Universidade do Minho Escola de Direito Vânia Andrea Oliveira Gomes janeiro de 2016 Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP Vânia Andrea Oliveira Gomes Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP UMinho|2016
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Universidade do MinhoEscola de Direito
Vânia Andrea Oliveira Gomes
janeiro de 2016
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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Vânia Andrea Oliveira Gomes
janeiro de 2016
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
Trabalho efetuado sob a orientação daProfessora Dra. Maria Clara da Cunha Calheiros de Carvalho e do Prof. Dr. Emanuel Pedro Viana Barbas Albuquerque
Dissertação de MestradoMestrado em Direito Judiciário
Universidade do MinhoEscola de Direito
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
III
Agradecimentos
Aos meus pais, que me incentivaram sempre a estudar e alcançar todos os meus sonhos
e que sem eles a minha carreira académica não seria possível.
Ao meu irmão, que esteve sempre presente e me apoiou na conclusão desta dissertação.
Às minhas amigas Cláudia e Joana que sempre me questionaram sobre o
desenvolvimento da minha dissertação, o que me motivou a avançar com este trabalho.
Ao meu namorado Flávio, que nos momentos de maior tensão, sempre teve uma palavra
mais acertada.
E essencialmente, à minha orientadora, Professora Doutora Clara Calheiros, que com a
sua pacificidade e capacidade de expressão, me ajudou a compreender o Direito com a
maior objetividade. E ao meu orientador, Professor Doutor Pedro Albuquerque, que
incansavelmente me apoiou na parte inerente à Psicologia e que prontamente me ajudou
a elaborar um trabalho cada vez melhor.
A todas as pessoas aqui mencionadas, um enorme obrigada!
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
IV
Mestrado em Direito Judiciário
“Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP”
Autor: Vânia Andrea Oliveira Gomes
Orientadora: Professora Doutora Maria Clara Calheiros
Co-Orientador: Professor Doutor Emanuel Pedro Viana Barbas Albuquerque
Resumo
A relevância dada ao artigo 328º nº6 do CPP surge por força da necessidade do
STJ, de 29 de outubro de 2008, em fixar jurisprudência por divergência entre acórdãos.
A interpretação dada a este artigo prevê que caso a audiência de julgamento não possa
ser retomada no prazo de trinta dias perde a eficácia da prova já produzida oralmente,
com sujeição ao princípio da imediação. Tal perda de eficácia ocorre
independentemente da existência da documentação a que alude o artigo 363º do mesmo
diploma. Os meios adequados à gravação da audiência de julgamento entraram em vigor
pelo Decreto-Lei nº39/95, de 15 de fevereiro. Este decreto implicava que os Tribunais
dispusessem dos meios técnicos de gravação magnetofónica em ordem a assegurar a
reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência. No entanto, só
em 2007 pela lei nº48/2007, de 29 de agosto, é que se dá o culminar do processo
encetado em meados dos anos 90: determina-se agora que a documentação das
declarações orais prestadas em audiência é sempre obrigatória, sob pena de nulidade.
No entanto, o CPP continuava a prever a preclusão da mesma caso o adiamento da
audiência ultrapassasse os trintas dias.
O princípio da imediação chamado à colação no acórdão surge como meio
justificativo para não permitir que a audiência exceda os 30 dias sem que a prova
precluda, pois 30 dias, de acordo com o acórdão, são o limite máximo para manter viva
as perceções retiradas do julgamento inerentes ao julgador. A psicologia veio mostrar-
nos que a memória humana está sujeita a inúmeros fatores que prejudicam a capacidade
de recordar e que atuam desde a codificação da informação.
Palavras-chave: Artigo 328º, memória, preclusão da prova, meios tecnológicos,
princípio da imediação, limitações ao princípio da imediação.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
V
“Intervention of Psychology in Law: reflexions on article 328º CPP”
Abstract
The need of the STJ (29 October 2008) to fix jurisprudence caused by a
divergence amongst court rulings, translates in the importance given to article 328 nº 6
of the CPP. The interpretation given to that article provides that if the trial hearing can't
be resumed within thirty days it loses the effectiveness of evidence already produced
orally. This loss occurs regardless of the existence of the documentation referred in the
article 363 of the same legal diploma. The appropriate means to the recording of the
trial hearing entered into force by Decree-Law no.39/95, of 15 February. This decree
meant that the courts had the technical means of recording a cassette in order to ensure
the full reproduction of the declarations made orally in audience. However, only in 2007
by Law No48/2007 of 29 August, we see real progress of the process started in the mid-
1990s. Now it is enforced that the documentation of oral statements provided in
audience is always mandatory, under penalty of nullity. Nevertheless, the CPP
continued predicting the preclusion of it if the hearing postponement exceeds thirty
days.
The principle of immediacy called upon the court ruling implies the
disallowance of the audience to exceed the thirty days without the proof losing all its
value. According to the judgement, thirty days are the maximum limit to keep alive the
perceptions withdrawn from the trial inherent to the magistrate.. Psychology has shown
us that human memory is influenced by unlimited facts that cause prejudice to the
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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Índice
Agradecimentos
Resumo
Abstract
Índice de ilustrações VIII
Lista de siglas e abreviaturas IX
Introdução 10
CAPÍTULO I
Parte I – A memória humana: da perceção à recordação
1. O conceito de memória humana 12
1.1.O processo de memorização 17
2. O modelo de memória humana 19
3. A falibilidade da memória humana: as sete transgressões 25
4. As teorias do esquecimento: um problema da memória humana 32
Parte II – Análise ao acórdão do STJ de 29 de outubro de 2008: Estudos da Psicologia
1. O juiz e a sua livre apreciação: a influência da memória 37
2. O tempo: trinta dias são determinantes para a preclusão da prova? 41
3. A produção de nova prova oral: reprodução da informação 44
4. A preclusão da prova versus visualização da audiência de julgamento 48
CAPÍTULO II
Parte I – Reflexão ao artigo 328º do CPP: o princípio da imediação
1. Reflexão ao artigo 328º do CPP: o adiamento da audiência de julgamento e
consequente preclusão da
prova 53
2. O processo evolutivo do artigo 328º do CPP em estreita ligação ao artigo 363º
do CPP 64
3. A emergência do princípio da imediação no ordenamento jurídico
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
VII
português 72
3.1.O juiz e a imediação: uma aliança histórica 79
i) As regras de experiência 80
3.2.A oralidade em consonância com a imediação 83
4. As limitações ao princípio da imediação: o aproveitamento probatório das
declarações processuais do arguido anteriores ao
julgamento 87
4.1.As exceções ao princípio da imediação/ norma do artigo 355º do CPP 88
i) O princípio do contraditório 90
ii) A Lei nº20/2013, de 21 de fevereiro: o aproveitamento das declarações do
arguido prestadas numa fase anterior ao
julgamento 94
5. O princípio da concentração e da celeridade processual: uma (des)aproximação
ao princípio da imediação 97
6. Uma última e breve consideração: a atualização ao artigo 328º do CPP 103
Conclusão 106
Bibliografia 111
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
VIII
Índice de ilustrações
Ilustração I – Curva do Esquecimento
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
IX
Lista de Siglas e Abreviaturas
Anamatra – Associação de Magistrados da Justiça de Trabalho
CC – Código Civil
CEDH – Convenção Europeia dos Direitos do Homem
CEJ – Centro de Estudos Judiciários
CPP – Código de Processo Penal
CRP – Constituição da República Portuguesa
D.L. – Decreto de Lei
MP – Ministério Público
OA – Ordem de Advogados
Proc. – Processo
RP – Relação do Porto
STPO – Código de Processo Penal alemão
TC – Tribunal Constitucional
TRC – Tribunal da Relação de Coimbra
TRP – Tribunal da Relação do Porto
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
Vol. – Volume
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 10 -
Introdução
A contribuição da Psicologia no Direito não é recente, a primeira aproximação
surge no final do século XIX através da Psicologia do Testemunho. Freud também
desenvolveu alguns estudos sobre o processo mental de formação da decisão nos juízes.
O processo de memorização tem merecido especial atenção tanto para a Psicologia
assim como para o Direito, desde que os estudos sobre a memória têm mostrado que
existem inúmeros fatores, tais como a distorção, a persistência, a sugestionabilidade,
entre outros, capazes de alterar a informação retida.
A escolha deste tema surgiu após a análise do acórdão do STJ, de 29 de outubro
de 2008, que aborda a temática da preclusão da prova caso o adiamento da audiência de
julgamento exceda os trinta dias, de acordo com a norma do artigo 328º nº6 do CPP.
Este acórdão fixou jurisprudência no sentido da preclusão da prova, com sujeição ao
princípio da imediação. Assim que li este acórdão no que se refere à justificação dada
para a preclusão da prova com base em contribuições da psicologia e por já ter abordado
o tema da memória no meu projeto de graduação, deparei-me com algumas
incongruências entre aquilo que o Direito dizia ser e aquilo que a Psicologia tinha
mostrado com os seus estudos, tais como, o limite de trinta dias como um limite
inultrapassável para manter viva as perceções retiradas de um evento (como por
exemplo, num julgamento).
Também, e após uma breve análise sobre o princípio da imediação, achei que
este princípio, apesar de fundamental ao processo penal e ser um dos princípios mais
apreciados assim que que se passou de um processo do tipo inquisitório para um
processo do tipo acusatório (mitigado por um princípio da investigação), mostrava-se
nos meandros do processo penal um pouco defraudado, logo, não deveria ser tomado
tão em conta como justificativo para a preclusão da prova. E, uma vez que, após a
alteração ao CPP em 2007, as declarações orais prestadas em sede de julgamento têm de
ser obrigatoriamente gravadas pelos meios técnicos idóneos, sob pena de nulidade, não
há qualquer preocupação em que as informações se percam na “memória do julgador” e
não permitam uma correta deliberação por parte do julgador do caso, assim o princípio
da imediação não fica claudicado. O princípio da imediação sugere a ideia de uma
aproximação comunicante entre o tribunal e os sujeitos processuais, para efeito de
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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formação da convicção do tribunal através da apreensão pessoal do julgador, ou seja,
tem de haver uma imediatividade entre o julgador e os meios de prova trazidos a
tribunal. A este princípio ligam-se princípios como o da oralidade, o do contraditório, o
da concentração, o da celeridade, e entre outros.
Assim sendo, decidi estabelecer um elo interdisciplinar entre a Psicologia e o
Direito, mostrando que há uma necessidade de chamar à colação determinadas ciências,
para dar um melhor fundamento a determinadas conceções doutrinárias. Daí que a
escolha do tema tenha sido a atuação da psicologia no direito, com particular reflexão
sobre artigo 328º do CPP.
Este trabalho começa por abordar no seu capítulo I o tema da memória,
mostrando os estudos sobre o processo de memorização, o porquê da memória humana
ser falível e quais as teorias do esquecimento que melhor justificam o desvanecimento
das informações codificadas. Numa fase seguinte, segue-se, ainda na área da Psicologia,
uma vertente mais reflexiva, dando a conhecer como é que a memória influência o juiz
no momento em que faz atuar o princípio da livre apreciação da prova, assim como
mostra que os trinta dias não se encaixam como um limite inultrapassável para manter
as informações codificadas, e se visualizar/ ouvir a gravação da audiência de julgamento
é mais benéfico para o julgador do que a preclusão da prova. No capítulo II, referente ao
Direito, inicia por uma reflexão ao artigo 328º do CPP, traz-nos também o processo
evolutivo do artigo anterior com ligação ao artigo 363º do CPP. Fala-nos da importância
e da emergência do princípio da imediação no ordenamento jurídico português, e ainda
quais as limitações a este princípio, tais como, o aproveitamento das declarações do
arguido prestadas numa fase anterior ao julgamento, para deliberação por parte do
julgador. Por fim, e no mesmo capítulo, e porque o artigo 328º do CPP sofreu uma
alteração em 2015 no seu nº6, é feita uma breve consideração sobre esta atualização
normativa.
Posto isto, é importante perceber que cada vez mais há uma necessidade patente
de haver uma interação entre as várias ciências, e que todas estas ciências possam
contribuir de forma significativa para uma melhor e correta aplicação da justiça. Afinal,
o conhecimento bem fundamentado foi sempre visto como uma arma evolutiva.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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CAPÍTULO I
Parte I – A memória humana: da perceção à recordação
1. O conceito de memória humana
A memória humana1 é uma função cerebral importante, já que o fundamental
para qualquer ser humano é a sua capacidade para armazenar experiências futuras e
poder beneficiar delas numa atuação futura2. Ellis e Hunt (1995) defendem que a
memória humana é de facto o coração do funcionamento intelectual humano3,
justificando-se a partir de uma visão de um ser humano sem memória, o que não
permitiria planear ações futuras, ter qualquer tipo de relação com o meio externo,
construir a personalidade e desempenhar determinados comportamentos4. Para Ferreira
e Amaral (2004)5 falar de memória é falar de uma certa estrutura de arquivamento que
permite ao Homem experiências socialmente significativas do passado, integrá-las no
presente e percecionar o futuro. Na neuropsicologia a memória humana é tida como
uma função cerebral complexa, situada nas estruturas corticais do cérebro, ligando-se a
outras áreas de cognição, tais como, a atenção, o raciocínio, a perceção, a
aprendizagem, a consciência ou as emoções, e integra-se numa extensa rede neuronal
dependendo da integridade de todo o sistema.
Atualmente6, os investigadores da memória humana7 defendem que a mesma
não é uma entidade única com subdivisões especificas e que trabalha na maior parte do
1 Para entender a memória humana é fundamental saber quais os processos que envolvem a aquisição, o armazenamento e a
evocação.
2 Ballesteros, S. “Memória Humana: investigación y teoria”. Psicothema, vol. 4,1999, pp. 705-723.
3 Estes autores defendem que a memória humana não é apenas um armazenador estanque do passado, mas torna-se base importante
para toda a nossa vida mental.
4Nunes, B. “Memória: funcionamento, perturbações e treino”. Lisboa, Lidel, 2008.
5 Ferreira, J & Amaral, A. “Memória eletrónica e desterritorialização”. Política & Sociedade, vol. 4, pp.137-166
6 Posner (1980) relata o interesse pela memória desde os gregos com Diogénese e Apodônia. Neste tempo relacionaram a memória
ao ar, uma vez que notaram que o Homem respirava com maior facilidade após recordar um facto esquecido, cit in Neufeld, C. &
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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tempo em série, mas que existem diversos sistemas de memória e que estes podem
operar em paralelo.
Nos anos 60 o que se encontrava em discussão entre os investigadores dedicados
à memória era a distinção entre a memória a curto prazo e a memória a longo prazo,
pois era uma preocupação dos estudiosos distinguir o que era provisório e o que era
permanente no funcionamento da memória8 tendo sido desenvolvidos vários modelos
que pretendiam descrever a arquitetura básica dos sistemas da memória. Nesta mesma
década foi proposto por vários autores a distinção de vários componentes da memória a
longo prazo, no entanto neste trabalho será usada a classificação de memória a longo
prazo de Squire (1992).
A classificação de Squire (1992) promove uma grande distinção entre memória
explícita ou declarativa e memória implícita ou não declarativa. A memória explícita
refere-se à memória que o sujeito pode relatar verbalmente e processa-se de forma
consciente. Nas provas de memória explícita é exigida a recuperação voluntária de um
evento previamente armazenado, ou seja, a recuperação é intencional e o sujeito é
consciente do evento9. A memória implícita traduz-se no conhecimento de como se
desempenha determinada ação, como por exemplo, andar de bicicleta10. Nas provas de
memória implícita a evocação das informações é feita por meio de desempenho11 em
vez de reconhecimento consciente. Em 1972, o psicólogo canadiense Endel Tulving12
propôs uma divisão na memória explícita, a memória semântica e a memória episódica,
a partir dos avanços feitos nos anos 60 na ciência informática. A memória episódica
retém informações num contexto espacial e temporal de determinado evento que marca
Stein, L. “A compreensão da memória segundo diferentes perspetivas teóricas”. Revista Estudos da Psicologia, v.18, 2001, pp. 50-
63.
7 Autores como Baddeley, Albuquerque, Schacter.
8 Miranda, D. et all. “A importância da memória de trabalho na gestão do conhecimento”. Ciência & cognição, vol. 9,2006, pp. 111
a 119.
9 Autor cit in Ballesteros, S. “Memória Humana: investigación y teoria”. Psicothema, vol. 4, 1999, pp. 705-723.
10 Fernandes, P. “Memória e envelhecimento: a influência da idade no declínio da memória de trabalho”. Dissertação de mestrado,
Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal, 2012.
11 Nas provas implícitas, a memória é avaliada através dos efeitos no desempenho de tarefas específicas, como a aprendizagem
repetida, a ativação repetida e a completação de palavras, entre outras. Vide Pinto, A. “Memória, cognição e educação: Implicações
mútuas”. Educação, cognição e desenvolvimento: Textos de psicologia educacional para formação de professores, 2001, pp. 17-54.
12 Tulving, E. “Episodic and semantic memory”. Organization of memory, London, vol. 381, 1972, pp. 381-402.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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o passado do sujeito, ou seja, surge a partir de acontecimentos de vida previamente
experienciados. A memória semântica relaciona-se com o conhecimento sobre o mundo,
estendendo-se entre o simples conhecimento do significado das palavras até aos
atributos sensoriais e conhecimentos gerais, como por exemplo, o funcionamento de
uma dada sociedade. Na memória implícita não há uma divisão clara, mas é possível
distinguir-se quatro componentes:
A memória procedimental;
A pré-ativação ou efeito de priming;
O condicionamento clássico simples;
A aprendizagem não associativa.
A memória procedimental relaciona-se com a aprendizagem de competências
cognitivas e motoras nas mais diversas situações do quotidiano. A pré-ativação ou
priming é um efeito no qual a exposição prévia a um determinado estímulo influencia a
resposta quando o mesmo estímulo é apresentado posteriormente, ou seja, a
apresentação de um item influencia o processamento de um item subsequente. O
condicionamento clássico simples, descrito inicialmente por Ivan Pavlov13, refere-se a
um tipo de aprendizagem no qual um estímulo neutro é apresentado juntamente com um
estímulo que provoca uma resposta, por outras palavras, implica a associação entre dois
estímulos em que o estímulo neutro adquire propriedades de um estímulo significativo.
Por fim, a aprendizagem não associativa ocorre quando um sujeito é submetido a um
estímulo reiteradamente, e de acordo com Cardoner e Urretavizcaya em 200614, traduz-
se em fenómenos de habituação e sensibilização. A habituação surge como uma
diminuição na resposta quando há um estímulo familiar e previamente reconhecido. A
sensibilização traduz-se na apresentação de um estímulo ameaçador em que a resposta
dada a este estímulo é mais intensa e prudente.
O modelo modal ou também designado de modelo dos três sistemas de
armazenamento de informações de Atkinson e Shiffrin (1968)15 refletia a ideia da
13 Ivan Pavlov foi um fisiólogo russo, ficou conhecido pelas suas descobertas no processo digestivo dos animais. O que mais tarde
originou a teoria do condicionamento clássico na psicologia do comportamento.
14 Autor cit in Fernandes, P. “Memória e envelhecimento: a influência da idade no declínio da memória de trabalho”. Dissertação
de mestrado, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal, 2012.
15 Autores cit in Miranda, D. et all. “A importância da memória de trabalho na gestão do conhecimento”. Ciência & cognição, vol.
9, 2006, pp. 111-119.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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memória humana ser uma entidade única com processamento serial, isto porque, e de
forma sucinta uma vez que irá ser explanada a teoria no ponto seguinte deste trabalho,
presumia que a entrada da informação dava-se a partir do ambiente e processada numa
primeira fase pela memória sensorial. Posteriormente, a informação seria transferida
temporariamente para a memória a curto prazo antes de ser registada na memória a
longo prazo. Embora fosse um modelo com rigor científico, os teóricos criticaram-no
por ser excessivamente estático, apontando uma similaridade nas tarefas desempenhadas
pelos diferentes tipos de memória o que sugeria processos comuns, logo um sistema de
memória unitário e serial.
No entanto, já em 1890 William James16 propôs a possibilidade da memória não
ser um sistema unitário, com a divisão entre uma memória primária e uma memória
secundária, levando mais tarde à conceção da memória a curto prazo e da memória a
longo prazo respetivamente. Estas memórias eram entendidas como memórias que
estariam disponíveis na consciência (memória primária) e como memórias mais
duradouras (memória secundária)17. Mas esta ideia só começou a ganhar força nos finais
dos anos 60 do século XX, quer como resultado da investigação experimental quer
como resultado da investigação neuropsicológica. Glanzer e Cunitz em 196618
corroboraram a ideia de uma memória não unitária através dos seus trabalhos
experimentais. Estes trabalhos realizados sobre tarefas de recordação livre de uma lista,
mostraram que as palavras do início e do fim da lista eram melhor recordadas que as
palavras que se encontravam no meio da lista, efeitos conhecidos como o efeito de
recência19 e o efeito de primazia20 respetivamente. No entanto, quando a recordação era
retardada, o efeito de recência tendia a desaparecer e o efeito de primazia apresentava-se
16 William James através de uma analogia de Platão “memória seria análoga a uma impressão de cera guardada de modo como o
evento havia ocorrido e, se ela se perdesse, era porque não havia sido realmente vivenciado”, traduz a ideia que as impressões
mnemónicas não são eliminadas, mesmo que as informações originais não possam ser recordadas pelo sujeito num determinado
evento, cit in Neufeld, C. & Stein, L. “A compreensão da memória segundo diferentes perspetivas teóricas”. Revista Estudos da
Psicologia, v.18, 2001, pp. 50-63.
17 Nunes, M. & Castro, A. “Memória de trabalho: uma breve revisão”. Cadernos da Saúde, vol.2, nº1, 2009, pp. 89-96.
18 Autores cit in Nunes, M. & Castro, A. “Memória de trabalho: uma breve revisão”. Cadernos da Saúde, vol.2, nº1, 2009, pp. 89-
96.
19 Capacidade para memorizar os últimos itens de uma lista.
20 Hamilton (1986) concluiu que os sujeitos ao realizarem um julgamento sobre a personalidade de um determinado indivíduo,
tendem a dar maior importância às primeiras impressões do que as posteriores, a isto designa-se, efeito de primazia. Logo a
tendência dos sujeitos e recordaram com maior desempenho as primeiras impressões. Vide in Carvalho, M. “Formação de
impressões, falsas memória e efeito de primazia”. Dissertação de mestrado, Faculdade de Psicologia, Lisboa, 2012.
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quase inalterado. De acordo com estes resultados, os investigadores sugeriram que as
palavras relembradas sob o efeito de recência seriam recuperadas da memória a curto
prazo e as palavras relembradas sob o efeito de primazia seriam recuperadas da
memória a longo prazo21. A interpretação desta posição bi-modal refletia o desempenho
de dois sistemas distintos22. As investigações de Shallice e Warrington23 (1970) em
doentes em diversas tarefas de memória de curto prazo e memória de longo prazo
evidenciaram que o mesmo doente apresentava uma redução na capacidade da memória
a curto prazo e uma perfomance normal para a memória a longo prazo, refletindo a ideia
de diferentes memórias com desempenhos diferentes.
Tendo em conta certas questões deixadas em aberto pelo modelo de Atkinson e
Shiffrin (1968) e as investigações que se realizaram a doentes que padeciam de
problemas da memória, Baddeley e Hitch em 1974 criam um modelo que coloca em
causa a visão de uma memória unitária com processamento serial, o modelo da memória
de trabalho, fundamentando-se na suposição de que existe um sistema para a
manutenção e manipulação temporárias de informação. Com este modelo, que vai ser
amplamente explicado em pontos seguintes do trabalho, concluiu-se que o componente
que permite realizar tarefas cognitivas não é o mesmo que permite o armazenamento na
memória a curto prazo 24, o que supõe que há uma diferença nas tarefas desempenhadas
pelos diferentes tipos de memória.
Em suma e de acordo com Alan Baddeley, prestigiado psicólogo inglês e autor
do modelo da memória de trabalho “A memória é a capacidade de armazenar e
recuperar informação. Sem ela, não poderíamos ver, ouvir, pensar e comunicar, nem
21 Fernandes, P. “Memória e envelhecimento: a influência da idade no declínio da memória de trabalho”. Dissertação de mestrado,
Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal, 2012.
22 Nunes, M. & Castro, A. “Memória de trabalho: uma breve revisão”. Cadernos da Saúde, vol.2, nº1, 2009, pp. 89-96.
23Warrington, E. & Shallice, T. “Category specific semantic impairments.” Brain, vol. 107, 1984, pp. 829 a 854. “We report a
quantitative investigation of the visual identification and auditory comprehension deficits of 4 patients who had made a partial
recovery from herpes simplex encephalitis. Clinical observations had suggested the selective impairment and selective preservation
of certain categories of visual stimuli. In all 4 patients a significant discrepancy between their ability to identify inanimate objects
and inability to identify living things and foods was demonstrated. In 2 patients it was possible to compare visual and verbal
modalities and the same pattern of dissociation was observed in both. For 1 patient, comprehension of abstract words was
significantly superior to comprehension of concrete words. Consistency of responses was recorded within a modality in contrast to a
much lesser degree of consistency between modalities. We interpret our findings in terms of category specificity in the organization
of meaning systems that are also modality specific semantic systems.”
24 Miranda, D. et all. “A importância da memória de trabalho na gestão do conhecimento”. Ciência & cognição, vol. 9, 2006, pp.
111-119.
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sequer teríamos um sentido de identidade pessoal. A memória humana não é uma
entidade simples e unitária, mas antes um conjunto de sistemas em interação25”.
1.1.O processo de memorização
A função primordial da memória é de codificar, registar e recuperar informações
que permitam ao ser humano uma correta adaptação ao meio envolvente26 e para
entender a memória é fulcral saber como se processa o processo de memorização 27.
Este processo envolve as operações de codificação, armazenamento e recuperação,
dando-se de forma constante e na maior parte do tempo de modo independente da
vontade do sujeito, e não permite destrinçar entre o que permanece e o que não
permanece das experiências vividas. Os estados emocionais, ou por outras palavras, a
elevada excitação emocional do momento é determinante para o que é memorizado ou
não, isto porque, o aumento da atividade excitatória potencia o processo de
memorização, uma vez que provoca um acréscimo da atividade das células nervosas 28.
O processo de memorização envolve três operações e que de acordo com
Sternberg29 em 2000, são três operações comuns da memória. A codificação refere-se à
forma como o sujeito transforma um estímulo sensorial rececionado pelos órgãos
sensoriais numa representação mental, que posteriormente é armazenada na memória.
Esta primeira operação trata as características físicas dos objetos e das palavras
atribuindo-lhes um código, que pode ser semântico, visual ou acústico. O resultado da
codificação é em seguida armazenado sob a forma de imagens visuais e acústicas
25
Autor cit in Castro, M & Santos, P. “Entrevista…com Alan Baddeley”. Grupo de estudos e reflexão psicológica, Porto, Jornal de
Psicologia, 1984, p.6.
26 Ballesteros, S. “Memória Humana: investigación y teoria”. Psicothema, vol. 4, 1999, pp. 705-723.
27 Depois de vários séculos de estudo sobre a memória por diferentes posições filosóficas, o interesse científico iniciou-se nos
finais do século XIX na Alemanha com Ebbinghaus. Desde então que os investigadores nesta área se têm voltado para seguir os
passos de Ebbingahus e descobrir afinal o que é a memória, quais as regras e princípios que a regem, quais os fatores que produzem
a sua deterioração, formas de a melhorar e quais os modelos ou teorias que explicam o seu funcionamento. Vide Ballesteros, S.
“Memória Humana: investigación y teoria”. Psicothema, vol. 4, 1999, pp. 705 a 723.
28 Nunes, B. “Memória: funcionamento, perturbações e treino”. Lisboa, Lidel, 2008.
29 Sternberg, R. “Psicologia cognitiva”. Artes médicas Sul, Porto Alegre, 2000.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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prototípicas, dando-se a construção de uma imagem mental por associação da imagem
física a uma imagem prototípica. A informação é melhor armazenada quando ocorre a
repetição da informação, ou pela organização da informação ou ainda pelo uso de
estratégias mnemónicas. Por fim, a recuperação trata-se da forma como o sujeito acede
à informação armazenada. A esta operação é possível destacar dois fenómenos, o
processo de interferência e o contexto. O processo de interferência traduz-se na
capacidade de o sujeito referenciar e recordar as novas informações que sejam
semelhantes às que estão previamente armazenadas. Relativamente ao contexto,
fenómeno estudado pelo psicólogo Alan Baddeley em mergulhadores, refere-se à
capacidade de o sujeito recordar com maior facilidade quando colocado no mesmo
contexto em que a informação foi memorizada.
Por último, para que este processo de memorização tenha um bom desempenho é
necessário que o cérebro esteja ativo para o seu trabalho inicial de receção e
organização das informações e precisa de áreas específicas da memória e outras
específicas de funções como a linguagem, para que se consiga a correta integração e
evocação de memórias.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 19 -
2. O modelo de memória humana
A memória humana não é um sistema unitário de processamento, muito pelo
contrário, trata-se de um sistema que se decompõe em múltiplos subsistemas mnésicos,
ou seja, assume-se como princípio que não existe uma só “memória” com várias
subdivisões, mas sim diversos sistemas independentes que podem operar em paralelo.
Para suportar esta ideia, a literatura na área da psicologia cognitiva e neuropsicologia,
apresenta inúmeros relatos que dão suporte empírico à tese de que a memória humana é
composta de diversos sistemas de memória com interação entre eles30. Observações
feitas a pacientes portadores de lesões cerebrais mostraram pacientes com um
funcionamento de memória a curto prazo relativamente normal, no entanto eram
incapazes de reter novas informações de forma duradoura. A análise feita a estes
pacientes fez supor que a lesão cerebral produzira um défice na capacidade de
transferência de informações da memória a curto prazo para a memória a longo prazo.
Contudo, noutros pacientes observou-se a dissociação inversa, traduzida numa alteração
grave na memória a curto prazo com apresentação da capacidade de retenção de
informações na memória a longo prazo31.
Desta noção emerge o modelo da memória de trabalho32, que afasta a ideia
clássica de uma “memória-armazém” que recebe as informações vindas do exterior e
que as conserva, para uma “memória-processo” que realiza múltiplas operações
cognitivas, tais como, a aprendizagem, a compreensão, o raciocínio, entre outras. No
entanto, antes de explicar o funcionamento da memória de trabalho, é prioritário
conhecer um dos principais modelos que permitiram aos investigadores chegarem à
conclusão que de facto a memória humana não é um sistema unitário que apenas
armazena as informações.
30
Rodrigues, C. “Contribuições da memória de trabalho para o processamento da linguagem. Evidências Experimentais e clínicas”.
Working papers em linguística, nº5, 2001.
31 Autores como Baddeley e Warrington, 1970; Shallice e Warrington, 1970; Baddeley, 1986
32 Embora haja divergências na literatura, atribui-se o uso inicial do termo memória de trabalho aos estudos de Miller, Galenter e
Pibram (1960). Vide in Rodrigues, C. “Contribuições da memória de trabalho para o processamento da linguagem. Evidências
Experimentais e clínicas”. Working papers em linguística, nº5, 2001.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 20 -
Em 1968, Atkinson e Shiffrin33 propõem o modelo de registos múltiplos da
memória ou também designado modelo de três sistemas de armazenamento de
informações. É um modelo que oferece uma explicação das estruturas e processos que
compõe o sistema mnésico e que se desenvolveu a partir do modelo de Broadbent
(1958)34, o primeiro modelo estrutural do processamento da informação no sistema
cognitivo humano. De acordo com este modelo, existem três sistemas ou estruturas de
armazenamento da informação: a memória sensorial, a memória a curto prazo e a
memória a longo prazo. Estes armazenadores são capazes de reter informações por
períodos de tempo diferentes, terem capacidades diferenciadas e processos de
funcionamento próprios.
A memória sensorial é um armazenador de grande capacidade, mas com uma
duração muito limitada. As modalidades mais estudadas nesta memória são a visual e a
auditiva, conhecidas como a memória icónica e ecoica respetivamente. A primeira tem
uma duração aproximada de duzentos e cinquenta milésimos de segundos, e a ecoica de
quatro segundos (Eysenck & Kenae, 1994 cit in Neufeld & Stein, 2001). A memória
sensorial armazena de forma temporária e desorganizada todos os estímulos que chegam
através dos sentidos. Os estímulos e a informação que advém deles são rapidamente
analisados e os resultados dessa análise são transferidos para o próximo armazenador, a
memória a curto prazo. A memória a curto prazo retém a informação de forma limitada
e temporária, apenas pelo tempo necessário à sua utilização35. Esta memória possui
capacidade de armazenamento limitado, cerca de sete unidades, e a duração da
informação na memória a curto prazo situa-se entre dez a vinte segundos, no entanto,
caso haja repetição, a informação prolonga-se por bastante mais tempo, de acordo com
estudos de Peterson & Peterson (1959)36.
Relativamente à memória a longo prazo, a capacidade de armazenamento é
incalculável, pois, postula-se que esta memória encerre todas as memórias pessoais, os
33 Autores cit in Baddeley, A. “Working memory”. Science, New Series, Vol. 255, No. 5044, 1992, pp. 556-559.
34 Autor cit in Lachter, J., Forster, K. & Ruthruff, E. “Forty-five years after Broadbent (1958): still no identification without
attention”. Psychological review, vol. 111, nº4, 2004, pp. 880-913.
35 Lourenço, M. “Memória humana e aprendizagem de vocabulário: contributos da memória fonológica de curto prazo e do
conhecimento lexical prévio”. Textos selecionados, XXIII Encontro Nacional da Associação portuguesa de linguística, 2008, pp.
299-313.
36 Peterson, L. & Peterson, M. “Short-term retention of individual verbal items”. Journal of Experimental Psychology, vol. 58, nº3,
1959, pp.193-198.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 21 -
conhecimentos, as preposições que fundamentam algumas das nossas crenças, isto é,
contém nela a aprendizagem e conhecimentos adquiridos ao longo de toda uma vida. A
memória a longo prazo organiza todas as informações sob a forma de um repositório
para que não se tornem inúteis em termos de uso e recordação. Toda esta organização
ocorre ao longo do processo de memorização37.
Este modelo defende que a informação é processada de forma serial, ou seja, que
as informações recebidas pelos órgãos sensoriais são deslocadas numa primeira fase
para a memória sensorial; posteriormente são transferidas e processadas na memória a
curto prazo, perdendo-se aqui parte da informação, a restante é transferida para a
memória a longo prazo 38. A passagem da informação entre a memória a curto prazo e a
memória a longo prazo, de acordo com os autores deste modelo, depende de quatro
processos controlados 39:
a repetição da informação;
a codificação adequada da informação para a memória a longo
prazo;
a decisão tomada relativamente à importância da informação;
as estratégias de recuperação ou pistas que auxiliam no momento
da recordação.
Embora o modelo de Atkinson e Shiffrin (1968) fosse revolucionário para a
época, pois oferecia uma explicação para o funcionamento das estruturas da memória,
foi alvo de críticas, uma vez que transporta consigo uma ideia bastante simplista da
memória a curto prazo e da memória a longo prazo como armazéns unitários como já
foi referenciado no início deste ponto.
Como tem vindo a ser afirmado, o processamento serial, base para o modelo de
Atkinson e Shiffrin (1968), valorizou a existência dos dois sistemas mnésicos (a saber, a
memória a curto prazo e a memória a longo prazo). No entanto, a partir de meados dos
37 Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.
38 Ferreira, A et all. “Memória de trabalho: questões em torno da sua caracterização e desenvolvimento”. Psicologia: Teoria,
investigação e prática, 2007, pp. 13-23.
39 Neufeld, C. & Stein, L. “A compreensão da memória segundo diferentes perspetivas teóricas”. Revista Estudos da Psicologia,
v.18, 2001, pp. 50-63.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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anos 70 começou a ser questionado. Baddeley e Hitch (1974) 40 conduziram diversas
experiências sugerindo a existência de diversos componentes com funções
independentes mas interligadas dentro da memória a curto prazo. Com o avolumar
destas evidências, os investigadores criaram o modelo da memória de trabalho
propondo a substituição do sistema da memória a curto prazo por um sistema mais
complexo, que para além de manter temporariamente as informações assegura algumas
atividades ou processos cognitivos.
A memória de trabalho, também designada de memória operatória, é responsável
por manter transitoriamente representações mentais por um curto período de tempo,
processá-las, selecioná-las e operá-las ou transformá-las para uma posterior utilização
em tarefas cognitivas. A modificação terminológica prende-se à ideia de enfatizar o
papel funcional deste sistema em tarefas cognitivas 41. Na mesma linha de pensamento,
os investigadores Oberauer, Süb, Schulze, Wilhelm & Wittman (2000) descrevem o
conjunto de funções cognitivas que a memória de trabalho executa no momento da
estruturação e organização da informação, são elas:
o armazenamento e transformação, ou seja, a capacidade para
manter ativos os conteúdos mentais e assim desenvolver operações cognitivas;
a supervisão, traduzida na capacidade para monitorizar e controlar
as operações mentais, selecionar os processos apropriados e inibir os
desnecessários;
a coordenação, ou seja, a capacidade de processamento
simultâneo de elementos diferentes, procurando estabelecer um elo entre eles.
O modelo da memória de trabalho é composto por três subsistemas de
processamento da informação, que permitem desempenhar as funções cognitivas42. O
principal é o executor central, e os subsidiários são o bloco de notas visuoespacial e o
loop fonológico ou articulatório43. O executor central tem um papel geral ou supervisor
40
Baddeley, A. “Working memory”. Science, New Series, Vol. 255, No. 5044, 1992, pp. 556-559.
41 Lourenço, M. “Memória humana e aprendizagem de vocabulário: contributos da memória fonológica de curto prazo e do
conhecimento lexical prévio”. Textos selecionados, XXIII Encontro Nacional da Associação portuguesa de linguística, 2008, pp.
299-313.
42 Rodrigues, C. “Contribuições da memória de trabalho para o processamento da linguagem. Evidências Experimentais e clínicas”.
Working papers em linguística, nº5, 2001.
43 Ballesteros, S. “Memória Humana: investigación y teoria”. Psicothema, vol. 4, 1999, pp. 705-723.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 23 -
na memória de trabalho. Ele é responsável por manter a regulação do fluxo de
informações dentro da memória de trabalho, pelo ajustamento das informações da
memória de trabalho com informações de outros sistemas de memória, e processamento
e armazenamento de informações na memória de trabalho. A este executor cabe-lhe
ainda coordenar os dois componentes subsidiários de processamento de informação44. À
medida que o executor central amadurece, o bloco de notas visuoespacial e o loop
fonológico vão adquirindo maior interdependência, uma vez que o executor media a
comunicação entre eles45.
O loop fonológico, designado por componente de processamento fonológico,
armazena e processa as informações codificadas verbalmente (por via auditiva e visual)
e tem como função reter as representações fonológicas do estímulo recebido. E por ser
fisicamente limitado, as representações fonológicas tendem a deteriorar-se com o
tempo, aproximadamente após dois segundos. É constituído por dois subsistemas, o
armazenador fonológico a curto prazo que se integra num sistema passivo de
armazenamento e processamento das informações verbais, escritas ou faladas; e um
mecanismo ativo, designado de reverberação ou repetição articulatória subvocal, que
permite integrar na memória de trabalho informações verbais que estejam em declínio
mnésico (esquecimento) necessárias a determinada atividade. Este componente assegura
assim, o armazenamento transitório do material verbal que através da sua repetição
previne o declínio ou esquecimento da informação. O funcionamento do componente
visuo-espacial processa-se da mesma forma que o componente fonológico mas sobre
conteúdos não verbais, referindo-se aos objetos e às relações espaciais entre eles.
Simultaneamente, desempenha um papel fulcral na formação e manipulação de imagens
mentais permitindo ao indivíduo localizar-se e atualizar novas informações visuo-
espaciais (Baddeley, 2006)46. Este componente é fisicamente limitado no volume de
informações a processar, de acordo com alguns autores o limite é de quatro objetos
44 Ferreira, A et all. “Memória de trabalho: questões em torno da sua caracterização e desenvolvimento”. Psicologia: Teoria,
investigação e prática, 2007, pp. 13-23.
45 Uehara, E. & Fernandez, J. “Um panorama sobre o desenvolvimento da memória de trabalho e seus prejuízos no aprendizado
escolar”. Ciências & Cognição, vol. 15, 2010, pp. 31-41.
46 Autor cit in Uehara, E. & Fernandez, J. “Um panorama sobre o desenvolvimento da memória de trabalho e seus prejuízos no
aprendizado escolar”. Ciências & Cognição, vol. 15, 2010, pp. 31-41.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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(Luck e Vogel, 1997)47 ou de seis no caso de localizações espaciais (Jiang, Olson &
Chun, 2000)48.
Em 2000, Baddeley procurou encontrar um elo entre a memória de trabalho e a
memória a longo prazo. É neste contexto que surgiram os estudos de Erickson e Kinstsh
(1995)49 que mencionavam um novo elemento na memória de trabalho a longo prazo;
introduziu assim um quarto elemento, o retentor episódico. O retentor episódico é um
componente de armazenamento temporário e com capacidade limitada (na ordem de
seis unidades de informação) e permite a integração de informação que advém da
memória a longo prazo, no momento em que a memória de trabalho opera sobre
informações semelhante a nível fonológico e visuo-espacial, ativando temporariamente
uma nova representação mental mediada pelas informações que se alojam na memória a
longo prazo e nos componentes fonológico e visuo-espacial.
Concluindo, a memória de trabalho e a forma como funciona renova a ideia de
que a memória humana não é um sistema simples que arquiva somente a informação,
muito pelo contrário, traz consigo a conceção de um sistema de arquivo e
processamento mais dinâmico aproximando-se de um sistema operativo de atenção que
trabalha os conteúdos da memória (Engle, Kane & Tühoisiki, 1999)50, o que levou a
alguns teóricos a definirem o executor central pelas funções cognitivas da atenção, ou
que a memória de trabalho se resume à memória a curto prazo mais o controlo da
atenção. A memória de trabalho passa a ser definida como um processo de decisão que
administra a ativação da informação nos depósitos de curto prazo e longo prazo, assim
que é introduzido o quarto elemento, o retentor episódico51.
47 Autores cit in Ferreira, A et all. “Memória de trabalho: questões em torno da sua caracterização e desenvolvimento”. Psicologia:
Teoria, investigação e prática, 2007, pp. 13-23.
48 Autores cit in Ferreira, A et all. “Memória de trabalho: questões em torno da sua caracterização e desenvolvimento”. Psicologia:
Teoria, investigação e prática, 2007, pp. 13-23.
49 Ericsson, K. & Kintsch, W. “Long-term working memory”. Psychol Rev., vol.102, nº2,1995, pp. 211-245.
50 Autores cit in Ferreira, A et all. “Memória de trabalho: questões em torno da sua caracterização e desenvolvimento”. Psicologia:
Teoria, investigação e prática, 2007, pp. 13-23. 51 Miranda, D. et all. “A importância da memória de trabalho na gestão do conhecimento”. Ciência & cognição, vol. 9, 2006, pp.
111-119.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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3. A falibilidade da memória humana: as sete transgressões
A memória humana não armazena as informações de forma fidedigna como uma
fotografia, pois entre a codificação, o armazenamento e a posterior evocação das
informações, o conteúdo pode mudar devido à influência de diversos fatores52. De
acordo com Schacter em 2003 “extraímos elementos fundamentais das nossas
experiências e arquivamo-los; então recriamos ou reconstruimos as nossas experiências
em vez de recordar cópias exatas delas”53. Esta recuperação distorcida de experiências a
que se refere Schacter deve-se ao facto de as memórias humanas serem modeláveis de
acordo com as emoções, sentimentos, crenças, conhecimento e associações.
Investigações recentes mostram que a memória humana não é só um processo
reconstrutivo, como também um processo construtivo, ou seja, o ser humano não é
somente capaz de evocar certas informações previamente armazenadas relacionadas
com um evento, como também tem a capacidade de acrescentar novas informações ao
que recorda, como vai ser discutido de seguida. Todo este processo tanto construtivo
como reconstrutivo possibilita, por vezes, a implantação involuntária de memórias
falsas.
Em 1999, Schacter sugere que “as falhas da memória humana podem ser
classificadas em sete pecados: a transitoriedade, a distração, o bloqueio, a atribuição
errada, a sugestionabilidade, a distorção e a persistência. Os primeiros três pecados
envolvem diferentes tipos de esquecimento, os três seguintes referem-se a diferentes
tipos de distorções, e o último pecado traduz-se em recordações intrusivas difíceis de
esquecer. Estes sete pecados trazem consigo a conceção de que a memória humana é
falível e que o esquecimento e recordação de determinados acontecimentos podem
ocorrer de forma intencional e deliberada. O pecado da transitoriedade relaciona-se
com o enfraquecimento da memória humana em virtude de dois fatores: o tempo
decorrido entre o evento e o momento da recordação e a ocorrência de novas
experiências após um determinado evento que queremos recordar. Em 1878,
52 Flores, M. “Prova testemunhal e falsas memórias: entrevista cognitiva como meio (eficaz) para redução de danos (?)”.Revista
IOB de direito penal e processual penal, 2010.
53 Schacter cit in Rocha, S. “Memória: uma chave afetiva para o sentido na performance musical numa perspectiva
fenomenológica”. Per musi, nº21, 2010, p.21
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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Ebbinghaus estudou este fenómeno em meio laboratorial. Através da elaboração da
curva de esquecimento, Ebbinghaus postulou que a maior parte das informações recém-
adquiridas desvaneciam-se logo após a sua aquisição, e que posteriormente o índice de
perda da informação era menor. Ou seja, com o tempo as memórias tendem a tornar-se
menos específicas formando uma impressão genérica do acontecimento. Por outro lado,
ao adquirirmos novas informações, ocorrem mudanças neuroquímicas complexas nas
conexões neuronais entre si e com o passar do tempo, estas conexões tendem a
enfraquecer. Caso não haja um reforço dessas conexões através da repetição e/ ou
recuperação das informações, a memória acaba por reter apenas o que o cérebro
estabelece como essencial.
Ilustração I – Curva do Esquecimento
O pecado da distração é atribuído a uma área de cognição, a atenção. No
momento da codificação de qualquer informação, a atenção pode estar dividida entre
várias tarefas. Neste sentido pode ocorrer uma redução geral da quantidade de recursos
cognitivos que são canalizados para as novas informações a serem assimiladas. As
informações que são armazenadas na memória e às quais se atribui relevância, recebem
prioridade no processamento e captam a atenção automaticamente. A atenção pode
envolver dois tipos de processos: automáticos e voluntários. Os processos automáticos
de captação da atenção são rápidos e não requerem o controlo ativo por parte do sujeito,
podendo ocorrer em simultâneo com outros processos. O exemplo mais comum deste
tipo de processo é o surgimento de um objeto inesperado no campo visual, como uma
bola, e mesmo antes de haver uma tomada de decisão consciente de atender ao objeto, o
aparecimento inesperado atrai a atenção do sujeito. Neste caso, há apenas uma reação de
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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captura da atenção gerada pelo estímulo. Os processos voluntários de direcionamento da
atenção requerem a alocação de recursos cognitivos, razão pela qual duas tarefas
realizadas em simultâneo resultam num conflito (interferência). Este tipo de processo
necessita de um componente consciente para a sua realização e, por norma, é usado para
tarefas mais complexas ou não familiares54. Listz (cit in Altavilla, 1982)55 simulou um
homicídio entre dois alunos com uma arma branca na presença de 60 testemunhas.
Quando o autor pediu para relatar o sucedido, apenas 10 conseguiram relatar com
exatidão. Esta simulação sugere que quando há a presença de um foco atencional (arma
branca) a atenção da testemunha centra-se na arma, colocando em causa a atenção para
outras características, tais como, a descrição física do agressor.
O pecado do bloqueio traduz-se na procura incessante de uma determinada
informação que é necessária num dado momento, no entanto encontra-se
temporariamente inacessível, mesmo que essa informação tenha sido corretamente
codificada56.Este pecado diferencia-se da transitoriedade e da distração, na medida em
que a informação está presente na memória, mas inacessível e ao serem dadas pistas ou
associações relacionadas com a informação, podem tornar-se suficientes para a
recordação. No entanto, pode ocorrer o denominado “bloqueio de recuperação”, isto é,
são fornecidos aos sujeitos sugestões/ pistas relacionadas com o item procurado, mas
mesmo assim são incapazes de aceder ao item/ informação. Estes blocos de recuperação
ocorrem tanto na memória episódica, como também na memória semântica. O exemplo
mais estudado sobre o bloqueio é o fenómeno “TOT” tip-of-the-tongue, genericamente
conhecidos como o fenómeno da ponta da língua. Os indivíduos são incapazes de
produzir uma palavra ou um nome, no entanto têm a forte convicção que a mesma está
disponível na memória e, muitas vezes, conseguem produzir parcialmente informação
fonológica ou semântica do item a recordar. Este fenómeno foi estudado pela primeira
vez em 1966 pelos psicólogos Brown e MacNeill 57. Estudos demonstram que as
54
Helene, A. & Xavier, G. “A construção da atenção a parir da memória”. Revista brasileira de psiquiatria, nº25, 2003, pp. 12-20
55 Altavilla, E. “Psicologia Judiciária I: O processo psicológico e a verdade judicial”. Coimbra, Arménio amado., 1981.
56 Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3, 1999, pp. 182-203.
57 Brown, R & McNeill. “The tip of tongue phenomenon”. Journal of verbal learning and verbal behaviour, vol.5, 1966, pp. 325-
327.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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palavras menos usadas podem contribuir para o aparecimento do fenómeno “TOT” e
que a maior parte dos itens a pronunciar são recuperados até dez minutos, embora
outros só surjam dias mais tarde.
A persistência tem uma estreita ligação a vivências com carga emocional e surge
através de recordações intrusivas negativas, eventos traumáticos, medos e fobias
crónicas que teimam em perturbar a memória. As emoções encontram-se presentes no
momento da codificação e permitem determinar a intensidade da memorização da
experiência, uma vez que, os estudos têm revelado que acontecimentos com maior carga
emotiva tendem a ser melhor recordados58. Ochsber (2000)59, segue a ideia anterior, no
entanto salienta que a tendência dos indivíduos é para recordar experiências negativas
mais do que positivas. Por exemplo, Mineka e Nugente (1995)60 dirigiram um estudo
sobre indivíduos deprimidos, mostrando que estes apresentam uma memória aumentada
para eventos autobiográficos negativos quando comparados a eventos com carga
positiva.
Os três últimos pecados em falta, a atribuição errada, a sugestionabilidade e a
distorção foram propositadamente deixados para o final por possuírem uma relação
estrita com o mundo judicial e por serem os mais prejudiciais ao processo judicial. A
atribuição errada pode ser definida como um “julgamento erróneo”, atribuindo
determinadas sensações e experiências do passado ao presente61. De acordo com
Schacter (1999)62 este pecado pode ocorrer de três formas:
1. “Recordar de factos que jamais ocorreram, atribuindo
erroneamente o processamento rápido de novas informações ou imagens vividas
que vêm à mente a recordação de eventos passados que não aconteceram”;
58
Caixeta, V. & Pereira, D. “Criando falsas memórias em adultos por meio de imagens faciais”. Universitas Ciências da Saúde,
vol. 3, nº1, 2008, pp. 15-45.
59 Ochsber, cit in Caixeta, V. & Pereira, D. (2008). “Criando falsas memórias em adultos por meio de imagens faciais”. Universitas
Ciências da Saúde, vol. 3, nº1, 2008, pp. 15-45.
60 Mineka & Nugente, cit in Caixeta, V. & Pereira, D. “Criando falsas memórias em adultos por meio de imagens faciais”.
Universitas Ciências da Saúde, vol. 3, nº1, 2008, pp. 15-45.
61 Rocha, S. “Memória: uma chave afetiva para o sentido na performance musical numa perspectiva fenomenológica”. Per musi,
nº21, 2010.
62 Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3, 1999, pp. 182-203.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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2. “Recordar corretamente o que aconteceu, mas confundir a hora ou
o local (transferência inconsciente) ”;
3. “Atribuir equivocadamente uma imagem ou pensamento que
surge espontaneamente na imaginação, quando, na realidade, a recordação
inconscientemente resulta de alguma coisa que lemos ou ouvimos
(criptomnésia)”.
Os autores de um estudo denominado de “falsa fama” (Jacoby, Kelley, Brown &
Jasechko, 1989 cit in Caixeta & Pereira)63 chegaram à conclusão que uma forte
sensação de familiaridade, juntamente com a falta de recordações específicas permite a
implementação de falsas memórias e consequentemente a atribuição errada da fonte.
Este facto pode ser extremamente prejudicial para a obtenção da verdade material nos
julgamentos. Um exemplo bem gritante do domínio judicial é o caso do psicólogo
Donald Thomson, acusado de violação sexual com base numa recordação
presumivelmente detalhada do seu rosto por parte da vítima. No entanto, o psicólogo foi
dado como inocente, uma vez que tinha uma alibi coerente. Thomson no momento da
ocorrência do facto estava numa entrevista televisiva. A vítima tinha assistido à
entrevista e erroneamente atribuiu o rosto do psicólogo ao violador64.
Inconscientemente as testemunhas padecem do pecado da atribuição errada, o que pode
trazer complicações jurídicas, muito embora não são intencionais nem são uma
simulação, ou seja, consistem em erros que não se enquadram no crime de falso
testemunho65.
A sugestionabilidade de acordo com Schacter (1999)66 é descrita como uma
tendência dos indivíduos incorporarem informações de fontes externas a recordações
pessoais, ou seja, a criação de falsas memórias pode ocorrer espontaneamente a partir de
uma situação atual que é de alguma forma similar a uma situação anterior. Estas
memórias ilusórias também podem surgir em resposta a sugestões que são feitas no
momento em que o indivíduo tenta recordar uma determinada experiência, e muitas
63
Jacoby et all. cit in Caixeta, V. & Pereira, D. “Criando falsas memórias em adultos por meio de imagens faciais”. Universitas
Ciências da Saúde, vol. 3, nº1, 2008, pp. 15-45.
64 Wilbert, J & Menezes, S. “Falsas memórias: o pecado da atribuição errada”. Unoesc & Ciência ACSA, vol.2, nº1, 2011.
65 Flores, M. “Prova testemunhal e falsas memórias: entrevista cognitiva como meio (eficaz) para redução de danos (?)”.Revista
IOB de direito penal e processual penal, 2010.
66 Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3, 1999, pp. 182-203.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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vezes usada nos tribunais sob a forma de perguntas, as perguntas capciosas. Este tipo de
perguntas podem levar as testemunhas a identificarem determinada situação ou pessoa
erroneamente. A sugestionabilidade tem uma estrita ligação com a atribuição errada, na
medida em que a transformação de sugestões em falsas recordações envolve-a sempre,
no entanto pode ocorrer a atribuição errada sem que tenha havido sugestões. E
experiência de Loftus e colaboradores (1978)67 ilustra bem o pecado da
sugestionabilidade. Nesta experiência foram fornecidas às testemunhas de um evento,
informações novas e erradas desse mesmo evento. Estas testemunhas assistiram a um
falso acidente automobilístico onde havia uma placa de “stop”. Loftus e colaboradores
sugeriram a metade das testemunhas que a placa era de “cedência de passagem”. Os
resultados revelaram que as testemunhas que tinham sido submetidas à sugestão,
recordavam com maior frequência a placa de “cedência de passagem”, enquanto aquelas
que não haviam recebido qualquer sugestão recordavam melhor a placa “stop”. Os
efeitos da sugestionabilidade envolvem operações complexas entre o ambiente atual, o
que se espera recordar e o que ficou retido na memória.
O último pecado, o pecado da distorção relaciona-se com os conhecimentos
preexistentes e crenças, adaptando-se as memórias do passado às opiniões e
necessidades do presente. Estas evidências já remontam aos estudos pioneiros de
Bartlett (1932)68, onde afirmava que as memórias podem ser influenciadas ou até
mesmo distorcidas pela aquisição de conhecimentos, crenças e expetativas atuais. Um
estudo bem ilustrativo da definição anterior é o de Marcus (1973)69. O autor pediu a um
grupo de pessoas para se pronunciar sobre questões sociais, tais como, a legalização da
marijuana, a igualdade de género e a ajuda às minorias. Posteriormente, em 1982 pediu
ao mesmo grupo para se pronunciar novamente sobre as mesmas questões sociais e
pediu também que indica-se quais tinham sido as suas atitudes em 1973. Nos resultados
verificou-se que as atitudes tinham modificado sobre as questões sociais, o que mostra
que o ser humano transforma as suas crenças de acordo com o desenvolvimento dos
67 Loftus et all. (1978) cit in Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3,199, pp.
182-203.
68 Bartlett (1932) cit in Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3, 1999, pp. 182-
203.
69 Marcus (1973) cit in Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3,1999, pp. 182-
203.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 31 -
seus conhecimentos e panorama social. Dentro da distorção existem cinco tipos de
distorções que ilustram de que forma a memória se reconstrói. As distorções de
coerência e de mudança traduzem-se na reconstrução do passado sobre o próprio
indivíduo, ajustando à compreensão que tem sobre si mesmo no presente. As distorções
de compreensão tardia refletem-se na mudança de recordações de eventos do passado
pela aquisição de conhecimentos atuais. As distorções egocêntricas ilustram a função
poderosa do ego na criação de imagens e lembranças da realidade. As distorções
estereotipadas assumem a forma de influências subtis de experiências anteriores em
julgamentos atuais sobre outras pessoas ou grupos. As pessoas não têm recordações
fidedignas sobre as suas crenças e pensamentos do passado, tirando conclusões sobre
opiniões, atitudes e sentimentos do passado com base no que acontece no presente.
Concluindo e de acordo com o autor Schacter (2003)70“os sete pecados não são
meras irritações, que devem ser minimizados ou evitados. Eles também explicam como
a memória recorre ao passado para informar o presente, preserva elementos de
experiências atuais para futura referência e permite que voltemos ao passado quando
desejamos. Os vícios da memória são também virtudes, elementos de uma ponte através
do tempo, que permite que façamos uma ligação da mente com o mundo”.
70 Schacter (2003, p.250) cit in Caixeta, V. & Pereira, D. “Criando falsas memórias em adultos por meio de imagens faciais”.
Universitas Ciências da Saúde, vol. 3, nº1, 2008, pp. 15-45.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 32 -
4. As teorias do esquecimento: um problema da memória humana
A psicologia cognitiva nos seus primórdios deu pouca atenção aos estudos sobre
o esquecimento, pois procurava sobretudo entender o funcionamento cognitivo humano
através da comparação da cognição com o funcionamento dos computadores, o que é
fortemente reprovável. Atualmente é sabido que a memória humana e a memória de um
computador não podem ser comparadas, uma vez que a memória humana é sujeita a
fatores internos e externos, tais como as emoções. A memória humana apresenta
elevados índices na sua capacidade de retenção, no entanto o esquecimento é a prova
diária que a memória é falível. O esquecimento não significa que o sistema de memória
é imperfeito, muito pelo contrário, é um mecanismo que possibilita a libertação de
informações irrelevantes e triviais71.
Durante muitos anos acreditava-se que as informações ficavam retidas na
memória e que se perdiam com o passar do tempo. Esta premissa serviu de base para a
investigação sistemática de Ebbinghaus no final do século XIX. Esta investigação
conduziu à elaboração da curva do esquecimento, mostrando que a maior parte do
esquecimento verificava-se nos primeiros momentos após a codificação da informação.
O esquecimento mostra-se mais acentuado em intervalos de retenção entre os dezanove
minutos e as vinte e quatro horas, posteriormente a informação retida torna-se mais
geral e menos atenta aos pormenores de determinado evento presenciado. Embora a
teoria de Ebbinghaus fosse bastante inovadora para a época, uma vez que teve um
enorme impacto para as futuras investigações, observou-se que o passar do tempo não
afetava por igual a informação armazenada, chegando-se à conclusão que o tempo por si
só não era um preditor do esquecimento72.
Neste ponto do trabalho serão descritas três teorias sobre a natureza do
esquecimento: a teoria do desuso ou declínio do traço; a teoria da interferência; e a
teoria da incongruência contextual. Os investigadores têm procurado responder a
71 Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.
72 Baddeley, A. “Working memory”. Science, New Series, Vol. 255, No. 5044, 1992, pp. 556-559.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 33 -
questões sobre a causa do esquecimento, se se deve ao fator ou às interferências entre os
eventos, por exemplo, autores como McGeoch (1932), Waugh & Norman (1965)73.
A teoria do desuso ou declínio do traço encontra as suas raízes nas investigações
de Ebbinghaus. Esta teoria afirma que o esquecimento depende da falta de uso da
informação durante o período de permanência na memória, traduzindo a ideia que as
informações estão mais robustas na memória quanto mais recentemente tiverem sido
processadas ou tiver havido uma repetição sucessiva da informação codificada74.O
momento entre a codificação e a posterior recuperação é determinante no desempenho
da memória, ou seja, o tempo é um preditor para a maior ou menor capacidade de
recuperação das informações armazenadas75, existindo inúmeras investigações que
suportam esta teoria (por exemplo Cowan et al., 1992; Cowan, Nugent, Elliott & Geer,
2000)76. Contudo, Nairne (2002)77 mostrou evidências contrárias à teoria do desuso,
conseguindo mostrar que por vezes o desempenho da memória é maior quanto mais
tempo tiver ocorrido entre o evento e a evocação. É uma teoria que não encontra
consenso entre os teóricos, pois teorias como a da interferência e da incongruência
contextual, vieram colocar em causa o fator tempo como fator único e determinante no
esquecimento.
A teoria da interferência é a teoria dominante da atualidade sobre a explicação
do esquecimento. Esta teoria assume que a capacidade para recordar determinada
informação pode ser interrompida pelo que se aprende anteriormente ou posteriormente,
atuando sob a forma proativa e retroativa respetivamente. De acordo com esta teoria as
informações mais antigas serão evocadas com maior dificuldade que as informações
mais recentes, isto porque há a ocorrência de mais aprendizagens entre o momento atual
73
Autores cit in Baddeley, A. “Working memory”. Science, New Series, Vol. 255, No. 5044, 1992, pp. 556-559.
74 Pinto, A. (2001). “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001. 75 Lewandowsky, S. & Duncan, M. “Time does not cause forgetting in short-term serial recall”. Psychonomic Society Inc., vol. 11,
2004, pp. 771-790.
76 Autores cit in Lewandowsky, S. & Duncan, M. “Time does not cause forgetting in short-term serial recall”. Psychonomic
Society Inc., vol. 11, 2004, pp. 771-790.
77 Nairne (2002) cit in Lewandowsky, S. & Duncan, M. “Time does not cause forgetting in short-term serial recall”. Psychonomic
Society Inc., vol. 11, 2004, pp. 771-790.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 34 -
e eventos antigos do que entre eventos atuais e os recentemente codificados78. McGeoch
(1932)79 propôs que o esquecimento era provocado pela interferência de atividades
ocorridas entre a aprendizagem e a recordação (interferência retroativa). MacGeoch &
Macdonald (1931)80 numa das suas investigações sobre a interferência retroativa
verificaram que: quanto maior for o grau de similaridade entre um evento e
aprendizagens posteriores, a interferência retroativa manifestava-se com maior
intensidade. Underwood & Postman (1960)81 chegaram a conclusões semelhantes. Estes
autores mostraram que a interferência retroativa é elevada quando duas respostas
diferentes são associadas ao mesmo estímulo; e é mínima quanto estão presentes dois
estímulos diferentes. A interferência proactiva refere-se à dificuldade que as pessoas
têm de aprender novos itens, porque os itens previamente aprendidos interferem na nova
aprendizagem, ou seja, a evocação de uma lista de palavras é fortemente afetada pela
aprendizagem prévia de outra lista semelhante. Greenberg & Underwood (1950)82,
precursores da teoria da interferência proactiva, aferiram que este tipo de interferência
aumenta com o número de listas aprendidas previamente, ocorrendo principalmente
com intervalos de retenção mais longos. Embora a teoria da interferência seja um bom
modelo explicativo do esquecimento, Tulving (1967)83 refutou esta teoria numa das
suas investigações. Os seus resultados foram determinantes para postular a teoria da
incongruência contextual.
A teoria da incongruência contextual relaciona-se com o facto de a informação
estar disponível na memória, mas o seu acesso estar temporariamente restrito, por força
da ausência de indicadores ou pistas adequadas. Tulving (1983)84 refere que para um
78 Pergher, G. & Stein, L. “Compreendendo o esquecimento: teorias clássicas e seus fundamentos experimentais”. Psicologia USP,
vol. 14, nº1, 2003, pp. 129-155.
79 McGeoch (1932) cit in Pergher, G. & Stein, L. “Compreendendo o esquecimento: teorias clássicas e seus fundamentos
experimentais”. Psicologia USP, vol. 14, nº1, 2003, pp. 129-155.
80 MacGeoch & Macdonald (1931) cit in Pergher, G. & Stein, L. “Compreendendo o esquecimento: teorias clássicas e seus
fundamentos experimentais”. Psicologia USP, vol. 14, nº1, 2003, pp. 129-155.
81 Underwood & Postman (1960) cit in Pergher, G. & Stein, L. “Compreendendo o esquecimento: teorias clássicas e seus
fundamentos experimentais”. Psicologia USP, vol. 14, nº1, 2003, pp. 129-155.
82 Greenberg & Underwood cit in Pergher, G. & Stein, L. “Compreendendo o esquecimento: teorias clássicas e seus fundamentos
experimentais”. Psicologia USP, vol. 14, nº1,2003, pp. 129-155.
83 Tulving cit in Pinto, A. (2001). “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.
84 Tulving cit in Pinto, A. (2001). “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 35 -
melhor acesso à informação armazenada é necessário que haja pistas ou indicadores que
promovam a recuperação e podem ser elementos de significado das palavras, elementos
ambientais ou ainda elementos orgânicos e emocionais. Esta teoria ganhou relevo em
estudos clássicos da memória, onde mostravam que o contexto ambiental era importante
para recuperar a informação, uma vez que ajudava na fase de recordação, porque a
informação relativa às características ambientais havia sido codificada juntamente com
a informação a recordar85. Este pressuposto foi determinante para o princípio da
codificação específica de Tulving & Thomsom (1973)86, afirmavam que qualquer pista
ou indicador (interna ou externa), associado a um item na fase de codificação facilitaria
a sua recuperação na fase de recuperação. O princípio é regido por três postulados:
1. “O modo como os itens são percebidos afeta o modo como são
retidos ou armazenados”;
2. “Os indicadores selecionados na altura da codificação determinam
o tipo de indicadores que facilitarão o acesso à informação retido”;
3. “Quanto maior for a concordância entre os indicadores usados na
fase de codificação e na fase de recuperação, melhores serão os resultados
obtidos”.
Godden & Baddeley (1975)87 levaram a cabo a principal investigação
justificativa desta teoria. O estudo debruçou-se sobre mergulhadores, onde
demonstraram que estes recordavam melhor as palavras aprendidas debaixo de água se
fossem submetidos ao mesmo contexto ambiental.
Assim sendo, o esquecimento é a incapacidade de reter, recordar ou reconhecer
uma informação. De acordo com as teorias analisadas, o esquecimento deve-se a
múltiplos fatores que ainda estão em debate pelos teóricos. O melhor é associar o
esquecimento à falta de pistas adequadas, ao tempo e às interferências. Todo este
85 Balasch, J. & Payà, N. “Factores contextuales en el recuerdo: aportaciones experimentales y teóricas”. Acta comportamentalia,
vol. 19, nº3, 2011, pp. 307-316.
86 Autores cit in Balasch, J. & Payà, N. “Factores contextuales en el recuerdo: aportaciones experimentales y teóricas”. Acta
comportamentalia, vol. 19, nº3, 2011, pp. 307-316.
87 Autores cit in Balasch, J. & Payà, N. “Factores contextuales en el recuerdo: aportaciones experimentales y teóricas”. Acta
comportamentalia, vol. 19, nº3, 2011, pp. 307-316.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 36 -
conjunto é preditor de um baixo acesso à informação retida na memória. Segundo
Izquierdo88 “Talvez o esquecimento seja o aspeto mais predominante na memória; mas
conservamos e usamos suficientes memórias ou fragmentos de memória para ter um
desempenho ativo, funcional e relativamente satisfatório como pessoas”.
88 Izquierdo (pp. 17, 2007) cit in Balasch, J. & Payà, N. “Factores contextuales en el recuerdo: aportaciones experimentales y
teóricas”. Acta comportamentalia, vol. 19, nº3, 2011, pp. 307-316.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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Parte II – Análise ao acórdão do STJ de 29 de outubro de 2008: Estudos da Psicologia
1. O juiz e a sua livre apreciação: a influência da memória
A memória humana, como já foi referenciado neste trabalho, não é um sistema
unitário de processamento. Trata-se de um sistema que se decompõe em múltiplos
subsistemas mnésicos independentes que operam em paralelo89. O acórdão em análise
sustenta-se na Teoria de Atkinson & Shiffrin (1968)90 sobre o modelo dos três sistemas
de armazenamento de informações, uma vez que tal como a teoria destes autores,
defende que a entrada da informação dá-se a partir do ambiente e processada numa
primeira fase pela memória sensorial. Posteriormente, a informação é transferida
temporariamente para a memória a curto prazo antes de ser registada na memória a
longo prazo, “importa reter que a memória é dividida em três componentes: a imediata,
a intermediária e a remota. Os sistemas de curto e longo prazo estão ligados,
transferindo informações de um para outro” (Acórdão do STJ, processo nº07PA4822 de
29/10/2008). No entanto, como vimos, o modelo de Atkinson & Shiffrin reflete a ideia
da memória humana ser uma entidade única com processamento serial, em que a
memória a curto prazo e a memória a longo prazo são vistos como armazéns unitários.
O acórdão denota a ideia de a memória humana ser representada por “armazéns-
unitários”, “A imediata diz respeito a factos recentes próximos. Mantém informações
temporárias e tem uma capacidade limitada. A intermédia diz respeito a factos de
semanas e meses. A memória remota (…) refere-se a factos antigos do passado. São
informações que ficam retidas por longo tempo” (Acórdão do STJ, processo
nº07PA4822 de 29/10/2008).
No acórdão a memória de trabalho é denominada também de memória imediata
ou primárias, e mais adiante no acórdão por memória a curto prazo, “salienta-se que a
memória a curto prazo, ou, de trabalho” (Acórdão do STJ, processo nº07PA4822 de
89
Rodrigues, C. “Contribuições da memória de trabalho para o processamento da linguagem. Evidências Experimentais e clínicas”.
Working papers em linguística, nº5, 2001.
90 Autores cit in Rodrigues, C. “Contribuições da memória de trabalho para o processamento da linguagem. Evidências
Experimentais e clínicas”. Working papers em linguística, nº5, 2001.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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29/10/2008). O sistema de memória de trabalho no acórdão traduz-se por “um sistema
que permite a manutenção temporária e o processamento da informação para elaborar e
dirigir nossa conduta”. Mas o sistema de memória de trabalho vai além disso, é
responsável por manter transitoriamente representações mentais por um curto período
de tempo, processá-las, selecioná-las e operá-las ou transformá-las para posterior
utilização em tarefas cognitivas. A memória de trabalho também pode ser denominada
por memória operatória, no entanto o acórdão atribui essa designação à memória remota
(memória a longo prazo). Não é só neste caso que o acórdão confunde os termos.
Atribui ao executivo central (principal subsistema de processamento da informação da
memória de trabalho) um papel que cabe ao retentor episódico (também subsistema de
processamento da informação da memória de trabalho). Ele é responsável pela
integração de informação que advém da memória a longo prazo, ativando
temporariamente uma nova representação mental mediada pelas informações que se
alojam na memória a longo prazo. Do ponto de vista da psicologia, o acórdão faz uma
análise pouco sucedida e confusa sobre os sistemas de memória humana, atribuindo-
lhes funções e denominações erróneas. Outro exemplo sonante é a integração de uma
memória intermediária. Na literatura analisada não há qualquer referência a este tipo de
memória respeitante a factos de semanas a meses.
Feita a análise sobre o entendimento do acórdão sobre a memória humana,
importa agora referenciar uma memória “especial” e com poder de decisão e busca da
verdade judicial, a memória do juiz. O poder de decisão de uma matéria cabe também
à/ao princípio da livre apreciação do juiz, princípio este que encontra raízes no
renascimento e a nomes como Galileo Galilei e Bacon. O poder da livre apreciação do
juiz, onde assentam princípios imperiosos o processo penal, tais como, a imediação, a
concentração, a oralidade, o contraditório, a participação, implica uma confiança “cega”
no juiz, nas capacidades de objetiva observação e de análise serena e imparcial dos
dados observados, ou seja, fundamenta-se numa análise fenomenológica e experimental
da realidade. Mas, o que se entende por livre apreciação da prova? O artigo 127º do
código de processo penal consagra este princípio “a prova é apreciada segundo as regras
da experiência e a livre convicção da entidade competente”. As regras de experiência de
acordo com Cavaleiro Ferreira (1986, Curso de Processo Penal II)91 “são definições ou
juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto jub judice,
91 Autor cit in Acórdão do STJ, processo nº07PA4822 de 29-10-2008.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 39 -
assentes na experiência comum, e por independentes dos casos individuais em cuja
observação se alicerçam”, o mesmo é dizer que as regras de experiência expressam
aquilo que acontece na maioria dos casos, sendo extraída de casos similares.
Relativamente à livre apreciação encontra expressão nas palavras de Almeida (1977,
pp.101)92 “ a convicção sobre um dado facto concreto da vida passa por uma vivência
das realidades, carregada de experiência pessoal, de conhecimento psicológico das
reações humanas, de capacidade de juízo e atenção, de sensibilidade para a recriação de
motivos e para uma avaliação criteriosa dos meandros da própria ação”. É importante
sublinhar que o factor tempo não é o único responsável pela erosão e modelação da
memória, como o acórdão parece transparecer “o legislador ao fixar o prazo de trinta
dias como limite inultrapassável certamente que se fundamentou na contribuição da
ciência na definição do espaço temporal dentro do qual permanecem as perceções
pessoais que fundamentam a atribuição da credibilidade a um determinado meio de
prova” (acórdão do STJ, processo nº07P4822 de 29/10/2008). A própria livre
apreciação da prova por parte do juiz subordina-se a inúmeros fatores que interferem na
memória humana, pois é sabido que “extraímos elementos fundamentais das nossas
experiências em vez de recordar cópias exatas delas”93,ou seja, a memória humana é
modelável de acordo com as emoções, crenças, conhecimentos e associações. A teoria
construtivista de Bartlett (1932)94traduz a ideia de a memória humana ser uma
construção pessoal de factos passados e que se subordina às experiências passadas, às
atitudes, às emoções e ao quadro cultural de referências, indo de encontro àquilo que é
postulado no princípio da livre apreciação da prova. Esta teoria permite compreender
que a memória humana não é estática e exclusivamente dependente da erosão do tempo.
A memória humana não deve ser compreendida exclusivamente pelo que se esquece, o
que é recordado e como é recordado é importante para a obtenção da verdade material,
uma vez que para dar significado ao passado às vezes é necessário esquecer alguns
elementos ou acrescentar ou inventar outros.
Para além da inclusão dos fatores propostos pela teoria construtivista de Bartlett
relativamente à construção pessoal do passado, fatores como a distorção e a atribuição
92 Autor cit in acórdão do STJ, processo nº07P4822 de 29-10-2008.
93 Schacter (2003, p.21) cit in Caixeta, V. & Pereira, D. “Criando falsas memórias em adultos por meio de imagens faciais”.
Universitas Ciências da Saúde, vol. 3, nº1, 2008, pp. 15-45.
94 Bartlett (1932) cit in Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3, 1999, pp. 182-
203.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 40 -
errada também encontram relação com o princípio da livre apreciação da prova. A
distorção relaciona-se com os conhecimentos preexistentes e crenças, adaptando-se as
memórias do passado às opiniões e necessidades do presente. O princípio da imediação
que ganha relevo com o princípio da livre apreciação da prova, determina que o juiz
deverá tomar contacto imediato com os elementos de prova, ou seja, através de uma
perceção direta ou pessoal, tomando em atenção aspetos que possam condenar a forma
como esta perceção é deliberada. A distorção provoca uma influência ou até mesmo
uma distorção das informações retidas na memória pela aquisição de conhecimentos,
crenças e expetativas atuais. O mesmo acontece com a atribuição errada, no entanto esta
diferencia-se da anterior, na medida em que há uma atribuição errada de determinadas
sensações e experiências do passado ao presente, o que pode ser extremamente
prejudicial para a obtenção da verdade material nos julgamentos. Por exemplo, o
julgador na maioria das vezes tem mais do que um julgamento por dia e inúmeros por
semana. Este facto por si só pode conduzir à atribuição errada e a uma livre apreciação
da prova enviesada, podendo confundir ou atribuir equivocadamente um determinado
acontecimento do passado (julgamento anterior), como uma imagem ou um pensamento
e transpô-la e atribui-la ao presente.
Estes dois fatores citados constituem uma dinâmica presente no princípio da
livre apreciação da prova e por conseguinte são um dos muitos fatores que entram em
conflito com a preservação de uma memória real dos factos ocorridos. Ora, o acórdão
em análise não os referencia, apenas se limita a estabelecer o fator tempo como um dos
grandes responsáveis pelo desvanecimento da memória humana.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 41 -
2. O tempo: trinta dias são determinantes para a preclusão da prova?
O acórdão em análise faz menção do espaço temporal entre o julgamento e a
sentença como causa determinante para a preclusão da prova, estabelecendo um prazo
de trinta dias como limite inultrapassável. Este limite é sugerido porque se adequa a
uma viva perceção sobre as provas de cariz oral produzidas em sede de julgamento,
socorrendo-se o julgador da informação presente na sua memória de trabalho para
fundamentar a sua convicção. Como pode ser lido no acórdão “o legislador ao fixar o
prazo de trinta dias como limite inultrapassável certamente que se fundamentou na
contribuição da ciência na definição do espaço temporal dentro do qual permanecem as
perceções pessoais que fundamentam a atribuição de credibilidade a um determinado
meio de prova” e “…o juiz faria recurso da informação que possuía na sua memória de
trabalho para fundamentar a sua convicção” (acórdão do STJ, processo nº07P4822 de
29/10/2008). Mas será o tempo um fator determinante para o declínio mnésico da
informação? E será o tempo o fator mais importante e com um espaço temporal pré-
definido para o declínio mnésico das informações codificadas? Peterson & Peterson
(1959)95 realizaram um estudo em jovens universitários e verificaram que estes eram
incapazes de recordar em média mais de 20% de siglas consoantes após terem decorrido
dezoito segundos. Este estudo e outros similares permitiram concluir que a duração na
memória a curto prazo situava-se entre dez a vinte segundos, sem que haja repetição da
informação. Se a repetição tiver lugar, a informação prolonga-se por bastante mais
tempo. Este estudo mostra, tal como os estudos anteriores de Ebbinghaus96, que a maior
parte das informações codificadas perdem-se após breves segundos depois da sua
codificação, tornando-se mais gerais e menos robustas na memória. As informações
codificadas serão mais facilmente evocadas e transferidas para e memória a longo
prazo, caso tenha havido repetição da informação, caso carreguem consigo um
significado emocional, entre outros fatores. O importante a saber é que não há um limite
estabelecido para a manutenção das informações na memória, o que contraria a ideia
dos trintas dias como limite inultrapassável para manter viva as perceções de
determinado evento, de acordo com o acórdão em análise.
95 Autores cit in Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.
96 Importante ver ilustração I relativa à curva do esquecimento.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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Destes estudos advém a teoria do desuso. Esta teoria postula que o traço mnésico
perde-se gradualmente ao longo do tempo por falta de uso da informação e teve como
base as investigações remotas de Ebbinghaus. Ebbinghaus, com a elaboração da curva
do esquecimento, verificou que a maior parte do esquecimento situava-se nos primeiros
momentos logo após a codificação da informação. É possível concluir que o tempo de
facto influencia no declínio do traço mnésico, realçando o frequente adágio “com o
tempo acaba-se por esquecer”, mas o limite de trinta dias estabelecido pelo legislador
como inultrapassável para a permanência viva das perceções pessoais do julgador sobre
as provas orais, é parcamente fundamentada, uma vez que de acordo com a teoria do
desuso, no sistema de memória a curto prazo (atualmente denominado como sistema de
memória de trabalho) as informações permanecem por um curto período de tempo. A
fundamentação atribuída pelo legislador à ciência, não parece encontrar qualquer base
científica. Contudo, a teoria do desuso ainda não conseguiu obter confirmação ou
rejeição experimental, pois há indícios de que a passagem do tempo por si só, não serve
como preditor do esquecimento, existem outras fontes, tais como a interferência
retroativa e/ou proativa, que podem influenciar a recuperação ou recordação do traço
mnésico.
A teoria da interferência revela exatamente isso, as informações mais antigas
serão evocadas com maior dificuldade que as informações mais recentes, isto porque há
a ocorrência de mais aprendizagens entre o momento atual e eventos antigos do que
entre eventos atuais e os recentemente codificados, ou seja, a ocorrência de
interferências. Keppel & Underwood (1962)97 colocaram em prática esta teoria numa
das suas investigações e concluíram que o grau de evocação da informação retida na
memória a curto prazo diminuía à medida que aumentava a interferência proactiva, ou
seja, quantas mais experiências e por conseguinte mais informações retidas na memória,
maior será a interferência provocada no traço mnésico, possibilitando o esquecimento
de informações mais antigas. No que concerne à interferência retroativa, esta também
pode ser aplicada à memória do julgador. Imagine-se que o julgador tem mais do que
um julgamento por dia e que esses julgamentos são similares entre si, de acordo com a
teoria da interferência aplicada sob a forma retroativa, quanto maior for o grau de
similaridade em termos de significado entre uma experiência intermédia e uma
97 Autores cit in Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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experiência posterior, maior será a interferência retroativa (aprendizagem entre dois
eventos com distanciamento temporal). As experiências relativas à teoria da
interferência sugerem que a interferência representa um papel mais importante que o
fator temporal no esquecimento no sistema de memória a curto prazo. Assim sendo, a
justificação dada pelo acórdão relativamente à preclusão da prova seria descartada à luz
desta teoria.
O importante a reter é que o tempo por si só não é um fator determinante para o
desvanecimento do traço mnésico, a interferência proactiva e/ou retroativa são também
importantes, podendo concluir que a interferência será maior quanto maior tempo
influenciar um item armazenado na memória.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 44 -
3. A produção de nova prova oral: reprodução da informação
O acórdão de fixação de jurisprudência do STJ de 29/10/2008 refere que “nos
termos do artigo 328º nº6 do CPP o adiamento da audiência de julgamento por prazo
superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida…”. No entanto, de
acordo com a psicologia, será benéfico a produção de nova prova? Não trará
implicações na forma como é recordada novamente determinado evento tanto para as
testemunhas como para o juiz? O senso comum talvez conduzisse à ideia de que
produzir nova prova traria benefícios para a memória do julgador e assim a uma melhor
decisão. Mas caso a testemunha trouxesse novos factos ou factos contraditórios, o
julgador muito possivelmente ficaria com a perceção de um testemunho falso ou
omitido.
É sabido que com o tempo as memórias tendem a tornar-se menos específicas,
procurando o cérebro humano estabelecer uma impressão genérica do acontecimento; a
aquisição de novas informações provoca interferências no material retido na memória,
levando a uma maior dificuldade em evocar as informações mais antigas. É importante
perceber que um testemunho não deve ser entendido como algo definitivamente exato e
verdadeiro, já que pressupõe aquilo que o indivíduo conseguiu perceber da situação em
que se encontrava presente98. Nas testemunhas estes factos são bastante evidentes e
contribuem muitas vezes para a recuperação alterada de determinados acontecimentos,
ou seja, as testemunhas recriam um determinado evento conforme o percecionaram, não
porque estejam a mentir mas sim porque a memória humana tende a recriar um
acontecimento que faça sentido para o indivíduo, preenchendo assim as lacunas do
acontecimento de modo a obter um conjunto lógico possível. A isto denomina-se de
falsas memórias. Sempre que o indivíduo tenta recordar um objeto, uma face, um
evento, obtém por norma uma nova interpretação, ou seja, uma nova versão
reconstruída da original, pois variáveis como o tempo, a idade e as experiências
posteriores, provocam a alteração de determinados detalhes99. Stein (1973, pp. 5)100 de
98
Ericksen, L. & Lycurgo, T. “O processo psicológico e a obtenção da verdade judicial. O Comportamento de partes e
testemunhas”. ANAMATRA, nº38, 2011, pp. 112-141. 99 Rainho, J. “Prova testemunhal: prova rainha ou prova mal-dita? Algumas considerações ajurídicas acerca da prova testemunhal”.
Comunicação, 8º aniversário do TRC, 2010.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 45 -
acordo com a ideia anteriormente mencionada “a capacidade de uma testemunha
depende das suas peculiaridades individuais, do rigor dos sentidos e da inteligência,
bem como de conseguir conservar inalterável na memória a impressão recebida e ser
capaz de comunicar fielmente”. Também fatores como a atribuição errada e a distorção
contribuem para as “memórias falsas” e para uma perceção errónea juiz face ao
testemunho, imaginando este que a testemunha possa estar a mentir. A atribuição errada
é denominada de “julgamento erróneo”, o indivíduo atribui determinadas sensações e
experiências do passado ao presente, e quanto mais tempo e experiências tiver ocorrido
entre o evento e o seu relato, maior é a evidência da atribuição errada. A distorção é
outro exemplo bem-sonante para a constituição de falsas memórias. Este fator vai
moldando-se ao longo da vida do indivíduo, ou seja, conhecimentos preexistentes e
crenças adaptam-se às opiniões e necessidades do presente, é altamente influenciável no
testemunho, na medida em que a perceção sobre determinado acontecimento, objeto ou
pessoa vai variando possibilitando a criação de relatos diferentes. Assim sendo, para um
relato mais fiável do acontecimento é importante que a testemunha não evoque o evento
várias vezes, uma vez que entre o acontecimento e a sua posterior evocação por parte da
testemunha, esta ficou sujeita a várias interferências do seu dia-a-dia, “no seu espírito
foram entrando pontos de vista novos que pouco a pouco foi admitindo como seus,
alterando assim insensivelmente a sua narração primitiva, enriquecendo-a com novos
detalhes. Chegada a ocasião de depor, novas influências se vão exercer e contribuir
ainda mais para uma maior deformação101”.
Bartlett (1932)102 foi um dos primeiros teóricos a explicar o que está na origem
das distorções da memória. Ele explica-as através de três acontecimentos, o efeito de
esquema, as ilusões da memória e a confusão de acontecimentos, sendo o mais
importante para o trabalho os acontecimentos imaginados. Este tipo de distorção assume
características reais, ou seja, quanto mais o indivíduo acredita que esteve num
100 Autor cit in Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3, 1999, pp. 182-203.
101Pessoa (1913, pp. 55 a 57) cit in Ribas, C. “A credibilidade do testemunho: a verdade e a mentira nos tribunais”. Dissertação de
mestrado, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Porto, Portugal, 2011.
102 Autor cit in Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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determinado acontecimento, mas real parece o seu envolvimento103. Os acontecimentos
imaginados revelam-se bastante prejudiciais para a descoberta da verdade material e
caso a audiência de julgamento seja adiada, mais intensamente esta distorção se
manifesta.
E que consequências haverá para o juiz caso haja a produção de nova prova
oral? A investigação tem mostrado que após o relato de um acontecimento, as
testemunhas ao serem novamente questionadas sobre o mesmo acontecimento, elas
podem sofrer o efeito da sugestionabilidade. A sugestionabilidade pode ser provocada
pelo juiz e manifesta-se nas testemunhas. O juiz pode induzir em erro as testemunhas,
isto é, pode transformar sugestões em falsas recordações com a colocação de perguntas
capciosas. A sugestionabilidade envolve operações complexas entre o ambiente atual, o
que se espera recordar e o que ficou retido na memória, o que pode traduzir o seguinte:
se o juiz espera recordar determinado evento por já ter havido uma audiência de
julgamento anterior, o provável é utilizar a sugestionabilidade como meio de induzir a
testemunhas a relatar o que o juiz pretende ouvir, colocando em causa a preservação do
traço mnésico das testemunhas.
Assim sendo, do ponto de vista da psicologia, a preclusão da prova e a posterior
produção de nova prova em sede de julgamento, traz algumas consequências
essencialmente para as testemunhas. É normal que a testemunha deforme o seu relato
devido às inúmeras distorções que a memória humana pode apresentar, no entanto é pior
que o seu relato seja distorcido pelo juiz quando este lhe coloca perguntas capciosas
capazes de manipular o seu discurso 104. Neste caso, é manifesta uma influência entre
testemunha/ juiz e juiz/ testemunha. Para além destas causas que advêm pela produção
de nova prova, o direito apela à realização da justiça, tutela de bens jurídicos,
estabilização das normas, paz jurídica dos cidadãos em tempo útil, e que na opinião de
Carmona da Mota (2008)105 a preclusão da prova num prazo superior a trinta dias não
salvaguarda convenientemente estes interesses. É possível encontrar aqui uma ligação
103 Albuquerque, P. & Sousa, C. “A fiabilidade do testemunho ocular: efeito da valência do episódio e da ordem de realização de
duas tarefas mnésicas”. Psicologia: teoria, investigação e prática, vol.1, 2006, pp. 45-56.
104
Ericksen, L. & Lycurgo, T. “O processo psicológico e a obtenção da verdade judicial. O Comportamento de partes e
testemunhas”. ANAMATRA, nº38, 2011, pp. 112-141. 105 Voto de vencido no acórdão do STJ, processo nº07P4822 de 29-10-2008.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 47 -
com a psicologia, na medida em que as testemunhas muita das vezes pretendem não
recordar determinados eventos, pois sendo de índole traumático não assegura a paz
jurídica da mesma. Também o facto de o juiz estar imbuído por memórias de um
julgamento anterior, pode comprometer a realização da justiça de forma eficaz. Apesar
de o juiz ser um sujeito imparcial, este pode ser afetado como fatores como a
sugestionabilidade.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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4. A preclusão da prova versus visualização da audiência de julgamento
De acordo com o artigo 364º do CPP “A documentação das declarações
prestadas oralmente na audiência é efetuada, em regra, através de registo áudio ou
audiovisual”, no entanto o disposto do artigo 328º nº6 do CPP assegura que “O
adiamento não pode exceder os trinta dias. Se não for possível retomar a audiência neste
prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada”. Mas como vimos ao longo deste
trabalho, após breves instantes a memória humana encontra influência no tempo e nas
interferências (experiências anteriores ou posteriores a um determinado evento). Ou
seja, no momento da aquisição de novas informações, estas influências condenam a
fiabilidade da memória humana, e ainda porque as informações codificadas são
interpretadas de acordo com as emoções, os sentimentos, as crenças, os conhecimentos
e associações daquele momento
O tribunal, antes que a prova precluda, pode consultar toda a prova que foi
prestada em sede de julgamento, inclusive a visualização da prova gravada pelos meios
indicados no artigo 364º do CPP, avivando assim a memória do julgador. Logo a
visualização ou audição da prova, permite ao julgador avivar a sua memória, na medida
em que lhe fornece pistas ou indicadores sobre a informação desejada. Existem estudos
que mostram que quando há pistas ou indicadores sobre a informação pretendida, os
resultados são melhores quando comparados com a evocação sem pistas. É sabido que
há mais informação retida do que aquela que é possível recordar, ou seja, muito
possivelmente a maior limitação da memória humana não é em termos de retenção, mas
em termos de recordação106. Este fenómeno designa-se por “instabilidade do
esquecido”, de acordo com Sílvio Lima (1928)107. Os processos de recordação implicam
que haja a retenção da informação na memória e incluem processos explícitos ou diretos
(evocação e reconhecimento) e processos implícitos ou indiretos (reaprendizagem,
completação de palavras e ativação). Numa análise aos tipos de prova de memória é
possível verificar que as pistas são um elemento benéfico para uma maior recordação da
informação fornecida. Neste trabalho serão apenas focadas as provas de memória
106 Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.
107 Autor cit in Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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explícita, uma vez que, estas provas são típicas da memória episódica e é esta memória
que interessa ao trabalho em concreto.
A memória episódica relaciona-se com acontecimentos pessoalmente vividos
enquadrada nas suas relações temporais, e traduz-se na evocação consciente e voluntária
de um evento, episódio ou informação108. As provas explícitas de acesso à informação
retida na memória são constituídas por dois tipos de prova: a evocação e o
reconhecimento. Baddeley (1997)109 propõe que a prova de evocação é um processo
mnésico que envolve duas formas:
trazer à memória de trabalho a informação que se julga ser
relevante naquele momento;
seleção da informação relevante para a memória de trabalho.
Este processo mnésico implica ainda dois componentes:
um baseado na perceção de familiaridade do item a recordar;
outro baseado na recuperação das características desse mesmo
item .
A evocação exige do sujeito mais atenção e recursos cognitivos quando
comparada à prova de reconhecimento, pois envolve um maior apoio na busca da
informação retida na memória.
Relativamente à prova de reconhecimento, esta traduz-se pela apresentação
inicial de uma lista de cerca de vinte palavras ou mais, que podem ser frases, sons,
imagens, rostos, seguida por uma nova apresentação das mesmas palavras com outras
novas misturadas com um número semelhante às anteriores. Este tipo de prova
usualmente apresenta-se sob o formato de respostas “sim ou não”, e o que se pretende é
que o sujeito consiga identificar as palavras iniciais quando se fornece uma lista de
palavras misturadas entre as iniciais e as posteriores, isto é, o acesso à informação/
108 Campos, T. et all. “Testes de memória explícita em pacientes com acidente vascular encefálico: implicações para a prática
clínica”. Revista Ciências médicas e biológicas, vol. 13, nº2, 2014, pp. 187-193.
109 Autor cit in Albuquerque, P. & Sousa, C. “A fiabilidade do testemunho ocular: efeito da valência do episódio e da ordem de
realização de duas tarefas mnésicas”. Psicologia: teoria, investigação e prática, vol.1, 2006, pp. 45-56.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 50 -
palavra pretendida dá-se através de uma identificação positiva das palavras inicialmente
apresentadas. Neste tipo de tarefa é necessário que haja a presença de distratores para
que a tarefa seja discriminativa, o que possibilita a indução de falsas memórias, logo
quantos mais distratores maior é o índice de falsos positivos. Por exemplo, no tipo de
prova por reconhecimento sequencial em que os suspeitos são apresentados um de cada
vez, é pedido à vítima ou testemunha que antes de ver o próximo suspeito, responda se
foi ou não o autor do crime. Assim, este tipo de prova permite à testemunha fazer um
julgamento absoluto, comparando cada suspeito com aquilo que releve na sua memória,
reduzindo a sugestionabilidade e aumento da confiança na testemunha. Também avisar
a testemunha que o suspeito pode não estar presente na prova de reconhecimento
sequencial, reduz a probabilidade de identificação equivocada.
As emoções afetam o julgamento e a atribuição da culpa interferindo na forma
como as informações são codificadas. Interferem no processo mnemónico afetando
positivamente no momento da recuperação da informação, quando esta tem um
conteúdo violento. No âmbito penal, a maioria dos eventos testemunhados e
posteriormente trazidos a tribunal, carregam consigo uma carga emocional significativa.
As investigações têm mostrado que os episódios emocionais são menos acessíveis à
recordação quando os sujeitos são colocados sob provas de evocação. Em contrapartida,
quando são fornecidos aos sujeitos várias pistas de recuperação, o índice de acertos é
maior. Concluindo-se novamente que o fornecimento de pistas permite ao indivíduo
recordar com maior exatidão determinado evento. Os estudos que comparam as provas
de evocação e reconhecimento revelaram que o desempenho na prova de evocação
situa-se nos 40% e na prova de reconhecimento nos 80% 110. Sousa e Albuquerque
(2006) 111 realizaram um estudo sobre o efeito que o conteúdo emocional (emocional
versus neutro) de um episódio observado ao vivo tem na capacidade de recordação,
medida através de provas de evocação livre e de reconhecimento. Este estudo foi
aplicado a 81 estudantes do ensino superior. O estudo concluiu que “a realização prévia
de uma tarefa mnésica fornece aos participantes a possibilidade de exposição a unidades
de informação corretas”. Relativamente aos resultados obtidos nos dois tipos de prova,
110
Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001. 111 Autor cit in Albuquerque, P. & Sousa, C. “A fiabilidade do testemunho ocular: efeito da valência do episódio e da ordem de
realização de duas tarefas mnésicas”. Psicologia: teoria, investigação e prática, vol.1, 2006, pp. 45-56.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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na prova de reconhecimento o desempenho mnésico dos sujeitos para o evento
emocional é mais positivo; no que respeita à tarefa de evocação, esta parece ser mais
benéfica para os sujeitos do episódio neutro. Campos, Melo, Brasileiro & Galvão (2014)
112 elaboraram um estudo onde compararam o desempenho de pacientes com acidente
vascular encefálico e saudáveis em testes de memória explícita, de acordo com o tipo de
evocação e reconhecimento. Apesar de não ser relevante para o trabalho a compreensão
dos resultados nos pacientes, tanto neste grupo como no grupo saudável a média de
acertos é menor na evocação livre do que no reconhecimento. Cycowicz (2001) 113
estudou o desempenho da memória em testes com figuras de objetos em sujeitos
saudáveis e concluíram que havia um menor número de acertos e maior tempo de reação
na evocação do que no reconhecimento, o que pode estar relacionado com o facto de a
evocação requerer maior processamento do que o reconhecimento e por conseguinte
maior atividade neuronal.
Com estes estudos é possível concluir que a informação retida é melhor
recordada quando há o fornecimento de pistas, como acontece com a prova de
reconhecimento, e para eventos com carga emocional o desempenho mnésico é maior
neste mesmo tipo de tarefa. Pode-se assim deduzir que a recordação deliberada de um
determinado evento que a testemunha presenciou potencia mais falsos positivos, ou
seja, falsas memórias e portanto é mais benéfico o julgador auxiliar-se dos depoimentos
em ata e visualização da audiência de julgamento como forma de recuperação da
informação retida na memória. Pode-se mesmo afirmar que as imagens têm uma relação
intrínseca com a memória e que a sua visualização permite comunicar com maior
facilidade com memórias desvanecidas. Kossoy (pp. 155, 2001) 114 afirma que “o
fragmento da realidade gravado na fotografia representa o congelamento do gesto e da
paisagem, e portanto a perpetuação de um momento, em outras palavras, da memória,
memória do indivíduo, da comunidade, dos costumes, do fato social, da paisagem
urbana, da natureza”.
112 Campos, T. et all. “Testes de memória explícita em pacientes com acidente vascular encefálico: implicações para a prática
clínica”. Revista Ciências médicas e biológicas, vol. 13, nº2, 2014, pp. 187-193.
113 Autor cit in Campos, T. et all. “Testes de memória explícita em pacientes com acidente vascular encefálico: implicações para a
prática clínica”. Revista Ciências médicas e biológicas, vol. 13, nº2, 2014, pp. 187-193.
114 Autor cit in Dallago, S. “A relação entre fotografia e memória na obra de Marcel Proust”. I Seminário Nacional em Estudos de
Linguagem, 2010.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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CAPÍTULO II
Durante muitos anos a decisão sobre a credibilidade de uma determinada pessoa
ficava a cargo de instâncias divinas, os sujeitos eram condenados consoante o que o
juízo de deus lhes tinha para oferecer. Por exemplo, nos ordálios, mais concretamente
nas provas de água, atirava-se o acusado a um rio, e caso ele flutuasse era considerado
culpado. Foram várias as maneiras de provar a credibilidade de um testemunho ao longo
da história nos vários continentes. Denotava-se uma preocupação constante na
qualidade dos depoimentos e dos testemunhos.
A primeira aproximação entre a psicologia e o direito surge no final do século
XIX, através da Psicologia do Testemunho, tendo como principais teóricos Neumann,
Kraepelin, Binet e Stern115. Nesta primeira análise, pretendia-se verificar a fidelidade de
um testemunho pela avaliação dos processos internos que podiam dificultar a
veracidade. Já nesta altura chegaram a conclusões que na atualidade ainda são
validadas, tais como:
O erro é um fator constante nos depoimentos;
Os erros são menos frequentes nos relatos espontâneos;
As perguntas e as respostas devem ser consideradas em
conjunto;
Devem ser evitadas as perguntas capciosas/ sugestivas116;
Freud, importante psicanalista, também desenvolveu alguns estudos sobre o
processo mental de formação da decisão nos juízes. A questão da mentira no
testemunho tem sido um dos grandes temas de estudo da psicologia, desde que os
estudos sobre a memória têm surgido em grande abundância. Os estudos sobre a
memória sugerem sempre que um testemunho sem erro é uma exceção, uma vez que o
erro surge quando são solicitadas informações de um determinado acontecimento. É um
processo normal, e que na maioria das vezes, não deve ser encarado como um falso
testemunho. “A partir dos anos 70 os psicólogos começaram a levar as suas 115 Ribas, C. “A credibilidade do testemunho: a verdade e a mentira nos tribunais”. Dissertação de mestrado, Instituto de Ciências
Biomédicas Abel Salazar, Porto, Portugal, 2011.
116 Whipple, Conclusões apresentadas no Congresso of French Alienists and Neurologists, 1913.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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contribuições aos tribunais, introduzindo, nos procedimentos legais, as descobertas
feitas em centenas de estudos sobre a natureza da memória. Hoje, em praticamente todo
o mundo ocidental, o funcionamento da memória das testemunhas, vítimas e autores de
delitos e a sua implicação jurídica, são de grande importância para a ciência criminal,
tendo em vista a sua aplicação na prática judiciária117”.
Parte I – Reflexão ao artigo 328 do CPP: o princípio da imediação
1. Reflexão ao artigo 328º do CPP: o adiamento da audiência de julgamento
e consequente preclusão da prova
O acórdão do STJ de 29 de outubro de 2008 fixa jurisprudência nos seguintes
termos “Nos termos do artigo 328º nº6 do CPP o adiamento da audiência de julgamento
por prazo superior a trinta dias implica a perda de eficácia da prova produzida com
sujeição ao princípio da imediação. Tal perda de eficácia ocorre independentemente da
existência de documentação a que alude o artigo 363º do mesmo diploma”.
O princípio da imediação, nas palavras de Gil Santos118, reflete a ideia de uma
aproximação comunicante entre o tribunal e os participantes processuais, para efeito de
formação da convicção do tribunal através da apreensão pessoal do julgador
concatenado ao princípio da livre apreciação da prova119. Daí que para efeito de
formação da convicção do tribunal, não valem em julgamento quaisquer provas que não
tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, como refere a norma constante
117
Reis (2006, p.64) cit in Ribas, C. “A credibilidade do testemunho: a verdade e a mentira nos tribunais”. Dissertação de
mestrado, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Porto, Portugal, 2011. Também vemos a Psicologia a intervir no Direito,
no momento em que é necessário recorrer a perícias psicológicas.
118 Santos, G. “Princípios e prática processual penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1ª edição, 2014, p.56.
119 O princípio da livre apreciação da prova foi pela primeira vez, consagrado expressamente no artigo 127º do CPP de 1987
“Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção da entidade
competente”. Nesta linha, Figueiredo Dias assevera que “a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo
com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto,
recondutível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e de controlo (possa embora a lei renunciar à
motivação e ao controlo efetivos)”. Dias, F. “Direito Processual Penal”. Coimbra, Coimbra editora, Vol. I, 1974, pp. 202-203.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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do artigo 355º nº1 do CPP. Rui Castro120 diz-nos que com o princípio da imediação
pretende-se que o juiz entre em contacto direto com os meios de prova e que presida à
sua produção e análise, ou seja, há uma necessidade no ordenamento jurídico português
de o julgador ter um contacto imediato e direto com os meios de prova, por forma,
através das regras de experiência comum e da livre convicção chegar a uma decisão
fundamentada. A decisão jurisdicional só pode ser proferida por quem tenha assistido à
produção das provas e à discussão da causa pela acusação e pela defesa, isto é, o juiz
que presida ao julgamento. O princípio da imediação significa também que na
apreciação das provas deve dar-se preferência aos meios de prova que estejam em
relação mais direta com os factos probandos121 e que esta decisão seja feita o mais breve
possível, logo no término da audiência de julgamento, atuando assim o princípio da
concentração122. De acordo com o autor Germano Silva123 “a experiência mostra que a
imediação é inimiga da dilação, pois as impressões e recordações apagam-se ou
esvanecem-se com o tempo”. O princípio da imediação tem estreita ligação ao princípio
da oralidade, sendo o corolário mais importante deste último princípio. Ambos são
princípios relativos à forma do processo penal. O princípio da oralidade sustenta a ideia
de que a decisão deve assentar na discussão oral, em audiência, da matéria probatória
trazida a tribunal, e claro está, de acordo com Figueiredo Dias “isso não significa que
sejam vedados atos processuais de prova que sejam contidos em escritos (autos, atas,
registos), mas só que entre a produção da prova e a decisão tem que haver a
imediatividade de produção daquela perante o órgão que decide.”124 Mais uma vez é
aqui notória a franca ligação entre o princípio da imediação e o princípio da oralidade.
Nas palavras de Germano Silva125 o princípio da oralidade significa “essencialmente
que só as provas produzidas ou discutidas oralmente na audiência de julgamento podem
servir de fundamento à decisão”, o que permite ao julgador através de uma apreensão
120
Castro, R. “Julgamento”. Lisboa, Quid Juris, 2ª edição, 2013, p.86.
121 As provas mais diretas, por exemplo, são as testemunhas presenciais em detrimento das “ouvi dizer”.
122 O princípio da concentração transmite a ideia de continuidade das diligências, quer na fase anterior ao julgamento como
também na fase de julgamento. Santos, G. “Princípios e prática processual penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1ª edição, 2014, p.57.
123 Silva, G. “Direito processual penal português: noções gerais, sujeitos processuais e objeto”. Lisboa, Universidade Católica
editora, Vol. I, 2013, p.101.
124Dias, F. “Sobre os sujeitos processuais no novo código de processo penal”. Jornadas de direito processual penal (O novo código
de processo penal), 1988, pp.8-9.
125 Silva, G. “Direito processual penal português: noções gerais, sujeitos processuais e objeto”. Lisboa, Universidade Católica
editora, Vol. I, 2013, p.100.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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sensorial criar um juízo valorativo sobre as provas, uma vez que, e de acordo com
Calamandrei126 “ na viva voz falam também o rosto, os olhos, a cor, o movimento, o
tom de voz, o modo de dizer, e tantas outras pequenas circunstâncias, que modificam
desenvolvem o sentido das palavras e fornecem tantos indícios a favor ou contra do
afirmado com elas”. Estes dois princípios são aceites como um dos progressos mais
efetivos e estáveis na história do direito processual penal, pois fizeram frente ao
processo penal do antigo regime, em que o processo era predominantemente dominado
pelo princípio da escrita, onde princípios como o do contraditório não tinham a mesma
expressão que no atual processo, estando vedada a impossibilidade de avaliar a
credibilidade de um depoimento.
Após esta breve introdução aos princípios da imediação e oralidade que ganham
pleno significado na fase de julgamento, importa compreender a razão pela qual a prova
preclude se o adiamento da audiência de julgamento exceder os trinta dias, mesmo que
tenha havido documentação a que alude o artigo 363º do CPP. Já vimos que esta
preclusão liga-se ao princípio da imediação, princípio este que atua na fase de
julgamento e é inerente ao julgador. Diz-nos o acórdão do STJ de 29 de outubro de
2008 que fixa jurisprudência no sentido da preclusão que “o adiamento não pode ser tão
espaçado que, por implicar a possibilidade de frustração de uma apreciação unitária,
acabe por defraudar o princípio processual da imediação, e os que dele são
instrumentais indispensáveis ao julgamento”. É patente aqui uma proteção à memória
do julgador, pois é nele que recai a decisão jurisdicional. A imediação permite ao
julgador no momento da apreciação das provas, a formação de um juízo pessoal e direto
sobre a credibilidade da prova, ou seja, a imediação é o meio pelo qual o tribunal realiza
um ato de credibilização sustentada sobre determinados meios de prova em detrimento
de outros. E como bem refere Paulo Pinto Albuquerque127 “a imediação e a descoberta
da verdade são prejudicados pela interrupção da produção da prova repetidas vezes, ou
por períodos longos, pois ela torna impossível a captação de uma imagem global dos
meios de prova a formulação de um juízo concatenado de toda a prova”128.
126
Cit in acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-10-2008, Proc. N.º 07P4822.
127 Cit in acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-10-2008, Proc. N.º 07P4822.
128 “Na verdade, todo o processo aquisitivo da informação em que se consubstancia a produção de prova como relação direta e
imediata entre o meio de prova e o julgador perde definição e esbate-se com o distanciamento temporal”. Cit in acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça, de 29-10-2008, Proc. N.º 07P4822, p.8.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 56 -
A audiência de julgamento, por força da norma do artigo 328º do CPP, deve
decorrer de forma contínua até ao seu encerramento, o que atende ao princípio da
concentração temporal129 tendo como corolários o princípio da oralidade e da
imediação. No entanto, e de acordo com o artigo 328º nº3 do CPP, existem certos casos
em que o adiamento130 da audiência de julgamento é possível, quando a mera
interrupção131 da mesma não é suficiente para remover o obstáculo, tais como:
Faltar ou ficar impossibilitada de participar pessoa que não
possa ser de imediato substituída e cuja presença seja indispensável por
força da lei ou de despacho do tribunal, exceto se estiverem presentes
outras pessoas, caso em que se procederá à sua inquirição ou audição,
mesmo que tal implique a alteração da ordem de produção de prova
referida no artigo 341º do CPP;
For absolutamente necessário proceder à produção de
qualquer meio de prova superveniente e indisponível no momento em
que a audiência estiver a decorrer;
Surgir qualquer questão prejudicial, prévia ou incidental,
suja resolução seja essencial para a boa decisão da causa e que torne
altamente inconveniente a continuação da audiência; ou
For necessário proceder à elaboração de relatório social ou
de informação dos serviços de reinserção social, nos termos do disposto
nº1 do artigo 370º.
São ainda admitidos os seguintes adiamentos previstos na lei:
129 O princípio da concentração será abordado mais pormenorizadamente em pontos seguintes do presente trabalho, no entanto,
trata-se de um princípio imposto através da exigência de continuidade da audiência. Rui Castro refere que “os atos processuais
devem, sempre que possível, praticar-se em uma só audiência ou em audiências de tal modo próximas no tempo que as impressões
do juiz colhidas na audiência não se apaguem da sua memória”. Cit in Castro, R. “Julgamento”. Lisboa, Quid Juris, 2ª edição, 2013,
p.202.
130 De acordo com os artigos 328º nº5, 97º nº5 do CPP e artigo 205º da CRP, o adiamento da audiência de julgamento depende
sempre de despacho fundamentado do presidente, que é notificado a todos os sujeitos.
131 De acordo com a norma constante do artigo 328º nº2 do CPP “São admissíveis, na mesma audiência, as interrupções
estritamente necessárias, em especial para alimentação e repouso dos participantes. Se a audiência não puder ser concluída no dia
em que se tiver iniciado, é interrompida, para continuar no dia útil imediatamente posterior”. “Em caso de interrupção por período
não superior a oito dias, a audiência retomar-se-á a partir do último ato processual praticado na audiência interrompida”, de acordo
com o artigo 328º nº4 do CPP.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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Artigo 359º nº4 do CPP “se, no decurso da audiência,
surgirem factos novos que impliquem alteração substancial dos descritos
na acusação ou na pronúncia, estando o MP, o arguido e o assistente de
acordo, pode o julgamento continuar pelos mesmos, concedendo-se ao
segundo, a seu requerimento prazo para a preparação da defesa, não
superior a dez dias, com o consequentemente adiamento da audiência, se
necessário;
Artigo 334º nº3 do CPP “em audiência, na ausência do
arguido nos casos de processo sumaríssimo reenviado para a forma
comum ou do arguido se encontrar praticamente impossibilitado de
comparecer, nos termos do disposto no artigo 334º nos 1 e 2 do CPP, se o
tribunal vier a considerar indispensável a presença do mesmo, ordena-a,
interrompendo ou adiando a audiência;
Artigo 67º nº3 do CPP “se o defensor substituído durante a
audiência requerer tempo para examinar o processo ou conferenciar com
o arguido, não sendo a interrupção suficiente, o tribunal pode adiá-la por
um período de cinco dias;
Artigo 93º nº2 do CPP “a falta de intérprete de surdo ou de
mudo – neste caso, quando necessário – implica o adiamento da
audiência.
Independentemente das causas de interrupções ou adiamentos da audiência de
julgamento, o adiamento não pode exceder os trinta dias, como bem refere o artigo 328º
nº6 do CPP. Caso não seja possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a
produção de prova já realizada. Esta regra gerou algumas controvérsias, uma vez que,
discutia-se se a mesma se aplicava nos casos em que havia documentação da prova oral.
O acórdão do STJ de 29 de outubro de 2008 entendeu que a regra da perda de eficácia
de prova já realizada ocorre independentemente da documentação da prova produzida
em audiência132. A preclusão da prova é justificada pela “oralidade e imediação da
prova, quando necessariamente tem de estar presente na memória dos julgadores e, por
isso, a perda de eficácia da prova produzida abrange apenas a prova oral realizada em
132 Castro, R. “Julgamento”. Lisboa, Quid Juris, 2ª edição, 2013.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 58 -
audiência, e não os documentos juntos aos autos”133. E também como bem refere Costa
Pimenta134 “o adiamento por tempo superior a trinta dias implica o retomar de novo os
atos de produção da prova na audiência, já que não se devem deixar esvanecer, na
mente do julgador, as perceções vividas que constituem o principal pressuposto de
aplicação sincera e integral dos princípios da oralidade e imediação, que dominam toda
a matéria da audiência.” Podemos considerar que o princípio da imediação apresenta
uma ligação estreita com a memória do julgador e por conseguinte permite uma boa
decisão da causa, quando o julgamento é realizado num prazo razoável. O STJ com o
acórdão de 12 de novembro de 2009 afirmou que “a importância do direito ao
julgamento num prazo razoável é de primeira grandeza, pois se considera que só quando
decidida em tempo a decisão pode ser justa. A justiça da decisão é, pois, avaliada não só
em função da qualidade intrínseca da mesma, como também do tempo em que é
proferida. Por outras palavras, uma decisão intrinsecamente justa, segundo os critérios
materiais e processuais, deverá ser considerada injusta (e não apenas ineficaz ou pouco
credível) se for tardia”. Deste excerto, podemos deduzir que o princípio da imediação
pode aproximar-se do princípio da celeridade processual, na medida em que para a boa
decisão da causa, concatenada ao princípio da livre apreciação da prova, é necessário
que na memória do julgador se mantenham vivas as perceções retiradas do julgamento,
e para isso, o julgamento deve ser realizado em tempo razoável. No entanto, o princípio
da imediação afasta-se do princípio da celeridade processual quando há a preclusão da
prova mesmo que tenha havido documentação a que alude o artigo 363º do CPP135.
Muito embora tenha havido a fixação de jurisprudência no sentido da preclusão
da prova, o TC em 2007 (um ano antes do acórdão supra referenciado) decidiu,
nomeadamente, não julgar inconstitucional a norma da 2ª parte, do nº6, do artigo 328º
do CPP, interpretado no sentido de ser inaplicável nos casos em que existe
documentação da prova produzida em audiência. No mesmo sentido, temos o MP
(recorrente) do acórdão de fixação de jurisprudência de 29 de outubro de 2008. Ora,
parece-nos que há avanços e recuos no sentido da preclusão da prova, mesmo que tenha
havido documentação da mesma, muito talvez por força da necessidade de o princípio
133
Cit in acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 06-02-2008, Proc. nº 07P4374
134 Cit in Pimenta, C. “Código de processo penal anotado”. Lisboa, Rei dos Livros, 1ª edição, 1987, p. 924.
135 A aproximação e o afastamento do princípio da imediação ao princípio da celeridade processual serão abordados mais adiante
neste trabalho.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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da imediação não se perder nos meandros do processo. Mas não estará o princípio da
imediação defraudado em certos casos no processo penal?
O acórdão RP de 7 de julho de 1993 e o acórdão do STJ de 14 de março de 2001
referem que “a produção de prova não perde eficácia se a audiência se desenrolar ao
longo de várias sessões, separadas entre si por períodos temporais não superiores a
trinta dias, ainda que entre a primeira e a última dessas sessões tenha decorrido um
período de tempo mais dilatado”. O preâmbulo do D.L. nº 320 – C/ 2000, de 15 de
dezembro pretendeu limitar o número de interrupções e adiamentos e quando
indispensáveis serem as mais curtas possíveis, impondo através do artigo 328º nº6 do
CPP que o adiamento não ultrapasse os trinta dias por consequente perda de eficácia da
prova (oralmente136) já produzida, ou seja, apelando ao princípio da continuidade e ao
princípio da concentração, a audiência deve ser “unitária, continuada, concentrada no
mais curto período de tempo, de modo a permitir a produção de todas as provas sem
hiatos temporais que, naturalmente as tornem menos presentes na hora da apreciação e
do julgamento dos factos”. Posto isto, se a audiência é interrompida ou adiada por prazo
não superior a trinta dias137 “retoma-se a partir do último ato processual praticado na
última sessão e no reinício desta decidir-se-á se deverão, ou não, repetir-se alguns dos
atos já praticados”. Apelando ao princípio da imediação que se assume em estreita
parceria com a memória do julgador, a aplicação deste princípio não faz sentido quando
entre a primeira sessão de audiência e a última tenham decorrido mais de trinta dias,
mesmo que entre as sessões nunca tenha ultrapassado o prazo para a preclusão da
prova138, já que regra geral, a audiência adiada retoma-se a partir do último ato
processual. E no momento da elaboração da decisão jurisdicional, o julgador face ao
136 “A perda de eficácia da prova produzida, abrange apenas a prova oral realizada em audiência, e não os documentos juntos aos
autos”. Cit in acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-02-2008, Proc. nº 07P4374.
137 Magistrados do MP do Direito Judicial do Porto “Código de processo penal: comentários e notas práticas”. Coimbra, Coimbra
editora, 2009, p.811.
138 “A violação do nº 6 do artigo 328º do CPP, ainda que não venha expressamente indicada na lei como nulidade absoluta ou
relativa, constituiu nulidade nos termos do disposto do artigo 120º nº2 al. d) do CPP, na medida em que implica a violação do
princípio da imediação das provas, o que pressupõe a continuidade da audiência. Tal nulidade envolve a invalidade do julgamento e,
consequentemente, da própria sentença”. Cit in acórdão Relação de Évora de 11-10-1994, BMJ, nº440, p.572.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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hiato temporal, não terá viva na sua memória as perceções retiradas das várias
audiências139.
Atualmente é consensual que o disposto do artigo 328º nº6 do CPP não tem
aplicação no caso da leitura da sentença depois de ultrapassados os trinta dias sobre o
encerramento da audiência140. No entanto, nem sempre foi esta a linha de pensamento
doutrinária. Por exemplo, o acórdão da RP de 2 de dezembro de 1993141 contraria esta
ideia, pois refere que “se entre o dia em que se produziu a prova e o dia em que se
procedeu à leitura da sentença decorrem mais de trinta dias a prova perdeu eficácia e a
sentença não pode subsistir. É que a continuidade da audiência tem em vista que entre a
produção da prova e a decisão medeie o menor espaço de tempo possível, evitando-se o
esquecimento. Se a sentença não for proferida no prazo legalmente fixado (trinta dias),
impõe-se a repetição do julgamento, se tal for arguido no prazo de cinco dias ou na
motivação, como fundamento de recurso142”. No sentido contrário e do que é atualmente
aplicável temos o acórdão STJ de 15 de outubro de 1997143 “O disposto do nº6 do artigo
328º não tem aplicação ao caso de a leitura da sentença ocorrer depois de ultrapassados
trinta dias sobre o encerramento da audiência”144. O prazo previsto no artigo 373º do
CPP para elaboração da sentença é meramente ordinatório e a sua inobservância
139 Como exemplo, temos o processo “Casa Pia”, caracterizada como “processo monstro”. Iniciou julgamento a 25 de novembro de
2004 e encerrou com leitura de sentença a 3 de setembro de 2010. Este processo que demorou seis anos a ser concluído, integrou
sete arguidos e dezenas de testemunhas. Poderá compreender-se a demora pelo simples facto do alargado número de sujeitos
processuais. No entanto, onde reside a ideia de uma apreciação unitária e concentrada da prova que tanto faz valer o princípio da
imediação? Ou seja, no processo “Casa Pia” há uma dilação temporal exuberante que, e de acordo com o acórdão do STJ de 29 de
outubro de 2008, não iria permitir ao julgador manter viva na sua memória as perceções de uma primeira audiência de julgamento.
Mas como vimos, são possíveis adiamentos da audiência de julgamento por períodos inferiores a trinta dias, não havendo assim a
preclusão da prova produzida oralmente. O processo “Casa Pia” é um processo que abala em toda a sua amplitude o princípio da
imediação.
140 Embora haja doutrina que ao considerar a sentença como pertencente à audiência, o prazo estipulado pelo artigo 328º nº6 do
CPP deve ser considerado, ou seja, a leitura da sentença não pode ultrapassar os trinta dias”. Como bem refere Paulo Pinto
Albuquerque “O prazo vale para toda a audiência de julgamento, desde a sua abertura até à leitura da sentença, uma vez que a ratio
do princípio da continuidade inclui o momento da formulação material do juízo sobre a prova, como resulta claramente do disposto
nos artigos 365º nº1 e 373º nº1 do CPP. A audiência inclui, pois, materialmente, a leitura da sentença ou, como diz melhor $860 I da
STPO alemã “a audiência encerra com a publicação da sentença resultante da deliberação”. Cit in Albuquerque, P. “Comentário do
código de processo penal”. Lisboa, Universidade Católica editora, 4ª edição, 2011, p.851.
141 Cit in CJ, ano XVIII, t.5, p.262.
142 Ver também neste sentido Acórdão da RP de 07-07-1993, CJ XVIII, t.5, p.243; Acórdão RE de 11-10-1994, CJ XIX, t.4, p.285
e no BMJ 440, p.572, defendendo que estaríamos perante uma nulidade que determinava a repetição do julgamento.
143 Acórdão STJ de 15-10-1997, CJ/STJ, ano V, t.3, p.197.
144 Ver também neste sentido Acórdão RL de 5-12-2002, CJ, ano XXVII, t.5, p.141.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 61 -
constitui mera irregularidade (artigo 118º CPP) que não afeta a decisão145.O primeiro
exemplo (Acórdão RP de 2-12-1993) parece que caminhava no sentido de uma ampla
proteção ao princípio da imediação, uma vez que, para a elaboração e consequente
leitura da sentença, torna-se necessário que na memória do julgador permaneçam vivas
as perceções retiradas da audiência de julgamento. No entanto, não há uma aplicação do
artigo 328º nº6 do CPP no caso de a leitura da sentença ultrapassar os trinta dias sobre o
encerramento da audiência, o que torna o princípio da imediação controverso e
contornável em vários âmbitos do processo penal. Este princípio defende a necessidade
de uma imediativdade dos meios de prova, para que no momento da apreciação de todos
os elementos colhidos na audiência de julgamento, o julgador tenha presente na sua
memória estes elementos.
Outra situação que coloca em causa a aplicabilidade do princípio da imediação
reporta-se aos casos em que o STJ ordena a baixa do processo para ser elaborado novo
acórdão pelos mesmos juízes. Nestes casos, o disposto do artigo 328º nº6 do CPP não
tem aplicação, de acordo com o acórdão do STJ de 7 de outubro de 1997146 “Tendo um
acórdão sido declarado nulo pelo STJ e ordenada a descida do processo à 1ª instância
para que os mesmos juízes e tribunal que a haviam proferido a suprissem (carência de
fundamentação, por incumprimento do preceituado no artigo 374º nº2, segunda parte,
do CPP) não havendo que tomar qualquer nova deliberação, mas tão só que
fundamentar a que havia sido tomada, é indiferente o tempo decorrido desde o
encerramento da discussão da causa e a prolação deste segundo acórdão, não havendo
lugar nem fundamento para aplicar ao caso, o estatuído no artigo 328º nº6 do CPP, ou
seja, a perda de eficácia de prova já realizada”147. Neste sentido, temos o acórdão mais
recente de 2006 do STJ de 25 de novembro de 2006148, que refere que “IV – A norma
do artigo 328º do CPP contém uma disposição relativa à audiência e rege apenas sobre a
continuidade desta (interrupções, adiamentos e limite do tempo de adiamento). V – Tal
disposição radica na oralidade e na imediação da prova, tendo que ver apenas com a
produção da prova e a concentração no decurso da audiência e até ao encerramento
desta: não rege, pois, sobre incidências posteriores. VII – Por isso, se uma decisão for
145
Cit in Acórdão TRP de 8-10-2014.
146 Cit in Acórdão de 7-10-1999, Proc. nº 86/99, 5ª secção, Relator Conselheiro José Gião.
147 Ver neste sentido o Acórdão do STJ de 22-04-1999, Proc. nº13565, 3ª secção: CJ (ASTJ), ano VII, tomo II, p.190.
148 Cit in Acórdão de 25-01-2006, Proc. nº 05P3460.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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anulada em recurso e se o suprimento da nulidade não determinar nova deliberação do
tribunal a quo, mas apenas esclarecimento da fundamentação (por incumprimento do
artigo 374º nº2, segunda parte do CPP), ou melhor fundamentação da deliberação
tomada, é indiferente o tempo decorrido desde o encerramento da discussão da causa até
ao segundo acórdão, não havendo fundamentação para aplicar ao caso o estatuído no
artigo 328º nº6 do CPP, ou seja, a perda de eficácia de prova já realizada”.
Posto isto, se o juiz para tomar uma decisão jurisdicional necessita de ter
presente na sua memória as perceções retiradas da audiência de julgamento, não seria de
esperar, por força do princípio da imediação, que no caso de ser ordenado pelo STJ a
baixa do processo para fundamentação, se aplicasse o disposto do artigo 328º nº6 do
CPP? A doutrina responde-nos com um não, o que leva a tomar em consideração que o
princípio da imediação cada vez mais tem menos força no nosso ordenamento jurídico
ou se o tem é contornado nos meandros do processo penal. Então se afinal o que está em
causa é a “proteção” da memória do julgador subjugada aos princípios como o da
oralidade e o da imediação, princípios estes essenciais na produção e apreciação da
prova, “então, quando a sentença é elaborada e lida para além do prazo de trinta dias, ou
quando o julgamento é anulado e ordenada a baixa do processo para ser elaborado novo
acórdão pelos mesmos juízes, também se poderia dizer que a prova, e a sua memória
pelo julgador, se esfumou”149. Relativamente ao âmbito de aplicação da segunda parte
do nº6 do artigo 328º do CPP, há quem defenda que, ultrapassado o prazo de trinta dias,
estamos perante uma irregularidade150 e não uma nulidade151. No entanto, o acórdão do
STJ de 29 de outubro de 2008 para fixação de jurisprudência, entendeu que o prazo
estipulado pela norma do artigo 328º nº6 do CPP, também se aplica nos casos em que
tenha existido documentação da prova produzida em audiência, com sujeição ao
princípio da imediação. Coloca-se agora a seguinte reflexão: “Se a prova, nos casos de
oralidade pura, se esfumava, já o mesmo não acontecia quando a audiência era gravada.
149 Cit in Ribeiro, V. “Código de processo penal: notas e comentários – Adenda com a 20ª alteração do Código de processo penal
(Lei nº20/2013 de 21/02)”. Coimbra, Coimbra editora, 2ª edição, 2011, p.917.
150 Ver neste sentido Acórdão STJ de 14-02-1996, BMJ 454, p.519; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal III,
2000, p. 223. 151
Ver neste sentido Acórdão RG de 10-11-2003, Proc. 1446/03-2; Acórdão RG de 17-11-2003, Proc. nº 1235/03-01.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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Neste último caso, mesmo que a audiência se reiniciasse ultrapassado o prazo de trinta
dias, a prova sempre poderia ser consultada”152.
Com a revisão de 2007 do CPP153 passou a ser obrigatório a documentação das
declarações prestadas oralmente em sede de audiência de julgamento. O que perfilhou
com o Acórdão do TC 473/2007154 “Não julga inconstitucional a norma da segunda
parte do nº6 do artigo 328º do CPP, interpretado no sentido de ser inaplicável nos casos
em que existe documentação da prova produzida em audiência”. No entanto, e como
vimos anteriormente foi fixada jurisprudência no sentido contrário ao acórdão
anteriormente exposto “Nos termos do artigo 328º nº6 do CPP, o adiamento da
audiência de julgamento por prazo superior a trinta dias implica a perda de eficácia da
prova produzida com sujeição ao princípio da imediação. Tal perda de eficácia ocorre
independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363º do mesmo
diploma”155
Esta questão será melhor desenvolvida no ponto a que atende ao processo
evolutivo dos artigos 328º e 363º do CPP.
152
Cit in Ribeiro, V. “Código de processo penal: notas e comentários – Adenda com a 20ª alteração do Código de processo penal
(Lei nº20/2013 de 21/02)”. Coimbra, Coimbra editora, 2ª edição, 2011, p.917.
153 Lei nº48/2007.
154 Acórdão do TC 473/2007, DR, II série, de 02-11-2007.
155 Acórdão do STJ de 11-2008, DR, I série de 11-12-2008.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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2. O processo evolutivo do artigo 328º do CPP em estreita ligação ao artigo
363º do CPP
Atualmente as declarações prestadas oralmente na audiência são sempre
documentadas na ata, sob pena de nulidade. Esta obrigatoriedade impôs-se por força da
lei nº105/2007, de 9 de novembro. Embora atualmente haja esta obrigatoriedade da
documentação das declarações orais, uma vez que todos os tribunais estão apetrechados
com os meios técnicos idóneos para garantir a gravação das declarações prestadas
oralmente, outrora não se impôs, mesmo após com a adoção crescente dos meios de
gravação magnetofónica156. Outra reflexão que merece todo o apreço, trata-se do facto
que mesmo que seja obrigatório, sob pena de nulidade, as declarações prestadas
oralmente em sede de audiência e estando os tribunais apetrechados com os meios
técnicos idóneos para assegurar a gravação das mesmas, se continue a prever a
preclusão da prova caso o adiamento da audiência de julgamento exceda os trinta dias.
O julgador por forma a relembrar-se do que sucedeu na audiência, poderia socorrer-se
das gravações, uma vez que os trinta dias não correspondem a um limite inultrapassável
para o desvanecimento da memória do julgador157, como faz crer o Acórdão do STJ de
29 de outubro de 2008. Posto isto, é fundamental perceber que evoluções tiveram os
artigos 328º e 363º do CPP a partir do CPP de 1929 e o que nos diz a doutrina acerca da
sua evolução.
Como vimos no ponto anterior deste trabalho, o ordenamento jurídico português
afastou os cânones que presidiam ao processo penal de estrutura inquisitória, com um
sistema de provas tabelado, para assumir uma estrutura acusatória que apelasse a
princípios como o do contraditório, o da oralidade, o da imediação, entre outros. Este
sistema que considerava o princípio da oralidade era muito mais adequado ao
conseguimento de uma justa decisão. O CPP de 1929 no seu artigo 414º (continuidade
156 “A partir de meados da década de 90 – sobretudo na decorrência das exigências que a entrada em vigor do Decreto-Lei 39/95,
de 15 de fevereiro, implicava -, os tribunais começaram a dispor dos meios técnicos de gravação magnetofónica em ordem a
assegurar a reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência. As alterações introduzidas ao CPP pela Lei
nº59/98, de 25 de agosto, espelham a adoção e crescente apetrechamento dos meios de gravação magnetofónica em todos os
tribunais”. Cit in Acórdão STJ de 29-10-2008, Proc. nº 07P4822, p.2.
157 Os trinta dias não são um limite inultrapassável estabelecido pela ciência. A ciência que estuda a memória diz-nos que logo
após a codificação das informações, muitas delas perdem-se imediatamente nos primeiros instantes. Para corroborar, ver parte da
Psicologia.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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da audiência) faz alusão aos trinta dias, no entanto não faz referência à preclusão da
prova quando a audiência de julgamento não possa ser retomada no prazo supra
mencionado. Aliás, no nº3 deste artigo refere que “nas causas submetidas a tribunal
coletivo, se algum dos juízes que tenha assistido a uma ou a algumas sessões estiver
impossibilitado de tomar parte nas seguintes e for substituído, o tribunal decidirá se
devem ou não repetir-se os atos já praticados. Se a impossibilidade for temporária,
poderá ser adiado o julgamento pelo tempo indispensável” e no nº4 “se algum dos juízes
do tribunal coletivo for transferido ou promovido, só deixará de intervir no julgamento,
se não for possível concluí-lo dentro de trinta dias, a contar da data de transferência ou
da promoção158. No caso em que o julgamento se efetua num tribunal coletivo, este
artigo considera que é o tribunal que decide ou a repetição ou a não repetição dos atos
outrora praticados e que não há um limite temporal que justifique a preclusão da prova.
Mas afinal onde está a proteção da memória do julgador? Memória esta que mantém
viva as perceções retiradas da audiência. E neste tempo em que não havia recurso às
gravações das audiências de julgamento e que seriam úteis para avivar a memória do
julgador, faria todo o sentido que houvesse a preclusão da prova, por tornar mais difícil
no momento da deliberação relembrar o que tinha ocorrido em audiências anteriores.
Neste código o princípio da concentração aplicava-se através da norma do artigo 76º
CPP159 e que permite o aceleramento do processo e por conseguinte permitir uma
audiência continuada. Nas palavras de Luís Osório160 “É em geral o princípio da
concentração que fundamenta estes preceitos. O processo penal precisa de ser mais
rápido que o processo civil não só porque assim se evita a perda de vestígios da
infração, mas também porque o castigo é tanto mais exemplar, quanto de mais perto
segue a prática do crime. A continuidade da audiência tem o mérito de os juízes
conservarem, no ato de deliberar, mais presente tudo o que se passou, tudo aquilo em
que deve assentar a sua deliberação”. E, portanto, deparamo-nos com a necessidade de
uma audiência continuada para que o julgador conserve na sua memória as perceções
158 Cit in Rocha, L. “Código processo penal anotado e legislação complementar”. Coimbra, Coimbra editora, 1950, p.571.
159 “Os atos judiciais praticados em audiência, ou fora da secretaria, podem celebrar-se desde o nascer ao pôr do sol. 1: as
audiências de julgamento podem continuar de noite, e até em domingos, férias ou dias feriados; 2: podem realizar-se em férias os
julgamentos de réus presos, e também os dos que estejam soltos, se o juiz entender necessário; 3: deverão praticar-se em férias, e
mesmo nos domingos e dias feriados, os atos necessários para garantia da liberdade individual e para a soltura dos réus presos ou
qualquer outros impostos por necessidade urgente”. Cit in Osório, L. “Comentário ao código processo penal português”. Coimbra,
Coimbra editora, 2º volume, 1932, p. 67.
160 Cit in Osório, L. “Comentário ao código processo penal português”. Coimbra, Coimbra editora, 2º volume, 1932, p. 69.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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retiradas da audiência de julgamento e que possibilita a uma melhor decisão da causa.
Retomando o princípio anteriormente exposto, artigo 414º do CPP, no seu nº 5 “nas
causas julgadas por juízes singulares, se o juiz estiver impossibilitado de continuar a
presidir à audiência, apenas se repetirá a produção de prova testemunhal, o
interrogatório do réu e do ofendido e as declarações dos peritos, quando tenham sido
prestadas oralmente na audiência. Se a impossibilidade do juiz for temporária, poderá
ser adiada a audiência por prazo não superior a um mês161”. Este preceito diz-nos que a
audiência de julgamento quando julgada num tribunal singular, não pode ser adiada por
mais de trinta dias, mas mais uma vez não há qualquer alusão à preclusão da prova, o
que deixa na dúvida o leitor quanto à consequência do adiamento exceder os trinta dias.
O elencar de um princípio como o da oralidade no nosso ordenamento jurídico
foi objeto de patentes incompreensões que o desfiguraram “162oralidade não significa
exclusão da escrita, no sentido da proibição de que dos atos que tenham lugar oralmente
fiquem registos, protocolos ou atas, a servir v.g. fins de controlo de assunção da prova,
máxime em matéria de recursos”. Este entendimento foi esquecido pelo legislador do
nosso CPP de 1939 que considerou que o princípio da oralidade excluía por completo o
princípio da escrita e por conseguinte a impossibilidade de um registo da prova prestada
oralmente. E como bem refere Figueiredo Dias no que toca ao processo penal “registo
que, em processo penal, falta também completamente na forma de processo mais solene,
pela qual são tramitadas as infrações mais graves (a forma de processo de querela163).
Se combinarmos esta circunstância com o facto de, por um lado, o sistema dos nossos
recursos ser o da escrita, com a absoluta exclusão da oralidade, e, por outro, haver
tribunais de recurso que conhecem também da questão-de-facto (as relações: cf. Artigo
646º nº4 do CPP, a contrário), não poderemos deixar de concluir que todo este sistema é
bizarro, quando não mesmo absurdo, por dar com uma mão (possibilidade de recurso)
aquilo que tira com a outra (proibição de registo da produção oral da prova)164. O que se
pode retirar desta reflexão é que após a vigência de um processo de índole acusatória,
em que o princípio da oralidade surge como uma inovação, haja algum receio por parte
161
Cit in Rocha, L. “Código processo penal anotado e legislação complementar”. Coimbra, Coimbra editora, 1950, p.571.
162 Cit in Dias, F. “Direito processual penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1º volume, 1974, p.230.
163 Os processos de querela são “os processos penais que julgam os crimes mais graves da escala penal, a que corresponde uma
pena maior ou de demissão”. Cit in Arquivo distrital de Viana do Castelo, 1839.
164 Cit in Dias, F. “Direito processual penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1º volume, 1974, p.230.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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do legislador em deixar atuar a princípio da escrita e que se volte a um processo
inquisitório, criticado por ser demasiado oculto e cultivar uma desconfiança no povo.
Faria todo o sentido haver alguma enunciação quanto à preclusão da prova no
CPP de 1929, uma vez que, havendo a proibição de registo da produção oral
impossibilitava ao julgador avivar a memória sobre o que se tinha passado na audiência
de julgamento, claudicando a decisão da causa e o princípio da imediação. O princípio
da oralidade não deve de forma alguma justificar a exclusão da escrita, o juiz deve
poder salvaguardar-se daquilo que é reduzido a escrito. O princípio da oralidade ainda é
de todo estranho ao processo penal de 1929. E como bem acentua Eduardo Correia “só é
de lamentar que a errônea parificação entre a oralidade e proibição de registo do ato
levado a cabo oralmente tenha penetrado profundamente e continue a fazer carreira na
doutrina processualista portuguesa, mesmo na mais responsável165”. A partir do
momento em que se reconheceu como extrema importância a consideração da
personalidade do arguido no processo penal “não mais se podia duvidar da absoluta
prevalência a conferir aos princípios da oralidade e da imediação. Só estes princípios,
com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha
da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar
o mais corretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos
participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o
material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso166
O CPP de 1987, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87, de 12 de fevereiro, é
considerado uma notável obra de legislação pela generalidade dos doutrinários do
direito. Face a este código de processo penal, a oralidade167 encontrou uma expressão
clara e não confusa como se apresentou previamente no CPP de 1929, em que princípios
como o da oralidade e o da imediação surgem de forma “desesperada” para pôr termo
ao processo do tipo inquisitório168. Este código altera por completo o enunciado no
165 Cit in Dias, F. “Direito processual penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1º volume, 1974, p.231.
166 Cit in Dias, F. “Direito processual penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1º volume, 1974, pp.233-234.
167 “Orientado para a oralidade, o novo CPP estruturou a audiência em termos de a convicção do tribunal se formar em obediência
ao princípio da verdade material…”. “Assim perspetivadas a verdade material e a oralidade, compreende-se a presença no novo
código de outro princípio que tem particularmente a ver com o desenrolar da audiência e com o modo de formação e convicção do
julgador: o da imediação também conhecida como o da prova imediata”. Cit in CEJ “Jornadas de direito processual penal: o novo
código de processo penal”. Coimbra, Livraria Almedina, 1995, pp.275 e 276.
168 Cit in CEJ “Jornadas de direito processual penal: o novo código de processo penal”. Coimbra, Livraria Almedina, 1995.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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artigo 414º do CPP de 1929 relativo à continuidade da audiência. Surge assim em
substituição o artigo 328º do CPP, em que no seu nº6 refere que “o adiamento não pode
exceder trinta dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a
produção de prova já realizada”. Outra inovação diz respeito à possibilidade do registo
da prova oral, com a criação do artigo 363º do CPP (documentação de declarações
orais) “As declarações prestadas oralmente na audiência são documentadas na ata
quando o tribunal puder dispor de meios estenotípicos, ou estenográficos, ou de outros
meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas, bem como nos casos
em que a lei expressamente o impuser169”. Vemos aqui a não exclusão do princípio da
escrita em concordância com o princípio da oralidade. Este artigo trata apenas do registo
da prova oral prestada perante o tribunal coletivo ou de júri. “170O que a lei diz através
desta norma é o seguinte: os depoimentos (prova oral) prestados perante o tribunal
colegial não são nunca reduzidos a escrito. Poderão vir a sê-lo se e quando o tribunal
dispuser de meios de reprodução ou documentação integral171”. O artigo 364º do mesmo
diploma refere-se à documentação das declarações prestadas oralmente em sede de
tribunal singular “1: As declarações prestadas oralmente em audiência que decorrer
perante tribunal singular são documentadas na ata sempre que, até ao início das
declarações do arguido previstas no artigo 343º, o MP, o defensor ou o advogado do
assistente declararem que não prescindem da documentação. A declaração fica a constar
da ata e aproveita aos restantes sujeitos processuais; 3: Se não estiverem à disposição do
tribunal meios técnicos idóneos à reprodução integral das declarações, o juiz dita para a
ata o que resultar das declarações prestadas172…”. Aqui deparamo-nos com outra
situação distinta, neste caso se os sujeitos processuais supra citados declararem que não
169
Pimenta, J. “Código de processo penal anotado”. Lisboa, Reio dos Livros, 2ª edição, 1991, p.731.
170 Cit in Pimenta, J. “Código de processo penal anotado”. Lisboa, Reio dos Livros, 2ª edição, 1991, p.731.
171 “Não está no espírito desta norma a sistemática redução a escrito das declarações, com preterição do princípio da oralidade,
nomeadamente quando as partes se prestem a facultar os meios técnicos indispensáveis para assegurar a reprodução. Isso sacrificaria
a preterição do princípio da oralidade e seria fonte de delongas processuais, que o código quis afastar. A primeira parte do artigo é
uma norma programática, virada ao futuro, e por enquanto inexequível; quanto à segunda desconhecem-se casos, além do artigo
364º; em que a lei exija a documentação das declarações”. Cit in Gonçalves, M. “Código processo penal anotado”. Coimbra,
Almedina, 5ª edição, 1992, p.509. Posto isto, vemos que é uma norma que não exclui na totalidade a princípio da escrita, no entanto
é uma norma virada para o futuro e virá a ser exequível no momento em que os tribunais adotarem os meios de gravação
magnetofónica (Lei nº59/98, de 25 de agosto). “Não se trata, aliás, de um registo de prova para efeito de recurso, mas tão-só de um
meio de controlo de prova, em ordem a prevenir a correspondência entre o que é produzido e o que resulta do julgamento”. Cit in
Gonçalves, M. “Código de processo penal anotado”. Coimbra, Almedina, 5ª edição, 1992, p.510.
172 Cit in Gonçalves, M. “Código de processo penal anotado”. Coimbra, Almedina, 5ª edição, 1992, p.510.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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prescindem de documentação, há a obrigatoriedade de redução a escrito do que se
passou na audiência de julgamento. É aqui patente uma legitimidade do declarante. Ao
contrário do artigo anterior, a documentação “destina-se aqui fundamentalmente a
facilitar a apreciação pelo tribunal superior173”. Não havendo aqui uma imposição para
o registo da prova oral produzida em audiência e não estando os tribunais apetrechados
com os meios técnicos idóneos que permitam o registo integral das declarações, é
compreensível que haja a preclusão da prova caso o adiamento da audiência de
julgamento exceda os trinta dias, pois não há qualquer meio que possibilite ao julgador
avivar a memória sobre as perceções retiradas da audiência e colocaria em causa o
princípio da imediação necessário para fazer atuar o princípio da livre apreciação da
prova. “Os depoimentos são registados por súmula, ditada para ata pelo próprio juiz – a
menos que o tribunal disponha (mas nenhum dispõe) de meios técnicos idóneos à
reprodução integral das declarações174”.
Com o advento da nova tecnologia, pela necessidade de um correto registo da
prova oral e para fazer atuar os artigos 363º e 364º do CPP devidamente, a Lei nº 59/98,
de 25 de agosto, espelha a adoção crescente dos meios de gravação magnetofónica. Por
forma a salvaguardar o princípio do contraditório, a lei supra mencionada altera o artigo
364º acrescentando uma nova redação ao nº3 “Quando a audiência se realizar na
ausência do arguido, nos termos do artigo 334º, nº3, as declarações prestadas oralmente
são sempre documentadas”. Aqui denota-se a necessidade que os tribunais tiveram em
adotar sistemas de gravação da prova oral, para proteger um sistema de índole
acusatória e como também proteger os direitos do arguido quando este não está presente
na audiência de julgamento.
“Estando implementados em todos os tribunais os meios técnicos idóneos a
assegurar a reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência, com
as alterações ao CPP introduzidas pela Lei nº48/2007, de 29 de agosto, culmina-se o
percurso encetado em meados dos anos 90: determina-se agora que a documentação das
declarações orais prestadas em audiência é sempre obrigatória, sob pena de
nulidade175”. É então finalmente com a Lei nº48/2007, de 29 de agosto, que passa a ser
173 Cit in Gonçalves, M. “Código de processo penal anotado”. Coimbra, Almedina, 5ª edição, 1992, p.511.
174 Cit in Pimenta, C. “Código de processo penal anotado”. Lisboa, Rei dos Livros, 2ª edição, 1991, p.733.
175 Cit in Acórdão STJ de 29-10-2008, Proc. nº07P4822, pp.2-3.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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obrigatório a documentação das provas prestadas oralmente176 em sede de audiência de
julgamento. Apesar deste avanço normativo, o artigo 328º, nº6 do CPP177 continua a
prever a preclusão da prova caso o adiamento da audiência de julgamento exceda os
trinta dias. No entanto, no Acórdão do STJ, de 29 de outubro de 2008, o MP entendia
que “o adiamento não pode ser tão espaçado que, por implicar a possibilidade de
frustração de uma apreciação unitária, acabe por defraudar o princípio processual da
imediação, e os que dele são instrumentais indispensáveis ao julgamento. Percebe-se,
pois, a opção da lei no sentido da preclusão da prova num período em que os tribunais
não se encontravam ainda apetrechados com os meios técnicos idóneos a assegurar
reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência. Mas já há vários
anos que a documentação da prova passou a ser bem diversa. Não estamos já perante
“prova ditada para ata”. A documentação da prova é efetivada através de meios técnicos
de gravação magnetofónica ou audiovisual178”. E, como vimos, com a Lei nº48/2007, de
29 de agosto, o artigo 363º do CPP passou a prever a obrigatoriedade da documentação
das declarações orais produzidas em audiência de julgamento, o que permite ao julgador
através da consulta destas declarações avivar a sua memória quanto às perceções
retiradas do julgamento e assim consequentemente, salvaguarda-se o princípio da
imediação. No entanto, diz-nos o mesmo Acórdão, que fixa jurisprudência no sentido da
preclusão, que “o legislador ao fixar o prazo de trinta dias como limite inultrapassável
certamente que se fundamentou na contribuição da ciência na definição do espaço
temporal dentro do qual permanecem as perceções pessoais que fundamentam a
atribuição de credibilidade a um determinado meio de prova179”. Mas estando os
tribunais assegurados com os meios técnicos idóneos de gravação da audiência e
relembrando o que nos disse a psicologia em pontos anteriores neste trabalho sobre o
desvanecimento de informações codificadas, os trinta dias não se baseiam na
contribuição da ciência e a preclusão da prova não faz mais sentido a partir do momento
em que há a obrigatoriedade de registo das declarações prestadas oralmente “a
documentação das declarações orais na audiência nos termos sobreditos é obrigatória e
176
Artigo 363º CPP “As declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na ata, sob pena de nulidade”.
177 “A norma prevista no nº6 do artigo 328º do CPP, evocando as palavras da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº21/V,
sob o ponto 33, é uma norma disciplinadora “visando a prossecução do prncípio da continuidade, verdadeiro garante da aceleração
processual nesta fase””. Cit in Acórdão STJ de 29-10-2008, Proc. nº 07P4822, p.3.
178 Cit in Acórdão STJ de 29-10-2008, Proc. nº 07P4822, p.3.
179 Cit in Acórdão STJ de 29-10-2008, Proc. nº 07P4822, p.9.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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não admite qualquer exceção e, designadamente, não depende da concordância dos
sujeitos processuais, nem pode ser por eles prescindida. A omissão da documentação ou
a documentação deficiente das declarações prestadas oralmente constitui uma nulidade
sanável180”. Os trinta dias, baseados como o limite inultrapassável para a manutenção
das informações codificadas e que ultrapassados implica a perda de eficácia da prova
produzida com sujeição ao princípio da imediação, na minha franca e modesta opinião
não se deve basear no princípio da imediação, porque se assim fosse não se deviam
admitir o prosseguimento de processos designados como “monstros”, pois entre a
primeira audiência e a última certamente já passaram mais de trinta dias. No momento
da elaboração da decisão da causa se o juiz não se salvaguardasse da documentação
registada, seria de todo impossível ao julgador recordar algumas informações prestadas
na audiência. Aqui, neste caso em concreto, o princípio da imediação já não é colocado
em causa como salvaguarda da memória do julgador. Este regime de obrigatoriedade
das declarações prestadas na audiência “pretende resolver em definitivo a questão,
concluindo o processo iniciado em 1998. A solução articula-se com a cessação do dever
de transcrição dos registos gravados e o novo regime de impugnação da matéria de
facto. Com efeito, pretendeu-se que toda prova prestada oralmente na audiência fosse
sempre registada na íntegra de modo a permitir o recurso amplo da matéria de facto em
qualquer caso. Dito de outro modo, pretendeu-se garantir o duplo grau de jurisdição em
matéria de facto por via da documentação integral e obrigatória da prova produzida
diante de qualquer tribunal de primeira instância. Simultaneamente, pretendeu-se
garantir o máximo respeito pelo princípio da imediação por via da imposição da regra
de gravação audiográfica ou videográfica (“em regra” diz o artigo 364º, nº1) e da regra
da audição ou visualização da gravação pelo tribunal de recurso (artigo 412º, nº4)181”.
Vemos por um lado o respeito pelo princípio da imediação com a imposição da regra de
gravação das declarações prestadas oralmente, e por outro há a preclusão da prova
mesmo com esta imposição. O direito dá com uma mão o que tira com outra, como já
referia Figueiredo Dias no tocante à proibição do registo da prova e à possibilidade de
apreciação em recurso da matéria de facto. O direito não é consensual, mas é com ele
que temos de viver.
180
Cit in Albuquerque, P. “Comentário do código processo penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem”. Lisboa, Universidade Católica Editora, 4ª edição, 2011, p.943.
181 Cit in Albuquerque, P. “Comentário do código processo penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem”. Lisboa, Universidade Católica Editora, 4ª edição, 2011, p.945.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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3. A emergência do princípio da imediação no ordenamento jurídico
português
Nos ordenamentos jurídicos ocidentais houve a necessidade de uma reforma no
processo penal que acabasse com o secretismo do processo, a redução a escrito e a
desconfiança que havia sobre a justiça, para a passagem de um processo penal que
albergasse princípios como o da publicidade, o do contraditório, o da oralidade, o da
imediação e o da livre apreciação da prova. Estes princípios dissipam quaisquer
desconfianças que possam suscitar sobre a independência e a imparcialidade com que é
exercida a justiça penal e são tomadas as decisões182. E Portugal seguiu o mesmo
sentido.
Atualmente os princípios da oralidade e da imediação183, princípios relativos à
forma de obter a decisão, são aceites como um dos progressos mais efetivos e estáveis
na história do direito. Já há muito se reconhecia os defeitos de um processo penal
reduzido à escrita com uma estrutura inquisitória, onde o juiz não passava de um agente
que aplicava a lei sem que houvesse a permissão de avaliar a credibilidade de um
depoimento, como acontece atualmente com a vigência do princípio da livre apreciação
da prova. O princípio da livre apreciação da prova encontra-se previsto no artigo 127º
CPP “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras
de experiência e a livre convicção da entidade competente”. Este princípio é um direito
fundamental do julgador e é basilar para a garantia da legitimidade da atuação do poder
judicial e do Estado de Direito Democrático. O julgador no exercício dos seus poderes
jurisdicionais é independente, neutro e imparcial sobre os factos que foram narrados e
182
“Ideia tão importante, esta, adentro de uma conceção “democrática” do processo, que justifica a asserção de Feverbach de que o
público seria, ele mesmo, um comparticipante do processo penal. Esta asserção não poderá considerar-se tecnicamente exata, por o
público não ter uma intervenção constitutiva na declaração do direito do caso nem dever substituir-se aos juízes (e aos jurados, onde
os haja) como lídimos representantes da comunidade jurídica constituída em Estado. Mas ele sugere pelo menos, muito
adequadamente, o interesse quando cada cidadão tem em uma correta e impoluta administração da justiça penal, ao mesmo tempo
que – e é isto muito importante – reforça o sentimento de co-responsabilidade, tanto dos cidadãos como dos órgãos estaduais,
naquela administração”. Cit in Dias, F. “Direito processual penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1º volume, 1974, p.223.
183 “Alguns autores acrescentam a este sentido da imediação (que chamam subjetivo ou formal), um sentido objetivo ou material
segundo o qual o tribunal deveria socorrer-se de meios de prova imediatos. No primeiro sentido, o princípio da imediação prescreve
ao juiz como há-de os meios probatórios e refere-se à relação do juiz com os meios de prova; no segundo, determina ao juiz que
meios probatórios há-de utilizar e refere-se à relação dos meios de prova com a questão-da-prova. E claro, pois, que esta segunda
aceção do princípio tem mais a ver com a matéria da prova do que com o problema da forma.” Cit in Dias, F. “Direito Processual