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I VIVIANE MANZIONE RUBIO UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE SÃO PAULO, 2011
279

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May 14, 2023

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Khang Minh
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I

VIVIANE MANZIONE RUBIO

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE SÃO PAULO, 2011

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II

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

VIVIANE MANZIONE RUBIO

PROJETO DE URBANIZAÇÃO DE ASSENTAMENTOS

PRECÁRIOS NO RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO:

UM INSTRUMENTO DE CONSTRUÇÃO DE CIDADE

Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade

Presbiteriana Mackenzie como requisito para a obtenção do titulo

de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

Orientadora: Profª. Drª Angélica A. Tanus Benatti Alvim

São Paulo

2011

introdução

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I

R896p Rubio, Viviane Manzione

Projeto de urbanização de assentamentos precários no Rio de Janeiro e São Paulo: um instrumento de construção de cidade. / Viviane Manzione Rubio – 2011.

278 f. : il. ; 30cm. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) -

Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2011. Bibliografia: f. 235-253.

1. Assentamentos precários. 2. Favelas. 3. Projeto de Urbanização – São Paulo. 4. Projeto de Urbanização – Rio de Janeiro. I. Título.

CDD 711.4

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III

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

VIVIANE MANZIONE RUBIO

PROJETO DE URBANIZAÇÃO DE ASSENTAMENTOS

PRECÁRIOS NO RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO:

UM INSTRUMENTO DE CONSTRUÇÃO DE CIDADE

Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade Presbiteriana

Mackenzie como requisito para a obtenção do titulo de Mestre em

Arquitetura e Urbanismo.

Aprovada em Agosto de 2011

____________________________________________

Profª. Drª Angélica A. Tanus Benatti Alvim

____________________________________________

Prof. Dr. José Geraldo Simões Jr.

____________________________________________

Prof. Dr. Sérgio Ferraz Magalhães

introdução

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IV

A todas as pessoas que conheci nas favelas por onde andei e que

me fazem pensar e lutar por lugares melhores para viver na

cidade.

introdução

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V

AGRADECIMENTOS

O momento de agradecer traz emoções ambíguas, por um lado a

alegria do conhecimento adquirido, do trabalho terminado e do

dever cumprido, por outro a sensação de incompletude que me

faz, por mais insano que possa parecer, querer continuar o

processo de investigação e pesquisa.

E é neste momento que fazemos a retrospectiva do caminho

percorrido para lembrar o processo, o progresso e das pessoas

com quem convivemos durante o curso de Mestrado.

Para mim tudo é bastante intenso, pois foi a retomada de um

trabalho iniciado em 2003, na Universidade Federal do Rio de

Janeiro - UFRJ, onde me redescobri entusiasmada pelos estudos.

A pesquisa, então, tornou-se para mim um habito no exercício

profissional e uma vontade crescente. Naquele momento não

pude concluir a dissertação e defender o tema que me é muito

caro.

Retomando os estudos na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

da Universidade Presbiteriana Mackenzie tive a oportunidade de

conhecer incansáveis e cuidadosos mestres, preocupados na

transmissão de conhecimento e no árduo trabalho de nos fazer

compreender o quanto a academia é importante para o

desenvolvimento e crescimento da profissão. A eles, todos os

professores que trabalham e constroem a qualidade do curso

meus agradecimentos sinceros.

Gostaria de agradecer especialmente a Prof. Angélica Ap. Tanus

Benatti Alvim, que incansável orientou e corrigiu inúmeras vezes o

percurso até aqui e que sem seu apoio este momento não seria

possível.

Aos professores que participaram como examinadores: José

Geraldo Simões Junior, Maria Isabel Villac, e Sérgio Ferraz

Magalhães pelas importantes contribuições no desenvolvimento

do trabalho.

introdução

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VI

Sem nomeá-los com medo de esquecer alguém, mas com cada

um deles na memória e no coração agradeço a todos os meus

amigos, novos e antigos, do Rio de Janeiro, de São Paulo, de

Serra Branca, de Osasco e do Mackenzie, que contribuíram e

sempre me incentivaram na vida pessoal e profissional.

Aos meus superiores e colegas de trabalho pelo respeito e

confiança que são fundamentais na construção do perfil e do

exercício profissional.

A HAGAPLAN Engenharia e Serviços LTDA. pelo apoio nos

primeiros meses do curso de mestrado, e pela confiança

depositada até aqui, sem a qual seria inviável continuar na

universidade.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

– CAPES agradeço a concessão da bolsa sem a qual seria

bastante difícil concluir o curso.

Ao MACKPESQUISA que através de recursos financeiros

viabilizou a realização da pesquisa e a elaboração dos produtos

gráficos finais.

Aos amigos e profissionais entrevistados Adalgisa Oliveira, Álvaro

Mello, Ana Prado, Andrea Cardoso, Daniela Engel, Hélio Aleixo,

Jorge Mário Jauregui, Luiz Paulo França Filho, Marcos Trojan,

Sandra Jouan, Sandra Simões, Solange Cavalho, Tânia Braga

Tatiana Terry, que trabalharam e ainda trabalham para melhorar a

cidade para os menos afortunados.

E finalmente a toda minha família, em espacial a minha Mãe,

Maria Antonieta e aos meus filhos Vitor e Augusto pelo apoio,

incentivo e confiança que foram fundamentais em todos os

momentos vividos até aqui, quer tenham sido bons ou ruins.

introdução

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VII

Uma casa deve ser como uma cidade ou não é verdadeiramente

uma casa; uma cidade deve ser como uma grande casa – ou não

é verdadeiramente uma cidade.

Aldo van Eyck

introdução

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VIII

RESUMO

Esta dissertação discute a questão dos assentamentos precários, particularmente as

favelas, à luz dos projetos de urbanização implementados como parte das políticas

públicas no contexto da democratização brasileira pós 1988. Entende-se que o projeto de

urbanização de favelas é parte de um processo amplo de qualificação dos

assentamentos precários e sua integração à cidade formal. Tem-se como objetivo geral a

contribuição para a ampliação do conhecimento sobre a importância do projeto de

urbanização para a integração dos assentamentos precários, particularmente as favelas,

à cidade. Busca-se como objetivos específicos, discutir o papel do projeto como principal

ferramenta a ser utilizada na construção da cidade dentro dos territórios precariamente

ocupados e identificar os princípios norteadores utilizados para a formatação dos

programas e dos projetos de urbanização de favelas que podem ser recomendados em

outras experiências. Os Programas Favela Bairro no Rio de Janeiro (1994 - 2000) e

Bairro Legal em São Paulo (2001 - 2004) são as principais referências desta pesquisa,

uma vez que incorporam o projeto de urbanização como ferramenta de integração da

favela à cidade. Estabelece-se uma relação entre o processo de urbanização, as origens

dos assentamentos precários, tanto no Brasil como no Mundo, bem como as formas de

tratamento da precariedade pelas políticas públicas. Procura-se compreender a favela,

modalidade de assentamento precário desde sua origem no Brasil à situação recente. A

partir do entendimento do conceito de direito à cidade, busca-se situar o panorama das

políticas públicas relacionadas à urbanização de favelas no Brasil. Aprofunda-se a

questão das favelas nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo e os programas Favela

Bairro e Bairro Legal respectivamente. Com base nos estudos de caso dos projetos para

urbanização das favelas Fernão Cardim, no Rio de Janeiro, e Gleba K, Heliópolis, em

São Paulo, busca-se discutir os limites, os avanços e os desafios destes exemplos.

Recomenda-se alguns princípios norteadores de projeto, observados nos casos

analisados, que podem ser replicados na formatação de programas similares para

urbanização de favelas em outros contextos, e contribuir para a construção de cidade em

assentamentos precários.

introdução

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IX

ABSTRACT

The master’s thesis discuss the matter surrounding precarious settlements, particularly

the slums, from the point of view of the city planning projects implemented as part of the

public policies in the context of the brazilian democratization post 1988 decade. Extends

that city planning of slums is part of a broad process and assumptions underlying the

qualification of precarious settlements and its integration to formal city. It has the general

objective of contributing to the increases of knowledge about the importance of

urbanization project for the integration of precarious settlements, particularly the slums, to

formal city. Search-specific purposes are to discuss the role of the project as the main tool

to be used in the construction of the city within the occupied territories precariously and

identify the guiding principles used for the formatting of programs and slum upgrading

projects that can be recommended in other experiences.The programs ‘’Favela do Bairro’’

in Rio de Janeiro (1994 - 2000) and ‘’Bairro Legal’’ in São Paulo (2001 - 2004) are the

main references to this research, once they incorporate the project of city planning as a

tool of integration of slum to the city. Establish now a relation between the process of city

planning, the origins of precarious settlements, both Brazil and the world, and the forms of

treatment of precariousness by the public policies. Seek to understand the slum, a mode

of precarious settlement since his origin in Brazil to the recent situation. From

understanding of concept of right to the city, seeks panorama place of public policies

related to city planning of slums in Brazil. Deepens to matter of slums in the cities of Rio

de Janeiro and São Paulo and the programs ‘’Favela do Bairro’’ and ‘’Bairro Legal’’

respectively. From this point the two examined cases withdrawn of project for city planning

of slums Fernão Cardim, in Rio de Janeiro, and Gleba K, Heliópolis, in São Paulo aims

discuss the boundaries, the advances, and challenges of these examples. Recommended

some northeast principles of project, observed, in analyzed cases which can be replicated

in formatting of similar programs to city planning of slums in other contexts and

contributed to building the city in precarious settlements.

introdução

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X

LISTA DE FIGURAS

CAPA

Montagem elaborada pela autora utilizando imagem do Morro Santa Marta datada de 1979. Fonte: Arquivo do Fotógrafo Fábio Costa.

CAPITULO 1

Figura 1.1: A vida em Veneza no século XVIII, a utilização dos canais. Fonte: MUNFORD, 1982, seção ilustrada, p. 267.

Figura 1.2: A pequena Rua Collinwood, Bethnel Green, c. Londres, 1900. Fonte : HALL, 2002, p. 19.

Figura 1.3: Intervenções realizadas em Paris de 1853 a 1870 - Haussmann. Fonte: PINHEIRO, 2002, p. 71.

Figura 1.4: Imagem da quadricula de Cerdà. Fonte: <http://arquitetandoblog.wordpress.com/2009/05/20/idelfonso-cerda-plano-de-expansão-de-barcelona> acesso em janeiro de 2011.

Figura 1.5: Diagrama de Howard para a Cidade – Jardim. Cidades-jardim do Amanhã. Fonte: HALL, 2002, p. 110.

Figura 1.6: Letchword Garden City. Fonte: O conceito de Cidades-Jardins: uma adaptação para as cidades sustentáveis – ANDRADE, L. M. S. de. Arquitextos 042.02 ano 04, novembro de 2003.Disponivel em: <www.vitruvius.com.br>

Figura 1.7: Cidade de Welwyn a segunda cidade-jardim de Howard. Fonte: MUNFORD, 1982, seção ilustrada IV, p. 521.

Figura 1.8: Casal de escravos forros em Porto Alegre. Fonte: Grupo formado na internet pelo Instituto de Direito Urbanístico – IBDU. Postado em 03/04/2011 por Edesio Fernandes. Nome do arquivo: 198986_213595541987954_100000125305758_903. Disponível em <ibdu.org.br>.

Figura 1.9: Plano de intervenção realizado na cidade do Rio de Janeiro pelo Prefeitoa Pereira Passos entre os anos de 1902-1906. Fonte: PINHEIRO, 2002, p. 133.

Figura 1.10: O projeto de uma grande avenida para o Rio de Janeiro, 1875. Fonte: PINHEIRO, 2002, p. 119.

Figura 1.11: Vista do centro da cidade do Rio de Janeiro, 1900. Fonte: PINHEIRO, 2002, p. 127. Figura 1.12: O Rio futuro, Cenas futuristas, charge de Raul, 1928. Fonte: VAZ, 2002, p. 82.

introdução

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XI

Figura 1.13: Montagem de imagens dos loteamentos Jardim Flor da Primavera e do Jardim Umuarama. Fonte: BONDUKI, N. e ROLNIK, R., 1979. p. 24 e 76.

Figura 1.14: Montagem de imagens internas da Favela da Rocinha. Fonte: DAVIS, 2006.

Figura 1.15: Imagem Aérea da Favela da Rocinha. Fonte: Jornal O GLOBO, Rio de Janeiro.

Figura 1.16: Imagem do Morro da Providencia em 1968. Fonte: Arquivo Nacional. Fotografo Pinto. Acervo Correio da Manhã, disponível em: <www.favelatemmemoria.com.br>.

Figura 1.17: Vista da favela para a cidade. Fonte: Imagem de capa KOWARICK, 2009.

Figura 1.18: Imagem do Assentamento Colinas D’Oeste. Fonte: Arquivo de Projeto e Obras da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano de Osasco – SP, 2006.

Figura 1.19: Imagem aérea da Favela do Andaraí. Fonte: CONDE E MAGALHÃES, 2004.

Figura 1.20: Vista da ocupação urbana da sub-bacia Billings no distrito do Grajaú. Fonte: Pesquisa CNPq – ALVIM, 2009, cedida por Maria Teresa Diniz – SEHAB/PMSP.

CAPITULO 3

Figura 3.1: Casa de Canudos: Foto de Flávio de Barros, fotógrafo do exército. Fonte: VALLADARES, 2009, p. 31.

Figura 3.2: Vista Panorâmica do Morro da Favella. Fonte: VALLADARES, 2009, p. 38.

Figura 3.3: Montagem das imagens da saudação da destruição do cortiço Cabeça de Porco pelo então Prefeito Barata Ribeiro na Revista Ilustrada. Fonte: ABREU, 2008. p. 51 e VALLADARES, 2009, p. 39.

Figura 3.4: Mapa da Cidade do Rio de Janeiro com a indicação das favelas existentes entre os anos de1948 e 1950. Fonte: ABREU, 2010, p. 108.

Figura 3.5: Vista do Parque Proletário da Gávea. Fonte: VALLADARES, 2009, p. 62.

Figura 3.6: Favelados acampam no Palácio das Laranjeiras em 1964. Fonte: CONDE E MAGALHÃES, 2004, p. 46.

introdução

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XII

Figura 3.7: Imagem da capa do documento “Aspectos Humanos da Favela Carioca”, 1960. Fonte: Disponível em <www.favelatemmemória> Acesso em abril de 2011.

Figura 3.8: Favela do Humaitá ou Macedo Sobrinho, 1958. Fonte: ABREU, 2010, p. 106.

Figura 3.9: Imagem do Conjunto Cruzada de São Sebastião. Fonte: Disponível em: <http://fotolog.terra.com.br/luizd:513>. Acesso em fevereiro de 2011.

Figura 3.10: Imagem de um conjunto habitacional para onde eram levados os moradores removidos das favelas. Fonte: CONDE E MAGALHÃES, 2004, p. 49.

Figura 3.11: Favela Brás de Pina ontem e hoje. Fonte: Arquivo Nacional / Correio da manhã Disponível em: <www.vivario.org.br>. Acesso em março de 2011.

Figura 3.12: Conjunto habitacional na Zona Oeste. Fonte: CONDE E MAGALHÃES, 2004, p. 50.

Figura 3.13: Mapa da Cidade do Rio de Janeiro indicando a Expansão das favelas entre os anos de 1900 e 1995. Fonte: VIAL, 2000, p. 33.

Figura 3.14: Mapa do Município do Rio de Janeiro com a indicação das favelas beneficiadas pelo Programa Favela Bairro. Fonte: PCRJ, 1999. Disponível em: <www.rio.com.br>.

Figuras 3.15: Favela Praia da Rosa, antes e depois do Favela Bairro, 1998. Fonte: CONDE E MAGALHÃES 2004, p. 71.

Figura 3.16: Detalhes das escadas de acesso das Favelas Parque Boa Esperança, do Andaraí e da Casa Branca na Zona Norte beneficiadas pelo Programa Favela Bairro. Fonte: Acervo equipe PCRJ e CONDE E MAGALHÃES, 2004, p. 85 e 123

Figura 3.17: Reunião com a população. Fonte: CONDE E MAGALHÃES, 2004, p. 103.

Figura 3.18: Mapa do crescimento percentual das áreas das favelas entre os anos de 1999 e 2004. Fonte: <www.armazemdedados.rio.rj.gov.br> Acesso em agosto de 2010.

Figura 3.19: Linha do Tempo. Fonte: Concurso Morar Carioca - Prancha 01 da proposta da equipe da qual a autora participou em novembro de 2010.

introdução

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XIII

CAPITULO 4

Figura 4.1: Imagem da situação precária das moradias nas favelas em São Paulo. Fonte : KOWARICK, 2009, p. 222.

Figura 4.2: Imagens do projeto para o Conjunto Jandira. Fonte: FRANÇA, 2009.

Figura 4.3: Mapa de localização das habitações subnormais da cidade de São Paulo entre os anos de 1983 e1987. Fonte: FRANÇA, 2009. p. 116.

Figuras 4.4: Imagem das unidades habitacionais construídas e das obras de melhoria realizadas em Heliópolis por meio de mutirão na gestão da Prefeita Luiza Erundina em 1989. Fonte: Imagem de visita em Dezembro em 2010.e PMSP/GEU – FAVELAS, 1992.

Figura 4.5: Imagem de reunião com os moradores da favela Vila Bela Vista - Vila Prudente. Fonte: PMSP/GEU-FAVELAS, 1992.

Figura 4.6: Imagem de ocupação a beira córrego em São Paulo. Fonte: Jornal “O Estado de São Paulo”.

Figura 4.7: Maluf decide verticalizar as favelas. Fonte: FRANÇA, 2009 p.129.

Figura 4.8: Imagem do Cingapura Lair Krähenbühl. Fonte: FRANÇA, 2009 p.130.

Figura 4.9: Mapa da evolução da área urbanizada na Região Metropolitana de São Paulo no período entre os anos 1905 e 1997. Fonte: MEYER, R. M. P.; GROSTEIN, M. D. e BIDERMAN, 2004.

Figura 4.10: Mapa dos programas habitacionais da SEHAB em 2004. Fonte: PMSP/SEHAB, 2004. p.82.

Figura 4.11: Imagem de um espaço público implantado pelo Bairro Legal. Fonte: PMSP/SEHAB, 2004 p. 83.

Figura 4.12: Moradoras beneficiadas pelo Programa. Fonte: PMSP/ SEHAB, 2004. p. 83.

Figura 4.13: Imagem das unidades habitacionais construídas pelo Bairro Legal. Fonte: PMSP/SEHAB, 2004 p. 83.

Figura 4.14: Mapa dos programas habitacionais da SEHAB em 2008. Fonte: PMSP/SEHAB, 2008.

Figura 4.15: Linha do tempo das favelas em São Paulo Fonte: Montagem feita pela Autora.

introdução

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XIV

CAPITULO 5

Figura 5.1: Mapa de localização da favela Fernão Cardim na cidade do Rio de Janeiro. Fonte: Mapa com a divisão do município pelas Áreas de Planejamento com tratamento dado pela Autora.

Figura 5.2: A favela e a relação com o entorno imediato e seus acessos. Fonte: Imagem aérea retirada do <www.maps.google.com.br> com tratamento dado pela Autora.

Figura 5.3: Imagem aérea da ocupação antes do projeto. Fonte: Acervo da equipe da PCRJ, 1996.

Figura 5.4: Imagem da ocupação à beira córrego antes da canalização. Fonte: VIAL, 2000.

Figura 5.5: Croqui do projeto com anotações do Arquiteto Jorge Mário Jauregui. Fonte: VIAL, 2000.

Figura 5.6: Desenhos de projeto. Fonte: Acervo da equipe da PCRJ, 1996.

Figura 5.7: Imagem do conjunto habitacional ao final das obras. Fonte: Acervo de equipe da PCRJ, 1996 e do Fotógrafo Fabio Costa.

Figura 5.8: Imagem de moradores das novas unidades habitacionais. Fonte: Arcervo de equipe da PCRJ, 1996 e do Fotógrafo Fabio Costa.

Figura 5.9: Imagem da Via Canal ao final das obras. Fonte: Acervo da equipe da PCRJ e do Fotógrafo Fábio Costa.

Figura 5.10: Imagens das intervenções ao final das obras. Fonte: Acervo da equipe da PCRJ, 1996 e do Fotógrafo Fabio Costa.

Figura 5.11: Fragmento de planta cadastral. Fonte: PCRJ, 1996. Disponível em: <www.rio.rj.gov.br>.

Figura 5.12: Imagens aéreas de Fernão Cardim antes e durante a intervenção. Fonte: Acervo da equipe da PCRJ, 1996.

Figura 5.13: Montagem com imagens atuais de Fernão Cardim. Fonte: Imagens da visita em novembro 2010, arquivo da autora.

Figura 5.14: Mapa de localização da Favela do Heliópolis na cidade de São Paulo, manipulado pela autora. Fonte: <www.prefeitura.sp.gov.br>

Figura 5.15: Localização da Gleba K em São Paulo. Fonte: Montagem a partir de imagem aérea retirada do <www.maps.google.com.br>.

Figura 5.16: Foto aérea com a indicação de algumas glebas da Favela do Heliópolis em São Paulo. Fonte: PMSP, 2008.

introdução

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XV

Figura 5.17: Planta da gleba com o limite dos setores sobre levantamento planialtimetrico cadastral elaborado a época do projeto para urbanização. Fonte: Acervo do projeto de urbanização de Gleba K, elaborado pelo Consórcio Núcleo / Planave, 2004.

Figura 5.18: Imagens do conjunto edificado na Estrada das Lagrimas. Fonte: Acervo do Projeto de Urbanização da Gleba K, elaborado pelo Consórcio Núcleo/Planave, 2004.

Figura 5.19: Imagens de algumas vias internas da Gleba K. Fonte: Acervo do Projeto de Urbanização da Gleba K, elaborado pelo Consórcio Núcleo / Planave, 2004.

Figura 5.20: Imagens da Av. Almirante Delamare, do Hospital Heliópolis e das habitações edificadas na gestão da Prefeita Luiza Erundina. Fonte: Imagem de visita há época do projeto em 2003 e em Dezembro de 2010.

Figura 5.21: Imagem das unidades a beira córrego. Fonte: Acervo do Projeto de Urbanização da Gleba K, elaborado pelo Consórcio Núcleo/Planave, 2004.

Figura 5.22: Montagem com as imagens do Espaço Jovem, do Telecentro e da Sede de UNAS. Fonte: Acervo do Projeto de Urbanização da Gleba K, elaborado pelo Consórcio Núcleo/Planave, 2004.

Figura 5.23: Planta geral de implantação da Alternativa 02. Fonte: Acervo do Projeto de Urbanização da Gleba K, elaborado pelo Consórcio Núcleo/Planave, 2004.

Figura 5.24: Planta de implantação do Setor Mina 01, etapa projeto executivo. Fonte: Acervo do Projeto de urbanização da Gleba K, elaborado pelo Consórcio Núcleo/Planave, 2004.

Figura 5.25: Imagens do CEU, das unidades em construção, e da canalização do córrego Independência. Fonte: Revista da Folha de São Paulo 15 a 21 de agosto de 2010 e registro das obras de canalização na visita em dezembro de 2010.

Figura 5.26: Montagem com planta indicativa das intervenções propostas por HABI / SEHAB em 2010 e imagens atuais do interior da Gleba K. Fonte: Planta cedida por Arquiteta Vanessa Padiá, e imagens da vista em dezembro de 2010

Figura 5.27: Planta indicativa das principais intervenções e dos pontos de integração de Fernão Cardim com a cidade formal. Fonte: Imagem retirada do Google Earh com tratamento dado pela autora.

Figura 5.28: Planta indicativa das principais intervenções e dos pontos de integração da Gleba K com a cidade formal. Fonte: Imagem retirada de PMSP, 2008 com tratamento dado pela autora.

introdução

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XVI

LISTA DE SIGLAS

AEIS - Área de Especial Interesse Social

AP - Área de Planejamento

APP - Área de Proteção permanente

BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento

BNH - Banco Nacional de Habitação

CA - Cities Alliance

CASMU - Comissão de Assistência Social Municipal

CBUQ - Concreto Betuminoso Usinado a Quente

CDHU - Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano

do Estado de São Paulo

CDRU - Concessão de Direito Real de Uso

CDS - City Development Strategy

CEDAE - Companhia Estadual de Águas e Esgotos - RJ

CEF - Caixa Econômica Federal

CEPAM - Centro de Estudos e Pesquisas de Administração

Municipal

CEBES - Coordenadoria do bem Estar Social

CEDES - Conselho Estadual de Desenvolvimento Social

CEM - Centro de Estudos da Metrópole

CEU - Centro de Convivência Educação e Cultura

CFMH - Conselho do Fundo Municipal de Habitação

CFUL - Cada família Um Lote

introdução

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XVII

CHISAM - Coordenação da Habitação de Interesse Social da

Área Metropolitana do Grande Rio

CIAM - Congressos internacionais de Arquitetura

CME - Comissão de Energia Elétrica

CMH – Conselho Municipal de Habitação

CMO - Conselho Municipal do Orçamento Participativo

CMP - Central dos Movimentos Populares

COBES - Coordenadoria do Bem Estar Social

CODESCO - Companhia de Desenvolvimento de Comunidades

COHAB - GB Companhia de Habitação da Guanabara

COHAB - RJ Companhia de Habitação do Rio de Janeiro

COHAB - SP Companhia de Habitação de São Paulo

COMLURB - Companhia Municipal de Limpeza Urbana - cidade

do Rio de Janeiro

CONAM - Confederação Nacional das Associações de Moradores

CND – Conselho Nacional de Desenvolvimento

CRU - Coordenadoria de Orientação e Regularização Urbanística

das AEIS – cidade do Rio de Janeiro

DEM - Partido Democrata

DOM - Diário Oficial do Município

DSS - Divisão de Serviços Social

EGJ - Espaço gente jovem

EIA - Estudo de Impacto Ambiental

introdução

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XVIII

EIV - Estudo de Impacto de Vizinhança

EMURB - Empresa Municipal de Urbanização

ETE - Estação de Tratamento de Esgotos

EUA - Estados Unidos da América

FAFEG - Federação das Associações das Favelas do Estado da

Guanabara

FAFERJ - Federação das Associações de Favelas do Estado do

Rio de Janeiro

FEBEM - Fundação do Bem Estar do Menor

FCP - Fundação Casa Popular

FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FHC - Fernando Henrique Cardoso

FIPE - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas

FJP - Fundação João Pinheiro

FMH – Fundo Municipal de Habitação

FUNAPS - Fundo de Atendimento à População em habitação

Subnormal

GEAP - Grupo Especial de Assentamentos Populares

GEORIO - Companhia Geotécnica do Rio de Janeiro

GEU-Favelas - Grupo Executivo de Urbanização

HBB - Habitar Brasil/BID

HABI - Superintendência de Habitação Popular

HABISP – Sistema de Informações de Habitação Social de São

Paulo

introdução

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XIX

IAB/RJ - Instituto dos Arquitetos do Brasil seção Rio de Janeiro

IAP - Institutos de Aposentadorias e Pensões

IAPAS - Instituto de Administração da Previdência e Assistência

Social

IBAM - Instituto de Administração Municipal

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBH - Instituto Brasileiro de habitação

INSTITUTO DATABRASIL - Ensino e Pesquisa

IPLAN - Instituto Municipal de Planejamento

IPLANRIO - Empresa Municipal de Informática e Planejamento

IPP - Instituto Pereira Passos

IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas

IPTU - Imposto Predial e Territorial urbano

LABHAB - Laboratório de Habitação e Assentamento Humanos

da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São

Paulo

LIMPURB - Departamento de Limpeza Urbana

MNLM - Movimento Nacional de Luta pela Moradia

MNRU - Movimento Nacional pela Reforma Urbana

MPO - Ministério de Planejamento e orçamento

MUD - Movimento Universitário de Desfavelamento

OGU - Orçamento Geral da União

ONG - Organização Não Governamental

ONU - Organização das Nações Unidas

introdução

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XX

PAC - Programa de Aceleração do Crescimento

PAIH - Programa de Ação Imediata em Habitação

PAM - Posto Municipal de Saude

PAR - Programa de Arrendamento Residencial

PCRJ - Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro

PDE - Plano Diretor Estratégico

PGU - Programa de Gestão Urbana das Nações Unidas

PMSP - Prefeitura Municipal de São Paulo

PMH - Plano Municipal de habitação

PNDU – Política Nacional de Desenvolvimento Urbano

PNH - Política Nacional de Habitação

POUSO - Posto de Orientação Urbanística e Social

PRE - Plano Regional Estratégico

PREZEIS - Programa de Regularização de ZEIS

PROAP - Programa de Urbanização de Assentamentos Populares

PROFACE - Programa de Favelas da CEDAE

PROFAVELA - Programa Municipal de Regularização de Favelas

PROFILURB - Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados

PRÓ-MORADIA - Programa de Atendimento Habitacional

PRÓ-MORAR - Programa de Erradicação de Submoradia

PRÓ-SANEAMENTO - Programa de Saneamento para População

de Baixa Renda

introdução

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XXI

PROSANEAR - Programa de Saneamento para Populações de

Baixa Renda

PROVER - Programa de Melhoramentos em favelas

PSH - Programa de Subsidio à Habitação de Interesse Social

PSDB - Partido Social Democrata do Brasil

PT - Partido dos Trabalhadores

PU - Pontifícia Universidade Católica

RIOLUZ - Companhia Energia e Iluminação Pública

RIOURBE - Empresa Municipal de Urbanização – cidade do Rio

de Janeiro

SABESP - Companhia Estadual de Saneamento Básico de São

Paulo

SAGMACS - Sociedade de Analise gráficas e Mecanograficas

Aplicadas aos Complexos Sociais

SBPE - Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos

SEAC - Secretaria de Ação Comunitária.

SEBES - Secretaria do Bem Estar Social

SEADE - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados

SEHAB - Secretaria de Habitação – Município de São Paulo

SERFHAU - Serviço Federal de Habitação e Urbanismo

SFH - Sistema Financeiro de Habitação

SFI - Sistema Financeiro Imobiliário

SMDS - Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social

introdução

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XXII

SMH - Secretaria Municipal de Habitação

SMU - Secretaria Municipal de Urbanismo

SNHIS - Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social

TPU - Termo de permissão de Uso

UNAS - União de Núcleos de Associações e Sociedade de

Moradores de Heliópolis e São João Clímaco

UNMP - União Nacional por Moradia Popular

UPP - Unidade de Policia Pacificadora

USAID - United States Agency for International Development

VHP - Vilas de Habitação Provisória

ZEIS - Zonas Especiais de Interesse Social

introdução

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XXIII

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

1. URBANIZAÇÃO E ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS

NO BRASIL 7

1.1 A CIDADE NO SÉCULO XIX NA EUROPA E AS

PRIMEIRAS AÇÕES SOBRE A PRECARIEDADE

9

1.2 ESPECIFICIDADES DO PROCESSO DA

URBANIZAÇÃO BRASILEIRA E OS ASSENTAMENTOS

PRECÁRIOS

18

1.2.1 A formação dos Núcleos Urbanos: antecedentes 18

1.2.2 Urbanização brasileira no século XX e os

assentamentos precários

20

1.3 MAS AFINAL O QUE SÃO ASSENTAMENTOS

PRECÁRIOS?

29

1.3.1 Favela: uma modalidade de assentamento

precário

31

1.3.2 Dados recentes das favelas nos grandes centros

urbanos brasileiros 38

2. ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS E POLÍTICAS

PÚBLICAS: A URBANIZAÇÃO DE FAVELAS COMO UM

DIREITO À CIDADE

43

.1 DO DIREITO À MORADIA AO DIREITO À CIDADE 45

2.2 POLÍTICA HABITACIONAL BRASILEIRA:

ANTECEDENTES

49

2.3 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E AS

ALTERAÇÕES NOS RUMOS DA POLÍTICA

HABITACIONAL

54

2.3.1. A urbanização de favelas como parte da

política habitacional brasileira 64

3. O PROGRAMA FAVELA BAIRRO NO RIO DE

JANEIRO 70

introdução

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XXIV

3.1. AS FAVELAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO 72

3.2. O PROGRAMA FAVELA BAIRRO: CONCEITOS,

ESTRUTURA E PROJETOS PARA URBANIZAÇÃO DE

FAVELAS

95

3.2.1 O Projeto de Urbanização como instrumento do

Programa Favela Bairro

105

3.2.2. Favela Bairro: (Des) continuidades e

desdobramentos recentes

110

4. SÃO PAULO E O PROGRAMA BAIRRO LEGAL 116

4.1. AS FAVELAS NA CIDADE DE SÃO PAULO 118

4.2. O PROGRAMA BAIRRO LEGAL: CONCEITOS,

ESTRUTURA E PROJETOS PARA URBANIZAÇÃO DE

FAVELAS

137

4.2.1 O Projeto de Urbanização como instrumento do

Programa Bairro Legal

145

4.2.2. Bairro Legal: (Des) Continuidades e

desdobramentos recentes

147

5. ESTUDOS DE CASOS: FERNÃO CARDIM (RJ) E

GLEBA K, HELIÓPOLIS (SP)

153

5.1. CRITÉRIOS DE ESCOLHA DOS CASOS 154

5.2. METODOLOGIA DE ANÁLISE 156

5.3. O PROJETO PARA A URBANIZAÇÃO DA FAVELA

FERNÃO CARDIM

159

5.3.1. Leitura Urbana 159

5.3.2. Concepção, propostas e intervenções previstas 166

5.3.3. Participação social 172

5.3.4 Situação fundiária 174

5.3.5. Situação atual 176

introdução

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XXV

5.4. O PROJETO PARA URBANIZAÇÃO DA GLEBA K -

FAVELA HELIÓPOLIS EM SÃO PAULO

179

5.4.1 Leitura Urbana 179

5.4.2. Concepção, Propostas e intervenções Previstas 195

5.4.3 Participação social 202

5.4.4. Situação fundiária 204

5.4.5. Situação atual 205

5.5. PRINCÍPIOS NORTEADORES PARA O PROJETO

DE URBANIZAÇÃO DE FAVELAS

209

5.5.1. Fernão Cardim 209

5.5.2 Gleba K – Heliópolis 213

5.5.3 Princípios norteadores 216

5.6. PROJETO PARA URBANIZAÇÃO DE FAVELAS:

LIMITES E DESAFIOS

222

CONSIDERAÇÕES FINAIS 228

BIBLIOGRAFIA 235

introdução

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1

INTRODUÇÃO

Esta dissertação discute a questão dos assentamentos precários, particularmente as

favelas, à luz dos projetos de urbanização implementados como parte das políticas

públicas no contexto da democratização brasileira pós 1988.

Entende-se que o projeto de urbanização de favelas é parte de uma política publica que

tem como pressuposto a qualificação dos assentamentos precários e sua integração à

cidade formal. Considera-se que a melhoria das condições de vida da população que

habita as favelas possibilita a ampliação das oportunidades e, ao mesmo tempo, contribui

para o desenvolvimento urbano da cidade contemporânea.

De um modo geral, a sociedade brasileira sempre teve dificuldades para aceitar as

ocupações “informais” que surgem nas cidades, pois são consideradas bolsões de

pobreza, insalubridade1 e perigo, cujos padrões urbanísticos e estéticos fogem àqueles

“aceitáveis”. Favelas, cortiços, palafitas, dentre outras, são compreendidas como áreas

marginalizadas e não como alternativa de moradia para as famílias que não têm acesso

ao mercado e ao atendimento formal de habitação, infraestrutura, bens e serviços

públicos.

Entre as décadas de 1960 e 1970, as ações do governo federal, frente às áreas

ocupadas precariamente, eram voltadas à remoção das famílias e à provisão de

habitação por meio da implantação de conjuntos habitacionais em áreas distantes dos

1 Por insalubridade entende-se a falta de condições de ventilação e iluminação naturais, bem como a ausência de água tratada e rede coletora pública dos efluentes sanitários produzidos, que são lançados nas famosas valas a céu aberto.

introdução

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2

2

centros urbanos e da oferta de trabalho, sem a infraestrutura adequada e com inúmeras

dificuldades de acessibilidade.

A opção pela urbanização das favelas surge na década de 1980, como alternativa frente

aos padrões estabelecidos pelo governo federal até então, que de certa maneira não

atenderam as demandas e, contribuíram para aumentar o número de áreas precárias

encontradas em todo o país.

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, que dedica um capítulo para a

política urbana e outro para a questão habitacional, os municípios passam a ter a

responsabilidade pela ordenação do uso do solo urbano e pela provisão habitacional.

Esta configuração da “Carta Magna” brasileira é a convergência de inúmeras aspirações

da população organizada em movimentos e organizações sociais que reivindicavam

ações mais efetivas para a solução da precariedade da moradia no país. Ao mesmo

tempo, reforça o papel da cidade como locus privilegiado de habitação, ampliando a

autonomia municipal. Afinal, cerca de 80% da população brasileira vivia, ao final dos anos

1980, em centros urbanos.

A figura do Estado do Bem Estar Social dá lugar à possibilidade de uma cidade

democrática, onde todos podem atuar na solução da questão habitacional. Ao mesmo

tempo em que são incrementadas as possibilidades de atuação do poder público sobre a

cidade, a intensa urbanização ocorrida nos últimos 50 anos contribuiu para o aumento

dos assentamentos precários, a escassez dos recursos naturais e econômicos.

Frente a dimensão e o nível de consolidação que diversas áreas apresentavam, a

ausência de políticas habitacionais efetivas, principalmente por parte do governo federal,

e escassez de recursos financeiros para a provisão de unidades habitacionais para

atender a crescente demanda, alguns municípios trataram de atuar sobre os territórios

precariamente ocupados, considerando-os como alternativa habitacional e que deveriam

ser integrados à cidade formal.

Importantes programas foram implementados, no final dos anos de 1980, tendo como

base inicial a implantação de infraestutura básica de água e esgoto para, em seguida,

evoluírem incorporando outros elementos como sistema viário e, finalmente, a

urbanização completa com a reconfiguração de inúmeras áreas.

Neste contexto, destaca-se o Programa Favela Bairro que foi implementado no município

do Rio de Janeiro entre os anos de 1994 e 2000, sendo considerado pioneiro tanto em

introdução

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3

3

seu formato inovador, quanto na abrangência das ações no sentido da urbanização para

integração das favelas à cidade.

Dez anos depois, entre 2001 e 2004, o Programa Bairro Legal em São Paulo, resgata

alguns princípios do formato do Programa Favela Bairro, na abrangência das ações nas

favelas beneficiada, porém com número menor de favelas urbanizadas.

Particularmente dentro dos programas anotados acima, o projeto é o elemento que se

destaca como principal ferramenta utilizada nas intervenções para a reconfiguração dos

assentamentos precários.

O projeto de urbanização no âmbito dos programas é a ferramenta utilizada para a

materialização das políticas e das diretrizes idealizadas. Entende-se que o projeto

perpassa as diversas fases necessárias à urbanização de um assentamento precário,

como a negociação com a população para a identificação das demandas e alternativas; a

identificação e definição dos limites da ocupação, dos elementos estratégicos a serem

implementados; a determinação das melhores soluções técnicas e o dimensionamento

dos custos para a efetivação da urbanização e, consequentemente, a inserção das

favelas no conjunto urbano e social da cidade.

Esta dissertação tem como objetivo geral a contribuição para a ampliação do

conhecimento sobre a importância do projeto de urbanização com vistas a integração dos

assentamentos precários, particularmente das favelas, à cidade.

A partir de dois estudos de casos - o projeto de urbanização da Favela Fernão Cardim no

âmbito do Programa Favela Bairro no Rio de Janeiro e o projeto para a Gleba K da

Favela do Heliópolis, elaborado no contexto do Programa Bairro Legal em São Paulo –

tem-se, como objetivos específicos: a) discutir o papel do projeto como importante

ferramenta a ser utilizada na construção da cidade dentro dos territórios precariamente

ocupados e, b) identificar os princípios norteadores utilizados para a formatação dos

programas e dos projetos de urbanização de favelas que podem ser recomendados em

outras experiências.

A pesquisa tem como recorte temporal o período entre a década de 1980 – época que

emergem as primeiras experiências de urbanização de favelas com a abertura política

que culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988 - e os anos 2000,

introdução

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4

4

particularmente 2004, quando se encerra a experiência do projeto de urbanização da

Gleba K da Favela do Heliópolis em São Paulo.

Embora este recorte seja central, a pesquisa busca entender os antecedentes da relação

entre a urbanização e a intensificação dos assentamentos precários, com ênfase no

contexto brasileiro, e o percurso das políticas urbanas, particularmente as de habitação,

que sempre se voltaram à remoção das favelas e à construção de conjuntos

habitacionais como solução para o enfrentamento dos assentamentos precários como

ponto de partida para a análise dos casos pretendidos.

Assim, a dissertação está estruturada em cinco capítulos:

O capitulo 01 apresenta as principais definições e conceitos relacionados aos

assentamentos precários, contextualizando a formação dos assentamentos precários e a

urbanização. Inicialmente, busca-se compreender qual é a relação entre o processo de

urbanização e a existência dos assentamentos precários no mundo e no Brasil,

apresentando os conceitos, definições e suas diversas modalidades, e o que

representam para o desenvolvimento urbano na sociedade brasileira, com destaque para

a modalidade favela.

No capítulo 02 são apresentados os aspectos relativos ao percurso das políticas públicas

habitacionais implementadas no país pós Constituição Federal de 1988 e a urbanização

de favelas como importante alternativa da integração destes territórios à cidade.

Os capítulos 03 e 04 tratam dos programas para a urbanização de favelas que se

destacaram nas cidades abordadas na dissertação: o Programa Favela Bairro no Rio de

Janeiro e o Programa Bairro Legal em São Paulo. Em ambos os capítulos, optou-se por

sintetizar as origens das favelas das duas cidades e as principais políticas

implementadas ao longo do tempo para, em seguida, discorrer sobre as particularidades

de cada Programa, dando ênfase à formatação dos projetos de urbanização.

O capitulo 05 apresenta os estudos de casos escolhidos para uma análise mais

aprofundada: Fernão Cardim, implementado no Rio de Janeiro entre os anos de 1995 e

1996, e Gleba K na favela do Heliópolis em São Paulo, em 2004. A partir da observação

das semelhanças e diferenças, da leitura e da análise de cada caso, recomendam-se

alguns princípios norteadores para a formatação dos programas e projetos para a

urbanização de favelas que podem ser considerados em outros casos semelhantes.

introdução

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5

5

Nas considerações finais, apresenta-se uma síntese da pesquisa, procurando reforçar a

partir das análises realizadas, que o projeto de urbanização é um importante instrumento

que pode contribuir para a construção de cidade nas favelas brasileiras.

introdução

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6

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7

7

1 URBANIZAÇÃO E ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS NO BRASIL

Estudar os assentamentos precários em áreas urbanas pode ser correspondente a se

embrenhar por um amplo espectro de questões e temas que envolvem as cidades, com

abordagens de acordo com vários pontos de vista. Diversos campos de estudo têm

discutido a problemática dos assentamentos precários, dentre elas: a filosofia, a política,

a ciência política, a sociologia, a psicologia social e ambiental, a antropologia, a

geografia, a administração pública, a arquitetura e o urbanismo.

Os estudos produzidos têm o intuito de apreender e aprender com as práticas de uso e

ocupação do solo, o modo de vida dos ocupantes destes territórios que, por mais de 100

anos, vem se consolidando no imaginário e no cotidiano dos centros urbanos no Brasil.

Devido à complexidade do tema é impossível tratá-lo apenas por meio de uma visão

essencialmente da arquitetura e do urbanismo. Mesmo no âmbito desta pesquisa que é

fruto de reflexões que se situam nestes campos de conhecimento, é importante

considerar também as diversas abordagens.

A diversidade e a complexidade implícita na abordagem contemporânea dos

assentamentos precários podem ser encontradas em diversas publicações que foram

divulgadas recentemente: as organizadas pela Organização das Nações Unidas – ONU,

no contexto do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos –

urbanização e assentamentos

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8

8

Un-Habitat; no polêmico livro de autoria de Mike Davis, “Planeta Favela” (2006), que trata

de forma bastante ampla e pessimista sobre o tema; no conjunto de trabalhos produzidos

pelo Ministério das Cidades, entre outros.

Sem pretender esgotar o tema em todos os seus aspectos, este capítulo pretende

apresentar um quadro geral e as principais questões relacionadas aos assentamentos

precários no Brasil.

Busca-se, inicialmente, compreender qual é a relação entre o processo de urbanização e

a existência dos assentamentos precários no mundo e no Brasil. E posteriormente,

apresentar os conceitos e definições para estes assentamentos e suas diversas

modalidades, com destaque para a favela, de grande valor representativo para o

desenvolvimento urbano da sociedade brasileira. Além de informações estatísticas da

atual situação das favelas nos grandes centros urbanos do país.

urbanização e assentamentos

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9

9

1.1 A CIDADE NO SÉCULO XIX E AS PRIMEIRAS AÇÕES SOBRE A

PRECARIEDADE

Durante o curso da história, a cidade tem sido associada a diversos aspectos como: o

progresso econômico e social; a promoção da alfabetização e educação; melhoria do

estado geral de saúde; a possibilidade de maior acesso aos serviços sociais e

equipamentos públicos; a participação na produção e usufruto da cultura, além da

participação política e religiosa, entre outros.

A cidade, considerada o lugar das trocas, das atividades mistas e do encontro, na visão

de Magalhães (2003), é também o local do convívio entre as diferenças e da construção

do coletivo. (Figura 1.1)

A noção de cidade de Munford (1982) é otimista, pois enxerga na cidade a possibilidade

da melhoria de vida por meio da discussão do sistema de regras intergrupais, ou dos

programas de aplicação de investimentos sociais. Melhor dizendo, é o lugar onde as

transformações sociais são possíveis, pois é onde existem oportunidades e inúmeras

possibilidades de relações.

Nas palavras deste autor (ibidem apud KOHLSDORF, 1996), a cidade é o lugar da

história, é onde estão articuladas as funções simbólicas, as atividades de troca (urbs), as

atividades de administração (civitas), e a polis, que originará a política; portanto, onde

serão formadas as relações de civilidade e cortesia.

A cidade é a grande síntese da sociedade, conforme assinala Ianni (1999, apud

ABASCAL; BRUNA e ALVIM, 2008) ao mencionar que é nas cidades que se

desenvolvem e refinam as sociedades ao emergirem processos e estruturas próprias à

sociabilidade. É a cidade o pólo atrativo de energias que, concentrando-as, faz germinar

idéias, movimentos artísticos e culturais, ideologias e revoluções. Desta forma, podemos

considerar que é na cidade que acontecem as transformações de território, tanto físicas

quanto dos habitantes, as ditas transformações sociais.

Embora a história situe a cidade como o palco e o lugar das mudanças, das

oportunidades, das produções culturais, econômicas e das grandes rupturas, foi

principalmente no século XIX, com a intensificação da urbanização no contexto mundial,

que a cidade também passa a ser considerada o campo das desigualdades sociais e a

síntese da pobreza.

urbanização e assentamentos

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10

Foi principalmente com a Revolução Industrial, ocorrida nos séculos XVIII e XIX1, que a

configuração das cidades passou a apresentar um lado com as oportunidades sociais e

econômicas, e outro, com problemas intrínsecos à forma do processo de urbanização,

decorrente das intensas mudanças.

Diversos estudos afirmam que o crescimento da população urbana mundial passa a ser

expressivo nesse momento, particularmente na Inglaterra, devido às transformações

produtivas advindas da Revolução Industrial. O complexo urbano tinha como principais

elementos: a fábrica, a estrada de ferro e o cortiço2, sendo este último relativo ao fato de

mais de 2000 mil pessoas encontrarem-se reunidas dentro de uma área que podia ser

designada com um nome próprio. A fábrica passa a ser o núcleo do novo organismo

urbano: “Pode-se admitir que, dado o ritmo com que o industrialismo se introduziu no

Mundo Ocidental, o problema de construir cidades adequadas era quase insolúvel”.

(MUNFORD, 1982. p. 507)

A necessidade de mão-de-obra provocada pelas mudanças no sistema produtivo e na

economia fez um contingente de população migrar para as áreas urbanas, provocando

um adensamento excessivo em áreas próximas às ofertas de emprego e renda, que por

sua vez, resultou em agrupamentos e ocupações desordenadas e caóticas. Habitações

operárias instaladas em vias estreitas, (Figura 1.2) sem iluminação e ventilação, com alta

densidade, associadas aos baixos salários trouxeram como consequência a desnutrição

e as epidemias, como as de cólera em 1831 na Inglaterra, onde aproximadamente 30 mil

pessoas morreram, e a Gripe Espanhola na Europa, que por sua vez, também atingiu o

Brasil em 1918, período da Primeira Guerra Mundial, matando 14.348 pessoas, sendo

2000 só em São Paulo. (KOLATA, 2002)

Nessa ocasião, várias cidades européias experimentaram um expressivo crescimento

demográfico que, segundo Choay (2003, p. 1:3), se explica com a afluência da população

do campo para a cidade, em decorrência de um desenvolvimento urbano sem

precedentes.

1 A Revolução Industrial foi uma profunda mudança no processo produtivo,nas relações sociais e no desenvolvimento econômico, iniciada a partir da introdução de inovações tecnológicas. Este processo de transformação teve inicio na Inglaterra no século XVIII, sendo disseminado em todo o mundo durante o século XIX. 2 Cortiço, como Munford (1982) trata, são as casas de má fama, como eram conhecidas as moradias das classes trabalhadoras ao final do século XVIII e do XIX. Cada região tinha o seu modelo: Prédios altos em Glasgow, Edimburgo e Paris ou edifícios de 02 andares, com quatro, cinco ou até mesmo 06 quartos, em Londres, Brooklin ou na Filadélfia, ou as enormes armadilhas de madeira, chamadas de three-deckers, na Nova Inglaterra.

urbanização e assentamentos

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11

Figura 1.1: A vida em Veneza no século XVIII, a utilização dos canais. Fonte: MUNFORD, 1982, seção ilustrada, p. 267.

Figura 1.2: A pequena Rua Collinwood, Bethnel Green, c. Londres, 1900. Fonte : HALL, 2002, p. 19.

urbanização e assentamentos

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12

É quase uma reação em cadeia, um fenômeno que segue a ordem e o nível de

industrialização das cidades. Londres, por exemplo, passou de 864.845 habitantes em

1801 para 4.232.118 em 1891, esta variação chega a cinco vezes em menos de um

século. Entre os anos 1800 e 1895, o número de cidades com mais de 100 mil habitantes

passa de duas para 30 na Inglaterra. No mesmo período, o número de cidades com 100

mil habitantes passa de duas para 28 na Alemanha, já na França passa de três para 12

e, nos Estados Unidos, onde em 1800 não havia nenhuma cidade com 100 mil

habitantes, passa a ter seis cidades em 1850. (Ibidem)

Ainda naquele momento uma nova ordem é criada na adaptação das velhas cidades

européias à nova sociedade urbana, rompendo com o processo tradicional. Um

fenômeno que se repete em todas as cidades: a adaptação e a renovação à nova

realidade. Para Choay (Ibidem), a cidade do século XIX começa a tomar forma própria,

provocando um movimento novo de observação e reflexão.

Assim, emergem as primeiras tentativas de controlar os efeitos perversos da

urbanificação3 do território por meio da implementação de marcos legais e reformas

estruturais nos principais centros urbanos. “Entre 1820 e 1900, a destruição e a

desordem, dentro das grandes cidades, é semelhante àquela de um campo de batalha,

proporcional à própria extensão de seu equipamento e ao poder das forças empregadas”

(MUNFORD, op. cit. p. 484).

Na França, para os prefeitos Calude-Philibert de Rambuteau (1833-1848) e Berger (1848-

1853), a rua larga e reta já era considerada superior à sinuosa e estreita. Na urbanística

francesa a percée4 já era aplicada, antes mesmo de Haussmann5 (PINHEIRO, 2002). Em

1841, o Estado francês instituiu a lei da desapropriação que permitiu a execução de

grandes obras públicas.

3 Segundo Choay (2003) este é um termo proposto por Bardet para designar o fenômeno espontâneo do desenvolvimento urbano, que acontecia no século XVIII em oposição à expressão organizada que o urbanismo pretende ser e é. 4 Interpreta-se percée como sendo eixos de interligação entre as vias principais e as vias de expansão da cidade. 5 George-Eugene Haussmann, advogado, Barão de Haussmann, foi prefeito do Sena, nomeado por Napoleão III entre os anos de 1853 e 1870, responsável pela modernização da cidade, transformando-a na cidade mais importante da Europa naquele período. Durante 17 anos, com a colaboração de arquitetos e engenheiros renomados de Paris na época, o prefeito Geórge- Eugenne Haussmann planejou uma nova cidade, implantando um novo traçado viário, modificando parques parisienses e criando outros, construindo vários edifícios públicos. Melhorou também o sistema de distribuição de água e criou a grande rede de esgotos, quando em 1861 iniciou a instalação dos esgotos entre La Villette e Les Halles, supervisionada pelo engenheiro Belgrand (PINHEIRO, 2002).

urbanização e assentamentos

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Mas é Haussmann, entre 1853 e 1870, quem estabelece a reforma urbana direcionada

para a modernização e o embelezamento das cidades. A abertura de ruas e as

demolições, removendo o tecido urbano deteriorado e densamente construído, tinha

vistas à criação da cidade burguesa6 (Figura 1.3). As ações carregavam não só a

proposta de modernização da cidade para atender as novas necessidades, mas também,

a intenção de expulsar a população trabalhadora, responsável pelos protestos e

insurreições populares contra o regime vigente à época, dos centros para a periferia.

Paralelamente, a desapropriação é instituída na Inglaterra em 1866 quando o Estado

desapropria áreas “gravemente comprometidas pela insalubridade das habitações

precárias” e inicia a abertura de novas avenidas (HALL, 2002). A Comissão Real

Britânica criada em 1885 emitiu um relatório concluindo que, apesar das inúmeras leis

que pretendiam melhorar as condições da moradia da classe trabalhadora, pouco se

tinha avançado e os resultados não eram satisfatórios.

Primeiro: Ainda que tivesse havido muitos progressos nas condições das moradias para o pobre, em comparação ao que ocorrera trinta anos atrás, os males da superlotação, especialmente em Londres, continuavam um escândalo público e estavam se tornando, em certas localidades, mais sérios do que nunca; Segundo: existia, sim7, uma farta legislação para fazer frente a esses males, porém as leis não eram aplicadas e algumas permaneciam letra morta desde a época de sua inclusão no código civil. (Ibidem, 24)

Ildefonso Cerdà, em 1859, propõe o “Ensanche”, que era um plano de expansão de

Barcelona para além da cidade antiga. Cerdà, em sua Teoria Geral da Urbanização, dizia

que dois conceitos deveriam ser tomados como as diretrizes principais de planos de

remodelação e construção de novas cidades: a habitação e a circulação. Em sua

proposta, a quadrícula proposta se estende até aos núcleos urbanos vizinhos e envolve a

cidade medieval. (CARNEIRO, 2007) (Figura 1.4)

[...] um dos primeiros tratadistas de arquitetura e urbanismo a reivindicar a salubridade das habitações de maneira radical e efetiva como a condição primeira a satisfazer na criação da nova cidade, considerando a moradia como suporte fundamental da qualidade de vida. A casa é o ponto de partida do raciocínio de Cerdà. As habitações planejadas por Cerdà tinham como características: a privacidade do indivíduo no lar, com condições dignas de vida, o higienismo (sol, vento, ar, luz natural), que deveriam estar presentes nas habitações e o custo, adaptação do empreendimento para a classe operária. ( Ibidem, n .p . )

6 A revolução burguesa de 1830 muda o poder, da aristocracia latifundiária para a burguesia comercial, mudando inclusive a atitude em relação a gestão da cidade. (PINHEIRO, 2002) 7 Lei para Casa de Cômodos; Lei Torrens em 1868; Lei sobre a Educação em 1870; Lei Cross em 1875; Lei da Saúde pública em 1875; Lei da Moradia da Classe Trabalhadora em 1885, dentre outras, (HALL, 2002)

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Figura 1.3: Intervenções realizadas em Paris de 1853 a 1870 - Haussmann. Fonte: PINHEIRO, 2002, p. 71.

Figura 1.4: Imagens da quadricula de Cerdà. Fonte: <http://arquitetandoblog.wordpress.com/2009/05/20/idelfonso-cerda-plano-de-expansão-de-barcelona> acesso em janeiro 2011

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Howard, entre os anos 1880 e 1890, época de fermentação radicalista, discutia a

aproximação da vida urbana à vida no campo, como uma solução para a população

encortiçada de Londres. Mas, aproximar a população do campo, tratada pelo pensador,

não considerava simplesmente aproximação a uma vida saudável e sim, a uma vida

organizada e auto-suficiente, com gerenciamento local e autogoverno por meio da

implementação de cidades novas com um limite de 32 mil habitantes em 1000 acres de

terra, numa área muito próxima ao Centro Histórico e com um cinturão verde perene.

Nelas, uma série de instituições urbanas estaria contida e a população seria

paulatinamente transferida até atingir o número limite de moradores. (HALL, op. cit.)

(Figura 1.5)

Figura 1.5: Diagrama de Howard para a Cidade – Jardim. Cidades-jardim do Amanhã. Fonte: HALL, 2002, p. 110,

Em 1898 Howard lança o livro Tomorrow que em 1902 passa a ter o título A Peaceful

Path to Real Reform – Garden Cities of Tomorrow, constituindo-se em uma das mais

importantes referências para a modernidade. Em 1899, ele funda a Garden City

Association para discutir suas idéias e formular um esquema prático com inúmeras

variações para que pudesse ser efetivamente implantado. Em 1900, funda a First Garden

City Limited e dois anos depois a Garden City Pioneer Company, com o intuito de fazer

levantamentos de locais nas áreas onde poderiam ser implantadas as cidades-jardim na

Inglaterra. Letcworth e Welwyn foram as primeiras cidades – jardins da Inglaterra

concebidas a partir deste modelo. (Figuras 1.6 e 1.7)

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Entre o fim do século XIX e do século XX, diversos pensadores irão influenciar as formas

de intervenção na cidade, defendendo já, naquela ocasião, a remoção de áreas precárias

a partir de idéias de embelezamento e renovação.Era o início do Movimento Moderno,

cujas idéias influenciaram diversas cidades do mundo, seja na implantação de propostas

de renovação urbana, seja na construção de bairros e cidades planejadas.

Para Frampton (1997) buscava-se, naquela ocasião, uma profunda transformação

cultural que contestasse a divisão do trabalho advinda da industrialização, assim como

suas instituições, hábitos, interesses econômicos e sociais. Nesse sentido, o urbanismo

moderno aparece como um instrumento que oferece uma solução formal ou figurativa à

organização espacial da cidade e que incide em sua estruturação social, propondo

“formas de convivência que tratam de evitar os males da sociedade industrial”

(ABASCAL, ALVIM, BRUNA, 2007)8. Este princípio está intimamente ligado às políticas

de remoção de assentamentos precários, principalmente das favelas, sobre a qual iremos

discorrer nesta dissertação.

Choay (2003) explica que o pensamento modernista progressista estabelecia que o

desenho da cidade no século XX deveria ter como base a revolução industrial, portanto,

era preciso obter eficácia, e desta forma o tecido fragmentado da antiga cidade deveria

dar lugar aos espaços onde fosse possível o controle estatal por meio de uma ordem

rigorosa. Os espaços livres serviriam para contemplar o verde, aproximando cada vez

mais a cidade ao campo.

Romero (apud JOSEF, 2004) comenta que a partir de 1880, muitas cidades latino-

americanas também começaram a sofrer novas mudanças, não só na estrutura social,

mas em sua fisionomia. Em particular nas grandes cidades em função da transformação

da estrutura econômica houve uma aceleração nas tendências que buscavam apagar o

passado colonial e instaurar as novas formas de vida moderna.

A população das principais capitais duplica e até triplica nos cinqüenta anos posteriores a

1880 e multiplicam sua atividade em uma determinada proporção. Na capital Peruana,

Lima, em especial no subúrbio de El Callao, bem como em demais outras, em sua

maioria regiões portuárias, como Barranquilla na Colombia, Matanzas e Cienfuegos no

Chile a cidade velha de ruas estreitas e traçado irregular dá lugar ao “tabuleiro de

xadrez”.

8 Não é intenção fazer aqui uma crítica ao Movimento Moderno e sua relação com a ruptura com a cidade existente, pois foge ao escopo deste trabalho. Para tanto ver Magalhães, Sergio. Cidade na Incerteza: Ruptura e Contiguidade em Urbanismo, publicado em 2007.

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No Brasil, as principais capitais experimentaram, entre o final do século XIX e início do

século XX, um intenso processo de urbanização.

Principalmente a partir da abolição da escravatura, em 1888, e a Proclamação da

República, em 1889, cidades como São Paulo e Rio de Janeiro receberam um

contingente populacional bastante elevado. Nessa ocasião, as cidades brasileiras

começam a conviver com um adensamento populacional e, consequentemente, com os

problemas relativos à higiene e à precariedade da saúde. Data desta época as políticas

de renovação das áreas centrais e as primeiras iniciativas de remoção das habitações

precárias.

Figura 1.6: Letchword Garden City. Fonte: ANDRADE, L. M. S. de. O conceito de Cidades-Jardins: uma adaptação para as cidades sustentáveis - Arquitextos 042.02 ano 04, novembro de 2003. Disponivel em: <www.vitruvius.com.br>

Figura 1.7: Cidade de Welwyn a segunda cidade-jardim de Howard. Fonte: MUNFORD, 1982, seção ilustrada IV, p.521.

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1.2 ESPECIFICIDADES DO PROCESSO DA URBANIZAÇÃO BRASILEIRA E

OS ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS

A visão comum de que o caos urbano é fruto do crescimento desordenado das

metrópoles (FERREIRA, 2010), reforça o ponto vista de que a configuração atualmente

encontrada pode ser explicada pela formação histórica e política do país. Na verdade, a

desigualdade social das cidades brasileiras tem suas causas primeiramente na forma

como se organizou a sociedade, com a construção de um Estado patrimonialista, onde se

confundem os interesses públicos e privados nas dinâmicas de exploração do trabalho,

impostas pelas elites dominantes desde o Brasil Colônia.

É bastante comum pensarmos que a dramática situação em que estão as cidades brasileiras é uma decorrência natural do fato de o país ter hoje cerca de 80% de sua população morando nas cidades. É como se o caos urbano, as favelas, o transporte precário, a falta de saneamento, a violência, fossem características intrínsecas às cidades grandes, justificando a enorme dificuldade do Poder Público em resolver esses problemas e gerir a dinâmica de produção urbana. Essa é, entretanto, uma visão equivocada. Ao contrário dos países industrializados, o grave desequilíbrio social que assola as cidades brasileiras – assim como outras metrópoles da periferia do capitalismo mundial – é resultante não da natureza da aglomeração urbana por si só, mas sim da nossa condição de subdesenvolvimento. Em outras palavras, as cidades brasileiras refletem, espacialmente e territorialmente, os graves desajustes históricos e estruturais da nossa sociedade. Como muitos autores já ressaltaram, o fenômeno de urbanização desigual observado em grande parte dos países subdesenvolvidos se deve à matriz de industrialização tardia da periferia. (IBIDEM, 2010. p. 12)

Essas considerações nos remetem ao conceito da divisão da sociedade em classes que

foi estabelecida a época do descobrimento (ABREU, 2010).

1.2.1 A formação dos Núcleos Urbanos: antecedentes

As terras brasileiras foram ocupadas a partir de 1500 pelos portugueses, com o propósito

da exploração das jazidas naturais e, como consequência, a população indígena nativa

foi manipulada, sendo o território, segundo este propósito, demarcado, dividido e

administrado por esses europeus. Entre os séculos XVI e XVII, os povoados que eram

formados seguindo a trilha da circulação dos produtos e subprodutos da extração foram

se transformando em cidades. Os portugueses, em maior monta, construíram cidades

como forma de demarcar o território, a propriedade, o domínio, e dar suporte à cultura e

ao modo de produção do sistema escravista. (ABREU, 2010)

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A produção dos núcleos urbanos baseava-se no trabalho escravo (inicialmente indígena

e posteriormente negro). Assim, seu modelo e aspecto eram rudimentares, apesar de

apresentarem uniformidade nos limites das vias e dos lotes, pois eram utilizadas a lógica,

os padrões e as tradições urbanísticas portuguesas.

Duzentos anos antes da vinda da família real, o Brasil como ele é hoje, um país

integrado, com fronteiras bem definidas e os habitantes identificados como brasileiros

não existiam. Para Gomes (2007) o país era um amontoado de regiões mais ou menos

autônomas, sem comércio ou qualquer outra forma de relacionamento e que tinham,

como pontos de referência, apenas o idioma e a Coroa Portuguesa em Lisboa, do outro

lado do Oceano Atlântico. O que esse autor indica é que, apesar da “divisão territorial

interna do Brasil não ser muito diversa do que é hoje, o país não era nada mais do que

uma unidade geográfica formada por províncias que eram estranhas umas às outras”

(p.111); o que só mudaria com a chegada da família real portuguesa.

Naquele momento, ocupar o país era garantir sua integridade, e, por isso, as províncias

estariam dispersas pelo território e escassamente povoadas, com uma população total de

aproximadamente três milhões de habitantes, sendo 800 mil índios. (Ibidem)

O Rio de Janeiro, na época da chegada da Família Real, em 1808, havia acabado de

passar por uma explosão populacional por conta da descoberta de ouro e diamantes no

final do século XVII. Entre os anos de 1700 e 1800, só de Portugal vieram ao Brasil 1,8

milhão de pessoas, contribuindo para o aumento e a aceleração do tráfico de escravos.

Com a vinda da família real as mudanças seriam inevitáveis e de indiscutível contribuição

para o desenvolvimento do país. Naquele momento, a cidade tinha uma população de 80

mil habitantes, com 75 logradouros públicos, sendo 46 ruas, 04 travessas, 06 becos e 19

campos ou largos. (Ibidem).

Pode-se dizer que a mudança de hábitos nas cidades e, consequentemente, no território

brasileiro, iniciou-se com a vinda da família real, quando alguns dos conceitos de

urbanidade foram de fato introduzidos, por conta inclusive da vinda de aproximadamente

15 mil cidadãos europeus.

Em meados do século XIX ocorre um período de transição na produção do espaço

urbano carioca, que, segundo Villaça (2001), coincide com a transição na sociedade, que

passa a ser uma sociedade capitalista com uma nova estratificação social, com uma

burguesia nascente e uma classe media urbana. Um primeiro censo da cidade em 1789

apontava para uma população urbana de 43.376 habitantes.

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Já em 1808, no ano da chegada da Família Real, a cidade do Rio de Janeiro contava

com 50 mil habitantes. Um segundo censo em 1821 computou uma população total de

112.695 habitantes, dos quais 79.321 eram urbanos.

Furtado (2007) comenta que a abolição dos escravos no fim do século XIX lançou, sobre

o território brasileiro, inúmeros trabalhadores que não estavam aparelhados ao trabalho

assalariado, não tinham os hábitos da vida em família, com desenvolvimento escolar

limitado, e aos quais, consequentemente, a ideia de acumulação de riqueza era estranha,

pois buscavam apenas suprir suas necessidades básicas de subsistência. (Figura 1.8)

Nas regiões do país onde se destacava a cultura açucareira, os escravos libertados,

então novos trabalhadores, migravam de engenho para engenho em busca de trabalho,

pois praticamente inexistia a disponibilidade de terras onde pudessem se fixar. Já nas

regiões onde a cultura cafeeira era predominante, a disponibilidade de terras, por conta

inclusive da movimentação da cultura, que era maior, possibilitou a fixação dos escravos

forros, que se dedicaram à agricultura de subsistência. (Ibidem)

Carlos Nelson (1988) disserta sobre como se deu o processo de urbanização no Brasil

indicando que antes do final do século XIX as cidades no Brasil eram uma raridade, e,

com a abolição da escravatura e a advento da República, surgem novos ideais e novas

necessidades. As propostas de desenvolvimento a partir do fim do século XIX apontam

uma trajetória retilínea, cheia de determinação, que passa pelas cidades sem se importar

muito com os efeitos indesejados que causavam. Proclamada a República, desenha-se o

projeto de um futuro grandioso: a busca pela identidade que a cidade terá que possuir

vira emblema e meta de progresso, cheio de proposições civilizadoras. Segundo o autor,

para os pobres do fim do século passado, como para os de agora, a vinda para a cidade

representava a possibilidade súbita de fazer parte de outro mundo.

1.2.2 Urbanização brasileira no século XX e os assentamentos precários

A partir do final do século XIX as cidades brasileiras passam por grandes transformações

sociais, econômicas e culturais, advindas do processo de industrialização mundial.

Pinheiro (2002) argumenta que as novas tecnologias introduzidas pela Revolução

Industrial mudariam as relações dentro da área urbana, diminuindo distâncias e

melhorando o saneamento, implicando a renovação no espaço

urbanização e assentamentos

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urbano, com rápidas mudanças também no modo de vida, no uso do solo, nas relações

de produção e na própria estruturação da sociedade. A partir de então o crescimento

urbano passa a ser intenso, trazendo o aumento da densidade demográfica, mudando a

paisagem da cidade e transformando-a em um ambiente desordenado e caótico. Nas

primeiras décadas do século XX, os períodos de remodelação e modernização das

cidades para adequar suas formas urbanas, de modo a absorver as novas tecnologias

trazidas da Europa, fortaleceram ainda mais a segregação espacial, segundo a autora.

Diversos autores mostram ainda que, aos moldes do que ocorria na Europa, no início do

século XX, o debate sobre o ambiente urbano era centrado na moralidade, na higiene, na

disciplina e no controle dos habitantes, ao invés de observar que as cidades não estavam

sendo preparadas para as mudanças, para o “progresso”, produzindo, a partir da

ocupação e do uso do solo, territórios caóticos. Essa visão colocava a população como o

vilão da história.

Os processos urbanos no Brasil antes do século XIX, onde o território foi formado por

subespaços que tinham a evolução segundo regras próprias, ditadas pelo mundo

exterior, foram modificados quando a produção de café no início do século XX transforma

o Estado de São Paulo num pólo dinâmico, com a implantação de ferrovias, melhoria dos

portos e a criação de meios de comunicação, estabelecendo uma fluidez nas formas

capitalistas de produção, trabalho e consumo. (SANTOS, 1996, apud, Pinheiro, op. cit., p.

38).

Datam do inicio do século XX as propostas de remodelação dos centros urbanos das

capitais brasileiras. No Rio de Janeiro, em 1902, por meio do Prefeito Pereira Passos,

sob a aprovação do então Presidente Rodrigues Alves, inicia-se um período intenso de

obras com a proposta de modificar e transformar o aspecto colonial da cidade. Um dos

objetivos do poder público era sanear a cidade a partir de uma proposta que incluía a

remoção da população de baixa renda do centro e reocupá-lo com novas construções e

novos habitantes. (Figura 1.9)

O Prefeito Pereira Passos havia participado da elaboração do Plano de Melhoramentos

da Cidade em 1875, e deste modo conhecia bem os problemas da cidade do Rio de

Janeiro. “Para obter a aparência desejada de uma cidade moderna, racional e

desenvolvida, que represente um país reformulado, são necessárias intervenções no

tecido urbano e construções monumentais”. (PINHEIRO, 2002, p. 127) (Figura 1.10)

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Figura 1.8: Casal de escravos forros em Porto Alegre. Fonte: Grupo formado na internet pelo Instituto de Direito Urbanístico – IBDU. Postado em 03/04/2011 por Edesio Fernandes. Nome do arquivo: 198986_213595541987954_100000125305758_903. Disponível em <ibdu.org.br>.

Figura 1.9: Plano de intervenção, realizado na cidade do Rio de Janeiro pelo Prefeito Pereira Passos entre os anos de 1902-1906. Fonte: PINHEIRO, 2002, p. 133.

Figura 1.10: O projeto de uma

grande avenida para o Rio de Janeiro, 1875. Fonte: PINHEIRO, 2002, p. 119.

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Em São Paulo, no início do século XX, Joseph Bouvard elabora o Plano para o Parque do

Anhangabaú, cujo desenho de expressão clássica estabelece a relação entre o anseio

modernizador, a elaboração do plano urbanístico e a linguagem arquitetônica adotada.

Conforme Simões Jr. (1999), o Parque Anhangabaú, com seu requintado desenho e

refinamento expressivo, passa a exercer o papel de o espaço mais emblemático da

cidade em processo de modernização. Esse fato ocorre a partir da valorização da terra

urbana do lado oeste da cidade, fruto da implantação das ferrovias e do sistema de

bondes eletrificados.

Em Salvador, a estrutura física da cidade colonial dificultava a circulação de pessoas e

mercadorias e, da mesma forma que no Rio de Janeiro, a cidade não comportava mais o

grande influxo da população. As consequências da união destes dois fatores eram a alta

insalubridade das moradias e a concentração caótica das inúmeras atividades nas ruas

da cidade. A proposta era a renovação da cidade para atender às novas necessidades e

as reivindicações da sociedade burguesa, introduzindo uma nova estética. José Joaquim

Seabra assume o Governo do Estado e, apoiado pelo Engenheiro Arlindo Coelho

Fragoso, inicia as mudanças. A mudança da imagem da cidade partiu da demolição das

construções antigas, as velhas casas e alguns edifícios representativos da arquitetura

civil e religiosa, além da abertura de uma grande via: a Avenida Sete de Setembro.

(PINHEIRO, op. cit.)

As reformas propostas e realizadas nas capitais brasileiras, como Rio de Janeiro,

Salvador, São Paulo e Belo Horizonte não consideraram a realidade concreta, apesar de

adaptar os modelos utilizados na Europa e Estados Unidos, e, sem esse compromisso,

acabaram por produzir reflexos nem tanto positivos na sociedade.

Para Campos (2002, p. 24) potencializa-se naquela ocasião a ação transformadora do

capital, onde a modernização das cidades constitui a principal referência da

transformação urbanística. “Remodelada e equipada a grande cidade poderia emergir

como sede e símbolo do avanço modernizador”. As reformas que propunham adaptar as

cidades coloniais às novas exigências da economia, da nova sociedade e de um novo

modo de vida, mostraram-se duplamente segregacionistas: pois ao mesmo tempo em

que embelezavam e modernizavam as cidades para receber as benesses do progresso,

excluíam a população pobre que ali habitava, expulsando e alijando-a do processo de

crescimento, empurrando e estimulando a ocupação das encostas dos morros e demais

sítios impróprios. (Figura 1.11)

urbanização e assentamentos

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Carlos Nelson (1988) afirma ainda que entre as décadas de 1930 e 1950, ocorre uma

reação à forma livre como cresciam as grandes cidades brasileiras. Segundo Abascal,

Bruna e Alvim (2007), no Brasil a renovação das áreas centrais do inicio do século XX, a

implementação de um novo sistema viário e de transporte público vão substituir os

antigos padrões arquitetônicos coloniais por modelos que remetiam diretamente àqueles

modelos estilísticos europeus, afirmando assim a intenção da transformação

modernizadora. Nas palavras das autoras:

Essas transformações representaram não apenas a consolidação de um espaço modernizado, mas a afirmação de uma intencionalidade política e discursiva, de ingresso do país na história, ao perseguir o desenvolvimento progressista com a crença do poder transformador ilimitado da técnica e das ações controladas e racionalmente conduzidas. (Ibidem, p. 6) (Figura 1.12)

A partir de 1950, após a Segunda Guerra Mundial, a urbanização mundial se acentua

significativamente em diversos países do mundo. No Brasil estabelece-se uma forte inter-

relação entre a industrialização e a urbanização. De acordo com Pinheiro (op. cit.), a

urbanização não é um fenômeno vinculado sempre à industrialização, mas se desenvolve

mais rápido a partir desse processo de produção. Inclusive na América Latina, Milton

Santos afirma que o processo de urbanização não acontece diretamente em função da

industrialização, e sim pela vinculação aos processos econômicos que são resultantes

das relações internacionais com países industrializados, a urbanização tornando-se uma

variável dependente, resultante da incorporação ao mercado mundial. (SANTOS, 1982a,

apud Pinheiro, 2002)

Antonucci, et al. (2008) enfatizam que o consumo em massa, propiciado pela

industrialização, constituiu um dos vetores básicos para a reprodução do capital,

apoiando-se principalmente no desenvolvimento do Welfare State9, ou Estado do Bem

Estar Social, que passou a proteger o salário, o emprego, o sistema previdenciário, o

sistema de saúde, o sistema habitacional10, além de outros serviços sociais no contexto

mundial.

9 A definição de welfare state pode ser compreendida como um conjunto de serviços e benefícios sociais de alcance universal promovidos pelo Estado com a finalidade de garantir uma certa “harmonia” entre o avanço das forças de mercado e uma relativa estabilidade social, suprindo a sociedade de benefícios sociais, que significam segurança aos indivíduos para manterem um mínimo de base material e níveis de padrão de vida, que possam enfrentar os efeitos deletérios de uma estrutura de produção capitalista desenvolvida e excludente. (GOMES, 2006) 10 Bonduki (2002) enfatiza que o tema da habitação social entra em cena com força total no Brasil durante o Governo Getulio Vargas (1930-1945). Além da criação de inúmeras entidades públicas e privadas para a assistência previdenciária, médica e a produção de unidades habitacionais inúmeros eventos, colocam em debate o desenvolvimento nacional.

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Figura 1.11: Vista do centro da cidade do Rio de Janeiro, 1900. Fonte: PINHEIRO, 2002, p. 127.

Figura 1.12: O Rio futuro, Cenas futuristas, charge de Raul, 1928. Fonte: VAZ, 2002, p. 82

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De acordo com Hobsbawn (1995, p. 268, apud ALVIM, 2009) a estrutura econômica

girava em torno de alguns objetivos políticos: pleno emprego, contenção do comunismo,

modernização das economias atrasadas ou em declínio, justificando a presença de um

Estado forte.

No Brasil, a modernização dos processos produtivos ─ agrícolas e industriais ─

articulados a fortes investimentos em infraestrutura, principalmente nos sistemas de

transportes e de comunicações, além das diferentes relações de trabalho, reduzindo a

mão-de-obra no campo e aumentando as oportunidades de emprego nas cidades,

aceleraram a migração em direção aos centros urbanos. Principalmente entre os anos de

1945 e 1980, grandes transformações na estrutura produtiva brasileira refletem-se na

intensificação da urbanização. Por um lado, a política de industrialização, via substituição

de importações, que se instala no Brasil a partir da década de 1950, cria novas

oportunidades de emprego nos setores industrial, de comércio e serviços; por outro, a

mecanização dos processos produtivos nas áreas rurais deflagra um intenso êxodo

populacional em direção às cidades. (ANTONUCI, et al, op. cit.)

O processo de industrialização brasileiro foi um poderoso fator de atração das migrações

do campo para a cidade. Desta forma a população rural diminuía e a urbana crescia

rapidamente. Os pólos industriais exerceram intensa atração na mão-de-obra disponível

no campo, provocando a chamada “explosão urbana” na década de 1960. A baixa oferta

de emprego para a população migrante, fruto de uma crise econômica que se

apresentava desde o inicio da década de 1960, levou ao aumento do número de

habitações inadequadas e de ocupações informais desprovidas de infraestrutura e de

serviços urbanos. (FERREIRA, 2010)

Kowarick (1993) enfatiza que a primeira fase da urbanização das cidades brasileiras se

deu sobre uma matriz marcada pela segregação socioespacial, sendo o processo de

exclusão11 fortalecido pela industrialização da segunda metade do século XX, com a

migração a partir das áreas rurais do nordeste para os centros urbanos e para os pólos

industriais do sudeste do país, exacerbando o que o autor denomina de a tragédia

Urbana.

11 Kowarick (2009) define o conceito da exclusão a partir das figuras 'cidadão privado' e 'subcidadão público', discutindo o papel da moradia no processo de inclusão-exclusão, desenvolvendo a ideia de que o cidadão privado possui sua casa própria, estando incluso; já o subcidadão público seria aquele que não possui sua casa, portanto excluído do contexto. Posteriormente, o autor trataria do conceito de forma mais abrangente no sentido da vulnerabilidade social, onde o morador não proprietário de seu imóvel, da terra, estaria sujeito à privação de sua moradia a qualquer momento.

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O processo de industrialização aliado a intensa urbanização, especialmente no Rio de

Janeiro e em São Paulo consolidou a condição de segregação quando a população de

baixa renda foi empurrada para áreas periféricas distantes e precárias, do ponto de vista

do atendimento de infraestrutura e serviços públicos. Segundo Aymonino (1972, apud

PINHEIRO 2002, p. 40) o uso do solo passa a ser um determinante na nova estrutura

urbana, quando mudam o valor dos terrenos e suas funções. Na cidade industrial, a nova

forma de organização espacial caracteriza-se por notáveis diferenciações funcionais no

espaço físico, tendo como consequência a segregação social e uma nova divisão

funcional.

O modelo de crescimento adotado pelo país no período pós 1964, no contexto do

Governo Militar, era alcançar a eficiência econômica em todos os setores de atuação,

mesmo que para isso os custos políticos e sociais fossem altos. A atuação do Estado era

então exacerbadamente empresarial, ressaltando a preocupação com o retorno

financeiro de seus investimentos. Desta forma, os investimentos e obras foram sempre

voltados aos locais que asseguravam esse retorno financeiro, melhor dizendo, às áreas

mais ricas das cidades. (ABREU, 1994).

Data desta ocasião a elaboração dos planos nacionais de desenvolvimento que

buscavam indicar políticas totalitárias para o Brasil urbano. Deve ser dado destaque ao II

PND – Plano Nacional de Desenvolvimento (1974 – 1978), que define um conjunto de

políticas articuladas às políticas estaduais, que visavam a descentralização das áreas

metropolitanas para o interior, de forma a garantir a ocupação efetiva das áreas de

fronteiras e o equilíbrio na distribuição da população no território, em especial entre áreas

urbanas e rurais (ALVIM, 2009). Para Chaffun (1997), as políticas propostas pelos II e III

PNDs, no período entre os anos de 1974 e 1984 foram formuladas com dupla finalidade:

a de solucionar questões de desequilíbrios entre regiões e estados e a de atender aos

objetivos interurbanos, ou seja, objetivos de ordenação do território.

Ainda no início da década de 1970 a população brasileira torna-se predominantemente

urbana, 56% da população total passa a viver nas cidades, contra 45% em 1960,

conforme dados do Censo do IBGE daquele ano.

A crescente urbanização aliada à insuficiência da infraestrutura reforçaram os

mecanismos de segregação social e espacial da população mais pobre, acentuando a

distância entre os diferentes grupos sociais que, por sua vez, fragmentaram a cidade

(ANTONUCCI, et al, op. cit.)

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Em números absolutos, a população residente em áreas urbanas, num período de 40

anos (1960-2000) passou de 32 milhões para cerca de 171,3 milhões habitantes no Brasil

(IBGE, 2000).

Como resultados deste período, destacam-se as profundas diferenças

intrametropolitanas12 que trazem como consequência um modelo espacial “dicotômico no

qual um núcleo hipertrofiado e rico” é cercado por periferias cada vez mais pobres e onde

as desigualdades são visivelmente exacerbadas. (ABREU, 1994)

Como efeito, inúmeros problemas urbanos começam emergir nesse contexto: as

péssimas condições de moradia e de transporte da população, a ausência de

saneamento básico, que se somam à ausência de políticas públicas.

Neste contexto, emerge a questão dos assentamentos precários que até início da década

de 1980 não tinha reconhecimento e, consequentemente, respaldo no âmbito das

políticas urbanas brasileiras, ficando sempre à margem dos planos e projetos

urbanísticos, mas que se configuram em uma alternativa habitacional frente à crescente e

rápida urbanização brasileira. (Figura 1.13)

Figura 1.13: Montagem de imagens dos loteamentos Jardim Flor da Primavera e do Jardim Umuarama. Fonte: BONDUKI, N. e ROLNIK, R., 1979. p. 24 e 76.

12 Em meados do século XX cidades como Rio de Janeiro e São Paulo já eram consideradas metrópoles. O processo de metropolização ocorre a partir da polarização de uma região em torno de uma grande cidade, em dimensões físicas e, sobretudo, populacional, caracterizando-se pela alta densidade demográfica, alta taxa de urbanização, ao redor da qual se forma um núcleo metropolitano. A primeira iniciativa brasileira de institucionalização foi a do governo gaúcho, que estabeleceu a Região Metropolitana de Porto Alegre, em 1968, formada por 13 municípios. (CARDOSO et al., 2007)

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1.3 MAS AFINAL O QUE SÃO ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS?

De um modo geral, Assentamento Precário é aquele território urbano ocupado

fisicamente de maneira não convencional, ou melhor, com uma ordenação espacial muito

peculiar, que não obedeceu às regras colocadas pela legislação edilícia13 vigente na

cidade, com níveis diversos de irregularidade jurídica em relação a propriedade da terra,

onde fica evidente a precariedade e a insalubridade das edificações ali construídas14. A

precariedade aqui é entendida como a ausência de salubridade das edificações e más

condições de habitabilidade15 que, no sentido amplo, envolve a moradia e o meio onde

está inserida.

No que diz respeito à ocupação do solo, em geral, um assentamento precário está

instalado em trechos de terra beira córrego, em encostas de morros, invariavelmente em

Área de Proteção Ambiental Permanente – APP16 e lotes urbanos de propriedade pública

e/ou privada vazios que não tiveram destinação adequada, nem foram reclamadas por

seus proprietários. Pode ser um cortiço no Bairro de Botafogo, como aquele descrito por

Aluísio de Azevedo no clássico livro O Cortiço; uma favela como as conhecidas por meio

da mídia, como, por exemplo, Paraisópolis, a mais popular em São Paulo; a Rocinha,

(Figura 1.14) no Rio de Janeiro; os Alagados em Salvador; um loteamento informal como

o Morada Anchieta no Rio de Janeiro; como o Jardim Vicentina em Osasco; ou um

conjunto de moradias construídas debaixo de um viaduto, como aquelas encontradas na

Zona Portuária em Buenos Aires; e as imensas ocupações na África, como a cidade de

Lagos considerada por Mike Davis (2006) uma grande ocupação informal.

13 Entende-se por legislação edilícia o conjunto de regras, no caso do município, que regem, ordenam e controlam a ocupação e o uso do solo urbano da cidade. 14 A definição de assentamento precário aqui apresentado é uma compilação das inúmeras considerações a respeito do tema elaboradas por diversos autores. 15 A FJP relaciona critérios mínimos de habitabilidade com padrões construtivos, de disponibilidade de infraesturutura urbana e legalidade da terra. A autora, por sua vez, entende inclusive que mínimas condições de ventilação e iluminação naturais que promovam a higienização dos ambientes internos da moradia, bem como a segurança construtiva da edificação, também inferem a moradia habitabilidade e qualidade. O conceito de habitabilidade pode ser ampliado quando observadas as condições do local onde foi implantada a moradia, com referência às condições de solo e configurações geomorfológicas dos terrenos utilizados para a implantação. (DENALDI 2003) 16 De acordo com o Código Florestal, Lei Federal nº. 4771/65, uma Área de Proteção Ambiental Permanente (APP) constituiu-se em um padrão de proteção às florestas e ao meio ambiente em geral, abrangendo aspectos relacionados à proteção de nascentes e corpos d’água, e de áreas particularmente frágeis, como os mangues e restingas. Esta lei apresenta as características e as definições de cada tipologia, bem como as restrições a cada uma delas. Existe ainda um conjunto de resoluções federais e estaduais que regem e controlam as ocupações em áreas desta natureza, em cada caso específico.

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Conforme Magalhães (2003), a precariedade se manifesta: 1) na ausência ou

insuficiência de infraestrutura sanitária e de serviços públicos, no caso das favelas e

loteamentos; 2) na deterioração das redes, serviços públicos e espaços comuns, no caso

dos conjuntos residenciais; 3) na implantação da moradia em lugares sujeitos a

desabamentos, inundações, sob viadutos, enfim, em sítios cuja urbanização não é

recomendada, isto é, em áreas de risco; e 4) na promiscuidade ambiental e na

possibilidade de ruir, no caso dos cortiços.

Para Cardoso (2007) os assentamentos precários apresentam várias configurações:

como favelas, loteamentos irregulares ou clandestinos, cortiços, conjuntos habitacionais

invadidos, prédios ocupados, entre outros, correspondendo cada denominação a uma

forma específica de processo de produção e construção daquele ambiente.

O conceito de irregularidade diz respeito ao não cumprimento integral das leis de

parcelamento, das normativas urbanísticas e da legislação edilícia, embora tenham dado

início aos procedimentos de licenciamento. A clandestinidade diz respeito a

parcelamentos efetuados sem qualquer iniciativa de licenciamento, ou seja,

empreendimentos sobre os quais não há registro oficial pelo poder municipal.17

Figura 1.14: Montagem de imagens internas a Favela da Rocinha. Fonte: DAVIS, 2006.

17 Considerações da autora.

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1.3.1 Favela: uma modalidade de assentamento precário

Embora o termo assentamento precário seja uma forma de generalizar o conceito de

ocupação territorial informal, a discussão desta dissertação dá ênfase ao tipo de

ocupação denominada favela18 (Figura 1.15).

Para Pasternak (2008) falar de favela é falar da grande cidade no Brasil desde a virada

do século XX. Essa autora reforça que embora a favela tenha surgido como uma marca

da cidade do Rio de Janeiro, ela já se fazia presente no século XX em diversas cidades

brasileiras, como Salvador, Recife, Belo Horizonte, e, mais tarde, em São Paulo e em

Brasília19 entre os anos de 1960 e 1970.

Diversos autores (ABREU, 1994; PASTERNAK, 2008; VALLADARES, 2009, dentre

outros) apontam que o termo favela remete-se à planta favella, comum na região da

aldeia de Canudos20, de onde os soldados do exército brasileiro partiram ao final da

batalha de mesmo nome, e foram instalar-se no Morro da Providência no Rio de Janeiro.

Abreu (1994, p. 35) aponta que o nome então se tornou comum para este tipo de

assentamento e genérico apenas a partir de meados do século XX, quando passa a se

referir a um “habitat” pobre, de ocupação irregular e ilegal, em geral nas encostas e não

mais exclusivamente ao Morro da Favella (Morro da Providência). (Figura 1.16)

A favela associa-se diretamente à vulnerabilidade e à precariedade urbana. Pasternak

(2008, p.78) define a favela como um assentamento que “concentra domicílios com

elevado grau de carências, tanto em relação à oferta de serviços públicos, como em

relação a padrões urbanísticos e de moradia”.

18 Em Os Sertões, a palavra FAVELA tem acepção meramente geográfica, o autor assim escreve: “Todas traçam, afinal, elíptica curva, fechada ao sul por um morro, o da favela, em torno de larga planura ondeante onde se erigia o arraial de canudos – e daí, para o norte, de novo se dispersam e decaem até acabarem em chapadas altas à borda do São Francisco. Muitos se perdiam no inextricável dos becos. correndo no encalço do sertanejo em fuga, topavam, de súbito, na frente, desembocando numa esquina, cerrado magote de inimigos”. (CUNHA, 2010) 19 Para maior aprofundamento, Pasternak recomenda o livro organizado por Alba Zaluar (2006) “Um século de favela” e o livro de Licia Valladares (2009), “A invenção da favela”. 20 A Guerra de Canudos ou Campanha de Canudos, também chamada de Guerra dos Canudos, foi o confronto entre o Exército Brasileiro e integrantes de um movimento popular de fundo sócio-religioso liderado por Antônio Conselheiro, que durou de 1896 a 1897, na então comunidade de Canudos, no interior do estado da Bahia, no nordeste do Brasil.

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Figura 1.15: Imagem Aérea da Favela Rocinha. Fonte: Jornal O GLOBO, Rio de Janeiro.

Figura 1.16: Imagem do Morro da Providencia em 1968. Fonte: Arquivo Nacional. Fotografo Pinto. Acervo Correio da Manhã, disponível em:< www.favelatemmemoria.com.br>

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Na definição adotada oficialmente pela ONU em Nairóbi no ano de 2002, publicado no

relatório The Challenge of Slums (UN-HABITAT 2003), favela seria o excesso de

população, de habitações pobres ou informais, com acesso inadequado à água potável,

sem instalações sanitárias e insegurança da posse da moradia. Esta definição restringe-

se às características físicas e de legalidade da terra do assentamento, evitando ainda as

dimensões sociais.

Em definição publicada pela Prefeitura Municipal de São Paulo - PMSP (2010) as favelas

são núcleos habitacionais precários, com moradias autoconstruídas, formadas a partir da

ocupação de terrenos públicos ou particulares.

A ocupação associa-se a problemas da posse da terra, elevados índices de precariedade

ou ausência de infraestrutura urbana e serviços públicos com baixos níveis de renda da

população.

Favelas, segundo a conceituação oficial do IBGE21 adotada em 1950, são:

Aglomerados subnormais que possuíssem, total ou parcialmente, as seguintes características em relação aos seguintes aspectos: 1) Tipo de habitação predominância de casebres ou barracões de aspecto rústico, construídos principalmente com folha de flandres, chapas zincadas ou materiais similares; 2) Condição jurídica da ocupação construções sem licenciamento e sem fiscalização, em terrenos de terceiros ou de propriedade desconhecida; 3) Melhoramentos públicos - ausência, no todo ou em parte, de rede sanitária, luz, telefone e água encanada; área não urbanizada, com falta de arruamento, numeração ou emplacamento; 4) Proporções mínimas, agrupamentos prediais ou residenciais formados com número geralmente superior a cinquenta. (GUIMARÃES, 1953 apud PASTERNAK, 2008, p.79)

Esta definição é usada até hoje pelo IBGE, embora as tipologias de habitação tenham se

alterado bastante. É bastante difícil encontrar atualmente uma favela onde as moradias

na sua totalidade sejam barracos de aspecto rústico, construídos com uma mistura de

materiais, como apontava o IBGE naquela ocasião. Em geral, a maioria das moradias é

construída em alvenaria e as ocupações se apresentam de certa forma consolidadas na

cidade, embora predominem as demais características definidas pela falta de ordenação

urbanística e condição jurídica. (Figura 1.17)

No âmbito dos estudos do IBGE, os aglomerados subnormais (favelas) são computados

apenas a partir de 50 barracos22.

21 Guimarães, 1953 (apud Preteceille e Valladares, 2000) aponta que foi em 1950 o IBGE decidiu pela primeira vez incluir a favela na contagem de população. Pasternak (2008) enfatiza que nas publicações para São Paulo, entretanto, apenas em 1980 dados específicos apareceram.

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Já as pesquisas municipais do Rio de Janeiro e São Paulo utilizam diversos outros

parâmetros e critérios (considerando um número menor de barracos), mas em geral

computam as ocupações a partir da irregularidade de propriedade da terra, seja a

ocupação em áreas vazias públicas ou privadas, bem como das áreas de proteção

ambiental.

Pasternak (2008) destaca ainda que os vários critérios frequentemente utilizados para

distinguir favelas dos outros tipos de moradia, se aplicam apenas parcialmente. Em cada

país, em cada caso específico, o termo adotado pode ser o mesmo, mas uma ou outra

característica é distinta. Para a autora, a variável mais adequada à definição de favela

seria em relação ao estatuto jurídico da terra, que utiliza o tipo de ocupação, se invadida

ou comercializada; e à qualidade da densidade do hábitat, se individual ou coletivo, para

diferenciar as favelas de outros assentamentos precários. Melhor dizendo, as favelas

seriam identificadas pela invasão coletiva da terra com moradias individuais ou com a

invasão de unidades inacabadas; já cortiços e loteamentos irregulares teriam a ocupação

através da comercialização da terra. (Ibidem, p. 112)

Como afirmam Leeds & Leeds (1978, p.12, apud PASTERNAK, 2008)

O único critério uniforme que distingue as áreas invadidas dos outros tipos de moradia é o fato de constituírem uma ocupação ‘ilegal’ da terra, já que sua ocupação não se baseia nem na propriedade da terra nem no seu aluguel aos proprietários legais.

Guimarães (2000, apud, PASTERNAK, Ibidem, p. 82) lembra que em Belo Horizonte, um

levantamento elaborado pela prefeitura, a partir dos setores censitários ocupados por

favelas, que corrigiu os dados indicados no CENSO, reforça a afirmação de que o

elemento definidor da favela é a ilegalidade da propriedade.

A maioria da população de favelas vive em regiões metropolitanas, fato que leva à

afirmação de que o “fenômeno favela é metropolitano”. (DENALDI, 2003. p. 42) No Brasil,

78% dos domicílios em favela estão localizados em nove regiões metropolitanas do país,

predominando as regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro, com 75,4% e

92,3%, respectivamente. (TASCHNER, 1999).

22 O IBGE considera aglomerado subnormal um setor censitário quando nele existem cinquenta ou mais casas faveladas contíguas. (GUIMARÃES, 2000, pag. 353 apud PASTERNAK, 2008). Em geral, as pesquisas apontam inconsistências em relação à mensuração das favelas nas cidades brasileiras.

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Segundo Valladares (PASTERNAK, 2008.), as favelas localizam-se em geral em zonas

pobres, mas não são uniformes e não são as únicas na aglomeração urbana que

apresentam tais características sociais. Portanto, não devem ser considerados espaços à

parte, com tratamento diverso da cidade.

Os favelados não são um enclave separado. Incorporam-se ao mundo econômico. São consumidores de produtos industriais – novos e usados - e consumidores de serviços. [...] Trata-se de uma população com poder aquisitivo reduzido, mas completamente integrada à vida urbana. (Ibidem, p. 104)

Apesar de não existirem estudos aprofundados sobre a heterogeneidade da população

da favela e a diversidade social dentro e entre as favelas, Pasternak (Ibidem. p. 105)

considera que tratar o espaço da favela como homogêneo seria um “mito”.

Ao contrário do que possa parecer a quem percorre pela primeira vez uma favela, a

organização espacial possui uma lógica e diretriz de ocupação muito peculiar. A

ocupação e a construção das áreas obedecem a critérios intuitivos, mas que podem ser

identificados. Um importante critério é a configuração morfológica23 do território ocupado

(Figura 1.18). A distância dos acessos aos pontos de tomada d’água e a proximidade

entre as famílias e conhecidos é outro critério. Por último, o critério da ocupação da terra

vazia. Em geral, as favelas localizam-se nas terras vazias, as que “sobram” e que muitas

vezes são aquelas que margeiam os córregos ou nas costas mais altas dos morros.

De um modo geral, a ocupação dos morros ou encostas acontece de maneira

progressiva, em princípio, sendo ocupadas as áreas de difícil acesso, de cima para baixo.

Com o passar do tempo as ocupações descem os morros à procura de infraestrutura e

facilidade de acesso. Sob o ponto de vista morfológico, o sistema viário é caracterizado

por uma maioria de vias de pedestres, salvo algumas exceções, de diminuta largura e

com grandes inclinações, onde são improvisadas escadas e rampas sem seguir as regras

técnicas básicas, seguindo somente as possibilidades e disponibilidades de mão-de-obra

e material, além da necessidade da circulação.

As vias onde é possível trafegar com veículos também não possuem configuração

totalmente adequada, ou melhor, dentro dos parâmetros e regras técnicas estabelecidos

para tal função.

23 Entende-se por configuração morfológica o conjunto de elementos físicos que formam a ocupação, tanto os naturais quanto os construídos.

urbanização e assentamentos

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A classificação e a hierarquia viária não existem efetivamente: circula-se de qualquer

maneira e em qualquer direção, independente da inclinação, largura ou tipo de

pavimento. Nem sempre o sistema viário é claro e dá acesso, ou permeia o conjunto

completamente. Em geral, nas ocupações em encostas, as vias carroçáveis chegam

somente no primeiro trecho do assentamento, sendo o restante do trajeto realizado a pé

ou por meio de motocicletas. (Figura 1.19)

A diferenciação entre os espaços públicos e privados praticamente inexiste. Quando

raramente existem espaços de uso comunitário, seus limites também não se apresentam

claros. As atividades se misturam, o comércio e as atividades domésticas podem ser

encontrados num mesmo espaço, numa mesma rua, como, por exemplo, as conhecidas

“biroscas” 24 e os varais de roupas das famílias, independente do espaço físico

disponível.

A Paris retratada no filme O Perfume 25, mostra imagens que se assemelham às das

favelas, onde as atividades domésticas e comerciais se misturam e onde a diferenciação

entre o espaço público e o privado praticamente inexiste. A atividade doméstica avança

sobre a rua e as comerciais sobre as casas.

Invariavelmente os acessos às moradias se misturam no sistema viário com as calçadas

e as estruturas de sustentação das construções, tornando-se, por vezes, obstáculos à

circulação tanto de pedestres quanto de veículos.

Outra característica peculiar é a densidade construtiva, onde se pode observar que a

preocupação com o distanciamento entre as edificações, para a aeração, por vezes

inexiste. Cada milímetro quadrado é utilizado, não restando sobras de terreno. Este fator

contribui para a insalubridade e a dificuldade da implantação adequada de infraestrutura

de saneamento ambiental. São exemplos dessa configuração: os Morros dos Urubus,

Dona Marta; Morro dos Prazeres/Escondidinho; Morro da Providência, dentre outras

favelas localizadas no Rio de Janeiro que ocupam encostas densamente construídas,

confinadas, com número reduzido de acessos26.

24 As biroscas são pequenos espaços utilizados para o comércio de produtos de diversas naturezas, por vezes estão inseridos no corpo da moradia ou em espaços remanescentes da ocupação do solo. Considerações da autora. 25 O Perfume, cujo titulo original é The Story of a murderer, é um filme lançado em 2006, que teve a direção de Tom Tykwer, baseado no livro homônimo de Patrick Suskind publicado em 1985. 26 Esta parte do texto apresenta considerações da autora elaboradas a partir observação e avaliação das ocupações estudadas e em visitas, durante a prática profissional no Gerenciamento do Programa Favela Bairro entre os anos de 1997 e 2000 e do Programa de Urbanização de Favelas de 2006 até a presente data em Osasco.

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Já em São Paulo, os exemplos mais característicos de adensamento e precariedade nos

acessos e na circulação são as favelas de Paraisópolis e a de Heliópolis. Esta última é a

maior favela do município e, embora ocupe um terreno mais plano no geral, com vários

acessos, é tão densa quanto às outras favelas brasileiras. Encontram-se também em São

Paulo as ocupações em trechos de terra em fundos de vale, dentro das faixas reservadas

as instalações das redes de energia e de oleodutos, bem como a beira das rodovias.

Figura 1.17: Vista da favela para a cidade. Fonte: Imagem de capa KOWARICK, 2009.

Figura 1.18: Imagem do Assentamento Colinas do Oeste. Fonte: Arquivo de Projeto e Obras da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano de Osasco – SP, 2006.

Figura 1.19: Imagem aérea da Favela do Andaraí.

Fonte: CONDE E MAGALHÃES, 2004

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1.3.2 Dados recentes das favelas nos grandes centros urbanos brasileiros

De um modo geral, quase a metade da população brasileira que reside em centros

urbanos convive com a deficiência na infraestrutura de saneamento básico e no

atendimento dos serviços públicos, não sendo apenas característica exclusiva dos

assentamentos precários, nem tampouco das favelas. Indicadores urbanos do Censo

Demográfico do IBGE de 1991 apontavam para o número absoluto das carências

habitacionais naquela ocasião: 10,17 milhões de domicílios não estavam conectados à

rede de água, 5,4 milhões dos domicílios urbanos não eram atendidos por coleta de lixo

urbano e 16,5 milhões não dispunham de instalações sanitárias adequadas.

Segundo o relatório brasileiro da II Conferência Habitat realizada em 1996 em Istambul,

desde meados dos anos de 1970, no Brasil, a realidade de uma grande parcela da

população já estava marcada pelas dimensões da exclusão, do agravo do risco, da falta

de informação e de educação sanitária e ambiental.

Em 2000, embora 89,8% dos domicílios do Brasil, segundo dados do Censo do IBGE,

encontravam-se ligados à rede geral de água, observavam-se, porém, problemas

crônicos relacionados à perda de água na distribuição (as cidades perdiam de 30 a 65%

da água do sistema de distribuição); irregularidade no abastecimento, principalmente nas

periferias; a falta de racionalização de uso da água em nível doméstico e industrial,

dentre outros.

Em relação ao esgotamento sanitário a situação ainda é mais crítica, uma vez que, em

2000, apenas 56% dos domicílios urbanos do Brasil encontravam-se conectados à rede

de esgotamento sanitário. O principal problema relacionado ao esgotamento sanitário é a

falta de tratamento de esgoto: grande parte das cidades brasileiras não trata o esgoto,

principalmente o doméstico, lançando os efluentes na rede de drenagem de águas

pluviais. Estes escoam pelos rios urbanos contaminando e reduzindo a qualidade da

água a ser consumida, criando potenciais riscos à saúde da população.

A Fundação João Pinheiro aponta que, entre os anos de 1991 e 2000, o déficit

habitacional brasileiro cresceu de 5,4 milhões em 1991 para 6,5 milhões em 2000,

abrangendo um contingente aproximado de 20,3 milhões de pessoas e concentrando-se

nas famílias de menor renda: 83,2% em famílias com renda mensal de até três salários

mínimos, e apenas 2% em famílias com renda superior a dez salários mínimos mensais.

(DENALDI, 2003)

urbanização e assentamentos

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Além disso, cerca de 15 milhões de famílias já ocupavam, naquela ocasião, domicílios

que não atendiam a critérios “mínimos de habitabilidade”, e a maior parte do “déficit

habitacional qualitativo” se encontrava nas famílias com menor rendimento. (Ibidem)27

(Figura 1.20)

Estudos realizados por Pasternak (2008) sobre favelas, com base em dados

disponibilizados pelo IBGE nos Censos de 1991 e 2000, apontam que o maior número de

assentamentos favelados encontrava-se no estado de São Paulo (1.269 em 1991 e 1.548

no ano 2000), seguido pelos estados do Rio de Janeiro (705 em 1991 e 811 no ano

2000) e Minas Gerais (248 em 1991 e 256 no ano 2000). Essa autora destaca que o

maior número de assentamentos não implica diretamente o maior número de domicílios e

população favelada.

A tabela 1.1 sintetiza os dados do déficit habitacional no Brasil em 2000 e o numero de

domicílios em favelas. As cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, somadas, perfazem

46% do total do déficit habitacional do Brasil, aproximadamente.

TABELA 1.1 - Principais metrópoles brasileiras: Déficit Habitacional e moradias em favelas, 2000

METROPOLES POPULAÇÃO DÉFICIT HABITACIONAL

% DO TOTAL DO BRASIL

DOMICILIOS EM FAVELAS

% DO TOTAL DO BRASIL

São Paulo 17.878.703 596.232 9,0 416.143 25,2 Rio de Janeiro 10.710.515 390.805 5,9 349.183 21,2 Recife 3.337.565 191.613 2,9 57.723 3,5 Belo Horizonte 4.357.942 155.645 2,3 107.212 6,5 Salvador 3.021.572 144.767 2,2 65.443 4 Fortaleza 2.984.689 163.933 2,5 84.609 5,1 Brasília 2.952.276 146.667 2,2 8.246 0,5 Belém 1.795.536 117.004 1,8 130.951 7,9 Porto Alegre 3.718.778 116.010 1,7 53.447 3,2 Manaus 1.405.835 93.952 1,4 39.505 2,4 Curitiba 2.768.394 75.668 1,1 42.854 2,6 Total 54.931.805 2.192.296 32,90 1.355.316 82,10

Fonte: Maricato, 2006.

Desde os anos 1980, o número de habitantes em favelas tem sido expressivo e

crescente. Considerando a taxa média de 04 habitantes por domicílios nas favelas em

1980, o Censo do IBGE registrou 480.595 domicílios, o que correspondia a 1,89% dos

domicílios brasileiros; em 1991 este número sobe para 1,14 milhões de domicílios em

favelas, representando 3,28% do total dos domicílios brasileiros. Em 2000 o número de

domicílios passa a ser cerca de 1,65 milhões, 3,04% dos domicílios do país.

27 Segundo Denaldi (2003) a Fundação João Pinheiro relaciona os critérios mínimos de habitabilidade com os padrões construtivos, de disponibilidade de infraestrutura urbana e legalidade de ocupação da terra para a definição do déficit qualitativo.

urbanização e assentamentos

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TABELA 1.2 - Brasil. Domicílios totais e favelados, por grande região, 1980, 1991 e 2000

Região Domicílios totais Domicílios favelados 1980 1991 2000 1980 1991 2000

Nort e 1.219.496 2.376.607 3.353.764 12.721 97.760 178.326

Nordeste 8.036.803 10.920.830 13.911.413 69.974 286.130 306.395

Sudeste 13.761.346 18.839.621 24.699.909 357.330 675.846 1.038.608

Sul 4.826.030 6.598.962 8.509.284 30.077 73.325 110.411

Centro Oest e 1.812.176 2.657.621 3.791.248 10.493 11.257 16.808 Brasil 29.657.831 41.395.632 54.267.618 480.595 1.141.324 1.650.548

Fonte: Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000. Organizado por PASTERNAK, 2008.

Na tabela 1.2 o número de domicílios em favelas está distribuído nas grandes regiões do

país. Observa-se que a Região Sudeste concentra desde 1980 o maior número de

domicílios. Os domicílios em favelas nesta região somavam 74% no ano 1980. No ano

2000 este número baixa para aproximadamente 62% do total de domicílios em favelas.

Em segundo lugar, fica a Região Nordeste com aproximadamente 19% dos domicílios em

favelas, seguida pelas regiões Norte, Sul e Centro Oeste, com 10%, 7% e 1%

respectivamente.

Segundo dados do IBGE para os Censos de 1980, 1991 e 2000, a taxa de crescimento

dos domicílios favelados supera a taxa total de crescimento domiciliar: entre os anos de

1980 e 1991 o crescimento de domicílios favelados foi de 7,65% ao ano; e entre os anos

de 1991 e 2000, de 4,18% ao ano; a taxa crescimento domiciliar, porém, entre os anos de

1991 e 2000 foi de 2,8% ao ano. Em 2000, cerca de 3% da população brasileira residia

em favelas.

O município do Rio de Janeiro, no ano 2000, de acordo com os dados do Censo de 2000,

concentrava cerca de 11% da população habitando nas favelas. Mas Valladares (2009)

aponta divergências entre dados do IBGE e os dados levantados pelo Instituto Pereira

Passos (IPP), da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, que indica que, em 1950, a

população favelada representava cerca de 7% da população do município, passando

para 18,7% em 2000 – dados superiores aos apontados pelo IBGE.

Pasternak (2008) trabalha os dados do censo para a cidade de São Paulo também

apontando divergências entre as estáticas do IBGE e de outras pesquisas realizadas pela

prefeitura. Essa autora conclui que qualquer que seja a estatística utilizada, a população

das favelas tem crescido com taxas superiores às da população do município como um

todo. Considera ainda que a população residente em favelas em São Paulo cresce muito

na periferia.

urbanização e assentamentos

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Ela compara esses dados com as taxas de crescimento do município: a taxa de

crescimento da população favelada, na área em que ela denomina de anel periférico, era

de 3,98% ao ano entre 1991 e 2000, enquanto a taxa de crescimento da população total

do município de São Paulo era de 2,71% anual, no mesmo período. Ainda segundo essa

autora, certos distritos da cidade, como a Vila Andrade na Zona Sul (que abriga grandes

favelas como Paraisópolis), em 1991 tinha 42,73% da população vivendo em favelas.

Dados do último Censo Demográfico do IBGE em 2010, publicados ainda de forma

preliminar, apontam para uma população urbana do Brasil que atinge 86,62% do total,

160.879.708 milhões de habitantes em números absolutos. O numero de habitantes

residente em favelas, os setores subnormais, como são identificadas pelo IBGE, ainda

não foram divulgados para o Censo de 2010.

As especificidades das favelas dos municípios do Rio de Janeiro e São Paulo, escolhidos

para estudos de caso, serão discutidas respectivamente nos capítulos 3 e 4.

Figura 1.20: Vista da ocupação urbana da sub-bacia Billings no distrito do Grajaú. Fonte: Pesquisa CNPq – ALVIM, 2009, cedida por Maria Teresa Diniz – SEHAB/PMSP.

urbanização e assentamentos

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2 ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS E POLÍTICAS PÚBLICAS: A

URBANIZAÇÃO DE FAVELAS COMO UM DIREITO À CIDADE

A intensa urbanização ocorrida durante o século XX, aliada às ações do poder público

para o embelezamento e modernização das áreas centrais e à tímida atuação no setor

habitacional, entre outros, contribuíram para o crescimento e adensamento informal de

assentamentos precários em diversas áreas das cidades brasileiras.

Na República Velha (1889-1930) não havia preocupação com questão da habitação, com

a predominância de ações públicas voltadas ao embelezamento das áreas centrais e a

definição de regras de edificação ligadas à higiene e a salubridade. É a partir da década

1930, no chamado Estado Novo (1937-1945), que o governo passa a prover a habitação

popular, em função da intensa demanda social advinda do processo de urbanização.

No entanto, enquanto o Estado define a localização da habitação social, por meio da

construção de conjuntos habitacionais distantes das áreas centrais, a intensidade de

crescimento populacional nas cidades, principalmente a partir da década de 1950,

combinado com o processo de industrialização do país, acentua as disparidades sociais e

territoriais. Paralelamente, a política predominante em relação aos assentamentos

precários, era a de remoção. As favelas, vistas como um entrave ao modelo de

desenvolvimento urbano pretendido, eram removidas e seus moradores levados para

conjuntos habitacionais construídos que, por sua vez, não davam conta de atender a

crescente demanda.

assentamentos e políticas públicas

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A partir da década de 1980, programas e ações para a urbanização de favelas entram na

agenda da política nacional. Principalmente com a Constituição Federal de 1988, com a

democratização do País, a urbanização de favelas passa a fazer parte da agenda das

políticas públicas urbanas em diversos municípios brasileiros.

Este capítulo busca apresentar o percurso das políticas no setor habitacional após a

implantação da Constituição Federal de 1988, com destaque para aquelas voltadas à

urbanização de favelas. Para tanto, faz-se necessário na primeira parte do capítulo

entender o que é o direito à cidade, conceito implícito nos objetivos dos projetos de

urbanização de favelas. Na segunda parte do capítulo sintetizamos o percurso das

políticas habitacionais para apresentar os marcos legais da política urbana no Brasil,

advindas com a Constituição Federal, que definiu um conjunto de instrumentos

urbanísticos voltado para a atuação e reconhecimento destes territórios no meio urbano.

assentamentos e políticas públicas

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2.1 DO DIREITO À MORADIA AO DIREITO À CIDADE

A questão da moradia adequada já vinha sendo discutida desde o início do século XX,

frente à crescente urbanização das cidades européias e a crise habitacional que se

acentuou principalmente após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Em novembro de 1933, a habitação foi um dos temas centrais dos Congressos

Internacionais de Arquitetura Moderna - CIAM que defendiam a arquitetura como um

potencial instrumento político e econômico, que deveria ser usado pelo poder público

como forma de promover o progresso social e resolver a eminente crise habitacional da

época (HALL, 2002).

Mesmo defendendo que a solução para as cidades seria reconstruí-las do “zero”, ou

melhor, a partir do esquecimento e do arrasamento das estruturas existentes, a questão

da moradia adequada foi amplamente discutida pela Carta de Atenas, documento

resultante da assembléia do IV Congresso Internacional de Arquitetura. Nessa ocasião,

arquitetos e urbanistas já discutiam os problemas do déficit habitacional na Europa e

consideravam que o provimento da habitação seria de responsabilidade do poder público.

Em 1933, na cidade de Atenas, Grécia, é realizado o IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna - CIAM, que resulta em um manifesto urbanístico que expressa o pensamento sobre o meio urbano na época. A Carta de Atenas, como foi chamado este documento, trata as cidades sob o ponto de vista de arquitetos, que reunidos, buscam responder aos problemas urbanísticos causados pelo rápido crescimento das cidades. A Carta, de modo geral, analisa o estado atual e crítico das cidades, propondo aspectos que deveriam ser respeitados para a melhoria da estrutura urbana. (GALBIERI, 2008)

No âmbito da Carta de Atenas foram estabelecidos parâmetros para a melhoria da

qualidade das habitações precárias, enfatizando aspectos que deveriam ser alterados:

Insuficiência de superfície habitacional por pessoa; Mediocridade das aberturas para o exterior; Ausência de sol; Vetustez e presença permanente de germes mórbidos (tuberculose); Ausência ou insuficiência de instalações sanitárias; Promiscuidade proveniente das disposições internas da moradia, da má orientação do imóvel, de presença de vizinhanças desagradáveis. (CIAM, 1933. Segunda Parte - Estado Atual Crítico das Cidades – Habitação - Observações.)

Mesmo não sendo o foco da presente pesquisa o aprofundamento sobre os preceitos da

Carta de Atenas sobre a questão da habitação, é importante destacar a intensa

participação dos arquitetos na discussão sobre as condições das cidades e das moradias

naquele momento, muito embora predominasse uma visão ligada à remoção da

precariedade, que acabou por influenciar diversos países, inclusive o Brasil.

assentamentos e políticas públicas

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O direito à moradia adequada terá origem na Declaração Universal dos Direitos Humanos

de 1948, quando se tornou um direito humano universal, aceito e aplicável em todas as

partes do mundo como um dos direitos fundamentais para a vida das pessoas. No

sentido amplo, moradia deveria ser entendida não somente como um abrigo frente às

intempéries, mas como o lugar do reconhecimento da cidadania.

[...] casa de um homem é não apenas o lugar de que ele tem a chave, a posse, mas o elemento que marca pelo qual o lugar que ele ocupa na cidade. A moradia de um homem referenda seu pertencimento à cidade e sua cidadania e, portanto, os direitos e deveres que ali lhe competem [...] (CRITELLI, 2003. n. p.)

Embora na ocasião da Declaração de Direitos Humanos Universais o conceito de direito

à moradia se mostrar amplo, abarcando inúmeros elementos que não só o abrigo das

intempéries, este conceito foi ampliado e atualizado ao longo de décadas e evoluindo

para o conceito de Direito à Cidade na década de 2000.

Para atualizar o alcance e a abrangência do conceito de moradia adequada, utilizaremos

aquele discutido pela Relatoria Especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para

o Direito à Moradia Adequada1. Nesta, considera-se que a moradia adequada deva incluir

alguns elementos considerados importantes, sendo remetidas, em grande parte, às

moradias construídas no ambiente urbano formal. São eles:

• Uma condição de ocupação estável , ou seja, morar em um local sem o medo de remoção ou de ameaças indevidas ou inesperadas;

• Acesso a serviços, bens públicos e infra-estrutura , como energia elétrica, sistema de esgoto e coleta de lixo;

• Acesso a bens ambientais , como terra e água, e a um meio ambiente equilibrado;

• Moradia a um valor acessível ou com subsídios ou financiamentos que garantam custos compatíveis com os níveis de renda;

• Boas condições de habitação, respeitando um tamanho mínimo, com proteção contra frio, calor, chuva, vento ou outras ameaças à saúde, riscos estruturais e suscetibilidade a doenças;

• Acesso prioritário à moradia para grupos em situação de vulnerabilidade ou desvantagem;

• Localização adequada , com acesso a médicos e hospitais, escolas, creches e transporte, em áreas urbanas ou rurais;

1 Disponível em: <http://direitoamoradia.org/pt/conheca/implementando-o-direito-a-moradia>. Acesso em 24/08/ 2010.

assentamentos e políticas públicas

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• Adequação cultural , construída com materiais, estruturas e disposição espacial que viabilizem a expressão da identidade cultural e a diversidade dos vários indivíduos e grupos que a habitam. (DIREITO A MORADIA, 2004, n. p.)

Os anos de 1990 marcaram o reconhecimento do protagonismo da cidade, onde diversos

eventos significativos no âmbito mundial irão discutir a questão da moradia no meio

urbano. Se por um lado as cidades representavam, na ocasião, um quadro crítico e

problemático, uma vez que a “quinta parte da população mundial encontrava-se sem

moradia nem acesso a infraestrutura básica”, por outro lado, as cidades passam a

representar a alternativa dinâmica, positiva e competitiva para o desenvolvimento

humano e social (ALVIM, 2009).

No âmbito da II Conferência Mundial dos Assentamentos Humanos, o Habitat II, ocorrida

em 1996 em Istambul, na Turquia, dois importantes objetivos contribuíram para ampliar o

conceito para o Direito à Cidade: Moradias Adequadas para Todos e Desenvolvimento de

Assentamentos Humanos Sustentáveis num mundo em urbanização.

A Agenda Habitat II2, resultado desta Conferência, estabeleceu um conjunto de diretrizes

políticas e compromissos entre os governos de diversas nacionalidades, visando

melhoria das condições de moradia nas áreas urbanas e rurais, e estabeleceu como

princípio fundamental a completa realização do direito à habitação adequada e,

consequentemente, o direito à cidade.

Apenas no início do século XXI, é que de fato o direito à cidade passa a ser uma palavra-

chave que irá nortear e articular as proposições urbanísticas em prol de um ambiente

urbano com qualidade.

A Carta Mundial do Direito à Cidade (2004), do Fórum das Américas3, define o direito à

cidade “como o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios da sustentabilidade

e da justiça social”. Segundo o documento, o direito à cidade refere-se ao:

[...] direito coletivo dos habitantes das cidades em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que se conferem legitimidade de ação e de organização, baseado nos usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito a um padrão de vida adequado (Carta Mundial do Direito à Cidade, 2004)

2 A Agenda Habitat, documento aprovado por consenso pelos países participantes do Habitat II, é uma plataforma de princípios que deve se traduzir em práticas por diversos países, entre eles o Brasil, que se comprometeram a implementar, monitorar e avaliar os resultados do seu Plano Global de Ação. (ANTONUCCI et al, 2010) 3 Carta Mundial do Direito à Cidade. Fórum Social das Américas – Quito – Julho 2004; Fórum Mundial Urbano – Barcelona – Setembro 2004; V Fórum Social Mundial – Porto Alegre – Janeiro 2005. Disponível em: <http://www.quintacidade.com/wp-content/uploads/2008/04/carta_mundial_direito_cidade.pdf>. Acesso em: 08 maio de 2009.

assentamentos e políticas públicas

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As políticas habitacionais implementadas no Brasil em diversos momentos,

principalmente entre as décadas de 1960 e 1980, se voltaram para a construção de

moradias visando à redução do crescente déficit habitacional, não importando a

localização, a infraestrutura, a acessibilidade, ou mesmo a proximidade com as áreas de

emprego, entre outros requisitos tão importantes à vida urbana. Anteriormente o direito à

moradia se referia de forma restrita a construção de habitações para a substituição dos

"padrões precários", e, mesmo assim, a demanda não foi plenamente atendida e ao

contrário acentuou o déficit habitacional.

Somente no contexto da democratização brasileira ocorrida nos anos de 1980, quando a

maior parte da população passa residir em centros urbanos e a precariedade das

ocupações se manifesta intensamente, é que o direito à moradia passa a ser entendido e

de forma mais ampla como parte das políticas em curso.

A partir dos anos 1990 algumas políticas inovadoras, principalmente na área de

urbanização de favelas, passam a incorporar os princípios do Direito à Moradia, e

posteriormente aqueles relativos ao Direito à Cidade.

Embora não esteja apresentado literalmente no texto da Constituição Federal de 1988 o

Direito à Cidade aparece delineado no Capitulo II (artigos 182 e 183), aquele que versa

sobre os princípios da política urbana e a função social da propriedade e da cidade,

assuntos estes que serão discutidos no item 2.3. da presente.

É somente na Emenda Constitucional nº. 26, de 14 de fevereiro de 2000, que altera o

artigo XVI da Constituição Federal, é que a moradia passa a ser um direito social. Mesmo

não incluído explicitamente na Constituição, evidencia-se que o direito à cidade e,

consequentemente, à moradia digna, está imbricado com “os demais princípios,

objetivos, direitos e garantias fundamentais expressos, tais como os da erradicação da

pobreza, da dignidade da pessoa humana, da redução das desigualdades sociais e

regionais, entre outros” (ISMAEL, 2009).

Podemos afirmar que em se tratando das favelas, o Direito à Cidade passa pela

qualificação e pela inserção daquelas ao território urbano da cidade, sendo o projeto de

urbanização de favelas um importante instrumento neste sentido.

assentamentos e políticas públicas

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2.2 POLÍTICA HABITACIONAL BRASILEIRA: ANTECEDENTES

A habitação social somente passou a ser objeto de alguma atenção após 1930, no

Governo de Getúlio Vargas (a Era Vargas). Nesta ocasião o então denominado Estado

Novo4 começa a desenvolver políticas de modernização do país, além de tentar ganhar

apoio popular com atendimento de diversos aspectos da vida urbana, inclusive os do

setor habitacional.

Bonduki (2002) afirma que em época anterior, o Estado apenas fixava legislação

normativa e normas de controle sanitário, e era a iniciativa privada diretamente que se

ocupava da construção da moradia, buscando o lucro financeiro através de imóveis de

aluguel. A partir do governo Vargas, a ação pública no setor habitacional ocorreu em

níveis distintos, como a criação de Carteiras Prediais dos Institutos de Aposentadoria e

Previdência - IAPs, em 1938, órgão responsável pela construção e financiamento de

unidades habitacionais. Esse órgão foi a base para a criação da Fundação da Casa

Popular, em 1946, por meio do Decreto-lei n°. 9.218 , no governo do presidente Eurico

Gaspar Dutra. (HONDA, 2011)

Segundo Azevedo e Andrade (1982, p.20, apud ibidem), o governo buscava “angariar

legitimidade e alcançar penetração junto aos trabalhadores urbanos” com a oferta da

casa própria. Os recursos da Fundação dependiam de dotações orçamentárias da União,

e o processo de construção era tanto por empreitada como por administração direta, mas

predominava o primeiro modelo. Esse autor afirma que a população-foco do

financiamento da Fundação não foi definida com exatidão, e os IAPs atuavam em certas

cidades e regiões no território nacional de forma pontual e fragmentada.

No início da década de 1960, durante o governo do Presidente Jânio Quadros, foi

instituído o Plano de Assistência Habitacional, que propunha linhas de ação de curto e

longo prazo, e criado o Instituto Brasileiro de Habitação - IBH. O Plano não saiu do papel

por questões políticas, mas o IBH foi objeto de projeto de lei, visando ocupar lacunas da

política habitacional, e assumiu as atividades da Fundação. O IBH pretendia a

centralização do planejamento, unindo os esforços de todas as entidades públicas e

privadas, e assumindo a responsabilidade por assuntos urbanos de forma geral. O

projeto que o IBH carregava demonstrava a necessidade de encontrar novas soluções

para a política habitacional, combinando as diretrizes nacionais com as peculiaridades

regionais.

4 Estado Novo foi o regime político centralizador e autoritário fundado por Getúlio Vargas em 1937 que durou até 1945.

assentamentos e políticas públicas

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Em 1964, com o regime militar, o sistema vigente foi rejeitado. A antiga política

habitacional foi extinta, e a nova pretendeu, com o propósito de facilitar o acesso à casa

própria por meio da construção de habitações populares e da eliminação das favelas,

auxiliar a recuperação da economia e favorecer a estabilidade social. (Ibidem)

A Lei nº. 4.380 / 64 criou o Banco Nacional da Habitação – BNH como órgão financeiro

inicialmente voltado à definição de uma política habitacional e à criação dos instrumentos

que permitissem sua implementação. A mesma lei criou o Serviço Federal de Habitação e

Urbanismo - SERFHAU, como órgão técnico. O BNH foi criado para gerir o Sistema

Financeiro da Habitação - SFH e para ser o órgão do Sistema Brasileiro de Poupança e

Empréstimo - SBPE, bem como para gerir o Sistema Financeiro do Saneamento – SFS.

Azevedo (1988, apud FEST, 2005, p. 7) cita que a criação do BNH foi uma estratégia

política que serviria para que o governo ganhasse popularidade junto à massa5: nesse

projeto, encontrava-se implícita a ideia de que “a casa própria poderia desempenhar um

papel ideológico importante, transformando o trabalhador, de contestador a aliado da

ordem”.

O modelo SFH/BNH foi um marco jurídico e institucional original, pois reunia num único

órgão a coordenação dos investimentos públicos e privados do setor habitacional,

centralizando no governo federal a formulação de normas referentes à política de

habitação, favorecendo a descentralização executiva. (Ibidem)

Já em 1970 a atuação do BNH, movida pelo alto índice de inadimplência observada –

devido à dificuldade que a população atendida em arcar com os custos do financiamento

–, muda a direção dos financiamentos passando a atender a classe média com

empreendimentos de padrão diferente do popular, elitizando assim o sistema.

A crise habitacional já instalada se intensifica por conta da pífia atuação do SFH na

solução do déficit habitacional observado na época. Os números revelam que, das

unidades construídas no país entre os anos de 1964 e 1986, somente 26% foram

financiadas pelo BNH até o ano de sua extinção. Deste total financiado somente 33% das

habitações era para a população de baixa renda, sendo, deste montante, 5,9%

destinados a famílias de renda de até três salários mínimos, num total de 250 mil

unidades, em números absolutos. (DENALDI, 2003).

5 Entende-se por massa um grande número de pessoas, em geral a população de baixa renda.

assentamentos e políticas públicas

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Em 1974 o BNH retomou as ações para a construção de habitação popular, motivado

pela reivindicação da população, da crise econômica que se instalava no país nesta

época, e da pressão advinda da indústria de materiais de construção. (Ibidem)

Programas foram criados para atender a população de baixa renda, destacando-se o

Programa de Lotes Urbanizados - PROFILURB e o Programa de Erradicação de Sub-

Habitações - PROMORAR.

O PROFILURB em 1975 viabilizou a destinação de lotes urbanizados para famílias com

renda de zero a três salários mínimos. Até o ano de 1980 entregou 43 mil lotes em todo o

país. Já o PROMORAR em 1979 foi um avanço na atuação junto às favelas, segundo

Denaldi (Ibidem), representando um marco na mudança de postura do Governo Federal

frente à problemática. Foi o primeiro programa a considerar a consolidação das

ocupações dessa natureza como alternativa habitacional nas cidades, implantou

infraestrutura urbana, substituindo as moradias precárias por unidades de 25 m²,

executadas em alvenaria, por empresas construtoras de capital privado, financiando até

1984, 206 mil unidades em todo o Brasil.

Pasternak (1997) indica que, quando o PROMORAR foi interrompido, a produção de

unidades caiu durante os anos de 1980. Foram construídas 284 mil unidades no início da

década, caindo para 44 mil em 1986 e 15 mil em 1991. Diante do déficit habitacional que

já existia no Brasil, naquela ocasião, os efeitos destes programas foram pífios e mais

serviram à propaganda política eleitoral do que, efetivamente, para sanar os problemas

relacionados às favelas.

Em 1986 as ações para a melhoria das condições de vida nas favelas não eram

prioridade, e, portanto a destinação de recursos retoma a lógica clientelista, ou seja, eram

atendidas aquelas onde haveria algum retorno político6. Desta forma, entre os anos de

1985 e 1990 foram criados programas com a bandeira de apoio nacional para as favelas,

mas que atendiam através de mutirões, de forma paliativa e pontual. Destaca-se o

Programa Nacional de Mutirões Habitacionais, coordenado pela Secretaria de Ação

Comunitária – SEAC, que contava com recursos inclusive das administrações municipais

para atender famílias com renda de até cinco salários mínimos, e que financiou 550 mil

unidades. (op. cit.)

6 Entende-se por clientelismo a prática política de troca de favores, onde os eleitores são considerados como clientes. O Político traça seus projetos em função de interesses ou acordos com grupos e ou eleitores próximos, para obter votos.

assentamentos e políticas públicas

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Apesar das várias ações do poder público, relacionadas ao provimento de unidades

habitacionais no Brasil, a criação do Sistema Financeiro de Habitação e dos programas

definidos no âmbito do BNH, não foi capaz de amenizar o quadro de crise que se instalou

e que perdura até os dias de hoje.

A produção de unidades habitacionais diminutas em locais com péssimas condições de

permanência, ou seja, sem infraestrutura de saneamento básico, sem acesso aos bens e

serviços públicos, distante dos núcleos urbanos mais estruturados, contribuiu para

intensificar a degradação das áreas mais centrais e, consequentemente, induzindo o

adensamento das favelas na cidade, naquelas localidades onde havia a oferta de

trabalho e empregos, gerando ambientes construídos precários.

O padrão das intervenções no setor habitacional atribuídas ao BNH priorizou soluções

genéricas em detrimento de elementos essenciais, mas considerados irrelevantes ao

processo de provisão habitacional naquele momento. Diversos conjuntos habitacionais

foram construídos nos últimos anos, da mesma forma e com metodologia, segundo o

mesmo modelo difundido pelo Sistema Financeiro da Habitação, em várias cidades do

país – sem que fossem observadas as condições urbanas, tanto a respeito da

acessibilidade, do acesso aos centros estruturados, quanto dos aspectos relacionados ao

ambiente natural e a cultura das populações locais.

Pode-se afirmar que durante duas décadas a política habitacional atendeu somente a

demanda gerada pelas remoções das ocupações indesejáveis, as favelas, deslocando as

populações para conjuntos habitacionais construídos em áreas distantes dos centros,

transformadas em verdadeiras cidades dormitórios. Esse tipo de ocupação também gerou

a precarização das ditas localidades, uma vez que nem sempre eram providas de

acessibilidade7, infraestrutura de saneamento básico, de bens, serviços e programas

públicos; e sua população de baixo poder aquisitivo, sem capacitação para a vida em

condomínios e sem recursos para a manutenção do bem recebido. Desta maneira

reforça-se a ocupação das periferias e a expansão espraiada do território das grandes

cidades.

Para Pasternak (2008) o Estado do Bem Estar Social vigorou até a década de 1980, o

que significa dizer que os governos regulavam, regulamentavam, planejavam, protegiam

e financiavam o crescimento da área urbana, tendo a habitação como eixo central. As

municipalidades planejavam e muitas vezes construíam, sob a égide da planificação

racional, os grandes conjuntos habitacionais.

7 Entende-se por acessibilidade a disponibilidade de transporte e vias de acesso aos centros estruturados.

assentamentos e políticas públicas

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Essa autora reforça que a política habitacional e o planejamento urbano caminhavam

lado a lado e perseguiam um duplo objetivo: dar lugar a uma ordem espacial e social

racional e construir uma cidadania moderna, em que a população contribuiria para a

melhoria e a educação. Neste discurso havia uma contradição, uma vez que, na prática,

a participação popular se limitava a decisões locais e pontuais, e nem sempre era

acompanhada e esclarecida quanto à atuação dentro dos programas.

A década de 1980 é um marco na mudança da visão sobre as cidades. Dois elementos

importantes modificam o panorama: a participação popular e a questão do meio

ambiente. O problema da habitação nas grandes cidades não é mais o acesso das

massas marginalizadas à moradia, e sim o da proteção dos sítios. (Ibidem)

No período que antecedeu a promulgação da Constituição Federal de 1988 ocorre a

implementação dos programas de mutirões, onde a inserção da atuação da população

frente à problemática habitacional faz aumentar a participação e a mobilização popular. A

partir de então emergem no país as primeiras experiências de urbanização de favelas. A

favela não é mais vista como uma doença incurável do tecido urbano, mas sim parte dele

e que necessita ser integrado ao conjunto da cidade. Para França (2009), a urbanização

de favelas faz parte da construção de um modelo de intervenção do Brasil da década de

1980, alternativo aos padrões estabelecidos pelo governo federal em parceria com

estados e municípios nos anos de 1960 e 1970, por meio do SFH e do BNH.

No início dos anos de 1990, grandes mudanças no panorama mundial trouxeram a

necessidade da abertura dos mercados e da participação social efetiva, impelindo a

configuração de um novo modelo de planejamento que entrou em choque com a ideia da

racionalidade, que regia o formato conhecido até então.

assentamentos e políticas públicas

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2.3 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E AS ALTERAÇÕES NOS RUMOS

DA POLÍTICA HABITACIONAL

No interior do processo de redemocratização do país nos anos de 1980 é retomado o

Movimento de Reforma Urbana, iniciado no período João Goulart – 1963 - e interrompido

no período posterior a 1964, pelo regime militar8. Durante a campanha de elaboração da

nova Constituição Federal, o Movimento Nacional pela Reforma Urbana - MNRU

encaminha à Assembléia Constituinte uma emenda popular contendo milhares de

assinaturas. A crítica e o debate popular à política habitacional indicavam que o governo

federal, até então, não tinha como foco o atendimento às famílias de baixa renda.

Bueno (2000) descreve o panorama brasileiro da política habitacional na década de 1980,

observando que a crise econômica paralisa os financiamentos, inclusive para a COHAB,

e praticamente determina o fechamento do BNH; e lembra que na gestão do Presidente

José Sarney (1985 -1990) foi criada a SEAC, que tinha a atribuição de coordenar os

programas voltados às famílias de baixa renda. Apesar dos números inexpressivos a

respeito do atendimento dos programas implementados por essa secretaria, e dos

equívocos quanto à destinação dos recursos, aparecem neste momento, todavia, novos

atores na construção das políticas habitacionais no país: as prefeituras e as associações

de moradores dos assentamentos precários. Este último se deve à participação da

população organizada nos mutirões para construção de unidades habitacionais que

induziram a organização e a formação destes grupos.

O grande avanço da Constituição de 1988 foi o fortalecimento dos governos locais por

meio da promoção da descentralização político-administrativa. O Município é então

definido como um ente federativo, juntamente com o Estado e a União, e que deve reger-

se por uma Lei Orgânica própria. Ele tem sua autonomia ampliada: política, administrativa

e financeira (artigo 30), sendo então, o principal responsável pela formulação e

implementação das políticas urbanas nas cidades.

O Capitulo II da Política Urbana define as diretrizes básicas para a política urbana

brasileira que todo município deve seguir, especialmente em seus artigos 182 e 183, com

o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a

regularização do território urbano.

8 Embora as questões suscitadas no âmbito da Constituição Federal tenham origem no Seminário Nacional de Habitação e Reforma Urbana realizado em 1963 no Rio de Janeiro, principalmente quanto à participação popular, a mudança de panorama político por conta do golpe militar em 1964 sufoca tais movimentos.

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Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme as diretrizes gerais, fixadas em lei, têm por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes.

O artigo 182 referia-se, então, a questão da atuação dos governos municipais no controle

e na estruturação do desenvolvimento urbano das cidades. Por meio da elaboração do

Plano Diretor, a municipalidade deveria implementar o processo de planejamento,

direcionando o desenvolvimento do território da cidade.

Esse mesmo artigo se encarrega de tratar da questão da propriedade urbana no tocante

à sua utilização, seus limites e o cumprimento de sua função social, atendendo às

exigências de ordenação da cidade, definindo inclusive o poder do Município em

reivindicar, por meio de instrumentação legal, a propriedade urbana quando a mesma

fosse subutilizada, para promover seu adequado aproveitamento.

O artigo 183, em complementação ao art. 182, propicia a configuração de instrumentos

de regularização fundiária de terras urbanas vazias e ocupadas de forma pacífica, a fim

de desestimular o monopólio e a especulação imobiliária.

Art. 183 . Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Para Honda (2011), embora o Município não tenha competência isolada sobre a política

habitacional, uma vez que a habitação faz parte das políticas comuns de

responsabilidade das três esferas de governo (artigo 23)9, a questão da política

habitacional, todavia, passou a ser central e estratégica para o poder local, dado que um

dos seus principais problemas seria a provisão de moradias adequadas à grande parcela

da população.

Nas gestões que se seguiram à do Presidente José Sarney, principalmente após a

Constituição Federal de 1988, os programas do governo federal no setor habitacional

tiveram pouca expressão, devido ao momento político que o país atravessava10.

9 Em seu artigo 23, IX, a Carta Magna brasileira atribuiu à União, Estados e Municípios, a competência comum para “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais [...]”. 10 Bueno (2000) comenta que entre as gestões dos Presidentes Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique surgiram constantes mudanças na estrutura institucional de gestão da questão urbana, habitacional e social; ministérios e secretarias são criados e dissolvidos, programas de habitação social são montados e desmontados ao sabor das mudanças no controle da política nacional.

assentamentos e políticas públicas

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Na gestão do Presidente Fernando Collor (1990-1992) muitos programas habitacionais

foram formatados, mas o único que se destacou foi o Plano de Ação Imediata para

Habitação - PAIH11 que tinha como meta a construção de 245 mil unidades até 1992, e

que, efetivamente, entregou 220 mil em 785 empreendimentos. Mas o desenho das

regras de financiamento criou uma matemática inviável, devido ao alto custo das

unidades, incompatível com seu baixo padrão construtivo.

No governo de Itamar Franco (1992-1994) foram criados os programas Habitar Brasil e o

Morar em Pequenas Comunidades, para urbanização de favelas e construção de

habitações em regime de mutirão, sob responsabilidade dos governos estaduais ou

municipais, com recursos do Orçamento da União, dentre outros, financiados pelo FGTS

para famílias com renda de até oito salários mínimos.

É importante dizer que a formatação e a implementação de programas desta natureza

apesar do ínfimo alcance - 18 mil unidades até 1994 – trouxeram uma nova forma de

entender a política habitacional do país (BUENO, 2000). Algumas prefeituras, somente

neste momento, puderam, por meio da implementação dos programas como o Habitar

Brasil, experimentar e aprimorar os projetos de urbanização de favelas com recursos do

Governo Federal.

No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) o que impressiona,

conforme Bueno (ibidem) é o descompasso entre as metas de cada programa e suas

efetivas realizações.

A Caixa Econômica Federal – CEF 12sofreria um choque de realidade logo nos primeiros meses de 1996 e início do governo de Fernando Henrique Cardoso, uma vez que as cartas de crédito não conseguiram ser aprovadas, por falta de titulação referente à propriedade e pela inexistência de habite-se dos terrenos dos interessados. Como boa inovação, a CEF criou o CONSTRUCARD, para facilitar a compra de materiais para autoconstrução. Por este programa o trabalhador poderia obter financiamento diretamente nos depósitos de material de construção a juros menores que o praticado privadamente, diminuindo assim, também, os custos de transporte. (BUENO, 2000.p.34)

11 [...] Uma inovação positiva do PAIH foi a implementação do PRODEC Programa de Desenvolvimento Comunitário, para avaliação das condições de vida da comunidade residente nos conjuntos habitacionais. (BUENO, 2000. p.33) 12 A CAIXA, como é conhecido o banco criado por Dom Pedro II em 1891, com o propósito de incentivar a poupança e conceder empréstimos sob penhor, tinha a missão de oferecer serviços desta natureza com maiores garantias aos depositantes sem cobrar juros excessivos, que eram praticados por outras instituições na época. Atualmente a Caixa Econômica Federal – CEF tem missão de atuar na promoção da cidadania e do desenvolvimento sustentável do País, como instituição financeira, agente de políticas públicas e parceira estratégica do Estado brasileiro. Disponível em: www.caixa.gov.br. Acesso em: 18 mar.2011

assentamentos e políticas públicas

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Denaldi (2003) salienta que o discurso coincide com as reivindicações dos movimentos

populares, com posições mais progressistas e com propostas que coadunavam com as

esperanças da população mais pobre.

A visão sobre a moradia é amplificada reconhecendo que a habitação é casa e cidade,

portanto não se podia mais ignorar que as favelas eram uma alternativa habitacional,

bem como não se poderia mais pensar a construção de unidades habitacionais

desvinculadas da implantação de infraestrutura de saneamento ambiental e do

atendimento pelos bens e serviços públicos.

Neste momento, o Ministério do Planejamento e Orçamento - MPO é responsável pela

política urbana e habitacional em conjunto com a Secretaria de Política Urbana –

SEPURB.

Os principais avanços da proposta da política nos dois mandatos de FHC, apesar dos

descompassos entre discurso e prática apontados por Maricato (DENALDI, 2003),

seriam: o reconhecimento da cidade ilegal; o novo conceito do déficit habitacional; a

descentralização da operação dos programas governamentais; a diversidade de

programas; o reconhecimento da importância da questão fundiária e urbanística; o

reconhecimento de que o déficit habitacional se concentra nas camadas de renda mais

baixa e o reconhecimento da importância de democratizar a gestão da política

habitacional que foi materializada na criação do Conselho Nacional de Política Urbana13.

Com o apoio da Fundação João Pinheiro em 1997, o Governo Federal redefine o déficit

habitacional no país, tratando de déficit qualitativo e não mais somente de déficit

quantitativo. Desta forma, justificando a necessidade de diversificar as modalidades de

intervenção e da aplicação dos recursos, principalmente oriundos do Orçamento Geral da

União – OGU para as faixas de menor renda, bem como para os programas de

urbanização de favelas.

O conceito de déficit habitacional utilizado no cálculo da demanda por habitação no país

até a década de 1990 era aquele que tratava somente do número de moradias faltantes

para acomodar a população que crescia. A fundação João Pinheiro publicou um trabalho

no ano 2000 que tratava da mudança do conceito do déficit habitacional e, passava a

considerar a inadequação das moradias, o que transformava os números do déficit,

apontando para um panorama diferente do conhecido até então.

13 Para aprofundamento das informações sobre os programas, números e ações no período do governo de FHC ver DENALDI, 2003.

assentamentos e políticas públicas

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Entrava neste contexto o número de moradias instaladas nos assentamentos precários,

ou seja, as favelas, loteamentos e ocupações irregulares existentes no território urbano,

sendo inseridas na contagem do CENSO do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

- IBGE de 2000. O conceito de inadequação se remete à insuficiência de infraestrutura

urbana e do atendimento de bens e serviços públicos, o que significaria dizer que seria

insuficiência de cidade.

Além disso, outro avanço verificado no período foi a descentralização da gestão social

dos recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, que definiu a

alocação de recursos para os municípios dentro dos programas PRO-MORADIA e PRÓ-

SANEAMENTO.

De qualquer forma, muitas mudanças aconteceram na política habitacional brasileira

buscando a redução do papel do Estado e a criação de instrumentos para diversificar e

dinamizar o mercado imobiliário.

Dentre outras importantes ações, no sentido da regularização dos assentamentos

precários, podemos destacar14 aquelas que aconteceram entre os anos de 1993 e 1996

nas diversas regiões metropolitanas do país.

Neste momento, a presença de um expressivo movimento de descentralização das

políticas habitacionais acontecia com grande desigualdade entre os municípios, em

função dos recursos disponíveis. Mesmo assim, existem experiências significativas e

inovadoras no âmbito dessas políticas. São elas:

• A política de urbanização de favelas no município do Rio de Janeiro - com o Programa Favela Bairro;

• As Áreas Especiais de Interesse Social - AEIS em Diadema, que viabilizaram o acesso à terra urbana;

• Os Mutirões desenvolvidos pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo – (CDHU), no município de São Paulo;

• O Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social (Prezeis) do Recife: democratização da gestão e planejamento participativo;

• Programa Camaragibe em Defesa da Vida: um novo desenho para a ação habitacional em município da periferia metropolitana do Recife;

• Experiências de promoção de habitação de interesse social na Região Metropolitana de Belém;

• Democratização na gestão da política de moradia popular em Belo Horizonte;

14 Para aprofundar ver Cardoso (2007).

assentamentos e políticas públicas

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Política municipal de habitação em Belo Horizonte. O Programa de Autogestão;

• Orçamento Participativo da Habitação em Belo Horizonte e,

• As experiências alternativas de habitação popular em municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre. (CARDOSO, 2007)

Várias ações no sentido da criação de um mercado imobiliário secundário foram

implementadas a partir da promulgação de leis que deram maior sustentabilidade às

operações financeiras, no que diz respeito aos financiamentos, mas que não

conseguiram atingir a população de baixa renda.

O Brasil tinha na década de 2000 mais de 80% de sua população vivendo em cidades.

Este crescimento trouxe o agravamento das problemáticas ambientais e da habitação,

refletindo um panorama comum nos centros urbanos onde de 20 a 40% da população

vivia em favelas e em moradias inadequadas. (MARICATO, 2001).

O “fenômeno” favela não poderia mais ser ignorado ou tratado de forma pontual, era

urgente considerar a criação ou o reforço de políticas integradas existentes que

tornassem esta questão uma prioridade nas ações das três esferas de governo.

Treze anos foram necessários para a efetivação da regulamentação dos artigos 182 e

183 da Constituição Federal de 1988. Somente em 2001, a Lei Federal nº. 10.257,

publicada em 10 de julho, conhecida como Estatuto da Cidade, regulamentou as

prerrogativas dos artigos da Constituição.

O Estatuto da Cidade representa um avanço para a política habitacional, pois se trata de

uma antiga reivindicação de vários setores da sociedade civil e dos movimentos

populares de luta pela moradia.

Esta lei define as diretrizes que devem ser seguidas pelo município na elaboração da

política urbana, de forma a garantir que sejam cumpridas as funções sociais e a gestão

democrática da cidade, além de preservar o desenvolvimento dos cidadãos. No artigo 2º

do Estatuto é reconhecida a emergência da regularização fundiária e da urbanização dos

assentamentos precários.

[...] a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda, mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, considerados a situação socioeconômica da população e as normas ambientais. (BRASIL, 1988. Capitulo 1, Art. 2, Inciso XIV Estatuto da Cidade, Presidência da República, 2001)

assentamentos e políticas públicas

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A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais

da cidade e da propriedade urbana, mediante as diretrizes gerais, destacadas em seu

Capitulo I - art. 3º:

Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política urbana:

I – legislar sobre normas gerais de direito urbanístico;

II – legislar sobre normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios em relação à política urbana, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional;

III – promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

IV – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;

V – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social.

No capítulo II - dos instrumentos da política urbana, seção I, dos instrumentos em geral, art. 4o o Estatuto estabelece que para estes fins sejam utilizados, entre outros instrumentos:

I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;

II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;

III – planejamento municipal, em especial;

IV – institutos tributários e financeiros;

V – institutos jurídicos e políticos: a) desapropriação;

VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).

Entre as importantes disposições do Estatuto da Cidade estão incluídas aquelas que

buscam democratizar o processo de gestão das cidades brasileiras, garantindo a

participação popular no processo de elaboração dos planos diretores municipais e

procurando articular os diversos setores da sociedade, buscando a promoção de políticas

socioespaciais inclusivas. Cabe dizer que a gestão democrática das cidades pressupõe,

“teoricamente”, uma ampla participação popular como princípio norteador de um

processo que visa a garantia da eficácia social da Constituição e de sua legislação

regulamentadora. (ALVIM, 2009)

Como parte integrante do processo de planejamento municipal, além de outros

importantes instrumentos da política urbana, como o plano plurianual, as diretrizes

orçamentárias, o orçamento anual, o plano diretor deve ser revisto obrigatoriamente a

cada dez anos pelo menos e de forma democrática.

assentamentos e políticas públicas

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A elaboração do Plano Diretor, de acordo com a nova lei federal, é obrigatória para

municípios acima de 20 mil habitantes e para aqueles que se localizam em regiões

metropolitanas, aglomerações urbanas, cidades turísticas, independente do tamanho da

população.

O Plano diretor é a principal ferramenta para a execução da política urbana.

Com os Planos Diretores elaborados em novas e responsáveis bases, prevendo a aplicação dos instrumentos presentes no Estatuto da Cidade, podemos imaginar que, gradativamente, se estará construindo uma política nacional para o desenvolvimento urbano. (Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM – RJ, 2001. p.23)

Os instrumentos que constam do Estatuto da Cidade e que viabilizam a implementação

da política urbana podem ser caracterizados como de indução do desenvolvimento

urbano, de regularização fundiária, de financiamento das políticas urbanas e de

democratização da gestão das cidades. Para Zioni et al (2007) a implementação desses

instrumentos sugere a transformação da ordem urbanística tradicional e a atuação na

lógica econômica da cidade.

Trata-se, portanto, da colocação de objetivos de justiça social e de qualidade de vida, por

meio de estratégias de elaboração de políticas urbanas inclusivas e sustentáveis

(Ibidem).

De um modo geral, cada instrumento deve ser regulamentado com diferentes graus de

aplicabilidade, especificidade, procedimentos e normas de aplicação. A seguir, estão

listados e agrupados os instrumentos conforme suas especificidades: 1) Parcelamento,

edificação ou utilização compulsório; Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU

progressivo ao longo do tempo e desapropriação com títulos da dívida pública; Usucapião

especial de imóvel urbano – instrumentos voltados para a realização da função social da

propriedade; 2) Outorga Onerosa do Direito de Construir; Operações Urbanas

Consorciadas; Transferência do Direito de Construir em Áreas de Intervenção Urbana;

Direito de Preempção, voltados à recuperação de mais-valias, ao financiamento de

infraestrutura e à realização de intervenções urbanas em áreas delimitadas na cidade; 3)

Operações Urbanas Consorciadas; Concessão Urbanística e Consórcio Imobiliário e

Direito de Superfície, viabilizando transformações urbanísticas através de parcerias entre

o setor público e o setor privado; 4) Zonas de Especial Interesse e Concessão de Uso

especial para fins de moradia – com o objetivo de viabilizar políticas habitacionais para a

população de baixa renda; 5) Zonas de Especial Interesse Urbanístico; Zonas Especiais

de Preservação Ambiental; Zonas Especiais de Preservação Agrícola;

assentamentos e políticas públicas

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Estudos de Impactos de Vizinhança e Estudo Prévio de Impacto Ambiental, instrumentos

de preservação e gestão ambiental e urbanística.

Podemos dizer que, em relação aos assentamentos precários, a Zona Especial de

Interesse Social – ZEIS é considerado o instrumento mais importante, pois viabiliza as

intervenções coordenadas pelo Poder Público Municipal no sentido da melhoria

urbanística, da regularização fundiária e da integração no território formal da cidade. Este

instrumento abre a possibilidade da formatação de uma legislação específica para o uso

do solo, quando das novas construções e da regularização das áreas ocupadas.

Quando a legislação de Direito Público se refere à expressão “interesse social”, normalmente reporta-se ao atendimento das necessidades das camadas mais pobres da população ou, em outras palavras, à redução das desigualdades econômicas e sociais. Se no zoneamento – em sentido amplo – se faz a divisão do território em várias zonas para serem definidas as formas de uso e de ocupação de cada um desses espaços, a fim de conferir-lhes maior homogeneidade, a zona especial de interesse social será aquela mais comprometida com a viabilização dos interesses das camadas populares.15 16 (IBAM, op. cit., p.40)

Outros instrumentos também contribuem para a regularização fundiária e o cumprimento

da função social da cidade com relação aos assentamentos, como: a desapropriação

com pagamento em títulos da dívida pública; a edificação compulsória; o IPTU

progressivo; a concessão especial de uso para fins de moradia e usucapião urbanos.

Estes instrumentos minimizam os efeitos da especulação imobiliária na cidade e

viabilizam a ocupação de áreas vazias e ociosas com programas, projetos habitacionais e

para a urbanização.

De todo modo, esta lei possibilita ao poder público a mediação dos conflitos urbanos com

a divisão da responsabilidade com a sociedade civil, pressupondo direitos e deveres,

estabelecendo, portanto a gestão democrática da cidade.

Além do Estatuto da Cidade, em 2001 também ocorre a criação do Programa de Subsídio

à Habitação de Interesse Social - PSH (Medida Provisória nº. 2.212/2001) e do Conselho

Nacional de Desenvolvimento - CND (Medida Provisória nº. 2.220/2001), os quais ainda

15 A legislação urbanística recomenda adotar, pelo menos em algumas áreas, padrões compatíveis com a realidade das pessoas de baixa renda, para não lançá-las na ilegalidade. Muitas vezes a observância dos padrões urbanísticos idealizados é inviável na prática para boa parte da população, em razão de dificuldades econômicas. (IBAM, 2001, p. 41) 16 A Lei Federal no 6.766/79, com redação alterada pela Lei no 9.785/99, por exemplo, faz referência às zonas habitacionais de interesse social, para as quais traça exigências mínimas mais brandas que a média (art. 2o, § 6o). Ao Município, portanto, é dado instituir zonas com regras especiais, quando o uso admitido vier a promover a integração das pessoas mais necessitadas aos espaços habitáveis. (IBAM, op. cit., p. 41)

assentamentos e políticas públicas

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figuram no cenário da política habitacional brasileira e têm atuação junto aos

assentamentos precários, para a melhoria habitacional , a regularização fundiária e a

inserção da sociedade civil no planejamento urbano.

Apesar dos avanços conquistados nas duas gestões de FHC, somente nas duas gestões

subsequentes do Presidente Luis Inácio Lula da Silva – LULA (2003 - 2005; 2006 - 2010)

as ações voltadas para o equacionamento dos assentamentos precários – em várias

cidades brasileiras – começaram a ganhar maior dimensão e efetividade.

No que diz respeito ao desenho institucional, iniciado com a criação do Ministério das

Cidades em 2003, órgão gestor e formulador da Política Nacional de Desenvolvimento

Urbano - PNDU e da Política Nacional de Habitação – PNH, estabeleceu um novo

modelo de organização baseado em um sistema de habitação entre outros elementos

estruturais. (BONDUKI et. al., 2010). Foi também, com o Ministério das Cidades, que a

questão urbana passou a ser agenda prioritária de um organismo de instância federal e o

equacionamento das questões relacionadas aos assentamentos precários passa a ser

parte das diretrizes do plano diretor.

Neste momento, entendia-se que a formulação e a implementação da PNH dependiam

de três eixos: política fundiária, política financeira e estrutura institucional. No que diz

respeito à política fundiária, a política enfatiza a urgência era em estabelecer diretrizes e

programas no sentido de fornecer solução aos problemas relacionados à ocupação do

solo e a irregularidade jurídica da terra que se apresentava como fator preponderante, em

dimensões consideráveis em todo o país, trazendo déficit na arrecadação e dificuldade

na gestão física do território. Quanto à política financeira, a intenção da política deveria

ser a de criar estratégias de planejamento para a articulação dos recursos onerosos e

não onerosos no sentido da ampliação do atendimento à população. Já no modelo

institucional, o empenho deveria ser direcionado no sentido de criar condições para

estabelecer maior controle social na gestão das ações e recursos.

A realização da primeira Conferência da Cidade em 2003 e a criação do Conselho das

Cidades em 2004 inserem, definitivamente, as administrações estaduais e municipais no

cenário da política habitacional do país.

Bonduki et. al. (2010) comenta que ainda é cedo para verificar os resultados da

implementação deste modelo proporcionado pela criação do Ministério das Cidades, mas

pode-se dizer que este momento pode ser considerado um marco histórico por conta da

criação do mais importante órgão nacional e responsável pelo problema da moradia

desde a extinção do BNH.

assentamentos e políticas públicas

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O Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social - SNHIS, regulamentado por meio

da Lei n° 11.124/2005, direciona as ações e recurso s para a população de baixa renda,

especialmente com renda entre zero e três salários mínimos, consideradas como quase a

totalidade do déficit habitacional do país.

Com a implementação do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC17 em 2007 há

o incremento no volume de recursos alocados para os programas de urbanização de

favelas geridos pelos municípios. Apesar de desde a década de 1980 os programas para

urbanização já figurarem em vários municípios, somente na época da implementação do

PAC é que estes programas são fortalecidos dentro da política habitacional do país e

passam efetivamente a equacionar os problemas e conflitos relativos à moradia naqueles

territórios.

2.3.1 A urbanização de favelas como parte da política habitacional brasileira

A partir da década de 1990 os programas e ações para a urbanização de favelas deixam

de ser configurados como programas alternativos e passam a integrar a agenda das

políticas públicas em todos os níveis de governo: Federal, Estadual e Municipal.

Como efeito, inúmeras questões começam a emergir deste panorama no que diz respeito

à condição salarial dos trabalhadores, às condições de moradia e transportes da

população, e do saneamento ambiental a partir da década de 1970, o que culminou com

a promulgação da Constituição Federal de 1988, mudando os rumos da política urbana

que estavam adormecidos durante o período da ditadura militar.

A eleição democrática das administrações municipais no país, somada ao novo papel

municipal definido pela Constituição Federal de 1988, trouxe para os movimentos

populares novas frentes de luta devido à atuação conjunta com os governos municipais

na discussão das questões urbanas.

17 O programa de Aceleração do Crescimento é um novo conceito de investimento em infraestrutura que, aliado às medidas econômicas, vai estimular os setores produtivos e, ao mesmo tempo, levar benefícios sociais para todas as regiões do país. Lançado em 28 de janeiro de 2007, é um programa do Governo Federal brasileiro que engloba um conjunto de políticas econômicas, planejadas para quatro anos (2007-2010), e que tem como objetivo acelerar o crescimento econômico do Brasil, prevendo investimentos totais de R$ 503,9 bilhões até 2010, sendo uma de suas prioridades o investimento em infraestrutura, em áreas como saneamento, habitação, transporte, energia e recursos hídricos, entre outros. Disponível em: <www.brasil.gov.br/pac>.

assentamentos e políticas públicas

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Os movimentos populares se juntaram ao movimento de reforma urbana, iniciando uma

mobilização e pressão pela Emenda Popular de Reforma Urbana no processo da

Constituinte. Passaram assim, a atuar nos programas de produção habitacional, ao

mesmo tempo em que mantiveram e aprofundaram a pressão sobre as prefeituras. Da

organização pela reforma urbana na década de 1990 emerge o Movimento Nacional de

Luta pela Moradia - MNLM e a União Nacional por Moradia Popular - UNMP, fortalecendo

a pauta da Moradia Popular. Estes dois últimos movimentos uniram-se com a Central dos

Movimentos Populares - CMP e com a Confederação Nacional de Associação de

Moradores - CONAM, sendo esta a mais antiga delas, fundada em 1982.

Paralelamente e de forma complementar, no âmbito mundial, a década de 1990 é

marcada por um conjunto de iniciativas que buscaram discutir o quadro de precariedade

do meio urbano reconhecendo que a degradação urbana caminhava de forma conjunta

com a ambiental. Em 1992, pela primeira vez, durante a Conferência das Nações Unidas

sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, ocorrida no Rio de Janeiro, reforçaram-se

as iniciativas visando à associação das duas questões. Em seguida, na Conferência

Habitat II, realizada em Istambul em 1996, as discussões giraram em torno da questão

urbana e ambiental, ao definir a sustentabilidade como princípio, e os assentamentos

humanos sustentáveis como objetivo a ser perseguido. A agenda Habitat II foi definida

com um importante instrumento para os governos que visavam a implementação de

políticas voltadas à melhoria das condições de habitação no meio urbano de forma

ampla.

O que era novo neste momento era a intensidade da urbanização e consequente

degradação ambiental que resultou na vulnerabilidade das cidades, problema agravado

pela concentração urbana (KATO; ZIONI e BRUNA, 2010).

Foi na conferência Habitat II que o Brasil teve importante destaque ao serem

apresentadas, pelos diversos representantes municipais, as melhores práticas

relacionadas às políticas habitacionais nos municípios que vinham se tornando

referências como por exemplo, o Rio de Janeiro com o Programa Favela Bairro na gestão

do Prefeito César Maia e São Paulo com o Programa de Mutirões em assentamentos

precários, na gestão da Prefeita Luiza Erundina.

A partir da Declaração do Milênio em 2000, a Conferência Mundial sobre Assentamentos

Humanos, a Habitat, tem seu formato alterado no Fórum Urbano Mundial, passando a ser

organizado pela ONU a cada dois anos, e definido pela Assembléia Geral das Nações

assentamentos e políticas públicas

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Unidas como uma forma mais ágil e flexível para congregar os diálogos entre lideranças

políticas e outros interlocutores sociais, além de reforçar os compromissos do poder

público (ANTONUCCI, et al, op. cit).

É importante destacar que o desenho das políticas públicas habitacionais no país,

naquela ocasião, também sofreu influência das agendas das agências multilaterais de

cooperação internacional para países em desenvolvimento. Denaldi (2003) destaca que a

convergência das diretrizes na formatação das políticas públicas, entre o governo

brasileiro e as agências internacionais, não era recente, datava da década de 1960,

passando por momentos distintos. No entanto, na década de 1990, as agências ao

observarem o crescimento exacerbado da população urbana, principalmente nas favelas,

constatando inclusive a dificuldade do Estado e do mercado em produzir habitações em

escala e com custos compatíveis com a demanda e com a renda das famílias de baixa

renda, passou a influenciar as intervenções no sentido do reconhecimento e da

urbanização daquelas áreas.

As práticas internacionais influenciam a organização e o desenvolvimento institucional ao

enfatizar a preocupação com a melhoria do desempenho dos governos para a garantia

da sustentabilidade dos projetos e, ao estabelecer políticas que aumentem a

produtividade urbana. Desse mesmo modo, os processos de monitoramento e avaliação

dessas práticas são elementos valorizados na busca da consolidação dos processos e

para a garantia da replicação dos projetos.

O principal documento elaborado para divulgar a política urbana do Banco Mundial nesse

ultimo período foi a sua agenda urbana para os anos 1990 (THE WORLD BANK, 1991).

O documento sintetiza as principais propostas e recomenda como estratégias: melhorar a

produtividade da economia urbana; aliviar a pobreza, aumentando a oferta de trabalho e

melhorando o acesso à infraestrutura básica e aos serviços sociais; reverter o processo

de deterioração do meio ambiente e estudar a questão urbana.

Nessa ocasião, as agências centram esforços de forma articulada com o objetivo de

aliviar a pobreza nos centros urbanos dos países em desenvolvimento. Em 1999, o

Banco Mundial se associa a várias outras agências, particularmente ao UN-HABITAT, ao

Programa de Gestão Urbana das Nações Unidas - PGU, lançando o programa City

Development Strategy - CDS para as cidades, tendo como objetivo estimular a

elaboração de planos para a diminuição da pobreza e o desenvolvimento econômico.

assentamentos e políticas públicas

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Nesse mesmo ano foi criada a Cities Alliance - CA para implementar o CDS com o

objetivo central de aprimorar e ampliar a escala dos programas de urbanização de

favelas18.

Na década de 1990, o Banco Internacional de Desenvolvimento - BID também passa a

financiar projetos de urbanização de favelas e recomenda que os projetos sejam

complementados com outras estratégias, com a finalidade de reduzir a pobreza e evitar a

proliferação de favelas, tais como: a revisão da legislação urbanística e implementação

da política de regularização fundiária; além da busca e implementação de convênios e

parcerias com empresas e instituições privadas.

Denaldi (2003, p.31) enfatiza que “levou-se mais de um século para reconhecer, no

discurso oficial, que precisamos urbanizar as favelas, assim, mesmo sem estruturar

financeira e institucionalmente esse atendimento”.

Quase que como um reflexo das tímidas ações frente à solução dos problemas

relacionados aos assentamentos precários, ocorridas nos anos de 1980, nos grandes

centros urbanos do país, o número e a dimensão destes territórios aumentaram,

denotando a necessidade urgente de intervir de forma definitiva. Era preciso integrar os

assentamentos precários ao tecido urbano das cidades, física e socialmente, para que,

dentre outras coisas, fosse estabelecida uma relação harmônica com os territórios

urbanizados.

Programas e projetos para a urbanização de assentamentos precários se apresentavam

como uma saída estratégica, no sentido de solucionar as diversas questões relacionadas

àqueles territórios.

O poder público optou pelo enfrentamento do problema com intervenções de peso em

determinadas cidades, seja com a dotação de infraestrutura nestes territórios ou com a

provisão habitacional por meio da implementação dos programas de urbanização de

favelas mais abrangentes. Destacaram-se, nesse enfrentamento, os governos do Rio de

Janeiro e de São Paulo.

18 Predomina o entendimento de que a urbanização de favelas é uma estratégia importante para aliviar a pobreza e que o desempenho do governo é elemento fundamental para evitar a proliferação das favelas. “Slums are the products of failed polices, bad governance, corruption, inappropriate regulation, dysfunctional land markets, unresponsible financial systems, and a fundamental lack of political will” (CITIES ALLIANCE, 1999. apud Denaldi, 2003. p. 34).

assentamentos e políticas públicas

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Neste contexto, sobressaem dois importantes programas de urbanização de favelas

implementados: No Rio de Janeiro, o Programa Favela Bairro, na década de 1990; e em

São Paulo, o Programa Bairro Legal no início dos anos 2000. Ambos, embora com

escopo e abrangências distintas, são considerados pioneiros nestas cidades quanto à

estrutura institucional estabelecida e à forma de atuar sobre os assentamentos precários

(as favelas), buscando incorporá-los ao meio urbano e reconhecendo o direito dos seus

moradores à cidade.

assentamentos e políticas públicas

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3 O PROGRAMA FAVELA BAIRRO NO RIO DE JANEIRO

Grosso modo, a existência dos assentamentos precários em território brasileiro,

especialmente as favelas, está intrinsecamente relacionada com a formação do país, com

os modos de produção implementados, com o processo de urbanização nos séculos XIX

e XX e com a atuação do poder público. Se durante quase todo o século XX as ações

sobre as favelas visavam a remoção da “precariedade” para áreas distantes do centro,

somente na proeminência de um novo século é que o poder público passou a reconhecer

esse território como parte da cidade.

O Rio de Janeiro, um dos municípios do país com a maior concentração de favelas, no

inicio da década de 1990 torna-se palco de um importante e pioneiro programa de

urbanização: o Programa Favela Bairro. Este capítulo tem o propósito de discutir o

Programa Favela Bairro, buscando ressaltar o papel do projeto dentro da política pública

de urbanização. Inicialmente apresenta-se um breve panorama da origem e formação

das favelas na cidade do Rio de Janeiro, destacando as principais datas que se tornaram

marco referencial na atuação e na postura, tanto da população quanto dos poderes

públicos, frente à questão das favelas nesse importante centro urbano. Em seguida,

sintetiza-se a trajetória do programa na cidade, seus principais aspectos, desafios e

avanços.

Favela Bairro

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O Programa Favela Bairro é considerado pioneiro no âmbito das políticas públicas para

urbanização de favelas e foi implementado com o propósito de atuar sobre os

assentamentos precários, reconhecendo-os como uma parte importante do território da

cidade e como alternativa habitacional à população de baixa renda, que merecia receber

atenção, planejamento e investimentos proporcionais.

É dentro da estrutura desse programa que identificamos o papel do projeto de

urbanização como ferramenta importante na incorporação de elementos componentes do

espaço urbano formal nas favelas, buscando integrá-las à cidade.

Favela Bairro

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3.1 AS FAVELAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

As favelas no Rio de Janeiro existem desde a abolição da escravidão, ou seja, desde o

final do século XIX. Os conhecidos Morros da Providencia e o de Santo Antônio (esse

último demolido quando das obras para a implantação do Parque Brigadeiro Eduardo

Gomes, o Parque do Flamengo, ou simplesmente Aterro do Flamengo) figuram na

literatura como as primeiras ocupações desse gênero na cidade.

Existe uma espécie de consenso entre autores e historiadores como ABREU, (1994) VAZ

(2002), BERENSTEIN (2007), ZALUAR (2006), DAVIS (2006), PASTERNAK (2008),

VALLADARES (2009), dentre outros: que o termo favela ficou conhecido a partir da

ocupação do Morro da Providência. Abreu (1994), em suas pesquisas sobre as origens

da favela nos periódicos do final do século XIX, relata que em meados de 1897 a

Prefeitura já lutava para coibir a ocupação dos morros. Soldados do exército que

voltavam da Guerra de Canudos para o Rio de Janeiro, ficaram sem ter onde morar, e, ao

que tudo indica com autorização do Ministério da Guerra, ocuparam as encostas do

Morro da Providencia (Figura 3.1), contribuindo para junto aos escravos forros, aumentar

a população ali instalada. Para este autor, a favela tem origem em dois focos de tensão

que surgiram no Rio de Janeiro no século XIX: a crise habitacional e a crise política que

culminou com a Proclamação da República. (Ibidem)

Ao mesmo tempo em que os cortiços1 eram proibidos, a ocupação nos morros do centro

da cidade como o da Providência, o São Carlos e o Santo Antônio aconteciam sob o

olhar das autoridades, dando origem às primeiras favelas. (Figura 3.2)

Segundo Abreu (op. cit.), a ocupação do Convento de Santo Antônio pelos soldados foi

autorizada pelo exercito desde a revolta armada2 em 1891. Entre os anos de 1893 e

1894, barracões eram encontrados no alto do Morro da Providência, cuja construção

havia sido autorizada também por proprietários das encostas, que cobravam aluguel dos

moradores – esses, provavelmente, teriam vindo quando da demolição do cortiço

“Cabeça de Porco”. 3 (Figura 3.3)

1 A demolição dos cortiços que abrigavam inclusive os escravos libertados pela Lei Áurea em 1888, agravou a crise habitacional que já se tinha noticia há época. (ABREU, 1994) 2 Para aprofundamento sobre o assunto consultar Rio Branco, Barão. Efemérides Brasileiras. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1938. 3 Em 1890 o Inspetor Geral de Higiene informava que a população dos cortiços chegava a 100.000 habitantes, o dobro da recenseada em 1888. Antes mesmo da implementação do plano de Pereira Passos, no período de 1891 a 1893, o Prefeito Candido Barata Ribeiro resolveu combater as moradias populares devido ao alastramento de doenças como a gripe e tuberculose, que se transformaram

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Em 1897, havia no Morro da Providência 41 barracões de madeira, cobertos com telhas

de zinco, alguns construídos por ordem do Governo e outros por iniciativa dos soldados,

que, por sua vez, comercializavam a ocupação e a construção de demais barracões. Já

no Morro Santo Antonio em 1901, a prefeitura declarava que estavam ali instalados

aproximadamente 150 casebres e 623 moradores, mas, segundo Abreu (1994), na

verdade eram 400 casebres e, como consequência, uma população também maior. Estas

informações vieram à tona a partir de uma denúncia da imprensa, verificada pelo Prefeito

Xavier da Silveira. Desde então a favela era colocada como assunto de domínio público e

bastante presente no cenário urbano da cidade.

A ocupação precária do território no Rio de Janeiro foi agravada pelo plano para a

modernização da cidade, de Pereira Passos, executado entre os anos 1902 e 1906. Em

1906 a população de 811.444 habitantes do Rio de Janeiro superava em números as

cidades de Salvador e de São Paulo4. Para Conde e Magalhães (2004) a política

urbanística do Presidente da República Rodrigues Alves e do Prefeito Pereira Passos5

impôs à cidade um processo intenso de modernização. A demolição do “velho Rio

colonial” para a abertura de avenidas, e para os projetos de embelezamento, resultou em

desmontes de morros, inúmeros aterros e a demolição de milhares de casas,

desabrigando um contingente enorme de famílias.

O processo de modernização da cidade fez os preços dos aluguéis subirem, obrigando

as famílias a dividirem as moradias, ou mudarem para os subúrbios mais distantes do

centro, onde os preços eram mais acessíveis.

Correndo contra o tempo e contra a velocidade com que cresciam as ocupações nos

morros, o governo promovia a construção das vilas operárias, cujos números não

atendiam ao déficit de moradias observado há época. Em 1907 o Morro da Babilônia,

entre a Praia Vermelha e o Leme, começa a ser ocupado; nos anos seguintes até 1912

acontecem as ocupações dos Morros do Salgueiro, da Mangueira, do Teleférico

rapidamente em epidemias, e proibiu a construção de novos cortiços, ordenando a destruição de um dos maiores cortiços localizado no centro da cidade, o conhecido “Cabeça de Porco”; este estava construído no sopé do Morro da Providencia e contava com aproximadamente 2.000 moradores. A demolição dos cortiços agravou a crise habitacional. (ABREU, 1994) 4 São Paulo contava com 240.000 habitantes, pelo Censo de 1900 (PMSP, 2011) e Salvador com 205.813 habitantes em 1900, segundo Pinheiro (2002). 5 Francisco Pereira Passos, nascido em Piraí, 29 de agosto de 1836, morreu em 12 de março de 1913, foi um engenheiro brasileiro e prefeito da cidade do Rio de Janeiro entre 1902 e 1906, nomeado pelo Presidente da República Rodrigues Alves. (BRENNA, 1985)

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Figura 3.1: Casa de Canudos: Foto de Flávio de Barros, fotógrafo do exército. Fonte: VALLADARES, 2009, pág. 31.

Figura 3.2: Vista Panorâmica do Morro da Favella. Fonte: VALLADARES, 2009, pág. 38

Figura 3.3: Montagem das imagens da saudação da destruição do cortiço Cabeça de Porco pelo então Prefeito Barata Ribeiro na Revista Ilustrada. Fonte: ABREU, 2010. p. 51e VALLADARES, 2009, p.39.

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e do Andaraí na Zona Norte e do Estácio. Em 1915, em Copacabana, começa a ser

ocupado o Morro dos Cabritos e um ano depois o Morro do Pasmado.

Para Abreu (op. cit.) os padrões de distribuição espacial das classes sociais no Rio de

Janeiro foram, através dos tempos, altamente influenciados pela atuação do poder

público, por ações ou mesmo omissões em relação aos problemas que há muito ocorriam

na cidade. A propagação das ocupações por favelas se tornaria inevitável nos bairros

mais ricos, em função inclusive da proximidade das ofertas de trabalho que aquele

território apresentava à população pobre da cidade, o que tornava proveitosa a

convivência dos ricos com as favelas (Ibidem). Segundo Marins (1999 apud Conde e

Magalhães op.cit. p.43) “Num tempo em que apenas trens e bondes precários serviam às

periferias longínquas [...] Os morros e brejos do Centro e da Zona Sul acabaram sendo a

resposta cômoda para as elites habituadas a agudas explorações sociais.”

Entre os anos de 1917 e 1926, as favelas no Rio de Janeiro convivem de forma pacífica

com as elites cariocas. Em 1927 o arquiteto francês Alfred Agache6, em seu plano para a

remodelação e expansão da cidade, propõe a remoção das favelas, a título de

transformações social, estética e higiênica. As favelas então passam a ser uma

preocupação carioca e a remoção passa a fazer parte dos discursos, das propostas de

profissionais e do poder público. Conde e Magalhães (2004) afirmam que, sob o ponto de

vista de Agache, a problemática habitacional era uma consequência indesejada de

problemas sociais, econômicos e da administração, ao contrário do pensamento de

Pereira Passos, que via os cortiços como causa dos problemas sociais e urbanos

observados à época. Como apenas algumas obras propostas por Agache foram

realizadas, a questão habitacional e sua eminente crise permaneciam sem a devida

atenção, sendo reforçada a visão de que a ocupação dos morros era uma doença que

deveria ser eliminada.

“Surgidas na paisagem urbana desde o final do século XIX, somente a partir dos anos

1930 as favelas começaram a marcar o espaço da cidade.” (VALLADARES, 1978. p. 22)

A figura 3.4 apresenta as favelas identificadas na cidade do Rio de Janeiro entre os anos

de 1948 e 1950.

6 O Arquiteto-urbanista Francês Alfred Agache, representante da Beaux-Arts, foi contratado pelo Prefeito Antônio Prado Junior (1926-1930) para elaborar um projeto de reordenação da cidade. Os franceses são importantes na internacionalização do tema do urbanismo, influenciando o Brasil desde o principio do século XIX; e assim permanecem até a vinda de Le Corbusier em 1929, arquiteto autodidata que difundia o conceito do Espírito novo. (PINHEIRO, 2002)

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Figura 3.4: Mapa da Cidade do Rio de Janeiro com a indicação das favelas existentes entre os anos de1948 e 1950. Fonte: ABREU, 2010, p. 108.

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Apesar das tentativas de regulamentação por meio de legislação municipal, a ausência

de restrições urbanísticas e de penalidades àqueles que a desrespeitavam facilitaram a

implantação de parcelamentos irregulares, criando inúmeros problemas aos moradores.

Em 1937 o Código de Obras do Distrito Federal (Decreto nº. 6.000), dentre outras regras

tornava proibido o registro das favelas nos mapas oficiais, bem como a construção de

novas moradias, ou mesmo melhorias nas moradias existentes nesses locais. No

arcabouço dessa lei estava inserida a busca pela solução dos problemas urbanos e de

habitação, estimulando o mercado fundiário nas áreas rurais (CONDE E MAGALHÃES,

op. cit.), conforme transcrito por Valladares (2009, p.52)

Art. 349 – A formação de favelas, isto é, de conglomerados de dois ou mais casebres regularmente dispostos ou em desordem, construídos com materiais improvisados e em desacordo com as disposições deste decreto, não será absolutamente permitida.

Parágrafo 1° - Nas Favelas existentes é absolutament e proibido levantar ou construir novos casebres, executar qualquer obra nos que existem ou fazer qualquer construção

Art. 375 - É proibida a formação de novas favelas em qualquer zona do distrito federal. Nas favelas existentes é proibida a construção de novas habitações de qualquer espécie, bem como a execução de obras de qualquer natureza;

Art. 377 - Será de competência da Prefeitura a planificação tendente a extinguir as favelas existentes e substituí-las por conjuntos de residências e grupos de habitações do tipo econômico em todo distrito federal.

Nos anos de 1930 aparecem os primeiros loteamentos na Zona Oeste da cidade e em

municípios vizinhos, esses se transformam em uma alternativa para a moradia popular.

Em apenas uma década (1930-1940)7 a população do Rio de Janeiro praticamente

dobrou em decorrência da migração interna do campo para a cidade e a partir de outros

estados, devido ao estímulo da oferta de trabalho na indústria e na construção civil. Em

contrapartida o poder público esboçava tímidas ações no setor habitacional. No período

entre os anos de 1941 e 1943, o Interventor Henrique Dodsworth8 elaborou e

implementou o projeto para higienização das favelas, que incluía a transferência de seus

moradores para alojamentos provisórios, enquanto se construíam casas de alvenaria

naquelas localidades.

7 Embora não existam dados demográficos para o ano de 1930, os números indicavam que a população da cidade do Rio de janeiro era de aproximadamente 1.400.000 habitantes. Ao final desta década a população chega a.2.500.000 de habitantes. (ABREU 2010, p. 96) 8 Henrique Dodsworth médico, advogado, sobrinho e chefe de gabinete de Paulo de Frontin, foi interventor do governo do Prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto, no período de 1937 a 1945, quando de seu afastamento em 1936. Foi o governante que mais tempo ficou no comando da prefeitura do Rio de Janeiro. (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO - PCRJ, 2005)

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Nesse período 8.000 pessoas foram removidas, e foram levadas aos conhecidos Parques

Proletários9. (Figura 3.5)

Os resultados dos Parques Proletários provisórios são de molde a justificar amplamente os objetivos de sua criação quando secretário de Saúde o Dr. Jesuíno de Albuquerque. Sob todos os aspectos a iniciativa superou a expectativa otimista com que foi ideada. Apesar da desigualdade, da adaptação, conforme a procedência do faveleiro, a maior parte se integra imediatamente em um novo ritmo de vida, com surpreendente recuperação útil para a comunidade da qual se afastara, por tão largo período, mas em termos que comporiam páginas que enalteçam o valor da sua luta dentro um quadro de acontecimentos tétricos e pungentes. (DODSWORTH, 1945)10

Valladares (1978) comenta que a centralização e o controle dos moradores que foram

removidos e alojados nos Parques Proletários - empreendimento progressista nos anos

1930, em pleno Governo Vargas - representou a ampliação das bases de sustentação de

uma política populista e autoritária. Os políticos nunca ignoraram o poder político da

massa de moradores das favelas, uma vez que utilizavam os pequenos serviços

implantados de água e esgoto para angariar votos e apoio, e desta forma eram

reconhecidos como seus “defensores”. Esta prática se estendeu por 20 anos.

Os moradores removidos das favelas para os Parques Proletários construídos na Zona

Sul, na Gávea e no Leblon, seriam expulsos anos mais tarde destes conjuntos para dar

espaço às novas obras de expansão da cidade. Essa população era considerada

vizinhança não adequada aos moradores que viriam habitar as terras, trazidos pela

valorização e pela especulação imobiliária naquela região.

Frente à eminente remoção das favelas, os moradores se organizavam por meio da

formação de comissões. Era o meio que estes moradores encontraram para a devida

representação com vistas à reivindicação para o atendimento e da implantação de obras

e serviços públicos, bem frente à tentativa de refrear o processo de remoção das favelas

em andamento na cidade.

A criação da Fundação Leão XIII em 1946 seria um contraponto à remoção das favelas,

não fosse o aspecto político que sua formação carregava, uma vez que a

9 Os Parques Proletários eram conjuntos habitacionais de baixa renda construídos em áreas vagas da cidade para o abrigo provisório dos moradores removidos das favelas. O primeiro deles é o da Gávea, onde não havia instalações internas, sanitárias e de cozinha, sendo os banheiros coletivos. Para aprofundamento no assunto ver PARISSE, 1969. 10 Trecho retirado de Artigo de Henrique Dodsworth: Favelas Cariocas: Um tema comum a Dodsworth e Lacerda, Jornal “A Noite”, 17 de outubro de 1945, publicado no n° 144 da COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE, Prefeitura do Rio de Janeiro, janeiro 2005.

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Figura 3.5: Vista do Parque Proletário da Gávea. Fonte: VALLADARES, 2009, p. 62.

intenção das ações implementadas era uma tentativa de amainar os ânimos da

população que ainda residia nos morros, na medida em que eram instaladas e realizadas

melhorias nas redes de abastecimento de água e esgotamento sanitário, e que, agora

organizados, se opunham à realocação para os parques proletários. (VALLADARES,

2009) Apesar do caráter de grande obra de apostolado, no sentido da recuperação dos

favelados, tinha o apoio do governo, que se antecipava ao temor da infiltração comunista

nas favelas, pois a fundação surgia em meio há época em que o Partido Comunista

Brasileiro ocupava o terceiro lugar em número de votos no Distrito Federal - Rio de

Janeiro (Ibidem). Essa autora ressalta que a Fundação, impedindo a remoção dos

moradores nas favelas do Borel e Santa Marta, fez com que o governo a transformasse

em Autarquia vinculado-a ao Estado.

Em 1947 foi criada a Comissão para Extinção das Favelas que buscava a retomada do

processo de erradicação das ocupações nos morros da Zona Sul, com a remoção dos

moradores das favelas. Esta Comissão retomaria as ações dos Parques Proletários, mas

a substituição dos barracos pelas casas definitivas jamais foi levada a cabo

(VALLADARES, 1978). A Prefeitura do Rio de Janeiro desejando “extinguir as favelas”,

ou pelo menos sustar seu desenvolvimento no Distrito Federal, por meio de seu

Departamento de Geografia e Estatística, adiantando-se ao IBGE, realiza o primeiro

recenseamento das favelas cariocas, que foi concluído em 1949. (VALLADARES, 2009,

p. 64)

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O estudo identificava as favelas na cidade como conjuntos urbanos e constatou que a

população favelada era de 138.837 habitantes instalada em 105 conjuntos que se

concentravam na área suburbana (44% das favelas e 43% dos favelados), seguida da

Zona Sul (24% e 21%), e a da Zona Centro-Tijuca (22% e 30%). A Zona Bangu-Anchieta,

a mais distante dos principais locais de emprego, tinha participação bem menos

significativa. A população favelada equivalia então, a 7% da população total da cidade,

diferentemente que a imprensa veiculava: eram de 400 a 600 mil os habitantes das

favelas cariocas. (ABREU, 2010)

A década de 1940 foi o período de maior proliferação de favelas no Rio de Janeiro. A

mais simbólica das favelas, o Morro da Favella, (Morro da Providência) localizada na área

central da cidade, não era em 1950 a mais populosa. Com 4.567 habitantes, figurava em

13º lugar, sendo a primeira o Jacarezinho com 18.424 habitantes. (Valladares, op. cit, p.

69)11

Inúmeros debates e estudos foram realizados a partir da publicação dos dados do Censo

de Favelas de 1949, “um período de produção de representações e de conhecimentos”,

estendendo-se até o final da década de 1960.

As favelas deixam de ser, por esses motivos, um fenômeno à parte, próprio e exclusivo do Distrito Federal, com características inconfundíveis e essencialmente diversas de quaisquer outros aglomerados das classes pobres. Suas populações representam uma parcela como tantas que integram a sociedade brasileira. (VALLADARES, 2009, op. cit., p.71)

Os moradores, na ocasião, já conscientes de que seus problemas somente poderiam ser

resolvidos pela via política, criaram em 1957 a Coligação dos Trabalhadores Favelados

do Distrito Federal. (VALLADARES, 1978) (Figura 3.6)

Segundo Abreu (2010), o crescimento populacional das favelas foi bastante expressivo

entre as décadas de 1950 e 1960: de 169.305 habitantes em 1950 para 335.063 em

1960, praticamente um crescimento de 98%. Observa-se que nessa época a ocupação

dos bairros da Zona Sul carioca apresentava um adensamento expressivo em função da

verticalização, propiciada pela Prefeitura em 1946, que liberara o gabarito das edificações

(por pressão do mercado imobiliário e em função da área disponível restrita, pois o bairro

estava confinado entre o mar e a montanha). Além de Copacabana, a edificação nas

encostas do Leblon e da Gávea, pela classe média-alta, contribuiu para o adensamento.

11 Para aprofundamento dos dados aqui apresentados, é interessante ver VALLADARES, 2009.

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Figura 3.6: Favelados acampam no Palácio das Laranjeiras em 1964. Fonte: CONDE E MAGALHÃES, 2004, p. 46.

O padrão de ocupação do bairro de Copacabana mais popular na década de 1950 era

conhecido como a democratização de Copacabana, onde proliferaram os edifícios de

quarto e sala e os chamados conjugados, posteriormente invadido pelas favelas. (Ibidem)

O primeiro documento que apresentou as características físicas das favelas foi elaborado

pela Sociedade pela Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicadas aos Complexos Sociais –

SAGMACS12. Tal documento identificaria certo tipo de eleitor e certa categoria de

problemas urbanos que o político poderia utilizar em sua propaganda.13 A SAGMACS do

Rio de Janeiro, segundo Valladares (apud FREIRE e OLIVEIRA, 2008), somente se

tornou um centro de pesquisas a partir da pesquisa realizada por José Arthur Rios14,

denominada “Aspectos Humanos da Favela Carioca”, publicada pelo jornal O Estado de

São Paulo, em abril de 1960. (Figura 3.7)

12 A Sociedade para Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicada aos Complexos Sociais (SAGMACS), fundada pelo dominicano francês Louis-Joseph Lebret em 1947, foi uma instituição de planejamento urbano que teve destacada atuação no Brasil, especialmente durante os anos de 1950. (ÂNGELO, 2010) 13 Destacamos aqui que a SAGMACS foi criada por Louis-Joseph Lebret, conhecido como Padre Lebret, e foi onde realizou inúmeros trabalhos à frente de uma equipe de profissionais brasileiros. Pesquisas como as de Leme nos anos 1999 e 2000 e Leme e Lamparelli em 2001, ressaltaram a contribuição de Lebret na consolidação do pensamento urbanístico no Brasil e da SAGMACS como formadora de uma nova vertente do urbanismo no país. A Sociedade teria aberto novas perspectivas de inserção profissional do urbanista no planejamento das cidades. (Ibidem) 14 José Arthur Rios, advogado, cientista social, professor da Pontifícia Universidade Católica - PUC do Rio de Janeiro, tendo ali chefiado o Departamento de Sociologia e Ciência Política, foi convidado pelo Padre Lebret para dirigir a SAGMACS no Brasil.

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A pesquisa então confirmou que a população favelada estava organizada e era muito

importante para a cidade do Rio de Janeiro.15

Nessa ocasião, a Zona Sul era a segunda região da cidade em concentração de favelas,

contando com 33 favelas, perdendo somente para a Zona da Leopoldina, com 47.

(ABREU, 2010) A favela já era o padrão de habitação popular mais conhecido no cenário

carioca.

Em 1955 durante o 35º Congresso Eucarístico Internacional16, Dom Helder Câmara

retoma o debate sobre a questão da habitação popular no então Distrito Federal, criando

a Cruzada de São Sebastião, uma associação católica que tinha seu trabalho centrado

nas questões relacionadas aos trabalhadores e seus locais de moradia. (GONÇALVES et

al., 2010) (Figura 3.8)

A Cruzada de São Sebastião construiu no Leblon, ao lado do Canal do Jardim de Alah,

onde mais tarde seria erigido o Condomínio Selva de Pedra, um conjunto de prédios para

abrigar os moradores da Favela da Praia do Pinto, que após um incêndio foi removida.

Parte dos moradores foi removida para este conjunto e parte realocada para conjuntos

habitacionais na Zona Oeste da cidade. A ideia era que este conjunto se tornasse um

modelo a ser replicado na cidade, com o intuito de remover as 150 favelas que existiam

na época. (Figura 3.9)

Na década de 1960 durante a administração de Carlos Lacerda (1960-1965) inaugura-se

uma nova forma de tratar as favelas, que pretendia eliminá-las e transferindo seus

moradores para outros locais. Em 1962 foi criada a Companhia de Habitação do Estado

da Guanabara – COHAB - GB, que, por meio de um acordo com a United States Agency

for International Development – USAID constrói as Vilas Kennedy em Senador Camará,

Aliança em Bangu e Esperança em Vigário Geral, todas em conhecidos subúrbios da

Zona Norte da cidade, para onde foram removidos os moradores de 12 favelas. Um total

de 5.069 unidades foi construído, com cinco diferentes tipologias que tinham de 30m2 a

47m2 cada.

15 O Decreto Nº. 6.000 de 1937, que vigorou até 1970, e que impedia o registro em mapas, além da melhoria das moradias nas favelas, favoreceu o crescimento, a expansão e a precarização das áreas faveladas, pois o Estado deixa de identificar e verificar os limites e, dessa forma, de controlar as ocupações. (ZALUAR E ALVITO, 2004:27) 16 Destacamos aqui que a preocupação da igreja com a situação precária da moradia do proletariado aparece pela primeira vez, com a publicação, em 1891, da encíclica Rerum Novarum, assinada pelo Papa Leão XIII. (GONÇALVES e al., 2010)

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Figura 3.7: Imagem da capa do documento “ Aspectos Humanos da Favela Carioca”, 1960. Fonte: Disponível em <www.favelatem memória>. Acesso em abril de 2011.

Figura 3.8: Favela do Humaitá ou Macedo Sobrinho, 1958. Fonte: ABREU, 2010, p. 106.

Figura 3.9: Imagem do Conjunto Cruzada de São Sebastião. Fonte: FOTOLOGTERRA. Disponível em: <http://fotolog.terra.com.br/luizd: 513>. Acesso em 27 fevereiro de2011

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Estes conjuntos foram os “embriões dos conjuntos habitacionais que a COHAB

administra até hoje” 17 (GONÇALVES et al, op. cit.). (Figura 3.10)

Segundo Valladares (1978, p.38), com a consolidação do novo sistema político a posição

do Governo em relação às favelas ganhou maior definição, culminando com a criação,

em 1968, da Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana -

CHISAM, órgão do Ministério do Interior ligado ao BNH e que deveria ditar uma política

única de atuação em relação às favelas, melhor dizendo, uma política de “extermínio” das

favelas no município do Rio de Janeiro.

O programa de remoção de favelas, ou de desfavalamento, tinha respaldo na lei, em

função das inúmeras irregularidades que este tipo de ocupação do solo representava

para a cidade, mas que acabaria enfraquecido em função da necessidade da aplicação

de vultosos investimentos e recursos humanos pelo Governo. Esse programa atingiu 80

favelas em três administrações estaduais durante o período de existência da CHISAM

(1968-1973): em 12 anos, portanto, foram removidos 139.218 habitantes.18

Com a mudança da capital federal para Brasília19, em 1960, o Rio de Janeiro se

transformou no Estado da Guanabara, e seguindo o princípio básico da administração

pública, que era, na década de 1960, a descentralização do poder, foram criadas tanto a

Secretaria de Serviços Sociais (Decreto Estadual nº. 535 de 10/01/1960) como a de

Serviços Sociais Regionais, em 1962, responsáveis pelas ações nas favelas. O aspecto

mais importante da proposta descentralizadora não era apenas a dinamização

administrativa, mas a gestão de condições para um crescente desenvolvimento social. A

política da ação da Secretaria de Serviços Sociais era centrada na assistência social e na

desfavelização por meio da remoção. (ZUCCO, 1997)

Apesar da mudança, o Rio de Janeiro continuou sendo um importante pólo turístico,

cultural e comercial. Os investimentos públicos se intensificaram nas áreas mais ricas da

cidade, acelerando o processo de especulação imobiliária e, consequentemente,

contribuindo para o aumento da população favelada.

17 Na ocasião do acordo, os objetivos eram outros, os recursos da USAID seriam destinados para a urbanização parcial de algumas favelas, a urbanização total de uma grande favela e a construção de 2500 de habitações de baixo custo. 18 No quadro II, apresentado por Valladares, 1978, pág. 39, podem ser observados detalhadamente os números das ações do poder público no período de atuação da CHISAM. 19 Em 1960 a cidade do Rio de Janeiro deixa de ser a capital de federal, passa a ser uma unidade federativa, o Estado da Guanabara, por meio da Lei nº.3.752, de 14-04-1960.

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O alargamento da praia de Copacabana, o elevado da Avenida Paulo de Frontin, a

primeira etapa da auto-estrada Lagoa-Barra, a ponte Rio-Niterói, o Metrô e o Plano Lúcio

Costa para a Baixada de Jacarepaguá e Barra da Tijuca, foram alguns dos projetos e

obras implantadas a partir da mudança política da capital para Brasília.

Em 1967, em plena ditadura militar, o Governo Estadual cria a Companhia de

Desenvolvimento das Comunidades – CODESCO. Esta trabalhava junto às Associações

de Moradores e foi responsável pelas reformas nas favelas Mata Machado e Morro

União. A inserção do governo nas favelas era uma estratégia para controlar os

movimentos populares e a ação dos “comunistas” junto aos moradores.

Cerca de 30 favelas da cidade já haviam sido extintas, entre elas, Catacumba, Praia do

Pinto e Esqueleto. Brás de Pina no bairro da Leopoldina, que situava-se bem próximo à

área central da cidade seria a próxima da lista, mas os moradores não aceitaram a

remoção e exigiram uma alternativa. Um grupo de arquitetos comandado pelo professor

Carlos Nelson Ferreira dos Santos, o “Quadra”, contratado pela CODESCO, trabalhou na

favela durante cinco anos. O projeto foi considerado o projeto de urbanização mais

inovador e bem sucedido da década, pois hoje é praticamente impossível identificar a

favela que havia na área anteriormente. Suas propostas foram fonte de inspiração para o

Programa Favela Bairro, implementado anos mais tarde. Carlos Nelson, responsável pela

proposta, definia o projeto de urbanização de favelas como um investimento social.

(MONTEIRO, 2003) (Figura 3.11)

Neste projeto, os moradores eram responsáveis pelos projetos para a melhoria em suas

casas e os arquitetos faziam as adequações necessárias a cada uma das situações,

conforme as necessidades técnicas e particularidades de cada imóvel. A CODESCO foi

responsável pelo levantamento para a localização das casas e para as condições de

atendimento de água e esgoto na favela.

Valladares (2009) comenta que a inspiração para essa intervenção poderia ter nascido de

uma visita, em 1960, do urbanista John Tuner, contrário às remoções. Este dizia que a

favela lhe foi apresentada como problema, quando, para ele, a remoção era o problema e

a favela a solução.

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Figura 3.10: Imagem de um conjunto habitacional para onde eram levados os moradores removidos das favelas. Fonte: CONDE E MAGALHÃES, 2004, p. 49.

Figura 3.11: Favela Brás de Pina ontem e hoje. Fonte: Arquivo Nacional / Correio da manhã Disponível em: < www.vivario.org.br>. Acesso em: Março/2011

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Em 1970 o Rio de Janeiro já possuía 162 favelas distribuídas nas suas 24 Regiões

Administrativas, passando para 283 em 1974, e a população residente crescendo de

565.129 para 771.090 habitantes nesse mesmo período.20

A operação antifavela tinha a justificativa ideológica e partia do pensamento dominante,

de acordo com a “imagem” que se tinha da população favelada. Na época, essa

população era considerada fruto do processo marcado pela marginalidade social. Nas

décadas de 1960 e 1970, os Governadores Carlos Lacerda (1960- 1965), Negrão de

Lima (1966-1971) e Chagas Freitas (1971 – 1974), intencionando a solução

empreenderam algumas ações. Em 12 anos 80 favelas foram abordadas pela operação,

26.193 barracos foram demolidos e 139.218 pessoas removidas (VALLADARES, 2009.

p.130). Os moradores removidos foram encaminhados aos conjuntos habitacionais

construídos pela COHAB, a Vila Kennedy, em Senador Camará; a Vila Aliança, em

Bangu; a Vila Esperança, em Vigário Geral e a Cidade de Deus, em Jacarepaguá (que

sozinha recebeu moradores de 63 favelas extintas). (Figura 3.12)

Figura 3.12: Conjunto habitacional na Zona Oeste. Fonte: CONDE E MAGALHÃES, 2004, p. 50

20 Dados retirados do Quadro V: Favelas do Rio de Janeiro por região Administrativa, 1970 e 1974, apresentado por Valladares, 1978, pg. 43

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Toda essa operação de deslocamento teve apoio financeiro do Governo Federal,

inclusive com recursos do BNH. A favela era percebida somente do ponto de vista

habitacional. Desta forma, os esforços tinham o intuito de construir imensos conjuntos

habitacionais para a remoção e realocação dos moradores, livrando o espaço da cidade

da marginalidade e da doença, ou seja, dos moradores dos assentamentos precários,

para dar lugar às grandes obras viárias e à valorização da terra.

Em 1975, com a fusão do município do Rio de Janeiro ao estado da Guanabara, muda a

organização administrativa do estado do Rio de Janeiro. A problemática do Bem Estar

Social, dentro da nova estrutura, passou a estar diretamente sob a responsabilidade do

Governo Estadual (JOCUM, 2007). Formou-se um conselho que congregava os

Secretários de Estado - Conselho Estadual de Desenvolvimento Social – CEDES - sob a

presidência do Governador, que discutiria as linhas de ação no campo econômico e

social. A Secretaria de Governo fornecia os elementos para a equação da política social,

e sua ação compreendia dois níveis de atuação: um nível era exercido pela

Coordenadoria Estadual do Bem Estar - CEBES; no outro nível, a Fundação Leão XIII

agia como órgão executor da política social por meio dos subprogramas de assistência

social em geral e assistência comunitária, atendendo a população mais carente do estado

do Rio de Janeiro.21 (PUC, 2007).

A partir da década de 1980, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro acompanha a

ocupação irregular da cidade por meio do cadastramento dos assentamentos irregulares

(CAVALIERI E LOPES, 2006). Nesta ocasião, o Prefeito Israel Klabin, indicado para

assumir a prefeitura pelo recém empossado governador Chagas Freitas, sugere a criação

da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social - SMDS, e estabelece como

prioridade de governo a atenção à favela (Ibidem). Com a criação da SMDS, figurava no

cenário municipal a discussão da urbanização enquanto um direito do favelado. A favela

passaria a ter o reconhecimento oficial do poder público, o que possibilitaria a realização

de obras, antes só permitidas em logradouros públicos ou em áreas com a legalidade

jurídica comprovada (Ibdem).

Inúmeros fatores contribuíram para a mudança da visão relacionada aos problemas que a

favela trazia para a cidade. Teóricos de várias partes do mundo já não enxergavam a

remoção dos bairros marginais e grandes projetos de reconstrução

21 Para Zucco (1997), a experiência da fusão não trouxe bons frutos, pois do ponto de vista político os limites entre estado e município somente eram claros no que diz respeito à geografia, originando conflitos nas atribuições. Já no que diz respeito à economia a tributação, favorecia o Estado ficando o Município com mais encargos e poucos recursos próprios.

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como solução para a precariedade de certos trechos das cidades. Valladares (op. cit.)

comenta que Willian Mangin (1967) e John Turner (1969), consultores das Nações

Unidas, por meio de suas pesquisas em diferentes países da América Latina, concluíram

que os bairros marginais em certa medida eram uma resposta popular ao déficit

habitacional observado, frente à urbanização acelerada pela qual passavam as grandes

metrópoles.

Ademais, no Rio de Janeiro, a política de remoções trouxe resultados contrários aos

esperados. A população aumentou por conta do retorno das pessoas removidas que não

conseguiram permanecer nos conjuntos vendendo suas casas. Para esta autora, as

bases econômicas em que foram pautadas essas operações habitacionais se mostraram

inviáveis, uma vez que parte da população não conseguiria arcar com os custos das

parcelas que deveriam voltar aos cofres públicos, comprometendo o equilíbrio financeiro

dos empreendimentos.

Segundo Magalhães (2003), o Estado Novo proibiu as favelas e reconheceu como sua a

tarefa de construir a moradia popular, permanecendo assim até a Constituição Federal de

1988. Esse autor destaca que a ideia de que quem promove a habitação popular é o

Governo e as empresas, e não a população revelou-se um enorme fracasso, pois entre

os anos 1946 e 2000, das 35 milhões de moradias que o Brasil urbano construiu somente

sete milhões foram financiadas.

A organização popular que desde o ano de 194522 era incentivada pelas ações da Igreja,

fazia frente contrária à remoção das favelas, passando a figurar juntamente com o tema

do meio ambiente como parte do pensamento central dos debates da sociologia de

esquerda.

22 Em 1945, surgiram comissões de moradores nos morros do Pavão e do Pavãozinho. Pouco depois, vieram as do Cantagalo e da Babilônia. Na década seguinte, foram criadas associações no Jacarezinho, na Barreira do Vasco, no Morro do Timbau, além de duas entidades mais amplas: a União dos Trabalhadores Favelados, em 1954, e a Coligação dos Trabalhadores Favelados da Cidade do Rio de Janeiro, em 1959. Além de lutar contra a remoção das favelas, o objetivo dessas entidades era garantir condições mínimas de sobrevivência, como água e luz. No início da década de 1960, proliferaram as associações nas favelas. Algumas resultavam da mobilização dos próprios moradores, outras eram incentivadas ou até mesmo criadas pelo poder público, preocupado com a expansão das favelas e com a mobilização de moradores. Entre os anos de 1961 e 1962, foram criadas mais de 75. A ideia era fazer delas um instrumento de controle político e um espaço para barganhas eleitorais. Ou seja, definidas como órgão de cooperação com o Estado, deveriam auxiliar na implantação de serviços básicos e na manutenção da ordem interna. Entretanto, em pouco tempo, muitas foram se distanciando do Estado. Em 1963, foi criada a Federação das Associações das Favelas do Estado de Guanabara - FAFEG. Congregando mais de 70 associações, seu objetivo era resistir à política de remoções que avançava a passos largos e lutar pela implementação de serviços públicos básicos nas comunidade. Disponível em: <http://www.ibase.br>. Acesso em 27 fevereiro de 2011

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Estabelecia-se assim uma espécie de pressão frente aos problemas observados na

ocupação irregular e na degradação da paisagem da cidade.

A década de 1980 é palco de uma série de ações do Governo do Estado no sentido de

dotar as favelas de infraestrutura de saneamento básico e de energia elétrica por meio de

programas e parceiras. O Governador Leonel Brizola, eleito em 1982, que pautou sua

campanha política pelo atendimento das classes desfavorecidas, redireciona a estrutura

institucional do Estado do Rio de Janeiro para atender às reivindicações da população

favelada. Com uma postura notadamente populista, procurou assegurar o apoio das

associações de moradores, neutralizando a ação de resistência às intervenções públicas

e conferindo alguns poderes a elas. No Projeto Favelas da Companhia Estadual de Água

e Esgotos - CEDAE, o PROFACE, foram atribuídas funções públicas a estas

associações, confiando-lhes, por exemplo, a contratação de mão-de-obra, a planificação

das intervenções e um orçamento de 5% para assegurar os gastos com a administração

dos trabalhos (BURGOS, 1996, apud ZALUAR, 2006, p. 43).

Além disso, em 1983 o governo Brizola implementou o primeiro grande projeto de

regularização fundiária, o Cada Família, Um Lote - CFUL, que visava regularizar 400.000

imóveis situados em favelas e loteamentos informais, concedendo títulos de propriedade

privada, individual, sem impor nenhum tipo de restrição à propriedade. Os resultados do

projeto foram bastante modestos e somente 16.000 títulos provisórios foram entregues,

mas nenhum título definitivo foi concedido. Entre as inumeráveis dificuldades sociais e

jurídicas com que esse projeto se defrontou, podemos citar a questão da afetação23 dos

imóveis alugados informalmente.

A carta da associação de moradores da Favela do Jacarezinho, endereçada à Secretaria

de Habitação do Estado do Rio de Janeiro em 1984, revela os desafios sociais de tal

processo:

Somos totalmente contra a exploração imobiliária; achamos que o Governo deve facilitar a aquisição da casa própria por cada inquilino ou, no caso de não ser possível a solução deste problema, que o governo assegure que os aluguéis não sofram reajustes exorbitantes em função de o proprietário estar com o seu título de propriedade. [...] Existem dentro de nossa comunidade pessoas que possuem inúmeras casas alugadas e que moram em outros bairros. Não concordamos em hipótese alguma serem estas pessoas carentes; por isso optamos pela negociação de suas casas com os respectivos inquilinos. [...] Se o proprietário de dez casas alugadas receberem dez títulos de propriedade se estará controvertendo o projeto CFUL. (ARAÚJO, 1990. p. 29)

23 O Conceito de afetação consiste em conferir destinação de uso a um imóvel público. Neste caso a afetação impedia que o imóvel público fosse destinado ao uso habitacional.

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Ao mesmo tempo a Prefeitura implementava o Programa Mutirão, por meio da SMDS,

com intervenções de pequeno porte que iam da execução de escadarias internas de

acesso à implantação de trechos de rede de água e esgoto, com a participação dos

moradores na execução, não abordava a questão da regularidade fundiária das favelas.

O Programa Mutirão pode ser considerado o embrião do Programa Favela Bairro, pois

congregava para as ações uma série de órgãos e agentes do poder público municipal

como o Instituto de Geotécnica - GEO-RIO, a Companhia de Limpeza Urbana -

COMLURB, a Companhia Municipal de energia e Iluminação - RIOLUZ, que na época era

Comissão de Energia Elétrica - CME, Companhia Estadual de Águas e Esgotos - CEDAE

do Governo Estadual, todos sob a supervisão da SMDS, a chamada “prefeitura dos

pobres”.

Enfim, essas primeiras ações no sentido da urbanização provocaram uma revolução no

interior das favelas. As melhorias urbanísticas decorrentes das intervenções, estimularam

a substituição progressiva dos barracos de madeira por construções sólidas e duráveis,

permitindo a multiplicação e a diversificação das atividades comerciais. A estrutura social,

por sua vez, se tornava ainda mais complexa, sobretudo por causa da migração

intraurbana da classe média empobrecida. O aumento da pobreza e da precariedade dos

vínculos empregatícios, durante os anos 1980, reforçou o acesso informal à moradia e

contribuiu tanto para o aumento da densidade das favelas situadas nos bairros mais

centrais, quanto para o aumento do número de favelas em outras áreas da cidade.

(SOARES, 2006)

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a política urbana e habitacional

passam a compor a agenda de prioridades do poder público. A Constituição pode ser

considerada um marco em relação à problemática urbana no Brasil. Naquele momento,

incorporam-se as questões urbanas e formulam-se instrumentos de atuação, no sentido

da regulação do uso do solo, da recuperação da mais-valia e da distribuição do ônus e do

bônus da urbanização. (FREIRE e OLIVEIRA, 2008)

Nessa ocasião, o Rio de Janeiro passa a tratar a questão da regularidade construtiva da

cidade como um todo, segundo Tupi (2007). Em 12 de março de 1990 o prefeito Marcelo

Allencar lança o Decreto Municipal N° 9.218, que pe rmitia a construção, modificação e

acréscimo nas edificações residenciais, lotes de vila ou em parcelas de lote.

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Com essa medida a Prefeitura visava a criação de regras especiais de loteamento, de

validade transitória, de forma que fossem simplificados os trâmites para obtenção das

licenças e da regularização fundiária.

Essa simplificação tinha em vista atacar e minimizar os problemas da cidade com relação

às inúmeras irregularidades, a existência de um grande número de obras executadas em

unidades residenciais sem licença, e a dificuldade na comercialização de imóveis devido

a essa situação de irregularidade, além de tentar garantir condições suficientes de

higiene e segurança.

Nos anos que sucederam à promulgação da Constituição, a Prefeitura começa a discutir

a formulação do Plano Diretor da Cidade. Esse plano trazia em seu escopo as idéias

propagadas pelo Movimento de Reforma Urbana24, um dos responsáveis pela inclusão

dos capítulos sobre a política urbana e habitacional na Constituição.

Em 1992 o Rio de Janeiro sediou a II Conferência das Nações Unidas para o Meio

Ambiente e Desenvolvimento, tendo como temas principais o desenvolvimento

sustentável e a reversão do processo de degradação acentuada do meio ambiente que já

podia ser observado. A conferência foi uma reunião com objetivo de discutir e minimizar a

distância que havia entre o desenvolvimento dos países do hemisfério norte e do sul. Os

acordos firmados no evento trouxeram em seu arcabouço importantes propostas e

compromissos. A Convenção do Clima, a Convenção da Biodiversidade, a Agenda 21 e a

Declaração do Rio, foram os documentos assinados durante o evento que reuniu 118

chefes de Estado. 25 Estes documentos suscitaram a discussão sobre a política

habitacional do Município do Rio de Janeiro, incluindo os temas que diziam respeito às

favelas.

24 O Movimento pela Reforma Urbana surgiu em meados da década de 1980. Setores da Igreja Católica, do movimento social, intelectuais, técnicos da área urbana e entidades organizadas em torno da política urbana, além de partidos políticos clandestinos e legais desenvolveram a articulação de um amplo movimento nacional para discutir propostas sobre a cidade, com vistas a participar de forma organizada do processo que estabeleceria uma nova Constituição. (SILVA, 2003) 25 A Convenção do Clima propunha a redução das emissões de gás carbônico, e dos gases que causam o aquecimento global, 153 países assinaram o acordo. A Convenção da Biodiversidade basicamente previa a proteção das espécies do planeta, e cujo compromisso estabelecia mecanismos de cobrança de uma espécie de outorga aos países que tivessem acesso às florestas e às fontes de biodiversidade. Os Estados Unidos não assinaram o acordo. A Agenda 21 continha 2.500 recomendações no sentido de implantar a sustentabilidade, sugerindo ações ambientais para os anos que se seguissem, tratando de temas como população, oceanos, resíduos tóxicos e desertos. A Declaração do Rio foi um documento simbólico que tinha o mesmo formato, no tocante ao meio ambiente, da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

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Nesse mesmo ano o Plano Diretor Decenal é aprovado como a Lei Complementar nº.

16/1992, onde figurava a questão da função social da propriedade, o principio da não

remoção das favelas e demais instrumentos inseridos no Estatuto da Cidade, publicado

anos mais tarde, em 2001.

O Rio de Janeiro, em outubro de 1993, possuía 573 favelas, sendo 15 delas com mais de

10 mil habitantes; 32 com população de cinco a 10 mil habitantes e 164 com população

de mil a cinco mil habitantes. Da população total de 5,42 milhões de habitantes da cidade,

962 mil moravam em favelas (CONDE e MAGALHÃES, 2004 p. 64).

É neste contexto que a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro passa a implementar o

Programa Favela Bairro. As pesquisas, tendo como objeto a favela, são intensificadas na

ocasião da implementação desse programa. A Prefeitura, por meio de seus agentes,

inicia o trabalho de observação da dinâmica da cidade através de estatísticas,

materializando os números levantados em mapas e publicações.

Em 1999 as favelas ocupavam 41,46 km², o que correspondia a 3,39 % da área total do

Município. Em 2004, passaram a ocupar 42,89 km², o que correspondia a 3,5 % dos

1.224,56 km² do Município (CAVALIERI E LOPES, op. cit.). Neste mesmo ano as favelas

passam a figurar efetivamente nos mapas da cidade elaborados pela Prefeitura, inclusive

com a divulgação dos dados por meio de site eletrônico. (Figura 3.13)

No ano 2000 a favela carioca, então com cem anos de existência, havia se transformado

em alternativa de moradia frente ao déficit habitacional. Os números indicavam que havia

mais de 40% dos habitantes da cidade do Rio de Janeiro morando em condições de

precariedade, incluindo as favelas. Embora o número de favelas tenha aumentado

durante a década de 1990, nesta ocasião identifica-se claramente uma mudança de

postura para com os assentamentos precários no Rio de Janeiro: o poder público

municipal passa a reconhecê-los efetivamente como parte da cidade e implementa um

conjunto de políticas públicas, com destaque ao Programa Favela Bairro, com vistas à

integração desses territórios à cidade formal.

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Figura 3.13: Mapa da Cidade do Rio de Janeiro indicando a Expansão das favelas entre os anos de 1900 e 1995. Fonte: VIAL, 2000, p. 33.

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3.2 O PROGRAMA FAVELA BAIRRO: CONCEITOS, ESTRUTURA E PROJETOS PARA URBANIZAÇÃO DE FAVELAS

O Programa Favela Bairro foi um dos mais importantes programas de urbanização de favelas

realizado até hoje no Brasil. Segundo o Decreto n° 14.332 de 1995, os objetivos do Favela

Bairro consistiam em, respeitando o capital construído pelos moradores, complementar ou

construir a estrutura urbana principal da favela (saneamento e maior acessibilidade a

estes espaços), de forma a preencher todas as condições para se considerarem as

favelas como verdadeiros bairros. Esse programa reforçou a ideia de que as favelas se

constituem numa real possibilidade de moradia para uma grande parte da população da

cidade, e teve a ambição de estabelecer uma intervenção articulada sob o concurso de

vários organismos públicos, rompendo com a lógica de intervenções pontuais de outrora.

(CONDE e MAGALHÃES, 2004)

O ano de 1993 é um marco do ponto de vista da mudança da atuação do poder público

municipal quanto ao enfrentamento das questões relativas aos assentamentos precários

e os impactos sobre o território regular da cidade do Rio de Janeiro. O então Prefeito

César Epitácio Maia, assessorado pelo arquiteto Luiz Paulo Conde, que na estrutura

administrativa municipal acumulava os cargos de Presidente do Instituto Municipal de

Planejamento - IPLAN e de Secretário Municipal de Urbanismo, convida o arquiteto

Sérgio Magalhães para ocupar o cargo de Secretário Executivo do Grupo Especial de

Assentamentos Populares - GEAP. Este grupo, que era composto por um membro de

cada uma das secretarias municipais, ficou responsável por elaborar a política

habitacional da cidade.

Segundo o Prefeito César Maia, a decisão de criar um órgão próprio para regularizar a

política habitacional do município, surgiu em agosto de 1993, durante um seminário sobre

habitação, na Câmara dos Vereadores, quando foi anunciada a criação do GEAP,

embrião da Secretaria Extraordinária de Habitação. Nesse momento a cidade era

entendida como “o lugar do encontro onde acontece a construção do coletivo e a

habitação urbana é casa e cidade.” Era o entendimento que a política habitacional era um

instrumento para a “democratização da cidade e estaria voltada ao combate ao déficit

habitacional.” (MAGALHÃES, 2003).

O GEAP, com encargo de sistematizar as ações municipais no campo da habitação,

concebeu a chamada base para a política habitacional.

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O Prefeito, com a sanção da Lei Ordinária n° 2.262 de 16 de dezembro de 1994, decide

pela criação da Secretaria Municipal de Habitação - SMH, extinguindo a Secretaria

Extraordinária de Habitação que havia sido criada em março do mesmo ano e que tinha

como principal objetivo a integração das comunidades carentes à cidade, expandindo as

ações realizadas pelos governos anteriores na área da habitação. O arquiteto Sérgio

Magalhães, então Secretário Executivo do grupo, assume a pasta da habitação dando

continuidade ao trabalho iniciado no GEAP.

Naquele momento a política habitacional do município tinha como objetivos básicos

aqueles estabelecidos pelo Plano Diretor: utilização racional do espaço público por meio

do controle institucional do solo urbano, a repressão da ação especulativa sobre a terra e

a simplificação das exigências urbanísticas para garantir à população o acesso à moradia

com infraestrutura urbana; a realocação prioritária das populações assentadas em áreas

de risco, com a recuperação imediata e adequada; urbanização e regularização fundiária

de favelas e de loteamentos de baixa renda; implantação de lotes urbanizados e de

moradias populares; e a geração de recursos para o financiamento dos programas

dirigidos à redução do déficit habitacional e à melhoria da infraestrutura urbana, com

prioridade para a população de baixa renda.

Antes mesmo da criação da SMH, em 08 de junho de 1994, a Prefeitura, com apoio da

Empresa Municipal de Informática e Planejamento - IPLANRIO e do IAB-RJ, escolhem 16

equipes, por meio de um concurso público, para que junto aos técnicos da Prefeitura

desenvolvessem projetos para a primeira fase do Programa Favela Bairro, que

beneficiaria 50 mil habitantes. Na convocação do concurso fica claro que a urbanização

de favelas era um desafio à pratica adotada pela política habitacional até então. A ideia

era desenvolver uma metodologia de trabalho própria.

Não há conhecimento sistematizado sobre o que fazer nas favelas. Se houvesse normas claras sobre como projetar em favelas e que estas condicionassem o desenho, o Concurso seria outro: de provimento de cargos para contratar profissionais para desenvolver um trabalho para o qual existe uma metodologia própria no poder público.

O Concurso é uma convocação para as equipes que tenham ideia do que fazer. A boa proposta metodológica será a daquela equipe que for capaz de otimizar a ponto de resolver o máximo com um mínimo de homens/hora, com soluções metodológicas capaz de enfrentar problemas complexos, com a menor relação custo/benefício para todos: sociedade, favelados, órgãos públicos e técnicos. (Concurso Favela-Bairro: Encontro em 19 /04 /94, Perguntas e Respostas. 1994.)

Duarte, Silva e Brasileiro (1996) comentam que para Sérgio Magalhães a realização do

concurso permitiu o aprofundamento da reflexão sobre o fenômeno urbano carioca, à luz

da experiência brasileira no trato da questão da moradia.

Favela Bairro

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Durante a primeira administração do Prefeito César Maia, seis programas foram

propostos: 1) O Favela Bairro; 2) O Morar Legal; 3) A Regularização Fundiária; 4) O

Novas Alternativas; 5) O Morar sem Risco e 6) o Morar Carioca. Tinham como principal

diretriz atender as diversas vertentes habitacionais encontradas pelo grupo durante a

atuação junto aos assentamentos precários existentes na cidade. A participação dos

arquitetos foi fundamental para a construção da nova política habitacional municipal do

Rio de Janeiro à época do Favela Bairro, e o projeto de urbanização de favelas passa a

ser a principal ferramenta para a efetivação das ações de transformação física dos

assentamentos.

A formatação destes programas baseava-se no respeito às preexistências26, ou melhor,

no reconhecimento do esforço coletivo das famílias residentes dos assentamentos

populares em construir por seus próprios meios suas casas, e no direito de ali

permanecerem.

De maneira geral, pode-se dizer que o Favela-Bairro surgiu da percepção, no âmbito municipal, de que era preciso criar uma forma de intervenção global nas favelas que promovesse sua integração e não mais a sua remoção, concentrando esforços de diversos órgãos e secretarias. Esta mudança na orientação político-administrativa da prefeitura ganhou força com a realização do Primeiro Seminário sobre Áreas Favelizadas, Política de Urbanização e Meio Ambiente, no contexto da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada em 1992 na cidade, e com as discussões em torno da elaboração do primeiro Plano Diretor da Cidade, sancionado no mesmo ano. (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2003).

A primeira etapa do Programa foi iniciada em 1994. O quadro 3.1 reúne as favelas da

primeira etapa organizadas em grupos de acordo com características específicas. As

favelas do Grupo 1 foram as primeiras selecionadas para a implementação do Programa :

O Complexo do Andaraí, onde viviam cerca de 7 mil pessoas, e em mais 15 áreas: 1) O

Morro dos Prazeres, o Morro do Escondidinho e o Morro da Serrinha, favelas que

ocupavam encostas, onde havia a necessidade de intervenções de maior peso em

relação a implantação de infraestrutura e complexidade; 2) O Morro da Fé, o Grotão, o

Cerro – Corá/Vila Candido/Guararapes, o Morro União, o Caminho do Job e na Mata

Machado, favelas em encostas, mas onde já havia sido implantada infraestrutura de

saneamento básico e outras intervenções significativas; 3) As favelas densas de Três

Pontes, Canal das Tachas, em Fernão Cardim e Parque Royal, instaladas em áreas

planas sujeitas a inundações.

26 O respeito às pré-existências é reforçado por Sérgio Magalhães (2007) quando discute conceitos como o principio da contiguidade e da continuidade. Contiguidade como relação de vizinhança e continuidade como algo que se desenvolve sem interrupção.

Favela Bairro

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Por ultimo, a Chácara Del Castilho, a Ladeira dos Funcionários/Parque São Sebastião,

áreas planas com intervenções significativas. (CONDE e MAGALHÃES, op. cit., p. 82)

(Figura 3.14)

Quadro 3.1 - As favelas da primeira etapa do Favela Bairro reunidas por grupos de especificidades das intervenções.

PRIMEIRA ETAPA DO PROGRAMA FAVELA BAIRRO

ÁREAS BAIRRO DOM. POP. CARACTERÍSTICAS

GRUPO 1

COMPLEXO DO ANDARAÍ ANDARAÍ 1.740 6.951 ÁREAS DE ENCOSTAS COM ALTO NÍVEL DE CARÊNCIA EM INFRAESTUTURA URBANA. PRIORIDADES: SANEAMENTO BÁSICO REFLORESTAMENTO, CONTENÇÃO DE ENCOSTAS, E REASSENTAMETNO PONTUAL

MORRO DOS PRAZERES SANTA TERESA 709 2.836

MORRO DO ESCONDIDINHO SANTA TERESA 709 3.421

MORRO DA SERRINHA MADUREIRA 566 2.389

GRUPO 2

MORRO DA FÉ PENHA 526 2.104 ÁREAS DE ENCOSTA DOTADAS EM MAIOR OU MENOR GRAU DE INFRAESTRUTURA, MAS QUE SOFRERAM INTERVENÇÕES SIGNIFICATIVAS. PRIORIDADES: COMPLEMENTAÇÃO DE INFRAESTRUTURA E EQUIPAMENTOS SOCIAIS

GROTÃO PENHA 526 2.104

CERRO CORÁ/ VILA CANDIDO/GUARARAPES COSME VELHO 685 2.891

CAMINHO DO JOB PAVUNA 523 2.092

MORRO UNIÃO PAVUNA 523 2.092

MATA MACHADO ALTO DA TIJUCA 511 2.044

GRUPO 3

TRÊS PONTES SANTA CRUZ 866 3.464 ÁREAS PLANAS SUJEITAS A INUNDAÇÕES, DOTADAS DE INFRAESTRUTURA E ALTAMENTE DENSIFICADAS. PRIORIDADES: SOLUÇÕES DE MACRODRENAGEM, INTERVENÇÕES NO ENTORNO E REASSENTAMENTO

CANAL DAS TACHAS RECREIO 570 2.362

FERNÃO CARDIM PILARES 682 2.747

PARQUE ROYAL ILHA DO GOVERNADOR 698 2.851

GRUPO 4

CHACARA DEL CASTILHO DEL CASTILHO 559 2.236 ÁREAS PLANAS OU SEMIPLANAS DOTADAS DE INFRAESTRUTURA, DE ALTA DENSIDADE. PRIORIDADE: INTERVENÇÕES NO ENTORNO

LADEIRA DOS FUNCIONÁRIOS / PQ. SÃO SEBASTIÃO

CAJU

833

3.332

Fonte: Política Habitacional da Cidade do Rio de Janeiro – publicação maio de 1995 com base em dados do IBGE 1991

Observa-se que, de modo geral, o número de domicílios nas favelas variava entre 500 e

850 e o de moradores agrupados variava entre dois mil e 3,5 mil habitantes, com

O Decreto n°14.332, de 7 de janeiro de 1995, regula mentou o Programa Favela Bairro

em dezembro de 1995 a Prefeitura assinava um contrato com o BID no valor de 300

milhões de dólares, sendo 60% financiados pelo Banco e o restante como contrapartida

da Prefeitura.

Favela Bairro

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Figura 3.14: Mapa do Município do Rio de Janeiro com a indicação das favelas beneficiadas pelo Programa Favela Bairro. Fonte: PCRJ, 1999. Disponível em: <www.rio.com.br>

Favela Bairro

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Segundo Conde e Magalhães (2004) a Prefeitura já havia investido recursos da ordem de

R$ 8 milhões por ano, investimento esse que triplicaria, chegando a 56 milhões ao final

de 1995, e seguiria aumentando, perfazendo uma média anual de 250 a 300 milhões na

fase da implantação do Favela Bairro. Esses valores atenderiam uma população de até

340 mil habitantes.

Com a assinatura do convênio com o BID a Prefeitura cria o Programa de Urbanização

de Assentamentos Precários - PROAP, que incorporou o Programa Favela Bairro e os

Programas de Educação Sanitária e Ambiental e de Desenvolvimento Institucional. Além

dos recursos, que cresceram consideravelmente com os recursos advindos do BID, o

número de técnicos de nível superior envolvidos nos projetos para a urbanização dos

assentamentos populares cresce, e entre os anos de 1997 e 1998 era de

aproximadamente mil, dentre funcionários da Prefeitura, terceirizados e contratados no

âmbito das concorrências públicas para projeto e gerenciamento. (FREIRE e OLIVEIRA,

op. cit.)

Através da criação do Programa de Urbanização de Assentamentos Populares - PROAP,

a cidade do Rio de Janeiro inicia uma nova fase, com a obtenção de recursos para a

urbanização de suas favelas, inclusive do Governo Federal, por meio da Caixa

Econômica Federal - CEF.

Para efeito da legalidade das ações, e desta forma para que a Prefeitura pudesse intervir

de imediato nas favelas definidas para a primeira etapa do programa, foi promulgada a

Lei nº. 2499 de 26/11/96, que declarava as favelas como Áreas de Especial Interesse

Social - AEIS, para fins de inclusão em programa de urbanização e regularização

fundiária. Em seu artigo 3º a Lei observava que as áreas seriam urbanizadas e

regularizadas pelo Poder Executivo, respeitando os padrões de urbanização,

parcelamento da terra e de uso e ocupação do solo.

A estrutura da Prefeitura foi reorganizada e a SMH ficaria responsável pela coordenação

do programa de forma a atender tanto a demanda junto às favelas, quanto às exigências

do BID. Conforme o programa avançava e as primeiras intervenções eram concluídas,

regras e diretrizes especificas eram formatadas de modo a atender as especificidades

dos territórios que se pretendia transformar. Como exemplo, a COMLURB organizou um

programa especifico para o atendimento – o Favela Limpa - que incluía a contratação por

meio das Associações de Moradores de

Favela Bairro

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agentes comunitários, moradores das “Comunidades”27 para o trabalho de limpeza, o

recolhimento do lixo das vielas e becos. Esse programa, ao final do ano 2000, teria

atendido a todas as favelas. Agentes comunitários também foram escolhidos para

incorporar e colaborar no trabalho de educação sanitária, sendo as moradoras das

favelas as primeiras pessoas treinadas para tanto.

Para a manutenção das benfeitorias implantadas, o controle do uso e da ocupação do

solo e a contenção da expansão das favelas a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro –

PCRJ adota uma estratégia com a implantação de um Posto de Orientação urbanística

conhecido como POUSO28 29, regulamentado e oficializado por meio de decreto em 1996,

subordinado à Coordenação de Orientação e Regularização Urbanística das Áreas de

Especial Interesse Social - CRU, passando a figurar efetivamente no organograma da

secretaria em março de 1997. (TUPI, 2007)

Os POUSOs eram e são postos descentralizados da Prefeitura, implantados nas

comunidades beneficiadas por programas de urbanização que têm por objetivo promover

a consolidação dessas áreas, buscando assegurar a real integração à cidade formal.

Para tanto, desenvolvem-se ações de orientação social, assistência técnica,

regularização urbanística e fiscalização, estabelecendo parcerias com órgãos

governamentais e ONGs. Os POUSOS inicialmente dentro da estrutura da SMH em julho

de 2003, foram transferidos para a Secretaria Municipal de Urbanismo – SMU. Esses

organismos atuam nas áreas urbanizadas com a finalidade de: elaborar e fiscalizar a

legislação, promover o planejamento, orientar construções, licenciar obras, conceder

habite-se e controlar o crescimento das áreas, assegurando que os equipamentos e

serviços públicos não se tornem insuficientes.

27 Comunidade era o termo pelo qual eram tratados os moradores das favelas no Rio de Janeiro. O conceito de comunidade hoje é discutido por inúmeros autores que consideram a homogeneização da população moradora das áreas faveladas prejudicial, generalizando as características e transformando em estigma o fato de se morar em uma favela. (considerações da autora) 28 Essa unidade pública de atendimento era composta por uma equipe de arquitetos ou engenheiros e assistentes sociais e agentes comunitários, que trabalham interdisciplinarmente com o objetivo geral de orientar os moradores quanto à preservação dos espaços públicos da comunidade, e especificamente de garantir a consolidação do novo bairro, manter os equipamentos implantados, orientar novas construções e controlar o crescimento das comunidades após as obras do Favela Bairro. Para Tupi o POUSO angariou também a função de articular com órgãos as tarefas o recolhimento de lixo, a instalação e manutenção da rede elétrica, fornecimento de água, assegurando a presença dos serviços públicos nas comunidades. (op. cit.) 29 Para informações mais detalhadas ver CASTRO, 2008. Tânia Castro, hoje Coordenadora de regularização urbanística da PCRJ informa que a estratégia do POUSO já era utilizada desde 1990, antes mesmo da criação da SMH, sendo incorporada à estrutura da SMH há época do FAVELA BAIRRO.

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Dentro do PROAP as diretrizes de intervenção foram definidas para balizar a

hierarquização dos assentamentos que seriam alvos do programa no que diz respeito aos

aspectos físicos, das características morfológicas e tipologias de ocupação e construção,

bem como a respeito do número de domicílios e habitantes, de forma a orientar a

elaboração de projetos. A integração dos territórios informais à cidade formal era a

primeira das diretrizes, seguida da indicação de soluções de boa técnica e baixo custo,

para dotar as áreas de infraestrutura básica de saneamento e para a implantação de

equipamentos públicos de educação e lazer. (Figura 3.15)

Figura 3.15: Favela Praia da Rosa, antes e depois do Favela Bairro, 1998. Fonte: CONDE E MAGALHÃES 2004, p. 71.

A organização da estrutura da SMH possibilitou o acompanhamento dos projetos e obras

pelos técnicos lotados na secretaria. A Coordenação de Programação da SMH, que,

abaixo da Gerencia do Programa, fazia a coordenação do Favela Bairro, contava também

com duas coordenações: a de projeto, que era subdividida na Coordenação de Favelas e

na Coordenação de Loteamentos, e a coordenação de obras; além de uma equipe para a

elaboração e verificação de orçamentos.

Favela Bairro

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Na estrutura da Prefeitura havia também as Coordenações de Regularização Fundiária e

de Participação Comunitária.

A Coordenação de programação organizou junto as Coordenações de Projetos e Obras

as equipes de projetos e obras de forma a destinar um fiscal de projeto e um fiscal de

obras a cada uma das áreas de intervenção. A equipe social acompanhava todo o

processo de urbanização. O trabalho social perpassava todo o percurso de projeto, a

identificação das lideranças, a organização das atividades de participação, bem como a

capacitação de toda a população moradora para a participação no processo de

urbanização. A fiscalização acompanhava a elaboração dos projetos junto aos escritórios.

É Importante ressaltar que no primeiro contrato de financiamento com o BID havia a

exigência da contratação de supervisão e apoio para o programa. Desta forma, a equipe

da SMH poderia ser mais enxuta, mais eficiente e funcionaria como agente fiscalizador.

Ainda duas empresas municipais foram chamadas para o apoio à elaboração dos

projetos e execução das obras: a Empresa Municipal de Urbanização - RIOURBE e o

IPLANRIO. Já na primeira etapa do PROAP duas empresas auxiliavam na fiscalização e

controle de qualidade do programa e dos projetos, uma atuando no apoio à supervisão

(AMBIENTAL) e a outra no gerenciamento do programa (TECNOSOLO).

Em 1998 um novo contrato de gerenciamento de projetos e obras foi assinado e três

consórcios foram contratados, formalizando três gerenciadoras, AMBIENTAL/LOAR,

LOGOS/PLANAVE e NORONHA/BUREAU, empresas paulistas e cariocas consorciadas.

Por sua vez, as gerenciadoras estabeleceram equipes e procedimentos de trabalho

coadunados com as exigências e as especificações dadas pela SMH, por meio da

TECNOSOLO. Os consórcios de gerenciamento tinham em seu organograma equipes de

projeto, planejamento, obras e assistência técnica, que davam suporte à equipe da SMH.

A prefeitura definiu pela terceirização da elaboração dos projetos, que foram contratados

por meio de concorrências públicas. Foram contratados 20 escritórios, que contavam com

profissionais, arquitetos, engenheiros, sociólogos, dentre outros.

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Os critérios de escolha30 das favelas foram definidos em conjunto com os técnicos do

BID, que consideravam o nível de consolidação, os níveis de viabilidade das

intervenções, situação da organização comunitária, aprovação das propostas pela

população moradora, alem, é claro, da prioridade verificada na análise dos conjuntos de

favelas existentes. (CONDE e MAGALHÃES, op. cit.)

As equipes da SMH eram organizadas de acordo com as áreas de planejamento (AP) 31,

desta forma os fiscais eram responsáveis por mais de uma favela e, como consequência,

por mais de um escritório de projetos e por mais de uma construtora. A equipe de

participação social da SMH estabelecia o contato da equipe de projeto com as lideranças

e acompanhava o desenvolvimento das atividades durante todo o processo. No início de

cada projeto eram realizadas reuniões chamadas de macro função, onde eram

convocados os órgãos da Prefeitura para que fossem estabelecidos os procedimentos e

o comprometimento de cada um deles na formalização, conclusão e a execução das

obras.

O Programa Favela Bairro atendeu assentamentos que possuíam dimensões e níveis de

consolidação diversos. Durante o ano 2000, cerca de 60 projetos foram elaborados e 46

obras tiveram o processo licitatório concluído. Ao final do ano 2000, o Programa havia

atendido cerca de 150 assentamentos32. (CONDE e MAGALHÃES, 2004)

30 Entre os critérios de seleção de áreas aprovados pelo contrato com o BID, destacamos: a dimensão da favela entre 500 e 2.500 domicílios; o déficit da infra-estrutura (porcentagem de domicílios com serviços inadequados de água potável e esgotamento sanitário); a carência socioeconômica (média dos fatores: porcentagem de chefes de família com rendimentos até um salário mínimo, porcentagem de domicílios cujos chefes são analfabetos, porcentagem de domicílios chefiados por mulheres e porcentagem de crianças de 0 a 4 anos); o grau de facilidade de urbanização (existência de infra-estrutura prévia, custo e complexidade para implantá-la); a dimensão estratégica (existência de programas complementares já planejados). (CARDOSO, 2007) 31 Administrativamente o município do Rio de Janeiro, que tem 160 bairros, é dividido em 05 Áreas de Planejamento -AP, que, por sua vez, são divididas em 34 Regiões Administrativas, que estão agrupadas em 19 subprefeituras. 32 Para maior detalhamento quanto às favelas atendidas consultar os dados das tabelas apresentadas as paginas 147 a 155 do livro “Favela Bairro: Uma outra história da cidade do Rio de Janeiro”. (Conde e Magalhães, 2004)

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3.2.1 O Projeto de Urbanização como instrumento do Programa Favela Bairro

No âmbito da concepção do Programa Favela Bairro, a reconfiguração de um espaço

urbano só seria possível por meio da investigação e do estudo, possibilitados pelo

exercício do projeto, desde que atendidos os seguintes pressupostos:

• Completar ou construir a estrutura urbana principal, através da implantação de saneamento básico e do sistema viário, permitindo a livre circulação de veículos e pedestres, de modo a dar acesso a todas as moradias e viabilizar a prestação de serviços públicos, particularmente de saúde, segurança e limpeza urbana;

• Introduzir valores urbanísticos da cidade formal, como ruas, praças, infraestrutura e serviços, possibilitando a leitura da favela como bairro da cidade;

• Consolidar a inserção das favelas no processo de planejamento da cidade, incluindo nos planos, programas, mapas e cadastros relativos ao controle do uso e ocupação do solo e na programação de atividades de manutenção de serviços públicos e conservação dos equipamentos públicos ali instalados;

• Implementar ações de caráter social, implantando creches, programas de geração de renda e capacitação profissional e atividades relacionadas ao esporte, à cultura e ao lazer, entre outras;

• Promover a regularização fundiária ou prestar assistência técnica necessária à obtenção, por parte dos moradores da documentação que lhes garanta a permanência no local. (PCRJ, 1998)

No conjunto de pressupostos ainda figurava a implementação do modelo de gestão

diferenciada, envolvendo todos os agentes municipais para atingir os objetivos

pretendidos. Esse modelo de gestão deveria incluir a atuação de diversos agentes e

órgãos municipais e estaduais, de forma a garantir a atuação integrada, o que,

consequentemente, traria uma melhor utilização dos recursos e melhores resultados.

A partir dos pressupostos indicados acima foram estabelecidas as seguintes diretrizes

para o projeto para a urbanização:

• Implantação de Infraestrutura de Saneamento Básico;

• Integração da favela à malha viária formal por meio da implantação da acessibilidade;

• Reforma e melhoria da circulação interna de pedestres;

• Urbanização para potencialização e criação de Áreas de Lazer e Convivência;

• Tratamento das Áreas de Risco;

• Implantação de Equipamentos Públicos e Programas Sociais;

• Provisão Habitacional quando houver área disponível (Ibidem).

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As diretrizes acima anotadas eram o que se pretendia com o exercício da urbanização

das áreas faveladas da cidade naquele momento. A integração daqueles territórios ao

tecido urbano formal implicava na implantação ou complementação de infraestutura de

saneamento básico, não mais a titulo de atendimento local, e, sim, como objetivo da

regularização, inclusive das estruturas do entorno imediato, e desta forma até o destino

final dos sistemas. Além disso, todo o tratamento do sistema viário e das áreas de risco,

a implantação de equipamentos públicos e a provisão habitacional transformariam não só

aquele território, mas também a cidade, modificando a visão daquele trecho da cidade

pelo cidadão em geral, contribuindo para o cumprimento do compromisso com o direito à

cidade, estabelecido na Constituição Federal de 1988. (Figura 3.16)

Para a elaboração dos projetos foram estabelecidos parâmetros específicos geridos por

um termo de referência elaborado pela equipe da Coordenação de Projetos da PCRJ que

norteou a contratação dos escritórios por meio de concorrências públicas. Para que os

projetos fossem elaborados e as obras pretendidas fossem executadas, uma série de

etapas e normas técnicas deveria ser cumprida. Os parâmetros de projeto tanto para

infraestrutura quanto para as edificações foram formatados dadas as especificidades das

ocupações estabelecidas no território das favelas. Com o apoio das gerenciadoras foram

formatados documentos-base estabelecendo procedimentos para a elaboração dos

projetos das diversas disciplinas que compunham o projeto para urbanização de favelas,

desde a organização dos documentos até o padrão de apresentação dos desenhos e

documentos. Um desses documentos-base era o Termo de Referência que já constava

do conjunto de anexos do edital de licitação de projetos.

Dentro do termo de referência figuravam as etapas de projeto que deveriam ser seguidas

de forma a possibilitar a perfeita compreensão e execução dos orçamentos e obras, a

saber: Diagnóstico; Plano de Intervenção; Projeto Básico; Orçamentos; Projeto Executivo

e Adequação de projetos à obra e o as built33.

O Diagnóstico contemplava o levantamento de todas as informações relativas à

ocupação, tanto no que diz respeito às informações acerca dos aspectos sociais da a

população moradora, cronologia da ocupação, origens, tipos de ocupação dos

moradores, renda, número de famílias, características culturais especificas;

33 Podemos traduzir o termo como pós-construção ou depois de construído (tal como construído). Efetivamente era a apresentação do projeto com as alterações sofridas no decorrer da obra.

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quanto no que diz respeito aos aspectos físicos da favela, quando se pesquisava sobre

as informações fundiárias da ocupação, a topografia e configuração morfológica e a

estrutura urbana existente. Os dados eram materializados em mapas e documentos,

como o cadastro, que continha imagens das moradias existentes a época do projeto.

Além da pesquisa destas informações, em órgãos públicos e em campo, eram realizados

workshops com a participação da população, da equipe da SMH e dos projetistas para o

levantamento das demandas especificas e/ou especiais de cada favela. (Figura 3.17)

O Plano de Intervenção contemplava o conjunto de propostas para todos os sistemas e

equipamentos a serem implantados. Nesta etapa deveriam ser levantadas as estimativas

orçamentárias para cada sistema de modo a verificar possíveis desvios nos custos e a

garantia da boa técnica. A partir da aprovação da etapa de Plano de Intervenção, a

equipe projetista passava à elaboração da etapa do Projeto Básico, que consistia em

peças gráficas de cada sistema, componentes da execução das obras: Sistema Viário; de

Abastecimento de Água; de Esgotamento Sanitário; de Drenagem de Águas pluviais;

Dispositivos de contenção de encostas; projetos para equipamentos públicos e os

projetos de arquitetura, estrutura e instalações das edificações propostas.

Havia ainda duas etapas apartadas das demais, uma na sequência do diagnóstico e

outra na sequência do projeto básico, as quais subsidiariam a elaboração dos

documentos e do processo de regularização fundiária: a Pesquisa Fundiária, o Projeto de

Alinhamento e o Projeto de Parcelamento.

A pesquisa fundiária servia para identificar a situação da propriedade da terra e desta

forma elaborar documentos e os procedimentos para eventuais desapropriações e ou

indenizações das benfeitorias34 existentes no processo de implantação das intervenções.

Já os projetos de alinhamento e parcelamento definiriam os limites do espaço público e

privado, bem como dos lotes para a efetiva regulamentação. Dentro do escopo do Projeto

de Parcelamento deveria ser elaborada uma minuta de legislação, com a indicação dos

usos do solo e dos gabaritos a serem praticados após a implantação das intervenções.

34 Entende-se por benfeitorias as construções e as moradias existentes nas favelas. (considerações da autora)

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Em seguida seria elaborado o orçamento detalhado de todos os sistemas e

equipamentos de forma a subsidiar o processo de licitação35 das obras. O projeto

executivo era elaborado na sequência do projeto básico com o detalhamento das

principais estruturas; uma espécie de complementação da etapa de projeto básico, uma

vez que esta, já bastante detalhada, contemplava praticamente todo o conjunto de

informações necessárias à execução das obras.

O Caderno de Especificações de Projetos continha todos os parâmetros de cada uma

das disciplinas que envolviam os projetos para a urbanização das favelas inseridas nos

programas, já o Caderno de Encargos de obras possuía as informações e especificações

para cada serviço envolvido na execução das obras, como por exemplo a construção de

canteiro, sinalização de obras, até o de assentamento das tubulações.

Era comum o projeto sofrer adequação no decorrer da execução dos serviços para

implantação, uma vez que os prazos entre projeto e obra eram de certa forma extensos,

bem como algumas descobertas durante as escavações e remoção das moradias

obrigavam a correções e/ou modificações. Desta forma, os projetos uma vez revisados

pelas necessidades verificadas em campo, tinham as peças gráficas também revisadas,

configurando o as built, termo usado pelos projetistas para indicar as modificações

sofridas no processo de execução de obra.

Durante as obras eram realizadas atividades de assistência técnica que, para projetos de

urbanização de favelas, são imprescindíveis e tem a finalidade de garantir a plena

implantação das intervenções. Para tanto, as Gerenciadoras colocavam à disposição da

Prefeitura sua equipe de Assistência Técnica, que dava suporte na complementação de

levantamentos topográficos, projetos complementares e consultorias especificas, tais

como análise da situação geotécnica de determinados trechos, das estruturas propostas

pelos projetos, na verificação dos orçamentos e planejamento das obras.

Considera-se que essa estrutura, funcionava como “um relógio”, seja na escolhas das

áreas, na definição das intervenções, no acompanhamento junto à população, na

elaboração dos projetos, na elaboração dos orçamentos, nos processos licitatórios, nas

obras, seja no trabalho de divulgação das ações junto a população da cidade.

35 Licitação é processo de contratação de serviços e obras públicas, realizado por meio de concorrência pública. (considerações da autora)

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Cabe ressaltar que o trabalho de pós-ocupação, que deveria ser realizado na fase

imediatamente posterior ao término das obras, não foi desenvolvido, por conta da forma

abrupta com que foram paralisadas as obras e modificada a estrutura da Prefeitura. Os

objetivos do Programa foram descaracterizados, sendo paulatinamente retirados da

agenda de prioridades da gestão que sucedeu o Prefeito Luiz Paulo Conde36 no ano

2001.

Do conjunto de projetos de urbanização implementados destaca-se o caso da Favela

Fernão Cardim, que inclusive teve o processo de regularização fundiária equalizado.

Figura 3.16:

Detalhes das escadas de acesso das Favelas Parque Boa Esperança, do Andaraí e da Casa Branca na Zona Norte beneficiadas pelo Programa Favela Bairro.

Fonte: Acervo equipe PCRJ e CONDE E MAGALHÃES, 2004, p. 85 e 123

36 César Epitácio Maia sucedeu Luiz Paulo Conde na Prefeitura em 2001.

Favela Bairro

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Figura 3.17: Reunião com a população. Fonte: CONDE E MAGALHÃES, 2004, p. 103. 3.2.2 Favela Bairro: (Des) continuidades e desdobramentos recentes

Como já colocado, na gestão do Prefeito César Maia, no ano de 2001, a estrutura da

SMH foi modificada. Apesar disso, alguns projetos ainda foram elaborados e obras

parcialmente executadas, porém, com características bastante diferenciadas do que se

conheceu e pode ser tratado pela alcunha de Favela Bairro.

O Programa Favela Bairro nos moldes do período compreendido entre os anos 1994 e

2000 não foi retomado e as favelas continuaram crescendo em número e em território.

Aquelas que receberam os benefícios viram as obras e os equipamentos se deteriorar e a

cidade então perdeu muito. Um fator que talvez tenha contribuído, na opinião desta

autora, para a descaracterização do Programa Favela Bairro seria a disputa político-

partidária, que já havia acontecido quando da eleição de Luiz Paulo Conde, que

compunha a estrutura da prefeitura na Gestão de César Maia em 1996.

A equipe que assumiu os cargos de confiança da SMH em 2001 em nada se

assemelhava, no que diz respeito à forma de atuação junto às favelas, daqueles que

faziam parte da secretaria no período entre os anos de 1996 e 2000. Considera-se que a

postura com ênfase na atuação política frente a atuação técnica foi a principal mudança

na atuação da Prefeitura junto as favelas. Poucas obras estruturais foram realizadas e o

acompanhamento junto às favelas que foram beneficiadas pela urbanização no período

de vigência do Programa Favela Bairro foi de pequeno vulto contribuindo para o aumento

das favelas em número e área.

Favela Bairro

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No período entre os anos de 1999 e 2004 as 750 favelas, identificadas pelo Instituto

Pereira Passos - IPP na cidade, que em 1999 tinham área total de 41,46 km², passam a

42,89 km² em 2004, ou seja, o crescimento foi de 3% neste período. Observa-se maior

tendência de crescimento nas favelas localizadas na Zona Oeste, que antes

configuravam 11,71 km², passando a somar 12,47 km² (Figura 3.18).

Figura 3.18: Mapa do crescimento percentual das áreas das favelas entre os anos de 1999 e 2004. Fonte: <www.armazemdedados.rio.rj.gov.br>

Favela Bairro

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É possivel observar na figura 3.18 um maior crescimento da área das favelas nas Zonas

Norte e Oeste, onde ficam os bairros da Penha e Barra da Tijuca, repectivamente.

Entende-se que o crescimento em área se deu por conta inclusive da configuração

morfológica dos sítios encontrada nestas regiões, além é claro do valor dos terrenos e da

disponibilidade de área vagas.37

Cavalieri e Vial (2009)38 confirmam que o crescimento das favelas no período entre os

anos de 1999 e 2008 seguiu a tendência geral de expansão da cidade, que se verifica na

direção sudoeste, em dois vetores socioespaciais. De um lado, as favelas

acompanharam o crescimento da Baixada de Jacarepaguá (que inclui o Bairro da Barra

da Tijuca), localizado-se nas proximidades dos mercados de trabalho emergentes nessa

região. De outro lado, está o vetor de expansão periférica pobre, na Zona Oeste da

cidade, abrangendo os fartos, baratos e distantes terrenos das Regiões Administrativas

de Realengo, Bangu, Campo Grande, Santa Cruz e Guaratiba.

Conclui-se que das 750 favelas identificadas na cidade; 356 tiveram crescimento em área

territorial; 351 não tiveram crescimento significativo e 43 reduziram seu perímetro, sendo

que 25 foram beneficiadas por projetos e obras dos diversos programas para urbanização

de favelas da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro nos últimos anos. (CAVALIERI e

LOPES, 2006)

Importante reforçar que mesmo após uma década do fim da era Favela Bairro é urgente a

continuidade do processo de urbanização das favelas no Rio de Janeiro. Programas

como o Favela Bairro não podem ser entendidos como uma marca ou uma assinatura

política e sim como parte de um processo contínuo para além das disputas político–

partidárias, ultrapassando as diversas gestões municipais, até que a precariedade seja,

de fato, superada e a favela ganhe urbanidade e vire um bairro.

Para além do escopo desta dissertação, recentemente na gestão do atual Prefeito

Eduardo Paes, a PCRJ lançou o Programa Morar Carioca que tem como objetivo

urbanizar todas as favelas da cidade até o ano de 2020, beneficiando 13 mil moradores.

37 Durante a pesquisa identificamos uma diferença nos números apresentados em publicações do IPP para o ano de 1999, nas estatísticas realizadas em períodos de tempo diferentes - entre os anos de 1999 a 2004 e de 1999 a 2008 (a área em km² para a Zona Oeste aparece diferente no ano de 1999, nas duas tabelas) - apesar deste fato a tendência de crescimento maior apresentada para a Zona Oeste permanece, indicando um crescimento em área de 11,60% no período entre os anos de 1999 e 2008. 38 Estes autores tratam no artigo referenciado a questão da implantação do Posto de Orientação Urbanística e Social – POUSO, instrumento utilizado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro desde a década de 1990, mas que consolidou no período do Programa Favela Bairro (1994-2000), como uma ferramenta de controle da expansão do território ocupado pelas favelas.

Favela Bairro

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Por meio de um convênio com o Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB / RJ a PCRJ

lançou o Concurso Morar Carioca com o objetivo de selecionar 40 escritórios para a

elaboração de projetos para a urbanização de 216 favelas inicialmente.

A primeira ação desse convênio é a realização do “Concurso Morar Carioca – Conceituação e Prática em Urbanização de Favelas”, que tem como objetivo selecionar equipes multidisciplinares, coordenadas por arquitetos, para elaborar projetos de urbanização em diversas favelas na cidade do Rio de Janeiro”. (MORAR CARIOCA, 2010)

Na figura 3.19 apresenta-se esquematicamente uma linha do tempo que sintetiza o

percurso das favelas no Rio de Janeiro e as principais políticas públicas, desde o

aparecimento da primeira favela até a década de 2010, fase posterior ao Favela Bairro.

São identificados três momentos distintos: I. Período compreendido entre as décadas de

1900 e 1980, alternando períodos de convivência pacifica e conivência com as remoções

e expulsão dos moradores de maneira arbitrária e atabalhoada; II. Período compreendido

entre as décadas de 1980 e 2000, demarcado pela descentralização político-

administrativa e pela Constituição Federal de 1988 – quando a atuação em favelas é

plenamente reconhecida passando de uma simples dotação de infraestrutura por meio de

mutirões à urbanização propriamente dita, com a implementação do Favela Bairro; III.

Período compreendido entre as décadas de 2000 e 2010, onde o número de favelas

aumentou de 573 há época do Favela Bairro para 625, e as ações do poder público

voltam a ser pontuais e pouco efetivas, culminando com o aumento da violência e do

tráfego de drogas e determinando a necessidade de ações mais expressivas como a

instituição das Unidades de Polícia Pacificadora - UPPs que vem ocupando as favelas e

desta forma impelindo o poder público a retomar as ações de urbanização para a

retomada do território.

A questão da segurança pública pode ser também considerada como elemento

fundamental para a manutenção da integração obtida pela implantação das intervenções

de urbanização das favelas, mas é um assunto que deve ser tratado em outro fórum que

não o desta dissertação, por envolver inúmeras condicionantes que estão aquém dos

projetos de urbanização, mesmo que estes propiciem a abertura dos acessos e a fluidez

dos percursos internos, bem como a localização estratégica de espaços públicos.

O projeto de urbanização favorece o fortalecimento da noção de pertencimento, mas não

pode ser considerado como único elemento para a solução desta questão.

Favela Bairro

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Figura 3.19: Linha do Tempo. Fonte: Concurso Morar Carioca - Prancha 01 da proposta da equipe da qual a autora participou do concurso em novembro de 2010.

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4 SÃO PAULO E O PROGRAMA BAIRRO LEGAL

Assim como no Rio de Janeiro, as favelas em São Paulo foram, durante décadas,

encaradas pelo poder público e pela sociedade como alvo de remoção. Embora as

primeiras favelas neste município datem da década de 1940, as políticas públicas

habitacionais, desde então, se voltaram para o desfavelamento da cidade e para a

construção de habitações distantes do centro.

As primeiras ações voltadas ao reconhecimento desses territórios enquanto parte da

cidade ocorrem na década de 1980. Entre o final dos anos 1980 e início da década de

1990 o município, ainda que de forma descontinuada, experimenta alguns importantes

programas de urbanização de favelas. A partir dos anos 2000 a urbanização de favelas

passa a ser, de fato, parte da agenda da política habitacional do município. Nesse

contexto insere-se o Programa Bairro Legal, implementado em São Paulo entre 2001 e

2004.

Este capítulo tem como objetivo discutir o percurso das políticas voltadas às favelas no

município de São Paulo, principalmente o Programa Bairro Legal. Inicialmente busca-se

apresentar as especificidades da formação das favelas e a maneira de atuação do poder

público frente a essa forma de ocupação da cidade. Em seguida, apresenta-se os

principais aspectos da política habitacional a partir de 2001, com ênfase no Programa

Bairro Legal.

Bairro Legal

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Partimos da mesma metodologia de apresentação das informações do capitulo 03, de

modo a facilitar a leitura e a compreensão das semelhanças e diferenças existentes nas

duas cidades objeto da pesquisa.

O Programa Bairro Legal em muito se assemelha ao Programa Favela Bairro no Rio de

Janeiro, principalmente porque entende que a atuação nas favelas remete ao

reconhecimento das preexistências enquanto parte do ambiente construído. Embora não

seja um programa pioneiro no âmbito deste município, pois retoma algumas ações

implementadas em gestões anteriores, tanto do governo municipal quanto do estadual,

apresenta importantes inovações uma vez que busca implementar ações integradas no

que diz respeito à incorporação desses territórios informais ao tecido formal da cidade. O

projeto de urbanização também adquire um papel central, constituindo peça essencial do

processo.

Bairro Legal

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4.1 AS FAVELAS NA CIDADE DE SÃO PAULO

Em São Paulo, diferentemente da cidade do Rio de Janeiro, as primeiras favelas

surgiram na década de 1940, a partir da instituição da lei do inquilinato1, que

aparentemente defendia o inquilino, mas que incentivou os despejos e a busca por

formas alternativas de moradia, nas periferias da cidade, onde predominava o loteamento

clandestino da terra e o sistema de autoconstrução nas favelas. A maioria da população

nessa ocasião vivia em moradias alugadas, apesar de já existir a alternativa dos

loteamentos nas periferias, onde poderiam adquirir um lote e construir suas casas.

(BONDUKI, 2002, p. 218)

Kowarick (2009, p.164) comenta que a lei do inquilinato fez estancar a construção de

residências de aluguel, ao mesmo tempo em que se assiste a uma massa de despejos

que chegava a atingir 10% dos paulistanos. Para o autor, é um momento de vastos

conflitos urbanos e sindicais. Esse fenômeno foi intensificado pela onda de modernização

da cidade, com a abertura de avenidas no final dos anos 1940, prevista no Plano de

Avenidas de Prestes Maia2 (1930). As famílias despejadas, sem lugar para onde ir,

ocupavam as áreas remanescentes e aquelas que se encontravam vazias, em sua

maioria de propriedade pública, o que causava indignação na sociedade paulistana, cuja

opinião influenciava as ações da prefeitura.

Para Bonduki (2002, apud FRANÇA, 2009) provavelmente a primeira favela foi a

ocupação do terreno do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários - IAPI,

localizado junto à Avenida do Estado, área central da cidade, recebendo o nome de

Várzea do Penteado (1942).

1 Bonduki (2002) explana sobre a sequência de leis que se inicia em 1942 com o Decreto-Lei 4598 de 20 de agosto de 1942, partindo da lei de 1921, que teve inspiração na legislação Argentina, e que foram sendo renovadas até 1964, mantendo fortes restrições aos alugueis e aos despejos injustificados. Essa extensa legislação teve efeito contrário o planejado, e, ao que podemos perceber, resultou no aumento das moradias alternativas em favelas. 2 Prestes Maia nasceu em Amparo, São Paulo em 1896. Engenheiro pela Politécnica, com especialização em arquitetura, seguiu as carreiras paralelas de professor da Poli e funcionário da Secretaria Municipal de Viação e Obras Públicas. Aprofundou-se no estudo do urbanismo e encontrou na cidade de São Paulo o campo para direcionar suas pesquisas e aplicar seus conhecimentos. Foi prefeito em dois períodos — de 1938 a 1945, nomeado por Getulio Vargas, e de 1961 a 1965. O Plano de Avenidas data de 1930 e as obras de implantação tiveram inicio a partir de 1948, quando Prestes Maia era Prefeito da Cidade de São Paulo. Disponível em: <www.vivabrazil.com>. Acesso em 15 de março de 2011.

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Na década de 1950 o Prefeito Jânio Quadros, por meio da Comissão de Assistência

Social Municipal - CASMU3 preparou um plano de desfavelamento com a eliminação de

quatro das principais favelas existentes na cidade naquela época, dando opção às

famílias de construírem suas moradias por meio de recursos públicos, ou do pagamento

dos alugueis nos primeiros meses após o despejo. Mas o abandono do plano, por conta

da troca de governo, fez com que os trabalhos fossem interrompidos e as favelas

voltassem a crescer em número e tamanho. Segundo França (op.cit.), as principais ações

nesse momento eram no sentido da eliminação das favelas, o que invariavelmente

davam origem a outra ocupação em outra área da cidade.

Nas décadas de 1950 e 1960 as favelas surgiam da mesma forma que aquelas da fase

de implementação do Plano Prestes Maia: ocupavam as áreas remanescentes da

implantação das obras para reconfiguração do sistema viário e para a retificação do

traçado dos Rios Tiete e Tamanduateí. (Figura 4.1)

No ano de 1959 é criada em São Paulo a Cruzada Pio XII, cuja proposta de atuação nas

favelas teria o mesmo formato da Cruzada São Sebastião, criada por D. Helder Câmara

no Rio de Janeiro. (BUENO, 2000, p. 53)

Em 1960 as favelas eram tratadas como um efeito dos fluxos migratórios da população

que se dirigia à cidade em busca de melhores condições de trabalho. A visão do poder

público, nesse momento, era que as favelas eram um fenômeno social e passageiro,

sendo a atuação junto às elas de responsabilidade do setor social da prefeitura. O

entendimento era que esses habitantes, de outras regiões e as mais pobres do país,

vinham em busca de trabalho e renda para depois retornarem para suas cidades com

recursos suficientes para a permanência por lá, ou que, quando da melhora nas

condições de vida e o aumento dos recursos proporcionados pelo trabalho certo, esses

moradores migrariam para locais regulares da cidade.

Ao mesmo tempo em que as favelas eram entendidas como fenômeno passageiro, os

números indicavam que o fenômeno social tomava corpo e já se transformava em

problema urbano de vulto, extrapolando a área central da cidade. Porém, o problema

ainda era somente de responsabilidade da Divisão de Serviço Social - DSS da Prefeitura.

Segundo Bueno (2000), em 1962 pela primeira vez ocorre a sistematização sobre o

problema das favelas, em um trabalho publicado pela Prefeitura Municipal de São Paulo -

3 A Comissão de Assistência Social Municipal – CASMU foi criada em 1951 e tinha como atribuição tratar da questão das favelas instaladas em terrenos de propriedade da Prefeitura Municipal de São Paulo, no momento da remoção. (BUENO, 2000)

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PMSP. Nesse documento, além da afirmação de que as primeiras favelas em São Paulo

surgiram no período entre os anos de 1942 e 1945, estavam relatadas as ações

realizadas na Favela do Canindé.

Essa autora relembra que tal documento é resultado da pesquisa realizada em 1957 pela

SAGMACS, por meio de um convênio com a Prefeitura, cuja finalidade era verificar a

situação das favelas na cidade. A pesquisa, que considerava como favela o agrupamento

de 10 ou mais barracos, apresentou os seguintes resultados: de um total de 141 favelas,

110 possuíam de 10 a 50 barracos; 16 possuíam de 51 a 100 barracos; 13, de 101 a 200

barracos e 02, de 850 a 900 barracos. De acordo com a pesquisa a população favelada

em São Paulo era de 50 mil, num total de 8.848 barracos, e, das 141 favelas, 48 estavam

instaladas em terrenos de propriedade municipal. (BUENO, 2000)

A pesquisa apresentava inclusive aquelas favelas onde a PMSP e o Movimento

Universitário pelo Desfavelamento - MUD4 mantinham ações, a saber:

Favela do Canindé: margem esquerda do rio Tietê, entre as ruas Azurita (antiga Rua do Porto) e Felisberto de Carvalho. Era próxima a 4a. e 5a. Parada, hoje Estação Eng. Gualberto, nas imediações do rio Aricanduva, entre a estrada de ferro e o rio Tietê;

Favela da Mooca: ocupação com 100 barracos: entre o rio Tamanduateí e a estrada de ferro;

Favela Maranhão: ocupação com 700 barracos (córrego contribuinte do rio Aricanduva, próximo ao rio Tietê e Tatuapé, próxima à Rua Ibicaba);

Favela da Rua Vergueiro: a maior da cidade, com 7000 moradores, localizada em terras de propriedade da família Klabin;

Favela do Aeroporto: ocupação com 336 barracos;

Favela da Barra Funda: próxima ao rio Tietê, entre a estrada de ferro e o rio, em terras devolutas criadas com a retificação. (BUENO, 2000)

O processo de desfavelamento da favela do Canindé, em 1962, transformou-se em

objeto de estudo, visando a sistematização dos procedimentos aplicados pela DSS

naquela favela. A forma como foi organizado e desenvolvido o trabalho junto à

população, bem como as modalidades de soluções utilizadas para a mudança dos

favelados, denotava que o entendimento da prefeitura continuava considerando as

favelas como um fenômeno social passageiro. (FRANÇA, op. cit.)

4 O MUD era um movimento assistencialista que mobilizou jovens universitários para atuação gratuita nas favelas, através de convênios com a Prefeitura. O esquema funcionava da seguinte forma: primeiro iam à favela os alunos de direito e assistência social, resolver os casos de polícia, marginalidade, falta de documentos pessoais. Depois iriam os alunos de medicina e enfermagem, examinar os favelados e tratá-los. Assim estariam preparados para receber os professores para serem educados. Chegariam após os arquitetos, que iriam fazer os projetos das casas novas em loteamentos periféricos para onde os moradores seriam removidos. Essa casa era financiada, com subsídio, para o morador. O MUD iniciou trabalho nas favelas da Mooca, Vergueiro, Maranhão e Tatuapé. Em 1965 o MUD organizou em São Paulo o 1° Seminário Nacional de Estudo do Problema Favela, trazendo diversos intelectuais, representantes de entidades de classe e do governo, para discutir o assunto. (BUENO, 2000, p.53)

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As ações da prefeitura continuavam visando a remoção das famílias, que eram

encaminhadas para conjuntos habitacionais construídos, em áreas distantes do centro ou

até mesmo em municípios próximos à cidade de São Paulo. Para França (2009), um

exemplo positivo desses conjuntos é o Conjunto Jandira, projeto do Arquiteto Paulo

Bruna, de 1962, localizado na cidade de Jandira a aproximadamente 30 km do centro de

São Paulo. (Figura 4.2)

Figura 4.1: Imagem da situação precária das

moradias nas favelas em São Paulo.

Fonte : KOWARICK, 2009, p. 222.

Figura 4.2: Imagem do projeto para o Conjunto Jandira. Fonte: FRANÇA, 2009.

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A Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo - COHAB5, criada em 1965,

divulgou em 1967 um estudo coordenado pela DSS, informando que existiam em São

Paulo 22 favelas, nas quais viviam 4,6 mil famílias, número bastante reduzido em relação

àquele apresentado pela SAGMACS dez anos antes. França (Ibidem) considera que

possivelmente a redução era decorrente da diferença de metodologia utilizada nos

estudos.

No inicio da década de 1970, dados apontavam para a favelização como um fenômeno

crescente. Neste momento aproximadamente 600 mil habitantes ou 1% da população

total (São Paulo tinha 5.929.206 habitantes) morava em favelas (PASTERNAK e BOGUS,

2002; ROLNIK, 2004)

Em 1971, a Secretaria do Bem Estar Social - SEBES, durante o governo do Prefeito

Figueiredo Ferraz, elaborou um projeto denominado Projeto de Remoção de Favelas, que

propunha a remoção de 37 favelas por estarem, ora no caminho de futuras obras

públicas ou em situação de risco. Seus moradores seriam remanejados para alojamentos

provisórios, os conhecidos Centros de Triagem ou Vilas de Habitação Provisória - VHP,

construídos em terrenos públicos vazios. Os tais “alojamentos provisórios”

transformaram-se em definitivos e perduraram até o ano de 2005, quando ainda podiam

ser encontrados 16 abrigos dessa natureza na cidade. (FRANÇA, 2009) As VHP estão

para São Paulo como os Parques Proletários estão para o Rio de Janeiro.

A SEBES elaborou em 1973 um cadastro das favelas, o que resultou no primeiro

diagnóstico consistente sobre o tema. Foram cadastrados 525 aglomerados, sendo 37

núcleos de até 10 barracos e 198 favelas com mais de 10 barracos, totalizando 14.304

barracos com aproximadamente 71.840 habitantes. (BUENO, 2000)

Em 1979 o Prefeito Olavo Setúbal transformou a SEBES em Coordenadoria de Bem

Estar Social - COBES, subordinada à Secretaria das Administrações Regionais e criou a

Supervisão de Remoção das Favelas, vinculada à COBES.

Além disso, criou o Fundo de Atendimento à População Moradora de Habitação

Subnormal - FUNAPS, dando autonomia ao município em relação às regras de

financiamento do SFH e do BNH6. (FRANÇA, 2009)

5 A COHAB órgão responsável pela gestão e promoção da política habitacional do Município de São Paulo, deveria formatar a política de acordo com as normas estabelecidas pelo BNH. (Lei n°6738 de 19/11/1965). 6 O Programa PROMORAR criado em 1979, paralelamente às ações da prefeitura nas favelas, coordenado pela COHAB, construiu 5 mil unidades habitacionais do tipo embrião destinadas ao atendimento das famílias removidas no âmbito de programas de erradicação de sub-habitações. (FRANÇA, 2009)

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No final da década de 1970, dados apontavam para a descaracterização da ideia de que

a favela era fenômeno passageiro e para a consolidação dessa forma de moradia como

alternativa habitacional encontrada pela população de baixa renda: 53% dos chefes de

família das favelas residiam no Município de São Paulo há mais de 05 anos; 37% viviam

na cidade há mais de 10 anos e 41% haviam chegado à favela por algum processo de

pauperização ou após outro tipo de experiência habitacional. (KOWARICK, 1993)

Apesar dos projetos e ações no sentido de remover as favelas, o poder público municipal

não conseguiu tratar do assunto de forma efetiva. As políticas de desfavelamento

baseadas na ideia de temporalidade da favela haviam se esgotado, sendo o conceito

modificado, passando de fenômeno passageiro para fenômeno urbano. A esta altura já

havia cerca de um milhão de pessoas morando em condições precárias em São Paulo.

(FRANÇA, op. cit.)

No período compreendido entre os anos de 1979 e 1982, durante a gestão do Prefeito

Reynaldo de Barros, caracterizada pela atuação polêmica no que diz respeito à postura

favorável à melhoria das favelas, foram criados os programas Pró-Água e Pró-Luz, que

tinham como objetivo a implantação e regularização do abastecimento de água e de

energia elétrica dos domicílios instalados nas favelas, respectivamente. Em 1981 foi

criado o Programa de Urbanização de Favelas - PROFAVELA, que atuava nas

ocupações com obras de maior vulto com a implantação de sistemas de infraestrutura de

saneamento básico, energia elétrica e sistema viário de circulação interna.

O PROFAVELA não atendeu todas as favelas, beneficiando somente 12 favelas

localizadas em terras públicas7 e 3,4 % dos moradores das favelas da cidade, pois

somente se aplicava a favelas que possuíam condições jurídicas para a regularização

fundiária. Na verdade o programa se prestava mais a fortalecer a imagem política de

Reynaldo de Barros, que era candidato a sucessão no governo do estado. (AMARAL,

1990)

É importante relembrar que o país vivia na época uma transição democrática, que se

fortalecia desde a Lei da Anistia para os exilados políticos em 1981; as forças políticas se

preparavam para o processo eleitoral do ano seguinte, quando as eleições seriam diretas

para governador. Naquele momento, as ações do poder público se voltam para a

população de baixa renda no sentido da aproximação para a conquista de aprovação e,

consequentemente, de votos.

7 Para aprofundar as informações sobre os programas PROFAVELA E PROMORAR ver Taschner, 1999.

Bairro Legal

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124

Os movimentos sociais se fortaleciam no Brasil. Houve grande aumento na formação de

sindicatos e federações de trabalhadores que tinham lideranças combativas influenciadas

pelas pastorais criadas pela igreja católica, como por exemplo a Pastoral da Terra. Vale

lembrar que o Movimento das Favelas de São Paulo inicia suas atividades em 1979,

reunindo representantes de 70 favelas da Zona Sul. O Movimento fez chegar até o

prefeito as reivindicações, fazendo-o declarar mais uma vez o apoio a população

“desvalida”. Nessa época o prefeito propõe inclusive a doação de terras da Prefeitura

para os moradores. Resultado dessa ação foi a formação da Favela do Heliópolis no

bairro do Sacomã, Zona Sudeste da cidade. A doação não aconteceu na gestão de

Reynaldo de Barros, mas a discussão foi retomada na gestão do Prefeito Mário Covas

(1983 - 1985).

Mário Covas, por sua vez, inicia sua gestão com uma política habitacional com base no

mutirão, construindo 430 moradias durante os quatro anos de governo. Em documento

conhecido como Carta de São Paulo, e expressava o entendimento de que o problema

da habitação popular seria essencialmente uma questão de renda, o que causava o

déficit de 8 milhões de unidades, somado à distorção da atuação do SFH, que produzia

naquele momento habitações para a classe com renda maior que a dos trabalhadores em

geral. O plano habitacional de Mário Covas propunha a urbanização de 150 mil lotes com

recursos públicos e privados, especialmente em áreas públicas, além dos mutirões,

alertando que os investimentos públicos deveriam ser geridos pela COHAB e somente

direcionados a programas sociais.

Dentro da retomada das ações nas favelas, um projeto deve ser destacado, devido

inclusive ao processo participativo implementado na elaboração do projeto e na execução

da obra: o projeto para a Favela do Recanto da Alegria (1984), na zona Sul, desenvolvido

com assessoria técnica do Laboratório de Habitação da Faculdade de Belas Artes,

coordenado pelo Arquiteto Urbanista Nabil Bonduki. (BUENO, 2000)

A figura 4.3 apresenta a localização das favelas no período entre os anos de 1983 e

1987, indicando uma maior concentração nas áreas nas regiões leste e sul em pontos

mais distantes do centro da cidade.

Em São Paulo, entre os anos de 1986 e 1989, a política de desfavelamento, que

reapareceu com a gestão do Prefeito Jânio Quadros, estava no sentido contrário da

história, pois a promulgação da Constituição Federal em 1988 trazia em seu arcabouço

uma série de instrumentos de controle do uso e ocupação do solo e a garantia da

moradia como direito.

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125

Jânio Quadros seria o primeiro prefeito escolhido por eleições diretas, desde 1964,

apoiado por forças conservadoras e amplos setores da classe média que pressionavam o

governo para a retomada das remoções das favelas.

Figura 4.3: Mapa de localização das habitações subnormais da cidade de São Paulo entre os anos de

1983 e 1987. Fonte: FRANÇA, 2009. p. 116.

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126

A justificativa era o temor do aumento da violência proporcionado pelas concessões feitas

às camadas populares pelos governos anteriores. (TASCHNER, 1997, p. 61) A lógica

dominante era que o favelado, o pobre, ocupava os espaços melhor localizados na malha

urbana, que eram terrenos que deveriam ser desocupados e liberados para a construção

da moradia para a classe média.

A política habitacional de Jânio Quadros ficou mais no discurso do que propriamente nas

ações, sendo removidas apenas duas favelas que estavam instaladas em áreas

valorizadas da cidade. Nessas ações a prefeitura teve o apoio da iniciativa privada,

quando do inicio das Operações Interligadas8, onde eram oferecidas vantagens

urbanísticas, como a permissão para edificar a mais do que o permitido pelo zoneamento,

em troca da construção de moradias para os favelados removidos. (PASTERNAK, 2007)

Nos primeiros anos do Governo da Prefeita Luiza Erundina (1989-1992), do Partido dos

Trabalhadores - PT, o poder público municipal dedicava atenção especial às favelas

situadas em áreas de risco, por conta de uma tragédia social ocorrida durante o período

de chuvas em 1989. Neste momento os estudos sobre as favelas paulistanas ganharam

força. Nas palavras de Maricato (apud PMSP/GEU-FAVELAS,1992):

Longe de significar a consolidação de uma situação de miséria e depredação ambiental, a urbanização de favelas é um ato de defesa da vida humana e da qualidade do meio físico. Cada situação exige um tratamento específico, dadas as condições ambientais resultantes da ocupação da cada área, sem muitos recursos, última opção para quem não tem mais para onde ir. Há casos em que a remoção se impõe. Pelo risco de vida que envolve ou pela agressão aos recursos naturais não renováveis [...]. (PMSP/GEU-FAVELAS, 1992)

Segundo o Grupo Executivo de Urbanização de Favelas - Geu-Favelas (1989/1992) a

cidade de São Paulo em 1989, época em que se retoma a ação sobre as favelas no

sentido do reconhecimento das preexistências, apresentava um quadro dramático: um

milhão de habitantes morando em favelas, três milhões em cortiços e três milhões em

ocupações de terra, sejam loteamentos irregulares ou clandestinos.

Se até a década de 1970, São Paulo, diferentemente de outras grandes cidades

brasileiras, não possuía um número expressivo de habitantes em favelas, a partir de 1973

com a diminuição dos incentivos aos loteamentos populares, a taxa de crescimento da

população favelada aumentou vertiginosamente, variando de 22 a 75% no período entre

8 A Operação Interligada em São Paulo foi criada por meio da lei 10.209/1986 e alterada pela lei 11.773/1995. É um instrumento que permitia que a iniciativa privada doasse à Prefeitura um determinado número de Habitações de Interesse Social em troca de benefícios pela alteração dos índices urbanísticos e de categorias de uso nos seus terrenos localizados. (MORAES, 2010)

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127

os anos de 1973 e 1975, e 13,64% no período entre os anos 1985 e 1987. Isso em

relação à população da cidade formal, que cresceu a taxas de 4,44% e 2,55%

respectivamente nos períodos anotados acima. Portanto, a população favelada chegou a

crescer quase seis vezes a mais que a população da cidade formal num período de 14

anos. (PMSP/GEU-FAVELAS, op. cit., p. 8)

A tabela 4.1 mostra que a maior parte das favelas em São Paulo ocupava áreas sujeitas

a riscos de diversas naturezas, sendo 49,03 % instaladas às margens de córregos e

32,2% sujeitas a enchentes.

TABELA 4.1 – A distribuição das favelas na cidade de São Paulo quanto à situação de risco em 1992

Fonte: PMSP/GEU-FAVELAS, 1992

O Programa de Urbanização de Favelas na gestão da Prefeita Erundina foi implementado

em 1989, visando à regularização fundiária e a implantação de obras de infraestrutura

urbana, uma vez que 65% das favelas ocupavam áreas públicas, 18% terras particulares

e 9% estavam instaladas em terrenos mistos.

As favelas que ocupavam áreas particulares recebiam apoio na negociação com os

proprietários ou eram encaminhadas para regularização na justiça. Das favelas que

ocupavam áreas públicas, 139 foram selecionadas para integrarem o processo de

regularização fundiária, com a implantação da concessão do direito real de uso

habitacional por 90 anos, beneficiando 36 mil famílias (BUENO, 2000).

A metodologia utilizada para a implantação do Programa foi a criação de quatro

subprogramas: 1) FUNAPS - Urbanização, que incluía a implantação de obras de

infraestrutura por meio de mutirão; 2) FUNAPS – FAVELA, que incluía a construção de

unidades habitacionais também por meio de mutirão; 3) obras por empreiteira e 4) obras

de melhoria.

FAVELAS EM SÃO PAULO Norte Sul Leste Sudeste Centro Total

NA %

Favelas às margens de córregos 119 373 153 135 03 783 49,03

Favelas sujeitas a enchentes 87 218 95 104 08 512 32,2

Terrenos com declividade acentuada 106 252 33 70 05 466 29,3

Terrenos com presença de erosão acentuada 71 184 65 63 02 385 24,2

Terrenos situados sobre lixões ou aterros sanitários 10 05 02 10 03 30 0,9

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128

Entre os anos de 1990 e 1992, 50 favelas foram beneficiadas com processos de

reparcelamento e obras para implantação de infraestrutura de pavimentação, de redes de

abastecimento de água e esgotamento sanitário, contenções de encostas dentre outros

serviços. As obras eram executadas por meio da contratação de empreiteiras. Além

disso, mais 70 favelas receberam obras de melhorias também por meio de mutirão que

envolvia o trabalho dos moradores das áreas beneficiadas. (Figura 4.4)

O Programa foi implantado com a participação da população por meio da organização

dos moradores com orientação da equipe da Secretaria de Habitação - SEHAB, que

através da Superintendência de Habitação Popular - HABI promovia ações de

capacitação e esclarecimento da população com intuito de garantir a aprovação de cada

etapa de projeto e de obra.

A Prefeitura nesse momento entendia que, ao urbanizar a favela, aconteceriam inúmeras

mudanças relacionadas às questões sociais e nas condições físicas daqueles territórios,

que, consequentemente, traria a melhoria da condição de vida de seus moradores.

Além disso:

Esse processo tinha um resultado no desenvolvimento da responsabilidade coletiva e da consciência de cidadania, numa perspectiva de respeito ao meio ambiente e a interação com o meio urbano, gerando um impacto benéfico que ia além da área demarcada da favela. (PMSP/GEU-FAVELAS, 1992, p.12)

O trabalho social de HABI acompanhava diretamente as intervenções nas favelas no

âmbito dos programas de educação sanitária e coleta de lixo, entendendo que a

urbanização de favelas era um processo educativo. A escolha das favelas atendidas

acontecia por meio dos critérios de mobilização popular e indicações dos Fóruns

Regionais existentes e dos Conselhos Populares em implantação, em consonância com

as análises sobre a viabilidade e as reais condições de intervenção. (Ibidem) (Figura 4.5)

Em 1980 o número de habitantes morando em favelas salta para 4% da população do

município, chegando a 8% (700 mil aproximadamente) no início dos anos 1990.

Na década de 1990, as favelas em São Paulo, em sua maioria, estavam instaladas na

periferia, sendo ao mesmo tempo causa e vitima da deterioração ambiental da cidade. Os

rios e córregos transformaram-se em canais de esgoto e lixo, sendo estas áreas as

primeiras a serem atingidas pelas enchentes comuns na época das chuvas. (Figura 4.6)

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Figura 4.4: Imagens das unidades habitacionais construídas e das obras de melhoria realizadas por meio de mutirão na gestão da Prefeita Luiza Erundina em 1989. Fonte: Imagem da visita em Dezembro em 2010 e PMSP/GEU - FAVELAS, 1992

Figura 4.5: Imagem de reunião com os moradores da favela Vila Bela Vista - Vila Prudente. Fonte: PMSP/GEU - FAVELAS, 1992

Figura 4.6: Imagem de uma ocupação a beira córrego em São Paulo. Fonte: Jornal “O Estado de São Paulo.

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130

O Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT divulga em 1990 um trabalho de pesquisa

sobre as condições de risco de 19.000 habitações aproximadamente, constituindo-se

como o primeiro trabalho importante de monitoramento de áreas de risco da cidade de

São Paulo. Como consequência, 500 famílias foram removidas imediatamente, e outras

5.000 em áreas potenciais, com 1,3 mil famílias alojadas em novas unidades

habitacionais e 900 em alojamentos provisórios, além de implementar ações alternativas

de alojamento (FRANÇA, 2009).

O plano de urbanizar as favelas, formulado dentro do Programa de Urbanização de

Favelas da Prefeitura, que almejava possibilitar a cessão de terras públicas aos seus

moradores, não teve sucesso no governo de Erundina, devido à forte pressão da

sociedade e da mídia, que acusavam a Prefeitura de incentivar e contribuir para a

ocupação de áreas próximas aos mananciais (Represa de Guarapiranga e Billings, Zona

Sul) (Ibidem)

Paulo Maluf (1993-1996), sucessor de Erundina, paralisa todos os programas e obras em

andamento da gestão anterior, com a justificativa de que era preciso uma avaliação sobre

a continuidade ou não de cada um deles. Essa atitude significa, na opinião de França,

(2009), um retrocesso, uma vez que pode ser considerado um rompimento com as

mudanças no setor habitacional que vinham acontecendo e transformando as condições

de vida da população favelada.

Apesar da mudança na filosofia da atuação no setor habitacional, a terceirização da

contratação dos projetos que já acontecia na gestão da Prefeita Erundina continuou

sendo utilizada para a elaboração dos projetos e execução das obras da prefeitura.

Paulo Maluf optou pelo lançamento de um programa com maior visibilidade, o Programa

de Melhoramento de Favelas - PROVER e decidiu construir unidades habitacionais

verticalizadas nas favelas – o que seria viabilizado por meio da remoção das moradias

instaladas em trechos das áreas faveladas – o que ficou conhecido como Projeto

Cingapura. (Figura 4.7)

Poucos documentos oficiais foram produzidos na época e que registraram a política habitacional adotada na gestão de Paulo Maluf. Em 1994, foi aprovada a Lei n° 11.632/94, que dispôs sobre o est abelecimento de uma política integrada de habitação voltada para a população de baixa renda, e autorizou a instituição do Fundo Municipal da Habitação - FMH e criou o Conselho do Fundo Municipal de Habitação - CFMH. (FRANÇA, 2009, p.131)

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A construção de unidades habitacionais verticalizadas já havia sido executada na gestão

Erundina, e foi definida como a melhor opção. A questão que diferencia o Projeto

Cingapura da política da gestão anterior era o fato de que essas construções não foram

aliadas a propostas efetivas de urbanização do restante das favelas, deixando trechos

remanescentes precários e sem tratamento, e que eram invariavelmente ocupados em

momento posterior as obras de construção. Além disso, a integração com a cidade formal

não aconteceu efetivamente.

A maior parte dos edifícios foi construído em favelas onde a acessibilidade não havia sido

equacionada, como por exemplo: conjuntos de edifícios construídos às margens das

marginais dos rios Pinheiros.

Pode-se observar na figura 4.8 que a padronização dos prédios em muito lembra a

filosofia adotada nos conjuntos habitacionais construídos pelo BNH na década de 1960,

não os integrando ao entorno e sem trazer nenhum equipamento público, ou outro tipo de

uso senão o de habitar, isolando os moradores do restante da cidade.

Um trabalho da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas - FIPE indicava que em

São Paulo em 1993 existiam 1.544 favelas com aproximadamente 2 milhões de

habitantes. Esta pesquisa indicava que a população das favelas havia crescido 15% entre

os anos de 1987 e 1993, de 815 mil para 2 milhões de habitantes em seis anos, enquanto

a população da cidade formal cresceu 1,7% no mesmo período.9

Na gestão do Prefeito Paulo Maluf, uma série de compromissos assumidos inclusive com

o BID não foram cumpridos, como, por exemplo, o de regularização fundiária das áreas.

O morador do Cingapura recebia um Termo de Permissão de Uso - TPU, um instrumento

jurídico caracterizado pela fragilidade e usado inicialmente para regularizar a situação de

camelôs na cidade.

Foram cerca de 50 empreendimentos implantados na cidade no âmbito do Projeto

Cingapura, beneficiando não mais do que 20 mil famílias, no entanto, ao final da gestão o

projeto era mais um sucesso de mídia do que propriamente um programa de sucesso no

que diz respeito à solução das questões habitacionais relacionadas à situação dos

moradores de favelas. Na opinião de França (2009, p. 130), o projeto Cingapura foi um

sucesso de marketing publicitário eleitoral, pois explorou várias facetas – prédios no lugar

9 Apesar de alguns problemas apontados por Pasternak (2008) em relação à definição dos limites das favelas pela FIPE para a pesquisa, os dados indicavam que a população favelada crescia mais que a população da cidade formal.

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dos barracos, fixação dos moradores nas áreas e a regularização da posse – sendo

assim o projeto foi incorporado no imaginário popular.10

Figura 4.7: Maluf decide verticalizar as favelas. Fonte: FRANÇA, 2009 p.129.

Figura 4.8: Imagem do Cingapura Lair Krähenbühl. Fonte: FRANÇA, 2009 p.130,

10 O imaginário é a memória coletiva que permite ao ser humano, enquanto um ser social, elaborar os seus próprios pensamentos a respeito de si mesmo e da realidade que o cerca. Ele é uma herança cultural de certa comunidade e é composto por imagens e outros signos, por valores e pelas suas relações entre si, as quais possibilitam a concatenação das ideias sobre o real. (MEDEIROS E MEDEIROS, 2002, Introdução)

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Além da construção de unidades habitacionais em edificações verticalizadas, o PROVER

contemplava a regularização de loteamentos irregulares – por meio do Lote Legal, que foi

viabilizado pela promulgação da Lei n°11.775/1995 - que haviam sido implantados no

período entre os anos de 1972 e 1994. Essa linha de atuação do PROVER, segundo

França (2009), possibilitou a implantação de equipamentos públicos de qualidade, mas

sua implementação só aconteceu no Governo do Prefeito Celso Pitta, sucessor de Paulo

Maluf.

Embora outros programas tivessem sido implantados em anos anteriores, o Projeto

Cingapura nos anos 1990 tornou-se uma referência na cidade de São Paulo como a

solução dos problemas das favelas, apesar do atendimento restrito à construção de

unidades habitacionais e da não integração efetiva à cidade. Nos anos seguintes, durante

a gestão de Celso Pita (1997-2000), o Projeto Cingapura seria exportado para outros

municípios do Estado, sem muita expressão ou mudança no formato e na atuação que

havia sido empregada por Paulo Maluf.

Ao mesmo tempo em que era implantado o Programa Cingapura, no município de São

Paulo, o Governo do Estado, na administração de Mário Covas (1995 – 2001) em 1995,

implementava o Programa de Saneamento Ambiental da Bacia da Guarapiranga. Esse

programa foi considerado inovador e seu formato intersetorial e intermunicipal buscava,

por meio da implantação de infraestrutura de saneamento ambiental e obras de

urbanização das favelas e loteamentos clandestinos, sanar o problema da degradação

ambiental das áreas de mananciais do reservatório Guarapiranga.11 (FRANÇA, 2009)

Verificando o mapa da figura 4.9 considera-se que a intensificação do processo de

urbanização que se inicia a partir do ano de 1949, período onde acontecem as obras para

a modernização da cidade, seguido da mudança no modo de produção que provocou a

migração da área rural para a área urbana, inclusive de outros estados, tem relação

intrínseca com o aumento do número de favelas.

Durante os anos 1990 a expansão da mancha urbana é significativa, aumentado em 300

Km2, quando três milhões de habitantes passam a viver na Região Metropolitana de São

Paulo. Para Kowarick (op. cit.) a favela é um fenômeno metropolitano.

11 Segundo França (2009) o Programa Guarapiranga possui características comuns ao Programa Favela Bairro ao considerar as preexistências, a implementação de um sistema de espaços públicos, a melhoria da acessibilidade, qualificando as favelas, buscando integrá-las à cidade. Essa autora aprofunda a importância do projeto de urbanização de favelas em seu doutoramento. Esse projeto terá continuidade nos anos 2000 como Programa Mananciais principalmente no âmbito da Prefeitura Municipal de São Paulo.

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De acordo com Pasternak (2008) a Região Metropolitana de São Paulo apresenta a

maior concentração de favelas do Brasil.

Figura 4.9: Mapa da evolução da área urbanizada na Região Metropolitana de São Paulo no período entre os anos de 1905 e 1997. Fonte: MEYER, R. M. P.; GROSTEIN, M. D. e BIDERMAN, 2004.

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Apenas as cidades de São Paulo, Guarulhos, Osasco e Diadema possuíam, no ano 2000

segundo dados do Censo, 938 favelas - cerca de ¼ das favelas do país.

O crescimento, por um lado, se deu em áreas densamente habitadas, no entorno das

cidades do Grande ABC12, Guarulhos, Osasco e outras regiões atendidas por serviços

públicos e bem equipadas sob ponto de vista urbano. Por outro, o espraiamento da

mancha urbana para áreas sem infraestutura resultou na precarização da periferia.

Pasternak (Ibidem p. 74) indica ainda que a taxa de crescimento das habitações em

favelas no período de 1991 – 2000, nos municípios periféricos, foi quase o dobro que na

capital, atestando o fato que a favelização estava se espalhando pela RMSP: 8,02% na

RMSP contra 4,86% na capital, ao ano. Essa autora comenta que o fato indica uma

tendência de expansão periférica da pobreza representada pela expansão territorial da

moradia precária. Continua: [...] “à precariedade habitacional vai se somar o aumento das

distâncias aos postos de trabalho, dificultando ainda mais a vida metropolitana das

camadas populares”.

Em 2000, de acordo com um estudo feito pela SEHAB / HABI e pelo Centro de Estudos

da Metrópole - CEM, existiam no município de São Paulo mais de duas mil favelas, com

286.954 domicílios e 1,16 milhões de pessoas aproximadamente, vivendo nelas. Esse

número correspondia a cerca de 10% da população total do município, que naquele ano

em números absolutos era de 10.434.252 habitantes. (PASTERNAK, 2008)

Em 2001 assume a Prefeitura de São Paulo Marta Suplicy, do PT, que, em contraposição

aos governos anteriores, deu início a programas sustentados na então política urbana

regulamentada pela Lei Federal nº. 10.257/2001, o Estatuto das Cidades. Traços da

formatação da política habitacional e da estrutura administrativa da Prefeitura na gestão

da Prefeita Erundina podem ser observados na gestão da Prefeita Marta Suplicy.

O então Secretário de Habitação, Paulo Teixeira, anuncia uma revisão dos programas em

andamento no setor habitacional, em especial o PROVER (Projeto Cingapura) e inicia

novas negociações com o BID para obtenção de recursos para a urbanização de favelas,

uma vez que o contrato firmado na gestão anterior estava no final.

A prefeitura, utilizando as experiências de programas anteriores como o PROVER, o

Programa Guarapiranga do Governo do Estado e o Lote Legal, lança o Programa Bairro

Legal, que continha dentro de suas diretrizes a urbanização das favelas, a regularização

fundiária em assentamentos precários, a modernização das atuais unidades habitacionais

12 Compreendido pelas cidades de Santo André, São Bernardo e São Caetano, hoje acrescido o Município de Diadema, então grande ABCD.

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136

construídas pelo poder público e a construção de novas unidades habitacionais. Amplia-

se assim, em São Paulo, a atuação na urbanização e na regularização fundiária dos

assentamentos precários, criando uma abordagem com características inovadoras.

A primeira Conferência Municipal das Cidades em 2003, encontro incentivado e

fomentado pelo recém criado Ministério das Cidades, confirmava a inclusão da política

urbana nas agendas municipais de acordo com os preceitos da Constituição Federal de

1988. A Conferência trouxe em seu documento final a reivindicação da criação do

Conselho Municipal de Habitação, um órgão de participação da sociedade, que tinha

entre suas principais atribuições a formulação e a gestão da política habitacional.

Em São Paulo a realidade que se apresentava em relações às favelas, no início dessa

gestão, era: uma população de aproximadamente 11% do total no município morando em

favelas, segundo dados do Censo de 2000 (PMSP, 2004). Essa informação evidenciava

que a recuperação das áreas ocupadas era não só necessária, mas também urgente.

O Programa Bairro Legal em muito se assemelhava ao Favela Bairro implantado na

cidade do Rio de Janeiro, anos antes, no que diz respeito ao conjunto de ações

integradas frente à urbanização das favelas. Mas, ao contrário da divulgação, o Programa

de Urbanização de Favelas, da gestão de Marta Suplicy, ficou restrito à elaboração dos

projetos e à contratação de obras para 16 favelas.

De qualquer forma, a atuação da Prefeitura nessa gestão retomou a urbanização de

favelas dentro da política habitacional da prefeitura do município de São Paulo, que foi

intensificada nas gestões seguintes.

Embora isso não tenha sido aprovado por lei, tais mudanças indicaram a necessidade da

participação dos profissionais arquitetos na formatação tanto dos programas quantos dos

projetos, seja na fase de elaboração seja no acompanhamento da execução das obras. O

projeto de urbanização de favelas passou a ser importante ferramenta no âmbito da

política habitacional.

A Prefeitura, em 2003, formula o Plano Municipal de Habitação, que não chegou a ser

instituído como lei. Mas a sua formulação propiciou o início de um processo de debates,

trazendo contribuições importantes no que diz respeito aos projetos urbanísticos, ao

dimensionamento das necessidades habitacionais e aos recursos necessários para

atender a demanda, reforçando a necessidade da participação das três esferas de

governo. É nesse contexto que se insere o Programa Bairro Legal.

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137

4.2 O PROGRAMA BAIRRO LEGAL: CONCEITOS, ESTRUTURA E PROJETOS

PARA URBANIZAÇÃO DE FAVELAS

Mais do que retomar o programa de urbanização de favelas iniciado na gestão de Luiza

Erundina, a Prefeitura na gestão da Prefeita Marta Suplicy inicia a modernização da

estrutura administrativa, informatizando o setor de aprovação de projetos de edificações

na SEHAB, propiciando mais rapidez nos processos de legalização, e com isso

incentivando a população a uma pratica regular na construção, e principalmente no setor

privado de provisão habitacional. A modernização se estendeu à COHAB proporcionando

o aumento no número de unidades habitacionais construídas pelo poder público

municipal.

Nessa gestão também foram elaborados o Plano Diretor Estratégico - PDE (2002 -2012)

aprovado por meio da Lei n° 13.430/02, conforme ori entação do Estatuto da Cidade; o

Plano Municipal de Habitação - PMH elaborado em 2003, que, embora não tenha sido

aprovado, revelou a necessidade do investimento da ordem de R$ 8,6 bilhões no prazo

de 10 anos para combater o déficit habitacional na cidade, tendo como prioridade a

melhoria da condição de vida das famílias de baixa renda que habitavam favelas, cortiços

e loteamentos irregulares, bem como nos conjuntos habitacionais que se encontravam

em péssimas condições de conservação.

Entre as novas posturas que orientaram a então política habitacional do município

encontrava-se a gestão descentralizada e democrática, que se reflete na divisão da

cidade em Subprefeituras cuja autonomia permitia a articulação de políticas setoriais em

nível local. Foram instituídas 31 subprefeituras, substituindo as então administrações

regionais. Essa estratégia era decorrente das definições do Plano Diretor Estratégico –

PDE (2002 – 2012) e a cada uma delas coube a elaboração de um Plano Regional

Estratégico - PRE. Esse instrumento deveria “observar os pontos básicos e elementos

estruturadores do plano diretor e complementar suas proposições de modo a atender às

peculiaridades do sítio de cada região e das necessidades e opções da população que

nela reside ou trabalha”. (PMSP/SEHAB, 2004)

Segundo a PMSP/SEHAB (2004) a solução do problema estaria em implementar políticas

duráveis em gestão de longo prazo que perpassassem várias administrações, com

propostas específicas para cada caso. A atribuição dessa secretaria era elaborar e

executar a política habitacional do município, atendendo à demanda direta por moradia e

atuar na melhoria das condições gerais da qualidade do seu ambiente construído.

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138

Nesse período a COHAB13 desenvolveu programas para a melhoria da qualidade de vida

das famílias que viviam em 84 conjuntos habitacionais existentes, reforçando a dinâmica

comunitária e inserindo os conjuntos na cidade. Esse organismo retomou o programa dos

mutirões que havia sido paralisado na gestão anterior e promoveu novas iniciativas.

Complementando a política habitacional, a SEHAB implantou e fortaleceu mecanismos

de participação popular, um dos compromissos assumidos pela prefeita durante a

campanha, dessa forma implementando o Conselho Municipal de Habitação - CMH.

Resultante de um longo processo participativo que foi iniciado na Primeira Conferência

Municipal de Habitação, o CMH firmou-se como principal agente de acompanhamento

das políticas implementadas pela SEHAB naquela ocasião.

A política habitacional da SEHAB tinha em seu arcabouço os seguintes objetivos:

aperfeiçoar e modernizar a gestão; buscar parcerias financeiras e novos recursos;

promover habitação da região central; atuar nas favelas, loteamentos irregulares e

clandestinos e conjuntos habitacionais; atender a população com a provisão de habitação

de interesse social; proporcionar uma cidade acessível e construir um novo marco legal

com a implementação de instrumentos jurídicos direcionados à questão habitacional, que

constavam do Estatuto da Cidade.

A SEHAB descentralizou vários serviços e procedimentos. As Coordenadorias de

Desenvolvimento Urbano e Social de cada subprefeitura passaram a ter sob sua

responsabilidade parte das atividades de licenciamento das edificações, do parcelamento

do solo e dos anúncios, do controle de segurança do uso das edificações e do

atendimento habitacional emergencial às vitimas de acidentes ou daquelas que

ocupavam habitações em áreas com risco de morte.

A Superintendência de Habitação - HABI elaborou o Plano Municipal de Ação em Favelas

que considerava o atendimento de 236 favelas, definidas como as prioritárias, totalizando

126.981 domicílios, representando aproximadamente 43% do total dos 291.983

existentes no município. (SEHAB, op. cit.)

No que diz respeito à atuação junto às favelas e loteamentos irregulares e clandestinos, a

prefeitura lançou o Programa Bairro Legal, denominado por HABI de Programa-chave.

13 A COHAB/SP tem a atribuição de gerir o sistema financeiro de Habitação e sua abrangência na Região Metropolitana. Criada em 1965, é uma sociedade anônima de economia mista, que tem a função de executar programas habitacionais definidos dentro da política, promovendo a construção de novas unidades habitacionais para população de baixa renda com recursos do Fundo Municipal de Habitação, e de convênios firmados com agentes financeiros como a CEF.

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139

A urbanização de favelas ganhou dimensões maiores, englobando os demais programas

desenvolvidos em gestões anteriores, como a Verticalização de Favelas, o Programa

Guarapiranga (no âmbito do município, visto que era um programa metropolitano) e o

Lote Legal, criando uma nova abordagem com características inovadoras em São Paulo.

Enfim, as diversas formas de abrigo conquistadas pelas próprias famílias de baixa renda se impuseram no cenário da metrópole e se transformaram em soluções de fato para a questão da moradia popular, a despeito da precariedade que as caracteriza. Transformar o imenso estoque de cortiços, casas autoconstruídas em lotes irregulares, e favelas, em moradia digna, através de processos de regularização jurídico-urbanística e de recuperação física, constitui o principal componente das necessidades habitacionais do município (SEHAB apud, FRANÇA, 2009, p. 143)

O Programa Bairro Legal foi desdobrado em diversas linhas de atuação com vistas à

regularização física e fundiária dos assentamentos precários em São Paulo, a saber:

- Programa Bairro Legal – Loteamentos: este programa tinha em seu escopo

um conjunto de procedimentos e processos que visavam a regularização dos

loteamentos irregulares, através da regularização urbanística e fundiária;

concluiu o processo de regularização em 69 loteamentos, beneficiando 41,3

mil famílias;

- Programa Bairro Legal – Mananciais14: destinado à recuperação

socioambiental das favelas e dos loteamentos inseridos nas áreas de

proteção dos mananciais de água da cidade, beneficiou 10 assentamentos

com obras de drenagem de córregos, contenção de encostas, infraestrutura

de saneamento, pavimentação de vias, bem como a implantação de

equipamentos públicos de lazer e convivência.

- Programa Viver Melhor: coordenado pela COHAB, o programa articulou

ações de diversas, secretarias, bem como parcerias com a sociedade civil

para a melhoria da qualidade de vida de moradores dos conjuntos

habitacionais, por meio da oferta de atividades de esportes e lazer, bem como

a implantação de equipamentos de saúde e educação, dentre outros

benefícios.15

14 Podemos considerar que esse programa se baseava em parte no Programa Guarapiranga. 15 Dados retirados do Artigo “Política Habitacional Urbana” de Paulo Teixeira, Secretário de Habitação da Gestão de Marta Suplicy em 2001. (GASPAR e al, 2006)

Bairro Legal

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140

- Programa de Urbanização de Favelas: no período da vigência, o programa

beneficiou 67,7 mil famílias em 29 favelas por meio de projetos de

implantação de infraestrutura e melhorias habitacionais, bem como através do

acesso a equipamentos públicos e comunitários. (PMSP/SEHAB, 2004)

(Figura 4.10)

Figura 4.10: Mapeamento dos programas habitacionais da SEHAB em 2004. Fonte: PMSP/SEHAB, 2004 p. 82.

Bairro Legal

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141

Desse conjunto, nos interessa aprofundar as informações do Programa de Urbanização

de Favelas, que buscava uma ação integrada de qualificação habitacional e urbana nos

assentamentos precários, definidos territorialmente como favelas. Como uma de suas

principais diretrizes a participação popular se tornava a garantia do processo

participativo, onde os cidadãos se apresentam como sujeitos do processo de urbanização

e conservação das melhorias.

No período de vigência, este programa, sobretudo, visava a integração das áreas de

favela à cidade, de forma a garantir aos moradores o acesso aos serviços públicos por

meio dos princípios de complementaridade entre as intervenções físicas e sociais. Para

tal, suas premissas básicas incluíam a abertura e a pavimentação de vias, a implantação

de redes de infraestrutura, de equipamentos públicos e de lazer, e a promoção da

regularização urbanística e fundiária desses assentamentos.

A partir de então, inaugura-se um novo momento, onde a inclusão das áreas de favela na

legislação, nos planos e programas, nos instrumentos de controle de uso e ocupação do

solo, nas redes de serviços sociais e de infraestrutura que servem à cidade, consolidaram

sua inserção no processo de planejamento da cidade, refletindo o reconhecimento, não

mais da cidade informal, mas sim da cidade real.

O Programa Bairro Legal – urbanização de favelas se desenvolveu segundo as

seguintes linhas de atuação:

• Obras de Urbanização: Visava promover a integração das favelas e

loteamentos irregulares à cidade e melhoria das condições de

habitabilidade e salubridade, possibilitando o acesso à moradia adequada,

infraestrutura, serviços, equipamentos urbanos e comunitários em um

ambiente salubre e saneado;

• Regularização urbanística e fundiária: Possibilitou aos moradores o

acesso à posse segura de seus imóveis em favelas e loteamentos

irregulares; previa a melhoria das condições de vida dos moradores das

áreas indicadas pela legislação para a outorga de título de posse, com a

integração das mesmas à malha urbana;

• Reassentamento: Intervenção em áreas degradadas, para a eliminação

de risco e insalubridade ou para viabilizar obras de urbanização; consistia

no reassentamento de famílias em empreendimentos situados em áreas

próximas ao local de origem (ou na própria área);

Bairro Legal

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142

• Recuperação e Preservação socioambiental das Áreas de Proteção

dos Reservatórios Guarapiranga e Billings: Visava respeitar as

imposições ambientais e garantir a melhoria da qualidade de vida da

população e a sustentabilidade das intervenções por meio de fiscalização

integrada. (Figura 4.11)

Os recursos utilizados para a elaboração dos projetos e obras eram uma composição dos

recursos municipais, do convênio com o BID que havia sido aditado, pois datava de 1996

e tinha prazo definido para término em 2003.

A superintendência de Habitação Popular - HABI promoveu mudanças nas formas de

condução do programa, em especial por meio do trabalho social e da revisão dos critérios

de seleção das demandas, tornando-se mais técnica. Desta forma, passou a atender a

demanda por critérios relativos ao déficit qualitativo e quantitativo de forma articulada

com os movimentos organizados da sociedade civil. (Figura 4.12)

Dentro da estrutura da SEHAB a cidade era ainda dividida em cinco divisões técnicas

regionais de atendimento habitacional: Habi Norte, Sul, Leste, Sudeste e Centro. Sua

estrutura abarcava as coordenadorias física e social, todas sob a supervisão de Habi que

por sua vez era dividida em quatro Divisões Técnicas e coordenadorias, Habi 1,

Planejamento, Habi 2, Técnica de Trabalho Social, Habi 3, Coordenação de Projetos, que

contava ainda com a Coordenação de Obras Habi 3 e a Divisão Técnica Financeira, Habi

4. (PMSP/SEHAB, op. cit.)

Os pressupostos básicos do Programa de Urbanização de Favelas, concebidos dentro do

Bairro Legal, foram: acesso democrático à cidade; intervenções físicas e sociais

entendidas em sua complementaridade; participação da população em todo o processo;

articulação com diferentes atores sociais e governamentais; respeito à diversidade física

e social local, e direito à permanência dos atuais moradores no local, garantindo o

mínimo de remoções.

Como objetivos a perseguir, destacavam-se a leitura da favela como um bairro da cidade,

por meio da introdução de valores urbanísticos da cidade formal, da regularização

urbanística e fundiária, da eliminação das situações de risco, da transformação da área

com acesso à infraestrutura, serviços urbanos e equipamentos comunitários, refletindo

diretamente na qualidade de vida de seus moradores. (Figura 4.13)

Bairro Legal

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143

É importante ressaltar que alguns técnicos que trabalharam junto aos projetos e obras do

Programa Favela Bairro foram convidados a participar do processo de formatação do

Programa Bairro Legal, trazendo a contribuição da experiência vivida durante a vigência do

programa no Rio de Janeiro.

A partir dos avanços constitucionais que propiciaram a implementação da política Habitacional

gestão de Marta Suplicy, a SEHAB pôde desafetar 160 áreas municipais, permitindo que 45,8

mil famílias moradoras de favelas fossem beneficiadas com os instrumentos de garantia de

posse da terra (FRANÇA, 2009). Mas o alcance do Programa Bairro Legal não pode ser

considerado satisfatório uma vez que somente beneficiou 29 das 2.018 favelas existentes

em 2001.

Figura 4.11: Imagem de um espaço público implantado pelo Bairro Legal. Fonte: PMSP/SEHAB, 2004 p. 83

Figura 4.12: Moradoras beneficiadas pelo Programa Bairro Legal. Fonte: PMSP/ SEHAB, 2004. p. 83.

Figura 4.13: Imagem das unidades habitacionais construídas pelo Bairro Legal. Fonte: PMSP/SEHAB, 2004 p. 83

Bairro Legal

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144

No quadro 4.1, realizado como parte do Balanço Qualitativo de Gestão 2001 – 2004, pode se

observar os números do Bairro Legal e constatar o alcance mínimo que o programa teve na

cidade de São Paulo. Na Gleba K da favela do Heliópolis, das 35.000 famílias moradoras da

área somente 11 mil foram beneficiadas. Cabe ressaltar que o atendimento em Heliópolis

visava a elaboração dos projetos para a urbanização. E nesse caso as unidades

habitacionais viabilizadas foram aquelas previstas no projeto para a construção.

QUADRO 4.1: Unidades Habitacionais por Programa e Empreendimentos

QUADRO POR PROGRAMA E EMPREENDIMENTOS

Unidades

Habitacionais Entregues

Unidades Habitacionais Viabilizadas

Famílias Beneficiadas

3 – URBANIZAÇÃO E QUALIFICAÇÃO URBANA 55 6.397 87.692

Bairro Legal – Urbanização de Favelas 6.342 67.721

Complexo Paraisópolis / Jd. Colombo 19.000

Favela 2 de Maio 94 632

Favela Cidade Azul 75 500

Favela Haia do Carrão (PROCAV) 138 162

Favela Jardim Senise 196

Favela Jd. Das Rosas 77 516

Favela Jd. Irene II 26 175

Favela Jd. Nazaré III 153 1.020

Favela Jd. Nova Tereza 298

Favela Pq. Fernanda II 160 1.065

Favela Tiro ao Pombo 90 500

Favela Vila Nilo II 142 536

Favela Nova Jaguaré 998 3.623

Favela Jd. Olinda 736 1.780

Favela Jd. Guarani / Boa. Esperança 164 1.092

Favela Monte Taó 107

Favela N. S. Aparecida / Jd. S. Inês 84 2.639

Favela Recanto dos Humildes 241 2.582

Favela Santo Eduardo (PROCAV) 124 182

Favela Vergueirinho / Nova Divinéia 188 1.007

Favela Vila União 400

Favela VItotoma (PROCAV) 146 254

Gleba São Francisco 900 13.000

Heliópolis Gleba A 537 1.403

Heliópolis Gleba K 500 11.682

Heliópolis Gleba N 689 1.495

São Francisco – Núcleo A 80 667

São Francisco – Obra 1ª 808

São Francisco – Obra 5B 400

Fonte: PMSP/SEHAB, 2004. São Paulo: 2004. p. 96 e 97

Bairro Legal

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145

4.2.1 O Projeto de Urbanização como instrumento do Programa Bairro Legal

O Programa de Urbanização de Favelas na cidade de São Paulo, pela amplitude de sua

ação planejada, visava proporcionar prioritariamente os seguintes benefícios às

comunidades locais e à Cidade como um todo: a ampliação do comprometimento da

população na conservação das melhorias físicas conquistadas, o fortalecimento da

convivência e da organização comunitária, a melhoria das condições de saúde da população e

a ampliação dos direitos sociais, prevendo-se impactos positivos na qualidade de vida da

população, inclusive no que se refere aos indicadores de violência.

Os projetos para a intervenção nas favelas no Programa Bairro Legal eram elaborados

por escritórios de projetos multidisciplinares, contratados a partir de concorrências

públicas.

No âmbito da urbanização de favelas do Programa Bairro Legal, os projetos deveriam ser

elaborados de acordo com diretrizes de projeto estabelecidas por HABI, a saber:

• Melhoria das condições da Infraestrutura de Saneamento

Básico;

• Reforma do Pavimento das vias existentes;

• Abertura de novas vias para o ordenamento e regularização

das quadras;

• Tratamento das Áreas de Risco;

• Melhoria habitacional através do desadensamento de áreas

invadidas e com ocupação de lotes mínimos e condições de

habitabilidade precária.

Os seguintes documentos foram formatados por HABI para a normatização e

padronização da elaboração dos projetos:

• Normas gerais para elaboração de projeto;

• Descrição e diretrizes específicas para Heliópolis Gleba;

• Diagnóstico socioeconômico e sócio organizativo –

desenvolvido por HABI – Superintendência de Habitação

Popular da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento

Urbano do Município de São Paulo.

Bairro Legal

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146

Para o detalhamento e a aprovação dos projetos para as intervenções nas favelas foram

estabelecidas etapas de projeto, a saber: Levantamento de Dados; Diagnóstico;

Estudo de Alternativas; Estudo Preliminar; Projeto Básico; Projeto Executivo .

As etapas de projeto Levantamento de Dados e Diagnóstico se referiam

respectivamente ao levantamento das informações e dados socioespaciais relativos à

favela, além da leitura da morfologia do lugar e suas potencialidades.

Já a etapa de Estudo de Alternativas consistia na elaboração de três propostas em três

níveis diferentes de intervenções para serem apresentados à população moradora para

aprovação. Era uma forma de atender aos anseios da população e estabelecer a

participação de forma integral na definição dos rumos da transformação das áreas; no

entanto, dificultava por vezes a escolha e confundia sobremaneira a leitura dos

moradores, além de comprometer os prazos de elaboração das demais etapas e

consequentemente a realização do processo licitatório e da execução das obras.

O Estudo Preliminar era a etapa que previa o detalhamento prévio da proposta

escolhida pela população, etapa intermediária ao básico, que indicava o caminho de

projeto de cada sistema a ser implantado de modo a corrigir possíveis desvios.

A partir do Estudo Preliminar foram elaborados os projetos de cada sistema com todas as

informações necessárias para o orçamento das obras – o Projeto Básico . Com isso,

para cada um dos sistemas deveriam ser elaborados os estudos técnicos e verificações

de acordo com as normas técnicas e com os parâmetros definidos pelas concessionárias

de serviços públicos. Essa etapa de projeto possibilitava a formatação dos documentos

para a realização das concorrências públicas para a contratação das obras.

Com o Projeto Básico aprovado era elaborado o Projeto Executivo , trazendo todos os

elementos necessários à perfeita execução das obras.

A fiscalização e aprovação dos projetos eram realizadas por, além da equipe de HABI,

pelo trabalho dos técnicos do CONSORCIO CIDADANIA, que fazia o Gerenciamento dos

Projetos, responsável pela supervisão da elaboração dos projetos visando à qualidade,

os baixos custos e a boa execução das obras.

No âmbito dos projetos para a urbanização de favelas contratados pelo Programa Bairro

Legal, destaca-se o projeto para a urbanização da Gleba K da Favela Heliópolis, a maior

favela do município de São Paulo.

Bairro Legal

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147

Embora não tenha sido implementado, nesse projeto é possível discutir as diversas

etapas de seu desenvolvimento, as relações com a sociedade civil na definição de

alternativas, bem como na alteração do seu escopo.

4.2.2 Bairro Legal: (Des) Continuidades e desdobramentos recentes

As gestões seguintes à Gestão de Marta Suplicy, José Serra (Partido da Social

Democracia Brasileira - PSDB; 2005-2007) e Gilberto Kassab (Partido Democrata – DEM;

2007-2008 e 2009-2012), de certa forma deram continuidade à política de urbanização de

favelas, transformando os projetos de urbanização em importantes instrumentos para a

promoção da melhoria e da integração destes territórios à cidade.

Na gestão do Prefeito José Serra não foram criados programas novos, mas sim

realizados ajustes contratuais e revisões orçamentárias naqueles que já estavam em

andamento. É importante destacar que alguns dos projetos de urbanização elaborados

na gestão de Marta Suplicy, também foram modificados, inclusive em seu escopo16.

Embora a estrutura da SEHAB não tenha sido alterada, alguns projetos e obras ainda em

andamento foram paralisados e modificados. O Programa Bairro Legal muda de nome

para Projeto de Urbanização de Favelas, sendo inicialmente definida para intervenções a

Favela de Paraisópolis, além de mais cinco favelas que receberiam obras para a

urbanização.

Novamente a descontinuidade dos Programas e a substituição por outros aparece como

fator que não contribui para a continuidade e efetivação das urbanizações.

De qualquer forma, a manutenção da estrutura da Prefeitura confirmou o avanço

alcançado pela modernização implementada pela gestão de Marta Suplicy.

Dados apresentados pela Fundação SEADE em 2008 indicam um número de 1500

favelas com aproximadamente 350 mil habitantes ocupando 23 Km² do território do

Município de São Paulo.17

16 Estas últimas são considerações da autora, que participou da equipe que elaborou um projeto para a urbanização da Gleba K da favela do Heliópolis na gestão da Prefeita Marta Suplicy. 17 Números retirados da tabela apresentada no catalogo da exposição Cidade Informal do Século XXI , 2009. Exposição realizada em parceria da Prefeitura de São Paulo, o Museu da Casa Brasileira e A Casa Museu de Artes e Artefatos em 2010.

Bairro Legal

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148

No decorrer dos últimos anos a Prefeitura Municipal segue atuando nas favelas em São

Paulo com o formato iniciado na gestão Marta Suplicy e reforçado pelas gestões

seguintes embora os Programas tenham sido revistos e novas prioridades tenham sido

estabelecidas. Os projetos de urbanização consideram as preexistências e, quando

necessário, removem parte da população, produzindo unidades habitacionais para a

diminuição do déficit habitacional.

Na primeira gestão do Prefeito Gilberto Kassab a prefeitura firmou acordos com o

Governo Federal e deu continuidade ao convênio com a Aliança das Cidades18 para

cooperação técnica, com a implantação de um importante Sistema de Informações para

Habitação Social no Município - HABISP.

Além desse convênio em 2007, a SEHAB, sob a coordenação da Arquiteta Elisabete

França, passou a se relacionar com as universidades para a discussão de ideias. Assina

então intercâmbios com a Escola da Cidade e com as Universidades de Harvard e de

Columbia, as duas últimas com sede nos Estados Unidos da América - EUA, para a

elaboração de estudos e projetos no setor habitacional. As favelas objeto desses

intercâmbios ainda em curso são: Paraisópolis no bairro do Morumbi e o Cantinho do Céu

na represa Billings, ambas na Zona Sul da cidade.

Os recursos do PAC, implementado pelo Governo federal em 2007, vem sendo aplicados

em obras nas Favelas do Heliópolis e na Favela de Paraisópolis, as maiores do

município, entre outras. (Figura 4.14)

De acordo com a PMSP (2008) o Programa de Urbanização de Favelas em São Paulo,

busca dar continuidade às ações iniciadas nas gestões anteriores e pretende, além de

complementar a infraestrutura e a implantar equipamentos e espaços públicos, construir

10.000 unidades habitacionais em substituição às moradias precárias existentes,

removendo principalmente as situadas em áreas de risco.

Embora as remoções estejam previstas, principalmente aquelas situadas nas áreas de

risco, o conceito central das intervenções é o da permanência dos moradores e do

respeito aos investimentos realizados na construção da moradia, ou seja, a política de

urbanização de favelas em curso no município de São Paulo reconhece as preexistências

18 A Aliança de Cidades está presente no Brasil desde 2001, trabalhando em conjunto com autoridades municipais, estaduais e federais na área de habitação de interesse social e urbanização de favelas e assentamentos precários, assim como na formulação e implementação de ferramentas de planejamento urbano e disseminação de conhecimento. O Brasil entrou formalmente para a Aliança de Cidades em 2003. Disponível em <www.citiesalliance.org>. Acesso em 03 de abril de 2011

Bairro Legal

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149

e atua buscando incorporá-las à cidade formal com a garantia da continuidade na

aplicação dos recursos e na manutenção dos serviços implementados. (PMSP, 2008)

Embora a prefeitura continue atuando na urbanização de favelas em São Paulo, com

avanços significativos, dada a dimensão do problema, o real enfrentamento da

necessidade da integração desses territórios à malha formal da cidade ainda não

apresentou números expressivos, visto a dimensão e o número significativo de favelas

existentes.19

Figura 4.14: Mapa dos programas habitacionais da SEHAB no ano de 2008. Fonte: PMSP/SEHAB, 2008 p. 26

19 A avaliação do Programa de Urbanização de Favelas das gestões que se seguiram a da Prefeita Marta Suplicy não é objeto desta pesquisa.

Bairro Legal

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150

São Paulo, atualmente com 11.244.369 habitantes (IBGE, 2010), possui, segundo o

Plano Municipal de Habitação de setembro de 2010, a partir de levantamento realizado

pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados - SEADE, 889.808 domicílios

instalados em assentamentos precários, sendo 381.151 em favelas, perfazendo 42% do

total. (PMSP, 2010) Dos 3.933.448 domicílios existentes na cidade, apontados pelo

ultimo Censo, aproximadamente 10% estão nas favelas. Ou seja, diante dos dados

apresentados há ainda muito que se fazer dada a complexidade do problema em São

Paulo e a difícil integração desses territórios à cidade formal.

Da mesma forma como no Rio de Janeiro, é possível observar três momentos distintos

na atuação do poder público frente às favelas: I. Período compreendido entre os anos

1940 a 1980, onde a favela era entendida como fenômeno social, passageiro e a atuação

do poder público era voltada para a sua remoção e a população favelada atendida por

meio dos serviços de assistência social. Nesse período o crescimento do número de

favelas intensifica-se com a intensa urbanização decorrente do êxodo rural e da migração

advinda das regiões mais pobres do país, que vinham a São Paulo em busca de

oportunidades de trabalho na indústria e na construção civil; II. Período entre os anos

1980 e 2000, onde a ação do poder público nas favelas, a partir da abertura política da

década de 1980, oscila entre a atuação pontual para atendimento com infraestrutura e a

construção de unidades habitacionais por meio de mutirões em números irrisórios frente

ao déficit observado; III. Período 2001 – 2010 – período que compreende as práticas

recentes voltadas à urbanização das favelas. A partir da gestão de Marta Suplicy e com a

promulgação do Estatuto da Cidade no ano 2001, o poder público municipal retoma as

ações integradas na urbanização de favelas com a implementação do Programa Bairro

Legal, e a partir de 2005 outros importantes programas começam a ser implementados.

A figura 4.15 apresenta esquematicamente a linha do tempo elaborada para esta

Dissertação sintetizando desde o aparecimento da primeira favela em São Paulo até a

década de 2010.

Embora os formatos dos programas se alterem de gestão para gestão, e o Programa

Bairro Legal tenha sido descontinuado, não é possível falarmos em descontinuidades de

princípios gerais relacionado à urbanização de favelas.

É justamente no ultimo período que se intensifica a discussão sobre os assentamentos

precários em São Paulo e o projeto de urbanização de favelas passa a fazer parte da

agenda pública municipal, independentemente da gestão político-partidária.

Bairro Legal

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151

Espera-se que a direção apontada na última década, pela política habitacional de São

Paulo, seja consolidada com ampla adesão da sociedade.

Figura 4.15: Linha do tempo das favelas em São Paulo. Fonte: Montagem feita pela autora.

Bairro Legal

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228

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153

5. ESTUDOS DE CASO: FERNÃO CARDIM (RJ) E GLEBA K,

HELIÓPOLIS (SP)

Embora com percursos e resultados distintos, os dois programas discutidos, Programa

Favela Bairro e Programa Bairro Legal, reconhecem a favela como parte da cidade e

buscam implementar um conjunto de ações integradas com vistas à urbanizá-las e

integrá-las à cidade formal. O projeto de urbanização de favelas é considerado a principal

ferramenta para o alcance dos objetivos delineados em ambos os programas.

Com vistas a levantar e discutir os princípios norteadores do projeto de urbanização de

favela, este capítulo tem por objetivo aprofundar dois estudos de caso: o projeto de

urbanização para a Favela Fernão Cardim, do Programa Favela Bairro no Rio de Janeiro;

e o projeto de urbanização da Gleba K da Favela do Heliópolis, no âmbito do Programa

Bairro Legal em São Paulo.

Dada a importância e as dimensões que os programas têm para a urbanização de

favelas, na cidade do Rio de Janeiro a partir da década de 1990 e em São Paulo a partir

do ano 2001, os dois projetos apresentados são relevantes e representativos para o

aprofundamento da temática.

Ainda que de maneira diversa, os projetos selecionados buscam enfrentar a problemática

dos assentamentos precários contribuindo para introduzir nestes municípios uma nova

visão sobre a necessidade de recuperar estes territórios e integrá-los à cidade.

estudos de caso

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154

5.1 CRITÉRIOS DE ESCOLHA DOS CASOS

A escolha para o estudo de casos dos projetos para a urbanização das favelas Fernão

Cardim no Rio de Janeiro e da Gleba K em Heliópolis em São Paulo, se deve tanto às

suas semelhanças quanto às suas diferenças.

As principais semelhanças referem-se à localização das áreas nas cidades e suas

relações com os respectivos centros principais, à acessibilidade em relação ao entorno

imediato e à topografia.

As duas áreas localizam-se junto a antigos bairros de origem industrial, onde hoje

predomina classe média baixa e bolsões de intensas atividades comerciais. São áreas

relativamente próximas ao centro principal, sendo que Heliópolis dista cerca de 9 km do

centro de São Paulo e Fernão Cardim 14 km do centro do Rio de Janeiro. O acesso a

ambas as favelas é perfeitamente reconhecível, o que possibilita ampla visibilidade e a

integração física e visual em relação ao entorno.

A favela Fernão Cardim tem como limite uma via importante que faz o acesso ao bairro

em que está localizada. Da mesma forma a Gleba K, em Heliópolis, tem como limites

avenidas que são corredores de ligação da malha formal e o centro da cidade de São

Paulo e demais municípios vizinhos. Ambas as áreas possuem topografia

predominantemente plana.

As principais diferenças referem-se à dimensão territorial e ao estágio que atingiram os

projetos em todas as suas fases.

Enquanto Fernão Cardim tem aproximadamente 5,3 ha, uma das menores favelas do Rio

de Janeiro, a Gleba K está inserida na maior favela de São Paulo, ocupando uma área de

aproximadamente 57 ha. Uma relação de aproximadamente 1 para 10 entre Fernão

Cardim e a Gleba K. Esta diferença é fundamental para o entendimento das

especificidades, dos limites e desafios dos projetos de urbanização nas distintas escalas.

Em relação ao estágio dos projetos e implementação das intervenções previstas,

destaca-se que o projeto de urbanização da favela Fernão Cardim cumpriu todas as

etapas previstas no Programa Favela Bairro: da concepção à realização das obras e do

processo pós-ocupação, bem como o processo de regularização fundiária. Já na Gleba

K, o projeto não teve todas as etapas concluídas e, por inúmeras razões que serão mais

bem explicitadas posteriormente, não chegou a ser implementado.

estudos de caso

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155

Além destes aspectos, a escolha dos casos deve-se também à oportunidade de que a

autora teve em atuar nos dois programas: no Favela Bairro, integrando a equipe do

Consórcio LOGOS/PLANAVE no gerenciamento entre os anos de 1998 e 2000, e como

integrante da equipe que elaborou o projeto para a urbanização da Gleba K em

Heliópolis, entre os anos 2003 e 2004.1

1 Compunham a equipe de projeto para a urbanização da Gleba K, os Arquitetos: Ana Albuquerque, Andrea Cardoso, Claudia Matiello, Flavio Teixeira, Viviane Manzione Rubio; os engenheiros Alvaro Luiz Pinheiro de Mello, Vlademir Gomes da Silva, as assistentes Socais Tatiane Picone, Sandra Samoggin, entre outros.

estudos de caso

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156

5.2 METODOLOGIA DE ANÁLISE

A metodologia de análise dos casos escolhidos foi formatada a partir da verificação das

etapas do projeto de urbanização definidos no âmbito de cada programa aliados às

observações de campo e a experiência da autora.

Os casos foram analisados a partir do seguinte roteiro metodológico:

• Leitura Urbana

A Leitura Urbana no contexto do Projeto de Urbanização de favelas corresponde às

fases de levantamento de dados, diagnóstico e identificação das demandas.

Este item subdivide-se em: Ficha Técnica, Histórico de Ocupação e Estrutura Urbana

existentes na ocasião do projeto.

A Ficha Técnica consiste no resumo dos seguintes dados: localização da área e

distância do centro principal do município; dimensão territorial; número de domicílios;

população residente na área na ocasião do projeto; propriedade da terra; datas do projeto

e da obra; autoria do projeto e responsáveis técnicos pela obra.

O Histórico de Ocupação resgata as origens da favela na cidade e os principais

aspectos de sua evolução, bem como melhorias realizadas ao longo do tempo.

O item Estrutura Urbana 2 procura retratar a situação encontrada na favela na ocasião da

elaboração do projeto, destacando os pontos principais e os conflitos identificados que

foram objetos do projeto.

• Concepção, Propostas e Intervenções previstas

Este item apresenta as etapas de projeto relacionadas à sua concepção, envolvendo a

definição do partido urbanístico, bem como as propostas indicadas pelo projeto e as

intervenções previstas e realizadas. Busca-se sintetizar as informações do projeto

idealizado em todas as suas dimensões e especificidades com ênfase naquelas que

refletem as possibilidades de integração da favela à cidade, bem como apresentar as

intervenções realizadas ou as dificuldades encontradas para a sua concretização.

2 Entende-se por estrutura urbana a configuração morfologia e o conjunto de infraestutura, de espaços públicos e equipamentos urbanos existentes ou não na favela quando da leitura urbana durante a elaboração do projeto.

estudos de caso

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157

São reconhecidas como as principais referências para as etapas de projeto estabelecidas

nos Programas Favela Bairro e Bairro Legal: Estudo de Alternativas, Plano de

Intervenção, Estudo Preliminar, Projeto Básico, Orçamentos e Projeto Executivo com a

indicação das obras previstas.

• Participação social

De forma sucinta, apresentam-se os principais aspectos da participação da população

moradora no processo de urbanização nos casos estudados. A participação social

perpassa todas as etapas de projeto, que se verifica desde a identificação das demandas

e necessidades da população, passando pela orientação para o projeto, posteriormente

pela aprovação pela população, assim como a implementação das obras e o período pós-

ocupação.

• Situação fundiária

Item que compreende a identificação da situação e dos procedimentos jurídicos relativos

à propriedade da terra e a consequente regularização propiciada pelo projeto.

Cabe ressaltar que os processos de urbanização e de regularização fundiária devem ser

considerados políticas públicas municipais independentes. O processo de regularização

fundiária pode ser facilitado por meio do projeto.

A idéia de completude das ações físicas e sociais para a urbanização e integração das

favelas a cidade formal não pode ser atrelada ao processo de regularização fundiária,

uma vez que os passos, as ações e os prazos relativos a cada uma das políticas diferem

em muito um das outras.

Embora sua relevância para o processo de integração a cidade formal, a política de

regularização fundiária não será aprofundada nesta dissertação, pois demandaria uma

investigação específica e que ultrapassa o escopo desta pesquisa.

• Situação Atual

Por fim, apresenta-se a situação atual em que se encontram as favelas de Fernão Cardim

e Gleba K frente à implementação ou não dos projetos de urbanização. Busca-se

destacar alguns resultados obtidos (caso Fernão Cardim), bem como algumas das

dificuldades para a implementação do projeto (caso Gleba K).

estudos de caso

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158

De um modo geral, os dados foram extraídos principalmente do acervo bibliográfico das

Prefeituras, dos documentos elaborados pelas equipes das respectivas Prefeituras, bem

como dos documentos elaborados pelos escritórios responsáveis pelos projetos, quando

possível3, associando-os às entrevistas qualitativas com a equipe projetista.

Além disso, foram realizadas visitas de reconhecimento de campo em cada área de

estudo com vistas à visualização da situação atual.

A partir de um mesmo roteiro procura-se equalizar a apresentação das informações, dos

dois casos, facilitando a leitura e a visualização dos aspectos relevantes para a análise.

Busca-se, deste modo, identificar os princípios que nortearam os projetos de

urbanização, seus limites e desafios.

3 Em cada projeto serão especificados o percurso da coleta de material primário e as dificuldades encontradas.

estudos de caso

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159

5.3. O PROJETO PARA A URBANIZAÇÃO DA FAVELA FERNÃO CARDIM 4

Todo lugar tem seu interesse, configurado por uma coleção de traços, uma história particular, um contexto sócio-territorial, e potencialidades a serem postas de manifesto através do projeto. (JAUREGUI, 1995)

5.3.1. Leitura Urbana

• Ficha Técnica

A Favela Fernão Cardim localiza-se no bairro do Engenho de Dentro, mais precisamente

entre os bairros de Pilares e Engenho de Dentro, a 14 km distantes do centro da cidade

do Rio de Janeiro, partindo da Avenida Presidente Vargas. Do ponto de vista político

administrativo, insere-se na Área de Planejamento 3 - AP3, subárea 3 - B, na XIII Região

Administrativa – Méier, bairro Engenho de Dentro. (Figura 5.1 e 5.2)

Os dados abaixo sintetizam os principais aspectos da área de estudo:

• Número de Domicílios: 875 unidades;

• População: 3.413 habitantes5;

• Área de Intervenção: 4,5 ha6;

• Proprietário da Terra: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro;

• Autor do projeto: P.A.A. – Arquiteto Jorge Mário Jauregui / Eng. Agrônomo Hamilton

Casé;

• Data do projeto: 1995;

• Responsável pela obra: Concórdia Engenharia;

• Data do início da obra: 1996, com duração de dois anos aproximadamente.

4 As informações aqui apresentadas foram extraídas dos seguintes documentos: Conde e Magalhães (2004), Vial (2000); além de dados coletados em sítios eletrônicos, bem como pelas informações colhidas na entrevista concedida à autora pelo arquiteto Jorge Mário Jauregui em novembro de 2010. Cabe ressaltar que por ser um dos projetos elaborados na primeira etapa do Programa Favela Bairro, não foi possível obter detalhes de projeto tanto nos arquivos da PCRJ, quanto no escritório projetista, ficando a pesquisa restrita aos registros apresentados nos documentos indicados. Sites pesquisados: <www.fau.ufrj.br/prourb/cidades/favela/projfernao.html; www.jauregui.arq.br/favelas2.html> 5 Os dados relativos ao número de domicílios, população e área apresentados foram retirados de Conde e Magalhães (2003). 6 Nota-se que são encontrados dados diferentes para os números de domicílios, população e área em diversas publicações como em Vial, 2000 e em FAVELAS – BRASIL - favelas upgrading – 8 Mostra Internacional de Arquitetura – Bienal de Veneza – 2002, onde o número relativo a área da favela indicado é de 5,3 ha.( http://www.jauregui.arq.br/imagens/publications/press/upgradin.html - acesso 08/12/2010)

estudos de caso

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160

Figura 5.1: Mapa de localização da favela Fernão Cardim na cidade do Rio de Janeiro. Fonte: Mapa da divisão do município pelas Áreas de Planejamento com tratamento dado pela Autora. Figura 5.2: A favela e a relação com o entorno imediato e seus acessos. Fonte: Imagem retirada do <www.maps.google.com.br> com tratamento dado pela Autora.

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161

Histórico de Ocupação

A Favela Fernão Cardim, cujo nome atual oficializado pela Prefeitura é Conjunto

Residencial Fernão Cardim, surgiu por volta de 1951, em um terreno alagadiço,

originalmente utilizado como área de pasto para animais. O terreno que fazia parte de

uma antiga fazenda de gado, transformada em uma zona industrial, foi escolhido pelos

moradores pela proximidade do centro da cidade, local de trabalho da maioria. (VIAL,

2000).

Os primeiros habitantes instalaram-se ao longo do Rio Faria que, em época de chuvas

transbordava e em função das cotas baixas do terreno original e do assentamento das

moradias, alagava todo o trecho. Os moradores executaram vários aterros na tentativa de

solucionar o problema, mas não obtiveram êxito.

Figura 5.3: Imagem aérea da ocupação antes das obras. Fonte: Acervo da equipe da PCRJ.

Oriundos da Favela Santa Teresa e do processo de remoção ocorrido no bairro de

Benfica para a construção de um viaduto, demais moradores chegaram e se instalaram

na Rua Fernão Cardim n° 61(fundos) e ao longo de 15 anos a ocupação foi crescendo.

A permanência dos moradores no local foi propiciada pelo apoio da Igreja por meio do

Cardeal D. Jaime Câmara, que em homenagem aos primeiros padres que chegaram ao

país na época do Brasil colônia, batizou o assentamento de Fernão Cardim.

estudos de caso

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162

Em 1967 foi registrada em cartório a fundação da Associação Pró-melhoramentos do

Conjunto residencial Fernão Cardim, sociedade civil com personalidade jurídica de

utilização pública de acordo com a Lei n° 1332 de 2 0 de junho de 1967, publicada no

Diário Oficial do município (Ibidem).

Ao longo do tempo, a associação atuou por meio da solidariedade e da participação dos

moradores do residencial, que impulsionou todas as reivindicações e melhorias para a

localidade. A associação sempre contou com o apoio de diversas entidades além da

PCRJ, como: a Policia Militar; a Indústria Cerâmica Klabin; a Federação das Associações

de Favelas do Estado do Rio de Janeiro - FAFERJ; a XII Região Administrativa; o

Condomínio Geral do Norte Shopping; o Mc Donald’s; o CARREFOUR, dentre outros.

Entre os anos de 1966 e 1976 a favela recebeu alguns benefícios e sofreu algumas

intervenções para sua melhoria, a saber: a instalação de um Posto Policial; a implantação

da galeria de esgotos na Rua Ronaldo Matos Reis, propiciada pelos investimentos da

Comissão de Luz; a reconstrução da ponte que ligava os dois lados da favela que fora

destruída pelas chuvas em 1976; a instalação de rede de energia elétrica oficial em 1980;

a substituição da rede de abastecimento de água que contou com o trabalho dos

moradores; a implantação da rede de esgotos por meio do investimento da SMDS e do

Programa de Mutirão Remunerado e, finalmente em 1996, a implementação das

intervenções do Programa Favela Bairro com investimentos da PCRJ e do BID.

Quadro 5.1 - Cronologia da ocupação da área e das melhorias realizadas

Fonte: VIAL, 2000

OCUPAÇÃO DA ÁREA E MELHORIAS

1951 OCUPAÇÃO DA ÁREA NAS COTAS MAIS BAIXAS, JUNTO AS MARGENS DO RIO FARIA.

1966 /

1967

REGISTRADA EM CARTÓRIO A FUNDAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO PRÓ-MELHORAMENTOS DO CONJUNTO RESIDENCIAL FERNÃO CARDIM. CONSTRUÇÃO DO POSTO POLICIAL; IMPLANTAÇÃO DA GALERIA DE ESGOTOS NA RUA RONALDO MATOS REIS, POR MEIO DO INVESTIMENTO DA COMISSÃO DE LUZ; IMPLANTAÇÃO DA REDE DE ESGOTOS POR MEIO DO INVESTIMENTO DA SMDS, COM O PROGRAMA DE MUTIRÃO REMUNERADO;

1975 AÇÕES SOCIAIS;

1976 RECONSTRUÇÃO DA PONTE QUE LIGAVA OS DOIS LADOS DA FAVELA QUE HAVIA SIDO DESTRUÍDA PELAS CHUVAS EM 1976;

1980 REDE DE ENERGIA ELÉTRICA OFICIAL EM 1980; SUBSTITUIÇÃO DA REDE DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA, CONTANDO COM O TRABALHO DOS MORADORES; IMPLANTAÇÃO DA REDE DE ESGOTOS ATRAVÉS DE MUTIRÃO;

1996 INTERVENÇÕES DO FAVELA BAIRRO COM INVESTIMENTOS DA PREFEITURA E DO BID.

2004 ESTRUTURA DA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES EM 2004: PRESIDENTE, VICE PRESIDENTE, 02 SECRETÁRIAS, 02 TESOUREIROS, 01 PROCURADOR GERAL E 03 CONSELHEIROS FISCAIS E 01 DIRETOR DE ESPORTES.

estudos de caso

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163

O quadro 5.1 sintetiza o processo de ocupação da favela e as melhorias realizadas ao

longo dos anos.

• Estrutura Urbana

O Rio Faria cruza a Avenida Dom Helder Câmara (antiga Av. Suburbana), sendo

considerado o principal ponto de contato da favela Fernão Cardim com a cidade formal.

Os principais acessos à favela eram pela Av. Dom Helder Câmara (antiga Av.

Suburbana) na altura do nº 6012, pela Rua Fernão Cardim nº. 61, próximo ao Norte

Shopping, pelas ruas Napoleão Laureano e Gandavo. Na outra extremidade o rio cruza

por baixo do Viaduto da Linha Amarela e a linha férrea tem fazem um dos limites da

favela. (Figura 5.3)

A favela ocupava a área junto às duas margens do Rio Faria. Nas áreas inundáveis, mais

próximas às margens, as moradias eram de madeira e se encontravam em situação

bastante precária de conservação, consideradas em situação de risco, pois a área na

várzea do rio era frequentemente inundada, provocando inúmeros danos e perdas

materiais. Já as áreas mais afastadas possuíam construções em alvenaria, com padrão

construtivo melhor sendo considerados de maior valor em função do afastamento da área

com risco de inundação. (Figura 5.4)

O terreno era plano e parte da ocupação foi feita de forma organizada definindo um

sistema viário interno regular na área mais afastada do rio aos fundos, e também ao

longo da margem da ferrovia.

Na parte frontal da ocupação, próximo a Avenida Suburbana e ao longo do Rio Faria, o

alinhamento das moradias era irregular, devido principalmente aos sucessivos aterros

executados e afastamentos das moradias provocados pelos alagamentos.

No sentido norte-sul, o Rio Faria percorre a favela partindo da Av. Dom Helder Câmara

(antiga Av. Suburbana), cruzando com a linha férrea na outra extremidade do conjunto,

sob o viaduto da Linha Amarela. Por baixo deste viaduto lindeiro à linha férrea, existia um

trecho de via carroçável e outro para pedestres, que faziam em menor grau a conexão

com a cidade formal no lado oposto da avenida.

estudos de caso

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164

Apesar de a ocupação ser irregular no que diz respeito às normas edilícias e estar em

área inundável, apresentando uma configuração de vias estreitas de circulação de

pedestres em sua maioria, pode-se dizer que, do ponto de vista das dimensões, o

desenho das quadras era regular.

Fernão Cardim era uma favela bastante adensada sem espaços públicos. Com exceção

do campo de futebol improvisado, próximo à várzea do Rio Faria não havia áreas vazias.

Figura 5.4: Imagem da ocupação à beira córrego antes da canalização. Fonte: VIAL, 2000.

Dividida em dois setores, de um lado e do outro do rio, segundo Vial (2000), a favela era

uma sucessão de espaços desconexos que necessitava de integração interna e externa.

Os equipamentos urbanos de lazer inexistiam na área com ressalva ao espaço utilizado

para jogos de futebol, como já destacado acima. A Associação de Moradores, instalada

em uma edificação de dois pavimentos em área considerada central da favela, cedia

espaço para inúmeras atividades, dentre elas: Campanhas de vacinação; a creche Novo

Horizonte, que funcionava em dois turnos, atendendo 60 crianças e para os consultórios

médico e dentário que atendiam a população em dias alternados na semana.

estudos de caso

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165

As comemorações e confraternizações da população aconteciam em uma agremiação

conhecida como Clube dos Milionários.

Quanto à educação, as crianças em sua maioria estudavam na Escola Municipal Carlos

Gomes.

Quanto ao atendimento de saúde, a população era atendida pelo Hospital Salgado Filho,

no Bairro de Piedade e pelo Posto de Atendimento Médico - PAM de Del Castilho e pelo

Centro de atendimento Psiquiátrico Pedro II em Engenho de Dentro e em outros

estabelecimentos localizados nos bairros de Pilares, Engenho da Rainha.

Em relação à infraestutura de saneamento básico, as moradias da favela eram, no

momento do projeto, completamente atendidas por rede de água canalizada, sendo 96%

dos domicílios abastecidos diariamente, e 87% recebiam contas da CEDAE. Já o esgoto

produzido era lançado em fossas individuais, portanto não destinado à rede pública de

esgotamento sanitário. A área era servida de energia elétrica e 10% das vias não

contavam com iluminação pública. (Ibidem)

A coleta de lixo domiciliar na favela era realizada pela COMLURB sendo 45% de coleta

indireta e 55% direta, além da varrição das ruas feita pelos garis comunitários

contratados pela Associação de Moradores, que recolhiam inclusive entulho.

Cerca de 15% das ruas tinham pavimento rudimentar, composto por trechos em

pavimento do tipo imprimação asfáltica7 e trechos em solo natural.

Nenhum tipo de mobiliário urbano havia sido instalado na área, tampouco cobertura

vegetal podia ser verificada, a não ser algumas árvores verificadas no interior dos lotes

maiores. Existiam 14 unidades comerciais, 03 fabricas de malhas, um salão de barbeiro e

04 igrejas, dentre elas uma igreja católica e uma evangélica.

7 Por imprimação asfáltica entende-se o tratamento do pavimento com a aplicação de camada fina de concreto betuminoso a quente – CBUQ, asfalto, sobre solo natural compactado. (DER, APUD SECRETARIA ESTADUAL DE TRANSPORTES DE SÃO PAULO, 2005)

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166

5.3.2. Concepção, Propostas e Intervenções previstas

• Partido Urbanístico

Segundo Jauregui (2001), a favela Fernão Cardim era voltada para um não lugar,

caracterizado pelas margens do rio. Um lugar não registrado, aquilo que não cumpre sua

função, mas que pode ser considerado, ao mesmo tempo, o marco referencial de identificação

da população moradora. Assim, o partido urbanístico adotado pelo arquiteto baseou-se no

princípio da valorização do Rio Faria definindo-o como uma “centralidade linear”,

localizando as principais intervenções ao longo desse elemento linear.

Jauregui (ibidem) afirma que a partir da “Leitura da Estrutura do Lugar” realizada na

etapa de diagnóstico, foi possível estabelecer uma relação entre as intervenções

propostas com o entorno imediato, com as atividades que já aconteciam na área e nas

vias existentes. (Figura 5.5)

A canalização do rio na forma de calha aberta possibilitou estabelecer a ligação franca

tanto com a estrutura viária do entorno, bem como com a estrutura viária interna.

Portanto, a complementação das vias existentes, bem como a implantação de novas,

junto à canalização do rio seriam o elemento de ligação e integração da área informal

com a formal, bem como no interior do conjunto da favela.

O ponto de contato com a cidade formal representada pela Avenida Dom Helder Câmara

era exatamente a faixa do rio e sua várzea, o que significava um dos maiores desafios

para a integração da favela com a cidade no entorno. O arquiteto imaginou uma alameda

ao longo do rio que atravessasse a favela. Nessa alameda seriam construídas as novas

unidades habitacionais, bem como implantados os principais equipamentos previstos pelo

programa para a urbanização das favelas. (Figura 5.6)

O Arquiteto Jorge Mário Jauregui inspirou-se no desenho e na configuração das vilas

operárias para projetar as unidades habitacionais. O projeto contemplou, além dos

espaços públicos de lazer e convivência, espaços comerciais construídos em um bloco

único no acesso principal da favela. Os aspectos sociais da transformação das condições

de vida na comunidade foram atendidos pela criação de um Centro de Prestação de

Serviços.

estudos de caso

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167

O caso de Fernão Cardim constitui um exemplo de criação de uma

centralidade linear pontuada pelos principais "acontecimentos" urbano-

arquitetônicos projetados; a praça de articulação favela-bairro, o edifício de

realocação, a sede do posto de orientação urbanístico e social, o campo de

futebol com as edificações de apoio, a creche, etc. (JAUREGUI, 2007)

• Intervenções propostas / realizadas

Todas as propostas indicadas no projeto foram realizadas. Como já colocado, as vias de

comunicação da favela definem os limites da área ocupada. A principal intervenção

prevista pelo projeto foi a canalização do rio em calha aberta com duas vias laterais,

reconfigurando assim o principal acesso à e da favela.

Figura 5.5: Croqui do projeto com anotações do Arquiteto Jorge Mário Jauregui. Fonte: VIAL, 2000.

estudos de caso

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PRESPECTIVA DA EDIFICAÇÃO HABITAÇÃO

Figura 5.6: Desenhos de projeto. Fonte: Acervo da equipe da PCRJ, 1996.

No projeto de urbanização da Favela de Fernão Cardim, o arquiteto optou pela

reformulação e ampliação das condições de acessibilidade ao local, por meio da

reconfiguração do sistema viário, estabelecendo novas conexões, ampliando e abrindo

vias propiciadas pela canalização do rio. Para o arquiteto a integração da favela à cidade,

no aspecto físico, foi definida por meio de um eixo viário articulador, que reúne os

equipamentos e funções de interesse comum à favela (comércio, serviços, esporte, lazer

e áreas de sombreamento) e viabilizou a implantação da infraestrutura de saneamento

ambiental e de energia elétrica (água, esgoto, drenagem e iluminação pública).

As principais intervenções realizadas estão anotadas a seguir e ilustradas pelas figuras 5.7,

5.8, 5.9 e 5.10.

Infraestrutura:

Sistema viário: 8.921,00 m2; canalização de rio: 380,00 m em concreto, em seção aberta

(calha aberta); rede de drenagem com 2.275,00 m de tubulação; rede de esgotos com

2.000,00 m de tubulação com 350 ligações domiciliares;

estudos de caso

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Equipamentos Comunitários:

01 Creche com 400,00 m2 de área construída para o atendimento de 100 crianças; 02

praças totalizando 4.050,00 m2; 01quadra com 4.500,00 m2 e a reconfiguração do campo

de futebol com 2.355,00 m2;

A área recebeu ainda uma unidade POUSO com vistas à desenvolver ações de

orientação social, assistência técnica, regularização urbanística e fiscalização do

cumprimento da legislação, sendo como o olho do poder público na are, bem como um

elemento do processo de pós-ocupação.

Habitação e Comércio:

Foram construídas 22 unidades habitacionais totalizando 1.037,00 m2 e 02 conjuntos com

unidades comerciais com um total de 10 boxes.

As intervenções previstas consideraram a remoção das famílias que ocupavam as

margens do Rio Faria8, reassentando-as na própria favela após a construção das

unidades habitacionais. Portanto, foram removidas e reassentadas apenas 22 famílias.

Do ponto de vista da configuração morfológica da área e das dificuldades construtivas

esse projeto pode ser considerado simples, sendo a reconfiguração do sistema viário em

seu conjunto de vias propiciada pela canalização, a principal intervenção e como

elemento norteador do projeto.

Tratamento Paisagístico:

O projeto previu a implantação de mobiliário urbano e plantio de espécies arbóreas ao

longo das vias lindeiras ao canal, bem como tratamento dos pisos nos espaços públicos e

a iluminação pública especial.

8 Nos arquivos da PCRJ, consultados em 2010 não foram localizados os documentos originais de projeto e do processo de urbanização de Fernão Cardim, dada talvez a data de sua elaboração, uma vez que esse projeto fazia parte da primeira etapa do Programa Favela Bairro, bem como a reestruturação sofrida pela SMH. Nem mesmo o arquiteto possui os registros do projeto organizados e, assim, não conseguiu disponibilizar aqueles elaborados pelo seu escritório na época do projeto. Desta forma não foi possível aprofundar os dados relativos ao projeto, ficando a apresentação restrita aqueles publicadas nos documentos e sites referenciados, bem como nas imagens anexadas a presente dissertação do momento pós-obras e da data da visita em novembro de 2010.

estudos de caso

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Figura 5.7: Imagem do conjunto habitacional ao final das obras. Fonte: Acervo da equipe da PCRJ, 1996 e do Fotógrafo Fabio Costa.

Figura 5.8: Imagem de moradores das novas unidades habitacionais. Fonte: Acervo da equipe da PCRJ, 1996 e do Fotógrafo Fabio Costa.

Figura 5.9: Imagem da Via Canal ao final das obras. Fonte: Acervo da equipe da PCRJ e do Fotógrafo Fábio Costa.

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Figura 5.10: Imagens das intervenções ao final das obras. Fonte: Acervo da equipe da PCRJ, 1996 e do Fotógrafo Fabio Costa.

Praça da Chegada: Imagem do Obelisco que marca o acesso principal

Unidades Comerciais instaladas na Praça da chegada.

Fachada de fundos do espaço comunitário instalado ao lado das unidades habitacionais

Praça Cívica no Acesso de pedestres à Rua Fernão Cardim

estudos de caso

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5.3.3. Participação Social

A metodologia adotada para a participação da população residente em cada etapa do

projeto e na etapa de implantação das obras foi conduzida por meio de consultas

permanentes à Associação de Moradores e pelo atendimento às solicitações individuais e

coletivas, em sucessivas reuniões de trabalho. As reuniões para discussão dos projetos

foram feitas sempre em locais disponibilizados na área.

Além das reuniões e workshops realizados durante a elaboração do projeto e a

implementação das intervenções, o arquiteto se valeu também da leitura das demandas

da população através da observação das atividades cotidianas em campo. Para o

arquiteto o importante era perceber e interpretar muitas demandas que não eram

verbalizadas, mas que se encontravam nas atitudes e ações realizadas no cotidiano, “os

afetos e afetados”9. Portanto, ele considerava que a participação popular não acontecia

somente quando organizada e sim no dia-a-dia, na atitude com que se colocava diante da

urbanização, da possibilidade da melhoria de vida e da consolidação de seu lugar de

moradia, seu habitat.

O fato de a área ter uma unidade do POUSO que buscava desenvolver ações de

orientação social e urbanística em conjunto com a Associação de Moradores, permitiu o

maior acompanhamento das demandas da população e ao mesmo tempo a integração

desta nas fases seguintes à implementação do projeto.

Vial (2000) apresenta pesquisas de opinião realizadas seis meses após a conclusão das

obras em 1998, com enfoque qualitativo e social realizadas pelo Instituto DATABRASIL -

Ensino e Pesquisa, as quais estão anexadas nas páginas adiante.

As pesquisas foram desenvolvidas no ano 1996, em uma amostra de 256 domicílios, de

um total de 683 domicílios particulares distribuídos em dois setores censitários definidos

pelo IBGE referente à contagem realizada naquele ano.

Conforme pode ser observado na tabela 5.1, o índice de satisfação foi relativamente alto.

Observa-se que a infraestrutura implantada obteve aprovação acima de 90% em todos os

quesitos. Os equipamentos públicos também foram bem avaliados, com índice de

aprovação acima de 80%, exceção feita aos espaços comunitários com índice de 71%.

9 O arquiteto Jorge Mario Jauregui concedeu entrevista a autora da dissertação em novembro de 2010, para falar do Programa Favela Bairro, do Projeto Fernão Cardim e sobre a atuação do arquiteto diante do desafio de urbanizar as favelas.

estudos de caso

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173

Tabela 5.1: Pesquisa Índice de Aprovação dos Moradores

ITEM AVALIADO INDICED DE APROVAÇÃO (%)

Calçamento das Ruas 95

Limpeza Pública 99

Iluminação Pública 94

Água 71

Esgotamento Sanitário 87

Coleta de Lixo 85

Drenagem Pluvial 82

Creches 83

Espaços Esportivos 92

Espaços Comunitários 71

Áreas de Lazer 94

Calçamento das Ruas 95

Fonte : VIAL, 2000.

O DATABRASIL ainda realizou uma pesquisa em 15 favelas do município que não

haviam sido beneficiadas pelo Favela Bairro para demonstrar o descontentamento com

as condições do atendimento de serviços públicos naquelas áreas, denotando a

necessidade da melhoria do atendimento como um todo, e desta forma reforçando a

importância dos benefícios proporcionados pelas intervenções do Programa.

Tabela 5.2: Avaliação dos Serviços em 15 comunidades sem o Programa Favela Bairro (em %)

SERVIÇOS EM COMUNIDADES SEM FAVELA BAIRRO

SERVIÇOS SATISF. (%)

PARCIAL/ SATISF.

(%)

INSATISFEITO (%) NÃO TEM (%) NS/NR**

(%) TOTAL

(%)

Esgoto Sanitário 50,7 11,9 29,8 7,4 0,2 100

Limpeza Pública 45,8 23,0 20,6 10,4 0,2 100

Iluminação Pública 44,8 21,8 28,1 5,1 0,2 100

Escoamento de águas da chuva 30,8 1,8 47,1 10,1 0,2 100

Condição das ruas 22,2 15,7 41,9 20,0 0,2 100

Contenção de encostas 18,3 6,0 12,5 62,5 0,7 100

**Não Sabe / Não respondeu (NS/NR)

Fonte: VIAL, 2000

estudos de caso

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174

Observamos na tabela 5.2 que a porcentagem de insatisfação é bastante alta, sendo o

sistema de drenagem e a condição das ruas os itens com menores índices de satisfação

na opinião dos entrevistados. Destaca-se que em 62,5% das localidades alvo da

pesquisa o elemento contenção de encostas não existe.

Essas pesquisas foram desenvolvidas a partir da implantação das primeiras intervenções

do Programa Favela Bairro, incluída a Favela Fernão Cardim, que foi objeto de

comparação utilizado, denotando a importância da participação popular tanto no

levantamento das demandas quanto na aprovação do projeto. Sabe-se que a apropriação

pela população residente nas áreas de intervenções propicia a manutenção da qualidade

urbana obtida com a urbanização.

A identificação das lideranças, o cadastro das famílias e o levantamento das demandas

em conjunto com a população permitiram, no caso do Fernão Cardim, o engajamento e o

comprometimento da população quando da implantação das intervenções e na

manutenção dos benefícios conquistados.

Apropriando-se dos espaços reconfigurados, a população pode construir o sentido de

pertencimento que confere a noção de cidadania ao morador de um local que antes era

uma favela e hoje é um trecho formal da cidade. Inclusive a Associação de Moradores,

cuja estrutura em 2004 contava com os cargos de Presidente, Vice Presidente, duas

secretárias, dois tesoureiros, um procurador geral, três conselheiros fiscais e um diretor

de esportes, continua até o momento atuando junto à população por meio do atendimento

das demandas e oferecendo oportunidades de inserção nos Programas das diversas

esferas de governo.

5.3.4 Situação fundiária

Em 1996 a área da Favela Fernão Cardim foi definida como Área de Especial Interesse

Social - AEIS conforme a Lei Municipal nº. 2499 de 26 de novembro, possibilitando sua

inclusão no programa de urbanização e regularização fundiária, estabelecendo

respectivos e especiais padrões de urbanização.

Após as obras, a favela Fernão Cardim foi a primeira área de intervenção dentro do

programa Favela Bairro a receber legislação própria para regulamentação do uso do solo.

O Decreto nº 18.407 de 24/02/2000 regulamentou a declaração de AEIS e estabeleceu

as normas de uso e ocupação do solo.

estudos de caso

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175

A estratégia adotada para a regularização, por se tratar de terreno de propriedade

municipal, foi aplicar instrumento previsto na Constituição Federal de 1988 - concessão

de direito real de uso, não-onerosa - pelo período de 10 anos, findos os quais a

propriedade seria transferida aos moradores.

O Decreto nº. 17.525 de 07 de maio de 1999, transcrito a seguir, reconheceu como parte

integrante do bairro de Engenho de Dentro, a Favela Fernão Cardim, urbanizada pelo

Programa Favela Bairro:

O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições legais, tendo em vista o que consta do processo administrativo nº. 16/000.197/99,

DECRETA:

Art. 1º - Ficam aceitas as obras de urbanização da Comunidade de Fernão Cardim, contidas na área de Especial Interesse Social criada pela Lei nº. 2.499, de 26 de novembro de 1996, definida pelo Projeto de Alinhamento nº. 1.101, cujos logradouros foram reconhecidos pelo Decreto “N” nº. 15.254, de 14 de novembro de 1996.

Parágrafo Único - A Comunidade referida no caput, para todos os efeitos administrativos e operacionais, passa a integrar o Bairro de Engenho de Dentro XIII R.A., onde se localiza.

Art. 2º - Com base no instituído no artigo 18 do Decreto n.º 14.332, de 7 de novembro de 1995, fica estabelecido que, de imediato, as obras, serviços e equipamentos implantados na Comunidade referida no artigo 1º sejam operados, mantidos e conservados pelos seguintes órgãos municipais, integrando suas ações ordinárias e metas programáticas.

Rio de Janeiro, 07 de maio de 1999 - 435º ano de Fundação da Cidade

Através do Decreto municipal Nº. 18.407 em 2000, a Prefeitura regulamentou a

construção no interior da favela. A localização da favela e os respectivos projetos de

alinhamento se encontram inseridos na Planta Cadastral 286-b-I-6 do IPLANRIO. (Figura

5.11)

Figura 5.11: Fragmento de planta cadastral Fonte: PCRJ, 1996 Disponível em: <www.rio.rj.gov.br>.

estudos de caso

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176

5.3.5. Situação Atual

Verifica-se que as intervenções realizadas na área proporcionaram a integração da

ocupação ao tecido formal do bairro de Engenho de Dentro e consequentemente à

cidade, afirmação constatada em visita ao Conjunto Residencial Fernão Cardim, em

novembro de 2010. A canalização do Rio Faria possibilitou a implantação do sistema

viário principal possibilitando o acesso aos principais equipamentos implantados, bem

como a integração com o sistema viário interno existente que ora reconfigurado propicia a

circulação fluida de veículos e pedestres, bem como a integração com o entorno

imediato, a cidade formal, transformando a paisagem. (Figura 5.12)

Inexiste qualquer barreira para o acesso ao conjunto, a integração se deu nas duas

extremidades do conjunto. No principal acesso, a quem não conheceu a área antes do

Favela Bairro, é difícil perceber que ali existia uma favela. Trata-se atualmente de um

bairro de moradia de população de baixa renda totalmente inserido na malha urbana e no

conjunto edificado da cidade.

Observa-se, apenas em um aspecto, que a integração da favela com a área formal não

se apresenta da mesma forma fluida. Na extremidade oposta a Av. Dom Helder Câmara,

onde o rio avança por baixo da linha férrea e do viaduto da Linha Amarela. A via canal é

interrompida no muro limite da ferrovia, onde foi implantada uma via de tráfego local de

diminuta largura e onde se encontram áreas remanescentes sem tratamento adequado,

transformando o trecho numa área com características de abandono, apesar de uma

quadra de esportes estar instalada naquele local.

Após mais de uma década da implantação do projeto é possível identificar a inserção da

área na agenda de serviços públicos de manutenção e conservação da PCRJ. (Figura

5.13)

A transferência de titularidade das moradias, procedimento incluído no plano de

regularização fundiária desenvolvido para Fernão Cardim, ainda não foi viabilizada. A

PCRJ está trabalhando para a conclusão do processo de regularização fundiária das

moradias de Fernão Cardim por meio de recursos do Governo Federal dentro do

Programa Pró-Moradia.

estudos de caso

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177

Figura 5.12: Imagens aéreas de Fernão Cardim antes e durante a intervenção. Fonte: Acervo da equipe da PCRJ, 1996.

estudos de caso

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178

Figura 5.13: Montagem com imagens atuais de Fernão Cardim. Fonte: Imagens da visita em novembro 2010, arquivo da autora.

estudos de caso

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179

5.4. O PROJETO PARA URBANIZAÇÃO DA GLEBA K - FAVELA HELIÓPOLIS

EM SÃO PAULO10

5.4.1 Leitura Urbana

• Ficha Técnica: Gleba K

A Gleba K está inserida na Favela do Heliópolis localizada na Região sudeste do

Município de São Paulo, no Bairro do Ipiranga, distrito do Sacomã. Insere-se em uma

região que apresenta uma intensa atividade comercial, de prestação de serviços e uma

indústria relativamente ampla e diversificada. A Gleba K dista do centro da cidade de São

Paulo aproximadamente 9 km, partindo da Avenida dos Estados, importante via que liga

São Paulo ao ABC, cujos acessos principais se dão pela Estrada das Lágrimas e pela

Avenida da Juntas Provisórias. (Figura 5.14 e 5.15)

• Número de Domicílios: 5.900;

• População: 35.000 habitantes (estimada);

• Área de Intervenção: 57,6 ha;

• Proprietário da terra: COHAB-SP;

• Autor do projeto: Consórcio Núcleo/Planave;

• Data do projeto: 2004;

• Data da obra: as obras relativas à implantação do projeto apresentado não foram

realizadas no período de vigência do Programa Bairro Legal.

10 As informações sintetizadas nesta parte do trabalho foram extraídas dos seguintes documentos: Diagnóstico Sócio Econômico e Organizativo da Gleba K, Descrição e Diretrizes Especificas para Heliópolis – Gleba K, Normas Gerais para elaboração de projetos elaborados pela equipe da PMSP – SEHAB e nos documentos de projeto elaborados pela equipe da NUCLEO/PLANAVE.

estudos de caso

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180

Figura 5.14: Mapa de localização da Favela do Heliópolis na cidade de São Paulo. Fonte: Montagem a partir de imagens do <www.prefeitura.sp.gov.br> Figura 5.15: Localização da Gleba K em São Paulo. Fonte: Montagem a partir de imagem aérea retirada do <maps.google.com.br> •

estudos de caso

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181

Histórico de ocupação

A formação da Favela do Heliópolis, onde se situa a Gleba K, ocorreu na ultimas três

décadas do século XX, decorrentes de dois importantes aspectos: 1) localização

privilegiada em relação ao Centro e aos municípios vizinhos, o que representava

possibilidades de emprego e ocupação; 2) as ações do Poder Público na área, desde a

instalação provisória de famílias removidas de outras áreas até os vários

empreendimentos para provisão de habitação na cidade.

A Vila Heliópolis foi denominada pela Condessa Álvares Penteado em 1923, que

loteando parte de sua propriedade, antigo sitio do Moinho Velho, hoje bairro do Ipiranga,

solicitou arruamento à PMSP (PMSP, 2004)

Em 1947, a área foi adquirida pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários

- IAPI, cujo objetivo inicial era a construção de casas para seus associados. Como a

construção não foi efetivada, a propriedade passou ao Instituto de Administração da

Previdência e Assistência Social - IAPAS, incluindo a Vila Operária construída pela

Condessa. Segundo informações dos moradores mais antigos, até a década de 1960,

Heliópolis era uma grande fazenda com árvores frutíferas e duas lagoas formadas por

minas com água potável, onde pessoas se banhavam. Mais tarde a ocupação destes

locais por moradias formaram os setores Mina1, Mina 2 e Lagoa. (ibidem)

A ação de grileiros, negociando lotes e casas em nome da condessa Penteado, causou

muitos conflitos, o que impeliu a mobilização dos moradores na formação de uma

comissão com o apoio da Pastoral da Moradia.

Na década de 1970, época marcada pela crise econômica, pela alta da taxa de

desemprego e pela migração nordestina, novas invasões aconteceram, porém a

concentração maior se deu em áreas situadas às Ruas Cônego Xavier e Silva Castro.

Especialmente entre os anos 1971 e 1972, a PMSP, por meio da SEBES, deslocou

aproximadamente 150 famílias das favelas da Vila Prudente e Vergueiro para

alojamentos provisórios localizados na Favela do Heliópolis em decorrência das obras

para a implantação da Avenida Professor Anhaia Melo.

A ocupação da Gleba K propriamente dita se iniciou em 1979 pela invasão de migrantes

vindos de Minas Gerais e da Paraíba. Em 1980 a população organizada cria a Sociedade

de Amigos e Moradores da Favela Heliópolis, com a assessoria da Paróquia de Vila

Arapuá e com o apoio da Secretaria da Família e Bem Estar Social - FABES, setor

estudos de caso

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182

Ipiranga. Intensifica-se, então, a luta pela melhoria das condições de habitabilidade da

população residente em Heliópolis em função inclusive das várias ações de reintegração

de posse impetradas contra os compradores dos lotes que vinham ocorrendo. Na mesma

década tem o inicio os Programas Pró-Água e Pró-Luz, por meio da Unidade Regional de

Atendimento Habitacional do Ipiranga.

O Instituto Nacional de Previdência Social - IAPAS obtém reintegração de posse em

1983, porém com as pressões sistemáticas dos moradores, cuja principal entidade

representante era uma Comissão de Moradores, acelerou o início das negociações entre

os Ministérios da Previdência Social, do Interior, o BNH e a PMSP para encontrar

caminhos na direção das soluções dos problemas observados na área. Outras entidades

surgiram como a Associação de Moradores de Heliópolis, o Grupo do PAM, a Sociedade

de Moradores Nova Heliópolis, que tinham o objetivo de agilizar os melhoramentos em

seus respectivos núcleos.

A PMSP, por meio da SEHAB / HABI, solicitou à Empresa Municipal de Urbanização -

EMURB um levantamento da área, destinado a fornecer subsídios para intervenções e,

principalmente, à formatação do Plano Habitacional Integrado Heliópolis. Em 1984 foram

realizadas as primeiras assembléias gerais da favela, organizadas pela Comissão de

Moradores, com cerca de 3.000 pessoas. Essa organização contribuiu e fomentou para a

constituição de comissões de moradores em todos os setores da favela.

Por meio de um convênio entre a COHAB, a Secretaria Especial de Ação Comunitária -

SEAC e a Sociedade Comunitária Habitacional Pró-favelas, foi firmado o compromisso de

fornecer materiais para a construção de 10.000 habitações por meio de mutirão. Nesse

mesmo contexto a PMSP doaria 2.480 lotes para efetivar a construção das unidades.

Além do atendimento habitacional, foram instalados 17.000 m de guias e sarjetas,

cobrindo praticamente todo o sistema viário existente. A COHAB-SP, neste momento

instalou na área um escritório para acompanhamento permanente do projeto.

Em 1987 a gleba onde estava localizada a Favela do Heliópolis foi comprada pela

COHAB-SP e a favela foi dividida em 14 matrículas individualizadas e nomeadas pelas

letras de “A” a “N’, totalizando uma área de aproximadamente um milhão de m2. (Figura

5.16)

estudos de caso

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183

Figura 5.16: Imagem aérea com a indicação de algumas das glebas da Favela do Heliópolis. Fonte: PMSP, 2008.

estudos de caso

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184

Entre os anos de 1989 e 1992 foi consolidado o Plano Global de Intervenção, no qual

havia a indicação de uma ação que previa a comercialização e regularização dos lotes de

parte já urbanizada das Glebas A e K. Inúmeros projetos desse plano foram implantados,

a construção de unidades habitacionais, a implantação de infraestrutura de saneamento

básico, drenagem de águas pluviais, a construção de muros de contenção e a

pavimentação de vias.

Em 03/12/1993 foi publicada no Diário Oficial do Município - DOM, a Lei nº. 1.450 que

denominava como “Cidade Nova Heliópolis” a área ocupada pela favela, localizada no

Bairro do Sacomã, distrito do Ipiranga.

Em julho de 1996 foi publicado o Plano de Ação do Complexo de Favelas Heliópolis / São

João Clímaco, retomado como parte integrante do Programa de Verticalização e

Urbanização - PROVER (Projeto Cingapura). O plano não foi aprovado pela população,

pois os moradores temiam um processo de remoção indiscriminado, em função da

política de desfavelamento que vigorava na época, sendo o projeto modificado para uma

proposta que contemplava, além da provisão habitacional, a requalificação de parte da

área.

Em 1998, cerca de 120 mil m2 da Gleba K, aproximadamente 20% do total da gleba,

foram inseridos no Programa Pró-Sanear da Companhia de Saneamento Básico do

Estado de São Paulo - SABESP e da CEF. Esse programa visava à elaboração de

projetos técnicos para a implantação de redes de água e esgoto, além do

desenvolvimento de programas de educação ambiental para a adequada utilização e

conservação dos sistemas a serem implantados. O programa foi parcialmente

implantado, principalmente nas vias principais da Gleba e naquelas que não possuíam

redes de água e esgoto.

O quadro 5.2 sintetiza as informações acima apresentadas a respeito da cronologia da

ocupação e das ações do poder público na favela do Heliópolis e Gleba K.

estudos de caso

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185

Quadro 5.2 : Cronologia da ocupação da área e das melhorias realizadas

Fonte: Conhecimento do Problema. Proposta Técnica Núcleo / Planave, 2004

• Estrutura Urbana

A Gleba K está localizada entre eixos viários estruturais da cidade de São Paulo: a

Avenida Almirante Delamare e a Rodovia Anchieta, que fazem a ligação da cidade de

São Paulo com a cidade de São Caetano do Sul e a Baixada Santista, respectivamente,

além da Avenida das Juntas Provisórias e a Estrada das Lágrimas, ambos corredores de

ligação do bairro do Ipiranga com o Centro. A gleba possui limites bem definidos e

consolidados, seja por meio das estruturas viárias, seja pelos equipamentos públicos de

médio e grande porte da cidade que estão instalados no entorno.

Os acessos estão distribuídos ao longo de toda a favela, ligando fisicamente, ainda que

de forma precária, a favela ao bairro.

OCUPAÇÃO DA ÁREA E MELHORIAS

1923 PRIMEIROS REGISTROS DE PARCELAMENTO DA VILA HELIÓPOLIS;

1947 A ÁREA É ADQUIRIDA PELO IAP, POSTERIORMENTE PASSA A SER PROPRIEDADE DO IAPAS;

1969 INAUGURAÇÃO DO HOSPITAL HELIÓPOLIS, QUE FAZ O ATENDIMENTO DA POPULAÇÃO MORADORA DA FAVELA;

1970/1980

150 FAMÍLIAS SÃO TRANSFERIDAS PARA ALOJAMENTOS PROVISÓRIOS EM HELIÓPOLIS DEVIDO A REMOÇÕES REALIZADAS NAS FAVELAS DE VILA PRUDENTE E VERGUEIRO; HELIÓPOLIS PASSA A SER ALVO DE INVASÕES DE GRILEIROS; O IAPAS IMPETRA UMA SÉRIE DE AÇÕES DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE; A SOCIEDADE AMIGOS E MORADORES DA FAVELA HELIÓPOLIS É CRIADA;

1980/1990

INÍCIO DOS PROGRAMAS PRÓ-ÁGUA E DO PRÓ-LUZ – 1982; O IAPAS OBTÉM A REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INICIO DAS NEGOCIAÇÕES ENTRE O MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, O BNH E A PREFEITURA. A SOCIEDADE AMIGOS E MORADORES DA FAVELA HELIÓPOLIS FAZ PRESSÃO; INICIA-SE O PLANO HABITACIONAL INTEGRADO DE HELIÓPOLIS. É FIRMADO O CONVÊNIO BNH/ IAPAS/ COHAB. A PRORPIEDADE DA GLEBA PASSA DO IAPAS PARA O BNH, COM GUARDA PELA COHAB; É RETOMADO O PLANO HABITACIONAL. A GLEBA É COMPRADA PELA COHAB-SP E A FAVELA É SUBDIVIDIDA EM 14 GLEBAS; 2.480 LOTES SERIAM DESTINADOS AO PROGRAMA HABITACIONAL PARA CONSTRUÇÃO DE HABITAÇÕES POR MUTIRÃO; SÃO CONSTRUÍDOS 318 EMBRIÕES; 1.187 FAMÍLIAS SÃO ATENDIDAS COM A CONSTRUÇÃO DE EMBRIÕES E COM RECURSOS PARA REFORMAS;

1990/1992

O PLANO GLOBAL DE INTERVENÇÕES É CONSOLIDADO COM INDICAÇÃO DA REGULARIZAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DOS LOTES DAS ÁREAS JÁ URBANIZADAS DAS GLEBAS A E K; UNIDADES HABITACIONAIS SÃO IMPLANTADAS EM LOTES URBANIZADOS PELA COHAB NAS GLEBAS K E N; O CONJUNTO HABITACIONAL DELAMARE É CONSTRUÍDO POR MEIO DE MUTIRÃO; SÃO EXECUTADAS AS OBRAS NOS NÚCELOS SÃO GREGÓRIO, FLOR DO PINHAL E LAGOA ATRAVÉS DE MUTIRÕES;

1992/1998

É PUBLICADA A LEI 1.450 QUE DENOMINA A ÁREA COMO “CIDADE NOVA HELIÓPOLIS”. É PUBLICADO O PLANO DE AÇÃO DO COMPLEXO DE FAVELAS HELIÓPOLIS/ SÃO JOÃO CLÍMACO, COMO PARTE INTEGRANTE DO PROGRAMA DE VERTICALIZAÇÃO E URBANIZAÇÃO DE FAVELAS/ PROJETO CINGAPURA. A COMUNIDADE REFUTA A PROPOSTA DE REALOCAÇÃO DE MORADORES E, ORGANIZADA, CONQUISTA UM PROJETO MISTO, COM PROVISÃO E REQUALIFICAÇÃO DA ÁREA. AS AÇÕES QUE CONTEMPLARIAM A GLEBA K NÃO SÃO EFETIVADAS. CERCA DE 20% DA GLEBA K É INSERIDA NO PROGRAMA PROSANEAR DA SABESP (PARCIALMENTE IMPLANTADO).

estudos de caso

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186

A gleba é divida em setores, que são reconhecidos até hoje pela PMSP. A divisão da

gleba aconteceu devido à necessidade da realização de reuniões quando do inicio da

mobilização comunitária junto ao Poder público, segundo informações do Presidente da

Associação de Moradores UNAS. Os setores são: Núcleo da Mina 1; Minas 2; Núcleo da

praça Dom Pedro; Núcleo Lagoa; Núcleo da Portuguesa e o Núcleo 120. (Figura 5.17)

A distribuição da ocupação da Gleba K não proporcionou a existência de nenhum

elemento marcante em seu interior, nenhum ponto focal de interesse imediato. No

entanto, o conjunto compõe uma forte unidade urbana.

O tecido urbano da gleba se desenvolve em um terreno com porção maior plana e alguns

trechos com inclinações variadas. Na porção norte, limitada pela Estrada das Lágrimas

verifica-se uma faixa com grandes diferenças de cota numa distância horizontal

relativamente curta, denotando cotas de assentamento dos lotes com diferença de nível

de aproximadamente 2,50 m. À jusante do Córrego Independência, as moradias ali

instaladas constituem-se em uma área de risco sujeita a inundações. As casas dos

núcleos Buraco do Facão, Rocinha e Santa Luzia estão instaladas em uma espécie de

gueto marcado pela forma de ocupação imbricada denotando uma condição de

insalubridade acentuada.

A gleba é completamente ocupada, desta forma não existem terrenos vagos nem mesmo

nas margens do Córrego Independência. O conjunto edificado marca a paisagem local,

em especial ao longo da Estrada das Lágrimas, representando um grande continuum

construído11, em função da similaridade existente entre as edificações do entorno

imediato e as da favela. Isto porque, ao longo desta avenida se repetem, em ritmo

contínuo, fachadas com testadas de tamanho aproximado e mesmo gabarito, ocupando

longas quadras. (Figura 5.18)

A gleba caracteriza-se por uma ocupação densa, sem configuração regular dos lotes e

com uso predominantemente residencial. O conjunto está inserido numa área que

oferece inúmeros atrativos: boa localização, acessibilidade e concentração de atividades,

que se traduz em oportunidades de empregos e boa oferta de serviços.

Observa-se um grande potencial de crescimento de atividades comerciais locais na

Avenida Almirante Delamare e na Estrada das Lágrimas, vias que limitam a gleba. As

unidades são em sua maior parte de uso misto, abrigando estabelecimentos de pequeno

porte como bares, mercearias e oficinas.

11 Entende-se por continuum construído um conjunto de edificações de padrão construtivo e de gabarito idênticos como uma única e extensa massa edificada.

estudos de caso

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187

Figura 5.17: Planta da gleba com o limite dos setores sobre o levantamento planialtimetrico cadastral elaborado a época do projeto para urbanização. Fonte: acervo de projeto Consorcio Nucleo / Planave, 2004.

estudos de caso

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188

Figura 5.18: Imagens do conjunto edificado na Estrada das Lagrimas. Fonte: Acervo do Projeto de Urbanização da Gleba K elaborado pelo Consórcio Núcleo/Planave, 2004.

estudos de caso

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189

Os pedestres transitam diariamente em grande número pela Estrada das Lágrimas,

sendo o percurso marcado pela insegurança causada pelo fluxo intenso de veículos,

numa via de mão dupla de direção, largura diminuta e calçadas estreitas. Além disso, as

ruas de acesso à favela, distribuídas perpendicularmente ao longo dessa avenida, não

estão devidamente sinalizadas, causando problemas na circulação, com exceção da Rua

União, que faz parte de um importante cruzamento que foi devidamente sinalizado

O sistema viário da Gleba K é composto por vias carroçáveis que possibilitam o acesso

franco à maioria dos domicílios, mas não apresenta fluidez. A circulação é irrestrita e as

ruas funcionam em mão dupla de direção na totalidade, não há sistema constituído de de

trafego organizado. A sinalização viária não existe, nem locais estabelecidos para o

estacionamento de veículos, o que causa transtornos na circulação interna. A largura das

vias varia entre 3,0 a 7,0 m e as calçadas têm largura média de 0,90m. Quase todas as

vias carroçáveis são pavimentadas com blocos intertravados ou com Concreto

Betuminoso Usinado a Quente - CBUQ, mais conhecido como asfalto, e as vielas foram

pavimentadas, pelos moradores, em concreto magro sem armação. (Figura 5.19)

Os equipamentos públicos existentes no interior da gleba se apresentam como

Edificações Referência para a comunidade. Vizinhos à área, estão também

equipamentos públicos de atendimento ao bairro: na Av. Almirante Delamare, um

depósito da Petrobrás, o hospital Heliópolis, o Posto de Saúde Municipal - PAM. A

Estação de Tratamento de Esgotos do ABC - ETE/ABC, além da Garagem da

Subprefeitura do Ipiranga na Estrada das Lágrimas. (Figura 5.20)

Quanto à infraestrutura de saneamento básico, a topografia da área e a ocupação em

soleiras negativas impossibilitam que o sistema de esgotamento sanitário atenda

integralmente a todos os domicílios da Gleba. O setor da Lagoa e os núcleos Beco Santa

Luzia e Beco do Facão configuram-se como as áreas mais difíceis para a solução do

esgotamento sanitário, além das moradias assentadas ao longo do córrego

Independência.

Intervenções oficiais foram implantadas pela SABESP por meio do programa

PROSANEAR, e outras realizadas por meio de mutirões com a participação dos

moradores. O sistema implantado apresenta diversos pontos de interligação com o

sistema de drenagem: nas áreas de cotas baixas, na área do córrego Independência,

lançamentos sob casas para valas ao longo do muro da ETE ABC e lançamento de

esgoto em terreno do PAM.

estudos de caso

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190

Rua da Mina - Foto 16

Rua Cel Silva Castro–Foto 17

Rua Itamarati – Foto 18

Rua S. Gregório – Foto 19

Figura 5.19: Imagens de algumas vias internas da Gleba K. Fonte: Acervo do Projeto de Urbanização da Gleba K elaborado pelo Consórcio Núcelo/Planave, 2004. Figura 5.20: Imagens da Av. Almirante Delamare, do Hospital Heliópolis e do conjunto de unidades habitacionais construídas na gestão da Prefeita Luiza Erundina. Fonte: Imagem de visita há época do projeto em 2003 e em Dezembro de 2010.

estudos de caso

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191

O sistema atende quase a totalidade dos moradores, mas não é interligado a ETE /ABC,

e, consequentemente, não é tratado, contaminando os córregos da região. Existem vários

pontos de despejo do esgotamento sanitário na rede de drenagem e a céu aberto.

A drenagem urbana é um dos principais problemas urbanos no contexto da gleba, com a

ocorrência de inundações em função da concentração de vazões em curto espaço de

tempo, principalmente no trecho por onde passa o Córrego Independência, que tem suas

margens ocupadas por habitações precárias e se configura como o principal problema a

ser solucionado.

Como o sistema de esgotamento sanitário, o sistema de drenagem apresenta problemas

para escoamento das zonas de cotas baixas: Lagoa, Beco do Facão e Beco Santa Luzia.

As valas ao longo do muro da SABESP com galerias sobre casas são pontos críticos do

sistema.

A pavimentação das ruas e a existência de sarjetas não garantem um sistema eficiente, e

de certa forma contribuem para o escoamento mais rápido e o tempo de concentração

menor, favorecendo as inundações verificadas.

Na área ao longo do Córrego Independência, localizado na parte sul da Gleba,

encontravam-se situações de solapamento das margens, devido à intensa ocupação das

moradias. Todas as moradias construídas na faixa de margem do córrego eram

consideradas sob risco eminente, dado às condições de insalubridade causadas não

somente pelas constantes inundações, como também pela precariedade das construções

e pelo acúmulo de lixo existente no entorno. (Figura 5.21)

A coleta de lixo é realizada três vezes por semana, pela equipe do Departamento de

Limpeza Urbana - LIMPURB, por meio de caminhões compactadores trafegando nas vias

carroçáveis. O lixo das vielas é depositado pelos moradores em pontos temporários no

início e no final das vias. A situação de limpeza das ruas é satisfatória, à exceção da área

do córrego Independência.

A rede de energia elétrica atende praticamente 100% da área, sendo cobrada a tarifa

mínima, da maioria dos domicílios. Segundo informações colhidas no local, nos horários

de pico, o nível de iluminação, tanto pública, quanto das moradias cai muito,

demonstrando a insuficiência do sistema implantado. Em diversas ruas foi constatada a

utilização de lâmpadas inadequadas a larguras das vias. A depredação de luminárias é

outra causa que contribui para a queda na qualidade e nas condições de iluminação

local.

estudos de caso

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192

Quanto à saúde o Hospital Heliópolis e o PAM são as principais referências para o

atendimento de Saúde da população da Gleba K.

Quanto à educação, as escolas de ensino básico, existentes no entorno atendem à

demanda para ensino fundamental, no entanto, para o ensino médio as vagas não são

suficientes. Apesar de existir um número razoável de creches, existe demanda para a

construção de mais unidades indicada pela associação de moradores.

Com relação à cultura, existem na região a Casa de Cultura do Ipiranga e a Biblioteca

Municipal Castro Alves, que são utilizadas pelos moradores do Heliópolis. Apesar da

distância são referências importantes da região.

Nos Espaços Gente Jovem - EGJ, por meio de parceria entre a União de Núcleos de

Associações e Sociedades dos Moradores de Heliópolis e São João Clímaco - UNAS e a

Secretaria Municipal de Ação Social, são desenvolvidas atividades para jovens de sete a

14 anos: complementação do horário escolar; grupo de adolescentes; oficinas de música,

dança e esportes, a alfabetização de adultos dentre outras. A Gleba K possui quatro EGJ,

localizados nos setores Mina, Lagoa, Núcleo 120 e PAM. Além desses, na quadra

coberta da sede de UNAS são desenvolvidas diversas atividades esportivas para os

jovens. (Figura 5.22)

O Telecentro localizado na Rua da Mina é um espaço de atividades e encontros, onde

são desenvolvidos outros projetos como: o Parceiros da Criança, em convênio com o

Instituto General Motors - IGM, que há época do projeto atendia 240 crianças, além do

Projeto Liberdade Assistida. (Figura 5.22)

Há época do projeto a Fundação do Bem-Estar do Menor - FEBEM, atendia 100

adolescentes de Heliópolis. Existia uma Rádio Comunitária que transmitia reportagens e

documentários sobre a realidade local, além de apresentar músicas de vários estilos.

As igrejas, templos e cultos, existentes na comunidade em grande número,

desempenham um papel importante no desenvolvimento de atividades ligadas à

promoção social da comunidade.

No interior da Gleba K existe apenas uma pequena praça, sem brinquedos ou qualquer

equipamento de lazer. As duas quadras esportivas cobertas existentes nos espaços

comunitários têm intensa utilização, daí avaliava-se que a demanda para a implantação

de equipamentos de lazer e esportes era considerável.

estudos de caso

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193

Espaço Gente Jovem / Setor PAM

Telecentro - Rua da Mina

Sede da UNAS – Rua da Mina Parceiros da Criança

Figura 5.21: Imagem das unidades a beira córrego. Fonte: Acervo do Projeto de Urbanização da Gleba K elaborado pelo Consórcio Núcleo/Planave, 2004. Figura 5.22: Montagem com as imagens do Espaço Jovem, do Telecentro e da Sede de UNAS. Fonte: Acervo do Projeto de Urbanização da Gleba K elaborado pelo Consórcio Núcleo/Planave, 2004.

estudos de caso

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194

No entorno da Gleba K não existem grandes áreas de lazer, a Praça de São João

Clímaco é a mais utilizada pela população que fica em um dos limites da gleba.

UNAS é a principal entidade representativa e que atende aos diversos núcleos da Gkeba

K e das demais glebas da Favela do Heliópolis. Atua no reforço da organização social, na

capacitação dos moradores para a defesa de seus direitos e, em parceria com entidades

públicas e privadas, desenvolve nos espaços comunitários atividades de enriquecimento

cultural e de formação profissional. Foi fundada em 1986 e luta, desde então, junto ao

poder público para que sejam implantados na comunidade todos os serviços públicos e,

também, para que seja regularizada a situação dos moradores quanto à propriedade da

terra. Além de outras reivindicações, UNAS solicita a construção de uma escola de

Ensino Médio na área para suprir uma grande demanda local.

Outras entidades também são atuantes como a Associação Comunitária para Valorização

de Heliópolis e Sociedade Amigos e Moradores da Favela Heliópolis. Universidades,

Escolas, Igrejas, Partidos Políticos, ONG’s, empresas e trabalhadores voluntários

também atuam na área, o que demonstra a relevância dessa favela em relação ao

Município de São Paulo.

Durante a etapa de levantamento de dados foi verificado que existiam programas e

projetos previstos para a área, como: a implantação do Caminho verde na Av. Almirante

Delamare; o saneamento dos Córregos Sacomã e Independência; os melhoramentos e

abertura de trechos da Av. Guido Aliberti – acesso ao ABC; a criação das linhas de

ônibus “Vila Carioca - Zoológico” e “Jardim Patente - Zoológico” e, a implantação do

Centro de Convivência Educativo e Cultural Heliópolis - CEU.

Algumas intervenções em andamento na época do projeto previam beneficiar diretamente

os moradores de Heliópolis, a saber: com o Plano Diretor Estratégico, onde o transporte

era proposto a partir de linhas circulares para integração intra-regional; além da ativação

do Expresso Tiradentes, terminal do sistema de transporte sobre rodas em via elevada,

com terminal no Parque Dom Pedro II, ativado em 2007 e, a construção da estação do

Metrô SACOMÃ, integrante da linha Verde, que foi concluída em 2009.

estudos de caso

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195

5.4.2. Concepção, Propostas e Intervenções previstas

• Partido Urbanístico

Tomando por base a análise realizada quando da leitura do lugar, das características da

organização física e social, das práticas culturais, dos anseios dos moradores, da

diversidade e da complexidade encontrada nesse assentamento, considerando a

totalidade da área e ao mesmo tempo suas especificidades, o partido urbanístico adotado

pela equipe de projeto considerou:

� As múltiplas possibilidades de acesso e, deste modo, a integração com o bairro.

O reforço da imagem de unidade urbana do tecido por meio de ligações viárias

de pequeno porte para consolidação do sistema viário existente, possibilitando

aos moradores acesso aos serviços e equipamentos públicos. Além disso, a

reconfiguração do sistema com a implantação de binários para incremento da

fluidez da circulação e consequentemente do reconhecimento e da identificação

do território por seus moradores;

� A criação de pontos focais – Tratamento urbanístico nos cruzamentos de maior

circulação de pessoas ou de interesse local – Criação de Largos, a criação de

recintos de lazer – Espaços de amenização. Tratamento urbanístico para a

criação de pequenos espaços de convivência e encontros sociais, bem como a

criação de Novas Centralidades – Vila Olímpica e Praça Cívica da Lagoa

� A Transformação do ambiente urbano através do desadensamento habitacional

para fins de Regularização Fundiária, da implantação de infraestrutura e da

eliminação de situações de risco;

� As linhas de força que marcam a favela, isto é, a organização de seus elementos

de sistema viário, edificações, dentre outros, combinadas com as circunstâncias

que estiveram na origem de sua formação, e

� A similaridade existente entre a morfologia do bairro e a da favela.

Nessa etapa foram elaboradas três alternativas que avaliaram as possibilidades de

transformação da área, o montante de recursos necessários à implantação, o número de

remoções, as dificuldades de implantação, o padrão urbanístico resultante e outros

aspectos relativos aos impactos de cada proposta. Basicamente as alternativas se

diferenciavam na escala das intervenções propostas, no alcance do projeto, e no número

de remoções e de unidades habitacionais produzidas.

estudos de caso

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196

Intervenções propostas

A Alternativa 02, que escolhida e aprovada tanto pela população, quanto pela PMSP,

apresentava a definição de um binário principal, potencializando a integração das vias

transversais existentes e possibilitando a implantação de outras vias transversais

estruturantes, melhorando, assim, o acesso a todos os domicílios, garantindo a fluidez de

trafego e de percurso na gleba como um todo, além de viabilizar a implantação da

infraestrutura de saneamento básico de forma mais racional. (Figura 5.23)

Além de reconfigurar a circulação e possibilitar o redimensionamento das quadras,

melhorando sua configuração para regularização fundiária, a proposta indicava a

construção de unidades habitacionais para provisão e reassentamento, além da

implantação de áreas para esportes e lazer. Nesta proposta o número de remoções

previsto era de 1.705 moradias, cerca de 29% do total de moradias da Gleba, a maioria

em função da proposta de desadensamento para a melhoria de habitabilidade e da

eliminação da precariedade verificada das moradias.

Sistema Viário

Quanto ao sistema viário, a proposta buscou estabelecer uma hierarquização viária

factível, adequada às vias existentes, com a redefinição das mãos de direção das vias. A

estrutura básica partia da implantação de binário de circulação por meio da

complementação de vias existentes, bem como a abertura de novas vias, permitindo o

acesso do transporte coletivo de pequeno porte e a circulação fluida, alem da melhoria na

identificação dos percursos peatonais12 e na criação de pontos referenciais.

A proposta previa ainda a implantação de uma rede de vias de pedestres por meio da

reconfiguração das várias vielas como objeto de reforma, ampliação e/ou alargamento,

buscando proporcionar, com um novo desenho, o acesso a todos os domicílios com

conforto, a implantação de sua respectiva infraestrutura, além de contribuir para a

consolidação das quadras e viabilizar a regularização fundiária da gleba como um todo.

A malha viária existente na Gleba K é extremamente consolidada, carecendo apenas de

pequenas reformas, no traçado em pontos específicos e a troca de pavimento, para

constituir-se em uma rede de vias carroçáveis. Para melhorar a organização e a

integração entre os setores internos do assentamento foi proposta a abertura e

prolongamento de algumas ruas.

12 Relativo a circulação de pedestres.

estudos de caso

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197

Figura 5.23: Planta geral de implantação da Alternativa 02. Fonte: Acervo do Projeto de Urbanização da Gleba K elaborado pelo Consórcio Núcleo/Planave, 2004.

estudos de caso

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198

Para integração mais efetiva com o bairro e considerando que a Gleba K possui várias

vias interligando a favela ao bairro, a proposta buscou reforçar a legibilidade destas

ligações e potencializar outras menos valorizadas, através do tratamento dos

cruzamentos principalmente entre a Estrada das Lágrimas e da Av. Almirante Delamare.

Infraestrutura de Saneamento Ambiental

A proposta previa a complementação e melhoria dos sistemas de abastecimento de

água, de esgotamento sanitário e drenagem de águas pluviais já implantados com

atendimento integral a todos as moradias da Gleba K.

Como premissa de projeto, a proposta indicava a eliminação progressiva de redes

cruzando lotes ou instaladas sob as moradias, e assim sendo os novos sistemas

deveriam ser instalados sempre que possível nas vias.

Quanto ao abastecimento de água a proposta previu complementar o sistema existente

garantindo o abastecimento de 100% das moradias que permanecessem, bem como

para as novas unidades habitacionais e equipamentos públicos.

Já para o sistema de esgotamento sanitário a proposta previu o aproveitamento máximo

do sistema existente, com a revisão do plano de escoamento para que fossem eliminados

os pontos de interligação com o sistema de drenagem e garantidas a coleta e o destino

adequado do esgotamento doméstico coletado em 100% da área de projeto.

Para a drenagem de águas pluviais o sistema proposto eliminaria os pontos críticos,

indicando o desadensamento de áreas de cotas com dificuldade de escoamento,

revisando o plano de escoamento, eliminando galerias sob moradias, revendo o

dimensionamento das redes, considerando o máximo aproveitamento da drenagem

superficial.

Também foi incluída a proposta para a canalização do Córrego Independência no trecho

em que atravessava a gleba e a implantação de galerias junto ao muro da ETE/ABC para

coleta e destino adequado das águas provenientes do terreno que também desaguavam

no córrego Independência e no canal construído dentro do terreno da estação, paralelo à

Av. Almirante Delamare.

estudos de caso

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199

Considerando a abertura das novas vias carroçáveis e do uso compartilhado, a foi

elaborado um roteiro para o percurso do caminhão na coleta e remoção de lixo e dos

resíduos sólidos produzidos na gleba. Seriam seguidas as orientações da LIMPURB, mas

a proposta considerou inclusive o uso de contenedores plásticos para o armazenamento

e transporte do lixo produzido pelas moradias instaladas nas vielas até o local de

recolhimento pelo caminhão compactador. Desta forma, garantindo a erradicação dos

pontos de acúmulo de lixo distribuídos indiscriminadamente e verificados por toda a gleba

nos dias de coleta.

Espaços Públicos

Na Gleba K havia a necessidade premente de se agregar valor urbanístico ambiental,

com maior abrangência, e que contribuísse para a melhoria da auto-estima dos

moradores. A proposta incluiu a criação de inúmeras centralidades e marcos

referenciais , que, unidos à nova estrutura viária, funcionariam como pontos estratégicos,

referências do Novo Bairro.

A praça é espaço de convivência, lazer e para a manifestação cultural deve ser acessível

a todos os cidadãos13. Nenhum espaço com tal conceito era encontrado na Gleba K.

Assim, a proposta considerou a implantação de espaços dessa natureza, em várias

escalas, nos diversos setores da gleba.

Assim a proposta previu a realocação de todas as moradias do setor chamado Lagoa,

para que ali fosse construída uma praça com a abertura de via de interligação dos

setores internos. Ali estariam implantados elementos e equipamentos urbanos com as

características idênticas àquelas encontradas nas praças da cidade formal, que

assumiriam um caráter de espaço cívico para os moradores. Teria inclusive desenho

urbano e a aplicação de materiais construtivos diferenciados. Inclusive, nesse local seria

implantada uma creche.

Dadas suas dimensões e localização, essa praça iria se transformar em pólo de atração

cultural e de lazer, com a instalação de equipamentos para atividades infantis, brinquedos

e pequenas quadras esportivas, equipamentos para ginástica, um pátio para o encontro

de jovens, coreto, mesas de jogos, marcos referenciais e de comunicação visual (totens)

que contariam a história da favela do Heliópolis, além do tratamento paisagístico.

13 Considerações da autora.

estudos de caso

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200

Duas outras áreas seriam reformadas e tornar-se-iam pontos referenciais: a Praça Santa

Edwiges, que, na época, era uma área sem atratividade que garantisse a permanência de

pessoas nem a prática de atividades de lazer, e onde existia uma imagem da Santa

Edwiges; e uma área junto a Estrada das Lágrimas utilizada como local de exposição de

bancos de carro para venda. Nessas áreas estavam previstos: modificação do desenho

urbano, tratamento paisagístico e a instalação de mobiliário urbano.

Para valorizar e reforçar a imagem de unidade urbana que possui a Gleba K, a proposta

previu também a criação de Largos , como pontos focais em diferentes setores da favela.

Seriam espaços nos cruzamentos viários, locais onde a interrupção dos trajetos fariam

acontecer encontros. Nestes locais estava previsto tratamento urbanístico com pequenas

alterações no traçado viário, sinalização adequada, ampliação da largura das calçadas e

implantação de mobiliário urbano.

Como a população já utilizava parte do terreno onde funciona o PAM Heliópolis para

prática de futebol e atividades infantis em geral, a proposta considerou a cessão desta

porção do terreno para a construção de uma praça comunitária. Essa praça funcionaria

como local de encontros e para prática de esportes. Estavam previstos: a instalação de

equipamentos para atividades infantis, a implantação de uma quadra polivalente para a

pratica de esportes, equipamentos para ginástica, mesas de jogos e o tratamento

paisagístico.

Outro espaço de lazer seria criado a partir da alteração do traçado viário das ruas 2, 3 e

4, próximo à Rua União e teria a conotação de “placeta”, isto é, uma pequena praça para

descanso e encontros.

A proposta ainda previu a implantação de pequenos espaços chamados de Recintos de

Lazer, que seriam nichos dotados de algum mobiliário urbano e tratamento paisagístico,

criando um ambiente agradável para brincadeiras e bate-papos, construídos nas áreas

remanescentes do desadensamento proposto, isto é, próximo a viela Santa Luzia, no

núcleo 120, junto ao Córrego Independência e no Buraco do Facão.

Além das praças e áreas de lazer, a proposta previa a construção de um espaço para

esportes, a centralidade denominada de Vila Olímpica. Tratava-se de um centro esportivo

de porte médio com as seguintes instalações: campo de futebol society, quadras

polivalentes, pista de atletismo, quadra de tênis, piscinas, infraestrutura de apoio

(administração, vestiários, bares e refeitório), associada a um Centro Comercial e demais

outros equipamentos, como uma escola de ensino médio além de unidades habitacionais.

estudos de caso

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201

Essa proposta ia ao encontro da demanda crescente de áreas para atividades esportivas

indicadas pelas lideranças locais, associadas à introdução de objetivos maiores do que a

simples a formação de atletas, visando a capacitação individual e coletiva para cidadania

plena das crianças e adolescentes, consideradas em situação de risco social.

A demanda verificada nas entrevistas locais indicava a necessidade de vagas para

crianças em idade de creche, além da também já apontada necessidade de uma escola

de ensino médio. A proposta incluiu a construção de duas creches para o atendimento de

170 crianças na faixa etária de zero a quatro anos. A primeira localizada no setor Lagoa

(Creche Lagoa) e a segunda em trecho junto à Vila Olímpica.

Remoção / Reassentamento

A proposta aprovada considerou a remoção de 1705 moradias, tanto para a

reconfiguração do sistema viário e da abertura de novas vias, bem como para o

desadensamento de áreas consideradas precárias e a implantação e configuração dos

espaços públicos.

As situações de risco mais graves encontradas se davam ao longo da ocupação das

margens do Córrego Independência. Nesse local, além da instabilidade do terreno, as

moradias eram muito precárias, construídas em madeira e outros materiais alternativos.

Para esse caso era necessária a remoção total das edificações, em número estimado

pela UNAS de 200 famílias.

A situação de risco das moradias situadas na Lagoa, na viela Santa Luzia e no Buraco do

Facão estava relacionada à insalubridade causada pela falta de escoamento das redes

de esgoto e drenagem, além da falta de insolação e ventilação em função da inexistência

de afastamento entre as moradias dada a forma imbricada como foram construídas as

moradias. Além destes núcleos foi indicado o desadensamento no interior de outras

quadras onde se encontrava situação semelhante de degradação das moradias.

Conforme a orientação de HABI deveriam ser previstas seis tipologias para as unidades

habitacionais a serem construídas, sendo consideradas três unifamiliares e três

multifamiliares, com até três pavimentos.

A proposta, a princípio, indicou três locais para a construção das novas unidades

habitacionais, em terrenos a serem cedidos por outros proprietários por meio de

desapropriação, ou outro instrumento identificado como, por exemplo, a dação em

pagamento, ou seja, em caso de divida dos proprietários com a PMSP,

estudos de caso

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202

os terrenos seriam doados como forma de pagamento, desde que se encontrassem

vazios e sem uso específico no momento do projeto. O total de unidades habitacionais

previstas era de 540.

Além das propostas para provisão habitacional, considerava-se de vital importância a

oferta de alternativas de moradias para a população remanejada no projeto de

urbanização. Desta forma, a título de sugestão e com o objetivo de atender uma parte

dos moradores afetados pelas intervenções previstas no projeto, a equipe propôs a

criação de um instrumento14 permitindo a indenização pela benfeitoria ao morador ou a

aquisição de imóveis à venda dentro e fora da favela, sempre em área adequada e sem

interferência do projeto de urbanização. Sabe-se que na favela existe um mercado

imobiliário dinâmico, sendo observado que na ocasião do projeto, diversos imóveis se

encontravam à venda com preços dos mais variados.

5.4.3 Participação Social

O Projeto buscou a participação social a partir de premissas básicas como:

• Troca frequente de saberes, fruto da ação integrada dos

vários conhecimentos – técnicos e populares – embasados pelas

experiências e sonhos dos moradores adquiridos ao longo de

suas vidas;

• A criação de um canal de comunicação e informação aberto

e contínuo com a população, estabelecendo maior vínculo de

confiança e credibilidade;

• A valorização da pessoa enquanto detentora de identidade,

condição fundamental para que ela assuma seu papel enquanto

sujeito determinante no processo de construção do processo e da

experiência a ser vivenciada;

• O entendimento do exercício da democracia como direito ao

acesso a melhores condições de vida e ao direito à participação

na gestão da vida privada e da vida pública;

14 Este instrumento de indenização das benfeitorias era similar ao que foi utilizado no processo de relocação no âmbito do Programa Favela Bairro e que foi regulamentado no Decreto Municipal PCRJ nº 20454 de 24 de agosto de 2001.

estudos de caso

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203

O resgate da auto-estima da população no que se relaciona ao

seu potencial individual / coletivo para transformação de sua vida;

• O reconhecimento que os moradores têm seus códigos,

símbolos e valores adquiridos no seu processo de vida por meio

do convívio entre os grupos sociais e que, nessa atividade

cultural, eles constroem e transformam a sua própria identidade;

• O trabalho para a capacitação para as relações humanas

dentro do novo espaço, objetivando discutir as condições de vida

da população, desenvolver a consciência crítica e formular

propostas que atendam verdadeiramente a todos.

Sendo assim, a proposta apresentada teve como eixo central o trabalho interdisciplinar e

o envolvimento da população em todas as etapas de construção das diferentes ações

desenvolvidas no Projeto para Urbanização da Gleba K da Favela do Heliópolis.

Importante destacar que a organização para a participação social se mostrou bastante

trabalhosa, dada à dimensão da área e o número de moradores envolvidos. No entanto,

contou com a participação efetiva de UNAS.

Durante a etapa Diagnóstico, a população foi identificada por meio inicialmente da

selagem, posteriormente foi cadastrada. Durante a etapa de concepção do projeto a

população organizada, escolheu uma dentre as alternativas propostas. Entretanto, em

função do tempo decorrido entre a finalização do projeto e a implementação das

intervenções, além do número elevado de remoções que o projeto assinalava, houve um

movimento de recusa da população, retrocedendo e voltando atrás na aceitação da em

proposta, principalmente após a mudança de gestão da prefeitura em 2005. Estas

questões implicaram a modificação do projeto e no redirecionamento das intervenções.

estudos de caso

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204

5.4.4. Situação fundiária

O Plano Diretor Estratégico do município de São Paulo, Lei no 13.430, de 13 de setembro

de 2002, definiu a Gleba K como Zona Especial de Interesse Social - ZEIS, sob a

denominação ZEIS 1–193 (CALDAS, 2009), possibilitando desta forma a elaboração do

projeto, a consequente urbanização e regularização fundiária.

A regularização fundiária é uma prioridade dentre as reivindicações apontadas pelas

lideranças locais. Não há dificuldades em se identificar o proprietário, nem a necessidade

de se executar ação expropriatória, visto a gleba ser de propriedade da COHAB – SP. Os

instrumentos jurídicos existentes e em vigor permitem a regularização fundiária em

Heliópolis. Inclusive em várias quadras o processo de regularização poderia ter inicio

imediato, sendo necessária apenas a regularização urbanística das mesmas.

Com base nestes instrumentos jurídicos, a equipe sugeriu que após a aprovação do

Plano Global de Intervenção, antes mesmo do término do projeto de urbanização, fossem

iniciados os procedimentos para a regularização fundiária das quadras consolidadas

fisicamente. Entende-se como consolidadas aquelas quadras dotadas de infraestrutura e

que não possuam impedimentos como: lotes sem acesso a vias públicas, com dimensões

muito reduzidas ou níveis altos de insalubridade.

A proposta ainda identificou a possibilidade de implementar o processo de regularização

em cinco fases distintas:

Fase 1: O processo de Regularização Fundiária das quadras consolidadas fisicamente.

Em paralelo, deveriam ser efetivadas negociações visando a cessão dos terrenos para

construção de unidades habitacionais para provisão habitacional;

Fase 2: Término e aprovação dos projetos pertinentes e construção das unidades para

provisão Habitacional em terrenos já liberados;

Fase 3: Regularização fundiária da bacia da Estrada das Lágrimas;

Fase 4: Regularização fundiária das quadras da bacia do Córrego Independência;

Fase 5: Regularização fundiária das quadras da bacia da Av. Almirante Delamare.

Apesar das propostas de projeto terem alcançado e atendido a todos os pressupostos do

Programa chegando inclusive a propostas de regularização fundiária além do exigido não

foram levadas a cabo.

estudos de caso

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205

5.4.5. Situação Atual

Durante a elaboração do projeto, em função da dimensão da área e do elevado número

de remoções necessárias a implementação da proposta a prefeitura entendeu necessário

tratar a gleba por setores. Decidiu-se por desenvolver as etapas de projeto básico e

executivo de um setor. O setor da Mina 1 foi o escolhido em função da situação de

insalubridade e de risco das moradias instaladas a beira do Córrego Independência.

(Figura 5.24)

Esta decisão mudou a perspectiva da execução das obras uma vez que o tempo de

projeto básico e executivo para um setor não foi identificado como diverso daquele para

elaborar a etapa de projeto básico para a gleba como um todo. Desta forma o tempo

decorrido até a conclusão destas etapas para o Setor Mina 1 coincidiu com a transição da

gestão da Prefeita Marta Suplicy para o Prefeito José Serra, quando o projeto e o

contrato foram interrompidos, a equipe social e de projeto foram desmobilizadas e, como

consequência, desmobilizada a participação social.

A equipe entendia que se o projeto básico para toda a gleba estivesse concluído seria

possível a licitação das obras antes do período eleitoral e desta forma o compromisso

com as intervenções e a população teria sido estabelecido implicando no compromisso

com a execução das obras.

É certo que por conta das dimensões da gleba e das intervenções propostas para a

execução das obras seria necessário um planejamento mais detalhado e como

conseqüência a definição por setores, mas já estaríamos falando de intervenções e não

de alterações conceituais e estruturais de projeto.

A insegurança quanto à implantação do projeto suscitou a desconfiança quanto ao rumo

das intervenções futuras, principalmente em função do número elevado de remoções

sem propostas concretas de atendimento.

Em visita recente à área, foram obtidas informações junto à Coordenação Heliópolis de

HABI /PMSP que confirmou que o projeto previsto no Estudo de Alternativa 02, aprovado

pela população em sua fase inicial, não foi implantado devido à mobilização da população

organizada que se encontrava insatisfeita com a demora e a falta de definição de prazo

para a execução das obras e em função disso solicitou a revisão do projeto aprovado.

A SEHAB vem executando entre os anos de 2004 e 2010 uma série de intervenções

pontuais não só na Gleba K, como em toda a Favela do Heliópolis, contemplando a

construção de unidades habitacionais, a implantação de redes de água e esgoto,

estudos de caso

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206

Figura 5.24: Planta de implantação da etapa de projeto executivo do Setor Mina 01. Fonte: Acervo de Projeto do Consórcio Núcleo/Planave, 2004

estudos de caso

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207

a pavimentação e a canalização do córrego Independência, que denotou a remoção das

moradias que estavam ali instaladas, bem como a construção do CEU. (Figura 5.25)

As propostas de intervenção atuais estão indicadas em planta elaborada pela PMSP em

2010 (5.26) e mostram que as propostas indicadas no projeto não foram consideradas.

Segundo a Coordenação do Projeto Heliópolis15 está em elaboração na SEHAB um plano

diretor para a favela do Heliópolis no sentido de estabelecer diretrizes e prazos para a

implantação das obras necessárias e dos equipamentos em várias etapas, para que seja

efetivada a integração completa desta favela ao tecido urbano da cidade de São Paulo.

Figura 5.25: Imagens do CEU, das unidades em construção e da canalização do córrego Independência. Fonte : Revista da Folha de São Paulo 15 a 21 de agosto de 2010 e registro das obras de canalização na visita em dezembro de 2010.

15 Entrevista concedida a autora em dezembro de 2010 pela Arquiteta Vanessa Padiá, coordenadora do Projeto de Urbanização da Favela do Heliópolis.

estudos de caso

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208

Figura 5.26: Planta indicativa das intervenções propostas por HABI em 2010 e imagens atuais no

interior da Gleba K. Fonte: Planta cedida pela Arquiteta Vanessa Padiá e imagens da visita em

dezembro de 2010.

estudos de caso

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209

5.5 PRINCÍPIOS NORTEADORES PARA O PROJETO DE URBANIZAÇÃO DE

FAVELAS

A seguir, apresenta-se uma síntese de cada caso, de modo a extrair os princípios

norteadores que conduziram o processo de elaboração dos projetos de urbanização das

favelas dentro dos programas estudados e que poderão ser replicados em demais

programas nos diversos municípios do Brasil.

5.5.1. Fernão Cardim

No projeto para a urbanização da Favela Fernão Cardim o partido urbanístico adotado

partiu da implantação de um sistema viário que estabelecesse a integração entre as duas

partes da ocupação que estavam divididas pela presença do rio. Portanto, através da

canalização do rio e a implantação de vias lindeiras, como eixo estruturante da

intervenção propiciaram a articulação e a integração entre o tecido da favela com o da

cidade formal. Uma praça conhecida como a Praça da Chegada, foi criada como marco

da integração no acesso principal. Nela foi instalado um obelisco (projeto do Arquiteto

Jorge Mário Jauregui) e boxes comerciais, que marcam a intervenção e atuação do

programa Favela Bairro naquela área.

A partir deste eixo estruturante, articula-se o sistema viário interno por meio da

readequação e a interligação das vias existentes, viabilizando a circulação fluida por todo

o conjunto.

Importantes equipamentos públicos e edificações foram implantados para o atendimento

das demandas levantadas e observadas junto à população moradora: uma creche,

unidades habitacionais e um conjunto de unidades comerciais para a realização de

atividades para geração de trabalho e renda.

O projeto contemplou todas as possibilidades e potencialidades de forma a dotar o tecido

urbano da favela de qualidade com todos os equipamentos urbanos e sistemas de

infraestrutura que toda a cidade necessita. As moradias existentes foram interligadas aos

sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário, a canalização do Rio Faria

viabilizou a solução dos problemas das inundações e equacionou o encaminhamento das

águas pluviais de maneira adequada.

Os edifícios implantados consideraram a adoção de um partido arquitetônico

diferenciado, mas com padrão que se integra ao conjunto edificado existente.

estudos de caso

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210

Portanto, ao mesmo tempo em que se destaca pela forma, compõe um conjunto

harmônico na paisagem da favela que hoje está reconfigurada.

A implantação dos equipamentos públicos, quanto à localização, considerou o eixo viário

principal como melhor localização, potencializando a centralidade que existia antes das

intervenções. O tratamento paisagístico e a instalação de mobiliário urbano conferiram ao

conjunto da favela qualidade urbanística ambiental.

Os parâmetros específicos para os projetos em favelas, definidos pelas empresas de

serviços municipais como a COMLURB, de Iluminação Pública - RIOLUZ, além da

CEDAE, possibilitaram a dotação de serviços públicos e infraestrutura atendendo a favela

como um todo.

Para manter a qualidade alcançada em Fernão Cardim, um POUSO atendia a população,

sendo a estratégia da PCRJ para o controle da ocupação, do uso e da expansão da área,

buscando assegurar a real integração à cidade formal e manutenção da qualidade obtida

com as intervenções.

Desta forma entendemos que os objetivos do Programa Favela Bairro foram alcançados

inclusive sob o aspecto da ordenação do território por meio da implementação de

legislação específica de uso e ocupação do solo do território reconfigurado.

O Conjunto Residencial Fernão Cardim, hoje urbanizado, faz parte do bairro de Engenho

de Dentro e é atendido pelos serviços de manutenção e limpeza da Prefeitura da Cidade

do Rio de Janeiro,e está inserido definitivamente na agenda municipal.

Enfim, a reconfiguração da favela Fernão Cardim, com as intervenções previstas e

realizadas no projeto de urbanização atendeu aos requisitos necessários para a dotação

de “urbanicidade” à área, tendo o espaço urbano como lugar da interação, do qualitativo

e do heterogêneo” (MAGALHÃES, 2002, 37-39).

Em um único aspecto o projeto não alcançou a plena integração, em função da existência

de obstáculos físicos, no extremo oposto da praça principal a ferrovia se apresenta como

entrave para a transposição do território e para a integração com a área formal neste

trecho.

Há que se ressaltar que a ferrovia é um obstáculo inclusive para a fluidez de circulação e

do desenho urbano na cidade formal, mas talvez um elemento de transposição elevado

como uma passarela fizesse esta função e minimizasse a aparência de gueto que se

apresenta no trecho do conjunto residencial comentado acima.

estudos de caso

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211

Quadro 5.3: Atendimento às Diretrizes do Programa Favela Bairro - Fernão Cardim

ATENDIMENTO ÀS DIRETRIZES DO FAVELA BAIRRO

PRESSUPOSTOS DO PROGRAMA FAVELA BAIRRO PROPOSTAS DE PROJETO

COMPLETAR OU CONSTRUIR A ESTRUTURA URBANA PRINCIPAL, ATRAVÉS DA IMPLANTAÇÃO DE SANEAMENTO BÁSICO E DO SISTEMA VIÁRIO, PERMITINDO A LIVRE CIRCULAÇÃO DE VEÍCULOS E PEDESTRES, DE MODO A DAR ACESSO A TODAS AS MORADIAS E VIABILIZAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS, PARTICULARMENTE DE SAÚDE, SEGURANÇA E LIMPEZA URBANA;

TODOS OS DOMICÍLIOS SÃO ATENDIDOS POR INFRAESTRUTURA DE SANEAMENTO BÁSICO IMPLANTADO DE ACORDO COM TODOS OS PARÂMETROS E NORMAS TÉCNICAS DEFINIDAS PELAS CONCESSIONÁRIAS E PELA PREFEITURA. O SISTEMA VIÁRIO IMPLANTADO E COMPLEMENTADO PERMITE LIVRE CIRCULAÇÃO POR TODO O CONJUNTO, SEJA ELA CARROÇÁVEL OU DE PEDESTRE, POSSIBILITANDO O ACESSO A TODOS OS DOMICÍLIOS.

INTRODUZIR VALORES URBANÍSTICOS DA CIDADE FORMAL, COMO RUAS, PRAÇAS, INFRAESTRUTURA E SERVIÇOS, POSSIBILITANDO A LEITURA DA FAVELA COMO BAIRRO DA CIDADE;

A CANALIZAÇÃO DO RIO FARIA E A IMPLANTAÇÃO DE AVENIDA CANAL, POSSIBILITOU NÃO SÓ ACESSO FRANCO AO CONJUNTO, BEM COMO A INTEGRAÇÃO COM A CIDADE FORMAL QUE HOJE SE APRESENTA TOTALMENTE CONSOLIDADA. AS DIFERENÇAS ENTRE O TECIDO URBANO FORMAL E O DA ANTIGA FAVELA JÁ NÃO MAIS SÃO PERCEBIDOS. FORAM IMPLANTADAS PRAÇAS E ÁREAS DE CONVÍVIO QUE PERMITEM A RELAÇÃO E A CONVIVÊNCIA ENTRE AS PESSOAS, REFORÇANDO AS CENTRALIDADES E TRAZENDO VALORES ANTERIORMENTE NÃO CONHECIDOS;

CONSOLIDAR A INSERÇÃO DAS FAVELAS NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO DA CIDADE, INCLUINDO NOS PLANOS, PROGRAMAS, MAPAS E CADASTROS RELATIVOS AO CONTROLE DO USO E OCUPAÇÃO DO SOLO E NA PROGRAMAÇÃO DE ATIVIDADES DE MANUTENÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS E CONSERVAÇÃO DOS EQUIPAMENTOS PÚBLICOS ALI INSTALADOS;

ATRAVÉS DA IMPLEMENTAÇÃO DE LEGISLAÇÃO FERNÃO CARDIM PASSOU A SER RECONHECIDO COMO PARTE INTEGRANTE DO BAIRRO DE ENGENHO D E DENTRO. O PODER PÚBLICO ATUA NA ÁREA CUIDANDO DA MANUTENÇÃO DAS VIAS, DA LIMPEZA PÚBLICA, REDES E EQUIPAMENTOS PÚBLICOS.

IMPLEMENTAR AÇÕES DE CARÁTER SOCIAL, IMPLANTADO CRECHES, PROGRAMAS DE GERAÇÃO DE RENDA E CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL E ATIVIDADES RELACIONADAS AO ESPORTE, À CULTURA E AO LAZER, ENTRE OUTRAS;

AS AÇÕES E PROGRAMAS SOCIAIS DA PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO RELATIVOS AO PROGRAMA FAVELA BAIRRO FORAM IMPLANTADOS E CONTINUAM EM PLENO FUNCIONAMENTO, SENDO REFORÇADA A REPRESENTATIVIDADE DA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES;

PROMOVER A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA OU PRESTAR ASSISTÊNCIA TÉCNICA NECESSÁRIA À OBTENÇÃO, POR PARTE DOS MORADORES DA DOCUMENTAÇÃO QUE LHES GARANTA A PERMANÊNCIA NO LOCAL.

TODOS OS DOMICÍLIOS DE FERNÃO CARDIM FORAM REGULARIZADOS, SENDO TRANSFERIDA A PROPRIEDADE DA TERRA DA PREFEITURA AOS MORADORES.

Fonte: VIAL, 2000.

No quadro 5.3, retirado de Vial (2000), está apresentada a relação entre as intervenções

executadas pela Prefeitura na Favela Fernão Cardim e as diretrizes indicadas pelo

Programa Favela Bairro, na ocasião de sua implantação.

Na figura 5.27 estão ilustrados o sistema viário proposto, base do partido urbanístico,

bem como os pontos de interligação propiciados e os obstáculos observados para a

efetiva integração conforme anotado na análise acima.

estudos de caso

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212

Figura 5.27: Planta indicativa das principais intervenções e dos pontos de integração de Fernão Cardim com a cidade formal. Fonte: Imagem retirada do Google Earth com tratamento dado pela autora.

estudos de caso

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213

5.5.2. Gleba K - Heliópolis

O projeto adotou um partido urbanístico que considerava o sistema viário como base para

a reestruturação do conjunto edificado. A proposta de implantação de um binário e das

principais transversais propiciariam a transposição de todo o conjunto da favela,

transformando a circulação tanto carroçável quanto peatonal, em um percurso fluido e

facilmente identificado. Além disso, possibilitaria a interligação de todas as vias

existentes, bem como a redefinição das quadras visando a regularização fundiária

O projeto contemplou todas as possibilidades e potencialidades de forma a dotar o tecido

urbano da favela de qualidade e de todos os sistemas de infraestrutura. As moradias

existentes seriam interligadas aos sistemas de abastecimento de água e esgotamento

sanitário, a canalização do Córrego Independência viabilizaria a solução dos problemas

das inundações das moradias e dos trechos do entorno imediato e, desta forma,

equacionaria o encaminhamento das águas pluviais de maneira adequada. Estava

previsto também, o desadensamento das quadras identificadas com maior nível de

insalubridade.

Com a implantação de unidades habitacionais verticalizadas - térreo + 4 andares - parte

da equação remoção/realocação seria solucionada na própria favela. Além disso, o

padrão diferenciado da arquitetura das edificações, bem como os sistemas de

abastecimento de água individualizado, atenderia aos parâmetros da SABESP.

A implantação de equipamentos de lazer e convivência junto aos bolsões residenciais e

demais áreas no interior da favela atenderia a demanda por equipamentos desta

natureza, inexistentes no conjunto edificado.

Embora as propostas indicadas no projeto possam ser consideradas fundamentais para

dotar a favela de urbanicidade e, consequentemente, de qualidade urbana, algumas

dificuldades que foram enfrentadas durante a elaboração do projeto devem ser

destacadas: a falta de parâmetros de projeto específicos das concessionárias de serviços

públicos, denotando o aumento do número de remoções em função da largura mínima

exigida para a implantação e adequação das vias; e principalmente, a falta de diálogo

entre os governos municipal e estadual (durante a gestão de Marta Suplicy), que impediu

que a proposta para a construção de unidades habitacionais em trechos vazios da área

do Hospital Heliópolis, bem como nas demais áreas vagas de propriedade do estado.

estudos de caso

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214

Na figura 5.28 estão ilustrados o sistema viário proposto, base do partido urbanístico,

bem como os pontos de interligação e os obstáculos observados para a efetiva

integração.

Figura 5.28: Planta indicativa das principais intervenções e dos pontos de integração da Gleba K com a cidade formal. Fonte: Imagem retirada PMSP, 2008 com tratamento dado pela autora.

estudos de caso

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215

Quadro 5.4: Atendimento às Diretrizes do Programa Bairro Legal - Gleba K:

DIRETRIZES DO BAIRRO LEGAL

PRESSUPOSTOS DO PROGRAMA BAIRRO LEGAL PROPOSTAS DE PROJETO

MELHORIA DAS CONDIÇÕES DA INFRAESTRUTURA DE SANEAMENTO BÁSICO;

O PROJETO CONTEMPLAVA O ATENDIMENTO DE TODOS OS DOMICÍLIOS POR INFRAESTRUTURA DE SANEAMENTO BÁSICO IMPLANTADO DE ACORDO COM TODOS OS PARÂMETROS E NORMAS TÉCNICAS DEFINIDAS PELAS CONCESSIONÁRIAS E PELA PREFEITURA.

REFORMA DO PAVIMENTO DAS VIAS EXISTENTES;

ABERTURA DE NOVAS VIAS PARA O ORDENAMENTO E REGULARIZAÇÃO DAS QUADRAS;

O SISTEMA VIÁRIO NOVO IMPLANTADO E A CONSOLIDAÇÃO DAS VIAS EXISTENTES, COM A IMPLANTAÇÃO DE PAVIMENTAÇÃO ADEQUADA EM TODAS, PERMITIRIA LIVRE CIRCULAÇÃO POR TODO O CONJUNTO, SEJA ELA CARROÇÁVEL OU DE PEDESTRE, POSSIBILITANDO O ACESSO A TODOS OS DOMICÍLIOS. FORAM IMPLANTADAS PRAÇAS E ÁREAS DE CONVÍVIO QUE PERMITEM A RELAÇÃO E A CONVIVÊNCIA ENTRE AS PESSOAS, REFORÇANDO AS CENTRALIDADES E TRAZENDO VALORES ANTERIORMENTE NÃO CONHECIDOS;

TRATAMENTO DAS ÁREAS DE RISCO; A CANALIZAÇÃO DOS CÓRREGOS QUE ATRAVESSAM A FAVELA POSSIBILITARIA A ELIMINAÇÃO DA ÁREA DE RISCO OBSERVADA NO LEVANTAMENTO DE DADOS;

MELHORIA HABITACIONAL POR MEIO DO DESADENSAMENTO DE ÁREAS INVADIDAS E COM OCUPAÇÃO DE LOTES MÍNIMOS E CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE PRECÁRIA.

AS REMOÇÕES PROPOSTAS, BEM COMO A CONSTRUÇÃO DE NOVAS UNIDADES HABITACIONAIS POSSIBILITARIAM O DESADENSAMENTO E A MELHORIA HABITACIONAL DE TODO O CONJUNTO.

Fonte: Quadro montado pela autora a partir de VIAL, 2000

Utilizando a mesma metodologia de Vial (2000), apresentamos no quadro 5.4 as

diretrizes do Programa Bairro Legal e as propostas de projeto para a urbanização da

Gleba K, da Favela do Heliópolis.

Tendo em vista estes aspectos, a elaboração das etapas de projeto básico e executivo

para o setor Núcleo da Mina 1 denotou um tempo de projeto maior do que o planejado

transformando-se num entrave e inviabilizando a implantação de pelo menos uma etapa

de obras.

A equipe projetista considerou que se a etapa de projeto básico fosse elaborada para a

área como um todo, como era previsto no início dos trabalhos, a licitação e a execução

das obras para a primeira etapa estariam em andamento ao final da gestão da Prefeita

Marta Suplicy em 2004.

Cabe ressaltar que a participação social foi um componente importante que contribuiu

tanto para a condução do projeto, quanto para a sua desmobilização na mudança de

gestão pública.

estudos de caso

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216

Portanto, no início da gestão do Prefeito José Serra no ano de 2005, o poder público teria

condições de cumprir o compromisso estabelecido e implantaria pelo menos as primeiras

intervenções previstas.

Entende-se que com o descompasso entre os prazos de projeto e obra, bem como com

as mudanças de gestões de governo, que não deram continuidade às intervenções

previstas e, consequentemente, não realizaram as obras necessárias na área, levou à

insegurança da população quanto aos rumos do projeto, contribuindo para o seu

descarte.

5.5.3 Princípios norteadores

Embora não seja propósito desta dissertação estabelecer comparações entre os casos

analisados, algumas considerações podem ser realizadas quanto às semelhanças e

distintas condutas em relação aos programas e projetos, de modo a contribuir para a

identificação dos princípios norteadores de um projeto de urbanização de favelas.

É possível afirmar que tanto o projeto para Fernão Cardim, quanto o da Gleba K em

Heliópolis, contemplaram todas as possibilidades e potencialidades de forma a tratar as

principais questões urbanas, observando os parâmetros urbanos e arquitetônicos

técnicos adequados, de forma a dotar o tecido urbano da favela de qualidade e de todos

os sistemas de infraestrutura, interligando as moradias existentes, que permaneceriam

aos sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário, solucionando todos os

problemas relativos à drenagem urbana e as situações de risco apresentadas à época do

projeto.

De um modo geral, ambos os projetos tem como propostas a melhoria da acessibilidade,

a ampliação e a qualificação dos espaços públicos, bem como a implantação de

infraestrutura de saneamento.

Os projetos analisados buscam introduzir a acessibilidade por meio de vias e sistemas de

espaços públicos que se articulam aos equipamentos comunitários propostos, cuja

arquitetura também é um diferencial. Pode-se afirmar que estes são os elementos chave

presentes em ambos os projetos e, que de um modo geral, buscam introduzir o conceito

de urbanicidade à favela, transformando-a em um território reconhecido que promove a

integração de sua comunidade à cidade por meio do fortalecimento de do convívio com

as diferenças.

estudos de caso

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217

Em ambos os projetos foi realizado um forte trabalho social em apoio à intervenção física,

ações nos setores sociais visando a inclusão social e o desenvolvimento local, o

fortalecimento das organizações sociais locais e o fomento a participação nas decisões

de projeto e obras e no controle social.

As organizações sociais que existiam nas favelas na época da elaboração dos projetos

tiveram a representatividade reforçada com a participação ativa e efetiva durante o

período e que se mantêm até hoje.

A participação da população moradora perpassou todo o processo de elaboração dos

projetos e da implantação das obras, o que propiciou inicialmente a aprovação dos

projetos em Fernão Cardim e na Gleba K. Foi o caso da implantação de todas as

intervenções projetadas, bem como a manutenção da qualidade dos equipamentos

implantados em Fernão Cardim; e a descontinuidade do projeto na Gleba K, com a

mudança de rumos políticos.

Os aspectos institucionais e de gestão podem ser identificados na organização

administrativa formatada pelas prefeituras para a implementação tanto do Programa

Favela Bairro no Rio de Janeiro em 1994, quanto do Bairro Legal em São Paulo em 2001.

Os quadros técnicos foram incrementados e o trabalho do gerenciamento trouxe a figura

do controle de custos e de qualidade dos projetos e obras para dentro do conjunto de

ações implementadas pelas prefeituras dentro dos programas.

No caso de São Paulo, a reestruturação administrativa da Secretaria de Habitação da

PMSP permanece a mesma praticamente desde 2001.

Para controle do uso e ocupação do solo em Fernão Cardim, o POUSO trabalha na

orientação da população quanto às intervenções no ambiente construído do conjunto

urbanizado.

Aqui vale relembrar que a PMSP está elaborando um plano diretor para a favela do

Heliópolis como um todo de forma a identificar as demandas ainda existentes e para

estabelecer prazos para a implantação das obras e dos equipamentos em etapas, para

que seja efetivada a integração completa desta favela ao tecido urbano da cidade de São

Paulo.

O principal diferencial entre as diretrizes de projeto de urbanização de favelas definidas

no Programa Favela Bairro no Rio de Janeiro e no Bairro Legal em São Paulo refere-se,

particularmente, ao elemento chamado de desadensamento.

estudos de caso

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218

No Programa Favela Bairro, a prefeitura definiu claramente que as preexistências seriam

mantidas, ou seja, seriam preservadas ao máximo as conquistas das famílias, por meio

das construções realizadas como parte de um investimento humano e social. As

remoções foram, em geral, limitadas em 5% do número de domicílios existentes, restritas

à implantação e melhoria do sistema viário e de infraestrutura de saneamento básico.

Já a prefeitura de São Paulo, entendia que somente com o desadensamento das áreas

faveladas e remoção das áreas de risco e impróprias à urbanização é que seria possível

a melhoria das condições de habitabilidade das famílias. Com isso, haveria um reflexo no

aumento do número de remoções e, consequentemente, no aumento da demanda por

novas unidades habitacionais; o que faria a provisão habitacional tomar maior corpo nas

propostas em detrimento aos espaços públicos de lazer e convivência.

Não é propósito desta dissertação afirmar que um programa é melhor que o outro,

principalmente por que ambos tiveram alcances distintos16, e ainda limitados pela

interrupção e mudança de rumos políticos. Nem é reconhecível que a primeira ou a

segunda proposta tivesse maior aceitação junto à população, visto a satisfação

observada em campo quando da inauguração de inúmeras obras de urbanização de

favelas no Rio de Janeiro, ou pela tristeza como foi vista a interrupção dos processos em

outras localidades, momentos que a autora teve a oportunidade de acompanhar.

Além disso, há que se destacar que o Programa Favela Bairro beneficiou uma população

de 295.585 habitantes, conforme pode ser verificado em Conde e Magalhães (2004), por

meio das intervenções realizadas. Já o Programa Bairro Legal, em São Paulo atendeu

67.721 famílias (PMSP, 2004) um numero bem menor. No entanto, cumpre observar que

em ambos os Programas as ações não se limitavam à apenas benfeitorias nas favelas,

mas envolviam também a construção de um processo de integração com a participação

da população, aspecto que ainda se mostra urgente atualmente.

Por fim, com base nos estudos de casos, e sem pretender esgotar o tema, é possível

identificar alguns importantes princípios norteadores em cada fase do projeto , ou seja,

o que deve ser considerado no projeto de urbanização de favelas. Tais princípios estão

organizados a partir do roteiro metodológico de análise dos casos, definidos no início do

capítulo, acrescidos dos aspectos institucionais e de gestão dos programas que são

fundamentais para a manutenção da qualidade e para a orientação dos projetos.

16 O Favela Bairro teve uma atuação mais expressiva frente ao número de favelas existentes na cidade na época da vigência do programa, lidando com 150 favelas. Já o bairro legal lidou com cerca de 24 favelas.

estudos de caso

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219

Da Leitura do lugar

• Contextualização no tempo e na história da localidade;

• Análise da configuração morfológica, das estruturas e equipamentos existentes;

• Identificação dos percursos, dos elementos fixos e dos fluxos;

• Avaliação das dimensões e dificuldades físicas do lugar;

• Avaliação das demandas e necessidades da população moradora.

Da concepção, propostas e intervenções:

• Avaliação da viabilidade e das formas possíveis de integração, por meio de

possíveis elementos físicos, marcos referenciais e /ou pontos focais existentes ou

a serem criados;

• Estabelecimento da unidade urbanística e arquitetônica do conjunto edificado a

ser consolidado e proposto;

• Identificação das centralidades existentes e potenciais;

• Concepção de boa técnica com menores custos visando a sustentabilidade e a

durabilidade.

Da Participação Social

• Levantamento da população moradora e suas origens;

• Identificação das principais lideranças;

• Identificação do nível de organização e mobilização participativa;

• Valorização das relações sociais existentes;

• Valorização dos aspectos culturais existentes, inclusive hábitos e costumes;

• Levantamento das atividades produtivas, da ocupação da população e do nível de

escolaridade;

• Capacitação para a organização e participação comunitária;

estudos de caso

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220

Orientação e acompanhamento pós-ocupação de modo a inserir os moradores às

novas situações de convívio e cidadania promovidas por meio da implantação dos

projetos;

• Promoção de atividades de geração de emprego e renda para o desenvolvimento

local e a sustentabilidade social.

Da Situação fundiária

• Avaliação da situação jurídica relativa à propriedade da terra e das possibilidades

de regularização fundiária de modo a nortear as propostas de intervenção física;

• Identificação das titularidades das áreas, limites e confrontantes por meio de

pesquisa fundiária para que o processo de projeto considere os vários vieses que

propiciem o processo regularização fundiária posterior;

• Elaboração um plano de regularização fundiária de modo a identificar as várias

escalas de atuação, de forma que na fase de implantação do projeto algumas das

etapas do processo de regularização fundiária possam ser antecipadas e assim

viabilizar a regularização fundiária plena;

Dos aspectos institucionais e de gestão

• Definição de um modelo de gestão e de uma estrutura institucional que viabilize a

implementação de ações integradas para a urbanização efetiva e plena;

• Formatação de programas específicos para o atendimento;

• Definição das atribuições da equipe;

• Realização de reuniões de macrofunção;

• Normatização de procedimentos, parâmetros e legislação específicos;

• Capacitação do corpo técnico e administrativo para a melhor prática dentro dos

projetos e obras para a urbanização das favelas;

• Promoção da integração entre os agentes públicos municipais imbuindo todos os

órgãos de um objetivo comum;

estudos de caso

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221

Busca de parcerias e convênios com os agentes das demais esferas de governo

no sentido da obtenção recursos financeiros para implementar as intervenções;

• Busca de parcerias e estabelecimento de convênios com a iniciativa privada para

a obtenção de recursos técnicos e financeiros para a implementar das

intervenções;

• Implementação de políticas públicas que viabilizem o controle, a fiscalização e a

manutenção dos serviços e equipamentos implantados (POUSO, assistência

técnica, modelo de fiscalização especial, dentre outros);

• Definição e estabelecimento de planejamento das ações e das intervenções no

sentido das melhores práticas e prazos;

• Estabelecimento de uma cronologia na implementação das etapas de

planejamento, projeto e obras compatíveis com as especificidades de cada uma

das favelas visando a efetivação da urbanização e, consequentemente, a

integração das áreas formais e informais para que sejam um só território;

• Busca de novas metodologias para elaboração dos projetos que proporcionem o

perfeito entendimento tanto das equipes envolvidas, quanto da população a ser

beneficiada;

• Promoção de concorrências públicas e concursos para projetos com a finalidade

de estimular a troca de experiências, de forma a agregar valor às propostas para

a urbanização, bem como a introdução de soluções alternativas e de novas

tecnologias.

Para além destes princípios, o planejamento das ações e intervenções em

assentamentos precários deve ter como objetivo dotar as favelas das estruturas e

infraestruturas urbanas inexistentes e potenciais, dos equipamentos e espaços públicos

que integram o cidadão ao local, bem como de outros elementos que minimizem os

impactos ambientais e físicos, proporcionando a sustentabilidade física do conjunto

edificado e social da população residente.

estudos de caso

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222

5.6. O PROJETO DE URBANIZAÇÃO DE FAVELAS: LIMITES E DESAFIOS

O projeto é um empreendimento planejado, que consiste num conjunto de atividades

interrelacionadas e coordenadas, com o fim de alcançar objetivos específicos dentro de

limites de um orçamento e de um período de tempo determinado. É a menor unidade

administrativa de qualquer plano ou programa (PROCHNOW, 2007).

No caso da urbanização de favelas,os projetos são parte de uma política publica

complexa e inter-relacionada e são instrumentos fundamentais para a realização das

melhorias pretendidas pelos programas. E, nesse caso, os projetos como afirma Lizete

Rubano (2009), não são simplesmente tarefas e sim a “questão”, o norteador do

processo de transformação das favelas e principalmente de sua integração com a cidade.

Os projetos inclusive são as ferramentas utilizadas na identificação das áreas,

possibilitando mapeá-las e registrá-las nos mapas oficiais da cidade. No entanto, não

podem ser vistos como elemento isolado e absoluto.

Entende-se que o projeto não se restringe à simples tarefa de produzir documentos para

formalização de contratos, convênios e para a execução das obras, mas sim que ele

abraça um amplo espectro de atividades que vão da pesquisa, à leitura dos espaços e à

materialização das mudanças. Saem do papel e se tornam processos de transformação e

integração das favelas à cidade formal, enfim à construção de cidade.

Vial (2000) reforça que o projeto para urbanização de uma favela é um grande desafio ao

arquiteto e urbanista, pois significa a costura de diversos fragmentos em uma unidade,

tanto dos tecidos físicos quanto sociais. Arrisca-se dizer que seria uma costura de

fragmentos dentro e fora da favela, ou seja, do próprio território favelado e deste com a

cidade formal.

Paola Berenstein (2007), quando trata do território fragmentado da favela, recorda sobre

a complexidade da construção daquele espaço da cidade, uma espécie de bricolagem

que deve ser observada no momento da formulação das propostas de urbanização, como

se num exercício de costura devêssemos conhecer, tecer e compor um novo tecido, num

cerzido, sem esquecer-se de unir cada pedaço existente de pano.

Ao invés de determinado pelo projeto, o bricoleur é definido pelos instrumentos que

teríamos disponíveis e, desta forma, nunca deveríamos parar de coletar os fragmentos,

os materiais que formatariam a construção do novo território.

estudos de caso

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223

O bricoleur está apto a executar um grande número de tarefas diversificadas, mas, diferentemente do engenheiro, ele não subordina nenhuma delas à obtenção de matérias-primas e de ferramentas, concebidas e adquiridas especialmente para o projeto: seu universo é fechado, e a regra do seu jogo é de sempre se arranjar com os “instrumentos de bordo” [...] (BERNSTEIN, 2007, GRIFO DA AUTORA)

Apesar de a cidade ser composta de inúmeros fragmentos, a sua parte formal tem um

desenho regido por determinadas regras e normas reconhecidas. Já a forma urbana do

tecido da favela não segue uma regra ou forma única, tampouco reconhecida, portanto é

considerada “ponto marcante” na paisagem das cidades.

Vial (op. cit.) considera que além de não reconhecida, a forma urbana da favela é

específica em cada uma das áreas. Para essa autora, o projeto para a urbanização de

favelas deve considerar as “preexistências” encontradas naquele espaço urbano, pois

nenhum saber teórico substitui a construção da espacialidade pelos seus moradores, o

denominado saber popular. Para Jauregui (JAUREGUI 1995, apud Vial, 2000) o projeto

não pode e não deve ser “extravagante’17 e sim factível, de forma a ser absorvido e

apropriado pelos moradores e usuários efetivos das intervenções e benefícios

proporcionados pela urbanização.

Para Rubano (op. cit.) apesar das utopias terem sido condenadas ao desaparecimento no

mundo contemporâneo, onde a riqueza para se reproduzir prescinde dos homens ou,

pelo menos, de boa parcela deles, desencadeando uma vez mais, territórios segregados,

as estratégias políticas e de projeto precisam ser apontadas com a perspectiva de melhor

distribuição das benesses urbanas.

Paulo Mendes da Rocha, segundo Telles (1995), em suas digressões nos leva a pensar

que a atitude técnica - a atitude imemorial do homem, a manifestação do dispositivo

inconsciente que preside o desejo de transformar e inventar nosso habitat – carrega

consigo toda a vontade individual, a memória do engenho humano, a história de suas

formas e construções.

Tentando fazer um paralelo desse pensamento com a questão das “preexistências” no

espaço construído das favelas, os projetos buscam renovar e atribuir a esses espaços a

qualidade de um ambiente que por nós é reconhecido em determinado tecido urbano,

tentando resgatar a história das formas e a memória do engenho humano ali praticado.

17 Entende-se por extravagante as intervenções de dimensões, de custos vultosos e inadequadas aos sítios, além daquelas não aprovadas pela população moradora.

estudos de caso

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224

O campo de atuação nas favelas é multidisciplinar. Nos programas de urbanização de

favelas no Rio de Janeiro e em São Paulo trabalharam (e trabalham ainda) arquitetos,

engenheiros, sociólogos, administradores, psicólogos, profissionais da saúde, geógrafos,

economistas, enfim inúmeros profissionais que atuam e interferem na cidade.

Para quem projetamos?

O urbanista, provavelmente, nunca passou fome ou viveu na favela, mas a vê todos os dias desafiando sua lógica e sua inteligência. Solta a imaginação para criar e aprender com quem sobrevive, também graças à inteligência e a uma fantástica vontade de viver: o morador de uma favela que (...) só descansa quando dorme e come pouco. Aos poucos vai construindo, do nada, sua vida e seu lugar de morar, que não é uma casa. E não pára de construir. Todo centavo vai pro cimento, pro tijolo, porta, janela, só o essencial. Mas demora e vem a chuva, a casa do lado cai e vira tragédia à luz do dia (HERBERT DE SOUZA, 1997, apud STORINO, 2000).

Nas entrevistas com alguns dos profissionais que atuaram na formatação dos programas,

na elaboração dos projetos e ações para a urbanização de favelas no Rio de Janeiro e

em São Paulo, durante o período de vigência dos programas Favela Bairro e Bairro

Legal, respectivamente, realizadas para esta pesquisa, algumas constatações são

recorrentes e merecem ser destacadas.18

Perguntados sobre o que faziam na época do lançamento dos programas, é quase

unanimidade a questão da afinidade com o tema. A maioria dos profissionais já havia

trabalhado no setor habitacional ou em pesquisas acadêmicas, seja junto aos

movimentos populares, seja no projeto de unidades habitacionais de baixa renda ou na

atuação junto ao serviço público, ou mesmo nos laboratórios da faculdade de arquitetura

e urbanismo.

Invariavelmente, esses profissionais possuem a mesma visão sobre as favelas:

entendem que esses territórios necessitam de ações tanto para a integração física,

quanto social, além é claro de apresentarem-se como intrigantes objetos de pesquisa, em

relação às relações sociais, da forma urbana e das tipologias construtivas presentes no

espaço urbano. Nas palavras de Sandra Jouan: 19

18 Entre novembro e dezembro de 2010 foram entrevistados no Rio de Janeiro os arquitetos: Sérgio Ferraz Magalhães, Jorge Mário Jauregui, Andrea Cardoso, Tatiana Terry, Solange Carvalho, Daniela Engel, Ana Prado; os engenheiros: Alvaro L. P. Mello e Hélio Aleixo; a Socióloga Sandra Jouan, a psicóloga Tânia Braga. Em São Paulo: os arquitetos Adalgisa de Oliveira, Marcos Trojan, Vanessa Padiá; o engenheiro Luiz Paulo França Filho, as assistentes sociais Sandra Simões e Tatiane Picone. Profissionais que atuaram nos programas Favela Bairro e Bairro Legal. 19 Considerações retiradas do depoimento da Socióloga Sandra Jouan dado a autora em entrevista em dezembro de 2011.

estudos de caso

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225

Sempre respeitei as favelas como espaços onde se travam as disputas entre os campos do desenvolvimento e dos direitos, e onde se expressam as injustiças social, racial, ambiental, habitacional, de segurança, de transporte, de trabalho, de educação, de lazer, enfim, espaços negadores de cidadania.

Além disso, as favelas constituem-se um campo e uma oportunidade de investigação,

pesquisa, de ação projetual do desenho urbano, diferentemente daquela praticada na

cidade formal.

Jorge Mário Jauregui, autor do projeto para urbanização da Favela de Fernão Cardim,

reforça em seu depoimento que o projeto é um ato cultural20 e que o projeto para

urbanizar as favelas é a articulação de cidades divididas. Para ele não se pode pensar

isoladamente em construir habitação ou infraestrutura, pois não se estará construindo

cidade, a não ser que se tenha uma ideia de estrutura sócio-espacial para construir uma

estrutura de espaços públicos, seja o sistema viário de circulação, sejam os espaços de

lazer e convivência, para se construir urbanidade e aí sim construir a cidade na favela.

Segundo o arquiteto, o processo deve ser longo e constante, pois o avanço social é lento

e o debate ainda é ralo tanto nas universidades quanto na sociedade.

Como nós arquitetos poderíamos auxiliar no combate à intolerância? Nas palavras de

Pasternak (2008), é preciso criar espaços que proporcionem a convivência das

diferenças e o contato com outras formas de ser e pensar.

Como diz Ascher (2010, p.83) o projeto não pode ser mais encarado como a

personificação de um desejo, um “desígnio acompanhado de um desenho”, mas sim, [...]

um instrumento cuja elaboração, expressão, desenvolvimento e execução revelam as

potencialidades e as limitações que são impostas pela sociedade, pelos atores

envolvidos, pelos lugares, circunstâncias e acontecimentos. O projeto é simultaneamente

uma ferramenta de análise e negociação.

Entende-se, então, que o projeto de urbanização das favelas deve ser uma construção

conjunta entre os profissionais e a população, parte de um processo, para que os

investimentos sejam preservados e majorados a partir da continuidade dos investimentos

em manutenção e em programas de educação para a cidadania e, assim, contribuir para

a integração desses territórios na cidade.

20 Considerações retiradas do depoimento do Arquiteto Jorge Mário Jauregui dado a autora em entrevista realizada no Rio de Janeiro em 18/11/2011

estudos de caso

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226

Portanto, o exercício de construir cidade na favela deve ser entendido, não só por dotá-la

de serviços públicos de saneamento básico, melhorar os acessos e viabilizar a circulação

franca e fluida em todo o ambiente construído, mas também por criar espaços públicos

de lazer e convivência e com isso possibilitar o incremento de programas e políticas

públicas de sustentabilidade socioeconômica.

A urbanização de uma favela representa uma melhoria significativa nas condições de

vida da população que ali habita, pois procura responder às necessidades da população

– de infraestrutura de saneamento básico, sistema viário, espaços públicos e

equipamentos comunitários – de modo a inserir o morador no ambiente urbano melhor

qualificado, reforçando os seus vínculos com a comunidade e com aquele território, que,

de certa forma, passa a ser reconhecidamente seu. A urbanização é um instrumento que

resgata o direito à cidade ao integrar o assentamento precário ao território da cidade dita

formal. As oportunidades são apresentadas, comentadas, distribuídas, discutidas,

sugeridas, solicitadas, a cidade sente essa modificação.

Com o exposto acima, o projeto para urbanização de favelas pode ser considerado um

instrumento efetivo de construção de cidade, desde que observados os limites e desafios

de cada uma das áreas a serem tratadas. Os limites tanto de dimensão quanto das

dificuldades, dadas inclusive pela morfologia e pela população do território em questão,

servirão para definir qual a abrangência das intervenções e suas implicações.

Os desafios servirão para impulsionar as vontades e os desejos de ver integrados os

assentamentos precários – considerados muitas vezes territórios excluídos e

marginalizados, e contribuirão para o enfrentamento das dificuldades, quer sejam de

recursos humanos e financeiros, quer sejam técnicas.

Considerando que o programa para urbanização de favelas deva estar atrelado a uma

política habitacional municipal, a qualificação desses territórios deve considerar o

desadensamento e o adensamento sempre criteriosos para introduzir o conceito de

moradia adequada para os seus habitantes. O conceito de moradia adequada estabelece

uma série de quesitos que qualificam as moradias, em termos gerais, englobam o acesso

aos bens e serviços públicos de qualidade, boas condições de implantação e padrão

construtivo adequado, atendendo ao direito à cidade.

E para que as benfeitorias se efetivem e perdurem é importante e primordial que os

territórios recém urbanizados sejam incorporados ao planejamento e a agenda da

municipalidade.

estudos de caso

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227

Para a manutenção dos benefícios e da integração da favela a cidade, promovidos pelo

projeto de urbanização, é necessária, segundo Magalhães (2011)21 a presença do Estado

continuamente, seja no controle do uso e ocupação do solo, seja nos serviços de

manutenção e complementação de estruturas físicas, seja no controle social e de

segurança pública.

Além disso, deve ser vislumbrada a plena regularização fundiária por meio da elaboração

do plano de regularização onde estejam identificadas as dificuldades e entraves, sendo

estabelecidas as ações e prazos para efetivação do processo, desta forma dentro da

visão da propriedade a população possa sentir-se dona de “seu chão’’ (GRIFO NOSSO)

Enfim, se as intervenções na cidade contemporânea devem buscar entender a sua

diversidade física e social, conforme afirma Magalhães (2007), o projeto de urbanização

de favelas pode ser considerado um instrumento importante para a valorização do

espaço urbano enquanto lugar do convívio das diferenças.

21 Opinião do arquiteto mencionada em palestra proferida em aula inaugural do Curso de Pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie em 10/08/2011.

estudos de caso

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228

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa buscou discutir o papel do projeto de urbanização de favelas como

um importante instrumento de construção de cidade em assentamentos precários. Tendo

como referência os Programas Favela Bairro no Rio de Janeiro e o Bairro Legal em São

Paulo buscou-se compreender o papel do projeto como ferramenta fundamental para a

implementação dos programas e para a integração destes à cidade.

A modalidade de assentamento precário estudado é a favela que se diferencia das

demais em função da situação jurídica da terra onde está instalada, dentre outras

especificidades. Do ponto de vista da propriedade é a mais insegura forma de ocupação

e de habitação na cidade.

A favela, a mais antiga e popular alternativa habitacional encontrada pela população de

baixa renda, atualmente se encontra consolidada na cidade contemporânea e integra o

cenário das trocas, do convívio das diferenças, das transformações físicas e sociais, e

também, o lugar das desigualdades. Aos olhos do mais simples observador, pode ser

considerada o lugar da violência, da precariedade e da exclusão, mas para a população

que ali habita é na verdade o lugar das possibilidades. É parte da cidade contemporânea,

e se expressa por suas características peculiares, específicas e por sua diversidade.

Ser por um lado, as favelas são marcadas pela precariedade, pela ausência ou

insuficiência de infraestrutura sanitária, de serviços públicos, pela implantação de

considerações finais

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229

moradias em lugares sujeitos a desabamentos ou inundações, pela promiscuidade

ambiental, enfim, em sítios cuja urbanização não é recomendada, por outro, a sua forma

é resultado de um processo e esforço social e deve ser valorizada. Ao contrário do que

possa parecer a quem percorre pela primeira vez uma favela, existe ali uma organização

espacial aonde acontecem e são desenvolvidas todas as atividades que se manifestam

no restante da cidade, portanto não devem ser considerados espaços à parte, com

tratamento diverso.

Ao longo do século XX, com o intenso e rápido processo de urbanização das cidades

brasileiras, as favelas surgiram, cresceram em número, em dimensão e se multiplicaram,

constituindo-se, ao fim do milênio, locais consolidados. Entretanto, durante anos foram

encaradas como um problema, uma doença a ser extirpada.

Em um primeiro momento, no início do século XX, a modernização, a higienização e o

embelezamento dos centros urbanos, frutos de um pensamento eurocêntrico, buscavam

eliminar a precariedade, removendo e empurrando os habitantes de baixa renda cada vez

mais para a periferia das cidades.

As oportunidades que se apresentavam no meio urbano, e que provocaram a afluência

de um enorme contingente de população às cidades, aliam-se, em um segundo

momento, à ausência de políticas habitacionais adequadas contribuindo para o crescente

déficit habitacional, configurando um circulo vicioso. Entre os anos de 1960 e 1980, no

auge da conformação do Brasil urbano, as políticas públicas habitacionais giraram em

torno da remoção dos favelados para conjuntos habitacionais distantes do centro, das

possibilidades que a cidade já naquele momento proporcionava: trabalho, equipamentos,

lazer, educação, enfim as formas de socialização e a cultura que deveriam ser

compartilhadas entre todos.

Até o inicio da década de 1980 a questão das favelas não tinha o reconhecimento e nem

o respaldo das políticas urbanas, ficando à margem dos planos e projetos urbanísticos,

mas, no entanto, configuravam-se, cada vez mais, em uma alternativa habitacional para a

população pobre.

Os anos de 1990 marcaram o reconhecimento do protagonismo da cidade, onde diversos

eventos significativos no âmbito mundial discutiram a questão da moradia no meio

urbano. Se por um lado, as cidades eram consideradas um quadro crítico e problemático,

uma vez que a “quinta parte da população mundial se encontrava sem moradia nem

acesso a infra-estrutura básica”, por outro lado, as cidades passam a representar a

alternativa dinâmica, positiva e competitiva para o desenvolvimento humano e social.

considerações finais

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230

Pode-se afirmar, então, que em se tratando de favelas, a qualificação deste território é

parte do direito à cidade.

A democratização do país, pós Constituição Federal de 1988, e a necessidade de

enfrentamento do problema de forma alternativa, reconhecendo que o direito à moradia

adequada é um direito universal humano, e parte essencial do direto à cidade, fazem

emergir no Brasil um conjunto experiências inovadoras no início dos anos de 1990.

O Programa Favela Bairro no Rio de Janeiro, implementado a partir do ano de 1994, o

pioneiro, ainda hoje é considerado o mais importante programa de urbanização de

favelas do Brasil. Com um formato e arranjo institucional inovador, apresenta-se como

uma proposta para solucionar o “conflito”, entre a ocupação irregular do solo e os trechos

formais da cidade, reconhecendo o investimento das famílias em suas moradias e

naquele território, as relações sociais que ali aconteciam, a configuração e o ambiente

construído em sua maior porção, enfim as preexistências.

Em São Paulo, o Programa Bairro Legal no ano de 2001, recuperando ideias e iniciativas

já empreendidas junto às favelas pela Prefeita Luiza Erundina em 1989, moderniza a

estrutura administrativa, modifica o modelo institucional e se propõe implementar

intervenções físicas e sociais; a participação da população em todo o processo; a

articulação com diferentes atores sociais e governamentais; o respeito à diversidade

física e social, enfim o acesso democrático à cidade.

Os dois programas, escolhidos como objeto desta pesquisa, se configuram como

conjuntos de ações integradas de cunho físico, social, cultural e institucional, sendo

multidisciplinares possuem um objetivo comum: a dotação de urbanicidade na favela para

sua efetiva integração à cidade contemporânea.

Em ambos os programas, destacou-se o papel do projeto de urbanização como parte de

uma política pública e de um processo complexo, como um instrumento importante, para

além dos produtos entregues. Integra um conjunto de ações e intenções definidas

segundo as diretrizes dos programas: mapeamento, cadastro, intervenções, cronogramas

físicos – financeiros, entre outros, enfim informações essenciais que permitem tanto a

materialização do Programa quanto a conscientização da população, de seus direitos e

deveres. É a partir do projeto que a população opina, materializa as possibilidades de

melhoria da sua qualidade de vida, modifica ou mesmo nega suas intenções. Enfim, o

projeto contribui para que o habitante da favela se sinta parte da cidade em que vive.

considerações finais

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231

No âmbito destes Programas, os dois casos analisados contribuíram para atender ao o

objetivo especifico desta Dissertação: identificar alguns princípios norteadores que

podem ser recomendados em outros territórios com características semelhantes,

contribuindo assim para a formatação de programas para urbanização de favelas nas

inúmeras cidades do país.

No Rio de Janeiro, o projeto de urbanização da favela Fernão Cardim teve como partido

urbanístico a implantação de um eixo viário estruturador que fez a ligação entre as áreas

segregadas da favela e aonde foram implantados os principais equipamentos públicos,

integrando favela e cidade. A canalização do rio e a implantação de vias lindeiras ao

longo deste estruturaram internamente o assentamento e, ao mesmo tempo integraram-

no à cidade formal, respeitando e reforçando as preexistências tanto físicas quanto

sociais.

A diminuta dimensão da ocupação e a mínima complexidade das obras foram fatores

importantes que, aliados, à continuidade da então gestão pública, contribuíram para a

implantação de todas as obras indicadas no projeto e o seu consequente sucesso.

Hoje Fernão Cardim é reconhecido no mapa da cidade, encontra-se praticamente

regularizado, fazendo parte da agenda da prefeitura. Ou seja, é um bairro formal do

município do Rio de Janeiro.

Em São Paulo, o projeto de urbanização da Gleba K da favela do Heliópolis, tal qual

Fernão Cardim, teve como partido a configuração de um sistema viário estruturador, com

a criação e complementação de vias internas existentes e onde os principais

equipamentos estariam ali implantados. O conjunto urbano seria urbanizado e integrado à

cidade formal por meio do sistema viário e de equipamentos públicos necessários aos

objetivos pretendidos.

No entanto, o projeto não teve o mesmo rumo. A dimensão da ocupação, a complexidade

das obras a serem executadas, o número elevado de remoções necessário, bem como a

descontinuidade político administrativa da cidade, entre outros fatores não favoreceram a

implantação do projeto desenvolvido no âmbito do Programa Bairro Legal.

O reconhecimento das preexistências perpassa ambos os projetos, muito embora o

número de remoções previsto e praticado é importante diferença.

considerações finais

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232

As remoções em Fernão Cardim foram limitadas às moradias instaladas ao longo da

APP. Já na Gleba K, o número de remoções previstas no projeto implicava na

necessidade de atrelar o projeto a uma política de provisão habitacional que ultrapassava

os limites de seu território.

Embora existam diferenças significativas entre os projetos, ambos partiram de um

pressuposto comum: o sistema viário como suporte de um sistema de espaços públicos e

demais áreas que abrigariam a implantação das unidades habitacionais, proporcionando

a integração interna e externa do conjunto e do entorno, bem como o reforço da

identidade local e do reconhecimento daquele território pelo restante da cidade.

Com base nos estudos de casos e na metodologia utilizada os princípios norteadores de

projeto que poderão ser agregados na formatação de outros programas em síntese são:

1) da Leitura do lugar: contextualizar a favela no tempo e na historia, analisar a

configuração do conjunto edificado, identificar os percursos e atividades realizadas e

avaliar as demandas; 2) da Concepção: apresentar propostas e intervenções avaliando a

viabilidade técnica e financeira e os elementos possíveis para a integração; 3) da

Participação Social: identificar a população moradora, o perfil, as atividades e

potencialidades, valorizando os aspectos culturais existentes e capacitar para a

organização e a participação no processo; 4) da Situação Fundiária: identificar a situação

jurídica da terra onde está assentada a favela, observando as implicações para o projeto

e as obras, a fim de viabilizar a elaboração do plano de regularização fundiária e de

forma a possibilitar a plena regularização posterior e, 5) dos Aspectos Institucionais e de

gestão: definir um modelo de gestão e de uma estrutura institucional que possibilite ações

integradas para a urbanização plena e efetiva, buscando novas e alternativas

metodologias, capacitando as equipes, buscando parcerias e recursos externos para

viabilizar o processo, promovendo a manutenção, a fiscalização, o controle e o

planejamento constante.

Desta forma considera-se que o respeito a estes princípios de projeto possibilita a

investigação e a delimitação adequada das intervenções, bem como a observação dos

limites e desafios a serem enfrentados para a reconfiguração e qualificação dos territórios

favelados.

O projeto deixa de ser simplesmente a produção de documentos e formalização de

contratos e convênios para transformar-se na pesquisa, na leitura dos espaços e na

considerações finais

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233

materialização das mudanças. Os projetos saem do papel para se tornarem processos de

construção de cidade nas favelas.1

Da origem dos programas de urbanização de favelas não resta dúvidas que as

ferramentas fundamentais para a realização das melhorias pretendidas são os projetos

os quais não podem ser entendidos como simples tarefas, mas como um dos elementos

de transformação daquele território e, principalmente de sua integração com a cidade.

A urbanização de uma favela representa uma melhoria significativa nas condições de

vida da população que ali habita, pois inicialmente procura responder às necessidades

primárias da comunidade - implantação de infraestrutura, sistema viário – em seguida

insere o morador no ambiente urbano melhor qualificado com espaços públicos,

equipamentos comunitários, reforçando os seus vínculos com a comunidade e com

aquele território e que passa a ser reconhecidamente seu. Oferece o direito à cidade e

integra este território à cidade formal. As oportunidades são apresentadas, comentadas,

distribuídas, discutidas, sugeridas, solicitadas, a cidade sente esta modificação.

Importante ressaltar que as transformações propiciadas pelos projetos não são isoladas,

devem fazer parte do conjunto urbano a ser mantido pela constante presença e controle

do poder público, do Estado.

O projeto de urbanização de favelas é um instrumento de modificação físico-social, pois

através de alterações no espaço físico ele transforma também hábitos e cotidianos.

Trajetos são modificados, experiências são proporcionadas, novos espaços de

convivência são apresentados, as vidas são renovadas. As preexistências, os

investimentos familiares e o cidadão são respeitados, a ocupação é reconhecida e

validada, surge o novo lugar, um novo território.

A presente dissertação traz informações importantes acerca do tema e contribui para a

ampliação do conhecimento sobre a importância do projeto de urbanização com vistas à

integração das favelas à cidade.

1 Construção de cidade entendida por dotar as favelas de serviços públicos de saneamento básico, viabilizar os acessos e a circulação franca e fluida, criar espaços públicos de lazer e convivência e com isso possibilitar o incremento de programas e políticas públicas de sustentabilidade socioeconômica, além é claro da integração físico e social com a cidade formal.

considerações finais

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234

Os programas e projetos discutidos permitiram identificar princípios que são recorrentes

em iniciativas como estas e podem ser aplicadas em casos similares.

Esta dissertação não esgota o tema, muito pelo contrário, impele ao debate e a constante

investigação para a melhoria deste instrumento. O projeto de urbanização reconhece e

materializa a integração das favelas à cidade e contribui para a melhoria da qualidade de

vida nestes territórios.

considerações finais

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