1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA, DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS, SUBJETIVIDADE FEMININA, DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES Laís Bianchin da Costa 1 Cibele Cheron 2 Resumo: O artigo em tela examina a violência obstétrica no espectro da violência de gênero, suas múltiplas formas, intensidades e ocorrências. Aborda-se o caráter institucional da violência, expresso de forma sistêmica e naturalizada, atingindo mulheres pertencentes a grupos diversos, bem como o caráter de gênero, marcado pela hierarquia que se estabelece entre homem e mulher e os significados que essas designações assumem na sociedade. Empreende-se o estudo das normativas internacionais e nacionais correlatas ao tema, totalizando 23 documentos, buscando identificar na seara dos Direitos Humanos aqueles violados pela violência obstétrica. Ante o quadro esboçado, foram coletados e analisados depoimentos de mulheres vitimadas por diferentes tipos de violência obstétrica, identificando, em seus relatos, as práticas sofridas, categorizadas conforme a revisão bibliográfica. A pesquisa utiliza o estudo documental, de abordagem qualitativa. Verifica-se que a violência obstétrica é estrutural num sistema cego à subjetividade feminina, à autonomia sobre o próprio corpo e aos direitos sexuais e reprodutivos, violando de forma recorrente a dignidade das mulheres submetidas. Palavras-chave: Violência Obstétrica. Direitos Sexuais e Reprodutivos. Subjetividade Feminina. Direitos Humanos das Mulheres Introdução A temática central deste artigo é a violência obstétrica e a violação da dignidade, direitos humanos e direitos fundamentais das mulheres. Para abordar essa temática, foi identificado o seguinte problema: A regulamentação brasileira que está atualmente vigente, pode ser considerada marco regulatório suficiente para proteger e prevenir a não ocorrência de violência obstétrica, garantindo a dignidade e os direitos fundamentais das pessoas envolvidas em casos que há ocorrência dos mais diversos tipos de violência obstétrica? Utilizou-se o estudo documental, de caráter qualitativo como metodologia. A coleta de dados constituiu-se de dois sub-estudos, ambos de caráter documental. Primeiramente objetivou-se identificar os usos e conceito desta violência. Após, identificou-se o tratamento dado à temática no plano normativo, relacionando diversos documentos nacionais e internacionais, de modo a verificar o modo como os direitos humanos das mulheres neles são tutelados e sua efetividade. 1 Bacharel em Direito pela UniRitter, Porto Alegre, Brasil. 2 Doutora em Ciência Política, Mestra em Ciências Sociais, Bacharela em Direito, Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – IFRS, membro do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Mulher e Gênero – NIEM/UFRGS, Rio Grande do Sul, Brasil. Orientadora do artigo.
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VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA, DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS, … · 2018-01-17 · Teste da Violência Obstétrica, em que houve a realização de uma avaliação das mulheres sobre os
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA, DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS,
SUBJETIVIDADE FEMININA, DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES
Laís Bianchin da Costa1
Cibele Cheron2
Resumo: O artigo em tela examina a violência obstétrica no espectro da violência de gênero, suas
múltiplas formas, intensidades e ocorrências. Aborda-se o caráter institucional da violência, expresso
de forma sistêmica e naturalizada, atingindo mulheres pertencentes a grupos diversos, bem como o
caráter de gênero, marcado pela hierarquia que se estabelece entre homem e mulher e os significados
que essas designações assumem na sociedade. Empreende-se o estudo das normativas internacionais
e nacionais correlatas ao tema, totalizando 23 documentos, buscando identificar na seara dos Direitos
Humanos aqueles violados pela violência obstétrica. Ante o quadro esboçado, foram coletados e
analisados depoimentos de mulheres vitimadas por diferentes tipos de violência obstétrica,
identificando, em seus relatos, as práticas sofridas, categorizadas conforme a revisão bibliográfica. A
pesquisa utiliza o estudo documental, de abordagem qualitativa. Verifica-se que a violência obstétrica
é estrutural num sistema cego à subjetividade feminina, à autonomia sobre o próprio corpo e aos
direitos sexuais e reprodutivos, violando de forma recorrente a dignidade das mulheres submetidas.
Palavras-chave: Violência Obstétrica. Direitos Sexuais e Reprodutivos. Subjetividade Feminina.
Direitos Humanos das Mulheres
Introdução
A temática central deste artigo é a violência obstétrica e a violação da dignidade, direitos
humanos e direitos fundamentais das mulheres. Para abordar essa temática, foi identificado o seguinte
problema: A regulamentação brasileira que está atualmente vigente, pode ser considerada marco
regulatório suficiente para proteger e prevenir a não ocorrência de violência obstétrica, garantindo a
dignidade e os direitos fundamentais das pessoas envolvidas em casos que há ocorrência dos mais
diversos tipos de violência obstétrica?
Utilizou-se o estudo documental, de caráter qualitativo como metodologia. A coleta de dados
constituiu-se de dois sub-estudos, ambos de caráter documental. Primeiramente objetivou-se
identificar os usos e conceito desta violência. Após, identificou-se o tratamento dado à temática no
plano normativo, relacionando diversos documentos nacionais e internacionais, de modo a verificar
o modo como os direitos humanos das mulheres neles são tutelados e sua efetividade.
1 Bacharel em Direito pela UniRitter, Porto Alegre, Brasil. 2 Doutora em Ciência Política, Mestra em Ciências Sociais, Bacharela em Direito, Professora do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – IFRS, membro do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre
Mulher e Gênero – NIEM/UFRGS, Rio Grande do Sul, Brasil. Orientadora do artigo.
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Violência obstétrica
A conceituação de violência obstétrica pode obter diversas formas, de acordo com a área do
conhecimento que está se propondo a discutir sobre o tema. Isto é, a psicologia não irá apresentar o
mesmo conceito de violência obstétrica que a enfermagem. Porém, o que se pretende destacar é que
as diversas discussões acerca da temática já proporcionaram uma grande visibilidade do tema.
A relevância dessa discussão inclusive já instituiu uma série de políticas governamentais no
Brasil, à exemplo do o Humaniza SUS, da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher
ou ainda do Projeto Estímulo ao Parto Normal. Dessa forma, apesar de o tema não se atrelar apenas
à área da saúde, ainda existe dificuldade em encontrar tratamento legal sobre o tema. Tanto é, que em
2013 a Defensoria Pública do Estado de São Paulo se propôs a auxiliar as pessoas a identificar a
existência e a incidência de violência obstétrica, facilitando assim a denúncia da sua ocorrência. Para
isso, diante da escassez de conteúdo legal sobre o tema, foi necessário utilizar a definição trazida das
leis venezuelana e argentina, visto a inexistência de tipificação brasileira. Neste informativo,
violência obstétrica foi caracterizada como:
Apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais de saúde,
através do tratamento desumanizado, abuso de medicação patologização dos processos
naturais, causando a perda da autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos
e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres. (SÃO PAULO,
2013).
Os atos que, ao serem praticados geram a violência obstétrica, foram identificados pelo Dossiê
elaborado pela Rede Parto do Princípio para a CPMI da Violência Contra as Mulheres (2012) e
caracterizados como “aqueles praticados contra a mulher no exercício de sua saúde sexual e
reprodutiva, podendo ser cometidos por profissionais de saúde, servidores públicos, profissionais
técnico-administrativos de instituições públicas e privadas, bem como civis”. No dossiê é destacado
que não existe uma limitação sobre quem pratica a violência contra a mulher, visto que foi constatado
que as fontes de agressão são plurais em todo o processo reprodutivo.
O dossiê ainda aponta seis caráteres que os atos de violência obstétrica se dividem, são eles:
caráter físico, caráter psicológico, caráter sexual, caráter institucional, caráter material e caráter
midiático, destacando, porém, que um mesmo ato pode mesclar mais de um caráter. A classificação
dos tipos de violência obstétrica auxilia a entender o porquê de ela existir de forma tão recorrente.
Ainda analisando as definições abordadas sobre violência obstétrica, é possível perceber que
existe um problema estrutural quanto às práticas de violência, isso porque ela reproduz seus
mecanismos de forma recorrente, e permeia tanto nas relações sociais quanto entre as pessoas que
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estão envolvidas. Dessa forma, a violência obstétrica pode ser vislumbrada a partir da ótica da
violência institucional, visto que está condicionada a um processo de recorrência, pois sua prática
está naturalizada dentro do sistema médico-hospitalar, ou seja, a violência está institucionalizada.
A violência obstétrica, como visto, possui caráter institucional, já que, além de segregar, está
naturalizada dentro de um sistema. Nessa relação, o excesso de poder, impede que exista o
reconhecimento do outro, provocando, dessa forma, um tipo de dano, mas visando a algum tipo de
controle social. Dessa forma, não apenas se estuda a violência a partir de uma perspectiva de exclusão
social e política, mas também na ruptura do contrato social3 e dos laços sociais, rompendo os vínculos
entre o eu e o outro. Na violência obstétrica, sob uma ótica de violência institucional, a agente passiva
se apresenta na forma do outro, não sendo reconhecida ou considerada, pois existe um sistema – que
oprime – e é socialmente aceito, portanto práticas que envolvam violência obstétrica direta ou
indiretamente, são vistas como práticas normais e coletivas, ainda que sejam uma forma de violência.
Na relação médico-paciente existe uma relação de poder do médico (pela detenção do
conhecimento) em relação ao paciente (pela falta do conhecimento). Assim, Foucault (1998),
identificou que a construção histórica das unidades hospitalares carregou consigo uma relação de
poder, em que os médicos eram os detentores do conhecimento em relação aos pacientes (objetos dos
saberes e práticas médicas), ou seja, o hospital foi construído socialmente como um espaço de
exercício de poder. Essa configuração hospitalar descrita por Foucault se identifica com o modelo
tecnocrático da medicina moderna que é caracterizada principalmente por uma abordagem
intervencionista, fundamentada nas ideias mecanicistas de Descartes, conforme explicam Davis-
Floyd, R. & St. John, G. (2004). Além da dominação por meio da detenção do conhecimento, este
modelo de medicina supervaloriza a ciência e a tecnologia, utilizando desses subterfúgios como
argumentos de autoridade e convencimento dos pacientes. Assim, podemos identificar a dominação
por meio da detenção do conhecimento como uma forma de violência institucional, na medida em
que essa forma de dominação está enraizada dentro do sistema – e é vista com naturalidade, ainda
que persista sendo um tipo de violência – permitindo que se invalide, barrando o discurso do saber
oriundo das demais classes (que, supostamente, não são detentoras do saber).
3 Cibele Cheron explica que o contratualista Rousseau, por exemplo, vincula negativamente os vícios da aristocracia
feudal à feminilidade e as virtudes da república burguesa à masculinidade. Chega a afirmar que as mulheres detestavam
a Revolução, segundo ele, pois “a ideia de que a mulher que pretende ou participa ativamente da esfera pública está
transgredindo os valores morais da Revolução é explícita, assim como a expectativa de que as mulheres cumpram seu
papel social no novo regime, recolhendo-se aos recintos privados de seus lares e dedicando-se às suas famílias
integralmente”.
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As sociedades que se estruturaram em bases patriarcais refletem esse domínio não só na esfera
privada, mas também na esfera pública, restringindo o acesso das mulheres ao poder. O hospital
dentro do modelo tecnocrático observa todos os itens acima descritos. Em 2012, foi realizado um
Teste da Violência Obstétrica, em que houve a realização de uma avaliação das mulheres sobre os
cuidados recebidos durante a internação para o parto e nascimento. As pesquisadoras, Ana Carolina
Arruda Franzon e Ligia Moreira Sena (2012) ouviram duas mil mulheres nos meses de março e abril
de 2012 e dessas mulheres, 62% tiveram filhos por meio de parto natural, essas entrevistadas foram
base para os seguintes dados:
Gráfico 1: Violências sofridas durante o atendimento ao parto
Fonte: ANA CAROLINA ARRUDA FRANZON E LIGIA MOREIRA SENA, 2012.
Esses dados auxiliam a entender que a violência obstétrica é um problema estrutural de um
sistema que não atende à subjetividade das mulheres em diferentes etapas de todo o processo
reprodutivo.
A tutela aos direitos das mulheres
Após a internacionalização dos Direitos Humanos4, ocorrida principalmente depois de 1948,
foi iniciado um processo de instauração de diversas determinações internacionais, que ocorria através
4 Os Direitos Humanos só passaram a ser tema de real interesse da comunidade internacional após a segunda guerra
mundial, pois se vinculou a finalidade de universalizar os direitos e a formar um sistema normativo internacional de
proteção efetiva dos aos direitos humanos, considerando principalmente o cenário global pós-guerra, que contribuiu
para que se efetivasse a concretização da criação da Organização das Nações Unidas. CARDOSO, Tatiana de Almeida
Freitas Rodrigues. Direitos Humanos: da sua evolução à sua (in)efetividade. In: DAL RI JUNIOR, Arno; SONTAG,
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de declarações, convenções, conferências entre outras manifestações. Especificamente sobre direitos
humanos das mulheres, desde 1948 já existem documentos que visam tutelar e promover os direitos
das mulheres e a igualdade de gênero. Foi possível identificar no plano internacional 23 (vinte e três)
documentos que se dedicam a tutelar os direitos humanos das mulheres.
Dentre os documentos 11 (onze) são tipos de normativas (normativas) e os outros 12 (doze)
são documentos surgidos através de conferências e recomendações, assim não possuem força
normativa, apesar de auxiliarem e convocarem os países a institucionalizar as práticas ali estipuladas
(outros documentos). Para apresentar os resultados dessa pesquisa, foi criada uma tabela
demonstrando o tipo de documento, o ano de criação, Lei brasileira que promulgou e a relação com
a violência contra a mulher:
Figura 7: Quadro de normativas internacionais
DOCUMENTO ANO PROMULGAÇÃO RELAÇÃO COM O TEMA
Convenção Interamericana Sobre
a Concessão dos Direitos Civis à
Mulher
1948 Decreto
nº 31.643/52
Outorga às mulheres os mesmos direitos civis de
que gozam os homens.
Convenção da OIT nº 89 1948 Decreto
nº 41.721/57
Proibição do trabalho noturno para mulheres em
indústrias
Convenção da OIT nº 100 1951 Decreto
nº 41.721/57 Dispõe sobre igualdade de remuneração.
Convenção da OIT nº 103 1952 Decreto
nº 58.820/66
Dispõe sobre o amparo materno no ambiente de
trabalho.
Convenção sobre os Direitos
Políticos da Mulher 1953
Decreto
nº 52.476/63
Determina o direito ao voto em igualdade de
condições para mulheres; elegibilidade das
mulheres para todos os organismos públicos em
eleição; possibilidade de ocupar todos os postos e
funções públicas estabelecidas pela legislação
nacional.
Convenção da OIT nº 111 1958 Decreto
nº 62150/68
Dispõe sobre a discriminação em matéria de
Emprego e Profissão.
Convenção Americana de
Direitos Humanos, São José 1969
Decreto
nº 678/92
Consolidar, no continente americano, um regime
de liberdade pessoal e de justiça social baseado
nos direitos humanos universais, impedindo a
discriminação por motivo de raça, cor, sexo,
idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer
outra natureza, origem nacional ou social, posição
econômica, nascimento ou qualquer outra
condição social
Convenção Para Eliminar Todas
as Formas de Discriminação
Contra a Mulher - CEDAW
1979 Decreto
nº 4.316/02
Compromisso do combate a todas as formas de
discriminação para com as mulheres.
Ricardo; VELOSO, Paulo Potiara (Org.). Teoria e história do direito internacional. Florianópolis: Conpedi, 2014, p.
60-85.
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Convenção da OIT nº 156 1981 AINDA NÃO
INTERNALIZADA
Estende aos homens a responsabilidade sobre a
família.
Convenção da OIT nº 171 1990 Decreto
nº 5.005/04
Dispõe sobre o trabalho noturno e considera o
disposto pela convenção da OIT nº 89
Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência Contra a Mulher -
Convenção de Belém do Pará
1994 Decreto
nº 1.973/96
Define como deve ser classificada violência
contra a mulher, apontando também os direitos a
serem respeitados e garantidos, deveres dos
Estados participantes e define os mecanismos
interamericanos de proteção.
Fonte: produção da autora, 2016.
Além dos documentos com força normativa, cabe ainda apresentar, no plano internacional,
outros documentos relevantes para a implementação de políticas e práticas que auxiliem a tutelar os
direitos humanos das mulheres. Do mesmo modo, foi criada uma tabela demonstrando o tipo de
documento, o ano de criação e a relação com a violência contra a mulher:
Quadro de documentos internacionais.
DOCUMENTO ANO RELAÇÃO COM O TEMA
I Conferência Mundial sobre a
Mulher
1975 Reconheceu o direito da mulher à integridade física, autonomia de
decisão sobre o próprio corpo.
II Conferência Mundial sobre a
Mulher
1980 São avaliados os progressos desde a 1ª Conferência e o Instituto
Internacional de Pesquisa e Treinamento para a Promoção da Mulher
(INSTRAW) é convertido em um organismo autônomo no sistema das
Nações Unidas.
III Conferência Mundial Sobre a
Mulher
1985 Convertido o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a
Mulher (UNIFEM). Aprovadas as estratégias de aplicação voltadas
para o progresso da mulher.
Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento
1992 O documento resultante da conferência dispõe, no artigo 24 sobre a
urgência dos governos em ratificar as convenções relativas às
mulheres para fortalecer a capacidade jurídica da mulher em participar
do desenvolvimento sustentável.
II Conferência Mundial de
Direitos Humanos
1993 Inclusão de um dispositivo que dita que os direitos das mulheres (entre
outros) constituem uma parte inalienável, integral e indivisível dos
direitos humanos universais, e coloca a como objetivo da comunidade
internacional a maior participação política da mulher.
III Conferência Internacional
sobre População e
Desenvolvimento
1994 Alcançar a igualdade e a justiça com base em uma parceria harmoniosa
entre homens e mulheres, capacitando as mulheres para realizarem
todo o seu potencial
IV Conferência Mundial sobre a
Mulher
1995 Instaura uma nova agenda de reivindicações: as mulheres reclamam a
efetivação dos compromissos políticos assumidos pelos governos em
conferências internacionais através do estabelecimento de políticas
públicas.
Relatório da OMS no atendimento
ao parto normal
1996 Informa práticas que devem ser estimuladas e evitadas no atendimento
a mulheres em parto normal
II Conferência das Nações Unidas
sobre Assentamentos Humanos-
Habitat II’96
1996 Reconhece que mulheres, crianças e jovens têm necessidades
específicas de viver em condições seguras, saudáveis e estáveis e
afirma a participação equitativa de todos na vida política, econômica
e social.
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III Conferência Mundial contra o
Racismo, a Discriminação Racial,
a Xenofobia e formas Conexas de
Intolerância
2001 Apontada a necessidade de se adotar uma perspectiva de gênero e
reconhecer todas as inúmeras formas de discriminação a que são
suscetíveis as mulheres nos âmbitos social, econômico, cultural, civil
e político
Recomendação da OMS para a
Prevenção e eliminação de abusos,
desrespeito e maus-tratos durante
o parto em instituições de saúde
2014 Garantir que toda mulher tenha direito ao melhor padrão atingível de
saúde, o qual inclui o direito a um cuidado de saúde digno e respeitoso.
Declaração da OMS sobre Taxas
de Cesáreas
2015 Recomenda a adoção de uma classificação universal para medição da
taxa de cesárea,
Fonte: produção da autora, 2016.
Dentre os documentos aqui expostos, se destacam o Relatório da OMS no atendimento ao
parto normal, em correlação com a Declaração da OMS sobre Taxas de Cesáreas e a Recomendação
da OMS para a Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em
instituições de saúde. O Relatório da OMS no atendimento ao parto normal é um documento em que
a Organização mundial da Saúde divulga as evidências sobre o uso apropriado da tecnologia em
atenção ao parto normal. Com essa indicação internacional, o Brasil, que já vem se mobilizando com
relação a violência contra a mulher, também precisou iniciar um trabalho de proteção específica
contra a violência obstétrica.
A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 introduziu a concepção contemporânea
de Direitos Humanos, trazendo um lastro axiológico e unidade valorativa a este campo do Direito,
dando ênfase na universalidade, indivisibilidade e na interdependência dos Direitos Humanos,
conforme ensina Flavia Piovesan (2008). Ao introduzir essa concepção contemporânea, a Declaração
“acolhe a dignidade humana como valor a iluminar o universo de direitos. A condição humana é
requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos”. (FLAVIA PIOVESAN, 2008).
Desse modo, é possível identificar a dignidade humana como um valor protegido e tutelado,
que se projeta por todo o sistema internacional. Para ser efetivamente tutelado, contudo, não basta
apenas a previsão internacional, mas a sua interação com os sistemas nacionais vigentes. Assim, a
dignidade humana, conforme explica Flavia Piovesan (2008) é um dos fundamentos que alicerçam o
estado democrático de direito, denotando que o valor da dignidade da pessoa humana impõe-se como
um “núcleo básico e informador de todo o ordenamento jurídico brasileiro, como critério e parâmetro
de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional”. No Brasil, a
presente pesquisa identificou as seguintes normativas que tutelam diretamente a violência obstétrica,
de modo a tentar impedir a sua ocorrência.
Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005: essa lei visa garantir às parturientes o direito à presença
de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único
de Saúde - SUS. Apesar de ser restritiva ao SUS, a Resolução Normativa – RN nº 167, de 9 de janeiro
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de 2007 regulamentou que os planos de saúde também deveriam se adequar a esta norma. Além disso
ainda a Portaria nº 2.418, de 2 de dezembro de 2005, veio regulamentar essa presença do
acompanhante imposta pela Lei nº 11.108/05 e estendida pela Resolução Normativa – RN nº 167/07.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, também no sentido de criar mecanismos para
garantir anão ocorrência de violência obstétrica adotou Resolução Normativa - RN Nº 368, de 6 de
janeiro de 2015. Essa Resolução garante o acesso as informações sobre as operadoras, de modo que
auxilia a mulher a escolher onde quer que seu parto ocorra.
Apesar das regulamentações acima estudadas, ainda existem hospitais que descumprem o que
está em tela. Exemplo disso, duas jurisprudências foram encontradas no Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, em que em ambas foi identificada a violação do direito da acompanhante e os hospitais
responsabilizados pelo pagamento de danos morais, conforme as ementas:
Ementa: CONSUMIDOR. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO MÉDICO. LEI DO
PARTO HUMANIZADO (N. 11.108/2005) CESARIANA. DANOS MORAIS
OCORRENTES. ABALO EMOCIONAL OCASIONADO À AUTORA QUE, EM
SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA, NÃO PODE CONTAR COM A PRESENÇA DE SEU
COMPANHEIRO NA SALA DE PARTO. IGUALMENTE PARA O AUTOR, ANTE A
NEGATIVA PARA ACOMPANHAR A COMPANHEIRA PARTURIENTE EM
MOMENTO QUE SUA PRESENÇA A TORNARIA MAIS SEGURA FRENTE À
SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA, ALÉM DE RESTAR PRIVADO DE ACOMPANHAR O
NASCIMENTO DE SUA FILHA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA (ARTIGO 14 DO
CDC). RÉU QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DA PROVA (ARTIGO 333,
INCISO II, DO CPC). - SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71005206701, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas
Recursais, Relator: Lusmary Fatima Turelly da Silva, Julgado em 25/06/2015).
No primeiro caso, o recurso inominado foi impetrado pelos genitores, que tiveram, no
primeiro grau, a sentença de procedência para o pedido de pagamento de indenização por danos
morais. Em segundo grau foi reconhecido o direito e o hospital foi condenado ao pagamento dos
danos morais, de modo a reformar a sentença.
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO
CAUTELAR INOMINADA. DIREITO DO GENITOR DE ACOMPANHAR O PARTO,
CONSOANTE DISPOSIÇÃO CONTIDA NA LEI Nº. 11.108/05 E RESOLUÇÃO
NORMATIVA Nº. 167/3007 DA ANS. SENTENÇA MANTIDA. APELO DESPROVIDO.