatal, que se desenvolveu graas crescente necessidade de
controle e coordenao da vida pblica. certo que o desenvolvimento do
Estado moderno como instituio reificada ocorreu graas ao advento do
modo capitalista de produo (Saes, 1993); tambm correto afirmar que,
entre a democracia grega e a moderna, esta entidade social
reificada que surge como fator diferencial determinante. De acordo
com Sartori (1994:35)
a democracia antiga era concebida numa relao intrnseca,
simbitica, com a polis. E a polis grega no tinha nada da
cidade-estado como estamos acostumados a cham-la pois no era, em
nenhum sentido, um Estado. A polis era uma cidade-comunidade, uma
koinoma. Tucdides definiu-a com trs palavras: ndres gar polis os
homens que so a cidade. muito revelador que a politia tenha
significado, ao mesmo tempo, cidadania e estrutura (forma) da
polis. Assim, quando falamos do sistema grego como um Estado
democrtico, estamos sendo grosseiramente imprecisos, tanto
terminolgica quanto conceitualmente.
A partir da construo histrica de instituies como o Estado e o
modo capitalista de produo, a democracia se constituiu na era
moderna em bases muito diversas da sua concepo original. Nesse
sentido, outro processo hist-rico se destaca, justamente pela forte
correlao com ambas as questes. Esse processo foi a racionalizao da
sociedade, que Weber (1982) denominou de-sencantamento do mundo. A
ideologia democrtica moderna foi inicialmente condicionada pelos
interesses de igualdade e de justia social, que somente puderam ser
concretizados por meio do estabelecimento de um Estado de Di-reito,
que se realizou pela institucionalizao de um sistema jurdico
complexo e formal, consolidado em bases racionais-legais. De acordo
com Weber (1982), significaram o desenvolvimento de uma nova forma
de poder e autoridade para a poca, fundada na legitimidade da lei
racionalmente constituda. A orientao racional-legal foi o trao mais
marcante de todo o processo de modernizao do mundo ocidental. Tal
processo est imbricado com a questo econmica, tendo-se conta que a
racionalizao destacada por Weber aquela do clculo utilitrio de
conseqncias, onde os aspectos morais no so considerados, justamente
por se tratar do tipo de racionalidade envolto na esfera objetiva
do mundo social, das relaes utilitaristas e causais (Habermas,
1987). Se a democracia como ideal se estabelece em uma esfera
dentica, no se pode conceber uma ao social fundada na racionalidade
instrumental como democrtica (Habermas, 2002). Na verdade, quando
todo o debate sobre a democracia na modernidade se fundamenta em
princpios tcnicos mesmo que justificado por um interesse
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pragmtico, preocupado com a viabilidade democrtica em nosso
tempo a construo de caminhos para a efetivao democrtica que dos
debates resulta epistemologicamente pobre (DeLeon, 1994).
Para Santos e Avritzner (2003), o surgimento de formas complexas
de administrao estatal burocracias levou no-prevalncia da gesto
parti-cipativa imaginada por Rousseau. Assim, o processo de
racionalizao redundou em um novo tipo de dominao antes o
patrimonial, agora o burocrtico que, sua maneira, tambm imporia
limites liberdade dos indivduos em sociedade e participao deles nos
assuntos do Estado. Segundo Touraine (1994), as sociedades modernas
esto muito distantes da libertao propalada com a modernidade. Mesmo
com o sistema da representatividade vemos a no-conformao da vontade
do cidado, pois a gesto burocrtica do Estado suprime a liberdade
poltica individual em nome de um pretenso interesse da
coletividade, justificada pela competncia tcnica. Em suma,
constituda no sentido liberal, a lgica da representatividade
fomenta uma falsa dicotomia entre o direito indi-vidual e a vontade
coletiva (Wheatley, 2003), entre o apetite do individualismo e a
viabilidade de uma sociedade econmica (Habermas, 2002).
assim que a democracia da modernidade se sustenta pelo Estado
buro-crtico, e isso marcante na definio de uma orientao
racional-instrumental na concretizao desse tipo de democracia. Sob
o ponto de vista do Estado burocrtico, a democracia, como valor
igualitrio, ambgua, visto que a ra-cionalizao que sustenta a
burocracia coercitiva. Para Weber (1982:260), a lgica racional
puramente utilitarista e tcnica da burocracia faz com que esse tipo
de administrao corresponda mesmo a um mecanismo de viabilizao de
uma democracia prpria s sociedades de massa:
a burocracia acompanha inevitavelmente a moderna democracia de
massa em contraste com o governo autnomo democrtico das pequenas
unidades homogneas. Isso resulta do princpio caracterstico da
burocracia, a regulari-dade abstrata da execuo da autoridade, que
por sua vez resulta da procura de igualdade perante a lei no
sentido pessoal e funcional e da, do horror ao privilgio, e a
rejeio ao tratamento dos casos individualmente.
Mesmo sendo a burocracia estatal favorvel operacionalizao de uma
democracia das sociedades de massa, preciso ressaltar que essa
uniformizao dos indivduos paradoxal pois, ao mesmo tempo que
viabiliza a igualdade a partir da norma, se estabelece de forma
impositiva. Por esse motivo a democracia representativa sustentada
pelo Estado burocrtico limitada, porque na prtica constringe a
individualidade do sujeito negando a vontade particular em nome do
interesse coletivo que deveria ser o reflexo do interesse
individual.
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Assim, a crtica ao sistema burocrtico de administrao e poder
pblico resulta em uma crtica prpria democracia representativa.
assim que certos autores da cincia poltica tm explicitamente
vinculado a bancarrota da democracia moderna ao tecnicismo
provocado pela racionalidade instrumental (Touraine, 1994; Bobbio,
2000). Ainda a partir do desenvolvimento do Estado burocrtico, a
democracia como ideal original o governo de todos se transfigura em
uma oligarquia tecnicista que, apesar de abarcar estruturas
polticas especficas para salvaguardar a vontade coletiva a escolha
dos representantes pelo voto , no garante o cumprimento da vontade
e liberdade individuais.
A partir desse quadro histrico observamos que, mesmo tendo a
democra-cia moderna se constitudo a partir de um radical ideal de
igualdade poltica e econmica, de forma que ningum possa submeter
seu semelhante (Held, 1987:78), este no se concretizou, devido
transfigurao do sistema poltico em um sistema burocrtico e
tecnicista, onde a representatividade pura e sim-ples no garante a
emancipao do cidado e a justia. Por isso, recentemente vem surgindo
um movimento social e intelectual que visa recuperar o ncleo
original da prtica democrtica, ou seja, a participao direta da
sociedade civil no processo decisrio (Costa, 2002). Para que a
participao direta seja vivel empiricamente, ela vem se processando
em pequenos espaos pblicos, constitudos exclusivamente para essa
prtica poltica e que esto, de alguma forma, agregados
macroestrutura poltica, servindo de contraponto ao siste-ma
democrtico representativo e burocracia estatal. O sentido
alternativo dos recentes mecanismos de participao direta pode ser
medido pela ntida associao desse processo com a crescente mobilizao
da sociedade civil em grupos de interesse constitudos para a defesa
de demandas sociais que vm sendo negligenciados pela gesto pblica
por exemplo a questo da segu-rana pblica ou mesmo para a defesa dos
interesses das minorias como as questes indgena e do
homossexualismo (Wheatley, 2003).
De acordo com Santos e Avritzner (2003), o Brasil, como a ndia,
um dos pases em que as potencialidades da democracia participativa
mais se manifestam. No Brasil, uma das iniciativas mais conhecidas
de participao popular em decises do Estado o oramento participativo
de Porto Alegre, que comeou no final da dcada de 1980. Todavia,
outra forma interessante de democracia deliberativa vem sendo
adotada no pas: os conselhos sociais, uma iniciativa que visa
integrao entre membros do Estado e da sociedade civil no processo
decisrio da gesto pblica, seja de forma efetiva ou consultiva.
Esses conselhos atraem os pesquisadores pelo reconhecimento do seu
potencial de maior democratizao dentro dos estados burocratizados
(Costa, 2002).
Um aspecto importante nesses conselhos sociais a heterogeneidade
dos participantes. Geralmente, so membros de diferentes grupos de
interesse
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que muitas vezes adotam posturas polticas diversas , mas assumem
uma responsabilidade compartilhada em relao questo que d ensejo
formao do conselho (Costa, 2003). Com a dinmica e os procedimentos
discursivos e decisrios querendo ser a essncia do processo
democrtico nos conselhos so-ciais, Costa (2003) recupera o
entendimento de Dahl (2000) sobre democracia procedimental para
explicar quais seriam os critrios de igualdade que viabi-lizariam
uma relao democrtica no-contraditria, ou seja, que atenderiam ao
requisito de igualdade sem se valer de mecanismos coercitivos, como
ocorre no modelo democrtico representativo do Estado burocrtico. De
acordo com Costa (2003:104-105),
a democracia procedimental pode ser entendida como um mtodo a
ser seguido quando as pessoas se associam com o objetivo de decidir
sobre questes de in-teresse comum. O mtodo supe o compromisso para
com as decises tomadas, desde que sejam obedecidas as regras
discutidas e estabelecidas em comum, em torno da definio de uma
agenda, para a tomada de decises relativas a esta agenda. O mtodo
ser democrtico, isto , conduzir a democracia, se adotar
procedimentos compatveis com os seguintes critrios: igualdade
poltica, participao efetiva, qualificao necessria escolha de
decises adequadas e controle final da agenda.
Devido omisso no modelo de Dahl (2000) no que tange teorizao de
uma pragmtica dos procedimentos democrticos, recorremos ao modelo
de democracia deliberativa de Habermas, j que este se apresenta a
partir de uma elaborada teoria de ao social (Habermas, 1987, 2002).
importante destacar que Costa (2003) j havia sinalizado a
complementaridade entre as propostas da democracia procedimental e
da democracia deliberativa, apesar da autora no aprofundar os
aspectos tericos que sustentam a prtica discursiva que viabiliza
tais modelos democrticos.
3. O processo democrtico do ponto de vista do discurso
A democracia deliberativa um tipo de entendimento sobre o
processo demo-crtico centrado na prtica discursiva, onde a
argumentao racional e os pro-cedimentos eqitativos para a
participao discursiva e decisria so os critrios de igualdade
democrtica. Nesse tipo, a igualdade concebida exclusivamente sob o
ponto de vista poltico, j que pressupe as diferenas naturais da
indivi-dualidade dos sujeitos participantes. No exclui a natureza
individual em nome da coletividade, como pretende o requisito da
vontade da maioria no modelo da democracia representativa. Como
salienta Wheatley (2003:511),
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reconhecer a natureza da democracia como deliberao e no como
agregao no um argumento para a reconstruo da democracia liberal,
mas sim para um entendimento diferente de como ela funciona. Um
entendimento delibera-tivo da democracia demanda que os membros
exponham no simplesmente de acordo com eles mesmos, na medida de
liberdade e justia que eleies podem promover, mas tambm com relao
igualdade poltica, a representao e a considerao da perspectiva e
interesses das minorias.
A democracia deliberativa privilegia, sobretudo, o
reconhecimento do ou-tro como um sujeito com direito de fazer valer
a sua vontade individual dentro de um processo que visa ao acordo
coletivo. Apesar de aparentemente utpica, essa premissa se
fundamenta na possibilidade de aceitao ou no da argumentao dos
outros falantes, e na reconsiderao dos prprios motivos e alegaes
tendo por base outros motivos mais razoveis que os nossos. Habermas
(1987, 2002) considera que, se no debate prevalece o reconhecimento
dos sujeitos polticos capazes dentro do processo deliberativo e se
a argumentao tem por critrio a racionalidade intersubjetivamente
compartilhada, o consenso obtido sem que se valha de algum recurso
coercitivo. Mas o tipo de racionalidade que foi predominante no
processo de modernizao do mundo a razo de meios em relao a fins, do
clculo utilitrio de conseqncias no adequado como critrio de
racionalidade para a democracia do tipo deliberativo. Porque, para
Habermas (1987), apesar da razo instrumental fundamentar
adequadamente apenas o sentido teleolgico de uma ao, ela se torna
inadequada no proces-so da intersubjetividade, justamente por no
privilegiar todos os critrios de validez presentes em uma relao
interpessoal. Por considerar a comunicao fundamento explicativo
para os critrios da racionalidade plena, Habermas (1987) denominou
como racionalidade comunicativa a que permite o acordo sem coero.
Vejamos quais so os aspectos considerados por esse autor para a
elaborao conceitual da razo comunicativa.
De acordo com a perspectiva pragmtico-lingstica habermasiana,
todo ato de fala tem uma significao. Agir por meio da fala
significa dizer que a prxis do ponto de vista lingstico sempre tem
um sentido do ponto de vista do agente, uma inteno; do ponto de
vista do ouvinte ou de um observador, uma interpretao do ato. Em
uma relao sujeito-objeto, o sujeito intervm na realidade objetiva
para satisfazer sua vontade ao monolgica. Em inte-raes entre
sujeitos, se considerarmos todos os participantes como detentores
de vontade e capazes de prxis, existe pelo mais de uma orientao
significante ao dialgica e para que exista a plenitude das vontades
satisfeitas e das verdades aceitas, necessrio o acordo
intersubjetivo.
De acordo com Habermas (1987), a estrutura universal do ato de
fala pressupe dois tipos distintos de inteno: o xito da ao
lingisticamente
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mediada, quando se espera por meio da fala intervir e alterar
algo na realidade exterior ao sujeito; e o entendimento dos
significados entre os sujeitos partici-pantes que, de acordo com os
analistas da estrutura do ato de fala, prelimi-nar ao sentido
teleolgico da comunicao. Sendo o ato de fala uma ao de construo
intersubjetiva de significados, a comunicao natural pressupe um
acordo entre os sujeitos quanto ao significados das proposies
faladas. Nesse sentido, Habermas (1990:71, grifo nosso) constitui
dois tipos fundamentais de ao social lingisticamente mediada:
os tipos de interao distinguem-se, em primeiro lugar, de acordo
com o me-canismo de coordenao da ao; preciso saber, antes de mais
nada, se a lin-guagem natural utilizada apenas como meio para
transmisso de informaesou tambm como fonte de integrao social. No
primeiro caso trata-se, no meu entender, de agir estratgico; no
segundo, de agir comunicativo. No segundo caso, a fora consensual
do entendimento lingstico, isto , as energias de li-gao da prpria
linguagem, tornam-se efetivas para a coordenao das aes, ao passo
que no primeiro caso o efeito de coordenao depende da influncia dos
atores uns sobre os outros e sobre a situao da ao, a qual veiculada
atravs de atividades no lingsticas.
Para Habermas (1987), a contradio nas relaes sociais em nossa
sociedade se explica em primeiro plano pelo uso estratgico da
linguagem, dado pela orientao teleolgica ao xito do ethos
racional-instrumentalpredominante na modernidade. A racionalidade
do clculo utilitrio de conse-qncias somente abarca sentido sob o
ponto de vista de uma relao causal entre sujeito e objeto nesse
caso, quando a interao social, um dos sujeitos representa o objeto
a ser manipulado para a obteno de um fim; a, a ao
racional-instrumental monolgica, justamente por ser estratgica. J
na ao comunicativa, os atores buscam entender-se sobre uma situao e
ao para poderem assim coordenar de comum acordo seus planos de ao e
com eles suas aes (Habermas, 1987:124).
Para que haja a ao comunicativa situao ideal de fala Habermas
(1987) apresenta a idia de pragmtica universal. O autor considera
que para satisfazer as trs diferentes esferas de mundo da realidade
social a realidade objetiva, a subjetiva e a normativa necessrio
que o ato de fala pleno seja capaz de estabelecer:
T veracidade o que dito deve ser verdadeiro;
T sinceridade a inteno explicitada deve ser autntica;
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93DEMOCRACIA DELIBERATIVA
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T retido as normas sociais a que se recorre devem ser vlidas
para todos os participantes;
T inteligibilidade, ou seja, o proferimento deve ser claro.
Por outro lado, sendo a ao estratgica uma forma de manipulao
consciente ou inconsciente , para que haja acordo sem entendimento
das pretenses reais, deve haver distoro comunicativa. Assim, a ao
estratgica deve manipular os sentidos de verdade, de sinceridade,
de retido e de inteligi-bilidade nas interaes lingsticas. Por
exemplo, na rea organizacional onde a orientao
racional-instrumental predomina, Forester (1994:140) descreve a
distoro comunicativa assim:
as organizaes podem adulterar fatos ou noticiar falsamente.
Podem exigir um precedente autorizado, direitos ou uma habilidade
onde elas no tm nada. Podem enganar seus clientes para proteger
prerrogativas organizacionais ou enganar o pblico para proteger ou
intensificar ganhos prprios. Como organi-zaes a servio do homem,
podem distrair a ateno das necessidades sociais bsicas e restringir
programas pblicos para resultados mais limitados.
A partir do modelo de ao social apresentado por Habermas (1987),
igualdade entre sujeitos significa plenitude na ao social
intersubjetiva, obtida exclusivamente pelo tipo comunicativo, tendo
em vista a contradio da ao racional orientada para o xito e a sua
subjacente necessidade de distoro comunicativa em atos de fala do
tipo estratgico. Nessa perspectiva, as demo-cracias representativas
nos Estados burocratizados, por serem constitudas por bases
racionais-instrumentais privilegiando, assim, a ao estratgica ,
deturpam o sentido libertrio na relao entre cidados. Assim, a
partir da teoria do discurso, o conceito de liberdade democrtica
toma um novo rumo, centrado na participao por meio do debate e na
construo racional comunicativa das questes, sendo este teor
racional expandido pela noo de realidade impressa na ao
comunicativa (Habermas, 1987). De acordo com a teoria do discurso,
procedimento e pressupostos comunicacionais da formao democrtica da
opi-nio e da vontade funcionam como importantes escoadouros da
racionalizao discursiva das decises de um governo e administrao
vinculados ao direito e lei (Habermas, 2002:282).
Outro aspecto diretamente relacionado com a questo democrtica o
fato da reciprocidade ser algo central na teoria habermasiana e
isso ocorre em dois sentidos. Primeiro, a recuperao de uma dimenso
ampla do sujeito
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dada pela noo de intersubjetividade como foco central da
natureza humana permite a emancipao via interao social. Segundo, a
concepo de uma relao sujeito-sujeito em contraposio relao
sujeito-objeto dada pelos modelos de ao comunicativa e ao
estratgica, respectivamente permitiu uma mudana de foco que poder
dar soluo aos principais impasses na ope-racionalizao da democracia
na modernidade.
Assim, na democracia deliberativa, o acordo seria obtido tendo
como critrio a ao comunicativa, que reconhece no outro sua condio
de sujeito competente, ou seja, reconhece a igualdade poltica e se
vale da busca pela significao em todas as suas esferas possveis,
inclusive buscando a inteligibili-dade. Por outro lado, por se
fundar apenas no xito objetivo, a ao estratgica opressora por
definio e, por isso, se contrape aos princpios da democracia
deliberativa. Na verdade, esse tipo de ao utilizado como mecanismo
manipu-lativo em espaos pretensamente democrticos, e a se encontra
um importante critrio para a crtica a muitos espaos discursivos
ditos democrticos. A partir da, retomamos a questo dos conselhos
sociais considerados espaos profcuos para a democracia deliberativa
com uma questo. Se existir uma orientao es-tratgica em tais espaos
de participao, o avano rumo democracia plena apenas aparente? Por
isso, investigamos o CDES, para verificar em que dimenses ali se
estabelecem a ao comunicativa e a ao estratgica, para constituir um
entendimento crtico sobre a efetividade do conselho como agente de
democra-tizao no cenrio poltico brasileiro. De resto, as anlises
empreendidas nesse caso so elucidativas por indicarem dificuldades
e limitaes de se estabelecer um sistema de democracia deliberativa,
que deve ser tomado como um modelo ideal-tpico (Costa, 2003).
4. Procedimentos metodolgicos
A parte emprica deste artigo foi delineada a partir de um
formato essencial-mente ideogrfico, que visa manter a necessria
consistncia epistemolgica em relao ao quadro terico de referncia
utilizado. Os procedimentos em-pregados na elaborao deste artigo
foram de natureza descritivo-qualitativa, por serem indicados para
se compreender o fenmeno social sob estudo e suas especificidades
de modo aprofundado (Goldenberg, 2003; Haguette, 2003), tendo em
vista as inter-relaes complexas dos acontecimentos (Stake, 1995). O
objetivo, por envolver temas como cidadania, participao e
envolvimento, demanda pesquisa qualitativa (Demo, 2002b).
O mtodo de pesquisa foi o estudo de caso, anlise que considera a
unidade social como um todo (Goldenberg, 2003) e supe a
possibilidade de
MarciaRealce
MarciaRealce
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se conhecer adequadamente um fenmeno a partir da sua intensa
explorao (Becker, 1999).
Em relao coleta dos dados empricos, foram utilizados dois tipos
principais de fontes: documentos e entrevistas semi-estruturadas.
Os documen-tos consultados envolveram legislao sobre o Conselho de
Desenvolvimento Econmico e Social CDES, atas de reunies, cartas de
concertao, programa de governo, entre outros dados disponveis nos
sites do CDES e da Secretaria Especial do Conselho de
Desenvolvimento Econmico e Social Sedes, na internet.
As entrevistas foram realizadas com membros conselheiros e
suplentes do CDES, de diversas esferas de atuao, e com um
funcionrio da Sedes. Eles foram selecionados de modo intencional,
considerando-se as oportunidades de acesso, a disponibilidade para
prestar informaes e a receptividade ao trabalho por parte de
potenciais informantes. exceo da entrevista com o servidor da
Sedes, todas as demais tiveram seu contedo gravado com autorizao
dos entrevistados. Foi possvel tambm efetuar observao direta por
meio da parti-cipao, como pesquisador, na reunio de um dos grupos
de acompanhamento constitudos no mbito do CDES.
Para verificar como o conselho se estrutura em relao sua lgica
discur-siva se ela se aproxima do modelo dialgico da ao
comunicativa ou de um modelo estratgico de influncia por parte de
grupos , os dados disponveis foram analisados por meio de anlise de
contedo de cunho hermenutico. Para a validao dos dados obtidos foi
utilizada a tcnica de triangulao que, segundo Stake (1995),
consiste em obter informaes adicionais visando revisar e confirmar
interpretaes extradas dos dados j coletados. Para as entrevistas,
foram comparadas as respostas obtidas a fim de associar experincias
dos diver-sos entrevistados e checar os comentrios de uns com os de
outros (Seidman, 1998).
5. Apresentao e anlise do caso CDES
Constitudo no incio do governo Lula, o Conselho de
Desenvolvimento Econ-mico e Social CDES um espao pblico no-estatal
que atua como rgo consultivo e de assessoramento do presidente da
Repblica. Segundo o servidor da Sedes, o Conselho procura tornar as
decises do governo baseadas num ca-rter amplo e plural, que seria
obtido por meio da participao da sociedade. uma forma de atenuar
efeitos de problema tpico da democracia representativa, ou seja,
aps a eleio o governante tender a decidir de forma distanciada da
sociedade civil. O CDES possibilita resgatar a democracia
naturalmente limi-
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tada pelo sistema representativo, j que procura ouvir a
sociedade que, dessa forma, tem a oportunidade de participar de
decises do governo. Ao se referir s reformas constitucionais que o
governo decidiu implementar no incio de seu mandato, o presidente
da Repblica situou o CDES como um dos
espaos pblicos no-estatais, em que as pessoas podem opinar e
divergir, para, ao final, sentirem-se partcipes das decises. O
exerccio da democracia comple-xo, difcil, no entanto pelo processo
democrtico do dilogo e do contraditrio que se obtm a certeza do
convencimento para a tomada de decises. pelo dilogo que se chegar a
um novo pacto com a sociedade para as solues dos graves problemas
do pas e para a definio de polticas pblicas.
Em termos normativos legislao1 , ao CDES compete assessorar o
presidente da Repblica na formulao de polticas e diretrizes
especficas, voltadas ao desenvolvimento econmico e social,
produzindo indicaes norma-tivas, propostas polticas e acordos de
procedimento. Como se pode perceber, o CDES tem funo consultiva e
no-deliberativa, logo, seus encaminhamentos no necessariamente se
transformam em aes do governo, cabendo a este a faculdade de acatar
ou no tais proposies.
A origem do CDES remonta campanha da eleio presidencial do ano
de 2002, quando o ento candidato Luiz Incio Lula da Silva lana a
proposta de criao de um conselho com vistas construo de um novo
contrato social por meio do dilogo entre diversos segmentos da
sociedade brasileira. No pro-grama de governo constava:
O Conselho de Desenvolvimento Social ter como atribuio
coordenar, definir metas e desenhar instrumentos de incentivos para
a estratgia do governo fede-ral de incluso social. A partir do
estabelecimento de metas sociais, o Conselho atuar na implementao
articulada e integrada dos programas nacionais de enfrentamento da
pobreza, do desemprego, da desigualdade de renda e das carncias
educacionais.
Observando a idia original, constatamos que, diferente daquela
con-cepo, o Conselho foi constitudo a partir de uma idia mais
ampla. Alm
1 Decreto no 4.744/2003, de 16 jun. 2003. Dispe sobre a composio
e funcionamento do Con-selho de Desenvolvimento Econmico e Social
CDES, e d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em: 24 abr.
2005.
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das questes sociais da concepo original serem presentes nas
discusses do CDES, a explicitao da prioridade pelas classes mais
pobres que constava na idia original agora d lugar a um objetivo
formal do CDES de promover a concertao nacional com vistas a um
novo contrato social entre os diversos segmentos e classes sociais
capaz de promover o desenvolvimento econmico e social. Observe que,
no nome do Conselho, diferentemente da proposta original, consta o
termo econmico.
Composto por 90 membros de diversos setores da sociedade
empre-srios, trabalhadores, intelectuais e representantes de
movimentos sociais e do terceiro setor , o CDES um frum que se
prope a articular representaes da sociedade civil por meio de
conselheiros que representam diversos segmentos socioeconmicos. Alm
dos membros oriundos da sociedade civil, 12 ministros de Estado
compem o Conselho, alm do presidente da Repblica, que preside o
CDES. Em termos de representatividade, a presena majoritria de
membros de fora do governo pode ser vista como tentativa de dar ao
CDES um carter pluralista e participativo. Por outro lado, parece
contrariar essa idia o fato de que dos 90 membros titulares, metade
ligada ao segmento empresarial. So-bre esse aspecto, um dos
conselheiros, se reportando criao do CDES, disse imaginar que num
momento difcil que Lula j tem o apoio dos movimentos sociais, vamos
dizer, da esquerda que o elegeu, o Conselho seria o lugar pra ele
obter o apoio do empresariado.
Estrutura bsica de funcionamento e dinmica discursiva
O CDES formado por diferentes ambientes de discusso: o Pleno,
que rene todos os seus membros, a composio responsvel por definir o
posicionamento do Conselho sobre os temas apreciados; os grupos
temticos que, por terem prazo determinado de existncia, fazem
propostas de pareceres ou elaboram propostas sobre assuntos em
tramitao no CDES, ou seja, o espao de discusso, onde as anlises so
aprofundadas para posterior apreciao por parte do Pleno; e os
grupos de acompanhamento que, sem prazo determinado de existncia,
tm a atribuio de acompanhar temas especficos. Quando necessrio, so
realizados dilogos regionais e colquios para se discutir temas
pontuais ou que no sejam considerados pertinentes de discusso nos
demais fruns. A pauta de discusses do Conselho pode ser sugerida
pelo presidente da Repblica ou pelos prprios conselheiros, que
podem faz-lo de forma individual ou em grupo.
Antes de se iniciar as discusses no Pleno, o tema definido como
foco da reunio apresentado pelo ministro de Estado responsvel pelo
assunto no governo. Na seqncia, trs conselheiros, oriundos de
diferentes segmentos
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sociais, escolhidos previamente, tm a oportunidade de se
manifestar sobre o mesmo tema. Aps essas trs intervenes, o ministro
retoma a palavra para concluir o assunto, procurando responder aos
conselheiros. Finalmente, os de-mais conselheiros podem se
manifestar sem que haja qualquer limitao para a quantidade de
pronunciamentos.
Esse formato das discusses tem sofrido reparos por parte de
conselhei-ros que vem no processo dificuldades para se construir
propostas nascidas no prprio CDES, uma vez que privilegia a
discusso entre governo e conselhei-ros, em prejuzo de debate entre
conselheiros. Para um dos membros do CDES ouvidos, essa dinmica um
dilogo dos conselheiros (...) reagindo fala governamental, mas no
tem uma metodologia que permite a fala, a discusso entre os
conselheiros, entre as falas dos conselheiros, e isso
possibilitaria, por exemplo, tentar construir alguns consensos.
Outro problema se relaciona ao prprio dilogo entre governo e
conse-lheiros. Na sexta reunio do Pleno, o conselheiro Jos Moroni,
ligado esfera dos movimentos sociais, props iniciar as reunies com
algumas falas de conselheiros, pois iniciamos com 12 ministros e
estamos com dois na fala dos conselheiros. Na reunio anterior, o
conselheiro Ricardo Young, empresrio, j tratara do assunto
protestando contra a ausncia de ministros, cuja presena, segundo
ele, era importante para tornar o debate mais interessante. Segundo
um de nossos entrevistados, quando o presidente sai, eles
[ministros] tambm saem. Raramente ficam. Raramente. Muito
raramente. Esse entendimento reforado pela reivindicao do
conselheiro Luis Aimber feita na sexta reunio do Pleno. A ata
daquela reunio registra uma passagem em que ele reivindica formato
diferente das reunies, para que alguns conselheiros possam falar no
incio, e no no final, o Conselho deve ser mais ouvido.
Os encaminhamentos definidos pelo CDES, todos destinados ao
presiden-te da Repblica, so formalizados contendo, cada um deles,
um dos seguintes indicadores de posicionamento do Conselho:
consenso; recomendao, quando for um entendimento da maioria dos
conselheiros; ou sugesto, quando for um entendimento de alguns dos
conselheiros. A atribuio desse indicador no se d por votao, mas por
meio da interpretao do secretrio-executivo do CDES, papel
desempenhado pelo secretrio da Sedes. Segundo um dos entrevistados,
servidor da Sedes, na filosofia do CDES o voto no considerado um
meio adequado para se chegar deciso; a idia atuar na busca do
consenso, tanto que, at hoje, prossegue o entrevistado, nenhum
encaminhamento foi definido por meio de votao.
O CDES demonstra ser um frum de discusso bastante complexo,
mar-cado por conflitos e divergncias de idias, que, alis, seriam
naturalmente presentes num grupo to heterogneo em termos das
representaes que ali se encontram e que, historicamente, tendem ao
antagonismo.
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Nos debates marcante a defesa de pontos afetos ao conselheiro
que se manifesta: empresrios reclamam da carga tributria incidente
na produo e das taxas de juros que tambm, segundo eles, oneram os
setores em que atuam; sindicalistas reclamam de questes salariais e
da tributao sobre os trabalha-dores; professores universitrios
reivindicam mais recursos para pesquisa; e o segmento social
reivindica mais ao do governo em polticas de proteo social. Desse
modo, o CDES, em alguns momentos, se configura como frum mais de
reivindicaes particulares do que de construo de polticas pblicas
nacionais conforme pensado originalmente. Para um dos conselheiros
entrevistados, ligado esfera do trabalho, h no CDES grupos, e todos
eles tm interesses, cada qual tem o seu objetivo a alcanar. Para
outro, ligado aos movimentos sociais, so bem definidos sim os
interesses, para mim so claros os interesses que esto ali, tanto os
interesses corporativistas, como os interesses de classes tambm, no
h dvida sobre isso. Um dos exemplos citados por esse conselheiro
foi o da reforma da previdncia, onde havia uma clara ciso em trs
grupos prin-cipais: o empresariado, que focalizava a questo de
previdncia privada como uma oportunidade de negcio; o movimento
sindical, que visava manuteno de direitos dos trabalhadores do
mercado formal; e o movimento social, que levantou a questo das
pessoas que trabalhavam na informalidade e, por isso, estavam fora
do sistema de previdncia.
No dilogo interno, as posies polticas e ideolgicas, sejam do
governo, sejam de conselheiros, so defendidas e criticadas de forma
consideravelmente aberta e transparente, conforme mostram as atas
de reunies do Pleno. Um exemplo a poltica econmica, mais
especificamente a questo dos juros bsicos da economia, que assunto
recorrente nas discusses e muitas vezes objeto de crticas, s vezes
severas, por parte dos que a vem como restrio ao desenvolvimento do
pas.
Procedimentos que comprometem a interao discursiva
Conforme vimos, a principal atribuio do CDES de assessoramento
ao presi-dente da Repblica, logo, os encaminhamentos do Conselho
podem ou no ser acatados pelo governo. No momento que entrevistamos
o servidor da Sedes, duas questes se destacavam no debate nacional:
o reajuste do salrio mnimo e a taxa de juros bsicos da economia.
Sobre isso, o entrevistado disse: se vier uma recomendao sobre o
salrio mnimo (maior que o valor definido pelo governo) ou sobre a
(reduo da) taxa de juros, eu tenho certeza que o presidente no vai
acatar. Essa clareza tambm h dentro do CDES; para um dos
conselheiros que
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ouvimos, nunca ns podemos deixar e esquecer que o Conselho um
rgo de assessoramento ao presidente da Repblica. H reclamaes de
membros do CDES sobre posies do Conselho no se transformarem em aes
do governo. Por exemplo, na sexta reunio do Pleno do CDES, o
conselheiro Antoninho Trevisan, empresrio, disse que ao se discutir
a reforma tributria, houve um compromisso em torno da simplicidade
do sistema, do no aumento da carga, do no constrangimento da
atividade industrial, no entanto, a anlise da Lei no 10.833/03
aponta para o caminho contrrio s indicaes deste Conselho. Para a
conselheira Snia Fleury, o CDES
uma das principais inovaes do governo Lula, no sentido de
aprofundar e dar um outro sentido democracia. No entanto, h uma
crescente, e acho que enorme, frustrao da sociedade na medida em
que as promessas, os acordos, inclusive que so feitos nesses fruns,
no tm sido cumpridos. Ento, promessas, que foram acordos assumidos
pelas autoridades governamentais aqui conosco, no tm sido
cumpridas.
Nesse cenrio, podemos questionar se o CDES tem sido utilizado
mais como espao para o governo apresentar propostas do que para
promover a construo conjunta de solues. Segundo um dos
conselheiros, ligado es-fera dos movimentos sociais, j no momento
da reforma da previdncia, o Conselho passou a ser no um espao de
negociao, mas um espao no qual o governo expunha suas idias para a
sociedade para obter legitimidade, no pra ouvir. Para ele, isso
ficou muito claro, por exemplo, na poltica indus-trial. O governo
chegou com um plano de poltica industrial, ningum nos mandou o
plano antes. Outro membro do CDES, ligado ao meio empresarial, com
o mesmo entendimento sobre a reforma da previdncia, afirmou ainda
que quando se discutiu a questo da reforma tributria, veio o
projeto do governo para ser discutido dentro do CDES, ou seja, no
foi construdo, mas apreciado pelo CDES. O mesmo entrevistado
criticou a atitude do governo de colocar a questo para ser
analisada pelo Conselho em apenas um dia, o que, segundo ele, no
poderia ocorrer dada magnitude e complexidade do tema. No caso da
reforma da previdncia, matrias como instituio de teto remuneratrio,
elevao da idade mnima de aposentadoria, reduo do valor das penses e
contribuio dos inativos so alguns exemplos sobre os quais a ata da
reunio do Pleno que analisou o relatrio encaminhado ao presidente
da Repblica no mostra nenhum consenso. Tais matrias constaram na
pro-posta de reforma encaminhada pelo Poder Executivo ao Poder
Legislativo, indicando a a preponderncia do posicionamento do
governo, a despeito da falta de consenso no CDES.
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101DEMOCRACIA DELIBERATIVA
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De modo geral, os exemplos acima fornecem indcios de uma lgica
estratgica, conforme demonstrado por Forester (1994). Nesses casos,
o go-verno parecia mais estar em busca de apoio e legitimao para
suas idias do que efetivamente procurando formatar propostas de
reformas advindas do dilogo com representantes da sociedade. No
caso das reformas previden-ciria e tributria, segundo Fleury e
Alves (2004:1007, grifo nosso), no CDES o governo usou a ttica de
buscar o acordo mnimo possvel e, num episdio altamente simblico, em
que o presidente da Repblica se dirigiu ao Congres-so com as
propostas de reformas acompanhado por membros do Conselho e pelos
governadores dos estados, demonstrou o esprito de consenso que o
governo quis imprimir aos dois projetos. Essa estratgia serviu, de
acordo com as autoras, como forma de reduzir presses de
congressistas por barga-nhas de cargos e verbas pblicas e, no caso
da demonstrao de esprito de conciliao, como meio de atenuar os
impactos das crticas de parlamentares governistas incomodados em
votar pontos historicamente combatidos quando estavam na
oposio.
A questo econmica um importante indicativo do quanto o CDES tem
sido preponderantemente platia do ponto de vista do governo. Ou
seja, o go-verno discute, porm de forma refratria s reivindicaes
por mudanas que, no entendimento de alguns conselheiros, seriam
necessrias ao desenvolvimento do pas. O discurso de membros do
governo o do incentivo ao dilogo, como, por exemplo, na stima
reunio do Pleno, na qual o ministro da Fazenda disse:
gostaria muito de receber de vocs crticas, sugestes, proposies,
porque a consolidao da nossa agenda na rea do desenvolvimento
econmico. A propsito, ns gostaramos de ter com este Conselho um
dilogo bastante franco, bastante consolidado, para que essa agenda
possa avanar de maneira efetiva.
No entanto, na dcima reunio, em que, a exemplo de outras, a rea
econmica do governo defendeu fortemente a atual poltica econmica,
alguns conselheiros externaram sua percepo sobre a pouca
efetividade dos dilogos ali travados a ponto de repercutirem nas
posies da rea.
Nesse debate, o posicionamento e o discurso da equipe econmica
indi-caram que o caminho no deve mudar. Para o presidente do Banco
Central,
os nmeros que estamos vendo, os indicadores fsicos de
crescimento, no s numricos, mostram que o pas est crescendo, o pas
est aumentando a produo, o pas est aumentando os empregos, a
arrecadao pblica est aumentando, o que permite ao governo,
portanto, ter melhores condies de
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fazer poltica social e isso est dando condies para que, ao
contrrio do passado, no se tenha uma chamada bolha de
crescimento.
Do outro lado do debate, conselheiros representantes da
sociedade civil, crticos da ortodoxia da equipe econmica,
evidenciaram o convencimento de que, nesse tema, as posies do CDES
so praticamente nulas em termos de capacidade de provocar alguma
mudana. O conselheiro Antoninho Trevisan, empresrio, analisou a
dcima reunio do Pleno da seguinte forma: esta uma reunio onde
parece que barreiras intransponveis esto sendo estabelecidas, o que
leva a sensao de que cada um dos conselheiros acha que a discusso
no vale a pena porque os pressupostos j esto dados pelo governo
(grifo nosso) e eles so irremovveis. Nessa mesma reunio, a
conselheira Jurema Werneck disse:
tenho participado do Conselho e acho que essa a primeira vez que
fico com dificuldade de achar as palavras para traduzir o meu
pensamento. E a minha dificuldade, na verdade, movida por um
profundo desencanto. o desencanto da sensao de que tem um dilogo de
surdos, pelo menos o dilogo que busco no o dilogo do qual estou
participando, ou seja, no h dilogo. Ento esse desencanto faz
desaparecerem algumas palavras. A apresentao do ministro Palocci
para mim foi bastante contundente na afirmao da presena profunda
desse dilogo de surdos. Porque a afirmao do sucesso da poltica
econmica produzida pelo governo Lula uma afirmao de sucesso que no
encontra eco nesse Brasil onde vivo, que no dialoga com esse Brasil
daqueles grficos.
Outro aspecto que tambm parece indicar o comprometimento da
inte-rao discursiva teorizada por Habermas (1987) a distoro do
requisito da veracidade do ato discursivo. Trata-se do vis que, por
vezes, o emitente do discurso confere ao modo de apresentar a sua
argumentao. Por exemplo, representantes do governo, ao tratar do
tema poltica econmica, falam dos benefcios que a mesma tem trazido
para o pas; por outro lado, alguns dados, talvez contrrios ao seu
argumento, podem no ser includos na discusso. In-dcio dessa prtica
a reivindicao da conselheira Jurema Werneck:
no ano passado, na ltima reunio do Conselho, com a mesma
apresentao, do mesmo ministro Palocci, do mesmo presidente do Banco
Central, Henrique Meirelles, eu tinha feito a colocao de que era
preciso que esses dados viessem agregados aos dados que
demonstrassem a evoluo da desigualdade paralela evoluo desses
ganhos econmicos que esto mostrados. Ainda espero que daqui a um
ano, na prxima reunio do Conselho, o ministro da Economia e o
presidente do Banco Central possam trazer aqueles dados da reduo
da
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103DEMOCRACIA DELIBERATIVA
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desigualdade, aqueles grficos paralelos, com as cores
diferentes, que de fato demonstrem um efeito e que comprove que
isso que vocs tm feito tem valido a pena.
Para um conselheiro entrevistado, nas informaes que o governo
apresenta quando se discute, por exemplo, a poltica econmica, no
que eles entendem que seriam as informaes essenciais, no h filtro,
mas no que eles entendem, o que eles entendem, e a sim, h uma seleo
clara dos indicadores que eles citam.
Problemas no reconhecimento da igualdade poltico-discursiva
Apesar de ser facultado ao CDES e a todos os seus conselheiros
emitir opinies originadas no mbito do prprio Conselho, cabe lembrar
que o presidente da Repblica pode ou no acatar os encaminhamentos
do Conselho, sejam eles consensos, recomendaes ou sugestes.
Diversos aspectos do CDES indicam uma estrutura normativa que
pri-vilegia a participao, porm ela parece um tanto restrita ao
direito, embora amplo, de manifestao, expresso e defesa de pontos
de vista. No que se refere efetividade capacidade de influenciar
dessa participao, percebemos indcios de ser relativamente reduzida.
A prpria estrutura normativa no totalmente capaz de garantir a
participao de todos medida que algum ator tiver maior controle
sobre a agenda do Conselho. Nesse sentido, Fleury (2003) chama a
ateno para o risco de se comprometer a possibilidade de concertao
se o CDES vier a se tornar mera platia diante da pauta definida
pelo gover-no. A autora, que tambm conselheira do CDES, alerta que,
por diferentes razes, o tempo destinado para que o governo
apresente suas propostas tem sido progressivamente maior do que o
tempo destinado discusso por parte dos conselheiros. Para um dos
conselheiros ouvidos, h quem defina o Conselho como um espao
privilegiado de informaes, de acesso s informaes, meio que platia,
em que o governo usa o Conselho... na verdade ele usa o Conselho,
aquele espao, para, de certa forma, se comunicar com a sociedade,
porm, mais para falar.
A partir da anlise das atas das reunies do Pleno do CDES,
constatamos que a maioria dos temas discutidos proposta pelo
governo. J na primeira reunio ordinria do Conselho, discutiram-se
alguns aspectos de reformas constitucionais que o governo
recm-empossado tencionava implementar, e uma passagem da ata
daquela reunio deixa claro que as propostas seguiriam delineamentos
estipulados pelo governo. Consta no documento que os ministros
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de Estado Jaques Wagner, Ricardo Berzoini e Antonio Palocci
Filho expuseramos princpios e diretrizes que orientaro (grifo
nosso) as reformas trabalhista, previdenciria e tributria.
A questo econmica tema polmico nos debates do CDES tem dado
ensejo a um antagonismo evidente, de cunho ideolgico. Por exemplo,
essa contraposio de teor ideolgico se d claramente entre
governo/empresaria-do e movimentos sociais quando a questo a
poltica monetria do governo. Na dcima reunio do Pleno, enquanto, de
um lado, o ministro da Fazenda defendia essa poltica dizendo que o
pas estava crescendo, criando empregos e que os indicadores
mostravam ser esse um movimento sustentvel opinio compartilhada por
conselheiros ligados ao meio empresarial, com destaque para os do
setor bancrio do outro lado, Srgio Haddad, vinculado esfera dos
movimentos sociais, questionava: como entender que a poltica
econmica pode ser eficaz se ela construda atravs de danos sociais e
justifica-se que os juros tm que ser altos por causa da inflao? Por
que manter uma poltica que concentra renda em um pas que j dos mais
injustos no mundo?. Outra demonstrao de ciso ideolgica dentro do
CDES que, de certa forma, mostra a rea econmica do governo prxima
ao pensamento dos empresrios, se deu na dcima reunio do Pleno. Na
ocasio, o presidente do Banco Central tratava da necessidade de
aperfeioar as normas de competio no sistema bancrio, para que ele
funcionasse com mais eficincia, como mostrado inclusive pelo
Vaccari e pelo prprio Srgio, como conseguem fazer outros pases com
sistemas mais racionais (grifo nosso). Os termos em destaque
indicam surpresa por parte do membro do governo em ver, nesse
ponto, pensando de acordo consigo, um representante de
trabalhadores e um de movimentos sociais.
Por outro lado, aquilo que seria um frum idealizado sob
pressupos-tos pretensamente igualitrios do ponto de vista poltico,
revela-se como um palco onde, alm de disputas, vemos articulaes e
coalizes em torno de posies ideolgicas. Um dos meios utilizados a
formao de alianas internas, umas mais frouxas outras mais
organizadas. No segundo caso, destaca-se a figura do conselhinho.
Durante as discusses da reforma da previdncia, algumas pessoas,
identificadas por um dos nossos entrevistados como da esquerda do
Conselho, comearam a se aproximar em funo, ao que parece, de
afinidades ideolgicas. Segundo ele, que faz parte do grupo,
formou-se a um frum informal de discusses que recebeu o apelido de
conselhinho. Trata-se de um grupo de aproximadamente 15
conselheiros que, antes de cada reunio de Grupo Temtico ou do
Pleno, se rene em mbito distinto do CDES. Segundo o entrevistado,
com isso foi se criando um frum de discusso, de conversa, de troca
de idias, onde ningum obrigado a concordar com ningum.
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Outro indcio de articulao ideolgica, porm entre conselheiros
ligados ao meio empresarial, identificado nos debates da reunio que
tratou dos juros bancrios, foi a reao de um conselheiro, empresrio,
s crticas feitas por outros empresrios aos bancos por conta dos
lucros considerados exorbitantes. Nessa reao, o empresrio ponderou:
precisamos sempre ter muito cuidado, sobretu-do o setor
empresarial, nesta discusso, para no parecer que estamos querendo
antagonizar setores da prpria comunidade empresarial. Essa posio
indica a existncia de articulao, ou ao menos, de alinhamento
poltico-ideolgico em torno de interesses de classe, pois em alguns
momentos os atores envolvidos podem divergir em determinados temas
por exemplo, juros que o setor da produo paga ao sistema
financeiro. Para um de nossos entrevistados, h um grupo, que na
realidade so os empresrios, que sempre coeso.
Alm do aspecto de controle da agenda tempos de falas e definio
de pautas que o governo exerce com preponderncia em relao aos
demais conselheiros, poderamos citar indcios de articulaes do
prprio governo com determinados setores presentes no CDES,
comprometendo, com isso, o processo de reconhecimento mtuo de
igualdade do ponto de vista de legitimidade pol-tica. Por exemplo,
a respeito da poltica industrial, que citamos anteriormente, um
entrevistado revelou que a mesma veio para ser apresentada j
consensuada nos fruns empresariais. Outro exemplo, segundo um
conselheiro entrevistado: na formao da comisso organizadora do
Congresso sobre desenvolvimento, este ano, a comisso j veio formada
anteriormente proposta pela Secretaria; j tinham conversado com
alguns conselheiros que eles achavam que tinham de estar presentes
nessa comisso.
6. Concluso
Existem duas importantes concluses a que podemos chegar a partir
dos resultados obtidos. A primeira diz respeito constituio original
do CDES e a forma como foi idealizado, por meio das quais buscou-se
dar ao Conselho um formato de incentivo participao da sociedade
civil, de modo a ter a um espao democrtico genuinamente discursivo.
Neste sentido, a inteno de estabelecer uma maior democratizao do
Estado via conselhos sociais reconhecida como legtima, como pode
ser verificado pelo caso do CDES. Mas, quando direcionamos nossa
anlise ao modo de funcionamento do Con-selho, no que se refere
participao dos seus membros, percebemos que h dificuldade em se
reconhecer a igualdade poltica de todos os participantes, e isso um
ponto que compromete sobremaneira o estabelecimento da demo-cracia
deliberativa. A ntida articulao discursiva ao estratgica e a
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ciso ideolgica comprovam esse no-reconhecimento. Alm disso,
quando se trata do aspecto da efetividade das discusses e
encaminhamentos do CDES nas aes do governo, fica claro que este
discute e ouve, porm reserva-se o direito de agir de acordo com as
suas concepes polticas acerca dos temas analisados pelo Conselho.
Isso contradiz as prprias intenes originais do governo ao
constituir o CDES, e pe em questo se esse frum no para o governo um
mecanismo de controle e de monitoramento da opinio de
segmentos-chave na sociedade, no sentido de favorecer a implantao
de polticas.
Uma ressalva a ser feita diz respeito s limitaes dos resultados
empricos do presente artigo. Em virtude da impossibilidade de
generalizao estatstica do estudo de caso, no se conclui que a
dinmica verificada no CDES se estabelece da mesma forma em outros
tipos de conselhos sociais. Mas em funo do seu carter exploratrio,
acreditamos que esse fato no compromete a significncia do artigo, j
que os resultados correspondem a importantes sinalizaes para
estudos empricos futuros.
Alm disso, pretendemos explorar pontos que pudessem revelar
desafios e ambigidades quanto aplicao de um modelo de democracia
substancial-mente diferente de todo o contexto poltico em que vem
sendo constituda a administrao pblica brasileira. Esta ltima, com
um histrico de profunda orientao burocrtica e patrimonialista
(Faoro, 2001), dificilmente se libertaria de uma orientao
instrumental no estabelecimento de um espao de discusso como o
CDES. Os pontos contraditrios levantados na presente anlise
indi-cam a dificuldade por parte dos atores em se desvencilhar de
uma ao social orientada para o xito em especial, dos atores
integrantes do governo , ou mesmo, para o xito particular de
determinada faco, conforme demonstrado pelas articulaes de grupos
ligados ao empresariado, por um lado, e aos gru-pos ligados
ideologia de esquerda, por outro, como no caso do chamado
conselhinho.
Finalmente, se partirmos da idia de Bobbio (2000) de que para
avaliar o nvel de desenvolvimento da democracia este no pode mais
ser mensurado por meio da quantidade de pessoas que votam, mas sim
por meio da quantidade de locais diferentes dos locais polticos em
que o cidado pode exercer o direito de voto, o estabelecimento de
conselhos um esforo importante para a busca de democratizao das
relaes entre o Estado e a sociedade brasileiros. Mas, isso deve ser
pensado a partir de um referencial terico mais consistente, para
que no se incorra no erro de uma falsa sensao de maior
democratiza-o. Quando o refinamento terico no ocorre, o que
considerado um avano pode, na verdade, representar a manuteno do
status quo.
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