Variedades Diferenciáveis
Variedades Diferenciáveis
Publicações Matemáticas
Variedades Diferenciáveis
Elon Lages Lima
impa
Copyright © 2011 by Elon Lages Lima Impresso no Brasil / Printed in Brazil Capa: Noni Geiger / Sérgio R. Vaz Publicações Matemáticas
• Introdução à Topologia Diferencial – Elon Lages Lima • Criptografia, Números Primos e Algoritmos – Manoel Lemos • Introdução à Economia Dinâmica e Mercados Incompletos – Aloísio Araújo • Conjuntos de Cantor, Dinâmica e Aritmética – Carlos Gustavo Moreira • Geometria Hiperbólica – João Lucas Marques Barbosa • Introdução à Economia Matemática – Aloísio Araújo • Superfícies Mínimas – Manfredo Perdigão do Carmo • The Index Formula for Dirac Operators: an Introduction – Levi Lopes de Lima • Introduction to Symplectic and Hamiltonian Geometry – Ana Cannas da Silva • Primos de Mersenne (e outros primos muito grandes) – Carlos Gustavo T. A. Moreira e Nicolau
Saldanha • The Contact Process on Graphs – Márcia Salzano • Canonical Metrics on Compact almost Complex Manifolds – Santiago R. Simanca • Introduction to Toric Varieties – Jean-Paul Brasselet • Birational Geometry of Foliations – Marco Brunella • Introdução à Teoria das Probabilidades – Pedro J. Fernandez • Teoria dos Corpos – Otto Endler • Introdução à Dinâmica de Aplicações do Tipo Twist – Clodoaldo G. Ragazzo, Mário J. Dias
Carneiro e Salvador Addas Zanata • Elementos de Estatística Computacional usando Plataformas de Software Livre/Gratuito –
Alejandro C. Frery e Francisco Cribari-Neto • Uma Introdução a Soluções de Viscosidade para Equações de Hamilton-Jacobi – Helena J.
Nussenzveig Lopes, Milton C. Lopes Filho • Elements of Analytic Hypoellipticity – Nicholas Hanges • Métodos Clássicos em Teoria do Potencial – Augusto Ponce • Variedades Diferenciáveis – Elon Lages Lima • O Método do Referencial Móvel – Manfredo do Carmo • A Student's Guide to Symplectic Spaces, Grassmannians and Maslov Index – Paolo Piccione e
Daniel Victor Tausk • Métodos Topológicos en el Análisis no Lineal – Pablo Amster • Tópicos em Combinatória Contemporânea – Carlos Gustavo Moreira e Yoshiharu Kohayakawa • Uma Iniciação aos Sistemas Dinâmicos Estocásticos – Paulo Ruffino • Compressive Sensing – Adriana Schulz, Eduardo A.B.. da Silva e Luiz Velho • O Teorema de Poncelet – Marcos Sebastiani • Cálculo Tensorial – Elon Lages Lima • Aspectos Ergódicos da Teoria dos Números – Alexander Arbieto, Carlos Matheus e C. G.
Moreira • A Survey on Hiperbolicity of Projective Hypersurfaces – Simone Diverio e Erwan Rousseau • Algebraic Stacks and Moduli of Vector Bundles – Frank Neumann • O Teorema de Sard e suas Aplicações – Edson Durão Júdice IMPA - [email protected] - http://www.impa.br - ISBN: 978-85-244-0267-8
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What win I if I gain the thing I seek?
A dream, a breath, a froth of fleeting joy.
Prefacio
Estas notas sao uma reimpressao nao modificada do texto de
um curso introdutorio sobre Variedades Diferenciaveis, que lecio-
nei algumas vezes no IMPA, anos atras. Ao escreve-las, vali-me
dos apontamentos do meu entao aluno Jair Koiller. A presente
edicao foi digitada por Rogerio Dias Trindade. As figuras foram
produzidas por Francisco Petrucio. A todas estas pessoas, meus
agradecimentos.
Rio de Janeiro, maio de 2007
Elon Lages Lima
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Conteudo
Capıtulo I - Calculo Diferencial . . . . . . . . . . . . . . 1
1. Espaco euclidiano de dimensao p . . . . . . . . . . . . 1
2. Casos particulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
3. Derivadas de ordem superior . . . . . . . . . . . . . . 6
4. Versao intrınseca da regra da cadeia . . . . . . . . . . 8
5. A desigualdade do valor medio . . . . . . . . . . . . . 11
6. Derivadas parciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
7. O teorema da funcao inversa . . . . . . . . . . . . . . 15
8. Forma local das submersoes e o teorema das funcoes
implıcitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
9. A forma local das imersoes . . . . . . . . . . . . . . . 20
10. O teorema do posto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
11. Campos de vetores em Rn . . . . . . . . . . . . . . . . 28
12. Referencias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
Capıtulo II - Superfıcies nos Espacos Euclidianos . . 31
1. Parametrizacoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2. A nocao de superfıcie . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3. Mudanca de coordenadas . . . . . . . . . . . . . . . . 36
4. O espaco tangente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
5. Como obter superfıcies . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
6. Exemplos de superfıcies . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
7. Grupos e Algebras de Lie de matrizes . . . . . . . . . 60
8. Campos de vetores tangentes a uma superfıcie . . . . . 63
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Capıtulo III - Vetores Normais, Orientabilidade e
Vizinhanca Tubular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
1. Campos de vetores normais a uma superfıcie . . . . . . 71
2. Superfıcies Orientaveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
3. A vizinhanca tubular de uma superfıcie compacta . . . 86
4. A vizinhanca tubular de uma superfıcie nao-compacta 93
Capıtulo IV - Variedades Diferenciaveis . . . . . . . 102
1. Sistemas de coordenads locais . . . . . . . . . . . . . 102
2. Mudanca de coordenadas . . . . . . . . . . . . . . . 105
3. Variedades diferenciaveis . . . . . . . . . . . . . . . 106
4. Exemplos de variedades . . . . . . . . . . . . . . . . 108
5. Variedades definidas por uma colecao de injecoes . . 113
6. Variedades de Grassmann . . . . . . . . . . . . . . . 123
Capıtulo V - Aplicacoes Diferenciaveis entre
Variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
1. Aplicacoes diferenciaveis . . . . . . . . . . . . . . . . 130
2. O espaco tangente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
3. A derivada de uma aplicacao diferenciavel . . . . . . 137
4. Algumas identificacoes naturais . . . . . . . . . . . . 139
5. A aplicacao esferica de Gauss . . . . . . . . . . . . . 141
6. Estruturas de variedade em um espaco topologico . . 143
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Capıtulo VI - Imersoes, Mergulhos e
Subvariedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
1. Imersoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
2. Mergulhos e subvariedades . . . . . . . . . . . . . . . 151
3. Subvariedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154
4. O espaco tangente a uma variedade produto.
Derivadas parciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 156
5. A classe de uma subvariedade . . . . . . . . . . . . . 157
6. Imersoes cujas imagens sao subvariedades . . . . . . 159
7. A curva de Kronecker no toro . . . . . . . . . . . . . 163
Capıtulo VII - Submersoes, Transversalidade . . . . 168
1. Submersoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168
2. Relacoes de simetria . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172
3. Grupos de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
4. Transversalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
5. Transversalidade de funcoes . . . . . . . . . . . . . . 181
6. Aplicacoes de posto constante . . . . . . . . . . . . . 183
Capıtulo VIII - Particoes da Unidade e suas
Aplicacoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186
1. Funcoes auxiliares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186
2. Algumas nocoes topologicas . . . . . . . . . . . . . . 190
3. Particoes da unidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193
4. O lema de Urysohn diferenciavel . . . . . . . . . . . 196
5. Aplicacoes diferenciaveis em subconjuntos arbitrarios
de variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199
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Capıtulo IX - Metricas Riemannianas . . . . . . . . 205
1. Variedades riemannianas . . . . . . . . . . . . . . . . 205
2. A norma da derivada . . . . . . . . . . . . . . . . . 211
3. A distancia intrınseca . . . . . . . . . . . . . . . . . 215
4. A topologia geral de uma variedade . . . . . . . . . . 219
5. Isometrias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222
Capıtulo X - Espacos de Funcoes . . . . . . . . . . . 230
1. Funcoes semicontınuas em uma variedade . . . . . . 230
2. Espacos de funcoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233
3. Invariancia da topologia de W 1(M ;N) . . . . . . . . 237
4. Estabilidade de certas aplicacoes diferenciaveis . . . . 243
5. Aproximacoes em classe C1 . . . . . . . . . . . . . . 251
6. Topologias de classe Cr . . . . . . . . . . . . . . . . 259
Capıtulo XI - Os Teoremas de Imersao e
Mergulho de Whitney . . . . . . . . . . . . . . . . . . 269
1. Conjuntos de medida nula em uma variedade . . . . 270
2. Imersoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 274
3. Imersoes injetivas e mergulhos . . . . . . . . . . . . 379
4. Espacos de Baire . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 286
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Capıtulo I
Calculo Diferencial
Apresentamos neste capıtulo alguns resultados classicos do Cal-
culo Diferencial em espacos euclidianos. Enfatizamos o aspecto
geometrico do Teorema da Funcao Inversa, que aplicaremos para
obter as “formas locais” de certas aplicacoes diferenciaveis. Esses
resultados serao amplamente utilizados no estudo das superfıcies
e das variedades diferenciaveis.
Omitimos a maior parte das demonstracoes, pois o objetivo
principal deste capıtulo e fixar a notacao e a terminologia para os
subsequentes. As demonstracoes omitidas podem ser encontradas
nas referencias citadas no fim deste capıtulo.
1 Espaco euclidiano de dimensao p
Como se sabe, o espaco euclidiano de dimensao p e o conjunto
Rp de todas as sequencias x = (x1, . . . , xp) de p numeros reais.
Os vetores e1 = (1, 0, . . . , 0), e2 = (0, 1, 0, . . . , 0), . . . , ep =
(0, . . . , 1) constituem a base natural de Rp.
Seja U um subconjunto aberto do Rm.
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2 [CAP. I: CALCULO DIFERENCIAL
Uma funcao vetorial f : U → Rn fica perfeitamente determi-
nada por suas coordenadas
f1, . . . , fn : U → R,
definidas pela relacao
f(x) = (f1(x), . . . , fn(x)), x ∈ U.
Escrevemos f = (f1, . . . , fn).
fU
Rm
Rn
f(x)
f(U)
x
Figura 1.1.
Diz-se que a aplicacao f : U → Rn e diferenciavel no ponto
x ∈ U quando existe uma transformacao linear T : Rm → R
n tal
que
f(x+ h) = f(x) + T · h+ r(h), com limh→0
r(h)
|h| = 0.
(O donınio natural de uma aplicacao cuja diferenciabilidade que-
remos investigar e um conjunto aberto, a fim de que seja arbitrario
o modo pelo qual o ponto variavel x+ h tende para o ponto x.)
E facil de ver que as condicoes acima implicam:
T · h = limt→0
f(x+ th)− f(x)
t
o que e interpretado geometricamente pela Figura 1.2:
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[SEC. 1: ESPACO EUCLIDIANO DE DIMENSAO P 3
f
x
U
x+ hf(x)
f(x+ h)
Rm
Rn
Th
Figura 1.2.
E unica, portanto, a transformacao linear T : Rm → R
n que da
a boa aproximacao de f perto de x. Ela e chamada a derivada de
f no ponto x e e indicada por f ′(x) ou Df(x).
A aplicacao f e diferenciavel no ponto x se, e somente se, cada
uma de suas coordenadas f i o for. E alem disso vale a equacao
Df(x) · h = (Df1(x) · h, . . . ,Dfn(x) · h).
Se T e uma transformacao linear de Rm em R
n, isto e, T ∈L(Rm,Rn), a matriz de T em relacao as bases usuais do R
m e do
Rn e a matriz (tij) com n linhas e m colunas cujo elemento (i, j) e
a i-esima coordenada do vetor T ·ej ; imaginando cada T ·ej como
vetor-coluna, temos:
M(T ) = (T · e1 · · ·T · ej · · ·T · em).
A matriz associada a T = f ′(x) chama-se matriz jacobiana
de f no ponto x e e indicada por Jf(x). O elemento (i, j) desta
matriz e a i-esima coordenada do vetor∂f
∂xj(x) = f ′(x) · ej =
(Df1(x)·ej , . . . , Dfn(x)·ej), denominado j-esima derivada parcial
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4 [CAP. I: CALCULO DIFERENCIAL
de f no ponto x. Portanto
Jf(x) =
∂f1
∂x1(x)
∂f1
∂x2(x) . . .
∂f1
∂xm(x)
∂f2
∂x1(x)
∂f2
∂x2(x) . . .
∂f2
∂xm(x)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .∂fn
∂x1(x)
∂fn
∂x2(x) . . .
∂fn
∂xm(x)
2 Casos particulares
a) Seja J ⊂ R um intervalo aberto. Um caminho em Rn e
simplesmente uma aplicacao f : J → Rn.
Diz-se que o caminho f : J → Rn tem vetor-velocidade no ponto
t0 ∈ J se existe o limite
df
dt(t0) = lim
h→0
f(t0 + h)− f(t0)
h
cuja interpretacao e dada na Figura 1.3:
t0 + h
t0
Jf(t0)
f(t0 + h)f
dfdt
(t0)R
n
Figura 1.3.
O vetor-velocidadedf
dt(t0) existira se, e somente se, o caminho
f : J → Rn for diferenciavel no ponto t0 . A identificacao de f ′(t0)
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[SEC. 2: CASOS PARTICULARES 5
comdf
dt(t0) e dada pelo isomorfismo
L(R,Rn) ≈ Rn
T 7→ T · 1
ou seja,
df
dt(t0) = f ′(t0) · 1 = lim
h→0
f(t0 + h)− f(t0)
h·
b) Seja f : U ⊂ Rm → R uma funcao real diferenciavel em x ∈ U .
A derivada f ′(x) e um elemento de L(Rm,R) = (Rm)∗, espaco
dual do Rm. E tradicional chamar f ′(x) a diferencial de f no
ponto x e indica-la por df(x). A matriz jacobiana de f tem uma
linha e m colunas, a saber
Jf(x) =
(∂f
∂x1(x), . . . ,
∂f
∂xm(x)
).
Obtem-se assim a relacao classica df(x) · h =m∑i=1
∂f
∂xi(x) · hi.
O produto interno natural de Rm induz um isomorfismo
Rm ≈ (Rm)∗
x 7→ x∗, x∗(y) = 〈x, y〉.
O gradiente de f no ponto p ∈ U e o vetor grad f(p) ∈ Rm
que corresponde ao funcional linear f ′(p) ∈ (Rm)∗ por este iso-
morfismo.
Em outras palavras, o gradiente e caracterizado pela proprie-
dade
〈 grad f(p), v〉 = f ′(p) · v para todo v ∈ Rm.
Em particular, 〈 grad f(p), ei〉 =∂f
∂xi(p), ou seja,
grad f(p) =∑
i
∂f
∂xi(p)ei.
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6 [CAP. I: CALCULO DIFERENCIAL
A expressao de grad f(p) em termos de uma base arbitraria
(nao ortonormal) e complicada. A definicao intrınseca, que vimos
acima, e muito conveniente para as aplicacoes teoricas.
3 Derivadas de ordem superior
Dado U ⊂ Rm aberto, diremos que uma aplicacao
f : U → Rm e diferenciavel em U quando ela for diferenciavel
em todos os pontos x ∈ U . Define-se entao a aplicacao derivada
f ′ : U → L(Rm,Rn)
x 7→ f ′(x).
Algumas vezes imaginamos f ′ como sendo a aplicacao que a
cada x ∈ U associa a matriz jacobiana Jf(x). Deste modo, f ′ se
torna uma aplicacao de U em Rmn.
Dada T ∈ L(Rm,Rn), escreve-se |T | = sup|T ·u|;u ∈ Rm, |u| =
1. Isto define uma norma no espaco vetorial L(Rm,Rn). Como
f ′ toma valores nesse espaco, e natural indagar se f ′ e contınua
ou mesmo se f ′ tem derivada. Dizemos que f e continuamente
diferenciavel ou de classe C1, e escrevemos f ∈ C1, quando f e
diferenciavel em U e f ′ : U → L(Rm,Rn) e contınua.
Se f ′ : U → L(Rm,Rn) tem derivada no ponto x ∈ U , dizemos
que f e duas vezes diferenciavel no ponto x e escrevemos
f ′′(x) : Rm → L(Rm,Rn)
para indicar a derivada de f ′ em x. A rigor, f ′′(x) e um ele-
mento de L(Rm,L(Rm,Rn)), mas existe um isomorfismo natu-
ral L(Rm,L(Rm,Rn)) ≈ L2(Rm,Rn) que associa a cada trans-
formacao linear T : Rm → L(Rm,Rn) a transformacao bilinear
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[SEC. 3: DERIVADAS DE ORDEM SUPERIOR 7
T : Rm × R
m → Rn tal que T (u, v) = (T · u) · v. Isto nos per-
mite considerar a derivada segunda de f em x como sendo uma
transformacao bilinear, f ′′(x) : Rm × R
m → Rn.
As derivadas de ordem superior podem ser definidas indutiva-
mente. Se f : U ⊂ Rm → R
n e (k − 1)-vezes diferenciavel em U ,
entao
f (k−1) : U → Lk−1(Rm,Rn)
e uma aplicacao de U no espaco das aplicacoes (k− 1)-lineares de
Rm em R
n.
Se f (k−1) for diferenciavel no ponto x ∈ U , diremos que f e
k-vezes diferenciavel neste ponto. O isomorfismo canonico
L(Rm,Lk−1(Rm,Rn) ≈ Lk(Rm,Rn)
permite considerar a derivada de f (k−1) em x como sendo uma
aplicacao k-linear de Rm em R
n. Se f (k)(x) existe em cada ponto
x ∈ U , define-se a aplicacao f (k) : U → Lk(Rm,Rn), e se f (k) for
contınua diz-se que f e de classe Ck ou k-vezes continuamente
diferenciavel, e escreve-se f ∈ Ck ou f ∈ Ck(U,Rn).
O conjunto Ck(U,Rn) de todas as aplicacoes f : U → Rn que
sao k vezes continuamente diferenciaveis e um espaco vetorial real
(de dimensao infinita).
A importante classe C∞ das aplicacoes infinitamente diferen-
ciaveis e a intersecao de todas as classes Ck,
C∞ = C0 ∩ C1 ∩ C2 ∩ . . .
E claro que C∞ ⊂ · · · ⊂ Ck ⊂ Ck−1 ⊂ · · · ⊂ C1 ⊂ C0.
Pode-se mostrar que uma aplicacao f : U → R e de classe Ck se
existem, e sao contınuas em U , todas as derivadas parciais mistas
de f ate a ordem k inclusive. (Vide 1.6 adiante.)
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8 [CAP. I: CALCULO DIFERENCIAL
4 Versao intrınseca da regra da cadeia
Sejam U ⊂ Rm e V ⊂ R
n conjuntos abertos, f : U → Rn
uma aplicacao diferenciavel no ponto x ∈ U , com f(U) ⊂ V , e
g : V → Rp uma aplicacao diferenciavel no ponto y = f(x) ∈ V .
Entao a aplicacao composta gf : U → Rp e diferenciavel no ponto
x e (g f)′(x) = g′(y) f ′(x) : Rm → R
p.
E util ter em mente os diagramas
Uf g
V
g f (g f)′(x)
f ′(x)R
pR
mR
pg′(y)
Rn
Considerando as matrizes jacobianas de f , g e g f obtemos a
antiga regra da cadeia,
∂(gi f)
∂xj(x) =
n∑
k=1
∂gi
∂yk(f(x)) · ∂f
k
∂xj(x),
1 ≤ i ≤ p1 ≤ j ≤ m
·
Aplicacoes
1) Seja f : U → Rn diferenciavel em x0 ∈ U . Dado v ∈ R
m,
seja λ : t 7→ λ(t) um caminho em U , diferenciavel em t = 0, com
λ(0) = x0 e λ′(0) = v. Entao f ′(x0) · v e o vetor-velocidade do
caminho t 7→ f(λ(t)) em t = 0.
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[SEC. 4: VERSAO INTRINSECA DA REGRA DA CADEIA 9
λ
Rn
t
0
U
vf
f(x0)
f(λ(t))
f ′(x0) · v
λ(t)
x0
Rm
Figura 1.4.
2) Seja f : U → Rn diferenciavel em x ∈ U ⊂ R
m e admitamos que
f tem uma inversa g = f−1 : V → Rm, V ⊂ R
n, (isto e, f(U) = V ,
g(V ) = U , f g = idV e g f = idU ) que e diferenciavel no ponto
y = f(x). Entao f ′(x) : Rm → R
n e um isomorfismo, cujo inverso
e g′(y) : Rn → R
m. Em particular m = n.
Um difeomorfismo f : U → V e uma bijecao diferenciavel cuja
inversa e tambem diferenciavel. Se ambas, f e f−1 sao de classe
Ck, dizemos que f e um difeomorfismo de classe Ck.
A aplicacao t ∈ R 7→ t3 ∈ R e exemplo de um homeomorfismo
diferenciavel C∞ que nao e um difeomorfismo.
Para finalizar, examinaremos as derivadas sucessivas da apli-
cacao composta gf , onde g e f sao r vezes direrenciaveis.
A regra da cadeia pode escrever-se, resumidamente, como
(1) (gf)′ = g′f · f ′.
Isto significa, evidentemente, que (gf)′(x) = g′(f(x)) · f ′(x), para
cada x ∈ U , o ponto indicando composicao de aplicacoes lineares.
Observemos que, se L1 e L2 sao lineares (e a composta L2 ·L1 faz
sentido), a aplicacao (L1, L2) 7→ L2 · L1 e bilinear. Resulta entao
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10 [CAP. I: CALCULO DIFERENCIAL
da regra de derivacao de aplicacoes bilineares, que (1) acarreta
(gf)′′ = (g′f)′ · f ′ + g′f · f ′′.
Usando a regra da cadeia:
(2) (gf)′′ = g′′f · (f ′, f ′) + g′f · f ′′.
Na formula (2), usamos a notacao B · (L1, L2), onde B e bilinear
e L1 , L2 sao lineares, para indicar a aplicacao bilinear (h, k) 7→B(L1 · h, L2 · k). Observe-se que a aplicacao (B,L1, L2) 7→ B ·(L1, L2) e trilinear. Portanto, derivando (2), obtemos
(3) (gf)′′ = g′′f · (f ′, f ′, f ′) + 3g′′f · (f ′′, f ′) + g′f · f ′′.
Na formula (3), se L, L1 , L2 , L3 sao lineares, se B e bilinear e T e
trilinear, as notacoes T ·(L1, L2, L3) e T ·(B,L) indicam respectiva-
mente as aplicacoes trilineares (h1, h2, h3) 7→ T (L1 ·h1, L2 ·h2, L3 ·h3) e (h1, h2, h3) 7→ T (B(h1, h2), L · h3). De maneira analoga, de-
rivando (3), obteremos a formula para a 4a¯ derivada da composta
gf :
(gf)IV = gIVf · (f ′, f ′, f ′, f ′) + 6g′′f · (f ′′, f ′, f ′)(4)
+ 4g′′f · (f ′′, f ′) + 3g′′f · (f ′′, f ′′) + g′f · f IV.
As notacoes sao analogas as anteriores. De um modo geral, uma
inducao facil permite constatar que, dado i, para cada particao
i1 + · · · + ik = i, existe um inteiro n(i1, . . . , ik) tal que a i-esima
derivada da aplicacao composta gf tem a expessao seguinte:
(g f)(i) =
i∑
k=1
n(i1, . . . , ik)gkf ·
(f (i1), . . . , f (ik)
)
onde, para cada k, temos i1 + · · ·+ ik = i.
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[SEC. 5: A DESIGUALDADE DO VALOR MEDIO 11
5 A desigualdade do valor medio
Se x, y ∈ Rm, indiquemos por
[x, y] = x+ t(y − x); 0 ≤ t ≤ 1
o segmento de reta fechado ligando x e y. O correspondente seg-
mento de reta aberto e
(x, y) = x+ t(y − x); 0 < t < 1.
Seja f : U → Rn contınua no conjunto aberto U ⊂ R
m. Se
o segmento de reta fechado [x, x + h] esta contido em U e f e
diferenciavel em todos os pontos do segmento aberto (x, x + h),
entao
|f(x+ h)− f(x)| ≤M · |h|, onde M = sup0≤t≤1
|f ′(x+ th)|.
(Lembremos que se T : Rm → R
n e uma transformacao linear entao
|T | = sup|v|=1|T · v|. )
f(x)
f(x+ h)
f
Rn
x
x+ h
U
h
Figura 1.5.
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12 [CAP. I: CALCULO DIFERENCIAL
O quociente de |f(x+ h)− f(x)| por |h| nao excede
M = sup0≤t≤1
|f ′(x+ th)|.
Seja U ⊂ Rm aberto. Uma aplicacao diferenciavel f : U → R
n
diz-se uniformemente diferenciavel no conjunto X ⊂ U quando
para todo ε > 0 existe δ > 0 tal que |h| < δ implica |f(x + h) −f(x)− f ′(x) · h| < ε · |h|, seja qual for x ∈ X.
E uma consequencia da desigualdade do valor medio que se
K ⊂ U e compacto, entao toda aplicacao f : U → Rn, de classe
C1, e uniformemente diferenciavel em K. (Vide AERn, pag. 28.)
Como aplicacao deste fato, temos a proposicao abaixo. (Vide
AERn, pag. 31, Exercıcio 3.)
Proposicao. Seja f : U → Rn de classe C1 num aberto U ⊂
Rm. Se f ′(x) : R
m → Rn e injetiva em todos os pontos x de um
compacto K ⊂ U , entao existem numeros reais c > 0 e δ > 0 tais
que |f(y) − f(x)| ≥ c|y − x| quaisquer que sejam x ∈ K, y ∈ Ucom |g − x| ≤ δ.
Demonstracao: Definamos λ : K × Sm−1 → R pondo
λ(x, u) = |f ′(x) · u|. Como λ > 0 em todos os pontos do conjunto
compacto K × Sm−1, existe c > 0 tal que λ(x, u) ≥ 2c, sejam
quais forem x ∈ K, u ∈ Sm−1. Daı resulta que |f ′(x) · h| ≥ 2c · |h|para todo x ∈ K e todo h ∈ R
m. Ora, sendo f uniformemente
diferenciavel em K, existe δ > 0 tal que |h| < 0 implica x+h ∈ Ue |f(x+h)−f(x)−f ′(x) ·h| < c · |h| para todo x ∈ K. Consequen-
temente, se x ∈ K, y ∈ U e |y − x| < δ, teremos:
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[SEC. 6: DERIVADAS PARCIAIS 13
|f(y)− f(x)|= |f ′(x) · (y − x) + f(y)− f(x)− f ′(x) · (y − x)|≥ |f ′(x) · (y − x)| − |f(y)− f(x)− f ′(x) · (y − x)|≥ 2c · |y − x− c|y − x| = c · |y − x|.
6 Derivadas parciais
Seja Rm = E ⊕ F o espaco euclidiano R
m, escrito como soma
direta de dois subespacos E, F . Cada elemento z ∈ Rm e repre-
sentado por um par z = (x, y), x ∈ E, y ∈ F .
Dados um aberto U ⊂ Rm e uma aplicacao f : U → R
n, as de-
rivadas parciais de f num ponto (a, b) ∈ U sao aplicacoes lineares
∂1f(a, b) : E → Rn, ∂2f(a, b) : F → R
n, definidas pelas relacoes
f(a+ h, b)=f(a, b)+∂1f(a, b) · h+r1(h), com limh→0
r1(h)
|h| → 0
e
f(a, b+ k)=f(a, b)+∂2f(a, b) · k+r2(k), com limh→0
r2(k)
|k| → 0.
Naturalmente, f pode possuir uma, ambas, ou nenhuma das deri-
vadas parciais em um ponto (a, b) ∈ U .
A derivada parcial ∂1f(a, b), caso exista, e a derivada da apli-
cacao parcial x 7→ f(x, b) no ponto a ∈ E, estando tal aplicacao
definida em um aberto de E contendo a. Analogamente, ∂2f(a, b)
e a derivada, em b ∈ F , da aplicacao parcial y 7→ f(a, y).
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14 [CAP. I: CALCULO DIFERENCIAL
E imediato ver que, se f : U → Rn e diferenciavel no ponto z =
(a, b) ∈ U , entao as derivadas parciais existem e ∂1f(z) = f ′(z)|E,
∂2f(z) = f ′(z)|F . A recıproca e falsa, como se aprende no calculo
elementar.
O teorema abaixo da uma condicao suficiente para diferencia-
bilidade em termos de derivadas parciais.
Teorema. Sejam U ⊂ Rm um aberto e R
m = E ⊕ F uma decom-
posicao em soma direta. Uma aplicacao f : U → Rn e de classe
C1 se, e somente se, para todo z = (x, y) ∈ Rm as derivadas par-
ciais existem e, alem disso, as aplicacoes ∂1f : U → L(E,Rn) e
∂2f : U → L(F,Rn) sao contınuas.
No caso da decomposicao usual Rm = E1 ⊕ · · · ⊕ Em , onde
cada Ei e o subespaco unidimensional gerado pelo i-esimo vetor
basico ei , para cada z = (x1, . . . , xm), identificamos ∂if(z) com o
vetor
∂f
∂xi(x) = lim
t→0
f(x1, . . . , xi + t, . . . , xm)− f(x1, . . . , xm)
t·
Podemos entao enunciar o
Corolario. Seja U ⊂ Rm um aberto. Uma aplicacao f : U → R
n,
f(z) = (f1(z), . . . , fn(z)), e de classe Ck se, e somente se, todas
as derivadas parciais mistas
∂αf i
∂xi1 . . . ∂xiα(z), z ∈ U, 1 ≤ i ≤ n, 1 ≤ i1, . . . , iα ≤ m
de ordem α ≤ k existem e dependem continuamente de z ∈ U .
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[SEC. 7: O TEOREMA DA FUNCAO INVERSA 15
7 O teorema da funcao inversa
Sejam U ⊂ Rm um aberto e f : U → R
m uma aplicacao Ck
(1 ≤ k ≤ ∞) tal que, num ponto x0 ∈ U , a derivada f ′(x0) ∈L(Rm) e um isomorfismo. Entao f aplica difeomorficamente uma
vizinhanca menor V de x0 sobre uma vizinhanca W de f(x0).
x
Rn
Rm
V
U f(V ) = W
Figura 1.6.
Deve-se lembrar sempre que se f : U → V e um difeomorfismo
entao, para todo x ∈ U , f ′(x) : Rm → R
m e um isomorfismo, mas
o Teorema da Funcao Inversa nao e uma recıproca completa deste
fato. Ele permite apenas concluir que se f ∈ Ck (k ≥ 1) e f ′(x)e um isomorfismo para todo x ∈ U , entao f e um difeomorfismo
local, isto e, cada x ∈ U tem uma vizinhanca aplicada por f difeo-
morficamente sobre uma vizinhanca de f(x).
A aplicacao f : R2 → R
2, definida por f(z) = ez, fornece um
exemplo de difeomorfismo local C∞ que nao e globalmente um
difeomorfismo.
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16 [CAP. I: CALCULO DIFERENCIAL
O teorema da funcao inversa evidencia o fato de ser f ′(x0) uma
“boa aproximacao” de f , pois a informacao de que f ′(x0) e um
isomorfismo acarreta ser f biunıvoca em uma vizinhanca de x0 .
8 A forma local das submersoes e o teorema
das funcoes implıcitas
Seja U ⊂ Rm+n um aberto. Uma aplicacao diferenciavel
f : U → Rn chama-se uma submersao quando, para todo x ∈ U , a
derivada f ′(x) : Rm+n → R
n e sobrejetora. O exemplo tıpico e a
projecao
π : Rm+n = R
m × Rn → R
n
(x, y) 7→ y.
Com relacao ao teorema abaixo, lembramos que, dada uma
transformacao linear sobrejetora T : Rm+n → R
n, se tomamos
E = nucleo de T e
F = qualquer subespaco suplementar de E em Rm+n entao,
necessariamente, a restricao
T |F : F → Rn e um isomorfismo.
Teorema (forma local das submersoes). Sejam U ⊂ Rm+n um
aberto e f : U → Rn uma aplicacao de classe Ck, k ≥ 1. Suponha
que, no ponto z0 ∈ U , a derivada f ′(z0) : Rm+n → R
n e sobreje-
tora. Escolhida uma decomposicao em soma direta E⊕F = Rm+n
(z0 = (x0, y0)) tal que ∂2f(z0) = f ′(z0)|F e um isomorfismo, entao
f se comporta localmente como uma projecao. Com isto queremos
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[SEC. 8: FORMA DAS SUBMERSOES E O TEOREMA DAS FUNCOES 17
dizer que existem abertos V , W , Z, com
x0 ∈ V, V ⊂ E,z0 ∈ Z, Z ⊂ U,f(z0) ∈W, W ⊂ R
n,
e um difeomorfismo de classe Ck, h : V × W → Z tal que f h : (x,w) 7→ w.
Convem ter em mente a Figura 1.7, que poe em relevo o carater
geometrico do difeomorfismo h:
c = f(z0)
W
Rn
(x0, c)
(x, c)
x0
f
V ×W h
π = f h : (x,w) 7→ w
x VE
ZU
z0
ξ(x, c)
Figura 1.7.
Fazendo uso do teorema da funcao inversa podemos demons-
trar rapidamente a forma local das submersoes, como se segue:
Seja ϕ : U → E × Rn de classe Ck, definida por ϕ(x, y) =
(x, f(x, y)). A derivada ϕ′(z0) : Rm+n → E × R
n e dada pela
formula (h, k) 7→ (h, ∂1f(z0)·h+∂2f(z0)·k), h ∈ E, k ∈ F . Obser-
vemos que a aplicacao linear (u, v) 7→ (u, (∂2f(z0))−1
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18 [CAP. I: CALCULO DIFERENCIAL
(v−∂1f(z0) ·u)), u ∈ E, v ∈ Rn, e a inversa de ϕ′(z0) e ganhemos
o direito de aplicar o teorema da funcao inversa. Se escrevemos
f(z0) = c, ϕ e um difeomorfismo de classe Ck de uma vizinhanca
de z0 sobre uma vizinhanca de (x0, c). Esta ultima pode ser esco-
lhida na forma V ×W , onde V e aberto em E e W e aberto em
Rn. Ponhamos
Z = ϕ−1(V ×W ) e ϕ−1 : V ×W → Z.
Resta examinar o aspecto da composta f h.Como ϕ(x, y) = (x, f(x, y)) segue-se que h = ϕ−1 e da forma
h(x,w) = (x, h2(x,w)). Se (x,w) ∈ V ×W , entao
(x,w) = ϕ h(x,w)
= ϕ(x, h2(x,w))
= (x, f(x, h2(x,w)))
= (x, f h(x,w)).
Logo f h(x,w) = w, para todo (x, y) ∈ V ×W .
Corolario. Uma submersao de classe Ck (k ≥ 1) e uma aplicacao
aberta.
Observacoes:
1) Pode parecer estranho aplicar o teorema da funcao inversa a
ϕ : U ⊂ Rm+n → E×R
n pois E×Rn nao e um espaco euclidiano.
O leitor esta convidado a justificar esta passagem.
2) Da relacao f h = π : V × W → W resulta que a derivada
f ′(p) e sobrejetora para todo p ∈ Z. Assim o conjunto dos pontos
p ∈ Rm+n tais que f ′(p) e sobrejetora e aberto.
3) A decomposicao em soma direta Rm+n = E⊕F pode ser sempre
tomada com E e F gerados pelos eixos coordenados. E o que
faremos doravante em todas as aplicacoes. Com efeito:
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[SEC. 8: FORMA DAS SUBMERSOES E O TEOREMA DAS FUNCOES 19
Uma decomposicao em soma direta do tipo Rm+n = R
m⊕Rn si-
gnifica uma particao e1, . . . , em+n = ei1 , . . . , eim∪ej1 , . . . , ejnda base canonica do R
m+n. Dada a particao, pomos Rm ⊂ R
m+n
como sendo subespaco gerado por ei1 , . . . , eim e Rn ⊂ R
m+n
como o subespaco gerado pelos vetores restantes ej1 , . . . , ejn. E
obvio que Rm+n e a soma direta desses dois subespacos e escreve-
mos Rm+n = R
m ⊕ Rn.
Uma vez dada tal decomposicao, escrevemos os elementos de
Rm+n como pares z = (x, y), x ∈ R
m e y ∈ Rn. Por exemplo, seja
R3 = R
2⊕R, onde R2 e gerado por e1, e3 e R por e2 . Entao todo
z = (x1, x2, x3) sera denotado por z = (u, v), u = (x1, 0, x3) ∈ R2
e v = (0, x2, 0) ∈ R.
Dada uma aplicacao linear sobrejetora T : Rm+n → R
n, e-
xiste uma decomposicao Rm+n = R ⊕ R
n tal que T |Rn : Rn →
Rn e um isomorfismo. Basta observar que os vetores Te1, . . . ,
T em+n geram Rn e portanto e possıvel selecionar dentre eles uma
base Tej1 , . . . , T ejn. Sejam i1, . . . , im os ındices restantes. A
particao 1, 2, . . . ,m + n = i1, . . . , im ∪ j1, . . . , jn fornece a
decomposicao desejada.
4) Na demonstracao do teorema surgem fatos importantes,
que devemos destacar: o difeomorfismo h e da forma h(x,w) =
(x, h2(x,w)), x ∈ V , w ∈W . Isto significa que as “fibras” x×Wsao movimentadas apenas no sentido vertical, como aparece na
Figura 1.7. Outra novidade aparece se consideramos a aplicacao
ξ = ξ0 : V → F , ξ(x) = h2(x, c), de classe Ck. Observemos que
f(x, ξ(x)) = c para todo x ∈ V . Por outro lado, se (x, y) ∈ Z
e tal que f(x, y) = c, entao (x, y) = h ϕ(x, y) = h(x, c) =
(x, h2(x, c)) = (x, ξ(x)), ou seja, y = ξ(x). Este fato e o im-
portante teorema das funcoes implıcitas, que pode ser sintetizado
na seguinte afirmacao:
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20 [CAP. I: CALCULO DIFERENCIAL
O conjunto f−1(c)∩Z e o grafico da aplicacao x ∈ V 7→ ξ(x) =
h2(x, c) ∈ F , de classe Ck.
Em outras palavras, a equacao f(x, y) = c define, implicitamente,
na vizinhanca de x0 , a aplicacao y = ξ(x), de classe Ck cuja
derivada e dada por
ξ′(x) = −[∂2f(x, ξ(x))
]−1 ∂1f(x, ξ(x)).
O parametro c pode variar no aberto W . Conclui-se que
existem abertos V ⊂ E, contendo x0 , W ⊂ Rn contendo c e
Z ⊂ U contendo z0 tais que para cada y ∈ W e para cada x ∈ vexiste um unico ξ(x, y) = h2(x, y) ∈ F tal que (x, ξ(x, y)) ∈ Z
e f(x, ξ(x, y)) = y. Tal situacao fica tambem evidente na Figura
1.7.
Veremos no Capıtulo II que o conjunto f−1(c) ∩ Z e uma su-
perfıcie m-dimensional de classe Ck no Rm+n (secao 2.5.2).
9 A forma local das imersoes
Seja U ⊂ Rm um aberto. Uma aplicacao diferenciavel f : U →
Rm+n chama-se uma imersao quando, para cada x ∈ U , a deri-
vada f ′(x) : Rm → R
m+n e uma transformacao linear injetora. O
exemplo tıpico e a inclusao
i : Rm → R
m × Rn = R
m+n, x 7→ (x, 0).
Teorema (forma local das imersoes). Sejam U ⊂ Rm um aberto
e f : U → Rm+n uma aplicacao de classe Ck, k ≥ 1. Suponha
que no ponto x0 ∈ U a derivada f ′(x0) : Rm → R
m+n e injetora.
Entao f se comporta localmente como uma inclusao. Com isto
queremos dizer que existem abertos V , W , Z, com
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[SEC. 9: A FORMA LOCAL DAS IMERSOES 21
f(x0) ∈ Z, Z ⊂ Rm+n,
x0 ∈ V, V ⊂ U ⊂ Rm,
0 ∈W, W ⊂ Rn,
e um difeomorfismo de classe Ck, h : Z → V×W , tal que hf(x) =
(x, 0), para cada x ∈ V .
A Figura 1.8, que corresponde a m = n = 1, indica geometri-
camente a situacao geral. Convem entende-la bem.
h
V
U ⊂ Rm
x0
V i = h f0
W ⊂ Rn
π
x0
(x0, 0)
F
ξ
Z
f(x)
f E = f ′(x0) · Rm
Figura 1.8.
Demonstracao: Seja E = f ′(x0) ·Rm e escolhamos para F qual-
quer suplementar de E em Rm+n, ou seja, R
m+1 = E ⊕ F . De-
finamos a aplicacao de classe Ck, ϕ : U × F → Rm+n, dada por
ϕ(x, y) = f(x) + y. Entao ϕ(x0, 0) = f(x0) e, se (u, v) ∈ Rm × F ,
temos ϕ′(x0, 0) ·(u, v) = f ′(x0) ·u+v. E imediato ver que ϕ′(x0, 0)
e um isomorfismo. Pelo teorema da funcao inversa, ϕ e um difeo-
morfismo de classe Ck de uma vizinhanca de (x0, 0) sobre uma vi-
zinhanca de f(x0). Podemos escolher a primeira da forma V ×W ,
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22 [CAP. I: CALCULO DIFERENCIAL
com x0 ∈ V ⊂ U e 0 ∈ W ⊂ F , e escrever Z = ϕ(V × W ).
Seja h = ϕ−1 : Z → V ×W . Como ϕ(x, 0) = f(x), segue-se que
h f(x) = h ϕ(x, 0) = (x, 0), x ∈ V .
Para concluir, identificamos F com Rn (escolhendo uma base para
F ) a fim de simplificar o enunciado do teorema.
Observacao: Se π : V × W → V , π(x,w) = x, e a primeira
projecao, entao ξ = π h : Z → V goza da propriedade
ξ f(x) = π h f(x) = π(x, 0) = x. Portanto ξ|f(V ) = (f |V )−1.
Conclusao: f e um homeomorfismo de V sobre f(V ) cujo inverso
e a restricao a f(V ) da aplicacao ξ : Z → V de classe Ck. Esta
observacao sera de importancia no futuro.
A interpretacao intuitiva de uma imersao f : U → Rm+n (k ≥
1) e a seguinte: para cada conjunto aberto suficientemente pe-
queno V ⊂ U ⊂ Rm, f(V ) e uma “superfıcie m-dimensional no
Rm+n ” dotada de um “plano tangente” f(x)+f ′(x) ·Rm em cada
ponto f(x) ∈ f(V ). Este plano varia continuamente com x ∈ V .
Esta interpretacao geometrica das imersoes sera desenvolvida no
proximo capıtulo.
10 O teorema do posto
O posto de uma aplicacao linear T : Rm → R
n e a dimensao de
sua imagem T ·Rm, isto e, o numero maximo de vetores linearmente
independentes entre Te1, . . . , T em . O posto de T e igual a r
(ρ(T ) = r) se, e somente se, a matriz de T (relativamente as bases
canonicas de Rm e R
n, por exemplo) tem um determinante menor
r × r nao nulo e todo determinante menor de ordem r + 1 e nulo.
O posto de uma aplicacao diferenciavel f : U ⊂ Rm → R
n num
ponto x ∈ U e, por definicao, o posto de sua derivada f ′(x) : Rm →
Rn. Por exemplo, uma submersao f : U → R
n tem posto n em
todo ponto x ∈ U . Analogamente, uma imersao f : U ⊂ Rm → R
n
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[SEC. 10: O TEOREMA DO POSTO 23
tem posto m em cada ponto. Por esta razao, as submersoes e as
imersoes sao denominadas as aplicacoes de posto maximo.
A aplicacao que associa a cada x ∈ U o posto de f em x e
semi-contınua inferiormente. Mais precisamente, se f tem posto r
num ponto x ∈ U , existe uma vizinhanca V do ponto x tal que f
tem posto ≥ r em todos os pontos de V . Com efeito, existe um
determinante menor r × r nao nulo da matriz jacobiana Jf(x).
Por continuidade, este menor nao se anula em uma vizinhanca V
do ponto x, de modo que o posto de f e ≥ r em todos os pontos
de V .
O teorema a ser demonstrado nesta secao estuda as aplicacoes
de posto constante. Contem, como casos particulares, as formas
locais das aplicacoes de posto maximo.
Lembramos que um subconjunto A de um espaco vetorial E e
convexo se, para cada par de pontos x, y ∈ A, o segmento de reta
[x, y] esta contido em A. Por exemplo, uma bola aberta Bδ(a), de
centro em a e raio δ, num espaco normado, e convexa. Realmente,
dados x, y ∈ Bδ(a) e 0 < t < 1, temos |[(1 − t)x + ty] − a| =
|(1−t)(x−a)+t(y−a)| ≤ (1−t)|x−a|+t|y−a| < (1−t)δ+tδ = δ.
A bola fechada de centro a e raio δ tambem e convexa.
Se A ⊂ E × F e subconjunto do produto cartesiano de dois
espacos vetoriais, dizemos que A e verticalmente convexo se todo
segmento de reta vertical [(x, y′), (x, y′′)] cujas extremidades estao
em A, esta inteiramente contido em A. Por exemplo, se A = V ×Wonde V e qualquer subconjunto de E e W ⊂ F e convexo, entao
k e verticalmente convexo.
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24 [CAP. I: CALCULO DIFERENCIAL
E
A = V ×WW
F
B
V
Figura 1.9. Os conjuntos A e B sao verticalmente convexos.
Lema 1. Seja U ⊂ Rm × R
n um aberto verticalmente convexo.
Se f : U → Rp tem segunda derivada parcial ∂2f identicamente
nula em U entao f e independente da segunda variavel, isto e,
f(x, y) = f(x, y′) para quaisquer (x, y) e (x, y′) em U .
Demonstracao: Dados (x, y) e (x, y′) ∈ U , o caminho
ϕ : [0, 1]→ Rp dado por ϕ(t) = f(x, (1−t)y+ty′) esta bem definido
e e diferenciavel. Como ϕ′(t) = ∂2f(u, (1− t)y+ ty′) · (y′− y) = 0
para todo t ∈ [0, 1], resulta que ϕ e constante. Em particular,
ϕ(0) = ϕ(1), ou seja f(x, y) = f(x, y′).
Lema 2. Seja E ⊂ Rm+p um subespaco m-dimensional. Existe
uma decomposicao em soma direta Rm+p = R
m ⊕ Rp tal que a
primeira projecao π : Rm+p → R
m, π(u, v) = u, aplica E isomor-
ficamente sobre Rm.
Demonstracao: Escolhamos uma base u1, . . . , um em E. A
menos que seja E = Rm+p (isto e, p = 0) existe um vetor basico
ej1 ∈ Rm+p − E. Entao u1, . . . , um , ej1 sao linearmente inde-
pendentes e geram um subespaco E1 ⊂ Rm+p. A menos que
E1 = Rm+p (p = 1), existe um vetor basico ej2 ∈ R
m+p − E1 .
Entao u1, . . . , um , ej1 , ej2 sao linearmente independentes. Pros-
seguindo o raciocınio, obteremos vetores basicos ej1 , . . . , ejp tais
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[SEC. 10: O TEOREMA DO POSTO 25
que u1, . . . , um, ej1 , . . . , ejp seja uma base do Rm+p. Isto deter-
mina as decomposicoes em soma direta Rm+p = R
m⊕Rp = E⊕R
p.
A projecao π, relativa a primeira decomposicao, transforma Rp em
zero, logo aplica E isomorficamente sobre Rm.
Teorema do Posto. Sejam U ⊂ Rm+n um aberto e f : U →
Rm+p uma aplicacao de classe Ck (k ≥ 1). Suponha que f tem
posto m em todos os pontos de U . Entao, para todo z0 ∈ U existem
difeomorfismos de classe Ck
α, de um aberto do Rm × R
n sobre uma vizinhanca de z0
β, de uma vizinhanca de f(z0) sobre um aberto em Rm × R
p.
tais que β f α : (x, y) 7→ (x, 0)
βf(Z) = V × 0
V ×W ′ ⊂ Rm × R
p
(x0, 0) (x, 0)
βfα : (x,w) 7→ (x, 0)
f
α
Rp Z′
f(Z)
f(z0)
β
V ×W ⊂ Rm × R
n
f(U)
Rm
U ⊂ Rm+n
Z
(x, y)
(x0, y0)
z0
Figura 1.10.
Demonstracao: Sejam z0 ∈ U , arbitrario, e E = f ′(z0) ·Rm+n ⊂Rm+p. Pelo Lema 2 existe uma decomposicao em soma direta
Rm+p = R
m⊕Rp cuja primeira projecao aplica E isomorficamente
sobre Rm. Entao (π f)′(z0) = π f ′(z0) : R
m+1 → Rm e sobre-
jetora. Pela forma local das submersoes existe um difeomorfismo
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26 [CAP. I: CALCULO DIFERENCIAL
α ∈ Ck de um aberto V0×W ⊂ Rm×R
n sobre uma vizinhanca de
z0 tal que πfα(x, y) = x. Isto significa que fα(x, y) = (x, λ(x, y))
onde λ : V0 ×W → Rp e de classe Ck.
Afirmacao: ∂2λ ≡ 0. Realmente, para cada ponto (x, y) ∈ V0×Wtem-se
(f α)′ : (h, k) 7→ (h, ∂1λ · h+ ∂2λ · k), h ∈ Rm, k ∈ R
n.
Segue-se que π (fα)′ : (h, k) 7→ h. Se denotarmos por Exy a
imagem da aplicacao linear (fα)′(x, y), levando em conta que
dimExy = m concluiremos que π leva isomorficamente Exy sobre
Rm, para cada (x, y) ∈ V0 ×W . Se em algum ponto (x, y) a de-
rivada ∂2λ fosse nao-nula, isto e, ∂2λ · k 6= 0 para algum k ∈ Rn,
entao (fα)′(0, k) = (0, ∂2λ · k) 6= 0. Por conseguinte, π levaria um
vetor nao-nulo de Exy no zero, o que contradiz a condicao de iso-
morfismo. Podemos supor que W e conexo. Pelo Lema 1 resulta
que λ(x, y) nao depende de y.
Seja α(x0, y0) = z0 . Consideremos a injecao i : V0 → V0 ×W ,
dada por i(x) = (x, y0). Entao fα(x, y) = fαi(x) = (x, λ(x, y0))
para todo (x, y) ∈ V0 ×W . Como fαi tem derivada injetora em
x0 , podemos aplicar a forma local das imersoes: existe um difeo-
morfismo β ∈ Ck, de uma vizinhanca de f(z0) sobre um aberto
em Rm × R
p tal que βfαi : x 7→ (x, 0), x ∈ V ⊂ V0 . (V e uma
vizinhanca de x0 , possivelmente menor que V0).
Finalmente, β f α(x, y) = β f α i(x) = (x, 0), o que
conclui a demonstracao.
Proposicao. Sejam U ⊂ Rm um aberto e f : U → R
n de classe
C1. Para cada r = 0, 1, . . . , p (p = minm,n), seja Ar o interior
do conjunto dos pontos x ∈ U nos quais f tem posto r. Entao
A = A0 ∪ · · · ∪Ap e (aberto e) denso em U .
Demonstracao: Seja V um subconjunto aberto nao vazio de U .
Queremos mostrar que V ∩A 6= ϕ. Consideremos um ponto x ∈ V
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[SEC. 10: O TEOREMA DO POSTO 27
onde o posto de f assume seu valor maximo r0 em V . Como a
aplicacao x ∈ U 7→ ρ(f ′(x)) e semi-contınua inferiormente, existe
uma vizinhanca W ⊂ U de x na qual o posto de f e ≥ r0 . Entao o
posto de f e exatamente igual a r0 em todos os pontos de W ∩ V .
Ou seja, ϕ 6= W ∩ V ⊂ Ar0 . Logo V ∩A 6= ϕ.
Corolario 1. Dada f : U → Rn de classe C1, existe um subcon-
junto aberto denso A ⊂ U tal que o posto de f e constante em
cada componente conexa de A.
A0
A1
A2
A1
Figura 1.11.
Corolario 2. Seja U ⊂ Rm aberto. Se uma aplicacao f : U → R
n
de classe C1 e 1− 1, entao m ≤ n e o conjunto dos pontos x ∈ Utais que f ′(x) : R
m → Rn e injetora e aberto e denso em U .
Demonstracao: Seja A = A0∪· · ·∪Ap, p = minm,n, como na
proposicao. Pelo teorema do posto, f nao pode ser injetora em Ar,
a menos que r = m = p. Portanto m ≤ n e Ar = ϕ para r 6= m,
de modo que A = Am. Isto demonstra o corolario, pois o conjunto
dos pontos x ∈ U tais que f ′(x) tem posto m e claramente aberto.
Corolario 3. Seja U ⊂ Rm aberto. Se uma aplicacao f : U → R
n
de classe C1 e aberta, entao m ≥ n e o conjunto dos pontos x ∈ Utais que f ′(x) : R
m → Rn e sobrejetora e aberto e denso em U .
A demonstracao e, mutatis mutandis, como a anterior.
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28 [CAP. I: CALCULO DIFERENCIAL
11 Campos de vetores em Rn
Seja U um subconjunto aberto em Rn. Um campo de vetores
em U e simplesmente uma aplicacao v : U → Rn. Se v ∈ Ck
dizemos que o campo de vetores e de classe Ck.
Sejam p ∈ U e v : U → Rn um campo vetorial de classe Ck.
Chama-se curva integral do campo v, com condicao inicial p, a um
caminho diferenciavel λ : J → U , definido num intervalo aberto
contendo 0 ∈ R, tal que λ(0) = p e λ′(t) = v(λ(t)) para todo
t ∈ J .
Visualizamos o campo v associando um vetor v(x) ∈ Rn a cada
ponto x ∈ U . O vetor-velocidade de uma curva integral de v num
determinado ponto e justamente o vetor associado a este ponto
pelo campo v.
xv(x)
U
Figura 1.12.
Consideraremos agora o teorema de existencia e unicidade das
curvas integrais.
Teorema. Sejam U um subconjunto aberto do Rn e v : U → R
n
um campo vetorial de classe C1. Dado qualquer p ∈ U , existe uma
curva integral λ : (−c, c) → U do campo v com condicao inicial
λ(0) = p. Se µ : (−ε, ε) → U for outra curva integral de v com
µ(0) = p, entao λ = µ num intervalo (−δ, δ) ⊂ (−c, c) ∩ (−ε, ε).
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[SEC. 11: CAMPOS DE VETORES EM RN 29
Demonstracao: Seja B uma bola fechada de centro p, na qual
as normas |v| e |v′| sao limitadas por uma constante k > 0. Em
particular, x, y ∈ B implica |v(x) − f(y)| ≤ k|x − y|. Seja c um
numero real positivo tal que o produto ck seja menor do que 1 e
do que o raio de B.
Consideremos o espaco metrico E, formado pelos caminhos
contınuos λ : [−c, c]→ B, com a metrica da convergencia uniforme.
Sabe-se que E e completo. Definamos uma aplicacao f : E → E
pondo, para cada λ ∈ E, f(λ) = µ, onde
µ(t) = p+
∫ t
0v(λ(s)) ds.
Note-se que |µ(t)−p| ≤ ck < raio de B, donde µ(t) ∈ B e portanto
µ ∈ E. Observe-se tambem que se µ1 = f(λ1) e µ2 = f(λ2) entao,
para cada t,
|µ1(t)− µ2(t)| ≤∫ t
0|v|λ1(s))− v(λ2(s))|ds ≤
≤ ck · sups|λ1(s)− λ2(s)|
e portanto d(µ1, µ2) ≤ ck · d(λ1, λ2). Como ck < 1, ve-se que
f : E → E e uma contracao. Pelo teorema do Ponto Fixo para
contracoes (ver [2], Capıtulo X, Proposicao 9), existe um unico
caminho λ : [−c, c]→ B tal que f(λ) = λ. Isto significa
λ(t) = p+
∫ t
0v(λ(s)) ds.
Pelo Teorema Fundamental do Calculo, esta igualdade equivale a
afirmar
λ′(t) = v(λ(t)), λ(0) = p.
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30 [CAP. I: CALCULO DIFERENCIAL
Logo λ e uma curva integral com origem em p. Dada qualquer
outra curva integral µ : (−ε, ε) → U com µ(0) = p, podemos res-
tringir λ e µ a um intervalo [−δ, δ] tal que δk < 1 e δk < raio de
B. Entao λ = µ em [−δ, δ] pela unicidade do ponto fixo.
12 Referencias
[1] Serge Lang - Analysis I, Addison-Wesley, Reading 1968.
[2] Elon L. Lima - Analise no Espaco Rn, Colecao Matematica
Universitaria, IMPA, 2004.
[3] Walter Rudin - Princıpios de Analise Matematica, Ao Livro
Tecnico, Rio, 1970.
[4] Michael Spivak - Calculus on Manifolds, Benjamin, New
York, 1966.
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Capıtulo II
Superfıcies nos Espacos
Euclidianos
A nocao de superfıcie de dimensao m num espaco euclidiano
Rn (n ≥ m) e generalizacao direta dos objetos que econtramos
na geometria diferencial classica – as curvas em R3 ou R
2 que
possuem vetor tangente em cada ponto e as superfıcies em R3 que
possuem plano tangente em cada ponto.
1 Parametrizacoes
Seja U0 um subconjunto aberto de Rm. Uma imersao de classe
Ck, ϕ : U0 → Rn, diz-se um mergulho de classe Ck de U0 em R
n,
quando ϕ e um homeomorfismo de U0 sobre ϕ(U0).
Dizemos tambem que ϕ e uma parametrizacao de classe Ck e
dimensao m do subconjunto U = ϕ(U0) ⊂ Rn.
Em relacao a injetividade de ϕ′(x) : Rm → R
n, lembremos que
as seguintes condicoes sao equivalentes:
(i) ϕ′(x) : Rm → R
n e injetora.
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32 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
(ii)∂ϕ
∂xj(x) = ϕ′(x) · ej , j = 1, . . . ,m sao vetores linearmente
independentes.
(iii) A matriz jacobiana n×m, Jϕ(x) =
(∂ϕi
∂xj(x)
), tem postom,
isto e, algum de seus determinates menores m×m e distinto
de zero.
Rm
x0e1
e2
U0
Rn
∂ϕ
∂x2
ϕ∂ϕ
∂x1
U
x = ϕ(x0)
Figura 2.1.
Exemplos:
1) Parametrizacoes de dimensao 1.
Seja J um intervalo aberto de numeros reais. Um caminho de
classe Ck, ϕ : J → Rn, e um mergulho se, e somente se, ϕ : J →
ϕ(J) e um homeomorfismo e o vetor velocidade ϕ′(t) nunca se
anula. Existem imersoes biunıvocas C∞ de um intervalo aberto
dos reais em R2 que nao sao homeomorfismos sobre sua imagem.
Voltaremos a tratar do assunto posteriormente. A Figura 2.2 ilus-
tra esta situacao:
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[SEC. 1: PARAMETRIZACOES 33
R
ϕ
∞
∞
R2
R
ψ
Figura 2.2.
2) Parametrizacoes de dimensao 2 em R3.
Seja U0 um subconjunto aberto em R2 e ϕ : U0 → U = ϕ(U0) ⊂
R3, ϕ(u, v) = (ϕ1(u, v), ϕ2(u, v), ϕ3(u, v)) uma parametrizacao de
classe Ck.
O conjunto U = ϕ(U0) e chamado uma superfıcie local. A
independencia linear dos vetores
∂ϕ
∂u=
(∂ϕ1
∂u,∂ϕ2
∂u,∂ϕ3
∂u
)e
∂ϕ
∂v=
(∂ϕ1
∂v,∂ϕ2
∂v,∂ϕ3
∂v
)
e equivalente a ser nao-nulo o produto vetorial n = n(u, v) =∂ϕ
∂u× ∂ϕ
∂v, chamado vetor normal a U no ponto ϕ(u, v).
R3
U0
n(u, v)
∂ϕ∂u
∂ϕ∂v
ϕ(u, v)
U
R2
ϕ
Figura 2.3.
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34 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
2 A nocao de superfıcie
Rn
U
M
ϕ
U0
Rm
p
Figura 2.4.
Definicao: Uma superfıcie m-dimensional do Rn (de classe Ck) e
um subconjunto nao vazio
M = Mm ⊂ Rn
no qual todo ponto p possui uma vizinhanca aberta U dotada de
uma parametrizacao de classe Ck e dimensao m.
O conjunto M tem a topologia induzida de Rn. Assim a vizi-
nhanca U e a intersecao de M com um conjunto aberto em Rn.
O numero n−m e chamado a co-dimensao de M em Rn.
Uma superfıcie de dimensao n no Rn+1 e denominada uma
hiperfıcie.
Uma superfıcie zero-dimensional em Rn e um conjunto de pon-
tos isolados. Uma superfıcie de dimensao n em Rn e um subcon-
junto aberto de Rn. Vemos assim que os casos extremos nao tem
maior importancia. Mais interessante e o exemplo abaixo.
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[SEC. 2: A NOCAO DE SUPERFICIE 35
y
S2 ⊂ R3
x
z
Figura 2.5.
A esfera unitaria de dimensao n e o conjunto
Sn = y ∈ Rn+1; 〈y, y〉 = 1.
Sn e uma hiperfıcie compacta de classe C∞ em Rn+1. Vamos
mostrar que 2(n + 1) parametrizacoes sao suficientes para cobrir
a esfera.
Para cada i = 1, 2, . . . , n+ 1, ponhamos:
H+i = y ∈ R
n+1; yi > 0 e H−i = y ∈ R
n+1; yi < 0.
Estes sao os semi-espacos abertos determinados pelo hiperplano
yi = 0.
Os conjuntos
U+i =H+
i ∩Sn=y∈Sn | yi>0 e U−i =H−
i ∩Sn = y∈Sn | yi<0
sao abertos em Sn en+1⋃i=1
(U+i ∪ U−
i ) = Sn. Cada uma destas
vizinhancas U+i e dotada de uma parametrizacao de classe C∞, a
saber
ϕ±i : B → U±
i ; i = 1, . . . , n+ 1
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36 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
x = (x1, . . . , xn) 7→ (x1, . . . , xi−1,±√
1 = |x|2, xi, . . . , xn).
Estamos indicando com B a bola aberta de centro 0 e raio 1 em
Rn: B = x ∈ R
n; |x| < 1.Para n = 1 temos S1 = (x, y) ∈ R
2;x2 + y2 = 1, o cırculo
unitario do plano. O procedimento acima consiste em tomar y
como parametro nos semi-cırculos abertos U+1 = (x, y) ∈ S1;x >
0 e U−1 = (x, y) ∈ R
2;x < 0, enquanto que x sera o parametro
em U+2 e U−
2 . Um parametro mais natural para o S1 e o angulo,
que passamos a descrever no fim da secao 3.
3 Mudanca de coordenadas
Sejam M = Mm ⊂ Rn uma superfıcie de classe Ck e ϕ : U0 →
U uma parametrizacao do aberto U ⊂ M . Os pontos de U sao
determinados por m quantidades (ou parametros):
(x1, . . . , xm) ∈ U0 7→ p = ϕ(x1, . . . , xm) ∈ U.
Se V0 e um conjunto aberto do Rm e ξ : V0 → U0 e um difeo-
morfismo de classe Ck, entao
ϕ ξ : V0 → U
e ainda uma parametrizacao de U . A aplicacao ξ e normalmente
denominada uma mudanca de coordenadas (Fig. 2.6).
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[SEC. 3: MUDANCA DE COORDENADAS 37
Rn
x = (x1, . . . , xm)
U0
y = (y1, . . . , ym)
Rm
V0
Up
M
ψ
ξ
ϕ
Figura 2.6.
Mostremos agora que esta e a unica maneira de obter novas
parametrizacoes de U .
Se ϕ : U0 → U e ψ : V0 → V sao parametrizacoes em M tais
que U ∩ V 6= ϕ, e evidente que a aplicacao
ξ = ψ−1 ϕ : ϕ−1(U ∩ V )→ ψ−1(U ∩ V )
e um homeomorfismo entre abertos do Rm.
ψU0
UV
ξ = ψ−1 ϕ
V0
ϕM
Figura 2.7.
Mas nao se pode concluir de imediato a diferenciabilidade de
ψ−1 ϕ, visto que ψ−1 nao esta definida num aberto do Rn. Para
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38 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
contornar esta dificuldade, apresentamos o seguinte resultado, que
da conta de uma situacao um pouco mais geral.
Proposicao 1. Sejam V0 um subconjunto aberto do Rm e ψ : V0 →
V uma parametrizacao de classe Ck do conjunto V ⊂ Rn. Dados
U0 ⊂ Rr, aberto, e f : U0 → V ⊂ R
n de classe Ck, entao:
(i) a composta ψ−1 f : U0 → V0 ⊂ Rm e de classe Ck
(ii) para x ∈ U0 e z = ψ−1f(x) temos (ψ−1f)′(x) = [ψ′(z)]−1f ′(x).
Demonstracao: (i) Como ψ : V0 → V e uma imersao (injetora)
Ck, para cada ponto p ∈ V existem um aberto Z em Rn que
o contem e uma aplicacao de classe Ck, g : Z → Rm, tal que
g|(V ∩ Z) = ψ−1 (v. observacao da secao 9 do Cap. I).
Seja p um ponto arbitrario de f(U0) ⊂ V . Entao ψ−1 f =
g f : f−1((U0) ∩ Z) ⊂ Rr → R
m. Resulta entao que ψ−1 f e de
classe Ck, pois f e g o sao.
x
U0
Rr
Rn
p
z
Rm
ψ−1 f
Vf
ψ
f(U0)
V0
Figura 2.8.
(ii) Ponha h = ψ−1 f e aplique a regra da cadeia a igualdade
ψ h = f .
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[SEC. 3: MUDANCA DE COORDENADAS 39
Corolario. Sejam U0 e V0 subconjuntos abertos em Rm e ϕ : U0 →
V , ψ : V0 → V parametrizacoes de classe Ck do mesmo conjunto
V ⊂ Rn. Entao a mudanca de coordenadas ξ = ψ−1 ϕ e um
difeomorfismo de classe Ck.
O Corolario acima permite estender o conceito de aplicacao
diferenciavel, ate agora so definido no caso em que o domınio era
um aberto do espaco euclidiano.
Seja Mm ⊂ Rn uma superfıcie de classe Ck. Diremos que uma
aplicacao f : M → Rs e diferenciavel num ponto p ∈ M quando
existe uma parametrizacao ϕ : U0 → U , de classe Ck, com p ∈ U ,
tal que f ϕ : U0 → Rs e diferenciavel no ponto p0 ∈ U0 , onde
ϕ(p0) = p. Segue-se da Proposicao 1 que f ψ = (f ϕ) (ϕ−1 ψ)
e diferenciavel no ponto ϕ−1(p), seja qual for a parametrizacao ψ,
de classe Ck, de uma vizinhanca de p. Esta definicao nao depende,
portanto, da parametrizacao ϕ escolhida.
Ve-se facilmente como estender a aplicacao f : Mm → Rs a
nocao de classe Ck. Observa-se, porem, que tal nocao tem sentido
apenas quando M e uma superfıcie de classe Ck. Do contrario,
f ϕ pode ser de classe Ck para uma certa parametrizacao ϕ sem
que o seja para outras.
Se tivermos Mm ⊂ Rr e Nn ⊂ R
s superfıcies de classe Ck,
diremos que f : M → N e diferenciavel no ponto p ∈ M quando,
considerada como aplicacao de M em Rs, f for diferenciavel
naquele ponto.
Analogamente se define f : Mm → Nn de classe Ck: para cada
p ∈ M deve existir uma parametrizacao ϕ : U0 → U ⊂ M , de
classe Ck, com p ∈ U , tal que f ϕ : U0 → N ⊂ Rs seja de classe
Ck. Pela Proposicao 1, f ϕ ∈ Ck seja qual for a parametrizacao
ϕ : U0 → U , de classe Ck, com p ∈ U .
Observemos o seguinte: a fim de que f : M → N seja de classe
Ck e necessario e suficiente que, para todo p ∈ M existam para-
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40 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
metrizacoes Ck, ψ : V0 → V ⊂ N e ϕ : U0 → U ⊂ M , com p ∈ U ,
f(U) ⊂ V e tais que ψ−1 f ϕ : U0 → V0 ⊂ Rn seja de classe Ck.
p
NV
M
f(p)
U f
ψ
ψ−1 f ϕ
Rm
U0
Rn
V0
ϕ
Figura 2.9.
Demonstracao: Seja f : M → N de classe Ck. Dado p ∈ M ,
tomemos uma parametrizacao ψ : V0 → V ⊂ N de classe Ck, com
f(p) ∈ V , V0 ⊂ Rn. Como f e contınua, existe uma parame-
trizacao ϕ : U0 → U ⊂ M , com p ∈ U , tal que f(U) ⊂ V . Por
definicao de f ∈ Ck, vemos que f ϕ : U0 → V ⊂ Rs e de classe
Ck. Em virtude da Proposicao 1, segue-se que ψ−1 f ϕ : U0 →V0 ⊂ R
n e de classe Ck. A recıproca e deixada a cargo do leitor.
Corolario. Se f : M → N e g : N → P sao de classe Ck entao
g f : M → P e de classe Ck.
Por exemplo, se Mm ⊂ Rr e uma superfıcie de classe Ck, entao
a aplicacao da inclusao i : Mm → Rr e de classe Ck. Do mesmo
modo, se Mm ⊂ W , onde W e um aberto em Rr, a aplicacao de
inclusao i : M → W tambem e de classse Ck. Se f : W → Rs for
de classe Ck, entao a restricao f |M : M → Rs sera de classe Ck
(estamos supondo M ∈ Ck!) pois f |M = i f , logo podemos
aplicar o Corolario.
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[SEC. 3: MUDANCA DE COORDENADAS 41
Exemplo - (O angulo como parametro em S1.)
A aplicacao exponencial de R em R2 e o homomorfismo do
grupo aditivo dos reais no grupo multiplicativo dos numeros com-
plexos, dado por
ξ : R→ R2, t 7→ eit = (cos t, sen t).
A exponencial ξ e uma imersao C∞ nao-injetora, pois ξ′(t) =
(− sen t, cos t) 6= 0 para todo t, e ξ(s) = ξ(t) se, e so se, s−t = 2kπ,
k ∈ Z. Intuitivamente, ξ enrola a reta em torno de S1, sem estica-
la, no sentido anti-horario. O numero t e uma determinacao do
angulo (em radianos) que ξ(t) ∈ S1 faz com o semi-eixo positivo
dos x.
V0
x
ξ(t)
t
t
U0
R
ϕ
ξ
Figura 2.10.
Seja t ∈ R, arbitrario, porem fixo neste raciocınio. Seja ϕ
uma parametrizacao C∞ de uma vizinhanca de ξ(t) ∈ S1, com
ϕ(x) = ξ(t) (ϕ pode ser uma das parametrizacoes anteriormente
construıdas). Como [ϕ−1 ξ]′(t) = [ϕ′(x)]−1 ξ′(t) 6= 0, o teo-
rema da funcao inversa garante que ϕ−1 ξ e um difeomorfismo
de uma vizinhanca U0 de t ∈ R sobre uma vizinhanca V0 de x ∈ R
(Fig. 2.6). Consequentemente, ξ = ϕ (ϕ−1 ξ) : U0 → ξ(U0) e um
homeomorfismo. Em outras palavras, a exponencial ξ : R → S1
e um homeomorfismo local. A conclusao e que em cada intervalo
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42 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
aberto (a, b) ⊂ R com b− a ≤ 2π, a exponencial
ξ : (a, b)→ S1
e uma parametrizacao do cırculo. Ela e geometricamente mais
significativa que as parametrizacoes ϕ±i descritas anteriormente.
0
ϕ
x
t
π
ξ
p = (cos t, sin t) =“
x,√
1 − x2”
t (1, 0)(−1, 0)
ϕ−1 ξ : (0, π)→ (−1, 1)
x 1-1 0
7→ x = cos tt
Figura 2.11.
4 O espaco tangente
Uma caracterıstica importante das superfıcies diferenciaveis e
que elas possuem, em cada ponto, uma aproximacao linear, que e
seu plano tangente.
Sejam M = Mm ⊂ Rn uma superfıcie de dimensao m e classe
Ck (k ≥ 1). Seja ϕ : U0 → U uma parametrizacao com p = ϕ(x) ∈M , x ∈ U0 . O espaco tangente a M no ponto p e o espaco vetorial
de dimensao m
TMp = ϕ′(x) · Rm.
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[SEC. 4: O ESPACO TANGENTE 43
Os vetores∂ϕ
∂xi(x) = ϕ′(x) · ei , i = 1, . . . ,m formam uma base de
TMp .
Esta definicao so tera utilidade se mostramos que o espaco
tangente em p independe da escolha da parametrizacao ϕ. Seja
ψ : V0 → V uma outra parametrizacao em p. Seja ξ = ψ−1 ϕ : ϕ−1(U ∩ V ) → ψ−1(U ∩ V ) a mudanca de coordenadas, como
p = ϕ(x) = ψ(z). Ora, ξ e difeomorfismo, logo ξ ′(x) · Rm = Rm.
Finalmente, pela regra da cadeia, temos
ϕ′(x) · Rm = ψ′(z) · ξ′(x) · Rm = ψ′(z) · Rm.
U ∩ V
ϕ−1(U ∩ V ) ψ−1(U ∩ V )-ξ
*ϕ Y ψ
Rn
Rm
Rm-
ξ′(x)
ϕ′(x) I ψ′(z)
A proposicao abaixo da uma caracterizacao para TMp que e
bastante significativa por seu conteudo geometrico:
Proposicao 2. Os elementos de TMp sao os vetores-velocidade
em p dos caminhos diferenciaveis contidos em M que passam por
p. Mais precisamente,
TMp=v=λ′(0);λ : (−ε, ε)→M⊂Rn diferenciavel, λ(0)=p.
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44 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
Demonstracao: Seja v ∈ TMp . Por definicao do espaco tangente
TMp , existe uma parametrizacao ϕ : U0 → U com ϕ(x) = ϕ tal
que
v = ϕ′(x) · u = limt7→0
ϕ(x+ tu)− ϕ(x)
t, u ∈ R
m.
Escolhendo ε > 0 suficientemente pequeno, a imagem do caminho
t ∈ (−ε, ε) → x + tu ∈ Rm esta toda contida em U0 . Assim v e
o vetor velocidade em t = 0 do caminho em M , λ(t) = ϕ(x+ tu),
λ(0) = p.
Por outro lado, seja λ : (−ε, ε)→M um caminho diferenciavel
com λ(0) = p. Consideremos uma qualquer parametrizacao
ϕ : U0 → U tal que p ∈ U . Podemos supor, sem perda de ge-
neralidade, que λ(t) ∈ U para todo t ∈ (−ε, ε). Entao, pela Pro-
posicao 1, o caminho ϕ−1λ : (−ε, ε)→ U0 ⊂ Rm e diferenciavel e,
escrevendo u = (ϕ−1 λ)′(0), temos u = [ϕ′(x)]−1 ·λ′(0). Portanto
λ′(0) = ϕ′(x) · u, como querıamos demonstrar.
O espaco vetorial tangente TMp e um subespaco vetorial de Rm
e, por conseguinte, passa pela origem. Nas ilustracoes geometricas,
porem, sempre desenhamos a variedade afim tangente p+TMp que
e paralela a TMp e passa por p.
p
M
p+ TMp
Figura 2.12.
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[SEC. 4: O ESPACO TANGENTE 45
O espaco tangente em um ponto de uma superfıcie de dimensao
zero consiste apenas do vetor zero. O espaco tangente TUp a uma
superfıcie de dimensao n, U ⊂ Rn, e igual a todo o R
n.
O espaco tangente (TSn)p a esfera unitaria Sn consiste em
todos os vetores v ∈ Rn+1 que sao perpendiculares a p. De fato,
p⊥ = v ∈ Rn+1; 〈v, p〉 = 0
e um subespaco vetorial de dimensao n do Rn+1. Alem disso,
se v ∈ (TSn)p , entao v = λ′(0), onde λ : (−ε, ε) → Sn e um
caminho diferenciavel com λ(0) = p. Diferenciando a identidade
〈λ(t), λ(t)〉 = 1, obtemos
2〈λ′(t), λ(t)〉 = 0,
e, pondo t = 0, vem 〈v, p〉 = 0. Portanto (TSn)p ⊂ p⊥. Como o
espaco tangente a Sn em p tem dimensao n, resulta que
(TSn)p = p⊥.
Terminamos esta secao definindo o referencial movel associado
a uma parametrizacao.
SejamM = Mm uma superfıcie de classe Ck em Rn, e ϕ : U0 →
U ⊂ M uma parametrizacao em M . Denominamos referencial
movel associado a ϕ no ponto p = ϕ(x) ao conjunto
Bϕ(x) =
∂ϕ
∂x1(x), . . . ,
∂ϕ
∂xm(x)
base do espaco tangente a M no ponto p. Um vetor tangente
v ∈ TMp se escreve da forma v =∑αi
∂ϕ
∂xi(x). Consideremos o
problema de determinar as coordenadas de v com respeito a uma
nova base Bψ(y), originada de outra parametrizacao ψ : V0 → V
tal que ψ(y) = p.
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46 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
Seja ξ a mudanca de coordenadas, isto e,
ϕ∣∣[ϕ−1(U ∩ V )] = ψ ξ.
Entao
ϕ′(x) = ψ′(y) · ξ′(x) (regra da cadeia) e
∂ϕ
∂xj(x) = ϕ′(x) · ej = ψ′(y) · (ξ′(x) · ej)
= ψ′(y) ·∑
i
∂ξi
∂xj(x) · ei
=∑
i
∂ξj
∂xj(x) · ψ′(y) · ei
=∑
i
∂ξi
∂xj(x) · ∂ψ
∂yi(x).
A relacao acima mostra que a matriz de passagem da base Bψ(x)
para a base Bψ(y) de TMp e a matriz jacobiana de ξ no ponto x.
Podemos resumir tudo isto nas equacoes
v =∑
αi∂ϕ
∂xi(x) =
∑βi∂ψ
∂yi(y)
βi =∑
j
∂ξi
∂xj(x) · αj .
5 Como obter superfıcies
Seja M um subconjunto de Rn. Se queremos mostrar que
M e uma superfıcie, e necessario obtermos parametrizacoes de
vizinhancas de todos os pontos de M ; esta tarefa, requerida pela
definicao, pode vir a ser trabalhosa. Nesta secao apresentamos
outras maneiras de se obterem superfıcies.
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[SEC. 5: COMO OBTER SUPERFICIES 47
5.1 O grafico de uma aplicacao Ck.
Sejam U ⊂ Rm aberto e f : U → R
n uma aplicacao de classe
Ck. Entao o grafico de f ,
G(f) = (x, f(x));x ∈ U
e uma superfıcie de dimensao m e classe Ck no Rm+n.
Realmente, ϕ : U → G(f), ϕ(x) = (x, f(x)), e uma parame-
trizacao de todo o conjunto G(f).
E claro que nem toda superfıcie e um grafico: a esfera Sn, por
exemplo, nao o e. Generalizando, nenhuma superfıcie compacta
pode ser, globalmente, um grafico.
Localmente, toda superfıcie de classe Ck e o grafico de uma
aplicacao da mesma classe. Provemos isto.
Proposicao 3. Seja Mm ⊂ Rn uma superfıcie de classe Ck.
Entao todo ponto p ∈M possui uma vizinhanca V , parametrizada
por uma aplicacao de classe Ck ψ : V0 → V , da forma ψ(y) =
(y, f(y)), y ∈ V0 ⊂ Rm.
Demonstracao: Seja ϕ : U0 ⊂ Rm → U ⊂ M uma parame-
trizacao de uma vizinhanca U de p = ϕ(x). Escolhamos uma
decomposicao Rn = R
m ⊕ Rn−m de tal modo que a primeira
projecao π : Rn → R
m leve TMp isomorficamente sobre Rm (Lema
2, secao 10 do Cap. I). Seja η = π ϕ : U0 ⊂ Rm → R
m.
Entao η′(x) = π ϕ′(x) : Rm → R
m e um isomorfismo. Pelo
teorema da funcao inversa, η e um difeomorfismo Ck de uma vi-
zinhanca menor, U1 3 x, sobre uma vizinhanca V0 3 π(p). Indi-
quemos com ξ = η−1 : V0 → U1 o difeomorfismo inverso. Entao
ψ = ϕ ξ : V0 ⊂ Rm → V = ψ(v0) ⊂ R
n e uma nova parame-
trizacao de uma vizinhanca de p. Da relacao
π ψ = π (ϕ ξ) = (π ϕ) ξ = η ξ = idV0
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48 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
segue-se que a primeira coordenada de ψ(y), relativa a decom-
posicao Rn = R
m ⊕ Rn−m, e y. Chamemos f(y) a segunda co-
ordenada. Entao ψ(y) = (y, f(y)), y ∈ V0 . Nota-se que ψ =
(π|V )−1 : V0 → V , isto e, a parametrizacao que faz de V um graifco
e simplesmente a inversa local da projecao π : Rm ⊕ R
n−m → Rm
que leva TMp sobre Rm isomorficamente.
η
M
p
V
U0 V0
U1
π
ϕ
x
ξ
TMp
Figura 2.13.
5.2 Superfıcies definidas implicitamente.
Seja f : R3 → R dada por f(x, y, z) = x2 + y2 + z2. Entao
f ∈ C∞, e a esfera unitaria S2 fica definida implicitamente pela
equacao f(x, y, z) = 1. Se g(x, y, z) = x2 + y2− z2, entao g−1(c) e
uma superfıcie de classe C∞ para cada c 6= 0 (um hiperboloide de
uma folha para c > 0, um hiperboloide de duas folhas para c < 0).
Por outro lado a equacao g(x, y, z) = 0 define um par de cones
com vertice comum. Por um argumento topologico (conexao) ve-
se que nenhuma vizinhanca aberta do vertice 0 = (0, 0, 0) em
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[SEC. 5: COMO OBTER SUPERFICIES 49
g−1(0) e homeomorfa a um aberto do R2. Logo g−1(0) nao e uma
superfıcie.
O teorema abaixo da condicoes suficientes para que a equacao
f(x) = c defina uma superfıcie.
Proposicao 4. Sejam U ⊂ Rm+n aberto e f : U → R
n uma
aplicacao de classe Ck. Seja c ∈ Rn. Consideremos o conjunto
M = p ∈ U.f(p) = c e f ′(p) : Rm+n → R
n e sobrejetora
Entao
(i) M e aberto em f−1(c).
(ii) Supondo que M e nao vazio, M e superfıcie de dimensao m
e classe Ck do Rm+n, e
(iii) (TM)p = Ker f ′(p) para todo p ∈M .
Demonstracao: (i) imediato. (ii) Seja p ∈M .
Pelo teorema as funcoes implıcitas (secao 8 do Cap. I), existem
uma decomposicao Rm+n = R
m⊕Rn com p = (x0, y0), vizinhancas
p ∈ Z ⊂ Rm+n, x0 ∈ V ⊂ R
m, e uma aplicacao ξ : V → Rn, de
classe Ck, tal que G(ξ) = Z ∩ f−1(c). Assim ϕ : V → Z ∩ f−1(c),
dada por ϕ(x) = (x, ξ(x)) e uma parametrizacao de classe Ck de
uma vizinhanca aberta de p ∈ f−1(c). Pela Observacao 2, secao
8 do Cap. I, vem Z ∩ f−1(c) ⊂M , o que conclui a demonstracao
de (ii).
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50 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
Rm
ϕ
V
M f
Rn
cp
Rn
U
Z
Figura 2.14.
(iii) Seja v ∈ TMp . Consideremos um caminho λ : (−ε, ε) → M
tal que λ(0) = p e λ′(0) = v. Entao f ′(p) · v = f ′(λ(0)), λ′(0) =
(f λ)′(0) = 0, pois f λ e constante (= c). Portanto v ∈ Ker f ′(p).Como TMp e Ker f ′(p) sao subespacos m-dimensionais do R
m+n
e TMp ⊂ Ker f ′(p) segue-se que TMp = Ker f ′(p).
Observacoes:
1) Sejam U ⊂ Rm aberto e f : UR
n uma aplicacao diferenciavel.
Um ponto c ∈ Rn chama-se valor regular de f quando, para cada
x ∈ U tal que f(x) = c, a derivada f ′(x) : Rm → R
n e uma
transformacao linear sobrejetiva.
Se nao existe x ∈ U tal que f(x) = c entao c e trivialmente um
valor regular de f . Quando n = 1, o funcional linear f ′(x) : Rm →
R ou e zero ou e sobrejetiva. Neste caso o numero real c e valor
regular de f se, e somente se, f ′(x) 6= 0 para todo x ∈ f−1(c).
Por exemplo, seja f : R3 → R dada por f(x, y, z) = x2+y2−z2.
Representando por (dx, dy, dz) a base canonica de (R3)∗, entao
f ′(x, y, z) = 2x dx + 2y dy − 2z dz. Segue-se que f ′(x, y, z) = 0
somente para x = y = z = 0; como f(0, 0, 0) = 0, vemos que
0 ∈ R e o unico valor nao-regular de f .
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[SEC. 5: COMO OBTER SUPERFICIES 51
O teorema que acabamos de provar se reescreve da seguinte
maneira, tendo em vista a definicao de valor regular:
Teorema 1. Sejam U ⊂ Rn aberto e f : U → R
n−m de classe Ck,
k ≥ 1. Se c ∈ Rn−m e um valor regular de f , ou bem f−1(c) e
vazio ou bem e uma superfıcie m-dimensional de classe Ck em Rn.
Alem disso, para cada p ∈ f−1(c), o espaco tangente T [f−1(c)]p e
o nucleo de f ′(p) : Rn → R
n−m.
Observacoes:
2) A imagem inversa f−1(c) pode ser uma superfıcie sem que c
seja um valor regular. Por exemplo, seja f : R2 → R dada por
f(x, y) = y2. 0 ∈ R nao e valor regular de f mas f−1(0) = eixo
dos x e uma superfıcie C∞ de dimensao 1 em R2.
3) Mesmo quando c ∈ Rn nao e valor regular de f : U → R
n,
o primeiro enunciado do teorema garante que M = f−1(c) ∩p ∈ U ; f ′(p) e sobrejetiva e uma superfıcie. Convem notar que
M nao e necessariamente denso em f−1(c). Por exemplo, seja
f : R2 → R dada por f(x, y) = x2y. Como f ′(x, y) = 2xy dx +
x2 dy, f ′(p) = 0 se, e so se, p esta no eixo dos y.
Neste exemplo a imagem inversa de 0 ∈ R e a uniao dos eixos
coordenados x e y (nao e superfıcie), enquanto que M consiste no
eixo dos x menos a origem.
Localmente, qualquer superfıcie Mm ⊂ Rn, de classe Ck
(k ≥ 1), pode ser definida implicitamente, isto e, como imagem
inversa de um valor regular de uma aplicacao de classe Ck. Mais
precisamente:
Proposicao 5. Seja Mm ⊂ Rn uma superfıcie de classe Ck
(k ≥ 1). Para cada ponto p ∈ M , existe um aberto Ω em Rn,
contendo p, e uma aplicacao g : Ω→ Rn−m, de classe Ck, tal que
0 ∈ Rn−m e um valor regular de g e M ∩ Ω = g−1(0).
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52 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
Demonstracao: Pela Proposicao 3, dado p ∈ M , existe uma
decomposicao Rn = R
m⊕Rn−m em soma direta e uma vizinhanca
aberta U de p em M tal que a projecao π : Rn → R
m (relativa
a decomposicao acima) aplica U homeomorficamente sobre um
aberto U0 ⊂ Rm e ϕ = (π|U)−1 : U0 → U e uma parametrizacao de
classe Ck tendo-se evidentemente ϕ(x) = (x, f(x)), onde f : U0 →Rn−m e de classe Ck. Ponhamos Ω = U0 × R
n−m. Entao Ω e
aberto em Rn. Definamos g : Ω → R
n−m por g(x, y) = f(x) − y.E imediato que U = Ω∩M = f−1(0). Alem disso, em cada ponto
(x, y) ∈ Ω, a derivada g′(x, y) : Rm ⊕ R
n−m → Rn−m e dada por
g′(x, y) · (u, v) = f ′(x) · u − v. Para qualquer v ∈ Rn−m, temos
v = g′(x, y) · (0,−v), logo g e uma submersao. Em particular,
0 ∈ Rn−m e um valor regular de g.
6 Exemplos de superfıcies
1) A esfera Sn definida implicitamente.
Seja f : Rn+1 → R definida por f(x) = 〈x, x〉. Como f ′(x)·h =
2〈x, h〉, todo real nao nulo c e valor regular de f ∈ C∞. Se c < 0
entao f−1(c) e vazio. Se c > 0 entao f−1(c) e a esfera de dimensao
n com centro na origem 0 ∈ Rn+1 e raio c. O espaco tangente a
esta esfera no ponto p e o nucleo de f ′(p), a saber, o conjunto de
todos os vetores v ∈ Rn+1 tais que 〈p, v〉 = 0, ou seja, o hiperplano
perpendicular a p.
2) O toro de dimensao 2
Seja U = R3 − eixo dos z. A funcao f : U → R, dada por
f(x, y, z)z2 +(√
x2 + y2 − 2)2
, e de classe C∞. A derivada f ′(p)e 6= 0 para todo p = (x, y, z) fora do cırculo S = (x, y, z) ∈R
3;x2 + y2 = 4, z = 0. Quando p ∈ S, f ′(p) = 0. Portanto
0 ∈ R e o unico valor nao-regular de f . para 0 < c < 4, f−1(c) e
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[SEC. 6: EXEMPLOS DE SUPERFICIES 53
o toro gerado pela rotacao de um cırculo de raio√c cujo centro
percorre S.
x
y
z
x
y
z
2 (x, y, 0)b
g
p = (x, y, z)
√c
b =p
x2 + y2 − 2
S
Figura 2.15.
O leitor deve tentar imaginar a forma das superfıcies (des-
conexas e nao-compactas) f−1(c) quando c ≥ 4.
O toro T 2 = f−1(i) e tambem a imagem da aplicacao g : R2 →
R3 dada por g(s, t) = 2u(t) + v(s, t), onde u(t) = (cos t, sen t, 0)
e v(s, t) = (cos s · cos t, cos s · sen t, sen s). Se I, J ⊂ R sao dois
intervalos abertos de comprimento 2π entao g : I ×J → R2 e uma
parametrizacao C∞ de um subconjunto aberto de T 2.
3) Matrizes de posto constante
Seja M(m × n; R) o espaco vetorial das matrizes reais m × ne indiquemos com M(m × n; k) ⊂ M(m × n,R) o subconjunto
formado pelas matrizes m× n de posto k. Isto significa que cada
matriz X ∈ M(m × n, k) tem um menor k × k que e 6= 0, mas
todos os seus menores de ordem > k sao nulos.
Vamos mostrar que M(m × n,R) e uma superfıcie de classe
C∞ e dimensao k · (m+ n− k) em M(m× n,R) ≈ Rmn.
Escrevamos as matrizes X ∈ M(m × n; R) em blocos X =(A B
C D
), onde A e k× k, B e k× (n− k), C e (m− k)× k e D
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54 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
e (m− k)× (n− k).Seja W = X ∈ M(m × n,R); detA 6= 0. E evidente que W
e aberto em Rmn.
Afirmacao: W ∩M(m×n; k) = X ∈W | D = CA−1B. De fato,
o posto de X =
(A B
C D
)e igual ao posto do produto
(Ik 0
−CA−1 Im−k
) (A B
C D
)=
(A B
0 D − CA−1B
).
Consequentemente, o posto deX e k se, e somente se,D−CA−1=0.
Parametrizamos U = W ∩M(m× n; k) por meio da aplicacao
de classe C∞, ϕ : U0 → U , definida no aberto
U0 =(A,B,C) ∈ R
k2 × Rk(n−k) × R
(m−k)×k; detA 6= 0
e dada por ϕ(A,B,C) =
(A B
C CA−1B
).
E claro que ϕ e uma parametrizacao pois π ϕ = id, onde
π :
(A B
C D
)7→ (A,B,C).
Se X ∈ M(m× n; k) e arbitraria, existe um difeomorfismo de
classe C∞, h : M(m×n,R)→M(m×n,R), que deixa M(m×n, k)invariante e tal que h(X) ∈ U . (h e, por exemplo, uma conveniente
troca de linhas e de colunas). Entao X ∈ h−1(W )∩M(m×n, k) e
h−1 ϕ e uma parametrizacao C∞ de h−1(U) = h−1(W )∩M(m×n; k).
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[SEC. 6: EXEMPLOS DE SUPERFICIES 55
X
U0
ϕR
k(m+n−k)
h
U
M
Figura 2.16.
4) O grupo especial linear ou unimodular
Identificamos o espaco vetorial M(n× p,R) das matrizes reais
com n linhas e p colunas com o espaco euclidiano Rnp.
Se A e uma matriz n × p, representamos por A1, . . . , Ap os
vetores-coluna de A. O espaco M(n×p,R) tem uma base canonica
Er,s ; 1 ≤ r ≤ n, 1 ≤ s ≤ p: o elemento (r, s) de Er,s e igual a 1
e os restantes sao nulos.
Se A = (aij) ∈ M(n,R), indicamos com Ars a matriz
(n − 1) × (n − 1) obtida de A pela eliminacao da r-esima linha
e s-esima coluna.
O grupo linear GL(Rn) e o subconjunto aberto de M(n,R) for-
mado pelas matrizes invertıveis ou, equivalentemente, pelas ma-
trizes com determinante diferente de zero.
A funcao real det : Rn2 ≈ M(n,R) → R e de classe C∞, pois
det(X) e n-linear nos vetores colunas de X. Pela expressao geral
da derivada de uma funcao n-linear, tem-se
det′(X) ·H =n∑
i=1
det(X1, . . . , H i, . . . , Xn), X,H ∈M(n,R).
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56 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
Em particular, para X = I = matriz identidade n× n,
det′(I) ·H =∑
i
det(e1, . . . , Hi, . . . , en) =
∑
i
hii = traco de H
e∂ det
∂xrs(X) = det′(X) · Er,s = (−1)r+s detXr
s .
Consideremos a restricao det : GL(Rn)→ R. Da expansao do
determinante ao longo de uma linha (ou coluna), segue-se que,
dada A ∈ GL(Rn), existe algum menor det(Ars) 6= 0. Isto mostra
que det : GL(Rn)→ R e uma submersao de classe C∞. Em outras
palavras, todo real nao-nulo c e valor regular de det |GL(Rn).
Conclui-se que o conjunto
SL(Rn) = x ∈ GL(Rn); detX = 1 = (det)−1(1)
e uma superfıcie de dimensao n2− 1 e classe C∞ em Rn2
. SL(Rn)
e chamado grupo especial linear ou grupo unimodular. Evidente-
mente,
X,Y ∈ SL(Rn) ⇒XY ∈ SL(Rn)
X−1 ∈ SL(Rn).
Ou seja, SL(Rn) e um subgrupo de GL(Rn), que e uma su-
perfıcie C∞. O espaco tangente a SL(Rn) em I e o conjunto de
todas as matrizes de traco nulo, em virtude do Teorema 1 e de ser
det′(I) ·H = traco de H.
5) O grupo ortogonal
Dada uma matriz m×n, X = (xij), chama-se transposta de X
a matriz n×m X∗ = (xji ), que se obtem de X trocando ordena-
damente suas linhas por suas colunas.
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[SEC. 6: EXEMPLOS DE SUPERFICIES 57
A transposicao goza das seguintes propriedades:
X∗∗ = X,
(X + Y )∗ = X∗ + Y ∗,
(c ·X)∗ = c ·X∗,
(XY )∗ = Y ∗X∗,
I∗ = I,
X ∈ GL(Rn)⇒ X∗ ∈ GL(Rn), (X∗)−1 = (X−1)∗.
Uma matriz real n × n X diz-se simetrica se X∗ = X, e
anti-simetrica se X∗ = −X. As marizes simetricas e as matrizes
anti-simetricas formam subespacos vetoriais S(Rn) e A(Rn) de
M(n,R), de dimensoesn
2(n+ 1) e
n
2(n− 1), respectivamente.
Dada uma matriz arbitraria X ∈M(n,R), entao
XX∗, X +X∗ ∈ S(Rn),
X −X∗ ∈ A(Rn),
X =1
2(X +X∗) +
1
2(X −X∗).
Esta ultima identidade mostra que M(n,R) = S(Rn)⊕A(Rn).
O grupo ortogonal O(Rn) e o conjunto de todas as matrizes
reais n × n, X, tais que XX∗ = I. O leitor deve verificar que
O(Rn) e um subgrupo de GL(Rn). Geometricamente, um ope-
rador linear em Rn e uma isometria (isto e, preserva distancias)
se, e somente se, sua matriz com respeito a base canonica do Rn
e ortogonal.
Vamos demonstrar que O(Rn) e uma superfıcie compacta de
dimensaon
2(n− 1) e classe C∞ em R
n2.
Consideremos a aplicacao de classe C∞
f : M(n,R)→ S(Rn) ≈ Rn2(n+1), f(X) = XX∗.
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58 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
Se mostrarmos que I ∈ S(Rn) e valor regular de f entao, aplicando
o Teorema 1, concluiremos que O(Rn) = f−1(I) e superfıcie C∞
de dimensao n2 − n
2(n+ 1) =
n
2(n− 1) em R
n2.
Seja portanto X ∈ f−1(I) = O(Rn). Queremos provar que a
derivada f ′(X) : M(n,R)→ S(Rn), dada por f ′(X) ·H = XH∗ +
HX∗, e sobrejetiva. Dada S ∈ S(Rn), seja V =SX
2· Entao
f ′(X) · V = X
(SX
2
)∗+
(SX
2
)·X∗ = (XX∗)
S
2+S
2XX∗ = S.
Nota. Para achar V ∈ M(n,R) tal que XV ∗ + V X∗ = S, apela-
mos para a sorte. Tentamos achar V tal que XV ∗ = V X∗ =S
2·
Esta ultima igualdade fornece imediatamente V =SX
2·
Observemos que O(Rn) e subconjunto fechado de M(n,R), por
ser a imagem inversa de I pela funcao contınua f . Quando identi-
ficamos M(n,R) ≈ Rn2
, O(Rn) passa a ser subconjunto da esfera
de centro em O ∈ Rn2
e raio√n, pois cada vetor linha de uma
matriz X ∈ O(Rn) tem comprimento 1.
Portanto, o grupo ortogonal e fechado e limitado em Rn2
, ou
seja, e compacto.
O grupo ortogonal O(Rn) tem duas componentes conexas
O+(Rn) = X ∈ O(Rn); detX > 0,O−(Rn) = X ∈ O(Rn); detX < 0.
Esta afirmacao equivale a dizer que, dadas duas matrizes or-
togonais X e Y de determinante positivo, existe um caminho
contınuo
λ : [0, 1]→ O+(Rn)
tal que λ(0) = X e λ(1) = U . Os Exercıcios A), B) e C) abaixo
fornecem um roteiro para a demonstracao deste fato.
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[SEC. 6: EXEMPLOS DE SUPERFICIES 59
Em resumo, O(Rn) e um subgrupo de GL(Rn) que e uma su-
perfıcie C∞. O espaco tangente a O(Rn) em I e o nucleo de
f ′(I), isto e, o subespaco de M(n,R) formado pelas matrizes anti-
simetricas.
Note-se que O+(R2) e canonicamente isomorfo a S1 pela cor-
respondencia (cos θ, sen θ) 7→(
cos θ − sen θ
sen θ cos θ
).
Exercıcios
A) Seja α : [a, b] → M um caminho contınuo numa superfıcie
diferenciavel Mm ⊂ Rn. Dada uma base ortonormal u1, . . . ,
um ⊂ TMα(a) , existem aplicacoes contınuas v1, . . . , vm : [a, b]→Rn tais que v1(a) = u1, . . . , vm(a) = um e, para cada t ∈ [a, b],
v1(t), . . . , vm(t) e uma base ortonormal de TMα(t) .
[Sugestao: Existe uma particao finita de [a, b] por meio de in-
tervalos justapostos, em cada um dos quais α toma valores numa
vizinhanca parametrizada deM . Basta entao considerar o caso em
que α([a, b]) ⊂ U e existe uma parametrizacao ϕ : U0 → U ⊂ M .
Tome p0 ∈ U0 tal que ϕ(p0) = α(a) e uma base u01, . . . , u
0m ⊂ R
m
tal que ϕ′(p0) · u0i = ui , i = 1, . . . ,m. Defina w1, . . . , wm : [a, b]→
Rn pondo wi(t) = ϕ′(ϕ−1(α(t))) ·u0
i e obtenha v1, . . . , vm ortonor-
malizando os wi por Gram-Schmidt.]
B) Sejam u1, . . . , um+1 e w1, . . . , wm+1 bases ortonormais po-
sitivas do espaco Rm+1. Existem m + 1 aplicacoes contınuas
v1, . . . , vm+1 : [0, 2] → Rm+1 tais que vi(0) = ui , vi(1) = wi
(i = 1, . . . ,m + 1) e, para cada t ∈ [0, 2], v1(t), . . . , vm+1(t)e uma base ortonormal (necessariamente positiva) de R
n+1.
[Sugestao: Seja vm+1 = α : [0, 1] → Sm um caminho contınuo
em Sm, ligando um+1 a wm+1 . Usando o exercıcio anterior, ob-
tenha v1, . . . , vm : [0, 1]→ Rm+1 contınuas, com vi(0) = ui e, para
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60 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
cada t ∈ [0, 1], B(t) = v1(t), . . . , vm(t), α(t) sendo uma base or-
tonormal de Rm+1. Por continuidade, B(t) e positiva
para todo t ∈ [0, 1]. Usando inducao, obtenha caminhos contınuos
v1, . . . , vm : [1, 2] → (TSm)vm+1 = Rm comecando com
v1(1), . . . , vm(1) e terminando com w1, . . . , wm, mantendo-se
sempre ortonormais.]
C) O grupo O(Rm) possui duas componentes conexas.
[Sugestao: As colunas de uma matriz ortogonal m × m, de
determinante positivo, constituem uma base ortonormal positiva
do espaco Rm.]
7 Grupos e Algebras de Lie de matrizes
Um subgrupo G ⊂ GL(Rn) chama-se um grupo de Lie (de
matrizes) quando e uma superfıcie C∞ do espaco M(n,R) = Rn2
.
Exemplos de grupos de Lie de matrizes sao O(Rn) e SL(Rn).
Evidentemente, o proprio GL(Rn) e o grupo trivial, reduzido a
matriz identidade, sao grupos de Lie.
Os grupos de Lie de matrizes sao tambem chamados grupos de
Lie lineares.
Dado um grupo de Lie de matrizes G ⊂ GL(Rn), o espaco veto-
rial tangente (TG)I a G no ponto I = matriz identidade chama-se
a algebra de Lie do grupo G. Vejamos a explicacao para este nome.
Dadas duas matrizes n × n, A e B, chama-se colchete de Lie
de A e B a matriz n× n:
[A,B] = AB −BA.
A operacao (A,B) → [A,B] entre matrizes n × n e bilinear,
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[SEC. 7: GRUPOS E ALGEBRAS DE LIE DE MATRIZES 61
isto e, satisfaz:
[A+A′, B] = [A,B] + [A′, B]
[A,B +B′] = [A,B] + [A,B′]
[αA,B] = α[A,B] = [A,αB].
Em vez de comutatividade, tem-se [A,B] = −[B,A] (anti-
comutatividade). Em vez de associatividade, tem-se a identidade
de Jacobi
[A, [B,C]] + [C, [A,B]] + [B, [C,A]] = 0.
Estas propriedades seguem-se diretamente da definicao.
Seja A ⊂M(n,R) um subespaco vetorial de matrizes n×n, tal
que A,B ∈ A ⇒ [A,B] ∈ A. Nestas condicoes, A chama-se uma
algebra de Lie de matrizes.
Evidentemente, o conjunto M(n,R) de todas as matrizes reais
n × n e uma algebra de Lie. O mesmo ocorre com o subespaco
formado pela unica matriz 0.
Dada qualquer matriz quadrada A, tem-se [A,A] = 0 e por-
tanto [sA, tA] = st[A,A] = 0, sejam quais forem os numeros reais
s, t. Segue-se que todo subespaco vetorial A, de dimensao 1, de
M(n,R) e uma algebra de Lie, na qual [A,B] = 0 sempre.
Seja A = TO(Rn)I o espaco vetorial tangente ao grupo de Lie
O(Rn) na matriz identidade. Sabemos que A e o conjunto das
matrizes anti-simetricas n × n. E facil verificar que o colchete de
duas matrizes anti-simetricas ainda goza desta propriedade. Em
outras palavras, A,B ∈ A ⇒ [A,B] ∈ A. Portanto, A e uma
algebra de Lie.
Da mesma maneira, se = SL(Rn) entao TGI consiste das
matrizes de traco nulo. Como tr(AB) = tr(BA), vemos que
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62 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
tr([A,B]) = 0 sejam quais forem A,B ∈ M(n,R). Em parti-
cular, A,B ∈ TGI = [A,B] ∈ TGI , donde TGI e uma algebra de
Lie.
Propomo-nos agora a demonstrar que, seja qual for o grupo de
Lie de matrizes G ⊂ GL(Rn), o espaco vetorial tangente TGI e
uma algebra de Lie de matrizes.
Para isso, usaremos a exponencial de uma matriz. Dada A ∈M(n,R), pomos
eA = I +A+A2
2!+A3
3!+ · · ·+ An
n!+ . . .
Demonstra-se em Algebra Linear que esta serie sempre converge
e que, quando AB = BA, tem-se
eA · eB = eA+B.
Em particular, e(s+t)A = esA · etA, eA · e−A = e0 = I, donde
eA e invertıvel, com (eA)−1 = e−A.
Derivando termo a termo a serie de potencias, obtemos
d
dtetA = A · etA.
Em particular, f : R → GL(Rn), definido por f(t) = etA, e
um caminho C∞ cujo vetor velocidade no ponto t = 0 e A. Um
resultado mais preciso e o seguinte:
Lema. Seja G ⊂ M(n,R) um grupo de Lie de matrizes. Dada
A ∈ TGI , tem-se etA ∈ G para todo t ∈ R.
A demonstracao deste lema sera adiada para a secao seguinte.
Aqui, o usaremos para demonstrar o resultado abaixo.
Proposicao 6. Seja G um grupo de Lie de matrizes. Dadas
A,B ∈ TGI , tem-se [A,B] ∈ TGI . Em outras palavras, o espaco
vetorial tangente a G na matriz identidade e uma algebra de Lie.
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[SEC. 8: CAMPOS DE VETORES TANGENTES A UMA SUPERFICIE 63
Demonstracao: Para todo t ∈ R, ponhamos α(t) = etA e β(t) =
etB. Em virtude do Lema, temos α ∈ G e β(t) ∈ G para todo t,
logo podemos considerar o caminho λ : [0,∞) → G, definido por
λ(t) = α(√t)β(√t)α(−
√t)β(−
√t). Escrevendo
α(t) = I + tA+t2A2
2+ ρ(t) e β(t) = I + tB +
t2B2
2+ σ(t),
onde limt→0
ρ(t)
t2= lim
t→0
σ(t)
t2= 0, um calculo simples mostra que
λ(t) = I + t[A,B] + ε(t), onde limt→0
ε(t)
t= 0. Logo, λ′(0) = [A,B].
Como λ(t) ∈ G para todo t ≥ 0, vemos que [A,B] ∈ TGI .
Observemos, para finalizar, que o espaco vetorial tangente
TGX0 num pontoX0 ∈ G consiste em todas as matrizesX0A, onde
A ∈ TGI . Com efeito, os caminhos diferenciaveis
λ : (−ε, ε)→ G, com λ(0) = X0 sao os da forma λ(t) = X0 · µ(t),
onde µ : (−ε, ε) → G e diferenciavel, com µ(0) = I. Portanto
λ′(0) = X0 · µ′(0) = X0A, A ∈ TGI . Por motivo analogo,
TGX0 = BX0;B ∈ TGI.
8 Campos de vetores tangentes a uma su-
perfıcie
Seja Mm ⊂ Rn uma superfıcie de classe Ck. Um campo de
vetores em M e uma aplicacao v : M → Rn. Em conformidade
com a definicao geral (vide secao 3), diremos que o campo v e
de classe Cr quando, para cada ponto p ∈ M , existe uma pa-
rametrizacao ϕ : U0 → U , de classe Ck, com p ∈ U , tal que
v ϕ : U0 → Rn e de classe Cr. No caso de ser r ≤ k, seja qual
for a parametrizacao ψ : V0 → V , de classe Ck, com p ∈ V , tem-se
v ψ = (v ϕ) (ϕ−1 ψ), logo v ψ ∈ Cr. Assim, a nocao de
campo de classe Cr tem sentido intrınseco (isto e, nao depende da
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64 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
escolha da parametrizacao) desde que r ≤ k, onde k e a classe da
superfıcie M .
O campo v : M → Rn diz-se tangente a superfıcie M quando
v(p) ∈ TMp para todo p ∈M .
Um subconjunto aberto U ⊂ M e ainda uma superfıcie de
classe Ck. Logo tem sentido considerar campos de vetores tan-
gentes definidos em U . Em particular, se ϕ : U0 → U e uma pa-
rametrizacao de classe Ck, um campo v de vetores tangentes de
classe Cr em U fica determinado por uma aplicacao v0 : U0 → Rn,
de classe Cr, tal que v0(x) ∈ TMϕ(x) para todo x ∈ U0 , sendo o
campo v : U → Rn definido a partir de v0 por v = v0 ϕ−1, isto e,
v(p) = v0(x), p = ϕ(x).
Por exemplo, dada a parametrizacao ϕ, os vetores∂ϕ
∂x1(x),
. . . ,∂ϕ
∂xm(x) constituem, para cada x ∈ U0 , uma base do espaco
vetorial tangente TMp , p = ϕ(x). As aplicacoes∂ϕ
∂xj: U0 → R
n)
(j = 1, . . . ,m) sao de classe Ck−1 e por conseguinte os m cam-
pos de vetores tangentes vj : U → Rn, definidos por vj(ϕ(x)) =
∂ϕ
∂xj(x), sao de classe Ck−1 em U . Eles constituem o referencial
movel associado a parametrizacao ϕ.
Seja v : M → Rn um campo de vetores tangentes. Em cada
ponto p = ϕ(x) da vizinhanca parametrizada U o vetor v(p) se
escreve como combinacao linear dos vetores basicos∂ϕ
∂xj(x) ∈ TMp
assim:
v(p) =m∑
j=1
αj(x)∂ϕ
∂xi(x), p = ϕ(x).
Isto define m funcoes reais α1, . . . , αm : U0 → R. Mostraremos
que, se r ≤ k − 1, entao v ∈ Cr se, e somente se, as funcoes
α1, . . . , αm : U0 → R, acima definidas, sao de classe Cr, para cada
parametrizacao ϕ : U0 → U , de classe Ck. Mais geralmente, temos:
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[SEC. 8: CAMPOS DE VETORES TANGENTES A UMA SUPERFICIE 65
Proposicao 7. Sejam v1, . . . , vm : M → Rn campos vetoriais
de classe Cr (r ≤ k) tangentes a uma superfıcie Mm ⊂ Rn, de
classe Ck, tais que, em cada ponto p ∈ M , v1(p), . . . , vm(p)e uma base de TMp . Todo campo vetorial tangente v : M →Rn se escreve, de modo unico, em cada ponto p ∈ M , como
v(p) =m∑i=1
αi(p)vi(p). Isto define m funcoes reais α1, . . . , αm :
M → R. O campo v e de classe Cr se, e somente se, as funcoes
αi sao de classe Cr.
Demonstracao: Se α1, . . . , αm : M → R sao de classe Cr, e
claro que v = Σαivi e de classe Cr. Reciprocamente, suponha-
mos v ∈ Cr. Para demonstrar que as funcoes αi sao de classe
Cr, como se trata de um fato local, podemos admitir que se
tem uma parametrizacao ϕ : U0 → U , de classe Ck, aplicacoes
de classe Cr, v, v1, . . . , vm : U0 → Rn, α1, . . . , αm : U0 → R, tais
que v1(x), . . . , vm(x) e uma base de TMϕ(x) e
v(x) = α1(x)v1(x) + · · ·+ αm(x)vm(x),
para todo x ∈ U0 . Sejam V (x) a matriz n×m cujas colunas sao os
vetores v1(x), . . . , vm(x) e A(x) o vetor coluna cujas coordenadas
sao α1(x), . . . , αm(x). As aplicacoes x 7→ V (x), x 7→ v(x) sao de
classe Cr em U0 . Em cada ponto x ∈ U0 , a matriz V (x) possui
uma submatriz m × m invertıvel. Restringindo, se necessario, o
aberto U0 , podemos supor que esta matriz e a mesma em todos
os pontos e, por simplicidade de notacao, admitiremos que ela e
formada pelas m primeiras colunas de V (x), ou seja, que V (x) =(P (x)
Q(x)
), onde P (x) e m×m invertıvel e Q(x) e (n−m)×m. A
aplicacao x 7→ P (x)−1 e de classe Cr em U0 , o mesmo se dando
com a aplicacao x 7→ B(x), onde B(x) = (P (x)−1, 0) e uma matriz
m×n cujas ultimas n−m colunas sao nulas. Como B(x) ·V (x) =
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66 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
matriz identidade m×m, temos
A(x) = B(x) · V (x) ·A(x) = B(x) · v(x).
Logo x 7→ A(x) = (α1(x), . . . , αm(x)) e de classe Cr em U0 , como
querıamos demonstrar.
Corolario. Seja r ≤ k − 1. Um campo vetorial v : M → Rn,
tangente a M , e de classe Cr se, e somente se, para cada parame-
trizacao ϕ : U0 → U , de classe Ck, e cada p = ϕ(x) ∈ U , tem-se
v(p) =m∑j=1
αj(x)∂ϕ
∂xj(x), onde as funcoes α1, . . . , αm : U0 → R,
assim definidas, sao de classe Cr.
Com efeito, dada ϕ, restrinjamos v ao aberto U , onde estao
definidos os campos∂ϕ
∂xj· Pela proposicao anterior, v ∈ Cr em U
se, e somente se, as funcoes αj sao de classe Cr.
Vimos que, em cada vizinhanca parametrizada U de uma su-
perfıcie de classe Ck, existem campos de classe Ck−1 que consti-
tuem uma base do espaco tangente em cada ponto de U . Mostra-
remos agora que o mesmo nao ocorre com campos de classe Ck, a
menos que a superfıcie ja fosse de classe Ck+1.
Proposicao 8. Seja Mm ⊂ Rn uma superfıcie de classe Ck.
Se cada ponto p ∈ M possui uma vizinhanca na qual se podem
definir m campos tangentes linearmente independentes de classe
Ck, entao M e de classe Ck+1.
Demonstracao: Dado um ponto arbitrario p0 ∈M , mostraremos
que existe uma vizinhanca de p0 que pode ser munida de uma
parametrizacao de classe Ck+1. Por hipotese, podemos definir,
numa vizinhanca U de p0 , m campos v1, . . . , vm : U → Rn de
classe Ck que constituem, em cada p ∈ U , uma base do espaco
tangente TMp . Seja Rn = R
m⊕Rn−m uma decomposicao em soma
direta tal que a projecao correspondente π : Rn → R
m aplique
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[SEC. 8: CAMPOS DE VETORES TANGENTES A UMA SUPERFICIE 67
TMp0 isomorficamente sobre Rm. Restringindo U , se necessario,
podemos admitir que ϕ = (π|U)−1 seja uma parametrizacao de
classe Ck, definida em U0 = π(U). Para cada x ∈ U0 e cada vetor
u ∈ Rm, o vetor v = ϕ′(x) · u ∈ TMϕ(x) e caracterizado, entre os
vetores tangentes a M no ponto ϕ(x), pela propriedade π · v = u.
Para todo x ∈ U0 , seja V (x) a matriz n×m cujas colunas sao
os vetores v1(ϕ(x)), . . . , vm(ϕ(x)). Entao x 7→ V (x) e de classe
Ck em U0 e cada matriz V (x) tem posto m. Podemos admitir
que V (x) =
(P (x)
Q(x)
), onde P (x) e m × m invertıvel e Q(x) e
(n−m)×m. A aplicacao x 7→ P (x)−1 e de classe Ck em U0 . Pondo
B(x) = V (x) · P (x)−1, como as colunas de V (x) geram TMϕ(x) ,
vemos que as colunas deB(x) tambem tem essa propriedade. Alem
disso, x 7→ B(x) e de classe Ck em U0 . Mas e claro que B(x) =(ImC(x)
), onde Im = matriz identidade m ×m. Logo, os vetores
w1(x), . . . , wm(x), que constituem as colunas de B(x), dependem
de x em classe Ck e sao tais que π · wi(x) = ei = i-esimo vetor
basico de Rm. Notando que os vetores wi(x) sao tangentes a M
no ponto ϕ(x), segue-se que wi(x) = ϕ′(x) · ei para todo x ∈ U0 .
Como as aplicacoes x 7→ ∂ϕ
∂xi(x) = ϕ′(x) · ei sao de classe Ck em
U0 , para i = 1, . . . ,m, concluimos que a parametrizacao ϕ e de
classe Ck+1, o que termina a demonstracao.
A seguir, estenderemos para superfıcies o teorema de existencia
e unicidade de curvas integrais de campos vetoriais, que foi de-
monstrado no Capıtulo I para o caso de abertos no espaco eucli-
diano.
Dado um campo vetorial tangente v : Mm → Rn, uma curva
integral de v, com origem num ponto p ∈ M , e um caminho dife-
renciavel λ : (−ε,+ε) → M , com λ(0) = p e λ′(t) = v(λ(t)) para
todo t.
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68 [CAP. II: SUPERFICIES NOS ESPACOS EUCLIDIANOS
Proposicao 9. Seja v um campo de vetores tangentes de classe
Ck−1 (k ≥ 2) numa superfıcie Mm ⊂ Rr de classe Ck. Para
cada ponto p ∈ M existe uma curva integral de v em M , com
origem p. Duas curvas integrais de v com origem p coincidem
numa vizinhanca de 0.
Demonstracao: Dado p ∈ M , seja ϕ : U0 → U ⊂ M uma para-
metrizacao Ck de uma vizinhanca U de p em M . Definimos um
campo de vetores u : U0 → Rm, de classe Ck pela condicao:
ϕ′(x) · u(x) = v(ϕ(x)), para todo x ∈ U0 .
A regra da cadeia mostra que µ : (−ε, ε)→ U0 e uma curva integral
de u com origem p0 = ϕ−1(p) se, e somente se, ϕ µ : (−ε, ε)→ U
e uma curva integral de v com origem p = ϕ(p0). A Proposicao 6
segue-se entao da Proposicao do Capıtulo I.
Corolario 1. Sejam W ⊂ Rr um aberto, Mm ⊂W uma superfıcie
de classe Ck (k ≥ 2) e v : W → Rr um campo de vetores de
classe Ck−1 em W , tal que v(p) ∈ TMp para todo p ∈ M . Se
λ : (−ε, ε)→ Rr e uma curva integral de v com origem num ponto
p ∈M entao existe δ > 0 tal que |t| < δ ⇒ λ(t) ∈M .
Com efeito, a restricao de v a M e um campo de vetores tan-
gentes a M , de classe Ck. Pela Proposicao 6, para todo p ∈ Mexiste uma curva integral de v, com origem p, contida em M . Por
unicidade, essa curva e a restricao de λ a uma vizinhanca de 0.
Corolario 2. Seja G ⊂ M(n,R) um grupo de Lie. Para toda
matriz A ∈ TGI , e todo t ∈ R, tem-se etA ∈ G.
Dada A, consideremos o campo de vetores v : GL(Rn) →M(n,R), definido por v(X) = AX. O caminho λ : R → GL(Rn),
definido por λ(t) = etA ·X e uma curva integral de v com origem
X. Quando x ∈ G, tem-se v(X) ∈ TGX . (Vide observacao final
da secao anterior.) Segue-se do Corolario 1 que, para cada x ∈ G,
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[SEC. 8: CAMPOS DE VETORES TANGENTES A UMA SUPERFICIE 69
existe ε > 0 tal que etA ·X ∈ G sempre que |t| < ε. Em particular,
tomando X = I, temos etA ∈ G para |t| < ε. Dado qualquer t real,
escrevemos t = t1 + · · · + tk com |t1| < ε, . . . , |tk| < ε. Conclui-
mos que etiA ∈ G, i = 1, . . . , k, e portanto (sendo G um grupo)
etA = et1A · et2A · · · · · etkA ∈ G.
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Capıtulo III
Vetores Normais,
Orientabilidade e
Vizinhanca Tubular
Consideraremos, neste capıtulo, o seguinte problema: quais
sao as superfıcies de classe Ck, Mm ⊂ Rn que podem ser obtidas
como imagem inversa Mm = f−1(c) de um valor regular c ∈ Rn−m
para uma aplicacao f : U → Rn−m, de classe Ck, definida numa
vizinhanca aberta U ⊃M no espaco Rn?
Veremos que, para n −m = 1, ou seja, quando M e uma hi-
perfıcie, M e imagem inversa de um valor regular de aplicacao
definida num aberto de Rn se, e somente se, M e orientavel. Vere-
mos tambem que, para uma hiperfıcie M , ser orientavel equivale
a existencia de um campo contınuo de vetores normais em M .
No caso geral, em que n −m pode ser > 1, orientabilidade e
uma condicao necessaria porem nao suficiente. Para obter uma
condicao suficiente, introduzimos a nocao de vizinhanca tubular,
que constitui um dos conceitos basicos mais importantes no estudo
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[SEC. 1: CAMPOS DE VETORES NORMAIS A UMA SUPERFICIE 71
das variedades diferenciaveis.
Demonstraremos o teorema de Whitney, segundo o qualMm ⊂Rn e imagem inversa de um valor regular de aplicacao definida
numa sua vizinhanca se, e somente se, existem emM n−m campos
contınuos de vetores normais, linearmente independentes em todos
os pontos de M .
1 Campos de vetores normais a uma su-
perfıcie
Diremos que um vetor u ∈ Rn e normal a superfıcie Mm ⊂ R
n
no ponto p ∈ M quando u for perpendicular a todos os vetores
tangentes a M no ponto p, isto e, quando se tiver 〈u, v〉 = 0 para
todo v ∈ TMp . O conjunto dos vetores normais a Mm no ponto p
e um subespaco vetorial de dimensao n−m (= codimensao de M)
do espaco euclidiano Rn. Indicaremos este subespaco vetorial com
TM⊥p ou νMp . Em cada ponto p ∈ R
n, o espaco Rn se decompoe
na soma direta Rn = TMp ⊕ νMp .
Um campo de vetores normais a superfıcie Mm ⊂ Rn e uma
aplicacao v : M → Rn tal que v(p) ∈ νMp para todo p ∈ M .
Conforme a definicao geral (secao 3 do Cap. II), diz-se que v ∈Cr quando, para cada ponto p ∈ M existe uma parametrizacao
ϕ : U0 → U , cuja classe e a mesma de M , tal que p ∈ U e v ϕ : U0 → R
n e de classe Cr. Quando r ≤ k, esta nocao tem sentido
intrınseco, isto e, nao depende da parametrizacao ϕ escolhida.
Mostraremos logo adiante, porem, que uma superfıcie de classe
Ck nao se pode esperar que existam muitos campos de vetores
normais de classe superior a Ck−1.
Exemplos de campos de vetores normais
1) v : Sn → Rn+1, dado por v(p) = p, e um campo normal C∞.
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72 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANCA
2) Para toda Mm ⊂ Rn, v : M → R
n, dado por v(p) = 0 em todos
os pontos p ∈M , e normal, de classe C∞.
3) Sejam U0 ⊂ R2 aberto e ϕ : U0 → R
3 um mergulho de classe Ck,
com U = ϕ(U0). Entao v : U → R3, definido pelo produto vetorial
v(p) = ϕ′(x) · e1 × ϕ′(x) · e2 , p = ϕ(x), e um campo de vetores
normais de classe Ck−1, diferente de zero em todos os pontos da
superfıcie U .
O Exemplo 3 se generaliza para hiperfıcies, mediante o conceito
de produto vetorial de n vetores em Rn+1, que recordaremos agora.
Dados v1, . . . , vs ∈ Rn+1, indiquemos com [v1, . . . , vs] a matriz
(n+1)×s cujo i-esimo vetor coluna e vi . O produto vetorial de n
vetores v1, . . . , vn ∈ Rn+1 e o vetor v = v1× · · ·× vn caracterizado
por 〈v, h〉 = det[v1, . . . , vn, h], para todo h ∈ Rn+1. Em particular,
para i = 1, . . . , n+ 1, temos 〈v, ei〉 = (−1)n+i+1 · det(αi), onde αi
e a matriz n × n cujos vetores colunas sao obtidos de v1, . . . , vnpela omissao da i-esima coordenada. Isto fornece a expressao v =n+1∑i=1
(−1)n+i+1 det(αi) · ei , o que permite considerar v = v1× · · · ×vn como um “determinante simbolico” v = det[v1, . . . , vn, E], no
qual os elementos da ultima coluna E sao os vetores e1, . . . , en+1 .
Tal determinante deve ser desenvolvido segundo os elementos da
ultima coluna.
O produto vetorial v = v1 × · · · × vn ∈ Rn+1 e linear em
cada um dos seus fatores. Alem disso, v e perpendicular ao su-
bespaco gerado por v1, . . . , vn , pois 〈v, vi〉 = 0. Com efeito, este
produto escalar e, para todo i ≤ n, um determinante com duas
colunas iguais. A aplicacao (v1, . . . , vn) 7→ v1×· · ·× vn e de classe
C∞. Notamos que v1 × · · · × vn 6= 0 se, e somente se, os ve-
tores v1, . . . , vn sao linearmente independentes. Finalmente, como
det[v1, . . . , vn, v1×· · ·×vn] = |v1×· · ·×vn|2 ≥ 0, concluimos que,
se os vi sao independentes, entao v1, . . . , vn, v1 × · · · × vn e uma
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[SEC. 1: CAMPOS DE VETORES NORMAIS A UMA SUPERFICIE 73
base positiva do espaco Rn+1.
Para uso na demonstracao da Proposicao 5, abaixo, notemos
o seguinte: se w1, . . . , wn ∈ Rn sao tais que wj =
n∑i=1
αij vi , (j =
1, . . . , n), entao w1×· · ·×wn = det(αij) ·v1×· · ·×vn . Para provar
isto, indiquemos com A a matriz n×n (αij). Entao [w1, . . . , wn] =
[v1, . . . , vn] · A. Seja A a matriz n × (n + 1) obtida acrescen-
tando a A uma ultima coluna, igual a en+1 . Para cada vetor h ∈Rn+1 teremos entao [w1, . . . , wn, h] = [v1, . . . , vn, h] · A e portanto
det[w1, . . . , wn, h] = det A ·det[v1, . . . , vn, h]. Como det A = detA,
concluimos que det[w1, . . . , wn, h] = detA·det[v1, . . . , vn, h], e por-
tanto w1 × · · · × wn = detA · (v1 × · · · × vn).Exemplo
4) Seja Mn ⊂ Rn+1 uma hipersuperfıcie de classe Ck. Dada uma
parametrizacao ϕ : U0 → U , de classe Ck, define-se em U um
campo v de vetores normais de classe Ck−1, pondo-se, para cada
p = ϕ(x) ∈ U , v(p) =∂ϕ1
∂x1(x) × · · · × ∂ϕ
∂xn(x). Como em cada
ponto p = ϕ(x) ∈ U os vetores tangentes∂ϕ
∂x1(x), . . . ,
∂ϕ
∂xn(x)
sao linearmente independentes, vemos que v(p) 6= 0 para todo
p ∈ U . Alem disso, como νMp tem dimensao 1, se tomarmos outra
parametrizacao ψ : V0 → V , e definirmos w : V → Rn por w(p) =
∂ψ
∂x1(y)× · · · × ∂ψ
∂xn(y), p = ψ(y), teremos w(p) = a(p) · v(p) com
a 6= 0, para todo p ∈ U ∩ V . Pela ultima observacao feita acima,
vemos que a(p) e o determinante da matriz de passagem da base∂ϕ
∂x1(x), . . . ,
∂ϕ
∂xn(x)
para a base
∂ψ
∂x1(y), . . . ,
∂ψ
∂xn(y)
, onde
p = ϕ(x) = ψ(y). Ora, esta e a matriz jacobiana do difeomorfismo
ϕ−1 ψ : ψ−1(U ∩ V ) → ϕ−1(U ∩ V ). Com efeito, escrevendo
ξ = ϕ−1ψ, a matriz jacobiana (αij) de ξ no ponto y e caracterizada
por ξ′(y) · ej =∑iαijei . Como ψ = ϕ ξ, temos ψ′(y) · ej =
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74 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANCA
ϕ′(x) · ξ′(y) · ej = ϕ′(x) ·∑iαijϕ
′(x) · ei . Daı verifica-se que a
matriz de passagem dos ϕ′(x) · ei para os ψ′(y) · ej e a matriz
jacobiana de ξ no ponto y.
Outros exemplos de campos de vetores normais resultam da
proposicao seguinte. Lembremos o gradiente de uma funcao real
diferenciavel f : U → R, definida num aberto U ⊂ Rn, introduzido
na Secao 3 do Capıtulo I. Tem-se
grad f(p) =
(∂f
∂x1(p), . . . ,
∂f
∂xn(p)
).
Proposicao 1. Seja f : U → R uma funcao real de classe Cr,
definida no aberto U ⊂ Rn. Seja c um numero real. Se M ⊂ R
n
e uma superfıcie contida em f−1(c), entao grad f : M → Rn e um
campo de vetores normais, de classe Cr−1 em M .
Demonstracao: Para cada p ∈ M e cada v ∈ TMp , seja
λ : (−ε,+ε) → M um caminho diferenciavel, com λ(0) = p e
λ′(0) = v. Entao f(λ(t)) = c para todo t e por conseguinte
(f λ)′ = 0. Logo 〈 grad f(p), v〉 = f ′(p) · v = (f λ)′(0) = 0.
Isto mostra que grad f(p) e normal a M . Por outro lado, e evi-
dente que grad f ∈ Cr−1.
Corolario. Seja Mm = f−1(c) ⊂ Rm+n uma superfıcie ob-
tida como imagem inversa de um valor regular de uma aplicacao
f : U → Rn, de classe Ck no aberto U ⊂ R
m+n. Escrevamos
f = (f1, . . . , fn). Entao grad f1, . . . , grad fn : M → Rm+n sao
campos de vetores normais de classe Ck−1 em M , os quais consti-
tuem uma base de νMp em cada ponto p ∈M .
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[SEC. 1: CAMPOS DE VETORES NORMAIS A UMA SUPERFICIE 75
Com efeito, se c = (c1, . . . , cn) entao M ⊂ (f i)−1(ci) para cada
i = 1, . . . , n e portanto grad f i e normal a M , pela Proposicao 1.
Alem disso, como c e valor regular de f , em cada ponto p ∈M =
f−1(c) a derivada f ′(p) : Rm+n → R
n e sobrejetiva. As n linhas
da matriz de f ′(p) sao portanto linearmente independentes. Ora,
essas linhas sao os vetores grad f i(p).
Seja Mm ⊂ Rm+n uma superfıcie de classe Ck. Para cada
ponto p0 ∈M existem Ω ⊂ Rm+n aberto, com p0 ∈ Ω e f : Ω→ R
n
de classe Ck tal que 0 ∈ Rn e um valor regular de f e Ω ∩M =
f−1(0). (Cfr. Proposicao 5, Cap. II.)
Sejam f1, . . . , fn : Ω→ R as funcoes coordenadas de f . Como
vimos, grad f1, . . . , grad fn : U → Rm+n sao campos vetoriais de
classe Ck−1 em U , que formam em cada ponto p ∈ U uma base do
espaco normal. Portanto, um campo arbitrario de vetores normais
v : U → Rm+n determina univocamente (e e determinado por) n
funcoes reais α1, . . . , αn : U → R tais que
v(p) =
n∑
α=1
αi(p) grad f i(p)
para cada p ∈ U . Quando r ≤ k − 1, o campo v e de classe Cr
se, e somente se, as funcoes αi sao de classe Cr. Isto decorre da
seguinte
Proposicao 2. Sejam v1, . . . , vn : Mm → Rm+n campos vetoriais
de classe Cr (r ≤ k), normais a uma superfıcie de classe Ck,
tais que, em cada ponto p ∈ M , v1(p), . . . , vn(p) e uma base
do espaco normal νMp . Todo campo normal v : M → Rm+n se
escreve, de modo unico, em cada ponto p ∈ M , como v(p) =
α1(p) · v1(p) + · · · + αn(p) · vn(p). Isto define n funcoes reais
α1, . . . , αn : M → R. O campo v e de classe Cr se, e somente
se, as funcoes αi o sao.
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76 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANCA
Demonstracao: Omitida, por ser analoga a da Proposicao 7,
Capıtulo II.
Mostraremos a seguir que, se Mm ⊂ Rm+n e de classe Ck,
porem nao de classe Ck+1, M admite localmente n campos de
vetores normais linearmente independentes de classe Ck−1, porem
nao de classe Ck.
Proposicao 3. Seja Mm ⊂ Rm+n uma superfıcie de classe Ck. Se
todo ponto de M possui uma vizinhanca na qual se podem definir
n campos de vetores normais linearmente independentes de classe
Ck, entao M e de classe Ck+1.
Demonstracao: Sejam v1, . . . , vn : Mm → Rm+n campos nor-
mais de classe Ck, definidos no aberto U ⊂ M , linearmente in-
dependentes em cada ponto. Para cada p ∈ U , seja V (p) a
matriz (m + n) × n cujas colunas sao os vetores vi(p). Como
V (p) tem posto n, sem perda de generalidade podemos supor que
V (p) =
(A(p)
B(p)
), onde A(p) e n × n invertıvel. Pondo W (p) =
V (p) · A(p)−1, vemos que W (p) =
(InC(p)
), onde In = matriz
identidade n × n e C(p) e m × n. Evidentemente, p 7→ W (p) e
de classe Ck em U e, como as colunas de W (p) sao combinacoes
lineares das de V (p), concluimos que as colunas de W (p) for-
mam, em cada ponto p ∈ U , uma base do espaco normal νMp .
Consideremos agora a matriz Z(p), com m linhas e m + n co-
lunas, definida como Z(p) = (−C(p), Im), onde Im = matriz
identidade m ×m. Efetuando a multiplicacao por blocos, temos
Z(p) ·W (p) = −C(p) · In + Im · C(p) = −C(p) + C(p) = 0. Isto
significa que as linhas de Z(p) e as colunas de W (p) sao duas a
duas ortogonais. Como estas formam uma base de νMp , segue-se
que as linhas de Z(p) definem em U m campos vetoriais tan-
gentes, de classe Ck, linearmente independentes em cada ponto.
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[SEC. 1: CAMPOS DE VETORES NORMAIS A UMA SUPERFICIE 77
Pela Proposicao 8 do Capıtulo II, concluimos que M ∈ Ck+1.
3.1 Observacoes; a faixa de Moebius
1) Se, num aberto U de uma superfıcie Mm ⊂ Rn acham-se defini-
dos s campos de vetores normais v1, . . . , vs : U →M , de classe Cr,
linearmente independentes em cada ponto de U , entao os vetores
vi podem ser supostos ortonormais, isto e, todos de comprimento
1, dois a dois ortogonais. Com efeito, se tal nao for o caso, apli-
caremos aos vi o processo de ortogonalizacao de Gram-Schmidt,
substituindo-os por u1, . . . , us , onde
u1 =v1|v1|
, u2 =u′2|u′2|
, u′2 = v2 − (v2, u1)u1
un =u′n|u′n|
, u′n = vn −n−1∑
i=1
〈vn, ui〉ui .
2) Seja Mm ⊂ Rm+1 uma hiperfıcie Ck (k ≥ 1) que possui um
campo contınuo de vetores normais unitarios v : M → Rm+1. Seja
γ : [a, b] → M um caminho contınuo em M com γ(a) = γ(b).
Entao, dada qualquer famılia contınua a um parametro u(t), de
vetores normais unitarios ao longo de γ (isto e, t 7→ u(t) e contınua
e, para cada t ∈ [a, b], u(t) ∈ TMγ(t) e normal a M no ponto γ(t)),
tem-se necessariamente u(a) = u(b).
Figura 3.1.
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78 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANCA
Com efeito, indiquemos por v(t) o vetor v(γ(t)). Entao v(t)
depende continuamente de t ∈ [a, b]. Ora, 〈u(t), v(t)〉 = ±1 e,
sendo [a, b] conexo, deve ser 〈u(t), v(t)〉 constante. Em particular,
〈u(s), v(s)〉 = 〈u(b), v(b)〉. Como v(a) = v(b) segue-se que u(a) =
u(b).
3) Vejamos agora um exemplo de uma superfıcie M 2 ⊂ R3 que
nao possui campo contınuo de vetores normais que nao se anula
em ponto algum.
Pela Observacao 1, esta superfıcie nao pode ser definida impli-
citamente.
Trata-se da faixa de Moebius.
A faixa de Moebius M e o espaco obtido do retangulo [0, 2π]×(0, 1) pela identificacao dos pontos (0, t) e (2π, 1−t), t percorrendo
o intervalo (0, 1).
(0, 1)
(0, 0)
(0, 1)
(0, 0)
(2π, 1)
(2π, 0)
(2π, 0)
(2π, 1)
Figura 3.2.
Figura 3.3.
Como superfıcie em R3, a faixa de Moebius e obtida pela
rotacao de um segmento de reta aberto, de comprimento 1, cujo
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[SEC. 1: CAMPOS DE VETORES NORMAIS A UMA SUPERFICIE 79
centro se apoia num cırculo de raio 1. Enquanto o centro do seg-
mento desliza sobre o cırculo, o segmento realiza uma rotacao de
180 ate o final da primeira volta. Uma descricao mais precisa e
dada pela aplicacao de classe C∞
f : (0, 1)× R→ R3,
onde f(s, t) = γ(t) +(s − 1
2
)δ(t), sendo γ(t) = (cos t, sen t, 0) e
δ(t) = cost
2· γ(t) + sen
t
2· e3 .
Figura 3.4.
A imagem de f e a faixa de MoebiusM 2 ⊂ R3. Para cada intervalo
aberto I ⊂ R de amplitude ≤ 2π a restricao de f a (0, 1) × J
parametriza um subconjunto aberto de M .
O caminho v : [0, 2π] → R3 definido por v(t) =
∂f
∂s
(12, t)×
∂f
∂t
(12, t)
=(− cos t sen
t
2,− sen t sen
t
2, cos
t
2
)e contınuo, |v(t)| =
1 para todo t, e v(t) e normal a faixa de Moebius no ponto γ(t)
(no centro da faixa) para todo t ∈ [0, 2π]; e importante notar que
v(0) = −v(2π), enquanto que γ(0) = γ(2π). A Observacao 2 mos-
tra que nao pode existir um campo contınuo de vetores normais
nao nulos na faixa de Moebius M .
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80 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANCA
2 Superfıcies Orientaveis
A existencia ou nao de um campo contınuo de vetores normais
unitarios em uma hiperfıcie Mn ⊂ Rn+1 esta ligada ao conceito
mais geral de orientabilidade que estudaremos agora.
Um atlas de classe Ck numa superfıcieMm ⊂ Rn e uma colecao
A de parametrizacoes ϕ : U0 → U ⊂ M , de classe Ck, tal que os
conjuntos abertos U formam uma cobertura de M .
Duas parametrizacoes de classe Ck, ϕ : U0 → U e ψ : V0 → V
dizem-se coerentes se, ou bem U ∩ V = ∅, ou bem U ∩ V 6= ∅ e a
mudanca de coordenadas ξ = ϕ−1 ψ tem determinante jacobiano
positivo em todos os pontos de seu domınio ψ−1(U ∩ V ).
Um atlas A chama-se coerente quando todos os pares de para-
metrizacoes ϕ,ψ ∈ A sao coerentes.
Uma superfıcie M diz-se orientavel quando existe um
atlas coerente em M . Uma vez escolhido um atlas coerente P,
dizemos que M esta orientada. As parametrizacoes que sao coe-
rentes com aquelas de P sao chamadas de positivas, as outras sao
ditas negativas.
Cada subconjunto aberto W de uma superfıcie orientavel M
e tambem uma superfıcie orientavel. Realmente, dado um atlas
coerente P em M , a colecao PW das restricoes ϕ|ϕ−1(U ∩W ) das
parametrizacoes ϕ : U0 → U , ϕ ∈ P, e um atlas coerente em W .
A seguinte proposicao fornece exemplos de superfıcies orienta-
veis.
Proposicao 4. Seja Mm ⊂ Rn uma superfıcie de classe Ck,
k ≥ 1. Se existem n − m campos contınuos de vetores normais
v1, . . . , vn−m : M → Rn tais que v1(p), . . . , vn−m(p) sao linear-
mente independentes em cada ponto p ∈M , entao M e orientavel.
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[SEC. 2: SUPERFICIES ORIENTAVEIS 81
Demonstracao: Seja P o conjunto das parametrizacoes de classe
Ck, ϕ : U0 → U ⊂M , tais que:
(i) U0 e conexo.
(ii) para cada x ∈ U0 , a matriz n × n, Aϕ(x), cujas colunas sao
ϕ′(x) · e1, . . . , ϕ′(x) · em , v1(ϕ(x)), . . . , vn−m(ϕ(x)), tem determi-
nante positivo. Vamos mostrar que P e um atlas coerente em M .
Seja p ∈M , arbitrario. Consideremos uma parametrizacao de
classe Ck, ϕ : U0 → U ⊂M , com U0 ⊂ Rm conexo e p ∈ U . Entao
ou ϕ ∈ P, ou (por infelicidade) det[Aϕ(x)] < 0 para todo x ∈ U0 .
Neste caso, substituımos ϕ pela parametrizacao ψ : V0 → U dada
por ψ(x1, . . . , xm) = ϕ(−x1, . . . , xm), que certamente pertence a
colecao P. Isto mostra que as imagens das parametrizacoes per-
tencentes a P constituem uma cobertura de M .
Resta provar que, dadas ϕ : U0 → U e ψ : V0 → V , elementos
de P com U∩V 6= ϕ, entao ϕ−1ψ : ψ−1(U∩V )→ ϕ−1(U∩V ) tem
determinante jacobiano positivo em cada ponto z ∈ ψ−1(U ∩ V ).
Seja ϕ(x) = ψ(z). Escrevamos
ψ′(z) · ej =m∑
i=1
βij ϕ′(x) · ei ; j = 1, . . . ,m.
Entao det[Aψ(z)] = det(βij) det[Aϕ(x)], logo det(βij) > 0. Mas
a matriz jacobiana de ϕ−1 ψ em z e precisamente (βij), o que
conclui a demonstracao.
Corolario. Se Mm ⊂ Rn e a imagem inversa de um valor regular
de uma aplicacao de classe Ck f : U → Rn−m ( U ⊂ R
n aberto),
entao M e orientavel.
Atencao: A recıproca da Proposicao 4 e de seu corolario e falsa
em geral. A condicao de orientabilidade e mais fraca do que a
existencia de n −m campos contınuos de vetores normais linear-
mente independentes em cada ponto. Existem exemplos de su-
perfıcies Mm ⊂ Rn orientaveis que nao possuem n − m campos
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82 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANCA
contınuos de vetores normais linearmente independentes em cada
ponto. Tais exemplos sao complicados e fogem ao nıvel deste texto.
Estudamos a seguir um caso especial em que a recıproca e verda-
deira, a saber, quando M e uma hiperfıcie.
Proposicao 5. Seja Mn ⊂ Rn+1 uma hiperfıcie de classe Ck.
Entao M e orientavel se, e somente se, existe um campo contınuo
de vetores normais u : Mn → Rn+1, com u(p) 6= 0 para todo
p ∈M .
Demonstracao: Metade da proposicao resulta da Proposicao 4.
Basta entao mostrar que se pode definir numa hiperfıcie orientavel
Mn ⊂ Rn+1 um campo contınuo de vetores normais u : M →
Rn+1, com |u(p)| = 1 para todo p ∈M . Seja P um atlas coerente
em M . Dado p ∈ M , tomemos uma parametrizacao ϕ : U0 → U
pertencente a P, com p = ϕ(x) ∈ U , consideremos o produto ve-
torial w(p) = ϕ′(x) ·e1×· · ·×ϕ′(x) ·en (vide Secao 1) e ponhamos
u(p) = w(p)/|w(p)|. Isto definira um campo de vetores normais
unitarios u : M → Rn+1, de classe Ck−1, desde que mostremos que
u(p) ∈ νpM nao depende da escolha da parametrizacao ϕ ∈ P.
Como a dimensao de νpM e 1, so existem dois valores unitarios
normais a M no ponto p, os quais diferem apenas em sinal. Deve-
mos entao verificar que, se ψ : V0 → V e outra parametrizacao em
P, com p = ψ(y) ∈ V , teremos ψ′(y) ·e1×· · ·×ψ′(y) ·en = a ·w(p),
com a > 0. Isto porem resulta de ser a o determinante jaobiano
da mudanca de coordenadas ϕ−1ψ, o qual e positivo em virtude
da coerencia do atlas P. (Vide Exemplo 4, na Secao 1).
Observacao: Ficou demonstrado acima que se u : Mn → Rn+1 e
um campo contınuo de vetores normais unitarios numa hiperfıcie
de classe Ck entao M e orientavel e n e automaticamente de
classe Ck−1. E reciprocamente, se M e orientavel de classe Ck
entao existe em M um campo de classe Ck−1 de vetores normais
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[SEC. 2: SUPERFICIES ORIENTAVEIS 83
unitarios.
Daremos agora um exemplo de uma superfıcie compacta P 2 ⊂R
4 nao orientavel. E um fato topologico, cuja demonstracao es-
capa as finalidades destas notas, que toda hiperfıcie compacta
Mn ⊂ Rn+1 e necessariamente orientavel.
Exemplo: O plano projetivo P 2 ⊂ R4 (cf. Hilbert e
Cohn-Vossen, “Geometry and Imagination”, pag. 340). Seja
f : R3 → R
4 a aplicacao de classe C∞ definida por f(x, y, z) =
(x2 − y2, xy, xz, yz). O plano projetivo e o conjunto P 2 = f(S2),
imagem por f da esfera unitaria S2 ⊂ R3. Afirmamos que P 2 e
uma superfıcie de dimensao 2 e de classe C∞ no R4. Isto sera feito
em etapas (i), (i)) e (iii).
(i) Provemos inicialmente que, dados p, q ∈ S2, f(p) = f(q) se, e
somente se, p = ±q.Com efeito, e evidente que f(p) = f(−p). Por outro lado se
f(p) = (a, b, c, d), p = (x, y, z) ∈ S2, entao tem-se:
(I) x2 − y2 = a, xy = b, xz = c, yz = d
(II) x2−y2 = a, dx2 = bc, cy2 = bd, bz2 = cd, x2 +y2 +
z2 = 1.
Se b = c = c = 0, as equacoes (I) mostram que pelo me-
nos duas (donde exatamente duas) das coordenadas x, y, z sao
nulas, a restante devendo ser necessariamente igual a ±1. Neste
caso, f−1(0, 0, 0, 0) = (0, 0,±1), f−1(1, 0, 0, 0) = (±1, 0, 0) e
f−1(−1, 0, 0, 0) = (0,±1, 0).
Se algum dos numeros b, c, d for 6= 0, as equacoes (II) determi-
narao x2, y2, z2, enquanto as 3 ultimas equacoes (I) mostram que
uma escolha de sinal numa coordenada determina o sinal das ou-
tras duas, donde f−1(a, b, c, d) consiste de exatamente dois pontos
antıpodas p = (x, y, z) e −p = (−x,−y,−z).
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84 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANCA
(ii) Mostremos agora que, em cada ponto p = (x, y, z) ∈ S2, a
derivada f ′(p) : R3 → R
4 leva o plano tangente (TS2)p ⊂ R3 inje-
tivamente no R4.
Isto e feito observando a matriz jacobiana
Jf(x, y, z) =
2x −2y 0
y x 0
z 0 x
0 z y
Dois dos menores 3× 3 de Jf sao 2× (x2 + y2) e 2y(x2 + y2).
Logo Jf tem posto 3 exceto quando x = y = 0. Segue-se que
f ′(p) : R3 → R
4 e injetora para todo p ∈ S2−a,−a, a = (0, 0, 1).
Os pontos ±a sao examinados separadamente: A matriz jaco-
biana Jf mostra que
f ′(±a) · e1 = ±e3 e f ′(±a) · e2 = ±e4 .Como os planos tangentes a S2 nos pontos ±a coincidem e sao
gerados por e1 e e2 , resulta que dim[f ′(±a) · (TS2)±a] = 2.
(iii) Pelo resultado acima, para cada parametrizacao de classe
C∞, ϕ : U0 → S2, de um subconjunto aberto de S2, a aplicacao
f ϕ : U0 → R4 e uma imersao C∞. Se ϕ(U0) e suficientemente pe-
queno para nao conter par algum de pontos antıpodas, entao f ϕsera 1 − 1. Resta mostrar que f ϕ e um homeomorfismo de U0
sobre um subconjunto aberto U = f ϕ(U0) de P 2. Isto e verdade
porque f : S2 → P 2 e uma aplicacao aberta: Dado um subcon-
junto aberto A ⊂ S2, suponhamos, por absurdo, que f(A) nao
seja aberto em P 2. Entao existe uma sequencia de pontos xn ∈ S2
tais que f(xn)→ f(y), y ∈ A e f(xn) /∈ f(A). Esta ultima relacao
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[SEC. 2: SUPERFICIES ORIENTAVEIS 85
significa que xn /∈ A e xn /∈ −A = −x; x ∈ A. Como S2
e compacta, podemos supor (considerando uma subsequencia, se
necessario) que x /∈ A∪(−A). Pela continuidade de f , no entanto,
f(x) = f(y) ∈ f(A), donde x = ±y ∈ ±A, contradicao.
A superfıcie de classe C∞ P 2 = f(S2) e compacta pois e ima-
gem contınua por f do compacto S2.
O plano projetivo e concebido “abstratamente” como o espaco
quociente S2/E da esfera unitaria S2 pela relacao de equivalencia
E cujas classes de equivalencia sao p,−p, p ∈ S2. Dotamos
S2/E da topologia co-induzida pela aplicacao canonica π : S2 →S2/E.
Notemos que E e precisamente a relacao de equivalencia deter-
minada por f : S2 → P 2. Por f ser aberta e do diagrama classico
S2 P 2
S2/E
?π
-f
ff(π(x)) = f(x)
resulta que f : S2/E → P 2 e um homeomorfismo.
Portanto, a superfıcie P 2 ⊂ R4 e uma imagem “concreta” do
plano projetivo S2/E, no espaco euclidiano R4.
Resta apresentar uma justificativa para a nao-orientabilidade
de P 2. Uma razao e que P 2 contem uma faixa de Moebius, a
imagem por f de uma faixa equatorial em S2, como mostra a
figura 3.5.
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86 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANCA
f
A
B
A′
B′ M
N
f(A) = f(A′) = M ; f(B) = f(B′) = N .
Figura 3.5.
Se P 2 fosse orientavel e A fosse um atlas coerente em P 2, as res-
tricoes a M das parametrizacoes de P 2, pertencentes a A, forne-
ceriam uma orientacao de M , o que e impossıvel.
Em particular, nao existe aplicacao de classe C1, g : W → R2
definida num aberto W ⊂ R4 contendo P 2 tal que P 2 = g−1(c),
onde c ∈ R2 e valor regular de g.
3 A vizinhanca tubular de uma superfıcie
compacta
Seja Mm ⊂ Rm+n uma superfıcie de classe Ck, k ≥ 1.
Diz-se que o segmento [p, a] = p+t(a−p); 0 ≤ t ≤ 1 e normal
a M no ponto p se p ∈M e v = a− p ∈ νMp .
Mm
vTMp
a
p
Rm+n
Figura 3.6.
A bola normal (de dimensao n) B⊥(p; ε) e a reuniao dos seg-
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[SEC. 3: A VIZINHANCA TUBULAR DE UMA SUPERFICIE COMPACTA 87
mentos normais a M no ponto p, de comprimento < ε. Logo
B⊥(p; ε) = x ∈ Rm+n; |x− p| < ε, 〈x− p, v〉 = 0 ∀ v ∈ TMp
M
B1(p; ε)
p+ vMp
p
ε
Figura 3.7.
Diz-se que o numero real ε > 0 e um raio normal admissıvel
para um subconjunto X ⊂M quando, dados dois segmentos [p, a]
e [q, b], normais a M , de comprimento < ε, com p 6= q ∈ X, tem-se
[p, a] ∩ [q, b] = ∅.
< ε
X
pq
ba
< ε
Figura 3.8.
Em outras palavras, B⊥(p; ε) ∩B⊥(q; ε) = ∅ se p 6= q ∈ X e ε
for um raio normal admissıvel para X.
Demonstraremos agora o teorema da vizinhanca tubular para
superfıcies Mm ⊂ Rm+n, compactas, de classe ≥ 2.
O leitor pode provar, como exercıcio, que em nenhuma vizi-
nhanca da origem existe um raio normal admissıvel para a curva
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88 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANCA
y = x4/3, de classe C1 no plano R2. Devemos considerar, portanto,
superfıcies de classe Ck, k ≥ 2.
Proposicao 4. Seja Mm ⊂ Rm+n uma superfıcie compacta de
classe Ck, k ≥ 2. Entao:
(1) Existe ε > 0, raio normal admissıvel para M .
(p 6= q em M ⇒ B⊥(p; ε) ∩B⊥(q; ε) = ∅).
(2) A reuniao Vε(M) =⋃p∈M
B⊥(p; ε) dos segmentos normais a
M de comprimento < ε e um aberto do Rm+n chamado a
vizinhanca tubular de M de raio ε.
(3) A aplicacao π : Vε(M) → M , que associa a cada ponto q ∈Vε(M) o pe do unico segmento normal que o contem, e de
classe Ck−1.
p
B⊥(p; ε)
Vε(M)
ε
ε
M
Figura 3.9.
Demonstracao:
(i) A proposicao vale localmente: todo ponto p0 ∈M pertence
a um aberto U ⊂ M para o qual existe raio normal admissıvel
εU > 0.
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[SEC. 3: A VIZINHANCA TUBULAR DE UMA SUPERFICIE COMPACTA 89
Com efeito, em virtude das observacoes que seguem o Corolario
da Proposicao 1, existe uma parametrizacao ϕ : V0 → V , de classe
Ck, de uma vizinhanca p0 ∈ V ⊂M e n campos de vetores normais
unitarios, de classe Ck−1, v1, . . . , vn : V → Rm+n, mutuamente or-
togonais em cada ponto. (A ortonormalidade justifica-se por 3.1.)
Consideremos a aplicacao Φ: V0×Rn → R
m+n, de classe Ck−1,
dada por Φ(x, α1, . . . , αn) = ϕ(x) +n∑i=1
αivi(ϕ(x)). Geometrica-
mente, Φ e a extensao de ϕ que aplica, isometrica e linearmente,
a variedade linear x ×Rn sobre a variedade linear ϕ(x) + νMp ,
para cada x ∈ V0 .
V0 × 0
V
M
V0 × Rn
Φ
Figura 3.10.
Para cada x ∈ V0 , a matriz jacobiana de Φ no ponto (x, 0) tem
por colunas os vetores
∂ϕ
∂xi(x), 1 ≤ i ≤ m e vj(ϕ(x)), m+ 1 ≤ j ≤ m+ n.
Os m primeiros formam uma base para TMϕ(x) enquanto que os
n ultimos constituem uma base para νMϕ(x) . Por conseguinte,
Φ′(x, 0) : Rm+n → R
m+n e um isomorfismo.
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90 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANCA
Seja ϕ(x0) = p0 . Pelo teorema da funcao inversa, existe uma
vizinhanca aberta de (x0, 0) em Rm × R
n, que se aplica difeo-
morficamente sobre uma vizinhanca de p0 em Rm+n. Podemos
tomar a primeira do tipo U0 × Bn(ε), onde x0 ∈ U0 ⊂ V0 ⊂ Rm
e raio ε > 0. Se escrevemos U = ϕ(U0), Φ transforma difeo-
morficamente U0×Bn(ε) na reuniao Vε(U) de todos os segmentos
normais de origem em U e comprimento < ε (ver Figura 3.10).
Dados p 6= q ∈ U , tem-se B⊥(p; ε) ∩ B⊥(q; ε) = ∅, pois dois
segmentos normais de comprimentos < ε, com origem em dois
pontos distintos ϕ(x), ϕ′(x) ∈ U , sao imagens de segmentos da
forma x × I, x′ × I ′, com x 6= x′, I e I ′ contidos em raios da
bola Bn(ε). Logo os segmentos dados Φ(x × I) e Φ(x′ × I ′) sao
disjuntos.
O retangulo comutativo (onde π1 e a projecao do produto no
primeiro fator)
Vε(U) U
U0 ×Bn(ε) U0
-π
6
Φ
-π1
6
ϕ
mostra que Vε(U) e aberto em Rm+n e que a aplicacao
π : Vε(U)→ U e de classe Ck−1.
(ii) A proposicao vale globalmente. Por compacidade, M pode ser
recoberta por um numero finito U1, . . . , Ur de vizinhancas, cada
uma das quais possui raio normal admissıvel ε1, . . . , εr .
Seja ε > 0 inferior a todos os εi e tal que 2ε e numero de
Lebesgue da cobertura U1, . . . , Ur . Afirmamos que ε e raio normal
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[SEC. 3: A VIZINHANCA TUBULAR DE UMA SUPERFICIE COMPACTA 91
admissıvel para M . Com efeito, dados dois segmentos normais
[p, a] e [q, b] de comprimento < ε, ou p e q pertencem ao mesmo
Ui , ou |p − q| ≥ 2ε. No primeiro caso, os segmentos dados sao
disjuntos pois ε < εi . No segundo caso, sao disjuntos porque um
triangulo nao pode ter dois lados menores que ε e o terceiro ≥ 2ε.
ba
≥ 2ε
M< ε< ε
pq
Figura 3.11.
As demais afirmacoes da proposicao tem carater local e por-
tanto seguem-se de (i). Com efeito,
Vε(M) =⋃
Vε(U)
e um subconjunto aberto do Rm+n e π : Vε(M) → M e de classe
Ck−1.
Diremos que a vizinhanca tubular Vε(M) e equivalente ao espaco
produto M ×Bn(ε) se existir um difeomorfismo h : M ×Bn(ε)→Vε(M) com as seguintes propriedades:
(i) O triangulo
M ×Bn(ε) Vε(M)
Msπ1
-h
+ π
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92 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANCA
e comutativo, isto e, π h = π1 .
(ii) Para cada p ∈M , h e uma isometria da “fibra” π−11 (p) =
p×Bn(ε) sobre a “fibra” π−1(p) = B⊥(p; ε).
Nestas condicoes diremos que h e uma equivalencia entre estes
conjuntos.
Exemplo
A aplicacao h : S1 ×(− 1
2,1
2
)→ V1/2(S
1), dada por h(z, t) =
(1 + t)z e uma equivalencia entre a vizinhanca tubular V1/2(S1)
do cırculo e o produto de S1 pelo intervalo(− 1
2,1
2
).
Proposicao 5. Seja Mm ⊂ Rm+n uma superfıcie compacta de
classe C∞. As seguintes condicoes acerca de M sao equivalentes:
1) M = f−1(a), onde a e valor regular de uma aplicacao de
classe C∞, f : U → Rn, U ⊂ R
m+n aberto.
2) Existem em M n campos de vetores normais de classe C∞,
linearmente independentes em todos os pontos.
2’) Existem em M n campos de vetores, de classe C∞, trans-
versais a M em todos os pontos (isto e, em cada p ∈M , os
n campos geram um suplemento para TMp).
3) Toda vizinhanca tubular de M e equivalente a um produto.
Demonstracao: 1) ⇒ 2). Basta tomar v1(p) = grad f1(p), ...,
vn(p) = grad fn(p).
2) ⇒ 2’) Evidente.
2)′ ⇒ 2) Basta projetar, em cada ponto, os vetores dois campos
transversais sobre o espaco normal.
2) ⇒ 3) Podemos supor que os n campos sao unitarios e dois
a dois ortogonais. Seja h : M × Bn(ε) → Vε(M) definido por
h(x, α1, . . . , αn) = x+ Σαivi(x).
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[SEC. 4: A VIZINHANCA TUBULAR DE UMA SUPERFICIE NAO COMPACTA 93
3) ⇒ 1) Consideremos o diagrama
Vε(M) M ×Bn(ε) Bn(ε)
M
-h−1
sπ
-π2
+ π1
Seja f = π2 h−1 : Vε(M)→ Rn. Entao 0 ∈ R
n e valor regular de
f ∈ C∞ e M = f−1(0).
Observacao: O teorema e valido para superfıcies compactas de
classe Ck, 2 ≤ k <∞. A demonstracao acima nao se aplica porque
a projecao da vizinhanca tubular tem classe Ck−1 apenas.
4 A vizinhanca tubular de uma superfıcie
nao compacta
Nesta secao consideramos superfıcies Mm ⊂ Rm+n de classe
≥ 2, nao necessariamente compactas.
Dada uma funcao contınua ε : M → R, estritamente positiva,
escrevemos Vε(M) =⋃p∈M
B⊥(p; ε(p)), onde B⊥(p; ε(p)) e, como
antes, a bola aberta normal a M no ponto p, com raio ε(p).
Proposicao 6. Se Mm ⊂ Rm+n e de classe ≥ 2, existe uma
funcao ε : M → R, contınua, estritamente positiva, tal que
(1) Vε(M) e aberto em Rm+n, e M ⊂ Vε(M).
(2) Se p 6= q em M , entao B⊥(p; ε(p)) ∩B⊥(q; ε(q)) = ∅.
Assim, cada ponto x ∈ Vε(M) pertence a um unico segmento
normal [p, a), com p ∈M e |a− p| = ε(p).
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94 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANCA
(3) A projecao π : Vε(M) → M , que associa a cada ponto x ∈V (M) o pe do unico segmento normal que o contem, e de
classe Ck−1.
(4) Para cada ponto p ∈ M existe uma vizinhanca U ⊂ M e
um homeomorfismo h da imagem inversa π−1(U) sobre o
produto U × Bn (onde Bn ⊂ Rn e a bola aberta de centro 0
e raio 1) tal que o diagrama
π−1(U) U ×Bn
U
-h
Rπ
π1
comuta.
Vε(M) e chamada a vizinhanca tubular da superfıcie M de
raio ε.
Para provarmos a Proposicao 6, precisamos de dois lemas:
Lema 1. Seja Mm ⊂ Rm+n uma superfıcie de classe ≥ 2. Mesmo
que M nao seja compacta, todo subconjunto compacto K ⊂ M
possui um raio normal admissıvel αK > 0. Ou seja, dois seg-
mentos normais a M , de comprimento < αK com origem em dois
pontos distintos de K, sao sempre disjuntos. Alem disso, αK pode
ser tomado de tal modo que se VαK(K) =
⋃p∈K
B⊥(p;αK), entao
tem-se VαK(K) ∩M = K.
Demonstracao: Seja L ⊂ M uma vizinhanca compacta de K.
Segue-se da demonstracao da Proposicao 4 que existe um raio
normal admissıvel αL para L. Tomando
αK =1
2minαL , d(K,M − L),
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[SEC. 4: A VIZINHANCA TUBULAR DE UMA SUPERFICIE NAO COMPACTA 95
entao VαK(K) ∩M = K. De fato, q ∈ VαK
(K) ∩M ⇒ [q ∈ M e
d(q,K) ≤ αK < d(K,M − L)]⇒ [q ∈M e q /∈M − L]⇒ q ∈ L.
Como q ∈ VαK(K), existe p ∈ K tal que |p − q| ≤ αK < αL
e [p, q] e segmento normal a M no ponto p. Ora, p, q ∈ L e
|p− q| < αL , logo q = p ∈ K.
M
VαK(K)
K
Figura 3.12.
Lema 2. Seja Mm ⊂ Rm+n uma superfıcie de classe CK (K ≥ 2).
(1) Existe uma sequencia de conjuntos compactos K1,K2, . . . ,
contidos em M tais que Ki ⊂ intKi+1 e M =⋃i=1
Ki .
(2) Existem tambem numeros reais ε1 ≥ ε2 ≥ · · · > 0 tais que,
para p ∈ Ki , q ∈ Kj e p 6= q, tem-se:
(a) B⊥(p; εi) ∩B⊥(q; εj) = ∅.
M
K1
K2K3
Figura 3.13.
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96 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANCA
Demonstracao: A afirmacao (1) resulta simplesmente de ser
a superfıcie M um espaco localmente compacto com base enu-
meravel.
Quanto a afirmacao (2), pelo Lema 1 existe, para cada i ∈ N ,
um numero real αi > 0, raio normal admissıvel para Ki , com
Vαi(Ki) ∩M = Ki .
Tomamos, por motivos tecnicos, α1 ≥ α2 ≥ . . .Pomos ε1 = α2 e ε2 = α3 . Suponhamos definidos ε1 ≥ · · · ≥ εs
de modo que εi ≤ αi+1 e a condicao (a) do enunciado seja valida
para i, j ≤ s. Definimos, por inducao, o numero εs+1 de tal modo
que:
(*) 0 < εx+1 < minαs+2, εs, d
(Ks+1 − intKs,
s−1⋃
i=1
Vεi(Ki)
).
Entao a condicao (a) sera valida para i, j ≤ s+ 1.
Com efeito, temos tres casos a considerar:
1o¯ caso: i, j ≤ s. Hipotese de inducao.
2o¯ caso: i = s e j = s + 1. Entao a afirmacao e trivialmente
correta, pois εs ≤ αs+1 .
3o¯ caso: p ∈ Ks+1 −Ks e q ∈ Ki0 , i0 < s.
Consideremos dois segmentos normais a M , [p, a] com com-
primento < εs+1 e [q, b] com comprimento < εi0 . Como p ∈Ks+1 − intKs e [q, b] ⊂ Vεi0
(Ki0) ⊂s−1⋃i=1
Vεi(Ki), a equacao (*)
mostra que εs+1 < d(p, [q, b]). Logo [p, a] ∩ [q, b] = ∅. Isto conclui
a demonstracao do Lema 2.
Demonstracao da Proposicao 6: Seja, com a notacao do Lema
2, V (M) =∞⋃i=1
Vεi(Ki). Introduzamos ε : M → R, uma funcao
contınua estritamente positiva definida por ε(p) = dist(p,Rm+n −
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[SEC. 4: A VIZINHANCA TUBULAR DE UMA SUPERFICIE NAO COMPACTA 97
V (M)). Como 0 < ε(p) ≤ εi para p ∈ Ki − Ki−1 , segue-se
que Vε(M) ⊂ V (M) e, por conseguinte, cada ponto x ∈ V (M)
pertence a um unico segmento normal a M .
M
Vε(M)
Figura 3.14.
(1) Provemos que Vε(M) e aberto em Rm+n. Consideremos uma
cobertura de M por vizinhancas parametrizadas U , em cada uma
das quais estao definidos n campos de vetores normais unitarios,
mutuamente ortogonais, v1, . . . , vn : U → Rm+n, de classe Ck−1.
Seja ϕ : U0 ⊂ Rm → U uma parametrizacao de U . O conjunto
A = (x, y) ∈ U0 × Rn; |y| < ε(ϕ(x)) e aberto em R
m × Rm.
Como Φ: A→ π−1(U), definido por Φ(x, y) = ϕ(x)+Σ yivi(ϕ(x))
e um difeomorfismo, resulta que π−1(U) e aberto em Rm+n. Mas
Vε(M) =⋃π−1(U), quando U percorre a cobertura tomada. Logo
Vε(M) e aberto.
(2) O diagrama comutativo
π−1(U) U
A U0
-π
6Φ
-π1
6ϕ
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98 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANCA
mostra que π ∈ Ck−1.
(3) Basta tomar h : U × Bn → π−1(U) definida por h(p, y) =
Φ(ϕ−1(p), ε(p) · y). Entao h e um homeomorfismo e π h(p, y) =
(ϕπ1Φ−1Φ) (ϕ−1(p), ε(p), y) = p, o que conclui a demonstracao
da Proposicao 6.
Atencao: A nocao de vizinhanca tubular, dada por este teorema,
sera generalizada num capıtulo posterior, com o objetivo de obter
uma projecao π : Vε(M) → M com a mesma classe de diferencia-
bilidade que M .
Lembremos que Bn = x ∈ Rn; |x| < 1.
Definicao. Dada uma superfıcie Mm ⊂ Rm+n de classe ≥ 2, di-
zemos que uma vizinhanca tubular Vε(M) e equivalente ao espaco
produto M×Bn se existir um homeomorfismo h : M×Bn → Vε(M)
tal que o diagrama
M ×Bn Vε(M)
M
-h
sπ1 + π
seja comutativo.
Nestas condicoes diremos que h e uma equivalencia.
Proposicao 7. Seja Mm ⊂ Rm+n uma superfıcie de classe C∞.
Entao cada uma das condicoes abaixo acarreta a seguinte:
(1) M = f−1(a), onde a e valor regular de uma aplicacao de
classe C∞, f : U → Rn, U ⊂ R
m+n aberto.
(2) Existem em M n campos de vetores normais de classe C∞,
linearmente independentes em todos os pontos.
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[SEC. 4: A VIZINHANCA TUBULAR DE UMA SUPERFICIE NAO COMPACTA 99
(3)’ Existem em M n campos de vetores, de classe C∞, trans-
versais a M em todos os pontos.
(3) Toda vizinhanca tubular de M e equivalente a um produto.
Demonstracao:
(1)⇒ (2). Basta tomar vi(p) = grad f i(p), 1 ≤ i ≤ n.
(2)⇒ (2)′. Evidente.
(2) ⇒ (3). Podemos supor que os n campos sao unitarios e dois
a dois ortogonais. Seja h : M × Bn → Vε(M) o homeomorfismo
definido por h(x, α1, . . . , αn) = x+ ε(x)Σαivi(x). Entao h e uma
equivalencia.
Atencao: Provaremos mais adiante neste livro que a funcao
ε : M → R pode ser tomada de mesma classe que a superfıcie
M . Com isto seremos capazes de provar a implicacao (3) ⇒ (1),
como se segue:
Consideremos o diagrama
Vε(M) M ×Bn Bn
M
-h ∈ C∞
sπ
-π2
+ π1
Seja f = π2 h−1 : Vε(M)→ Bn. Entao 0 ∈ Rn e valor regular de
f ∈ C∞ e M = f−1(0).
Aplicacoes
1) Na Secao 3 vimos que a faixa de Moebius nao pode ser definida
implicitamente. Isto tambem decorre da Proposicao 7, pois nao
existe homeomorfismo h : M × (−1, 1) → Vε(M), onde Vε(M) e
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100 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANCA
qualquer vizinhanca tubular da faixa de Moebius. Com efeito,
Vε(M)−M e conexo (verifique!) enquanto que h−1(Vε(M)−M) =
M × (−1, 1)−M × 0 nao e conexo.
2) Admitindo o enunciado mais forte da Proposicao 7, a ser de-
monstrado posteriormente, podemos provar que todo grupo de Lie
de matrizes pode ser definido como imagem inversa de um va-
lor regular. Sejam Gm ⊂ Rn2
, um grupo de Lie de matrizes
de codimensao k = n2 − m e X ∈ G um elemento diferente
de I. Consideremos a aplicacao ϕX : GL(Rn) → GL(Rn) dada
por ϕX(Y ) = XY . ϕX e um difeomorfismo de classe C∞,
cujo inverso e ϕX−1 . Alem disso ϕX(G) = G. O isomorfismo
ϕ′X(I) : R
n2 → Rn2
, dado por Y 7→ XY , leva (TG)I em (TG)X .
Escolhamos A1, . . . , Ak, base de um suplemento de (TG)I em
Rn2
. Entao XA1, . . . , XAk e base de um suplemento de (TG)X .
Em suma, os k = n2 −m campos vi(X) = X ·Ai sao transversais
a G em todos os seus pontos.
G
TGI
X
I
A1
XAkXA1
Ak
TGX
Figura 3.15.
Observacao: A solucao acima obtida para o problema de carac-
terizar as superfıcies que podem ser definidas “implicitamente” e
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[SEC. 4: A VIZINHANCA TUBULAR DE UMA SUPERFICIE NAO COMPACTA 101
devida a H. Whitney (Annals of Math. 37 (1936) pg. 865). Ela
representa tudo o que se pode dizer sem usar os metodos da to-
pologia algebrica. Fica faltando saber em que condicoes sobre M
uma vizinhanca tubular Vε(M) e equivalente a um produto. Como
vimos, M deve ser orientavel. Mas tal condicao esta muito longe
de ser suficiente. Para abordar este problema de maneira eficiente
e indispensavel considerar as classes caracterısticas da superfıcie
M . A literatura sobre este assunto e vasta. Veja-se, por exemplo,
N. Steenrod – “The Topology of Fibre Bundles-- (Princeton Univ.
Press, 1951). No caso presente, o problema deve ser enunciado do
seguinte modo:
“Em que condicoes um espaco topologico X e homeomorfo a
uma superfıcie Mm ⊂ Rn que possui uma vizinhanca tubular equi-
valente a um produto?” Tais espacos topologicos foram estudados
por J.H.C. Whitehead, que os chamou de π-variedades (Annals of
Math. 41 (1940) pg. 825). Ver tambem as notas de J. Milnor
“Differential Topology.
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Capıtulo IV
Variedades Diferenciaveis
A nocao de superfıcie Mm ⊂ Rn, desenvolvida nos capıtulos
anteriores, ainda que adequada para muitos propositos, possui
contudo dois inconvenientes. O primeiro e de carater estetico: nao
se pode pensar na superfıcie em si mesma, sem fazer referencia ao
espaco euclidiano que a contem. O segundo inconveniente e de
ordem pratica: existem na natureza objetos importantes, seme-
lhantes a superfıcies, que nao se apresentam contidos num espaco
euclidiano. Tais sao, por exemplo, os espacos projetivos (como o
P 2, introduzido no Capıtulo III e artificiosamente imerso em R4)
e, mais geralmente, as variedades Grassmanianas.
A grosso modo, uma variedade diferenciavel e como uma su-
perfıcie, so que nao precisa estar contida em um espaco euclidiano.
1 Sistemas de coordenadas locais
Seja M um espaco topologico. Um sistema de coordenadas
locais ou carta local em M e um homeomorfismo x : U → x(U) de
um subconjunto aberto U ⊂M sobre um aberto x(U) ⊂ Rm.
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[SEC. 1: SISTEMAS DE COORDENADAS LOCAIS 103
Dizemos que m e a dimensao de x : U → x(U).
Para cada p ∈ U tem-se x(p) = (x1(p), . . . , xm(p)). Os numeros
xi = xi(p), i = 1, . . . ,m sao chamados as coordenadas do ponto
p ∈M no sistema x.
Exemplos:
1) Coordenadas cartesianas
Sejam M = Rm, U ⊂ R
m um aberto e x : U → Rm a aplicacao
de inclusao, x(p) = p. As coordenadas introduzidas em U pelo
sistema x sao denominadas “coordenadas cartesianas”.
2) Coordenadas polares
Sejam M = R2, α um numero real arbitrario e Uα ⊂ R
2 o
complementar da semi-reta r = (t cosα, t senα).t ≥ 0.Construimos um sistema de coordenadas locais x : Uα → R
2
como se segue: Consideramos a faixa Vα = (ρ, θ) ∈ R2; ρ >
0, α < θ < α + 2π e definimos ϕ : Vα → Uα por ϕ(ρ, θ) = ρ eiθ =
(ρ cos θ, ρ sen θ). E claro que ϕ e uma bijecao contınua (a rigor,
C∞). Aplicando o teorema da funcao inversa ve-se que ϕ e um
difeomorfismo; seja x : Uα → Vα ⊂ R2 o difeomorfismo inverso
de ϕ.
As coordenadas introduzidas em Uα chamam-se “coordenadas
polares”.
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104 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS
Vααx
r
0
Uα = R2 − r
α+ 2πϕ
Figura 4.1.
3) Parametrizacoes de superfıcies
Seja ϕ : U0 → U uma parametrizacao do subconjunto aberto
U , contido na superfıcie Mm ⊂ Rn. O homeomorfismo inverso
x = ϕ−1 : U → U0 ⊂ Rm e um sistema de coordenadas locais
em M .
U0
Rm
U M
xϕ
Figura 4.2.
Um atlas de dimensao m sobre um espaco topologico M e
uma colecao A de sistemas de coordenadas locais x : U → Rm em
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[SEC. 2: MUDANCA DE COORDENADAS 105
M , cujos domınios U cobrem M . Os domınios U dos sistemas
de coordenadas x ∈ A sao chamados as vizinhancas coordenadas
de A.
Por exemplo, os sistemas de coordenadas que sao os inversos
das parametrizacoes em uma superfıcie Mm ⊂ Rn formam um
atlas de dimensao m sobre M .
Um espaco topologico M no qual existe um atlas de dimensao
m chama-se uma variedade topologica de dimensao m. Em outras
palavras, M e uma variedade topologica de dimensao m se, e so-
mente se, cada ponto de M tem uma vizinhanca homeomorfa a
um aberto do Rm.
Exemplos:
1) Seja X um conjunto qualquer. Consideremos em X a topologia
discreta. A famılia de funcoes ϕx : x → 0 ∈ R0, onde x ∈ X,
e um atlas de dimensao 0 em X.
2) Toda superfıcie Mm ⊂ Rn e uma variedade topologica de di-
mensao m.
Observacao: Sejam M um espaco topologico e A uma colecao
de cartas x : U → x(U) ⊂ Rm(x), cujos domınios U formam uma
cobertura aberta de M . E possıvel provar que a dimensao m
das cartas locais e constante em cada componente conexa de M
(teorema da invariancia da dimensao). Na definicao que demos a
constancia de m e postulada. Em todos os casos que considerare-
mos a seguir, (variedades diferenciaveis) o fato de m ser constante
decorre imediatamente do teorema da funcao inversa.
2 Mudanca de coordenadas
Dados os sistemas de coordenadas locais x : U → Rm e y : V →
Rm no espaco topologico M , tais que U ∩ V 6= ∅, cada ponto
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106 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS
p ∈ U ∩V tem coordenadas xi = xi(p) no sistema x e coordenadas
yi = yi(p) relativamente ao sistema y.
A correspondencia
(x1(p), . . . , xm(p))←→ (y1(p), . . . , ym(p))
estabelece um homeomorfismo ϕxy = yx−1 : x(U∩V )→ y(U∩V )
que e chamado mudanca de coordenadas.
y
yx−1
U
Rm
V
M
x
Figura 4.3.
Se z : W → Rm e outro sistema de coordenadas locais tal que
U ∩ V ∩W 6= ∅ entao
ϕxz = ϕyz ϕxy : x(U ∩ V ∩W )→ z(U ∩ V ∩W ).
Tem-se ϕxx = idx(U) e ϕxy = (ϕyx)−1.
3 Variedades Diferenciaveis
Um atlas A sobre um espaco topologico M diz-se diferenciavel,
de classe Ck (k ≥ 1), se todas as mudancas de coordenadas
ϕxy , x, y ∈ A sao aplicacoes de classe Ck. Escreve-se entao
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[SEC. 3: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS 107
A ∈ Ck. Como ϕyx = (ϕxy)−1, segue-se que os ϕxy sao, de
fato, difeomorfismos de classe Ck. Em particular, se escrevemos
ϕxy : (x1, . . . , xm) 7→ (y1, . . . , ym), entao o determinante jacobiano
det( ∂yi∂xj
)e nao-nulo em todo ponto de x(U ∩ V ).
Seja A um atlas de dimensao m e classe Ck num espaco to-
pologico M . Um sistema de coordenadas z : W → Rn em M diz-se
admissıvel relativamente ao atlas A se, para todo sistema de coor-
denadas locais x : U → Rm, pertencente a A, com U ∩W 6= ∅, as
mudancas de coordenadas ϕxz e ϕzx sao de classe Ck. Em outras
palavras, se A ∪ z e ainda um atlas de classe Ck em M .
Exemplos:
1) Se A e um atlas de classe Ck em M e x : U → Rm pertence a A
entao, para cada subconjunto aberto V ⊂ U , a restricao y = x|V e
admissıvel em relacao a A. Se ξ : x(U)→ Rm e um difeomorfismo
de classe Ck, entao ξ x : U → Rm e admissıvel relativamente a A.
2) Seja A o atlas de classe C∞ em R que consiste de uma unica
carta local x = id: R → R. Seja z : R → R o sistema de coorde-
nadas dado por z(t) = t3. Entao z nao e admissıvel em relacao a
A pois, embora ϕxz(t) = t3 seja de classe C∞, ϕzx(t) = t1/3 nao e
diferenciavel em t = 0.
Um atlas A, de dimensao m e classe Ck, sobre M , diz-se
maximo quando contem todos os sistemas de coordenadas locais
que sao admissıveis em relacao a A. Todo atlas de classe Ck em M
pode ser ampliado, de modo unico, ate se tornar um atlas maximo
de classe Ck: basta acrescentar-lhe todos os sistemas de coorde-
nadas admissıveis.
Definicao. Uma variedade diferenciavel, de dimensao m e classe
Ck e um par ordenado (M,A) onde M e um espaco topologico
de Hausdorff, com base enumeravel e A e um atlas maximo de
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108 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS
dimensao m e classe Ck sobre M .
A exigencia de que o atlas seja maximo nao e essencial mas
e conveniente. Em alguns contextos admitem-se variedades nao-
Hausdorff ou sem base enumeravel. Na realidade, porem, os teo-
remas mais importantes exigem estas hipoteses. E o caso dos
teoremas de imersao de Whitney, que veremos no Capıtulo X.
Em termos mais explıcitos, para provar que (M,A) e uma va-
riedade diferenciavel de dimensao m e classe Ck devemos verificar
que
i) M e um espaco topologico de Hausdorff com base enumeravel.
ii) A e uma colecao de homeomorfismos x : U → Rm, de conjun-
tos abertos U ⊂M sobre abertos x(U) ⊂ Rm.
iii) Os domınios U dos homeomorfismos x ∈ A cobrem M .
iv) Dados x : U → Rm e y : V → R
m pertencentes a A com
U ∩ V 6= ∅, entao ϕxy : x(U ∩ V ) → y(U ∩ V ) e um homeo-
morfismo de classe Ck.
v) Dado um homeomorfismo z : W → Rm de um aberto W ⊂
M sobre um aberto z(W ) ⊂ Rm, tal que ϕzx e ϕxz sao de
classe Ck para cada x ∈ A, entao z ∈ A.
Para todo r ≤ k, uma variedade de classe Ck pode ser olhada
como variedade de classe Cr, pois qualquer atlas de classe Ck esta
contido num unico atlas maximo de classe Cr.
4 Exemplos de variedades
1) Os Espacos Euclidianos
Consideremos em Rm o atlas A contendo o unico sistema de
coordenadas x = id: Rm → R
m. E claro que A e um atlas de classe
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[SEC. 4: EXEMPLOS DE VARIEDADES 109
C∞ e dimensao m em Rm. Para cada k = 0, 1, . . . ,∞ seja Ak o
atlas maximo de classe Ck em Rm que contem A. O par (Rm,Ak) e
uma variedade de dimensaom e classe Ck. Considerar o espaco Rm
como variedade Ck significa admitir, em cada aberto U ⊂ Rm, nao
somente as coordenadas cartesianas dos seus pontos como tambem
qualquer sistema de coordenadas “curvilıneas” y : U → Rm, dado
por um difeomorfismo de classe Ck de U sobre o conjunto y(U) ⊂Rm, que e necessariamente aberto. E claro que A0 ⊃ A1 ⊃ · · · ⊃
A∞ . Quanto mais diferenciavel quer-se o atlas, menos cartas locais
sao admissıveis.
Seja B o atlas de classe C∞ em R que consta do unico sistema
de coordenadas t ∈ R 7→ t3 ∈ R. O par (R,B) e uma variedade
diferenciavel de classe C∞. Notemos que (R,B) 6= (R,A∞).
2) Subvariedades abertas
Um subconjunto aberto W de uma variedade Ck tem uma es-
trutura natural de variedade de classe Ck, dada pelo atlas maximo
em W , formado por todos os sistemas de coordenadas admissıveis
x : U → Rm em M , cujos domınios U estao contidos em W .
3) Superfıcies em Rn
Toda superfıcie de dimensao m e classe Ck, Mm ⊂ Rn, e uma
variedade diferenciavel de dimensao m e classe Ck, com o atlas
A formado pelos sistemas de coordenadas x : U → Rm, inversos
das parametrizacoes ϕ : U0 ⊂ Rm → U ⊂ M , de classe Ck. A
Proposicao 1 do Capıtulo II mostra que A e um atlas de classe
Ck. Na realidade, A e um atlas maximo de classe Ck. De fato,
seja z : W → z(W ) ⊂ Rm um sistema de coordenadas, admissıvel
em relacao a A. Entao ψ = z−1 : z(W ) ⊂ Rm → W ⊂ M e um
homeomorfismo. Para cada p ∈ W existe uma parametrizacao
ϕ : U0 → U , p ∈ U ⊂ M , de classe Ck. Como z e admissıvel,
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110 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS
ϕ−1ψ : z(U∩V )→ ϕ−1(U∩W ) e um difeomorfismo de classe Ck.
Portanto, ϕ(ϕ−1 ψ) : z(U ∩W )→ U ∩W e uma parametrizacao
de classe Ck de uma vizinhanca de p. Como p ∈ W e arbitrario,
segue-se que ψ = z−1 : z(W )→W e uma parametrizacao de classe
Ck, i.e., z ∈ A. Entao A e maximo.
4) Produto de variedades
Sejam (Mm,A) e (Nn,B) variedades de classe Ck. Vamos
introduzir no espaco topologico produto M × N uma estrutura
de variedade de dimensao m + n e classe Ck, por meio do atlas
A × B formado pelso sistemas de coordenadas x × y : U × V →Rm+n, dados por (x × y)(p, q) = (x(p), y(q)), x ∈ A, y ∈ B.
Como (x1 × y1) (x× y)−1 = (x1 x−1)× (y1 y−1), segue-se que
A×B e um atlas de classe Ck. Este atlas esta contido num unico
atlas maximal de classe Ck, que define em M ×N a estrutura de
variedade produto.
5) O espaco projetivo real de dimensao n
Na geometria projetiva classica, para simplificar o enunciado
de varios teoremas, era costume acrescentar ao Rn um hiperplano
ideal no infinito, como se segue: (1) Se da a cada reta λ no Rn um
unico “ponto no infinito” pλ . (2) A igualdade pλ = pµ ocorre se,
e somente se, as retas λ e µ sao paralelas. (3) O hiperplano H
contem os pontos “ideais” pλ e somente estes. A reuniao Rn ∪H
chamava-se o espaco projetivo de dimensao n.
Desejando aplicar metodos analıticos a geometria projetiva,
considerava-se o espaco euclidiano Rn imerso em R
n+1, definido
pela condicao xn+1 = 1. Aparecia assim uma bijecao natural
do espaco projetivo de dimensao n sobre o conjunto de todas as
retas do Rn+1 passando pela origem. Realmente, a cada ponto
ordinario p ∈ Rn corresponde a reta que liga este ponto a origem; e
a cada ponto “ideal” pλ corresponde a reta, contida no hiperplano
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[SEC. 4: EXEMPLOS DE VARIEDADES 111
xn+1 = 0, passando pela origem e paralela a λ. Por conseguinte,
o espaco projetivo podia ser imaginado como o conjunto de todas
as retas que passam pela origem em Rn+1. Como cada reta do
Rn+1 intersecta a esfera unitaria Sn em exatamente dois pontos
antıpodas, somos conduzidos a seguinte definicao formal:
O espaco projetivo real de dimensao n e o espaco quociente da
esfera unitaria Sn pela relacao de equivalencia p ∼ q ⇔ p = ±q,∀ p, q ∈ Sn.
Os pontos de P n sao portanto os conjuntos
[p] = p,−p, p ∈ Sn.
Seja π : Sn → Pn a aplicacao canonica π(p) = [p]. Damos
a Pn a topologia quociente, isto e, a topologia co-induzida pela
aplicacao canonica. Em outras palavras, declaramos que o sub-
conjunto A ⊂ P n e aberto quando π−1(A) e aberto em Sn. Entao
π : Sn → Pn e contınua. Alem disso, dado um espaco topologico
X, uma aplicacao f : P n → X e contınua se, e somente se, f π : Sn → X e contınua.
Se U ⊂ Sn e aberto entao π−1(π(U)) = U ∪ (−U) e aberto
em Sn, logo π(U) ⊂ P n e aberto. Portanto π : Sn → Pn e uma
aplicacao aberta.
Mostremos que P n pode ser munido da estrutura de variedade
diferenciavel de dimensao n e classe C∞:
(1) Como Sn tem base enumeravel e π : Sn → Pn e uma
aplicacao contınua e aberta, segue-se que P n tem base enumeravel
(cf. Elon L. Lima, Elementos de Topologia Geral, pag. 337). Se
p 6= q ∈ Sn nao sao antıpodas, existem vizinhancas p ∈ V e q ∈Wem Sn tais que V ∩W = ∅ e V ∩(−W ) = ∅. Isto significa que π(V )
e π(W ) sao vizinhancas disjuntas de π(p) e π(q), respectivamente.
Logo P n e de Hausdorff. Sendo ainda Sn compacta e π contınua,
ve-se que o espaco projetivo P n = π(Sn) e compacto.
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112 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS
(2) P n possui um atlas [A], de classe C∞ e dimensao n.
Seja A o atlas C∞ em Sn que consiste nos sistemas de coordenadas
locais
x±i = (ϕ±i ) : U±
i −→ Bn(0, 1) ⊂ Rn
(x1, . . . , xi, . . . , xn+1) (x1, . . . , xi−1, xi+1, . . . , xn+1)
(ver Secao 2).
Para cada i = 1, . . . , n + 1, a aplicacao canonica π : Sn → Pn
leva os hemisferios U±i homeomorficamente sobre o mesmo sub-
conjunto aberto Wi ⊂ Pn. Definimos um sistema de coordenadas
locais wi : Wi → Rn por wi = x+
i (π|U+i )−1, i = 1, . . . , n+ 1.
A colecao A = w1, . . . , wn+1 e um atlas de dimensao n em
Pn. Para provar que A ∈ C∞, observemos o seguinte. Dado
p ∈ Wi ∩ Wj , temos p = π(x), para um unico x ∈ Sn tal
que xi > 0. Entao wi(p) = (x1, . . . , xi−1, xi+1, . . . , xn+1). Se
xj > 0, entao x ∈ U+j e portanto wj(p) = (x1, . . . , xj−1, xj+1
, . . . , xn+1). Se, porem, for xj < 0, entao −x ∈ U+j e por-
tanto wj(p) = (−x1, . . . ,−xj−1,−xj+1, . . . ,−xn+1). Segue-se que
o domınio wj w−1i e a reuniao de dois abertos disjuntos, num dos
quais wjw−1i = x+
j (x+i )−1 e, no outro, wjw−1
i = x+j α(x+
i )−1,
onde α(x) = −x. Ve-se que wj w−1i ∈ C∞.
Para cada k = 0, 1, . . . ,∞, indiquemos por [A]k o unico atlas
maximo de classe Ck que contem A. O par (P n, [A]k) e o espaco
projetivo real de dimensao n visto como variedade de classe Ck.
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[SEC. 5: VARIEDADES DEFINIDAS POR UMA COLECAO DE INJECOES 113
5 Variedades definidas por uma colecao de
injecoes
Seja X um conjunto. Se X possui estrutura de variedade dife-
renciavel, entao sua topologia fica perfeitamente determinada pelo
atlas. De modo preciso:
Lema 1. Sejam X um conjunto (sem estrutura topologica) e A
uma colecao de injecoes x : U ⊂ X → Rn satisfazendo as seguintes
condicoes:
(1) Para cada x ∈ A, x : U → Rn, x(U) e aberto em R
n.
(2) Os domınios U das aplicacoes x ∈ A cobrem X.
(3) Se x : U → Rn e y : V → R
n pertencem a A e U ∩ V 6= ∅,entao x(U ∩ V ) e y(U ∩ V ) sao abertos em R
n e a aplicacao
y x−1 : x(U ∩V )→ y(U ∩V ) e de classe Ck. (Segue-se que
y x−1 = (x y−1)−1 e um difeomorfismo de classe Ck).
Nestas condicoes, existe uma e somente uma topologia em
X relativamente a qual A e um atlas de classe Ck em X.
Demonstracao: Unicidade. Seja τ uma topologia em X tal que
A e um atlas de classe Ck sobre (X, τ). Entao os domınios U dos
homeomorfismos x : U → x(U) ⊂ Rn sao elementos de τ e cobrem
X. Se A ⊂ X e aberto entao A∩U ∈ τ logo x(A∩U) e aberto em
Rn. Por outro lado, se A ⊂ X e tal que x(A ∩ V ) e aberto em R
n
para todo x ∈ A, entao A =⋃x∈A
x−1(x(A ∩ V )) e aberto em X.
Conclusao: A ∈ τ ⇔ x(A ∩ U) e aberto em Rn para cada x ∈ A.
Isto mostra a unicidade de τ e nos da uma pista para demonstrar a
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114 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS
Existencia. Declaramos um subconjunto A ⊂ X aberto se, e
somente se, x(A ∩ U) ⊂ Rn e aberto para todo x : U → R
n em
A. Deixamos como exercıcio para o leitor verificar, usando as
condicoes (1), (2) e (3), que isto define realmente uma topologia
em X, segundo a qual cada conjunto U ⊂ X e aberto e cada
x : U → x(U) ⊂ Rn e um homeomorfismo.
A topologia de uma variedade M pode ser visualizada assim:
se um ponto variavel p ∈ M tende para um ponto p0 ∈ M , e se
x : U → Rn e um sistema de coordenadas locais em p0 , mais cedo
ou mais tarde o ponto p estara em U e x(p) tendera para x(p0)
no Rn.
Devemos adicionar mais hipoteses ao Lema 1 se desejamos que
a topologia de X tenha base enumeravel.
Lema 2. A topologia X, definida pelo “atlas” A satisfazendo (1),
(2) e (3) tem base enumeravel se, e somente se
(4) A cobertura de X por meio dos domınios U das aplicacoes
x ∈ A admite subcobertura enumeravel.
Demonstracao: (⇒) Se (4) se verifica entao X e uniao enu-
meravel de abertos U , cada um dos quais tem base enumeravel
sendo homeomorfo a um aberto do Rn. Logo X tem base enu-
meravel.
(⇐) Resulta do conhecido Teorema de Lindelof: Num espaco
topologico com base enumeravel, toda cobertura aberta admite
uma subcobertura enumeravel.
Observacao: A topologia de X, obtida de acordo com o Lema 1,
e localmente de Hausdorff. Quer dizer, se p 6= q sao pontos de X
pertencentes ao mesmo domınio U de uma aplicacao x ∈ A, entao
p e q possuem vizinhancas disjuntas pois U e aberto em X e e
homeomorfo ao espaco de Hausdorff x(U) ⊂ Rn.
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[SEC. 5: VARIEDADES DEFINIDAS POR UMA COLECAO DE INJECOES 115
Em cada caso concreto, a aplicacao dos Lemas 1 e 2 com o
proposito de definir uma estrutura de variedade diferenciavel deve
ser seguida de investigacao sobre a Hausorffcidade da topologia de
X. Esta investigacao podera ser abreviada usando o
Lema 3. A topologia de X, definida por um “atlas” A satisfa-
zendo (1), (2) e (3) e de Hausdorff se, e somente se, cumpre:
(5) Para qualquer par de sistemas de coordenadas x : U → Rm,
y : V → Rm com U ∩ V 6= ∅, nao existe sequencia de pontos
zi ∈ x(U ∩ V ) tal que zi → z ∈ x(U − V ) e (y x−1)(zi) →z′ ∈ y(V − U).
Demonstracao: (⇒) Se a topologia de X nao e de Hausdorff
entao existem pontos p 6= q ∈ X com a propriedade: toda vizin-
hanca de p e toda vizinhanca de q tem intersecao nao vazia.
Consideremos sistemas de coordenadas x : U → x(U) ⊂ Rm em
p e y : V → y(V ) em q. Entao U ∩ V 6= ∅. Como a topologia
de X e localmente de Hausdorff, necessariamente p /∈ V e q /∈ U .
Sejam U1 ⊇ U2 ⊇ . . . um sistema fundamental enumeravel de
vizinhancas de p e V1 ⊇ V2 ⊇ . . . um sistema fundamental de
vizinhancas de q. Escolhamos, para cada i, pi ∈ Vi ∩ Ui . Entao
x(pi) = zi → x(p) ∈ x(U − V ) e y x−1(zi) = y(pi) → y(q) ∈y(V − U).
(⇐) Se existem sistemas de coordenadas x : U → Rm e y : V →
Rm, com U ∩ V 6= ∅ e sequencia de pontos zi ∈ x(U ∩ V ) tais
que zi → z ∈ x(U − V ) e (y x−1)(zi) → z′ ∈ y(V − U) entao
x−1(zi) → p = x−1(z) ∈ U − V e y−1(y x−1(zi)) = x−1(zi) →q = y−1(z′) ∈ V − U . Como p 6= q a sequencia x−1(zi) tem dois
“limites”. Logo X nao e de Hausdorff.
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116 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS
y
yx−1
zx(U − V ) zi
VU
p
x
x(U) y(V )y(V − U)
z′
q
Figura 4.4.
Exemplos:
1) Variedades nao-Hausdorff
A topologia de X dada pelo Lema 1 e, como vimos, localmente
de Hausdorff.
Nem sempre, porem, o atlas A define uma topologia de Haus-
dorff em X.
Vejamos um exemplo. Seja X = A∪B∪C, onde A = (s, 1) ∈R
2; s ≤ 0, B = (s,−1) ∈ R2; s ≤ 0 e C = (s, 0) ∈ R
2; s > 0.
a
B
A
C
b
Figura 4.5.
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[SEC. 5: VARIEDADES DEFINIDAS POR UMA COLECAO DE INJECOES 117
Consideremos o atlas A = x, y sobre X, onde x : A∪C → R
e dada por x(s, t) = s e y : B ∪ C → R e definida por y(s, t) = s.
As condicoes (1), (2) e (3) do Lema 1 sao claramente satisfeitas
(com k = ∞), mas a topologia de X definida pelo atlas A nao e
de Hausdorff: duas quaisquer vizinhancas dos pontos a = (0, 1) e
b = (0,−1) em X tem pontos em comum.
Este exemplo nao e tao artificial quanto possa parecer. X e
homeomorfo ao espaco quociente R2/E do plano R
2 pela relacao
de equivalencia E cujas classes sao as retas verticais x = constante,
|x| ≥ 1, e os graficos das funcoes ga(x) = (1− x2)−1 + a, |x| < 1,
a ∈ R arbitrario.
a
B
A
C
f
b
Figura 4.6.
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118 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS
Com efeito: Seja f : R2 → X definida por
f(x, y) =
(1− x, 1) ∈ A, se x ≥ 1
(x+ 1,−1) ∈ B, se x ≤ −1
(ea, 0) ∈ C, se (x, y) ∈ Graf(ga)
E facil ver que E e a relacao de equivalencia em R2 definida
por ϕ.
Consideremos a aplicacao canonica ϕ : R2 → R
2/E e a bijecao
f : R2/E → X definida por f(ϕ(x, y)) = f(x, y).
R2 X
R2/E
?ϕ
-f
f
Como f e contınua e aberta, segue-se que a topologia de X
e a co-induzida por f . Resulta daı que f : R2/E → X e um
homeomorfismo.
A seguir, apresentaremos outro exemplo de “variedade” de
dimensao 1 que nao e de Hausdorff.
Seja X = A1 ∪ A2 ∪ A3 ∪ A4 ∪ a12, a23, a34, a14, onde A1 =
(x, x) ∈ R2;x > 0, A2 = (−x, x) ∈ R
2;x > 0, A3 = −A1 ,
A4 = −A2 , a12 = (0, 1), a23 = (−1, 0), a34 = (0,−1) e a14 = (1, 0).
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[SEC. 5: VARIEDADES DEFINIDAS POR UMA COLECAO DE INJECOES 119
A1
A4
a34
a12
a23
A3
a14
A2
Figura 4.7.
Consideremos o atlas A = x12, x23, x34, x14 sobre X definido
por
x12 : A1 ∪ a12 ∪A2 → R
(x, y) 7→ x
x23 : A2 ∪ a23 ∪A3 → R
(x, y) 7→ y
x34 : A3 ∪ a34 ∪A4 → R
(x, y) 7→ x
x14 : A1 ∪ a14 ∪A4 → R
(x, y) 7→ y
As condicoes (1), (2) e (3) do Lema 1 sao claramente satisfeitas
(com k = ∞) mas a topologia de X definida pelo atlas A nao e
de Hausdorff: duas quaisquer vizinhancas dos pontos a12 e a23
tem em comum pontos de A2 . Apesar de parecer o contrario, este
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120 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS
exemplo e ainda menos artificial do que o anterior, pois o espaco
topologico X que acabamos de definir e o quociente de R2 − 0
pela relacao de equivalencia cujas classes sao as orbitas do sistema
de equacoes diferenciais x = x, y = −y. Como se sabe, a orbita
deste sistema que passa pelo ponto (x, y) ∈ R2 − 0 e a curva
parametrizada t 7→ (x ·et, y ·e−t). Com excecao dos pontos (x, 0) e
(0, y), localizado sobre os eixos, tais curvas sao ramos de hiperbole:
Figura 4.8.
2) Espacos Projetivos (bis)
Encaremos o espaco projetivo P n como o conjunto de todas as
retas H ⊂ Rn+1 que passam pela origem.
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[SEC. 5: VARIEDADES DEFINIDAS POR UMA COLECAO DE INJECOES 121
x1
x2
(y1, y2, 1)
H ′ /∈ U3
x3
1
(y1, y2, 0)
H ∈ U3
(x3 = 1)O
R2⊂ R
3
Figura 4.9.
Os elementos H ∈ P n podem ser descritos por um sistema de
coordenadas homogeneas. Cada vetor nao-nulo v = (y1, . . . , yn+1) ∈H e uma base de H e para cada real t 6= 0, tv e ainda uma base
de H. As coordenadas y1, . . . , yn+1, definidas a menos de um fator
arbitrario t 6= 0, se chamam as coordenadas homogeneas de H.
Podemos introduzir coordenadas nao-homogeneas em P n
desde que trabalhemos localmente. Para cada α = 1, 2, . . . , n+ 1,
seja Uα o conjunto de todas as retas, passando pela origem em
Rn+1, cujas coordenadas homogeneas y1, . . . , yn+1 satisfazem a
condicao yα 6= 0. Seja xα : Uα → Rn definida por xα(H) =
(yα)−1(y1, . . . , yα−1, yα+1, . . . , yn+1). Geometricamente, xα(H) ∈Rn e obtida pela intersecao da reta H com o hiperplano yα = 1,
omitindo-se depois a α-esima coordenada. Afirmacao: a famılia
A = xα : Uα → Rn | α = 1, . . . , n + 1 satisfaz as condicoes dos
lemas anteriores, ou seja:
1) xα : Uα → Rn e uma bijecao, para cada α = 1, . . . , n+ 1.
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122 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS
2) Os domınios Uα cobrem P n.
3) Seja α < β. Entao
Uα∩Uβ = H ∈ P n; ∀ v = (y1, . . . , yn+1) ∈ H−0, yα 6= 0 6= yβ,
logo
xα(Uα ∩ Uβ) = y ∈ Rn; yβ−1 6= 0
e
xβ(Uα ∩ Uβ) = y ∈ Rn; yα 6= 0
sao abertos do Rn. Alem do mais,
xβ (xα)−1 : xα(Uα ∩ Uβ)→ xβ(Uα ∩ Uβ)
e um difeomorfismo de classe C∞ definido por
(x1,. . ., xn) 7→ (xβ−1)−1 · (x1,. . ., xα−1, 1, xα,. . ., xβ−2, xβ,. . ., xn).
4) A cobertura de P n por meio dos Uα e finita.
5) Sejam α < β e zi ∈ xα(Uα ∩ Uβ) uma sequencia tendendo para
x ∈ xα(Uα−Uβ). Se indicamos zi = (x1i , . . . , x
ni ) entao a sequencia
de numeros reais (xβ−1i )i∈N
converge para zero, pois zβ−1 = 0. Por
conseguinte, a sequencia
xβ (xα)−1(zi)=(xβ−1i )−1(x1
i ,. . ., xα−1i , 1, xαi ,. . ., x
β−2i , xβi ,. . ., x
ni )
nao converge. Logo a topologia de P n e de Hausdorff.
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[SEC. 6: VARIEDADES DE GRASSMANN 123
6 Variedades de Grassmann
A variedade de Grassmann Gr(Rn+r) e o conjunto de todos os
subespacos vetoriais de dimensao r do espaco euclidiano Rn+r.
0
G2(R3)
Figura 4.10.
Em particular, P n = G1(Rn+1).
Os elementosH ∈ Gr(Rn+r) podem ser descritos por coordena-
das homogeneas, dadas por uma matriz real (n+r)×r, Y = (yij), de
posto r, cujas colunas v1 = (y11, . . . , y
n+r1 ), . . . , vr = (y1
r , . . . , yn+rr )
formam uma base de H. E fato conhecido que todas as outras
bases de H sao da forma w1 =r∑
k=1
ak1 vk, . . . , wr =r∑
k=1
akr vk , onde
A = (aij) e uma matriz r × r invertıvel. Entao as coordenadas
homogeneas Y A, A ∈ GL(Rr), do elemento H ∈ Gr(Rn+r), estao
definidas a menos de multiplicacao a direita por uma matriz in-
vertıvel r × r.Podemos introduzir coordenadas nao-homogeneas em
Gr(Rn+r), desde que trabalhemos localmente. Estabelecamos pri-
meiro algumas notacoes.
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124 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS
Dados um subconjunto α = i1 < · · · < ir ⊂ 1,. . ., n + rcom r elementos e uma matriz Y ∈ M((n + r) × r), denotamos
por α(Y ) a submatriz r × r de Y formada pelas linhas de ordem
i1, . . . , ir . Analogamente, indicamos por α∗ o complementar de α
em 1, . . . , n+ r e α∗(Y ) a submatriz n× r de Y formada pelas
linhas que nao foram usadas em α(Y ). Valem as equacoes:
α(Y ·A) = α(Y ) ·A e α∗(Y ·A) = α∗(Y ) ·A.
Para cada α = i1, . . . , ir como acima, seja Uα⊂Gr(Rn+r) o
conjunto de todos os r-planos H ∈ Gr(Rn+r) tais que a projecao
ortogonal πα : Rn+r → R
rα sobre o subespaco gerado pelos vetores
basicos ei1 , . . . , eir leva H isomorficamente sobre Rrα . Isto significa
que para cada matriz Y de coordenadas homogeneas de H, α(Y )
e invertıvel.
p
π1,2p
H ′ 6∈ U1,2
H ∈ U1,2
x2
x3
x1
Figura 4.11.
Vamos definir agora uma bijecao xα : Uα → Rnr que sera
um sistema de coordenadas locais em Gr(Rn+r). Os valores de
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[SEC. 6: VARIEDADES DE GRASSMANN 125
xα serao dados como matrizes n × r, como se segue: dado um
subespaco H ∈ Uα , seja Y uma qualquer matriz de coordena-
das homogeneas de H. Escrevemos xα(H) = α∗(Y · α(Y )−1) =
α∗(Y ) · α(Y )−1.
Notemos que Y0 = Y ·α(Y )−1) e a unica matriz de coordenadas
homogeneas de H tal que α(Y0) = Ir . Entao xα esta bem definida.
Alem disso, xα e 1 − 1: se H,K ∈ Uα sao representados por
matrizes Y0 , Z0 com α(Y0) = α(Z0) = Ir e xα(H) = xα(K),
entao α∗(Y0) = α∗(Z0), logo Y0 = Z0 , donde H = K. Notemos
finalmente que xα(Uα) = Rnr: dada uma matriz W ∈ R
nr, seja
W a unica matriz (n + r) × r tal que α∗(W ) = W e α(W ) = Ir .
E claro que W tem posto r. Seja H o subespaco do Rn+r gerado
pelas colunas de W . Entao H ∈ Uα e xα(H) = W .
Apliquemos os lemas da Secao 3 para mostrar que Gr(Rn+r) e
uma variedade de classe C∞ e dimensao nr, compacta. As duas
primeiras afirmacoes sao obvias:
(1) Cada xα : Uα → Rnr e uma bijecao.
(2) Os domınios Uα cobrem Gr(Rn+r).
(3) Sejam α, β dois subconjuntos de 1, . . . , n+r, com r elemen-
tos, tais que Uα ∩ Uβ 6= ∅. Consideremos as aplicacoes contınuas
α : M(n×r)→M(n+r)×r), dada por α(W ) = W (α∗(W ) = W ,
α(W ) = Ir), e β : M((n+ r)× r)→M(r × r), Y 7→ β(Y ). Entao
xα(Uα∩Uβ) = (βα)−1[GL(Rr)]. Consequentemente, xα(Uα∩Uβ)e aberto em R
nr. Alem disso, dada W ∈ M(n × r), o subespaco
H = x−1α (W ) tem por base as colunas da matriz W = α(W ).
Logo xβ x−1α (W ) = β∗(α(W )) · β(α(W ))−1. Isto evidencia clara-
mente que a mudanca de coordenadas xβ x−1α : xα(Uα ∩ Uβ) →
xβ(Uα ∩ Uβ) e de classe C∞.
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126 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS
(4) Pelo Lema 1, as(n+rr
)bijecoes xα : Uα → R
nr definem uma
topologia em Gr(Rn+r), em relacao a qual formam um atlas A
de classe C∞. Como A e finito, esta topologia possui base enu-
meravel.
(5) Gr(Rn+r) e um espaco de Hausdorff.
Sejam α 6= β e Wi ∈ xα(Uα ∩ Uβ) uma sequencia tendendo
para W ∈ xα(Uα − Uβ). Entao β(α(W )) nao e invertıvel. Logo a
sequencia [β(α(Wi))]−1 nao converge e portanto xβ x−1
α (Wi) =
β∗(α(Wi)) · [β(α(Wi))]−1 nao converge.
A variedade de Grassmann e compacta. Com efeito, seja
Vr(Rn+r) o conjunto de todas as matrizes (r + n) × r de posto
r. Para cada Y ∈ Vr(Rn+r) seja H = π(Y ) o subespaco gerado
pelas colunas de Y . Isto define uma aplicacao natural
π : Vr(Rn+r)→ Gr(R
n+r).
Provemos inicialmente que π e contınua: para cada α = i1, . . . , ir,denotamos por Vα = π−1(Uα) o conjunto de todas as matrizes
Y ∈ Vr(Rn+r) tais que α(Y ) e invertıvel. Como Vα e aberto em
Vr(Rn+r), basta provar que π|Vα e contınua. Considerando o sis-
tema de coordenadas xα : Uα → Rrn, ve-se que xα (π|Vα) : Y 7→
α∗(Y ) · α(Y )−1. Logo π|Vα e contınua.
Consideremos agora o conjunto C de todas as matrizes
(n+r)×r cujas colunas v1, . . . , vr satisfazem a condicao 〈vi, vj〉 =
δij . Evidentemente C e fechado e limitado em R(n+r)r, logo com-
pacto. Como cada H ∈ Gr(Rn+r) possui uma base ortonormal,
Gr(Rn+r) = π(C) e compacto.
Nota: Apresentamos agora um modo intrınseco de introduzir co-
ordenadas locais em Gr(Rn+r). Para cada par α = (E,F ) de
subespacos do Rn+r com E ⊕ F = R
n+r e dimE = r, seja Uα o
conjunto de todos os H ∈ Gr(Rn+r) tais que H ∩ F = 0. Isto
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[SEC. 6: VARIEDADES DE GRASSMANN 127
significa que a projecao πE : E ⊕ F → E leva H isomorficamente
sobre E.
Definimos os sistemas de coordenadas
xα : Uα → L(E,F )
pela regra xα(H) = πF (πE |H)−1 : E → F . Geometricamente,
xα(H) = u e a transformacao linear de E em F cujo grafico e H
(ver Figura 4.12).
H ∈ G1(R3)
v
E
F
vF
vE 0
πE
πF
Figura 4.12.
Nesta versao aparece uma novidade: os sistemas de coorde-
nadas locais xα tem por imagem espacos vetoriais L(E,F ) (de
dimensao rn) ao inves de tomarem valores no Rrn. Porem, se
for do nosso desejo, podemos passar em qualquer instante para
matrizes n× r.A versao intrınseca se relaciona com a anterior do seguinte
modo: cada subconjunto α = i1, . . . , ir ⊂ 1, . . . , n + r define
um par α = (Rrα,R
nα∗) de subespacos suplementares em R
n+r, onde
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128 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS
Rrα e gerado por ei1 , . . . , eir e R
nα∗ pelos restantes. A transformacao
linear u = xα(H) = πα∗ (πα|H)−1 : Rrα → R
nα∗ tem por matriz
associada as bases canonicas de Rrα e R
nα∗ exatamente a matriz
xα(H) definida na versao original.
Sejam α = (E,F ) e α′ = (E′, F ′). A mudanca de coordenadas
xα′ x−1α : L(E,F ) → L(E ′, F ′) faz corresponder a u = xα(H) ∈
L(E,F ) a transformacao linear u′ = xα′(H) ∈ L(E′, F ′) como se
segue:
Seja u : E → E⊕F definida por u(x) = x+u(x). Entao a imagem
de u e H. Como πE′ u : E → E′ e um isomorfismo. Por conse-
guinte, u′ = (xα′ x−1α )(u) e dada por u′ = πF ′ u (πE′ u)−1.
Isto mostra que xα′ x1α ∈ C∞.
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Capıtulo V
Aplicacoes Diferenciaveis
entre Variedades
Vimos no Capıtulo I o que se entende por aplicacao diferencia-
vel entre espacos euclidianos. Este conceito se generaliza de modo
natural, pois uma variedade se comporta localmente como se fosse
um subconjunto aberto de um espaco euclidiano.
Sendo assim, pode-se desenvolver um calculo diferencial em
variedades: para definir a nocao de derivada de uma aplicacao
f : M → N entre variedades, associaremos a cada p ∈ M um
espaco vetorial, chamado o espaco tangente a M no ponto p e in-
dicado por TMp . A derivada f ′(p) sera uma transformacao linear
de TMp para TNf(p) .
Os teoremas da funcao inversa e das funcoes implıcitas, as for-
mas locais, os conceitos de imersao, mergulho e submersao se es-
tendem ao contexto das variedades. O conteudo geometrico dessas
ideias sera explorado nos Capıtulos V, VI e VII.
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130 [CAP. V: APLICACOES DIFERENCIAVEIS ENTRE VARIEDADES
1 Aplicacoes diferenciaveis
Sejam Mm, Nn variedades de classe Cr (r ≥ 1). Diz-se que
uma aplicacao f : M → N e diferenciael no ponto p ∈ M se exis-
tem sistemas de coordenadas x : U → Rm em M , y : V → R
n em
N , com p ∈ U e f(U) ⊂ V tais que y f x−1 : x(U)→ y(V ) ⊂ Rn
e diferenciavel no ponto x(p).
Rm
Rn
y f x−1
y(p)x(p)
f(p) = q
N
x(U) y(V )
VpU
M
x
f
y
Figura 5.1.
A aplicacao fxy = y f x−1 e denominada a expressao de f
nas coordenadas locais x, y.
Observe-se que, em particular, f : M → N e contınua no ponto
p ∈M .
Como as mudancas de coordenadas em M e N sao difeomorfis-
mos de classe Cr, a definicao de diferenciabilidade independe dos
sistemas de coordenadas x, y: para todo par de sistemas de coor-
denadas x′ : U ′ → Rm em M e y′ : V ′ → R
n em N , com p ∈ U ′,f(U ′) ⊂ V ′, a aplicacao fx′,y′ = y′ f (x′)−1 sera diferenciavel
no ponto x′(p).Dizemos que f : M → N e diferenciavel se f for diferenciavel
em todos os pontos de M .
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[SEC. 1: APLICACOES DIFERENCIAVEIS 131
Dizemos finalmente que f : M → N e de clase Ck (k ≤ r) se,
para cada p ∈M , existem sistemas de coordenadas locais x : U →Rm em M , y : V → R
n em N , com p ∈ U e f(U) ⊂ V tais que
y f x−1 : x(U)→ y(V ) e de classe Ck.
Segue-se da definicao que uma aplicacao f : M → N e de classe
Ck quando existem um atlas A sobre M e um atlas B sobre N
tais que para cada y ∈ B existe x ∈ A relativamente aos quais a
expressao de f e de classe Ck.
Isto implica que, para toda carta x′ : U ′ → Rm do atlas maximo
de M e para toda carta y′ : V ′ → Rn do atlas maximo de N com
f(U ′) ⊂ V ′, a expressao local fx′,y′ sera de classe Ck. Com efeito,
dado p ∈M , sejam x ∈ A e y ∈ B tais que fxy : x(U)→ y(V ) e de
classe Ck. Entao fy′x′ : x′(U ∩ U ′) → y′(V ∩ V ′) pode ser escrita
como
fy′x′ = y′ f (x′)−1 = y′ y−1 y f x−1 x (x′)−1
= (y′ y−1) fxy (x (x′)−1) = ϕyy′ fxy ϕxx′ ∈ Ck.
Quando dissermos que f : M → N e de classe Ck admitiremos,
ao menos implicitamente, que M e N sao de classe Cr, r ≥ k.A composta de duas aplicacoes f : M → N e g : N → P de
classe Ck e tambem uma aplicacao de classe Ck.
Um difeomorfismo f : M → N e uma bijecao diferenciavel cuja
inversa e tambem diferenciavel. Se ambas f e f−1 sao de classe
Ck, dizemos que f e um difeomorfismo de classe Ck.
Exemplos:
1) Sejam U ⊂ Rm um aberto e f : U → R
n uma aplicacao. Po-
demos considerar o conjunto U como uma variedade de classe Ck
(Exemplo 1, Secao 4 do Cap. IV). Entao f e diferenciavel no sen-
tido das variedades se, e somente se, f e diferenciavel no sentido
do Capıtulo I. Mais geralmente, se Mm ⊂ Rn e Np ⊂ R
q sao
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132 [CAP. V: APLICACOES DIFERENCIAVEIS ENTRE VARIEDADES
superfıcies de classe Ck entao uma aplicacao f : Mm → Np e de
classe Cr (r ≤ k) no sentido de variedades se, e somente se, o e no
sentido da Secao 3 do Capıtulo II.
2) Sejam Mm uma variedade de classe Ck e x : U → Rm um
sistema de coordenadas em M . Consideremos em U sua estrutura
natural de subvariedade aberta de M (Exemplo 2, Secao 4 do Cap.
IV). Entao x e um difeomorfismo de classe Ck de U sobre x(U).
De fato, a expressao de ambas x e x−1 nos sistemas de coordenadas
locais x e id : Rm → R
m e a aplicacao identidade de x(U).
Em particular, dada uma parametrizacao ϕ : U0 → U ⊂M em
uma superfıcie de classe Ck, Mm ⊂ Rn, ve-se que ϕ e ϕ−1 sao
difeomorfismos de classe Ck.
3) Os caminhos diferenciaveis sao as aplicacoes diferenciaveis
α : I →M , onde I e um intervalo aberto da reta real. A condicao
de diferenciabilidade de α exige que α seja contınua e que, dado
um sistema de coordenadas x : U → Rm em M , para todo subin-
tervalo J tal que α(J) ⊂ U , a composta x α : J → x(U) seja um
caminho diferenciavel em Rm.
4) As funcoes reais diferenciaveis sao as aplicacoes diferenciaveis
f : M → R. Para todo sistema de coordenadas x : U → Rm em
M , a funcao composta f x−1 : x(U) → R deve ser uma funcao
diferenciavel dem variaveis reais, definida num aberto x(U) ⊂ Rm.
5) Sejam M , N1, N2 variedades de classe Cr. Uma aplicacao
f : M → N1 × N2 e de classe Ck (k ≤ r) se, e somente se, f =
(f1.f2), onde as coordenadas f1 : M → N1 e f2 : M → N2 sao de
classe Ck. Realmente, considerando em N1 × N2 os sistemas de
coordenadas locais do tipo y1 × y2 : V1 × V2 → Rn1 × R
n2 (ver
Exemplo 4, Secao 4 do Cap. IV), ve-se que (y1 × y2) f x−1 =
(y1 f1 x−1, y2 f2 x−1). Lembremos, em seguida, que uma
aplicacao g = (g1, g2) : x(U) → Rn1 × R
n2 e de classe Ck se, e
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[SEC. 1: APLICACOES DIFERENCIAVEIS 133
somente se, ambas g1 : x(U) → Rn1 e g2 : x(U) → R
n2 sao de
classe Ck.
6) Sejam A o atlas maximo de classe Ck sobre R que contem o
sistema de coordenadas id : R→ R, e B o atlas maximo de classe
Ck sobre R que contem y : R→ R definida por y(t) = t1/3. Entao
A 6= B (ver Exemplo 1, Secao 4 do Cap. IV) e M = (R,A)
e N = (R,B) sao duas estruturas distintas de variedade Ck no
mesmo conjunto R. A funcao f : M →M definida por f(t) = t1/3
nao e diferenciavel. No entanto, a funcao g : M → N , g(t) = t1/3
e um difeomorfismo de classe Ck.
7) Consideremos a aplicacao f : Gr(Rn+r) → Gn(R
n+r) que asso-
cia a cada subespaco de dimensao r, H ⊂ Rn+r, seu complemento
ortogonal f(H) = H⊥.
Afirmacao: f e um difeomorfismo de classe C∞.
H
H1
Figura 5.2.
Como (H⊥)⊥
= H, e suficiente provar que f ∈ C∞. Para cada
α = i1, . . . , ir, ve-se que f(Uα) = Uα∗ . Calculemos a expressao
de f nos sistemas de coordenadas xα : Uα → Rrn, yα∗ : Uα∗ →
Rrn. Seja H ∈ Uα , arbitrario. Entao xα(H) = α∗(Y0) onde Y0
e a matriz (n + r) × r de coordenadas homogeneas de H tal que
α(Y0) = Ir . Analogamente, yα∗(H⊥) = α(Z0), onde Z0 e a matriz
(n+ r)× n, que representa H⊥, tal que α∗(Z0) = In . As colunas
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134 [CAP. V: APLICACOES DIFERENCIAVEIS ENTRE VARIEDADES
de Z0 , sendo vetores de H⊥, sao ortogonais as colunas de Y0 , base
de H. Isto significa que tY0 · Z0 = 0. Sem perda de generalidade,
podemos supor que α = 1, . . . , r, logo Y0 e Z0 podem ser escritas
Y0 =(IrA
), Z0 =
(BIn
), onde A = xα(H) e n × r e B = yα∗(H⊥)
e r × n. Entao tY0 · Z0 = Ir · B = tA · In = B + tA = 0. Logo
B = −tA. Conclusao: yα∗ f (x + α)−1 : A 7→ −tA, portanto
f ∈ C∞.
2 O espaco tangente
Recordemos que o espaco tangente TMp a uma superfıcieMm ⊂Rn, num ponto p ∈M , e o conjunto de todos os vetores v ∈ R
n que
sao vetores-velocidade, em p, de caminhos diferenciaveis contidos
em M .
Porem, se M e uma variedade diferenciavel, os “vetores tan-
gentes v ∈ TMp ” deverao ser obtidos abstratamente, pois M nao
esta contida em nenhum espaco euclidiano. Apresentamos agora
uma das maneiras de se construir o espaco tangente.
Seja Mm uma variedade de classe Ck e seja p um ponto de M .
Indicamos por Cp o conjunto de todos os caminhos λ : J → M ,
definidos num intervalo aberto J , contendo 0, tais que λ(0) = p e
λ e diferenciavel em 0. (Ver Exemplo 3 da Secao 1.) Se λ ∈ Cpe x : U → R
m e um sistema de coordenadas em M , com p ∈ U ,
pode acontecer que a imagem λ(J) nao esteja inteiramente contida
em U . Em vista disso, toda vez que escrevemos x λ, estamos
admitindo que o domınio de λ foi suficientemente reduzido a um
intervalo aberto menor J ′, contendo 0, tal que λ(J ′) ⊂ U .
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[SEC. 2: O ESPACO TANGENTE 135
Diremos que dois caminhos λ, µ ∈ Cp sao equivalentes, e es-
creveremos λ ∼ µ, quando existir um sistema de coordenadas
locais x : U → Rm em M , com p ∈ U , tal que x λ : J → R
m
e x µ : I → Rm tem o mesmo vetor-velocidade em t = 0, isto e,
(x λ)′(0) = (x µ)′(0).
Vale a pena observar que, neste caso, a igualdade
(x λ)′(0) = (x µ)′(0) sera verdadeira para todo sistema de co-
ordenadas x : U → Rm em M , p ∈ U . Resulta daı que a relacao
λ ∼ µ e de fato uma relacao de equivalencia em Cp .
O vetor-velocidade λ de um caminho λ ∈ Cp e, por definicao, a
classe de equivalencia de λ. Ou seja, λ = µ ∈ Cp;µ ∼ λ. Portanto, dados λ, µ ∈ Cp , tem-se λ = µ se, e somente
se, (x λ)′(0) = (x µ)′(0) para algum (logo para todo) sistema
de coordenadas locais x : U → Rm em M , com p ∈ U .
O conjunto quociente Cp/ ∼ sera indicado por TMp e sera cha-
mado o espaco tangente a variedade M no ponto p. Veremos que
TMp possui todas as propriedades “desejaveis” para um espaco
tangente.
Por exemplo, pode-se dar a TMp uma estrutura natural de
espaco vetorial sobre R, da seguinte maneira:
Cada sistema de coordenadas locais x : U → Rm em M , com
p ∈ U , da origem a uma bijecao x = x(p) : TMp → Rm, definida
por x(λ) = (x λ)′(0). E evidente que x esta bem definida e e
injetora. Mostremos que x e sobrejetora. Dado v ∈ Rm, seja λ ∈
Cp dado por λ(t) = x−1[x(p) + tv]. Entao x(λ) = (x λ)′(0) = v.
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136 [CAP. V: APLICACOES DIFERENCIAVEIS ENTRE VARIEDADES
U
p
λ
λ
x
x(p)
Rm
x λ
M
v = x(λ)
Figura 5.3.
Damos a TMp uma estrutura de espaco vetorial real, exigindo
que a bijecao x : TMp → Rm venha a ser um isomorfismo. Em
outras palavras, as operacoes de soma e produto de um vetor por
um numero real sao definidas pelas equacoes
λ+ µ = (x)−1(x(λ) + x(µ)),
c · λ = (x)−1(c · x(λ)).
O fato crucial e que estas operacoes nao dependem da escolha
do sistema de coordenadas x. Com efeito, dado y : V → Rm em
M , com p ∈ V , entao y = (y x−1)′ x : TMp → Rm.
TMp
Rm
Rm
R
y
x
-(yx−1)′
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[SEC. 3: A DERIVADA EM UMA APLICACAO DIFERENCIAVEL 137
Como (y x−1)′(x(p)) e um isomorfismo, os sistemas de coor-
denadas x e y originam a mesma estrutura de espaco vetorial em
TMp .
Dados um sistema de coordenadas locais x : U → Rm em M
e um ponto p ∈ U , indicamos por ∂
∂x1(p), . . . ,
∂
∂xm(p)
a base
de TMp que e levada pelo isomorfismo x : TMp → Rm sobre a
base canonica e1, . . . , em. As vezes escreveremos∂
∂xiem vez de
∂
∂xi(p). O vetor basico
∂
∂xi∈ TMp e a classe de equivalencia de
qualquer caminho λ ∈ Cp tal que (x λ)′(0) = ei .
3 A derivada em uma aplicacao diferenciavel
Sejam Mm, Nn variedades diferenciaveis e f : M → N uma
aplicacao diferenciavel no ponto p ∈M .
A derivada de f no ponto p e a transformacao linear f ′(p) :TMp → TNf(p) que associa a cada v = λ ∈ TMp o elemento
f ′(p) · v = (f λ)· ∈ TNf(p) , vetor-velocidade do caminho f λ ∈Cf(p) .
f
(f λ)
f λ
0 M
λ
J
N
λ
pf(p)
Figura 5.4.
Devemos verificar que f ′(p) e uma transformacao linear bem
definida. Tomemos assim sistemas de coordenadas x : U → Rm
em M , com p ∈ U e y : V → Rn em N , com f(p) ∈ V e f(U) ⊂ V .
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138 [CAP. V: APLICACOES DIFERENCIAVEIS ENTRE VARIEDADES
Dado v = λ ∈ TMp , entao (yf λ)′(0) = (yf x−1xλ)′(0) =
f ′xy (x λ)′(0).
Isto mostra que: 1) O vetor velocidade do caminho f λ ∈Cf(p) depende apenas do vetor velocidade de λ. Por conseguinte,
f ′(p) · v = (f λ)· esta bem definido. 2) O diagrama
TMp TNf(p)
Rm
Rn
-f ′(p)
?x
?y
-f ′xy
e comutativo. Logo f ′(p) : TMp → TNf(p) e uma transformacao
linear, cuja matriz em relacao as bases ∂
∂xi
de TMp e ∂
∂yi
de
TNf(p) e a matriz jacobiana( ∂yi∂xj
)da aplicacao fxy : x(U) → R
n
no ponto x(p).
Proposicao 1. (Regra da cadeia.) Sejam M , N , P variedades
diferenciaveis, f : M → N uma aplicacao diferenciavel no ponto
p ∈ M e g : N → P uma aplicacao diferenciavel no ponto f(p) ∈N . Entao g f : M → P e diferenciavel no ponto p ∈ M e (g f)′(p) = g′(f(p)) f ′(p) : TMp → TPgf(p) .
Demonstracao: Consideremos os sistemas de coordenadas
x : U → x(U) em M , y : V → y(V ) em N e z : W → z(W ) em
P , tais que p ∈ U , f(U) ⊂ V e g(V ) ⊂W .
Ora, fxy = y f x−1 : x(U) ⊂ Rm → y(V ) ⊂ R
n e dife-
renciavel em x(p) e gyz = z g y−1 : y(V ) ⊂ Rn → z(W ) ⊂ R
p
e diferenciavel em y(f(p)). Pela regra de cadeia usual (Capıtulo
I, Secao 4) resulta que gyzfxy = z(gf) x−1 : x(U) → z(W ) e
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[SEC. 4: ALGUMAS IDENTIFICACOES NATURAIS 139
diferenciavel no ponto x(p). Logo g f : M → P e diferenciavel
no ponto p ∈M . Dado v = λ ∈ TMp , entao
(g f)′(p) · λ = (g f λ)· = (g (f λ))·
= g′(f(p)) · (f λ)· = g′(f(p)) · f ′(p) · λ.
Observacoes:
1) Se f = id: M → M entao f ′(p) = id: TMp → TMp para todo
p ∈M .
2) Se f : M → N e um difeomorfismo entao, para todo
p ∈ M , f ′(p) : TMp → TNf(p) e um isomorfismo, cujo inverso
e (f−1)′(f(p)) = [f ′(p)]−1.
4 Algumas identificacoes naturais
1) T (Rm)p = Rm para todo p ∈ R
m.
Consideremos o sistema de coordenadas x = id: Rm → R
m.
O isomorfismo id: T (Rm)p → Rm, λ 7→ dλ
dt(0) ∈ R
m, fornece a
identificacao desejada. Estamos identificando, em cada p ∈ Rm, a
colecao λ = µ ∈ Cp;µ ∼ λ com o vetor v ∈ Rm tal que µ′(0) = v
para todo µ ∈ λ.
p v
Figura 5.5.
2) O espaco tangente a uma superfıcie
Temos duas definicoes para o espaco tangente a uma superfıcie
Mm ⊂ Rn, de classe Ck: O espaco tangente “concreto”, que foi
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140 [CAP. V: APLICACOES DIFERENCIAVEIS ENTRE VARIEDADES
definido no Capıtulo II e o espaco tangente “abstrato”, construıdo
na Secao 2 deste capitulo.
Identificaremos cada vetor tangente “abstrato” λ com o vetor
“concreto” v ∈ Rn tal que v = µ′(0) para todo µ ∈ λ.
Isto e equivalente a considerar a aplicacao de inclusao i : M →Rn (que e de classe Ck) e identificar TMp com sua imagem pela
derivada i′(p) : TMp → T (Rn)p ≡ Rn.
3) Espaco tangente a um subconjunto aberto
Seja U um subconjunto aberto de uma variedade Mm de classe
Ck. U pode ser visto como uma variedade de dimensao m e classe
Ck (ver Exemplo 2, Secao 4 do Cap. IV).
Na definicao de TMp, p ∈ U , nao ha perda de generalidade em
se considerar somente os caminhos λ : J → M , λ ∈ Cp , tais que
λ(J) ⊂ U . Isto significa que TUp = TMp .
Formalmente, estamos considerando a aplicacao de inclusao
i : U →M e identificando TUp com TMp por meio do isomorfismo
i′(p) : TUp → TMp .
Estas tres identificacoes acarretam algumas outras:
4) A derivada no sentido das variedades e generalizacao
natural da derivada em Rn. (Ver Exemplo 1, Secao 1.)
Dada uma aplicacao diferenciavel f : U → Rn (U ⊂ R
m aberto),
a presente nocao de derivada f ′(p) : TUp → T (Rn)f(p) se reduz a
“antiga”, atraves das identificacoes TUp = Rm, T (Rn)f(p) = R
n.
U Rn TUp T (Rn)f(p)
U Rn
Rm
Rn
-f
?id
?id
-f ′(p)
?i′(p)
?id′(p)
- -Df(p)
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[SEC. 5: A APLICACAO ESFERICA DE GAUSS 141
5) Sejam Mm uma variedade diferenciavel e x : U → x(U) ⊂ Rm
um sistema de coordenadas locais em M . Entao x e um difeomor-
fismo de U sobre x(U).
U x(U) TMp T (Rm)x(p)
x(U) x(U) Rm
Rm
-x
?
x
?
id
-x′(p)
?
x(p)
?
id
-id -id
Para cada p ∈ U , a derivada x′(p) : TUp → T (Rm)x(p) coincide
com o isomorfismo x : TMp → Rm (ver Secao 2).
De agora em diante sera abandonada a notacao temporaria x.
6) Sejam M uma variedade diferenciavel e λ : J → M , λ ∈ Cp ,
um caminho em M (λ(0) = p). A derivada λ′(0) : R → TMp e
dada por λ′(0) · r = (λ αr)·, onde αr(t) = rt. Identificaremos a
aplicacao linear λ′(0) com o vetor velocidade λ′(0) · 1 = λ ∈ TMp ,
abandonando, de agora em diante, a notacao λ. Mais geralmente,,
seja λ : (a, b)→M um qualquer caminho diferenciavel. Para cada
c ∈ (a, b) escrevemos λ′(c) em vez de λ′(c) ·1 e dizemos que λ′(c) ∈TMλ(c) e o vetor-velocidade do caminho λ(t) em t = c.
5 A aplicacao esferica de Gauss
Seja Mm ⊂ Rm+1 uma hiperfıcie orientavel de classe Ck,
k ≥ 2. Vimos no Capıtulo III (Proposicao 5) que existe um campo
u : M → Rm+1, de classe Ck−1, de vetores unitarios, normais a M .
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142 [CAP. V: APLICACOES DIFERENCIAVEIS ENTRE VARIEDADES
Rm
Mm
p0
Sm
u(p)u(p)
Figura 5.6.
Como u(p) ∈ Sm para todo p ∈ M , vemos que u : M → Sm e
de classe Ck−1 (cfr. Secao 3 do Cap. II).
Em cada ponto p ∈ M , os espacos tangentes TMp e
T (Sm)u(p) , considerados como subespacos do Rm+1, sao iguais,
ja que ambos sao o complemento ortogonal de u(p). Por conse-
guinte, a derivada de u e um endomorfismo u′(p) : TMp → TMp .
O numero real K(p) = det(u′(p)) chama-se a curvatura gaus-
siana de M no ponto p. Em cada componente conexa de M
ha duas escolhas, u e −u, para um campo contınuo de vetores
unitarios normais a M . Quando a dimensao de M e par,
det(u′(p)) = det(−u′(p)), e a curvatura gaussiana K(p) nao de-
pendera da escolha de u. Se m e ımpar, K(p) esta definido a
menos de sinal.
Uma propriedade importante da derivada u′(p) : TMp → TMp
e que ela e auto-adjunta, isto e, 〈u′(p) · v, w〉 = 〈v, u′(p) · w〉 para
todos v, w ∈ TMp . Para provar isto, seja ϕ : U0 → U uma pa-
rametrizacao de uma vizinhanca U de p ∈ M . Sejam ϕ(x0) = p,
ϕ′(x0) · v0 = v, ϕ′(x0) · w0 = w. Para cada x ∈ U0 , tem-se
〈u(ϕ(x)), ϕ′(x) · w0〉 = 0. Por diferenciacao, segue-se que
〈u′(p) · ϕ′(x0) · v0, ϕ′(x) · w0〉+ 〈u(p), ϕ′′(x0) · (v0, w0)〉 = 0.
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[SEC. 6: ESTRUTURAS DE VARIEDADE EM UM ESPACO TOPOLOGICO 143
Portanto 〈u′(p) · v, w〉 = −〈u(p)ϕ′′(x0) · (v0, w0)〉. Como ϕ′′(x0) e,
pelo teorema de Schwarz, uma forma bilinear simetrica, segue-se
que 〈u′(p) · v, w〉 = 〈u′(p) · w, v〉.Os valores proprios da transformacao linear u′(p) sao, por-
tanto, numeros reais k1 ≥ · · · ≥ km . Estes numeros sao deno-
minados de curvaturas principais de hiperfıcie M no ponto p. E
claro que K(p) = k1 · · · · · km .
Grande parte da Geometria Diferencial Classica e estudada
usando a aplicacao de Gauss. Muitas propriedades topologicas
globais de M se refletem no comportamento de K.
6 Estruturas de variedade em um espaco
topologico
Dada uma variedade diferenciavel (M,A), e facil definir outra
estrutura de variedade diferenciavel (M,B), de mesma classe que
a anterior, sobre o mesmo espaco topologico M . Basta considerar
um homeomorfismo ϕ : M → M que nao seja um difeomorfismo,
e definir
B = x ϕ : ϕ−1(U)→ Rn; x : U → R
n em A.
E claro que B herda de A a propriedade de ser um atlas di-
ferenciavel maximo. Entretanto, do fato de ϕ nao ser um difeo-
morfismo, deduz-se imediatamente que B 6= A. Isto se exprime
dizendo que os atlas A e B definem em M estruturas distintas de
variedade diferenciavel. Por outro lado a aplicacao
ϕ : (M,B)→ (M,A)
e um difeomorfismo (verificacao trivial), o que se exprime dizendo
que as duas estruturas de variedade que estamos considerando em
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144 [CAP. V: APLICACOES DIFERENCIAVEIS ENTRE VARIEDADES
M sao distintas, porem equivalentes. Estas consideracoes sugerem
algumas perguntas:
1) Dada uma variedade diferenciavel (M,A) sera possıvel defi-
nir em M uma nova estrutura nao equivalente a primeira? Ou
seja, existira outro atlas diferenciavel maximo B, sobre M , tal
que (M,A) nao e difeomorfa a (M,B)?
(Problema da unicidade da estrutura diferenciavel.)
2) Dada uma variedade topologica M , isto e, um espaco topolo-
gico, munido de um atlas maximo A0 , de classe C0, existira um
atlas diferenciavel A ⊂ A0? Em outras palavras, admitira toda
variedade topologica uma estrutura de variedade diferenciavel?
(Problema da existencia de uma estrutura diferenciavel.)
3) Uma variedade M , de classe Ck, admitira uma estrutura de
variedade de classe Cs com s > k?
O problema 1) foi resolvido por J. Milnor (Annals of Mathe-
matics, vol. 64 (1956), pags. 395-405). Ja se sabia que, em di-
mensoes baixas, (1,2,3) duas estruturas diferenciaveis quaisquer
numa variedade eram equivalentes. Esperava-se que a unicidade
(a menos de um difeomorfismo) fosse valida em todos os casos.
Surpreendentemente, Milnor obteve exemplos de varais estruturas
diferenciaveis nao equivalentes na esfera S7.
O problema 2) foi resolvido por S. Smale e, independente-
mente, por M. Kervaire. Existem variedades topologicas que nao
admitem estrutura de variedade diferenciavel. Aqui, novamente,
surge uma pergunta natural: como deve ser a topologia de uma
variedade de classe C0 para que ela admita uma estrutura dife-
renciavel?
O problema 3) foi resolvido por H. Whitney (Annals of Ma-
thematics, vol. 37 (1936) pags. 645-680). Todo atlas maximo
A1 , de classe C1, sobre uma variedade M , contem um atlas A de
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[SEC. 6: ESTRUTURAS DE VARIEDADE EM UM ESPACO TOPOLOGICO 145
classe C∞. (Isto sera demonstrado mais adiante, no Capıtulo XI.)
Mais do que isso: Whitney demonstrou que A pode ser tomado
analıtico. Em termos menos precisos: toda variedade de classe C1
admite uma estrutura de classe C∞ e, ate mesmo, uma estrutura
analıtica.
Uma discussao mais completa dos problemas e resultados acima
mencionados foge ao nıvel deste livro. Um problema antigo e de
maior dificuldade e o da classificacao das variedades diferenciaveis
de uma dada dimensao n (duas variedades Mn, Nn pertencem a
mesma “classe de difeomorfismo” se, e somente se, sao difeomor-
fas). Este problema esta resolvido em dimensoes 1 e 2. Uma
variedade diferenciavel M 1 e difeomorfa ao cırculo
S1 = (x, y) ∈ R2; x2 + y2 = 1,
se for compacta, ou a reta R, se nao for compacta. A classi-
ficacao das variedades M 2 nao e tao simples mas esta completa-
mente feita. Duas variedades de dimensao 2 sao difeomorfas se e
so se sao homeomorfas. Para a classificacao (por homeomorfismos)
das M2 compactas, veja-se Seifert-Threlfall, “Lecciones de Topo-
logia”, Capıtulo VI. Uma M 2 compacta orientavel e caracterizada
pelo seu genero (numero de “asas” acrescentadas a uma esfera
para obter M2). Elas sao: a esfera (genero 0), o toro (genero
1), etc. Uma M2 compacta nao orientavel e caracterizada pelo
seu “recobrimento orientavel”, dado por uma variedade compacta
orientavel M2 e uma aplicacao regular
π : M2 →M2
tal que π−1(q) tem 2 pontos, para cada q ∈ M 2. Por exemplo,
o plano projetivo e recoberto pela esfera, a “garrafa de Klein”
pelo toro, etc. Para a classificacao das M 2 nao compactas, veja-
se Kererkjarto: “Vorlesungen uber Topologie”, Berlin, 1932. Em
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146 [CAP. V: APLICACOES DIFERENCIAVEIS ENTRE VARIEDADES
dimensao 3, sabe-se que toda variedade topologica M 3 possui uma
estrutura diferenciavel, e que duas variedades diferenciavel M 3 e
N3 sao difeomorfas se e somente se sao homeomorfas. Mas o
problema de classificar as variedades M 3 por homeomorfismos tem
resistido as tentativas dos topologos. Em particular, nao se sabe se
uma variedade compacta, simplesmente conexa, de dimensao 3, e
ou nao homeomorfa a esfera S3 (conjectura de Poincare). S. Smale
demonstrou que uma variedade simplesmente conexa Mn, que tem
os mesmos grupos de homologia de uma esfera Sn, e homeomorfa
a Sn, se n 6= 3, 4. Os casos n = 3, 4 continuam em aberto.
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Capıtulo VI
Imersoes, Mergulhos e
Subvariedades
O objetivo principal deste capıtulo e introduzir o conceito de
subvariedade.
Intuitivamente, uma subvariedade Mm ⊂ Nn esta situada em
N de modo analogo a uma superfıcie Mm ⊂ Rn, situada em R
n.
E feita, tambem, uma discussao elementar das relacoes que
existem entre as nocoes de imersao e de mergulho.
A curva de Kronecker no toro e discutida em detalhe. Trata-se
de um exemplo importante, inclusive do ponto-de-vista historico,
de uma imersao injetiva R→ T 2 cuja imagem e densa.
1 Imersoes
Sejam Mm, Nn variedades de classe Ck (k ≥ 1) e f:M →N
uma aplicacao diferenciavel.
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148 [CAP. VI: IMERSOES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES
Um ponto p ∈ M diz-se um ponto regular de f quando a
derivada f ′(p) : TMp → TNf(p) e injetiva. Caso contrario, p diz-se
um ponto singular ou crıtico de f .
Tomando coordenadas locais x : U → Rm em M e y : V → R
n
em N , com f(U) ⊂ V , a derivada f ′(p), p ∈ U , transforma-se na
derivada f ′xy(x(p)) : Rm → R
n, onde fxy = y f x−1. Em outras
palavras, o diagrama abaixo e comutativo.
TMp TNf(p)
Rm
Rn
-f ′(p)
?x′(p)
?y′(f(p))
-f ′xy(x(p))
Um ponto p ∈ U ⊂ M e regular para f se, e somente se,
f ′xy(x(p)) e injetiva.
O conjunto dos pontos regulares p ∈ M de uma aplicacao de
classe Ck, f : M → N , (k ≥ 1) pode ser vazio. Por exemplo, isto
ocorre sempre que dimM > dimN .
Proposicao 1. (Forma local das imersoes em variedades.) Seja
p ∈ M um ponto regular para a aplicacao f : M → N de classe
Ck, k ≥ 1. Entao existe um sistema de coordenadas x : U → Rm
em M , com p ∈ U , e um difeomorfismo de classe Ck, y : V →Rm × R
n−m, (V ⊂ N aberto) tais que f(U) ⊂ V e fxy = y f x−1 : x(U)→ x(U)×0 ⊂ R
m×Rn−m e a aplicacao de inclusao,
isto e, fxy(w) = (w, 0). Em particular, o conjunto dos pontos
regulares p ∈M de f e aberto em M .
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[SEC. 1: IMERSOES 149
fxy
x(U)
p
x
Rm
U
y
x(U) × 0
f(p)
V
y(V )
N
M f
0
Rm
Rn−m
Figura 6.1.
Demonstracao: Dados quaisquer sistemas de coordenadas
x : U → Rm em M e z : V → R
n em N , com f(U) ⊂ V , conside-
remos os diagramas
U V TMp TNf(p)
x(U) z(V ) Rm
Rn
-f
?
x
?
z
-f ′(p)
?
x′(p)
?
z′(f(p))
-fxz
-f ′xz(x(p))
Observemos que x(U) ⊂ Rm e aberto, fxz : x(U) → R
n e
de classe Ck e f ′xz(x(p)) e injetiva. Logo, pela forma local das
imersoes (Capıtulo 1, secao 9), restringindo se necessario os
domınios, conclui-se que existe um difeomorfismo de classe Ck,
ξ : z(V )→ x(U)×W ⊂ Rm × R
n−m (0 ∈W ⊂ Rn−m aberto), tal
que (ξ fxz)(u) = (u, 0).
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150 [CAP. VI: IMERSOES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES
U V
x(U) z(V )
x(U)×W
-f
?
x
?
z
-fxz
R ?
ξ
Concluimos a demonstracao tomando y = ξ z.Observacao: O difeomorfismo de classe Ck, y : V → y(V ) ⊂Rn, sera um sistema de coordenadas em N se a classe de N for
exatamente igual a k.
Uma aplicacao diferenciavel f : M → N diz-se uma imersao se
todo ponto p ∈ M e um ponto regular para f , isto e, a derivada
f ′(p) : TMp → TNf(p) e injetiva para cada p ∈M .
Proposicao 2. Seja f : Mm → Nn uma imersao de classe Ck.
Uma aplicacao g : P r →Mm e de classe Ck se, e somente se, g e
contınua e f g : P r → Nn e de classe Ck (k ≥ 1).
Demonstracao: Suponhamos que g seja contınua e que f g ∈Ck. Pela Proposicao 1, para cada p ∈ P existem um sistema de
coordenadas x : U → Rm em M , com g(p) ∈ U , e um difeomor-
fismo de classe Ck, y : V → Rm × R
n−m, (V ⊂ N aberto) tais
que f(U) ⊂ V e fxy = y f x−1 : x(U) → Rm × R
n−m e da
forma fxy(w) = (w, 0). Como g e contınua, podemos encontrar
um sistema de coordenadas z : Z → Rr em P , com p ∈ Z, tal que
g(Z) ⊂ U . Portanto (f g)zy = y f g z−1 : z(Z)→ Rm×R
n−m
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[SEC. 2: MERGULHOS E SUBVARIEDADES 151
faz sentido e e da forma (f g)zy = (gzx, 0). Como f g ∈ Ck,segue-se que (f g)zy ∈ Ck, logo gzx ∈ Ck. Conclusao: g ∈ Ck.
A recıproca e obvia.
Exercıcio. Encontrar uma imersao f : R → R2, de classe C∞, e
uma aplicacao descontınua g : R→ R tais que f g : R→ R2 seja
de classe C∞.
Corolario. Sejam N uma variedade de classe Ck, pelo menos,
M um espaco topologico e f : M → N uma aplicacao contınua.
Entao existe no maximo uma estrutura de variedade Ck em M
que torna f uma imersao de classe Ck.
Demonstracao: Suponhamos que existam dois atlas maximos de
classe Ck emM , A e B, tais que f : (M,A)→ N e f : (M,B)→ N
sao imersoes de classe Ck. A aplicacao identidade g : (M,A) →(M,B) e contınua e f g = f : (M,A) → N . Pela Proposicao 2,
resulta que g ∈ Ck. Isto significa que para cada x : U → Rm em
A e y : V → Rn em B, com U ∩ V 6= ∅, a mudanca de coordena-
das y x−1 e de classe Ck. Analogamente, a aplicacao identidade
(M,B)→ (M,A) e de classe Ck, logo todas as mudancas de coor-
denadas x y−1, x ∈ A e y ∈ B, tambem sao de classe Ck. Como
A e B sao atlas maximos de classe Ck, conclui-se que A = B.
2 Mergulhos e subvariedades
Sejam Mm, Nn variedades de classe Ck (k ≥ 1).
Diz-se que uma aplicacao f : M → N e um mergulho se
(i) f e uma imersao.
(ii) f e um homeomorfismo de M sobre o subespaco f(M) ⊂ N .
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152 [CAP. VI: IMERSOES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES
Na Secao 6 veremos exemplos de imersoes injetivas que nao
sao homeomofismos sobre sua imagem.
Observacao: Quando f : M → N e um mergulho de classe Ck,
a Proposicao 2 fica simplificada, pois nao sera preciso supor que
g e contınua. De fato, se f g ∈ Ck, entao g = f−1 (f g) e
contınua.
Uma subvariedade Mm de classe Ck de uma variedade Nn de
classe Cr (r ≥ k) e um subconjunto M ⊂ N , com a topologia
induzida pela de N , e dotado de uma estrutura de variedade Ck
tal que a aplicacao de inclusao i : M → N e um mergulho de
classe Ck.
Segue-se do corolario anterior que existe no maximo uma es-
trutura de variedade Ck que faz de M uma subvariedade Ck de N .
Devido a importancia do conceito, explicitamos as condicoes
que devem ser verificadas a fim de que M seja uma subvariedade
de classe Ck de N .
(i) M e uma variedade de classe Ck.
(ii) M ⊂ N e a topologia de M e induzida pela de N .
(iii) Para cada p ∈ M , existem sistemas de coordenadas y : V →Rn em N e x : U → R
m em M tais que p ∈ U ⊂ V e y x−1 : x(U) → R
n e uma imersao de classe Ck. (Entao y x−1
e necessariamente um mergulho, pois a topologia de U e induzida
pela de V .)
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[SEC. 2: MERGULHOS E SUBVARIEDADES 153
Intuitivamente, M esta situada em N assim como uma su-
perfıcie de classe Ck em Rn.
V
p
x(p)
y x−1
Rm
y
y(V )
M
Rn
x(U)
N
x
U
Figura 6.2.
Exemplos
1) As subvariedades de classe Ck de Rn sao precisamente as su-
perfıcies M ⊂ Rn, de classe Ck.
2) Sejam M e N variedades de classe Ck e f : M → N um mer-
gulho de classe Ck. Entao f(M) e uma subvariedade de classe Ck
de N .
3) Um subconjunto aberto U ⊂ N , considerado como variedade
(ver Exemplo 2, Secao 4 do Cap. IV) e uma subvariedade de
N , da mesma classe e dimensao. Reciprocamente, toda variedade
n-dimensional Mn ⊂ Nn e um subconjunto aberto de N . Real-
mente, para cada par x, y como em (iii), y x−1 : x(U) → Rn e,
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154 [CAP. VI: IMERSOES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES
pelo teorema da funcao inversa, uma aplicacao aberta. Segue-se
que M =⋃
[y−1 (y x−1)(x(U))] e um subconjunto aberto de N .
Em particular, se uma variedade conexa Nn contem uma sub-
variedade compacta Mn, de mesma dimensao, entao M = N .
3 Subvariedades
Na pratica, as tres condicoes que devemos verificar para que M
seja uma subvariedade de classe Ck de N podem ser simplificadas
pelas seguintes proposicoes.
Proposicao 3. Sejam N uma variedade Cr e M um subcon-
junto de N . Suponhamos que para cada p ∈ M exista um sis-
tema de coordenadas y : V → Rn em N , com p ∈ V , e uma
aplicacao injetiva x : M ∩ V → Rm tais que x(M ∩ V ) e aberto
e y x−1 : x(M ∩ V ) → Rn e um mergulho de classe Ck. Entao
existe uma (unica) estrutura de variedade Ck em M que o torna
uma subvariedade de classe Ck de N .
Demonstracao: Dotando M da topologia induzida pela de N ,
cada aplicacao x = (y x−1)−1 y : M ∩ V → x(M ∩ V ) sera um
homeomorfismo. A colecao A de todas estas aplicacoes x : M ∩V → x(M ∩ V ) e um atlas de classe Ck em M . Realmente, se
x : M ∩V → Rm relaciona-se com y : V → R
n da maneira indicada
no enunciado e x1 : M ∩V1 → Rm relaciona-se com y1 : V1 → R
n, e
se M∩V ∩V1 6= ∅, entao x1x−1 = (y1x−11 )(y1y−1)(yx−1) ∈
Ck.
A unicidade da estrutura de variedade em M e um fato geral,
visto na Secao 2.
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[SEC. 3: SUBVARIEDADES 155
Rm
0
Rn−m
y(M ∩ V )π1
y
V
M
N
M ∩ V
Figura 6.3.
Proposicao 4. Seja Nn uma variedade de classe Cr. Para que
um subonjunto M ⊂ N sejam uma subvariedade de dimensao m
e classe Ck (k ≤ r) de N e necessario e suficiente que, para cada
p ∈ M , exista um aberto V ⊂ N , p ∈ V , e um difeomorfismo de
classe Ck y : V → Rm × R
n−m tal que y(M ∩ V ) ⊂ Rm × 0.
(⇒) A condicao e necessaria. Resulta imediatamente da forma
local das imersoes (Proposicao 1) e da definicao de subvariedade.
(⇐) A condicao e suficiente. Resulta imediatamente da Pro-
posicao 3, tomando
x = (π1 y) | (M ∩ V ) : M ∩ V → Rm.
Corolario. Seja N uma variedade de classe Cr. Dado M ⊂ N ,
se cada p ∈ M possui uma vizinhanca V em N tal que M ∩ V e
uma subvariedade de dimensao m e classe Ck de N (k ≤ r) entao
M e uma subvariedade de dimensao m e classe Ck de N .
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156 [CAP. VI: IMERSOES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES
Observacao: Espaco tangente a uma subvariedade.
Seja Mm ⊂ Nn uma subvariedade de classe Ck. Em
cada ponto p ∈ M identificamos o espaco tangente TMp
com um subespaco de TNp , por meio da aplicacao linear injetiva
i′(p) : TMp → TNp , onde i : M → N e a inclusao.
Como casos especiais deste procedimento, tem-se as identi-
ficacoes TUp = TNp para um subconjunto aberto e TMp ⊂ Rn
quando Mm ⊂ Rn e uma superfıcie.
4 O espaco tangente a uma variedade pro-
duto. Derivadas parciais
Seja Mm ×Nn um produto de variedades Ck (ver Exemplo 4,
Secao 4 do Cap. IV).
Em cada ponto (p, q) ∈ M × N , o espaco tangente
T (M × N)(p,q) contem dois subespacos importantes E, F . O
primeiro, E, consta de todos os vetores-velocidade λ′(0) de ca-
minhos do tipo λ(t) = (λ1(t), q), enquanto que o segundo, F ,
e formado pelos vetores-velocidade µ′(0) dos caminhos da forma
µ(t) = (p, µ2(t)). Tomando um sistema de coordenadas x× y em
torno de (p, q), ve-se facilmente que o isomorfismo (x×y)′ : T (M×N)(p,q) → R
m × Rn leva E sobre R
m × 0 e F sobre 0× Rn.
Consequentemente, T (M ×N)(p,q) = E ⊕ F .
Do Exemplo 5, Secao 1, do Cap. V, resulta que as projecoes
π1 : M×N →M , π2 : M×N → N , e as inclusoes iq : M →M×q ⊂M × N , jp : N → p × N ⊂ M × N sao de classe Ck. As duas
primeiras sao as coordenadas da aplicacao identidade de M ×N ,
enquanto que as duas ultimas tem uma coordenada constante e a
outra e a identidade.
As relacoes π1 iq = id: M → M e π2 jp = id: N → N
acarretam (pela regra da cadeia) que iq e jp sao mergulhos de
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[SEC. 5: A CLASSE DE UMA SUBVARIEDADE 157
classe Ck (logo M × q e p ×N sao subvariedades Ck de M ×N)
e que as derivadas de π1 e π2 em (p, q) sao sobrejetoras.
E obvio que T (M × q)(p,q) = E e T (p×N)(p,q) = F .
Identificamos E e F com TMp e TNq respectivamente, por
meio dos isomorfismos i′q(p) : TMp → E e j′p(q) : TNq → F .
Escrevemos finalmente T (M ×N)(p,q) = TMp ⊕ TNq .
As derivadas parciais de uma aplicacao diferenciavel
f : M ×N → P sao aplicacoes lineares ∂1f(p, q) : TMp → TPf(p,q)
e ∂2f(p, q) : TNq → TPf(p,q), definidas como sendo as derivadas
das aplicacoes f iq : M → P e f jp : N → P nos pontos p ∈Me q ∈ N , respectivamente.
Tomando em M × N sistemas de coordenadas locais do tipo
x × y, a “nova” nocao de derivada parcial reduz-se a “antiga”,
vista na Secao 6, Capıtulo I.
Por conseguinte, valem todos os resultados locais vistos no
Capıtulo I, tais como o teorema das funcoes implıcitas, o teorema
da funcao inversa e a forma local das submersoes. O leitor esta
convidado a estender formalmente as generalizacoes destes teore-
mas ao contexto das variedades.
5 A classe de uma subvariedade
Na definicao de subvariedade, nao demos muita atencao a sua
classe de diferenciabilidade. Por isso, talvez seja interessante es-
clarecer, por meio de um exemplo, que uma variedade N , de classe
Ck, pode possuir uma subvariedade M , de classe Cr, r < k, de
tal modo situada em N que nao existe em M uma estrutura de
variedade Cr+1 tomando-a uma subvariedade de N .
Seja N = R2, com sua estrutura habitual de variedade de
clase C∞ e M = (x, y) ∈ R2;x4 = y3. Entao M = f−1(0), onde
f : R2 → R e a funcao de classe C∞ definida por f(x, y) = x4−y3.
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158 [CAP. VI: IMERSOES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES
Se 0 ∈ R fosse um valor regular de f , M seria uma subvariedade
de classe C∞ do R2. (Secao 5.2, Cap. II.) Tal nao e o caso. Apesar
disso, M e ainda uma subvariedade de classe C1 do R2, pois e o
grafico da funcao y = x4/3, de classe C1.
y = x4/3
Figura 6.4.
Suponhamos que M pudesse receber uma estrutura de varie-
dade de classe C2 do R2. A projecao π : R
2 → R, π(x, y) = x,
daria origem a uma funcao ϕ = π|M : M → R, de classe C2.
Como ϕ e um homeomorfismo e em nenhum ponto de M o espaco
tangente TMp e vertical, ϕ seria um difeomorfismo de clase C2.
Sua inversa ϕ−1 : R→M seria uma aplicacao de classe C2, do tipo
t 7→ (t, g(t)), g ∈ C2. Isto implicaria imediatamente g(t) = t4/3,
uma contradicao, pois t4/3 nao e C2.
O homeomorfismo ϕ = π|M pode ser usado para transportar a
estrutura de variedade C∞ de R paraM : o sistema de coordenadas
ϕ : M → R esta contido em um unico atlas maximo A ∈ C∞ em
M . No entanto, a variedade de classe C∞ (M,A) e apenas uma
subvariedade de classe C1 de R2, pois a inclusao i : M → R
2 e de
classe C1 mas nao e de classe C2.
Podem-se dar exemplos semelhantes para cada r. Por
exemplo, o grafico de y = |y|r+1 e somente uma subvariedade
de classe Cr de R2.
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[SEC. 6: IMERSOES CUJAS IMAGENS SAO SUBVARIEDADES 159
6 Imersoes cujas imagens sao subvariedades
Uma imersao f : M → N pode deixar de ser um mergulho por
dois motivos:
(i) f nao e injetiva.
O exemplo tıpico e a aplicacao de classe C∞, f : R → R2,
definida por f(t) = (2 cos t+ t, sen t).
f(R)
Figura 6.5.
(ii) f e injetiva mas f : M → f(M) ⊂ N nao e um homeo-
morfismo, onde f(M) tem a topologia induzida pela de N . (Ver
Fig. 6.6.)
R
h
g
f
Figura 6.6.
Notemos que em nenhum dos exemplos da Fig. 6, f(R) e uma
subvariedade de R2. Notemos tambem que f : R → f(R) (com a
topologia induzida) nao e aberta.
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160 [CAP. VI: IMERSOES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES
Uma imersao de classe Ck (k ≥ 1) f : M → N e localmente
injetiva. Mais precisamente, cada ponto p ∈ M possui uma vizi-
nhanca U tal que f |U e um mergulho (Proposicao 1).
Quando dimM = dimN , uma imersao f : M → N e na rea-
lidade um difeomorfismo local: cada ponto p ∈ M possui uma
vizinhanca U que e levada difeomorficamente por f sobre uma vi-
zinhanca de f(p). Em particular, quando dimM = dimN , uma
imersao e uma aplicacao aberta.
A proposicao abaixo mostra em que condicoes a imagem de
uma imersao f : M → N e uma subvariedade.
Proposicao 5. Seja f : Mm → Nn uma imersao de classe Ck
(k ≥ 1). Entao f(M) e uma subvariedade de dimensao m e classe
Ck de N se, e somente se, f : M → f(M) e uma aplicacao aberta
(f(M) com a topologia induzida pela de N). Em particular, se f
e um mergulho entao f(M) e uma subvariedade de N .
Demonstracao: (⇒) Suponhamos que f : M → f(M) seja aberta.
Cada ponto p ∈M possui uma vizinhanca U , domınio de um sis-
tema de coordenadas x : U → Rm tal que f |U e um mergulho (ver
Proposicao 1) e f(U) = V e aberto em f(M).
x(U)
p
U
Mx
N
f
x
f(U)
f(p)
Figura 6.7.
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[SEC. 6: IMERSOES CUJAS IMAGENS SAO SUBVARIEDADES 161
As aplicacoes x = x (f |U)−1 : V → Rm, assim obtidas, defi-
nem um atlas de classe Ck em f(M). Pela Proposicao 3, f(M) e
de fato uma subvariedade de classe Ck de N .
(⇐) Reciprocamente, suponhamos que f(M) seja uma subva-
riedade de classe Ck de N . Entao, pela Proposicao 2, f : M →f(M) e uma imersao de classe Ck, e portanto uma aplicacao
aberta.
i f ∈ Ck
f(M)M Ni ∈ Ck
. . . logo f ∈ Ck.
f
Exemplos:
1) A aplicacao f : R→ R2, dada por f() = eit, e uma imersao C∞
tal que f : R→ f(R) = S1 e uma subvariedade C∞ do R2.
2) Seja g : S2 → R4 definida por g(x, y, z) = (x2 − y2, xy, xz, yz).
Entao g : S2 → g(S2) e uma imersao C∞ aberta, pois P 2 = g(S2)
e uma subvariedade do R4.
Observacoes:
1) Note-se que, na Proposicao 5, nao estamos supondo f injetiva!
2) Sera mostrado brevemente que uma aplicacao de classe C1 nao
pode transformar uma variedade em outra de dimensao maior. Por
conseguinte, nao sera preciso admitir, no enunciado da Proposicao
5, que f(M) e m-dimensional.
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162 [CAP. VI: IMERSOES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES
3) Um problema interessante e o de investigar condicoes suficientes
para que uma imersao f : M → N seja um mergulho. Por exem-
plo, quando M e compacta toda imersao injetiva f : M → N e
um homeomorfismo sobre f(M), logo um mergulho. Isto porque
toda aplicacao contınua e injetiva de um espaco compacto sobre
um espaco de Hausdorff e um homeomorfismo. Outra condicao
suficiente e a seguinte.
4) Mergulhos proprios.
Dada uma sequencia (pn) em uma variedade M , escrevemos
pn → ∞ para indicar que (pn) nao possui nenhuma subsequencia
convergente. Dada uma aplicacao f : M → N entre variedades,
chama-se conjunto-limite de f ao conjunto
L(f) = q ∈ N ; q = lim f(pn), pn →∞ em M.
Uma aplicacao f : M → N , entre variedades, denomina-se
aplicacao propria quando e contınua e pn → ∞ em M acarreta
f(pn) → ∞ em N . Em outras palavras, L(f) = ∅. E facil ver,
pela propriedade de Bolzano-Weierstrass, que isto e equivalente a
dizer que para cada compacto K ⊂ N , f−1(K) ⊂M e compacto.
Toda aplicacao propria e fechada.
Em particular, uma imersao injetiva propria e um mergulho e,
alem disso, f(M) e um subconjunto fechado de N .
A inclusao i : R→ R2, i(x) = (x, 0) e um mergulho proprio de
R em R2.
Um segmento de reta aberto e limitado em R2 e imagem de
um mergulho R→ R2 que nao e uma aplicacao propria.
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[SEC. 7: A CURVA DE KRONECKER NO TORO 163
As figuras abaixo sao exemplos ilustrativos de mergulhos nao
proprios de R em R2.
Figura 6.8.
7 A curva de Kronecker no toro
O toro de dimensao 2, T 2 ⊂ R3, e a imagem de R
2 pela
aplicacao f : R2 → R
3, de classe C∞, dada por f(x, y) = (2 cos 2πx+
cos 2πy · cos 2πx, 2 sen 2πx+ cos 2πy · sen 2πx, sen 2πy).
E facil ver que
(i) f : R2 → R
3 e uma imersao de classe C∞.
(ii) f(x, y) = f(x′, y′) = x′ − x ∈ Z, y′ − y ∈ Z.
Mostremos agora que a aplicacao f : R2 → T 2 e aberta. Resul-
tara entao da Proposicao 5 que T 2 e uma superfıcie de dimensao
2 e classe C∞ no espaco R3.
Seja Z× Z ⊂ R2 o subgrupo aditivo formado pelos vetores de
coordenadas inteiras. Dados w,w′ ∈ R2, temos f(w) = f(w′) ⇔
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164 [CAP. VI: IMERSOES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES
w − w′ ∈ Z × Z, ou seja, a relacao de equivalencia definida por
f em R2 tem por classes de equivalencia as classes laterais do
subgrupo Z×Z ⊂ R2. Consideremos a aplicacao canonica π : R
2 →R
2/Z×Z, tomando valores no grupo quociente R2/Z×Z (munido
da topologia quociente). Dado A ⊂ R2 aberto, temos π−1(π(A)) =⋃
r∈Z×Z
A+ r, uma reuniao de abertos. Segue-se que π(A) e aberto
em R2/Z × Z, donde π e uma aplicacao aberta. Notemos ainda
que o grupo quociente R2/Z× Z e compacto, pois e a imagem do
compacto [0, 1]× [0, 1] ⊂ R2 pela aplicacao contınua π.
Temos o diagrama comutativo classico:
R2 T 2
R2/Z× Z
?
π
-f
f
onde f e a bijecao contınua induzida por f . Como T 2 ⊂ R3 e
Hausdorff e o domınio de f e compacto, segue-se que f e um
homeomorfismo. Consequentemente f e aberta, pois f constitui
uma “equivalencia” entre f e π.
Assim T 2 ⊂ R3 e uma superfıcie C∞ e f : R
2 → T 2 e uma
imersao.
Atraves do homeomorfismo f , transporta-se para o grupo quo-
ciente R2/Z×Z a estrutura de variedade C∞ que T 2 possui, o que
torna π uma imersao e f um difeomorfismo, ambos C∞.
As imagens dos caminhos x 7→ f(x, y0), y 7→ f(x0, y) chamam-
se respectivamente os paralelos e os meridianos de T 2.
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[SEC. 7: A CURVA DE KRONECKER NO TORO 165
Consideremos os caminhos no toro do tipo T 7→ f λ(t), λ(t) =
(t, at) ∈ R2.
λ
R
0
R2
λ(t)
f
t
f(λ(t))
Figura 6.9.
Se a = m/n e um numero racional (na forma mais simples)
entao fλ(R) e uma curva fechada em T 2. Com efeito, fλ(0) =
fλ(n) pois λ(0) = (0, 0) e λ(n) = (n,m) ∈ Z × Z. Geometrica-
mente, fλ(R) intersecta cada meridiano n vezes e cada paralelo m
vezes.
Suponhamos agora que a seja um numero irracional. Entao,
para s 6= t ∈ R, o ponto λ(s)−λ(t) = (s− t, a · (s− t)) ∈ R2 jamais
tera ambas as coordenadas inteiras. Por conseguinte, f λ : R →T 2 e uma imersao injetiva. Sua imagem fλ(R) e chamada a curva
de Kronecker no toro. Geometricamente, a curva de Kronecker da
infinitas voltas em torno de cada paralelo e de cada meridiano do
toro, fazendo com todos eles um angulo constante.
Figura 6.10.
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166 [CAP. VI: IMERSOES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES
Provaremos agora que a curva de Kronecker e um subconjunto
denso do toro. Como f e um homeomorfismo local de R2 sobre
T 2, e suficiente mostrar que os pontos de R2 que se aplicam por f
em pontos da curva de Kronecker formam um conjunto denso em
R2. Explicitamente, devemos provar que o conjunto
X = (t+m, at+ n); t ∈ R, m, n ∈ Z
e denso em R2 quando a e irracional.
Usaremos o
Lema. Se a e um numero irracional, entao o conjunto G = ma+
n; m,n ∈ Z e denso em R.
Demonstracao: Como G e subgrupo aditivo de R e suficiente
mostrar que para cada ε > 0 existe g ∈ G com 0 < g < ε (com
efeito, se isto ocorrer, os multiplos kg, k ∈ Z, decomporao a reta
em intervalos de comprimento < ε). Escrevamos G+ = g ∈G; g > 0. Suponhamos, por absurdo, que 0 < β = inf G+.
Afirmacao: neste caso, β ∈ G+. Realmente, se fosse β /∈ G+,
existiriam, pela definicao de ınfimo, elementos distintos de G+ ar-
bitrariamente proximos de β. A diferenca entre dois dos tais ele-
mentos e arbitrariamente pequena e e ainda um elemento de G+.
Portanto β ∈ G+. Afirmacao: G e gerado por β. Dado g ∈ G,
escrevamos |g| = qβ+r, q ∈ Z, 0 ≤ r < β. Entao r = |g|−qβ ∈ G,
logo r = 0, donde |g| ∈ G e portanto g ∈ G. Escrevamos a = nβ e
a + 1 = mβ como elementos de G. Entao 1 = (m − n)β, ou seja,
β e racional, donde a e racional, o que e uma contradicao. Isto
conclui a demonstracao do lema.
Mostremos agora que X e denso em R2. Dado (x, y) ∈ R
2 e
ε > 0, existem, pelo lema, m,n ∈ Z tais que |y−ax−am−n| < ε.
Escrevamos t = x+ m, m = −m. Entao (t+m, at+n) = (x, ax+
am+ n). Logo d((x, y), (t+m, at+ n)) < ε.
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[SEC. 7: A CURVA DE KRONECKER NO TORO 167
Por varios motivos, a imersao injetiva f λ : R → T 2 nao e
um mergulho. Um deles e que a curva de Kronecker f λ(R) nao
e localmente conexa. Outro e que, em virtude da Proposicao 4,
quando m < n, uma subvariedade Mm ⊂ Nn nao pode ser um
subconjunto denso de N .
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Capıtulo VII
Submersoes,
Transversalidade
Os conceitos de valor regular e submersao generalizam-se fa-
cilmente ao contexto das Variedades Diferenciaveis, assim como
todos os resultados obtidos em capıtulos anteriores: a forma local
das submersoes, o teorema da funcao inversa, etc...
Varios exemplos serao discutidos: as aplicacoes do cırculo S1
e dos planos projetivos P n, os grupos de Lie.
Concluimos o capıtulo com uma exposicao do conceito de trans-
versalidade, introduzido por Rene Thom.
1 Submersoes
Seja f : M → N uma aplicacao de classe Ck, k ≥ 1. Um ponto
c ∈ N diz-se um valor regular de f se, para cada p ∈ f−1(c), a
derivada f ′(p) : TMp → TNc e sobrejetiva.
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[SEC. 1: SUBMERSOES 169
Quando c ∈ N − f(M) entao c e obviamente um valor regular
de f . Se algum c ∈ f(M) e valor regular de f , entao dimM ≥dimN .
O resultado abaixo estende o Teorema 1, Capıtulo II.
Proposicao 1. Seja c ∈ N um valor regular de uma aplicacao
f : Mm → Nn, de classe Ck (k ≥ 1). Entao, ou bem f−1(c) e
vazio, ou bem f−1(c) e uma subvariedade (m− n)-dimensional de
M , de classe Ck. O espaco tangente a f−1(c) em cada ponto p e
o nucleo de f ′(p) : TMp → TNc .
Demonstracao: Se f−1(c) 6= ∅, seja p ∈ f−1(c). Tomemos
coordenadas x : U → Rm em M , p ∈ U e y : V → R
n em N ,
c = f(p) ∈ V , com f(U) ⊂ V . Entao y(c) e valor regular da
aplicacao fxy = y f x−1 : x(U)→ Rn.
fxy
f
x
pU
M
f−1(c)
x(U) Rm
Rn
y(c)
y(V )
V
y
c
N
Figura 7.1.
Pelo Teorema 1, Capıtulo II, f−1xy (y(c)) e uma superfıcie
de dimensao m − n e classe Ck no Rm. Pela Proposicao 5,
x−1(f−1xy (y(c))) = f−1(c) ∩ U e uma subvariedade de classe Ck de
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170 [CAP. VII: SUBMERSOES, TRANSVERSALIDADE
M . Do corolario da Proposicao 4 resulta que f−1(c) e uma sub-
variedade de M . A afirmacao sobre o espaco tangente e deixada
para o leitor.
Proposicao 2 (Forma local das submersoes para variedades.)
Seja f : M → N uma aplicacao de classe Ck (k ≥ 1). Suponha
que no ponto p ∈M a derivada f ′(p) : TMp → TNf(p) seja sobre-
jetiva. Entao existem um sistema de coordenadas y : V → Rn em
N , f(p) ∈ V , e um mergulho de classe Ck, x : U → Rn × R
m−n,(x sera um sistema de coordenadas em M se M ∈ Ck) tais que
x(U) = W × Z, f(U) ⊂ V e fxy = y f x−1 : W × Z → Rn e
da forma fxy(w, z) = w. Em particular, o conjunto X dos pontos
p ∈ M onde f tem derivada sobrejetiva e aberto e f |X e uma
aplicacao aberta.
Wn
f
Zn−m
U
x
Mm
fxy
f(p)
y
V
Nn
y(V ) = Wn
p
Figura 7.2.
Demonstracao: Resulta imediatamente da forma local das sub-
mersoes. (Vide Secao 8, Cap. I.) Deixamos ao leitor a verificacao
dos detalhes.
Diz-se que uma aplicacao diferenciavel f : M → N e uma sub-
mersao se todo c ∈ N for valor regular de f . Isto e equivalente
a dizer que para cada p ∈ M a derivada f ′(p) : TMp → TNf(p) e
sobrejetiva.
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[SEC. 1: SUBMERSOES 171
Observacoes:
1) Pela Proposicao 2, toda submersao e uma aplicacao aberta.
2) Se f : M → N e uma submersao, entao dimM ≥ dimN .
3) Quando dimM = dimN os conceitos de submersao, imersao e
difeomorfismo local coincidem.
4) As imersoes e as submersoes sao chamadas aplicacoes de posto
maximo. (O posto de uma aplicacao diferencavel f : M → N , no
ponto p ∈M , e a dimensao da imagem de f ′(p).)
Proposicao 3. Seja f : M → N uma submersao sobrejetiva de
classe Ck. Uma aplicacao g : N → P e de classe Ck se, e somente
se, g f : M → P e de classe Ck.
Demonstracao: Suponhamos que g f : M → P seja de classe
Ck. Dado c ∈ N , arbitrario, existe a ∈ M tal que c = f(a).
Sejam x : U → Rn×R
m−n, a ∈ U , um difeomorfismo de classe Ck
(U ⊂M aberto) e y : V → Rn, c ∈ V , um sistema de coordenadas
em N tais que f(U) ⊂ V e fxy = y f x−1 : (w, z) 7→ w. Entao
g f x−1 = g y−1 fxy : (w, z) 7→ gy−1(w). Por hipotese, g f x−1 : x(U)→ P e de classe Ck. Por conseguinte gy−1 : y(V )→ P
e de classe Ck, logo g ∈ Ck. A recıproca e obvia.
Corolario. Sejam M uma variedade de classe Ck, N um conjunto
e f : M → N uma aplicacao sobrejetiva. Entao existe no maximo
uma estrutura de variedade de classe Ck em N que torna f uma
submersao de classe Ck.
Demonstracao: Sejam N1 e N2 estruturas de variedade Ck em
N tais que f1 = f : M → N1 e f2 = f : M → N2 sao am-
bas submersoes de classe Ck. Consideremos a aplicacao identi-
dade i : N1 → N2 . Como i f1 = f2 e de classe Ck segue-se
da proposicao que i : N1 → N2 e de classe Ck. Analogamente,
j : N2 → N1 e de classe Ck. Por conseguinte, N1 = N2 .
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172 [CAP. VII: SUBMERSOES, TRANSVERSALIDADE
Exemplo
O espaco projetivo P n tem a unica estrutura diferenciavel que
torna π : Sn → Pn uma submersao de classe C∞.
Observacao. O leitor nao deixara de perceber a assimetria exis-
tente entre a Proposicao 2 do Capıtulo VI e a Proposicao 3 do
Capıtulo VII, bem como entre seus corolarios.
Esta assimetria resulta do fato seguinte: se f : M → N e uma
submersao sobrejetiva de classe C1, entao a topologia de N fica
perfeitamente determinada por f e M , pois f e uma aplicacao
contınua e aberta. Segue-se daı que N tem a topologia co-induzida
por f .
Por outro lado, para uma imersao injetiva f : M → N , a to-
pologia de N nao determina a de M . As figuras abaixo ilustram
varias topologias em M ⊂ R2 para as quais i : M → R
2 e uma
imersao C∞:
Figura 7.3.
2 Relacoes de simetria
2.1 - Aplicacoes do cırculo S1
A aplicacao exponencial ξ : R→ S1, dada por ξ(t) = eit, e uma
submersao de classe C∞ de R sobre S1.
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[SEC. 2: RELACOES DE SIMETRIA 173
Pela Proposicao 3, um aplicacao f : S1 → M , do cırculo S1
numa variedade diferenciavel M , e de classe Ck se, e somente se,
g = f ξ : R→M e um caminho de classe Ck em M .
R
S1 M?
ξ
R
g=fξ
-f
Na realidade, as aplicacoes g : R → M do tipo g = f ξ sao
precisamente os caminhos em M tais que g(t + 2π) = g(t) para
todo t ∈ R. Mais geralmente, os caminhos periodicos de classe
Ck, g : R → M (de perıodo p ∈ R), induzem, por passagem ao
quociente, as aplicacoes de classe Ck, g : S1 →M .
R
S1 M?
ξp
R
g
-g
(ξp(t) = e
2πitp
)
A aplicacao exponencial ξ : R → S1 e tambem uma imersao
de classe C∞. Pela Proposicao 2 do Capıtulo VI, uma aplicacao
g : M → R e de classe Ck se, e somente se, ξ g : M → S1 e de
classe Ck.
O cırculo S1 pode tambem ser considerado como o grupo quo-
ciente R/Z do grupo aditivo dos numeros reais pelo subgrupo Z
dos numeros inteiros. Com efeito, o homomorfismo ξ : R → S1
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174 [CAP. VII: SUBMERSOES, TRANSVERSALIDADE
induz, por passagem ao quociente, um isomorfismo ξ : R/Z ≈ S1,
o qual e um homeomorfismo pois R/Z e compacto e S1 e de Haus-
dorff. A estrutura de variedade C∞ em R/Z, transportada de S1
pelo homeomorfismo ϕ, e a unica que faz da projecao canonica
π : R→ R/Z uma submersao.
Consideracoes analogas podem ser feitas a respeito da iden-
tificacao do grupo quociente Rn/Zn com o toro n-dimensional
Tn = S1 × · · · × S1. (Vide Secao 7, Cap. III, para o caso n = 2.)
2.2 - Aplicacoes do espaco projetivo P n
E facil de ver que a projecao canonica π : Sn → Pn e uma
submersao de classe C∞. Por conseguinte, uma aplicacao g : P n →M e de clase Ck se, e somente se, g π : Sn → M e de classe Ck.
Em outras palavras, as aplicacoes de classe Ck definidas em P n sao
obtidas, por passagem ao quociente, das aplicacoes f : Sn → M
de classe Ck tais que f(p) = f(−p) para todo p ∈ Sn.
Sn
Pn M?
π
R
f
-g
g(π(p)) = f(p)
Por dualidade, uma aplicacao f : M → Sn e da classe Ck se,
e so se, π f : M → P n e de classe Ck, pois π e tambem uma
imersao.
2.3 - Um difeomorfsmo entre P 1 e S1
Consideremos a aplicacao de classe C∞, f : S1 → S1, definida
por f(z) = z2. E claro que f e sobrejetiva e f(z) = f(w) ⇔
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[SEC. 3: GRUPOS DE LIE 175
z = ±w. f induz uma bijecao contınua (logo um homeomorfismo,
pois P 1 e compacto) de classe C∞, g : P 1 → S1, caracterizada por
g π = f .
S1 S1
P 1?
π
-f
g
Pela regra da cadeia, para provar que g : P 1 → S1 e um di-
feomorfismo local, basta mostrar que f e uma imersao. Isto e
claro, pois f ′(z) : T (S1)z → T (S1)z2 e dada por f ′(z) · h = 2z · h(multiplicacao de numeros complexos). Logo g : P 1 → S1 e um
difeomorfismo de classe C∞.
Nota: Este fato e valido apenas para n = 1.
3 Grupos de Lie
Um grupo de Lie e uma variedade G, de classe C∞, dotada
de uma estrutura de grupo cuja multiplicacao m : G × G → G,
m(x, y) = xy, e uma aplicacao de classe C∞.
Provemos que, para cada x ∈ G, as aplicacoes
`x : G→ G, `x(y) = xy (translacao a esquerda por x),
rx : G→ G, rx(y) = yx (translacao a direita por x),
ξ : G→ G, ξ(x) = x−1 (inversao)
sao difeomorfismos de classe C∞.
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176 [CAP. VII: SUBMERSOES, TRANSVERSALIDADE
Da teoria dos grupos sabemos que `x , rx e ξ sao bijecoes. A
rigor,
(`x)−1 = `x−1
(rx)−1 = rx−1
(ξ)−1 = ξ.
Basta mostrarmos, entao, que as aplicacoes acima sao de
classe C∞.
Consideremos em G × G a estrutura de variedade produto.
Entao jx : G → G×G definida por jx(y) = (x, y) e um mergulho
de classe C∞. Como `x = m jx segue-se que `x ∈ C∞. Analo-
gamente, ix : G → G×G, ix(y) = (y, x) e um mergulho de classe
C∞ e rx = m ix ∈ C∞.
Para provar que ξ ∈ C∞ faremos uso do Teorema das Funcoes
Implıcitas. A multiplicacao m : G × G → G num grupo de Lie e
uma submersao, pois
∂2m(x, y) = (m jx)′(y) = `′x(y) : TGy → TGxy
e um isomorfismo.
Por conseguinte, a equacao m(x, y) = e (e ∈ G e o elemento
neutro de G) define, na vizinhanca de cada x ∈ G, uma aplicacao
η ∈ C∞ tal que m(x, η(x)) = x · η(x) = e. Entao η(x) = x−1, ou
seja η(x) = ξ(x). Assim, temos ξ ∈ C∞.
A teoria dos grupos de Lie e um ramo importante da Ma-
tematica que se origina das Variedades Diferenciaveis e tem aplica-
coes importantes a Geometria, as Equacoes Diferenciais e a Fısica.
Os grupos de Lie de matrizes foram discutidos no fim do
Capıtulo II.
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[SEC. 4: TRANSVERSALIDADE 177
4 Transversalidade
Sejam f : M → N uma aplicacao de classe Ck e S ⊂ N
uma subvariedade Ck de N . Em que condicoes a imagem inversa
f−1(S) e uma subvariedade de classe Ck de M? Uma resposta a
esta questao e dada por meio da nocao de transversalidade. Trata-
se de uma generalizacao natural do conceito de valor regular. Por
meio desta nocao pode-se dar um significado preciso ao fato de
duas figuras se intersectarem em “posicao geral”.
Sejam f : Mm → Nn uma aplicacao de classe Ck e Ss ⊂ Nn
uma subvariedade de classe Ck.
Diz-se que f e transversal a S no ponto p ∈ f−1(S) quando
f ′(p) ·TMp+TSf(p) = TNf(p) , ou seja, quando a imagem de f ′(p)junto com o espaco tangente a S em f(p) geram TNf(p) .
Diz-se que f e transversal a S se, para todo ponto
p ∈ f−1(S), f e transversal a S em p.
M
f(M)N
S
f
Figura 7.4.
Exemplos
1) S = c.Entao f e transversal a c se, e somente se, c e valor regular
de f .
2) f(M) ∩ S = ∅.
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178 [CAP. VII: SUBMERSOES, TRANSVERSALIDADE
Entao f e automaticamente transversal a S.
3) Se f e uma submersao entao f e transversal a S, qualquer que
seja a subvariedade S ⊂ N .
Observacao: Se f(M) ∩ S 6= ∅ e f e transverssal a S entao
dimM + dimN ≥ dimS. Em outras palavras, quando dimM +
dimS < dimN , dizer que f : M → N e transversal a S significa
que f(M) ∩ S = ∅.
Recordemos que, dada uma subvariedade Ss ⊂ Nn de classe
Ck, existe, para cada q ∈ S, um difeomorfismo de classe Ck,
y : V → Rs×R
n−s (q ∈ V ⊂ N aberto), tal que y(V ∩S) ⊂ Rs×0
(Proposicao 4, Secao 3, Cap. VI). Seja U ⊂M tal que f(U) ⊂ V
e consideremos a segunda projecao π : Rs × R
n−s → Rn−s.
f
0
Rn−1
p
f−1(S)
N
S
VM
y
π
U
Rs × 0
Figura 7.5.
A condicao de transversalidade pode ser reduzida a de valor
regular:
Lema. A aplicacao f : M → N e transversal a S nos pontos
de U ∩ f−1(S) se, e somente se, 0 ∈ Rn−s e valor regular de
π y (f |U) : U → Rn−s.
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[SEC. 4: TRANSVERSALIDADE 179
Demonstracao: Seja p ∈ U ∩ f−1(S) = [π y (f |U)]−1(0).
Ponhamos f(p) = q. Entao (y f)′(p) ·TMp = y′(q) ·f ′(p) ·TMp =
E e y′(q) · TSq = Rs × 0. Como y′(q) : TNq → R
s × Rn−s e um
isomorfismo, as condicoes
(i) f ′(p) · TMp + TSq = TNq
(ii) E + Rs × 0 = R
s × Rn−s
(iii) π(E) = Rn−s
(iv) [π y (f |U)]′(p) · TMp = Rn−s
f ′(p)
0
E
π
Sq
0
Rn−s
f ′(p) · TMp
Rs
y′(q)
N
p
TMp
M
TSq
Figura 7.6.
sao todas equivalentes, o que conclui a demonstracao.
Dada uma subvariedade Ss ⊂ Nn, o numero n− s chama-se a
codimensao de S em N .
Proposicao 4. Seja f : M → N uma aplicacao de classe Ck,
transversal a uma subvariedade S ⊂ N , de classe Ck. Entao
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180 [CAP. VII: SUBMERSOES, TRANSVERSALIDADE
(i) Ou bem f−1(S) = ∅ ou bem f−1(S) e uma subvariedade de
classe Ck de M , cuja codimensao em M e igual a codimensao
de S em N .
(ii) Neste caso, T (f−1(S))p = f ′(p)−1[TSf(p)] para todo
p ∈ f−1(S).
Demonstracao: Para cada p ∈ f−1(S), seja q = f(p) ∈ V .
Considere um difeomorfismo y : V → Rs×R
n−s de classe Ck como
o do lema. Seja U 3 p um aberto de M tal que f(U) ⊂ V . Pela
hipotese de transversalidade, pelo lema e pela Proposicao 1, ve-se
que f−1(S)∩U = [πy(f |U)]−1(0) e uma subvariedade de M , de
dimensao m− (n−s) e classe Ck. O espaco tangente a f−1(S)∩Uem p e o nucleo de (π y f)′(p), que e evidentemente a imagem
inversa de [f ′(p)]−1 TSq . A proposicao fica provada lembrando o
corolario da Proposicao 4, Secao 3, Cap. VI.
Corolario 1. Se f : M → N e uma submersao de classe Ck entao,
para toda subvariedade S ⊂ N de classe Ck, f−1(S) e o conjunto
vazio ou uma subvariedade de M de classe Ck.
Corolario 2. Sejam Nn, Ss ⊂ Mm subvariedades de classe Ck.
Se N ∩S 6= ∅ e se em cada ponto p ∈ N ∩S, TNp + TSp = TMp ,
entao N ∩S e uma subvariedade de M cuja dimensao e n+s−m.
Alem disso T (N ∩ S)p = TNp ∩ TSp .
Em particular, se M 2, N2 ⊂ R3 sao de classe Ck tais que,
em cada ponto p ∈ M ∩ N , os planos tangentes TMp e TNp sao
distintos, entao M ∩N e uma curva de classe Ck em R3.
Outro caso especial ocorre quando Mn, Sm−n ⊂ Mm sao tais
que TNp ⊕ TSp = TMp em todo p ∈ N ∩ S. Entao N ∩ S e uma
variedade de dimensao 0, isto e, um conjunto discreto de pontos
em M .
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[SEC. 5: TRANSVERSALIDADE DE FUNCOES 181
N
S
Figura 7.7.
Se duas subvariedades N,S ⊂ M sao tais que TNp + TSp =
TMp em todo ponto p ∈ N ∩ S, dizemos que N e S estao em
posicao geral, ou que se cortam transversalmente.
5 Transversalidade de funcoes
Diz-se que duas aplicacoes diferenciaveis f : M → P , g : N →P sao transversais nos pontos p ∈ M , q ∈ N , se f(p) = g(q) =
r ∈ P e TPr = f ′(p) · TMp + g′(q) · TNq .
Seja f × g : M × N → P × P definida por (f × g)(p, q) =
(f(p), g(q)). A diagonal ∆ = (p, p); p ∈ P ⊂ P × P e uma
subvariedade de P × P difeomorfa a P atraves da aplicacao δ:
P
P
δ : P → P × Pδ(p) = (p, p)
P × P
∆
Proposicao 5. Duas aplicacoes diferenciaveis f : M → P , g : N →P sao transversais nos pontos p ∈ M , q ∈ N (f(p) = g(q) = r)
se, e somente se, f×g : M×N → P×P e transversal a ∆ ⊂ P×Pem (p, q).
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182 [CAP. VII: SUBMERSOES, TRANSVERSALIDADE
Demonstracao: Da Algebra Linear sabemos que, dados dois su-
bespacos A,B ⊂ E de um espaco vetorial E, temos A + B = E,
se, e somente se, (A × B) +D = E × E, onde D e a diagonal de
E × E. O resultado segue-se daı, tomando
A = f ′(p) · TMp , B = g′(q) · TNq , E = TPr
A×B = (f×g)′(p, q)·T (M×N)(p,q) = f ′(p)×g′(q)·TMp×TNq
D = T ∆r,r) .
Quando f : M → P , g : N → P sao transversais em todos os
pares p ∈M , q ∈ N com f(p) = g(q) dizemos simplesmente que f
e g sao transversais. Por exemplo, se uma das aplicacoes f , g for
uma submersao, entao f e g serao transversais.
Proposicao 6. Se duas aplicacoes f : M → P , g : N → P , de
classe Ck (k ≥ 1), sao transversais entao o conjunto Q = (p, q) ∈M ×N ; f(p) = g(q) e uma subvariedade de M ×N , de classe Ck
e dimQ = dimM + dimN − dimP .
Demonstracao: Basta observar que Q = (f × g)−1(∆) e aplicar
as Proposicao 4 e 5.
Exemplos
Qualquer aplicacao f : M → N de classe Ck e transversal a
i : N → N , pois a ultima e uma submersao. Por conseguinte,
Q = (p, q) ∈M ×N ; q = f(p) e uma subvariedade de classe Ck
de M × N , e dimQ = dimM . Obviamente, Q e o grafico de f .
Isto podia ser visto de outro modo, pois Q e a imagem de M pelo
mergulho f : M →M ×N , f(p) = (p, f(p)).
Sejam f : Mm → Nn uma submersao de classe Ck e Γ =
(p, q) ∈ M × M ; f(p) = f(q) o grafico da equivalencia indu-
zida por f . Entao Γ e uma subvariedade de N , de classe Ck e
dimensao 2m− n.
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[SEC. 6: APLICACOES DE POSTO CONSTANTE 183
6 Aplicacoes de posto constante
Lembremos que o posto de uma aplicacao diferenciavel
f : Mm → Nn no ponto p ∈ M e a dimensao da imagem da sua
derivada f ′(p) : TMp → TNf(p) .
Se f : Mm → Nn e de classe Ck, onde k ≥ 1, entao o posto
de f num ponto p ∈M e uma funcao semi-contınua inferiormente
do ponto p. Isto significa que cada ponto p ∈ M possui uma
vizinhanca V tal que o posto de f em todos os pontos de V e
maior do que ou igual ao posto de f no ponto p.
E claro o que significa dizer que f : Mm → Nn tem posto
constante. Por exemplo, imersoes e submersoes sao aplicacoes de
posto constante.
Sejam G, H grupos de Lie e f : G → H um homomorfismo
diferenciavel. Entao f tem posto constante. Com efeito, sendo f
um homomorfismo, dados a, p ∈ G arbitrarios, temos f(a · p) =
f(a) ·f(p), o que se pode escrever como f `a = `f(a) f : G→ H,
usando as translacoes a esquerda `a : G → G e `f(a) : H → H.
Tomando p, q ∈ G quaisquer e pondo a = gp−1, temos entao os
diagramas comutativos:
G`a−−−−→ G
f
yyf
H −−−−→`f(a)
H
TGp`′a−−−−→ TGq
f ′(p)
yyf ′(q)
THf(p) −−−−→`′f(a)
THf(q)
onde as derivadas `′a e `′f(a) sao tomadas nos pontos p e f(p) respec-
tivamente. Como estas transformacoes lineares sao isomorfismos,
concluimos que f ′(p) e f ′(q) tem o mesmo posto.
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184 [CAP. VII: SUBMERSOES, TRANSVERSALIDADE
Proposicao 7. (Teorema do posto para variedades.) Seja f :
Mm → Nn uma aplicacao de classe Ck (k ≥ 1) de posto constante
r, entre variedades de classe Ck. Para todo ponto p ∈ M exis-
tem sistemas de coordenadas x : U → Rm em M , com p ∈ U , e
y : V → Rn em N , com q = f(p) ∈ V , tais que yf x−1 : (x1, . . . ,
xr, xr+1, . . . , xm) 7→ (x1, . . . , xr, 0, . . . , 0).
Demonstracao: Consequencia imediata do teorema do posto em
espacos euclidianos. (Vide Secao 10, Cap. I.)
Proposicao 8. Seja f : Mm → Nn de classe Ck (k ≥ 1) e posto
constante r. Para cada q ∈ N , se f−1(q) 6= ∅ entao f−1(q) e uma
subvariedade de classe Ck e dimensao m− r em M .
Demonstracao: Dado p ∈ f−1(q), tomemos coordenadas x, y
como na Proposicao 7. Sejam x(U) = U1 × U2 ⊂ Rr × R
m−r e
y(q) = (a, 0) ∈ Rr × R
n−r. Entao x(U ∩ f−1(q)) = a× U2 , o que
permite considerar x|(U ∩ f−1(q)) como um sistema de coordena-
das locais em f−1(q), tomando valores no aberto U2 ⊂ Rm−r.
Como aplicacao da Proposicao 8, concluimos que, se f :G→ H
e um homomorfsimo C∞ entre grupos de Lie, seu nucleo K =
f−1(e) e um subgrupo normal fechado, o qual e uma subvariedade
de G e portanto um grupo de Lie.
A Proposicao 8 permite ainda estender para variedades os re-
sultados finais da Secao 10, Cap I. Enunciaremos tais fatos sem
demonstracao. O leitor podera supri-las.
Proposicao 9. Seja f : Mm → Nn uma aplicacao de classe Ck
(k ≥ 1). Para cada r = 0, 1, . . . , s (s = minm,n) seja Ar o
interior do conjunto dos pontos p ∈ M nos quais f tem posto r.
Entao A = A0 ∪ · · · ∪As e (aberto e) denso em M .
Corolario 1. O posto de f e constante em cada componente co-
nexa de um subconjunto aberto e denso A ⊂M .
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[SEC. 6: APLICACOES DE POSTO CONSTANTE 185
Corolario 2. Se f e injetora, entao m ≤ n e o conjunto dos
pontos p ∈M onde f tem posto m e aberto e denso em M .
Corolario 3. Se f e aberta, entao m ≥ n e o conjunto dos pontos
p ∈M nos quais f tem posto n e aberto e denso em M .
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Capıtulo VIII
Particoes da Unidade e
suas Aplicacoes
1 Funcoes auxiliares
Indicaremos com B(r) = x ∈ Rm; |x| < r a bola aberta de
centro em 0 ∈ Rm e raio r. Quando houver necessidade, escreve-
remos Rm(r) em vez de B(r).
Seja Mm uma variedade de classe Ck. Dados um ponto p ∈Me um aberto p ∈ A ⊂ M existem sempre um aberto U , com
p ∈ U ⊂ A, e um sistema de coordenadas x : U → Rm tal que
x(U) = B(3).
[Tomamos um qualquer sistema de coordenadas y em torno
de p; por translacao, podemos supor que y(p) = 0. Existe r > 0
tal que y−1(B(r)) ⊂ A. Pomos U = y−1((r)) e x = h y onde
h : Rm → R
m e a homotetia h(v) = 3v/r.]
Quando tivermos um tal sistema de coordenadas usaremos le-
tras U , V , W para representar os conjuntos U = x−1(B(3)),
V = x−1(B(2)), W = x−1(B(1)).
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[SEC. 1: FUNCOES AUXILIARES 187
M
x
B(1)
B(2)
B(3)
01
23
WV
U
Figura 8.1.
A estes sistemas de coordenadas x : U → B(3) associaremos
funcoes ϕx : M → R, de classe Ck, tais que:
a) 0 ≤ ϕx(q) ≤ 1 para todo q ∈M ;
b) ϕx(W ) = 1, ϕx(M − V ) = 0.
Uma funcao ϕx com as propriedades acima sera chamada uma
funcao auxiliar do sistema de coordenadas x.
Para se provar a existencia de funcoes auxiliares basta exibir
uma funcao ϕ : Rm → R, de classe C∞, tal que
a’) 0 ≤ ϕ(y) ≤ 1 para todo y ∈ Rm;
b’) ϕ(y) = 1 para |y| ≤ 1, ϕ(y) = 0 para |y| ≥ 2.
De fato, a funcao ϕx : M → R, definida por
ϕx(q) =
ϕ(x(q)), se q ∈ U,0, se q ∈M − V
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188 [CAP. VIII: PARTICOES DA UNIDADE E SUAS APLICACOES
sera evidentemente uma funcao auxiliar.
Comecemos com a funcao α : R → R, definida por α(t) =
exp(−1/t) para t > 0, e α(t) = 0 para t ≤ 0.
t
α(t) = e−1t
0
Figura 8.2.
Como α e claramente C∞ em R−0 e todas as suas derivadas
tendem para 0 quando t→ 0, resulta que α e uma funcao de classe
C∞ em R.
Consideremos agora a funcao β : R→ R, de classe C∞, definida
por β(t) = α(t+ 2) ·α(−t− 1). Entao β(t) = exp[(t+ 2)(t+ 1)]−1
para −2 < t < −1 e β(t) = 0 para os demais valores de t.
−1−2
β(t) = e1
(t+1)(t+2)
−2 < t < −1
t
Figura 8.3.
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[SEC. 1: FUNCOES AUXILIARES 189
Seja b =
∫ +∞
−∞β(s) ds =
∫ −1
−2β(s) ds. A integral indefinida
γ(t) =1
b
∫ +∞
−∞β(s) ds
e uma funcao de classe C∞ tal que 0 ≤ γ(t) ≤ 1 e γ(t) = 1 para
t ≥ −1. Alem disso, γ cresce de 0 para 1 quando t varia de −2 a
−1.
−1−2
1
γ(t)
t
Figura 8.4.
Definamos finalmente ϕ : Rm → R por ϕ(x) = γ(−|x|)
−1 2−2 1
1
ϕ(t)
t
Figura 8.5.
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190 [CAP. VIII: PARTICOES DA UNIDADE E SUAS APLICACOES
A norma |x| em Rm considerada acima deve provir de um pro-
duto interno,
|x| = 〈x, x〉1/2,
a fim de que x 7→ |x| seja uma funcao de classe C∞ em Rm −0.
Como γ e constante perto de x = 0, resulta que ϕ ∈ C∞.
Mais geralmente, para cada numero real ε > 0, existe uma
funcao ϕε : Rm → R, de classe C∞, tal que 0 ≤ ϕε(x) ≤ 1 para
todo x, ϕε(x) = 0 para |x| ≥ 2ε. Basta tomar ϕε(x) = ϕ(x/ε).
2 Algumas nocoes topologicas
Seja M uma variedade de classe Ck. As funcoes auxiliares
serao usadas na Secao 3 para obter “particoes da unidade” em
M .
Recordemos primeiramente, nesta secao, alguns conceitos da
Topologia Geral.
(I) Dados um espaco topologico X e uma aplicacao f : X →Rm, o suporte de f e, por definicao, o fecho do conjunto
x ∈ X; f(x) 6= 0.
Usaremos a notacao supp(f) para indicar o suporte de f . Dado
x ∈ X, dizer que x /∈ supp(f) significa que f se anula em todos os
pontos de uma vizinhanca de x.
Exemplo. Usando as notacoes da Secao 1, ve-se que as funcoes
auxiliares ϕx : M → R tem como suporte os conjuntos
V = x−1(B(2)) = x−1(B(2)).
Observemos que existem funcoes auxiliares definidas em M
com suportes arbitrariamente pequenos. Basta notar que dado
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[SEC. 2: ALGUMAS NOCOES TOPOLOGICAS 191
um sistema de coordenadas y em torno de um ponto p ∈M , com
y(p) = 0, as imagens inversas y−1(B(r)) constituem uma base de
vizinhancas de p, quando r percorre um intervalo (0, α).
(II) Uma famılia C = (Cα)α∈A de subconjuntos de um espaco
topologicoX chama-se localmente finita quando todo ponto x ∈ Xpossui uma vizinhanca que intersecta apenas um numero finito
de Cα’s.
Mais precisamente, C e localmente finita se, e somente se, para
cada x ∈ X existem uma vizinhanca V 3 x e um subconjunto
finito α1, . . . , αr ⊂ A tais que
V ∩ Cα 6= ∅ ⇒ α ∈ α1, . . . , αr.
Exemplos
1) A famılia C que consiste de todos os intervalos de reta (n,+∞) ⊂R, n = 0, 1, 2, . . . e localmente finita.
2) Toda famılia finita e localmente finita. Uma famılia C = (Cα)α∈Ade subconjuntos de X diz-se pontualmente finita quando todo
ponto x ∈ X pertence somente a um numero finito de Cα’s. Toda
famılia localmente finita e pontualmente finita. A recıproca e falsa:
cada ponto p ∈ R pertence no maximo a um numero finito de in-
tervalos (1/n, 2/n), n = 1, 2, 3, . . . mas toda vizinhanca de 0 ∈ R
intersecta uma infinidade de tais intervalos.
Dada uma famılia localmente finita C = (Cα) de subconjun-
tos de X, segue-se da definicao de compacidade por cobertura
abertas que um conjunto compacto K ⊂ X so podera intersectar
um numero finito de conjuntos Cα . Ou seja, dado K ⊂ X com-
pacto, existe um subconjunto finito A0 = α1, . . . , αr ⊂ A tal
que K ∩ Cα 6= ∅ = α ∈ A0 . A demonstracao e facil e e deixada
para o leitor. Em particular, dada uma famılia localmente finita
C = (Cα) num espaco compacto X, tem-se Cα = ∅ salvo para um
numero finito de ındices α.
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192 [CAP. VIII: PARTICOES DA UNIDADE E SUAS APLICACOES
Quando (Cα)α∈A e uma famılia localmente finita de subcon-
juntos de um espaco topologico X, tem-se⋃Cα =
⋃Cα .
Toda variedade diferencael e um espaco localmente compacto.
Uma famılia C = (Cα) de subconjuntos de um espaco localmente
compacto X e localmente finita se, e somente se, cada conjunto
compacto K ⊂ X intersecta apenas um numero finito de Cα’s.
Mais exatamente, dado K, deve existir A0 = α1, . . . , αs ⊂ A tal
que Cα ∩K 6= ∅ implica α ∈ A0 .
(III) Um espaco topologico com base enumeravel goza da pro-
priedade de Lindelof: Toda cobertura aberta de X admite uma
subcobertura enumeravel. Daı se conclui sem dificuldade que se
X e um espaco topologico com base enumeravel e C = (Cα) e uma
famılia localmente finita de subconjuntos de X, entao Cα = ∅ ex-
ceto para um subconjunto enumeravel de α’s. Esta e a situacao
que encontraremos nas variedades diferenciaveis.
(IV) Seja X um espaco topologico. Dada uma colecao (ϕα)α∈Ade funcoes ϕα : X → R, tais que a famılia (supp(ϕα))α∈A dos seus
suportes e pontulamente finita, entao a soma
ϕ =∑
α∈Aϕα
tem sentido. De fato, para cada x ∈ X existe um conjunto finito
de ındices A0 = α1, . . . , αr ⊂ A tal que ϕα(x) = 0 se α /∈ A0 .
Definimos entao ϕ(x) = ϕα1(x) + · · ·+ ϕαr(x).
Se (supp(ϕα))α∈A e localmente finita e as ϕα sao contınuas
entao ϕ e contınua. Com efeito, para cada x0 ∈ X existem uma
vizinhanca V 3 x0 e ındices α1, . . . , αr em A tais que ϕ(x) =
ϕα1(x) + · · ·+ ϕαr(x) para todo x ∈ V .
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[SEC. 3: PARTICOES DA UNIDADE 193
3 Particoes da unidade
Sejam M uma variedade de classe Cr e ϕ =∑α∈A
ϕα a soma de
uma famılia (ϕα)α∈A de funcoes de classe Ck em M cujos suportes
formam uma famılia localmente finita. Cada p ∈ M possui uma
vizinhanca Vp tal que ϕ(q) = ϕα1(q) + · · ·+ϕαr(q), para todo q ∈Vp . [Os ındices α1, . . . , αs sao os mesmos para todos os pontos q ∈Vp .] Isto mostra que ϕ =
∑α∈A
ϕα e de classe Ck, por ser localmente
uma soma finita de funcoes de classe Ck. Alem disso, sendo M um
espaco topologico com base enumeravel, necessariamente ϕα ≡ 0
salvo para uma quantidade enumeravel de ındices α.
Definicao. Seja M uma variedade de classe Cr. Uma particao
da unidade de classe Ck (k ≤ r) em M e uma famılia de funcoes
(ϕα)α∈A , de classe Ck, tais que
1) Para todos os p ∈M e α ∈ A, ϕα(p) ≥ 0;
2) A famılia C = (supp(ϕα))α∈A e localmente finita em M ;
3) Para todo p ∈M tem-se∑α∈A
ϕα(p) = 1.
Em vista de 2), a soma em 3) e finita em cada ponto p ∈ M .
Tem-se tambem 0 ≤ ϕα(p) ≤ 1 por causa de 3) e de 1).
A definicao acima inclui o caso de particoes da unidade finitas,
ϕ1 + · · · + ϕn = 1. E suficiente tomar ϕα ≡ 0 salvo para um
numero finito de ındices α. E claro que toda particao da unidade
em uma variedade compacta e finita (ver Secao 2, Observacao 2).
Seja C = (Cα)α∈A uma cobertura de M . Dizemos que uma
particao da unidade∑β∈B
ϕβ = 1 esta subordinada a cobertura C
se, para todo β ∈ B, existe α ∈ A tal que supp(ϕβ) ⊂ Cα .
Intuitivamente, a cobertura C e uma medida do tamanho dos
suportes das funcoes ϕβ , no seguinte sentido:
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194 [CAP. VIII: PARTICOES DA UNIDADE E SUAS APLICACOES
Dadas duas coberturas C, C ′ de um conjunto X, dizemos que
C e mais fina que C ′, ou C refina C ′, ou C e um refinamento de C ′quando, para todo C ∈ C, existe algum C ′ ∈ C′ tal que C ⊂ C ′.
Por exemplo, uma particao da unidade Σϕβ = 1 esta subordi-
nada a uma cobertura C = (Cα) se, e somente se, os suportes das
funcoes ϕβ formam uma cobertura que refina C.A relacao “C e mais fina que C ′” e reflexiva e transitiva mas
nao e anti-simetrica.
Dizemos que uma particao da unidade∑α∈A
ϕα = 1 e estri-
tamente subordinada a uma cobertura C quando C = (Cα)α∈Atem ındices no mesmo conjunto que as funcoes ϕα e, alem disso,
supp(ϕα) ⊂ Cα para todo α ∈ A.
Proposicao 1. Sejam M uma variedade diferenciavel e C uma
cobertura aberta de M . Entao C possui uma refinamento U =
U1, U2, . . . localmente finito, formado por domınios de sistemas
de coordenadas xi : Ui → Rm tais que xi(Ui) = B(3) para todo i.
Alem disso, pondo Vi = x−1i (B(2)) e Wi = x−1
i (B(1)), os Wi’s
ainda constituem uma cobertura (localmente finita) de M .
Demonstracao: Sendo um espaco de Hausdorff localmente com-
pacto, com base enumeravel, M pode ser escrito como reuniao
enumeravel M =⋃Ki de compactos tais que Ki ⊂ intKi+1 para
i = 1, 2, . . .
O compacto K2 pode ser coberto com um numero finito de
conjuntos aberto do tipo W cujos U ’s correspondentes estao conti-
dos no interior de K3 e em algum aberto da cobertura C. Analoga-
mente, a “faixa” compacta K3 − intK2 pode ser coberta por um
numero finito de conjuntos do tipo W tais que cada um dos U ’s
correspondentes esta contido em K4 − K1 e em algum conjunto
aberto C ∈ C.
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[SEC. 3: PARTICOES DA UNIDADE 195
K3
K4
U
p K1 K2
K3 − intK2
Figura 8.6.
Fazendo o mesmo raciocınio para K4 − intK3 , Kr = intK4 ,
etc., obtemos uma cobertura enumeravel W1,W2, . . . de M e,
correspondentemente, uma cobertura U = U1, . . . , Un, . . . .A cobertura U refina C, por construcao, e e localmente finita
de uma maneira especial pois cada Ui , estando contido em algum
Kj , intersecta apenas um numero finito dos outros U ’s.
Observacao: Quando M e compacta, a Proposicao 1 e trivial.
A cobertura U = U1, . . . , Un e finita, obtida imediatamente da
definicao de compacidade por cobertura de abertos.
Corolario. Dada uma cobertura aberta C=(Cα)α∈A de uma va-
riedade M ∈ Ck, existe uma particao da unidade∑i∈N
ψi = 1,
de classe Ck, subordinada a cobertura C.Demonstracao: Seja U = U1, U2, . . . a cobertura de M ob-
tida na demonstracao da Proposicao 1. Consideremos a famılia
de funcoes auxiliares ϕxi: M → R, de classe Ck, associadas aos
sistemas de cordenadas xi : Ui → Rm. A soma ϕ =
∑iϕxi
sera
bem definida pois U e localmente finita. Pondo ψi = ϕxi/ϕ entao
Σψi = 1 e obtemos a desejada particao da unidade.
Teorema 1. Dada uma cobertura aberta C = (Cα)α∈A de uma va-
riedade M de classe Ck, existe uma particao da unidade∑α∈A
ϕα =
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196 [CAP. VIII: PARTICOES DA UNIDADE E SUAS APLICACOES
1, de classe Ck, estritamente subordinada a cobertura C.Demonstracao: Seja
∑i∈N
ψi = 1 particao da unidade subordinada
a C, obtida pelo corolario anterior. Assim, para cada i ∈ N, existe
α ∈ A tal que Ui ⊂ Cα . Tomemos uma “funcao de escolha”
f : N→ A, isto e, Ui ⊂ Cf(i) para todo i ∈ N.
Ponhamos ψα =∑
f(i)=α
ψi . Como U e localmente finita, tem-se
⋃
f(i)=α
Vi =⋃
f(i)=α
V i .
Logo supp(ψα) =⋃
f(i)=α
V i .
Afirmamos que (supp(ψα))α∈A e uma famılia localmente finita. De
fato, como U e localmente finita, dado p ∈ M existem V 3 p e
J = i1, . . . , ir ⊂ N tais que
Ui ∩ V 6= ∅ ⇒ i ∈ J.
Seja A0 = f(J). Se supp(ψα) ∩ V 6= ∅ entao U i ∩ V 6= ∅ para
algum i tal que f(i) = α. Entao Ui ∩ V 6= ∅. Segue-se que i ∈ J ,
e portanto α = f(i) ∈ A0 . Em suma, supp(ψα) ∩ V 6= ∅ ⇒α ∈ A0 . Consequentemente (supp(ψα)) e localmente finita. A
demonstracao fica concluıda pondo
ψ =∑
α∈Aψα e ϕα = ψα/ψ.
Entao Σϕα = 1 e supp(ϕα) ⊂ Cα .
4 O lema de Urysohn diferenciavel
SejaM uma variedade diferenciavel, de classe Ck. Uma particao
da unidade de classe Ck subtordinada a uma coberturaM = U∪V ,
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[SEC. 4: O LEMA DE URYSOHN DIFERENCIAVEL 197
formada por dois abertos, consiste de duas funcoes de classe Ck,
ϕ,ψ : M → R, tais que ϕ,ψ ≥ 0, ϕ + ψ = 1, supp(ϕ) ⊂ U e
supp(ψ) ⊂ V . Isto nos leva a
Aplicacao 1 (Lema de Urysohn diferenciavel). Sejam F , G dois
subconjuntos nao vazios, fechados e disjuntos, de uma variedade
M ∈ Ck. Existe uma funcao f : M → R de classe Ck, tal que
0 ≤ f ≤ 1, f(F ) = 0 e f(G) = 1.
Demonstracao: Como F ∩G = ∅, temos uma cobertura aberta
M = (M − f)∪ (M −G). Seja f + g = 1 uma particao da unidade
de classe Ck tal que supp(f) ⊂ M − F e supp(g) ⊂ M − g. A
funcao f : M → R cumpre as condicoes requeridas.
Como aplicacao do lema de Urysohn diferenciavel, mostre-
mos que, dado um subconjunto fechado F de uma variedade dife-
renciavel M ∈ Ck, existe uma funcao f : M → R de classe Ck que
se anula precisamente nos pontos de F .
Aplicacao 2. Seja F um subconjunto fechado de uma variedade
M de classe Ck. Entao existe uma funcao f : M → R, de classe
Ck, tal que F = f−1(0).
Demonstracao: Primeiro caso: F = K e compacto e M = Rm.
Para cada i ∈ N seja Vi =x ∈ R
m; d(x,K) <1
i
.
Entao todos os Vi’s sao abertos, V1 ⊃ V2 ⊃ . . . e K =⋂Vi .
Pela Aplicacao 1 existe, para cada i, uma funcao de classe C∞,
fi : Rm → R, tal que 0 ≤ fi ≤ 1, fi(K) = 0 e fi(R
m − Vi) = 1.
As funcoes fi podem anular-se em pontos de Vi que nao estao
emK. Mas se encontrarmos constantes αi > 0 tais que f =∞∑i=1
cifi
seja uma funcao de classe C∞, entao f vai anular-se somente nos
pontos de K. Realmente, x /∈ K implica x ∈ Rm − Vi para algum
i, logo fi(x) = 1, donde f(x) 6= 0.
Encontremos agora tais constantes ci > 0.
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198 [CAP. VIII: PARTICOES DA UNIDADE E SUAS APLICACOES
Para cada i ∈ N, fi e constante fora do compacto V i . Sendo as-
sim, todas as derivadas f(j)i , j = 1, 2, 3, . . . , sao funcoes contınuas
com suporte compacto e, por conseguinte, sao limitadas. Ou seja,
para cada i = 1, 2, . . . e para cada j = 0, 1, 2, . . . , e para cada j =
0, 1, 2, . . . existe uma constante Mij > 0 tal que |f (j)i (x)| < Mij
para todo x ∈ Rm. [Aqui f
(0)i = fi e Mi0 = 1 para todo i].
Escolhamos numeros reais αij tais que 0 < αij ≤1
2iMije
αi,j+1 ≤ αij para todo i = 1, 2, . . . e j = 0, 1, 2, . . . Isto pode ser
feito tomando αi0 =1
2ie, apos escolhermos α1j , α2j , . . . ,
αi,j , . . . , pondo αi,j+1 = minαi,j ,
1
2iMi,j+1
.
Entao, para cada j ≥ 0 fixo, a serie∞∑i=1
αkjf(j)i e dominada por
∞∑i=1
1
2i, e portanto converge absoluta e uniformemente em R
m.
Consideremos a “diagonal” αi = αii , i = 1, 2, . . . . Nota-se
que i > j = ci ≤ αij . Logo∑icifi , bem como todas as series
∑icif
(j)i , convergem uniformemente no R
m.
Resulta daı (∗) que f = Σ cifi e uma funcao de classe C∞, com
f (j) = Σ cif(j)i . Isto conclui a demonstracao do primeiro caso.
Observacao: A funcao que acabamos de construir e constante
(igual a Σ ci) fora da vizinhanca V1 ⊃ K.
Tomando f/Σ ci ao inves de f , podemos sempre supor que
f = 1 fora de uma dada vizinhanca de K.
Segundo caso (geral): Seja U = (Ui) uma cobertura localmente
finita de M , formada por domınios de sistemas de coordenadas
Ui = x−1i (B(3)). Ponhamos Vi = x−1
i (B(2)) e Wi = x−1i (B(1)).
(*) Vide AERn, Capıtulo VI, Prop.7.
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[SEC. 5: APLICACOES DIFERENCIAVEIS EM SUBCONJUNTOS ARBITRARIOS199
Para cada i ∈ N, seja Ki = W i ∩ F . Entao Ki e um subcon-
junto compacto de Vi e F =⋃Ki . Usando o difeomorfismo
xi : Ui → B(3) obtemos, pelo primeiro caso, uma funcao de classe
Ck fi : M → R tal que fi(M − vi) = 1 e f−1i (0) = Ki .
xi
M
F
xi(Ki)
Wi
Ki
Ui
Vi3
21
Figura 8.7.
Definimos f : M → R pondo f(p) = f1(p) · f2(p) · f3(p) . . . .
Cada ponto p ∈ M possui uma vizinhanca V que interesecta
apenas um numero finito de conjuntos Ui1 , . . . , Uis . Entao f =
fi1 · fi2 · · · fis em V pois nesta vizinhanca as outras fi’s sao iden-
ticamente 1. Alem disso, f(p) = 0 ⇔ fi(p) = 0 para algum
i⇔ p ∈ Ki para algum i⇔ p ∈ F . Isto conclui a demonstracao.
5 Aplicacoes diferenciaveis em subconjun-
tos arbitrarios de variedades
SejamM , N variedades de classe Ck, pelo menos, eX ⊂M um
subconjunto arbitrario. Uma aplicacao f : X → N diz-se de classe
Ck se, para cada ponto p ∈ X, existe uma aplicacao fp : Vp → N ,
de classe Ck, definida numa vizinhanca aberta Vp ⊂ M de p, tal
que fp = f em Vo ∩X.
Exemplos
1) Se V ⊂ M e um subconjunto aberto e f : V → N e uma
aplicacao de classe Ck, entao f |X : X → N e de classe Ck para
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200 [CAP. VIII: PARTICOES DA UNIDADE E SUAS APLICACOES
todo subconjunto X ⊂ V . Em particular, a aplicacao de inclusao
i : X →M e de classe Ck.
2) No caso em que X ⊂M e uma subvariedade de classe Ck, tem-
se duas definicoes para o conceito “f : X → N e de classe Ck”. A
primeira e a da Secao 1, Cap. V, considerando-se X como uma
variedade diferenciavel. Na segunda definicao, olhamos para X
simplesmente como um subconjunto de M . Devemos mostrar que
estas definicoes sao equivalentes.
Pela Proposicao 4, Secao 3, Cap. VI, para cada ponto p ∈ Xexiste uma vizinhanca p ∈ Vp ⊂M e um difeomorfismo
x : Vp → U ×W ⊂ Rs × R
m−s
(m = dimM, s = dimX) de classe Ck tal que x(Vp∩X) = u×0.
M
p
π
π
VpX
U
W
0 U × 0
Nf
Figura 8.8.
Se f : X → N e de classe Ck no sentido da Secao 1, Cap. V
entao definimos fp : Vp → N por fp = f x−1 π x, onde π : U ×W → U × 0 e a primeira projecao. Como π(x(q)) = x(q) para
todo q ∈ X ∩ Vp , temos fp|(X ∩ Vp) = f |(X ∩ V0) e e claro que
fp e de classe Ck na vizinhanca aberta Vp ⊂ M . Logo f ∈ Ck no
sentido da definicao recente.
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[SEC. 5: APLICACOES DIFERENCIAVEIS EM SUBCONJUNTOS ARBITRARIOS201
Reciprocamente, suponhamos que, para cada p ∈ X, exista
uma aplicacao de classe Ck, fp : Vp → N , definida na vizinhanca Vpde p e coincidindo com f em Vp∩X. Como a inclusao i : X∩Vp →Vp e de classe Ck, ve-se que f = fp i : X ∩ Vp → N e de classe
Ck. Logo f ∈ Ck como aplicacao entre variedades.
Mostraremos agora que toda aplicacao f : X → Rn, de classe
Ck num subconjunto X ⊂ M , e a restricao de uma aplicacao
g : V → Rn, de classe Ck, definida numa vizinhanca aberta V
do subconjunto X. Mais tarde iremos generalizar este resultado,
considerando aplicacoes f : X → N , onde N e uma variedade
diferenciavel. Em outras palavras, o Exemplo 1 e o mais geral
possıvel.
Antes, porem, demonstremos o
Lema. Seja U um subconjunto aberto de uma variedade dife-
renciavel M ∈ Cr. Sejam f : U → Rn uma aplicacao de classe
Ck (k ≤ r) e ϕ : M → R uma funcao de classe Ck cujo suporte
esta contido em U . Entao a aplicacao λ : M → Rn, definida por
λ(p) = ϕ(p)f(p) se p ∈ U e f(p) = 0 se p ∈M−U , e de classe Ck.
Demonstracao: E evidente que λ e de classe Ck em U . Alem
disso λ e de classe Ck em M − supp(ϕ), visto que e identicamente
zero neste conjunto. Ora, uma aplicacao diferenciavel em dois
abertos e diferenciavel na reuniao destes. Logo λ ∈ Ck em M =
U ∪ (M − supp(ϕ)).
Por abuso de notacao, escrevemos ϕ(p) · f(p) em vez de λ(p),
mesmo quando p /∈ U .
Este lema justifica a definicao de suporte como sendo o fecho
e nao apenas o conjunto dos pontos onde a funcao nao se anula.
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202 [CAP. VIII: PARTICOES DA UNIDADE E SUAS APLICACOES
Aplicacao 3. Seja M uma variedade de classe Cr. Dada uma
aplicacao f : X → Rn, de classe Ck (k ≤ r) definida num subcon-
junto X ⊂ M , existe uma aplicacao g : V → Rn, definida numa
vizinhanca aberta V ⊂ M de X, tal que g|X = f .
Demonstracao: Seja U uma cobertura de X por abertos de M
tais que, para cada U ∈ U , existe uma aplicacao fU : U → Rn, de
classe Ck, que coincide com f em U ∩X. A reuniao dos conjuntos
U ∈ U e uma sub-variedade aberta V ⊂ M . Seja∑U∈U
ϕU = 1
uma particao da unidade de classe Ck, estritamente subordinada a
cobertura U . Para cada U ∈ U , a aplicacao λU = ϕUfU e de classe
Ck (vide lema anterior) e a famılia (suppλU )U∈U e localmente
finita. Logo, g =∑U∈U
λU e de classe Ck em V . Quando p ∈ X,
g(p) =∑U
ϕU (p)fU (p) =∑U
ϕU (p)f(p) = f(p), pois podemos, na
soma, desprezar as parcelas ϕU (p) · fU (p) com p /∈ U . Isto conclui
a demonstracao.
QuandoX ⊂M e um subconjunto fechado, a Aplicacao 3 pode
ser consideravelmente melhorada, como se segue:
Aplicacao 4 (Teorema de Tietze diferenciavel). Seja X um sub-
conjunto fechado de uma variedade M ∈ Cr. Toda aplicacao
f : X → Rn, de classe Ck (k ≤ r), pode ser estendida a uma
aplicacao h : M → Rn, de classe Ck, definida em toda a varie-
dade.
Demonstracao: Pela Aplicacao 3, existe uma aplicacao g:V →Rn, de classe Ck, que estende f a uma vizinhanca V do subcon-
junto fechado X.
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[SEC. 5: APLICACOES DIFERENCIAVEIS EM SUBCONJUNTOS ARBITRARIOS203
X
MV
U
Figura 8.9.
Consideremos um conjunto aberto U tal que X ⊂ U ⊂ U ⊂ V .
Isto pode ser feito pois M e um espaco topologico normal (∗) .Seja λ : M → R uma funcao de classe Ck tal que λ(X) = 1,
λ(M − U) = 0 (cf. Aplicacao 1). Entao h : M → Rn, definida por
h(p) = λ(p) · g(p) se p ∈ V e h(p) = 0 se p ∈ M − V , e de classe
Ck e coincide com f em X.
Observacoes finais
1) A Aplicacao 3 continua verdadeira se substituimos Rn por qual-
quer variedade N ∈ Ck. (Este resultado mais forte sera provado
no Capıtulo , quando faremos uso dos instrumentos adequados:
mergulho em Rn e vizinhanca tubular).
2) Por outro lado, a Aplicacao 4 nao e valida para aplicacoes
que tomam valores numa variedade arbitraria. Por exemplo, a
identidade i : S1 → S1 nao pode ser estendida a uma aplicacao
F : R2 → S1, de classe C2. Com efeito, suponhamos por absurdo
que isto pudesse ocorrer.
Escrevamos F (x, y) = (f(x, y), g(x, y)). Como F |S1 = id, tem-
se
f(cos t, sen t) = cos t, g(cos t, sen t) = sen t,
(*) Vide ETG, pag. 235.
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204 [CAP. VIII: PARTICOES DA UNIDADE E SUAS APLICACOES
para todo t ∈ R. Portanto, se escrevermos
df =∂f
∂xdx+
∂f
∂ydy e dg =
∂g
∂xdx+
∂g
∂ydy,
a integral curvilınea abaixo e calculada imediatamente:
I =
∫
S1
f dg − g df =
∫
S1
cos t · (sen t)− sen t · d(cos t)
=
∫ 2π
0(cos2 t+ sen2 t) dt = 2π.
Por outro lado, como S1 e o bordo do disco D2, o Teorema de
Green fornece:
I =
∫
SI
(f∂g
∂x− g ∂f
∂x
)dx+
(f∂g
∂y− g ∂f
∂y
)dy
=
∫∫
D2
2
[∂f
∂x
∂g
∂y− ∂f
∂y
∂g
∂x
]dxdy.
Ora, a expressao dentro dos colchetes na integral dupla acima e
identicamente nula, pois e o determinante cujas colunas sao os
vetores∂F
∂x= F ′(x, y) · e1 e
∂F
∂y= F ′(x, y) · e2 , os quais sao coli-
neares por serem tangentes a S1 no mesmo ponto F (x, y). Assim
I = 0, uma contradicao.
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Capıtulo IX
Metricas Riemannianas
1 Variedades riemannianas
Uma metrica riemanniana numa variedade diferenciavel M e
uma correspondencia que associa a cada ponto p ∈M um produto
interno no espaco tangente TMp .
Seja g uma metrica riemanniana emM . Indicamos com gp(u, v)
ou g(p;u, v) o produto interno dos vetores u, v ∈ TMp . Quando
nao ha perigo de confusao usamos a notacao 〈u, v〉p ou simples-
mente 〈u, v〉.O comprimento ou norma do vetor tangente u ∈ TMp e defi-
nido da maneira obvia por
|u| = |u|p =√g(p;u, u).
Uma variedade diferenciael onde esta definida uma metrica
riemanniana chama-se uma variedade riemanniana. Em termos
mais precisos, trata-se de um par (M, g) onde g e uma metrica
riemanniana na variedade M .
Uma metrica riemanniana em que os produtos internos nos
diversos espacos tangentes nao estao relacionados entre si nao tem
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206 [CAP. IX: METRICAS RIEMANNIANAS
interesse. E desejavel que o produto interno dependa pelo menos
continuamente do ponto p ∈M , num sentido que faremos preciso
a seguir.
A cada sistema de coordenadas em M , x : U → Rm associamos
a funcao
gx : x(U)× Rm × R
m → R,
definida por gx(x(p); a, b) = 〈x′(p)−1 · a, x′(p)−1 · b〉p . Notemos
que, para cada p ∈ U , tem-se um produto interno em Rm, dado
por
(a, b) 7→ gx(x(p); a, b).
Consideremos tambem as funcoes
gxij : U → R, 1 ≤ i, j ≤ m,
definidas por gxij(p) = gx(x(p); ei, ej) = 〈 ∂∂xi
(p),∂
∂xj(p)〉p .
Se a = (α1, . . . , αm) e b = (β1, . . . , βm) sao vetores em Rm,
entao u = x′(p)−1·a =∑iαi
∂
∂xi(p) e v = (x′(p)−1·b =
∑jβj
∂
∂xj(p),
logo gx(x(p); a, b) = g(p;u, v) =∑i,jgxij(p)α
iβj .
Definicao. Diz-se que a metrica riemanniana g em M e de
classe Ck se, para cada sistema de coordenadas x em M , a funcao
gx : x(U)×Rm×R
m → R e de classe Cr ou, equivalentemente, se
as funcoes gxij : U → R sao de classe Cr.
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[SEC. 1: VARIEDADES RIEMANNIANAS 207
Exemplos
1) A metrica euclidiana. Sejam M = Rm e g(p, u, v) = 〈u, v〉 =∑
iuivi para u, v ∈ T (Rm)p ≡ R
m.
2) Toda superfıcie Mm ⊂ Rn de classe Ck possui uma metrica
riemanniana natural, de classe Ck−1. Basta considerar, em cada
espaco tangente TMp ⊂ Rn, o produto interno induzido de R
n.
Com efeito, dado um sistema de coordenadas x : U → Rm em M ,
sua inversa ϕ = x−1 : x(U) → U ⊂ Rn e uma parametrizacao de
classe Ck. Consequentemente, a funcao gx : x(U)×Rm×R
m → R,
dada por gx(x(p);u, v) = 〈ϕ′(x(p))·u, ϕ′(x(p))·v〉, e de classe Ck−1.
Observemos que
gxij(p) =
⟨∂ϕ
∂xi(x(p)),
∂ϕ
∂xj(x(p))
⟩.
3) Seja f : M → N uma imersao de classe Ck. Dada uma metrica
riemanniana h ∈ Cr em N , definimos uma metrica riemanniana g
em M pondo
g(p;u, v) = h(f(p); f ′(p) · u, f ′(p) · v)
ou seja, 〈u, v〉p = 〈f ′(p) · u, f ′(p) · v〉f(p) .
Diz-se que a metrica riemanniana g e induzida pela imersao f .
E facil de ver que 〈u, v〉p e de fato um produto interno em TMp e
que, alem disso, h ∈ Cr implica g ∈ Cs, s = mink − 1, r.No exemplo anterior, a metrica riemanniana natural em uma
superfıcie Mm ⊂ Rn e induzida pela aplicacao de inclusao
i : M → Rn.
A definicao de metrica riemanniana de classe Cr pode ser for-
mulada mais elegantemente, em termos de metricas induzidas. Se
g e uma metrica riemanniana numa variedade M e x : U → Rm e
um sistema de coordenadas em M , entao gx e a metrica induzida
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208 [CAP. IX: METRICAS RIEMANNIANAS
em x(U) pela imersao x−1 : x(U) → M . Dizemos que g ∈ Cr se
gx : x(U) × Rm × R
m → R e de classe Cr para todo sistema de
coordenadas x : U → Rm. Sejam x : U → R
m e y : V → Rm sis-
temas de coordenadas numa variedade M , de classe Ck, munida
de uma metrica riemanniana g. Suponhamos U ∩ V 6= ∅. Nas
exposicoes classicas de Analise Tensorial desempenham um papel
proeminente as formulas que relacionam as funcoes gxij : U∩V → R
com as funcoes gyij : U ∩ V → R. Vamos apresenta-las, como uma
homenagem a tradicao.
Para cada ponto q ∈ U ∩V , seja (∂xα/∂yi) a matriz jacobiana
de x y−1 no ponto y(q).
Entao∂
∂yi(q) =
m∑α=1
∂xα
∂yi· ∂
∂xα(q). Segue-se que:
gxij(q) =
⟨∂
∂yi,∂
∂yj
⟩
q
=∑
α,β
∂xα
∂yi∂xβ
∂yj
⟨∂
∂xα,∂
∂xβ
⟩
q
=∑
α,β
∂xα
∂yi∂xβ
∂yjgxαβ(q).
Note-se que isto exibe gyij como funcao de classe Ck−1 das
gxαβ ; assim nao se pode esperar obter uma metrica riemanniana
de classe Ck numa variedade de classe Ck.
Estudaremos agora as metricas riemannianas que se podem
definir num subconjunto aberto U ⊂ Rm. Lembremos que uma
transformacao linearG ∈ L(Rm) chama-se positiva definida quando
e simetrica (isto e 〈G · u, v〉 = 〈u,G · v〉 para quaisquer u, v ∈ Rm)
e, alem disso 〈G · u, u〉 > 0 para todo u 6= 0 em Rm.
Seja G : U → L(Rm) uma aplicacao de classe Ck, tal que G(p)
e positiva definida, para todo p ∈ U . Definiremos uma metrica
riemanniana g, de classe Ck em U , pondo
(*) g(p;u, v) = 〈G(p) · u, v〉, p ∈ U, u, v ∈ Rm.
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[SEC. 1: VARIEDADES RIEMANNIANAS 209
Reciprocamente, dada a metrica g ∈ Ck em U , reobtemos G
do seguinte modo. Para p ∈ U fixo, cada vetor u ∈ Rm define
um funcional linear v 7→ g(p;u, v) em Rm. A este funcional cor-
responde um unico vetor G(p) · u tal que a equacao (*) acima se
verifica. Evidentemente u 7→ G(p) · u e linear e a matriz de G(p)
em relacao a base canonica de Rm e (gij(p)) = (g(p; ei, ej)), de
modo que G : U → L(Rm) assim definida, e de classe Ck.
Quando nao houver perigo de confusao, escreveremos 〈u, v〉pe |u|p , em vez de g(p;u, v) e
√g(p;u, u), respectivamente, para
indicar o produto interno e a norma de vetores u, v ∈ (TU)p ,
relativamente a metrica riemanniana g. Note-se que TUp difere
de Rm apenas porque o produto interno pode ser diferente. As
notacoes 〈u, v〉 e |u| indicarao o produto interno e a norma usuais
do espaco euclidiano Rm.
Lema. Sejam S = S(Rm) o subespaco vetorial de L(Rm) for-
mado pelas transformacoes lineares simetricas e P = P(Rm) o
subconjunto de S formado pelas transformacoes positivas defini-
das. Entao P e um subconjunto aberto convexo de S e a aplicacao
f : P → S, definida por f(P ) = P 2, e um difeomorfismo C∞ de
P sobre si mesmo.
Demonstracao: Sabe-se da Algebra Linear que todo operador
positivo definido tem uma unica raiz quadrada positiva; logo f
e uma bijecao de P sobre si mesmo. Deixamos para o leitor o
trabalho de provar que P e aberto em S e convexo. Resta entao
mostrar que, para cada P ∈ P, a derivada f ′(P ) : S → S, dada por
f ′(P ) · H = PH + HP , e injetiva (e portanto um isomorfismo).
Sabemos que os autovalores de P sao todos positivos e que Rm
possui uma base ortonormal formada por autovetores de P . Entao,
se PH +HP = 0, para cada um desses autovetores u ∈ Rm, com
P · u = λ · u, λ > 0, teremos P (H · u) = −H(Pu) = −H(λ · u) =
−λ(H · u). Como P nao pode admitir o autovalor negativo −λ,
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210 [CAP. IX: METRICAS RIEMANNIANAS
devemos ter H · u = 0 para todos os elementos de uma base de
Rm, donde H = 0. O lema esta demonstrado.
Dado P ∈ P, escreveremos√P = f−1(P ) ∈ P.
Proposicao 1. Seja g : U ×Rm ×R
m → R uma metrica rieman-
niana de classe Ck num aberto U ⊂ Rm. Existe uma aplicacao
Γ: U → L(Rm), de classe Ck, tal que, para cada p ∈ U , o opera-
dor Γ(p) e positivo e |v|p = |Γ(p) ·v|, v ∈ Rm. Em outras palavras,
a norma de v ∈ TUp , dada pela metrica riemanniana g e igual a
norma euclidiana usual do vetor Γ(p) · v.Demonstracao: Seja G : U → L(Rm) definida por g(p;u, v) =
〈G(p) · u, v〉. Usando o Lema, seja Γ(p) =√G(p). Entao, para
quaisquer v ∈ Rm e p ∈ U , temos:
|v|p = 〈Γ(p)2 · v, v〉1/2 = 〈Γ(p) · v,Γ(p) · v〉1/2 = |Γ(p) · v|.
Isto conclui nosso estudo local das metricas riemannianas. Em se-
guida, provaremos a existencia global de uma metrica riemanniana
em qualquer variedade.
Proposicao 2. E possıvel definir uma metrica riemanniana de
clase Ck−1 em qualquer variedade M ∈ Ck.Demonstracao: Seja U = (Ui) uma cobertura localmente finita
de M por domınios de sistemas de coordenads xi : Ui → Rm com
xi(Ui) = B(3), para cada i = 1, 2, 3, . . . . Seja ϕi : M → R uma
funcao auxiliar de classe Ck, associada ao sistema xi . (Vide Secao
1, Cap. VIII.) Em cada vizinhanca coordenada Ui ⊂ M uma
metrica riemanniana gi ∈ Ck−1 e induzida do Rm pondo
gi(p;u, v) = 〈x′i(p) · u, x′i(p) · v〉.
Obtemos uma metrica riemanniana g em M pondo
g(p;u, v) =∞∑
i=1
ϕi(p) · gi(p;u, v).
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[SEC. 2: A NORMA DA DERIVADA 211
[Como sempre, entendemos que ϕi(p)·gi(p;u, v) = 0 se p /∈ Ui]. Os
detalhes podem ser verificados facilmente. Por exemplo, se u 6= 0
e um elemento de TMp , entao
g(p;u, u) =∑
i
ϕi(p) · gi(p;u, u) > 0,
pois ϕi(p) > 0 e gi(p;u, u) > 0 para todo i tal que p ∈ Vi .
2 A norma da derivada
Inicialmente recordaremos alguns fatos sobre normas em espa-
cos de aplicacoes lineares.
Sejam E, F espacos vetoriais de dimensao finita, dotados de
produtos internos, os quais indicaremos com o mesmo sımbolo
〈u, v〉, enquanto |u| representara uma das normas induzidas por
eles.
Quando definimos a norma de uma transformacao linear
T : E → F como |T | = sup|T · u|;u ∈ E, |u| = 1, tornamos
L(E;F ) um espaco vetorial normado. Esta definicao e conve-
niente por varias razoes, uma das quais sendo que faz sentido em
dimensao infinita. Uma desvantagem seria porem e que T 7→ |T |nao e uma funcao diferenciavel em L(E;F ).
Exemplo. Seja R2 com o produto interno usual. Dados x, y ∈
R, consideremos a transformacao linear T : R2 → R
2, cuja ma-
triz relativa a base canonica e(x 00 y
). Para cada vetor unitario
u = (cos θ, sen θ), temos |T · u| =√x2 cos2 θ + y2 sen2 θ. Por
conseguinte, |T | =√M , onde M e o maximo da funcao θ 7→
x2 · cos2 θ + y2 · sen2 θ. Um simples exercıcio de calculo nos mos-
tra que |T | = max|x|, |y|. Daı resulta que a funcao T 7→ |T |nao e diferenciavel, pois compondo-a com a aplicacao diferenciavel
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212 [CAP. IX: METRICAS RIEMANNIANAS
(x, y) 7→(x 00 y
)obtemos (x, y) 7→ max|x|, |y|, a qual nao e dife-
renciavel nas diagonais do plano.
A fim de eliminar esta dificuldade, introduziremos agora um
produto interno em L(E;F ).
A cada A ∈ L(E;F ) corresponde sua adjunta A∗ ∈ L(F ;E),
caracterizada pela igualdade
〈A · v, w〉 = 〈v,A∗ · w〉, v ∈ E, w ∈ F.
O produto interno de duas transformacoes lineares A,B ∈L(E;F ) sera definido por
〈A,B〉 = tr(A∗B),
onde tr significa o traco. Note-se que A∗B ∈ L(E), de modo que
seu traco tem sentido.
Se tomarmos bases ortonormais em E e F e supusermos que
as matrizes de A e B, relativas a essas bases, sao respectivamente
(aij) e (bij) entao as matrizes de A∗ e B∗, relativas as mesmas
bases, sao as transpostas (aji) e (bji). Portanto
〈A,B〉 = tr(A∗B) =∑
,j
aijbij .
Vemos pois que, se E = Rm e F = R
n, o produto interno
〈A,B〉 coincide com o produto interno euclidiano usual em Rnm,
quando fazemos as identificacoes
L(Rm; Rn) ≈M(n×m; R) ≈ Rnm.
Vemos ainda que tr(A∗B) = tr(BA∗) = tr(AB∗) = tr(B∗A).
Os axiomas do produto interno sao facilmente verificados. Ob-
temos uma nova definicao de norma de uma transformacao linear
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[SEC. 2: A NORMA DA DERIVADA 213
A ∈ L(E;F ), no caso em que E e F tem produtos internos, a
saber
||A|| =√〈A,A〉 =
√tr(A∗A).
A funcao A 7→ ||A||2 e agora de classe C∞ em L(E;F ), en-
quanto que A 7→ ||A|| e C∞ exceto no ponto 0 ∈ L(E;F ).
Para todo v ∈ E, vale a desigualdade
|A · v| ≤ ||A|| · |v|.
Com efeito, ela e equivalente a 〈A · v,A · v〉 ≤ ||A||2 · 〈v, v〉, ou
seja, a 〈A∗A · v, v〉 ≤ tr(A∗A) · 〈v, v〉.Para provar esta ultima, observemos que o operador A∗A ∈
L(E) e simetrico e nao-negativo, logo existe uma base ortonormal
u1, . . . , um ⊂ E tal que A∗A · ui = λi · ui , com λi ≥ 0. Seja
v = Σαivi . A desigualdade que queremos provar torna-se
Σλi(αi)2 ≤ (Σλi) · (Σ(αj)2),
o que e evidente, pois os λi sao ≥ 0.
Seja agora f : M → N uma aplicacao diferenciavel entre varie-
dades riemannianas. Em cada ponto p ∈M , a derivada de f e uma
transformacao linear f ′(p) : TMp → TNf(p) , entre espacos veto-
riais com produtos internos, de modo que tem sentido considerar
as normas |f ′(p)| e ||f ′(p)|| discutidas acima.
Proposicao 3. Seja f : Mm → Nn uma aplicacao de classe Ck+1,
entre variedades que possuem metricas riemannianas de classe Ck.
A funcao λ : M → R, definida por λ(p) = ||f ′(p)||2, e de classe Ck.
Demonstracao: Como se trata de um problema local, admitimos
que f : U → V e uma aplicacao de classe Ck+1 de um aberto
U ⊂ Rn, e sao dadas metricas riemannianas g em U , e h em V ,
ambas de classe Ck.
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214 [CAP. IX: METRICAS RIEMANNIANAS
Para cada p ∈ U , indiquemos com Ep = TUp o espaco eucli-
diano Rm com o produto interno gp = 〈 , 〉p e, para q ∈ V , seja
Fq = TVq o espaco Rn com o produto interno hq = 〈 , 〉q . Sejam
G : U → L(Rm) e H : V → L(Rn) as aplicacoes de classe Ck tais
que, para quaisquer p ∈ U , q ∈ V , tem-se 〈u, v〉p = 〈G(p) · u, v〉,u, v ∈ R
m e 〈w, z〉q = 〈w,H(q) · z〉, onde w, z ∈ Rn. Indi-
quemos com f ′(p)# : Fq → Ep , q = f(p) a adjunta da deri-
vada f ′(p) : Ep → Fq . Quando considerarmos f ′(p) como trans-
formacao linear de Rm em R
n, sua adjunta sera indicada, como de
costume, por f ′(p)∗. Para todos v ∈ Rm, w ∈ R
n, p ∈ U e q ∈ V ,
temos
〈v,G(p)f ′(p)# · w〉 = 〈G(p) · v, f ′(p)# · w)〉= 〈v, f ′(p)# · w〉p = 〈f ′(p) · v, w〉q= 〈f ′(p) · v,H(q) · w〉 = 〈v, f ′(p)∗H(q) · w〉.
Portanto G(p)f ′(p)# = f ′(p)∗H(q), ou seja, f ′(p)# = G(p)−1
f ′(p)∗H(f(p)). Concluimos, finalmente, que
||f ′(p)||2 = tr(f ′(p)# f ′(p)) = tr[G(p)−1 f ′(p)∗H(f(p))],
o que mostra ser λ : U → R, definida por λ(p) = ||f ′(p)||2, uma
funcao de classe Ck. A proposicao esta demonstrada.
Se desejarmos usar a norma
|f ′(p)| = sup|f ′(p) · u|q ; u ∈ TMp, |u|p = 1, q = f(p),
entao podemos apenas afirmar o seguinte:
Proposicao 4. Seja f : Mm → Nn uma aplicacao de classe Ck+1,
entre variedades dotadas de metricas riemannianas de classe Ck.
A funcao µ : M → R, definida por µ(p) = |f ′(p)|, e contınua.
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[SEC. 3: A DISTANCIA INTRINSECA 215
Demonstracao: Podemos admitir que f : U → V e de classe
Ck+1 entre abertos U ⊂ Rm, V ⊂ R
n, munidos de metricas rie-
mannianas, g em U , h em V , ambas de classe Ck. Pela Proposicao
1, existem aplicacoes contınuas Γ: U → L(Rm) e ∆: V → L(Rn)
tais que |v|p = |Γ(p) · v| e |w|q = |∆(q) ·w| para quaisquer v ∈ Rm
e w ∈ Rn. Entao
µ(p) = sup|f ′(p) · v|f(p); v ∈ Rm, |v|p = 1
= sup|∆(f(p)) · f ′(p) · v|; v ∈ Rm, |Γ(p) · v| = 1
= sup|∆(f(p)) · f ′(p) · Γ(p)−1 · u|; u ∈ Rm; |u| = 1
= |∆(f(p)) · f ′(p) · Γ(p)−1|,
onde a ultima norma e a do sup em L(Rm; Rn). Como
| | : L(Rm,Rn)→ R e contınua, a proposicao esta demonstrada.
3 A distancia intrınseca
Numa variedade riemanniana M , faz sentido falar em muitos
conceitos geometricos. Por exemplo, podemos definir o compri-
mento de um caminho α : [a, b] → M , de classe C1, imitando o
que se faz em R3, isto e, pondo `(α) =
∫ b
a|α′(t)| dt. Nesta ex-
pressao, |α′(t)| =√〈α′(t), α′(t)〉α(t) e a norma do vetor tangente
α′(t) ∈ TMα(t) , segundo o produto interno definido pela metrica
de M . Podemos tambem considerar |α′(t)| como a norma da de-
rivada α′(t) : R → TMα(t) . Pela Proposicao 4, segue-se que o in-
tegrando |α′(t)| e uma funcao contınua de t e portanto a integral
que define `(α) tem sentido.
Um caminho α : [a, b]→M diz-se seccionalmente de classe C1
se α e contınuo e existe uma particao a = t0 < t1 < · · · < tm = b
tal que αi = α|[ti, ti+1] e de classe C1 para todo i = 0, 1, . . . , n−1.
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216 [CAP. IX: METRICAS RIEMANNIANAS
Usaremos a notacao α = α0, . . . , αn−1 para indicar um caminho
seccionalmente C1. Ainda neste caso podemos definir o compri-
mento de α por
`(α) = `(α1) + · · ·+ `(αn).
A aditividade da integral mostra que `(α) nao depende da
escolha da particao.
No que se segue, M sera uma variedade riemanniana conexa,
de classe Ck.
Dados dois pontos arbitrarios p, q ∈ M , existe um caminho
α : [0, 1] → M seccionalmente de classe Ck, tal que α(0) = p e
α(1) = q.
Com efeito, consideremos um qualquer caminho contınuo
β : [0, 1] → M ligando p a q e tomemos uma particao 0 = t0 <
t1 < · · · < tn = 1 tal que β([ti, ti+1]) ⊂ Ui para cada i =
0, . . . , n − 1, onde Ui e o domınio de um sistema de coordenadas
xi : Ui → Rm cuja imagem e convexa. Para cada i = 0, . . . , n − 1
seja αi : [ti, ti+1] → M a imagem por x−1i do segmento de reta
em Rm que liga xi(β(ti)) a xi(β(ti+1)), ou seja, αi(t) = x−1
i [(1 −t)xi(β(ti))+txi(β(ti+1))], ti ≤ t ≤ ti+1 . Entao α = α0, . . . , αn−1e um caminho seccionalmente de classe C1 ligando p a q.
Podemos entao definir a distancia intrınseca d(p, q) entre dois
pontos p, q de uma variedade riemanniana conexa como d(p, q) =
inf`(α);α seccionalmente C1 em M , ligando p a q.Proposicao 5. Seja M uma variedade diferenciavel, com uma
metrica riemanniana de classe C0. A distancia intrınseca acima
definida satisfaz os axiomas que definem um espaco metrico.
Demonstracao: Sem duvida, d(p, q) = 0, d(p, q) ≥ 0, d(p, q) =
d(q, p) e d(p, r) ≤ d(p, q) + d(q, r). Resta verificar que p 6= q ⇒d(p, q) > 0. Segue-se do axioma de Hausdorff que existe uma
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[SEC. 3: A DISTANCIA INTRINSECA 217
vizinhanca U do ponto p tal que q /∈ U . Podemos supor que U esta
contido no domınio de um sistema de coordenadas x em M tal que
x(U) = B(1) e x(p) = 0. Entao U e compacto. pela Proposicao
4, vemos que 0 < δ = sup|x′(r)|; r ∈ U < ∞. Como q esta no
exterior de U , para cada caminho α : [a, b] → M , seccionalmente
C1, ligando p a q, existe α ∈ [a, b] tal que α(c) esta na fronteira
de U , ou seja, |x(α(c))| = 1. Resulta daı que
1 ≤∫ c
a|(x α)′(t)| dt ≤ δ
∫ c
a|α′(t)| dt ≤ δ `(α).
Portanto, `(α) ≥ 1
δpara todo caminho seccionalmente C1 ligando
p a q, donde d(p, q) > 0.
qα(0)
U
p
x
α
0 = x(p)
x(α(c))
M
Figura 9.1.
Empregaremos o adjetivo “intrınseco” para qualificar todos os
conceitos de espaco metrico relativos a distancia intrınseca d.
Proposicao 6. A topologia de M definida pela distancia intrınseca
coincide com a topologia original de M .
Demonstracao: Seja p ∈M .
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218 [CAP. IX: METRICAS RIEMANNIANAS
(i) Toda vizinhanca p ∈ V ⊂ M contem uma bola intrınseca
de centro em p. Com efeito, seja x : V1 → Rm um sistema de
coordenadas em torno de p tal que p ∈ U ⊂ U ⊂ V1 ⊂ V , com
x(p) = 0 ∈ x(U) = B(1). Pelo argumento da Proposicao 5, tem-se
q ∈M − V ⇒ q ∈M − U ⇒ d(p, q) ≥ 1
δ·
Em outras palavras, d(p, q) <1
δ⇒ q ∈ V , isto e, B
(p;
1
δ
)⊂ V .
(ii) Toda bola intrınseca de centro p e raio ε > 0 contem uma
vizinhanca coordenada do ponto p.
Seja x : V → Rm um qualquer sistema de coordenadas em
torno de p. Podemos supor que x(p)=0 e que δ=sup|x′(r)−1|; r ∈V < ∞. Seja B uma bola aberta no espaco euclidiano, contida
em x(V ), com centro na origem e raio menor que ε/δ. Escrevamos
U = x−1(B). Afirmamos que U esta contido na bola intrınseca
B(p; ε), de centro p e raio ε. De fato, dado q ∈ U podemos ligar
q e p pelo caminho α : [0, 1] → M dado por α(t) = x−1(t · x(q)).Como |x(q)| < ε/δ temos
`(α) =
∫ 1
0|α′(t)| dt =
=
∫ 1
0
∣∣[x′(x−1(tx(q)))]−1 · x(q)∣∣ dt ≤
≤∫ 1
0δ|x(q)| dt < δ · ε
δ= ε.
Isto mostra que d(p, q) < ε, ou seja U ⊂ B(p; ε), o que conclui a
demonstracao.
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[SEC. 4: A TOPOLOGIA GERAL DE UMA VARIEDADE 219
4 A topologia geral de uma variedade
4.1 - Propriedade de Hausdorff
Consideremos novamente o Exemplo 1, Secao 5, Cap. IV, onde
uma variedade nao-Hausdorff M foi definida pelo atlas A = [x, y],
com x : A ∪ C → R, y : B ∪ C → R, (A ∪ C) ∩(B ∪ C) = C e x|C = y|C.
Existe uma unica metrica riemanniana em M em relacao a
qual x e y sao isometrias. Esta metrica e induzida por x em A∪Ce por y em B ∪ C.
A variedade riemanniana M e conexa: para ligar os pontos a e
b por um caminho contınuo, devemos partir de a, seguir ao longo
de C ate certo ponto, retornar pelo mesmo caminho e chegarmos
assim em b.
A
C
B
a
b
Figura 9.2.
Vemos que existem caminhos de comprimentos arbitrariamente
pequenos ligando a e b, logo d(a, b) = 0 muito embora a 6= b.
Portanto a implicacao p 6= q ⇒ d(p, q) > 0 (ponto crucial da
Proposicao 4) pode nao ser verdadeira em uma variedade nao-
Hausdorff M . A distancia intrınseca define apenas uma pseudo-
metrica em M .
Outro fato ainda mais desagradavel e que a topologia (nao-
Hausdorff) de M definida pela pseudo-metrica intrınseca jamais
ira coincidir com a topologia original de M . Realmente, a topo-
logia original de M sempre e localmente de Hausdorff, enquanto
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220 [CAP. IX: METRICAS RIEMANNIANAS
que a topologia definida por uma pseudo-metrica autentica nunca
e localmente de Hausdorff.
No exemplo acima, o ponto b pertence a toda pseudo-bola cen-
trada em a mas nao esta em nenhuma vizinhanca coordenada do
ponto a.
4.2 - O axioma da base enumeravel
Aos objetos que forem quase variedades diferenciaveis, faltando
ser cumprida apenas a exigencia da base enumeravel, chamaremos,
a falta de nome melhor, de multiplicidades diferenciaveis.
De qualquer maneira, uma multiplicidade diferenciavel tem
base enumeravel localmente, isto e, cada ponto p ∈M posui uma
vizinhanca (de coordenadas) que tem base enumeravel.
Por conseguinte, uma multiplicidade e um espaco E1, embora
nao necessariamente E2.
E realmente facil dar exemplos de multiplicidades diferencaveis
que nao possuem base enumeravel de abertos. Basta considerar a
soma topologica de uma quantidade nao enumeravel de copias de
uma variedade diferenciavel nao vazia M0 . Ou equivalentemente,
seja M = M0 × A o produto cartesiano de uma variedade dife-
renciavel M0 com um espaco discreto e nao-enumeravel A. Estes
exemplos sao triviais porque fornecem uma multiplicidade M nao-
conexa. Por outro lado, nao e tao facil obter exemplos de multipli-
cidades conexas sem base enumeravel, embora tais objetos existam
(ver R. Nevanlinna, “Uniformisierung”, pag. 51, para um exemplo
bi-dimensional e Milnor “Der Ring der Vektorraumbundel”, pag.
39, para um caso unidimensional).
Todos os resultados dos Capıtulos IV e VII, bem como as Pro-
posicoes 5 e 6 deste capıtulo, se aplicam as multiplicidades dife-
renciaveis.
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[SEC. 4: A TOPOLOGIA GERAL DE UMA VARIEDADE 221
Proposicao 7. Seja M uma multiplicidade conexa de classe Ck.
As seguintes condicoes sao equivalentes:
(i) M possui base enumeravel (i.e., M e uma variedade).
(ii) M admite particoes da unidade (i.e., toda cobertura aberta
de M admite uma particao da unidade de classe Ck a ela
subordinada).
(iii) Existe uma metrica riemanniana de classe Ck−1 em M .
Demonstracao:
(i) ⇒ (iii) Corolario 1 da Proposicao 1, Capıtulo VIII.
(ii) ⇒ (iii) Proposicao 1, Capıtulo IX.
(ii) ⇒ (i) Pela Proposicao 4, M e um espaco metrizavel.
Como, alem disso, M e conexo e localmente compacto, segue-se
que M tem base enumeravel. (Vide ETG, Corolario, pag. 225).
Corolario. Seja M uma multiplicidade diferenciavel conexa e N
uma variedade de classe C1. Se existe uma imersao f : M → N
de classe C1 entao M e uma variedade.
Com efeito, tomando uma metrica riemanniana de classe C0
em N , a imersao f induz emM uma metrica riemanniana de classe
C0. Pela Proposicao 7, M possui base enumeravel, ou seja, e uma
variedade.
Observacao: O corolario acima nao e trivial, mesmo se f for
injetiva, pois a topologia de M pode ser consideravelmente mais
fina do que a induzida por f . Obviamente, o resultado e imediato
quando f for um mergulho.
Exemplo. No espaco euclidiano Rn, sua metrica usual coin-
cide com a metrica intrınseca. Por outro lado, numa superfıcie
Mm ⊂ Rn, a distancia usual em R
n nao induz em M sua metrica
intrınseca, nem mesmo quando M e um subconjunto aberto de
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222 [CAP. IX: METRICAS RIEMANNIANAS
Rn (ou seja, m = n), salvo se esse aberto e convexo. Por exem-
plo, se omitirmos do plano R2 o segmento [−1,+1] do eixo dos
y, obteremos um aberto no qual a distancia intrınseca entre os
pontos (−1, 0) e (1, 0) e 2√
2, em vez de 2. Na esfera Sn ⊂ Rn+1,
a distancia intrınseca entre dois pontos p, q e o comprimento do
menor dos arcos de cırculo maximo que ligam p a q. (Se p 6= −q,ha apenas 2 desses arcos. Se p = −q, ha uma infinidade, todos de
mesmo comprimento, π.) E claro que se S ⊂ M e uma subvarie-
dade e dS , dM indicam as distancias intrınsecas respectivas, entao
dM (p, q) ≤ dS(p, q) para quaisquer p, q ∈ S.
5 Isometrias
Em toda esta secao, Mm e Nn designarao variedades de classe
Ck+1 dotadas de metricas riemannianas de classe Ck.
Seja f : M → N diferenciavel. Diremos que sua derivada
f ′(p) : TMp → TNq , q = f(p), preserva o produto interno quando
〈f ′(p) ·u, f ′(p) · v〉q = 〈u, v〉p para quaisquer u, v ∈ TNp . Como se
sabe, isto ocorre se, e somente se, f ′(p) preserva a norma, ou seja,
|f ′(p) · u|q = |u|p para todo u ∈ TMp .
Quando uma aplicacao diferenciavel f : M → N preserva o
produto interno em todos os pontos p ∈M , dizemos que f e uma
imersao isometrica de M em N . Isto implica, em particular, que
dimM ≤ dimN e que f e localmente injetiva. Se, alem disso, f
for um homeomorfismo de M sobre f(M), diremos que f e um
mergulho isometrico de M em N . Uma imersao isometrica de
uma variedade riemanniana em outra de mesma dimensao chama-
se uma isometria local. Uma isometria f : M → N e uma bijecao
diferenciavel cuja derivada, em todos os pontos, preserva o produto
interno. Toda isometria e um difeomorfismo.
Exemplos. 1) Seja J ⊂ R um intervalo aberto. Para que um
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[SEC. 5: ISOMETRIAS 223
caminho f : J → M , de classe C1, seja uma imersao isometrica,
e necessario e suficiente que em todos os pontos t ∈ J , seu vetor
velocidade f ′(t) tenha comprimento 1. Quando isto ocorre, entao,
para cada intervalo fechado [a, b] ⊂ J , o caminho f |[a, b] tem com-
primento b−a, pois `(f |[a, b]) =
∫ b
a|f ′(t)| dt =
∫ b
adt = b−a. Re-
ciprocamente, se o comprimento de cada caminho restrito f |[a, b]e b−a entao, para cada t ∈ J devemos ter |f ′(t)| = 1. Com efeito,
fixando a em J , obtemos t − a ≤ `(f |[a, t]) =
∫ b
a|f ′(s)| ds para
qualquer t > a em J . Derivando em relacao a t, vem 1 = |f ′(t)|,como querıamos. Em virtude deste fato, um caminho cujo vetor
velocidade tem comprimento 1 em todos os pontos diz-se parame-
trizado pelo comprimento de arco.
E interessante observar que para todo caminho f : J →M , de
classe Cr (r ≥ 1), tal que f ′(t) 6= 0 para todo t ∈ J , existe uma
reparametrizacao, isto e, um difeomorfismo ϕ : I → J , de classe
Cr, tal que f ϕ : I → M e parametrizado pelo comprimento
de arco. Com efeito, escolhamos um ponto a ∈ J e definamos
λ : J → R pondo λ(t) =
∫ t
a|f ′(s)| ds. (Aqui λ(t) < 0 se t < a.)
Evidentemente, λ ∈ Cr e λ′(t) = |f ′(t)| > 0. Segue-se que λ e
crescente e e um difeomorfismo de J sobre um intervalo aberto
I ⊂ R. Seja ϕ = λ−1 : I → J . Entao o caminho reparametrizado
f ϕ : I →M e tal que, para cada 0 = λ(t) ∈ I, temos
|(f ϕ)′(s)| = |f ′(ϕ(s)) · ϕ′(s)| = |f ′(t) · 1
λ′(t)| = |f
′(t)|λ′(t)
= 1.
Por conseguinte, f ϕ e parametrizado pelo comprimento de arco.
Um caso particular: f : R→ R2, definida por f(t) = (cos t, sen t),
e uma imersao isometrica da reta no plano, cuja imagem e o cırculo
unitario S1.
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224 [CAP. IX: METRICAS RIEMANNIANAS
2) Seja λ : J → R2 um caminho de classe Cr (r ≥ 1), parame-
trizado pelo comprimento de arco. Aplicaremos a faixa aberta
U = J × R ⊂ R2 em R
3, pondo f(x, y) = (λ(x), y) ∈ R2 × R.
Entao f : U → R3 e uma imersao isometrica. Se λ for um homeo-
morfismo sobre λ(J), entao f sera um mergulho isometrico e, por
conseguinte, uma isometria de U sobre a superfıcie f(U), que e
chamada o cilindro reto de base λ(J).
3) Seja f : R2 → R
4 definida por f(x, y) = (cosx, senx, cos y,
sen y). Entao f e uma imersao isometrica, cuja imagem f(R2)
e um toro (de dimensao 2) em R4. Com efeito, a relacao de equi-
valencia induzida por f tem como classes de equivalencia as classes
laterais do subgrupo Z × Z ⊂ R2 e portanto existe uma decom-
posicao:
R2
R4
R2/Z× Z
?
π
-f
f
No diagrama acima, π e o difeomorfismo local canonico de R2
sobre o toro T 2 = R2/(Z×Z). (Vide Capıtulo VI, Secao 7). Como
f π = f ∈ C∞, segue-se da Proposicao que f ∈ C∞. Como f
e claramente uma imersao biunıvoca e T 2 e compacto, concluimos
que f e um mergulho do toro T 2 em R2, cuja imagem coincide
com f(R2).
Mais geralmente, de modo analogo, podemos definir, para cada
inteiro m, uma imersao isometrica f : Rm → R
2m, de classe C∞,
cuja imagem e um toro de dimensao m. Em outras palavras, em
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[SEC. 5: ISOMETRIAS 225
cada toro pode-se introduzir uma metrica riemanniana que o torna
localmente isometrico ao espaco euclidiano.
Note-se que nao pode existir uma imersao isometrica
f : R2 → R
3 cuja imagem seja o toro. Mais geralmente, nao existe
uma superfıcie compacta M 2 ⊂ R3 que seja localmente isometrica
ao plano R2. Isto resulta de fatos conhecidos de Geometria Di-
ferencial pois uma superfıcie localmente isometrica ao plano tem
curvatura gaussiana identicamente nula, enquanto que toda su-
perfıcie compacta M 2 ⊂ R2 deve possuir pelo menos um ponto
cuja curvatura gaussiana e positiva. (Vide M.P. do Carmo “Ele-
mentos de Geometria Diferencial”, pag. 106, Exerc. 14.)
4) Seja T : Rn → R
n um operador ortogonal. Munido do seu pro-
duto interno natural, Rn e uma variedade riemanniana e T e uma
isometria. Consequentemente, se Mm ⊂ Rn e uma superfıcie tal
que T (M) = M , entao f = T |M e uma isometria de M . (Bem
entendido, estamos considerando em M a metrica riemanniana
induzida de Rn.) Em particular, como T (Sn−1) = Sn−1 para
toda transformacao T ∈ O(Rn), obtemos uma infinidade de iso-
metrias f : Sn−1 → Sn−1 considerando as restricoes a esfera Sn−1
de operadores ortogonais em Rn. Assim temos a aplicacao antıpoda
α : p 7→ −p, as reflexoes (x1, . . . , xn) 7→ (x1, . . . ,−xi . . . , xn), etc.
Outras superfıcies podem ser transformadas sobre si mesmas por
meio de certos operadores ortogonais. (Diz-se entao que a su-
perfıcie exibe um certo tipo de simetria.) Por exemplo, o toro de
revolucao, obtido como por rotacao de um cırculo vertical em torno
do eixo x = y = 0, admite as isometrias (x, y, z) 7→ (x, y,−z),(x, y, z) 7→ (x,−y, z), p 7→ −p, etc.
5) Sabemos que, dadas uma imersao f : Mm → Nm, de classe
Ck+1, e uma metrica riemanniana h em N , de classe Ck, existe
uma metrica riemanniana g em M , de classe Ck, que torna f uma
isometria local. Basta tomar g = metrica induzida por f . (Vide
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226 [CAP. IX: METRICAS RIEMANNIANAS
Secao 1, Cap. IX.) Consideremos agora a situacao oposta. Dada
a imersao f , entre variedades de mesma dimensao, supomos que
M possui uma metrica riemanniana e queremos saber se existe
uma metrica em N que torna f uma isometria local. Condicao
necessaria e suficiente para que isto ocorra e a seguinte: Se p, q ∈M sao tais que f(p) = f(q), entao a transformacao linear f ′(q)−1f ′(p) : TMp → TNq e uma isometria linear.
Com efeito, em cada ponto p ∈ M , a derivada f ′(p): TMp→TNf(p) e um isomorfismo linear. Logo existe um unico produto
interno em TNf(p) que a torna uma isometria. Se q ∈ M e outro
ponto tal que f(p) = f(q), o produto interno induzido por f ′(q)em TNf(q) coincide com o anterior, pois f ′(p) = f ′(q) L, onde
L : TMp → TMq e a isometria f ′(q)−1 f ′(p). Assim, existe uma
metrica riemanniana emN que torna f uma isometria local. Sendo
f ∈ Ck+1, isto faz com que tal metrica (induzida localmente por
f−1) seja de classe Ck. A recıproca e obvia. Como exemplo de tal
situacao, sejam Mm uma variedade com uma metrica riemanniana
de classe Ck e f:Mm→ Nm um difeomorfismo local de classe Ck+1
com a seguinte propriedade: dados p, q ∈ M com f(p) = f(q),
existe uma isometria ϕ : M →M , de classe Ck+1, tal que f ϕ =
f e ϕ(p) = q. Entao existe uma metrica riemanniana de classe
Ck em N que torna f uma isometria local. Com efeito, temos
f ′(ϕ(p))ϕ′(p) = f ′(p), ou seja ϕ′(p) = f ′(p)−1f ′(p), sempre que
f(p) = f(q). Como ϕ′(p) : TMp → TMq e uma isometria linear,
o resultado segue-se. Aplicacoes: existem metricas riemannianas
no espaco projetivo Pm e no toro Tm = Rm/(Z × · · · × Z) que
tornam as aplicacoes canonicas π : Sm → Pm e π′ : Rm → Tm
isometrias locais. Com efeito, a aplicacao antıpoda ϕ : Sm → Sm
e uma isometria tal que π(p) = π(q) ⇔ q = ϕ(p). Alem disso,
π′(p) = π′(q) ⇔ a = q − p ∈ Zm. A translacao ϕ : x 7→ x + a e
uma isometria de Rm tal que π ϕ = π′ e ϕ(p) = q. A metrica de
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[SEC. 5: ISOMETRIAS 227
Pn que torna π : Sm → Pm uma isometria local chama-se metrica
elıptica. A metrica de Tm que torna π′ : Rm → Tm uma isometria
local e chamada metrica achatada.
6) Seja G um grupo de Lie. Uma metrica riemanniana em G diz-se
invariante a esquerda quando, para todo g ∈ G, a translacao a es-
querda `g : h 7→ gh e uma isometria de G. Analogamente se define
metrica invariante a direita de metrica bi-invariante. Em todo
grupo de Lie, existe uma metrica invariante a esquerda. Basta
considerar um produto interno na algebra de Lie TGe e estende-lo
por translacao a esquerda, isto e, impondo que, para cada g ∈ G, a
derivada `′g(e) : TGe → TGg seja uma isometria. Isto e suficiente
para que cada derivada `′g(h) : TGh → TGgh preserve o produto
interno. De maneira analoga se mostra que todo grupo de Lie
pode ser munido de uma metrica invariante a direita.
7) Mostraremos agora que o grupo ortogonal O(Rm), conside-
rado como superfıcie em L(Rm) = Rm2
, herda deste espaco eucli-
diano uma metrica bi-invariante. Com efeito, associemos a cada
A ∈ L(Rm) a aplicacao linear `A : L(Rm) → L(Rm) que consiste
na multiplicacao a esquerda por A, ou seja, `A(X) = A ·X. Consi-
deremos em L(Rm) o produto interno 〈X,Y 〉 = tr(X∗Y ). Entao,
se A : Rm → R
m for ortogonal, `A : L(Rm)→ L(Rm) tambem sera
ortogonal, pois 〈`A(X), `A(Y )〉 = 〈AX,AY 〉 = tr(X∗A∗AY ) =
tr(X∗Y ) = 〈X,Y 〉. A recıproca tambem vale: se `A for ortogo-
nal, A o sera. A demonstracao e deixada a cargo do leitor. De
qualquer modo, concluimos que, para cada A ∈ 0(Rm), `A e uma
isometria de L(Rm). Por conseguinte, se G ⊂ L(Rm) e um grupo
de Lie que contem a transformacao ortogonal A, entao `A(G) = G
e, por conseguinte, a restricao `A|G e uma isometria de G, quando
tomamos neste grupo sua metrica riemaniana natural, induzida
de L(Rm). Por exemplo, o grupo unimodular SL(Rm) contem o
grupo ortogonal. Logo, para cada A ∈ O(Rm), a translacao a es-
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228 [CAP. IX: METRICAS RIEMANNIANAS
querda `A e uma isometria de SL(Rm). Evidentemente, para cada
A ∈ O(Rm), `A e uma isometria de O(Rm), ou seja, a metrica
natural do grupo ortogonal (induzida pelo espaco euclidiano Rm2
)
e invariante a esquerda. (Mas a metrica natural de SL(Rm) nao
e invariante a esquerda.) Tudo o que foi dito acima se aplica
para a translacao a direita rA : X 7→ X · A. Basta notar que
tr(XY ) = tr(Y X). Segue-se que a metrica riemanniana natural
de O(Rm) e bi-invariante.
8) Seja f : M → N uma imersao isometrica. Entao f preserva
o comprimento de arco, isto e, se λ : [a, b] → M e um caminho
de classe C1, entao `(f λ) = `(λ). Com efeito, para cada t ∈[a, b], temos |(f λ)′(t)| = |f ′(λ(t)) λ′(t)|. O resultado segue-se
por integracao. Reciprocamente, se f : M → N e de classe C1 e
preserva comprimento de arco, entao, para cada p ∈M e para cada
u ∈ TMp com |u| = 1, podemos obter um caminho λ : (−ε,+ε)→M , de classe C1, parametrizado pelo comprimento de arco (vide
Exemplo 1), tal que λ(0) = p e λ′(0) = u. Entao f λ tambem sera
parametrizado pelo comprimento de arco. Por conseguinte |f ′(p) ·u| = |f ′(λ(0)) · λ′(0)| = |(f λ)′(0)| = 1. Assim, a transformacao
linear f ′(p) : TMp → TNf(p) leva vetores de comprimento 1 em
vetores de comprimento 1. Logo f ′(p) preserva normas e f e uma
imersao isometrica.
Se considerarmos as variedades riemannianas M e N como
espacos metricos, munidos das distancias intrınsecas, uma imersao
isometrica f : M → N satisfaz a condicao d(f(p),f(q))≤ d(p, q).
Com efeito, para todo caminho λ : [a, b]→M , seccionalmente C1,
com λ(a) = p e λ(b) = q, o caminho f λ liga f(p) a f(q) e tem o
mesmo comprimento que λ. Podem eventualmente existir camin-
hos em N , ligando f(p) a f(q), que nao sao da forma f λ, onde
λ liga p a q em M . Por isso pode acontecer que d(f(p), f(q)) <
d(p, q). (Vide f : R → R2, f(t) = (cos t, sen t).) Mas quando f e
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[SEC. 5: ISOMETRIAS 229
uma isometria (difeomorfismo cuja derivada, em cada ponto, pre-
serva o produto interno) entao d(f(p), f(q)) = d(p, q) para quais-
quer p, q ∈M e portanto f : M → N e tambem uma isometria no
sentido de espacos metricos.
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Capıtulo X
Espacos de Funcoes
1 Funcoes semicontınuas em uma variedade
Seja X um espaco topologico. Uma funcao real f : X → R
diz-se semicontınua inferiormente no ponto a ∈ X quando, para
cada ε > 0, existe uma vizinhanca V de a tal que x ∈ V implica
f(a) − ε < f(x). De modo analogo se define semi-continuidade
superior.
Exemplos
1) Uma funcao e contınua se, e somente se, e semicontınua inferior
e superiormente.
2) Um subconjunto A ⊂ X e aberto se, e somente se, sua funcao ca-
racterıstica f : X → R (definida por f(A)=1, f(X−A)=0) e semi-
contınua inferiormente. Analogamente, um subconjunto fechado
e caracterizado pela semi-continuidade superior de sua funcao ca-
racterıstica.
3) Se f1, . . . , fs sao funcoes semicontınuas inferiormente (resp. su-
periormente) entao o mesmo se da para f = inff1, . . . , fs (resp.
g = supf1, . . . , fs).
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[SEC. 1: FUNCOES SEMICONTINUAS EM UMA VARIEDADE 231
4) Seja R([a, b]; Rn) o conjunto de todos os caminhos contınuos e
retificaveis α : [a, b] → Rn com a metrica d(α, β) = sup
a≤t≤b|α(t) −
β(t)|. Entao a funcao comprimento de arco,
` : R([a, b]; Rn)→ R
e semicontınua inferiormente, como se sabe da Analise.
Proposicao 1. Sejam g, h : M → R, respectivamente, funcoes
semicontınuas inferior e superiormente numa variedade M ∈ Ck,
tais que h(p) < g(p) para cada p ∈ M . Entao existe uma funcao
f : M → R, de classe Ck, tal que h(p) < f(p) < g(p) para todo
p ∈M .
Demonstracao: Para cada p ∈ M escrevamos ap = 12 [g(p) +
h(p)]. Entao h(p) < ap < g(p), logo existe uma vizinhanca Vpde p em M tal que h(q) < ap < g(q) para todo q ∈ Vp . Em
outras palavras, existe uma cobertura aberta V = (Vp)p∈M de M
e uma famılia de numeros reais (ap)p∈M tais que q ∈ Vp ⇒ h(p) <
ap < g(q). Consideremos uma particao da unidade∑p∈M
ϕp =
1 estritamente subordinada a cobertura V. A funcao f : M →R, de classe Ck, que estamos procurando, e obtida pela “media
ponderada” f =∑p∈M
apϕp . Com efeito, dado q ∈ M , temos
h(q) < ap < g(q) se q ∈ Vp e ϕp(q) = 0 se q /∈ Vp . Logo h(q) =∑pϕp(q) · h(q) <
∑papϕp(q) = f(q) <
∑pϕp(q)g(q) = g(q).
Corolario 1. Seja C = (Cα)α∈A uma cobertura localmente finita
de uma variedade M ∈ Ck. Seja (aα)α∈A uma famılia de numeros
reais positivos, com ındices no mesmo conjunto A. Entao existe
uma funcao f : M → R, de classe Ck, tal que p ∈ Cα ⇒ 0 <
f(p) < aα .
Demonstracao: Podemos supor que os conjuntos Cα sao fecha-
dos, pois a famılia (Cα)α∈A tambem e localmente finita. Defina-
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232 [CAP. X: ESPACOS DE FUNCOES
mos g : M → R pondo g(p) = infaα; p ∈ Cα. Se provarmos que
g e semicontınua inferiormente entao existira, pela Proposicao 1,
uma funcao f : M → R tal que 0 < f(p) < g(p) ≤ aα para todo
p ∈ M . Em verdade, a funcao g e semicontınua inferiormente de
um modo bastante curioso: cada ponto p ∈ M possui uma vizin-
hanca Vp tal que q ∈ Vp ⇒ g(q) ≥ g(p) (todo ponto e mınimo
local). Com efeito, cada ponto p ∈ M possui uma vizinhanca Vpque intersecta apenas um numero finito de conjuntos Cα1 , . . . , Cαs .
Como estes conjuntos sao fechados, restringindo as vizinhancas Vp ,
se necessario, podemos supor que cada Vp so intersecta os Cαique
contem p.
Cα′
Vp
V ′p
p
Cα
Figura 10.1.
Em outras palavras, dado q ∈ Vp , se q ∈ Cα entao p ∈ Cα . Logo
g(q) = infaα; q ∈ Cα ≥ infaα; p ∈ Cα = g(p).
Corolario 2. Seja g : M → Rn uma aplicacao contınua numa
variedade M de classe Ck. Dada uma funcao contınua ε : M → R
com ε(p) > 0 para todo p ∈M , existe uma aplicacao f : M → Rn,
de classe Ck, tal que |g(p)− f(p)| < ε(p) para todo p ∈M .
Demonstracao: Consideremos primeiro o caso n = 1. Como
ε(p) > 0 tem-se, para todo p ∈M , g(p)− ε(p) < g(p) + ε(p). Pela
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[SEC. 2: ESPACOS DE FUNCOES 233
Proposicao 1, existe uma aplicacao f : M → R, de classe Ck, tal
que g(p)−ε(p) < f(p) < g(p)+ε(p) para todo p ∈M . O caso geral
resulta daı, considerando cada coordenada de g separadamente.
2 Espacos de funcoes
Sejam X um espaco topologico e Y um espaco metrico.
Denotemos por W 0(X;Y ) o conjunto das aplicacoes contınuas
f : X → Y , dotado da topologia na qual as vizinhancas basicas
de uma aplicacao f ∈ W 0(X;Y ) sao os conjuntos W 0(f ; ε), onde
ε : X → R+ e uma funcao contınua e W 0(f ; ε) = g ∈ W 0(X;Y );
d(f(x), g(x)) < ε(x) ∀x ∈ X.Quando ε descreve as funcoes contınuas > 0 em X, W 0(f ; ε)
descreve um sistema fundamental de vizinhancas de f .
Esta topologia e denominada a topologia de Whitney de
classe C0.
Se X nao for compacto, W 0(X;Y ) nao sera metrizavel, pois
nenhum dos seus pontos tera sistema fundamental enumeravel de
vizinhancas; no entanto, usaremos a notacao d(f, g) < ε signifi-
cando que d(f(x), g(x)) < ε(x) para todo x ∈ X.
Um outro modo de obter um sistema fundamental de vizi-
nhancas de f ∈W 0(X;Y ) e considerar os conjuntosW (f ;U), onde
U e um aberto contendo o grafico G(f) em X × Y e W (f ;U) =
g ∈W 0(X;Y );G(g) ⊂ U.Para verificar a equivalencia entre as duas definicoes, basta no-
tar que, dada ε : X → R contınua e positiva, entao o conjunto U =
(x, y) ∈ X×Y ; d(y, f(x)) < ε(x) e um aberto que contem G(f) e
W (f ;U) ⊂W 0(f ; ε). Reciprocamente, dado o aberto U ⊂ X × Ycontendo G(f), definimos a funcao contınua positiva ε : X → R
pondo, para cada x ∈ X, ε(x) = dist[(x, f(x)), X×Y −U ]. Entao
W 0(f ; ε) ⊂W (f ;Y ).
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234 [CAP. X: ESPACOS DE FUNCOES
X
Y
U
G(g)
G(f)
Figura 10.2.
Pelo Corolario 2, quando M e uma variedade de classe Ck,
as aplicacoes f : M → Rn de classe Ck formam um subconjunto
denso de W 0(M ; Rn). Mais adiante mostraremos que este fato e
verdadeiro se Y = N e qualquer variedade diferenciavel. (Vide
Corolario da Proposicao 9.)
Outra topologia que as vezes se considera no conjunto das
aplicacoes contınuas f : X → Y , de um espaco topologico X num
espaco metrico Y , e a topologia da convergencia uniforme nos
compactos. O espaco topologico correspondente sera denotado
por C0(X;Y ). As vizinhancas basicas de uma aplicacao contınua
f : X → Y sao descritas nesta topologia por dois “parametros”:
uma parte compacta K ⊂ X e um numero real δ > 0. Estas
vizinhancas sao os conjuntos
V (f ;K, δ) = g ∈ C0(X;Y ); d(f(x), g(x)) < δ, ∀x ∈ K.
E claro que a aplicacao identidade
i : W 0(X;Y ) → C0(X;Y )
e contınua, isto e, a topologia de Whitney e mais fina que a da
convergencia uniforme nas partes compactas.
Se M e uma variedade diferenciavel, o espaco C0(M ;Y ) e me-
trizavel. Se, alem disso, o espaco metrico Y tiver base enumeravel,
o mesmo ocorrera com C0(M ;Y ). (Vide ETG, pags. 362, 363.)
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[SEC. 2: ESPACOS DE FUNCOES 235
Quando X e compacto, toda funcao contınua ε : X → R atinge
o seu mınimo, e portanto a outra aplicacao identidade
j : C0(X;Y ) → W 0(X;Y )
tambem e contınua. Neste caso W 0(X;Y ) = C0(X;Y ) e me-
trizavel por d(f, g) = supd(f(x), g(x)).x ∈ X.E evidente que quando M e uma variedade de classe Ck, as
aplicacoes f : M → Rn de classe Ck tambem formam um subcon-
junto denso de C0(M ; Rn), pois a topologia de Whitney e mais
fina.
Para o estudo das variedades diferenciaveis e mais interessante
considerar a topologia de Whitney de classe Ck, que definiremos
agora.
Sejam M e N variedades diferenciaveis de classe Ck (k ≥ 1).
Admitamos que exista um mergulho ϕ : N → Rn de classe Ck.
(Para simplificar a notacao vamos supor que N ⊂ Rn e uma su-
perfıcie de classe Ck.) Mostraremos no proximo capıtulo que esta
hipotese adicional nao e uma restricao; isto e, toda variedade pode
ser mergulhada em algum espaco euclidiano.
Escolhamos uma metrica riemaniana em M , de classe Ck−1
(isto e, pelo menos de classe C0).
Indiquemos com W 1(M ;N) o conjunto das aplicacoes f: M→N de classe C1, dotado da topologia na qual as vizinhancas basicas
de uma aplicacao f ∈W 1(M ;N) sao os conjuntos
W 1(f ; ε) = g ∈W 1(M,N); |f(p)− g(p)| < ε(p) e
|f ′(p)− g′(p)| < ε(p).
Na expressao acima, ε : M → R e uma funcao contınua e
positiva e |f ′(p) − g′(p)| e a norma da aplicacao linear f ′(p) −g′(p) : TMp → R
n (tomada em qualquer dos sentidos da Secao 3,
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236 [CAP. X: ESPACOS DE FUNCOES
Cap. IX). Observemos que TNf(p) e TNg(p) sao subespacos do
Rn, logo podemos considerar f ′(p) e g′(p) como transformacoes
lineares de TMp em Rn.
O leitor verificara que W 1(M ;N) e um espaco de Hausdorff.
Doravante, sempre que empregamos a notacao W 1(M ;N), es-
taremos admitindo tacitamente que M e uma variedade de classe
Ck, munida de uma metrica riemaniana de classe Ck−1, (k ≥ 1) e
que N e uma superfıcie de classe Ck em algum espaco euclidiano.
Mostraremos na Secao 3 que a topologia de W 1(M ;N) inde-
pende da metrica riemaniana escolhida em M e do mergulho de
N em algum espaco euclidiano.
Em geral, W 1(M ;N) nao e metrizavel. No entanto, escrevere-
mos frequentemente |f − g|1 < ε significando que |f(p) − g(p)| <ε(p) e |f ′(p)− g′(p)| < ε(p) para todo p ∈M .
Uma outra topologia no conjunto de todas as aplicacoes
f : M → N de classe C1 e a topologia da convergencia uniforme
de classe C1 nos subconjuntos compactos de M . Este espaco to-
pologico sera denotado por C1(M ;N). As vizinhancas basicas de
uma aplicacao f ∈ C1(M ;N) sao os conjuntos V 1(f ;K, δ), onde
K ⊂M e um subconjunto compacto, δ um numero real positivo e
V 1(f ;K, δ) = g ∈ C1(M ;N); |f(p)−g(p)| < δ e |f ′(p)−g′(p| < δ
para todo p ∈ K.A aplicacao identidade
i : W 1(M ;N) → C1(M ;N)
e contınua, isto e, a topologia de Whitney de classe C1 e mais fina
que a topologia C1 da convergencia compacta.
Obviamente, quando M e compacto, tem-se W 1(M ;N) =
C1(M ;N).
O espaco C1(M ;N) e metrizavel, com base enumeravel.
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[SEC. 3: INVARIANCIA DA TOPOLOGIA DE W 1(M ;N) 237
3 Invariancia da topologia de W 1(M ; N)
Mostraremos nesta secao que a topologia de W 1(M ;N) nao
depende da metrica riemaniana escolhida em M nem da maneira
como N esta mergulhada no espaco euclidiano. Para isto, exami-
naremos o comportamento de W 1(M ;N) como functor das “varia-
veis” M e N .
Sejam M , M1 , M2 variedades riemanianas e N , N1 , N2 su-
perfıcies no espaco euclidiano. Uma aplicacao ϕ : M1 → M2 , de
classe C1, induz uma aplicacao
ϕ∗ : W 1(M2;N)→W 1(M1;N),
definida por ϕ∗(f) = f ϕ.
Por outro lado, uma aplicacao de classe C1, ϕ : N1 → N2 ,
induz
ϕ∗ : W 1(M ;N1)→W 1(M ;N2),
definida por ϕ∗(f) = ϕ f .
Tem-se (ϕ ψ)∗ = ψ∗ ϕ∗ e (ϕ ψ)∗ = ϕ∗ ψ∗ . Alem disso,
(id)∗ = id e (id)∗ = id, de modo que se ϕ e um difeomorfismo
entao ϕ∗ e uma bijecao, com (ϕ∗)−1 = (ϕ−1)∗. Analogamente,
(ϕ∗)−1 = (ϕ−1)∗ .
Ocorre o seguinte: quando ϕ : N1 → N2 e de classe C1, a
aplicacao induzida ϕ∗ : W 1(M.N1) → W 1(M ;N2) e contınua e
portanto, quando ϕ e um difeomorfismo, ϕ∗ e um homeomorfismo.
Isto sera demonstrado logo mais.
Infelizmente, porem, nem todas as aplicacoes ϕ : M1 →M2 de
classe C1 induzem aplicacoes ϕ∗ : W 1(M2;N) → W 1(M1;N) que
sao contınuas. Mesmo assim, quando ϕ e um difeomorfismo, ϕ∗ e
um homeomorfismo.
Examinemos primeiro ϕ∗.
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238 [CAP. X: ESPACOS DE FUNCOES
Se a variedade M nao e compacta, existe uma funcao contınua
positiva ε : M → R tal que infε(p); p ∈ M = 0. Entao, para
qualquer f ∈W 1(M ;N), a vizinhanca basicaW 1(f ; ε) nao contem
aplicacoes constantes (exceto, possivelmente, f). Em outras pala-
vras, quando M nao e compacta, as alicacoes constantes formam
um subconjunto discreto do espaco W 1(M ;N).
Segue-se daı que a inclusao natural c : N →W 1(M ;N), a qual
associa a cada ponto q ∈ N a aplicacao constante cq : M → N
(com cq(p) = q para todo p ∈ M), e descontınua se M nao for
compacta e se dimN > 0.
Por outro lado, se tomarmos uma variedade reduzida
a um ponto a, entao W 1(a;N) e homeomorfa a N pela aplicacao
W 1(a;N) → N que leva cada f ∈ W 1(a;N) em sua imagem
f(a) ∈ N . Assim, se M e uma variedade nao-compacta e se
dimN > 0, entao a aplicacao ϕ : M → a, de classe C1, induz
uma aplicacao ϕ∗ : W 1(a;N) → W 1(M ;N), a qual e descontınua
pois equivale a c : N → W 1(M ;N) atraves do homeomorfismo
natural W 1(a;N) ≈ N .
A proposicao abaixo sera util mais adiante.
Proposicao 2. Seja ϕ : M1 → M2 uma aplicacao de classe C1.
Dados um compacto K ⊂ M1 e um numero η > 0, existe um
numero δ > 0 tal que f, g ∈ W 1(M2;N), |f − g|1 < δ em ϕ(K)
implicam |fϕ− gϕ|1 < η em ϕ(K).
Demonstracao: Tomemos um numero real A ≥ sup|ϕ′(p)|;p ∈ K e ainda com A ≥ 1. Ponhamos δ = η/A. Entao,
se f, g ∈ W 1(M2;N) sao tais que |f(q) − g(q)| < δ para todo
q ∈ ϕ(K), segue-se que |f(ϕ(p))− g(ϕ(p))| < δ ≤ η e
|(fϕ)′(p)− (gϕ)′(p)| = |f ′(ϕ(p)) · ϕ′(p)− g′(ϕ(p)) · ϕ′(p)|≤ |f ′(ϕ(p))− g′(ϕ(p))| · |ϕ′(p)| < δ ·A ≤ η
para todo p ∈ K, como querıamos demonstrar.
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[SEC. 3: INVARIANCIA DA TOPOLOGIA DE W 1(M ;N) 239
Corolario. Se M1 for compacta, entao toda ϕ : M1 → M2 de
classe C1 induz ϕ∗ : W 1(M2;N)→W 1(M1;N) contınua.
Com efeito, dada uma funcao contınua positiva ε : M1 → R,
temos η = infε(p); p ∈ M1 > 0. Pela proposicao, existe uma
funcao contınua positiva (constante) δ : M2 → R tal que g ∈W 1(f ; δ)⇒ gϕ ∈W 1(fϕ; η) ⊂W 1(fϕ; ε), o que prova a continui-
dade de ϕ∗.
Refinaremos agora o argumento acima e concluiremos que ϕ∗
e contınua quando ϕ e propria.
Proposicao 3. Seja ϕ : M1 → M2 uma aplicacao propria de
classe C1. Entao ϕ∗ : W 1(M2;N)→W 1(M1;N) e contınua.
Demonstracao: Dada ε : M1 → R contınua e positiva, defini-
remos η : M1 → R pondo η(p) = ε(p)/(1 + |ϕ′(p)|), para todo
p ∈M1 . Obteremos em seguida uma funcao contınua δ : M2 → R
tal que 0 < δ(ϕ(p)) < η(p) para todo p ∈M1 . Para isso, considere-
mos uma cobertura localmente finita M2 =⋃a∈A
Kα por conjuntos
compactos Kα . Como ϕ e propria, para cada α ∈ A a imagem
inversa ϕ−1(Kα) e compacta, logo aα = infη(p); p ∈ ϕ−1(Kα) e
> 0, salvo se ϕ−1(Kα) = ∅, em cujo caso poremos aα = 1. Pelo
Corolario 1 da Proposicao 1, existe δ : M2 → R contınua tal que
0 < δ(q) < aα para todo q ∈ Kα . Dado qualquer p ∈ M1 , tem-se
ϕ(p) ∈ Kα para algum α. Segue-se que δ(ϕ(p)) < aα ≤ η(p), como
querıamos.
Afirmamos que, dadas g, f ∈ W 1(M2;N), se g ∈ W 1(f ; δ)
entao gϕ ∈ W 1(fϕ; ε). Com efeito, de |g − f | < δ em M2 , segue-
se trivialmente que |gϕ − fϕ| < δϕ < ε em M1 . Alem disso, de
|g′ − f ′| < δ em M2 concluimos que, em M1 vale:
|(gϕ)′ − (fϕ)′| = |g′ϕ · ϕ′ − f ′ϕ · ϕ′| ≤ |g′ϕ− f ′ϕ| · |ϕ′| << |g′ϕ− f ′ϕ| · (1 + |ϕ′|) < δ · (1 + |ϕ′|) < ε.
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240 [CAP. X: ESPACOS DE FUNCOES
A Proposicao 3 esta demonstrada.
Corolario 1. Se a aplicacao ϕ : M1 → M2 , de classe C1, for
um homeomorfismo sobre um subconjunto fechado de M2 , entao
ϕ∗ : (M2;N)→W 1(M1;N) sera contınua.
Com efeito, neste caso ϕ e propria.
Corolario 2. A topologia de W 1(M ;N) nao depende da metrica
riemaniana tomada em M .
Com efeito, se g, h sao metricas riemanianas de classe C0
em M , ponhamos M1 = (M, g) e M2 = (M,h). A aplicacao
identidade i : M1 → M2 e um difeomorfismo, o qual induz, pela
Proposicao 1, um homeomorfismo i∗ : W 1(M2;N)→W 1(M1;N).
Como i∗ = identidade, vemos que as topologias de W 1(M1;M) e
W 1(M2;M) sao a mesma.
Observacoes:
1) Segue-se da Proposicao 2 que ϕ∗ : C1(M2;N) → C1(M1;N) e
contınua, seja qual for ϕ : M1 →M2 de classe C1.
2) O leitor atento observara que W 1(M ;N) possui uma estru-
tura uniforme natural, definida pelos conjuntos W 1(ε) = (f, g) ∈W 1(M ;N)×W 1(M ;N); |f−g|1 < ε. (Vide ETG, pag. 145.) Em
relacao a esta estrutura uniforme, a aplicacao ϕ∗ da Proposicao 3
e uniformemente contınua.
Proposicao 4. Uma aplicacao ϕ : N1 → N2 , de classe C1, in-
duz, atraves da regra ϕ∗(f) = ϕ f , uma aplicacao contınua
ϕ∗ : W 1(M ;N1)→W 1(M ;N2).
Antes, um resultado auxiliar:
Lema 1. Fixemos uma cobertrua localmente finita C=(Kα)α∈Ada variedade M , por meio de conjuntos compactos Kα . Uma base
de vizinhancas para f ∈W 1(M ;N) pode ser obtida considerando-
se todas as famılias a = (aα)α∈A de numero reais aα > 0, com
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[SEC. 3: INVARIANCIA DA TOPOLOGIA DE W 1(M ;N) 241
ındices em A, e pondo, para cada famılia a,
W 1(f ; a)=g∈W 1(M ;N);|g − f |1<aα em Kα , para todo α∈A.
Demonstracao: Seja W 1(f ; ε) uma vizinhanca basica de f . De-
finamos a = (aα)α∈A pondo aα = infε(p); p ∈ Kα. Como ε
e contınua e Kα e compacto, temos aα > 0 para todo α ∈ A.
Alem disso, W 1(f ; a) ⊂W 1(f ; ε). Reciprocamente, dada a famılia
a, pelo Corolario 1 da Proposicao 1, existe uma funcao contınua
ε : M → R tal que p ∈ Kα = 0 < ε(p) < aα . Logo W 1(f ; ε) ⊂W 1(f ; a).
Demonstracao da Proposicao 4: Seja f ∈ W 1(M ;N1). Fixe-
mos uma cobertura localmente finita M =∞⋃i=1
Ki por compactos.
Para provar a continuidade de ϕ∗ no ponto f , dada uma sequencia
b = (bi) de numeros reais positivos, devemos achar uma sequencia
a = (ai), ai > 0, tal que |g−f |1 < ai em Ki ⇒ |ϕg−ϕf |1 < bi ,
i = 1, 2, 3, . . . .
Isto sera feito em duas etapas.
1a¯ etapa - Para cada i = 1, 2, 3, . . . seja Li uma vizinhanca com-
pacta de f(Ki). Entao ai = dist[f(Ki), N1 − Li] e um numero
positivo tal que |f − g| < ai em Ki ⇒ g(Ki) ⊂ Li .Como ϕ e uniformemente contınua em Li , podemos diminuir,
se necessario, os numeros positivos ai , de modo que x, y ∈ Li ,
|x− y| < ai ⇒ |ϕ(x)− ϕ(y)| < bi .
Resulta daı que |g − f | < ai em Ki implica |ϕg − ϕf | < bi em
Ki .
2a¯ etapa - Analisemos agora a expressao |(ϕg)′ − (ϕf)′|. Sejam
N1 ⊂ Rr e N2 ⊂ R
s. Usando a Aplicacao 3, Capıtulo VIII, pode-
mos supor que ϕ e a restricao de uma aplicacao Φ: V → Rs,
de classe C1 onde V e uma vizinhanca aberta de N1 em Rr.
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242 [CAP. X: ESPACOS DE FUNCOES
[A razao para introduzirmos Φ e que, para p, q ∈ N1 , p 6= q,
Φ′(p) − Φ′(q) : Rr → R
s faz sentido, enquanto que ϕ′(p) − ϕ′(q)nada significa.]
Se g ∈W 1(M ;N1) temos
|(ϕf)′ − (ϕg)′| = |(Φf)′ − (Φg)′| = |Φ′f · f ′ − Φ′g · g′|= |Φ′f · f ′ − Φ′g · f ′ + Φ′g · f ′ − Φ′g · g′|≤ |Φ′f − Φ′g| · |f ′|+ |Φ′g| · |f ′ − g′|.
Vamos impor, agora, as restricoes finais aos ai .
Como Φ′ : Li → L(Rr,Rs) e uniformemente contınua, podemos
supor que x, y ∈ Li , |x− y| < ai ⇒ |Φ′(x)−Φ′(y)| · | supKi
|f ′| < bi2·
Podemos supor tambem que ai · supLi
|Φ′| < bi2·
Entao, se g ∈W 1(M ;N1) e tal que |g−f |i < ai em Ki , tem-se
|(Φg)′ − (Φf)′| ≤ |Φ′g| · |g′ − f ′|+ |Φ′g − Φ′f | · |f ′|
<bi2
+bi2
= bi .
Corolario. A topologia de W 1(M ;N) nao depende da maneira
como N se acha mergulhada no espaco euclidiano.
Sejam ϕ1 : N → Rr e ϕ2 : N → R
s dois mergulhos de classe
C1 de N em espacos euclidianos. Ponhamos N1 = ϕ1(N), N2 =
ϕ2(N). A aplicacao ϕ = ϕ2 ϕ−11 : N1 → N2 e um difeomorfismo
de classe C1, logo ϕ∗ : W 1(M ;N1)→W 1(M ;N2) e contınua e, na
realidade, e um homeomorfismo pois (ϕ∗)−1 = (ϕ−1)∗.
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[SEC. 4: ESTABILIDADE DE CERTAS APLICACOES DIFERENCIAVEIS 243
4 Estabilidade de certas aplicacoes
diferenciaveis
A topologia de Whitney de classe C1 e suficientemente fina
para permitir a estabilidade de certas propriedades geometrico-
diferenciais e suficentemente grossa para admitir que aplicacoes
com propriedades desejaveis formem um conjunto denso. Por
exemplo, mostraremos adiante que se uma aplicacao de classe C1 e
uma imersao, uma submersao, um mergulho, um difeomorfismo ou
transversal a uma subvariedade fechada, ela mantera a mesma pro-
priedade apos sofrer uma pequena perturbacao no sentido desta to-
pologia. Na secao seguinte, mostraremos que se M,N ∈ Ck entao
as aplicacoes Ck formam um subconjunto denso em W 1(M ;N).
Proposicao 5. As imersoes de classe C1 formam um subconjunto
aberto Im1(M ;N) ⊂W 1(M ;N). Tambem as submersoes formam
um aberto Sub1(M ;N) ⊂W 1(M ;N).
Demonstracao: Mostremos primeiro um resultado preliminar:
sejam U ⊂ Rm aberto e K ⊂ U compacto. Seja f : U → R
n
uma aplicacao de classe C1 tal que f |K e uma imersao (isto e,
f ′(x) : Rm → R
n e injetora para todo x ∈ K). Entao existe
η > 0 tal que g ∈ C1(U,Rn), |g − f |1 < η em K ⇒ g|K e uma
imersao. Com efeito, indiquemos com O ⊂ L(Rm; Rn) o subcon-
junto aberto formado por todas as transformacoes lineares injeti-
vas de Rm em R
n. Sabemos que f ′ : U → L(Rm; Rn) e contınua
e f ′(K) ⊂ O. Como f ′(K) e compacto e O e aberto, tem-se
η = dist[f ′(K),L(Rm; Rn) − O] > 0. Assim, se g ∈ C1(U,Rn)
e |g − f |1 < η em K entao g′(K) ⊂ O, o que prova o resultado
preliminar. Daı, e da Proposicao 2, segue-se que se x : U → Rm
e um sistema de coordenadas em M , se K ⊂ U e compacto e
se f : M → N ⊂ Rn, de classe C1, e uma imersao em K, entao
existe δ > 0 tal que toda aplicacao g : M → N , de classe C1, com
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|g − f |1 < δ em K, e uma imersao em K. (Basta tomar ϕ = x−1
na Proposicao 2.)
Completemos agora a demonstracao. Seja M =⋃Ui uma co-
bertura localmente finita de M como na Proposicao 1 do Capıtulo
VIII. Fixemos a cobertura localmente finitaM =⋃V i para definir
a topologia deW 1(M ;N) (ver Lema 1). Pelo que vimos, para cada
ındice i existe um ai > 0 tal que g ∈W 1(M ;N) com |g− f |1 < aiem V i implica ser g|V i uma imersao. Ponhamos a = (ai). Entao
a vizinhanca W 1(f, a) de f em W 1(M ;N) consiste apenas em
imersoes. A afirmacao relativa a submersoes se demonstra exata-
mente da mesma maneira.
Observacoes:
1) A menos que M seja compacta, as imersoes f : M → N nao
formam um subconjunto aberto de C1(M ;N). (A topologia da
convergencia compacta C1 nao e suficientemente fina para detec-
tar a estabilidade das imersoes.) Por exemplo, sejam f = id ∈C1(R; R), K um subconjunto compacto de R e ε > 0. Existe
sempre uma aplicacao g ∈ V 1(f ;K, ε) que nao e uma imersao.
a[ ]
b
K ⊂ [a, b]x ∈ [a, b]⇒ g(x) = x
g ∈ C1
Figura 10.3.
2) O conjunto das imersoes f : M → N pode muito bem ser vazio.
Este e o caso quando dimM > dimN , por exemplo.
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Proposicao 6. Os mergulhos de classe C1, f : M → N , formam
um aberto Merg1(M ;N) ⊂W 1(M ;N).
Demonstracao: Inicialmente, um resultado preliminar: sejam
U ⊂ Rm aberto, K ⊂ U compacto e convexo, e f : U → R
n uma
aplicacao de classe C1 tal que f |K e um mergulho. Entao existe
η > 0 tal que toda g : U → Rn de classe C1 com |g − f |1 < η em
K e um mergulho de K.
Com efeito, pelo resultado preliminar da Proposicao 5, existe
η′ > 0 tal que |g − f |1 < η′ em K ⇒ g|K uma imersao. Mostra-
remos agora que, diminuindo η′ se necessario, g|K sera injetiva.
Pela Proposicao da Secao 5, Capıtulo I, existem numeros c > 0
e δ > 0 tais que |f(x) − f(y)| ≥ c|x − y| para quaisquer x ∈ K,
y ∈ U , com |x − y| < δ. No conjunto compacto A = (x, y) ∈K ×K; |x − y| ≥ δ, a funcao contınua (x, y) 7→ |f(x) − f(y)| soassume valores positivos. Logo existe um numero d > 0 tal que
|f(x) − f(y)| ≥ d para todo (x, y) ∈ A. Seja η = minη′,
c
2,d
3
.
Afirmamos que se g : U → Rn e de classe C1 e |g − f |1 < η em
K, entao g|K e injetiva. Com efeito, sejam x, y ∈ K, x 6= y. Es-
crevamos h = g − f . Temos |h(z)| < η e |h′(z)| < η para todo
z ∈ K. Como K e convexo, podemos aplicar a desigualdade do
valor medio e obter |h(x) − h(y)| ≤ η · |x − y|, para quaisquer
x, y ∈ K. Para mostrar que g(x) 6= g(y), notemos que
|f(x)− f(y)| ≤ |g(x)− g(y)|+ |g(y)− f(y)− (g(x)− f(x))|.
Daı se seguem:
(1) |g(x)− g(y)| ≥ |f(x)− f(y)| − |h(x)− h(y)|;(2) |g(x)− g(y)| ≥ |f(x)− f(y)| − |h(x)| − |h(y)|.
Consideraremos dois casos
Primeiro: 0 < |x− y| < δ. Entao, usando (1), obtemos
|g(x)− g(y)| ≥ c|x− y| − c
2|x− y| = c
2|x− y| > 0.
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Segundo: |x− y| ≥ δ. Entao (x, y) ∈ A. Usando (2), obtemos
|g(x)− g(y)| ≥ d− d
3− d
3=d
3> 0.
Em qualquer hipotese, temos g(x) 6= g(y).
Completemos agora a demonstracao. Seja f : M → N ⊂ Rn
um mergulho. Tomamos M =⋃Ui , uma cobertura localmente
finita de M , como na Proposicao 1 do Capıtulo VIII, e fixamos
a cobertura localmente finita M =⋃V i para definir a topologia
de W 1(M ;N). (Vide Lema 1.) Do que acabamos de provar e
da Proposicao 2, resulta que, para cada i, existe ai > 0 tal que
g ∈ W 1(M ;N), |g − f |1 < ai em V i = g|V i e um mergulho.
Como f e um homeomorfismo de M sobre f(M), temos di =
dist(f(W i), f(M − Vi)) > 0
f
M
Wi ViUi
f(Wi)
f(M − Vi)
Figura 10.4.
Escolhamos os ai’s de tal modo que ai < di/3 e limi→∞
ai = 0.
Afirmamos que W 1(f ; a) ⊂ Merg1(M ;N). E claro que W 1(f ; a) ⊂Im1(M ;N). Mostremos ainda que se g ∈W 1(f ; a) entao g e inje-
tiva. Sejam p, q ∈ M com p 6= q. Ora, p ∈ Wi para algum i. Se
q ∈ Vi , entao g(p) 6= g(q). Se q ∈M −Vi entao |f(p)− f(q)| ≥ di .
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[SEC. 4: ESTABILIDADE DE CERTAS APLICACOES DIFERENCIAVEIS 247
Logo
|g(p)− g(q)| ≥ |f(p)− f(q)| − |f(p)− g(p)| − |f(q)− g(q)|≥ di − di/3− di/3 > 0.
Resta mostrar que toda aplicacao g ∈ W 1(f ; a) e um homeo-
morfismo de M sobre g(M). Em outras palavras, se (pn) e uma
sequencia em M com g(pn)→ g(p), p ∈M entao necessariamente
pn → p.
1a¯ hipotese - Existe um conjunto compacto K ⊂ M contendo
todos os pontos pn . Neste caso, a afirmacao e imediata, pois uma
aplicacao contınua e injetiva de um compacto e um homeomor-
fismo sobre sua imagem.
2a¯ hipotese - Nao existe um conjunto compacto K ⊂M contendo
todos os pontos pn . Neste caso podemos encontrar uma sub-
sequencia p′n tal que para cada compacto K ⊂ M existe apenas
um numero finito de valores de n com p′n ∈ K. Ponhamos i(n) =
infi; p′n ∈ V i. Segue-se que limn→∞
i(n) = ∞, logo limn→∞
ai(n) = 0.
Como |f−g| < ai em V i , tem-se limn→∞
|f(p′n)−g(p′n)| = 0, portanto
limn→∞
f(p′n) = g(p). Seja i tal que p ∈ Wi . Entao, para todo n su-
ficientemente grande, p′n ∈ M − Vi portanto |f(p) − f(p′n)| ≥ di .
Segue-se que
di ≤ limn→∞
|f(p)− f(p′n)| = |f(p)− g(p)|.
Isto e uma contradicao, pois |f − g| < di/3 em V i . A conclusao e
que a 2a¯ hipotese nao pode ocorrer e a demonstracao esta termi-
nada.
Escolio da Proposicao 6 - Seja K ⊂ M compacto. Se f ∈W 1(M ;N) e tal que f |K e um mergulho, entao existe um numero
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real δ > 0 tal que g ∈W 1(M ;N), |g − f |1 < δ em K = g|K e um
mergulho.
Demonstracao: Tomemos uma cobertura finita K ⊂ W1 ∪ · · · ∪Wr , onde Wi ⊂ Vi ⊂ Ui , como na demonstracao da Proposicao 6.
Em cada Ui , f e um mergulho e existe ai > 0 tal que |g−f |1 < aiem V i = g|V i e um mergulho. Para cada i = 1, . . . , r, bi =
dist[f(W i ∩K),K − Vi] > 0 pois f |K e um homeomorfismo. Seja
δ > 0 um numero menor do que todos os ai e os bi/3. Se |g−f |1 < δ
em K entao g|K e um mergulho. (Isto se mostra exatamente como
na demonstracao da Proposicao 6.)
Proposicao 7. O conjunto de todos os difeomorfismos f:Mm→Nn (sobre N !) e um aberto Dif1(M ;N) ⊂W 1(M ;N).
Demonstracao: Suponhamos inicialmente que M e N sao co-
nexas. Seja M =⋃Ui cobertura localmente finita de M como
na Proposicao 1, Capıtulo VIII. Dado um difeomorfismo f ∈Dif1(M ;N), este possui uma vizinhanca W 1(f ; a) que consiste
apenas em mergulhos de M em N . Afirmacao: se tomamos os
ai de modo que limi→∞
ai = 0 entao toda aplicacao g ∈ W 1(f ; a) e
sobre N . Como N e conexa e g e uma aplicacao aberta, e sufi-
ciente mostrar que g(M) e fechado em N . Consideremos pois uma
sequencia g(pn) → q ∈ N . Queremos mostrar que existe p ∈ Mtal que g(p) = q. Em princıpio, ha duas possibilidades.
Primeira: A sequencia (pn) tem uma subsequencia convergente
p′n → p ∈M . Neste caso, limn→∞
g(p′n) = g(p) logo q = g(p) ∈ g(M).
Segunda: A sequencia (pn) nao tem nenhuma subsequencia con-
vergente. Vamos provar que esta hipotese nao pode ocorrer.
Nenhum subconjunto compacto de M pode conter uma infi-
nidade de termos pn . Assim se i(n) = infi; pn ∈ V i, tem-
se limni(n) = ∞, logo lim
n→∞ai(n) = 0. Isto implica que 0 ≤
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limn→∞
|f(pn) − g(pn)| ≤ limn→∞
ai(n) = 0. Portanto limn→∞
f(pn) = q.
Como f e sobre N , q = f(p) para algum p ∈ M . Ora, f e um
homeomorfismo, logo f(pn)→ f(p) acarreta pn → p, contradicao.
Passemos agora ao caso geral. Dado um difeomorfismo f : M →N , seja M =
⋃Ms a decomposicao de M em componentes co-
nexas. A decomposicao de N pode ser escrita como N =⋃Ns ,
onde f(Ms) = Ns′ . Para cada s, escolhamos um ponto ps ∈ Ns ;
seja qs = f(ps) ∈ Ns′ . Como cada Ns′ e aberto em N , tem-se
dist[qs;N − Ns′ ] = cs > 0. Portanto, dado g ∈ W 1(M ;N), se
|g − f | < cs em Ms , devemos ter g(Ms) ⊂ Ns′ . Usando uma
cobertura M =⋃Ki por conjuntos compactos e conexos para de-
finir a topologia de W 1(M ;N), cada Ki estara contido em alguma
componente Ms . Assim, se exigimos que a sequencia a = (ai) seja
tal que ai < cs sempre que Ki ⊂ Ms , as aplicacoes g ∈ W 1(f ; a)
vao atender a condicao g(Ms) ⊂ Ns′ . A proposicao segue-se por-
tanto do primeiro caso.
Observacao: O analogo da Proposicao 6 nao vale para
C1(M ;N). Por exemplo, a aplicacao id : B2(1) → B2(1) nao e
ponto interior do subconjunto de C1(B(s);B(s)) formado pelos
difeomorfismos. A diferenca e que na topologia de Whitney temos
liberdade de considerar funcoes ε : B(1) → R tais que ε(x) → 0
quando x tende a um ponto do bordo. Assim, uma pequena per-
turbacao (no sentido W 1(M ;N)) de um difeomorfismo de M sobre
N e obrigada a continuar sobre N .
Examinaremos agora a estabilidade das aplicacoes que sao trans-
versais a uma subvariedade fechada. Primeiro provaremos um
lema.
Lema. Seja K um subconjunto compacto da variedade riemaniana
M . Dada uma aplicacao λ : M → Rs, de classe C1, da qual 0 ∈
Rs e um valor regular, existe um numero real δK > 0 tal que se
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250 [CAP. X: ESPACOS DE FUNCOES
µ : M → Rs e de classe C1 com |µ − λ|1 < δK em K, entao 0 e
valor regular de µ|K.
Demonstracao: O conjunto U dos pontos p ∈ M tais que
λ′(p) : TMp → Rs tem posto s e um aberto contendo λ−1(0),
restrito ao qual λ e uma submersao. Logo, podemos obter um
aberto A, contendo K ∩λ−1(0), tal que A e um compacto contido
em U e portanto λ|A e uma submersao. Alem disso, λ(K − A)
e um subconjunto compacto de Rs, que nao contem 0; daı a =
dist[λ(K − a), 0] > 0. Alem disso, existe δ > 0 tal que se µ : M →Rs e de classe C1 com |µ − λ|1 < δ em A, entao µ|A e uma sub-
mersao. (Vide Proposicao 5.) Ou seja, neste caso, todo y ∈ Rs e
valor regular de µ|A. Por outro lado, |µ − λ|1 < a em K implica
O /∈ µ(K − A). Assim, se pusermos δK = minδ, a, veremos que
|µ− λ|1 < δK em K implica que 0 e valor regular de µ|K.
Proposicao 8. Seja S uma subvariedade fechada de N . Entao
o conjunto das aplicacoes f : M → N que sao transversais a S e
aberto em W 1(M ;N).
Demonstracao: Seja Z uma cobertura de S por domınios de
sistemas de coordenadas y : Z → Rn tais que y(Z ∩ S) ⊂ π−1(0),
onde π : Rn → R
s projeta nas ultimas s coordenadas (s = codi-
mensao de S em N). Como S e fechada, podemos recobrir M por
abertos U tais que f(U)∩S = ∅ ou f(U) ⊂ Z para algum Z ∈ Z.
Refinando esta cobertura, podemos admitir que M =⋃Ui e local-
mente finita, com sistemas de coordenadas xi : Ui → Rm, tais que
xi(Ui) = B(3), mantendo-se ainda que xi(Ui) ⊂ N − S, ou entao
xi(Ui) ⊂ Z para algum Z ∈ Z. Usaremos a cobertura M =⋃V i
(Vi = x−1i (B(2))) para definir a topologia de W 1(M ;N). Dado i,
se f(Ui)∩S = ∅, entao escolhemos ai > 0 tal que |f − g|1 < ai em
V i implique g(V i) ∩ S = ∅. Isto e sempre possıvel porque entao
f(V i) sera um compacto, disjunto do fechado S em N . Logo g e
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[SEC. 5: APROXIMACOES EM CLASSE C1 251
(trivialmente) transversal a S em V i . Se, porem, f(Ui) ∩ S 6= ∅,entao f(Ui) ⊂ Z para algum Z ∈ Z. Assim como f e transversal
a S, (vide Lema, Secao 4, Capıtulo VII) considerando o sistema
de coordenadas y : Z → Rn e a projecao π : R
n → Rs, vemos que
0 ∈ Rs e um valor regular da aplicacao λ = πyf : Ui → R
s. Em
virtude do Lema...., existe δi > 0 tal que |π y f −π y g|1 < δiem V i implica que 0 ∈ R
s e um valor regular de π y g. Mas, em
virtude da Proposicao 4, podemos achar ai > 0 tal que |g−f |1 < aiem V i implica |π y f − π y g|1 < δi em V i e portanto que
g e transversal a S em V i . A sequencia a = (ai) define portanto
uma vizinhanca W 1(f ; a) de f constituida apenas por aplicacoes
g : M → N que sao transversais a S.
Observacao: Se S nao for fechada em N , as aplicacoes f : M →N que sao transversais a S podem nao constituir um conjunto
aberto. Por exemplo, sejam M = R, N = R2 e S = (x, x2);x >
0. O leitor pode verificar que, arbitrariamente proximo da aplica-
cao f : R→ R2 dada por f(x) = (x, 0), existem aplicacoes g : R→
R2 que nao sao transversais a S, embora f o seja (trivialmente,
pois f(R) ∩ S = ∅).
5 Aproximacoes em classe C1
O Corolario 2 da Proposicao 1 e um teorema de aproximacao
em classe C0. Dadas uma aplicacao f : M → Rn, de classe C0
numa variedade de classe Ck, e uma funcao contınua positiva
ε : M → R, encontramos uma cobertura aberta localmente finita
M =⋃Vi e, para cada i, um ponto pi ∈ Vi tal que |f(p) −
f(pi)| < ε(p) para todo p ∈ Vi . Logo, a constante f(pi) e uma
ε-aproximacao de f(p) em Vi . Tomando uma particao da uni-
dade∑ϕi = 1, de classe Ck, com supp(ϕi) ⊂ Vi , formamos a
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252 [CAP. X: ESPACOS DE FUNCOES
media ponderada g(p) =∞∑i=1
ϕi(p)f(pi) dos valores f(pi) e isto
nos proporcionou uma aplicacao g : M → Rn, de classe Ck, com
|g(p)− f(p)| < ε(p) para todo p ∈M .
Nesta secao obteremos um teorema de aproximacao em classe
C1 segundo o qual, se M e uma variedade de classe Ck, entao,
dadas uma aplicacao f : M → Rn de classe C1 e uma funcao
contınua positiva ε : M → R, existe uma aplicacao de classe Ck,
g : M → Rn, com |g(p)− f(p)| < ε(p) e |g′(p)− f ′(p)| < ε(p) para
todo p ∈M .
Com este objetivo, vamos introduzir um processo mais refinado
de calcular medias ponderadas, que usa integrais em vez de somas.
Tal processo chama-se regularizacao de uma funcao.
Dados um conjunto K ⊂ Rm e um numero η > 0, indiquemos
com Vη(K) =⋃x∈K
B(x; η) a uniao de todas as bolas abertas com
centro em um ponto de K e raio η.
Se K esta contido em um conjunto aberto U ⊂ Rm, dadas as
aplicacoes de classe Cr f, g : U → Rn e um numero δ > 0, escre-
vemos “|f−g|r < δ em K ” significando que |f (j)(x)−g(j)(x)| < δ
para todo x ∈ K e j = 0, 1, . . . , r. Como sempre, a 0-esima deri-
vada de uma funcao e a propria funcao.
Proposicao 8. Sejam U ⊂ Rm aberto e K ⊂ U compacto. Dados
um numero δ > 0 e uma aplicacao f : U → Rn, de classe Cr, existe
uma aplicacao g : Rm → R
n, de classe C∞, tal que |g − f |r < δ
em K (0 ≤ r <∞).
Demonstracao: Seja η > 0 tal que Vη(K) ⊂ U .
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[SEC. 5: APROXIMACOES EM CLASSE C1 253
U
Vη(K)
K
Figura 10.5.
Pela Aplicacao 4, Capitulo VIII, existe h : Rm → R
n, de classe Cr,
tal que h = f em Vη(K). Se η for tomado suficientemente pequeno
entao, para j = 0, 1, . . . , r,
sup|h(j)(x+ y)− hj(x)|;x ∈ K, |y| ≤ η < δ.
Seja ϕη : Rm → R uma funcao nao-negativa, de classe C∞, tal
que ϕη(y) = 0 quando |y| ≥ η e tal que
∫ϕη = 1. Definamos
g : Rm → R
n pondo
g(x) =
∫ϕη(y)h(x+ y) dy =
∫ϕη(z − x)h(z) dz.
A igualdade destas integrais resulta da mudanca de variaveis obvia
z = x+ y. Pela regra de Leibniz (ver AERn, pag. 66) temos
g(j)(x) =
∫ϕη(y)h
(j)(x+ y) dy, j = 0, 1, . . . , r e
g(j)(x) = (−1)j∫ϕ(j)η (z − x)h(z) dz, para todo j.
Como ϕη ∈ C∞ vemos, pela segunda relacao, que g ∈ C∞.
Alem disso, como
∫ϕη = 1, para cada x ∈ K e para j = 0, 1, . . . , r
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254 [CAP. X: ESPACOS DE FUNCOES
tem-se
|g(j)(x)− f (j)(x)| = |g(j)(x)− h(j)(x)|
=∣∣∫ϕη(y)[h
(j)(x+ y)− h(j)(x)]dy∣∣
≤ sup|y|≤η
|h(j)(x+ y)− h(j)(x)| ·∫ϕη(y) dy < δ.
A demonstracao do nosso “teorema de aproximacao em classe
C1 ” se baseia no seguinte lema, onde B(r) denota a bola aberta
de centro 0 e raio r no Rr.
Lema. Seja f : B(3)→ Rn uma aplicacao de classe C1. Dado um
numero real δ > 0, existe uma aplicacao h : B(3) → Rn de classe
C1, tal que
(1) h = f em B(3)−B(2);
(2) |h− f |1 < δ em B(3);
(3) h ∈ C∞ em B(1).
Alem disso, em parte alguma de B(3) h e menos diferenciavel do
que f .
Demonstracao: Seja ϕ : Rm → R uma funcao auxiliar de classe
C∞, com 0 ≤ ϕ ≤ 1, ϕ(B(1)) = 1 e ϕ[B(3) − B(2)] = 0. Seja
g : Rm → R
n uma aplicacao de classe C∞ tal que
|g − f |1 < δ/2A em B(2), onde A ≥ 1 + |ϕ|1 (isto e,
1 + |ϕ(x)| ≤ A e 1 + |ϕ′(x)| ≤ A para todo x ∈ Rn).
Definamos h = f + ϕ · (g − f) : B(3) → Rn, isto e, h(x) =
f(x) + ϕ(x) · (g(x)− f(x)) para todo x ∈ B(3). Temos:
(1) Em B(3)−B(2), h = f .
(2) |h− f | = |ϕ| |g − f | ≤ |g − f | < δ/2A < δ
|(h− f)′| = |ϕ′(g − f) + ϕ(g′ − f ′)|≤ |ϕ′| |g − f |+ |ϕ| |g′ − f ′| < δ.
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[SEC. 5: APROXIMACOES EM CLASSE C1 255
(3) Em B(1), h(x) = g(x), logo h ∈ C∞ em B(1).
Alem disso, como h = f +ϕ · (g− f) vemos que h e nao menos
diferenciavel do que f .
Proposicao 9. Sejam M uma variedade e N ⊂ Rn uma su-
perfıcie, ambas de classe Ck. As aplicacoes de classe Ck formam
um subconjunto denso em W 1(M ;N).
Demonstracao: Dadas uma aplicacao f : M → N , de classe C1, e
uma funcao contınua ε : M → (0,∞), devemos encontrar g : M →N , de classe Ck, com |g − f |1 < ε em M .
Fixemos uma cobertura de N por domınios de sistemas de co-
ordenadas y : Z → Rn. Podemos recobrirM por conjuntos abertos
U , com fecho compacto, tais que f(U) esta contido em algum Z.
Pela Proposicao 1 do Capıtulo VIII, esta cobertura aberta de M
pode ser refinada por outra, enumeravel, localmente finita e for-
mada por domınios de sistemas de coordenadas xi : Ui → Rm tais
que xi(Ui) = B(3). Para cada i, existe portanto um sistema de
coordenadas yi : Zi → Rm tal que o conjunto compacto f(U i) esta
contido em Zi . Como sempre, Vi = x−1i (B(2)), Wi = x−1
i (B(1))
e os Wi cobrem M . Podemos supor que cada xi estende-se conti-
nuamente ao fecho U i .
Construiremos agora, por inducao, uma sequencia de aplicacoes
f0, . . . , fi, . . . de M em N nas seguintes condicoes:
(1) f0 = f ;
(2) fi = fi−1 em M − Vi ;(3) fi e de classe Ck em W1 ∪ · · · ∪Wi ;
(4) |fi − fi−1|1 <c
2iem M ;
(5) fi(U j) ⊂ Zj para todo j.
Seja f0 = f . Suponhamos definidas f0, f1, . . . , fi−1 , com aque-
las propriedades.
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256 [CAP. X: ESPACOS DE FUNCOES
fi−1
λ
xi
M N
yi
Zi
B(3)
yi(Zi)
ViWi
Ui
B(2)
B(1)
Figura 10.6.
A fim de obter fi , consideremos os sistemas de coordenadas
xi : Ui → Rm, yi : Zi → R
n (xi(Ui) = B3 , fi−1(U i) ⊂ Zi).Pelas Proposicoes 2 e 4, existe δ > 0 tal que, se λ, µ:B(3)→
yi(Zi) sao aplicacoes de classe C1 com |λ−µ|1 < δ em B(2), entao
|y−1i λ xi − y−1
i µ xi|1 < ε/2i em V i .
Ponhamos λ = yi fi−1 (xi)−1 : B(3)→ yi(Zi) ⊂ R
n.
Pelo lema precedente, existe µ : B(3)→ Rn de classe C1, com
µ = 1 em B(3) − B(2), µ ∈ Ck sempre que λ ∈ Ck, µ ∈ C∞ em
B(1) e |µ− λ|1 < δ em B(3).
Definimos fi : M → N pondo fi = fi−1 em M − Vi e fi =
y−1i µ xi em Ui . As condicoes 1) a 4) sao imediatamente ve-
rificadas para fi . Quando a condicao 5), observemos que apenas
um numero finito de conjuntos U j intersetam U i pois U i e com-
pacto e a cobertura (U 1, U2, . . . ) e localmente finita. Para cada
um desses U j , o compacto Kj = λ(xi(U j ∩ U i)) esta contido no
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[SEC. 5: APROXIMACOES EM CLASSE C1 257
aberto Aj = yi(Zj ∩ Zi). Logo ρj = dist(Kj ,Rn − Aj) > 0. Se
tomarmos o cuidado de exigir que δ < ρj para todos os ındices j
tais que U j ∩U i 6= ∅, entao teremos a condicao fi(U j) ⊂ Zj satis-
feita para todos os valores j = 1, 2, 3 . . . . A definicao indutiva da
sequencia f0, f1, . . . , fi, . . . esta portanto completa.
Todo ponto p ∈ M possui uma vizinhanca aberta Ws que
interseta apenas um numero finito dos conjuntos Vj . Seja i o
mais alto ındice tal que Ws ∩ Vi 6= ∅. Entao i ≥ s, donde
fi ∈ Ck em Wj . Tambem j > i = Ws ⊂ M − Vj , e por-
tanto fi = fi+1 = fi+2 = . . . em todos os pontos do aberto
Ws . Logo tem sentido definir g : M → N pondo g(p) = limi→∞
fi(p)
para cada p ∈ M . Alem disso, g ∈ Ck pois todo p ∈ M pos-
sui uma vizinhanca Vs na qual g coincide com uma aplicacao
fi ∈ Ck. Finalmente, em Ws temos
|g − f |i = |fi − f0|1 < |fi − fi−1|1 + |fi−1 − fi−2|1 + · · ·+
+ |f1 − f0|1 <i∑
r=1
ε
2r< ε,
o que completa a demonstracao.
Corolario. As aplicacoes f : M → N de classe Ck formam um
subconjunto denso de W 0(M ;N).
Proposicao 10. Seja M uma variedade de classe Ck (k ≥ 1).
Suponha que f ∈ W 1(M ; Rs) e um mergulho. Entao em toda
vizinhanca de f existem mergulhos g : M → Rs tais que
(i) Em parte alguma de M , g e menos diferenciavel do que f .
(ii) g(M) e uma superfıcie de classe C∞ em Rs.
Demonstracao: Vamos tomar como modelo a prova da propo-
sicao anterior. Seja U = (U1, U2, . . . ) uma cobertura localmente
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258 [CAP. X: ESPACOS DE FUNCOES
finita de M por domınios de sistemas de coordenadas xi : Ui →Bm(3) tais que, pondo Vi = x−1
i (B(2)), Wi = x−1i (B(1)) os Wi’s
cobrem M . Dada uma funcao contınua ε : M → (0,∞) podemos
admitir, pela Proposicao 6, que W 1(f ; ε) e uma vizinhanca de f
em W 1(M ; Rs) consistindo apenas em mergulhos.
Para obter uma aplicacao g ∈ W 1(f ; ε) satisfazendo (i) e
(ii) construiremos, por inducao, uma sequencia de aplicacoes
f0, . . . , fi, . . . de M em Rs nas seguintes condicoes:
(1) f0 = f ;
(2) fi = fi−1 em M − Vi ;(3) fi(W1 ∪ · · · ∪Wi) e uma superfıcie de classe C∞ em R
s;
(4) |fi − fi−1|1 < ε/2i em M .
(5) em parte alguma de m, fi e menos diferenciavel do que fi−1 .
Seja f0 = f . Suponhamos definidas f0, . . . , fi−1 com aquelas
propriedades.
A fim de obter fi ponhamos a = infε(p)/2i; p ∈ V i. Existe
b > 0 tal que |λ xi − µ xi|1 < a em V i se λ, µ : B(3) → Rs sao
aplicacoes de classe C1 com |λ− µ|1 < b em B(2)
[cf. Proposicao 2].
Seja λ = fi−1 (xi)−1 : B(3) → R
s. Pelo lema que precede a
Proposicao 8, existe uma aplicacao µ : B(3) → Rs tal que µ = λ
em B(3)−B(2), µ ∈ C∞ em B(1), |µ− λ|1 < b em B(3) e µ nao
e menos diferenciavel do que λ. Seja fi = µ xi em Ui e fi = fi−1
em M − Vi .E facil de verificar que as condicoes (1) a (5) sao satisfeitas.
Para completar a demonstracao basta definir g = limi→∞
fi .
Observacao: Mostraremos no capıtulo seguinte que, para toda
variedade M de classe C1, existe um mergulho f : M → Rs, de M
em algum espaco euclidiano Rs. Pela Proposicao 9, esse mergulho
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[SEC. 6: TOPOLOGIAS DE CLASSE CR 259
pode ser tomado de modo que f(M) seja uma superfıcie de classe
C∞. Entao considerando as parametrizacoes locais ϕ ∈ C∞ em
f(M), as aplicacoes ϕ−1 f constituirao um atlas (maximo) C∞
em M , contido no atlas original de M , o qual era apenas de classe
C1.
6 Topologias de classe Cr (∗)
Sejam M , N variedades de classe Ck e r um inteiro, 0 ≤ r ≤ k.No conjunto das aplicacoes f : M → N , de classe Ck, introduzire-
mos agora uma topologia segundo a qual uma vizinhanca de f e
constituida pelas aplicacoes cujos valores, juntamente com os va-
lores de suas derivadas sucessivas ate a ordem r, estao proximos
dos valores correspondentes de f . Isto e o que se chama uma
“ topologia de classe Cr.”
Nas secoes anteriores, estudamos a topologia de Whitney de
classe C1, que origina os espacos W 1(M ;N). Para questoes de
estabilidade (isto e, para mostrar que certos conjuntos sao aber-
tos), W 1 e bastante util pois um grande numero de conceitos di-
ferenciais dependem apenas da derivada primeira e, alem disso,
como a aplicacao identidade W r → W 1 e contınua, todo aberto
em W 1(M ;N) e tambem aberto em W r(M ;N). Por outro lado,
para questoes de aproximacao, (ou seja, para provar que certos
conjuntos sao densos) nao basta provar isto em classe C1.
Apresentaremos a seguir a topologia de Whitney de classe Cr.
Inicialmente, estabeleceremos alguns fatos no espaco euclidiano.
Seja f : U → R2 uma aplicacao de classe Cr, definida num
aberto U ⊂ Rm. Dado um compacto K ⊂ U , a norma de classe
(∗) A leitura desta secao pode ser adiada sem prejuızo para a continuidade
do entendimento.
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260 [CAP. X: ESPACOS DE FUNCOES
Cr de f em K e o numero |f |K,r , definido como o maior dos r+1
numeros reais abaixo:
supx∈K|f(x)|, sup
x∈K|f ′(x)|, . . . , sup
x∈K|f (r)(x)|.
As vezes escreveremos “ |f |r < ε em K ” para significar
|f |K,r < ε.
Lema 1. Sejam U ⊂ Rm, V ⊂ R
n abertos, ϕ : U → V de classe
Cr e K ⊂ U compacto. Existe um numero real A > 0 tal que,
para toda f : V → Rs de classe Cr, tem-se |fϕ|K,r ≤ A · |f |ϕ(K),r .
Demonstracao: Para cada i = 1, 2, . . . , r, a i-esima derivada da
aplicacao composta f ϕ tem a expressao abaixo. (Vide Capıtulo
I, secao 4.)
(f ϕ)(i) =∑
1≤k≤ii1+···+ik=i
n(i1, . . . , ik)f(k)ϕ ·
(ϕ(i1), . . . , ϕ(ik)
).
Segue-se que, em cada ponto x ∈ K, a aplicacao i-linear
(f ϕ)(i) tem sua norma sujeita a desigualdade:
|(fϕ)(i)| ≤ Ni · |f |ϕ(K),i ·(|ϕ|K,i
)i,
onde Ni =∑n(i1, . . . , ik), i1+· · ·+ik = i. Portanto, se tomarmos
A ≥ max1≤i≤r
Ni ·(|ϕ|K,i
)ie A ≥ sup
x∈K|ϕ(x)|, teremos |fϕ|K,r ≤ A ·
|f |ϕ(K),r .
Lema 2. Sejam U ⊂ Rm, V ⊂ R
n abertos, K ⊂ U compacto e
f : U → V , ϕ : V → Rs aplicacoes de classe Cr. Dado um numero
real ε > 0, existe δ > 0 tal que se g : W → V for de classe Cr,
definida num aberto W , com K ⊂W ⊂ U , e |g − f |K,r < δ entao
|ϕg − ϕf |K,r < ε.
Demonstracao: A fim de simplificar a notacao, consideraremos
r = 2. O caso geral se prova analogamente. Seja L uma vizinhanca
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[SEC. 6: TOPOLOGIAS DE CLASSE CR 261
compacta de f(K) contida no aberto V . Entao d = dist[f(K),Rs−L] > 0. Na escolha de δ que faremos a seguir, suporemos que
0 < δ < d. Assim sendo, |g(x)−f(x)| < δ emK implica g(K) ⊂ L.
Sabemos que
(ϕg − ϕf)′′ = ϕ′′g · (g′, g′) + ϕ′g · g′′ − ϕ′′f · (f ′, f ′)−ϕ′f · f ′′
= (ϕ′′g − ϕ′′f) · (g′, g′) + ϕ′′f · (g′, g′ − f ′)+ ϕ′′f · (g′−f ′, f ′) + (ϕ′g − ϕ′f) · g′′
+ ϕ′f · (g′′ − f ′′).
Segue-se que, em cada ponto x ∈ K, a norma da aplicacao
bilinear (ϕg − ϕf)′′ esta sujeita a desigualdade:
|(ϕg − ϕf)′′| ≤ |ϕ′′g − ϕ′′f | · |g′|2 + |ϕ′′f | · |g′ − f ′|·(*)
· (|f ′|+ |g′|) + |ϕ′g − ϕ′f | · |g′′|+ |ϕ′f | · |g′′ − f ′′|.
Seja A = |f |K,2 + 1. A segunda exigencia que faremos relativa-
mente a δ e que seja 0 < δ < 1. Entao |g − f |K,2 < δ implicara
|g′| < A e |g′′| < A em K. (Evidentemente, ja temos |f ′| < A e
|f ′′| < A em K.) Notemos que existe um numero real B > 0 tal
que |ϕ′| < B e |ϕ′′| < B em L. Alem disso, ϕ, ϕ′ e ϕ′′ sao unifor-
memente contınuas em L, de modo que podemos impor a δ que,
para x, y ∈ L, |x−y| < δ ⇒ |ϕ(x)−ϕ(y)| < ε, |ϕ′(x)−ϕ′(y)| < ε
4Ae |ϕ′′(x)−ϕ′′(y)| < ε
4A2· Finalmente, suporemos que δ <
ε
8AB(e
portanto δ <ε
4B). Entao a desigualdade (*) mostra que
|g − f |K,2 < δ ⇒ |(ϕg − ϕf)′′| < ε em K.
Nas mesmas condicoes, temos ainda |ϕg − ϕf | < ε em K.
Finalmente, como
|(ϕg − ϕf)′| ≤ |ϕ′g − ϕ′f | · |g′|+ |ϕ′f | · |g′ − f ′|,
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262 [CAP. X: ESPACOS DE FUNCOES
vemos que |g − f |K,2 < δ ⇒ |(ϕg − ϕf)′| < ε em K.
Em conclusao, se |g − f |K,2 < δ entao |ϕg − ϕf |K,2 < ε.
Passaremos agora a definicao da topologia de Whitney de
classe Cr.
Consideremos uma variedade M e uma superfıcie N ⊂ Rs, am-
bas de classe Ck. Para 0 ≤ r ≤ k, indicaremos com W r(M ;N) o
conjunto das aplicacoes f : M → N , de classe Cr, munido da topo-
logia de Whitney de classe Cr. Um sistema fundamental de vizin-
hancas de f : M → N nessa topologia e descrito do seguinte modo.
Fixamos um atlas A (contido no atlas maximo de M), formado por
sistemas de coordenadas x : U → Rm cujos domınios constituem
uma cobertura localmente finita de M , com x(U) = B(3) para
todo x ∈ A. Como de costume, escreveremos V = x−1(B(2)),
W = x−1(B(1)) e, sempre que for necessario, suporemos que os
W ’s cobrem M . Fixando o atlas A, consideraremos as famılias
a = (ax)x∈A, de numeros reais ax > 0, com ındices no conjunto
A. Para cada uma dessas famılias poremos
W r(f ; a) = g ∈W r(M ;N); |gx−1 − fx−1|r < ax em B(2),
∀x ∈ A.
Quando o atlas A e mantido fixo e a percorre todas as famılias de
numeros reais ax > 0, x ∈ A, os conjuntos W r(f ; a) constituem
um sistema fundamental de vizinhancas de f no espaco topologico
W r(M ;N) que fica assim definido.
Devemos mostrar que, se tomarmos outro atlas B em M , com
propriedaes analogas as de A, obteremos um sistema fundamental
de vizinhancas equivalente ao anterior, ou seja, cada vizinhanca
de f num sistema contem uma vizinhanca de f no outro sistema.
Para evitar duvidas, escreveremos Ux par indicar o domınio
do sistema de coordenadas x. Do mesmo modo, escreveremos Vx ,
Wx , etc. Temos que provar o seguinte
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[SEC. 6: TOPOLOGIAS DE CLASSE CR 263
Lema 3. Sejam A, B atlas localmente finitos (contidos no atlas
maximo) de M cujos elementos tem imagem B(3). Dada uma
famılia de numeros reais by >, y ∈ B, existe uma famılia de
numeros reais ax > 0, x ∈ A, tais que |f x−1|r < ax em B(2)
para todo x ∈ A implica |f y−1|r < by em B(2) para todo y ∈ B.
Demonstracao: Dado x ∈ A, existe um numero finito de sistemas
y ∈ B tais que V y ∩ V x 6= ∅. Pelo Lema 1, para cada um desses
y, existe Axy > 0 tal que
|f y−1|r = |(f x−1)(xy−1)|r ≤ Axy |f x−1|r em y(V x∩V y).
Escolhamos ax > 0 tal que Axy · ax < by para todos os y ∈ B (em
numero finito) tais que V y ∩ V x 6= ∅. Entao |f x−1|r < ax em
x(V x)⇒ |f y−1|r < y(V x ∩ V y). Escolhidos todos os ax , x ∈ A,
suponhamos que f : M → N seja tal que |f x−1|r < ax em x(V x)
para cada x ∈ A. Entao para qualquer y ∈ B, temos |fy−1|r < byem cada y(V x ∩ V y) e portanto em B(2)−⋃
xy(V x ∩ V y).
Definido o espaco topologico W r(M ;N), observamos que, para
r ≥ s, a aplicacao identidade i : W r(M ;N)→W s(M ;N) e contı-
nua. Concluimos portanto que todo conjunto aberto emW 1(M ;N)
e aberto em W r(M ;N) para todo r ≥ 1. Em particular, as
imersoes, as submersoes, os mergulhos e os difeomorfismos for-
mam conjuntos abertos em W r(M ;N) para todo r ≥ 1. (Vide
Proposicoes 5, 6 e 7 na Secao 4, deste capıtulo.) Nao e, porem,
uma consequencia da Proposicao 9 que, quando M e N sao de
classe Ck, as aplicacoes f : M → N de classe Ck formem um sub-
conjunto denso de W r(M ;N). De qualquer maneira, este fato e
verdadeiro e se demonstra da maneira analoga a da Proposicao 9,
tendo em vista os Lemas 1 e 2 desta secao e o fato de que a regu-
larizacao nos fornece uma aproximacao local em classe Cr (vide
Proposicao 8, na Secao 5 deste capıtulo).
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264 [CAP. X: ESPACOS DE FUNCOES
Podemos, entao, enunciar que se M e N sao de classe Ck,
o conjunto das aplicacoes f : M → N de classe Ck e denso em
W r(M ;N) para todo r, com 0 ≤ r ≤ k.Um atlas localmente finito A (contido no atlas maximo de M),
formado por sistemas de coordenadas x : Ux → Rm, com x(Ux) =
B(3), sera chamada canonico.
Proposicao 11. Seja ϕ : M1 → M2 uma aplicacao propria de
classe Cr. Entao ϕ∗ : W r(M2;N) → W r(M1;N), definida por
ϕ∗(f) = f ϕ, e contınua.
Demonstracao: Seja A um atlas canonico em M2 . Como ϕ e
propria, os abertos ϕ−1(Vx), x ∈ A, que cobrem M1 , sao relati-
vamente compactos. Seja B um atlas canonico de M1 , tal que
os domınios dos seus sistemas de coordenadas formam um refina-
mento (localmente finito) da cobertura (ϕ−1(Vx))x∈A. Podemos
entao definir uma “funcao de escolha” λ : B → A tal que, para
cada y ∈ B, V y ⊂ ϕ−1(V λ(y)), ou seja, ϕ(V y) ⊂ V λ(y) . Como
B e localmente finito e (em virtude de ϕ ser propria) os abertos
ϕ−1(V x) sao relativamente compactos, segue-se que, para cada
x ∈ A, existe no maximo um numero finito de sistemas y ∈ B
tais que λ(y) = x. Usemos os atlas A e B para definir as vizin-
hancas basicas nos espacos W r(M2;N) e W r(M1;N) respectiva-
mente. Consideremos f ∈ W r(M1;N) e uma famılia de numeros
reais by > 0, y ∈ B. Para cada x ∈ A, com x = λ(y), temos
fϕy−1 = fx−1 xϕy−1 numa vizinhanca de B(2) = y(V y). Pelo
Lema 1, existe, par cada y ∈ λ−1(x), um numero real Ay > 0, tal
que
|fϕy−1|r ≤ Ay · |fx−1|r em B(2).
Escolhamos, para cada x ∈ A, um numero real ax > 0, do seguinte
modo: se nao existir y ∈ B tal que λ(y) = x, tomemos ax = 1.
Caso contrario, escolhamos ax de tal modo que Ay · ax < by para
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[SEC. 6: TOPOLOGIAS DE CLASSE CR 265
todo y ∈ λ−1(x). Como λ−1(x) e finito, isto pode ser feito. Desta
maneira, se f, g ∈W r(M2;N) sao tais que |fx−1−gx−1|r < ax em
B(2) para todo x ∈ A, entao |fϕy−1 − gϕy−1| < by em B(2) para
todo y ∈ B, o que prova ser ϕ∗(f) = fϕ uma aplicacao contınua.
Proposicao 12. Sejam M uma variedade, N1 ⊂ Rn, N2 ⊂ R
s
superfıcies, todas de classe Ck, e ϕ : N1 → N2 de classe Cr, 0 ≤r ≤ k. A aplicacao ϕ∗ : W r(M ;N1) → W r(M ;N2), definida por
ϕ∗(f) = ϕ f , e contınua.
Demonstracao: Em virtude da Aplicacao 3, Capıtulo VIII, pode-
mos estender ϕ a uma vizinhanca V deN1 no espaco euclidiano Rn.
Usaremos a mesma notacao para indicar a extensao ϕ : V → N2 ,
de classe Cr. Dada f ∈ W r(M ;N1), sejam A um atlas canonico
de M e b uma famılia de numeros reais bx > 0, x ∈ A. Para cada
x ∈ A existe, em virtude do Lema 2, um numero real ax > 0 tal
que, se g ∈ W r(M ;N1) e |gx−1 − fx−1|r < ax em B(2), entao
|ϕgx−1 − ϕfx−1|r < bx em B(2). Logo, ϕ∗ e contınua.
Segue-se da Proposicao 12 que a topologia de W r(M ;N) nao
depende do mergulho de N no espaco euclidiano. Isto tambem re-
sulta da proposicao seguinte, a qual fornece uma alternativa para
definir a topologia de W r(M ;N) sem mencionar metrica riema-
niana em M nem supor N mergulhada no espaco euclidiano.
Sejam M , N variedades de classe Ck e f : M → N uma
aplicacao de classe Cr, 0 ≤ r ≤ k. Utilizando a Proposicao 1
da Secao 3, Capıtulo VIII, obtemos um atlas localmente finito A,
contido no atlas maximo de M , formado por sistemas de coor-
denadas x : U → Rm com x(U) = B(3) e f(U) ⊂ Z, onde Z e
domınio de um sistema de coordenadas y : Z → Rn em N .
Para cada x ∈ A, escolhamos, de uma vez por todas, um sis-
tema de coordenadas y = y(x) : Zx → Rn em N , com f(Ux) ⊂ Zx .
Dada uma famılia de numeros reais ax > 0, x ∈ A, introduzire-
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266 [CAP. X: ESPACOS DE FUNCOES
mos o conjunto Γr(f ; a), formado pelas aplicacoes g : M → N , de
classe Cr, tais que g(V x) ⊂ Zx para todo x ∈ A e, alem disso,
|ygx−1 − yfx−1|r < ax em B(2), para todo x ∈ A.
Note-se que, sendo V x compacto, g(V x) ⊂ Zx implica a exis-
tencia de um aberto Ax , com V x ⊂ Ax ⊂ Ux , tal que g(Ax) ⊂ Zx .
As aplicacoes ygx−1 e yfx−1 sao definidas na vizinhanca aberta
x(Ax) do compacto B(2) em Rm.
Na proposicao seguinte, a fim de poder considerar a topologia
de W r(M ;N), suporemos que N ⊂ Rs e uma superfıcie.
Proposicao 13. Mantendo fixo o atlas A e fazendo variar a
famılia a, os conjuntos Γr(f ; a) constituem um sistema fundamen-
tal de vizinhancas de f em W r(M ;N).
Demonstracao: Dado Γr(f ; a), definiremos uma famılia
b de numeros reais bx > 0, x ∈ A, tal que W r(f ; b) ⊂ Γr(f ; a).
Primeiro, uma precaucao. Para cada x ∈ A, temos dx =
dist[fx−1(B(2)),Rn−y(Zx)] > 0. Imporemos que seja 0 < bx < dxpara cada x ∈ A. Isto nos assegurara que toda g : M → N com
|gx−1 − fx−1| < bx em B(2) cumpre a condicao g(V x) ⊂ Zx .
Agora, usaremos o Lema 2. Segundo ele, para cada x ∈ A,
o numero bx > 0 pode ser tomado de tal forma que |ygx−1 −yfx−1|r < bx em B(2) implica |gx−1 − fx−1| < ax em B(2). (Es-
tamos tomando ϕ − y−1 no lema.) Isto significa que W r(f ; b) ⊂Γr(f ; a). De maneira analoga mostra-se que, reciprocamente, dada
b = (bx), existe a = (ax) tal que Γr(f ; a) ⊂W r(f ; b).
Para finalizar, diremos uma palavra sobre a topologia da con-
vergencia uniforme de classe Cr nas partes compactas. No conjunto
das aplicacoes f : M → N de classe Cr, introduzimos a topolo-
gia segundo a qual um sistema fundamental de vizinhancas de
f : M → N e definido considerando-se uma cobertura localmente
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[SEC. 6: TOPOLOGIAS DE CLASSE CR 267
finitaM =⋃Ui por domınios de sistemas de coordenadas xi : Ui →
Rm tais que xi(Ui) = B(3) (i = 1, 2, 3, . . . ). Para cada numero
real c > 0 e cada inteiro j, pomos
V r = g : M → N, g ∈ Cr,|gx−1i − fx−1
i |r < ε em B(2);
i = 1, . . . , j.
Acima, estamos admitindo que N ⊂ Rs e uma superfıcie no espaco
euclidiano. Os conjuntos V r(f ; j, ε), quando j percorre os inteiros
positivos e ε > 0 e um numero real, formam um sistema funda-
mental de vizinhancas de um espaco topologico que indicaremos
com Cr(M ;N).
Do mesmo modo como em W r, obtemos ainda um sistema
fundamental de vizinhancas de f : M → N em Cr(M ;N) se im-
pusermos a cobertura M =⋃Ui que, para cada i, exista um
sistema de coordenadas yi : Zi → Rn em N , tal que f(Ui) ⊂ Zi .
Em seguida, para cada inteiro j e cada real c > 0, pomos
∆r(f ; j, ε) = g : M → N ; g ∈ Cr, g(V i) ⊂ Zi e
|yigx−1i − yifx−1
i |r < ε em B(2), para cada i = 1, 2, . . . , j.
Quando j > 0 varia entre os inteiros e ε > 0 entre os reais, os
conjuntos ∆r(f ; j, ε) constituem um sistema fundamental de vizin-
hancas equivalente aquele formado pelos V r(f ; j, ε), portanto de-
finindo ainda em Cr(M ;N) a topologia da convergencia uniforme
de classe Cr nas partes compactas. Note-se que as vizinhancas
∆r podem ser definidas sem que N esteja mergulhada no espaco
euclidiano.
A aplicacao identidade W r(M ;N) → Cr(M ;N) e contınua.
Segue-se que as aplicacoes f : M → N , de classe Ck, (onde M e
N sao de classe Ck) formam um subconjunto denso de Cr(M ;N).
Nao e verdade, entretanto, que as imersoes, submersoes, mergu-
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268 [CAP. X: ESPACOS DE FUNCOES
lhos e difeomorfismos constituam abertos em Cr(M ;N) salvo, evi-
dentemente, quando M e compacta, caso em que Cr(M ;N) =
W r(M ;N).
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Capıtulo XI
Os Teoremas de Imersao
e Mergulho de Whitney
Os resultados principais deste capıtulo sao os teoremas de
Whitney, segundo os quais se pode aproximar arbitrariamente
qualquer aplicacao de classe Ck f : Mm → R2m por uma imersao e
qualquer f : Mm → R2m+1 (ainda de classe Ck) por uma imersao
biunıvoca. Alem disso, qualquer variedade Mm pode ser mer-
gulhada como um subconjunto fechado em R2m+1. Como conse-
quencia da discussao, resultara que todo atlas maximo de classe
C1 numa variedade contem um atlas C∞. Inicialmente exporemos
as nocoes basicas sobre conjuntos de medida nula numa variedade.
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270 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO E MERGULHO DE WHITNEY
1 Conjuntos de medida nula em uma varie-
dade
Um cubo C ⊂ Rm e um produto cartesiano C=[a1,a1+r] × · · · ×
[am, am + r] de m intervalos fechados de mesmo comprimento r.
O numero r e chamado a aresta do cubo C. O volume de C e
definido por vol(C) = rm. Quando a metrica de Rm e dada pelo
produto interno 〈x, y〉 =∑xiyi, o diametro de C e n
√m.
Dizemos que um conjunto X ⊂ Rm tem medida nula em R
m
quando, para todo ε > 0, e possıvel achar uma cobertura enu-
meravel de X por cubos, X ⊂∞⋃i=1
Ci , tal que∑i
vol(Ci) < ε.
Notacao: med(X) = 0 em Rm.
Se X ⊂ Y ⊂ Rm entao med(Y ) = 0 em R
m implica med(X) =
0 em Rm.
Proposicao 1. Se X1, X2, . . . , Xi, . . . sao conjuntos de medida
nula em Rm, entao X =
∞⋃i=1
Xi tem medida nula em Rm.
Demonstracao: Seja dado ε > 0. Podemos achar, para cada
i, uma cobertura enumeravel Xi ⊂⋃jCij por cubos tais que
∑j
vol(Cij) < ε/2i. Resulta daı que X ⊂ ⋃i,jCij e uma cobertura
enumeravel de X por cubos Cij tal que∑i,j
vol(Ci,j) <∑iε/2i = ε.
Logo med(X) = 0 em Rm.
Corolario 1. Todo subconjunto enumeravel de Rm tem medida
nula.
Corolario 2. Um subconjunto X ⊂ Rm tem medida nula se, e
somente se, cada ponto p ∈ X possui uma vizinhanca Vp tal que
med(X ∩ Vp) = 0 em Rm.
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[SEC. 1: CONJUNTOS DE MEDIDA NULA EM UMA VARIEDADE 271
Demonstracao: A parte do “somente se”e evidente. Por outro
lado, da coberturaX ⊂ ⋃p∈X
Vp com med(Vp∩X) = 0 obtemos, pelo
teorema de Lindelof, uma subcobertura enumeravel X ⊂∞⋃i=1
Vpi.
Pela proposicao, X =⋃i(Vpi∩X) tem medida nula em R
m.
Exemplo 1. Seja C = I1 × · · · × Im um cubo. Para qualquer
s > 0, C × 0 tem medida nula em Rm × R
s = Rn+s, como pode
facilmente ser verificado.
Os conjuntos de medida nula sao uteis no estudo das variedades
diferenciaveis por dois motivos: primeiro porque tem interior va-
zio, e segundo porque suas imagens mediante aplicacoes de classe
C1 possuem tambem medida zero. Estes fatos serao provados logo
em seguida.
Sejam X e Y espacos metricos. Uma aplicacao f : X → Y
diz-se lipschitziana quando existe uma constante k > 0 tal que
d(f(x), f(y)) ≤ k d(x, y) para todos x, y ∈ X. Dizemos que f e lo-
calmente lipschitziana se todo ponto p ∈ X possui uma vizinhanca
Vp tal que f |Vp e lipschitziana.
Uma aplicacao lipschitziana e uniformemente contınua, logo
uma aplicacao localmente lipschitziana e contınua. Se X ⊂ Rm,
toda aplicacao f : X → Rn, de classe C1, e localmente lipschit-
ziana, pela desigualdade do valor medio.
Proposicao 2. Se X ⊂ Rm tem medida nula e f : X → R
m e
localmente lipschitziana, entao f(X) tem medida nula em Rm.
Demonstracao: Todo ponto p ∈ X possui uma vizinhanca Vpna qual f e lipschitziana, com constante kp . A cobertura X =⋃pVp possui uma subcobertura enumeravel X =
n⋃i=1
Vpi. Portanto,
pela Proposicao 1, podemos supor que f e lipschitziana: |f(x) −
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272 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO E MERGULHO DE WHITNEY
f(y)| ≤ k|x − y| para todos x, y ∈ X. Dado ε > 0, existe uma
cobertura enumeravel X ⊂ ⋃ Ci por cubos Ci , com∑i
vol(Ci) <
ε(2k√m)−m. Seja ri a aresta de Ci . Como para todo i, o diametro
de Ci e ri√m, o diametro de f(X ∩ Ci) e ≤ k ri
√m. Resulta daı
que f(X ∩ Ci) ⊂ Ki , onde Ki e um cubo de aresta 2kri√m.
Ora, vol(Ki) = (2kri√m)m = (2k
√m)m vol(Ci) logo
∑vol(Ki) =
(2k√m)m
∑vol(Ci) < ε. Como f(X) =
⋃if(X ∩ Ci) ⊂
⋃iKi ,
f(X) tem medida nula em Rm.
Diz-se que um subconjunto X de uma variedade diferenciavel
M tem medida nula em M se, para todo p ∈ X, existe um sistema
de coordenadas locais x : U → Rm, com p ∈ U , tal que x(U ∩X)
tem medida nula em Rm.
Se med(X) = 0 em M entao, para qualquer sistema de coorde-
nada y : V → Rm em M , tem-se med(y(V ∩X)) = 0 em R
m. Isto
resulta imediatamente da proposicao anterior. Outra consequencia
da Proposicao 2 e que a imagem de um conjunto X ⊂Mm de me-
dida nula por uma aplicacao de classe C1, f : Mm ⊂ Nm, e ainda
um conjunto de medida nula (note que dimM = dimN). Os
seguintes sao corolarios da Proposicao 2:
Corolario 1. Seja Mm ⊂ Nn uma subvariedade de classe C1
(pelo menos). Se m < n, entao M tem medida nula em N .
Demonstracao: Em torno de cada ponto p ∈ M existe um
sistema de coordenadas locais x : U → Rm × R
n−m em N , com
x(U) = V ×W , W ⊂ Rn−m aberto, e x(U ∩M) = V × 0. Pode-
mos supor que V ⊂ Rm e o interior de um cubo. Pelo Exemplo 1,
x(U ∩M) tem medida nula em Rn. Isto demonstra a proposicao.
Corolario 2. Seja f : M → N uma aplicacao de classe C1. Se
dimM < dimN , entao f(M) tem medida nula em N .
Demonstracao: Ponhamos s = dimN − dimM . Consideremos
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[SEC. 1: CONJUNTOS DE MEDIDA NULA EM UMA VARIEDADE 273
a aplicacao g : M × Rs → N , de classe C1, definida por g(p, y) =
f(p). Ora, dim(M × Rs) = dimN e, pela proposicao acima, M ×
0 tem medida nula em M × Rs. Resulta daı que g(M × 0) =
f(M) tem medida nula em N .
Proposicao 3. Numa variedade diferenciavel, todo conjunto de
medida nula tem interior vazio.
Demonstracao: Basta provar para Rm e, nesse caso, e suficiente
mostrar que um cubo nao tem medida nula. Para isso, usaremos
o fato, conhecido de Calculo, de que o volume de um cubo C∞ e a
integral de sua funcao caracterıstica χC . Se C ⊂∞⋃i=1
Ci entao, por
compacidade, C ⊂k⋃i=1
Ci . Segue-se que χC ≤k∑i=1
χCie portanto:
vol(C) =
∫χC ≤
∫ k∑
i=1
χCi=
k∑
i=1
∫χCi
=k∑
i=1
vol(Ci) ≤∞∑
i=1
vol(Ci).
Assim, para 0 < ε < vol(C), nao e possıvel achar cobertura enu-
meravel C ⊂∞⋃i=1
Ci com∞∑i=1
vol(Ci) < ε.
Exemplo 2. As esferas sao simplesmente conexas. Vejamos:
Sejam X, Y espacos topologicos. Dizemos que duas aplicacoes
contınuas f, g : X → Y sao homotopicas, e escrevemos f ∼ g,
quando existe uma aplicacao contınua H : X × [0, 1]→ Y tal que
H(x, 0) = f(x) e H(x, 1) = g(x) para todo x ∈ X. A relacao “ f
e g sao homotopicas ”e uma relacao de equivalencia.
Duas aplicacoes contınuas f, g : X → Rn sao sempre homoto-
picas. Para ver isto basta considerar H : X× [0, 1]→ Rn dada por
H(x, t) = (1− t)f(x) + t g(x).
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274 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO E MERGULHO DE WHITNEY
Se f, g : X → Sn sao aplicacoes contınuas tais que f(x) 6=−g(x) para todo x ∈ X, entao f e g sao homotopicas. Basta
tomar H : X × [0, 1]→ Sn definida por
H(x, t) =(1− t)f(x) + tg(x)
|(1− t)f(x) + tg(x)| ·
Se uma aplicacao contınua f : X → Sn nao e sobrejetiva, entao
f e homotopica a uma constante. Com efeito, existe um ponto
p ∈ Sn tal que f(X) ⊂ Sn − p. Como a projecao estereografica
e um homeomorfismo ϕ : Sn − p → Rn, (vide ETG, pag. 44)
podemos pensar em f como uma aplicacao de X em Rn e, como
tal, ela e homotopica a uma constante.
Um espaco topologico diz-se simplesmente conexo quando toda
aplicacao contınua f : S1 → X e homotopica a uma constante.
Afirmamos que, para n > 1, a esfera Sn e simplesmente conexa.
Realmente, dada uma aplicacao contınua f : S1 → Sn, existe uma
aplicacao de classe C1, g : S1 → Sn, tal que |g(x)−f(x)| < 2 para
todo x ∈ S1 (ver Corolario 2 da Proposicao 1, Secao 1, Cap. X).
Por conseguinte, f(x) 6= −g(x) para todo x ∈ S1, logo f ∼ g, como
sabemos, pelo Corolario 2 da Proposicao 2, g(S1) tem medida nula
em Sn. Em particular g nao e sobrejetiva, logo g e homotopica a
uma constante. Por transitividade, f tambem o e.
2 Imersoes
Dados um conjunto Y e um vetor v no espaco euclidiano Rs,
indicaremos com Y + v a imagem de Y pela translacao x 7→ x+ v,
ou seja Y + v = y + v ∈ Rs; y ∈ Y . Mostraremos abaixo como
separar dois conjuntos em Rs mediante translacao de um deles.
Lema 1. Dada f : Mm → Rs de classe C1, seja X =
∞⋃i=1
Ni uma
reuniao enumeravel de superfıcies de codimensoes maiores do que
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[SEC. 2: IMERSOES 275
m em Rs. Salvo um conjunto de medida nula, para todo vetor
v ∈ Rs tem-se [f(M) + v] ∩X = ∅.
Demonstracao: Dizer que [f(M) + v] ∩X 6= ∅ significa afirmar
que existem p ∈M e, para algum i, q ∈ Ni tais que f(p)+v = q, ou
seja v = q−f(p). Isto equivale a dizer que v pertence a reuniao das
imagens das aplicacoes ϕi : M×Ni → Rs, onde ϕi(p, q) = q−f(p).
Ora, como dimM+dimNi < s para cada i, segue-se que a imagem
de cada ϕi tem medida nula em Rs. A reuniao tambem tem medida
nula e o lema fica demonstrado.
Os lemas abaixo referem-se a seguinte situacao:
B(3) e a bola aberta de raio 3 e centro 0 em Rm, f : B(3)→ R
s e
uma aplicacao de classe Cr (r ≥ 1) e s ≥ 2m.
Lema 2. Dado ε > 0, existe uma imersao g : B(3) → Rs, de
classe C∞, com |g − f |1 < ε em B(3).
Demonstracao: Em virtude da Proposicao 9, Capıtulo X, po-
demos supor f ∈ C∞. Tentemos obter g : G(3) → Rs da forma
g(x) = f(x) + A · x, onde A e uma matriz s ×m. Entao teremos
g′(x) = f ′(x) + A; o problema e obter A bem pequena e de tal
modo que f ′(x) + A nao tenha posto inferior a m para ponto al-
gum x ∈ B(3). Ora, as matrizes s×m de posto i < m constituem
uma superfıcie Ni ⊂ Rsm cuja codimensao e (m− i)(s− i). (Vide
Secao 6, Capıtulo II, Exemplo 3.) Como s ≥ 2m, e i ≤ m − 1,
temos (m − i)(s − i) ≥ 1 · [2m − (m − 1)] = M + 1. Logo,
cada superfıcie Ni tem codimensao > m em Rsm. A aplicacao
f ′ : B(3)→ L(Rm,Rs) = Rsm e de classe C∞. Pelo Lema 1, para
qualquer matriz A fora de um conjunto de medida nula em Rsm,
f ′(x) + A tem posto m, qualquer que seja x ∈ B(3). Isto quer
dizer que g(x) = f(x) + A · x e uma imersao. Como um conjunto
de medida nula nao pode conter uma vizinhanca de 0 ∈ Rs, pode-
mos escolher A tao pequena quanto desejemos, o que fara |g− f |1
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276 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO E MERGULHO DE WHITNEY
arbitrariamente pequeno em B(3).
Lema 3. Dado ε > 0, existe h : B(3)→ Rs, de classe Cr, tal que
|h − f |1 < ε em B(3), h = f em B(3) − B(2) e h|B(1) e uma
imersao C∞.
Demonstracao: Seja ϕ : B(3)→ [0, 1] uma funcao auxiliar, com
ϕ ∈ C∞, ϕ(B(1)) = 1 e ϕ(B(3) − B(2)) = 0. Seja a > 0 uma
constante tal que 1 + |ϕ(x)| + |ϕ′(x)| < a para todo x ∈ B(3).
Usando o Lema 2, obtemos uma imersao g : B(3)→ Rs, de classe
C∞, tal que |g − f |1 < ε/a em B(3). Definimos, em seguida,
h : B(3)→ Rs pondo
h(x) = f(x) + ϕ(x) · (g(x)− f(x)).
Para x ∈ B(3)−B(2), temos ϕ(x) = 0, donde h(x) = f(x). Para
x ∈ B(1) temos ϕ(x) = 1 e portanto h(x) = g(x). Alem disso,
|h− f | ≤ |g − f | < ε e |h′ − f ′| ≤ |ϕ′| · |g − f |+ |ϕ| · |g′ − f ′| < ε
em B(3).
O lema abaixo e uma versao mais refinada do que acabamos
de demonstrar.
Lema 4. Seja F ⊂ B(3) um subconjunto fechado tal que f |F e
uma imersao. Dado ε > 0, existe h : B(3) → Rs de classe Cr tal
que |h− f |1 < ε em B(3), h|B(1) ∪ F e uma imersao e h = f em
F ∪ [B(3)−B(2)].
Demonstracao: Observemos que K = F ∩ B(2) e compacto e
que basta obter h tal que |h − f |1 < ε em B(3), h|B(1) ∪ K e
imersao e h = f em K ∪ [B(3)−B(2)].
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[SEC. 2: IMERSOES 277
V
F
K
Figura 11.1.
Seja V uma vizinhanca aberta deK tal que V e compacto e contido
em B(3). Podemos supor que ε e tao pequeno que |h − f |1 < ε
implique h|V ser uma imersao. Seja ξ : B(3)→ [0, 1] de classe C∞
tal que ξ = 0 em K∪[B(3)−B(2)] e ξ = 1 em B(1)−V . Ponhamos
h = f + ξ · (g − f) onde g, obtida pelo Lema 2, e uma imersao
C∞ de B(3) em Rs tal que |g − f |1 < ε/a em B(3), a constante
a satisfazendo a > |ξ(x)| + |ξ′(x)| + 1 para todo x ∈ B(3). Tem-
se |h − f |1 < ε. Em particular, h|V e imersao. Como h = g
em B(1) − V , segue-se que h|B(1) − V , e imersao. Do mesmo
modo, h|K e imersao pois h = f em K. Por conseguinte, h e uma
imersao em B(1)∪K, pois B(1)∪K ⊂ (B(1)−V )∪K. As demais
afirmacoes do lema sao imediatas.
Proposicao 4. Seja Mm uma variedade de classe Ck e dimensao
m. Se s ≥ 2m, as imersoes g : Mm → Rs, de classe C1, consti-
tuem um conjunto aberto e denso em W 1(Mm; Rs).
Demonstracao: Basta provar a densidade. (Vide Proposicao 5,
Capıtulo X.) Dadas ε : M → R contınua, positiva e f : M → Rs
de classe C1, devemos obter uma imersao g : M → Rs, de classe
C1, tal que |g − f |1 < ε em M . Para isso consideraremos uma
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278 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO E MERGULHO DE WHITNEY
cobertura enumeravel, localmente finita M =∞⋃i=1
Ui , por domınios
de sistemas de coordenadas xi : Ui → Rm tais que xi(Ui) = B(3)
e, pondo Vi = x−11 (B(2)), Wi = x−1
i (B(1)), temos ainda M =⋃Wi . Definiremos indutivamente uma sequencia de aplicacoes
f0, f1, . . . , fi, . . . se M em Rs, todas de clase C1, tais que
(i) f0 = f e fi = fi−1 em M − Vi ;(ii) |fi − fi−1|1 <
ε
2iem M ;
(iii) fi e uma imersao em W 1 ∪ · · · ∪W i .
Comecamos pondo f0 = f e, supondo ja definidas f1, . . . , fi−1
com as propriedades acima, passamos a definir fi . Seja λ = fi−1 x−1i : B(3)→ R
s. Pela Proposicao 2, Capıtulo X, existe a > 0 tal
que se µ : B(3)→ Rs, de classe C1, satisfaz |µ− λ|1 < a em B(2),
entao |µ xi − λ xi|1 <ε
2iem V i . Seja F = xi[(W 1 ∪ · · · ∪
W i−1) ∩ Ui]. Pelo Lema 4, existe µ : B(3) → Rs, de classe C1 tal
que |µ− λ|1 < ε em B(3), µ = 1 em [B(3)−B(2)] ∪ F e µ e uma
imersao em B(1) ∪ F .
Definamos fi : M → Rs pondo fi = fi−1 em M−Vi e fi = µxi
em Ui . Ve-se que fi cumpre as condicoes (i), (ii) e (iii) acima. Para
finalizar, definimos f : M → Rs como o limite f(p) = lim
i→∞fi(p).
Observacoes:
1) Se k > 1, as imersoes f : Mm → Rs (s ≥ 2m) de classe Ck
formam um subconjunto denso de W 1(M ; Rs), pela Proposicao
9, Capıtulo X. Tal conjunto, evidentemente, nao e aberto em
W 1(M ; Rs). Entretanto, a mesma demonstracao acima se aplica
para a topologia W r. (Vide Secao 6, Capıtulo X.) Podemos entao
concluir que, se M ∈ Ck (k ≥ r) e 2m ≤ s, entao as imersoes
f : Mm → Rs, de classe Cr, formam um subconjunto aberto denso
de W r(M ; Rs).
2) Se existe um subconjunto fechado X ⊂Mm tal que f |X e uma
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[SEC. 3: IMERSOES INJETIVAS E MERGULHOS 279
imersao, onde f : Mm → Rs e de classe Cr, entao, dada qualquer
ε : M → R contınua e positiva, existe uma imersao g : M → Rs,
de classe Cr, tal que |g − f |r < ε em M e g = f em X. Para
obter isto basta, na demonstracao da proposicao acima, tomar
F = xi[(X ∪W 1 ∪ · · · ∪Wi−1) ∩ Ui].3) Dadas duas variedades arbitrarias Mm, N s, de classe Cr, com
s ≥ 2m, o conjunto das imersoes f : Mm → N s, de classe Cr, e
aberto e denso em W r(M ;N). A demonstracao se faz de modo
inteiramente analogo ao do caso N = Rs, tomando-se apenas o
cuidado de exigir que, para cada i, se tenha f(Ui) ⊂ Zi , onde
Zi ⊂ N e domınio de um sistema de coordenadas yi : Zi → Rs.
4) E possıvel demonstrar que toda variedade de dimensao n ad-
mite uma imersao em R2m−1. Entretanto as imersoes em geral nao
constituem um subconjunto denso de W 1(Mm;
R2m−1). Por exemplo, para m = 1, temos 2m − 1 = 1. En-
tretanto, as imersoes nao sao densas em W 1(R; R) pois a funcao
x 7→ x2 nao pode ser aproximada por imersoes. Com efeito, qual-
quer funcao C1-proxima de y = x2 deve ter pontos onde a derivada
e positiva e pontos de derivada negativa. Logo, deve ter pontos
onde a derivada e nula. Consequentemente, nao e uma imersao.
3 Imersoes injetivas e mergulhos
Mostraremos aqui que toda variedade de dimensao m pode ser
mergulhada no espaco euclidiano R2m+1. Isto sera consequencia
de resultados mais precisos que estabeleceremos. Incialmente, ve-
jamos um fato de Topologia Geral.
Lema 1. Sejam C = (Cα)α∈A e D = (Dα)α∈A coberturas local-
mente finitas do espaco topologico X, tais que Dα ⊂ Cα para todo
α ∈ A. Existe uma cobertura aberta U de X tal que se U, V ∈ U e
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280 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO E MERGULHO DE WHITNEY
U ∩ V 6= ∅ entao U ∪ V esta contido em algum Cα .
Demonstracao: Para cada x ∈ X escolhamos um ındice α(x) ∈A tal que x ∈ Dα(x) . Como a famılia (Dα)α∈A e ainda localmente
finita, podemos, para cada x ∈ X, tomar uma vizinhanca aberta
Ux , contida em Dα(x) e disjunta dos Dα que nao contem x. Ou
seja, Ux ∩ Dα 6= ∅ ⇒ x ∈ Dα . Diminuindo Ux se necessario,
podemos ainda fazer com que x ∈ Dα ⇒ Ux ⊂ Cα . Obtemos
assim uma cobertura aberta U = (Ux)x∈X tal que Ux ⊂ Dα(x) e
Ux ∩ Dα 6= ∅ ⇒ Ux ⊂ Cα , quaisquer que sejam x ∈ X e α ∈ A.
Nestas condicoes, Ux ∩Uy 6= ∅ ⇒ Ux ∩Dα(y) 6= ∅ ⇒ Ux ⊂ Cα(y) ⇒Ux ∪ Uy ⊂ Cα(y) a ultima implicacao valendo porque Uy ⊂ Cα(y) .
O lema esta demonstrado.
Proposicao 5. Seja Mm uma variedade de dimensao m e classe
Ck. Se s ≥ 2m + 1, as imersoes injetivas g : M → Rs, de classe
Ck, constituem um subconjunto denso de W 1(M ; Rs).
Demonstracao: Dadas f ∈W 1(M ; Rs) e ε : M → R contınua po-
sitiva, devemos obter uma imersao de classe Ck e injetiva, g : M →Rs, tal que |g − f |1 < ε em M . Pela Proposicao 9, Capıtulo X,
podemos supor f ∈ Ck. Em virtude da Proposicao 4, podemos
supor que f e uma imersao e que |g− f |1 < ε⇒ g imersao. Como
toda imersao e localmente um mergulho, a Proposicao 1, Capıtulo
VIII e o Lema 1 acima garantem a existencia de uma cobertura
localmente finita M =∞⋃i=1
Ui por domınios de sistemas de coorde-
nadas xi : Ui → Rm tais que xi(Ui) = B(3) e, se Ui∩Uj 6= ∅, entao
f |(Ui ∪Uj) e injetiva. Como de habito, poremos Vi = x−1i (B(2)) e
suporemos que os Wi = x−1i (B(1)) cobrem M . Definiremos indu-
tivamente uma sequencia de imersoes f1, f2, . . . , fi, . . . de M em
Rs com as seguintes propriedades:
(i) f1 = f e fi = fi−1 em M − Vi ;
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[SEC. 3: IMERSOES INJETIVAS E MERGULHOS 281
(ii) |fi − fi−1|1 <ε
2iem M (e portanto fi e uma imersao);
(iii) Se W r ∩W s 6= ∅ entao fi|(W r ∪W x) e injetiva (e portanto
um mergulho);
(iv) fi e injetiva em W 1 ∪ · · · ∪W i .
Pomos f0 = f e, supondo f0, . . . , fi−1 definidas e gozando dessas
propriedades, passamos a definicao de fi . Seja ϕi : M → [0, 1]
uma funcao de classe Ck tal que ϕi(W i) = 1, ϕi(M − Vi) = 0
e, alem disso ϕi(W j) = 0 para todo j < i com W j ∩ W i = ∅.Poremos fi(p) = fi−1(p) + ϕi(p) · v, onde v ∈ R
s e um vetor que
obteremos de modo a fazer cumprir as propriedades (i) a (iv). A
propriedade (i) e satisfeita para todo v e (ii) valera para qualquer
v cuja norma |v| seja suficientemente pequena. Para cumprir (iii),
basta considerar os W r e W s que intersetam V i . Ha um numero
finito destes. Pelo Escolio que se segue a Proposicao 6 do Capıtulo
X, (iii) valera para qualqur v ∈ Rs suficientemente pequeno. Ainda
por esse Escolio, fi sera um mergulho emW 1∪· · ·∪W i−1 para todo
v suficientemente pequeno. Para satisfazer (iv), escolhamos v,
conforme o Lema 1 da secao anterior, de tal modo que [fi−1(Ui)+
v] ∩ fi−1(Uj) = ∅ para todo j < i com W i ∩W j = ∅. Se p ∈ W i
e q ∈ W j (com j < i e W i ∩W j = ∅) entao fi(p) = fi−1(p) + v e
fi(q) = fi−1(q). Portanto fi(p) 6= fi(q). Segue-se que fi e injetiva
em W 1 ∪ · · · ∪W i , o que conclui a construcao da sequencia (fi).
Para finalizar, pomos g = lim fi .
Corolario. Seja Mm uma variedade compacta de dimensao m e
classe Ck. Se s ≥ 2m+1 os mergulhos f : M → Rs, de classe Ck,
constituem um subconjunto denso de W 1(M ; Rs) e os mergulhos
de classe C1 formam um aberto denso em W 1(M ; Rs).
Com efeito, sendo M compacta, um mergulho de M e simples-
mente uma imersao injetiva.
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282 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO E MERGULHO DE WHITNEY
Observacoes:
1) Segue-se das demonstracoes acima que os mergulhos de classe
Cr da variedade compacta Mm, de classe Cr, no espaco euclidiano
Rs (s ≥ 2m+ 1) formam um aberto denso em W r(M.Rs).
2) Dadas duas variedades arbitrarias Mm, N s, de classe Cr, com
s ≥ 2m+ 1, as imersoes injetivas f : Mm → N s, de classe Cr, for-
mam um subconjunto denso de W r(Mm;N s). Se M for compacta,
os mergulhos de classe Cr de M em N formam um subconjunto
aberto e denso de W r(Mm;N s). [Vide Observacao 3 na secao
anterior.]
3) As imersoes injetivas f : Mm → R2m+1 nao formam um sub-
conjunto aberto de W 1(M ; R2m+1). Com efeito, a imersao injetiva
f : R → R2, cuja imagem tem a forma do algarismo 6, pode ser
arbitrariamente aproximada em classe C1 por imersoes que nao
sao injetivas
Figura 11.2.
4) A imersao f : S1 → R2, cuja imagem tem a forma do algarismo
8, nao pode ser aproximada (sequer em classe C0) por uma imersao
biunıvoca. Isto mostra que 2m + 1 e a dimensao mınima para a
validez da proposicao anterior. Pode-se, entretanto, demonstrar
(com metodos bem mais avancados) que o conjunto das imersoes
biunıvocas, e mesmo dos mergulhos, de Mm em R2m e nao-vazio,
para toda Mm.
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5) Os mergulhos de uma variedade nao-compacta Mm em R2m+1
nao formam um subconjunto denso de W 1(M ; R2m+1). Isto se
deve a uma razao meramente topologica. Sejam X, Y espacos
metricos e f, g : X → Y aplicacoes contınuas. Lembremos que o
conjunto limite L(f) e formado pelos pontos y = lim f(xn), onde
xn → ∞ em X. E facil verificar que se existe um c > 0 tal que
d(f(x), g(x)) < c entao L(f) = L(g). Suponhamos agora que
L(f) contem uma bola B(f(a); ε), a ∈ X. Neste caso f : X → Y ,
mesmo que seja injetiva, nao sera um homeomorfismo sobre f(X),
pois a aplicacao contınua injetiva f e um homeomorfismo sobre
sua imagem se, e somente se, L(f) ∩ f(X) = ∅. Mais ainda se
d(g(x), f(x)) < ε para todo x ∈ X entao g : X → Y tampouco
podera ser um homeomorfismo sobre f(X). Com efeito, teremos
g(a) ∈ B(f(a), ε) ⊂ L(f) = L(g) e portanto L(g) ∩ g(X) 6= ∅.Construiremos agora uma imersao injetiva f : R → R
3, de classe
C∞, tal que L(f) contem um cubo ao qual pertencem varios pon-
tos de f(R). Resultara que nenhuma g : R → R3 suficientemente
proxima de f podera ser um mergulho. Para definir f , tomamos
o cubo unitario
Bn
An
An+1
Figura 11.3.
C = [0, 1]×]0, 1] × [0, 1] ⊂ R3. Por cada ponto (r, s, 0) de co-
ordenadas racionais r, s na base de C fazemos passar um seg-
mento vertical J = (r, s)× [0, 1]. Enumeramos esses segmentos na
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forma Jn , n ∈ Z. Exprimimos a reta como reuniao de intervalos
unitarios justapostos An , Bn , n ∈ Z, onde An = [2n, 2n + 1] e
Bn = (2n + 1, 2n + 2). Fazemos com que f aplique An sobre Jnisometricamente e usamos o intervalo Bn para ligar suavemente
An com An+1 . E imediato que L(f) ⊃ C.
Mostraremos agora que existem de fato mergulhos de Mm em
Rn+1.
Proposicao 6. Seja Mm de classe Ck e dimensao m. Se s ≥ 2m+
1, os mergulhos proprios g : Mm → Rs, de classe C1, constituem
um aberto nao-vazio em W 1(M ; Rs).
Demonstracao: Seja Σϕi = 1 uma particao da unidade de classe
Ck em M . A funcao real λ : M → R, definida por λ(p) = Σi·ϕi(p),e propria. Tomando-se um vetor v 6= 0 em R
s e pondo-se f(p) =
λ(p) ·v, obtem-se uma aplicacao propria f : M → Rs, de classe Ck.
Pela proposicao anterior, existe uma imersao injetiva g : M →Rs, de classe Ck, tal que |f(p) − g(p)| < 1 para todo p ∈ M .
Isto implica L(g) = L(f) = ∅, donde g e propria e portanto um
mergulho. Assim nao e vazio o conjunto dos mergulhos proprios
de M em Rs. Este conjunto e a intersecao de dois abertos, (as
aplicacoes proprias e os mergulhos) logo e aberto.
Corolario. Seja Mm uma variedade de classe Ck, k ≥ 1. Existe
um mergulho f : Mm → R2m+1, de classe Ck, tal que a imagem
f(M) e uma superfıcie de classe C∞.
Com efeito, basta usar a Proposicao 10 do Capıtulo X.
Proposicao 7. Todo atlas maximo de classe Ck (k ≥ 1) numa
variedade Mm contem um atlas (maximo) de classe C∞.
Demonstracao: Vide Observacao seguinte a Proposicao 10, Ca-
pıtulo X.
Proposicao 8. Toda variedade Mm de classe Ck possui uma
metrica riemaniana completa de classe Ck−1.
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[SEC. 3: IMERSOES INJETIVAS E MERGULHOS 285
Demonstracao: Devemos obter em M uma metrica riemaniana
cuja distancia intrınseca correspondente torne M um espaco me-
trico completo. Consideremos um mergulho proprio f : M → Rs,
de classe Ck e tomemos em M a metrica riemaniana induzida
por f da metrica usual em Rs. Ela faz de f uma isometria, de
modo que, por simplicidade, podemos identificar M com f(M),
tomando assim M como uma superfıcie em Rs. Como f e propria,
a superfıcie M sera um subconjunto fechado de Rs. Seja (pn) uma
sequencia de Cauchy em M , relativamente a distancia intrınseca d.
Como |p−q| ≤ d(p, q), segue-se que (pn) e de Cauchy relativamente
a norma de Rs. Sendo este espaco completo, existe p ∈ R
s tal que
lim |p−pn| = 0. Como M e fechada em Rs, temos p ∈M . Como a
distancia intrınseca e a norma definem em M a mesma topologia,
temos lim d(pn, p) = 0. Assim, M e completo relativamente a
distancia intrınseca.
Observacoes:
1) Os mergulhos proprios de classe Ck formam um subconjunto
nao-vazio de W 1(M ; Rs), o qual so e aberto se k = 1. Se, porem,
tomarmos a topologia de Whitney de classe Ck, os mergulhos de
classe Ck formam um aberto em W k(Mm; Rs), s ≥ 2m+ 1.
2) Vimos que se f : M → Rs mergulhaM sobre um subconjunto fe-
chado de Rs entao a metrica euclidiana de R
s induz em M , atraves
de f , uma metrrica riemaniana completa. Deve-se observar que a
recıproca e falsa: dado um mergulho isometrico f : M → Rs, onde
M e uma variedade riemaniana completa, f(M) pode deixar de
ser um subconjunto fechado de M . Exemplo: tome o mergulho
f : R → R2, definido por f(t) = (1 + et)eit. (Geometricamente,
f(R) espirala em torno do cırculo S1 quando t → −∞.) Repara-
metrizando f pelo comprimento de arco, obteremos um mergulho
isometrico g : R → R2. Entretanto, g(R) = f(R) nao e um sub-
conjunto fechado de R2. Em outras palavras: considerando uma
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286 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO E MERGULHO DE WHITNEY
superfıcie M ⊂ Rs com a metrica riemaniana induzida por R
s, a
distancia intrınseca pode fazer de M um espaco metrico completo,
sem que M seja um subconjunto fechado de Rs.
3) Dadas arbitrariamente duas variedades Mm, N s, de classe Ck,
com s ≥ 2m+ 1, os mergulhos de classe Ck de Mm em N s consti-
tuem um subconjunto aberto nao-vazio de W k(M ;N). Para ver
isto, basta considerar emN um sistema de coordenadas y : V → Rs
tal que y(V ) = Rs. Obtido um mergulho g : M → R
s, a composta
y−1 g : M → N sera tambem um mergulho.
4 Espacos de Baire
Nesta secao, melhoraremos a Proposicao 5, mostrando que,
para s ≥ 2m, as imersoes injetivas de Mm em Rs formam um
conjunto de Baire em W 1(M ; Rs). Isto e mais do que dizer que
elas formam um subconjunto denso. Com efeito, a intersecao de
dois subconjuntos densos de um espaco X pode ser vazia (por
exemplo: [racionais] ∩ [irracionais] = ∅) mas a intersecao de uma
famılia enumeravel de conjuntos de Baire, num espaco de Baire X,
e ainda um conjunto de Baire, e portanto denso em X. Os conjun-
tos de Baire sao os analogos topologicos dos complementares de
conjuntos de medida nula em Rn. Essa analogia, entretanto, nao
funciona em qualquer espaco topologico, mas apenas nos espacos
de Baire. Passemos as definicoes formais.
O analogo topologico de um conjunto de medida nula e um
conjunto magro. Um subconjunto S de um espaco topologico diz-
se magro em X quando S =∞⋃i=1
Si e reuniao enumeravel de conjun-
tos Si ⊂ X tais que int(Si) = ∅. Assim um conjunto S e magro
em X se, e somente se, S ⊂∞⋃i=1
Fi onde cada Fi e um subconjunto
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[SEC. 4: ESPACOS DE BAIRE 287
fechado de X com intFi = ∅.O complementar de um subconjunto magro e chamado um
conjunto de Baire. Portanto, um subconjunto B de um espaco
topologico x e um conjunto de Baire em X se, e somente se,
B =∞⋂i=1
Ai e a intersecao enumeravel de subconjuntos Ai ⊂ X
tais que intAi e denso em X. Para que B ⊂ X seja um subcon-
junto de Baire em X e necessario e suficiente que A contenha uma
intersecao enumeravel de subconjuntos abertos e densos em X.
Uma reuniao enumeravel de subconjuntos magros de X e ma-
gra em X. Por dualidade, uma intersecao enumeravel de subcon-
juntos de Baire de X e tambem um subconjunto de Baire de X.
Um espaco topologico X diz-se um espaco de Baire quando
todo subconjunto de Baire B ⊂ X e denso em X. Equivalente-
mente, X e um espaco de Baire se todo subconjunto magro de X
tem interior vazio.
O conhecido “Teorema da Categoria de Baire”afirma que to-
dos os espacos metricos completos, bem como todos os espacos to-
pologicos localmente compactos de Hausdorff sao espacos de Baire.
Imitaremos agora a demonstracao deste resultado classico, ob-
tendo a
Proposicao 9. Qualquer que seja a variedade diferenciavel M ,
W 1(M ; Rs) e um espaco de Baire.
Demonstracao: Seja B =⋂Ai a intersecao de uma sequencia
enumeravel A1, A2, . . . , Ai, . . . de subconjuntos abertos densos de
W 1(M ; Rs). Queremos mostrar que B e denso em W 1(M ; Rs).
Seja U um qualquer subconjunto aberto e nao-vazio neste espaco.
Provaremos a existencia de um elemento f ∈ U ∩ B. Dada uma
funcao contınua e positiva ε : M → R indicaremos com W 1[g; ε]=
h ∈W 1(M ; Rs); |h − g|1 ≤ ε a “bola fechada”com centro g ∈W 1(M ; Rs). Como A1 e aberto e denso, existem f1 ∈W 1(M ; Rs)
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288 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO E MERGULHO DE WHITNEY
e ε1 : M → (0,∞) tais que W 1[f1; ε1] ⊂ A1∩U . Como A2 e aberto
e denso, podemos encontrar f2 ∈ W 1(M ; Rs) e ε2 : M → (0,∞)
tais que W 1[f2; ε2] ⊂ A2∩W 1[f1 · ε1] ⊂ A1∩A2∩U . Por inducao,
encontramos uma sequencia de aplicacoes f1, f2, . . . , fi, . . . em
W 1(M ; Rs) e uma sequencia de funcoes contınuas ε1, ε2, ... :M→(0,∞) tais que W 1[fi; εi] ⊂ Ai ∩ [fi−1; ei−1] ⊂ A1 ∩ · · · ∩ Ai ∩ U .
Podemos supor ε1 ≥ ε2 ≥ · · · ≥ εi ≥ . . . e que εi(p) < 1/i para
todo p ∈M .
Notemos que para todo p ∈ M e para todo par de naturais i,
r tem-se
(*) |fi(p)− fi+r(p)| ≤ εi(p) e |f ′i(p)− f ′i+r(p)| ≤ εi(p)
pois fi+r ∈ W 1[fi; εi]. Por conseguinte (fi(p)) e (f ′i(p)) sao se-
quencias de Cauchy em Rs e L(TMp; R
s) respectivamente. Logo
existem, para cada p ∈ M , os limites f(p) = limi→∞
fi(p) ∈ Rs e
f(p) = limi→∞
f ′i(p) ∈ L(TMp; Rs). Fazendo r → ∞ nas desigual-
dades (*) obtemos
(**) |fi(p)−f(p)|≤εi(p)<1/i e |f ′i(p)−f(p)|≤εi(p)<1/i
para todo inteiro i e para todo p ∈M .
Queremos mostrar que f ∈ C1 e que f ′(p) = f(p) para todo
p ∈ M . Basta mostrar isto localmente. Em torno de cada ponto
de M , consideraremos um sistema de coordenadas x : U → Rm e,
por simplicidade, poremos ϕ = x−1. Podemos sempre supor que
|ϕ′| e limitada em x(U). Entao, as desigualdades (**) implicam
que a sequencia de aplicacoes fiϕ : x(U)→ Rs e fiϕ · ϕ′ : x(U)→
L(Rm; Rs) convergem uniformemente em x(U) para fϕ e fϕ · ϕ′,respectivamente. Por um teorema conhecido de Analise (vide
AERn, Prop. 7 do Cap. 6), segue-se que fϕ ∈ C1 e (fϕ)′ = fϕ·ϕ′.Isto significa que f ∈ C1 em U e, como (fϕ)′ = f ′ϕ · ϕ′, temos
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[SEC. 4: ESPACOS DE BAIRE 289
f ′ = f em U . Como os abertos U cobrem M , concluimos que
f ∈ W 1(M ; Rs) e f(p) = f ′(p) para todo p ∈ M . As desigual-
dades (**) significam que
f ∈∞⋂
i=1
W 1[f ; εi] ⊂ (A1 ∩A2 ∩ · · · ∩Ai ∩ . . . ) ∩ U
como querıamos demonstrar.
Observacoes:
1) Nao se pode concluir, na demonstracao acima que fi → f no
sentido do espaco W 1(M ; Rs).
2) Para todo r ≥ 0, W r(M ; Rs) e um espaco de Baire. A demons-
tracao se faz nas mesmas linhas da anterior.
3) Para Mm e N s quaisquer, W r(Mm;N s) e um espaco de Baire.
(Usar o mesmo princıpio da demonstracao acima, tomando coor-
denadas locais em N , com imagem Rs.)
O resultado abaixo refina a Proposicao 5.
Proposicao 10. Seja Mm uma variedade de dimensao m e classe
Ck. Se s ≥ 2m + 1, as imersoes injetivas g : M → Rs, de classe
C1, formam um conjunto de Baire em W 1(M.Rs).
Demonstracao: Seja X o conjunto das imersoes injetivas de
classe C1 de M em Rs. Escrevendo M =
⋃Xi como reuniao
enumeravel de compactos, com Ki ⊂ Ki+1 , vemos que X =⋂Xi onde, para cada i = 1, 2, . . . , Xi e o conjunto das aplicacoes
f : M → Rs, de classe C1, tais que f |Ki e um mergulho. Basta
entao demonstrar que cada Xi e aberto e denso em W 1(M ; Rs).
Que Xi e aberto segue-se do Escolio seguinte a Proposicao 6,
Capıtulo X. Que e denso, demonstra-se do mesmo modo que na
Proposicao 5.
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ACRESCIMOS E ESCLARECIMENTOS
As abreviaturas AERn e ETG referem-se aos livros:
“ Analise no Espaco Rn - por Elon Lages Lima.
Colecao Matematica Universitaria, IMPA, 2004.
“Elementos de Topologia Geral- por Elon Lages Lima.
Editora Ao Livro Tecnico, 1970.