VI CONGRESSO INTERNACIONAL CONSTITUCIONALISMO E DEMOCRACIA: O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO- AMERICANO ABERTURAS, TRANSIÇÕES E DEMOCRACIA
VI CONGRESSO INTERNACIONAL CONSTITUCIONALISMO E
DEMOCRACIA O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-
AMERICANO
ABERTURAS TRANSICcedilOtildeES E DEMOCRACIA
A147
Aberturas transiccedilotildees e democracia [Recurso eletrocircnico on-line] organizaccedilatildeo Rede para o
Constitucionalismo Democraacutetico Latino-Americano Brasil
Coordenadores Joseacute Ribas Vieira Ceciacutelia Caballero Lois e Marcela Braga Nery ndash Rio de
Janeiro UFRJ 2017
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-5505-507-2
Modo de acesso wwwconpediorgbr em publicaccedilotildees
Tema Constitucionalismo Democraacutetico e Direitos Desafios Enfrentamentos e
Perspectivas
1 Direito ndash Estudo e ensino (Graduaccedilatildeo e Poacutes-graduaccedilatildeo) ndash Brasil ndash Congressos
internacionais 2 Constitucionalismo 3 Democracia 4 Transiccedilatildeo 5 Ameacuterica Latina 6
Novo Constitucionalismo Latino-americano I Congresso Internacional Constitucionalismo e
Democracia O Novo Constitucionalismo Latino-americano (62016 Rio de Janeiro RJ)
CDU 34
_____________________________________________________________________________
VI CONGRESSO INTERNACIONAL CONSTITUCIONALISMO E DEMOCRACIA O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-
AMERICANO
ABERTURAS TRANSICcedilOtildeES E DEMOCRACIA
Apresentaccedilatildeo
O VI Congresso Internacional Constitucionalismo e Democracia O Novo
Constitucionalismo Latino-americano com o tema ldquoConstitucionalismo Democraacutetico e
Direitos Desafios Enfrentamentos e Perspectivasrdquo realizado entre os dias 23 e 25 de
novembro de 2016 na Faculdade Nacional de Direito (FNDUFRJ) na cidade do Rio de
Janeiro promove em parceria com o CONPEDI ndash Conselho Nacional de Pesquisa e Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Direito a publicaccedilatildeo dos Anais do Evento dedicando um livro a cada Grupo
de Trabalho
Neste livro encontram-se capiacutetulos que expotildeem resultados das investigaccedilotildees de
pesquisadores de todo o Brasil e da Ameacuterica Latina com artigos selecionados por meio de
avaliaccedilatildeo cega por pares objetivando a melhor qualidade e a imparcialidade na seleccedilatildeo e
divulgaccedilatildeo do conhecimento da aacuterea
Esta publicaccedilatildeo oferece ao leitor valorosas contribuiccedilotildees teoacutericas e empiacutericas sobre os mais
diversos aspectos da realidade latino-americana com a diferencial reflexatildeo criacutetica de
professores mestres doutores e acadecircmicos de todo o continente sobre ABERTURAS
TRANSICcedilOtildeES E DEMOCRACIA
Assim a presente obra divulga a produccedilatildeo cientiacutefica promove o diaacutelogo latino-americano e
socializa o conhecimento com criteriosa qualidade oferecendo agrave sociedade nacional e
internacional o papel criacutetico do pensamento juriacutedico presente nos centros de excelecircncia na
pesquisa juriacutedica aqui representados
Por fim a Rede para o Constitucionalismo Democraacutetico LatinoshyAmericano e o Programa de
Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGDUFRJ)
expressam seu sincero agradecimento ao CONPEDI pela honrosa parceira na realizaccedilatildeo e
divulgaccedilatildeo do evento culminando na esmerada publicaccedilatildeo da presente obra que agora
apresentamos aos leitores
Palavras-chave Democracia Transiccedilatildeo Ameacuterica Latina Novo Constitucionalismo Latino-
americano
Rio de Janeiro 07 de setembro de 2017
Organizadores
Prof Dr Joseacute Ribas Vieira ndash UFRJ
Profa Dra Ceciacutelia Caballero Lois ndash UFRJ
Marcela Braga Nery ndash UFRJ
1 Professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlacircndia (UFU) Poacutes-doutor em Teoria e Filosofia do Direito pela UERJ Doutor e Mestre em Direito Puacuteblico-UERJ Cientista Social-UFRJ
2 Graduanda na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlacircndia Pesquisadora-bolsista do Grupo de pesquisa Democracia e Justiccedila de Transiccedilatildeo (bolsista PIBIC-CNPq 2016-2017)
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JUSTICcedilA DE TRANSICcedilAtildeO BRASILEIRA E O CASO GOMES LUND DA CONDENACcedilAtildeO PELA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS Agrave
ARGUICcedilAtildeO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nordm 320
JUSTICIA DE TRANSICIOacuteN BRASILENtildeA Y EL CASO GOMES LUND DE LA CONDENACIacuteON DE LA CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS
A LA ARGUMENTACIOacuteN DE INCUMPLIMIENTO DE PRECEPTO FUNDAMENTAL Nordm 320
Alexandre Garrido da Silva 1Alice Marques Siqueira Silva 2
Resumo
Com o Caso Gomes Lund e outros vs Brasil vem agrave luz uma nova estrateacutegia de rever a justiccedila
de transiccedilatildeo no Estado brasileiro buscando aleacutem das fronteiras percepccedilotildees coerentes ao
processo de democratizaccedilatildeo Nessa tentativa chegou-se agrave Corte Interamericana de Direitos
Humanos agrave qual o Brasil consiste Estado-Parte para questionar sobre a possiacutevel
responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e militares que praticaram graves violaccedilotildees a
direitos humanos Como natildeo fora cumprida uma nova alternativa se fez real atraveacutes da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental questionando a Lei de Anistia de
1979 e sua validade para crimes de lesa humanidade e tambeacutem o descumprimento da
sentenccedila da CIDH compreendendo-a como uma omissatildeo inconstitucional do Poder
Judiciaacuterio
Palavras-chave Responsabilizaccedilatildeo na justiccedila de transiccedilatildeo Condenaccedilatildeo da cidh do caso gomes lund Arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental nordm 320
AbstractResumenReacutesumeacute
Con el Caso Gomes Lund y otros vs Brasil sale a la luz una nueva estrategia para examinar
la justicia de transicioacuten en el estado brasilentildeo mirando maacutes allaacute de las fronteras de
percepciones consistentes en el proceso de democratizacioacuten En este intento hemos llegado a
la Corte Interamericana de Derechos Humanos de la cual el Brasil es estado-miembro para
preguntar acerca de la posible responsabilidad de los funcionarios puacuteblicos civiles y
militares que han cometido graves violaciones de los derechos humanos Coacutemo no se
cumple la decisioacuten una nueva alternativa se hace real a traveacutes de la acusacioacuten de violacioacuten
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de preceptos fundamentales cuestionando la Ley de amnistiacutea de 1979 y su validez para los
criacutemenes contra la humanidad y tambieacuten el fracaso de eficiencia de la sentencia de la CIDH
bajo la comprensioacuten de esta situacioacuten como una omisioacuten inconstitucional del poder judicial
KeywordsPalabras-clavesMots-cleacutes Responsabilidades de la justicia de transicioacuten Condenacioacuten de la cidh en el caso gomes lund Argumentacioacuten de incumplimiento de precepto fundamental nordm 320
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INTRODUCcedilAtildeO
Com o intuito de solidificar conhecimento sobre a temaacutetica e tentando
enriquecer o debate a presente pesquisa pretende problematizar do ponto de vista
doutrinaacuterio e jurisprudencial centralizando na justiccedila de transiccedilatildeo a sua dimensatildeo de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis ou militares que cometeram crimes na eacutepoca da
ditadura civil-militar brasileira
Ante a um quadro histoacuterico complexo cuja soberania interna vem sendo
utilizada para obstaculizar a possibilidade de responsabilizaccedilatildeo por meio do Poder
Judiciaacuterio e do Poder Legislativo necessaacuterio foi inventar novos caminhos para tentar
alcanccedilar a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da democratizaccedilatildeo no Estado brasileiro
Assim com a interpretaccedilatildeo do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei de
Anistia no ano de 2010 revalidando-a como acordo bilateral entre as partes envolvidas
travando a persecuccedilatildeo criminal dos agentes a sociedade com vaacuterios movimentos
articulados elevou a lide a niacutevel internacional Com respaldo na Convenccedilatildeo Americana
de Direitos Humanos ingressaram com o Caso Gomes Lund e outros vs Brasil
(Guerrilha do Araguaia) na Corte Interamericana para que essa elucidasse as
instituiccedilotildees brasileiras e rompesse com o status quo da impunidade e da desigualdade
perante o Direito paacutetrio e internacional
No entanto mesmo com a condenaccedilatildeo do Estado brasileiro pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos que entendeu terem ocorrido crimes de lesa
humanidade (imprescritiacuteveis e insuscetiacuteveis agrave anistia) as determinaccedilotildees da sentenccedila
condenatoacuteria foram deixadas de lado pelo Estado
Dessa maneira afim de sublinhar a existecircncia da condenaccedilatildeo e continuar o
processo-luta para a concretizaccedilatildeo da transiccedilatildeo democraacutetica o Partido Socialismo e
Liberdade (PSOL) ingressou com uma Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito
Fundamental para rediscussatildeo questionando por esta via o inadimplemento da
sentenccedila da CIDH pelo Estado brasileiro Atualmente encontra-se apensada agrave ADPF
153 juntamente aos Embargos de Declaraccedilatildeo dessa natildeo julgados mas jaacute com os
pareceres da Advocacia Geral da Uniatildeo e da Procuradoria Geral da Repuacuteblica
recebidos
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Almeja-se entatildeo conceber conhecimento mais soacutelido sobre essa conjuntura de
internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos a amplitude da ADPF 320 e suas chances de
reconhecimento em perquiriccedilatildeo conjunta agrave sentenccedila condenatoacuteria da CIDH
1 A Dimensatildeo da Responsabilizaccedilatildeo na Justiccedila de Transiccedilatildeo
Em um balanccedilo precaacuterio a estimativa eacute de que a ditadura civil militar brasileira
deixou um saldo de 50 mil pessoas presas somente nos primeiros meses de 1964 cerca
de 20000 brasileiros submetidos agrave tortura cerca de 400 cidadatildeos mortos ou
desaparecidos milhares de prisotildees poliacuteticas natildeo registradas 130 banimentos 4862
cassaccedilotildees de mandatos poliacuteticos uma cifra incalculaacutevel de exiacutelios e refuacutegios poliacuteticos1
Por observacircncia do conceito de Justiccedila em cascatardquo2 e intelecccedilatildeo majoritaacuteria da
doutrina de Direito Internacional no terreno encampado na ldquoEra da responsabilizaccedilatildeordquo3
eleva-se a importacircncia do dever de proporcionar justiccedila ante o conhecimento de casos
de crimes contra a humanidade Deve a rigor desta linha argumentativa haver a
promoccedilatildeo da responsabilizaccedilatildeo dos governos e de seus aparatos burocraacuteticos (civis e
militares) devido tanto agrave pressatildeo internacional como agrave mobilizaccedilatildeo domeacutestica face agraves
atrocidades algumas imprescritiacuteveis como os crimes de desaparecimento e sequestro
Em territoacuterio nacional muito se discute quanto agrave magnitude de se
responsabilizar os agentes e sobre as alternativas para concretizaccedilatildeo do feito ante a
configuraccedilatildeo da justiccedila atual Como assevera Joseacute Carlos Moreira da Silva Filho
A importacircncia do estudo a respeito da possibilidade juriacutedica de haver
julgamentos voltados agrave atribuiccedilatildeo de responsabilidade criminal aos
agentes do regime militar de 1964 estaacute relacionada com a necessidade
de se construir uma cultura de respeito e fortalecimento aos direitos
1 Dados disponiacuteveis por fornecimento da Comissatildeo de Familiares Mortos e Desaparecidos Poliacuteticos com
lista completa em ltlthttpwwwdesaparecidospoliticosorgbrpessoasphpm=3gtgt e
ltlthttpmemoriasreveladasarquivonacionalgovbrcampanhaexilados-e-banidos-da-vida-
publicaindezhtmgtgt em estudo apresentado por TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque
ldquoJusticcedila de Transiccedilatildeo no Brasil e o processo de democratizaccedilatildeordquo Justiccedila de Transiccedilatildeo direito agrave
justiccedila agrave memoacuteria e agrave verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da
UFPB 2014 348p 2ldquoA difusatildeo da normal global contraacuteria agrave anistia ter impactado fortemente tribunais internacionais e locais
levando estudiosos a denominarem esse movimento ou fenocircmeno juriacutedico internacional como lsquoJusticcedila de
Cascatarsquo (Lutz e Sikkink) ou ldquoRevoluccedilatildeo de Justiccedilardquo (Sriram)rdquo(PAYNE ABRAtildeO TORELLY 2011 p
25) 3ldquoA norma global de responsabilizaccedilatildeo individual tem se espalhado pelo mundo inclusive com a criaccedilatildeo
de cortes internacionais permanentes como o Tribunal Penal Internacional levando a resultados
dramaacuteticosrdquo (PAYNE ABRAtildeO TORELLY 2011 p 22)
8
humanos pela forccedila de seguranccedila puacuteblica do Estado Democraacutetico de
Direito Brasileiro4
Isto posto a responsabilizaccedilatildeo deve ser efetuada a fim de fortalecer a
democracia e as instituiccedilotildees democraacuteticas de forma a romper com o Estado de exceccedilatildeo
e com as heranccedilas por ele deixadas Como bem explicam Paulo Abratildeo e Marcelo D
Torelly a expressatildeo de que devem ser concretizadas
medidas que expressam para as sociedades destes paiacuteses que a lei eacute
igual para todos inclusive para aqueles que um dia estiveram em
posiccedilatildeo de poder para manipular o modo de produccedilatildeo legislativa e
direcionar institutos juriacutedicos de clemecircncia para seus proacuteprios crimes
Trata-se de uma concepccedilatildeo na qual o Estado democraacutetico presta
contas daquilo que foi feito anteriormente pelo Estado de exceccedilatildeo
pela via da justiccedila de transiccedilatildeo (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 77 )
A dimensatildeo que diz respeito agrave responsabilidade judicial no Brasil encontra-se
estagnada no quadro atual principalmente se comparada com outros paiacuteses na Ameacuterica
Latina que tambeacutem passaram por ditaduras civis militares Logo infere-se que o Estado
brasileiro se diferenciou da tradiccedilatildeo latino-americana de associar verdade agrave justiccedila
(ABRAtildeO TORELLY 2011 p 227-228)
Tendo como o grande exemplo no caso brasileiro o Caso Gomes Lund que
teve de alccedilar caminhos para aleacutem da soberania interna para conseguir compreender os
acontecimentos desmistificando as inverdades dos governantes reconhecendo a
responsabilizaccedilatildeo do Estado
2 O Caso Gomes Lund e outros vs Brasil
A construccedilatildeo da Justiccedila transicional no Estado brasileiro avigorou-se com os
vaacuterios movimentos civis (estudantis das famiacutelias da Igreja OAB) defendendo a
anistia poliacutetica aos militantes com a soltura dos presos poliacuteticos e o retorno dos
exilados na ldquoanistia ampla geral e irrestritardquo
No entanto diante de um processo de controle institucional o Poder Judiciaacuterio
moldado na eacutepoca5 recepciona-a como reciacuteproca atravancando a possibilidade de
4 SILVA FILHO Joseacute Carlos Moreira da CASTRO Ricardo Silveira Justiccedila de Transiccedilatildeo e Poder
Judiciaacuterio Brasileiro ndash A barreira da lei de anistia para a responsabilizaccedilatildeo dos crimes da ditadura civil-
militar no Brasil Artigo publicado na revista de estudos criminais n 53 p 50-87 abrjun 2014 5ldquoComo visto eacute o Judiciaacuterio que aceita a tese de que todos os crimes do regime seriam conexos aos
crimes da resistecircncia (como se essa precedesse agravequeles) e consagra formalmente a tese jamais expressa
no texto legal de que um entendimento entre ldquoos dois ladosrdquo haveria gerado o consenso necessaacuterio para a
9
responsabilizaccedilatildeo dos agentes estatais que cometeram graves violaccedilotildees aos direitos
humanos tendo como lsquoseguranccedilarsquo a impunidade observando expressatildeo cunhada por
Samuel Huntington ldquotransiccedilatildeo por transformaccedilatildeordquo6 (HUNTINGTON 1993 apud
ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232) De forma que o novo governo natildeo tinha interesse
em romper com o velho
Com a volta paulatina da democracia apoacutes a ditadura civil militar tentaram
ingressar atraveacutes dos mecanismos judiciais com accedilotildees para conseguirem
responsabilizar aqueles agentes pelos homiciacutedios desaparecimentos forccedilados torturas
sequestros e outros crimes Todavia tais iniciativas juriacutedicas encontraram como
obstaacuteculo a Lei de Anistia de 1979 cuja interpretaccedilatildeo forccedilava o arquivamento das accedilotildees
pela exclusatildeo da responsabilidade
Apoacutes a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 houve apariccedilatildeo de dois emblemaacuteticos
casos que foram arquivados tanto a tentativa do Ministeacuterio Puacuteblico Federal de abrir
inqueacuterito civil em 1992 para apurar a morte de Vladimir Herzog quanto agrave tentativa de
reabrir o caso do Rio Centro de 1981
Entretanto mesmo diante desse quadro estabelecido de impunidade no Brasil
parte da sociedade ousou continuar a luta para conseguir restaurar a justiccedila com o
restabelecimento da igualdade perante a lei levando o caso da Guerrilha do Araguaia ou
Caso Gomes Lund e outros vs Brasil agrave Corte Interamericana
Antes do relato insta fazer uma pausa para percepccedilatildeo do status normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos no Brasil
21 A Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e o Status Normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (CADH)
Relevantes pois a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o fortalecimento
do direito internacional assegurando os limites do poderio estatal e a consolidaccedilatildeo dos
transiccedilatildeo poliacutetica brasileira Essa constataccedilatildeo permite vislumbrar outra caracteriacutestica poliacutetico-institucional
importante da ditadura e da transiccedilatildeo brasileira o Judiciaacuterio aderiu ao regimerdquo (ABRAtildeO TORELLY
2014 p 235) 6Expressatildeo utilizada pelo Samuel Huntington ldquo[] those in power in the authoritarian regime take the
lead and play the decisive role in ending that regime and changing into a democratic system[] it
occurred in well-established military regimes where governments clearly controlled the ultimate means of
coercion vis-agrave-vis authoritarian systems that had been successful economically such as Spain Brazil
Taiwan Mexico and compared to other communist states Hungaryrdquo [] HUNTINGTON Samuel The
third wave Oklahoma Oklahoma University Press 1993 p126 (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232)
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direitos humanos agraves sociedades desses Nesse sentido Norberto Bobbio esclarece que a
garantia desses direitos no plano internacional soacute seraacute implementada quando ldquouma
jurisdiccedilatildeo internacional se impuser concretamente sobre as jurisdiccedilotildees nacionais
deixando de operar dentro dos Estados mas contra os Estados e em defesa dos
cidadatildeosrdquo (BOBBIO 1992 p 26)
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) eacute uma representaccedilatildeo
dessa fortificaccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo da proteccedilatildeo dos direitos Seus Estados-Parte
aceitaram em seus ordenamentos juriacutedicos a Convenccedilatildeo Americana de Direitos
Humanos (CADH) tambeacutem denominada de Pacto San Joseacute da Costa Rica que
reconhece e assegura um cataacutelogo de direitos civis e poliacuteticos destacando-se o direito agrave
vida agrave liberdade agrave proteccedilatildeo judicial Tendo pois o Estado-Parte a obrigaccedilatildeo de
respeitar e assegurar o livre e pleno exerciacutecio desses direitos e liberdades sem qualquer
discriminaccedilatildeo devendo adotar medidas legislativas para assegurar o seu livre e pleno
exerciacutecio (PIOVESAN 2006 p 89)
O Estado brasileiro foi um dos que mais tardiamente aderiu agrave Convenccedilatildeo em
1992 Seu reconhecimento ocorreu em 2002 no Decreto nordm 4463 dispondo em seu
primeiro artigo como ldquo() obrigatoacuteria de pleno direito e por prazo indeterminado a
competecircncia da Corte () em todos os casos relativos agrave interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo da
CADH () sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de
1998rdquo 7
E embora tenha reconhecido deve-se recordar que o status normativo das
normas internacionais ainda causa muitas discussotildees no Estado brasileiro
A priori destacam-se da Constituiccedilatildeo de 1988 as normas e entendimentos
sobre direito internacional e direitos humanos No artigo 4ordm inciso II o estabelecimento
da prevalecircncia dos direitos humanos nas relaccedilotildees internacionais Logo apoacutes o sect2ordm do
artigo 5ordm da CF88 determina que ldquo() os direitos e garantias expressos na Constituiccedilatildeo
natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos
tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo E o artigo
7 DECRETO 446302 - Promulga a Declaraccedilatildeo de Reconhecimento da Competecircncia Obrigatoacuteria da Corte
Interamericana de Direitos Humanos sob reserva de reciprocidade em consonacircncia com o art 62 da
Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute) de 22 de novembro de 1969
Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto2002d4463htmgtgt
11
7ordm do ADCT ldquoo Brasil propugnaraacute pela formaccedilatildeo de um tribunal internacional dos
direitos humanosrdquo
A querela sobre o status se amolda com a EC 4504 que introduz no artigo 5ordm
da CF o sect3ordm pretendendo um quoacuterum qualificado para convenccedilotildees e tratados sobre
direitos humanos serem equiparadas agraves emendas constitucionais Logo de um lado
observou-se o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes que concluiu como
esvaziada a discussatildeo sobre o status constitucional dos tratados ratificados no Brasil
anteriormente agrave mudanccedila constitucional e natildeo submetidos ao processo legislativo
especial (MENDES 2008 p 1144) E ldquoreconhecendo uma lsquosupralegalidadersquo das
normas de direitos humanos presentes em tratados regularmente incorporados ao direito
paacutetriordquo (SILVA VIEIRA 2015 p 47-48)
E em outra visatildeo ldquoFlaacutevia Piovesan reforccedila sua tese de que o artigo 5ordm sect2ordm
consagra o status dos tratados internacionais de direitos humanos como normas
materialmente constitucionaisrdquo seguindo o raciociacutenio de que o dispositivo do artigo 5ordm
sect3ordm da CF88 possui caraacuteter meramente formal num intuito interpretativo (SILVA
VIEIRA 2015 p 20) De modo que natildeo se evacue o conteuacutedo sobre a prevalecircncia dos
direitos humanos e sobre a natildeo exclusatildeo dos outros direitos humanos abordados em
tratados ou convenccedilotildees
Em um posicionamento mais recente e progressista o Ministro Celso de Mello
reconheceu o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos
regularmente incorporados agrave ordem interna inclusive anteriores agrave promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo de 1988 Conforme seu entendimento ldquoas normas oriundas de tratados
internacionais de direito humanos assumem um caraacuteter materialmente constitucional e
com fundamento no sect2ordm do art 5ordm da CF compotildee o lsquobloco de constitucionalidadersquordquo
(SILVA VIEIRA 2015 p 35)
Eacute uma visatildeo progressista e interessante para aacuterea pois expressa possiacuteveis
avanccedilos na Justiccedila transicional em relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo visto que
dessa maneira poderatildeo ser utilizadas essas normas internacionais aceitas no
ordenamento brasileiro para a construccedilatildeo da persecuccedilatildeo jurisdicional dos crimes de
lesa-humanidade
22 Anaacutelise do Caso Gomes Lund e outros Vs Brasil
12
As entidades da sociedade civil haviam se mobilizado para conseguir a
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis e militares pelas violaccedilotildees dos direitos aacute eacutepoca do
regime de exceccedilatildeo No entanto vendo-se estagnada a possibilidade paralelamente
conseguiram se mobilizar para levar o caso ao sistema regional de Direitos Humanos da
Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos (OEA)
Assim o Centro de Estudos para a Justiccedila e o Direito Internacional (CEJIL) e a
Human Rights WatchAmeacuterica (HRWA) em nome dos familiares atingidos
apresentaram uma peticcedilatildeo agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
para denunciar o desaparecimento de integrantes da ldquoGuerrilha do Araguaiardquo (TOSI
SILVA 2014 p 50) Como consta no relatoacuterio a peticcedilatildeo faz referecircncia ao
desaparecimento de membros da Guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1975 e a falta de
investigaccedilatildeo desses fatos pelo Estado desde entatildeo
Julia Gomes Lund e outras 21 pessoas foram presumivelmente mortas
durante as operaccedilotildees militares ocorridas na Regiatildeo do Araguaia sul
do Paraacute Desde 1982 familiares destas 22 pessoas tentam por meio de
uma accedilatildeo na Justiccedila Federal obter informaccedilotildees sobre as
circunstacircncias do desaparecimento e morte dos guerrilheiros bem
como a recuperaccedilatildeo dos corpos ()8
Alegando atraveacutes dos fatos apresentados violaccedilotildees a direitos garantidos pelos
artigos I (Direito agrave vida agrave liberdade agrave seguranccedila e agrave integridade da pessoa) XXV
(Direito de proteccedilatildeo contra prisatildeo arbitraacuteria) e XXVI (Direito a processo regular) da
Declaraccedilatildeo Americana de Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Americanardquo ou ldquoDeclaraccedilatildeordquo) bem como pelos artigos 4 (Direito agrave vida) 8
(garantias judiciais) 12 (Liberdade de consciecircncia e religiatildeo) 13 (Liberdade de
pensamento e de expressatildeo) e 25 (Proteccedilatildeo judicial) conjugados com o artigo 1(1)
(obrigaccedilatildeo de respeitar direitos) da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
Em sua defesa o Estado brasileiro argumentou jaacute ter reconhecido a sua
responsabilidade atraveacutes da Lei 9140959 com a reparaccedilatildeo das famiacutelias das viacutetimas que
essa lei tratava tambeacutem da investigaccedilatildeo das circunstacircncias da morte e apresentaccedilatildeo do
local que para localizar os cadaacuteveres dependeria de indiacutecios da zona geograacutefica sendo
8ORGANIZACcedilAtildeO DOS ESTADOS AMERICANOS Relatoacuterio de Admissibilidade nordm 3301 Caso nordm
11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil Relatoacuterio Anual de 2000
apresentado em 6 de marccedilo de 2001 Acesso em 18102016
ltlthttpwwwcidhorgannualrep2000port11552htmgtgt 9 Lei que instituiu a Comissatildeo Especial sobre Mortos e Desaparecidos no ano de 1995
13
impossiacutevel investigar se ausentes os indiacutecios que o Estado se negava a dispor relatoacuterios
militares completos nos quais sejam reportados de modo sistemaacutetico os locais de
sepultamento e as condiccedilotildees da morte desses indiviacuteduos e que natildeo seria possiacutevel a
investigaccedilatildeo e a sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pela existecircncia da Lei de Anistia de
197910
Em novembro de 2008 a Corte Interamericana expediu o Relatoacuterio de Meacuterito
nordm 910811
no qual demonstrou ao Brasil algumas recomendaccedilotildees necessaacuterias para a
resoluccedilatildeo do caso Essas de modo geral reconheciam a responsabilidade do Estado
requisitando que esse a) adotasse medidas para garantir que a Lei de Anistia brasileira
natildeo mais representasse obstaacuteculo para a persecuccedilatildeo penal de graves violaccedilotildees de
direitos humanos b) implementasse medidas jurisdicionais para a identificaccedilatildeo
responsabilizaccedilatildeo e sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pelos desaparecimentos forccedilados das
viacutetimas da Guerrilha do Araguaia sendo que o Estado deveria considerar que tais
crimes satildeo contra a humanidade insuscetiacuteveis agrave anistia ou prescriccedilatildeo c) implementasse
medidas legais e administrativas a fim de sistematiza e publicar os documentos
relacionados agraves operaccedilotildees militares contra a Guerrilha do Araguaia d) fornecesse
recursos financeiros e logiacutesticos aos esforccedilos jaacute empreendidos na busca das sepultura da
viacutetimas desaparecidas e) concedesse reparaccedilatildeo agrave famiacutelia das viacutetimas f) promovesse o
ajustamento normativo a fim de tipificar no ordenamento interno o crime de
desaparecimento forccedilado conforme os elementos constitutivos estabelecidos nos
instrumentos internacionais (TOSI SILVA p 51 2014)
Em suas accedilotildees o Estado brasileiro natildeo cumpriu as principais determinaccedilotildees
quanto agraves circunstacircncias de persecuccedilatildeo criminal tendo sido remetido o caso agrave Corte
Interamericana de Direitos Humanos
A Corte entatildeo ante ao descumprimento das recomendaccedilotildees sentenciou o
Estado brasileiro em 24 de novembro de 2010 condenando-o de forma reduzida por
desaparecimento forccedilado e os direitos violados das 62 pessoas desaparecidas aplicaccedilatildeo
da Lei de Anistia como entrave agraves investigaccedilotildees julgamentos e puniccedilotildees dos crimes
ineficaacutecia das accedilotildees judiciais natildeo penais falta de acesso agrave informaccedilatildeo sobre o ocorrido
10
() 11
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE MEacuteRITO Ndeg
9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e
outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do
20Araguaia20Brasil2026mar0920PORTpdf Acesso em 24 de junho de 2011
14
com as viacutetimas desaparecidas e a executada falta de acesso agrave justiccedila agrave verdade e agrave
informaccedilatildeo12
Ressalta-se que durante o processo perante o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos o Estado brasileiro natildeo controverteu os fatos Em sua contestaccedilatildeo
apresentou inclusive reconhecimento do sentimento de anguacutestia dos familiares das
pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia Ainda reconhecendo que a Lei
914095 ldquofirmou a responsabilidade do Estado pelas mortes garantiu reparaccedilatildeo
indenizatoacuteria e principalmente oficializou o reconhecimento histoacuterico de que estes
brasileiros [] morreram lutando como opositores poliacuteticos de um regime que havia
nascido violando a constitucionalidade democraacutetica erguida em 1946rdquo13
Para Moraes (2011) a condenaccedilatildeo eacute representativa de um conflito de jurisdiccedilatildeo
interna e internacional uma vez que o Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 153 2010 decidiu que a
anistia conferida pela Lei 668379 se estende aos crimes comuns praticados pelos
agentes da representaccedilatildeo durante o regime militar Assim seu peso histoacuterico eacute bastante
elevado ingressando com um possiacutevel rompimento da impunidade e reconstruccedilatildeo da
Memoacuteria Coletiva
3 O descumprimento da sentenccedila e a anaacutelise do papel da Arguiccedilatildeo de
Descumprimento de Preceitos Fundamentos nordm 320
31 Relato do descumprimento
A condenaccedilatildeo do Caso Gomes Lund de 2010 reforccedilou os entendimentos dados
em forma de recomendaccedilotildees e frisou quanto agrave necessidade de reconstruccedilatildeo da
memoacuteria das viacutetimas da ditadura civil-militar mais precisamente sobre o Araguaia
puniccedilatildeo dos autores dos desaparecimentos forccedilados e assassinatos da reparaccedilatildeo civil
12
A sentenccedila foi proferida em 24 de novembro de 2010 Trata-se do julgamento do Caso Gomes Lund e
outros (ldquoGuerrilha do Araguaiardquo) vs Brasil Disponiacutevel
em httpcorteidhorcrdocscasosarticulosseriec_219_pordoc Acesso em 22 de out de 2016 13
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE MEacuteRITO Demanda
perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha
do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil2026mar092
0PORTpdf
15
mediante indenizaccedilatildeo por danos morais e materiais e de medidas de prevenccedilatildeo a atos
violadores dos direitos humanos (MORAES 2011)
Em 2014 a Condenaccedilatildeo ainda passava em branco sem uma resposta plausiacutevel
agrave Corte apenas seguindo com o argumento de impossibilidade de imputar os agentes
criminalmente pela validaccedilatildeo da Lei de Anistia com a ADPF 153 em 2010 pelo STF
De modo que se percebesse que o Brasil novamente estava se abstendo sobre o caso
preferindo o entendimento interno em detrimento do Sistema Interamericano de
Direitos jaacute que em um dos argumentos para ADPF 153 ser validada constava na
inaplicabilidade da tipologia de crimes contra a humanidade 14
Nesse vieacutes para questionar a omissatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro sobre a
sentenccedila condenatoacuteria de 2010 o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ingressou
legitimamente com outra ADPF de nordm 320 em maio de 2014 reabrindo o debate sobre
Justiccedila de transiccedilatildeo brasileira Permitindo dessa forma que a controveacutersia fosse
rediscutida em outros acircmbitos
32 ADPF 320 pedidos e pareces em anaacutelise
Na ADPF 320 as discussotildees mais especiacuteficas elencaram alguns pontos
delineando nos pedidos a requisiccedilatildeo ao STF (1) uma declaraccedilatildeo para natildeo aplicaccedilatildeo da
Lei de Anistia aos crimes (a) de graves violaccedilotildees a direitos humanos cometidos por
agentes puacuteblico militares civis e (b) de caraacuteter permanente ou continuado e (2)
determinaccedilatildeo para cumprimento integral da decisatildeo da CIDH
Para tanto na peticcedilatildeo construiu um raciociacutenio fundamentando da
jurisprudecircncia internacional e nos fatos brasileiros que podem ser dispostos da seguinte
forma
(1) Da natildeo aplicaccedilatildeo da Lei de Anistia de 1979
Para tanto a ADPF 320 apresentou num primeiro momento a visatildeo da CIDH
quanto agrave ausecircncia de efeitos juriacutedicos de Lei de Anistia que queira impedir a
investigaccedilatildeo e a puniccedilatildeo de atos contra crime de lesa humanidade como claramente
14
A convalidaccedilatildeo da Lei de Anistia pela ADPF 153 deu-se em cima dos argumentos principais de ser
bilateral diferente de ldquoautoanistiardquo contra a anistia brasileira natildeo se aplicaria a tipologia de crimes contra
a humanidade e tratando-se de uma lei de reconciliaccedilatildeo somente o Poder Legislativo poderia modifica-
la (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 80)
16
ocorre no Estado brasileiro De certa forma criticando veemente uma das conclusotildees da
ADPF 153
Depois frisou a visatildeo do Estado brasileiro como responsaacutevel pelo
desaparecimento forccedilado e portanto pela violaccedilatildeo dos direitos ao reconhecimento da
personalidade juriacutedica agrave vida agrave integridade pessoal e agrave liberdade pessoal das pessoas laacute
indicadas Demonstrando dessa forma a desobediecircncia da obrigaccedilatildeo de adequar seu
direito interno agrave Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos conforme os arts 2 81
25 e 11 supracitados
(2) Em relaccedilatildeo ao descumprimento da sentenccedila de CIDH do Caso Gomes Lund
Aludiu sobre o descumprimento da sentenccedila pelos Poderes Judiciaacuterio e
Legislativo demonstrando atraveacutes de Relatoacuterio do Ministeacuterio Puacuteblico Federal referente
a 2011 ateacute 2013 a dificuldade em prosseguir com os processos judiciais de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a posiccedilatildeo paralisada do Congresso Nacional que natildeo
votou a tipificaccedilatildeo dos crimes de desaparecimento forccedilado de pessoas
Elencou ainda o aspecto da inconstitucionalidade por omissatildeo do Estado
brasileiro por violar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana no art 1ordm III o art 4ordm
II sobre prevalecircncia dos direitos humanos o art 5ordm sect2ordm que natildeo exclui outros direitos e
garantias decorrentes de tratados internacionais em que a Repuacuteblica federativa seja
parte e o art 7ordm da ADCT sobre tribunal internacional de direitos humanos ao qual se
subjugaraacute o Brasil todos os artigos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
E por uacuteltimo evidenciou o desrespeito ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos Citando o art 68 da CADH pelo qual o Estado-Parte se compromete a
cumprir a decisatildeo da Corte em todos os casos que forem parte E o art 27 da CADH
esclarecendo que ldquouma parte natildeo pode invocar as disposiccedilotildees de seu direito interno para
justificar descumprimento de tratadordquo
Em parecer a Advocacia-Geral da Uniatildeo na pessoa de Luiacutes Inaacutecio Lucena
Adams abordou o meacuterito esclarecendo que o Estado brasileiro tem produzido relatoacuterios
perioacutedicos sobre o cumprimento de sentenccedila sendo apresentados de 2011 a 2014
relatoacuterios que constassem informaccedilotildees minuciosas do cumprimento dos pontos
elencados na sentenccedila E citou como exemplos a criaccedilatildeo da Comissatildeo Nacional da
Verdade em 2011 as medidas do Ministeacuterio da Justiccedila para garantir o acesso agraves
17
informaccedilotildees da ditadura a criaccedilatildeo do Grupo de Trabalho Direito Memoacuteria e Verdade
da Procuradoria Federal dos Distritos do Cidadatildeo15
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot explicou que a
pretensatildeo contida nesta arguiccedilatildeo natildeo gera conflitos com o que foi decidido na ADPF
153 e nem caracteriza superfetaccedilatildeo (bis in idem) Naquela efetuou Controle de
Constitucionalidade da Lei 66831979 Jaacute nesta ADPF 320 pretende-se conhecimento
de validade e de efeito vinculante da decisatildeo da CIDH no caso Gomes Lund a qual agiu
no exerciacutecio legiacutetimo do Controle de Convencionalidade
Concebendo como admissiacutevel a arguiccedilatildeo contra interpretaccedilotildees judiciais que
contrariando o disposto na sentenccedila do caso Gomes Lund declarem extinta a
punibilidade de agentes envolvidos pela Lei de Anistia sob fundamento de prescriccedilatildeo
da pretensatildeo punitiva do Estado Abordando que ldquoEssas interpretaccedilotildees violetam
preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts 1ordm III 4ordm I e II e 5ordm sectsect 1ordm a 3ordm da
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198816
Assim analisam-se os pedidos
A priori tem-se o foco nos crimes de graves violaccedilotildees a direitos humanos e os
continuados ou permanentes e na inaplicabilidade da Lei de Anistia pela ausecircncia de
eficaacutecia juriacutedica
A posiccedilatildeo taxativa do Poder Judiciaacuterio seria a validaccedilatildeo da constitucionalidade
interpretativa da Lei de anistia em seu caraacuteter bilateral e que sua modificaccedilatildeo mesmo
que interpretativa deveria se dar atraveacutes do Poder Legislativo Entretanto deve-se
elaborar uma loacutegica que compreenda as seguintes concepccedilotildees primeiramente em
relaccedilatildeo aos crimes de lesa humanidade e em outro patamar os permanentes ou
continuados
15
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de descumprimento de
preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de 2014 Disponiacutevelem
ltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=62- 44157ampad=s3520
20PetiE7E3o20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o
20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
16 BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservice
20Integradorwsgt Acesso em 22102016
18
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
ADPF por almejar requerer a execuccedilatildeo de sentenccedila interamericana Diante disso
aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
entanto essa visatildeo encontra-se equivocada pois logo eacute esclarecida a ldquorelaccedilatildeo entre as
accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
direitos humanos e violar preceitos fundamentais derivados da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
20
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
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memoacuteria e resistecircncia juriacutedica poliacutetica no Brasil Uberlacircndia EdUFU 2015 P 474
TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque Justiccedila de Transiccedilatildeo no Brasil e
o processo de democratizaccedilatildeo Justiccedila de Transiccedilatildeo direito agrave justiccedila agrave memoacuteria e agrave
verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da UFPB
2014 348p
SILVA A G VIEIRA J R O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a
ordem democraacutetica na Constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
transicional In SILVA A G (Org) Democracia e justiccedila de transiccedilatildeo memoacuteria e
resistecircncia poliacutetica no Brasil 1ordfedUberlacircndia EdUFU 2015 v p 13-72
STECK Lecircnio Luiz A Lei de Anistia e os Limites Interpretativos da Decisatildeo Judicial
o problema da extensatildeo dos efeitos agrave luz do paradigma do Estado Democraacutetico de
Direito Revista de Hermenecircutica Juriacutedica Vol 8 nordm 8 p 171 ndash 181 2010
25
A147
Aberturas transiccedilotildees e democracia [Recurso eletrocircnico on-line] organizaccedilatildeo Rede para o
Constitucionalismo Democraacutetico Latino-Americano Brasil
Coordenadores Joseacute Ribas Vieira Ceciacutelia Caballero Lois e Marcela Braga Nery ndash Rio de
Janeiro UFRJ 2017
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-5505-507-2
Modo de acesso wwwconpediorgbr em publicaccedilotildees
Tema Constitucionalismo Democraacutetico e Direitos Desafios Enfrentamentos e
Perspectivas
1 Direito ndash Estudo e ensino (Graduaccedilatildeo e Poacutes-graduaccedilatildeo) ndash Brasil ndash Congressos
internacionais 2 Constitucionalismo 3 Democracia 4 Transiccedilatildeo 5 Ameacuterica Latina 6
Novo Constitucionalismo Latino-americano I Congresso Internacional Constitucionalismo e
Democracia O Novo Constitucionalismo Latino-americano (62016 Rio de Janeiro RJ)
CDU 34
_____________________________________________________________________________
VI CONGRESSO INTERNACIONAL CONSTITUCIONALISMO E DEMOCRACIA O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-
AMERICANO
ABERTURAS TRANSICcedilOtildeES E DEMOCRACIA
Apresentaccedilatildeo
O VI Congresso Internacional Constitucionalismo e Democracia O Novo
Constitucionalismo Latino-americano com o tema ldquoConstitucionalismo Democraacutetico e
Direitos Desafios Enfrentamentos e Perspectivasrdquo realizado entre os dias 23 e 25 de
novembro de 2016 na Faculdade Nacional de Direito (FNDUFRJ) na cidade do Rio de
Janeiro promove em parceria com o CONPEDI ndash Conselho Nacional de Pesquisa e Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Direito a publicaccedilatildeo dos Anais do Evento dedicando um livro a cada Grupo
de Trabalho
Neste livro encontram-se capiacutetulos que expotildeem resultados das investigaccedilotildees de
pesquisadores de todo o Brasil e da Ameacuterica Latina com artigos selecionados por meio de
avaliaccedilatildeo cega por pares objetivando a melhor qualidade e a imparcialidade na seleccedilatildeo e
divulgaccedilatildeo do conhecimento da aacuterea
Esta publicaccedilatildeo oferece ao leitor valorosas contribuiccedilotildees teoacutericas e empiacutericas sobre os mais
diversos aspectos da realidade latino-americana com a diferencial reflexatildeo criacutetica de
professores mestres doutores e acadecircmicos de todo o continente sobre ABERTURAS
TRANSICcedilOtildeES E DEMOCRACIA
Assim a presente obra divulga a produccedilatildeo cientiacutefica promove o diaacutelogo latino-americano e
socializa o conhecimento com criteriosa qualidade oferecendo agrave sociedade nacional e
internacional o papel criacutetico do pensamento juriacutedico presente nos centros de excelecircncia na
pesquisa juriacutedica aqui representados
Por fim a Rede para o Constitucionalismo Democraacutetico LatinoshyAmericano e o Programa de
Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGDUFRJ)
expressam seu sincero agradecimento ao CONPEDI pela honrosa parceira na realizaccedilatildeo e
divulgaccedilatildeo do evento culminando na esmerada publicaccedilatildeo da presente obra que agora
apresentamos aos leitores
Palavras-chave Democracia Transiccedilatildeo Ameacuterica Latina Novo Constitucionalismo Latino-
americano
Rio de Janeiro 07 de setembro de 2017
Organizadores
Prof Dr Joseacute Ribas Vieira ndash UFRJ
Profa Dra Ceciacutelia Caballero Lois ndash UFRJ
Marcela Braga Nery ndash UFRJ
1 Professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlacircndia (UFU) Poacutes-doutor em Teoria e Filosofia do Direito pela UERJ Doutor e Mestre em Direito Puacuteblico-UERJ Cientista Social-UFRJ
2 Graduanda na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlacircndia Pesquisadora-bolsista do Grupo de pesquisa Democracia e Justiccedila de Transiccedilatildeo (bolsista PIBIC-CNPq 2016-2017)
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2
JUSTICcedilA DE TRANSICcedilAtildeO BRASILEIRA E O CASO GOMES LUND DA CONDENACcedilAtildeO PELA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS Agrave
ARGUICcedilAtildeO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nordm 320
JUSTICIA DE TRANSICIOacuteN BRASILENtildeA Y EL CASO GOMES LUND DE LA CONDENACIacuteON DE LA CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS
A LA ARGUMENTACIOacuteN DE INCUMPLIMIENTO DE PRECEPTO FUNDAMENTAL Nordm 320
Alexandre Garrido da Silva 1Alice Marques Siqueira Silva 2
Resumo
Com o Caso Gomes Lund e outros vs Brasil vem agrave luz uma nova estrateacutegia de rever a justiccedila
de transiccedilatildeo no Estado brasileiro buscando aleacutem das fronteiras percepccedilotildees coerentes ao
processo de democratizaccedilatildeo Nessa tentativa chegou-se agrave Corte Interamericana de Direitos
Humanos agrave qual o Brasil consiste Estado-Parte para questionar sobre a possiacutevel
responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e militares que praticaram graves violaccedilotildees a
direitos humanos Como natildeo fora cumprida uma nova alternativa se fez real atraveacutes da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental questionando a Lei de Anistia de
1979 e sua validade para crimes de lesa humanidade e tambeacutem o descumprimento da
sentenccedila da CIDH compreendendo-a como uma omissatildeo inconstitucional do Poder
Judiciaacuterio
Palavras-chave Responsabilizaccedilatildeo na justiccedila de transiccedilatildeo Condenaccedilatildeo da cidh do caso gomes lund Arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental nordm 320
AbstractResumenReacutesumeacute
Con el Caso Gomes Lund y otros vs Brasil sale a la luz una nueva estrategia para examinar
la justicia de transicioacuten en el estado brasilentildeo mirando maacutes allaacute de las fronteras de
percepciones consistentes en el proceso de democratizacioacuten En este intento hemos llegado a
la Corte Interamericana de Derechos Humanos de la cual el Brasil es estado-miembro para
preguntar acerca de la posible responsabilidad de los funcionarios puacuteblicos civiles y
militares que han cometido graves violaciones de los derechos humanos Coacutemo no se
cumple la decisioacuten una nueva alternativa se hace real a traveacutes de la acusacioacuten de violacioacuten
1
2
5
de preceptos fundamentales cuestionando la Ley de amnistiacutea de 1979 y su validez para los
criacutemenes contra la humanidad y tambieacuten el fracaso de eficiencia de la sentencia de la CIDH
bajo la comprensioacuten de esta situacioacuten como una omisioacuten inconstitucional del poder judicial
KeywordsPalabras-clavesMots-cleacutes Responsabilidades de la justicia de transicioacuten Condenacioacuten de la cidh en el caso gomes lund Argumentacioacuten de incumplimiento de precepto fundamental nordm 320
6
INTRODUCcedilAtildeO
Com o intuito de solidificar conhecimento sobre a temaacutetica e tentando
enriquecer o debate a presente pesquisa pretende problematizar do ponto de vista
doutrinaacuterio e jurisprudencial centralizando na justiccedila de transiccedilatildeo a sua dimensatildeo de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis ou militares que cometeram crimes na eacutepoca da
ditadura civil-militar brasileira
Ante a um quadro histoacuterico complexo cuja soberania interna vem sendo
utilizada para obstaculizar a possibilidade de responsabilizaccedilatildeo por meio do Poder
Judiciaacuterio e do Poder Legislativo necessaacuterio foi inventar novos caminhos para tentar
alcanccedilar a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da democratizaccedilatildeo no Estado brasileiro
Assim com a interpretaccedilatildeo do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei de
Anistia no ano de 2010 revalidando-a como acordo bilateral entre as partes envolvidas
travando a persecuccedilatildeo criminal dos agentes a sociedade com vaacuterios movimentos
articulados elevou a lide a niacutevel internacional Com respaldo na Convenccedilatildeo Americana
de Direitos Humanos ingressaram com o Caso Gomes Lund e outros vs Brasil
(Guerrilha do Araguaia) na Corte Interamericana para que essa elucidasse as
instituiccedilotildees brasileiras e rompesse com o status quo da impunidade e da desigualdade
perante o Direito paacutetrio e internacional
No entanto mesmo com a condenaccedilatildeo do Estado brasileiro pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos que entendeu terem ocorrido crimes de lesa
humanidade (imprescritiacuteveis e insuscetiacuteveis agrave anistia) as determinaccedilotildees da sentenccedila
condenatoacuteria foram deixadas de lado pelo Estado
Dessa maneira afim de sublinhar a existecircncia da condenaccedilatildeo e continuar o
processo-luta para a concretizaccedilatildeo da transiccedilatildeo democraacutetica o Partido Socialismo e
Liberdade (PSOL) ingressou com uma Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito
Fundamental para rediscussatildeo questionando por esta via o inadimplemento da
sentenccedila da CIDH pelo Estado brasileiro Atualmente encontra-se apensada agrave ADPF
153 juntamente aos Embargos de Declaraccedilatildeo dessa natildeo julgados mas jaacute com os
pareceres da Advocacia Geral da Uniatildeo e da Procuradoria Geral da Repuacuteblica
recebidos
7
Almeja-se entatildeo conceber conhecimento mais soacutelido sobre essa conjuntura de
internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos a amplitude da ADPF 320 e suas chances de
reconhecimento em perquiriccedilatildeo conjunta agrave sentenccedila condenatoacuteria da CIDH
1 A Dimensatildeo da Responsabilizaccedilatildeo na Justiccedila de Transiccedilatildeo
Em um balanccedilo precaacuterio a estimativa eacute de que a ditadura civil militar brasileira
deixou um saldo de 50 mil pessoas presas somente nos primeiros meses de 1964 cerca
de 20000 brasileiros submetidos agrave tortura cerca de 400 cidadatildeos mortos ou
desaparecidos milhares de prisotildees poliacuteticas natildeo registradas 130 banimentos 4862
cassaccedilotildees de mandatos poliacuteticos uma cifra incalculaacutevel de exiacutelios e refuacutegios poliacuteticos1
Por observacircncia do conceito de Justiccedila em cascatardquo2 e intelecccedilatildeo majoritaacuteria da
doutrina de Direito Internacional no terreno encampado na ldquoEra da responsabilizaccedilatildeordquo3
eleva-se a importacircncia do dever de proporcionar justiccedila ante o conhecimento de casos
de crimes contra a humanidade Deve a rigor desta linha argumentativa haver a
promoccedilatildeo da responsabilizaccedilatildeo dos governos e de seus aparatos burocraacuteticos (civis e
militares) devido tanto agrave pressatildeo internacional como agrave mobilizaccedilatildeo domeacutestica face agraves
atrocidades algumas imprescritiacuteveis como os crimes de desaparecimento e sequestro
Em territoacuterio nacional muito se discute quanto agrave magnitude de se
responsabilizar os agentes e sobre as alternativas para concretizaccedilatildeo do feito ante a
configuraccedilatildeo da justiccedila atual Como assevera Joseacute Carlos Moreira da Silva Filho
A importacircncia do estudo a respeito da possibilidade juriacutedica de haver
julgamentos voltados agrave atribuiccedilatildeo de responsabilidade criminal aos
agentes do regime militar de 1964 estaacute relacionada com a necessidade
de se construir uma cultura de respeito e fortalecimento aos direitos
1 Dados disponiacuteveis por fornecimento da Comissatildeo de Familiares Mortos e Desaparecidos Poliacuteticos com
lista completa em ltlthttpwwwdesaparecidospoliticosorgbrpessoasphpm=3gtgt e
ltlthttpmemoriasreveladasarquivonacionalgovbrcampanhaexilados-e-banidos-da-vida-
publicaindezhtmgtgt em estudo apresentado por TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque
ldquoJusticcedila de Transiccedilatildeo no Brasil e o processo de democratizaccedilatildeordquo Justiccedila de Transiccedilatildeo direito agrave
justiccedila agrave memoacuteria e agrave verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da
UFPB 2014 348p 2ldquoA difusatildeo da normal global contraacuteria agrave anistia ter impactado fortemente tribunais internacionais e locais
levando estudiosos a denominarem esse movimento ou fenocircmeno juriacutedico internacional como lsquoJusticcedila de
Cascatarsquo (Lutz e Sikkink) ou ldquoRevoluccedilatildeo de Justiccedilardquo (Sriram)rdquo(PAYNE ABRAtildeO TORELLY 2011 p
25) 3ldquoA norma global de responsabilizaccedilatildeo individual tem se espalhado pelo mundo inclusive com a criaccedilatildeo
de cortes internacionais permanentes como o Tribunal Penal Internacional levando a resultados
dramaacuteticosrdquo (PAYNE ABRAtildeO TORELLY 2011 p 22)
8
humanos pela forccedila de seguranccedila puacuteblica do Estado Democraacutetico de
Direito Brasileiro4
Isto posto a responsabilizaccedilatildeo deve ser efetuada a fim de fortalecer a
democracia e as instituiccedilotildees democraacuteticas de forma a romper com o Estado de exceccedilatildeo
e com as heranccedilas por ele deixadas Como bem explicam Paulo Abratildeo e Marcelo D
Torelly a expressatildeo de que devem ser concretizadas
medidas que expressam para as sociedades destes paiacuteses que a lei eacute
igual para todos inclusive para aqueles que um dia estiveram em
posiccedilatildeo de poder para manipular o modo de produccedilatildeo legislativa e
direcionar institutos juriacutedicos de clemecircncia para seus proacuteprios crimes
Trata-se de uma concepccedilatildeo na qual o Estado democraacutetico presta
contas daquilo que foi feito anteriormente pelo Estado de exceccedilatildeo
pela via da justiccedila de transiccedilatildeo (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 77 )
A dimensatildeo que diz respeito agrave responsabilidade judicial no Brasil encontra-se
estagnada no quadro atual principalmente se comparada com outros paiacuteses na Ameacuterica
Latina que tambeacutem passaram por ditaduras civis militares Logo infere-se que o Estado
brasileiro se diferenciou da tradiccedilatildeo latino-americana de associar verdade agrave justiccedila
(ABRAtildeO TORELLY 2011 p 227-228)
Tendo como o grande exemplo no caso brasileiro o Caso Gomes Lund que
teve de alccedilar caminhos para aleacutem da soberania interna para conseguir compreender os
acontecimentos desmistificando as inverdades dos governantes reconhecendo a
responsabilizaccedilatildeo do Estado
2 O Caso Gomes Lund e outros vs Brasil
A construccedilatildeo da Justiccedila transicional no Estado brasileiro avigorou-se com os
vaacuterios movimentos civis (estudantis das famiacutelias da Igreja OAB) defendendo a
anistia poliacutetica aos militantes com a soltura dos presos poliacuteticos e o retorno dos
exilados na ldquoanistia ampla geral e irrestritardquo
No entanto diante de um processo de controle institucional o Poder Judiciaacuterio
moldado na eacutepoca5 recepciona-a como reciacuteproca atravancando a possibilidade de
4 SILVA FILHO Joseacute Carlos Moreira da CASTRO Ricardo Silveira Justiccedila de Transiccedilatildeo e Poder
Judiciaacuterio Brasileiro ndash A barreira da lei de anistia para a responsabilizaccedilatildeo dos crimes da ditadura civil-
militar no Brasil Artigo publicado na revista de estudos criminais n 53 p 50-87 abrjun 2014 5ldquoComo visto eacute o Judiciaacuterio que aceita a tese de que todos os crimes do regime seriam conexos aos
crimes da resistecircncia (como se essa precedesse agravequeles) e consagra formalmente a tese jamais expressa
no texto legal de que um entendimento entre ldquoos dois ladosrdquo haveria gerado o consenso necessaacuterio para a
9
responsabilizaccedilatildeo dos agentes estatais que cometeram graves violaccedilotildees aos direitos
humanos tendo como lsquoseguranccedilarsquo a impunidade observando expressatildeo cunhada por
Samuel Huntington ldquotransiccedilatildeo por transformaccedilatildeordquo6 (HUNTINGTON 1993 apud
ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232) De forma que o novo governo natildeo tinha interesse
em romper com o velho
Com a volta paulatina da democracia apoacutes a ditadura civil militar tentaram
ingressar atraveacutes dos mecanismos judiciais com accedilotildees para conseguirem
responsabilizar aqueles agentes pelos homiciacutedios desaparecimentos forccedilados torturas
sequestros e outros crimes Todavia tais iniciativas juriacutedicas encontraram como
obstaacuteculo a Lei de Anistia de 1979 cuja interpretaccedilatildeo forccedilava o arquivamento das accedilotildees
pela exclusatildeo da responsabilidade
Apoacutes a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 houve apariccedilatildeo de dois emblemaacuteticos
casos que foram arquivados tanto a tentativa do Ministeacuterio Puacuteblico Federal de abrir
inqueacuterito civil em 1992 para apurar a morte de Vladimir Herzog quanto agrave tentativa de
reabrir o caso do Rio Centro de 1981
Entretanto mesmo diante desse quadro estabelecido de impunidade no Brasil
parte da sociedade ousou continuar a luta para conseguir restaurar a justiccedila com o
restabelecimento da igualdade perante a lei levando o caso da Guerrilha do Araguaia ou
Caso Gomes Lund e outros vs Brasil agrave Corte Interamericana
Antes do relato insta fazer uma pausa para percepccedilatildeo do status normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos no Brasil
21 A Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e o Status Normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (CADH)
Relevantes pois a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o fortalecimento
do direito internacional assegurando os limites do poderio estatal e a consolidaccedilatildeo dos
transiccedilatildeo poliacutetica brasileira Essa constataccedilatildeo permite vislumbrar outra caracteriacutestica poliacutetico-institucional
importante da ditadura e da transiccedilatildeo brasileira o Judiciaacuterio aderiu ao regimerdquo (ABRAtildeO TORELLY
2014 p 235) 6Expressatildeo utilizada pelo Samuel Huntington ldquo[] those in power in the authoritarian regime take the
lead and play the decisive role in ending that regime and changing into a democratic system[] it
occurred in well-established military regimes where governments clearly controlled the ultimate means of
coercion vis-agrave-vis authoritarian systems that had been successful economically such as Spain Brazil
Taiwan Mexico and compared to other communist states Hungaryrdquo [] HUNTINGTON Samuel The
third wave Oklahoma Oklahoma University Press 1993 p126 (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232)
10
direitos humanos agraves sociedades desses Nesse sentido Norberto Bobbio esclarece que a
garantia desses direitos no plano internacional soacute seraacute implementada quando ldquouma
jurisdiccedilatildeo internacional se impuser concretamente sobre as jurisdiccedilotildees nacionais
deixando de operar dentro dos Estados mas contra os Estados e em defesa dos
cidadatildeosrdquo (BOBBIO 1992 p 26)
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) eacute uma representaccedilatildeo
dessa fortificaccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo da proteccedilatildeo dos direitos Seus Estados-Parte
aceitaram em seus ordenamentos juriacutedicos a Convenccedilatildeo Americana de Direitos
Humanos (CADH) tambeacutem denominada de Pacto San Joseacute da Costa Rica que
reconhece e assegura um cataacutelogo de direitos civis e poliacuteticos destacando-se o direito agrave
vida agrave liberdade agrave proteccedilatildeo judicial Tendo pois o Estado-Parte a obrigaccedilatildeo de
respeitar e assegurar o livre e pleno exerciacutecio desses direitos e liberdades sem qualquer
discriminaccedilatildeo devendo adotar medidas legislativas para assegurar o seu livre e pleno
exerciacutecio (PIOVESAN 2006 p 89)
O Estado brasileiro foi um dos que mais tardiamente aderiu agrave Convenccedilatildeo em
1992 Seu reconhecimento ocorreu em 2002 no Decreto nordm 4463 dispondo em seu
primeiro artigo como ldquo() obrigatoacuteria de pleno direito e por prazo indeterminado a
competecircncia da Corte () em todos os casos relativos agrave interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo da
CADH () sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de
1998rdquo 7
E embora tenha reconhecido deve-se recordar que o status normativo das
normas internacionais ainda causa muitas discussotildees no Estado brasileiro
A priori destacam-se da Constituiccedilatildeo de 1988 as normas e entendimentos
sobre direito internacional e direitos humanos No artigo 4ordm inciso II o estabelecimento
da prevalecircncia dos direitos humanos nas relaccedilotildees internacionais Logo apoacutes o sect2ordm do
artigo 5ordm da CF88 determina que ldquo() os direitos e garantias expressos na Constituiccedilatildeo
natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos
tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo E o artigo
7 DECRETO 446302 - Promulga a Declaraccedilatildeo de Reconhecimento da Competecircncia Obrigatoacuteria da Corte
Interamericana de Direitos Humanos sob reserva de reciprocidade em consonacircncia com o art 62 da
Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute) de 22 de novembro de 1969
Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto2002d4463htmgtgt
11
7ordm do ADCT ldquoo Brasil propugnaraacute pela formaccedilatildeo de um tribunal internacional dos
direitos humanosrdquo
A querela sobre o status se amolda com a EC 4504 que introduz no artigo 5ordm
da CF o sect3ordm pretendendo um quoacuterum qualificado para convenccedilotildees e tratados sobre
direitos humanos serem equiparadas agraves emendas constitucionais Logo de um lado
observou-se o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes que concluiu como
esvaziada a discussatildeo sobre o status constitucional dos tratados ratificados no Brasil
anteriormente agrave mudanccedila constitucional e natildeo submetidos ao processo legislativo
especial (MENDES 2008 p 1144) E ldquoreconhecendo uma lsquosupralegalidadersquo das
normas de direitos humanos presentes em tratados regularmente incorporados ao direito
paacutetriordquo (SILVA VIEIRA 2015 p 47-48)
E em outra visatildeo ldquoFlaacutevia Piovesan reforccedila sua tese de que o artigo 5ordm sect2ordm
consagra o status dos tratados internacionais de direitos humanos como normas
materialmente constitucionaisrdquo seguindo o raciociacutenio de que o dispositivo do artigo 5ordm
sect3ordm da CF88 possui caraacuteter meramente formal num intuito interpretativo (SILVA
VIEIRA 2015 p 20) De modo que natildeo se evacue o conteuacutedo sobre a prevalecircncia dos
direitos humanos e sobre a natildeo exclusatildeo dos outros direitos humanos abordados em
tratados ou convenccedilotildees
Em um posicionamento mais recente e progressista o Ministro Celso de Mello
reconheceu o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos
regularmente incorporados agrave ordem interna inclusive anteriores agrave promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo de 1988 Conforme seu entendimento ldquoas normas oriundas de tratados
internacionais de direito humanos assumem um caraacuteter materialmente constitucional e
com fundamento no sect2ordm do art 5ordm da CF compotildee o lsquobloco de constitucionalidadersquordquo
(SILVA VIEIRA 2015 p 35)
Eacute uma visatildeo progressista e interessante para aacuterea pois expressa possiacuteveis
avanccedilos na Justiccedila transicional em relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo visto que
dessa maneira poderatildeo ser utilizadas essas normas internacionais aceitas no
ordenamento brasileiro para a construccedilatildeo da persecuccedilatildeo jurisdicional dos crimes de
lesa-humanidade
22 Anaacutelise do Caso Gomes Lund e outros Vs Brasil
12
As entidades da sociedade civil haviam se mobilizado para conseguir a
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis e militares pelas violaccedilotildees dos direitos aacute eacutepoca do
regime de exceccedilatildeo No entanto vendo-se estagnada a possibilidade paralelamente
conseguiram se mobilizar para levar o caso ao sistema regional de Direitos Humanos da
Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos (OEA)
Assim o Centro de Estudos para a Justiccedila e o Direito Internacional (CEJIL) e a
Human Rights WatchAmeacuterica (HRWA) em nome dos familiares atingidos
apresentaram uma peticcedilatildeo agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
para denunciar o desaparecimento de integrantes da ldquoGuerrilha do Araguaiardquo (TOSI
SILVA 2014 p 50) Como consta no relatoacuterio a peticcedilatildeo faz referecircncia ao
desaparecimento de membros da Guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1975 e a falta de
investigaccedilatildeo desses fatos pelo Estado desde entatildeo
Julia Gomes Lund e outras 21 pessoas foram presumivelmente mortas
durante as operaccedilotildees militares ocorridas na Regiatildeo do Araguaia sul
do Paraacute Desde 1982 familiares destas 22 pessoas tentam por meio de
uma accedilatildeo na Justiccedila Federal obter informaccedilotildees sobre as
circunstacircncias do desaparecimento e morte dos guerrilheiros bem
como a recuperaccedilatildeo dos corpos ()8
Alegando atraveacutes dos fatos apresentados violaccedilotildees a direitos garantidos pelos
artigos I (Direito agrave vida agrave liberdade agrave seguranccedila e agrave integridade da pessoa) XXV
(Direito de proteccedilatildeo contra prisatildeo arbitraacuteria) e XXVI (Direito a processo regular) da
Declaraccedilatildeo Americana de Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Americanardquo ou ldquoDeclaraccedilatildeordquo) bem como pelos artigos 4 (Direito agrave vida) 8
(garantias judiciais) 12 (Liberdade de consciecircncia e religiatildeo) 13 (Liberdade de
pensamento e de expressatildeo) e 25 (Proteccedilatildeo judicial) conjugados com o artigo 1(1)
(obrigaccedilatildeo de respeitar direitos) da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
Em sua defesa o Estado brasileiro argumentou jaacute ter reconhecido a sua
responsabilidade atraveacutes da Lei 9140959 com a reparaccedilatildeo das famiacutelias das viacutetimas que
essa lei tratava tambeacutem da investigaccedilatildeo das circunstacircncias da morte e apresentaccedilatildeo do
local que para localizar os cadaacuteveres dependeria de indiacutecios da zona geograacutefica sendo
8ORGANIZACcedilAtildeO DOS ESTADOS AMERICANOS Relatoacuterio de Admissibilidade nordm 3301 Caso nordm
11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil Relatoacuterio Anual de 2000
apresentado em 6 de marccedilo de 2001 Acesso em 18102016
ltlthttpwwwcidhorgannualrep2000port11552htmgtgt 9 Lei que instituiu a Comissatildeo Especial sobre Mortos e Desaparecidos no ano de 1995
13
impossiacutevel investigar se ausentes os indiacutecios que o Estado se negava a dispor relatoacuterios
militares completos nos quais sejam reportados de modo sistemaacutetico os locais de
sepultamento e as condiccedilotildees da morte desses indiviacuteduos e que natildeo seria possiacutevel a
investigaccedilatildeo e a sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pela existecircncia da Lei de Anistia de
197910
Em novembro de 2008 a Corte Interamericana expediu o Relatoacuterio de Meacuterito
nordm 910811
no qual demonstrou ao Brasil algumas recomendaccedilotildees necessaacuterias para a
resoluccedilatildeo do caso Essas de modo geral reconheciam a responsabilidade do Estado
requisitando que esse a) adotasse medidas para garantir que a Lei de Anistia brasileira
natildeo mais representasse obstaacuteculo para a persecuccedilatildeo penal de graves violaccedilotildees de
direitos humanos b) implementasse medidas jurisdicionais para a identificaccedilatildeo
responsabilizaccedilatildeo e sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pelos desaparecimentos forccedilados das
viacutetimas da Guerrilha do Araguaia sendo que o Estado deveria considerar que tais
crimes satildeo contra a humanidade insuscetiacuteveis agrave anistia ou prescriccedilatildeo c) implementasse
medidas legais e administrativas a fim de sistematiza e publicar os documentos
relacionados agraves operaccedilotildees militares contra a Guerrilha do Araguaia d) fornecesse
recursos financeiros e logiacutesticos aos esforccedilos jaacute empreendidos na busca das sepultura da
viacutetimas desaparecidas e) concedesse reparaccedilatildeo agrave famiacutelia das viacutetimas f) promovesse o
ajustamento normativo a fim de tipificar no ordenamento interno o crime de
desaparecimento forccedilado conforme os elementos constitutivos estabelecidos nos
instrumentos internacionais (TOSI SILVA p 51 2014)
Em suas accedilotildees o Estado brasileiro natildeo cumpriu as principais determinaccedilotildees
quanto agraves circunstacircncias de persecuccedilatildeo criminal tendo sido remetido o caso agrave Corte
Interamericana de Direitos Humanos
A Corte entatildeo ante ao descumprimento das recomendaccedilotildees sentenciou o
Estado brasileiro em 24 de novembro de 2010 condenando-o de forma reduzida por
desaparecimento forccedilado e os direitos violados das 62 pessoas desaparecidas aplicaccedilatildeo
da Lei de Anistia como entrave agraves investigaccedilotildees julgamentos e puniccedilotildees dos crimes
ineficaacutecia das accedilotildees judiciais natildeo penais falta de acesso agrave informaccedilatildeo sobre o ocorrido
10
() 11
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE MEacuteRITO Ndeg
9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e
outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do
20Araguaia20Brasil2026mar0920PORTpdf Acesso em 24 de junho de 2011
14
com as viacutetimas desaparecidas e a executada falta de acesso agrave justiccedila agrave verdade e agrave
informaccedilatildeo12
Ressalta-se que durante o processo perante o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos o Estado brasileiro natildeo controverteu os fatos Em sua contestaccedilatildeo
apresentou inclusive reconhecimento do sentimento de anguacutestia dos familiares das
pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia Ainda reconhecendo que a Lei
914095 ldquofirmou a responsabilidade do Estado pelas mortes garantiu reparaccedilatildeo
indenizatoacuteria e principalmente oficializou o reconhecimento histoacuterico de que estes
brasileiros [] morreram lutando como opositores poliacuteticos de um regime que havia
nascido violando a constitucionalidade democraacutetica erguida em 1946rdquo13
Para Moraes (2011) a condenaccedilatildeo eacute representativa de um conflito de jurisdiccedilatildeo
interna e internacional uma vez que o Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 153 2010 decidiu que a
anistia conferida pela Lei 668379 se estende aos crimes comuns praticados pelos
agentes da representaccedilatildeo durante o regime militar Assim seu peso histoacuterico eacute bastante
elevado ingressando com um possiacutevel rompimento da impunidade e reconstruccedilatildeo da
Memoacuteria Coletiva
3 O descumprimento da sentenccedila e a anaacutelise do papel da Arguiccedilatildeo de
Descumprimento de Preceitos Fundamentos nordm 320
31 Relato do descumprimento
A condenaccedilatildeo do Caso Gomes Lund de 2010 reforccedilou os entendimentos dados
em forma de recomendaccedilotildees e frisou quanto agrave necessidade de reconstruccedilatildeo da
memoacuteria das viacutetimas da ditadura civil-militar mais precisamente sobre o Araguaia
puniccedilatildeo dos autores dos desaparecimentos forccedilados e assassinatos da reparaccedilatildeo civil
12
A sentenccedila foi proferida em 24 de novembro de 2010 Trata-se do julgamento do Caso Gomes Lund e
outros (ldquoGuerrilha do Araguaiardquo) vs Brasil Disponiacutevel
em httpcorteidhorcrdocscasosarticulosseriec_219_pordoc Acesso em 22 de out de 2016 13
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE MEacuteRITO Demanda
perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha
do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil2026mar092
0PORTpdf
15
mediante indenizaccedilatildeo por danos morais e materiais e de medidas de prevenccedilatildeo a atos
violadores dos direitos humanos (MORAES 2011)
Em 2014 a Condenaccedilatildeo ainda passava em branco sem uma resposta plausiacutevel
agrave Corte apenas seguindo com o argumento de impossibilidade de imputar os agentes
criminalmente pela validaccedilatildeo da Lei de Anistia com a ADPF 153 em 2010 pelo STF
De modo que se percebesse que o Brasil novamente estava se abstendo sobre o caso
preferindo o entendimento interno em detrimento do Sistema Interamericano de
Direitos jaacute que em um dos argumentos para ADPF 153 ser validada constava na
inaplicabilidade da tipologia de crimes contra a humanidade 14
Nesse vieacutes para questionar a omissatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro sobre a
sentenccedila condenatoacuteria de 2010 o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ingressou
legitimamente com outra ADPF de nordm 320 em maio de 2014 reabrindo o debate sobre
Justiccedila de transiccedilatildeo brasileira Permitindo dessa forma que a controveacutersia fosse
rediscutida em outros acircmbitos
32 ADPF 320 pedidos e pareces em anaacutelise
Na ADPF 320 as discussotildees mais especiacuteficas elencaram alguns pontos
delineando nos pedidos a requisiccedilatildeo ao STF (1) uma declaraccedilatildeo para natildeo aplicaccedilatildeo da
Lei de Anistia aos crimes (a) de graves violaccedilotildees a direitos humanos cometidos por
agentes puacuteblico militares civis e (b) de caraacuteter permanente ou continuado e (2)
determinaccedilatildeo para cumprimento integral da decisatildeo da CIDH
Para tanto na peticcedilatildeo construiu um raciociacutenio fundamentando da
jurisprudecircncia internacional e nos fatos brasileiros que podem ser dispostos da seguinte
forma
(1) Da natildeo aplicaccedilatildeo da Lei de Anistia de 1979
Para tanto a ADPF 320 apresentou num primeiro momento a visatildeo da CIDH
quanto agrave ausecircncia de efeitos juriacutedicos de Lei de Anistia que queira impedir a
investigaccedilatildeo e a puniccedilatildeo de atos contra crime de lesa humanidade como claramente
14
A convalidaccedilatildeo da Lei de Anistia pela ADPF 153 deu-se em cima dos argumentos principais de ser
bilateral diferente de ldquoautoanistiardquo contra a anistia brasileira natildeo se aplicaria a tipologia de crimes contra
a humanidade e tratando-se de uma lei de reconciliaccedilatildeo somente o Poder Legislativo poderia modifica-
la (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 80)
16
ocorre no Estado brasileiro De certa forma criticando veemente uma das conclusotildees da
ADPF 153
Depois frisou a visatildeo do Estado brasileiro como responsaacutevel pelo
desaparecimento forccedilado e portanto pela violaccedilatildeo dos direitos ao reconhecimento da
personalidade juriacutedica agrave vida agrave integridade pessoal e agrave liberdade pessoal das pessoas laacute
indicadas Demonstrando dessa forma a desobediecircncia da obrigaccedilatildeo de adequar seu
direito interno agrave Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos conforme os arts 2 81
25 e 11 supracitados
(2) Em relaccedilatildeo ao descumprimento da sentenccedila de CIDH do Caso Gomes Lund
Aludiu sobre o descumprimento da sentenccedila pelos Poderes Judiciaacuterio e
Legislativo demonstrando atraveacutes de Relatoacuterio do Ministeacuterio Puacuteblico Federal referente
a 2011 ateacute 2013 a dificuldade em prosseguir com os processos judiciais de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a posiccedilatildeo paralisada do Congresso Nacional que natildeo
votou a tipificaccedilatildeo dos crimes de desaparecimento forccedilado de pessoas
Elencou ainda o aspecto da inconstitucionalidade por omissatildeo do Estado
brasileiro por violar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana no art 1ordm III o art 4ordm
II sobre prevalecircncia dos direitos humanos o art 5ordm sect2ordm que natildeo exclui outros direitos e
garantias decorrentes de tratados internacionais em que a Repuacuteblica federativa seja
parte e o art 7ordm da ADCT sobre tribunal internacional de direitos humanos ao qual se
subjugaraacute o Brasil todos os artigos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
E por uacuteltimo evidenciou o desrespeito ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos Citando o art 68 da CADH pelo qual o Estado-Parte se compromete a
cumprir a decisatildeo da Corte em todos os casos que forem parte E o art 27 da CADH
esclarecendo que ldquouma parte natildeo pode invocar as disposiccedilotildees de seu direito interno para
justificar descumprimento de tratadordquo
Em parecer a Advocacia-Geral da Uniatildeo na pessoa de Luiacutes Inaacutecio Lucena
Adams abordou o meacuterito esclarecendo que o Estado brasileiro tem produzido relatoacuterios
perioacutedicos sobre o cumprimento de sentenccedila sendo apresentados de 2011 a 2014
relatoacuterios que constassem informaccedilotildees minuciosas do cumprimento dos pontos
elencados na sentenccedila E citou como exemplos a criaccedilatildeo da Comissatildeo Nacional da
Verdade em 2011 as medidas do Ministeacuterio da Justiccedila para garantir o acesso agraves
17
informaccedilotildees da ditadura a criaccedilatildeo do Grupo de Trabalho Direito Memoacuteria e Verdade
da Procuradoria Federal dos Distritos do Cidadatildeo15
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot explicou que a
pretensatildeo contida nesta arguiccedilatildeo natildeo gera conflitos com o que foi decidido na ADPF
153 e nem caracteriza superfetaccedilatildeo (bis in idem) Naquela efetuou Controle de
Constitucionalidade da Lei 66831979 Jaacute nesta ADPF 320 pretende-se conhecimento
de validade e de efeito vinculante da decisatildeo da CIDH no caso Gomes Lund a qual agiu
no exerciacutecio legiacutetimo do Controle de Convencionalidade
Concebendo como admissiacutevel a arguiccedilatildeo contra interpretaccedilotildees judiciais que
contrariando o disposto na sentenccedila do caso Gomes Lund declarem extinta a
punibilidade de agentes envolvidos pela Lei de Anistia sob fundamento de prescriccedilatildeo
da pretensatildeo punitiva do Estado Abordando que ldquoEssas interpretaccedilotildees violetam
preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts 1ordm III 4ordm I e II e 5ordm sectsect 1ordm a 3ordm da
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198816
Assim analisam-se os pedidos
A priori tem-se o foco nos crimes de graves violaccedilotildees a direitos humanos e os
continuados ou permanentes e na inaplicabilidade da Lei de Anistia pela ausecircncia de
eficaacutecia juriacutedica
A posiccedilatildeo taxativa do Poder Judiciaacuterio seria a validaccedilatildeo da constitucionalidade
interpretativa da Lei de anistia em seu caraacuteter bilateral e que sua modificaccedilatildeo mesmo
que interpretativa deveria se dar atraveacutes do Poder Legislativo Entretanto deve-se
elaborar uma loacutegica que compreenda as seguintes concepccedilotildees primeiramente em
relaccedilatildeo aos crimes de lesa humanidade e em outro patamar os permanentes ou
continuados
15
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de descumprimento de
preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de 2014 Disponiacutevelem
ltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=62- 44157ampad=s3520
20PetiE7E3o20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o
20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
16 BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservice
20Integradorwsgt Acesso em 22102016
18
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
ADPF por almejar requerer a execuccedilatildeo de sentenccedila interamericana Diante disso
aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
entanto essa visatildeo encontra-se equivocada pois logo eacute esclarecida a ldquorelaccedilatildeo entre as
accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
direitos humanos e violar preceitos fundamentais derivados da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
20
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
REFEREcircNCIAS
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COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE
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Dissertaccedilatildeo UFMG Belo Horizonte 2015 P 152
PAYNE Leigh A ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D A Anistia na Era da
Responsabilizaccedilatildeo contexto global comparativo e introduccedilatildeo ao caso brasileiro A
Anistia na Era da Responsabilizaccedilatildeo o Brasil em perspectiva Internacional e
Comparada Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo da Anistia Oxford Oxford
University LatinAmerica Centre 2011 P 18-31
PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e Justiccedila Internacional um estudo
comparativo dos sistemas regionais europeu Interamericano e africano Satildeo Paulo
Saraiva 2006 P 272
24
SILVA Alexandre G VIEIRA Joseacute R O Direito Internacional dos Direitos Humanos
e a ordem democraacutetica na constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
transicional In SILVA Alexandre G (Org) Democracia e justiccedila de transiccedilatildeo
memoacuteria e resistecircncia juriacutedica poliacutetica no Brasil Uberlacircndia EdUFU 2015 P 474
TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque Justiccedila de Transiccedilatildeo no Brasil e
o processo de democratizaccedilatildeo Justiccedila de Transiccedilatildeo direito agrave justiccedila agrave memoacuteria e agrave
verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da UFPB
2014 348p
SILVA A G VIEIRA J R O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a
ordem democraacutetica na Constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
transicional In SILVA A G (Org) Democracia e justiccedila de transiccedilatildeo memoacuteria e
resistecircncia poliacutetica no Brasil 1ordfedUberlacircndia EdUFU 2015 v p 13-72
STECK Lecircnio Luiz A Lei de Anistia e os Limites Interpretativos da Decisatildeo Judicial
o problema da extensatildeo dos efeitos agrave luz do paradigma do Estado Democraacutetico de
Direito Revista de Hermenecircutica Juriacutedica Vol 8 nordm 8 p 171 ndash 181 2010
25
VI CONGRESSO INTERNACIONAL CONSTITUCIONALISMO E DEMOCRACIA O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-
AMERICANO
ABERTURAS TRANSICcedilOtildeES E DEMOCRACIA
Apresentaccedilatildeo
O VI Congresso Internacional Constitucionalismo e Democracia O Novo
Constitucionalismo Latino-americano com o tema ldquoConstitucionalismo Democraacutetico e
Direitos Desafios Enfrentamentos e Perspectivasrdquo realizado entre os dias 23 e 25 de
novembro de 2016 na Faculdade Nacional de Direito (FNDUFRJ) na cidade do Rio de
Janeiro promove em parceria com o CONPEDI ndash Conselho Nacional de Pesquisa e Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Direito a publicaccedilatildeo dos Anais do Evento dedicando um livro a cada Grupo
de Trabalho
Neste livro encontram-se capiacutetulos que expotildeem resultados das investigaccedilotildees de
pesquisadores de todo o Brasil e da Ameacuterica Latina com artigos selecionados por meio de
avaliaccedilatildeo cega por pares objetivando a melhor qualidade e a imparcialidade na seleccedilatildeo e
divulgaccedilatildeo do conhecimento da aacuterea
Esta publicaccedilatildeo oferece ao leitor valorosas contribuiccedilotildees teoacutericas e empiacutericas sobre os mais
diversos aspectos da realidade latino-americana com a diferencial reflexatildeo criacutetica de
professores mestres doutores e acadecircmicos de todo o continente sobre ABERTURAS
TRANSICcedilOtildeES E DEMOCRACIA
Assim a presente obra divulga a produccedilatildeo cientiacutefica promove o diaacutelogo latino-americano e
socializa o conhecimento com criteriosa qualidade oferecendo agrave sociedade nacional e
internacional o papel criacutetico do pensamento juriacutedico presente nos centros de excelecircncia na
pesquisa juriacutedica aqui representados
Por fim a Rede para o Constitucionalismo Democraacutetico LatinoshyAmericano e o Programa de
Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGDUFRJ)
expressam seu sincero agradecimento ao CONPEDI pela honrosa parceira na realizaccedilatildeo e
divulgaccedilatildeo do evento culminando na esmerada publicaccedilatildeo da presente obra que agora
apresentamos aos leitores
Palavras-chave Democracia Transiccedilatildeo Ameacuterica Latina Novo Constitucionalismo Latino-
americano
Rio de Janeiro 07 de setembro de 2017
Organizadores
Prof Dr Joseacute Ribas Vieira ndash UFRJ
Profa Dra Ceciacutelia Caballero Lois ndash UFRJ
Marcela Braga Nery ndash UFRJ
1 Professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlacircndia (UFU) Poacutes-doutor em Teoria e Filosofia do Direito pela UERJ Doutor e Mestre em Direito Puacuteblico-UERJ Cientista Social-UFRJ
2 Graduanda na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlacircndia Pesquisadora-bolsista do Grupo de pesquisa Democracia e Justiccedila de Transiccedilatildeo (bolsista PIBIC-CNPq 2016-2017)
1
2
JUSTICcedilA DE TRANSICcedilAtildeO BRASILEIRA E O CASO GOMES LUND DA CONDENACcedilAtildeO PELA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS Agrave
ARGUICcedilAtildeO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nordm 320
JUSTICIA DE TRANSICIOacuteN BRASILENtildeA Y EL CASO GOMES LUND DE LA CONDENACIacuteON DE LA CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS
A LA ARGUMENTACIOacuteN DE INCUMPLIMIENTO DE PRECEPTO FUNDAMENTAL Nordm 320
Alexandre Garrido da Silva 1Alice Marques Siqueira Silva 2
Resumo
Com o Caso Gomes Lund e outros vs Brasil vem agrave luz uma nova estrateacutegia de rever a justiccedila
de transiccedilatildeo no Estado brasileiro buscando aleacutem das fronteiras percepccedilotildees coerentes ao
processo de democratizaccedilatildeo Nessa tentativa chegou-se agrave Corte Interamericana de Direitos
Humanos agrave qual o Brasil consiste Estado-Parte para questionar sobre a possiacutevel
responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e militares que praticaram graves violaccedilotildees a
direitos humanos Como natildeo fora cumprida uma nova alternativa se fez real atraveacutes da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental questionando a Lei de Anistia de
1979 e sua validade para crimes de lesa humanidade e tambeacutem o descumprimento da
sentenccedila da CIDH compreendendo-a como uma omissatildeo inconstitucional do Poder
Judiciaacuterio
Palavras-chave Responsabilizaccedilatildeo na justiccedila de transiccedilatildeo Condenaccedilatildeo da cidh do caso gomes lund Arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental nordm 320
AbstractResumenReacutesumeacute
Con el Caso Gomes Lund y otros vs Brasil sale a la luz una nueva estrategia para examinar
la justicia de transicioacuten en el estado brasilentildeo mirando maacutes allaacute de las fronteras de
percepciones consistentes en el proceso de democratizacioacuten En este intento hemos llegado a
la Corte Interamericana de Derechos Humanos de la cual el Brasil es estado-miembro para
preguntar acerca de la posible responsabilidad de los funcionarios puacuteblicos civiles y
militares que han cometido graves violaciones de los derechos humanos Coacutemo no se
cumple la decisioacuten una nueva alternativa se hace real a traveacutes de la acusacioacuten de violacioacuten
1
2
5
de preceptos fundamentales cuestionando la Ley de amnistiacutea de 1979 y su validez para los
criacutemenes contra la humanidad y tambieacuten el fracaso de eficiencia de la sentencia de la CIDH
bajo la comprensioacuten de esta situacioacuten como una omisioacuten inconstitucional del poder judicial
KeywordsPalabras-clavesMots-cleacutes Responsabilidades de la justicia de transicioacuten Condenacioacuten de la cidh en el caso gomes lund Argumentacioacuten de incumplimiento de precepto fundamental nordm 320
6
INTRODUCcedilAtildeO
Com o intuito de solidificar conhecimento sobre a temaacutetica e tentando
enriquecer o debate a presente pesquisa pretende problematizar do ponto de vista
doutrinaacuterio e jurisprudencial centralizando na justiccedila de transiccedilatildeo a sua dimensatildeo de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis ou militares que cometeram crimes na eacutepoca da
ditadura civil-militar brasileira
Ante a um quadro histoacuterico complexo cuja soberania interna vem sendo
utilizada para obstaculizar a possibilidade de responsabilizaccedilatildeo por meio do Poder
Judiciaacuterio e do Poder Legislativo necessaacuterio foi inventar novos caminhos para tentar
alcanccedilar a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da democratizaccedilatildeo no Estado brasileiro
Assim com a interpretaccedilatildeo do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei de
Anistia no ano de 2010 revalidando-a como acordo bilateral entre as partes envolvidas
travando a persecuccedilatildeo criminal dos agentes a sociedade com vaacuterios movimentos
articulados elevou a lide a niacutevel internacional Com respaldo na Convenccedilatildeo Americana
de Direitos Humanos ingressaram com o Caso Gomes Lund e outros vs Brasil
(Guerrilha do Araguaia) na Corte Interamericana para que essa elucidasse as
instituiccedilotildees brasileiras e rompesse com o status quo da impunidade e da desigualdade
perante o Direito paacutetrio e internacional
No entanto mesmo com a condenaccedilatildeo do Estado brasileiro pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos que entendeu terem ocorrido crimes de lesa
humanidade (imprescritiacuteveis e insuscetiacuteveis agrave anistia) as determinaccedilotildees da sentenccedila
condenatoacuteria foram deixadas de lado pelo Estado
Dessa maneira afim de sublinhar a existecircncia da condenaccedilatildeo e continuar o
processo-luta para a concretizaccedilatildeo da transiccedilatildeo democraacutetica o Partido Socialismo e
Liberdade (PSOL) ingressou com uma Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito
Fundamental para rediscussatildeo questionando por esta via o inadimplemento da
sentenccedila da CIDH pelo Estado brasileiro Atualmente encontra-se apensada agrave ADPF
153 juntamente aos Embargos de Declaraccedilatildeo dessa natildeo julgados mas jaacute com os
pareceres da Advocacia Geral da Uniatildeo e da Procuradoria Geral da Repuacuteblica
recebidos
7
Almeja-se entatildeo conceber conhecimento mais soacutelido sobre essa conjuntura de
internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos a amplitude da ADPF 320 e suas chances de
reconhecimento em perquiriccedilatildeo conjunta agrave sentenccedila condenatoacuteria da CIDH
1 A Dimensatildeo da Responsabilizaccedilatildeo na Justiccedila de Transiccedilatildeo
Em um balanccedilo precaacuterio a estimativa eacute de que a ditadura civil militar brasileira
deixou um saldo de 50 mil pessoas presas somente nos primeiros meses de 1964 cerca
de 20000 brasileiros submetidos agrave tortura cerca de 400 cidadatildeos mortos ou
desaparecidos milhares de prisotildees poliacuteticas natildeo registradas 130 banimentos 4862
cassaccedilotildees de mandatos poliacuteticos uma cifra incalculaacutevel de exiacutelios e refuacutegios poliacuteticos1
Por observacircncia do conceito de Justiccedila em cascatardquo2 e intelecccedilatildeo majoritaacuteria da
doutrina de Direito Internacional no terreno encampado na ldquoEra da responsabilizaccedilatildeordquo3
eleva-se a importacircncia do dever de proporcionar justiccedila ante o conhecimento de casos
de crimes contra a humanidade Deve a rigor desta linha argumentativa haver a
promoccedilatildeo da responsabilizaccedilatildeo dos governos e de seus aparatos burocraacuteticos (civis e
militares) devido tanto agrave pressatildeo internacional como agrave mobilizaccedilatildeo domeacutestica face agraves
atrocidades algumas imprescritiacuteveis como os crimes de desaparecimento e sequestro
Em territoacuterio nacional muito se discute quanto agrave magnitude de se
responsabilizar os agentes e sobre as alternativas para concretizaccedilatildeo do feito ante a
configuraccedilatildeo da justiccedila atual Como assevera Joseacute Carlos Moreira da Silva Filho
A importacircncia do estudo a respeito da possibilidade juriacutedica de haver
julgamentos voltados agrave atribuiccedilatildeo de responsabilidade criminal aos
agentes do regime militar de 1964 estaacute relacionada com a necessidade
de se construir uma cultura de respeito e fortalecimento aos direitos
1 Dados disponiacuteveis por fornecimento da Comissatildeo de Familiares Mortos e Desaparecidos Poliacuteticos com
lista completa em ltlthttpwwwdesaparecidospoliticosorgbrpessoasphpm=3gtgt e
ltlthttpmemoriasreveladasarquivonacionalgovbrcampanhaexilados-e-banidos-da-vida-
publicaindezhtmgtgt em estudo apresentado por TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque
ldquoJusticcedila de Transiccedilatildeo no Brasil e o processo de democratizaccedilatildeordquo Justiccedila de Transiccedilatildeo direito agrave
justiccedila agrave memoacuteria e agrave verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da
UFPB 2014 348p 2ldquoA difusatildeo da normal global contraacuteria agrave anistia ter impactado fortemente tribunais internacionais e locais
levando estudiosos a denominarem esse movimento ou fenocircmeno juriacutedico internacional como lsquoJusticcedila de
Cascatarsquo (Lutz e Sikkink) ou ldquoRevoluccedilatildeo de Justiccedilardquo (Sriram)rdquo(PAYNE ABRAtildeO TORELLY 2011 p
25) 3ldquoA norma global de responsabilizaccedilatildeo individual tem se espalhado pelo mundo inclusive com a criaccedilatildeo
de cortes internacionais permanentes como o Tribunal Penal Internacional levando a resultados
dramaacuteticosrdquo (PAYNE ABRAtildeO TORELLY 2011 p 22)
8
humanos pela forccedila de seguranccedila puacuteblica do Estado Democraacutetico de
Direito Brasileiro4
Isto posto a responsabilizaccedilatildeo deve ser efetuada a fim de fortalecer a
democracia e as instituiccedilotildees democraacuteticas de forma a romper com o Estado de exceccedilatildeo
e com as heranccedilas por ele deixadas Como bem explicam Paulo Abratildeo e Marcelo D
Torelly a expressatildeo de que devem ser concretizadas
medidas que expressam para as sociedades destes paiacuteses que a lei eacute
igual para todos inclusive para aqueles que um dia estiveram em
posiccedilatildeo de poder para manipular o modo de produccedilatildeo legislativa e
direcionar institutos juriacutedicos de clemecircncia para seus proacuteprios crimes
Trata-se de uma concepccedilatildeo na qual o Estado democraacutetico presta
contas daquilo que foi feito anteriormente pelo Estado de exceccedilatildeo
pela via da justiccedila de transiccedilatildeo (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 77 )
A dimensatildeo que diz respeito agrave responsabilidade judicial no Brasil encontra-se
estagnada no quadro atual principalmente se comparada com outros paiacuteses na Ameacuterica
Latina que tambeacutem passaram por ditaduras civis militares Logo infere-se que o Estado
brasileiro se diferenciou da tradiccedilatildeo latino-americana de associar verdade agrave justiccedila
(ABRAtildeO TORELLY 2011 p 227-228)
Tendo como o grande exemplo no caso brasileiro o Caso Gomes Lund que
teve de alccedilar caminhos para aleacutem da soberania interna para conseguir compreender os
acontecimentos desmistificando as inverdades dos governantes reconhecendo a
responsabilizaccedilatildeo do Estado
2 O Caso Gomes Lund e outros vs Brasil
A construccedilatildeo da Justiccedila transicional no Estado brasileiro avigorou-se com os
vaacuterios movimentos civis (estudantis das famiacutelias da Igreja OAB) defendendo a
anistia poliacutetica aos militantes com a soltura dos presos poliacuteticos e o retorno dos
exilados na ldquoanistia ampla geral e irrestritardquo
No entanto diante de um processo de controle institucional o Poder Judiciaacuterio
moldado na eacutepoca5 recepciona-a como reciacuteproca atravancando a possibilidade de
4 SILVA FILHO Joseacute Carlos Moreira da CASTRO Ricardo Silveira Justiccedila de Transiccedilatildeo e Poder
Judiciaacuterio Brasileiro ndash A barreira da lei de anistia para a responsabilizaccedilatildeo dos crimes da ditadura civil-
militar no Brasil Artigo publicado na revista de estudos criminais n 53 p 50-87 abrjun 2014 5ldquoComo visto eacute o Judiciaacuterio que aceita a tese de que todos os crimes do regime seriam conexos aos
crimes da resistecircncia (como se essa precedesse agravequeles) e consagra formalmente a tese jamais expressa
no texto legal de que um entendimento entre ldquoos dois ladosrdquo haveria gerado o consenso necessaacuterio para a
9
responsabilizaccedilatildeo dos agentes estatais que cometeram graves violaccedilotildees aos direitos
humanos tendo como lsquoseguranccedilarsquo a impunidade observando expressatildeo cunhada por
Samuel Huntington ldquotransiccedilatildeo por transformaccedilatildeordquo6 (HUNTINGTON 1993 apud
ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232) De forma que o novo governo natildeo tinha interesse
em romper com o velho
Com a volta paulatina da democracia apoacutes a ditadura civil militar tentaram
ingressar atraveacutes dos mecanismos judiciais com accedilotildees para conseguirem
responsabilizar aqueles agentes pelos homiciacutedios desaparecimentos forccedilados torturas
sequestros e outros crimes Todavia tais iniciativas juriacutedicas encontraram como
obstaacuteculo a Lei de Anistia de 1979 cuja interpretaccedilatildeo forccedilava o arquivamento das accedilotildees
pela exclusatildeo da responsabilidade
Apoacutes a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 houve apariccedilatildeo de dois emblemaacuteticos
casos que foram arquivados tanto a tentativa do Ministeacuterio Puacuteblico Federal de abrir
inqueacuterito civil em 1992 para apurar a morte de Vladimir Herzog quanto agrave tentativa de
reabrir o caso do Rio Centro de 1981
Entretanto mesmo diante desse quadro estabelecido de impunidade no Brasil
parte da sociedade ousou continuar a luta para conseguir restaurar a justiccedila com o
restabelecimento da igualdade perante a lei levando o caso da Guerrilha do Araguaia ou
Caso Gomes Lund e outros vs Brasil agrave Corte Interamericana
Antes do relato insta fazer uma pausa para percepccedilatildeo do status normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos no Brasil
21 A Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e o Status Normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (CADH)
Relevantes pois a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o fortalecimento
do direito internacional assegurando os limites do poderio estatal e a consolidaccedilatildeo dos
transiccedilatildeo poliacutetica brasileira Essa constataccedilatildeo permite vislumbrar outra caracteriacutestica poliacutetico-institucional
importante da ditadura e da transiccedilatildeo brasileira o Judiciaacuterio aderiu ao regimerdquo (ABRAtildeO TORELLY
2014 p 235) 6Expressatildeo utilizada pelo Samuel Huntington ldquo[] those in power in the authoritarian regime take the
lead and play the decisive role in ending that regime and changing into a democratic system[] it
occurred in well-established military regimes where governments clearly controlled the ultimate means of
coercion vis-agrave-vis authoritarian systems that had been successful economically such as Spain Brazil
Taiwan Mexico and compared to other communist states Hungaryrdquo [] HUNTINGTON Samuel The
third wave Oklahoma Oklahoma University Press 1993 p126 (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232)
10
direitos humanos agraves sociedades desses Nesse sentido Norberto Bobbio esclarece que a
garantia desses direitos no plano internacional soacute seraacute implementada quando ldquouma
jurisdiccedilatildeo internacional se impuser concretamente sobre as jurisdiccedilotildees nacionais
deixando de operar dentro dos Estados mas contra os Estados e em defesa dos
cidadatildeosrdquo (BOBBIO 1992 p 26)
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) eacute uma representaccedilatildeo
dessa fortificaccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo da proteccedilatildeo dos direitos Seus Estados-Parte
aceitaram em seus ordenamentos juriacutedicos a Convenccedilatildeo Americana de Direitos
Humanos (CADH) tambeacutem denominada de Pacto San Joseacute da Costa Rica que
reconhece e assegura um cataacutelogo de direitos civis e poliacuteticos destacando-se o direito agrave
vida agrave liberdade agrave proteccedilatildeo judicial Tendo pois o Estado-Parte a obrigaccedilatildeo de
respeitar e assegurar o livre e pleno exerciacutecio desses direitos e liberdades sem qualquer
discriminaccedilatildeo devendo adotar medidas legislativas para assegurar o seu livre e pleno
exerciacutecio (PIOVESAN 2006 p 89)
O Estado brasileiro foi um dos que mais tardiamente aderiu agrave Convenccedilatildeo em
1992 Seu reconhecimento ocorreu em 2002 no Decreto nordm 4463 dispondo em seu
primeiro artigo como ldquo() obrigatoacuteria de pleno direito e por prazo indeterminado a
competecircncia da Corte () em todos os casos relativos agrave interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo da
CADH () sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de
1998rdquo 7
E embora tenha reconhecido deve-se recordar que o status normativo das
normas internacionais ainda causa muitas discussotildees no Estado brasileiro
A priori destacam-se da Constituiccedilatildeo de 1988 as normas e entendimentos
sobre direito internacional e direitos humanos No artigo 4ordm inciso II o estabelecimento
da prevalecircncia dos direitos humanos nas relaccedilotildees internacionais Logo apoacutes o sect2ordm do
artigo 5ordm da CF88 determina que ldquo() os direitos e garantias expressos na Constituiccedilatildeo
natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos
tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo E o artigo
7 DECRETO 446302 - Promulga a Declaraccedilatildeo de Reconhecimento da Competecircncia Obrigatoacuteria da Corte
Interamericana de Direitos Humanos sob reserva de reciprocidade em consonacircncia com o art 62 da
Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute) de 22 de novembro de 1969
Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto2002d4463htmgtgt
11
7ordm do ADCT ldquoo Brasil propugnaraacute pela formaccedilatildeo de um tribunal internacional dos
direitos humanosrdquo
A querela sobre o status se amolda com a EC 4504 que introduz no artigo 5ordm
da CF o sect3ordm pretendendo um quoacuterum qualificado para convenccedilotildees e tratados sobre
direitos humanos serem equiparadas agraves emendas constitucionais Logo de um lado
observou-se o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes que concluiu como
esvaziada a discussatildeo sobre o status constitucional dos tratados ratificados no Brasil
anteriormente agrave mudanccedila constitucional e natildeo submetidos ao processo legislativo
especial (MENDES 2008 p 1144) E ldquoreconhecendo uma lsquosupralegalidadersquo das
normas de direitos humanos presentes em tratados regularmente incorporados ao direito
paacutetriordquo (SILVA VIEIRA 2015 p 47-48)
E em outra visatildeo ldquoFlaacutevia Piovesan reforccedila sua tese de que o artigo 5ordm sect2ordm
consagra o status dos tratados internacionais de direitos humanos como normas
materialmente constitucionaisrdquo seguindo o raciociacutenio de que o dispositivo do artigo 5ordm
sect3ordm da CF88 possui caraacuteter meramente formal num intuito interpretativo (SILVA
VIEIRA 2015 p 20) De modo que natildeo se evacue o conteuacutedo sobre a prevalecircncia dos
direitos humanos e sobre a natildeo exclusatildeo dos outros direitos humanos abordados em
tratados ou convenccedilotildees
Em um posicionamento mais recente e progressista o Ministro Celso de Mello
reconheceu o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos
regularmente incorporados agrave ordem interna inclusive anteriores agrave promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo de 1988 Conforme seu entendimento ldquoas normas oriundas de tratados
internacionais de direito humanos assumem um caraacuteter materialmente constitucional e
com fundamento no sect2ordm do art 5ordm da CF compotildee o lsquobloco de constitucionalidadersquordquo
(SILVA VIEIRA 2015 p 35)
Eacute uma visatildeo progressista e interessante para aacuterea pois expressa possiacuteveis
avanccedilos na Justiccedila transicional em relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo visto que
dessa maneira poderatildeo ser utilizadas essas normas internacionais aceitas no
ordenamento brasileiro para a construccedilatildeo da persecuccedilatildeo jurisdicional dos crimes de
lesa-humanidade
22 Anaacutelise do Caso Gomes Lund e outros Vs Brasil
12
As entidades da sociedade civil haviam se mobilizado para conseguir a
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis e militares pelas violaccedilotildees dos direitos aacute eacutepoca do
regime de exceccedilatildeo No entanto vendo-se estagnada a possibilidade paralelamente
conseguiram se mobilizar para levar o caso ao sistema regional de Direitos Humanos da
Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos (OEA)
Assim o Centro de Estudos para a Justiccedila e o Direito Internacional (CEJIL) e a
Human Rights WatchAmeacuterica (HRWA) em nome dos familiares atingidos
apresentaram uma peticcedilatildeo agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
para denunciar o desaparecimento de integrantes da ldquoGuerrilha do Araguaiardquo (TOSI
SILVA 2014 p 50) Como consta no relatoacuterio a peticcedilatildeo faz referecircncia ao
desaparecimento de membros da Guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1975 e a falta de
investigaccedilatildeo desses fatos pelo Estado desde entatildeo
Julia Gomes Lund e outras 21 pessoas foram presumivelmente mortas
durante as operaccedilotildees militares ocorridas na Regiatildeo do Araguaia sul
do Paraacute Desde 1982 familiares destas 22 pessoas tentam por meio de
uma accedilatildeo na Justiccedila Federal obter informaccedilotildees sobre as
circunstacircncias do desaparecimento e morte dos guerrilheiros bem
como a recuperaccedilatildeo dos corpos ()8
Alegando atraveacutes dos fatos apresentados violaccedilotildees a direitos garantidos pelos
artigos I (Direito agrave vida agrave liberdade agrave seguranccedila e agrave integridade da pessoa) XXV
(Direito de proteccedilatildeo contra prisatildeo arbitraacuteria) e XXVI (Direito a processo regular) da
Declaraccedilatildeo Americana de Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Americanardquo ou ldquoDeclaraccedilatildeordquo) bem como pelos artigos 4 (Direito agrave vida) 8
(garantias judiciais) 12 (Liberdade de consciecircncia e religiatildeo) 13 (Liberdade de
pensamento e de expressatildeo) e 25 (Proteccedilatildeo judicial) conjugados com o artigo 1(1)
(obrigaccedilatildeo de respeitar direitos) da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
Em sua defesa o Estado brasileiro argumentou jaacute ter reconhecido a sua
responsabilidade atraveacutes da Lei 9140959 com a reparaccedilatildeo das famiacutelias das viacutetimas que
essa lei tratava tambeacutem da investigaccedilatildeo das circunstacircncias da morte e apresentaccedilatildeo do
local que para localizar os cadaacuteveres dependeria de indiacutecios da zona geograacutefica sendo
8ORGANIZACcedilAtildeO DOS ESTADOS AMERICANOS Relatoacuterio de Admissibilidade nordm 3301 Caso nordm
11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil Relatoacuterio Anual de 2000
apresentado em 6 de marccedilo de 2001 Acesso em 18102016
ltlthttpwwwcidhorgannualrep2000port11552htmgtgt 9 Lei que instituiu a Comissatildeo Especial sobre Mortos e Desaparecidos no ano de 1995
13
impossiacutevel investigar se ausentes os indiacutecios que o Estado se negava a dispor relatoacuterios
militares completos nos quais sejam reportados de modo sistemaacutetico os locais de
sepultamento e as condiccedilotildees da morte desses indiviacuteduos e que natildeo seria possiacutevel a
investigaccedilatildeo e a sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pela existecircncia da Lei de Anistia de
197910
Em novembro de 2008 a Corte Interamericana expediu o Relatoacuterio de Meacuterito
nordm 910811
no qual demonstrou ao Brasil algumas recomendaccedilotildees necessaacuterias para a
resoluccedilatildeo do caso Essas de modo geral reconheciam a responsabilidade do Estado
requisitando que esse a) adotasse medidas para garantir que a Lei de Anistia brasileira
natildeo mais representasse obstaacuteculo para a persecuccedilatildeo penal de graves violaccedilotildees de
direitos humanos b) implementasse medidas jurisdicionais para a identificaccedilatildeo
responsabilizaccedilatildeo e sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pelos desaparecimentos forccedilados das
viacutetimas da Guerrilha do Araguaia sendo que o Estado deveria considerar que tais
crimes satildeo contra a humanidade insuscetiacuteveis agrave anistia ou prescriccedilatildeo c) implementasse
medidas legais e administrativas a fim de sistematiza e publicar os documentos
relacionados agraves operaccedilotildees militares contra a Guerrilha do Araguaia d) fornecesse
recursos financeiros e logiacutesticos aos esforccedilos jaacute empreendidos na busca das sepultura da
viacutetimas desaparecidas e) concedesse reparaccedilatildeo agrave famiacutelia das viacutetimas f) promovesse o
ajustamento normativo a fim de tipificar no ordenamento interno o crime de
desaparecimento forccedilado conforme os elementos constitutivos estabelecidos nos
instrumentos internacionais (TOSI SILVA p 51 2014)
Em suas accedilotildees o Estado brasileiro natildeo cumpriu as principais determinaccedilotildees
quanto agraves circunstacircncias de persecuccedilatildeo criminal tendo sido remetido o caso agrave Corte
Interamericana de Direitos Humanos
A Corte entatildeo ante ao descumprimento das recomendaccedilotildees sentenciou o
Estado brasileiro em 24 de novembro de 2010 condenando-o de forma reduzida por
desaparecimento forccedilado e os direitos violados das 62 pessoas desaparecidas aplicaccedilatildeo
da Lei de Anistia como entrave agraves investigaccedilotildees julgamentos e puniccedilotildees dos crimes
ineficaacutecia das accedilotildees judiciais natildeo penais falta de acesso agrave informaccedilatildeo sobre o ocorrido
10
() 11
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE MEacuteRITO Ndeg
9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e
outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do
20Araguaia20Brasil2026mar0920PORTpdf Acesso em 24 de junho de 2011
14
com as viacutetimas desaparecidas e a executada falta de acesso agrave justiccedila agrave verdade e agrave
informaccedilatildeo12
Ressalta-se que durante o processo perante o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos o Estado brasileiro natildeo controverteu os fatos Em sua contestaccedilatildeo
apresentou inclusive reconhecimento do sentimento de anguacutestia dos familiares das
pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia Ainda reconhecendo que a Lei
914095 ldquofirmou a responsabilidade do Estado pelas mortes garantiu reparaccedilatildeo
indenizatoacuteria e principalmente oficializou o reconhecimento histoacuterico de que estes
brasileiros [] morreram lutando como opositores poliacuteticos de um regime que havia
nascido violando a constitucionalidade democraacutetica erguida em 1946rdquo13
Para Moraes (2011) a condenaccedilatildeo eacute representativa de um conflito de jurisdiccedilatildeo
interna e internacional uma vez que o Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 153 2010 decidiu que a
anistia conferida pela Lei 668379 se estende aos crimes comuns praticados pelos
agentes da representaccedilatildeo durante o regime militar Assim seu peso histoacuterico eacute bastante
elevado ingressando com um possiacutevel rompimento da impunidade e reconstruccedilatildeo da
Memoacuteria Coletiva
3 O descumprimento da sentenccedila e a anaacutelise do papel da Arguiccedilatildeo de
Descumprimento de Preceitos Fundamentos nordm 320
31 Relato do descumprimento
A condenaccedilatildeo do Caso Gomes Lund de 2010 reforccedilou os entendimentos dados
em forma de recomendaccedilotildees e frisou quanto agrave necessidade de reconstruccedilatildeo da
memoacuteria das viacutetimas da ditadura civil-militar mais precisamente sobre o Araguaia
puniccedilatildeo dos autores dos desaparecimentos forccedilados e assassinatos da reparaccedilatildeo civil
12
A sentenccedila foi proferida em 24 de novembro de 2010 Trata-se do julgamento do Caso Gomes Lund e
outros (ldquoGuerrilha do Araguaiardquo) vs Brasil Disponiacutevel
em httpcorteidhorcrdocscasosarticulosseriec_219_pordoc Acesso em 22 de out de 2016 13
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE MEacuteRITO Demanda
perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha
do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil2026mar092
0PORTpdf
15
mediante indenizaccedilatildeo por danos morais e materiais e de medidas de prevenccedilatildeo a atos
violadores dos direitos humanos (MORAES 2011)
Em 2014 a Condenaccedilatildeo ainda passava em branco sem uma resposta plausiacutevel
agrave Corte apenas seguindo com o argumento de impossibilidade de imputar os agentes
criminalmente pela validaccedilatildeo da Lei de Anistia com a ADPF 153 em 2010 pelo STF
De modo que se percebesse que o Brasil novamente estava se abstendo sobre o caso
preferindo o entendimento interno em detrimento do Sistema Interamericano de
Direitos jaacute que em um dos argumentos para ADPF 153 ser validada constava na
inaplicabilidade da tipologia de crimes contra a humanidade 14
Nesse vieacutes para questionar a omissatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro sobre a
sentenccedila condenatoacuteria de 2010 o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ingressou
legitimamente com outra ADPF de nordm 320 em maio de 2014 reabrindo o debate sobre
Justiccedila de transiccedilatildeo brasileira Permitindo dessa forma que a controveacutersia fosse
rediscutida em outros acircmbitos
32 ADPF 320 pedidos e pareces em anaacutelise
Na ADPF 320 as discussotildees mais especiacuteficas elencaram alguns pontos
delineando nos pedidos a requisiccedilatildeo ao STF (1) uma declaraccedilatildeo para natildeo aplicaccedilatildeo da
Lei de Anistia aos crimes (a) de graves violaccedilotildees a direitos humanos cometidos por
agentes puacuteblico militares civis e (b) de caraacuteter permanente ou continuado e (2)
determinaccedilatildeo para cumprimento integral da decisatildeo da CIDH
Para tanto na peticcedilatildeo construiu um raciociacutenio fundamentando da
jurisprudecircncia internacional e nos fatos brasileiros que podem ser dispostos da seguinte
forma
(1) Da natildeo aplicaccedilatildeo da Lei de Anistia de 1979
Para tanto a ADPF 320 apresentou num primeiro momento a visatildeo da CIDH
quanto agrave ausecircncia de efeitos juriacutedicos de Lei de Anistia que queira impedir a
investigaccedilatildeo e a puniccedilatildeo de atos contra crime de lesa humanidade como claramente
14
A convalidaccedilatildeo da Lei de Anistia pela ADPF 153 deu-se em cima dos argumentos principais de ser
bilateral diferente de ldquoautoanistiardquo contra a anistia brasileira natildeo se aplicaria a tipologia de crimes contra
a humanidade e tratando-se de uma lei de reconciliaccedilatildeo somente o Poder Legislativo poderia modifica-
la (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 80)
16
ocorre no Estado brasileiro De certa forma criticando veemente uma das conclusotildees da
ADPF 153
Depois frisou a visatildeo do Estado brasileiro como responsaacutevel pelo
desaparecimento forccedilado e portanto pela violaccedilatildeo dos direitos ao reconhecimento da
personalidade juriacutedica agrave vida agrave integridade pessoal e agrave liberdade pessoal das pessoas laacute
indicadas Demonstrando dessa forma a desobediecircncia da obrigaccedilatildeo de adequar seu
direito interno agrave Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos conforme os arts 2 81
25 e 11 supracitados
(2) Em relaccedilatildeo ao descumprimento da sentenccedila de CIDH do Caso Gomes Lund
Aludiu sobre o descumprimento da sentenccedila pelos Poderes Judiciaacuterio e
Legislativo demonstrando atraveacutes de Relatoacuterio do Ministeacuterio Puacuteblico Federal referente
a 2011 ateacute 2013 a dificuldade em prosseguir com os processos judiciais de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a posiccedilatildeo paralisada do Congresso Nacional que natildeo
votou a tipificaccedilatildeo dos crimes de desaparecimento forccedilado de pessoas
Elencou ainda o aspecto da inconstitucionalidade por omissatildeo do Estado
brasileiro por violar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana no art 1ordm III o art 4ordm
II sobre prevalecircncia dos direitos humanos o art 5ordm sect2ordm que natildeo exclui outros direitos e
garantias decorrentes de tratados internacionais em que a Repuacuteblica federativa seja
parte e o art 7ordm da ADCT sobre tribunal internacional de direitos humanos ao qual se
subjugaraacute o Brasil todos os artigos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
E por uacuteltimo evidenciou o desrespeito ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos Citando o art 68 da CADH pelo qual o Estado-Parte se compromete a
cumprir a decisatildeo da Corte em todos os casos que forem parte E o art 27 da CADH
esclarecendo que ldquouma parte natildeo pode invocar as disposiccedilotildees de seu direito interno para
justificar descumprimento de tratadordquo
Em parecer a Advocacia-Geral da Uniatildeo na pessoa de Luiacutes Inaacutecio Lucena
Adams abordou o meacuterito esclarecendo que o Estado brasileiro tem produzido relatoacuterios
perioacutedicos sobre o cumprimento de sentenccedila sendo apresentados de 2011 a 2014
relatoacuterios que constassem informaccedilotildees minuciosas do cumprimento dos pontos
elencados na sentenccedila E citou como exemplos a criaccedilatildeo da Comissatildeo Nacional da
Verdade em 2011 as medidas do Ministeacuterio da Justiccedila para garantir o acesso agraves
17
informaccedilotildees da ditadura a criaccedilatildeo do Grupo de Trabalho Direito Memoacuteria e Verdade
da Procuradoria Federal dos Distritos do Cidadatildeo15
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot explicou que a
pretensatildeo contida nesta arguiccedilatildeo natildeo gera conflitos com o que foi decidido na ADPF
153 e nem caracteriza superfetaccedilatildeo (bis in idem) Naquela efetuou Controle de
Constitucionalidade da Lei 66831979 Jaacute nesta ADPF 320 pretende-se conhecimento
de validade e de efeito vinculante da decisatildeo da CIDH no caso Gomes Lund a qual agiu
no exerciacutecio legiacutetimo do Controle de Convencionalidade
Concebendo como admissiacutevel a arguiccedilatildeo contra interpretaccedilotildees judiciais que
contrariando o disposto na sentenccedila do caso Gomes Lund declarem extinta a
punibilidade de agentes envolvidos pela Lei de Anistia sob fundamento de prescriccedilatildeo
da pretensatildeo punitiva do Estado Abordando que ldquoEssas interpretaccedilotildees violetam
preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts 1ordm III 4ordm I e II e 5ordm sectsect 1ordm a 3ordm da
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198816
Assim analisam-se os pedidos
A priori tem-se o foco nos crimes de graves violaccedilotildees a direitos humanos e os
continuados ou permanentes e na inaplicabilidade da Lei de Anistia pela ausecircncia de
eficaacutecia juriacutedica
A posiccedilatildeo taxativa do Poder Judiciaacuterio seria a validaccedilatildeo da constitucionalidade
interpretativa da Lei de anistia em seu caraacuteter bilateral e que sua modificaccedilatildeo mesmo
que interpretativa deveria se dar atraveacutes do Poder Legislativo Entretanto deve-se
elaborar uma loacutegica que compreenda as seguintes concepccedilotildees primeiramente em
relaccedilatildeo aos crimes de lesa humanidade e em outro patamar os permanentes ou
continuados
15
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de descumprimento de
preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de 2014 Disponiacutevelem
ltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=62- 44157ampad=s3520
20PetiE7E3o20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o
20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
16 BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservice
20Integradorwsgt Acesso em 22102016
18
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
ADPF por almejar requerer a execuccedilatildeo de sentenccedila interamericana Diante disso
aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
entanto essa visatildeo encontra-se equivocada pois logo eacute esclarecida a ldquorelaccedilatildeo entre as
accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
direitos humanos e violar preceitos fundamentais derivados da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
20
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
REFEREcircNCIAS
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COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE
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Responsabilizaccedilatildeo contexto global comparativo e introduccedilatildeo ao caso brasileiro A
Anistia na Era da Responsabilizaccedilatildeo o Brasil em perspectiva Internacional e
Comparada Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo da Anistia Oxford Oxford
University LatinAmerica Centre 2011 P 18-31
PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e Justiccedila Internacional um estudo
comparativo dos sistemas regionais europeu Interamericano e africano Satildeo Paulo
Saraiva 2006 P 272
24
SILVA Alexandre G VIEIRA Joseacute R O Direito Internacional dos Direitos Humanos
e a ordem democraacutetica na constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
transicional In SILVA Alexandre G (Org) Democracia e justiccedila de transiccedilatildeo
memoacuteria e resistecircncia juriacutedica poliacutetica no Brasil Uberlacircndia EdUFU 2015 P 474
TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque Justiccedila de Transiccedilatildeo no Brasil e
o processo de democratizaccedilatildeo Justiccedila de Transiccedilatildeo direito agrave justiccedila agrave memoacuteria e agrave
verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da UFPB
2014 348p
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ordem democraacutetica na Constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
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STECK Lecircnio Luiz A Lei de Anistia e os Limites Interpretativos da Decisatildeo Judicial
o problema da extensatildeo dos efeitos agrave luz do paradigma do Estado Democraacutetico de
Direito Revista de Hermenecircutica Juriacutedica Vol 8 nordm 8 p 171 ndash 181 2010
25
Rio de Janeiro 07 de setembro de 2017
Organizadores
Prof Dr Joseacute Ribas Vieira ndash UFRJ
Profa Dra Ceciacutelia Caballero Lois ndash UFRJ
Marcela Braga Nery ndash UFRJ
1 Professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlacircndia (UFU) Poacutes-doutor em Teoria e Filosofia do Direito pela UERJ Doutor e Mestre em Direito Puacuteblico-UERJ Cientista Social-UFRJ
2 Graduanda na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlacircndia Pesquisadora-bolsista do Grupo de pesquisa Democracia e Justiccedila de Transiccedilatildeo (bolsista PIBIC-CNPq 2016-2017)
1
2
JUSTICcedilA DE TRANSICcedilAtildeO BRASILEIRA E O CASO GOMES LUND DA CONDENACcedilAtildeO PELA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS Agrave
ARGUICcedilAtildeO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nordm 320
JUSTICIA DE TRANSICIOacuteN BRASILENtildeA Y EL CASO GOMES LUND DE LA CONDENACIacuteON DE LA CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS
A LA ARGUMENTACIOacuteN DE INCUMPLIMIENTO DE PRECEPTO FUNDAMENTAL Nordm 320
Alexandre Garrido da Silva 1Alice Marques Siqueira Silva 2
Resumo
Com o Caso Gomes Lund e outros vs Brasil vem agrave luz uma nova estrateacutegia de rever a justiccedila
de transiccedilatildeo no Estado brasileiro buscando aleacutem das fronteiras percepccedilotildees coerentes ao
processo de democratizaccedilatildeo Nessa tentativa chegou-se agrave Corte Interamericana de Direitos
Humanos agrave qual o Brasil consiste Estado-Parte para questionar sobre a possiacutevel
responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e militares que praticaram graves violaccedilotildees a
direitos humanos Como natildeo fora cumprida uma nova alternativa se fez real atraveacutes da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental questionando a Lei de Anistia de
1979 e sua validade para crimes de lesa humanidade e tambeacutem o descumprimento da
sentenccedila da CIDH compreendendo-a como uma omissatildeo inconstitucional do Poder
Judiciaacuterio
Palavras-chave Responsabilizaccedilatildeo na justiccedila de transiccedilatildeo Condenaccedilatildeo da cidh do caso gomes lund Arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental nordm 320
AbstractResumenReacutesumeacute
Con el Caso Gomes Lund y otros vs Brasil sale a la luz una nueva estrategia para examinar
la justicia de transicioacuten en el estado brasilentildeo mirando maacutes allaacute de las fronteras de
percepciones consistentes en el proceso de democratizacioacuten En este intento hemos llegado a
la Corte Interamericana de Derechos Humanos de la cual el Brasil es estado-miembro para
preguntar acerca de la posible responsabilidad de los funcionarios puacuteblicos civiles y
militares que han cometido graves violaciones de los derechos humanos Coacutemo no se
cumple la decisioacuten una nueva alternativa se hace real a traveacutes de la acusacioacuten de violacioacuten
1
2
5
de preceptos fundamentales cuestionando la Ley de amnistiacutea de 1979 y su validez para los
criacutemenes contra la humanidad y tambieacuten el fracaso de eficiencia de la sentencia de la CIDH
bajo la comprensioacuten de esta situacioacuten como una omisioacuten inconstitucional del poder judicial
KeywordsPalabras-clavesMots-cleacutes Responsabilidades de la justicia de transicioacuten Condenacioacuten de la cidh en el caso gomes lund Argumentacioacuten de incumplimiento de precepto fundamental nordm 320
6
INTRODUCcedilAtildeO
Com o intuito de solidificar conhecimento sobre a temaacutetica e tentando
enriquecer o debate a presente pesquisa pretende problematizar do ponto de vista
doutrinaacuterio e jurisprudencial centralizando na justiccedila de transiccedilatildeo a sua dimensatildeo de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis ou militares que cometeram crimes na eacutepoca da
ditadura civil-militar brasileira
Ante a um quadro histoacuterico complexo cuja soberania interna vem sendo
utilizada para obstaculizar a possibilidade de responsabilizaccedilatildeo por meio do Poder
Judiciaacuterio e do Poder Legislativo necessaacuterio foi inventar novos caminhos para tentar
alcanccedilar a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da democratizaccedilatildeo no Estado brasileiro
Assim com a interpretaccedilatildeo do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei de
Anistia no ano de 2010 revalidando-a como acordo bilateral entre as partes envolvidas
travando a persecuccedilatildeo criminal dos agentes a sociedade com vaacuterios movimentos
articulados elevou a lide a niacutevel internacional Com respaldo na Convenccedilatildeo Americana
de Direitos Humanos ingressaram com o Caso Gomes Lund e outros vs Brasil
(Guerrilha do Araguaia) na Corte Interamericana para que essa elucidasse as
instituiccedilotildees brasileiras e rompesse com o status quo da impunidade e da desigualdade
perante o Direito paacutetrio e internacional
No entanto mesmo com a condenaccedilatildeo do Estado brasileiro pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos que entendeu terem ocorrido crimes de lesa
humanidade (imprescritiacuteveis e insuscetiacuteveis agrave anistia) as determinaccedilotildees da sentenccedila
condenatoacuteria foram deixadas de lado pelo Estado
Dessa maneira afim de sublinhar a existecircncia da condenaccedilatildeo e continuar o
processo-luta para a concretizaccedilatildeo da transiccedilatildeo democraacutetica o Partido Socialismo e
Liberdade (PSOL) ingressou com uma Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito
Fundamental para rediscussatildeo questionando por esta via o inadimplemento da
sentenccedila da CIDH pelo Estado brasileiro Atualmente encontra-se apensada agrave ADPF
153 juntamente aos Embargos de Declaraccedilatildeo dessa natildeo julgados mas jaacute com os
pareceres da Advocacia Geral da Uniatildeo e da Procuradoria Geral da Repuacuteblica
recebidos
7
Almeja-se entatildeo conceber conhecimento mais soacutelido sobre essa conjuntura de
internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos a amplitude da ADPF 320 e suas chances de
reconhecimento em perquiriccedilatildeo conjunta agrave sentenccedila condenatoacuteria da CIDH
1 A Dimensatildeo da Responsabilizaccedilatildeo na Justiccedila de Transiccedilatildeo
Em um balanccedilo precaacuterio a estimativa eacute de que a ditadura civil militar brasileira
deixou um saldo de 50 mil pessoas presas somente nos primeiros meses de 1964 cerca
de 20000 brasileiros submetidos agrave tortura cerca de 400 cidadatildeos mortos ou
desaparecidos milhares de prisotildees poliacuteticas natildeo registradas 130 banimentos 4862
cassaccedilotildees de mandatos poliacuteticos uma cifra incalculaacutevel de exiacutelios e refuacutegios poliacuteticos1
Por observacircncia do conceito de Justiccedila em cascatardquo2 e intelecccedilatildeo majoritaacuteria da
doutrina de Direito Internacional no terreno encampado na ldquoEra da responsabilizaccedilatildeordquo3
eleva-se a importacircncia do dever de proporcionar justiccedila ante o conhecimento de casos
de crimes contra a humanidade Deve a rigor desta linha argumentativa haver a
promoccedilatildeo da responsabilizaccedilatildeo dos governos e de seus aparatos burocraacuteticos (civis e
militares) devido tanto agrave pressatildeo internacional como agrave mobilizaccedilatildeo domeacutestica face agraves
atrocidades algumas imprescritiacuteveis como os crimes de desaparecimento e sequestro
Em territoacuterio nacional muito se discute quanto agrave magnitude de se
responsabilizar os agentes e sobre as alternativas para concretizaccedilatildeo do feito ante a
configuraccedilatildeo da justiccedila atual Como assevera Joseacute Carlos Moreira da Silva Filho
A importacircncia do estudo a respeito da possibilidade juriacutedica de haver
julgamentos voltados agrave atribuiccedilatildeo de responsabilidade criminal aos
agentes do regime militar de 1964 estaacute relacionada com a necessidade
de se construir uma cultura de respeito e fortalecimento aos direitos
1 Dados disponiacuteveis por fornecimento da Comissatildeo de Familiares Mortos e Desaparecidos Poliacuteticos com
lista completa em ltlthttpwwwdesaparecidospoliticosorgbrpessoasphpm=3gtgt e
ltlthttpmemoriasreveladasarquivonacionalgovbrcampanhaexilados-e-banidos-da-vida-
publicaindezhtmgtgt em estudo apresentado por TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque
ldquoJusticcedila de Transiccedilatildeo no Brasil e o processo de democratizaccedilatildeordquo Justiccedila de Transiccedilatildeo direito agrave
justiccedila agrave memoacuteria e agrave verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da
UFPB 2014 348p 2ldquoA difusatildeo da normal global contraacuteria agrave anistia ter impactado fortemente tribunais internacionais e locais
levando estudiosos a denominarem esse movimento ou fenocircmeno juriacutedico internacional como lsquoJusticcedila de
Cascatarsquo (Lutz e Sikkink) ou ldquoRevoluccedilatildeo de Justiccedilardquo (Sriram)rdquo(PAYNE ABRAtildeO TORELLY 2011 p
25) 3ldquoA norma global de responsabilizaccedilatildeo individual tem se espalhado pelo mundo inclusive com a criaccedilatildeo
de cortes internacionais permanentes como o Tribunal Penal Internacional levando a resultados
dramaacuteticosrdquo (PAYNE ABRAtildeO TORELLY 2011 p 22)
8
humanos pela forccedila de seguranccedila puacuteblica do Estado Democraacutetico de
Direito Brasileiro4
Isto posto a responsabilizaccedilatildeo deve ser efetuada a fim de fortalecer a
democracia e as instituiccedilotildees democraacuteticas de forma a romper com o Estado de exceccedilatildeo
e com as heranccedilas por ele deixadas Como bem explicam Paulo Abratildeo e Marcelo D
Torelly a expressatildeo de que devem ser concretizadas
medidas que expressam para as sociedades destes paiacuteses que a lei eacute
igual para todos inclusive para aqueles que um dia estiveram em
posiccedilatildeo de poder para manipular o modo de produccedilatildeo legislativa e
direcionar institutos juriacutedicos de clemecircncia para seus proacuteprios crimes
Trata-se de uma concepccedilatildeo na qual o Estado democraacutetico presta
contas daquilo que foi feito anteriormente pelo Estado de exceccedilatildeo
pela via da justiccedila de transiccedilatildeo (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 77 )
A dimensatildeo que diz respeito agrave responsabilidade judicial no Brasil encontra-se
estagnada no quadro atual principalmente se comparada com outros paiacuteses na Ameacuterica
Latina que tambeacutem passaram por ditaduras civis militares Logo infere-se que o Estado
brasileiro se diferenciou da tradiccedilatildeo latino-americana de associar verdade agrave justiccedila
(ABRAtildeO TORELLY 2011 p 227-228)
Tendo como o grande exemplo no caso brasileiro o Caso Gomes Lund que
teve de alccedilar caminhos para aleacutem da soberania interna para conseguir compreender os
acontecimentos desmistificando as inverdades dos governantes reconhecendo a
responsabilizaccedilatildeo do Estado
2 O Caso Gomes Lund e outros vs Brasil
A construccedilatildeo da Justiccedila transicional no Estado brasileiro avigorou-se com os
vaacuterios movimentos civis (estudantis das famiacutelias da Igreja OAB) defendendo a
anistia poliacutetica aos militantes com a soltura dos presos poliacuteticos e o retorno dos
exilados na ldquoanistia ampla geral e irrestritardquo
No entanto diante de um processo de controle institucional o Poder Judiciaacuterio
moldado na eacutepoca5 recepciona-a como reciacuteproca atravancando a possibilidade de
4 SILVA FILHO Joseacute Carlos Moreira da CASTRO Ricardo Silveira Justiccedila de Transiccedilatildeo e Poder
Judiciaacuterio Brasileiro ndash A barreira da lei de anistia para a responsabilizaccedilatildeo dos crimes da ditadura civil-
militar no Brasil Artigo publicado na revista de estudos criminais n 53 p 50-87 abrjun 2014 5ldquoComo visto eacute o Judiciaacuterio que aceita a tese de que todos os crimes do regime seriam conexos aos
crimes da resistecircncia (como se essa precedesse agravequeles) e consagra formalmente a tese jamais expressa
no texto legal de que um entendimento entre ldquoos dois ladosrdquo haveria gerado o consenso necessaacuterio para a
9
responsabilizaccedilatildeo dos agentes estatais que cometeram graves violaccedilotildees aos direitos
humanos tendo como lsquoseguranccedilarsquo a impunidade observando expressatildeo cunhada por
Samuel Huntington ldquotransiccedilatildeo por transformaccedilatildeordquo6 (HUNTINGTON 1993 apud
ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232) De forma que o novo governo natildeo tinha interesse
em romper com o velho
Com a volta paulatina da democracia apoacutes a ditadura civil militar tentaram
ingressar atraveacutes dos mecanismos judiciais com accedilotildees para conseguirem
responsabilizar aqueles agentes pelos homiciacutedios desaparecimentos forccedilados torturas
sequestros e outros crimes Todavia tais iniciativas juriacutedicas encontraram como
obstaacuteculo a Lei de Anistia de 1979 cuja interpretaccedilatildeo forccedilava o arquivamento das accedilotildees
pela exclusatildeo da responsabilidade
Apoacutes a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 houve apariccedilatildeo de dois emblemaacuteticos
casos que foram arquivados tanto a tentativa do Ministeacuterio Puacuteblico Federal de abrir
inqueacuterito civil em 1992 para apurar a morte de Vladimir Herzog quanto agrave tentativa de
reabrir o caso do Rio Centro de 1981
Entretanto mesmo diante desse quadro estabelecido de impunidade no Brasil
parte da sociedade ousou continuar a luta para conseguir restaurar a justiccedila com o
restabelecimento da igualdade perante a lei levando o caso da Guerrilha do Araguaia ou
Caso Gomes Lund e outros vs Brasil agrave Corte Interamericana
Antes do relato insta fazer uma pausa para percepccedilatildeo do status normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos no Brasil
21 A Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e o Status Normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (CADH)
Relevantes pois a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o fortalecimento
do direito internacional assegurando os limites do poderio estatal e a consolidaccedilatildeo dos
transiccedilatildeo poliacutetica brasileira Essa constataccedilatildeo permite vislumbrar outra caracteriacutestica poliacutetico-institucional
importante da ditadura e da transiccedilatildeo brasileira o Judiciaacuterio aderiu ao regimerdquo (ABRAtildeO TORELLY
2014 p 235) 6Expressatildeo utilizada pelo Samuel Huntington ldquo[] those in power in the authoritarian regime take the
lead and play the decisive role in ending that regime and changing into a democratic system[] it
occurred in well-established military regimes where governments clearly controlled the ultimate means of
coercion vis-agrave-vis authoritarian systems that had been successful economically such as Spain Brazil
Taiwan Mexico and compared to other communist states Hungaryrdquo [] HUNTINGTON Samuel The
third wave Oklahoma Oklahoma University Press 1993 p126 (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232)
10
direitos humanos agraves sociedades desses Nesse sentido Norberto Bobbio esclarece que a
garantia desses direitos no plano internacional soacute seraacute implementada quando ldquouma
jurisdiccedilatildeo internacional se impuser concretamente sobre as jurisdiccedilotildees nacionais
deixando de operar dentro dos Estados mas contra os Estados e em defesa dos
cidadatildeosrdquo (BOBBIO 1992 p 26)
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) eacute uma representaccedilatildeo
dessa fortificaccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo da proteccedilatildeo dos direitos Seus Estados-Parte
aceitaram em seus ordenamentos juriacutedicos a Convenccedilatildeo Americana de Direitos
Humanos (CADH) tambeacutem denominada de Pacto San Joseacute da Costa Rica que
reconhece e assegura um cataacutelogo de direitos civis e poliacuteticos destacando-se o direito agrave
vida agrave liberdade agrave proteccedilatildeo judicial Tendo pois o Estado-Parte a obrigaccedilatildeo de
respeitar e assegurar o livre e pleno exerciacutecio desses direitos e liberdades sem qualquer
discriminaccedilatildeo devendo adotar medidas legislativas para assegurar o seu livre e pleno
exerciacutecio (PIOVESAN 2006 p 89)
O Estado brasileiro foi um dos que mais tardiamente aderiu agrave Convenccedilatildeo em
1992 Seu reconhecimento ocorreu em 2002 no Decreto nordm 4463 dispondo em seu
primeiro artigo como ldquo() obrigatoacuteria de pleno direito e por prazo indeterminado a
competecircncia da Corte () em todos os casos relativos agrave interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo da
CADH () sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de
1998rdquo 7
E embora tenha reconhecido deve-se recordar que o status normativo das
normas internacionais ainda causa muitas discussotildees no Estado brasileiro
A priori destacam-se da Constituiccedilatildeo de 1988 as normas e entendimentos
sobre direito internacional e direitos humanos No artigo 4ordm inciso II o estabelecimento
da prevalecircncia dos direitos humanos nas relaccedilotildees internacionais Logo apoacutes o sect2ordm do
artigo 5ordm da CF88 determina que ldquo() os direitos e garantias expressos na Constituiccedilatildeo
natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos
tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo E o artigo
7 DECRETO 446302 - Promulga a Declaraccedilatildeo de Reconhecimento da Competecircncia Obrigatoacuteria da Corte
Interamericana de Direitos Humanos sob reserva de reciprocidade em consonacircncia com o art 62 da
Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute) de 22 de novembro de 1969
Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto2002d4463htmgtgt
11
7ordm do ADCT ldquoo Brasil propugnaraacute pela formaccedilatildeo de um tribunal internacional dos
direitos humanosrdquo
A querela sobre o status se amolda com a EC 4504 que introduz no artigo 5ordm
da CF o sect3ordm pretendendo um quoacuterum qualificado para convenccedilotildees e tratados sobre
direitos humanos serem equiparadas agraves emendas constitucionais Logo de um lado
observou-se o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes que concluiu como
esvaziada a discussatildeo sobre o status constitucional dos tratados ratificados no Brasil
anteriormente agrave mudanccedila constitucional e natildeo submetidos ao processo legislativo
especial (MENDES 2008 p 1144) E ldquoreconhecendo uma lsquosupralegalidadersquo das
normas de direitos humanos presentes em tratados regularmente incorporados ao direito
paacutetriordquo (SILVA VIEIRA 2015 p 47-48)
E em outra visatildeo ldquoFlaacutevia Piovesan reforccedila sua tese de que o artigo 5ordm sect2ordm
consagra o status dos tratados internacionais de direitos humanos como normas
materialmente constitucionaisrdquo seguindo o raciociacutenio de que o dispositivo do artigo 5ordm
sect3ordm da CF88 possui caraacuteter meramente formal num intuito interpretativo (SILVA
VIEIRA 2015 p 20) De modo que natildeo se evacue o conteuacutedo sobre a prevalecircncia dos
direitos humanos e sobre a natildeo exclusatildeo dos outros direitos humanos abordados em
tratados ou convenccedilotildees
Em um posicionamento mais recente e progressista o Ministro Celso de Mello
reconheceu o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos
regularmente incorporados agrave ordem interna inclusive anteriores agrave promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo de 1988 Conforme seu entendimento ldquoas normas oriundas de tratados
internacionais de direito humanos assumem um caraacuteter materialmente constitucional e
com fundamento no sect2ordm do art 5ordm da CF compotildee o lsquobloco de constitucionalidadersquordquo
(SILVA VIEIRA 2015 p 35)
Eacute uma visatildeo progressista e interessante para aacuterea pois expressa possiacuteveis
avanccedilos na Justiccedila transicional em relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo visto que
dessa maneira poderatildeo ser utilizadas essas normas internacionais aceitas no
ordenamento brasileiro para a construccedilatildeo da persecuccedilatildeo jurisdicional dos crimes de
lesa-humanidade
22 Anaacutelise do Caso Gomes Lund e outros Vs Brasil
12
As entidades da sociedade civil haviam se mobilizado para conseguir a
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis e militares pelas violaccedilotildees dos direitos aacute eacutepoca do
regime de exceccedilatildeo No entanto vendo-se estagnada a possibilidade paralelamente
conseguiram se mobilizar para levar o caso ao sistema regional de Direitos Humanos da
Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos (OEA)
Assim o Centro de Estudos para a Justiccedila e o Direito Internacional (CEJIL) e a
Human Rights WatchAmeacuterica (HRWA) em nome dos familiares atingidos
apresentaram uma peticcedilatildeo agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
para denunciar o desaparecimento de integrantes da ldquoGuerrilha do Araguaiardquo (TOSI
SILVA 2014 p 50) Como consta no relatoacuterio a peticcedilatildeo faz referecircncia ao
desaparecimento de membros da Guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1975 e a falta de
investigaccedilatildeo desses fatos pelo Estado desde entatildeo
Julia Gomes Lund e outras 21 pessoas foram presumivelmente mortas
durante as operaccedilotildees militares ocorridas na Regiatildeo do Araguaia sul
do Paraacute Desde 1982 familiares destas 22 pessoas tentam por meio de
uma accedilatildeo na Justiccedila Federal obter informaccedilotildees sobre as
circunstacircncias do desaparecimento e morte dos guerrilheiros bem
como a recuperaccedilatildeo dos corpos ()8
Alegando atraveacutes dos fatos apresentados violaccedilotildees a direitos garantidos pelos
artigos I (Direito agrave vida agrave liberdade agrave seguranccedila e agrave integridade da pessoa) XXV
(Direito de proteccedilatildeo contra prisatildeo arbitraacuteria) e XXVI (Direito a processo regular) da
Declaraccedilatildeo Americana de Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Americanardquo ou ldquoDeclaraccedilatildeordquo) bem como pelos artigos 4 (Direito agrave vida) 8
(garantias judiciais) 12 (Liberdade de consciecircncia e religiatildeo) 13 (Liberdade de
pensamento e de expressatildeo) e 25 (Proteccedilatildeo judicial) conjugados com o artigo 1(1)
(obrigaccedilatildeo de respeitar direitos) da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
Em sua defesa o Estado brasileiro argumentou jaacute ter reconhecido a sua
responsabilidade atraveacutes da Lei 9140959 com a reparaccedilatildeo das famiacutelias das viacutetimas que
essa lei tratava tambeacutem da investigaccedilatildeo das circunstacircncias da morte e apresentaccedilatildeo do
local que para localizar os cadaacuteveres dependeria de indiacutecios da zona geograacutefica sendo
8ORGANIZACcedilAtildeO DOS ESTADOS AMERICANOS Relatoacuterio de Admissibilidade nordm 3301 Caso nordm
11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil Relatoacuterio Anual de 2000
apresentado em 6 de marccedilo de 2001 Acesso em 18102016
ltlthttpwwwcidhorgannualrep2000port11552htmgtgt 9 Lei que instituiu a Comissatildeo Especial sobre Mortos e Desaparecidos no ano de 1995
13
impossiacutevel investigar se ausentes os indiacutecios que o Estado se negava a dispor relatoacuterios
militares completos nos quais sejam reportados de modo sistemaacutetico os locais de
sepultamento e as condiccedilotildees da morte desses indiviacuteduos e que natildeo seria possiacutevel a
investigaccedilatildeo e a sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pela existecircncia da Lei de Anistia de
197910
Em novembro de 2008 a Corte Interamericana expediu o Relatoacuterio de Meacuterito
nordm 910811
no qual demonstrou ao Brasil algumas recomendaccedilotildees necessaacuterias para a
resoluccedilatildeo do caso Essas de modo geral reconheciam a responsabilidade do Estado
requisitando que esse a) adotasse medidas para garantir que a Lei de Anistia brasileira
natildeo mais representasse obstaacuteculo para a persecuccedilatildeo penal de graves violaccedilotildees de
direitos humanos b) implementasse medidas jurisdicionais para a identificaccedilatildeo
responsabilizaccedilatildeo e sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pelos desaparecimentos forccedilados das
viacutetimas da Guerrilha do Araguaia sendo que o Estado deveria considerar que tais
crimes satildeo contra a humanidade insuscetiacuteveis agrave anistia ou prescriccedilatildeo c) implementasse
medidas legais e administrativas a fim de sistematiza e publicar os documentos
relacionados agraves operaccedilotildees militares contra a Guerrilha do Araguaia d) fornecesse
recursos financeiros e logiacutesticos aos esforccedilos jaacute empreendidos na busca das sepultura da
viacutetimas desaparecidas e) concedesse reparaccedilatildeo agrave famiacutelia das viacutetimas f) promovesse o
ajustamento normativo a fim de tipificar no ordenamento interno o crime de
desaparecimento forccedilado conforme os elementos constitutivos estabelecidos nos
instrumentos internacionais (TOSI SILVA p 51 2014)
Em suas accedilotildees o Estado brasileiro natildeo cumpriu as principais determinaccedilotildees
quanto agraves circunstacircncias de persecuccedilatildeo criminal tendo sido remetido o caso agrave Corte
Interamericana de Direitos Humanos
A Corte entatildeo ante ao descumprimento das recomendaccedilotildees sentenciou o
Estado brasileiro em 24 de novembro de 2010 condenando-o de forma reduzida por
desaparecimento forccedilado e os direitos violados das 62 pessoas desaparecidas aplicaccedilatildeo
da Lei de Anistia como entrave agraves investigaccedilotildees julgamentos e puniccedilotildees dos crimes
ineficaacutecia das accedilotildees judiciais natildeo penais falta de acesso agrave informaccedilatildeo sobre o ocorrido
10
() 11
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE MEacuteRITO Ndeg
9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e
outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do
20Araguaia20Brasil2026mar0920PORTpdf Acesso em 24 de junho de 2011
14
com as viacutetimas desaparecidas e a executada falta de acesso agrave justiccedila agrave verdade e agrave
informaccedilatildeo12
Ressalta-se que durante o processo perante o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos o Estado brasileiro natildeo controverteu os fatos Em sua contestaccedilatildeo
apresentou inclusive reconhecimento do sentimento de anguacutestia dos familiares das
pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia Ainda reconhecendo que a Lei
914095 ldquofirmou a responsabilidade do Estado pelas mortes garantiu reparaccedilatildeo
indenizatoacuteria e principalmente oficializou o reconhecimento histoacuterico de que estes
brasileiros [] morreram lutando como opositores poliacuteticos de um regime que havia
nascido violando a constitucionalidade democraacutetica erguida em 1946rdquo13
Para Moraes (2011) a condenaccedilatildeo eacute representativa de um conflito de jurisdiccedilatildeo
interna e internacional uma vez que o Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 153 2010 decidiu que a
anistia conferida pela Lei 668379 se estende aos crimes comuns praticados pelos
agentes da representaccedilatildeo durante o regime militar Assim seu peso histoacuterico eacute bastante
elevado ingressando com um possiacutevel rompimento da impunidade e reconstruccedilatildeo da
Memoacuteria Coletiva
3 O descumprimento da sentenccedila e a anaacutelise do papel da Arguiccedilatildeo de
Descumprimento de Preceitos Fundamentos nordm 320
31 Relato do descumprimento
A condenaccedilatildeo do Caso Gomes Lund de 2010 reforccedilou os entendimentos dados
em forma de recomendaccedilotildees e frisou quanto agrave necessidade de reconstruccedilatildeo da
memoacuteria das viacutetimas da ditadura civil-militar mais precisamente sobre o Araguaia
puniccedilatildeo dos autores dos desaparecimentos forccedilados e assassinatos da reparaccedilatildeo civil
12
A sentenccedila foi proferida em 24 de novembro de 2010 Trata-se do julgamento do Caso Gomes Lund e
outros (ldquoGuerrilha do Araguaiardquo) vs Brasil Disponiacutevel
em httpcorteidhorcrdocscasosarticulosseriec_219_pordoc Acesso em 22 de out de 2016 13
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE MEacuteRITO Demanda
perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha
do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil2026mar092
0PORTpdf
15
mediante indenizaccedilatildeo por danos morais e materiais e de medidas de prevenccedilatildeo a atos
violadores dos direitos humanos (MORAES 2011)
Em 2014 a Condenaccedilatildeo ainda passava em branco sem uma resposta plausiacutevel
agrave Corte apenas seguindo com o argumento de impossibilidade de imputar os agentes
criminalmente pela validaccedilatildeo da Lei de Anistia com a ADPF 153 em 2010 pelo STF
De modo que se percebesse que o Brasil novamente estava se abstendo sobre o caso
preferindo o entendimento interno em detrimento do Sistema Interamericano de
Direitos jaacute que em um dos argumentos para ADPF 153 ser validada constava na
inaplicabilidade da tipologia de crimes contra a humanidade 14
Nesse vieacutes para questionar a omissatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro sobre a
sentenccedila condenatoacuteria de 2010 o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ingressou
legitimamente com outra ADPF de nordm 320 em maio de 2014 reabrindo o debate sobre
Justiccedila de transiccedilatildeo brasileira Permitindo dessa forma que a controveacutersia fosse
rediscutida em outros acircmbitos
32 ADPF 320 pedidos e pareces em anaacutelise
Na ADPF 320 as discussotildees mais especiacuteficas elencaram alguns pontos
delineando nos pedidos a requisiccedilatildeo ao STF (1) uma declaraccedilatildeo para natildeo aplicaccedilatildeo da
Lei de Anistia aos crimes (a) de graves violaccedilotildees a direitos humanos cometidos por
agentes puacuteblico militares civis e (b) de caraacuteter permanente ou continuado e (2)
determinaccedilatildeo para cumprimento integral da decisatildeo da CIDH
Para tanto na peticcedilatildeo construiu um raciociacutenio fundamentando da
jurisprudecircncia internacional e nos fatos brasileiros que podem ser dispostos da seguinte
forma
(1) Da natildeo aplicaccedilatildeo da Lei de Anistia de 1979
Para tanto a ADPF 320 apresentou num primeiro momento a visatildeo da CIDH
quanto agrave ausecircncia de efeitos juriacutedicos de Lei de Anistia que queira impedir a
investigaccedilatildeo e a puniccedilatildeo de atos contra crime de lesa humanidade como claramente
14
A convalidaccedilatildeo da Lei de Anistia pela ADPF 153 deu-se em cima dos argumentos principais de ser
bilateral diferente de ldquoautoanistiardquo contra a anistia brasileira natildeo se aplicaria a tipologia de crimes contra
a humanidade e tratando-se de uma lei de reconciliaccedilatildeo somente o Poder Legislativo poderia modifica-
la (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 80)
16
ocorre no Estado brasileiro De certa forma criticando veemente uma das conclusotildees da
ADPF 153
Depois frisou a visatildeo do Estado brasileiro como responsaacutevel pelo
desaparecimento forccedilado e portanto pela violaccedilatildeo dos direitos ao reconhecimento da
personalidade juriacutedica agrave vida agrave integridade pessoal e agrave liberdade pessoal das pessoas laacute
indicadas Demonstrando dessa forma a desobediecircncia da obrigaccedilatildeo de adequar seu
direito interno agrave Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos conforme os arts 2 81
25 e 11 supracitados
(2) Em relaccedilatildeo ao descumprimento da sentenccedila de CIDH do Caso Gomes Lund
Aludiu sobre o descumprimento da sentenccedila pelos Poderes Judiciaacuterio e
Legislativo demonstrando atraveacutes de Relatoacuterio do Ministeacuterio Puacuteblico Federal referente
a 2011 ateacute 2013 a dificuldade em prosseguir com os processos judiciais de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a posiccedilatildeo paralisada do Congresso Nacional que natildeo
votou a tipificaccedilatildeo dos crimes de desaparecimento forccedilado de pessoas
Elencou ainda o aspecto da inconstitucionalidade por omissatildeo do Estado
brasileiro por violar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana no art 1ordm III o art 4ordm
II sobre prevalecircncia dos direitos humanos o art 5ordm sect2ordm que natildeo exclui outros direitos e
garantias decorrentes de tratados internacionais em que a Repuacuteblica federativa seja
parte e o art 7ordm da ADCT sobre tribunal internacional de direitos humanos ao qual se
subjugaraacute o Brasil todos os artigos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
E por uacuteltimo evidenciou o desrespeito ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos Citando o art 68 da CADH pelo qual o Estado-Parte se compromete a
cumprir a decisatildeo da Corte em todos os casos que forem parte E o art 27 da CADH
esclarecendo que ldquouma parte natildeo pode invocar as disposiccedilotildees de seu direito interno para
justificar descumprimento de tratadordquo
Em parecer a Advocacia-Geral da Uniatildeo na pessoa de Luiacutes Inaacutecio Lucena
Adams abordou o meacuterito esclarecendo que o Estado brasileiro tem produzido relatoacuterios
perioacutedicos sobre o cumprimento de sentenccedila sendo apresentados de 2011 a 2014
relatoacuterios que constassem informaccedilotildees minuciosas do cumprimento dos pontos
elencados na sentenccedila E citou como exemplos a criaccedilatildeo da Comissatildeo Nacional da
Verdade em 2011 as medidas do Ministeacuterio da Justiccedila para garantir o acesso agraves
17
informaccedilotildees da ditadura a criaccedilatildeo do Grupo de Trabalho Direito Memoacuteria e Verdade
da Procuradoria Federal dos Distritos do Cidadatildeo15
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot explicou que a
pretensatildeo contida nesta arguiccedilatildeo natildeo gera conflitos com o que foi decidido na ADPF
153 e nem caracteriza superfetaccedilatildeo (bis in idem) Naquela efetuou Controle de
Constitucionalidade da Lei 66831979 Jaacute nesta ADPF 320 pretende-se conhecimento
de validade e de efeito vinculante da decisatildeo da CIDH no caso Gomes Lund a qual agiu
no exerciacutecio legiacutetimo do Controle de Convencionalidade
Concebendo como admissiacutevel a arguiccedilatildeo contra interpretaccedilotildees judiciais que
contrariando o disposto na sentenccedila do caso Gomes Lund declarem extinta a
punibilidade de agentes envolvidos pela Lei de Anistia sob fundamento de prescriccedilatildeo
da pretensatildeo punitiva do Estado Abordando que ldquoEssas interpretaccedilotildees violetam
preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts 1ordm III 4ordm I e II e 5ordm sectsect 1ordm a 3ordm da
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198816
Assim analisam-se os pedidos
A priori tem-se o foco nos crimes de graves violaccedilotildees a direitos humanos e os
continuados ou permanentes e na inaplicabilidade da Lei de Anistia pela ausecircncia de
eficaacutecia juriacutedica
A posiccedilatildeo taxativa do Poder Judiciaacuterio seria a validaccedilatildeo da constitucionalidade
interpretativa da Lei de anistia em seu caraacuteter bilateral e que sua modificaccedilatildeo mesmo
que interpretativa deveria se dar atraveacutes do Poder Legislativo Entretanto deve-se
elaborar uma loacutegica que compreenda as seguintes concepccedilotildees primeiramente em
relaccedilatildeo aos crimes de lesa humanidade e em outro patamar os permanentes ou
continuados
15
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de descumprimento de
preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de 2014 Disponiacutevelem
ltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=62- 44157ampad=s3520
20PetiE7E3o20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o
20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
16 BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservice
20Integradorwsgt Acesso em 22102016
18
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
ADPF por almejar requerer a execuccedilatildeo de sentenccedila interamericana Diante disso
aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
entanto essa visatildeo encontra-se equivocada pois logo eacute esclarecida a ldquorelaccedilatildeo entre as
accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
direitos humanos e violar preceitos fundamentais derivados da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
20
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
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1 Professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlacircndia (UFU) Poacutes-doutor em Teoria e Filosofia do Direito pela UERJ Doutor e Mestre em Direito Puacuteblico-UERJ Cientista Social-UFRJ
2 Graduanda na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlacircndia Pesquisadora-bolsista do Grupo de pesquisa Democracia e Justiccedila de Transiccedilatildeo (bolsista PIBIC-CNPq 2016-2017)
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JUSTICcedilA DE TRANSICcedilAtildeO BRASILEIRA E O CASO GOMES LUND DA CONDENACcedilAtildeO PELA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS Agrave
ARGUICcedilAtildeO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nordm 320
JUSTICIA DE TRANSICIOacuteN BRASILENtildeA Y EL CASO GOMES LUND DE LA CONDENACIacuteON DE LA CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS
A LA ARGUMENTACIOacuteN DE INCUMPLIMIENTO DE PRECEPTO FUNDAMENTAL Nordm 320
Alexandre Garrido da Silva 1Alice Marques Siqueira Silva 2
Resumo
Com o Caso Gomes Lund e outros vs Brasil vem agrave luz uma nova estrateacutegia de rever a justiccedila
de transiccedilatildeo no Estado brasileiro buscando aleacutem das fronteiras percepccedilotildees coerentes ao
processo de democratizaccedilatildeo Nessa tentativa chegou-se agrave Corte Interamericana de Direitos
Humanos agrave qual o Brasil consiste Estado-Parte para questionar sobre a possiacutevel
responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e militares que praticaram graves violaccedilotildees a
direitos humanos Como natildeo fora cumprida uma nova alternativa se fez real atraveacutes da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental questionando a Lei de Anistia de
1979 e sua validade para crimes de lesa humanidade e tambeacutem o descumprimento da
sentenccedila da CIDH compreendendo-a como uma omissatildeo inconstitucional do Poder
Judiciaacuterio
Palavras-chave Responsabilizaccedilatildeo na justiccedila de transiccedilatildeo Condenaccedilatildeo da cidh do caso gomes lund Arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental nordm 320
AbstractResumenReacutesumeacute
Con el Caso Gomes Lund y otros vs Brasil sale a la luz una nueva estrategia para examinar
la justicia de transicioacuten en el estado brasilentildeo mirando maacutes allaacute de las fronteras de
percepciones consistentes en el proceso de democratizacioacuten En este intento hemos llegado a
la Corte Interamericana de Derechos Humanos de la cual el Brasil es estado-miembro para
preguntar acerca de la posible responsabilidad de los funcionarios puacuteblicos civiles y
militares que han cometido graves violaciones de los derechos humanos Coacutemo no se
cumple la decisioacuten una nueva alternativa se hace real a traveacutes de la acusacioacuten de violacioacuten
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de preceptos fundamentales cuestionando la Ley de amnistiacutea de 1979 y su validez para los
criacutemenes contra la humanidad y tambieacuten el fracaso de eficiencia de la sentencia de la CIDH
bajo la comprensioacuten de esta situacioacuten como una omisioacuten inconstitucional del poder judicial
KeywordsPalabras-clavesMots-cleacutes Responsabilidades de la justicia de transicioacuten Condenacioacuten de la cidh en el caso gomes lund Argumentacioacuten de incumplimiento de precepto fundamental nordm 320
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INTRODUCcedilAtildeO
Com o intuito de solidificar conhecimento sobre a temaacutetica e tentando
enriquecer o debate a presente pesquisa pretende problematizar do ponto de vista
doutrinaacuterio e jurisprudencial centralizando na justiccedila de transiccedilatildeo a sua dimensatildeo de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis ou militares que cometeram crimes na eacutepoca da
ditadura civil-militar brasileira
Ante a um quadro histoacuterico complexo cuja soberania interna vem sendo
utilizada para obstaculizar a possibilidade de responsabilizaccedilatildeo por meio do Poder
Judiciaacuterio e do Poder Legislativo necessaacuterio foi inventar novos caminhos para tentar
alcanccedilar a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da democratizaccedilatildeo no Estado brasileiro
Assim com a interpretaccedilatildeo do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei de
Anistia no ano de 2010 revalidando-a como acordo bilateral entre as partes envolvidas
travando a persecuccedilatildeo criminal dos agentes a sociedade com vaacuterios movimentos
articulados elevou a lide a niacutevel internacional Com respaldo na Convenccedilatildeo Americana
de Direitos Humanos ingressaram com o Caso Gomes Lund e outros vs Brasil
(Guerrilha do Araguaia) na Corte Interamericana para que essa elucidasse as
instituiccedilotildees brasileiras e rompesse com o status quo da impunidade e da desigualdade
perante o Direito paacutetrio e internacional
No entanto mesmo com a condenaccedilatildeo do Estado brasileiro pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos que entendeu terem ocorrido crimes de lesa
humanidade (imprescritiacuteveis e insuscetiacuteveis agrave anistia) as determinaccedilotildees da sentenccedila
condenatoacuteria foram deixadas de lado pelo Estado
Dessa maneira afim de sublinhar a existecircncia da condenaccedilatildeo e continuar o
processo-luta para a concretizaccedilatildeo da transiccedilatildeo democraacutetica o Partido Socialismo e
Liberdade (PSOL) ingressou com uma Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito
Fundamental para rediscussatildeo questionando por esta via o inadimplemento da
sentenccedila da CIDH pelo Estado brasileiro Atualmente encontra-se apensada agrave ADPF
153 juntamente aos Embargos de Declaraccedilatildeo dessa natildeo julgados mas jaacute com os
pareceres da Advocacia Geral da Uniatildeo e da Procuradoria Geral da Repuacuteblica
recebidos
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Almeja-se entatildeo conceber conhecimento mais soacutelido sobre essa conjuntura de
internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos a amplitude da ADPF 320 e suas chances de
reconhecimento em perquiriccedilatildeo conjunta agrave sentenccedila condenatoacuteria da CIDH
1 A Dimensatildeo da Responsabilizaccedilatildeo na Justiccedila de Transiccedilatildeo
Em um balanccedilo precaacuterio a estimativa eacute de que a ditadura civil militar brasileira
deixou um saldo de 50 mil pessoas presas somente nos primeiros meses de 1964 cerca
de 20000 brasileiros submetidos agrave tortura cerca de 400 cidadatildeos mortos ou
desaparecidos milhares de prisotildees poliacuteticas natildeo registradas 130 banimentos 4862
cassaccedilotildees de mandatos poliacuteticos uma cifra incalculaacutevel de exiacutelios e refuacutegios poliacuteticos1
Por observacircncia do conceito de Justiccedila em cascatardquo2 e intelecccedilatildeo majoritaacuteria da
doutrina de Direito Internacional no terreno encampado na ldquoEra da responsabilizaccedilatildeordquo3
eleva-se a importacircncia do dever de proporcionar justiccedila ante o conhecimento de casos
de crimes contra a humanidade Deve a rigor desta linha argumentativa haver a
promoccedilatildeo da responsabilizaccedilatildeo dos governos e de seus aparatos burocraacuteticos (civis e
militares) devido tanto agrave pressatildeo internacional como agrave mobilizaccedilatildeo domeacutestica face agraves
atrocidades algumas imprescritiacuteveis como os crimes de desaparecimento e sequestro
Em territoacuterio nacional muito se discute quanto agrave magnitude de se
responsabilizar os agentes e sobre as alternativas para concretizaccedilatildeo do feito ante a
configuraccedilatildeo da justiccedila atual Como assevera Joseacute Carlos Moreira da Silva Filho
A importacircncia do estudo a respeito da possibilidade juriacutedica de haver
julgamentos voltados agrave atribuiccedilatildeo de responsabilidade criminal aos
agentes do regime militar de 1964 estaacute relacionada com a necessidade
de se construir uma cultura de respeito e fortalecimento aos direitos
1 Dados disponiacuteveis por fornecimento da Comissatildeo de Familiares Mortos e Desaparecidos Poliacuteticos com
lista completa em ltlthttpwwwdesaparecidospoliticosorgbrpessoasphpm=3gtgt e
ltlthttpmemoriasreveladasarquivonacionalgovbrcampanhaexilados-e-banidos-da-vida-
publicaindezhtmgtgt em estudo apresentado por TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque
ldquoJusticcedila de Transiccedilatildeo no Brasil e o processo de democratizaccedilatildeordquo Justiccedila de Transiccedilatildeo direito agrave
justiccedila agrave memoacuteria e agrave verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da
UFPB 2014 348p 2ldquoA difusatildeo da normal global contraacuteria agrave anistia ter impactado fortemente tribunais internacionais e locais
levando estudiosos a denominarem esse movimento ou fenocircmeno juriacutedico internacional como lsquoJusticcedila de
Cascatarsquo (Lutz e Sikkink) ou ldquoRevoluccedilatildeo de Justiccedilardquo (Sriram)rdquo(PAYNE ABRAtildeO TORELLY 2011 p
25) 3ldquoA norma global de responsabilizaccedilatildeo individual tem se espalhado pelo mundo inclusive com a criaccedilatildeo
de cortes internacionais permanentes como o Tribunal Penal Internacional levando a resultados
dramaacuteticosrdquo (PAYNE ABRAtildeO TORELLY 2011 p 22)
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humanos pela forccedila de seguranccedila puacuteblica do Estado Democraacutetico de
Direito Brasileiro4
Isto posto a responsabilizaccedilatildeo deve ser efetuada a fim de fortalecer a
democracia e as instituiccedilotildees democraacuteticas de forma a romper com o Estado de exceccedilatildeo
e com as heranccedilas por ele deixadas Como bem explicam Paulo Abratildeo e Marcelo D
Torelly a expressatildeo de que devem ser concretizadas
medidas que expressam para as sociedades destes paiacuteses que a lei eacute
igual para todos inclusive para aqueles que um dia estiveram em
posiccedilatildeo de poder para manipular o modo de produccedilatildeo legislativa e
direcionar institutos juriacutedicos de clemecircncia para seus proacuteprios crimes
Trata-se de uma concepccedilatildeo na qual o Estado democraacutetico presta
contas daquilo que foi feito anteriormente pelo Estado de exceccedilatildeo
pela via da justiccedila de transiccedilatildeo (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 77 )
A dimensatildeo que diz respeito agrave responsabilidade judicial no Brasil encontra-se
estagnada no quadro atual principalmente se comparada com outros paiacuteses na Ameacuterica
Latina que tambeacutem passaram por ditaduras civis militares Logo infere-se que o Estado
brasileiro se diferenciou da tradiccedilatildeo latino-americana de associar verdade agrave justiccedila
(ABRAtildeO TORELLY 2011 p 227-228)
Tendo como o grande exemplo no caso brasileiro o Caso Gomes Lund que
teve de alccedilar caminhos para aleacutem da soberania interna para conseguir compreender os
acontecimentos desmistificando as inverdades dos governantes reconhecendo a
responsabilizaccedilatildeo do Estado
2 O Caso Gomes Lund e outros vs Brasil
A construccedilatildeo da Justiccedila transicional no Estado brasileiro avigorou-se com os
vaacuterios movimentos civis (estudantis das famiacutelias da Igreja OAB) defendendo a
anistia poliacutetica aos militantes com a soltura dos presos poliacuteticos e o retorno dos
exilados na ldquoanistia ampla geral e irrestritardquo
No entanto diante de um processo de controle institucional o Poder Judiciaacuterio
moldado na eacutepoca5 recepciona-a como reciacuteproca atravancando a possibilidade de
4 SILVA FILHO Joseacute Carlos Moreira da CASTRO Ricardo Silveira Justiccedila de Transiccedilatildeo e Poder
Judiciaacuterio Brasileiro ndash A barreira da lei de anistia para a responsabilizaccedilatildeo dos crimes da ditadura civil-
militar no Brasil Artigo publicado na revista de estudos criminais n 53 p 50-87 abrjun 2014 5ldquoComo visto eacute o Judiciaacuterio que aceita a tese de que todos os crimes do regime seriam conexos aos
crimes da resistecircncia (como se essa precedesse agravequeles) e consagra formalmente a tese jamais expressa
no texto legal de que um entendimento entre ldquoos dois ladosrdquo haveria gerado o consenso necessaacuterio para a
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responsabilizaccedilatildeo dos agentes estatais que cometeram graves violaccedilotildees aos direitos
humanos tendo como lsquoseguranccedilarsquo a impunidade observando expressatildeo cunhada por
Samuel Huntington ldquotransiccedilatildeo por transformaccedilatildeordquo6 (HUNTINGTON 1993 apud
ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232) De forma que o novo governo natildeo tinha interesse
em romper com o velho
Com a volta paulatina da democracia apoacutes a ditadura civil militar tentaram
ingressar atraveacutes dos mecanismos judiciais com accedilotildees para conseguirem
responsabilizar aqueles agentes pelos homiciacutedios desaparecimentos forccedilados torturas
sequestros e outros crimes Todavia tais iniciativas juriacutedicas encontraram como
obstaacuteculo a Lei de Anistia de 1979 cuja interpretaccedilatildeo forccedilava o arquivamento das accedilotildees
pela exclusatildeo da responsabilidade
Apoacutes a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 houve apariccedilatildeo de dois emblemaacuteticos
casos que foram arquivados tanto a tentativa do Ministeacuterio Puacuteblico Federal de abrir
inqueacuterito civil em 1992 para apurar a morte de Vladimir Herzog quanto agrave tentativa de
reabrir o caso do Rio Centro de 1981
Entretanto mesmo diante desse quadro estabelecido de impunidade no Brasil
parte da sociedade ousou continuar a luta para conseguir restaurar a justiccedila com o
restabelecimento da igualdade perante a lei levando o caso da Guerrilha do Araguaia ou
Caso Gomes Lund e outros vs Brasil agrave Corte Interamericana
Antes do relato insta fazer uma pausa para percepccedilatildeo do status normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos no Brasil
21 A Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e o Status Normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (CADH)
Relevantes pois a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o fortalecimento
do direito internacional assegurando os limites do poderio estatal e a consolidaccedilatildeo dos
transiccedilatildeo poliacutetica brasileira Essa constataccedilatildeo permite vislumbrar outra caracteriacutestica poliacutetico-institucional
importante da ditadura e da transiccedilatildeo brasileira o Judiciaacuterio aderiu ao regimerdquo (ABRAtildeO TORELLY
2014 p 235) 6Expressatildeo utilizada pelo Samuel Huntington ldquo[] those in power in the authoritarian regime take the
lead and play the decisive role in ending that regime and changing into a democratic system[] it
occurred in well-established military regimes where governments clearly controlled the ultimate means of
coercion vis-agrave-vis authoritarian systems that had been successful economically such as Spain Brazil
Taiwan Mexico and compared to other communist states Hungaryrdquo [] HUNTINGTON Samuel The
third wave Oklahoma Oklahoma University Press 1993 p126 (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232)
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direitos humanos agraves sociedades desses Nesse sentido Norberto Bobbio esclarece que a
garantia desses direitos no plano internacional soacute seraacute implementada quando ldquouma
jurisdiccedilatildeo internacional se impuser concretamente sobre as jurisdiccedilotildees nacionais
deixando de operar dentro dos Estados mas contra os Estados e em defesa dos
cidadatildeosrdquo (BOBBIO 1992 p 26)
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) eacute uma representaccedilatildeo
dessa fortificaccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo da proteccedilatildeo dos direitos Seus Estados-Parte
aceitaram em seus ordenamentos juriacutedicos a Convenccedilatildeo Americana de Direitos
Humanos (CADH) tambeacutem denominada de Pacto San Joseacute da Costa Rica que
reconhece e assegura um cataacutelogo de direitos civis e poliacuteticos destacando-se o direito agrave
vida agrave liberdade agrave proteccedilatildeo judicial Tendo pois o Estado-Parte a obrigaccedilatildeo de
respeitar e assegurar o livre e pleno exerciacutecio desses direitos e liberdades sem qualquer
discriminaccedilatildeo devendo adotar medidas legislativas para assegurar o seu livre e pleno
exerciacutecio (PIOVESAN 2006 p 89)
O Estado brasileiro foi um dos que mais tardiamente aderiu agrave Convenccedilatildeo em
1992 Seu reconhecimento ocorreu em 2002 no Decreto nordm 4463 dispondo em seu
primeiro artigo como ldquo() obrigatoacuteria de pleno direito e por prazo indeterminado a
competecircncia da Corte () em todos os casos relativos agrave interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo da
CADH () sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de
1998rdquo 7
E embora tenha reconhecido deve-se recordar que o status normativo das
normas internacionais ainda causa muitas discussotildees no Estado brasileiro
A priori destacam-se da Constituiccedilatildeo de 1988 as normas e entendimentos
sobre direito internacional e direitos humanos No artigo 4ordm inciso II o estabelecimento
da prevalecircncia dos direitos humanos nas relaccedilotildees internacionais Logo apoacutes o sect2ordm do
artigo 5ordm da CF88 determina que ldquo() os direitos e garantias expressos na Constituiccedilatildeo
natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos
tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo E o artigo
7 DECRETO 446302 - Promulga a Declaraccedilatildeo de Reconhecimento da Competecircncia Obrigatoacuteria da Corte
Interamericana de Direitos Humanos sob reserva de reciprocidade em consonacircncia com o art 62 da
Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute) de 22 de novembro de 1969
Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto2002d4463htmgtgt
11
7ordm do ADCT ldquoo Brasil propugnaraacute pela formaccedilatildeo de um tribunal internacional dos
direitos humanosrdquo
A querela sobre o status se amolda com a EC 4504 que introduz no artigo 5ordm
da CF o sect3ordm pretendendo um quoacuterum qualificado para convenccedilotildees e tratados sobre
direitos humanos serem equiparadas agraves emendas constitucionais Logo de um lado
observou-se o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes que concluiu como
esvaziada a discussatildeo sobre o status constitucional dos tratados ratificados no Brasil
anteriormente agrave mudanccedila constitucional e natildeo submetidos ao processo legislativo
especial (MENDES 2008 p 1144) E ldquoreconhecendo uma lsquosupralegalidadersquo das
normas de direitos humanos presentes em tratados regularmente incorporados ao direito
paacutetriordquo (SILVA VIEIRA 2015 p 47-48)
E em outra visatildeo ldquoFlaacutevia Piovesan reforccedila sua tese de que o artigo 5ordm sect2ordm
consagra o status dos tratados internacionais de direitos humanos como normas
materialmente constitucionaisrdquo seguindo o raciociacutenio de que o dispositivo do artigo 5ordm
sect3ordm da CF88 possui caraacuteter meramente formal num intuito interpretativo (SILVA
VIEIRA 2015 p 20) De modo que natildeo se evacue o conteuacutedo sobre a prevalecircncia dos
direitos humanos e sobre a natildeo exclusatildeo dos outros direitos humanos abordados em
tratados ou convenccedilotildees
Em um posicionamento mais recente e progressista o Ministro Celso de Mello
reconheceu o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos
regularmente incorporados agrave ordem interna inclusive anteriores agrave promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo de 1988 Conforme seu entendimento ldquoas normas oriundas de tratados
internacionais de direito humanos assumem um caraacuteter materialmente constitucional e
com fundamento no sect2ordm do art 5ordm da CF compotildee o lsquobloco de constitucionalidadersquordquo
(SILVA VIEIRA 2015 p 35)
Eacute uma visatildeo progressista e interessante para aacuterea pois expressa possiacuteveis
avanccedilos na Justiccedila transicional em relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo visto que
dessa maneira poderatildeo ser utilizadas essas normas internacionais aceitas no
ordenamento brasileiro para a construccedilatildeo da persecuccedilatildeo jurisdicional dos crimes de
lesa-humanidade
22 Anaacutelise do Caso Gomes Lund e outros Vs Brasil
12
As entidades da sociedade civil haviam se mobilizado para conseguir a
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis e militares pelas violaccedilotildees dos direitos aacute eacutepoca do
regime de exceccedilatildeo No entanto vendo-se estagnada a possibilidade paralelamente
conseguiram se mobilizar para levar o caso ao sistema regional de Direitos Humanos da
Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos (OEA)
Assim o Centro de Estudos para a Justiccedila e o Direito Internacional (CEJIL) e a
Human Rights WatchAmeacuterica (HRWA) em nome dos familiares atingidos
apresentaram uma peticcedilatildeo agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
para denunciar o desaparecimento de integrantes da ldquoGuerrilha do Araguaiardquo (TOSI
SILVA 2014 p 50) Como consta no relatoacuterio a peticcedilatildeo faz referecircncia ao
desaparecimento de membros da Guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1975 e a falta de
investigaccedilatildeo desses fatos pelo Estado desde entatildeo
Julia Gomes Lund e outras 21 pessoas foram presumivelmente mortas
durante as operaccedilotildees militares ocorridas na Regiatildeo do Araguaia sul
do Paraacute Desde 1982 familiares destas 22 pessoas tentam por meio de
uma accedilatildeo na Justiccedila Federal obter informaccedilotildees sobre as
circunstacircncias do desaparecimento e morte dos guerrilheiros bem
como a recuperaccedilatildeo dos corpos ()8
Alegando atraveacutes dos fatos apresentados violaccedilotildees a direitos garantidos pelos
artigos I (Direito agrave vida agrave liberdade agrave seguranccedila e agrave integridade da pessoa) XXV
(Direito de proteccedilatildeo contra prisatildeo arbitraacuteria) e XXVI (Direito a processo regular) da
Declaraccedilatildeo Americana de Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Americanardquo ou ldquoDeclaraccedilatildeordquo) bem como pelos artigos 4 (Direito agrave vida) 8
(garantias judiciais) 12 (Liberdade de consciecircncia e religiatildeo) 13 (Liberdade de
pensamento e de expressatildeo) e 25 (Proteccedilatildeo judicial) conjugados com o artigo 1(1)
(obrigaccedilatildeo de respeitar direitos) da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
Em sua defesa o Estado brasileiro argumentou jaacute ter reconhecido a sua
responsabilidade atraveacutes da Lei 9140959 com a reparaccedilatildeo das famiacutelias das viacutetimas que
essa lei tratava tambeacutem da investigaccedilatildeo das circunstacircncias da morte e apresentaccedilatildeo do
local que para localizar os cadaacuteveres dependeria de indiacutecios da zona geograacutefica sendo
8ORGANIZACcedilAtildeO DOS ESTADOS AMERICANOS Relatoacuterio de Admissibilidade nordm 3301 Caso nordm
11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil Relatoacuterio Anual de 2000
apresentado em 6 de marccedilo de 2001 Acesso em 18102016
ltlthttpwwwcidhorgannualrep2000port11552htmgtgt 9 Lei que instituiu a Comissatildeo Especial sobre Mortos e Desaparecidos no ano de 1995
13
impossiacutevel investigar se ausentes os indiacutecios que o Estado se negava a dispor relatoacuterios
militares completos nos quais sejam reportados de modo sistemaacutetico os locais de
sepultamento e as condiccedilotildees da morte desses indiviacuteduos e que natildeo seria possiacutevel a
investigaccedilatildeo e a sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pela existecircncia da Lei de Anistia de
197910
Em novembro de 2008 a Corte Interamericana expediu o Relatoacuterio de Meacuterito
nordm 910811
no qual demonstrou ao Brasil algumas recomendaccedilotildees necessaacuterias para a
resoluccedilatildeo do caso Essas de modo geral reconheciam a responsabilidade do Estado
requisitando que esse a) adotasse medidas para garantir que a Lei de Anistia brasileira
natildeo mais representasse obstaacuteculo para a persecuccedilatildeo penal de graves violaccedilotildees de
direitos humanos b) implementasse medidas jurisdicionais para a identificaccedilatildeo
responsabilizaccedilatildeo e sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pelos desaparecimentos forccedilados das
viacutetimas da Guerrilha do Araguaia sendo que o Estado deveria considerar que tais
crimes satildeo contra a humanidade insuscetiacuteveis agrave anistia ou prescriccedilatildeo c) implementasse
medidas legais e administrativas a fim de sistematiza e publicar os documentos
relacionados agraves operaccedilotildees militares contra a Guerrilha do Araguaia d) fornecesse
recursos financeiros e logiacutesticos aos esforccedilos jaacute empreendidos na busca das sepultura da
viacutetimas desaparecidas e) concedesse reparaccedilatildeo agrave famiacutelia das viacutetimas f) promovesse o
ajustamento normativo a fim de tipificar no ordenamento interno o crime de
desaparecimento forccedilado conforme os elementos constitutivos estabelecidos nos
instrumentos internacionais (TOSI SILVA p 51 2014)
Em suas accedilotildees o Estado brasileiro natildeo cumpriu as principais determinaccedilotildees
quanto agraves circunstacircncias de persecuccedilatildeo criminal tendo sido remetido o caso agrave Corte
Interamericana de Direitos Humanos
A Corte entatildeo ante ao descumprimento das recomendaccedilotildees sentenciou o
Estado brasileiro em 24 de novembro de 2010 condenando-o de forma reduzida por
desaparecimento forccedilado e os direitos violados das 62 pessoas desaparecidas aplicaccedilatildeo
da Lei de Anistia como entrave agraves investigaccedilotildees julgamentos e puniccedilotildees dos crimes
ineficaacutecia das accedilotildees judiciais natildeo penais falta de acesso agrave informaccedilatildeo sobre o ocorrido
10
() 11
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE MEacuteRITO Ndeg
9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e
outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do
20Araguaia20Brasil2026mar0920PORTpdf Acesso em 24 de junho de 2011
14
com as viacutetimas desaparecidas e a executada falta de acesso agrave justiccedila agrave verdade e agrave
informaccedilatildeo12
Ressalta-se que durante o processo perante o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos o Estado brasileiro natildeo controverteu os fatos Em sua contestaccedilatildeo
apresentou inclusive reconhecimento do sentimento de anguacutestia dos familiares das
pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia Ainda reconhecendo que a Lei
914095 ldquofirmou a responsabilidade do Estado pelas mortes garantiu reparaccedilatildeo
indenizatoacuteria e principalmente oficializou o reconhecimento histoacuterico de que estes
brasileiros [] morreram lutando como opositores poliacuteticos de um regime que havia
nascido violando a constitucionalidade democraacutetica erguida em 1946rdquo13
Para Moraes (2011) a condenaccedilatildeo eacute representativa de um conflito de jurisdiccedilatildeo
interna e internacional uma vez que o Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 153 2010 decidiu que a
anistia conferida pela Lei 668379 se estende aos crimes comuns praticados pelos
agentes da representaccedilatildeo durante o regime militar Assim seu peso histoacuterico eacute bastante
elevado ingressando com um possiacutevel rompimento da impunidade e reconstruccedilatildeo da
Memoacuteria Coletiva
3 O descumprimento da sentenccedila e a anaacutelise do papel da Arguiccedilatildeo de
Descumprimento de Preceitos Fundamentos nordm 320
31 Relato do descumprimento
A condenaccedilatildeo do Caso Gomes Lund de 2010 reforccedilou os entendimentos dados
em forma de recomendaccedilotildees e frisou quanto agrave necessidade de reconstruccedilatildeo da
memoacuteria das viacutetimas da ditadura civil-militar mais precisamente sobre o Araguaia
puniccedilatildeo dos autores dos desaparecimentos forccedilados e assassinatos da reparaccedilatildeo civil
12
A sentenccedila foi proferida em 24 de novembro de 2010 Trata-se do julgamento do Caso Gomes Lund e
outros (ldquoGuerrilha do Araguaiardquo) vs Brasil Disponiacutevel
em httpcorteidhorcrdocscasosarticulosseriec_219_pordoc Acesso em 22 de out de 2016 13
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE MEacuteRITO Demanda
perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha
do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil2026mar092
0PORTpdf
15
mediante indenizaccedilatildeo por danos morais e materiais e de medidas de prevenccedilatildeo a atos
violadores dos direitos humanos (MORAES 2011)
Em 2014 a Condenaccedilatildeo ainda passava em branco sem uma resposta plausiacutevel
agrave Corte apenas seguindo com o argumento de impossibilidade de imputar os agentes
criminalmente pela validaccedilatildeo da Lei de Anistia com a ADPF 153 em 2010 pelo STF
De modo que se percebesse que o Brasil novamente estava se abstendo sobre o caso
preferindo o entendimento interno em detrimento do Sistema Interamericano de
Direitos jaacute que em um dos argumentos para ADPF 153 ser validada constava na
inaplicabilidade da tipologia de crimes contra a humanidade 14
Nesse vieacutes para questionar a omissatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro sobre a
sentenccedila condenatoacuteria de 2010 o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ingressou
legitimamente com outra ADPF de nordm 320 em maio de 2014 reabrindo o debate sobre
Justiccedila de transiccedilatildeo brasileira Permitindo dessa forma que a controveacutersia fosse
rediscutida em outros acircmbitos
32 ADPF 320 pedidos e pareces em anaacutelise
Na ADPF 320 as discussotildees mais especiacuteficas elencaram alguns pontos
delineando nos pedidos a requisiccedilatildeo ao STF (1) uma declaraccedilatildeo para natildeo aplicaccedilatildeo da
Lei de Anistia aos crimes (a) de graves violaccedilotildees a direitos humanos cometidos por
agentes puacuteblico militares civis e (b) de caraacuteter permanente ou continuado e (2)
determinaccedilatildeo para cumprimento integral da decisatildeo da CIDH
Para tanto na peticcedilatildeo construiu um raciociacutenio fundamentando da
jurisprudecircncia internacional e nos fatos brasileiros que podem ser dispostos da seguinte
forma
(1) Da natildeo aplicaccedilatildeo da Lei de Anistia de 1979
Para tanto a ADPF 320 apresentou num primeiro momento a visatildeo da CIDH
quanto agrave ausecircncia de efeitos juriacutedicos de Lei de Anistia que queira impedir a
investigaccedilatildeo e a puniccedilatildeo de atos contra crime de lesa humanidade como claramente
14
A convalidaccedilatildeo da Lei de Anistia pela ADPF 153 deu-se em cima dos argumentos principais de ser
bilateral diferente de ldquoautoanistiardquo contra a anistia brasileira natildeo se aplicaria a tipologia de crimes contra
a humanidade e tratando-se de uma lei de reconciliaccedilatildeo somente o Poder Legislativo poderia modifica-
la (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 80)
16
ocorre no Estado brasileiro De certa forma criticando veemente uma das conclusotildees da
ADPF 153
Depois frisou a visatildeo do Estado brasileiro como responsaacutevel pelo
desaparecimento forccedilado e portanto pela violaccedilatildeo dos direitos ao reconhecimento da
personalidade juriacutedica agrave vida agrave integridade pessoal e agrave liberdade pessoal das pessoas laacute
indicadas Demonstrando dessa forma a desobediecircncia da obrigaccedilatildeo de adequar seu
direito interno agrave Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos conforme os arts 2 81
25 e 11 supracitados
(2) Em relaccedilatildeo ao descumprimento da sentenccedila de CIDH do Caso Gomes Lund
Aludiu sobre o descumprimento da sentenccedila pelos Poderes Judiciaacuterio e
Legislativo demonstrando atraveacutes de Relatoacuterio do Ministeacuterio Puacuteblico Federal referente
a 2011 ateacute 2013 a dificuldade em prosseguir com os processos judiciais de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a posiccedilatildeo paralisada do Congresso Nacional que natildeo
votou a tipificaccedilatildeo dos crimes de desaparecimento forccedilado de pessoas
Elencou ainda o aspecto da inconstitucionalidade por omissatildeo do Estado
brasileiro por violar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana no art 1ordm III o art 4ordm
II sobre prevalecircncia dos direitos humanos o art 5ordm sect2ordm que natildeo exclui outros direitos e
garantias decorrentes de tratados internacionais em que a Repuacuteblica federativa seja
parte e o art 7ordm da ADCT sobre tribunal internacional de direitos humanos ao qual se
subjugaraacute o Brasil todos os artigos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
E por uacuteltimo evidenciou o desrespeito ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos Citando o art 68 da CADH pelo qual o Estado-Parte se compromete a
cumprir a decisatildeo da Corte em todos os casos que forem parte E o art 27 da CADH
esclarecendo que ldquouma parte natildeo pode invocar as disposiccedilotildees de seu direito interno para
justificar descumprimento de tratadordquo
Em parecer a Advocacia-Geral da Uniatildeo na pessoa de Luiacutes Inaacutecio Lucena
Adams abordou o meacuterito esclarecendo que o Estado brasileiro tem produzido relatoacuterios
perioacutedicos sobre o cumprimento de sentenccedila sendo apresentados de 2011 a 2014
relatoacuterios que constassem informaccedilotildees minuciosas do cumprimento dos pontos
elencados na sentenccedila E citou como exemplos a criaccedilatildeo da Comissatildeo Nacional da
Verdade em 2011 as medidas do Ministeacuterio da Justiccedila para garantir o acesso agraves
17
informaccedilotildees da ditadura a criaccedilatildeo do Grupo de Trabalho Direito Memoacuteria e Verdade
da Procuradoria Federal dos Distritos do Cidadatildeo15
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot explicou que a
pretensatildeo contida nesta arguiccedilatildeo natildeo gera conflitos com o que foi decidido na ADPF
153 e nem caracteriza superfetaccedilatildeo (bis in idem) Naquela efetuou Controle de
Constitucionalidade da Lei 66831979 Jaacute nesta ADPF 320 pretende-se conhecimento
de validade e de efeito vinculante da decisatildeo da CIDH no caso Gomes Lund a qual agiu
no exerciacutecio legiacutetimo do Controle de Convencionalidade
Concebendo como admissiacutevel a arguiccedilatildeo contra interpretaccedilotildees judiciais que
contrariando o disposto na sentenccedila do caso Gomes Lund declarem extinta a
punibilidade de agentes envolvidos pela Lei de Anistia sob fundamento de prescriccedilatildeo
da pretensatildeo punitiva do Estado Abordando que ldquoEssas interpretaccedilotildees violetam
preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts 1ordm III 4ordm I e II e 5ordm sectsect 1ordm a 3ordm da
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198816
Assim analisam-se os pedidos
A priori tem-se o foco nos crimes de graves violaccedilotildees a direitos humanos e os
continuados ou permanentes e na inaplicabilidade da Lei de Anistia pela ausecircncia de
eficaacutecia juriacutedica
A posiccedilatildeo taxativa do Poder Judiciaacuterio seria a validaccedilatildeo da constitucionalidade
interpretativa da Lei de anistia em seu caraacuteter bilateral e que sua modificaccedilatildeo mesmo
que interpretativa deveria se dar atraveacutes do Poder Legislativo Entretanto deve-se
elaborar uma loacutegica que compreenda as seguintes concepccedilotildees primeiramente em
relaccedilatildeo aos crimes de lesa humanidade e em outro patamar os permanentes ou
continuados
15
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de descumprimento de
preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de 2014 Disponiacutevelem
ltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=62- 44157ampad=s3520
20PetiE7E3o20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o
20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
16 BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservice
20Integradorwsgt Acesso em 22102016
18
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
ADPF por almejar requerer a execuccedilatildeo de sentenccedila interamericana Diante disso
aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
entanto essa visatildeo encontra-se equivocada pois logo eacute esclarecida a ldquorelaccedilatildeo entre as
accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
direitos humanos e violar preceitos fundamentais derivados da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
20
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
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criacutemenes contra la humanidad y tambieacuten el fracaso de eficiencia de la sentencia de la CIDH
bajo la comprensioacuten de esta situacioacuten como una omisioacuten inconstitucional del poder judicial
KeywordsPalabras-clavesMots-cleacutes Responsabilidades de la justicia de transicioacuten Condenacioacuten de la cidh en el caso gomes lund Argumentacioacuten de incumplimiento de precepto fundamental nordm 320
6
INTRODUCcedilAtildeO
Com o intuito de solidificar conhecimento sobre a temaacutetica e tentando
enriquecer o debate a presente pesquisa pretende problematizar do ponto de vista
doutrinaacuterio e jurisprudencial centralizando na justiccedila de transiccedilatildeo a sua dimensatildeo de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis ou militares que cometeram crimes na eacutepoca da
ditadura civil-militar brasileira
Ante a um quadro histoacuterico complexo cuja soberania interna vem sendo
utilizada para obstaculizar a possibilidade de responsabilizaccedilatildeo por meio do Poder
Judiciaacuterio e do Poder Legislativo necessaacuterio foi inventar novos caminhos para tentar
alcanccedilar a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da democratizaccedilatildeo no Estado brasileiro
Assim com a interpretaccedilatildeo do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei de
Anistia no ano de 2010 revalidando-a como acordo bilateral entre as partes envolvidas
travando a persecuccedilatildeo criminal dos agentes a sociedade com vaacuterios movimentos
articulados elevou a lide a niacutevel internacional Com respaldo na Convenccedilatildeo Americana
de Direitos Humanos ingressaram com o Caso Gomes Lund e outros vs Brasil
(Guerrilha do Araguaia) na Corte Interamericana para que essa elucidasse as
instituiccedilotildees brasileiras e rompesse com o status quo da impunidade e da desigualdade
perante o Direito paacutetrio e internacional
No entanto mesmo com a condenaccedilatildeo do Estado brasileiro pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos que entendeu terem ocorrido crimes de lesa
humanidade (imprescritiacuteveis e insuscetiacuteveis agrave anistia) as determinaccedilotildees da sentenccedila
condenatoacuteria foram deixadas de lado pelo Estado
Dessa maneira afim de sublinhar a existecircncia da condenaccedilatildeo e continuar o
processo-luta para a concretizaccedilatildeo da transiccedilatildeo democraacutetica o Partido Socialismo e
Liberdade (PSOL) ingressou com uma Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito
Fundamental para rediscussatildeo questionando por esta via o inadimplemento da
sentenccedila da CIDH pelo Estado brasileiro Atualmente encontra-se apensada agrave ADPF
153 juntamente aos Embargos de Declaraccedilatildeo dessa natildeo julgados mas jaacute com os
pareceres da Advocacia Geral da Uniatildeo e da Procuradoria Geral da Repuacuteblica
recebidos
7
Almeja-se entatildeo conceber conhecimento mais soacutelido sobre essa conjuntura de
internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos a amplitude da ADPF 320 e suas chances de
reconhecimento em perquiriccedilatildeo conjunta agrave sentenccedila condenatoacuteria da CIDH
1 A Dimensatildeo da Responsabilizaccedilatildeo na Justiccedila de Transiccedilatildeo
Em um balanccedilo precaacuterio a estimativa eacute de que a ditadura civil militar brasileira
deixou um saldo de 50 mil pessoas presas somente nos primeiros meses de 1964 cerca
de 20000 brasileiros submetidos agrave tortura cerca de 400 cidadatildeos mortos ou
desaparecidos milhares de prisotildees poliacuteticas natildeo registradas 130 banimentos 4862
cassaccedilotildees de mandatos poliacuteticos uma cifra incalculaacutevel de exiacutelios e refuacutegios poliacuteticos1
Por observacircncia do conceito de Justiccedila em cascatardquo2 e intelecccedilatildeo majoritaacuteria da
doutrina de Direito Internacional no terreno encampado na ldquoEra da responsabilizaccedilatildeordquo3
eleva-se a importacircncia do dever de proporcionar justiccedila ante o conhecimento de casos
de crimes contra a humanidade Deve a rigor desta linha argumentativa haver a
promoccedilatildeo da responsabilizaccedilatildeo dos governos e de seus aparatos burocraacuteticos (civis e
militares) devido tanto agrave pressatildeo internacional como agrave mobilizaccedilatildeo domeacutestica face agraves
atrocidades algumas imprescritiacuteveis como os crimes de desaparecimento e sequestro
Em territoacuterio nacional muito se discute quanto agrave magnitude de se
responsabilizar os agentes e sobre as alternativas para concretizaccedilatildeo do feito ante a
configuraccedilatildeo da justiccedila atual Como assevera Joseacute Carlos Moreira da Silva Filho
A importacircncia do estudo a respeito da possibilidade juriacutedica de haver
julgamentos voltados agrave atribuiccedilatildeo de responsabilidade criminal aos
agentes do regime militar de 1964 estaacute relacionada com a necessidade
de se construir uma cultura de respeito e fortalecimento aos direitos
1 Dados disponiacuteveis por fornecimento da Comissatildeo de Familiares Mortos e Desaparecidos Poliacuteticos com
lista completa em ltlthttpwwwdesaparecidospoliticosorgbrpessoasphpm=3gtgt e
ltlthttpmemoriasreveladasarquivonacionalgovbrcampanhaexilados-e-banidos-da-vida-
publicaindezhtmgtgt em estudo apresentado por TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque
ldquoJusticcedila de Transiccedilatildeo no Brasil e o processo de democratizaccedilatildeordquo Justiccedila de Transiccedilatildeo direito agrave
justiccedila agrave memoacuteria e agrave verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da
UFPB 2014 348p 2ldquoA difusatildeo da normal global contraacuteria agrave anistia ter impactado fortemente tribunais internacionais e locais
levando estudiosos a denominarem esse movimento ou fenocircmeno juriacutedico internacional como lsquoJusticcedila de
Cascatarsquo (Lutz e Sikkink) ou ldquoRevoluccedilatildeo de Justiccedilardquo (Sriram)rdquo(PAYNE ABRAtildeO TORELLY 2011 p
25) 3ldquoA norma global de responsabilizaccedilatildeo individual tem se espalhado pelo mundo inclusive com a criaccedilatildeo
de cortes internacionais permanentes como o Tribunal Penal Internacional levando a resultados
dramaacuteticosrdquo (PAYNE ABRAtildeO TORELLY 2011 p 22)
8
humanos pela forccedila de seguranccedila puacuteblica do Estado Democraacutetico de
Direito Brasileiro4
Isto posto a responsabilizaccedilatildeo deve ser efetuada a fim de fortalecer a
democracia e as instituiccedilotildees democraacuteticas de forma a romper com o Estado de exceccedilatildeo
e com as heranccedilas por ele deixadas Como bem explicam Paulo Abratildeo e Marcelo D
Torelly a expressatildeo de que devem ser concretizadas
medidas que expressam para as sociedades destes paiacuteses que a lei eacute
igual para todos inclusive para aqueles que um dia estiveram em
posiccedilatildeo de poder para manipular o modo de produccedilatildeo legislativa e
direcionar institutos juriacutedicos de clemecircncia para seus proacuteprios crimes
Trata-se de uma concepccedilatildeo na qual o Estado democraacutetico presta
contas daquilo que foi feito anteriormente pelo Estado de exceccedilatildeo
pela via da justiccedila de transiccedilatildeo (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 77 )
A dimensatildeo que diz respeito agrave responsabilidade judicial no Brasil encontra-se
estagnada no quadro atual principalmente se comparada com outros paiacuteses na Ameacuterica
Latina que tambeacutem passaram por ditaduras civis militares Logo infere-se que o Estado
brasileiro se diferenciou da tradiccedilatildeo latino-americana de associar verdade agrave justiccedila
(ABRAtildeO TORELLY 2011 p 227-228)
Tendo como o grande exemplo no caso brasileiro o Caso Gomes Lund que
teve de alccedilar caminhos para aleacutem da soberania interna para conseguir compreender os
acontecimentos desmistificando as inverdades dos governantes reconhecendo a
responsabilizaccedilatildeo do Estado
2 O Caso Gomes Lund e outros vs Brasil
A construccedilatildeo da Justiccedila transicional no Estado brasileiro avigorou-se com os
vaacuterios movimentos civis (estudantis das famiacutelias da Igreja OAB) defendendo a
anistia poliacutetica aos militantes com a soltura dos presos poliacuteticos e o retorno dos
exilados na ldquoanistia ampla geral e irrestritardquo
No entanto diante de um processo de controle institucional o Poder Judiciaacuterio
moldado na eacutepoca5 recepciona-a como reciacuteproca atravancando a possibilidade de
4 SILVA FILHO Joseacute Carlos Moreira da CASTRO Ricardo Silveira Justiccedila de Transiccedilatildeo e Poder
Judiciaacuterio Brasileiro ndash A barreira da lei de anistia para a responsabilizaccedilatildeo dos crimes da ditadura civil-
militar no Brasil Artigo publicado na revista de estudos criminais n 53 p 50-87 abrjun 2014 5ldquoComo visto eacute o Judiciaacuterio que aceita a tese de que todos os crimes do regime seriam conexos aos
crimes da resistecircncia (como se essa precedesse agravequeles) e consagra formalmente a tese jamais expressa
no texto legal de que um entendimento entre ldquoos dois ladosrdquo haveria gerado o consenso necessaacuterio para a
9
responsabilizaccedilatildeo dos agentes estatais que cometeram graves violaccedilotildees aos direitos
humanos tendo como lsquoseguranccedilarsquo a impunidade observando expressatildeo cunhada por
Samuel Huntington ldquotransiccedilatildeo por transformaccedilatildeordquo6 (HUNTINGTON 1993 apud
ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232) De forma que o novo governo natildeo tinha interesse
em romper com o velho
Com a volta paulatina da democracia apoacutes a ditadura civil militar tentaram
ingressar atraveacutes dos mecanismos judiciais com accedilotildees para conseguirem
responsabilizar aqueles agentes pelos homiciacutedios desaparecimentos forccedilados torturas
sequestros e outros crimes Todavia tais iniciativas juriacutedicas encontraram como
obstaacuteculo a Lei de Anistia de 1979 cuja interpretaccedilatildeo forccedilava o arquivamento das accedilotildees
pela exclusatildeo da responsabilidade
Apoacutes a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 houve apariccedilatildeo de dois emblemaacuteticos
casos que foram arquivados tanto a tentativa do Ministeacuterio Puacuteblico Federal de abrir
inqueacuterito civil em 1992 para apurar a morte de Vladimir Herzog quanto agrave tentativa de
reabrir o caso do Rio Centro de 1981
Entretanto mesmo diante desse quadro estabelecido de impunidade no Brasil
parte da sociedade ousou continuar a luta para conseguir restaurar a justiccedila com o
restabelecimento da igualdade perante a lei levando o caso da Guerrilha do Araguaia ou
Caso Gomes Lund e outros vs Brasil agrave Corte Interamericana
Antes do relato insta fazer uma pausa para percepccedilatildeo do status normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos no Brasil
21 A Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e o Status Normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (CADH)
Relevantes pois a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o fortalecimento
do direito internacional assegurando os limites do poderio estatal e a consolidaccedilatildeo dos
transiccedilatildeo poliacutetica brasileira Essa constataccedilatildeo permite vislumbrar outra caracteriacutestica poliacutetico-institucional
importante da ditadura e da transiccedilatildeo brasileira o Judiciaacuterio aderiu ao regimerdquo (ABRAtildeO TORELLY
2014 p 235) 6Expressatildeo utilizada pelo Samuel Huntington ldquo[] those in power in the authoritarian regime take the
lead and play the decisive role in ending that regime and changing into a democratic system[] it
occurred in well-established military regimes where governments clearly controlled the ultimate means of
coercion vis-agrave-vis authoritarian systems that had been successful economically such as Spain Brazil
Taiwan Mexico and compared to other communist states Hungaryrdquo [] HUNTINGTON Samuel The
third wave Oklahoma Oklahoma University Press 1993 p126 (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232)
10
direitos humanos agraves sociedades desses Nesse sentido Norberto Bobbio esclarece que a
garantia desses direitos no plano internacional soacute seraacute implementada quando ldquouma
jurisdiccedilatildeo internacional se impuser concretamente sobre as jurisdiccedilotildees nacionais
deixando de operar dentro dos Estados mas contra os Estados e em defesa dos
cidadatildeosrdquo (BOBBIO 1992 p 26)
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) eacute uma representaccedilatildeo
dessa fortificaccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo da proteccedilatildeo dos direitos Seus Estados-Parte
aceitaram em seus ordenamentos juriacutedicos a Convenccedilatildeo Americana de Direitos
Humanos (CADH) tambeacutem denominada de Pacto San Joseacute da Costa Rica que
reconhece e assegura um cataacutelogo de direitos civis e poliacuteticos destacando-se o direito agrave
vida agrave liberdade agrave proteccedilatildeo judicial Tendo pois o Estado-Parte a obrigaccedilatildeo de
respeitar e assegurar o livre e pleno exerciacutecio desses direitos e liberdades sem qualquer
discriminaccedilatildeo devendo adotar medidas legislativas para assegurar o seu livre e pleno
exerciacutecio (PIOVESAN 2006 p 89)
O Estado brasileiro foi um dos que mais tardiamente aderiu agrave Convenccedilatildeo em
1992 Seu reconhecimento ocorreu em 2002 no Decreto nordm 4463 dispondo em seu
primeiro artigo como ldquo() obrigatoacuteria de pleno direito e por prazo indeterminado a
competecircncia da Corte () em todos os casos relativos agrave interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo da
CADH () sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de
1998rdquo 7
E embora tenha reconhecido deve-se recordar que o status normativo das
normas internacionais ainda causa muitas discussotildees no Estado brasileiro
A priori destacam-se da Constituiccedilatildeo de 1988 as normas e entendimentos
sobre direito internacional e direitos humanos No artigo 4ordm inciso II o estabelecimento
da prevalecircncia dos direitos humanos nas relaccedilotildees internacionais Logo apoacutes o sect2ordm do
artigo 5ordm da CF88 determina que ldquo() os direitos e garantias expressos na Constituiccedilatildeo
natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos
tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo E o artigo
7 DECRETO 446302 - Promulga a Declaraccedilatildeo de Reconhecimento da Competecircncia Obrigatoacuteria da Corte
Interamericana de Direitos Humanos sob reserva de reciprocidade em consonacircncia com o art 62 da
Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute) de 22 de novembro de 1969
Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto2002d4463htmgtgt
11
7ordm do ADCT ldquoo Brasil propugnaraacute pela formaccedilatildeo de um tribunal internacional dos
direitos humanosrdquo
A querela sobre o status se amolda com a EC 4504 que introduz no artigo 5ordm
da CF o sect3ordm pretendendo um quoacuterum qualificado para convenccedilotildees e tratados sobre
direitos humanos serem equiparadas agraves emendas constitucionais Logo de um lado
observou-se o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes que concluiu como
esvaziada a discussatildeo sobre o status constitucional dos tratados ratificados no Brasil
anteriormente agrave mudanccedila constitucional e natildeo submetidos ao processo legislativo
especial (MENDES 2008 p 1144) E ldquoreconhecendo uma lsquosupralegalidadersquo das
normas de direitos humanos presentes em tratados regularmente incorporados ao direito
paacutetriordquo (SILVA VIEIRA 2015 p 47-48)
E em outra visatildeo ldquoFlaacutevia Piovesan reforccedila sua tese de que o artigo 5ordm sect2ordm
consagra o status dos tratados internacionais de direitos humanos como normas
materialmente constitucionaisrdquo seguindo o raciociacutenio de que o dispositivo do artigo 5ordm
sect3ordm da CF88 possui caraacuteter meramente formal num intuito interpretativo (SILVA
VIEIRA 2015 p 20) De modo que natildeo se evacue o conteuacutedo sobre a prevalecircncia dos
direitos humanos e sobre a natildeo exclusatildeo dos outros direitos humanos abordados em
tratados ou convenccedilotildees
Em um posicionamento mais recente e progressista o Ministro Celso de Mello
reconheceu o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos
regularmente incorporados agrave ordem interna inclusive anteriores agrave promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo de 1988 Conforme seu entendimento ldquoas normas oriundas de tratados
internacionais de direito humanos assumem um caraacuteter materialmente constitucional e
com fundamento no sect2ordm do art 5ordm da CF compotildee o lsquobloco de constitucionalidadersquordquo
(SILVA VIEIRA 2015 p 35)
Eacute uma visatildeo progressista e interessante para aacuterea pois expressa possiacuteveis
avanccedilos na Justiccedila transicional em relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo visto que
dessa maneira poderatildeo ser utilizadas essas normas internacionais aceitas no
ordenamento brasileiro para a construccedilatildeo da persecuccedilatildeo jurisdicional dos crimes de
lesa-humanidade
22 Anaacutelise do Caso Gomes Lund e outros Vs Brasil
12
As entidades da sociedade civil haviam se mobilizado para conseguir a
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis e militares pelas violaccedilotildees dos direitos aacute eacutepoca do
regime de exceccedilatildeo No entanto vendo-se estagnada a possibilidade paralelamente
conseguiram se mobilizar para levar o caso ao sistema regional de Direitos Humanos da
Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos (OEA)
Assim o Centro de Estudos para a Justiccedila e o Direito Internacional (CEJIL) e a
Human Rights WatchAmeacuterica (HRWA) em nome dos familiares atingidos
apresentaram uma peticcedilatildeo agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
para denunciar o desaparecimento de integrantes da ldquoGuerrilha do Araguaiardquo (TOSI
SILVA 2014 p 50) Como consta no relatoacuterio a peticcedilatildeo faz referecircncia ao
desaparecimento de membros da Guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1975 e a falta de
investigaccedilatildeo desses fatos pelo Estado desde entatildeo
Julia Gomes Lund e outras 21 pessoas foram presumivelmente mortas
durante as operaccedilotildees militares ocorridas na Regiatildeo do Araguaia sul
do Paraacute Desde 1982 familiares destas 22 pessoas tentam por meio de
uma accedilatildeo na Justiccedila Federal obter informaccedilotildees sobre as
circunstacircncias do desaparecimento e morte dos guerrilheiros bem
como a recuperaccedilatildeo dos corpos ()8
Alegando atraveacutes dos fatos apresentados violaccedilotildees a direitos garantidos pelos
artigos I (Direito agrave vida agrave liberdade agrave seguranccedila e agrave integridade da pessoa) XXV
(Direito de proteccedilatildeo contra prisatildeo arbitraacuteria) e XXVI (Direito a processo regular) da
Declaraccedilatildeo Americana de Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Americanardquo ou ldquoDeclaraccedilatildeordquo) bem como pelos artigos 4 (Direito agrave vida) 8
(garantias judiciais) 12 (Liberdade de consciecircncia e religiatildeo) 13 (Liberdade de
pensamento e de expressatildeo) e 25 (Proteccedilatildeo judicial) conjugados com o artigo 1(1)
(obrigaccedilatildeo de respeitar direitos) da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
Em sua defesa o Estado brasileiro argumentou jaacute ter reconhecido a sua
responsabilidade atraveacutes da Lei 9140959 com a reparaccedilatildeo das famiacutelias das viacutetimas que
essa lei tratava tambeacutem da investigaccedilatildeo das circunstacircncias da morte e apresentaccedilatildeo do
local que para localizar os cadaacuteveres dependeria de indiacutecios da zona geograacutefica sendo
8ORGANIZACcedilAtildeO DOS ESTADOS AMERICANOS Relatoacuterio de Admissibilidade nordm 3301 Caso nordm
11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil Relatoacuterio Anual de 2000
apresentado em 6 de marccedilo de 2001 Acesso em 18102016
ltlthttpwwwcidhorgannualrep2000port11552htmgtgt 9 Lei que instituiu a Comissatildeo Especial sobre Mortos e Desaparecidos no ano de 1995
13
impossiacutevel investigar se ausentes os indiacutecios que o Estado se negava a dispor relatoacuterios
militares completos nos quais sejam reportados de modo sistemaacutetico os locais de
sepultamento e as condiccedilotildees da morte desses indiviacuteduos e que natildeo seria possiacutevel a
investigaccedilatildeo e a sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pela existecircncia da Lei de Anistia de
197910
Em novembro de 2008 a Corte Interamericana expediu o Relatoacuterio de Meacuterito
nordm 910811
no qual demonstrou ao Brasil algumas recomendaccedilotildees necessaacuterias para a
resoluccedilatildeo do caso Essas de modo geral reconheciam a responsabilidade do Estado
requisitando que esse a) adotasse medidas para garantir que a Lei de Anistia brasileira
natildeo mais representasse obstaacuteculo para a persecuccedilatildeo penal de graves violaccedilotildees de
direitos humanos b) implementasse medidas jurisdicionais para a identificaccedilatildeo
responsabilizaccedilatildeo e sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pelos desaparecimentos forccedilados das
viacutetimas da Guerrilha do Araguaia sendo que o Estado deveria considerar que tais
crimes satildeo contra a humanidade insuscetiacuteveis agrave anistia ou prescriccedilatildeo c) implementasse
medidas legais e administrativas a fim de sistematiza e publicar os documentos
relacionados agraves operaccedilotildees militares contra a Guerrilha do Araguaia d) fornecesse
recursos financeiros e logiacutesticos aos esforccedilos jaacute empreendidos na busca das sepultura da
viacutetimas desaparecidas e) concedesse reparaccedilatildeo agrave famiacutelia das viacutetimas f) promovesse o
ajustamento normativo a fim de tipificar no ordenamento interno o crime de
desaparecimento forccedilado conforme os elementos constitutivos estabelecidos nos
instrumentos internacionais (TOSI SILVA p 51 2014)
Em suas accedilotildees o Estado brasileiro natildeo cumpriu as principais determinaccedilotildees
quanto agraves circunstacircncias de persecuccedilatildeo criminal tendo sido remetido o caso agrave Corte
Interamericana de Direitos Humanos
A Corte entatildeo ante ao descumprimento das recomendaccedilotildees sentenciou o
Estado brasileiro em 24 de novembro de 2010 condenando-o de forma reduzida por
desaparecimento forccedilado e os direitos violados das 62 pessoas desaparecidas aplicaccedilatildeo
da Lei de Anistia como entrave agraves investigaccedilotildees julgamentos e puniccedilotildees dos crimes
ineficaacutecia das accedilotildees judiciais natildeo penais falta de acesso agrave informaccedilatildeo sobre o ocorrido
10
() 11
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE MEacuteRITO Ndeg
9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e
outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do
20Araguaia20Brasil2026mar0920PORTpdf Acesso em 24 de junho de 2011
14
com as viacutetimas desaparecidas e a executada falta de acesso agrave justiccedila agrave verdade e agrave
informaccedilatildeo12
Ressalta-se que durante o processo perante o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos o Estado brasileiro natildeo controverteu os fatos Em sua contestaccedilatildeo
apresentou inclusive reconhecimento do sentimento de anguacutestia dos familiares das
pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia Ainda reconhecendo que a Lei
914095 ldquofirmou a responsabilidade do Estado pelas mortes garantiu reparaccedilatildeo
indenizatoacuteria e principalmente oficializou o reconhecimento histoacuterico de que estes
brasileiros [] morreram lutando como opositores poliacuteticos de um regime que havia
nascido violando a constitucionalidade democraacutetica erguida em 1946rdquo13
Para Moraes (2011) a condenaccedilatildeo eacute representativa de um conflito de jurisdiccedilatildeo
interna e internacional uma vez que o Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 153 2010 decidiu que a
anistia conferida pela Lei 668379 se estende aos crimes comuns praticados pelos
agentes da representaccedilatildeo durante o regime militar Assim seu peso histoacuterico eacute bastante
elevado ingressando com um possiacutevel rompimento da impunidade e reconstruccedilatildeo da
Memoacuteria Coletiva
3 O descumprimento da sentenccedila e a anaacutelise do papel da Arguiccedilatildeo de
Descumprimento de Preceitos Fundamentos nordm 320
31 Relato do descumprimento
A condenaccedilatildeo do Caso Gomes Lund de 2010 reforccedilou os entendimentos dados
em forma de recomendaccedilotildees e frisou quanto agrave necessidade de reconstruccedilatildeo da
memoacuteria das viacutetimas da ditadura civil-militar mais precisamente sobre o Araguaia
puniccedilatildeo dos autores dos desaparecimentos forccedilados e assassinatos da reparaccedilatildeo civil
12
A sentenccedila foi proferida em 24 de novembro de 2010 Trata-se do julgamento do Caso Gomes Lund e
outros (ldquoGuerrilha do Araguaiardquo) vs Brasil Disponiacutevel
em httpcorteidhorcrdocscasosarticulosseriec_219_pordoc Acesso em 22 de out de 2016 13
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE MEacuteRITO Demanda
perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha
do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil2026mar092
0PORTpdf
15
mediante indenizaccedilatildeo por danos morais e materiais e de medidas de prevenccedilatildeo a atos
violadores dos direitos humanos (MORAES 2011)
Em 2014 a Condenaccedilatildeo ainda passava em branco sem uma resposta plausiacutevel
agrave Corte apenas seguindo com o argumento de impossibilidade de imputar os agentes
criminalmente pela validaccedilatildeo da Lei de Anistia com a ADPF 153 em 2010 pelo STF
De modo que se percebesse que o Brasil novamente estava se abstendo sobre o caso
preferindo o entendimento interno em detrimento do Sistema Interamericano de
Direitos jaacute que em um dos argumentos para ADPF 153 ser validada constava na
inaplicabilidade da tipologia de crimes contra a humanidade 14
Nesse vieacutes para questionar a omissatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro sobre a
sentenccedila condenatoacuteria de 2010 o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ingressou
legitimamente com outra ADPF de nordm 320 em maio de 2014 reabrindo o debate sobre
Justiccedila de transiccedilatildeo brasileira Permitindo dessa forma que a controveacutersia fosse
rediscutida em outros acircmbitos
32 ADPF 320 pedidos e pareces em anaacutelise
Na ADPF 320 as discussotildees mais especiacuteficas elencaram alguns pontos
delineando nos pedidos a requisiccedilatildeo ao STF (1) uma declaraccedilatildeo para natildeo aplicaccedilatildeo da
Lei de Anistia aos crimes (a) de graves violaccedilotildees a direitos humanos cometidos por
agentes puacuteblico militares civis e (b) de caraacuteter permanente ou continuado e (2)
determinaccedilatildeo para cumprimento integral da decisatildeo da CIDH
Para tanto na peticcedilatildeo construiu um raciociacutenio fundamentando da
jurisprudecircncia internacional e nos fatos brasileiros que podem ser dispostos da seguinte
forma
(1) Da natildeo aplicaccedilatildeo da Lei de Anistia de 1979
Para tanto a ADPF 320 apresentou num primeiro momento a visatildeo da CIDH
quanto agrave ausecircncia de efeitos juriacutedicos de Lei de Anistia que queira impedir a
investigaccedilatildeo e a puniccedilatildeo de atos contra crime de lesa humanidade como claramente
14
A convalidaccedilatildeo da Lei de Anistia pela ADPF 153 deu-se em cima dos argumentos principais de ser
bilateral diferente de ldquoautoanistiardquo contra a anistia brasileira natildeo se aplicaria a tipologia de crimes contra
a humanidade e tratando-se de uma lei de reconciliaccedilatildeo somente o Poder Legislativo poderia modifica-
la (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 80)
16
ocorre no Estado brasileiro De certa forma criticando veemente uma das conclusotildees da
ADPF 153
Depois frisou a visatildeo do Estado brasileiro como responsaacutevel pelo
desaparecimento forccedilado e portanto pela violaccedilatildeo dos direitos ao reconhecimento da
personalidade juriacutedica agrave vida agrave integridade pessoal e agrave liberdade pessoal das pessoas laacute
indicadas Demonstrando dessa forma a desobediecircncia da obrigaccedilatildeo de adequar seu
direito interno agrave Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos conforme os arts 2 81
25 e 11 supracitados
(2) Em relaccedilatildeo ao descumprimento da sentenccedila de CIDH do Caso Gomes Lund
Aludiu sobre o descumprimento da sentenccedila pelos Poderes Judiciaacuterio e
Legislativo demonstrando atraveacutes de Relatoacuterio do Ministeacuterio Puacuteblico Federal referente
a 2011 ateacute 2013 a dificuldade em prosseguir com os processos judiciais de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a posiccedilatildeo paralisada do Congresso Nacional que natildeo
votou a tipificaccedilatildeo dos crimes de desaparecimento forccedilado de pessoas
Elencou ainda o aspecto da inconstitucionalidade por omissatildeo do Estado
brasileiro por violar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana no art 1ordm III o art 4ordm
II sobre prevalecircncia dos direitos humanos o art 5ordm sect2ordm que natildeo exclui outros direitos e
garantias decorrentes de tratados internacionais em que a Repuacuteblica federativa seja
parte e o art 7ordm da ADCT sobre tribunal internacional de direitos humanos ao qual se
subjugaraacute o Brasil todos os artigos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
E por uacuteltimo evidenciou o desrespeito ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos Citando o art 68 da CADH pelo qual o Estado-Parte se compromete a
cumprir a decisatildeo da Corte em todos os casos que forem parte E o art 27 da CADH
esclarecendo que ldquouma parte natildeo pode invocar as disposiccedilotildees de seu direito interno para
justificar descumprimento de tratadordquo
Em parecer a Advocacia-Geral da Uniatildeo na pessoa de Luiacutes Inaacutecio Lucena
Adams abordou o meacuterito esclarecendo que o Estado brasileiro tem produzido relatoacuterios
perioacutedicos sobre o cumprimento de sentenccedila sendo apresentados de 2011 a 2014
relatoacuterios que constassem informaccedilotildees minuciosas do cumprimento dos pontos
elencados na sentenccedila E citou como exemplos a criaccedilatildeo da Comissatildeo Nacional da
Verdade em 2011 as medidas do Ministeacuterio da Justiccedila para garantir o acesso agraves
17
informaccedilotildees da ditadura a criaccedilatildeo do Grupo de Trabalho Direito Memoacuteria e Verdade
da Procuradoria Federal dos Distritos do Cidadatildeo15
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot explicou que a
pretensatildeo contida nesta arguiccedilatildeo natildeo gera conflitos com o que foi decidido na ADPF
153 e nem caracteriza superfetaccedilatildeo (bis in idem) Naquela efetuou Controle de
Constitucionalidade da Lei 66831979 Jaacute nesta ADPF 320 pretende-se conhecimento
de validade e de efeito vinculante da decisatildeo da CIDH no caso Gomes Lund a qual agiu
no exerciacutecio legiacutetimo do Controle de Convencionalidade
Concebendo como admissiacutevel a arguiccedilatildeo contra interpretaccedilotildees judiciais que
contrariando o disposto na sentenccedila do caso Gomes Lund declarem extinta a
punibilidade de agentes envolvidos pela Lei de Anistia sob fundamento de prescriccedilatildeo
da pretensatildeo punitiva do Estado Abordando que ldquoEssas interpretaccedilotildees violetam
preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts 1ordm III 4ordm I e II e 5ordm sectsect 1ordm a 3ordm da
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198816
Assim analisam-se os pedidos
A priori tem-se o foco nos crimes de graves violaccedilotildees a direitos humanos e os
continuados ou permanentes e na inaplicabilidade da Lei de Anistia pela ausecircncia de
eficaacutecia juriacutedica
A posiccedilatildeo taxativa do Poder Judiciaacuterio seria a validaccedilatildeo da constitucionalidade
interpretativa da Lei de anistia em seu caraacuteter bilateral e que sua modificaccedilatildeo mesmo
que interpretativa deveria se dar atraveacutes do Poder Legislativo Entretanto deve-se
elaborar uma loacutegica que compreenda as seguintes concepccedilotildees primeiramente em
relaccedilatildeo aos crimes de lesa humanidade e em outro patamar os permanentes ou
continuados
15
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de descumprimento de
preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de 2014 Disponiacutevelem
ltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=62- 44157ampad=s3520
20PetiE7E3o20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o
20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
16 BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservice
20Integradorwsgt Acesso em 22102016
18
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
ADPF por almejar requerer a execuccedilatildeo de sentenccedila interamericana Diante disso
aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
entanto essa visatildeo encontra-se equivocada pois logo eacute esclarecida a ldquorelaccedilatildeo entre as
accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
direitos humanos e violar preceitos fundamentais derivados da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
20
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
REFEREcircNCIAS
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25
INTRODUCcedilAtildeO
Com o intuito de solidificar conhecimento sobre a temaacutetica e tentando
enriquecer o debate a presente pesquisa pretende problematizar do ponto de vista
doutrinaacuterio e jurisprudencial centralizando na justiccedila de transiccedilatildeo a sua dimensatildeo de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis ou militares que cometeram crimes na eacutepoca da
ditadura civil-militar brasileira
Ante a um quadro histoacuterico complexo cuja soberania interna vem sendo
utilizada para obstaculizar a possibilidade de responsabilizaccedilatildeo por meio do Poder
Judiciaacuterio e do Poder Legislativo necessaacuterio foi inventar novos caminhos para tentar
alcanccedilar a construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da democratizaccedilatildeo no Estado brasileiro
Assim com a interpretaccedilatildeo do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei de
Anistia no ano de 2010 revalidando-a como acordo bilateral entre as partes envolvidas
travando a persecuccedilatildeo criminal dos agentes a sociedade com vaacuterios movimentos
articulados elevou a lide a niacutevel internacional Com respaldo na Convenccedilatildeo Americana
de Direitos Humanos ingressaram com o Caso Gomes Lund e outros vs Brasil
(Guerrilha do Araguaia) na Corte Interamericana para que essa elucidasse as
instituiccedilotildees brasileiras e rompesse com o status quo da impunidade e da desigualdade
perante o Direito paacutetrio e internacional
No entanto mesmo com a condenaccedilatildeo do Estado brasileiro pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos que entendeu terem ocorrido crimes de lesa
humanidade (imprescritiacuteveis e insuscetiacuteveis agrave anistia) as determinaccedilotildees da sentenccedila
condenatoacuteria foram deixadas de lado pelo Estado
Dessa maneira afim de sublinhar a existecircncia da condenaccedilatildeo e continuar o
processo-luta para a concretizaccedilatildeo da transiccedilatildeo democraacutetica o Partido Socialismo e
Liberdade (PSOL) ingressou com uma Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito
Fundamental para rediscussatildeo questionando por esta via o inadimplemento da
sentenccedila da CIDH pelo Estado brasileiro Atualmente encontra-se apensada agrave ADPF
153 juntamente aos Embargos de Declaraccedilatildeo dessa natildeo julgados mas jaacute com os
pareceres da Advocacia Geral da Uniatildeo e da Procuradoria Geral da Repuacuteblica
recebidos
7
Almeja-se entatildeo conceber conhecimento mais soacutelido sobre essa conjuntura de
internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos a amplitude da ADPF 320 e suas chances de
reconhecimento em perquiriccedilatildeo conjunta agrave sentenccedila condenatoacuteria da CIDH
1 A Dimensatildeo da Responsabilizaccedilatildeo na Justiccedila de Transiccedilatildeo
Em um balanccedilo precaacuterio a estimativa eacute de que a ditadura civil militar brasileira
deixou um saldo de 50 mil pessoas presas somente nos primeiros meses de 1964 cerca
de 20000 brasileiros submetidos agrave tortura cerca de 400 cidadatildeos mortos ou
desaparecidos milhares de prisotildees poliacuteticas natildeo registradas 130 banimentos 4862
cassaccedilotildees de mandatos poliacuteticos uma cifra incalculaacutevel de exiacutelios e refuacutegios poliacuteticos1
Por observacircncia do conceito de Justiccedila em cascatardquo2 e intelecccedilatildeo majoritaacuteria da
doutrina de Direito Internacional no terreno encampado na ldquoEra da responsabilizaccedilatildeordquo3
eleva-se a importacircncia do dever de proporcionar justiccedila ante o conhecimento de casos
de crimes contra a humanidade Deve a rigor desta linha argumentativa haver a
promoccedilatildeo da responsabilizaccedilatildeo dos governos e de seus aparatos burocraacuteticos (civis e
militares) devido tanto agrave pressatildeo internacional como agrave mobilizaccedilatildeo domeacutestica face agraves
atrocidades algumas imprescritiacuteveis como os crimes de desaparecimento e sequestro
Em territoacuterio nacional muito se discute quanto agrave magnitude de se
responsabilizar os agentes e sobre as alternativas para concretizaccedilatildeo do feito ante a
configuraccedilatildeo da justiccedila atual Como assevera Joseacute Carlos Moreira da Silva Filho
A importacircncia do estudo a respeito da possibilidade juriacutedica de haver
julgamentos voltados agrave atribuiccedilatildeo de responsabilidade criminal aos
agentes do regime militar de 1964 estaacute relacionada com a necessidade
de se construir uma cultura de respeito e fortalecimento aos direitos
1 Dados disponiacuteveis por fornecimento da Comissatildeo de Familiares Mortos e Desaparecidos Poliacuteticos com
lista completa em ltlthttpwwwdesaparecidospoliticosorgbrpessoasphpm=3gtgt e
ltlthttpmemoriasreveladasarquivonacionalgovbrcampanhaexilados-e-banidos-da-vida-
publicaindezhtmgtgt em estudo apresentado por TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque
ldquoJusticcedila de Transiccedilatildeo no Brasil e o processo de democratizaccedilatildeordquo Justiccedila de Transiccedilatildeo direito agrave
justiccedila agrave memoacuteria e agrave verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da
UFPB 2014 348p 2ldquoA difusatildeo da normal global contraacuteria agrave anistia ter impactado fortemente tribunais internacionais e locais
levando estudiosos a denominarem esse movimento ou fenocircmeno juriacutedico internacional como lsquoJusticcedila de
Cascatarsquo (Lutz e Sikkink) ou ldquoRevoluccedilatildeo de Justiccedilardquo (Sriram)rdquo(PAYNE ABRAtildeO TORELLY 2011 p
25) 3ldquoA norma global de responsabilizaccedilatildeo individual tem se espalhado pelo mundo inclusive com a criaccedilatildeo
de cortes internacionais permanentes como o Tribunal Penal Internacional levando a resultados
dramaacuteticosrdquo (PAYNE ABRAtildeO TORELLY 2011 p 22)
8
humanos pela forccedila de seguranccedila puacuteblica do Estado Democraacutetico de
Direito Brasileiro4
Isto posto a responsabilizaccedilatildeo deve ser efetuada a fim de fortalecer a
democracia e as instituiccedilotildees democraacuteticas de forma a romper com o Estado de exceccedilatildeo
e com as heranccedilas por ele deixadas Como bem explicam Paulo Abratildeo e Marcelo D
Torelly a expressatildeo de que devem ser concretizadas
medidas que expressam para as sociedades destes paiacuteses que a lei eacute
igual para todos inclusive para aqueles que um dia estiveram em
posiccedilatildeo de poder para manipular o modo de produccedilatildeo legislativa e
direcionar institutos juriacutedicos de clemecircncia para seus proacuteprios crimes
Trata-se de uma concepccedilatildeo na qual o Estado democraacutetico presta
contas daquilo que foi feito anteriormente pelo Estado de exceccedilatildeo
pela via da justiccedila de transiccedilatildeo (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 77 )
A dimensatildeo que diz respeito agrave responsabilidade judicial no Brasil encontra-se
estagnada no quadro atual principalmente se comparada com outros paiacuteses na Ameacuterica
Latina que tambeacutem passaram por ditaduras civis militares Logo infere-se que o Estado
brasileiro se diferenciou da tradiccedilatildeo latino-americana de associar verdade agrave justiccedila
(ABRAtildeO TORELLY 2011 p 227-228)
Tendo como o grande exemplo no caso brasileiro o Caso Gomes Lund que
teve de alccedilar caminhos para aleacutem da soberania interna para conseguir compreender os
acontecimentos desmistificando as inverdades dos governantes reconhecendo a
responsabilizaccedilatildeo do Estado
2 O Caso Gomes Lund e outros vs Brasil
A construccedilatildeo da Justiccedila transicional no Estado brasileiro avigorou-se com os
vaacuterios movimentos civis (estudantis das famiacutelias da Igreja OAB) defendendo a
anistia poliacutetica aos militantes com a soltura dos presos poliacuteticos e o retorno dos
exilados na ldquoanistia ampla geral e irrestritardquo
No entanto diante de um processo de controle institucional o Poder Judiciaacuterio
moldado na eacutepoca5 recepciona-a como reciacuteproca atravancando a possibilidade de
4 SILVA FILHO Joseacute Carlos Moreira da CASTRO Ricardo Silveira Justiccedila de Transiccedilatildeo e Poder
Judiciaacuterio Brasileiro ndash A barreira da lei de anistia para a responsabilizaccedilatildeo dos crimes da ditadura civil-
militar no Brasil Artigo publicado na revista de estudos criminais n 53 p 50-87 abrjun 2014 5ldquoComo visto eacute o Judiciaacuterio que aceita a tese de que todos os crimes do regime seriam conexos aos
crimes da resistecircncia (como se essa precedesse agravequeles) e consagra formalmente a tese jamais expressa
no texto legal de que um entendimento entre ldquoos dois ladosrdquo haveria gerado o consenso necessaacuterio para a
9
responsabilizaccedilatildeo dos agentes estatais que cometeram graves violaccedilotildees aos direitos
humanos tendo como lsquoseguranccedilarsquo a impunidade observando expressatildeo cunhada por
Samuel Huntington ldquotransiccedilatildeo por transformaccedilatildeordquo6 (HUNTINGTON 1993 apud
ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232) De forma que o novo governo natildeo tinha interesse
em romper com o velho
Com a volta paulatina da democracia apoacutes a ditadura civil militar tentaram
ingressar atraveacutes dos mecanismos judiciais com accedilotildees para conseguirem
responsabilizar aqueles agentes pelos homiciacutedios desaparecimentos forccedilados torturas
sequestros e outros crimes Todavia tais iniciativas juriacutedicas encontraram como
obstaacuteculo a Lei de Anistia de 1979 cuja interpretaccedilatildeo forccedilava o arquivamento das accedilotildees
pela exclusatildeo da responsabilidade
Apoacutes a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 houve apariccedilatildeo de dois emblemaacuteticos
casos que foram arquivados tanto a tentativa do Ministeacuterio Puacuteblico Federal de abrir
inqueacuterito civil em 1992 para apurar a morte de Vladimir Herzog quanto agrave tentativa de
reabrir o caso do Rio Centro de 1981
Entretanto mesmo diante desse quadro estabelecido de impunidade no Brasil
parte da sociedade ousou continuar a luta para conseguir restaurar a justiccedila com o
restabelecimento da igualdade perante a lei levando o caso da Guerrilha do Araguaia ou
Caso Gomes Lund e outros vs Brasil agrave Corte Interamericana
Antes do relato insta fazer uma pausa para percepccedilatildeo do status normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos no Brasil
21 A Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e o Status Normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (CADH)
Relevantes pois a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o fortalecimento
do direito internacional assegurando os limites do poderio estatal e a consolidaccedilatildeo dos
transiccedilatildeo poliacutetica brasileira Essa constataccedilatildeo permite vislumbrar outra caracteriacutestica poliacutetico-institucional
importante da ditadura e da transiccedilatildeo brasileira o Judiciaacuterio aderiu ao regimerdquo (ABRAtildeO TORELLY
2014 p 235) 6Expressatildeo utilizada pelo Samuel Huntington ldquo[] those in power in the authoritarian regime take the
lead and play the decisive role in ending that regime and changing into a democratic system[] it
occurred in well-established military regimes where governments clearly controlled the ultimate means of
coercion vis-agrave-vis authoritarian systems that had been successful economically such as Spain Brazil
Taiwan Mexico and compared to other communist states Hungaryrdquo [] HUNTINGTON Samuel The
third wave Oklahoma Oklahoma University Press 1993 p126 (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232)
10
direitos humanos agraves sociedades desses Nesse sentido Norberto Bobbio esclarece que a
garantia desses direitos no plano internacional soacute seraacute implementada quando ldquouma
jurisdiccedilatildeo internacional se impuser concretamente sobre as jurisdiccedilotildees nacionais
deixando de operar dentro dos Estados mas contra os Estados e em defesa dos
cidadatildeosrdquo (BOBBIO 1992 p 26)
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) eacute uma representaccedilatildeo
dessa fortificaccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo da proteccedilatildeo dos direitos Seus Estados-Parte
aceitaram em seus ordenamentos juriacutedicos a Convenccedilatildeo Americana de Direitos
Humanos (CADH) tambeacutem denominada de Pacto San Joseacute da Costa Rica que
reconhece e assegura um cataacutelogo de direitos civis e poliacuteticos destacando-se o direito agrave
vida agrave liberdade agrave proteccedilatildeo judicial Tendo pois o Estado-Parte a obrigaccedilatildeo de
respeitar e assegurar o livre e pleno exerciacutecio desses direitos e liberdades sem qualquer
discriminaccedilatildeo devendo adotar medidas legislativas para assegurar o seu livre e pleno
exerciacutecio (PIOVESAN 2006 p 89)
O Estado brasileiro foi um dos que mais tardiamente aderiu agrave Convenccedilatildeo em
1992 Seu reconhecimento ocorreu em 2002 no Decreto nordm 4463 dispondo em seu
primeiro artigo como ldquo() obrigatoacuteria de pleno direito e por prazo indeterminado a
competecircncia da Corte () em todos os casos relativos agrave interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo da
CADH () sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de
1998rdquo 7
E embora tenha reconhecido deve-se recordar que o status normativo das
normas internacionais ainda causa muitas discussotildees no Estado brasileiro
A priori destacam-se da Constituiccedilatildeo de 1988 as normas e entendimentos
sobre direito internacional e direitos humanos No artigo 4ordm inciso II o estabelecimento
da prevalecircncia dos direitos humanos nas relaccedilotildees internacionais Logo apoacutes o sect2ordm do
artigo 5ordm da CF88 determina que ldquo() os direitos e garantias expressos na Constituiccedilatildeo
natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos
tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo E o artigo
7 DECRETO 446302 - Promulga a Declaraccedilatildeo de Reconhecimento da Competecircncia Obrigatoacuteria da Corte
Interamericana de Direitos Humanos sob reserva de reciprocidade em consonacircncia com o art 62 da
Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute) de 22 de novembro de 1969
Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto2002d4463htmgtgt
11
7ordm do ADCT ldquoo Brasil propugnaraacute pela formaccedilatildeo de um tribunal internacional dos
direitos humanosrdquo
A querela sobre o status se amolda com a EC 4504 que introduz no artigo 5ordm
da CF o sect3ordm pretendendo um quoacuterum qualificado para convenccedilotildees e tratados sobre
direitos humanos serem equiparadas agraves emendas constitucionais Logo de um lado
observou-se o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes que concluiu como
esvaziada a discussatildeo sobre o status constitucional dos tratados ratificados no Brasil
anteriormente agrave mudanccedila constitucional e natildeo submetidos ao processo legislativo
especial (MENDES 2008 p 1144) E ldquoreconhecendo uma lsquosupralegalidadersquo das
normas de direitos humanos presentes em tratados regularmente incorporados ao direito
paacutetriordquo (SILVA VIEIRA 2015 p 47-48)
E em outra visatildeo ldquoFlaacutevia Piovesan reforccedila sua tese de que o artigo 5ordm sect2ordm
consagra o status dos tratados internacionais de direitos humanos como normas
materialmente constitucionaisrdquo seguindo o raciociacutenio de que o dispositivo do artigo 5ordm
sect3ordm da CF88 possui caraacuteter meramente formal num intuito interpretativo (SILVA
VIEIRA 2015 p 20) De modo que natildeo se evacue o conteuacutedo sobre a prevalecircncia dos
direitos humanos e sobre a natildeo exclusatildeo dos outros direitos humanos abordados em
tratados ou convenccedilotildees
Em um posicionamento mais recente e progressista o Ministro Celso de Mello
reconheceu o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos
regularmente incorporados agrave ordem interna inclusive anteriores agrave promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo de 1988 Conforme seu entendimento ldquoas normas oriundas de tratados
internacionais de direito humanos assumem um caraacuteter materialmente constitucional e
com fundamento no sect2ordm do art 5ordm da CF compotildee o lsquobloco de constitucionalidadersquordquo
(SILVA VIEIRA 2015 p 35)
Eacute uma visatildeo progressista e interessante para aacuterea pois expressa possiacuteveis
avanccedilos na Justiccedila transicional em relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo visto que
dessa maneira poderatildeo ser utilizadas essas normas internacionais aceitas no
ordenamento brasileiro para a construccedilatildeo da persecuccedilatildeo jurisdicional dos crimes de
lesa-humanidade
22 Anaacutelise do Caso Gomes Lund e outros Vs Brasil
12
As entidades da sociedade civil haviam se mobilizado para conseguir a
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis e militares pelas violaccedilotildees dos direitos aacute eacutepoca do
regime de exceccedilatildeo No entanto vendo-se estagnada a possibilidade paralelamente
conseguiram se mobilizar para levar o caso ao sistema regional de Direitos Humanos da
Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos (OEA)
Assim o Centro de Estudos para a Justiccedila e o Direito Internacional (CEJIL) e a
Human Rights WatchAmeacuterica (HRWA) em nome dos familiares atingidos
apresentaram uma peticcedilatildeo agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
para denunciar o desaparecimento de integrantes da ldquoGuerrilha do Araguaiardquo (TOSI
SILVA 2014 p 50) Como consta no relatoacuterio a peticcedilatildeo faz referecircncia ao
desaparecimento de membros da Guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1975 e a falta de
investigaccedilatildeo desses fatos pelo Estado desde entatildeo
Julia Gomes Lund e outras 21 pessoas foram presumivelmente mortas
durante as operaccedilotildees militares ocorridas na Regiatildeo do Araguaia sul
do Paraacute Desde 1982 familiares destas 22 pessoas tentam por meio de
uma accedilatildeo na Justiccedila Federal obter informaccedilotildees sobre as
circunstacircncias do desaparecimento e morte dos guerrilheiros bem
como a recuperaccedilatildeo dos corpos ()8
Alegando atraveacutes dos fatos apresentados violaccedilotildees a direitos garantidos pelos
artigos I (Direito agrave vida agrave liberdade agrave seguranccedila e agrave integridade da pessoa) XXV
(Direito de proteccedilatildeo contra prisatildeo arbitraacuteria) e XXVI (Direito a processo regular) da
Declaraccedilatildeo Americana de Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Americanardquo ou ldquoDeclaraccedilatildeordquo) bem como pelos artigos 4 (Direito agrave vida) 8
(garantias judiciais) 12 (Liberdade de consciecircncia e religiatildeo) 13 (Liberdade de
pensamento e de expressatildeo) e 25 (Proteccedilatildeo judicial) conjugados com o artigo 1(1)
(obrigaccedilatildeo de respeitar direitos) da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
Em sua defesa o Estado brasileiro argumentou jaacute ter reconhecido a sua
responsabilidade atraveacutes da Lei 9140959 com a reparaccedilatildeo das famiacutelias das viacutetimas que
essa lei tratava tambeacutem da investigaccedilatildeo das circunstacircncias da morte e apresentaccedilatildeo do
local que para localizar os cadaacuteveres dependeria de indiacutecios da zona geograacutefica sendo
8ORGANIZACcedilAtildeO DOS ESTADOS AMERICANOS Relatoacuterio de Admissibilidade nordm 3301 Caso nordm
11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil Relatoacuterio Anual de 2000
apresentado em 6 de marccedilo de 2001 Acesso em 18102016
ltlthttpwwwcidhorgannualrep2000port11552htmgtgt 9 Lei que instituiu a Comissatildeo Especial sobre Mortos e Desaparecidos no ano de 1995
13
impossiacutevel investigar se ausentes os indiacutecios que o Estado se negava a dispor relatoacuterios
militares completos nos quais sejam reportados de modo sistemaacutetico os locais de
sepultamento e as condiccedilotildees da morte desses indiviacuteduos e que natildeo seria possiacutevel a
investigaccedilatildeo e a sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pela existecircncia da Lei de Anistia de
197910
Em novembro de 2008 a Corte Interamericana expediu o Relatoacuterio de Meacuterito
nordm 910811
no qual demonstrou ao Brasil algumas recomendaccedilotildees necessaacuterias para a
resoluccedilatildeo do caso Essas de modo geral reconheciam a responsabilidade do Estado
requisitando que esse a) adotasse medidas para garantir que a Lei de Anistia brasileira
natildeo mais representasse obstaacuteculo para a persecuccedilatildeo penal de graves violaccedilotildees de
direitos humanos b) implementasse medidas jurisdicionais para a identificaccedilatildeo
responsabilizaccedilatildeo e sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pelos desaparecimentos forccedilados das
viacutetimas da Guerrilha do Araguaia sendo que o Estado deveria considerar que tais
crimes satildeo contra a humanidade insuscetiacuteveis agrave anistia ou prescriccedilatildeo c) implementasse
medidas legais e administrativas a fim de sistematiza e publicar os documentos
relacionados agraves operaccedilotildees militares contra a Guerrilha do Araguaia d) fornecesse
recursos financeiros e logiacutesticos aos esforccedilos jaacute empreendidos na busca das sepultura da
viacutetimas desaparecidas e) concedesse reparaccedilatildeo agrave famiacutelia das viacutetimas f) promovesse o
ajustamento normativo a fim de tipificar no ordenamento interno o crime de
desaparecimento forccedilado conforme os elementos constitutivos estabelecidos nos
instrumentos internacionais (TOSI SILVA p 51 2014)
Em suas accedilotildees o Estado brasileiro natildeo cumpriu as principais determinaccedilotildees
quanto agraves circunstacircncias de persecuccedilatildeo criminal tendo sido remetido o caso agrave Corte
Interamericana de Direitos Humanos
A Corte entatildeo ante ao descumprimento das recomendaccedilotildees sentenciou o
Estado brasileiro em 24 de novembro de 2010 condenando-o de forma reduzida por
desaparecimento forccedilado e os direitos violados das 62 pessoas desaparecidas aplicaccedilatildeo
da Lei de Anistia como entrave agraves investigaccedilotildees julgamentos e puniccedilotildees dos crimes
ineficaacutecia das accedilotildees judiciais natildeo penais falta de acesso agrave informaccedilatildeo sobre o ocorrido
10
() 11
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE MEacuteRITO Ndeg
9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e
outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do
20Araguaia20Brasil2026mar0920PORTpdf Acesso em 24 de junho de 2011
14
com as viacutetimas desaparecidas e a executada falta de acesso agrave justiccedila agrave verdade e agrave
informaccedilatildeo12
Ressalta-se que durante o processo perante o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos o Estado brasileiro natildeo controverteu os fatos Em sua contestaccedilatildeo
apresentou inclusive reconhecimento do sentimento de anguacutestia dos familiares das
pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia Ainda reconhecendo que a Lei
914095 ldquofirmou a responsabilidade do Estado pelas mortes garantiu reparaccedilatildeo
indenizatoacuteria e principalmente oficializou o reconhecimento histoacuterico de que estes
brasileiros [] morreram lutando como opositores poliacuteticos de um regime que havia
nascido violando a constitucionalidade democraacutetica erguida em 1946rdquo13
Para Moraes (2011) a condenaccedilatildeo eacute representativa de um conflito de jurisdiccedilatildeo
interna e internacional uma vez que o Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 153 2010 decidiu que a
anistia conferida pela Lei 668379 se estende aos crimes comuns praticados pelos
agentes da representaccedilatildeo durante o regime militar Assim seu peso histoacuterico eacute bastante
elevado ingressando com um possiacutevel rompimento da impunidade e reconstruccedilatildeo da
Memoacuteria Coletiva
3 O descumprimento da sentenccedila e a anaacutelise do papel da Arguiccedilatildeo de
Descumprimento de Preceitos Fundamentos nordm 320
31 Relato do descumprimento
A condenaccedilatildeo do Caso Gomes Lund de 2010 reforccedilou os entendimentos dados
em forma de recomendaccedilotildees e frisou quanto agrave necessidade de reconstruccedilatildeo da
memoacuteria das viacutetimas da ditadura civil-militar mais precisamente sobre o Araguaia
puniccedilatildeo dos autores dos desaparecimentos forccedilados e assassinatos da reparaccedilatildeo civil
12
A sentenccedila foi proferida em 24 de novembro de 2010 Trata-se do julgamento do Caso Gomes Lund e
outros (ldquoGuerrilha do Araguaiardquo) vs Brasil Disponiacutevel
em httpcorteidhorcrdocscasosarticulosseriec_219_pordoc Acesso em 22 de out de 2016 13
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE MEacuteRITO Demanda
perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha
do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil2026mar092
0PORTpdf
15
mediante indenizaccedilatildeo por danos morais e materiais e de medidas de prevenccedilatildeo a atos
violadores dos direitos humanos (MORAES 2011)
Em 2014 a Condenaccedilatildeo ainda passava em branco sem uma resposta plausiacutevel
agrave Corte apenas seguindo com o argumento de impossibilidade de imputar os agentes
criminalmente pela validaccedilatildeo da Lei de Anistia com a ADPF 153 em 2010 pelo STF
De modo que se percebesse que o Brasil novamente estava se abstendo sobre o caso
preferindo o entendimento interno em detrimento do Sistema Interamericano de
Direitos jaacute que em um dos argumentos para ADPF 153 ser validada constava na
inaplicabilidade da tipologia de crimes contra a humanidade 14
Nesse vieacutes para questionar a omissatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro sobre a
sentenccedila condenatoacuteria de 2010 o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ingressou
legitimamente com outra ADPF de nordm 320 em maio de 2014 reabrindo o debate sobre
Justiccedila de transiccedilatildeo brasileira Permitindo dessa forma que a controveacutersia fosse
rediscutida em outros acircmbitos
32 ADPF 320 pedidos e pareces em anaacutelise
Na ADPF 320 as discussotildees mais especiacuteficas elencaram alguns pontos
delineando nos pedidos a requisiccedilatildeo ao STF (1) uma declaraccedilatildeo para natildeo aplicaccedilatildeo da
Lei de Anistia aos crimes (a) de graves violaccedilotildees a direitos humanos cometidos por
agentes puacuteblico militares civis e (b) de caraacuteter permanente ou continuado e (2)
determinaccedilatildeo para cumprimento integral da decisatildeo da CIDH
Para tanto na peticcedilatildeo construiu um raciociacutenio fundamentando da
jurisprudecircncia internacional e nos fatos brasileiros que podem ser dispostos da seguinte
forma
(1) Da natildeo aplicaccedilatildeo da Lei de Anistia de 1979
Para tanto a ADPF 320 apresentou num primeiro momento a visatildeo da CIDH
quanto agrave ausecircncia de efeitos juriacutedicos de Lei de Anistia que queira impedir a
investigaccedilatildeo e a puniccedilatildeo de atos contra crime de lesa humanidade como claramente
14
A convalidaccedilatildeo da Lei de Anistia pela ADPF 153 deu-se em cima dos argumentos principais de ser
bilateral diferente de ldquoautoanistiardquo contra a anistia brasileira natildeo se aplicaria a tipologia de crimes contra
a humanidade e tratando-se de uma lei de reconciliaccedilatildeo somente o Poder Legislativo poderia modifica-
la (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 80)
16
ocorre no Estado brasileiro De certa forma criticando veemente uma das conclusotildees da
ADPF 153
Depois frisou a visatildeo do Estado brasileiro como responsaacutevel pelo
desaparecimento forccedilado e portanto pela violaccedilatildeo dos direitos ao reconhecimento da
personalidade juriacutedica agrave vida agrave integridade pessoal e agrave liberdade pessoal das pessoas laacute
indicadas Demonstrando dessa forma a desobediecircncia da obrigaccedilatildeo de adequar seu
direito interno agrave Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos conforme os arts 2 81
25 e 11 supracitados
(2) Em relaccedilatildeo ao descumprimento da sentenccedila de CIDH do Caso Gomes Lund
Aludiu sobre o descumprimento da sentenccedila pelos Poderes Judiciaacuterio e
Legislativo demonstrando atraveacutes de Relatoacuterio do Ministeacuterio Puacuteblico Federal referente
a 2011 ateacute 2013 a dificuldade em prosseguir com os processos judiciais de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a posiccedilatildeo paralisada do Congresso Nacional que natildeo
votou a tipificaccedilatildeo dos crimes de desaparecimento forccedilado de pessoas
Elencou ainda o aspecto da inconstitucionalidade por omissatildeo do Estado
brasileiro por violar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana no art 1ordm III o art 4ordm
II sobre prevalecircncia dos direitos humanos o art 5ordm sect2ordm que natildeo exclui outros direitos e
garantias decorrentes de tratados internacionais em que a Repuacuteblica federativa seja
parte e o art 7ordm da ADCT sobre tribunal internacional de direitos humanos ao qual se
subjugaraacute o Brasil todos os artigos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
E por uacuteltimo evidenciou o desrespeito ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos Citando o art 68 da CADH pelo qual o Estado-Parte se compromete a
cumprir a decisatildeo da Corte em todos os casos que forem parte E o art 27 da CADH
esclarecendo que ldquouma parte natildeo pode invocar as disposiccedilotildees de seu direito interno para
justificar descumprimento de tratadordquo
Em parecer a Advocacia-Geral da Uniatildeo na pessoa de Luiacutes Inaacutecio Lucena
Adams abordou o meacuterito esclarecendo que o Estado brasileiro tem produzido relatoacuterios
perioacutedicos sobre o cumprimento de sentenccedila sendo apresentados de 2011 a 2014
relatoacuterios que constassem informaccedilotildees minuciosas do cumprimento dos pontos
elencados na sentenccedila E citou como exemplos a criaccedilatildeo da Comissatildeo Nacional da
Verdade em 2011 as medidas do Ministeacuterio da Justiccedila para garantir o acesso agraves
17
informaccedilotildees da ditadura a criaccedilatildeo do Grupo de Trabalho Direito Memoacuteria e Verdade
da Procuradoria Federal dos Distritos do Cidadatildeo15
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot explicou que a
pretensatildeo contida nesta arguiccedilatildeo natildeo gera conflitos com o que foi decidido na ADPF
153 e nem caracteriza superfetaccedilatildeo (bis in idem) Naquela efetuou Controle de
Constitucionalidade da Lei 66831979 Jaacute nesta ADPF 320 pretende-se conhecimento
de validade e de efeito vinculante da decisatildeo da CIDH no caso Gomes Lund a qual agiu
no exerciacutecio legiacutetimo do Controle de Convencionalidade
Concebendo como admissiacutevel a arguiccedilatildeo contra interpretaccedilotildees judiciais que
contrariando o disposto na sentenccedila do caso Gomes Lund declarem extinta a
punibilidade de agentes envolvidos pela Lei de Anistia sob fundamento de prescriccedilatildeo
da pretensatildeo punitiva do Estado Abordando que ldquoEssas interpretaccedilotildees violetam
preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts 1ordm III 4ordm I e II e 5ordm sectsect 1ordm a 3ordm da
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198816
Assim analisam-se os pedidos
A priori tem-se o foco nos crimes de graves violaccedilotildees a direitos humanos e os
continuados ou permanentes e na inaplicabilidade da Lei de Anistia pela ausecircncia de
eficaacutecia juriacutedica
A posiccedilatildeo taxativa do Poder Judiciaacuterio seria a validaccedilatildeo da constitucionalidade
interpretativa da Lei de anistia em seu caraacuteter bilateral e que sua modificaccedilatildeo mesmo
que interpretativa deveria se dar atraveacutes do Poder Legislativo Entretanto deve-se
elaborar uma loacutegica que compreenda as seguintes concepccedilotildees primeiramente em
relaccedilatildeo aos crimes de lesa humanidade e em outro patamar os permanentes ou
continuados
15
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de descumprimento de
preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de 2014 Disponiacutevelem
ltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=62- 44157ampad=s3520
20PetiE7E3o20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o
20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
16 BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservice
20Integradorwsgt Acesso em 22102016
18
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
ADPF por almejar requerer a execuccedilatildeo de sentenccedila interamericana Diante disso
aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
entanto essa visatildeo encontra-se equivocada pois logo eacute esclarecida a ldquorelaccedilatildeo entre as
accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
direitos humanos e violar preceitos fundamentais derivados da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
20
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
REFEREcircNCIAS
ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D Mutaccedilotildees do Conceito de Anistia na Justiccedila de
Transiccedilatildeo Brasileira a terceira fase da luta pela anistia Justiccedila de Transiccedilatildeo Direito
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22
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s362 0-20ManifestaE7E3o20da20PGR20-
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24
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Direito Revista de Hermenecircutica Juriacutedica Vol 8 nordm 8 p 171 ndash 181 2010
25
Almeja-se entatildeo conceber conhecimento mais soacutelido sobre essa conjuntura de
internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos a amplitude da ADPF 320 e suas chances de
reconhecimento em perquiriccedilatildeo conjunta agrave sentenccedila condenatoacuteria da CIDH
1 A Dimensatildeo da Responsabilizaccedilatildeo na Justiccedila de Transiccedilatildeo
Em um balanccedilo precaacuterio a estimativa eacute de que a ditadura civil militar brasileira
deixou um saldo de 50 mil pessoas presas somente nos primeiros meses de 1964 cerca
de 20000 brasileiros submetidos agrave tortura cerca de 400 cidadatildeos mortos ou
desaparecidos milhares de prisotildees poliacuteticas natildeo registradas 130 banimentos 4862
cassaccedilotildees de mandatos poliacuteticos uma cifra incalculaacutevel de exiacutelios e refuacutegios poliacuteticos1
Por observacircncia do conceito de Justiccedila em cascatardquo2 e intelecccedilatildeo majoritaacuteria da
doutrina de Direito Internacional no terreno encampado na ldquoEra da responsabilizaccedilatildeordquo3
eleva-se a importacircncia do dever de proporcionar justiccedila ante o conhecimento de casos
de crimes contra a humanidade Deve a rigor desta linha argumentativa haver a
promoccedilatildeo da responsabilizaccedilatildeo dos governos e de seus aparatos burocraacuteticos (civis e
militares) devido tanto agrave pressatildeo internacional como agrave mobilizaccedilatildeo domeacutestica face agraves
atrocidades algumas imprescritiacuteveis como os crimes de desaparecimento e sequestro
Em territoacuterio nacional muito se discute quanto agrave magnitude de se
responsabilizar os agentes e sobre as alternativas para concretizaccedilatildeo do feito ante a
configuraccedilatildeo da justiccedila atual Como assevera Joseacute Carlos Moreira da Silva Filho
A importacircncia do estudo a respeito da possibilidade juriacutedica de haver
julgamentos voltados agrave atribuiccedilatildeo de responsabilidade criminal aos
agentes do regime militar de 1964 estaacute relacionada com a necessidade
de se construir uma cultura de respeito e fortalecimento aos direitos
1 Dados disponiacuteveis por fornecimento da Comissatildeo de Familiares Mortos e Desaparecidos Poliacuteticos com
lista completa em ltlthttpwwwdesaparecidospoliticosorgbrpessoasphpm=3gtgt e
ltlthttpmemoriasreveladasarquivonacionalgovbrcampanhaexilados-e-banidos-da-vida-
publicaindezhtmgtgt em estudo apresentado por TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque
ldquoJusticcedila de Transiccedilatildeo no Brasil e o processo de democratizaccedilatildeordquo Justiccedila de Transiccedilatildeo direito agrave
justiccedila agrave memoacuteria e agrave verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da
UFPB 2014 348p 2ldquoA difusatildeo da normal global contraacuteria agrave anistia ter impactado fortemente tribunais internacionais e locais
levando estudiosos a denominarem esse movimento ou fenocircmeno juriacutedico internacional como lsquoJusticcedila de
Cascatarsquo (Lutz e Sikkink) ou ldquoRevoluccedilatildeo de Justiccedilardquo (Sriram)rdquo(PAYNE ABRAtildeO TORELLY 2011 p
25) 3ldquoA norma global de responsabilizaccedilatildeo individual tem se espalhado pelo mundo inclusive com a criaccedilatildeo
de cortes internacionais permanentes como o Tribunal Penal Internacional levando a resultados
dramaacuteticosrdquo (PAYNE ABRAtildeO TORELLY 2011 p 22)
8
humanos pela forccedila de seguranccedila puacuteblica do Estado Democraacutetico de
Direito Brasileiro4
Isto posto a responsabilizaccedilatildeo deve ser efetuada a fim de fortalecer a
democracia e as instituiccedilotildees democraacuteticas de forma a romper com o Estado de exceccedilatildeo
e com as heranccedilas por ele deixadas Como bem explicam Paulo Abratildeo e Marcelo D
Torelly a expressatildeo de que devem ser concretizadas
medidas que expressam para as sociedades destes paiacuteses que a lei eacute
igual para todos inclusive para aqueles que um dia estiveram em
posiccedilatildeo de poder para manipular o modo de produccedilatildeo legislativa e
direcionar institutos juriacutedicos de clemecircncia para seus proacuteprios crimes
Trata-se de uma concepccedilatildeo na qual o Estado democraacutetico presta
contas daquilo que foi feito anteriormente pelo Estado de exceccedilatildeo
pela via da justiccedila de transiccedilatildeo (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 77 )
A dimensatildeo que diz respeito agrave responsabilidade judicial no Brasil encontra-se
estagnada no quadro atual principalmente se comparada com outros paiacuteses na Ameacuterica
Latina que tambeacutem passaram por ditaduras civis militares Logo infere-se que o Estado
brasileiro se diferenciou da tradiccedilatildeo latino-americana de associar verdade agrave justiccedila
(ABRAtildeO TORELLY 2011 p 227-228)
Tendo como o grande exemplo no caso brasileiro o Caso Gomes Lund que
teve de alccedilar caminhos para aleacutem da soberania interna para conseguir compreender os
acontecimentos desmistificando as inverdades dos governantes reconhecendo a
responsabilizaccedilatildeo do Estado
2 O Caso Gomes Lund e outros vs Brasil
A construccedilatildeo da Justiccedila transicional no Estado brasileiro avigorou-se com os
vaacuterios movimentos civis (estudantis das famiacutelias da Igreja OAB) defendendo a
anistia poliacutetica aos militantes com a soltura dos presos poliacuteticos e o retorno dos
exilados na ldquoanistia ampla geral e irrestritardquo
No entanto diante de um processo de controle institucional o Poder Judiciaacuterio
moldado na eacutepoca5 recepciona-a como reciacuteproca atravancando a possibilidade de
4 SILVA FILHO Joseacute Carlos Moreira da CASTRO Ricardo Silveira Justiccedila de Transiccedilatildeo e Poder
Judiciaacuterio Brasileiro ndash A barreira da lei de anistia para a responsabilizaccedilatildeo dos crimes da ditadura civil-
militar no Brasil Artigo publicado na revista de estudos criminais n 53 p 50-87 abrjun 2014 5ldquoComo visto eacute o Judiciaacuterio que aceita a tese de que todos os crimes do regime seriam conexos aos
crimes da resistecircncia (como se essa precedesse agravequeles) e consagra formalmente a tese jamais expressa
no texto legal de que um entendimento entre ldquoos dois ladosrdquo haveria gerado o consenso necessaacuterio para a
9
responsabilizaccedilatildeo dos agentes estatais que cometeram graves violaccedilotildees aos direitos
humanos tendo como lsquoseguranccedilarsquo a impunidade observando expressatildeo cunhada por
Samuel Huntington ldquotransiccedilatildeo por transformaccedilatildeordquo6 (HUNTINGTON 1993 apud
ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232) De forma que o novo governo natildeo tinha interesse
em romper com o velho
Com a volta paulatina da democracia apoacutes a ditadura civil militar tentaram
ingressar atraveacutes dos mecanismos judiciais com accedilotildees para conseguirem
responsabilizar aqueles agentes pelos homiciacutedios desaparecimentos forccedilados torturas
sequestros e outros crimes Todavia tais iniciativas juriacutedicas encontraram como
obstaacuteculo a Lei de Anistia de 1979 cuja interpretaccedilatildeo forccedilava o arquivamento das accedilotildees
pela exclusatildeo da responsabilidade
Apoacutes a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 houve apariccedilatildeo de dois emblemaacuteticos
casos que foram arquivados tanto a tentativa do Ministeacuterio Puacuteblico Federal de abrir
inqueacuterito civil em 1992 para apurar a morte de Vladimir Herzog quanto agrave tentativa de
reabrir o caso do Rio Centro de 1981
Entretanto mesmo diante desse quadro estabelecido de impunidade no Brasil
parte da sociedade ousou continuar a luta para conseguir restaurar a justiccedila com o
restabelecimento da igualdade perante a lei levando o caso da Guerrilha do Araguaia ou
Caso Gomes Lund e outros vs Brasil agrave Corte Interamericana
Antes do relato insta fazer uma pausa para percepccedilatildeo do status normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos no Brasil
21 A Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e o Status Normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (CADH)
Relevantes pois a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o fortalecimento
do direito internacional assegurando os limites do poderio estatal e a consolidaccedilatildeo dos
transiccedilatildeo poliacutetica brasileira Essa constataccedilatildeo permite vislumbrar outra caracteriacutestica poliacutetico-institucional
importante da ditadura e da transiccedilatildeo brasileira o Judiciaacuterio aderiu ao regimerdquo (ABRAtildeO TORELLY
2014 p 235) 6Expressatildeo utilizada pelo Samuel Huntington ldquo[] those in power in the authoritarian regime take the
lead and play the decisive role in ending that regime and changing into a democratic system[] it
occurred in well-established military regimes where governments clearly controlled the ultimate means of
coercion vis-agrave-vis authoritarian systems that had been successful economically such as Spain Brazil
Taiwan Mexico and compared to other communist states Hungaryrdquo [] HUNTINGTON Samuel The
third wave Oklahoma Oklahoma University Press 1993 p126 (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232)
10
direitos humanos agraves sociedades desses Nesse sentido Norberto Bobbio esclarece que a
garantia desses direitos no plano internacional soacute seraacute implementada quando ldquouma
jurisdiccedilatildeo internacional se impuser concretamente sobre as jurisdiccedilotildees nacionais
deixando de operar dentro dos Estados mas contra os Estados e em defesa dos
cidadatildeosrdquo (BOBBIO 1992 p 26)
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) eacute uma representaccedilatildeo
dessa fortificaccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo da proteccedilatildeo dos direitos Seus Estados-Parte
aceitaram em seus ordenamentos juriacutedicos a Convenccedilatildeo Americana de Direitos
Humanos (CADH) tambeacutem denominada de Pacto San Joseacute da Costa Rica que
reconhece e assegura um cataacutelogo de direitos civis e poliacuteticos destacando-se o direito agrave
vida agrave liberdade agrave proteccedilatildeo judicial Tendo pois o Estado-Parte a obrigaccedilatildeo de
respeitar e assegurar o livre e pleno exerciacutecio desses direitos e liberdades sem qualquer
discriminaccedilatildeo devendo adotar medidas legislativas para assegurar o seu livre e pleno
exerciacutecio (PIOVESAN 2006 p 89)
O Estado brasileiro foi um dos que mais tardiamente aderiu agrave Convenccedilatildeo em
1992 Seu reconhecimento ocorreu em 2002 no Decreto nordm 4463 dispondo em seu
primeiro artigo como ldquo() obrigatoacuteria de pleno direito e por prazo indeterminado a
competecircncia da Corte () em todos os casos relativos agrave interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo da
CADH () sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de
1998rdquo 7
E embora tenha reconhecido deve-se recordar que o status normativo das
normas internacionais ainda causa muitas discussotildees no Estado brasileiro
A priori destacam-se da Constituiccedilatildeo de 1988 as normas e entendimentos
sobre direito internacional e direitos humanos No artigo 4ordm inciso II o estabelecimento
da prevalecircncia dos direitos humanos nas relaccedilotildees internacionais Logo apoacutes o sect2ordm do
artigo 5ordm da CF88 determina que ldquo() os direitos e garantias expressos na Constituiccedilatildeo
natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos
tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo E o artigo
7 DECRETO 446302 - Promulga a Declaraccedilatildeo de Reconhecimento da Competecircncia Obrigatoacuteria da Corte
Interamericana de Direitos Humanos sob reserva de reciprocidade em consonacircncia com o art 62 da
Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute) de 22 de novembro de 1969
Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto2002d4463htmgtgt
11
7ordm do ADCT ldquoo Brasil propugnaraacute pela formaccedilatildeo de um tribunal internacional dos
direitos humanosrdquo
A querela sobre o status se amolda com a EC 4504 que introduz no artigo 5ordm
da CF o sect3ordm pretendendo um quoacuterum qualificado para convenccedilotildees e tratados sobre
direitos humanos serem equiparadas agraves emendas constitucionais Logo de um lado
observou-se o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes que concluiu como
esvaziada a discussatildeo sobre o status constitucional dos tratados ratificados no Brasil
anteriormente agrave mudanccedila constitucional e natildeo submetidos ao processo legislativo
especial (MENDES 2008 p 1144) E ldquoreconhecendo uma lsquosupralegalidadersquo das
normas de direitos humanos presentes em tratados regularmente incorporados ao direito
paacutetriordquo (SILVA VIEIRA 2015 p 47-48)
E em outra visatildeo ldquoFlaacutevia Piovesan reforccedila sua tese de que o artigo 5ordm sect2ordm
consagra o status dos tratados internacionais de direitos humanos como normas
materialmente constitucionaisrdquo seguindo o raciociacutenio de que o dispositivo do artigo 5ordm
sect3ordm da CF88 possui caraacuteter meramente formal num intuito interpretativo (SILVA
VIEIRA 2015 p 20) De modo que natildeo se evacue o conteuacutedo sobre a prevalecircncia dos
direitos humanos e sobre a natildeo exclusatildeo dos outros direitos humanos abordados em
tratados ou convenccedilotildees
Em um posicionamento mais recente e progressista o Ministro Celso de Mello
reconheceu o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos
regularmente incorporados agrave ordem interna inclusive anteriores agrave promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo de 1988 Conforme seu entendimento ldquoas normas oriundas de tratados
internacionais de direito humanos assumem um caraacuteter materialmente constitucional e
com fundamento no sect2ordm do art 5ordm da CF compotildee o lsquobloco de constitucionalidadersquordquo
(SILVA VIEIRA 2015 p 35)
Eacute uma visatildeo progressista e interessante para aacuterea pois expressa possiacuteveis
avanccedilos na Justiccedila transicional em relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo visto que
dessa maneira poderatildeo ser utilizadas essas normas internacionais aceitas no
ordenamento brasileiro para a construccedilatildeo da persecuccedilatildeo jurisdicional dos crimes de
lesa-humanidade
22 Anaacutelise do Caso Gomes Lund e outros Vs Brasil
12
As entidades da sociedade civil haviam se mobilizado para conseguir a
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis e militares pelas violaccedilotildees dos direitos aacute eacutepoca do
regime de exceccedilatildeo No entanto vendo-se estagnada a possibilidade paralelamente
conseguiram se mobilizar para levar o caso ao sistema regional de Direitos Humanos da
Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos (OEA)
Assim o Centro de Estudos para a Justiccedila e o Direito Internacional (CEJIL) e a
Human Rights WatchAmeacuterica (HRWA) em nome dos familiares atingidos
apresentaram uma peticcedilatildeo agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
para denunciar o desaparecimento de integrantes da ldquoGuerrilha do Araguaiardquo (TOSI
SILVA 2014 p 50) Como consta no relatoacuterio a peticcedilatildeo faz referecircncia ao
desaparecimento de membros da Guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1975 e a falta de
investigaccedilatildeo desses fatos pelo Estado desde entatildeo
Julia Gomes Lund e outras 21 pessoas foram presumivelmente mortas
durante as operaccedilotildees militares ocorridas na Regiatildeo do Araguaia sul
do Paraacute Desde 1982 familiares destas 22 pessoas tentam por meio de
uma accedilatildeo na Justiccedila Federal obter informaccedilotildees sobre as
circunstacircncias do desaparecimento e morte dos guerrilheiros bem
como a recuperaccedilatildeo dos corpos ()8
Alegando atraveacutes dos fatos apresentados violaccedilotildees a direitos garantidos pelos
artigos I (Direito agrave vida agrave liberdade agrave seguranccedila e agrave integridade da pessoa) XXV
(Direito de proteccedilatildeo contra prisatildeo arbitraacuteria) e XXVI (Direito a processo regular) da
Declaraccedilatildeo Americana de Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Americanardquo ou ldquoDeclaraccedilatildeordquo) bem como pelos artigos 4 (Direito agrave vida) 8
(garantias judiciais) 12 (Liberdade de consciecircncia e religiatildeo) 13 (Liberdade de
pensamento e de expressatildeo) e 25 (Proteccedilatildeo judicial) conjugados com o artigo 1(1)
(obrigaccedilatildeo de respeitar direitos) da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
Em sua defesa o Estado brasileiro argumentou jaacute ter reconhecido a sua
responsabilidade atraveacutes da Lei 9140959 com a reparaccedilatildeo das famiacutelias das viacutetimas que
essa lei tratava tambeacutem da investigaccedilatildeo das circunstacircncias da morte e apresentaccedilatildeo do
local que para localizar os cadaacuteveres dependeria de indiacutecios da zona geograacutefica sendo
8ORGANIZACcedilAtildeO DOS ESTADOS AMERICANOS Relatoacuterio de Admissibilidade nordm 3301 Caso nordm
11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil Relatoacuterio Anual de 2000
apresentado em 6 de marccedilo de 2001 Acesso em 18102016
ltlthttpwwwcidhorgannualrep2000port11552htmgtgt 9 Lei que instituiu a Comissatildeo Especial sobre Mortos e Desaparecidos no ano de 1995
13
impossiacutevel investigar se ausentes os indiacutecios que o Estado se negava a dispor relatoacuterios
militares completos nos quais sejam reportados de modo sistemaacutetico os locais de
sepultamento e as condiccedilotildees da morte desses indiviacuteduos e que natildeo seria possiacutevel a
investigaccedilatildeo e a sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pela existecircncia da Lei de Anistia de
197910
Em novembro de 2008 a Corte Interamericana expediu o Relatoacuterio de Meacuterito
nordm 910811
no qual demonstrou ao Brasil algumas recomendaccedilotildees necessaacuterias para a
resoluccedilatildeo do caso Essas de modo geral reconheciam a responsabilidade do Estado
requisitando que esse a) adotasse medidas para garantir que a Lei de Anistia brasileira
natildeo mais representasse obstaacuteculo para a persecuccedilatildeo penal de graves violaccedilotildees de
direitos humanos b) implementasse medidas jurisdicionais para a identificaccedilatildeo
responsabilizaccedilatildeo e sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pelos desaparecimentos forccedilados das
viacutetimas da Guerrilha do Araguaia sendo que o Estado deveria considerar que tais
crimes satildeo contra a humanidade insuscetiacuteveis agrave anistia ou prescriccedilatildeo c) implementasse
medidas legais e administrativas a fim de sistematiza e publicar os documentos
relacionados agraves operaccedilotildees militares contra a Guerrilha do Araguaia d) fornecesse
recursos financeiros e logiacutesticos aos esforccedilos jaacute empreendidos na busca das sepultura da
viacutetimas desaparecidas e) concedesse reparaccedilatildeo agrave famiacutelia das viacutetimas f) promovesse o
ajustamento normativo a fim de tipificar no ordenamento interno o crime de
desaparecimento forccedilado conforme os elementos constitutivos estabelecidos nos
instrumentos internacionais (TOSI SILVA p 51 2014)
Em suas accedilotildees o Estado brasileiro natildeo cumpriu as principais determinaccedilotildees
quanto agraves circunstacircncias de persecuccedilatildeo criminal tendo sido remetido o caso agrave Corte
Interamericana de Direitos Humanos
A Corte entatildeo ante ao descumprimento das recomendaccedilotildees sentenciou o
Estado brasileiro em 24 de novembro de 2010 condenando-o de forma reduzida por
desaparecimento forccedilado e os direitos violados das 62 pessoas desaparecidas aplicaccedilatildeo
da Lei de Anistia como entrave agraves investigaccedilotildees julgamentos e puniccedilotildees dos crimes
ineficaacutecia das accedilotildees judiciais natildeo penais falta de acesso agrave informaccedilatildeo sobre o ocorrido
10
() 11
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE MEacuteRITO Ndeg
9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e
outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do
20Araguaia20Brasil2026mar0920PORTpdf Acesso em 24 de junho de 2011
14
com as viacutetimas desaparecidas e a executada falta de acesso agrave justiccedila agrave verdade e agrave
informaccedilatildeo12
Ressalta-se que durante o processo perante o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos o Estado brasileiro natildeo controverteu os fatos Em sua contestaccedilatildeo
apresentou inclusive reconhecimento do sentimento de anguacutestia dos familiares das
pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia Ainda reconhecendo que a Lei
914095 ldquofirmou a responsabilidade do Estado pelas mortes garantiu reparaccedilatildeo
indenizatoacuteria e principalmente oficializou o reconhecimento histoacuterico de que estes
brasileiros [] morreram lutando como opositores poliacuteticos de um regime que havia
nascido violando a constitucionalidade democraacutetica erguida em 1946rdquo13
Para Moraes (2011) a condenaccedilatildeo eacute representativa de um conflito de jurisdiccedilatildeo
interna e internacional uma vez que o Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 153 2010 decidiu que a
anistia conferida pela Lei 668379 se estende aos crimes comuns praticados pelos
agentes da representaccedilatildeo durante o regime militar Assim seu peso histoacuterico eacute bastante
elevado ingressando com um possiacutevel rompimento da impunidade e reconstruccedilatildeo da
Memoacuteria Coletiva
3 O descumprimento da sentenccedila e a anaacutelise do papel da Arguiccedilatildeo de
Descumprimento de Preceitos Fundamentos nordm 320
31 Relato do descumprimento
A condenaccedilatildeo do Caso Gomes Lund de 2010 reforccedilou os entendimentos dados
em forma de recomendaccedilotildees e frisou quanto agrave necessidade de reconstruccedilatildeo da
memoacuteria das viacutetimas da ditadura civil-militar mais precisamente sobre o Araguaia
puniccedilatildeo dos autores dos desaparecimentos forccedilados e assassinatos da reparaccedilatildeo civil
12
A sentenccedila foi proferida em 24 de novembro de 2010 Trata-se do julgamento do Caso Gomes Lund e
outros (ldquoGuerrilha do Araguaiardquo) vs Brasil Disponiacutevel
em httpcorteidhorcrdocscasosarticulosseriec_219_pordoc Acesso em 22 de out de 2016 13
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE MEacuteRITO Demanda
perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha
do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil2026mar092
0PORTpdf
15
mediante indenizaccedilatildeo por danos morais e materiais e de medidas de prevenccedilatildeo a atos
violadores dos direitos humanos (MORAES 2011)
Em 2014 a Condenaccedilatildeo ainda passava em branco sem uma resposta plausiacutevel
agrave Corte apenas seguindo com o argumento de impossibilidade de imputar os agentes
criminalmente pela validaccedilatildeo da Lei de Anistia com a ADPF 153 em 2010 pelo STF
De modo que se percebesse que o Brasil novamente estava se abstendo sobre o caso
preferindo o entendimento interno em detrimento do Sistema Interamericano de
Direitos jaacute que em um dos argumentos para ADPF 153 ser validada constava na
inaplicabilidade da tipologia de crimes contra a humanidade 14
Nesse vieacutes para questionar a omissatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro sobre a
sentenccedila condenatoacuteria de 2010 o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ingressou
legitimamente com outra ADPF de nordm 320 em maio de 2014 reabrindo o debate sobre
Justiccedila de transiccedilatildeo brasileira Permitindo dessa forma que a controveacutersia fosse
rediscutida em outros acircmbitos
32 ADPF 320 pedidos e pareces em anaacutelise
Na ADPF 320 as discussotildees mais especiacuteficas elencaram alguns pontos
delineando nos pedidos a requisiccedilatildeo ao STF (1) uma declaraccedilatildeo para natildeo aplicaccedilatildeo da
Lei de Anistia aos crimes (a) de graves violaccedilotildees a direitos humanos cometidos por
agentes puacuteblico militares civis e (b) de caraacuteter permanente ou continuado e (2)
determinaccedilatildeo para cumprimento integral da decisatildeo da CIDH
Para tanto na peticcedilatildeo construiu um raciociacutenio fundamentando da
jurisprudecircncia internacional e nos fatos brasileiros que podem ser dispostos da seguinte
forma
(1) Da natildeo aplicaccedilatildeo da Lei de Anistia de 1979
Para tanto a ADPF 320 apresentou num primeiro momento a visatildeo da CIDH
quanto agrave ausecircncia de efeitos juriacutedicos de Lei de Anistia que queira impedir a
investigaccedilatildeo e a puniccedilatildeo de atos contra crime de lesa humanidade como claramente
14
A convalidaccedilatildeo da Lei de Anistia pela ADPF 153 deu-se em cima dos argumentos principais de ser
bilateral diferente de ldquoautoanistiardquo contra a anistia brasileira natildeo se aplicaria a tipologia de crimes contra
a humanidade e tratando-se de uma lei de reconciliaccedilatildeo somente o Poder Legislativo poderia modifica-
la (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 80)
16
ocorre no Estado brasileiro De certa forma criticando veemente uma das conclusotildees da
ADPF 153
Depois frisou a visatildeo do Estado brasileiro como responsaacutevel pelo
desaparecimento forccedilado e portanto pela violaccedilatildeo dos direitos ao reconhecimento da
personalidade juriacutedica agrave vida agrave integridade pessoal e agrave liberdade pessoal das pessoas laacute
indicadas Demonstrando dessa forma a desobediecircncia da obrigaccedilatildeo de adequar seu
direito interno agrave Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos conforme os arts 2 81
25 e 11 supracitados
(2) Em relaccedilatildeo ao descumprimento da sentenccedila de CIDH do Caso Gomes Lund
Aludiu sobre o descumprimento da sentenccedila pelos Poderes Judiciaacuterio e
Legislativo demonstrando atraveacutes de Relatoacuterio do Ministeacuterio Puacuteblico Federal referente
a 2011 ateacute 2013 a dificuldade em prosseguir com os processos judiciais de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a posiccedilatildeo paralisada do Congresso Nacional que natildeo
votou a tipificaccedilatildeo dos crimes de desaparecimento forccedilado de pessoas
Elencou ainda o aspecto da inconstitucionalidade por omissatildeo do Estado
brasileiro por violar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana no art 1ordm III o art 4ordm
II sobre prevalecircncia dos direitos humanos o art 5ordm sect2ordm que natildeo exclui outros direitos e
garantias decorrentes de tratados internacionais em que a Repuacuteblica federativa seja
parte e o art 7ordm da ADCT sobre tribunal internacional de direitos humanos ao qual se
subjugaraacute o Brasil todos os artigos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
E por uacuteltimo evidenciou o desrespeito ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos Citando o art 68 da CADH pelo qual o Estado-Parte se compromete a
cumprir a decisatildeo da Corte em todos os casos que forem parte E o art 27 da CADH
esclarecendo que ldquouma parte natildeo pode invocar as disposiccedilotildees de seu direito interno para
justificar descumprimento de tratadordquo
Em parecer a Advocacia-Geral da Uniatildeo na pessoa de Luiacutes Inaacutecio Lucena
Adams abordou o meacuterito esclarecendo que o Estado brasileiro tem produzido relatoacuterios
perioacutedicos sobre o cumprimento de sentenccedila sendo apresentados de 2011 a 2014
relatoacuterios que constassem informaccedilotildees minuciosas do cumprimento dos pontos
elencados na sentenccedila E citou como exemplos a criaccedilatildeo da Comissatildeo Nacional da
Verdade em 2011 as medidas do Ministeacuterio da Justiccedila para garantir o acesso agraves
17
informaccedilotildees da ditadura a criaccedilatildeo do Grupo de Trabalho Direito Memoacuteria e Verdade
da Procuradoria Federal dos Distritos do Cidadatildeo15
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot explicou que a
pretensatildeo contida nesta arguiccedilatildeo natildeo gera conflitos com o que foi decidido na ADPF
153 e nem caracteriza superfetaccedilatildeo (bis in idem) Naquela efetuou Controle de
Constitucionalidade da Lei 66831979 Jaacute nesta ADPF 320 pretende-se conhecimento
de validade e de efeito vinculante da decisatildeo da CIDH no caso Gomes Lund a qual agiu
no exerciacutecio legiacutetimo do Controle de Convencionalidade
Concebendo como admissiacutevel a arguiccedilatildeo contra interpretaccedilotildees judiciais que
contrariando o disposto na sentenccedila do caso Gomes Lund declarem extinta a
punibilidade de agentes envolvidos pela Lei de Anistia sob fundamento de prescriccedilatildeo
da pretensatildeo punitiva do Estado Abordando que ldquoEssas interpretaccedilotildees violetam
preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts 1ordm III 4ordm I e II e 5ordm sectsect 1ordm a 3ordm da
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198816
Assim analisam-se os pedidos
A priori tem-se o foco nos crimes de graves violaccedilotildees a direitos humanos e os
continuados ou permanentes e na inaplicabilidade da Lei de Anistia pela ausecircncia de
eficaacutecia juriacutedica
A posiccedilatildeo taxativa do Poder Judiciaacuterio seria a validaccedilatildeo da constitucionalidade
interpretativa da Lei de anistia em seu caraacuteter bilateral e que sua modificaccedilatildeo mesmo
que interpretativa deveria se dar atraveacutes do Poder Legislativo Entretanto deve-se
elaborar uma loacutegica que compreenda as seguintes concepccedilotildees primeiramente em
relaccedilatildeo aos crimes de lesa humanidade e em outro patamar os permanentes ou
continuados
15
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de descumprimento de
preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de 2014 Disponiacutevelem
ltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=62- 44157ampad=s3520
20PetiE7E3o20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o
20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
16 BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservice
20Integradorwsgt Acesso em 22102016
18
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
ADPF por almejar requerer a execuccedilatildeo de sentenccedila interamericana Diante disso
aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
entanto essa visatildeo encontra-se equivocada pois logo eacute esclarecida a ldquorelaccedilatildeo entre as
accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
direitos humanos e violar preceitos fundamentais derivados da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
20
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
REFEREcircNCIAS
ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D Mutaccedilotildees do Conceito de Anistia na Justiccedila de
Transiccedilatildeo Brasileira a terceira fase da luta pela anistia Justiccedila de Transiccedilatildeo Direito
agrave Justiccedila agrave Memoacuteria e agrave Verdade Joatildeo Pessoa Editora da UFPB 2014 P348
22
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25
humanos pela forccedila de seguranccedila puacuteblica do Estado Democraacutetico de
Direito Brasileiro4
Isto posto a responsabilizaccedilatildeo deve ser efetuada a fim de fortalecer a
democracia e as instituiccedilotildees democraacuteticas de forma a romper com o Estado de exceccedilatildeo
e com as heranccedilas por ele deixadas Como bem explicam Paulo Abratildeo e Marcelo D
Torelly a expressatildeo de que devem ser concretizadas
medidas que expressam para as sociedades destes paiacuteses que a lei eacute
igual para todos inclusive para aqueles que um dia estiveram em
posiccedilatildeo de poder para manipular o modo de produccedilatildeo legislativa e
direcionar institutos juriacutedicos de clemecircncia para seus proacuteprios crimes
Trata-se de uma concepccedilatildeo na qual o Estado democraacutetico presta
contas daquilo que foi feito anteriormente pelo Estado de exceccedilatildeo
pela via da justiccedila de transiccedilatildeo (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 77 )
A dimensatildeo que diz respeito agrave responsabilidade judicial no Brasil encontra-se
estagnada no quadro atual principalmente se comparada com outros paiacuteses na Ameacuterica
Latina que tambeacutem passaram por ditaduras civis militares Logo infere-se que o Estado
brasileiro se diferenciou da tradiccedilatildeo latino-americana de associar verdade agrave justiccedila
(ABRAtildeO TORELLY 2011 p 227-228)
Tendo como o grande exemplo no caso brasileiro o Caso Gomes Lund que
teve de alccedilar caminhos para aleacutem da soberania interna para conseguir compreender os
acontecimentos desmistificando as inverdades dos governantes reconhecendo a
responsabilizaccedilatildeo do Estado
2 O Caso Gomes Lund e outros vs Brasil
A construccedilatildeo da Justiccedila transicional no Estado brasileiro avigorou-se com os
vaacuterios movimentos civis (estudantis das famiacutelias da Igreja OAB) defendendo a
anistia poliacutetica aos militantes com a soltura dos presos poliacuteticos e o retorno dos
exilados na ldquoanistia ampla geral e irrestritardquo
No entanto diante de um processo de controle institucional o Poder Judiciaacuterio
moldado na eacutepoca5 recepciona-a como reciacuteproca atravancando a possibilidade de
4 SILVA FILHO Joseacute Carlos Moreira da CASTRO Ricardo Silveira Justiccedila de Transiccedilatildeo e Poder
Judiciaacuterio Brasileiro ndash A barreira da lei de anistia para a responsabilizaccedilatildeo dos crimes da ditadura civil-
militar no Brasil Artigo publicado na revista de estudos criminais n 53 p 50-87 abrjun 2014 5ldquoComo visto eacute o Judiciaacuterio que aceita a tese de que todos os crimes do regime seriam conexos aos
crimes da resistecircncia (como se essa precedesse agravequeles) e consagra formalmente a tese jamais expressa
no texto legal de que um entendimento entre ldquoos dois ladosrdquo haveria gerado o consenso necessaacuterio para a
9
responsabilizaccedilatildeo dos agentes estatais que cometeram graves violaccedilotildees aos direitos
humanos tendo como lsquoseguranccedilarsquo a impunidade observando expressatildeo cunhada por
Samuel Huntington ldquotransiccedilatildeo por transformaccedilatildeordquo6 (HUNTINGTON 1993 apud
ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232) De forma que o novo governo natildeo tinha interesse
em romper com o velho
Com a volta paulatina da democracia apoacutes a ditadura civil militar tentaram
ingressar atraveacutes dos mecanismos judiciais com accedilotildees para conseguirem
responsabilizar aqueles agentes pelos homiciacutedios desaparecimentos forccedilados torturas
sequestros e outros crimes Todavia tais iniciativas juriacutedicas encontraram como
obstaacuteculo a Lei de Anistia de 1979 cuja interpretaccedilatildeo forccedilava o arquivamento das accedilotildees
pela exclusatildeo da responsabilidade
Apoacutes a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 houve apariccedilatildeo de dois emblemaacuteticos
casos que foram arquivados tanto a tentativa do Ministeacuterio Puacuteblico Federal de abrir
inqueacuterito civil em 1992 para apurar a morte de Vladimir Herzog quanto agrave tentativa de
reabrir o caso do Rio Centro de 1981
Entretanto mesmo diante desse quadro estabelecido de impunidade no Brasil
parte da sociedade ousou continuar a luta para conseguir restaurar a justiccedila com o
restabelecimento da igualdade perante a lei levando o caso da Guerrilha do Araguaia ou
Caso Gomes Lund e outros vs Brasil agrave Corte Interamericana
Antes do relato insta fazer uma pausa para percepccedilatildeo do status normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos no Brasil
21 A Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e o Status Normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (CADH)
Relevantes pois a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o fortalecimento
do direito internacional assegurando os limites do poderio estatal e a consolidaccedilatildeo dos
transiccedilatildeo poliacutetica brasileira Essa constataccedilatildeo permite vislumbrar outra caracteriacutestica poliacutetico-institucional
importante da ditadura e da transiccedilatildeo brasileira o Judiciaacuterio aderiu ao regimerdquo (ABRAtildeO TORELLY
2014 p 235) 6Expressatildeo utilizada pelo Samuel Huntington ldquo[] those in power in the authoritarian regime take the
lead and play the decisive role in ending that regime and changing into a democratic system[] it
occurred in well-established military regimes where governments clearly controlled the ultimate means of
coercion vis-agrave-vis authoritarian systems that had been successful economically such as Spain Brazil
Taiwan Mexico and compared to other communist states Hungaryrdquo [] HUNTINGTON Samuel The
third wave Oklahoma Oklahoma University Press 1993 p126 (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232)
10
direitos humanos agraves sociedades desses Nesse sentido Norberto Bobbio esclarece que a
garantia desses direitos no plano internacional soacute seraacute implementada quando ldquouma
jurisdiccedilatildeo internacional se impuser concretamente sobre as jurisdiccedilotildees nacionais
deixando de operar dentro dos Estados mas contra os Estados e em defesa dos
cidadatildeosrdquo (BOBBIO 1992 p 26)
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) eacute uma representaccedilatildeo
dessa fortificaccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo da proteccedilatildeo dos direitos Seus Estados-Parte
aceitaram em seus ordenamentos juriacutedicos a Convenccedilatildeo Americana de Direitos
Humanos (CADH) tambeacutem denominada de Pacto San Joseacute da Costa Rica que
reconhece e assegura um cataacutelogo de direitos civis e poliacuteticos destacando-se o direito agrave
vida agrave liberdade agrave proteccedilatildeo judicial Tendo pois o Estado-Parte a obrigaccedilatildeo de
respeitar e assegurar o livre e pleno exerciacutecio desses direitos e liberdades sem qualquer
discriminaccedilatildeo devendo adotar medidas legislativas para assegurar o seu livre e pleno
exerciacutecio (PIOVESAN 2006 p 89)
O Estado brasileiro foi um dos que mais tardiamente aderiu agrave Convenccedilatildeo em
1992 Seu reconhecimento ocorreu em 2002 no Decreto nordm 4463 dispondo em seu
primeiro artigo como ldquo() obrigatoacuteria de pleno direito e por prazo indeterminado a
competecircncia da Corte () em todos os casos relativos agrave interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo da
CADH () sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de
1998rdquo 7
E embora tenha reconhecido deve-se recordar que o status normativo das
normas internacionais ainda causa muitas discussotildees no Estado brasileiro
A priori destacam-se da Constituiccedilatildeo de 1988 as normas e entendimentos
sobre direito internacional e direitos humanos No artigo 4ordm inciso II o estabelecimento
da prevalecircncia dos direitos humanos nas relaccedilotildees internacionais Logo apoacutes o sect2ordm do
artigo 5ordm da CF88 determina que ldquo() os direitos e garantias expressos na Constituiccedilatildeo
natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos
tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo E o artigo
7 DECRETO 446302 - Promulga a Declaraccedilatildeo de Reconhecimento da Competecircncia Obrigatoacuteria da Corte
Interamericana de Direitos Humanos sob reserva de reciprocidade em consonacircncia com o art 62 da
Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute) de 22 de novembro de 1969
Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto2002d4463htmgtgt
11
7ordm do ADCT ldquoo Brasil propugnaraacute pela formaccedilatildeo de um tribunal internacional dos
direitos humanosrdquo
A querela sobre o status se amolda com a EC 4504 que introduz no artigo 5ordm
da CF o sect3ordm pretendendo um quoacuterum qualificado para convenccedilotildees e tratados sobre
direitos humanos serem equiparadas agraves emendas constitucionais Logo de um lado
observou-se o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes que concluiu como
esvaziada a discussatildeo sobre o status constitucional dos tratados ratificados no Brasil
anteriormente agrave mudanccedila constitucional e natildeo submetidos ao processo legislativo
especial (MENDES 2008 p 1144) E ldquoreconhecendo uma lsquosupralegalidadersquo das
normas de direitos humanos presentes em tratados regularmente incorporados ao direito
paacutetriordquo (SILVA VIEIRA 2015 p 47-48)
E em outra visatildeo ldquoFlaacutevia Piovesan reforccedila sua tese de que o artigo 5ordm sect2ordm
consagra o status dos tratados internacionais de direitos humanos como normas
materialmente constitucionaisrdquo seguindo o raciociacutenio de que o dispositivo do artigo 5ordm
sect3ordm da CF88 possui caraacuteter meramente formal num intuito interpretativo (SILVA
VIEIRA 2015 p 20) De modo que natildeo se evacue o conteuacutedo sobre a prevalecircncia dos
direitos humanos e sobre a natildeo exclusatildeo dos outros direitos humanos abordados em
tratados ou convenccedilotildees
Em um posicionamento mais recente e progressista o Ministro Celso de Mello
reconheceu o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos
regularmente incorporados agrave ordem interna inclusive anteriores agrave promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo de 1988 Conforme seu entendimento ldquoas normas oriundas de tratados
internacionais de direito humanos assumem um caraacuteter materialmente constitucional e
com fundamento no sect2ordm do art 5ordm da CF compotildee o lsquobloco de constitucionalidadersquordquo
(SILVA VIEIRA 2015 p 35)
Eacute uma visatildeo progressista e interessante para aacuterea pois expressa possiacuteveis
avanccedilos na Justiccedila transicional em relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo visto que
dessa maneira poderatildeo ser utilizadas essas normas internacionais aceitas no
ordenamento brasileiro para a construccedilatildeo da persecuccedilatildeo jurisdicional dos crimes de
lesa-humanidade
22 Anaacutelise do Caso Gomes Lund e outros Vs Brasil
12
As entidades da sociedade civil haviam se mobilizado para conseguir a
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis e militares pelas violaccedilotildees dos direitos aacute eacutepoca do
regime de exceccedilatildeo No entanto vendo-se estagnada a possibilidade paralelamente
conseguiram se mobilizar para levar o caso ao sistema regional de Direitos Humanos da
Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos (OEA)
Assim o Centro de Estudos para a Justiccedila e o Direito Internacional (CEJIL) e a
Human Rights WatchAmeacuterica (HRWA) em nome dos familiares atingidos
apresentaram uma peticcedilatildeo agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
para denunciar o desaparecimento de integrantes da ldquoGuerrilha do Araguaiardquo (TOSI
SILVA 2014 p 50) Como consta no relatoacuterio a peticcedilatildeo faz referecircncia ao
desaparecimento de membros da Guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1975 e a falta de
investigaccedilatildeo desses fatos pelo Estado desde entatildeo
Julia Gomes Lund e outras 21 pessoas foram presumivelmente mortas
durante as operaccedilotildees militares ocorridas na Regiatildeo do Araguaia sul
do Paraacute Desde 1982 familiares destas 22 pessoas tentam por meio de
uma accedilatildeo na Justiccedila Federal obter informaccedilotildees sobre as
circunstacircncias do desaparecimento e morte dos guerrilheiros bem
como a recuperaccedilatildeo dos corpos ()8
Alegando atraveacutes dos fatos apresentados violaccedilotildees a direitos garantidos pelos
artigos I (Direito agrave vida agrave liberdade agrave seguranccedila e agrave integridade da pessoa) XXV
(Direito de proteccedilatildeo contra prisatildeo arbitraacuteria) e XXVI (Direito a processo regular) da
Declaraccedilatildeo Americana de Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Americanardquo ou ldquoDeclaraccedilatildeordquo) bem como pelos artigos 4 (Direito agrave vida) 8
(garantias judiciais) 12 (Liberdade de consciecircncia e religiatildeo) 13 (Liberdade de
pensamento e de expressatildeo) e 25 (Proteccedilatildeo judicial) conjugados com o artigo 1(1)
(obrigaccedilatildeo de respeitar direitos) da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
Em sua defesa o Estado brasileiro argumentou jaacute ter reconhecido a sua
responsabilidade atraveacutes da Lei 9140959 com a reparaccedilatildeo das famiacutelias das viacutetimas que
essa lei tratava tambeacutem da investigaccedilatildeo das circunstacircncias da morte e apresentaccedilatildeo do
local que para localizar os cadaacuteveres dependeria de indiacutecios da zona geograacutefica sendo
8ORGANIZACcedilAtildeO DOS ESTADOS AMERICANOS Relatoacuterio de Admissibilidade nordm 3301 Caso nordm
11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil Relatoacuterio Anual de 2000
apresentado em 6 de marccedilo de 2001 Acesso em 18102016
ltlthttpwwwcidhorgannualrep2000port11552htmgtgt 9 Lei que instituiu a Comissatildeo Especial sobre Mortos e Desaparecidos no ano de 1995
13
impossiacutevel investigar se ausentes os indiacutecios que o Estado se negava a dispor relatoacuterios
militares completos nos quais sejam reportados de modo sistemaacutetico os locais de
sepultamento e as condiccedilotildees da morte desses indiviacuteduos e que natildeo seria possiacutevel a
investigaccedilatildeo e a sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pela existecircncia da Lei de Anistia de
197910
Em novembro de 2008 a Corte Interamericana expediu o Relatoacuterio de Meacuterito
nordm 910811
no qual demonstrou ao Brasil algumas recomendaccedilotildees necessaacuterias para a
resoluccedilatildeo do caso Essas de modo geral reconheciam a responsabilidade do Estado
requisitando que esse a) adotasse medidas para garantir que a Lei de Anistia brasileira
natildeo mais representasse obstaacuteculo para a persecuccedilatildeo penal de graves violaccedilotildees de
direitos humanos b) implementasse medidas jurisdicionais para a identificaccedilatildeo
responsabilizaccedilatildeo e sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pelos desaparecimentos forccedilados das
viacutetimas da Guerrilha do Araguaia sendo que o Estado deveria considerar que tais
crimes satildeo contra a humanidade insuscetiacuteveis agrave anistia ou prescriccedilatildeo c) implementasse
medidas legais e administrativas a fim de sistematiza e publicar os documentos
relacionados agraves operaccedilotildees militares contra a Guerrilha do Araguaia d) fornecesse
recursos financeiros e logiacutesticos aos esforccedilos jaacute empreendidos na busca das sepultura da
viacutetimas desaparecidas e) concedesse reparaccedilatildeo agrave famiacutelia das viacutetimas f) promovesse o
ajustamento normativo a fim de tipificar no ordenamento interno o crime de
desaparecimento forccedilado conforme os elementos constitutivos estabelecidos nos
instrumentos internacionais (TOSI SILVA p 51 2014)
Em suas accedilotildees o Estado brasileiro natildeo cumpriu as principais determinaccedilotildees
quanto agraves circunstacircncias de persecuccedilatildeo criminal tendo sido remetido o caso agrave Corte
Interamericana de Direitos Humanos
A Corte entatildeo ante ao descumprimento das recomendaccedilotildees sentenciou o
Estado brasileiro em 24 de novembro de 2010 condenando-o de forma reduzida por
desaparecimento forccedilado e os direitos violados das 62 pessoas desaparecidas aplicaccedilatildeo
da Lei de Anistia como entrave agraves investigaccedilotildees julgamentos e puniccedilotildees dos crimes
ineficaacutecia das accedilotildees judiciais natildeo penais falta de acesso agrave informaccedilatildeo sobre o ocorrido
10
() 11
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE MEacuteRITO Ndeg
9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e
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20Araguaia20Brasil2026mar0920PORTpdf Acesso em 24 de junho de 2011
14
com as viacutetimas desaparecidas e a executada falta de acesso agrave justiccedila agrave verdade e agrave
informaccedilatildeo12
Ressalta-se que durante o processo perante o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos o Estado brasileiro natildeo controverteu os fatos Em sua contestaccedilatildeo
apresentou inclusive reconhecimento do sentimento de anguacutestia dos familiares das
pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia Ainda reconhecendo que a Lei
914095 ldquofirmou a responsabilidade do Estado pelas mortes garantiu reparaccedilatildeo
indenizatoacuteria e principalmente oficializou o reconhecimento histoacuterico de que estes
brasileiros [] morreram lutando como opositores poliacuteticos de um regime que havia
nascido violando a constitucionalidade democraacutetica erguida em 1946rdquo13
Para Moraes (2011) a condenaccedilatildeo eacute representativa de um conflito de jurisdiccedilatildeo
interna e internacional uma vez que o Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 153 2010 decidiu que a
anistia conferida pela Lei 668379 se estende aos crimes comuns praticados pelos
agentes da representaccedilatildeo durante o regime militar Assim seu peso histoacuterico eacute bastante
elevado ingressando com um possiacutevel rompimento da impunidade e reconstruccedilatildeo da
Memoacuteria Coletiva
3 O descumprimento da sentenccedila e a anaacutelise do papel da Arguiccedilatildeo de
Descumprimento de Preceitos Fundamentos nordm 320
31 Relato do descumprimento
A condenaccedilatildeo do Caso Gomes Lund de 2010 reforccedilou os entendimentos dados
em forma de recomendaccedilotildees e frisou quanto agrave necessidade de reconstruccedilatildeo da
memoacuteria das viacutetimas da ditadura civil-militar mais precisamente sobre o Araguaia
puniccedilatildeo dos autores dos desaparecimentos forccedilados e assassinatos da reparaccedilatildeo civil
12
A sentenccedila foi proferida em 24 de novembro de 2010 Trata-se do julgamento do Caso Gomes Lund e
outros (ldquoGuerrilha do Araguaiardquo) vs Brasil Disponiacutevel
em httpcorteidhorcrdocscasosarticulosseriec_219_pordoc Acesso em 22 de out de 2016 13
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE MEacuteRITO Demanda
perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha
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0PORTpdf
15
mediante indenizaccedilatildeo por danos morais e materiais e de medidas de prevenccedilatildeo a atos
violadores dos direitos humanos (MORAES 2011)
Em 2014 a Condenaccedilatildeo ainda passava em branco sem uma resposta plausiacutevel
agrave Corte apenas seguindo com o argumento de impossibilidade de imputar os agentes
criminalmente pela validaccedilatildeo da Lei de Anistia com a ADPF 153 em 2010 pelo STF
De modo que se percebesse que o Brasil novamente estava se abstendo sobre o caso
preferindo o entendimento interno em detrimento do Sistema Interamericano de
Direitos jaacute que em um dos argumentos para ADPF 153 ser validada constava na
inaplicabilidade da tipologia de crimes contra a humanidade 14
Nesse vieacutes para questionar a omissatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro sobre a
sentenccedila condenatoacuteria de 2010 o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ingressou
legitimamente com outra ADPF de nordm 320 em maio de 2014 reabrindo o debate sobre
Justiccedila de transiccedilatildeo brasileira Permitindo dessa forma que a controveacutersia fosse
rediscutida em outros acircmbitos
32 ADPF 320 pedidos e pareces em anaacutelise
Na ADPF 320 as discussotildees mais especiacuteficas elencaram alguns pontos
delineando nos pedidos a requisiccedilatildeo ao STF (1) uma declaraccedilatildeo para natildeo aplicaccedilatildeo da
Lei de Anistia aos crimes (a) de graves violaccedilotildees a direitos humanos cometidos por
agentes puacuteblico militares civis e (b) de caraacuteter permanente ou continuado e (2)
determinaccedilatildeo para cumprimento integral da decisatildeo da CIDH
Para tanto na peticcedilatildeo construiu um raciociacutenio fundamentando da
jurisprudecircncia internacional e nos fatos brasileiros que podem ser dispostos da seguinte
forma
(1) Da natildeo aplicaccedilatildeo da Lei de Anistia de 1979
Para tanto a ADPF 320 apresentou num primeiro momento a visatildeo da CIDH
quanto agrave ausecircncia de efeitos juriacutedicos de Lei de Anistia que queira impedir a
investigaccedilatildeo e a puniccedilatildeo de atos contra crime de lesa humanidade como claramente
14
A convalidaccedilatildeo da Lei de Anistia pela ADPF 153 deu-se em cima dos argumentos principais de ser
bilateral diferente de ldquoautoanistiardquo contra a anistia brasileira natildeo se aplicaria a tipologia de crimes contra
a humanidade e tratando-se de uma lei de reconciliaccedilatildeo somente o Poder Legislativo poderia modifica-
la (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 80)
16
ocorre no Estado brasileiro De certa forma criticando veemente uma das conclusotildees da
ADPF 153
Depois frisou a visatildeo do Estado brasileiro como responsaacutevel pelo
desaparecimento forccedilado e portanto pela violaccedilatildeo dos direitos ao reconhecimento da
personalidade juriacutedica agrave vida agrave integridade pessoal e agrave liberdade pessoal das pessoas laacute
indicadas Demonstrando dessa forma a desobediecircncia da obrigaccedilatildeo de adequar seu
direito interno agrave Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos conforme os arts 2 81
25 e 11 supracitados
(2) Em relaccedilatildeo ao descumprimento da sentenccedila de CIDH do Caso Gomes Lund
Aludiu sobre o descumprimento da sentenccedila pelos Poderes Judiciaacuterio e
Legislativo demonstrando atraveacutes de Relatoacuterio do Ministeacuterio Puacuteblico Federal referente
a 2011 ateacute 2013 a dificuldade em prosseguir com os processos judiciais de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a posiccedilatildeo paralisada do Congresso Nacional que natildeo
votou a tipificaccedilatildeo dos crimes de desaparecimento forccedilado de pessoas
Elencou ainda o aspecto da inconstitucionalidade por omissatildeo do Estado
brasileiro por violar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana no art 1ordm III o art 4ordm
II sobre prevalecircncia dos direitos humanos o art 5ordm sect2ordm que natildeo exclui outros direitos e
garantias decorrentes de tratados internacionais em que a Repuacuteblica federativa seja
parte e o art 7ordm da ADCT sobre tribunal internacional de direitos humanos ao qual se
subjugaraacute o Brasil todos os artigos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
E por uacuteltimo evidenciou o desrespeito ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos Citando o art 68 da CADH pelo qual o Estado-Parte se compromete a
cumprir a decisatildeo da Corte em todos os casos que forem parte E o art 27 da CADH
esclarecendo que ldquouma parte natildeo pode invocar as disposiccedilotildees de seu direito interno para
justificar descumprimento de tratadordquo
Em parecer a Advocacia-Geral da Uniatildeo na pessoa de Luiacutes Inaacutecio Lucena
Adams abordou o meacuterito esclarecendo que o Estado brasileiro tem produzido relatoacuterios
perioacutedicos sobre o cumprimento de sentenccedila sendo apresentados de 2011 a 2014
relatoacuterios que constassem informaccedilotildees minuciosas do cumprimento dos pontos
elencados na sentenccedila E citou como exemplos a criaccedilatildeo da Comissatildeo Nacional da
Verdade em 2011 as medidas do Ministeacuterio da Justiccedila para garantir o acesso agraves
17
informaccedilotildees da ditadura a criaccedilatildeo do Grupo de Trabalho Direito Memoacuteria e Verdade
da Procuradoria Federal dos Distritos do Cidadatildeo15
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot explicou que a
pretensatildeo contida nesta arguiccedilatildeo natildeo gera conflitos com o que foi decidido na ADPF
153 e nem caracteriza superfetaccedilatildeo (bis in idem) Naquela efetuou Controle de
Constitucionalidade da Lei 66831979 Jaacute nesta ADPF 320 pretende-se conhecimento
de validade e de efeito vinculante da decisatildeo da CIDH no caso Gomes Lund a qual agiu
no exerciacutecio legiacutetimo do Controle de Convencionalidade
Concebendo como admissiacutevel a arguiccedilatildeo contra interpretaccedilotildees judiciais que
contrariando o disposto na sentenccedila do caso Gomes Lund declarem extinta a
punibilidade de agentes envolvidos pela Lei de Anistia sob fundamento de prescriccedilatildeo
da pretensatildeo punitiva do Estado Abordando que ldquoEssas interpretaccedilotildees violetam
preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts 1ordm III 4ordm I e II e 5ordm sectsect 1ordm a 3ordm da
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198816
Assim analisam-se os pedidos
A priori tem-se o foco nos crimes de graves violaccedilotildees a direitos humanos e os
continuados ou permanentes e na inaplicabilidade da Lei de Anistia pela ausecircncia de
eficaacutecia juriacutedica
A posiccedilatildeo taxativa do Poder Judiciaacuterio seria a validaccedilatildeo da constitucionalidade
interpretativa da Lei de anistia em seu caraacuteter bilateral e que sua modificaccedilatildeo mesmo
que interpretativa deveria se dar atraveacutes do Poder Legislativo Entretanto deve-se
elaborar uma loacutegica que compreenda as seguintes concepccedilotildees primeiramente em
relaccedilatildeo aos crimes de lesa humanidade e em outro patamar os permanentes ou
continuados
15
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de descumprimento de
preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de 2014 Disponiacutevelem
ltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=62- 44157ampad=s3520
20PetiE7E3o20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o
20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
16 BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservice
20Integradorwsgt Acesso em 22102016
18
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
ADPF por almejar requerer a execuccedilatildeo de sentenccedila interamericana Diante disso
aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
entanto essa visatildeo encontra-se equivocada pois logo eacute esclarecida a ldquorelaccedilatildeo entre as
accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
direitos humanos e violar preceitos fundamentais derivados da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
20
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
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25
responsabilizaccedilatildeo dos agentes estatais que cometeram graves violaccedilotildees aos direitos
humanos tendo como lsquoseguranccedilarsquo a impunidade observando expressatildeo cunhada por
Samuel Huntington ldquotransiccedilatildeo por transformaccedilatildeordquo6 (HUNTINGTON 1993 apud
ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232) De forma que o novo governo natildeo tinha interesse
em romper com o velho
Com a volta paulatina da democracia apoacutes a ditadura civil militar tentaram
ingressar atraveacutes dos mecanismos judiciais com accedilotildees para conseguirem
responsabilizar aqueles agentes pelos homiciacutedios desaparecimentos forccedilados torturas
sequestros e outros crimes Todavia tais iniciativas juriacutedicas encontraram como
obstaacuteculo a Lei de Anistia de 1979 cuja interpretaccedilatildeo forccedilava o arquivamento das accedilotildees
pela exclusatildeo da responsabilidade
Apoacutes a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 houve apariccedilatildeo de dois emblemaacuteticos
casos que foram arquivados tanto a tentativa do Ministeacuterio Puacuteblico Federal de abrir
inqueacuterito civil em 1992 para apurar a morte de Vladimir Herzog quanto agrave tentativa de
reabrir o caso do Rio Centro de 1981
Entretanto mesmo diante desse quadro estabelecido de impunidade no Brasil
parte da sociedade ousou continuar a luta para conseguir restaurar a justiccedila com o
restabelecimento da igualdade perante a lei levando o caso da Guerrilha do Araguaia ou
Caso Gomes Lund e outros vs Brasil agrave Corte Interamericana
Antes do relato insta fazer uma pausa para percepccedilatildeo do status normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos no Brasil
21 A Internacionalizaccedilatildeo dos Direitos Humanos e o Status Normativo da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (CADH)
Relevantes pois a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e o fortalecimento
do direito internacional assegurando os limites do poderio estatal e a consolidaccedilatildeo dos
transiccedilatildeo poliacutetica brasileira Essa constataccedilatildeo permite vislumbrar outra caracteriacutestica poliacutetico-institucional
importante da ditadura e da transiccedilatildeo brasileira o Judiciaacuterio aderiu ao regimerdquo (ABRAtildeO TORELLY
2014 p 235) 6Expressatildeo utilizada pelo Samuel Huntington ldquo[] those in power in the authoritarian regime take the
lead and play the decisive role in ending that regime and changing into a democratic system[] it
occurred in well-established military regimes where governments clearly controlled the ultimate means of
coercion vis-agrave-vis authoritarian systems that had been successful economically such as Spain Brazil
Taiwan Mexico and compared to other communist states Hungaryrdquo [] HUNTINGTON Samuel The
third wave Oklahoma Oklahoma University Press 1993 p126 (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 232)
10
direitos humanos agraves sociedades desses Nesse sentido Norberto Bobbio esclarece que a
garantia desses direitos no plano internacional soacute seraacute implementada quando ldquouma
jurisdiccedilatildeo internacional se impuser concretamente sobre as jurisdiccedilotildees nacionais
deixando de operar dentro dos Estados mas contra os Estados e em defesa dos
cidadatildeosrdquo (BOBBIO 1992 p 26)
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) eacute uma representaccedilatildeo
dessa fortificaccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo da proteccedilatildeo dos direitos Seus Estados-Parte
aceitaram em seus ordenamentos juriacutedicos a Convenccedilatildeo Americana de Direitos
Humanos (CADH) tambeacutem denominada de Pacto San Joseacute da Costa Rica que
reconhece e assegura um cataacutelogo de direitos civis e poliacuteticos destacando-se o direito agrave
vida agrave liberdade agrave proteccedilatildeo judicial Tendo pois o Estado-Parte a obrigaccedilatildeo de
respeitar e assegurar o livre e pleno exerciacutecio desses direitos e liberdades sem qualquer
discriminaccedilatildeo devendo adotar medidas legislativas para assegurar o seu livre e pleno
exerciacutecio (PIOVESAN 2006 p 89)
O Estado brasileiro foi um dos que mais tardiamente aderiu agrave Convenccedilatildeo em
1992 Seu reconhecimento ocorreu em 2002 no Decreto nordm 4463 dispondo em seu
primeiro artigo como ldquo() obrigatoacuteria de pleno direito e por prazo indeterminado a
competecircncia da Corte () em todos os casos relativos agrave interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo da
CADH () sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de
1998rdquo 7
E embora tenha reconhecido deve-se recordar que o status normativo das
normas internacionais ainda causa muitas discussotildees no Estado brasileiro
A priori destacam-se da Constituiccedilatildeo de 1988 as normas e entendimentos
sobre direito internacional e direitos humanos No artigo 4ordm inciso II o estabelecimento
da prevalecircncia dos direitos humanos nas relaccedilotildees internacionais Logo apoacutes o sect2ordm do
artigo 5ordm da CF88 determina que ldquo() os direitos e garantias expressos na Constituiccedilatildeo
natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos
tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo E o artigo
7 DECRETO 446302 - Promulga a Declaraccedilatildeo de Reconhecimento da Competecircncia Obrigatoacuteria da Corte
Interamericana de Direitos Humanos sob reserva de reciprocidade em consonacircncia com o art 62 da
Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute) de 22 de novembro de 1969
Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto2002d4463htmgtgt
11
7ordm do ADCT ldquoo Brasil propugnaraacute pela formaccedilatildeo de um tribunal internacional dos
direitos humanosrdquo
A querela sobre o status se amolda com a EC 4504 que introduz no artigo 5ordm
da CF o sect3ordm pretendendo um quoacuterum qualificado para convenccedilotildees e tratados sobre
direitos humanos serem equiparadas agraves emendas constitucionais Logo de um lado
observou-se o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes que concluiu como
esvaziada a discussatildeo sobre o status constitucional dos tratados ratificados no Brasil
anteriormente agrave mudanccedila constitucional e natildeo submetidos ao processo legislativo
especial (MENDES 2008 p 1144) E ldquoreconhecendo uma lsquosupralegalidadersquo das
normas de direitos humanos presentes em tratados regularmente incorporados ao direito
paacutetriordquo (SILVA VIEIRA 2015 p 47-48)
E em outra visatildeo ldquoFlaacutevia Piovesan reforccedila sua tese de que o artigo 5ordm sect2ordm
consagra o status dos tratados internacionais de direitos humanos como normas
materialmente constitucionaisrdquo seguindo o raciociacutenio de que o dispositivo do artigo 5ordm
sect3ordm da CF88 possui caraacuteter meramente formal num intuito interpretativo (SILVA
VIEIRA 2015 p 20) De modo que natildeo se evacue o conteuacutedo sobre a prevalecircncia dos
direitos humanos e sobre a natildeo exclusatildeo dos outros direitos humanos abordados em
tratados ou convenccedilotildees
Em um posicionamento mais recente e progressista o Ministro Celso de Mello
reconheceu o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos
regularmente incorporados agrave ordem interna inclusive anteriores agrave promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo de 1988 Conforme seu entendimento ldquoas normas oriundas de tratados
internacionais de direito humanos assumem um caraacuteter materialmente constitucional e
com fundamento no sect2ordm do art 5ordm da CF compotildee o lsquobloco de constitucionalidadersquordquo
(SILVA VIEIRA 2015 p 35)
Eacute uma visatildeo progressista e interessante para aacuterea pois expressa possiacuteveis
avanccedilos na Justiccedila transicional em relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo visto que
dessa maneira poderatildeo ser utilizadas essas normas internacionais aceitas no
ordenamento brasileiro para a construccedilatildeo da persecuccedilatildeo jurisdicional dos crimes de
lesa-humanidade
22 Anaacutelise do Caso Gomes Lund e outros Vs Brasil
12
As entidades da sociedade civil haviam se mobilizado para conseguir a
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis e militares pelas violaccedilotildees dos direitos aacute eacutepoca do
regime de exceccedilatildeo No entanto vendo-se estagnada a possibilidade paralelamente
conseguiram se mobilizar para levar o caso ao sistema regional de Direitos Humanos da
Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos (OEA)
Assim o Centro de Estudos para a Justiccedila e o Direito Internacional (CEJIL) e a
Human Rights WatchAmeacuterica (HRWA) em nome dos familiares atingidos
apresentaram uma peticcedilatildeo agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
para denunciar o desaparecimento de integrantes da ldquoGuerrilha do Araguaiardquo (TOSI
SILVA 2014 p 50) Como consta no relatoacuterio a peticcedilatildeo faz referecircncia ao
desaparecimento de membros da Guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1975 e a falta de
investigaccedilatildeo desses fatos pelo Estado desde entatildeo
Julia Gomes Lund e outras 21 pessoas foram presumivelmente mortas
durante as operaccedilotildees militares ocorridas na Regiatildeo do Araguaia sul
do Paraacute Desde 1982 familiares destas 22 pessoas tentam por meio de
uma accedilatildeo na Justiccedila Federal obter informaccedilotildees sobre as
circunstacircncias do desaparecimento e morte dos guerrilheiros bem
como a recuperaccedilatildeo dos corpos ()8
Alegando atraveacutes dos fatos apresentados violaccedilotildees a direitos garantidos pelos
artigos I (Direito agrave vida agrave liberdade agrave seguranccedila e agrave integridade da pessoa) XXV
(Direito de proteccedilatildeo contra prisatildeo arbitraacuteria) e XXVI (Direito a processo regular) da
Declaraccedilatildeo Americana de Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Americanardquo ou ldquoDeclaraccedilatildeordquo) bem como pelos artigos 4 (Direito agrave vida) 8
(garantias judiciais) 12 (Liberdade de consciecircncia e religiatildeo) 13 (Liberdade de
pensamento e de expressatildeo) e 25 (Proteccedilatildeo judicial) conjugados com o artigo 1(1)
(obrigaccedilatildeo de respeitar direitos) da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
Em sua defesa o Estado brasileiro argumentou jaacute ter reconhecido a sua
responsabilidade atraveacutes da Lei 9140959 com a reparaccedilatildeo das famiacutelias das viacutetimas que
essa lei tratava tambeacutem da investigaccedilatildeo das circunstacircncias da morte e apresentaccedilatildeo do
local que para localizar os cadaacuteveres dependeria de indiacutecios da zona geograacutefica sendo
8ORGANIZACcedilAtildeO DOS ESTADOS AMERICANOS Relatoacuterio de Admissibilidade nordm 3301 Caso nordm
11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil Relatoacuterio Anual de 2000
apresentado em 6 de marccedilo de 2001 Acesso em 18102016
ltlthttpwwwcidhorgannualrep2000port11552htmgtgt 9 Lei que instituiu a Comissatildeo Especial sobre Mortos e Desaparecidos no ano de 1995
13
impossiacutevel investigar se ausentes os indiacutecios que o Estado se negava a dispor relatoacuterios
militares completos nos quais sejam reportados de modo sistemaacutetico os locais de
sepultamento e as condiccedilotildees da morte desses indiviacuteduos e que natildeo seria possiacutevel a
investigaccedilatildeo e a sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pela existecircncia da Lei de Anistia de
197910
Em novembro de 2008 a Corte Interamericana expediu o Relatoacuterio de Meacuterito
nordm 910811
no qual demonstrou ao Brasil algumas recomendaccedilotildees necessaacuterias para a
resoluccedilatildeo do caso Essas de modo geral reconheciam a responsabilidade do Estado
requisitando que esse a) adotasse medidas para garantir que a Lei de Anistia brasileira
natildeo mais representasse obstaacuteculo para a persecuccedilatildeo penal de graves violaccedilotildees de
direitos humanos b) implementasse medidas jurisdicionais para a identificaccedilatildeo
responsabilizaccedilatildeo e sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pelos desaparecimentos forccedilados das
viacutetimas da Guerrilha do Araguaia sendo que o Estado deveria considerar que tais
crimes satildeo contra a humanidade insuscetiacuteveis agrave anistia ou prescriccedilatildeo c) implementasse
medidas legais e administrativas a fim de sistematiza e publicar os documentos
relacionados agraves operaccedilotildees militares contra a Guerrilha do Araguaia d) fornecesse
recursos financeiros e logiacutesticos aos esforccedilos jaacute empreendidos na busca das sepultura da
viacutetimas desaparecidas e) concedesse reparaccedilatildeo agrave famiacutelia das viacutetimas f) promovesse o
ajustamento normativo a fim de tipificar no ordenamento interno o crime de
desaparecimento forccedilado conforme os elementos constitutivos estabelecidos nos
instrumentos internacionais (TOSI SILVA p 51 2014)
Em suas accedilotildees o Estado brasileiro natildeo cumpriu as principais determinaccedilotildees
quanto agraves circunstacircncias de persecuccedilatildeo criminal tendo sido remetido o caso agrave Corte
Interamericana de Direitos Humanos
A Corte entatildeo ante ao descumprimento das recomendaccedilotildees sentenciou o
Estado brasileiro em 24 de novembro de 2010 condenando-o de forma reduzida por
desaparecimento forccedilado e os direitos violados das 62 pessoas desaparecidas aplicaccedilatildeo
da Lei de Anistia como entrave agraves investigaccedilotildees julgamentos e puniccedilotildees dos crimes
ineficaacutecia das accedilotildees judiciais natildeo penais falta de acesso agrave informaccedilatildeo sobre o ocorrido
10
() 11
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE MEacuteRITO Ndeg
9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e
outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do
20Araguaia20Brasil2026mar0920PORTpdf Acesso em 24 de junho de 2011
14
com as viacutetimas desaparecidas e a executada falta de acesso agrave justiccedila agrave verdade e agrave
informaccedilatildeo12
Ressalta-se que durante o processo perante o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos o Estado brasileiro natildeo controverteu os fatos Em sua contestaccedilatildeo
apresentou inclusive reconhecimento do sentimento de anguacutestia dos familiares das
pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia Ainda reconhecendo que a Lei
914095 ldquofirmou a responsabilidade do Estado pelas mortes garantiu reparaccedilatildeo
indenizatoacuteria e principalmente oficializou o reconhecimento histoacuterico de que estes
brasileiros [] morreram lutando como opositores poliacuteticos de um regime que havia
nascido violando a constitucionalidade democraacutetica erguida em 1946rdquo13
Para Moraes (2011) a condenaccedilatildeo eacute representativa de um conflito de jurisdiccedilatildeo
interna e internacional uma vez que o Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 153 2010 decidiu que a
anistia conferida pela Lei 668379 se estende aos crimes comuns praticados pelos
agentes da representaccedilatildeo durante o regime militar Assim seu peso histoacuterico eacute bastante
elevado ingressando com um possiacutevel rompimento da impunidade e reconstruccedilatildeo da
Memoacuteria Coletiva
3 O descumprimento da sentenccedila e a anaacutelise do papel da Arguiccedilatildeo de
Descumprimento de Preceitos Fundamentos nordm 320
31 Relato do descumprimento
A condenaccedilatildeo do Caso Gomes Lund de 2010 reforccedilou os entendimentos dados
em forma de recomendaccedilotildees e frisou quanto agrave necessidade de reconstruccedilatildeo da
memoacuteria das viacutetimas da ditadura civil-militar mais precisamente sobre o Araguaia
puniccedilatildeo dos autores dos desaparecimentos forccedilados e assassinatos da reparaccedilatildeo civil
12
A sentenccedila foi proferida em 24 de novembro de 2010 Trata-se do julgamento do Caso Gomes Lund e
outros (ldquoGuerrilha do Araguaiardquo) vs Brasil Disponiacutevel
em httpcorteidhorcrdocscasosarticulosseriec_219_pordoc Acesso em 22 de out de 2016 13
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE MEacuteRITO Demanda
perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha
do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil2026mar092
0PORTpdf
15
mediante indenizaccedilatildeo por danos morais e materiais e de medidas de prevenccedilatildeo a atos
violadores dos direitos humanos (MORAES 2011)
Em 2014 a Condenaccedilatildeo ainda passava em branco sem uma resposta plausiacutevel
agrave Corte apenas seguindo com o argumento de impossibilidade de imputar os agentes
criminalmente pela validaccedilatildeo da Lei de Anistia com a ADPF 153 em 2010 pelo STF
De modo que se percebesse que o Brasil novamente estava se abstendo sobre o caso
preferindo o entendimento interno em detrimento do Sistema Interamericano de
Direitos jaacute que em um dos argumentos para ADPF 153 ser validada constava na
inaplicabilidade da tipologia de crimes contra a humanidade 14
Nesse vieacutes para questionar a omissatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro sobre a
sentenccedila condenatoacuteria de 2010 o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ingressou
legitimamente com outra ADPF de nordm 320 em maio de 2014 reabrindo o debate sobre
Justiccedila de transiccedilatildeo brasileira Permitindo dessa forma que a controveacutersia fosse
rediscutida em outros acircmbitos
32 ADPF 320 pedidos e pareces em anaacutelise
Na ADPF 320 as discussotildees mais especiacuteficas elencaram alguns pontos
delineando nos pedidos a requisiccedilatildeo ao STF (1) uma declaraccedilatildeo para natildeo aplicaccedilatildeo da
Lei de Anistia aos crimes (a) de graves violaccedilotildees a direitos humanos cometidos por
agentes puacuteblico militares civis e (b) de caraacuteter permanente ou continuado e (2)
determinaccedilatildeo para cumprimento integral da decisatildeo da CIDH
Para tanto na peticcedilatildeo construiu um raciociacutenio fundamentando da
jurisprudecircncia internacional e nos fatos brasileiros que podem ser dispostos da seguinte
forma
(1) Da natildeo aplicaccedilatildeo da Lei de Anistia de 1979
Para tanto a ADPF 320 apresentou num primeiro momento a visatildeo da CIDH
quanto agrave ausecircncia de efeitos juriacutedicos de Lei de Anistia que queira impedir a
investigaccedilatildeo e a puniccedilatildeo de atos contra crime de lesa humanidade como claramente
14
A convalidaccedilatildeo da Lei de Anistia pela ADPF 153 deu-se em cima dos argumentos principais de ser
bilateral diferente de ldquoautoanistiardquo contra a anistia brasileira natildeo se aplicaria a tipologia de crimes contra
a humanidade e tratando-se de uma lei de reconciliaccedilatildeo somente o Poder Legislativo poderia modifica-
la (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 80)
16
ocorre no Estado brasileiro De certa forma criticando veemente uma das conclusotildees da
ADPF 153
Depois frisou a visatildeo do Estado brasileiro como responsaacutevel pelo
desaparecimento forccedilado e portanto pela violaccedilatildeo dos direitos ao reconhecimento da
personalidade juriacutedica agrave vida agrave integridade pessoal e agrave liberdade pessoal das pessoas laacute
indicadas Demonstrando dessa forma a desobediecircncia da obrigaccedilatildeo de adequar seu
direito interno agrave Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos conforme os arts 2 81
25 e 11 supracitados
(2) Em relaccedilatildeo ao descumprimento da sentenccedila de CIDH do Caso Gomes Lund
Aludiu sobre o descumprimento da sentenccedila pelos Poderes Judiciaacuterio e
Legislativo demonstrando atraveacutes de Relatoacuterio do Ministeacuterio Puacuteblico Federal referente
a 2011 ateacute 2013 a dificuldade em prosseguir com os processos judiciais de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a posiccedilatildeo paralisada do Congresso Nacional que natildeo
votou a tipificaccedilatildeo dos crimes de desaparecimento forccedilado de pessoas
Elencou ainda o aspecto da inconstitucionalidade por omissatildeo do Estado
brasileiro por violar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana no art 1ordm III o art 4ordm
II sobre prevalecircncia dos direitos humanos o art 5ordm sect2ordm que natildeo exclui outros direitos e
garantias decorrentes de tratados internacionais em que a Repuacuteblica federativa seja
parte e o art 7ordm da ADCT sobre tribunal internacional de direitos humanos ao qual se
subjugaraacute o Brasil todos os artigos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
E por uacuteltimo evidenciou o desrespeito ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos Citando o art 68 da CADH pelo qual o Estado-Parte se compromete a
cumprir a decisatildeo da Corte em todos os casos que forem parte E o art 27 da CADH
esclarecendo que ldquouma parte natildeo pode invocar as disposiccedilotildees de seu direito interno para
justificar descumprimento de tratadordquo
Em parecer a Advocacia-Geral da Uniatildeo na pessoa de Luiacutes Inaacutecio Lucena
Adams abordou o meacuterito esclarecendo que o Estado brasileiro tem produzido relatoacuterios
perioacutedicos sobre o cumprimento de sentenccedila sendo apresentados de 2011 a 2014
relatoacuterios que constassem informaccedilotildees minuciosas do cumprimento dos pontos
elencados na sentenccedila E citou como exemplos a criaccedilatildeo da Comissatildeo Nacional da
Verdade em 2011 as medidas do Ministeacuterio da Justiccedila para garantir o acesso agraves
17
informaccedilotildees da ditadura a criaccedilatildeo do Grupo de Trabalho Direito Memoacuteria e Verdade
da Procuradoria Federal dos Distritos do Cidadatildeo15
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot explicou que a
pretensatildeo contida nesta arguiccedilatildeo natildeo gera conflitos com o que foi decidido na ADPF
153 e nem caracteriza superfetaccedilatildeo (bis in idem) Naquela efetuou Controle de
Constitucionalidade da Lei 66831979 Jaacute nesta ADPF 320 pretende-se conhecimento
de validade e de efeito vinculante da decisatildeo da CIDH no caso Gomes Lund a qual agiu
no exerciacutecio legiacutetimo do Controle de Convencionalidade
Concebendo como admissiacutevel a arguiccedilatildeo contra interpretaccedilotildees judiciais que
contrariando o disposto na sentenccedila do caso Gomes Lund declarem extinta a
punibilidade de agentes envolvidos pela Lei de Anistia sob fundamento de prescriccedilatildeo
da pretensatildeo punitiva do Estado Abordando que ldquoEssas interpretaccedilotildees violetam
preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts 1ordm III 4ordm I e II e 5ordm sectsect 1ordm a 3ordm da
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198816
Assim analisam-se os pedidos
A priori tem-se o foco nos crimes de graves violaccedilotildees a direitos humanos e os
continuados ou permanentes e na inaplicabilidade da Lei de Anistia pela ausecircncia de
eficaacutecia juriacutedica
A posiccedilatildeo taxativa do Poder Judiciaacuterio seria a validaccedilatildeo da constitucionalidade
interpretativa da Lei de anistia em seu caraacuteter bilateral e que sua modificaccedilatildeo mesmo
que interpretativa deveria se dar atraveacutes do Poder Legislativo Entretanto deve-se
elaborar uma loacutegica que compreenda as seguintes concepccedilotildees primeiramente em
relaccedilatildeo aos crimes de lesa humanidade e em outro patamar os permanentes ou
continuados
15
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de descumprimento de
preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de 2014 Disponiacutevelem
ltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=62- 44157ampad=s3520
20PetiE7E3o20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o
20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
16 BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservice
20Integradorwsgt Acesso em 22102016
18
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
ADPF por almejar requerer a execuccedilatildeo de sentenccedila interamericana Diante disso
aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
entanto essa visatildeo encontra-se equivocada pois logo eacute esclarecida a ldquorelaccedilatildeo entre as
accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
direitos humanos e violar preceitos fundamentais derivados da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
20
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
REFEREcircNCIAS
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Direito Revista de Hermenecircutica Juriacutedica Vol 8 nordm 8 p 171 ndash 181 2010
25
direitos humanos agraves sociedades desses Nesse sentido Norberto Bobbio esclarece que a
garantia desses direitos no plano internacional soacute seraacute implementada quando ldquouma
jurisdiccedilatildeo internacional se impuser concretamente sobre as jurisdiccedilotildees nacionais
deixando de operar dentro dos Estados mas contra os Estados e em defesa dos
cidadatildeosrdquo (BOBBIO 1992 p 26)
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) eacute uma representaccedilatildeo
dessa fortificaccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo da proteccedilatildeo dos direitos Seus Estados-Parte
aceitaram em seus ordenamentos juriacutedicos a Convenccedilatildeo Americana de Direitos
Humanos (CADH) tambeacutem denominada de Pacto San Joseacute da Costa Rica que
reconhece e assegura um cataacutelogo de direitos civis e poliacuteticos destacando-se o direito agrave
vida agrave liberdade agrave proteccedilatildeo judicial Tendo pois o Estado-Parte a obrigaccedilatildeo de
respeitar e assegurar o livre e pleno exerciacutecio desses direitos e liberdades sem qualquer
discriminaccedilatildeo devendo adotar medidas legislativas para assegurar o seu livre e pleno
exerciacutecio (PIOVESAN 2006 p 89)
O Estado brasileiro foi um dos que mais tardiamente aderiu agrave Convenccedilatildeo em
1992 Seu reconhecimento ocorreu em 2002 no Decreto nordm 4463 dispondo em seu
primeiro artigo como ldquo() obrigatoacuteria de pleno direito e por prazo indeterminado a
competecircncia da Corte () em todos os casos relativos agrave interpretaccedilatildeo ou aplicaccedilatildeo da
CADH () sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de
1998rdquo 7
E embora tenha reconhecido deve-se recordar que o status normativo das
normas internacionais ainda causa muitas discussotildees no Estado brasileiro
A priori destacam-se da Constituiccedilatildeo de 1988 as normas e entendimentos
sobre direito internacional e direitos humanos No artigo 4ordm inciso II o estabelecimento
da prevalecircncia dos direitos humanos nas relaccedilotildees internacionais Logo apoacutes o sect2ordm do
artigo 5ordm da CF88 determina que ldquo() os direitos e garantias expressos na Constituiccedilatildeo
natildeo excluem outros decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados ou dos
tratados internacionais em que a Repuacuteblica Federativa do Brasil seja parterdquo E o artigo
7 DECRETO 446302 - Promulga a Declaraccedilatildeo de Reconhecimento da Competecircncia Obrigatoacuteria da Corte
Interamericana de Direitos Humanos sob reserva de reciprocidade em consonacircncia com o art 62 da
Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute) de 22 de novembro de 1969
Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto2002d4463htmgtgt
11
7ordm do ADCT ldquoo Brasil propugnaraacute pela formaccedilatildeo de um tribunal internacional dos
direitos humanosrdquo
A querela sobre o status se amolda com a EC 4504 que introduz no artigo 5ordm
da CF o sect3ordm pretendendo um quoacuterum qualificado para convenccedilotildees e tratados sobre
direitos humanos serem equiparadas agraves emendas constitucionais Logo de um lado
observou-se o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes que concluiu como
esvaziada a discussatildeo sobre o status constitucional dos tratados ratificados no Brasil
anteriormente agrave mudanccedila constitucional e natildeo submetidos ao processo legislativo
especial (MENDES 2008 p 1144) E ldquoreconhecendo uma lsquosupralegalidadersquo das
normas de direitos humanos presentes em tratados regularmente incorporados ao direito
paacutetriordquo (SILVA VIEIRA 2015 p 47-48)
E em outra visatildeo ldquoFlaacutevia Piovesan reforccedila sua tese de que o artigo 5ordm sect2ordm
consagra o status dos tratados internacionais de direitos humanos como normas
materialmente constitucionaisrdquo seguindo o raciociacutenio de que o dispositivo do artigo 5ordm
sect3ordm da CF88 possui caraacuteter meramente formal num intuito interpretativo (SILVA
VIEIRA 2015 p 20) De modo que natildeo se evacue o conteuacutedo sobre a prevalecircncia dos
direitos humanos e sobre a natildeo exclusatildeo dos outros direitos humanos abordados em
tratados ou convenccedilotildees
Em um posicionamento mais recente e progressista o Ministro Celso de Mello
reconheceu o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos
regularmente incorporados agrave ordem interna inclusive anteriores agrave promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo de 1988 Conforme seu entendimento ldquoas normas oriundas de tratados
internacionais de direito humanos assumem um caraacuteter materialmente constitucional e
com fundamento no sect2ordm do art 5ordm da CF compotildee o lsquobloco de constitucionalidadersquordquo
(SILVA VIEIRA 2015 p 35)
Eacute uma visatildeo progressista e interessante para aacuterea pois expressa possiacuteveis
avanccedilos na Justiccedila transicional em relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo visto que
dessa maneira poderatildeo ser utilizadas essas normas internacionais aceitas no
ordenamento brasileiro para a construccedilatildeo da persecuccedilatildeo jurisdicional dos crimes de
lesa-humanidade
22 Anaacutelise do Caso Gomes Lund e outros Vs Brasil
12
As entidades da sociedade civil haviam se mobilizado para conseguir a
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis e militares pelas violaccedilotildees dos direitos aacute eacutepoca do
regime de exceccedilatildeo No entanto vendo-se estagnada a possibilidade paralelamente
conseguiram se mobilizar para levar o caso ao sistema regional de Direitos Humanos da
Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos (OEA)
Assim o Centro de Estudos para a Justiccedila e o Direito Internacional (CEJIL) e a
Human Rights WatchAmeacuterica (HRWA) em nome dos familiares atingidos
apresentaram uma peticcedilatildeo agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
para denunciar o desaparecimento de integrantes da ldquoGuerrilha do Araguaiardquo (TOSI
SILVA 2014 p 50) Como consta no relatoacuterio a peticcedilatildeo faz referecircncia ao
desaparecimento de membros da Guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1975 e a falta de
investigaccedilatildeo desses fatos pelo Estado desde entatildeo
Julia Gomes Lund e outras 21 pessoas foram presumivelmente mortas
durante as operaccedilotildees militares ocorridas na Regiatildeo do Araguaia sul
do Paraacute Desde 1982 familiares destas 22 pessoas tentam por meio de
uma accedilatildeo na Justiccedila Federal obter informaccedilotildees sobre as
circunstacircncias do desaparecimento e morte dos guerrilheiros bem
como a recuperaccedilatildeo dos corpos ()8
Alegando atraveacutes dos fatos apresentados violaccedilotildees a direitos garantidos pelos
artigos I (Direito agrave vida agrave liberdade agrave seguranccedila e agrave integridade da pessoa) XXV
(Direito de proteccedilatildeo contra prisatildeo arbitraacuteria) e XXVI (Direito a processo regular) da
Declaraccedilatildeo Americana de Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Americanardquo ou ldquoDeclaraccedilatildeordquo) bem como pelos artigos 4 (Direito agrave vida) 8
(garantias judiciais) 12 (Liberdade de consciecircncia e religiatildeo) 13 (Liberdade de
pensamento e de expressatildeo) e 25 (Proteccedilatildeo judicial) conjugados com o artigo 1(1)
(obrigaccedilatildeo de respeitar direitos) da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
Em sua defesa o Estado brasileiro argumentou jaacute ter reconhecido a sua
responsabilidade atraveacutes da Lei 9140959 com a reparaccedilatildeo das famiacutelias das viacutetimas que
essa lei tratava tambeacutem da investigaccedilatildeo das circunstacircncias da morte e apresentaccedilatildeo do
local que para localizar os cadaacuteveres dependeria de indiacutecios da zona geograacutefica sendo
8ORGANIZACcedilAtildeO DOS ESTADOS AMERICANOS Relatoacuterio de Admissibilidade nordm 3301 Caso nordm
11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil Relatoacuterio Anual de 2000
apresentado em 6 de marccedilo de 2001 Acesso em 18102016
ltlthttpwwwcidhorgannualrep2000port11552htmgtgt 9 Lei que instituiu a Comissatildeo Especial sobre Mortos e Desaparecidos no ano de 1995
13
impossiacutevel investigar se ausentes os indiacutecios que o Estado se negava a dispor relatoacuterios
militares completos nos quais sejam reportados de modo sistemaacutetico os locais de
sepultamento e as condiccedilotildees da morte desses indiviacuteduos e que natildeo seria possiacutevel a
investigaccedilatildeo e a sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pela existecircncia da Lei de Anistia de
197910
Em novembro de 2008 a Corte Interamericana expediu o Relatoacuterio de Meacuterito
nordm 910811
no qual demonstrou ao Brasil algumas recomendaccedilotildees necessaacuterias para a
resoluccedilatildeo do caso Essas de modo geral reconheciam a responsabilidade do Estado
requisitando que esse a) adotasse medidas para garantir que a Lei de Anistia brasileira
natildeo mais representasse obstaacuteculo para a persecuccedilatildeo penal de graves violaccedilotildees de
direitos humanos b) implementasse medidas jurisdicionais para a identificaccedilatildeo
responsabilizaccedilatildeo e sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pelos desaparecimentos forccedilados das
viacutetimas da Guerrilha do Araguaia sendo que o Estado deveria considerar que tais
crimes satildeo contra a humanidade insuscetiacuteveis agrave anistia ou prescriccedilatildeo c) implementasse
medidas legais e administrativas a fim de sistematiza e publicar os documentos
relacionados agraves operaccedilotildees militares contra a Guerrilha do Araguaia d) fornecesse
recursos financeiros e logiacutesticos aos esforccedilos jaacute empreendidos na busca das sepultura da
viacutetimas desaparecidas e) concedesse reparaccedilatildeo agrave famiacutelia das viacutetimas f) promovesse o
ajustamento normativo a fim de tipificar no ordenamento interno o crime de
desaparecimento forccedilado conforme os elementos constitutivos estabelecidos nos
instrumentos internacionais (TOSI SILVA p 51 2014)
Em suas accedilotildees o Estado brasileiro natildeo cumpriu as principais determinaccedilotildees
quanto agraves circunstacircncias de persecuccedilatildeo criminal tendo sido remetido o caso agrave Corte
Interamericana de Direitos Humanos
A Corte entatildeo ante ao descumprimento das recomendaccedilotildees sentenciou o
Estado brasileiro em 24 de novembro de 2010 condenando-o de forma reduzida por
desaparecimento forccedilado e os direitos violados das 62 pessoas desaparecidas aplicaccedilatildeo
da Lei de Anistia como entrave agraves investigaccedilotildees julgamentos e puniccedilotildees dos crimes
ineficaacutecia das accedilotildees judiciais natildeo penais falta de acesso agrave informaccedilatildeo sobre o ocorrido
10
() 11
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE MEacuteRITO Ndeg
9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e
outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do
20Araguaia20Brasil2026mar0920PORTpdf Acesso em 24 de junho de 2011
14
com as viacutetimas desaparecidas e a executada falta de acesso agrave justiccedila agrave verdade e agrave
informaccedilatildeo12
Ressalta-se que durante o processo perante o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos o Estado brasileiro natildeo controverteu os fatos Em sua contestaccedilatildeo
apresentou inclusive reconhecimento do sentimento de anguacutestia dos familiares das
pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia Ainda reconhecendo que a Lei
914095 ldquofirmou a responsabilidade do Estado pelas mortes garantiu reparaccedilatildeo
indenizatoacuteria e principalmente oficializou o reconhecimento histoacuterico de que estes
brasileiros [] morreram lutando como opositores poliacuteticos de um regime que havia
nascido violando a constitucionalidade democraacutetica erguida em 1946rdquo13
Para Moraes (2011) a condenaccedilatildeo eacute representativa de um conflito de jurisdiccedilatildeo
interna e internacional uma vez que o Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 153 2010 decidiu que a
anistia conferida pela Lei 668379 se estende aos crimes comuns praticados pelos
agentes da representaccedilatildeo durante o regime militar Assim seu peso histoacuterico eacute bastante
elevado ingressando com um possiacutevel rompimento da impunidade e reconstruccedilatildeo da
Memoacuteria Coletiva
3 O descumprimento da sentenccedila e a anaacutelise do papel da Arguiccedilatildeo de
Descumprimento de Preceitos Fundamentos nordm 320
31 Relato do descumprimento
A condenaccedilatildeo do Caso Gomes Lund de 2010 reforccedilou os entendimentos dados
em forma de recomendaccedilotildees e frisou quanto agrave necessidade de reconstruccedilatildeo da
memoacuteria das viacutetimas da ditadura civil-militar mais precisamente sobre o Araguaia
puniccedilatildeo dos autores dos desaparecimentos forccedilados e assassinatos da reparaccedilatildeo civil
12
A sentenccedila foi proferida em 24 de novembro de 2010 Trata-se do julgamento do Caso Gomes Lund e
outros (ldquoGuerrilha do Araguaiardquo) vs Brasil Disponiacutevel
em httpcorteidhorcrdocscasosarticulosseriec_219_pordoc Acesso em 22 de out de 2016 13
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE MEacuteRITO Demanda
perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha
do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil2026mar092
0PORTpdf
15
mediante indenizaccedilatildeo por danos morais e materiais e de medidas de prevenccedilatildeo a atos
violadores dos direitos humanos (MORAES 2011)
Em 2014 a Condenaccedilatildeo ainda passava em branco sem uma resposta plausiacutevel
agrave Corte apenas seguindo com o argumento de impossibilidade de imputar os agentes
criminalmente pela validaccedilatildeo da Lei de Anistia com a ADPF 153 em 2010 pelo STF
De modo que se percebesse que o Brasil novamente estava se abstendo sobre o caso
preferindo o entendimento interno em detrimento do Sistema Interamericano de
Direitos jaacute que em um dos argumentos para ADPF 153 ser validada constava na
inaplicabilidade da tipologia de crimes contra a humanidade 14
Nesse vieacutes para questionar a omissatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro sobre a
sentenccedila condenatoacuteria de 2010 o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ingressou
legitimamente com outra ADPF de nordm 320 em maio de 2014 reabrindo o debate sobre
Justiccedila de transiccedilatildeo brasileira Permitindo dessa forma que a controveacutersia fosse
rediscutida em outros acircmbitos
32 ADPF 320 pedidos e pareces em anaacutelise
Na ADPF 320 as discussotildees mais especiacuteficas elencaram alguns pontos
delineando nos pedidos a requisiccedilatildeo ao STF (1) uma declaraccedilatildeo para natildeo aplicaccedilatildeo da
Lei de Anistia aos crimes (a) de graves violaccedilotildees a direitos humanos cometidos por
agentes puacuteblico militares civis e (b) de caraacuteter permanente ou continuado e (2)
determinaccedilatildeo para cumprimento integral da decisatildeo da CIDH
Para tanto na peticcedilatildeo construiu um raciociacutenio fundamentando da
jurisprudecircncia internacional e nos fatos brasileiros que podem ser dispostos da seguinte
forma
(1) Da natildeo aplicaccedilatildeo da Lei de Anistia de 1979
Para tanto a ADPF 320 apresentou num primeiro momento a visatildeo da CIDH
quanto agrave ausecircncia de efeitos juriacutedicos de Lei de Anistia que queira impedir a
investigaccedilatildeo e a puniccedilatildeo de atos contra crime de lesa humanidade como claramente
14
A convalidaccedilatildeo da Lei de Anistia pela ADPF 153 deu-se em cima dos argumentos principais de ser
bilateral diferente de ldquoautoanistiardquo contra a anistia brasileira natildeo se aplicaria a tipologia de crimes contra
a humanidade e tratando-se de uma lei de reconciliaccedilatildeo somente o Poder Legislativo poderia modifica-
la (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 80)
16
ocorre no Estado brasileiro De certa forma criticando veemente uma das conclusotildees da
ADPF 153
Depois frisou a visatildeo do Estado brasileiro como responsaacutevel pelo
desaparecimento forccedilado e portanto pela violaccedilatildeo dos direitos ao reconhecimento da
personalidade juriacutedica agrave vida agrave integridade pessoal e agrave liberdade pessoal das pessoas laacute
indicadas Demonstrando dessa forma a desobediecircncia da obrigaccedilatildeo de adequar seu
direito interno agrave Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos conforme os arts 2 81
25 e 11 supracitados
(2) Em relaccedilatildeo ao descumprimento da sentenccedila de CIDH do Caso Gomes Lund
Aludiu sobre o descumprimento da sentenccedila pelos Poderes Judiciaacuterio e
Legislativo demonstrando atraveacutes de Relatoacuterio do Ministeacuterio Puacuteblico Federal referente
a 2011 ateacute 2013 a dificuldade em prosseguir com os processos judiciais de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a posiccedilatildeo paralisada do Congresso Nacional que natildeo
votou a tipificaccedilatildeo dos crimes de desaparecimento forccedilado de pessoas
Elencou ainda o aspecto da inconstitucionalidade por omissatildeo do Estado
brasileiro por violar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana no art 1ordm III o art 4ordm
II sobre prevalecircncia dos direitos humanos o art 5ordm sect2ordm que natildeo exclui outros direitos e
garantias decorrentes de tratados internacionais em que a Repuacuteblica federativa seja
parte e o art 7ordm da ADCT sobre tribunal internacional de direitos humanos ao qual se
subjugaraacute o Brasil todos os artigos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
E por uacuteltimo evidenciou o desrespeito ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos Citando o art 68 da CADH pelo qual o Estado-Parte se compromete a
cumprir a decisatildeo da Corte em todos os casos que forem parte E o art 27 da CADH
esclarecendo que ldquouma parte natildeo pode invocar as disposiccedilotildees de seu direito interno para
justificar descumprimento de tratadordquo
Em parecer a Advocacia-Geral da Uniatildeo na pessoa de Luiacutes Inaacutecio Lucena
Adams abordou o meacuterito esclarecendo que o Estado brasileiro tem produzido relatoacuterios
perioacutedicos sobre o cumprimento de sentenccedila sendo apresentados de 2011 a 2014
relatoacuterios que constassem informaccedilotildees minuciosas do cumprimento dos pontos
elencados na sentenccedila E citou como exemplos a criaccedilatildeo da Comissatildeo Nacional da
Verdade em 2011 as medidas do Ministeacuterio da Justiccedila para garantir o acesso agraves
17
informaccedilotildees da ditadura a criaccedilatildeo do Grupo de Trabalho Direito Memoacuteria e Verdade
da Procuradoria Federal dos Distritos do Cidadatildeo15
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot explicou que a
pretensatildeo contida nesta arguiccedilatildeo natildeo gera conflitos com o que foi decidido na ADPF
153 e nem caracteriza superfetaccedilatildeo (bis in idem) Naquela efetuou Controle de
Constitucionalidade da Lei 66831979 Jaacute nesta ADPF 320 pretende-se conhecimento
de validade e de efeito vinculante da decisatildeo da CIDH no caso Gomes Lund a qual agiu
no exerciacutecio legiacutetimo do Controle de Convencionalidade
Concebendo como admissiacutevel a arguiccedilatildeo contra interpretaccedilotildees judiciais que
contrariando o disposto na sentenccedila do caso Gomes Lund declarem extinta a
punibilidade de agentes envolvidos pela Lei de Anistia sob fundamento de prescriccedilatildeo
da pretensatildeo punitiva do Estado Abordando que ldquoEssas interpretaccedilotildees violetam
preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts 1ordm III 4ordm I e II e 5ordm sectsect 1ordm a 3ordm da
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198816
Assim analisam-se os pedidos
A priori tem-se o foco nos crimes de graves violaccedilotildees a direitos humanos e os
continuados ou permanentes e na inaplicabilidade da Lei de Anistia pela ausecircncia de
eficaacutecia juriacutedica
A posiccedilatildeo taxativa do Poder Judiciaacuterio seria a validaccedilatildeo da constitucionalidade
interpretativa da Lei de anistia em seu caraacuteter bilateral e que sua modificaccedilatildeo mesmo
que interpretativa deveria se dar atraveacutes do Poder Legislativo Entretanto deve-se
elaborar uma loacutegica que compreenda as seguintes concepccedilotildees primeiramente em
relaccedilatildeo aos crimes de lesa humanidade e em outro patamar os permanentes ou
continuados
15
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de descumprimento de
preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de 2014 Disponiacutevelem
ltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=62- 44157ampad=s3520
20PetiE7E3o20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o
20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
16 BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservice
20Integradorwsgt Acesso em 22102016
18
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
ADPF por almejar requerer a execuccedilatildeo de sentenccedila interamericana Diante disso
aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
entanto essa visatildeo encontra-se equivocada pois logo eacute esclarecida a ldquorelaccedilatildeo entre as
accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
direitos humanos e violar preceitos fundamentais derivados da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
20
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
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25
7ordm do ADCT ldquoo Brasil propugnaraacute pela formaccedilatildeo de um tribunal internacional dos
direitos humanosrdquo
A querela sobre o status se amolda com a EC 4504 que introduz no artigo 5ordm
da CF o sect3ordm pretendendo um quoacuterum qualificado para convenccedilotildees e tratados sobre
direitos humanos serem equiparadas agraves emendas constitucionais Logo de um lado
observou-se o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes que concluiu como
esvaziada a discussatildeo sobre o status constitucional dos tratados ratificados no Brasil
anteriormente agrave mudanccedila constitucional e natildeo submetidos ao processo legislativo
especial (MENDES 2008 p 1144) E ldquoreconhecendo uma lsquosupralegalidadersquo das
normas de direitos humanos presentes em tratados regularmente incorporados ao direito
paacutetriordquo (SILVA VIEIRA 2015 p 47-48)
E em outra visatildeo ldquoFlaacutevia Piovesan reforccedila sua tese de que o artigo 5ordm sect2ordm
consagra o status dos tratados internacionais de direitos humanos como normas
materialmente constitucionaisrdquo seguindo o raciociacutenio de que o dispositivo do artigo 5ordm
sect3ordm da CF88 possui caraacuteter meramente formal num intuito interpretativo (SILVA
VIEIRA 2015 p 20) De modo que natildeo se evacue o conteuacutedo sobre a prevalecircncia dos
direitos humanos e sobre a natildeo exclusatildeo dos outros direitos humanos abordados em
tratados ou convenccedilotildees
Em um posicionamento mais recente e progressista o Ministro Celso de Mello
reconheceu o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos
regularmente incorporados agrave ordem interna inclusive anteriores agrave promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo de 1988 Conforme seu entendimento ldquoas normas oriundas de tratados
internacionais de direito humanos assumem um caraacuteter materialmente constitucional e
com fundamento no sect2ordm do art 5ordm da CF compotildee o lsquobloco de constitucionalidadersquordquo
(SILVA VIEIRA 2015 p 35)
Eacute uma visatildeo progressista e interessante para aacuterea pois expressa possiacuteveis
avanccedilos na Justiccedila transicional em relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo visto que
dessa maneira poderatildeo ser utilizadas essas normas internacionais aceitas no
ordenamento brasileiro para a construccedilatildeo da persecuccedilatildeo jurisdicional dos crimes de
lesa-humanidade
22 Anaacutelise do Caso Gomes Lund e outros Vs Brasil
12
As entidades da sociedade civil haviam se mobilizado para conseguir a
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis e militares pelas violaccedilotildees dos direitos aacute eacutepoca do
regime de exceccedilatildeo No entanto vendo-se estagnada a possibilidade paralelamente
conseguiram se mobilizar para levar o caso ao sistema regional de Direitos Humanos da
Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos (OEA)
Assim o Centro de Estudos para a Justiccedila e o Direito Internacional (CEJIL) e a
Human Rights WatchAmeacuterica (HRWA) em nome dos familiares atingidos
apresentaram uma peticcedilatildeo agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
para denunciar o desaparecimento de integrantes da ldquoGuerrilha do Araguaiardquo (TOSI
SILVA 2014 p 50) Como consta no relatoacuterio a peticcedilatildeo faz referecircncia ao
desaparecimento de membros da Guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1975 e a falta de
investigaccedilatildeo desses fatos pelo Estado desde entatildeo
Julia Gomes Lund e outras 21 pessoas foram presumivelmente mortas
durante as operaccedilotildees militares ocorridas na Regiatildeo do Araguaia sul
do Paraacute Desde 1982 familiares destas 22 pessoas tentam por meio de
uma accedilatildeo na Justiccedila Federal obter informaccedilotildees sobre as
circunstacircncias do desaparecimento e morte dos guerrilheiros bem
como a recuperaccedilatildeo dos corpos ()8
Alegando atraveacutes dos fatos apresentados violaccedilotildees a direitos garantidos pelos
artigos I (Direito agrave vida agrave liberdade agrave seguranccedila e agrave integridade da pessoa) XXV
(Direito de proteccedilatildeo contra prisatildeo arbitraacuteria) e XXVI (Direito a processo regular) da
Declaraccedilatildeo Americana de Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Americanardquo ou ldquoDeclaraccedilatildeordquo) bem como pelos artigos 4 (Direito agrave vida) 8
(garantias judiciais) 12 (Liberdade de consciecircncia e religiatildeo) 13 (Liberdade de
pensamento e de expressatildeo) e 25 (Proteccedilatildeo judicial) conjugados com o artigo 1(1)
(obrigaccedilatildeo de respeitar direitos) da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
Em sua defesa o Estado brasileiro argumentou jaacute ter reconhecido a sua
responsabilidade atraveacutes da Lei 9140959 com a reparaccedilatildeo das famiacutelias das viacutetimas que
essa lei tratava tambeacutem da investigaccedilatildeo das circunstacircncias da morte e apresentaccedilatildeo do
local que para localizar os cadaacuteveres dependeria de indiacutecios da zona geograacutefica sendo
8ORGANIZACcedilAtildeO DOS ESTADOS AMERICANOS Relatoacuterio de Admissibilidade nordm 3301 Caso nordm
11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil Relatoacuterio Anual de 2000
apresentado em 6 de marccedilo de 2001 Acesso em 18102016
ltlthttpwwwcidhorgannualrep2000port11552htmgtgt 9 Lei que instituiu a Comissatildeo Especial sobre Mortos e Desaparecidos no ano de 1995
13
impossiacutevel investigar se ausentes os indiacutecios que o Estado se negava a dispor relatoacuterios
militares completos nos quais sejam reportados de modo sistemaacutetico os locais de
sepultamento e as condiccedilotildees da morte desses indiviacuteduos e que natildeo seria possiacutevel a
investigaccedilatildeo e a sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pela existecircncia da Lei de Anistia de
197910
Em novembro de 2008 a Corte Interamericana expediu o Relatoacuterio de Meacuterito
nordm 910811
no qual demonstrou ao Brasil algumas recomendaccedilotildees necessaacuterias para a
resoluccedilatildeo do caso Essas de modo geral reconheciam a responsabilidade do Estado
requisitando que esse a) adotasse medidas para garantir que a Lei de Anistia brasileira
natildeo mais representasse obstaacuteculo para a persecuccedilatildeo penal de graves violaccedilotildees de
direitos humanos b) implementasse medidas jurisdicionais para a identificaccedilatildeo
responsabilizaccedilatildeo e sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pelos desaparecimentos forccedilados das
viacutetimas da Guerrilha do Araguaia sendo que o Estado deveria considerar que tais
crimes satildeo contra a humanidade insuscetiacuteveis agrave anistia ou prescriccedilatildeo c) implementasse
medidas legais e administrativas a fim de sistematiza e publicar os documentos
relacionados agraves operaccedilotildees militares contra a Guerrilha do Araguaia d) fornecesse
recursos financeiros e logiacutesticos aos esforccedilos jaacute empreendidos na busca das sepultura da
viacutetimas desaparecidas e) concedesse reparaccedilatildeo agrave famiacutelia das viacutetimas f) promovesse o
ajustamento normativo a fim de tipificar no ordenamento interno o crime de
desaparecimento forccedilado conforme os elementos constitutivos estabelecidos nos
instrumentos internacionais (TOSI SILVA p 51 2014)
Em suas accedilotildees o Estado brasileiro natildeo cumpriu as principais determinaccedilotildees
quanto agraves circunstacircncias de persecuccedilatildeo criminal tendo sido remetido o caso agrave Corte
Interamericana de Direitos Humanos
A Corte entatildeo ante ao descumprimento das recomendaccedilotildees sentenciou o
Estado brasileiro em 24 de novembro de 2010 condenando-o de forma reduzida por
desaparecimento forccedilado e os direitos violados das 62 pessoas desaparecidas aplicaccedilatildeo
da Lei de Anistia como entrave agraves investigaccedilotildees julgamentos e puniccedilotildees dos crimes
ineficaacutecia das accedilotildees judiciais natildeo penais falta de acesso agrave informaccedilatildeo sobre o ocorrido
10
() 11
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE MEacuteRITO Ndeg
9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e
outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do
20Araguaia20Brasil2026mar0920PORTpdf Acesso em 24 de junho de 2011
14
com as viacutetimas desaparecidas e a executada falta de acesso agrave justiccedila agrave verdade e agrave
informaccedilatildeo12
Ressalta-se que durante o processo perante o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos o Estado brasileiro natildeo controverteu os fatos Em sua contestaccedilatildeo
apresentou inclusive reconhecimento do sentimento de anguacutestia dos familiares das
pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia Ainda reconhecendo que a Lei
914095 ldquofirmou a responsabilidade do Estado pelas mortes garantiu reparaccedilatildeo
indenizatoacuteria e principalmente oficializou o reconhecimento histoacuterico de que estes
brasileiros [] morreram lutando como opositores poliacuteticos de um regime que havia
nascido violando a constitucionalidade democraacutetica erguida em 1946rdquo13
Para Moraes (2011) a condenaccedilatildeo eacute representativa de um conflito de jurisdiccedilatildeo
interna e internacional uma vez que o Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 153 2010 decidiu que a
anistia conferida pela Lei 668379 se estende aos crimes comuns praticados pelos
agentes da representaccedilatildeo durante o regime militar Assim seu peso histoacuterico eacute bastante
elevado ingressando com um possiacutevel rompimento da impunidade e reconstruccedilatildeo da
Memoacuteria Coletiva
3 O descumprimento da sentenccedila e a anaacutelise do papel da Arguiccedilatildeo de
Descumprimento de Preceitos Fundamentos nordm 320
31 Relato do descumprimento
A condenaccedilatildeo do Caso Gomes Lund de 2010 reforccedilou os entendimentos dados
em forma de recomendaccedilotildees e frisou quanto agrave necessidade de reconstruccedilatildeo da
memoacuteria das viacutetimas da ditadura civil-militar mais precisamente sobre o Araguaia
puniccedilatildeo dos autores dos desaparecimentos forccedilados e assassinatos da reparaccedilatildeo civil
12
A sentenccedila foi proferida em 24 de novembro de 2010 Trata-se do julgamento do Caso Gomes Lund e
outros (ldquoGuerrilha do Araguaiardquo) vs Brasil Disponiacutevel
em httpcorteidhorcrdocscasosarticulosseriec_219_pordoc Acesso em 22 de out de 2016 13
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE MEacuteRITO Demanda
perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha
do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil2026mar092
0PORTpdf
15
mediante indenizaccedilatildeo por danos morais e materiais e de medidas de prevenccedilatildeo a atos
violadores dos direitos humanos (MORAES 2011)
Em 2014 a Condenaccedilatildeo ainda passava em branco sem uma resposta plausiacutevel
agrave Corte apenas seguindo com o argumento de impossibilidade de imputar os agentes
criminalmente pela validaccedilatildeo da Lei de Anistia com a ADPF 153 em 2010 pelo STF
De modo que se percebesse que o Brasil novamente estava se abstendo sobre o caso
preferindo o entendimento interno em detrimento do Sistema Interamericano de
Direitos jaacute que em um dos argumentos para ADPF 153 ser validada constava na
inaplicabilidade da tipologia de crimes contra a humanidade 14
Nesse vieacutes para questionar a omissatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro sobre a
sentenccedila condenatoacuteria de 2010 o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ingressou
legitimamente com outra ADPF de nordm 320 em maio de 2014 reabrindo o debate sobre
Justiccedila de transiccedilatildeo brasileira Permitindo dessa forma que a controveacutersia fosse
rediscutida em outros acircmbitos
32 ADPF 320 pedidos e pareces em anaacutelise
Na ADPF 320 as discussotildees mais especiacuteficas elencaram alguns pontos
delineando nos pedidos a requisiccedilatildeo ao STF (1) uma declaraccedilatildeo para natildeo aplicaccedilatildeo da
Lei de Anistia aos crimes (a) de graves violaccedilotildees a direitos humanos cometidos por
agentes puacuteblico militares civis e (b) de caraacuteter permanente ou continuado e (2)
determinaccedilatildeo para cumprimento integral da decisatildeo da CIDH
Para tanto na peticcedilatildeo construiu um raciociacutenio fundamentando da
jurisprudecircncia internacional e nos fatos brasileiros que podem ser dispostos da seguinte
forma
(1) Da natildeo aplicaccedilatildeo da Lei de Anistia de 1979
Para tanto a ADPF 320 apresentou num primeiro momento a visatildeo da CIDH
quanto agrave ausecircncia de efeitos juriacutedicos de Lei de Anistia que queira impedir a
investigaccedilatildeo e a puniccedilatildeo de atos contra crime de lesa humanidade como claramente
14
A convalidaccedilatildeo da Lei de Anistia pela ADPF 153 deu-se em cima dos argumentos principais de ser
bilateral diferente de ldquoautoanistiardquo contra a anistia brasileira natildeo se aplicaria a tipologia de crimes contra
a humanidade e tratando-se de uma lei de reconciliaccedilatildeo somente o Poder Legislativo poderia modifica-
la (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 80)
16
ocorre no Estado brasileiro De certa forma criticando veemente uma das conclusotildees da
ADPF 153
Depois frisou a visatildeo do Estado brasileiro como responsaacutevel pelo
desaparecimento forccedilado e portanto pela violaccedilatildeo dos direitos ao reconhecimento da
personalidade juriacutedica agrave vida agrave integridade pessoal e agrave liberdade pessoal das pessoas laacute
indicadas Demonstrando dessa forma a desobediecircncia da obrigaccedilatildeo de adequar seu
direito interno agrave Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos conforme os arts 2 81
25 e 11 supracitados
(2) Em relaccedilatildeo ao descumprimento da sentenccedila de CIDH do Caso Gomes Lund
Aludiu sobre o descumprimento da sentenccedila pelos Poderes Judiciaacuterio e
Legislativo demonstrando atraveacutes de Relatoacuterio do Ministeacuterio Puacuteblico Federal referente
a 2011 ateacute 2013 a dificuldade em prosseguir com os processos judiciais de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a posiccedilatildeo paralisada do Congresso Nacional que natildeo
votou a tipificaccedilatildeo dos crimes de desaparecimento forccedilado de pessoas
Elencou ainda o aspecto da inconstitucionalidade por omissatildeo do Estado
brasileiro por violar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana no art 1ordm III o art 4ordm
II sobre prevalecircncia dos direitos humanos o art 5ordm sect2ordm que natildeo exclui outros direitos e
garantias decorrentes de tratados internacionais em que a Repuacuteblica federativa seja
parte e o art 7ordm da ADCT sobre tribunal internacional de direitos humanos ao qual se
subjugaraacute o Brasil todos os artigos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
E por uacuteltimo evidenciou o desrespeito ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos Citando o art 68 da CADH pelo qual o Estado-Parte se compromete a
cumprir a decisatildeo da Corte em todos os casos que forem parte E o art 27 da CADH
esclarecendo que ldquouma parte natildeo pode invocar as disposiccedilotildees de seu direito interno para
justificar descumprimento de tratadordquo
Em parecer a Advocacia-Geral da Uniatildeo na pessoa de Luiacutes Inaacutecio Lucena
Adams abordou o meacuterito esclarecendo que o Estado brasileiro tem produzido relatoacuterios
perioacutedicos sobre o cumprimento de sentenccedila sendo apresentados de 2011 a 2014
relatoacuterios que constassem informaccedilotildees minuciosas do cumprimento dos pontos
elencados na sentenccedila E citou como exemplos a criaccedilatildeo da Comissatildeo Nacional da
Verdade em 2011 as medidas do Ministeacuterio da Justiccedila para garantir o acesso agraves
17
informaccedilotildees da ditadura a criaccedilatildeo do Grupo de Trabalho Direito Memoacuteria e Verdade
da Procuradoria Federal dos Distritos do Cidadatildeo15
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot explicou que a
pretensatildeo contida nesta arguiccedilatildeo natildeo gera conflitos com o que foi decidido na ADPF
153 e nem caracteriza superfetaccedilatildeo (bis in idem) Naquela efetuou Controle de
Constitucionalidade da Lei 66831979 Jaacute nesta ADPF 320 pretende-se conhecimento
de validade e de efeito vinculante da decisatildeo da CIDH no caso Gomes Lund a qual agiu
no exerciacutecio legiacutetimo do Controle de Convencionalidade
Concebendo como admissiacutevel a arguiccedilatildeo contra interpretaccedilotildees judiciais que
contrariando o disposto na sentenccedila do caso Gomes Lund declarem extinta a
punibilidade de agentes envolvidos pela Lei de Anistia sob fundamento de prescriccedilatildeo
da pretensatildeo punitiva do Estado Abordando que ldquoEssas interpretaccedilotildees violetam
preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts 1ordm III 4ordm I e II e 5ordm sectsect 1ordm a 3ordm da
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198816
Assim analisam-se os pedidos
A priori tem-se o foco nos crimes de graves violaccedilotildees a direitos humanos e os
continuados ou permanentes e na inaplicabilidade da Lei de Anistia pela ausecircncia de
eficaacutecia juriacutedica
A posiccedilatildeo taxativa do Poder Judiciaacuterio seria a validaccedilatildeo da constitucionalidade
interpretativa da Lei de anistia em seu caraacuteter bilateral e que sua modificaccedilatildeo mesmo
que interpretativa deveria se dar atraveacutes do Poder Legislativo Entretanto deve-se
elaborar uma loacutegica que compreenda as seguintes concepccedilotildees primeiramente em
relaccedilatildeo aos crimes de lesa humanidade e em outro patamar os permanentes ou
continuados
15
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de descumprimento de
preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de 2014 Disponiacutevelem
ltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=62- 44157ampad=s3520
20PetiE7E3o20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o
20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
16 BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservice
20Integradorwsgt Acesso em 22102016
18
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
ADPF por almejar requerer a execuccedilatildeo de sentenccedila interamericana Diante disso
aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
entanto essa visatildeo encontra-se equivocada pois logo eacute esclarecida a ldquorelaccedilatildeo entre as
accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
direitos humanos e violar preceitos fundamentais derivados da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
20
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
REFEREcircNCIAS
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Transiccedilatildeo Brasileira a terceira fase da luta pela anistia Justiccedila de Transiccedilatildeo Direito
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22
ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D As Dimensotildees da Justiccedila de Transiccedilatildeo a
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Direito Revista de Hermenecircutica Juriacutedica Vol 8 nordm 8 p 171 ndash 181 2010
25
As entidades da sociedade civil haviam se mobilizado para conseguir a
responsabilizaccedilatildeo dos agentes civis e militares pelas violaccedilotildees dos direitos aacute eacutepoca do
regime de exceccedilatildeo No entanto vendo-se estagnada a possibilidade paralelamente
conseguiram se mobilizar para levar o caso ao sistema regional de Direitos Humanos da
Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos (OEA)
Assim o Centro de Estudos para a Justiccedila e o Direito Internacional (CEJIL) e a
Human Rights WatchAmeacuterica (HRWA) em nome dos familiares atingidos
apresentaram uma peticcedilatildeo agrave Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
para denunciar o desaparecimento de integrantes da ldquoGuerrilha do Araguaiardquo (TOSI
SILVA 2014 p 50) Como consta no relatoacuterio a peticcedilatildeo faz referecircncia ao
desaparecimento de membros da Guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1975 e a falta de
investigaccedilatildeo desses fatos pelo Estado desde entatildeo
Julia Gomes Lund e outras 21 pessoas foram presumivelmente mortas
durante as operaccedilotildees militares ocorridas na Regiatildeo do Araguaia sul
do Paraacute Desde 1982 familiares destas 22 pessoas tentam por meio de
uma accedilatildeo na Justiccedila Federal obter informaccedilotildees sobre as
circunstacircncias do desaparecimento e morte dos guerrilheiros bem
como a recuperaccedilatildeo dos corpos ()8
Alegando atraveacutes dos fatos apresentados violaccedilotildees a direitos garantidos pelos
artigos I (Direito agrave vida agrave liberdade agrave seguranccedila e agrave integridade da pessoa) XXV
(Direito de proteccedilatildeo contra prisatildeo arbitraacuteria) e XXVI (Direito a processo regular) da
Declaraccedilatildeo Americana de Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada
ldquoDeclaraccedilatildeo Americanardquo ou ldquoDeclaraccedilatildeordquo) bem como pelos artigos 4 (Direito agrave vida) 8
(garantias judiciais) 12 (Liberdade de consciecircncia e religiatildeo) 13 (Liberdade de
pensamento e de expressatildeo) e 25 (Proteccedilatildeo judicial) conjugados com o artigo 1(1)
(obrigaccedilatildeo de respeitar direitos) da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
Em sua defesa o Estado brasileiro argumentou jaacute ter reconhecido a sua
responsabilidade atraveacutes da Lei 9140959 com a reparaccedilatildeo das famiacutelias das viacutetimas que
essa lei tratava tambeacutem da investigaccedilatildeo das circunstacircncias da morte e apresentaccedilatildeo do
local que para localizar os cadaacuteveres dependeria de indiacutecios da zona geograacutefica sendo
8ORGANIZACcedilAtildeO DOS ESTADOS AMERICANOS Relatoacuterio de Admissibilidade nordm 3301 Caso nordm
11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil Relatoacuterio Anual de 2000
apresentado em 6 de marccedilo de 2001 Acesso em 18102016
ltlthttpwwwcidhorgannualrep2000port11552htmgtgt 9 Lei que instituiu a Comissatildeo Especial sobre Mortos e Desaparecidos no ano de 1995
13
impossiacutevel investigar se ausentes os indiacutecios que o Estado se negava a dispor relatoacuterios
militares completos nos quais sejam reportados de modo sistemaacutetico os locais de
sepultamento e as condiccedilotildees da morte desses indiviacuteduos e que natildeo seria possiacutevel a
investigaccedilatildeo e a sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pela existecircncia da Lei de Anistia de
197910
Em novembro de 2008 a Corte Interamericana expediu o Relatoacuterio de Meacuterito
nordm 910811
no qual demonstrou ao Brasil algumas recomendaccedilotildees necessaacuterias para a
resoluccedilatildeo do caso Essas de modo geral reconheciam a responsabilidade do Estado
requisitando que esse a) adotasse medidas para garantir que a Lei de Anistia brasileira
natildeo mais representasse obstaacuteculo para a persecuccedilatildeo penal de graves violaccedilotildees de
direitos humanos b) implementasse medidas jurisdicionais para a identificaccedilatildeo
responsabilizaccedilatildeo e sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pelos desaparecimentos forccedilados das
viacutetimas da Guerrilha do Araguaia sendo que o Estado deveria considerar que tais
crimes satildeo contra a humanidade insuscetiacuteveis agrave anistia ou prescriccedilatildeo c) implementasse
medidas legais e administrativas a fim de sistematiza e publicar os documentos
relacionados agraves operaccedilotildees militares contra a Guerrilha do Araguaia d) fornecesse
recursos financeiros e logiacutesticos aos esforccedilos jaacute empreendidos na busca das sepultura da
viacutetimas desaparecidas e) concedesse reparaccedilatildeo agrave famiacutelia das viacutetimas f) promovesse o
ajustamento normativo a fim de tipificar no ordenamento interno o crime de
desaparecimento forccedilado conforme os elementos constitutivos estabelecidos nos
instrumentos internacionais (TOSI SILVA p 51 2014)
Em suas accedilotildees o Estado brasileiro natildeo cumpriu as principais determinaccedilotildees
quanto agraves circunstacircncias de persecuccedilatildeo criminal tendo sido remetido o caso agrave Corte
Interamericana de Direitos Humanos
A Corte entatildeo ante ao descumprimento das recomendaccedilotildees sentenciou o
Estado brasileiro em 24 de novembro de 2010 condenando-o de forma reduzida por
desaparecimento forccedilado e os direitos violados das 62 pessoas desaparecidas aplicaccedilatildeo
da Lei de Anistia como entrave agraves investigaccedilotildees julgamentos e puniccedilotildees dos crimes
ineficaacutecia das accedilotildees judiciais natildeo penais falta de acesso agrave informaccedilatildeo sobre o ocorrido
10
() 11
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE MEacuteRITO Ndeg
9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e
outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do
20Araguaia20Brasil2026mar0920PORTpdf Acesso em 24 de junho de 2011
14
com as viacutetimas desaparecidas e a executada falta de acesso agrave justiccedila agrave verdade e agrave
informaccedilatildeo12
Ressalta-se que durante o processo perante o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos o Estado brasileiro natildeo controverteu os fatos Em sua contestaccedilatildeo
apresentou inclusive reconhecimento do sentimento de anguacutestia dos familiares das
pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia Ainda reconhecendo que a Lei
914095 ldquofirmou a responsabilidade do Estado pelas mortes garantiu reparaccedilatildeo
indenizatoacuteria e principalmente oficializou o reconhecimento histoacuterico de que estes
brasileiros [] morreram lutando como opositores poliacuteticos de um regime que havia
nascido violando a constitucionalidade democraacutetica erguida em 1946rdquo13
Para Moraes (2011) a condenaccedilatildeo eacute representativa de um conflito de jurisdiccedilatildeo
interna e internacional uma vez que o Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 153 2010 decidiu que a
anistia conferida pela Lei 668379 se estende aos crimes comuns praticados pelos
agentes da representaccedilatildeo durante o regime militar Assim seu peso histoacuterico eacute bastante
elevado ingressando com um possiacutevel rompimento da impunidade e reconstruccedilatildeo da
Memoacuteria Coletiva
3 O descumprimento da sentenccedila e a anaacutelise do papel da Arguiccedilatildeo de
Descumprimento de Preceitos Fundamentos nordm 320
31 Relato do descumprimento
A condenaccedilatildeo do Caso Gomes Lund de 2010 reforccedilou os entendimentos dados
em forma de recomendaccedilotildees e frisou quanto agrave necessidade de reconstruccedilatildeo da
memoacuteria das viacutetimas da ditadura civil-militar mais precisamente sobre o Araguaia
puniccedilatildeo dos autores dos desaparecimentos forccedilados e assassinatos da reparaccedilatildeo civil
12
A sentenccedila foi proferida em 24 de novembro de 2010 Trata-se do julgamento do Caso Gomes Lund e
outros (ldquoGuerrilha do Araguaiardquo) vs Brasil Disponiacutevel
em httpcorteidhorcrdocscasosarticulosseriec_219_pordoc Acesso em 22 de out de 2016 13
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE MEacuteRITO Demanda
perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha
do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil2026mar092
0PORTpdf
15
mediante indenizaccedilatildeo por danos morais e materiais e de medidas de prevenccedilatildeo a atos
violadores dos direitos humanos (MORAES 2011)
Em 2014 a Condenaccedilatildeo ainda passava em branco sem uma resposta plausiacutevel
agrave Corte apenas seguindo com o argumento de impossibilidade de imputar os agentes
criminalmente pela validaccedilatildeo da Lei de Anistia com a ADPF 153 em 2010 pelo STF
De modo que se percebesse que o Brasil novamente estava se abstendo sobre o caso
preferindo o entendimento interno em detrimento do Sistema Interamericano de
Direitos jaacute que em um dos argumentos para ADPF 153 ser validada constava na
inaplicabilidade da tipologia de crimes contra a humanidade 14
Nesse vieacutes para questionar a omissatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro sobre a
sentenccedila condenatoacuteria de 2010 o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ingressou
legitimamente com outra ADPF de nordm 320 em maio de 2014 reabrindo o debate sobre
Justiccedila de transiccedilatildeo brasileira Permitindo dessa forma que a controveacutersia fosse
rediscutida em outros acircmbitos
32 ADPF 320 pedidos e pareces em anaacutelise
Na ADPF 320 as discussotildees mais especiacuteficas elencaram alguns pontos
delineando nos pedidos a requisiccedilatildeo ao STF (1) uma declaraccedilatildeo para natildeo aplicaccedilatildeo da
Lei de Anistia aos crimes (a) de graves violaccedilotildees a direitos humanos cometidos por
agentes puacuteblico militares civis e (b) de caraacuteter permanente ou continuado e (2)
determinaccedilatildeo para cumprimento integral da decisatildeo da CIDH
Para tanto na peticcedilatildeo construiu um raciociacutenio fundamentando da
jurisprudecircncia internacional e nos fatos brasileiros que podem ser dispostos da seguinte
forma
(1) Da natildeo aplicaccedilatildeo da Lei de Anistia de 1979
Para tanto a ADPF 320 apresentou num primeiro momento a visatildeo da CIDH
quanto agrave ausecircncia de efeitos juriacutedicos de Lei de Anistia que queira impedir a
investigaccedilatildeo e a puniccedilatildeo de atos contra crime de lesa humanidade como claramente
14
A convalidaccedilatildeo da Lei de Anistia pela ADPF 153 deu-se em cima dos argumentos principais de ser
bilateral diferente de ldquoautoanistiardquo contra a anistia brasileira natildeo se aplicaria a tipologia de crimes contra
a humanidade e tratando-se de uma lei de reconciliaccedilatildeo somente o Poder Legislativo poderia modifica-
la (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 80)
16
ocorre no Estado brasileiro De certa forma criticando veemente uma das conclusotildees da
ADPF 153
Depois frisou a visatildeo do Estado brasileiro como responsaacutevel pelo
desaparecimento forccedilado e portanto pela violaccedilatildeo dos direitos ao reconhecimento da
personalidade juriacutedica agrave vida agrave integridade pessoal e agrave liberdade pessoal das pessoas laacute
indicadas Demonstrando dessa forma a desobediecircncia da obrigaccedilatildeo de adequar seu
direito interno agrave Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos conforme os arts 2 81
25 e 11 supracitados
(2) Em relaccedilatildeo ao descumprimento da sentenccedila de CIDH do Caso Gomes Lund
Aludiu sobre o descumprimento da sentenccedila pelos Poderes Judiciaacuterio e
Legislativo demonstrando atraveacutes de Relatoacuterio do Ministeacuterio Puacuteblico Federal referente
a 2011 ateacute 2013 a dificuldade em prosseguir com os processos judiciais de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a posiccedilatildeo paralisada do Congresso Nacional que natildeo
votou a tipificaccedilatildeo dos crimes de desaparecimento forccedilado de pessoas
Elencou ainda o aspecto da inconstitucionalidade por omissatildeo do Estado
brasileiro por violar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana no art 1ordm III o art 4ordm
II sobre prevalecircncia dos direitos humanos o art 5ordm sect2ordm que natildeo exclui outros direitos e
garantias decorrentes de tratados internacionais em que a Repuacuteblica federativa seja
parte e o art 7ordm da ADCT sobre tribunal internacional de direitos humanos ao qual se
subjugaraacute o Brasil todos os artigos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
E por uacuteltimo evidenciou o desrespeito ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos Citando o art 68 da CADH pelo qual o Estado-Parte se compromete a
cumprir a decisatildeo da Corte em todos os casos que forem parte E o art 27 da CADH
esclarecendo que ldquouma parte natildeo pode invocar as disposiccedilotildees de seu direito interno para
justificar descumprimento de tratadordquo
Em parecer a Advocacia-Geral da Uniatildeo na pessoa de Luiacutes Inaacutecio Lucena
Adams abordou o meacuterito esclarecendo que o Estado brasileiro tem produzido relatoacuterios
perioacutedicos sobre o cumprimento de sentenccedila sendo apresentados de 2011 a 2014
relatoacuterios que constassem informaccedilotildees minuciosas do cumprimento dos pontos
elencados na sentenccedila E citou como exemplos a criaccedilatildeo da Comissatildeo Nacional da
Verdade em 2011 as medidas do Ministeacuterio da Justiccedila para garantir o acesso agraves
17
informaccedilotildees da ditadura a criaccedilatildeo do Grupo de Trabalho Direito Memoacuteria e Verdade
da Procuradoria Federal dos Distritos do Cidadatildeo15
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot explicou que a
pretensatildeo contida nesta arguiccedilatildeo natildeo gera conflitos com o que foi decidido na ADPF
153 e nem caracteriza superfetaccedilatildeo (bis in idem) Naquela efetuou Controle de
Constitucionalidade da Lei 66831979 Jaacute nesta ADPF 320 pretende-se conhecimento
de validade e de efeito vinculante da decisatildeo da CIDH no caso Gomes Lund a qual agiu
no exerciacutecio legiacutetimo do Controle de Convencionalidade
Concebendo como admissiacutevel a arguiccedilatildeo contra interpretaccedilotildees judiciais que
contrariando o disposto na sentenccedila do caso Gomes Lund declarem extinta a
punibilidade de agentes envolvidos pela Lei de Anistia sob fundamento de prescriccedilatildeo
da pretensatildeo punitiva do Estado Abordando que ldquoEssas interpretaccedilotildees violetam
preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts 1ordm III 4ordm I e II e 5ordm sectsect 1ordm a 3ordm da
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198816
Assim analisam-se os pedidos
A priori tem-se o foco nos crimes de graves violaccedilotildees a direitos humanos e os
continuados ou permanentes e na inaplicabilidade da Lei de Anistia pela ausecircncia de
eficaacutecia juriacutedica
A posiccedilatildeo taxativa do Poder Judiciaacuterio seria a validaccedilatildeo da constitucionalidade
interpretativa da Lei de anistia em seu caraacuteter bilateral e que sua modificaccedilatildeo mesmo
que interpretativa deveria se dar atraveacutes do Poder Legislativo Entretanto deve-se
elaborar uma loacutegica que compreenda as seguintes concepccedilotildees primeiramente em
relaccedilatildeo aos crimes de lesa humanidade e em outro patamar os permanentes ou
continuados
15
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de descumprimento de
preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de 2014 Disponiacutevelem
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20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
16 BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
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20Integradorwsgt Acesso em 22102016
18
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
ADPF por almejar requerer a execuccedilatildeo de sentenccedila interamericana Diante disso
aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
entanto essa visatildeo encontra-se equivocada pois logo eacute esclarecida a ldquorelaccedilatildeo entre as
accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
direitos humanos e violar preceitos fundamentais derivados da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
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Acesso em 22 out 2016
20
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
REFEREcircNCIAS
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25
impossiacutevel investigar se ausentes os indiacutecios que o Estado se negava a dispor relatoacuterios
militares completos nos quais sejam reportados de modo sistemaacutetico os locais de
sepultamento e as condiccedilotildees da morte desses indiviacuteduos e que natildeo seria possiacutevel a
investigaccedilatildeo e a sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pela existecircncia da Lei de Anistia de
197910
Em novembro de 2008 a Corte Interamericana expediu o Relatoacuterio de Meacuterito
nordm 910811
no qual demonstrou ao Brasil algumas recomendaccedilotildees necessaacuterias para a
resoluccedilatildeo do caso Essas de modo geral reconheciam a responsabilidade do Estado
requisitando que esse a) adotasse medidas para garantir que a Lei de Anistia brasileira
natildeo mais representasse obstaacuteculo para a persecuccedilatildeo penal de graves violaccedilotildees de
direitos humanos b) implementasse medidas jurisdicionais para a identificaccedilatildeo
responsabilizaccedilatildeo e sanccedilatildeo penal dos responsaacuteveis pelos desaparecimentos forccedilados das
viacutetimas da Guerrilha do Araguaia sendo que o Estado deveria considerar que tais
crimes satildeo contra a humanidade insuscetiacuteveis agrave anistia ou prescriccedilatildeo c) implementasse
medidas legais e administrativas a fim de sistematiza e publicar os documentos
relacionados agraves operaccedilotildees militares contra a Guerrilha do Araguaia d) fornecesse
recursos financeiros e logiacutesticos aos esforccedilos jaacute empreendidos na busca das sepultura da
viacutetimas desaparecidas e) concedesse reparaccedilatildeo agrave famiacutelia das viacutetimas f) promovesse o
ajustamento normativo a fim de tipificar no ordenamento interno o crime de
desaparecimento forccedilado conforme os elementos constitutivos estabelecidos nos
instrumentos internacionais (TOSI SILVA p 51 2014)
Em suas accedilotildees o Estado brasileiro natildeo cumpriu as principais determinaccedilotildees
quanto agraves circunstacircncias de persecuccedilatildeo criminal tendo sido remetido o caso agrave Corte
Interamericana de Direitos Humanos
A Corte entatildeo ante ao descumprimento das recomendaccedilotildees sentenciou o
Estado brasileiro em 24 de novembro de 2010 condenando-o de forma reduzida por
desaparecimento forccedilado e os direitos violados das 62 pessoas desaparecidas aplicaccedilatildeo
da Lei de Anistia como entrave agraves investigaccedilotildees julgamentos e puniccedilotildees dos crimes
ineficaacutecia das accedilotildees judiciais natildeo penais falta de acesso agrave informaccedilatildeo sobre o ocorrido
10
() 11
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE MEacuteRITO Ndeg
9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e
outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do
20Araguaia20Brasil2026mar0920PORTpdf Acesso em 24 de junho de 2011
14
com as viacutetimas desaparecidas e a executada falta de acesso agrave justiccedila agrave verdade e agrave
informaccedilatildeo12
Ressalta-se que durante o processo perante o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos o Estado brasileiro natildeo controverteu os fatos Em sua contestaccedilatildeo
apresentou inclusive reconhecimento do sentimento de anguacutestia dos familiares das
pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia Ainda reconhecendo que a Lei
914095 ldquofirmou a responsabilidade do Estado pelas mortes garantiu reparaccedilatildeo
indenizatoacuteria e principalmente oficializou o reconhecimento histoacuterico de que estes
brasileiros [] morreram lutando como opositores poliacuteticos de um regime que havia
nascido violando a constitucionalidade democraacutetica erguida em 1946rdquo13
Para Moraes (2011) a condenaccedilatildeo eacute representativa de um conflito de jurisdiccedilatildeo
interna e internacional uma vez que o Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 153 2010 decidiu que a
anistia conferida pela Lei 668379 se estende aos crimes comuns praticados pelos
agentes da representaccedilatildeo durante o regime militar Assim seu peso histoacuterico eacute bastante
elevado ingressando com um possiacutevel rompimento da impunidade e reconstruccedilatildeo da
Memoacuteria Coletiva
3 O descumprimento da sentenccedila e a anaacutelise do papel da Arguiccedilatildeo de
Descumprimento de Preceitos Fundamentos nordm 320
31 Relato do descumprimento
A condenaccedilatildeo do Caso Gomes Lund de 2010 reforccedilou os entendimentos dados
em forma de recomendaccedilotildees e frisou quanto agrave necessidade de reconstruccedilatildeo da
memoacuteria das viacutetimas da ditadura civil-militar mais precisamente sobre o Araguaia
puniccedilatildeo dos autores dos desaparecimentos forccedilados e assassinatos da reparaccedilatildeo civil
12
A sentenccedila foi proferida em 24 de novembro de 2010 Trata-se do julgamento do Caso Gomes Lund e
outros (ldquoGuerrilha do Araguaiardquo) vs Brasil Disponiacutevel
em httpcorteidhorcrdocscasosarticulosseriec_219_pordoc Acesso em 22 de out de 2016 13
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE MEacuteRITO Demanda
perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha
do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil2026mar092
0PORTpdf
15
mediante indenizaccedilatildeo por danos morais e materiais e de medidas de prevenccedilatildeo a atos
violadores dos direitos humanos (MORAES 2011)
Em 2014 a Condenaccedilatildeo ainda passava em branco sem uma resposta plausiacutevel
agrave Corte apenas seguindo com o argumento de impossibilidade de imputar os agentes
criminalmente pela validaccedilatildeo da Lei de Anistia com a ADPF 153 em 2010 pelo STF
De modo que se percebesse que o Brasil novamente estava se abstendo sobre o caso
preferindo o entendimento interno em detrimento do Sistema Interamericano de
Direitos jaacute que em um dos argumentos para ADPF 153 ser validada constava na
inaplicabilidade da tipologia de crimes contra a humanidade 14
Nesse vieacutes para questionar a omissatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro sobre a
sentenccedila condenatoacuteria de 2010 o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ingressou
legitimamente com outra ADPF de nordm 320 em maio de 2014 reabrindo o debate sobre
Justiccedila de transiccedilatildeo brasileira Permitindo dessa forma que a controveacutersia fosse
rediscutida em outros acircmbitos
32 ADPF 320 pedidos e pareces em anaacutelise
Na ADPF 320 as discussotildees mais especiacuteficas elencaram alguns pontos
delineando nos pedidos a requisiccedilatildeo ao STF (1) uma declaraccedilatildeo para natildeo aplicaccedilatildeo da
Lei de Anistia aos crimes (a) de graves violaccedilotildees a direitos humanos cometidos por
agentes puacuteblico militares civis e (b) de caraacuteter permanente ou continuado e (2)
determinaccedilatildeo para cumprimento integral da decisatildeo da CIDH
Para tanto na peticcedilatildeo construiu um raciociacutenio fundamentando da
jurisprudecircncia internacional e nos fatos brasileiros que podem ser dispostos da seguinte
forma
(1) Da natildeo aplicaccedilatildeo da Lei de Anistia de 1979
Para tanto a ADPF 320 apresentou num primeiro momento a visatildeo da CIDH
quanto agrave ausecircncia de efeitos juriacutedicos de Lei de Anistia que queira impedir a
investigaccedilatildeo e a puniccedilatildeo de atos contra crime de lesa humanidade como claramente
14
A convalidaccedilatildeo da Lei de Anistia pela ADPF 153 deu-se em cima dos argumentos principais de ser
bilateral diferente de ldquoautoanistiardquo contra a anistia brasileira natildeo se aplicaria a tipologia de crimes contra
a humanidade e tratando-se de uma lei de reconciliaccedilatildeo somente o Poder Legislativo poderia modifica-
la (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 80)
16
ocorre no Estado brasileiro De certa forma criticando veemente uma das conclusotildees da
ADPF 153
Depois frisou a visatildeo do Estado brasileiro como responsaacutevel pelo
desaparecimento forccedilado e portanto pela violaccedilatildeo dos direitos ao reconhecimento da
personalidade juriacutedica agrave vida agrave integridade pessoal e agrave liberdade pessoal das pessoas laacute
indicadas Demonstrando dessa forma a desobediecircncia da obrigaccedilatildeo de adequar seu
direito interno agrave Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos conforme os arts 2 81
25 e 11 supracitados
(2) Em relaccedilatildeo ao descumprimento da sentenccedila de CIDH do Caso Gomes Lund
Aludiu sobre o descumprimento da sentenccedila pelos Poderes Judiciaacuterio e
Legislativo demonstrando atraveacutes de Relatoacuterio do Ministeacuterio Puacuteblico Federal referente
a 2011 ateacute 2013 a dificuldade em prosseguir com os processos judiciais de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a posiccedilatildeo paralisada do Congresso Nacional que natildeo
votou a tipificaccedilatildeo dos crimes de desaparecimento forccedilado de pessoas
Elencou ainda o aspecto da inconstitucionalidade por omissatildeo do Estado
brasileiro por violar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana no art 1ordm III o art 4ordm
II sobre prevalecircncia dos direitos humanos o art 5ordm sect2ordm que natildeo exclui outros direitos e
garantias decorrentes de tratados internacionais em que a Repuacuteblica federativa seja
parte e o art 7ordm da ADCT sobre tribunal internacional de direitos humanos ao qual se
subjugaraacute o Brasil todos os artigos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
E por uacuteltimo evidenciou o desrespeito ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos Citando o art 68 da CADH pelo qual o Estado-Parte se compromete a
cumprir a decisatildeo da Corte em todos os casos que forem parte E o art 27 da CADH
esclarecendo que ldquouma parte natildeo pode invocar as disposiccedilotildees de seu direito interno para
justificar descumprimento de tratadordquo
Em parecer a Advocacia-Geral da Uniatildeo na pessoa de Luiacutes Inaacutecio Lucena
Adams abordou o meacuterito esclarecendo que o Estado brasileiro tem produzido relatoacuterios
perioacutedicos sobre o cumprimento de sentenccedila sendo apresentados de 2011 a 2014
relatoacuterios que constassem informaccedilotildees minuciosas do cumprimento dos pontos
elencados na sentenccedila E citou como exemplos a criaccedilatildeo da Comissatildeo Nacional da
Verdade em 2011 as medidas do Ministeacuterio da Justiccedila para garantir o acesso agraves
17
informaccedilotildees da ditadura a criaccedilatildeo do Grupo de Trabalho Direito Memoacuteria e Verdade
da Procuradoria Federal dos Distritos do Cidadatildeo15
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot explicou que a
pretensatildeo contida nesta arguiccedilatildeo natildeo gera conflitos com o que foi decidido na ADPF
153 e nem caracteriza superfetaccedilatildeo (bis in idem) Naquela efetuou Controle de
Constitucionalidade da Lei 66831979 Jaacute nesta ADPF 320 pretende-se conhecimento
de validade e de efeito vinculante da decisatildeo da CIDH no caso Gomes Lund a qual agiu
no exerciacutecio legiacutetimo do Controle de Convencionalidade
Concebendo como admissiacutevel a arguiccedilatildeo contra interpretaccedilotildees judiciais que
contrariando o disposto na sentenccedila do caso Gomes Lund declarem extinta a
punibilidade de agentes envolvidos pela Lei de Anistia sob fundamento de prescriccedilatildeo
da pretensatildeo punitiva do Estado Abordando que ldquoEssas interpretaccedilotildees violetam
preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts 1ordm III 4ordm I e II e 5ordm sectsect 1ordm a 3ordm da
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198816
Assim analisam-se os pedidos
A priori tem-se o foco nos crimes de graves violaccedilotildees a direitos humanos e os
continuados ou permanentes e na inaplicabilidade da Lei de Anistia pela ausecircncia de
eficaacutecia juriacutedica
A posiccedilatildeo taxativa do Poder Judiciaacuterio seria a validaccedilatildeo da constitucionalidade
interpretativa da Lei de anistia em seu caraacuteter bilateral e que sua modificaccedilatildeo mesmo
que interpretativa deveria se dar atraveacutes do Poder Legislativo Entretanto deve-se
elaborar uma loacutegica que compreenda as seguintes concepccedilotildees primeiramente em
relaccedilatildeo aos crimes de lesa humanidade e em outro patamar os permanentes ou
continuados
15
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de descumprimento de
preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de 2014 Disponiacutevelem
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18
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
ADPF por almejar requerer a execuccedilatildeo de sentenccedila interamericana Diante disso
aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
entanto essa visatildeo encontra-se equivocada pois logo eacute esclarecida a ldquorelaccedilatildeo entre as
accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
direitos humanos e violar preceitos fundamentais derivados da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
20
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
REFEREcircNCIAS
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emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=
s362 0-20ManifestaE7E3o20da20PGR20-
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25
com as viacutetimas desaparecidas e a executada falta de acesso agrave justiccedila agrave verdade e agrave
informaccedilatildeo12
Ressalta-se que durante o processo perante o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos o Estado brasileiro natildeo controverteu os fatos Em sua contestaccedilatildeo
apresentou inclusive reconhecimento do sentimento de anguacutestia dos familiares das
pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia Ainda reconhecendo que a Lei
914095 ldquofirmou a responsabilidade do Estado pelas mortes garantiu reparaccedilatildeo
indenizatoacuteria e principalmente oficializou o reconhecimento histoacuterico de que estes
brasileiros [] morreram lutando como opositores poliacuteticos de um regime que havia
nascido violando a constitucionalidade democraacutetica erguida em 1946rdquo13
Para Moraes (2011) a condenaccedilatildeo eacute representativa de um conflito de jurisdiccedilatildeo
interna e internacional uma vez que o Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 153 2010 decidiu que a
anistia conferida pela Lei 668379 se estende aos crimes comuns praticados pelos
agentes da representaccedilatildeo durante o regime militar Assim seu peso histoacuterico eacute bastante
elevado ingressando com um possiacutevel rompimento da impunidade e reconstruccedilatildeo da
Memoacuteria Coletiva
3 O descumprimento da sentenccedila e a anaacutelise do papel da Arguiccedilatildeo de
Descumprimento de Preceitos Fundamentos nordm 320
31 Relato do descumprimento
A condenaccedilatildeo do Caso Gomes Lund de 2010 reforccedilou os entendimentos dados
em forma de recomendaccedilotildees e frisou quanto agrave necessidade de reconstruccedilatildeo da
memoacuteria das viacutetimas da ditadura civil-militar mais precisamente sobre o Araguaia
puniccedilatildeo dos autores dos desaparecimentos forccedilados e assassinatos da reparaccedilatildeo civil
12
A sentenccedila foi proferida em 24 de novembro de 2010 Trata-se do julgamento do Caso Gomes Lund e
outros (ldquoGuerrilha do Araguaiardquo) vs Brasil Disponiacutevel
em httpcorteidhorcrdocscasosarticulosseriec_219_pordoc Acesso em 22 de out de 2016 13
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE MEacuteRITO Demanda
perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha
do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil2026mar092
0PORTpdf
15
mediante indenizaccedilatildeo por danos morais e materiais e de medidas de prevenccedilatildeo a atos
violadores dos direitos humanos (MORAES 2011)
Em 2014 a Condenaccedilatildeo ainda passava em branco sem uma resposta plausiacutevel
agrave Corte apenas seguindo com o argumento de impossibilidade de imputar os agentes
criminalmente pela validaccedilatildeo da Lei de Anistia com a ADPF 153 em 2010 pelo STF
De modo que se percebesse que o Brasil novamente estava se abstendo sobre o caso
preferindo o entendimento interno em detrimento do Sistema Interamericano de
Direitos jaacute que em um dos argumentos para ADPF 153 ser validada constava na
inaplicabilidade da tipologia de crimes contra a humanidade 14
Nesse vieacutes para questionar a omissatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro sobre a
sentenccedila condenatoacuteria de 2010 o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ingressou
legitimamente com outra ADPF de nordm 320 em maio de 2014 reabrindo o debate sobre
Justiccedila de transiccedilatildeo brasileira Permitindo dessa forma que a controveacutersia fosse
rediscutida em outros acircmbitos
32 ADPF 320 pedidos e pareces em anaacutelise
Na ADPF 320 as discussotildees mais especiacuteficas elencaram alguns pontos
delineando nos pedidos a requisiccedilatildeo ao STF (1) uma declaraccedilatildeo para natildeo aplicaccedilatildeo da
Lei de Anistia aos crimes (a) de graves violaccedilotildees a direitos humanos cometidos por
agentes puacuteblico militares civis e (b) de caraacuteter permanente ou continuado e (2)
determinaccedilatildeo para cumprimento integral da decisatildeo da CIDH
Para tanto na peticcedilatildeo construiu um raciociacutenio fundamentando da
jurisprudecircncia internacional e nos fatos brasileiros que podem ser dispostos da seguinte
forma
(1) Da natildeo aplicaccedilatildeo da Lei de Anistia de 1979
Para tanto a ADPF 320 apresentou num primeiro momento a visatildeo da CIDH
quanto agrave ausecircncia de efeitos juriacutedicos de Lei de Anistia que queira impedir a
investigaccedilatildeo e a puniccedilatildeo de atos contra crime de lesa humanidade como claramente
14
A convalidaccedilatildeo da Lei de Anistia pela ADPF 153 deu-se em cima dos argumentos principais de ser
bilateral diferente de ldquoautoanistiardquo contra a anistia brasileira natildeo se aplicaria a tipologia de crimes contra
a humanidade e tratando-se de uma lei de reconciliaccedilatildeo somente o Poder Legislativo poderia modifica-
la (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 80)
16
ocorre no Estado brasileiro De certa forma criticando veemente uma das conclusotildees da
ADPF 153
Depois frisou a visatildeo do Estado brasileiro como responsaacutevel pelo
desaparecimento forccedilado e portanto pela violaccedilatildeo dos direitos ao reconhecimento da
personalidade juriacutedica agrave vida agrave integridade pessoal e agrave liberdade pessoal das pessoas laacute
indicadas Demonstrando dessa forma a desobediecircncia da obrigaccedilatildeo de adequar seu
direito interno agrave Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos conforme os arts 2 81
25 e 11 supracitados
(2) Em relaccedilatildeo ao descumprimento da sentenccedila de CIDH do Caso Gomes Lund
Aludiu sobre o descumprimento da sentenccedila pelos Poderes Judiciaacuterio e
Legislativo demonstrando atraveacutes de Relatoacuterio do Ministeacuterio Puacuteblico Federal referente
a 2011 ateacute 2013 a dificuldade em prosseguir com os processos judiciais de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a posiccedilatildeo paralisada do Congresso Nacional que natildeo
votou a tipificaccedilatildeo dos crimes de desaparecimento forccedilado de pessoas
Elencou ainda o aspecto da inconstitucionalidade por omissatildeo do Estado
brasileiro por violar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana no art 1ordm III o art 4ordm
II sobre prevalecircncia dos direitos humanos o art 5ordm sect2ordm que natildeo exclui outros direitos e
garantias decorrentes de tratados internacionais em que a Repuacuteblica federativa seja
parte e o art 7ordm da ADCT sobre tribunal internacional de direitos humanos ao qual se
subjugaraacute o Brasil todos os artigos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
E por uacuteltimo evidenciou o desrespeito ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos Citando o art 68 da CADH pelo qual o Estado-Parte se compromete a
cumprir a decisatildeo da Corte em todos os casos que forem parte E o art 27 da CADH
esclarecendo que ldquouma parte natildeo pode invocar as disposiccedilotildees de seu direito interno para
justificar descumprimento de tratadordquo
Em parecer a Advocacia-Geral da Uniatildeo na pessoa de Luiacutes Inaacutecio Lucena
Adams abordou o meacuterito esclarecendo que o Estado brasileiro tem produzido relatoacuterios
perioacutedicos sobre o cumprimento de sentenccedila sendo apresentados de 2011 a 2014
relatoacuterios que constassem informaccedilotildees minuciosas do cumprimento dos pontos
elencados na sentenccedila E citou como exemplos a criaccedilatildeo da Comissatildeo Nacional da
Verdade em 2011 as medidas do Ministeacuterio da Justiccedila para garantir o acesso agraves
17
informaccedilotildees da ditadura a criaccedilatildeo do Grupo de Trabalho Direito Memoacuteria e Verdade
da Procuradoria Federal dos Distritos do Cidadatildeo15
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot explicou que a
pretensatildeo contida nesta arguiccedilatildeo natildeo gera conflitos com o que foi decidido na ADPF
153 e nem caracteriza superfetaccedilatildeo (bis in idem) Naquela efetuou Controle de
Constitucionalidade da Lei 66831979 Jaacute nesta ADPF 320 pretende-se conhecimento
de validade e de efeito vinculante da decisatildeo da CIDH no caso Gomes Lund a qual agiu
no exerciacutecio legiacutetimo do Controle de Convencionalidade
Concebendo como admissiacutevel a arguiccedilatildeo contra interpretaccedilotildees judiciais que
contrariando o disposto na sentenccedila do caso Gomes Lund declarem extinta a
punibilidade de agentes envolvidos pela Lei de Anistia sob fundamento de prescriccedilatildeo
da pretensatildeo punitiva do Estado Abordando que ldquoEssas interpretaccedilotildees violetam
preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts 1ordm III 4ordm I e II e 5ordm sectsect 1ordm a 3ordm da
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198816
Assim analisam-se os pedidos
A priori tem-se o foco nos crimes de graves violaccedilotildees a direitos humanos e os
continuados ou permanentes e na inaplicabilidade da Lei de Anistia pela ausecircncia de
eficaacutecia juriacutedica
A posiccedilatildeo taxativa do Poder Judiciaacuterio seria a validaccedilatildeo da constitucionalidade
interpretativa da Lei de anistia em seu caraacuteter bilateral e que sua modificaccedilatildeo mesmo
que interpretativa deveria se dar atraveacutes do Poder Legislativo Entretanto deve-se
elaborar uma loacutegica que compreenda as seguintes concepccedilotildees primeiramente em
relaccedilatildeo aos crimes de lesa humanidade e em outro patamar os permanentes ou
continuados
15
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de descumprimento de
preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de 2014 Disponiacutevelem
ltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=62- 44157ampad=s3520
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20Integradorwsgt Acesso em 22102016
18
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
ADPF por almejar requerer a execuccedilatildeo de sentenccedila interamericana Diante disso
aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
entanto essa visatildeo encontra-se equivocada pois logo eacute esclarecida a ldquorelaccedilatildeo entre as
accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
direitos humanos e violar preceitos fundamentais derivados da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
20
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
REFEREcircNCIAS
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Transiccedilatildeo Brasileira a terceira fase da luta pela anistia Justiccedila de Transiccedilatildeo Direito
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22
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2014 Disponiacutevel emltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginador jspdocTP=
TPampdocID=62-44157ampad=s352020PetiE7E3o20de20apresentaE
7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o20de20apresentaE7
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P=TPampdocID=5892287ampad=s220-20Peticao20inicial2020Pe-ticao
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BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento
de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=
s362 0-20ManifestaE7E3o20da20PGR20-
20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt - Acesso em 22 out 2016
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COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE
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24
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25
mediante indenizaccedilatildeo por danos morais e materiais e de medidas de prevenccedilatildeo a atos
violadores dos direitos humanos (MORAES 2011)
Em 2014 a Condenaccedilatildeo ainda passava em branco sem uma resposta plausiacutevel
agrave Corte apenas seguindo com o argumento de impossibilidade de imputar os agentes
criminalmente pela validaccedilatildeo da Lei de Anistia com a ADPF 153 em 2010 pelo STF
De modo que se percebesse que o Brasil novamente estava se abstendo sobre o caso
preferindo o entendimento interno em detrimento do Sistema Interamericano de
Direitos jaacute que em um dos argumentos para ADPF 153 ser validada constava na
inaplicabilidade da tipologia de crimes contra a humanidade 14
Nesse vieacutes para questionar a omissatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro sobre a
sentenccedila condenatoacuteria de 2010 o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ingressou
legitimamente com outra ADPF de nordm 320 em maio de 2014 reabrindo o debate sobre
Justiccedila de transiccedilatildeo brasileira Permitindo dessa forma que a controveacutersia fosse
rediscutida em outros acircmbitos
32 ADPF 320 pedidos e pareces em anaacutelise
Na ADPF 320 as discussotildees mais especiacuteficas elencaram alguns pontos
delineando nos pedidos a requisiccedilatildeo ao STF (1) uma declaraccedilatildeo para natildeo aplicaccedilatildeo da
Lei de Anistia aos crimes (a) de graves violaccedilotildees a direitos humanos cometidos por
agentes puacuteblico militares civis e (b) de caraacuteter permanente ou continuado e (2)
determinaccedilatildeo para cumprimento integral da decisatildeo da CIDH
Para tanto na peticcedilatildeo construiu um raciociacutenio fundamentando da
jurisprudecircncia internacional e nos fatos brasileiros que podem ser dispostos da seguinte
forma
(1) Da natildeo aplicaccedilatildeo da Lei de Anistia de 1979
Para tanto a ADPF 320 apresentou num primeiro momento a visatildeo da CIDH
quanto agrave ausecircncia de efeitos juriacutedicos de Lei de Anistia que queira impedir a
investigaccedilatildeo e a puniccedilatildeo de atos contra crime de lesa humanidade como claramente
14
A convalidaccedilatildeo da Lei de Anistia pela ADPF 153 deu-se em cima dos argumentos principais de ser
bilateral diferente de ldquoautoanistiardquo contra a anistia brasileira natildeo se aplicaria a tipologia de crimes contra
a humanidade e tratando-se de uma lei de reconciliaccedilatildeo somente o Poder Legislativo poderia modifica-
la (ABRAtildeO TORELLY 2014 p 80)
16
ocorre no Estado brasileiro De certa forma criticando veemente uma das conclusotildees da
ADPF 153
Depois frisou a visatildeo do Estado brasileiro como responsaacutevel pelo
desaparecimento forccedilado e portanto pela violaccedilatildeo dos direitos ao reconhecimento da
personalidade juriacutedica agrave vida agrave integridade pessoal e agrave liberdade pessoal das pessoas laacute
indicadas Demonstrando dessa forma a desobediecircncia da obrigaccedilatildeo de adequar seu
direito interno agrave Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos conforme os arts 2 81
25 e 11 supracitados
(2) Em relaccedilatildeo ao descumprimento da sentenccedila de CIDH do Caso Gomes Lund
Aludiu sobre o descumprimento da sentenccedila pelos Poderes Judiciaacuterio e
Legislativo demonstrando atraveacutes de Relatoacuterio do Ministeacuterio Puacuteblico Federal referente
a 2011 ateacute 2013 a dificuldade em prosseguir com os processos judiciais de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a posiccedilatildeo paralisada do Congresso Nacional que natildeo
votou a tipificaccedilatildeo dos crimes de desaparecimento forccedilado de pessoas
Elencou ainda o aspecto da inconstitucionalidade por omissatildeo do Estado
brasileiro por violar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana no art 1ordm III o art 4ordm
II sobre prevalecircncia dos direitos humanos o art 5ordm sect2ordm que natildeo exclui outros direitos e
garantias decorrentes de tratados internacionais em que a Repuacuteblica federativa seja
parte e o art 7ordm da ADCT sobre tribunal internacional de direitos humanos ao qual se
subjugaraacute o Brasil todos os artigos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
E por uacuteltimo evidenciou o desrespeito ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos Citando o art 68 da CADH pelo qual o Estado-Parte se compromete a
cumprir a decisatildeo da Corte em todos os casos que forem parte E o art 27 da CADH
esclarecendo que ldquouma parte natildeo pode invocar as disposiccedilotildees de seu direito interno para
justificar descumprimento de tratadordquo
Em parecer a Advocacia-Geral da Uniatildeo na pessoa de Luiacutes Inaacutecio Lucena
Adams abordou o meacuterito esclarecendo que o Estado brasileiro tem produzido relatoacuterios
perioacutedicos sobre o cumprimento de sentenccedila sendo apresentados de 2011 a 2014
relatoacuterios que constassem informaccedilotildees minuciosas do cumprimento dos pontos
elencados na sentenccedila E citou como exemplos a criaccedilatildeo da Comissatildeo Nacional da
Verdade em 2011 as medidas do Ministeacuterio da Justiccedila para garantir o acesso agraves
17
informaccedilotildees da ditadura a criaccedilatildeo do Grupo de Trabalho Direito Memoacuteria e Verdade
da Procuradoria Federal dos Distritos do Cidadatildeo15
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot explicou que a
pretensatildeo contida nesta arguiccedilatildeo natildeo gera conflitos com o que foi decidido na ADPF
153 e nem caracteriza superfetaccedilatildeo (bis in idem) Naquela efetuou Controle de
Constitucionalidade da Lei 66831979 Jaacute nesta ADPF 320 pretende-se conhecimento
de validade e de efeito vinculante da decisatildeo da CIDH no caso Gomes Lund a qual agiu
no exerciacutecio legiacutetimo do Controle de Convencionalidade
Concebendo como admissiacutevel a arguiccedilatildeo contra interpretaccedilotildees judiciais que
contrariando o disposto na sentenccedila do caso Gomes Lund declarem extinta a
punibilidade de agentes envolvidos pela Lei de Anistia sob fundamento de prescriccedilatildeo
da pretensatildeo punitiva do Estado Abordando que ldquoEssas interpretaccedilotildees violetam
preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts 1ordm III 4ordm I e II e 5ordm sectsect 1ordm a 3ordm da
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198816
Assim analisam-se os pedidos
A priori tem-se o foco nos crimes de graves violaccedilotildees a direitos humanos e os
continuados ou permanentes e na inaplicabilidade da Lei de Anistia pela ausecircncia de
eficaacutecia juriacutedica
A posiccedilatildeo taxativa do Poder Judiciaacuterio seria a validaccedilatildeo da constitucionalidade
interpretativa da Lei de anistia em seu caraacuteter bilateral e que sua modificaccedilatildeo mesmo
que interpretativa deveria se dar atraveacutes do Poder Legislativo Entretanto deve-se
elaborar uma loacutegica que compreenda as seguintes concepccedilotildees primeiramente em
relaccedilatildeo aos crimes de lesa humanidade e em outro patamar os permanentes ou
continuados
15
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de descumprimento de
preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de 2014 Disponiacutevelem
ltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=62- 44157ampad=s3520
20PetiE7E3o20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o
20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
16 BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservice
20Integradorwsgt Acesso em 22102016
18
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
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aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
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accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
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Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
20
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
REFEREcircNCIAS
ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D Mutaccedilotildees do Conceito de Anistia na Justiccedila de
Transiccedilatildeo Brasileira a terceira fase da luta pela anistia Justiccedila de Transiccedilatildeo Direito
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22
ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D As Dimensotildees da Justiccedila de Transiccedilatildeo a
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Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo da Anistia Oxford Oxford University
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2014 Disponiacutevel emltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginador jspdocTP=
TPampdocID=62-44157ampad=s352020PetiE7E3o20de20apresentaE
7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o20de20apresentaE7
E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
BRASIL Partido Socialismo e Liberdade Peticcedilatildeo inicial na arguiccedilatildeo de
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2014 Disponiacutevel em148lthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginador jspdocT
P=TPampdocID=5892287ampad=s220-20Peticao20inicial2020Pe-ticao
20inicial201gt Acesso em 22 out 2016
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento
de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=
s362 0-20ManifestaE7E3o20da20PGR20-
20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt - Acesso em 22 out 2016
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE
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COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE
MEacuteRITO Ndeg 9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos
Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica
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23
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24
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o problema da extensatildeo dos efeitos agrave luz do paradigma do Estado Democraacutetico de
Direito Revista de Hermenecircutica Juriacutedica Vol 8 nordm 8 p 171 ndash 181 2010
25
ocorre no Estado brasileiro De certa forma criticando veemente uma das conclusotildees da
ADPF 153
Depois frisou a visatildeo do Estado brasileiro como responsaacutevel pelo
desaparecimento forccedilado e portanto pela violaccedilatildeo dos direitos ao reconhecimento da
personalidade juriacutedica agrave vida agrave integridade pessoal e agrave liberdade pessoal das pessoas laacute
indicadas Demonstrando dessa forma a desobediecircncia da obrigaccedilatildeo de adequar seu
direito interno agrave Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos conforme os arts 2 81
25 e 11 supracitados
(2) Em relaccedilatildeo ao descumprimento da sentenccedila de CIDH do Caso Gomes Lund
Aludiu sobre o descumprimento da sentenccedila pelos Poderes Judiciaacuterio e
Legislativo demonstrando atraveacutes de Relatoacuterio do Ministeacuterio Puacuteblico Federal referente
a 2011 ateacute 2013 a dificuldade em prosseguir com os processos judiciais de
responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a posiccedilatildeo paralisada do Congresso Nacional que natildeo
votou a tipificaccedilatildeo dos crimes de desaparecimento forccedilado de pessoas
Elencou ainda o aspecto da inconstitucionalidade por omissatildeo do Estado
brasileiro por violar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana no art 1ordm III o art 4ordm
II sobre prevalecircncia dos direitos humanos o art 5ordm sect2ordm que natildeo exclui outros direitos e
garantias decorrentes de tratados internacionais em que a Repuacuteblica federativa seja
parte e o art 7ordm da ADCT sobre tribunal internacional de direitos humanos ao qual se
subjugaraacute o Brasil todos os artigos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
E por uacuteltimo evidenciou o desrespeito ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos Citando o art 68 da CADH pelo qual o Estado-Parte se compromete a
cumprir a decisatildeo da Corte em todos os casos que forem parte E o art 27 da CADH
esclarecendo que ldquouma parte natildeo pode invocar as disposiccedilotildees de seu direito interno para
justificar descumprimento de tratadordquo
Em parecer a Advocacia-Geral da Uniatildeo na pessoa de Luiacutes Inaacutecio Lucena
Adams abordou o meacuterito esclarecendo que o Estado brasileiro tem produzido relatoacuterios
perioacutedicos sobre o cumprimento de sentenccedila sendo apresentados de 2011 a 2014
relatoacuterios que constassem informaccedilotildees minuciosas do cumprimento dos pontos
elencados na sentenccedila E citou como exemplos a criaccedilatildeo da Comissatildeo Nacional da
Verdade em 2011 as medidas do Ministeacuterio da Justiccedila para garantir o acesso agraves
17
informaccedilotildees da ditadura a criaccedilatildeo do Grupo de Trabalho Direito Memoacuteria e Verdade
da Procuradoria Federal dos Distritos do Cidadatildeo15
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot explicou que a
pretensatildeo contida nesta arguiccedilatildeo natildeo gera conflitos com o que foi decidido na ADPF
153 e nem caracteriza superfetaccedilatildeo (bis in idem) Naquela efetuou Controle de
Constitucionalidade da Lei 66831979 Jaacute nesta ADPF 320 pretende-se conhecimento
de validade e de efeito vinculante da decisatildeo da CIDH no caso Gomes Lund a qual agiu
no exerciacutecio legiacutetimo do Controle de Convencionalidade
Concebendo como admissiacutevel a arguiccedilatildeo contra interpretaccedilotildees judiciais que
contrariando o disposto na sentenccedila do caso Gomes Lund declarem extinta a
punibilidade de agentes envolvidos pela Lei de Anistia sob fundamento de prescriccedilatildeo
da pretensatildeo punitiva do Estado Abordando que ldquoEssas interpretaccedilotildees violetam
preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts 1ordm III 4ordm I e II e 5ordm sectsect 1ordm a 3ordm da
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198816
Assim analisam-se os pedidos
A priori tem-se o foco nos crimes de graves violaccedilotildees a direitos humanos e os
continuados ou permanentes e na inaplicabilidade da Lei de Anistia pela ausecircncia de
eficaacutecia juriacutedica
A posiccedilatildeo taxativa do Poder Judiciaacuterio seria a validaccedilatildeo da constitucionalidade
interpretativa da Lei de anistia em seu caraacuteter bilateral e que sua modificaccedilatildeo mesmo
que interpretativa deveria se dar atraveacutes do Poder Legislativo Entretanto deve-se
elaborar uma loacutegica que compreenda as seguintes concepccedilotildees primeiramente em
relaccedilatildeo aos crimes de lesa humanidade e em outro patamar os permanentes ou
continuados
15
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de descumprimento de
preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de 2014 Disponiacutevelem
ltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=62- 44157ampad=s3520
20PetiE7E3o20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o
20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
16 BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservice
20Integradorwsgt Acesso em 22102016
18
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
ADPF por almejar requerer a execuccedilatildeo de sentenccedila interamericana Diante disso
aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
entanto essa visatildeo encontra-se equivocada pois logo eacute esclarecida a ldquorelaccedilatildeo entre as
accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
direitos humanos e violar preceitos fundamentais derivados da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
20
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
REFEREcircNCIAS
ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D Mutaccedilotildees do Conceito de Anistia na Justiccedila de
Transiccedilatildeo Brasileira a terceira fase da luta pela anistia Justiccedila de Transiccedilatildeo Direito
agrave Justiccedila agrave Memoacuteria e agrave Verdade Joatildeo Pessoa Editora da UFPB 2014 P348
22
ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D As Dimensotildees da Justiccedila de Transiccedilatildeo a
eficaacutecia da Lei da Anistia e as alternativas para a verdade e a justiccedila A Anistia na Era
da Responsabilizaccedilatildeo o Brasil em perspectiva Internacional e Comparada
Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo da Anistia Oxford Oxford University
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ARENDT Hannah A mentira poliacutetica consideraccedilotildees sobre os documentos do
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BOBBIO Norberto A Era dos Direitos Trad Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro
Campus 1992
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de
descumprimento de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de
2014 Disponiacutevel emltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginador jspdocTP=
TPampdocID=62-44157ampad=s352020PetiE7E3o20de20apresentaE
7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o20de20apresentaE7
E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
BRASIL Partido Socialismo e Liberdade Peticcedilatildeo inicial na arguiccedilatildeo de
descumprimento de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 15 de maio de
2014 Disponiacutevel em148lthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginador jspdocT
P=TPampdocID=5892287ampad=s220-20Peticao20inicial2020Pe-ticao
20inicial201gt Acesso em 22 out 2016
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento
de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=
s362 0-20ManifestaE7E3o20da20PGR20-
20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt - Acesso em 22 out 2016
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE
MEacuteRITO Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552
Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do
Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel em httpwwwcidh
orgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil2026mar0920PO
RTpdf Acesso em 20 de out 2016
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE
MEacuteRITO Ndeg 9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos
Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica
Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
23
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DECRETO 446302 - Promulga a Declaraccedilatildeo de Reconhecimento da Competecircncia
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em consonacircncia com o art 62 da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto
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3301 Caso nordm 11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil
Relatoacuterio Anual de 2000 apresentado em 6 de marccedilo de 2001 Acesso em 18102016
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releitura da ADPF nordm 320 no marco do ldquoconstitucionalismo abrangenterdquo
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Responsabilizaccedilatildeo contexto global comparativo e introduccedilatildeo ao caso brasileiro A
Anistia na Era da Responsabilizaccedilatildeo o Brasil em perspectiva Internacional e
Comparada Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo da Anistia Oxford Oxford
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PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e Justiccedila Internacional um estudo
comparativo dos sistemas regionais europeu Interamericano e africano Satildeo Paulo
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24
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e a ordem democraacutetica na constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
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TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque Justiccedila de Transiccedilatildeo no Brasil e
o processo de democratizaccedilatildeo Justiccedila de Transiccedilatildeo direito agrave justiccedila agrave memoacuteria e agrave
verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da UFPB
2014 348p
SILVA A G VIEIRA J R O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a
ordem democraacutetica na Constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
transicional In SILVA A G (Org) Democracia e justiccedila de transiccedilatildeo memoacuteria e
resistecircncia poliacutetica no Brasil 1ordfedUberlacircndia EdUFU 2015 v p 13-72
STECK Lecircnio Luiz A Lei de Anistia e os Limites Interpretativos da Decisatildeo Judicial
o problema da extensatildeo dos efeitos agrave luz do paradigma do Estado Democraacutetico de
Direito Revista de Hermenecircutica Juriacutedica Vol 8 nordm 8 p 171 ndash 181 2010
25
informaccedilotildees da ditadura a criaccedilatildeo do Grupo de Trabalho Direito Memoacuteria e Verdade
da Procuradoria Federal dos Distritos do Cidadatildeo15
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot explicou que a
pretensatildeo contida nesta arguiccedilatildeo natildeo gera conflitos com o que foi decidido na ADPF
153 e nem caracteriza superfetaccedilatildeo (bis in idem) Naquela efetuou Controle de
Constitucionalidade da Lei 66831979 Jaacute nesta ADPF 320 pretende-se conhecimento
de validade e de efeito vinculante da decisatildeo da CIDH no caso Gomes Lund a qual agiu
no exerciacutecio legiacutetimo do Controle de Convencionalidade
Concebendo como admissiacutevel a arguiccedilatildeo contra interpretaccedilotildees judiciais que
contrariando o disposto na sentenccedila do caso Gomes Lund declarem extinta a
punibilidade de agentes envolvidos pela Lei de Anistia sob fundamento de prescriccedilatildeo
da pretensatildeo punitiva do Estado Abordando que ldquoEssas interpretaccedilotildees violetam
preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts 1ordm III 4ordm I e II e 5ordm sectsect 1ordm a 3ordm da
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 198816
Assim analisam-se os pedidos
A priori tem-se o foco nos crimes de graves violaccedilotildees a direitos humanos e os
continuados ou permanentes e na inaplicabilidade da Lei de Anistia pela ausecircncia de
eficaacutecia juriacutedica
A posiccedilatildeo taxativa do Poder Judiciaacuterio seria a validaccedilatildeo da constitucionalidade
interpretativa da Lei de anistia em seu caraacuteter bilateral e que sua modificaccedilatildeo mesmo
que interpretativa deveria se dar atraveacutes do Poder Legislativo Entretanto deve-se
elaborar uma loacutegica que compreenda as seguintes concepccedilotildees primeiramente em
relaccedilatildeo aos crimes de lesa humanidade e em outro patamar os permanentes ou
continuados
15
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de descumprimento de
preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de 2014 Disponiacutevelem
ltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=62- 44157ampad=s3520
20PetiE7E3o20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o
20de20apresentaE7E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
16 BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservice
20Integradorwsgt Acesso em 22102016
18
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
ADPF por almejar requerer a execuccedilatildeo de sentenccedila interamericana Diante disso
aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
entanto essa visatildeo encontra-se equivocada pois logo eacute esclarecida a ldquorelaccedilatildeo entre as
accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
direitos humanos e violar preceitos fundamentais derivados da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
20
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
REFEREcircNCIAS
ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D Mutaccedilotildees do Conceito de Anistia na Justiccedila de
Transiccedilatildeo Brasileira a terceira fase da luta pela anistia Justiccedila de Transiccedilatildeo Direito
agrave Justiccedila agrave Memoacuteria e agrave Verdade Joatildeo Pessoa Editora da UFPB 2014 P348
22
ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D As Dimensotildees da Justiccedila de Transiccedilatildeo a
eficaacutecia da Lei da Anistia e as alternativas para a verdade e a justiccedila A Anistia na Era
da Responsabilizaccedilatildeo o Brasil em perspectiva Internacional e Comparada
Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo da Anistia Oxford Oxford University
LatinAmerica Centre 2011 P 212-248
ARENDT Hannah A mentira poliacutetica consideraccedilotildees sobre os documentos do
Pentaacutegono In ARENDT Hannah Crises da Repuacuteblica 2 Ed Satildeo Paulo Perspectiva
2006 (Coleccedilatildeo Debates) P 13-48
BOBBIO Norberto A Era dos Direitos Trad Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro
Campus 1992
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de
descumprimento de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de
2014 Disponiacutevel emltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginador jspdocTP=
TPampdocID=62-44157ampad=s352020PetiE7E3o20de20apresentaE
7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o20de20apresentaE7
E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
BRASIL Partido Socialismo e Liberdade Peticcedilatildeo inicial na arguiccedilatildeo de
descumprimento de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 15 de maio de
2014 Disponiacutevel em148lthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginador jspdocT
P=TPampdocID=5892287ampad=s220-20Peticao20inicial2020Pe-ticao
20inicial201gt Acesso em 22 out 2016
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento
de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=
s362 0-20ManifestaE7E3o20da20PGR20-
20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt - Acesso em 22 out 2016
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE
MEacuteRITO Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552
Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do
Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel em httpwwwcidh
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COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE
MEacuteRITO Ndeg 9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos
Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica
Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
23
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DECRETO 446302 - Promulga a Declaraccedilatildeo de Reconhecimento da Competecircncia
Obrigatoacuteria da Corte Interamericana de Direitos Humanos sob reserva de reciprocidade
em consonacircncia com o art 62 da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto
de Satildeo Joseacute) de 22 de novembro de 1969 Disponiacutevel em
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GOMES Luiz Flavio Crimes contra a humanidade e a jurisprudecircncia do Sistema
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MENDES Gilmar Ferreira Arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental
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MORAES Ana Luiacuteza Zago de O Caso do Araguaia na Corte Interamericana de
Direitos Humanos publicado pelo Instituto Brasileiro de Ciecircncias Criminais revista
Liberdades ndash nordm 8 ndashsetembrodezembro 2011 disponiacutevel em httpwww
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ORGANIZACcedilAtildeO DOS ESTADOS AMERICANOS Relatoacuterio de Admissibilidade nordm
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OSMO Carla Judicializaccedilatildeo da Justiccedila de Transiccedilatildeo na Ameacuterica Latina = trad
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Rende Latino-Americana de Justiccedila de Transiccedilatildeo (RLAJT) 2016 P 134
PATRUS Rafel Dilly Articulaccedilatildeo Constitucional e Justiccedila De Transiccedilatildeo uma
releitura da ADPF nordm 320 no marco do ldquoconstitucionalismo abrangenterdquo
Dissertaccedilatildeo UFMG Belo Horizonte 2015 P 152
PAYNE Leigh A ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D A Anistia na Era da
Responsabilizaccedilatildeo contexto global comparativo e introduccedilatildeo ao caso brasileiro A
Anistia na Era da Responsabilizaccedilatildeo o Brasil em perspectiva Internacional e
Comparada Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo da Anistia Oxford Oxford
University LatinAmerica Centre 2011 P 18-31
PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e Justiccedila Internacional um estudo
comparativo dos sistemas regionais europeu Interamericano e africano Satildeo Paulo
Saraiva 2006 P 272
24
SILVA Alexandre G VIEIRA Joseacute R O Direito Internacional dos Direitos Humanos
e a ordem democraacutetica na constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
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memoacuteria e resistecircncia juriacutedica poliacutetica no Brasil Uberlacircndia EdUFU 2015 P 474
TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque Justiccedila de Transiccedilatildeo no Brasil e
o processo de democratizaccedilatildeo Justiccedila de Transiccedilatildeo direito agrave justiccedila agrave memoacuteria e agrave
verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da UFPB
2014 348p
SILVA A G VIEIRA J R O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a
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STECK Lecircnio Luiz A Lei de Anistia e os Limites Interpretativos da Decisatildeo Judicial
o problema da extensatildeo dos efeitos agrave luz do paradigma do Estado Democraacutetico de
Direito Revista de Hermenecircutica Juriacutedica Vol 8 nordm 8 p 171 ndash 181 2010
25
Enquanto crimes de lesa humanidade cabe elaborar melhor entendimento
Configuram crimes de Estado ou de lesa humanidade crimes que violam inuacutemeros
direitos humanos passando a serem classificados como imprescritiacuteveis e natildeo
anistiaacuteveis (GOMES 2011 p 87) Exemplares desses em nossa ditadura civil-militar
apresentam-se a tortura o desaparecimento forccedilado que natildeo se configura crime
poliacutetico como entendido por alguns ao analisar ldquocrimes conexosrdquo da Lei de Anistia Os
crimes de tortura natildeo satildeo passiacutevel de anistia (STECK 2010 p180)
No parecer da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica nos autos da ADPF nordm 320 uma
afirmaccedilatildeo demonstrando que
os meacutetodos empregados na repressatildeo aos opositores do regime militar
exorbitaram a proacutepria legalidade autoritaacuteria instaurada pelo golpe de
1964 Isso ocorreu entre outros motivos porque o objetivo primaacuterio
do sistema natildeo era a produccedilatildeo de provas vaacutelidas para serem usadas em
processos judiciais como seria de esperar mas o desmantelamento a
qualquer custo independentemente das regras juriacutedicas aplicaacuteveis das
organizaccedilotildees de oposiccedilatildeo especialmente as envolvidas em accedilotildees de
resistecircncia armada (2014 p 64)
No tocante aos crimes permanentes e continuados a estes natildeo assistem a
anistia poliacutetica em vista de que se propagam no tempo alterando o prazo prescricional
para a persecuccedilatildeo criminal A ADPF 320 desfez pois o entendimento anterior do STF
acentuando o seu ldquoesquecimentordquo sobre o caraacuteter permanente de alguns dos crimes
cometidos pelos agentes puacuteblicos contra opositores poliacuteticos ao regime militar
notadamente a ocultaccedilatildeo de cadaacutever (Art 211 do Coacutedigo Penal Brasileiro) ao julgar a
ADPF 153
Num segundo momento observa-se uma confusatildeo quanto agrave interposiccedilatildeo da
ADPF por almejar requerer a execuccedilatildeo de sentenccedila interamericana Diante disso
aproveita-se agrave AGU o argumento que propotildee o natildeo reconhecimento da accedilatildeo No
entanto essa visatildeo encontra-se equivocada pois logo eacute esclarecida a ldquorelaccedilatildeo entre as
accedilotildees de descumprir a decisatildeo havida no sistema interamericano de proteccedilatildeo dos
direitos humanos e violar preceitos fundamentais derivados da Constituiccedilatildeo da
Repuacuteblicardquo (PATRUS p 34 2015)
Estabelecendo como questatildeo-chave a dimensatildeo constitucional da exigecircncia de
cumprimento das determinaccedilotildees da CIDH De maneira que a ADPF 320 em si natildeo
substitui as medidas de cumprimento das determinaccedilotildees da sentenccedila no caso Gomes
Lund
19
Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
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ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
REFEREcircNCIAS
ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D Mutaccedilotildees do Conceito de Anistia na Justiccedila de
Transiccedilatildeo Brasileira a terceira fase da luta pela anistia Justiccedila de Transiccedilatildeo Direito
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22
ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D As Dimensotildees da Justiccedila de Transiccedilatildeo a
eficaacutecia da Lei da Anistia e as alternativas para a verdade e a justiccedila A Anistia na Era
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BOBBIO Norberto A Era dos Direitos Trad Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro
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BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de
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TPampdocID=62-44157ampad=s352020PetiE7E3o20de20apresentaE
7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o20de20apresentaE7
E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
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DECRETO 446302 - Promulga a Declaraccedilatildeo de Reconhecimento da Competecircncia
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transicional In SILVA A G (Org) Democracia e justiccedila de transiccedilatildeo memoacuteria e
resistecircncia poliacutetica no Brasil 1ordfedUberlacircndia EdUFU 2015 v p 13-72
STECK Lecircnio Luiz A Lei de Anistia e os Limites Interpretativos da Decisatildeo Judicial
o problema da extensatildeo dos efeitos agrave luz do paradigma do Estado Democraacutetico de
Direito Revista de Hermenecircutica Juriacutedica Vol 8 nordm 8 p 171 ndash 181 2010
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Com relaccedilatildeo ao descumprimento dos pontos da condenaccedilatildeo pela CIDH
consoante os argumentos aduzidos pela Advocacia-Geral da Uniatildeo muitas iniciativas
institucionais foram adotadas pelo Estado brasileiro apoacutes a sentenccedila soacute que em outas
dimensotildees da justiccedila transicional Houve progressos quanto agrave busca de informaccedilotildees
revelaccedilotildees de Memoacuterias relatoacuterios da Comissatildeo Nacional da Verdade17
conhecimento
e publicizaccedilatildeo a partir de eventos como Caravana da Anistia construccedilotildees de reparaccedilatildeo
simboacutelica as Cliacutenicas de Testemunhos com relatos e colaboraccedilatildeo com psicoacutelogos
montagem de GTs do MPF para investigaccedilotildees
No entanto em relaccedilatildeo agrave responsabilizaccedilatildeo eacute visiacutevel o entrave contrastando
com a posiccedilatildeo da AGU sobre os avanccedilos Ressaltando a ADPF 320 algo novo Almeja
um posicionamento do STF considerando o Controle de Convencionalidade
mencionado tambeacutem pelo Procurador-Geral da Repuacuteblica Vindicando que seja
executada a Sentenccedila Condenatoacuteria da CIDH pois anteriormente muitas
recomendaccedilotildees da CIDH (supracitadas) foram descumpridas
Ora se a ldquoRepuacuteblica Federativa do Brasil de maneira soberana e juridicamente
vaacutelida submeteu-se agrave jurisdiccedilatildeo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
mediante convergecircncia dos Poderes Legislativo e Executivo As decisotildees desta satildeo
vinculantes para todos os oacutergatildeos e poderes do paiacutesrdquo 18
E executada corroborando a teoria jaacute concebida pela Corte Interamericana
sobre as Leis de Anistia que vierem a impedir a investigaccedilatildeo e sanccedilatildeo de graves
violaccedilotildees a direitos humanos Essas satildeo incompatiacuteveis com a Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos no Brasil com caraacuteter supralegal Ressaltando que esse tambeacutem
consiste no entendimento da Procuradoria-Geral da Repuacuteblica
Insta lembrar que outros procuradores tambeacutem pontuam criacuteticas agrave Lei de
Anistia sendo favoraacuteveis agraves investigaccedilotildees e puniccedilotildees dos casos como por exemplo o
Procurador da Repuacuteblica Ivan Claacuteudio Marx que em sua fala de 2015 criticou o Poder
Judiciaacuterio a respeito das atividades dos GTs de Justiccedila de Transiccedilatildeo (GTs esses
mencionados pela AGU para apresentar desenvolvimento todavia inexistente)
17
No relatoacuterio final de dezembro de 2014 recomendou a determinaccedilatildeo pelos oacutergatildeos competentes da
responsabilidade juriacutedica ndash criminal civil e administrativa ndash de todos os agentes com participaccedilatildeo nesses
crimes (OSMO 2016 p 46) 18
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito
fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=s362 0-
20ManifestaE7E3o20da20PGR20-20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt -
Acesso em 22 out 2016
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ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
REFEREcircNCIAS
ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D Mutaccedilotildees do Conceito de Anistia na Justiccedila de
Transiccedilatildeo Brasileira a terceira fase da luta pela anistia Justiccedila de Transiccedilatildeo Direito
agrave Justiccedila agrave Memoacuteria e agrave Verdade Joatildeo Pessoa Editora da UFPB 2014 P348
22
ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D As Dimensotildees da Justiccedila de Transiccedilatildeo a
eficaacutecia da Lei da Anistia e as alternativas para a verdade e a justiccedila A Anistia na Era
da Responsabilizaccedilatildeo o Brasil em perspectiva Internacional e Comparada
Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo da Anistia Oxford Oxford University
LatinAmerica Centre 2011 P 212-248
ARENDT Hannah A mentira poliacutetica consideraccedilotildees sobre os documentos do
Pentaacutegono In ARENDT Hannah Crises da Repuacuteblica 2 Ed Satildeo Paulo Perspectiva
2006 (Coleccedilatildeo Debates) P 13-48
BOBBIO Norberto A Era dos Direitos Trad Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro
Campus 1992
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de
descumprimento de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de
2014 Disponiacutevel emltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginador jspdocTP=
TPampdocID=62-44157ampad=s352020PetiE7E3o20de20apresentaE
7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o20de20apresentaE7
E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
BRASIL Partido Socialismo e Liberdade Peticcedilatildeo inicial na arguiccedilatildeo de
descumprimento de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 15 de maio de
2014 Disponiacutevel em148lthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginador jspdocT
P=TPampdocID=5892287ampad=s220-20Peticao20inicial2020Pe-ticao
20inicial201gt Acesso em 22 out 2016
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento
de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=
s362 0-20ManifestaE7E3o20da20PGR20-
20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt - Acesso em 22 out 2016
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE
MEacuteRITO Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552
Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do
Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel em httpwwwcidh
orgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil2026mar0920PO
RTpdf Acesso em 20 de out 2016
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE
MEacuteRITO Ndeg 9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos
Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica
Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
23
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil
2026mar0920PORTpdf Acesso em 20 de out 2016
DECRETO 446302 - Promulga a Declaraccedilatildeo de Reconhecimento da Competecircncia
Obrigatoacuteria da Corte Interamericana de Direitos Humanos sob reserva de reciprocidade
em consonacircncia com o art 62 da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto
de Satildeo Joseacute) de 22 de novembro de 1969 Disponiacutevel em
lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto2002d4463htmgtgt Acesso em
20out2016
GOMES Luiz Flavio Crimes contra a humanidade e a jurisprudecircncia do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos In GOMES Luiz Flaacutevio e MAZZUOLI Valerio
de Oliveira (orgs) Crimes da Ditadura Militar uma anaacutelise agrave luz da jurisprudecircncia
atual da Corte Interamericana de direitos humanos Argentina Brasil Chile Uruguai p
87-103 Satildeo Paulo RT 2011
MENDES Gilmar Ferreira Arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental
2ordfedSatildeo Paulo Saraiva 2011
MORAES Ana Luiacuteza Zago de O Caso do Araguaia na Corte Interamericana de
Direitos Humanos publicado pelo Instituto Brasileiro de Ciecircncias Criminais revista
Liberdades ndash nordm 8 ndashsetembrodezembro 2011 disponiacutevel em httpwww
ibccrimorgbrsiterevistaLiberdades_pdf08artigo04pdf
ORGANIZACcedilAtildeO DOS ESTADOS AMERICANOS Relatoacuterio de Admissibilidade nordm
3301 Caso nordm 11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil
Relatoacuterio Anual de 2000 apresentado em 6 de marccedilo de 2001 Acesso em 18102016
OSMO Carla Judicializaccedilatildeo da Justiccedila de Transiccedilatildeo na Ameacuterica Latina = trad
Esp Nathaly Mancilla oacuterdenes Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo de Anistia
Rende Latino-Americana de Justiccedila de Transiccedilatildeo (RLAJT) 2016 P 134
PATRUS Rafel Dilly Articulaccedilatildeo Constitucional e Justiccedila De Transiccedilatildeo uma
releitura da ADPF nordm 320 no marco do ldquoconstitucionalismo abrangenterdquo
Dissertaccedilatildeo UFMG Belo Horizonte 2015 P 152
PAYNE Leigh A ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D A Anistia na Era da
Responsabilizaccedilatildeo contexto global comparativo e introduccedilatildeo ao caso brasileiro A
Anistia na Era da Responsabilizaccedilatildeo o Brasil em perspectiva Internacional e
Comparada Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo da Anistia Oxford Oxford
University LatinAmerica Centre 2011 P 18-31
PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e Justiccedila Internacional um estudo
comparativo dos sistemas regionais europeu Interamericano e africano Satildeo Paulo
Saraiva 2006 P 272
24
SILVA Alexandre G VIEIRA Joseacute R O Direito Internacional dos Direitos Humanos
e a ordem democraacutetica na constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
transicional In SILVA Alexandre G (Org) Democracia e justiccedila de transiccedilatildeo
memoacuteria e resistecircncia juriacutedica poliacutetica no Brasil Uberlacircndia EdUFU 2015 P 474
TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque Justiccedila de Transiccedilatildeo no Brasil e
o processo de democratizaccedilatildeo Justiccedila de Transiccedilatildeo direito agrave justiccedila agrave memoacuteria e agrave
verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da UFPB
2014 348p
SILVA A G VIEIRA J R O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a
ordem democraacutetica na Constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
transicional In SILVA A G (Org) Democracia e justiccedila de transiccedilatildeo memoacuteria e
resistecircncia poliacutetica no Brasil 1ordfedUberlacircndia EdUFU 2015 v p 13-72
STECK Lecircnio Luiz A Lei de Anistia e os Limites Interpretativos da Decisatildeo Judicial
o problema da extensatildeo dos efeitos agrave luz do paradigma do Estado Democraacutetico de
Direito Revista de Hermenecircutica Juriacutedica Vol 8 nordm 8 p 171 ndash 181 2010
25
ldquo[] o Judiciaacuterio tem sido muito reticente em aceitar as teses
ministeriais natildeo demonstrando maior comprometimento com o
lsquocontrole de convencionalidadersquo o que [ ] marca o descumprimento da
Corte IDH no caso lsquoGomes Lundrsquordquo (OSMO 2016 p 44-45)
Asseverando essa avaliaccedilatildeo do Procurador e a anaacutelise da ADPF em outubro de
2014 houve uma audiecircncia de supervisatildeo a CIDH agrave situaccedilatildeo do caso brasileiro Em
nova decisatildeo elaborada apresentou o descumprimento das obrigaccedilotildees de investigaccedilatildeo
penal dos fatos mesmo que parcialmente pelo Brasil E sublinhou a continuidade agraves
oacutebices para accedilotildees do MPF pelas autoridades judiciais sob argumento de prescriccedilatildeo
Responsabilizou o Judiciaacuterio brasileiro pelo descumprimento da decisatildeo (CIDH 2014
par 8 e 14-21) E ao final requisitou apresentaccedilatildeo de justificativas ao Estado brasileiro
sobre sua postura desobediente e infratora (CIDH 2014 par 23 apud OSMO 2016 p
45)
Isto posto eacute possiacutevel concluir o papel meritoacuterio de mais essa accedilatildeo a ser
discutida no STF para demonstrar-lhe que natildeo haacute pacificaccedilatildeo quanto agrave mateacuteria da
Justiccedila de transiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave validaccedilatildeo da Lei de Anistia Pois embora seja um
marco importante o acoacuterdatildeo prolatado na ADPF 153 natildeo pode consubstanciar como
palavra final pois representaria um lsquostatus quorsquo de impunidade no Estado brasileiro
podendo ensejar em um entendimento de contiacutenuo lsquoestado de exceccedilatildeorsquo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Concernente agraves dimensotildees da justiccedila de transiccedilatildeo relata-se a maior
complexidade na anaacutelise quanto agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos civis e
militares No que se refere agrave realidade poliacutetica e juriacutedica brasileira o diaacutelogo torna-se
mais complicado em vista de uma construccedilatildeo estruturada e sistemaacutetica tanto do Poder
Legislativo quanto do Poder Judiciaacuterio com o intuito de impedir as puniccedilotildees
No caso brasileiro o status normativo ainda permanece controvertido No
entanto com a perspectiva de ampliaccedilatildeo do entendimento jurisprudencial em vista da
EC 4504 da visatildeo de materialidade e formalidade observada pela doutrinadora Flaacutevia
Piovesan e da percepccedilatildeo do ldquobloco de constitucionalidaderdquo pelo Ministro Celso de
Mello eacute justificaacutevel compreender as normas de direitos humanos inscritas em
convenccedilotildees e tratados internacionais aceitos pelo Estado brasileiro como normas
constitucionais exigindo sua eficaacutecia no Brasil
21
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
REFEREcircNCIAS
ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D Mutaccedilotildees do Conceito de Anistia na Justiccedila de
Transiccedilatildeo Brasileira a terceira fase da luta pela anistia Justiccedila de Transiccedilatildeo Direito
agrave Justiccedila agrave Memoacuteria e agrave Verdade Joatildeo Pessoa Editora da UFPB 2014 P348
22
ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D As Dimensotildees da Justiccedila de Transiccedilatildeo a
eficaacutecia da Lei da Anistia e as alternativas para a verdade e a justiccedila A Anistia na Era
da Responsabilizaccedilatildeo o Brasil em perspectiva Internacional e Comparada
Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo da Anistia Oxford Oxford University
LatinAmerica Centre 2011 P 212-248
ARENDT Hannah A mentira poliacutetica consideraccedilotildees sobre os documentos do
Pentaacutegono In ARENDT Hannah Crises da Repuacuteblica 2 Ed Satildeo Paulo Perspectiva
2006 (Coleccedilatildeo Debates) P 13-48
BOBBIO Norberto A Era dos Direitos Trad Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro
Campus 1992
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de
descumprimento de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de
2014 Disponiacutevel emltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginador jspdocTP=
TPampdocID=62-44157ampad=s352020PetiE7E3o20de20apresentaE
7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o20de20apresentaE7
E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
BRASIL Partido Socialismo e Liberdade Peticcedilatildeo inicial na arguiccedilatildeo de
descumprimento de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 15 de maio de
2014 Disponiacutevel em148lthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginador jspdocT
P=TPampdocID=5892287ampad=s220-20Peticao20inicial2020Pe-ticao
20inicial201gt Acesso em 22 out 2016
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento
de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=
s362 0-20ManifestaE7E3o20da20PGR20-
20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt - Acesso em 22 out 2016
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE
MEacuteRITO Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552
Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do
Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel em httpwwwcidh
orgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil2026mar0920PO
RTpdf Acesso em 20 de out 2016
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE
MEacuteRITO Ndeg 9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos
Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica
Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
23
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil
2026mar0920PORTpdf Acesso em 20 de out 2016
DECRETO 446302 - Promulga a Declaraccedilatildeo de Reconhecimento da Competecircncia
Obrigatoacuteria da Corte Interamericana de Direitos Humanos sob reserva de reciprocidade
em consonacircncia com o art 62 da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto
de Satildeo Joseacute) de 22 de novembro de 1969 Disponiacutevel em
lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto2002d4463htmgtgt Acesso em
20out2016
GOMES Luiz Flavio Crimes contra a humanidade e a jurisprudecircncia do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos In GOMES Luiz Flaacutevio e MAZZUOLI Valerio
de Oliveira (orgs) Crimes da Ditadura Militar uma anaacutelise agrave luz da jurisprudecircncia
atual da Corte Interamericana de direitos humanos Argentina Brasil Chile Uruguai p
87-103 Satildeo Paulo RT 2011
MENDES Gilmar Ferreira Arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental
2ordfedSatildeo Paulo Saraiva 2011
MORAES Ana Luiacuteza Zago de O Caso do Araguaia na Corte Interamericana de
Direitos Humanos publicado pelo Instituto Brasileiro de Ciecircncias Criminais revista
Liberdades ndash nordm 8 ndashsetembrodezembro 2011 disponiacutevel em httpwww
ibccrimorgbrsiterevistaLiberdades_pdf08artigo04pdf
ORGANIZACcedilAtildeO DOS ESTADOS AMERICANOS Relatoacuterio de Admissibilidade nordm
3301 Caso nordm 11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil
Relatoacuterio Anual de 2000 apresentado em 6 de marccedilo de 2001 Acesso em 18102016
OSMO Carla Judicializaccedilatildeo da Justiccedila de Transiccedilatildeo na Ameacuterica Latina = trad
Esp Nathaly Mancilla oacuterdenes Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo de Anistia
Rende Latino-Americana de Justiccedila de Transiccedilatildeo (RLAJT) 2016 P 134
PATRUS Rafel Dilly Articulaccedilatildeo Constitucional e Justiccedila De Transiccedilatildeo uma
releitura da ADPF nordm 320 no marco do ldquoconstitucionalismo abrangenterdquo
Dissertaccedilatildeo UFMG Belo Horizonte 2015 P 152
PAYNE Leigh A ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D A Anistia na Era da
Responsabilizaccedilatildeo contexto global comparativo e introduccedilatildeo ao caso brasileiro A
Anistia na Era da Responsabilizaccedilatildeo o Brasil em perspectiva Internacional e
Comparada Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo da Anistia Oxford Oxford
University LatinAmerica Centre 2011 P 18-31
PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e Justiccedila Internacional um estudo
comparativo dos sistemas regionais europeu Interamericano e africano Satildeo Paulo
Saraiva 2006 P 272
24
SILVA Alexandre G VIEIRA Joseacute R O Direito Internacional dos Direitos Humanos
e a ordem democraacutetica na constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
transicional In SILVA Alexandre G (Org) Democracia e justiccedila de transiccedilatildeo
memoacuteria e resistecircncia juriacutedica poliacutetica no Brasil Uberlacircndia EdUFU 2015 P 474
TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque Justiccedila de Transiccedilatildeo no Brasil e
o processo de democratizaccedilatildeo Justiccedila de Transiccedilatildeo direito agrave justiccedila agrave memoacuteria e agrave
verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da UFPB
2014 348p
SILVA A G VIEIRA J R O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a
ordem democraacutetica na Constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
transicional In SILVA A G (Org) Democracia e justiccedila de transiccedilatildeo memoacuteria e
resistecircncia poliacutetica no Brasil 1ordfedUberlacircndia EdUFU 2015 v p 13-72
STECK Lecircnio Luiz A Lei de Anistia e os Limites Interpretativos da Decisatildeo Judicial
o problema da extensatildeo dos efeitos agrave luz do paradigma do Estado Democraacutetico de
Direito Revista de Hermenecircutica Juriacutedica Vol 8 nordm 8 p 171 ndash 181 2010
25
Dessa maneira observando um caso concreto Gomes Lund e outros vs Brasil
ou Guerrilha do Araguaia estrutura-se a possibilidade de ir aleacutem dos tracircmites
burocraacuteticos nacionais apegando-se agraves normas internacionais relativas a direitos
humanos para questionar a visatildeo dos entraves criados pelos Poderes
Assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos descontroacutei entendimento
brasileiro dado como pacificado sobre a justiccedila de transiccedilatildeo condenando o Estado
brasileiro ao inadmitir os efeitos juriacutedicos impostos pela (re)validaccedilatildeo da Lei de
Anistia A validade dessa condenaccedilatildeo eacute incontestaacutevel pelo Brasil ser Estado-parte da
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos Impedindo inclusive a tentativa de
sobreposiccedilatildeo da soberania interna agrave sentenccedila da CIDH
Impende pois ressaltar que mesmo vinculante o Estado brasileiro permanece
descumprindo-a fato esse que impulsiona medidas alternativas para a execuccedilatildeo sendo
uma delas mais enfaacutetica a ADPF 320 de 2014 Essa questiona a postura do Poder
Judiciaacuterio de um modo diferente demonstrando a omissatildeo inconstitucional do
descumprimento da sentenccedila condenatoacuteria da CIDH ressaltando pontos relapsos
interessantes e requerendo a inaplicaccedilatildeo da Lei de Anistia para crimes continuados e
permanentes e para crimes de grave violaccedilatildeo a direitos humanos ndash crimes de lesa-
humanidade cometidos pelo Estado
Destarte observa nessa postura a possibilidade esperanccedilosa de uma
reconstruccedilatildeo efetiva da justiccedila de transiccedilatildeo em acircmbito nacional ao se tratar da
dimensatildeo da responsabilizaccedilatildeo Um novo momento com novos argumentos mais
abertos ao Direito Internacional dos Direito Humanos e agrave jurisprudecircncia internacional
concedendo substratos suficientes para uma nova percepccedilatildeo da relevacircncia da temaacutetica
da justiccedila transicional e de sua eficaacutecia em nosso paiacutes
Entende-se que o Brasil soacute conseguiraacute concluir seu processo de democratizaccedilatildeo
das instituiccedilotildees e da proacutepria sociedade aprofundando e consolidando a temaacutetica do
Estado de exceccedilatildeo e para isso a responsabilizaccedilatildeo dos agentes e a reparaccedilatildeo das
viacutetimas satildeo pontos chaves que devem ser estruturados e realizados no paiacutes
REFEREcircNCIAS
ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D Mutaccedilotildees do Conceito de Anistia na Justiccedila de
Transiccedilatildeo Brasileira a terceira fase da luta pela anistia Justiccedila de Transiccedilatildeo Direito
agrave Justiccedila agrave Memoacuteria e agrave Verdade Joatildeo Pessoa Editora da UFPB 2014 P348
22
ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D As Dimensotildees da Justiccedila de Transiccedilatildeo a
eficaacutecia da Lei da Anistia e as alternativas para a verdade e a justiccedila A Anistia na Era
da Responsabilizaccedilatildeo o Brasil em perspectiva Internacional e Comparada
Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo da Anistia Oxford Oxford University
LatinAmerica Centre 2011 P 212-248
ARENDT Hannah A mentira poliacutetica consideraccedilotildees sobre os documentos do
Pentaacutegono In ARENDT Hannah Crises da Repuacuteblica 2 Ed Satildeo Paulo Perspectiva
2006 (Coleccedilatildeo Debates) P 13-48
BOBBIO Norberto A Era dos Direitos Trad Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro
Campus 1992
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de
descumprimento de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de
2014 Disponiacutevel emltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginador jspdocTP=
TPampdocID=62-44157ampad=s352020PetiE7E3o20de20apresentaE
7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o20de20apresentaE7
E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
BRASIL Partido Socialismo e Liberdade Peticcedilatildeo inicial na arguiccedilatildeo de
descumprimento de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 15 de maio de
2014 Disponiacutevel em148lthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginador jspdocT
P=TPampdocID=5892287ampad=s220-20Peticao20inicial2020Pe-ticao
20inicial201gt Acesso em 22 out 2016
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento
de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
emhttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=TPampdocID=6625023ampad=
s362 0-20ManifestaE7E3o20da20PGR20-
20PeE7a20recebida20pelo20webservicegt - Acesso em 22 out 2016
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SENTENCcedilA DE
MEacuteRITO Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso 11552
Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica Federativa do
Brasil 24 de novembro de 2010 Disponiacutevel em httpwwwcidh
orgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil2026mar0920PO
RTpdf Acesso em 20 de out 2016
COMISSAtildeO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RELATOacuteRIO DE
MEacuteRITO Ndeg 9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos
Caso 11552 Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) contra a Repuacuteblica
Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
23
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil
2026mar0920PORTpdf Acesso em 20 de out 2016
DECRETO 446302 - Promulga a Declaraccedilatildeo de Reconhecimento da Competecircncia
Obrigatoacuteria da Corte Interamericana de Direitos Humanos sob reserva de reciprocidade
em consonacircncia com o art 62 da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto
de Satildeo Joseacute) de 22 de novembro de 1969 Disponiacutevel em
lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto2002d4463htmgtgt Acesso em
20out2016
GOMES Luiz Flavio Crimes contra a humanidade e a jurisprudecircncia do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos In GOMES Luiz Flaacutevio e MAZZUOLI Valerio
de Oliveira (orgs) Crimes da Ditadura Militar uma anaacutelise agrave luz da jurisprudecircncia
atual da Corte Interamericana de direitos humanos Argentina Brasil Chile Uruguai p
87-103 Satildeo Paulo RT 2011
MENDES Gilmar Ferreira Arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental
2ordfedSatildeo Paulo Saraiva 2011
MORAES Ana Luiacuteza Zago de O Caso do Araguaia na Corte Interamericana de
Direitos Humanos publicado pelo Instituto Brasileiro de Ciecircncias Criminais revista
Liberdades ndash nordm 8 ndashsetembrodezembro 2011 disponiacutevel em httpwww
ibccrimorgbrsiterevistaLiberdades_pdf08artigo04pdf
ORGANIZACcedilAtildeO DOS ESTADOS AMERICANOS Relatoacuterio de Admissibilidade nordm
3301 Caso nordm 11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil
Relatoacuterio Anual de 2000 apresentado em 6 de marccedilo de 2001 Acesso em 18102016
OSMO Carla Judicializaccedilatildeo da Justiccedila de Transiccedilatildeo na Ameacuterica Latina = trad
Esp Nathaly Mancilla oacuterdenes Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo de Anistia
Rende Latino-Americana de Justiccedila de Transiccedilatildeo (RLAJT) 2016 P 134
PATRUS Rafel Dilly Articulaccedilatildeo Constitucional e Justiccedila De Transiccedilatildeo uma
releitura da ADPF nordm 320 no marco do ldquoconstitucionalismo abrangenterdquo
Dissertaccedilatildeo UFMG Belo Horizonte 2015 P 152
PAYNE Leigh A ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D A Anistia na Era da
Responsabilizaccedilatildeo contexto global comparativo e introduccedilatildeo ao caso brasileiro A
Anistia na Era da Responsabilizaccedilatildeo o Brasil em perspectiva Internacional e
Comparada Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo da Anistia Oxford Oxford
University LatinAmerica Centre 2011 P 18-31
PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e Justiccedila Internacional um estudo
comparativo dos sistemas regionais europeu Interamericano e africano Satildeo Paulo
Saraiva 2006 P 272
24
SILVA Alexandre G VIEIRA Joseacute R O Direito Internacional dos Direitos Humanos
e a ordem democraacutetica na constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
transicional In SILVA Alexandre G (Org) Democracia e justiccedila de transiccedilatildeo
memoacuteria e resistecircncia juriacutedica poliacutetica no Brasil Uberlacircndia EdUFU 2015 P 474
TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque Justiccedila de Transiccedilatildeo no Brasil e
o processo de democratizaccedilatildeo Justiccedila de Transiccedilatildeo direito agrave justiccedila agrave memoacuteria e agrave
verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da UFPB
2014 348p
SILVA A G VIEIRA J R O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a
ordem democraacutetica na Constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
transicional In SILVA A G (Org) Democracia e justiccedila de transiccedilatildeo memoacuteria e
resistecircncia poliacutetica no Brasil 1ordfedUberlacircndia EdUFU 2015 v p 13-72
STECK Lecircnio Luiz A Lei de Anistia e os Limites Interpretativos da Decisatildeo Judicial
o problema da extensatildeo dos efeitos agrave luz do paradigma do Estado Democraacutetico de
Direito Revista de Hermenecircutica Juriacutedica Vol 8 nordm 8 p 171 ndash 181 2010
25
ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D As Dimensotildees da Justiccedila de Transiccedilatildeo a
eficaacutecia da Lei da Anistia e as alternativas para a verdade e a justiccedila A Anistia na Era
da Responsabilizaccedilatildeo o Brasil em perspectiva Internacional e Comparada
Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo da Anistia Oxford Oxford University
LatinAmerica Centre 2011 P 212-248
ARENDT Hannah A mentira poliacutetica consideraccedilotildees sobre os documentos do
Pentaacutegono In ARENDT Hannah Crises da Repuacuteblica 2 Ed Satildeo Paulo Perspectiva
2006 (Coleccedilatildeo Debates) P 13-48
BOBBIO Norberto A Era dos Direitos Trad Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro
Campus 1992
BRASIL Advocacia-Geral da Uniatildeo Peticcedilatildeo de manifestaccedilatildeo na arguiccedilatildeo de
descumprimento de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 20 de junho de
2014 Disponiacutevel emltlthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginador jspdocTP=
TPampdocID=62-44157ampad=s352020PetiE7E3o20de20apresentaE
7E3o20de20manifestaE7E3o220PetiE7E3o20de20apresentaE7
E3o20de20manifestaE7E3o201gt Acesso em 22 out 2016
BRASIL Partido Socialismo e Liberdade Peticcedilatildeo inicial na arguiccedilatildeo de
descumprimento de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 15 de maio de
2014 Disponiacutevel em148lthttpredirstfjusbrpaginadorpubpaginador jspdocT
P=TPampdocID=5892287ampad=s220-20Peticao20inicial2020Pe-ticao
20inicial201gt Acesso em 22 out 2016
BRASIL Procuradoria-Geral da Repuacuteblica Parecer na arguiccedilatildeo de descumprimento
de preceito fundamental nordm 320DF BrasiacuteliaDF 28 de agosto de 2014 Disponiacutevel
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MEacuteRITO Ndeg 9108 Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos
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Federativa do Brasil 26 de marccedilo de 2009 Disponiacutevel
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3301 Caso nordm 11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil
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Esp Nathaly Mancilla oacuterdenes Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo de Anistia
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releitura da ADPF nordm 320 no marco do ldquoconstitucionalismo abrangenterdquo
Dissertaccedilatildeo UFMG Belo Horizonte 2015 P 152
PAYNE Leigh A ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D A Anistia na Era da
Responsabilizaccedilatildeo contexto global comparativo e introduccedilatildeo ao caso brasileiro A
Anistia na Era da Responsabilizaccedilatildeo o Brasil em perspectiva Internacional e
Comparada Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo da Anistia Oxford Oxford
University LatinAmerica Centre 2011 P 18-31
PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e Justiccedila Internacional um estudo
comparativo dos sistemas regionais europeu Interamericano e africano Satildeo Paulo
Saraiva 2006 P 272
24
SILVA Alexandre G VIEIRA Joseacute R O Direito Internacional dos Direitos Humanos
e a ordem democraacutetica na constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
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TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque Justiccedila de Transiccedilatildeo no Brasil e
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verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da UFPB
2014 348p
SILVA A G VIEIRA J R O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a
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transicional In SILVA A G (Org) Democracia e justiccedila de transiccedilatildeo memoacuteria e
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STECK Lecircnio Luiz A Lei de Anistia e os Limites Interpretativos da Decisatildeo Judicial
o problema da extensatildeo dos efeitos agrave luz do paradigma do Estado Democraacutetico de
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25
em httpwwwcidhorgdemandas1155220Guerrilha20do20Araguaia20Brasil
2026mar0920PORTpdf Acesso em 20 de out 2016
DECRETO 446302 - Promulga a Declaraccedilatildeo de Reconhecimento da Competecircncia
Obrigatoacuteria da Corte Interamericana de Direitos Humanos sob reserva de reciprocidade
em consonacircncia com o art 62 da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Pacto
de Satildeo Joseacute) de 22 de novembro de 1969 Disponiacutevel em
lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto2002d4463htmgtgt Acesso em
20out2016
GOMES Luiz Flavio Crimes contra a humanidade e a jurisprudecircncia do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos In GOMES Luiz Flaacutevio e MAZZUOLI Valerio
de Oliveira (orgs) Crimes da Ditadura Militar uma anaacutelise agrave luz da jurisprudecircncia
atual da Corte Interamericana de direitos humanos Argentina Brasil Chile Uruguai p
87-103 Satildeo Paulo RT 2011
MENDES Gilmar Ferreira Arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental
2ordfedSatildeo Paulo Saraiva 2011
MORAES Ana Luiacuteza Zago de O Caso do Araguaia na Corte Interamericana de
Direitos Humanos publicado pelo Instituto Brasileiro de Ciecircncias Criminais revista
Liberdades ndash nordm 8 ndashsetembrodezembro 2011 disponiacutevel em httpwww
ibccrimorgbrsiterevistaLiberdades_pdf08artigo04pdf
ORGANIZACcedilAtildeO DOS ESTADOS AMERICANOS Relatoacuterio de Admissibilidade nordm
3301 Caso nordm 11552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros Brasil
Relatoacuterio Anual de 2000 apresentado em 6 de marccedilo de 2001 Acesso em 18102016
OSMO Carla Judicializaccedilatildeo da Justiccedila de Transiccedilatildeo na Ameacuterica Latina = trad
Esp Nathaly Mancilla oacuterdenes Brasiacutelia Ministeacuterio da Justiccedila Comissatildeo de Anistia
Rende Latino-Americana de Justiccedila de Transiccedilatildeo (RLAJT) 2016 P 134
PATRUS Rafel Dilly Articulaccedilatildeo Constitucional e Justiccedila De Transiccedilatildeo uma
releitura da ADPF nordm 320 no marco do ldquoconstitucionalismo abrangenterdquo
Dissertaccedilatildeo UFMG Belo Horizonte 2015 P 152
PAYNE Leigh A ABRAtildeO Paulo TORELLY Marcelo D A Anistia na Era da
Responsabilizaccedilatildeo contexto global comparativo e introduccedilatildeo ao caso brasileiro A
Anistia na Era da Responsabilizaccedilatildeo o Brasil em perspectiva Internacional e
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University LatinAmerica Centre 2011 P 18-31
PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e Justiccedila Internacional um estudo
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Saraiva 2006 P 272
24
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e a ordem democraacutetica na constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
transicional In SILVA Alexandre G (Org) Democracia e justiccedila de transiccedilatildeo
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TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque Justiccedila de Transiccedilatildeo no Brasil e
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verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da UFPB
2014 348p
SILVA A G VIEIRA J R O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a
ordem democraacutetica na Constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
transicional In SILVA A G (Org) Democracia e justiccedila de transiccedilatildeo memoacuteria e
resistecircncia poliacutetica no Brasil 1ordfedUberlacircndia EdUFU 2015 v p 13-72
STECK Lecircnio Luiz A Lei de Anistia e os Limites Interpretativos da Decisatildeo Judicial
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Direito Revista de Hermenecircutica Juriacutedica Vol 8 nordm 8 p 171 ndash 181 2010
25
SILVA Alexandre G VIEIRA Joseacute R O Direito Internacional dos Direitos Humanos
e a ordem democraacutetica na constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
transicional In SILVA Alexandre G (Org) Democracia e justiccedila de transiccedilatildeo
memoacuteria e resistecircncia juriacutedica poliacutetica no Brasil Uberlacircndia EdUFU 2015 P 474
TOSI Giuseppe SILVA Joseacute Pessoa Albuquerque Justiccedila de Transiccedilatildeo no Brasil e
o processo de democratizaccedilatildeo Justiccedila de Transiccedilatildeo direito agrave justiccedila agrave memoacuteria e agrave
verdade Giuseppe Tosi [et al] (Organizadores) ndash Joatildeo Pessoa Editadora da UFPB
2014 348p
SILVA A G VIEIRA J R O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a
ordem democraacutetica na Constituiccedilatildeo de 1988 retrospectiva e o papel da justiccedila
transicional In SILVA A G (Org) Democracia e justiccedila de transiccedilatildeo memoacuteria e
resistecircncia poliacutetica no Brasil 1ordfedUberlacircndia EdUFU 2015 v p 13-72
STECK Lecircnio Luiz A Lei de Anistia e os Limites Interpretativos da Decisatildeo Judicial
o problema da extensatildeo dos efeitos agrave luz do paradigma do Estado Democraacutetico de
Direito Revista de Hermenecircutica Juriacutedica Vol 8 nordm 8 p 171 ndash 181 2010
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