VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM MANAUS: ANÁLISE DOS CASOS ATENDIDOS PELO PROJETO RONDA MARIA DA PENHA 1 Amara Luciane Silva de Souza 2 Wilmara Martins da Costa 3 Anna Karoline Rocha da Cruz 4 Palavras-chave: Violência doméstica e domiciliar em Manaus; Projeto Ronda Maria da Penha; Reiteração nos casos de violência 1 Trabalho apresentado no XXI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Poços de Caldas/SP- Brasil, 22 a 29 de setembro de 2018. 2 Mestre em Segurança Pública ,Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Amazonas e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). 3 Mestre em Demografia pelo Departamentode Demografia e Ciências Atuariais (DACA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 4 Doutoranda em Demografia pelo departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).
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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,
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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM MANAUS:
ANÁLISE DOS CASOS ATENDIDOS PELO PROJETO RONDA MARIA DA
PENHA1
Amara Luciane Silva de Souza2
Wilmara Martins da Costa3
Anna Karoline Rocha da Cruz4
Palavras-chave: Violência doméstica e domiciliar em Manaus; Projeto Ronda Maria
da Penha; Reiteração nos casos de violência
1 Trabalho apresentado no XXI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Poços de Caldas/SP- Brasil, 22 a 29 de setembro de 2018. 2Mestre em Segurança Pública ,Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Amazonas e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). 3Mestre em Demografia pelo Departamentode Demografia e Ciências Atuariais (DACA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 4 Doutoranda em Demografia pelo departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).
Resumo
Esse estudo de caráter descritivo e analítico aborda o contexto de violência
doméstica e familiar em que as mulheres estão inseridas nas últimas décadas no
cenário brasileiro, em que traz teoricamente elementos presentes no sistema
legislativo anterior e posterior a Lei Maria da Penha - Lei nº 11.340/2006. Esta,
considerada um marco para o país referente ao enfrentamento da violência contra
mulher em todas as instâncias, permitiu a criminalização para essa grave violação
dos direitos humanos das mulheres, retirando a violência da invisibilidade. Diante
disso, a pesquisa dá ênfase a questão da violência contra mulher nos bairros da
cidade de Manaus - AM, mais especificamente no intuito de compreender os fatores
associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres
atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha, entre os anos de 2014 a 2016.Como
método de investigação, foi realizado um estudo de caso com os dados de violência
coletados, desses, foram analisados 537 casos, dando destaque aos eventos que
tiveram repetição. O modelo estatístico escolhido para dar conta do objetivo foi o de
regressão logística, sua escolha se deu por se tratar uma técnica robusta que
permite identificar a probabilidade associada à ocorrência de um determinado
evento, portanto, se encaixando ao proposto para esse exercício de pesquisa.
Introdução
A violência doméstica e familiar contra mulher é um fenômeno bastante
recorrente na sociedade mundial. Trata-se de um problema social que provoca
danos físicos e psicológicos nas vítimas, atingindo pessoas de diferentes raça, cor,
escolaridade e classe social. É um problema recorrente no mundo todo, e as
repetições desse tipo de violência em suas diversas formas e intensidades motiva
crimes hediondos e graves violações de direitos humanos.
Há uma diferença sutil entre violência doméstica e familiar, embora muitas
vezes sejam tratadas com o mesmo significado. Enquanto, a doméstica, como o
próprio nome sugere, ocorre dentro do domicílio independente do grau de
parentesco entre os envolvidos, a familiar, envolve os membros da família extensa
ou nuclear independentemente do local de residência do agressor (IZUMINO, 2004).
Ambas são definidas como uma violência desencadeada no plano das relações
sociais, pautada na perspectiva de dominação masculina ou de oposição entre os
sexos contendo não apenas um fator hierarquizante, mas uma possibilidade de
sujeição (SAFFIOTI, 2015).
Estando marcada por uma desigual distribuição de poder, dentro ou fora do
domicílio, que pode se manifestar a partir da omissão, atos e palavras ou gestos que
afetem a integridade e a saúde psíquica, física e ou sexual da mulher
(MINAYO,2005).
No Brasil, até 2006, a violência doméstica e familiar contra a mulher era vista
apenas como uma lesão corporal, o problema era diminuído, considerado uma
causa cível de menor complexidade propondo punições alternativas para os
agressores (BRASIL, 1995). Com a criação da lei Maria da Penha, passou-se a
registrar uma variedade na natureza dos delitos cometidos contra a mulher como
aqueles de natureza moral, psíquica e econômica, não se restringindo somente a
agressões físicas e sexuais (BRASIL, 2006). Assim, foi possível trazer maior
visibilidade ao problema e mais garantias aos direitos da mulher como, por exemplo,
assegurar algumas medidas de proteção que visam evitar casos de reiteração dessa
violência no âmbito doméstico e familiar.
Nesse contexto de mudanças jurídicas, e em decorrência disso novas garantias
sociais frente a esse tipo de violência, no ano 2014 o Estado do Amazonas
implementou em sua capital, Manaus, o projeto Ronda Maria da Penha (RMP). Esse
projeto nasceu inspirado no programa “Patrulha Maria da Penha", em vigor no
Estado do Rio Grande do Sul desde do ano de 2012, operacionalizado pela Brigada
Militar que tem como finalidade a fiscalização das medidas protetivas de urgência
solicitadas ao Poder Judiciário e a proteção das mulheres em situação de
vulnerabilidade, com viaturas identificadas e policiais capacitados. O Projeto Ronda
Maria da Penha é sediado na 27ª Companhia Interativa Comunitária (CICOM), na
Zona Norte de Manaus, atendendo especificamente as mulheres que estão sob
medida protetiva residentes nos bairros Novo Aleixo e Cidade de Deus. Esses dois
bairros são detentores da segunda maior taxa de violência contra a mulher em 2012
(NASCIMENTO, 2013) e engloba boa parte das mulheres residentes na cidade,
conforme apresenta a Figura 1.
Figura 1. Percentual do total mulheres por bairros em Manaus– 2010.
Fonte: Censo demográfico de 2010, IBGE.
O objetivo geral desse trabalho visa compreender os fatores associados a
reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo
Projeto Ronda Maria da Penha, entre 2014 a 2016. Para isso, pretende-se descrever
o perfil das mulheres que são alvo da violência doméstica e familiar como do
agressor; identificar as variáveis possivelmente associadas aos casos de reiteração,
que ainda reforçam a vulnerabilidade dessa população na área de abrangência do
Projeto atualmente.
Com o propósito de analisar alguns elementos presentes no contexto das
relações sociais que permeiam a vivência das mulheres que sofrem violência na
cidade de Manaus, esse estudo contribui na análise da população alvo de agressão
da área de atuação do Projeto RMP, no intuito de compreender as variáveis
explicativas que podem estar associadas aos casos de repetição da violência, trazer
luz para entender não somente o fenômeno da ocorrência da violência doméstica,
mas sua persistência.
Métodos
Realizou-se um estudo descritivo e analítico com os dados de violência
doméstica e familiar provenientes do Projeto Ronda Maria da Penha, em vigor na
cidade de Manaus desde o ano de 2014. A partir da sua implantação, em setembro
de 2014 até dezembro de 2016, foram realizadas ao todo 3.850 visitas as mulheres
que estão sob medida protetiva e que residem em alguns dos loteamentos do bairro
Novo Aleixo e Cidade de Deus, ambos na Zona Norte da cidade. Das medidas
protetivas recebidas, apenas 537 mulheres foram atendidas e acompanhadas pelo
projeto em questão, sendo que, 412 casos que apresentam informação de reiteração
da violência doméstica e familiar. Tornando assim, as ocorrências que chamaram
atenção para compreender os fatores associadas a violência doméstica e familiar
em bairros específicos de Manaus.
O banco de dados das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar
atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha dispõem das seguintes informações:
1. Informações sobre a agressão: data da agressão, data do ingresso no projeto,
local da agressão, período da agressão, motivo da agressão e meio utilizado; 2.
Informações sobre a vítima: endereço, reiteração, naturalidade, escolaridade, idade
e situação social; 3. Informações sobre o agressor: endereço, sexo, idade,
naturalidade e situação social e 4. Informações sobre a relação vítima/agressor: se
possuem filhos, quantos filhos e grau de parentesco ou afinidade.
Destas informações, somente utilizar-se-ão as seguintes variáveis:
Variáveis Tipos de variáveis
Reiteração da violência dependente
1. Diferença de idade entre a vítima e o agressor
independente
2. Grau de parentesco ou afinidade
3. Ocupação da vítima e do agressor
4. Possui filhos
5. Motivo da agressão
6. Tipo de agressão
7. Coabitação (se o agressor mora na mesma residência que a vítima)
No sentido de identificar e perceber os fatores que possam estar associados
aos casos de reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres
atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha, entre os anos de 2014 a 2016,
surgem alguns questionamentos. Diante das variáveis disponíveis, podemos ter
algumas indagações, como: Companheiros mais jovens possuem maior
probabilidade de agredir a mulher do que os mais velhos? As mulheres que
possuem filhos com o agressor possuem maior probabilidade de vitimização do que
aquelas que não possuem filhos? A educação possui papel determinante na redução
da reincidência da violência doméstica?
O modelo estatístico escolhido para dar conta do objetivo, inicialmente, foi o
teste qui-quadrado de Pearson.Trata-se de uma análise bivariada dos dados,
destinada a encontrar um valor de dispersão para duas variáveis categóricas
nominais. A análise dos dados foi realizada no software SPSS.
Resultados
As mulheres estão distribuídas, nos bairros Novo Aleixo e Cidade de Deus,
em várias faixas etárias que vão de 14 a 69 anos de idade. No gráfico abaixo,
observou-se a concentração nas faixas etárias de 20 a 44 anos de idade, ou seja,
são mulheres jovens adultas. Nota-se que o pico máximo das idades das mulheres
acompanhadas está no grupo etário de 30 a 34 anos de idade. Observou-se também
que as mulheres, a partir dos 14 anos, começam a entrar no quadro de violência
doméstica e familiar e que a tendência é crescente até atingirem o pico máximo de
30 a 34 anos de idades. A partir disso, a tendência é diminuir o número de mulheres
que sofrem violência doméstica e familiar.
Segundo Romio (2016), as mulheres que sofrem com violência doméstica
estão em idade reprodutivas entre 15 a 50 anos, o que confirma a tendência do
gráfico abaixo.
Gráfico 1. Percentual de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, por
grupo etário, residentes nos bairros Novo Aleixo e Cidade de Deus de 2014 a 2016.
Fonte: Projeto Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.
Do total de 537 mulheres atendidas pelo Projeto até 2016, 51,3% (Gráfico 2)
possuíam até 12 anos de estudo (equivalente ao Ensino Médio), ao passo que
33,5% apresentavam até 9 anos de estudos (equivalente ao Ensino Fundamental).
Com mais de 12 anos de estudos se encontravam 13,8% das mulheres (equivale a
Ensino Superior, Técnico e Pós-graduação). No outro extremo, 1,3% das mulheres
vítimas de violência doméstica e familiar sequer possuem instrução ou não
completaram um ano de estudo. Portanto, as mulheres atendidas pelo Ronda Maria
da Penha são de escolaridade baixa. Resultado condizente com o cenário desses
dois bairros em Manaus cujo o percentual de mulheres com até ensino superior
incompleto, em 2010, ultrapassa 50% (Novo Aleixo, 95%, e Cidade de Deus, 70%),
segundo os dados censitários do IBGE.
Gráfico 2.Percentuais das mulheres vítimas, por escolaridade e ocupações
residentes nos bairros Novo Aleixo e Cidade de Deus -2014 a 2016.