VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! ENSAIOS DE INTRODUO FILOSOFIA
OU
DE COMO SE DEU A ELABORAO DO PENSAMENTO RACIONAL
CONTEDOS PARA 1 ANO DO ENSINO MDIO
COMPILADO, ADAPTADO, SISTEMATIZADO E ELABORADO DE ACORDO COM O
REFERENCIAL CURRICULAR 2012 DO ENSINO MDIO / SED/MS.
OLVIO MANGOLIM
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
2
A f desentope as artrias; a descrena que d cncer. Nada melhor
para a sade que um amor correspondido.
(VINICIUS DE MORAES). Ler e meditar, pensar e escrever o sangue
e o ar de minha vida.
Quando no posso faz-lo, no me sinto vivo. Este livro dedicado
para a mulher amada, minha nica e especial
professora de matemtica: Luzinete Souza Vilasboas.
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
3
No se ensina Filosofia, ensina-se a filosofar (IMMANUEL
KANT).
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
4
Vale-se a pena ensinar a filosofar!
Posso dizer que aprendi como se ensina. Ento: vamos filosofar!
uma delcia!
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
5
Filosofar ter uma concepo do mundo e da vida; Filosofar ter e
sentir amor ao buscar a sabedoria;
Filosofar fazer uma reflexo crtica e investigativa do
conhecimento; Filosofar , para alm de todas as vontades de possuir,
ter e dominar, a
necessidade imperativa do ser.
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
6
Penso logo no me arrependo. Pensar produzir conhecimento, ao
sobre a realidade circundante.
Arrependo por no executar o que penso, por executar diferente do
pensado, ou executar sem ter planejado.
Recordo-me de ter pensado e isto conhecimento de fato.
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
7
SUMRIO
APRESENTAO
.............................................................................................................................
9
INTRODUO
.................................................................................................................................
11
1. A ORIGEM DA FILOSOFIA
.........................................................................................................
18
1.1. ETIMOLOGIA DA PALAVRA FILOSOFIA
..............................................................................
24
1.2. O QUE FILOSOFIA?
.............................................................................................................
25
1.3. A IMPORTNCIA DA FILOSOFIA
...........................................................................................
27
1.4. CARACTERSTICAS DO PENSAMENTO FILOSFICO
........................................................ 28
1.5. FILOSOFIA, MITO, RELIGIO E RAZO.
..............................................................................
29
1.5.1. QUAL A DIFERENA ENTRE MITO E FILOSOFIA?
.......................................................... 31
1.5.1.1. MITO
...................................................................................................................................
31
1.5.1.2. FILOSOFIA
.........................................................................................................................
34
1.6. NATUREZA E CULTURA
.........................................................................................................
35
1.7. A CONTRIBUIO DOS GREGOS NA CONSTITUIO DA
FILOSOFIA............................ 39
1.7.1. TALES DE MILETO (623-546
a.C.).......................................................................................
41
1.7.2. ANAXIMANDRO (610-545
a.C.)............................................................................................
42
1.7.3. ANAXMENES (585-524 a.C.)
...............................................................................................
43
1.7.4. PITGORAS (570-490 a.C.)
..................................................................................................
45
1.7.5. HERCLITO (535-475 a.C.)
..................................................................................................
46
1.7.6. PARMNIDES (540-460 a.C.)
...............................................................................................
47
1.7.7. EMPDOCLES (490-430 a.C.)
..............................................................................................
48
1.7.8. DEMCRITO (460-370 a.C.)
.................................................................................................
50
1.8. O NASCIMENTO DA FILOSOFIA.
...........................................................................................
51
CONCLUINDO
.................................................................................................................................
52
2. TEORIA DO CONHECIMENTO NA ANTIGUIDADE E NA IDADE MDIA
................................ 55
2.1. OS FILSOFOS PR-SOCRTICOS.
....................................................................................
55
2.2. OS SOFISTAS E O PENSAMENTO SOCRTICO.
.................................................................
57
2.2.1. OS SOFISTAS
.......................................................................................................................
57
2.2.2. AS IDIAS DE SCRATES
..................................................................................................
59
2.2.1. DIFERENAS ENTRE SCRATES E OS SOFISTAS
......................................................... 61
2.3. A CONTRIBUIO DE PLATO.
............................................................................................
62
2.3.1. O PROBLEMA DO CONHECIMENTO E DA EDUCAO.
................................................. 64
2.3.1.1. ALEGORIA (MITO) DA CAVERNA
....................................................................................
64
2.3.1.2. DO SENSO COMUM AO SENSO CRTICO OU FILOSFICO
......................................... 67
2.4. AS IDIAS DE ARISTTELES.
...............................................................................................
71
2.4.1. O PROBLEMA DO CONHECIMENTO E DA EDUCAO.
................................................. 72
2.4.1.1. O PAPEL DA RAZO
........................................................................................................
73
2.4.1.2. ATO OU POTNCIA
...........................................................................................................
74
2.4.1.3. QUAL A CAUSA?
..............................................................................................................
74
2.5. A PATRSTICA E ESCOLSTICA
...........................................................................................
75
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
8
2.5.1. SANTO AGOSTINHO (354-430)
...........................................................................................
77
2.5.2. SANTO TOMS DE AQUINO (1225-1274): O ARISTOTELISMO CRISTO.
.................... 78
CONCLUINDO
.................................................................................................................................
80
3. TEORIA DO CONHECIMENTO NA IDADE MODERNA E CONTEMPORNEA.
..................... 82
3.1. HUMANISMO
............................................................................................................................
84
3.1.1. O CONTEXTO HISTRICO DO SURGIMENTO DO HUMANISMO
.................................... 84
3.1.2. O HUMANISMO FILOSFICO
..............................................................................................
86
3.2. RACIONALISMO E EMPIRISMO
.............................................................................................
87
3.2.1. RACIONALISMO: A CONFIANA EXCLUSIVA NA RAZO.
............................................. 87
3.2.2. EMPIRISMO: A VALORIZAO DOS SENTIDOS COMO FONTE PRIMORDIAL
DO CONHECIMENTO.
...........................................................................................................................
88
3.2.3. REVISANDO E COMPARANDO AS DUAS TEORIAS.
........................................................ 89
3.3. IDEALISMO E MATERALISMO
...............................................................................................
95
3.3.1. IDEALISMO
...........................................................................................................................
95
3.3.2.
MATERIALISMO....................................................................................................................
96
3.4. ILUMINISMO
.............................................................................................................................
98
3.5. POSITIVISMO E MARXISMO
.................................................................................................
101
3.5.1. POSITIVISMO
......................................................................................................................
101
3.5.2. MARXISMO
..........................................................................................................................
103
3.5.3. FENOMENOLOGIA
.............................................................................................................
105
3.5.4. EXISTENCIALISMO
............................................................................................................
114
3.5.5. ESCOLA DE FRANKFURT
.................................................................................................
116
CONCLUINDO
...............................................................................................................................
120
4. LINGUAGEM, CONHECIMENTO E PENSAMENTO.
...............................................................
122
4.1. A LINGUAGEM COMO ATIVIDADE HUMANA
.....................................................................
123
4.2. A RELAO DA LINGUAGEM COM A CULTURA
..............................................................
126
4.3. A RELAO DA LINGUAGEM COM O
CONHECIMENTO..................................................
127
CONCLUINDO
...............................................................................................................................
129
CONCLUSO
................................................................................................................................
131
BIBLIOGRAFIA
.............................................................................................................................
133
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
9
APRESENTAO
Eis que, afinal, consegui compilar, adaptar, sistematizar e
elaborar um
pequeno livro de Filosofia para os alunos do 1 ano do Ensino
Mdio. Aqui vocs
tero nas mos o conhecimento dos contedos bsicos de Filosofia que
permita
o desenvolvimento do raciocnio lgico, aprofundado, sistemtico,
questionador.
Trata-se da disciplina Filosofia e pretende-se apresentar
aqueles aspectos
que daro uma contribuio importante na formao dos estudantes em
relao
ao pensar, ao aprender, ao conhecer e o falar. No se ensina e no
se aprende
a Filosofia. Aprende-se a filosofar. Kant, filsofo alemo do
sculo XVIII, assim se
refere ao filosofar:
[...] no possvel aprender qualquer Filosofia; [...] s possvel
aprender a filosofar, ou seja, exercitar o talento da razo,
fazendo-a seguir os seus princpios universais em certas tentativas
filosficas j existentes, mas sempre reservando razo o direito de
investigar aqueles princpios at mesmo em suas fontes,
confirmando-os ou rejeitando-os
1.
Por isso o ttulo deste livro um convite: VAMOS FILOSOFAR? O
importante descobrir nossas prprias concluses. Se para Ren
Descartes
(1596-1650), fsico, matemtico e filsofo francs, fundador da
Filosofia Moderna,
o penso, logo existo, para pensar necessrio utilizar o argumento
da dvida,
portanto, duvidar o momento mais importante da atividade do
pensamento, pois
estabelece a prova, a razo da nossa existncia. Nunca devemos
andar como
piolho na cabea dos outros. Nunca devemos confiar plenamente
naquilo que nos
passado como verdade absoluta. Duvidar, duvidar e duvidar para
nos aproximar
cada vez mais da verdade.
Ensaios porque as atividades do aprender a aprender, do conhecer
como
se conhece, do saber como se sabe, sero feitas coletivamente,
reelaborando o
conhecimento a partir da contribuio de cada estudante. Introduo,
do latim
Intus (dentro) cere (conduzir), porque coloca os estudantes em
contato com a
1 KANT, Immanuel. Crtica da Razo Pura, p. 407.
Se no tivermos presente a tradio histrica, seremos como
selvagens modernos na selva da cidade (JOSTEIN GAARDER).
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
10
cincia do ser e do pensar. Na introduo se apresenta os
fundamentos. Eles
dizem respeito s bases, aos pilares, aos alicerces ou, ainda,
razo de alguma
coisa ser como . E, finalmente, a Filosofia. O conhecer obra dos
que pensam,
querem e sentem. Na medida em que se vive se Filosofa. Filosofia
uma
atividade do ser humano, a dinmica do ser. a idia, sangue do meu
sangue.
Produzir a idia, o pensamento. No ser apenas meros repetidores.
Filosofia ser
e pensar. Consegue viver melhor quem pensa. Portanto, Filosofia
aprendizado
do saber em proveito do homem (Plato). Viver uma delcia!
Filosofar uma
delcia!
A coruja na capa o smbolo da Filosofia, pois consegue enxergar
o
mundo mesmo nas noites mais escuras. o smbolo da sabedoria, pois
na Grcia
antiga, tinha-se na noite o momento de revelao intelectual e do
pensamento
filosfico e ela por ter hbitos noturnos, acabou representando a
sabedoria e a
busca pelo saber. A constituio fsica de seu pescoo permite que
ela veja tudo
a sua volta. Essa seria a pretenso da Filosofia, por meio da
razo poder ver
racionalmente e entender o mundo mesmo nos seus momentos mais
obscuros. E
ainda, procurar enxerg-lo sob os mais diversos ngulos possveis.
Somente
assim teramos a possibilidade de uma atuao mais contundente na
sociedade
que vivemos e construindo um Mato Grosso do Sul melhor para
todos, e,
consequentemente o Brasil para todos. a Filosofia a servio da
vida.
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
11
INTRODUO
O ano de 2008 marcou definitivamente minha vida enquanto
professor de
Filosofia para alunos do ensino mdio na Rede Estadual de Ensino
em Mato
Grosso do Sul. Ensinar uma arte. Aprender possuir a arte das
artes. O desafio
de trabalhar com a essncia do conhecimento para uma gerao
extremamente
desconfiada e questionadora faz com que o filsofo se ressente de
duas atitudes:
apreenso e estmulo.
Apreensivo porque na maioria das vezes se tm a idia, que a muito
vem
sendo disseminada, de que a Filosofia coisa de maluco, rida e de
nenhuma
utilidade para a vida. A primeira pergunta que o adolescente
faz2, quando se
depara no Ensino Mdio com essa nova matria : Para que serve a
Filosofia?
Pergunta feita com muita ira, e a resposta subentendida "de que
no serve para
nada". Por a pode comear uma tima aula. Esse pode ser o comeo
da
apreciao Filosofia, desde que o professor seja honesto e
responda
exatamente o que o aluno quer (coincidentemente o aluno est
certo!): filosofia
no serve para nada! A resposta ser surpreendente. Ele vai querer
entender isso
melhor. Viro as seguintes questes: Como o professor ainda
confirma o que ele
suspeitava? Como inserem uma disciplina em seu currculo que no
serve para
nada? O que ele est fazendo aqui? O que eu estou fazendo aqui?
Pronto,
comeou a Filosofia! J disse Aristteles, que foi do espanto, da
admirao, do
estranhamento, que o homem comeou a filosofar.
A admirao sempre foi, antes como agora, a causa pela qual os
homens comearam a filosofar: a princpio, surpreendiam-se com as
dificuldades mais comuns; depois, avanando passo a passo, tentavam
explicar fenmenos maiores, como, por exemplo, as fases da lua, o
curso do sol e dos astros e, finalmente, a formao do universo.
Procurar uma explicao e admirar-se reconhecer-se ignorante
(ARISTTELES, Metafsica: 982 b13).
Filosofia no serve mesmo para nada, pois se servisse no seria
Filosofia.
Se servisse, no seria um fim em si mesmo. Se fosse til, seria
mais uma cincia
2 Texto sistematizado a partir de CHAUI (2011: 20) e do artigo
de Ulisses Fonseca da Silva,
Filosofia para Adolescentes, disponvel em , acessado em 30 de
dezembro de 2010 s 16h19min.
Nada caracteriza melhor o homem do que o fato de pensar
(ARISTTELES).
http://artigos.netsaber.com.br/
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
12
particular e limitada, utilizada para algo, instrumentalizada
para algum objetivo. A
grandeza da Filosofia est mesmo nessa inutilidade, pois assim,
torna-se nobre.
Parece paradoxal: "o que no serve para nada", vale mais, mais
nobre, do que
"o til". Os alunos vo aprender o que seu professor j sabe: "o
que serve",
sempre "meio" para alguma coisa e no "fim em si mesmo", seria de
uma
importncia muito significativa para sua vida, no s para
compreender a filosofia,
mas para entender o "utilitarismo" do mundo em que vivemos,
aplicando esse
conhecimento em sua rotina diria e na preparao do seu futuro. de
uma
dimenso incrvel essa conceituao de "meio" e "fim". Capaz de
mudar toda a
compreenso da nossa existncia. conhecida aquela definio de que
Filosofia
uma cincia que com a qual ou sem a qual o mundo vai permanecer
tal e qual3.
Por isso h os que zombam. Mas como disse Pascal: Zombar da
Filosofia j
filosofar4.
Estimulado por buscar na Filosofia a razo ltima das coisas.
Com
sabedoria afirmou o cineasta americano John Huston: O futuro do
homem no
poder estar dissociado de seu retorno s origens5. O eterno
menino que h em
ns. A eterna criana que somos. Que tudo pergunta. Que tudo quer
saber. Que
nunca est satisfeito com as respostas que recebe porque sempre h
algo a
perguntar.
A grande busca da contemporaneidade a questo da qualidade.
Qualidade em educao, qualidade de vida, qualidade total, etc. L
na Grcia
Antiga encontramos Plato introspectivo na discusso de como
administrar a
Polis (cidade) com justia, buscando sempre com sabedoria o
melhor caminho.
Foi o prprio Plato quem props que a Cidade, o Estado deveria ser
governado
no pelos mais ricos, nem pelos mais ambiciosos ou os mais
astutos e sim pelos
mais sbios. Assim a Filosofia hoje h que se preocupar com um
elemento muito
importante: o ser humano, aquele que cria, ama e busca ser
amado. O amor, a
vida e o cumprimento de todos os nossos sonhos valem mais que o
ouro e a
3 Gregrio Maraon (1887-1960), nota margem de uma de suas obras,
Apud. PAULO RNAI,
Dicionrio universal de citaes, p. 374. 4 Pensamentos I, 4.
5 Apud Irene Tavares de S, Voc tambm faz a histria, p. 58.
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
13
prata. Da a necessidade de que o ato de aprender a filosofar
para nossos jovens
seja atraente, agradvel, motivador.
Ensinar a filosofar implica em transmitir um conhecimento, mais
que um
conhecimento, ferramentas, instrumentais para que os estudantes
aprendam a
fazer o uso livre de sua razo. A Filosofia como componente
curricular no
merece continuar na esterilidade. A fertilidade da Filosofia
conduzir para o
interesse dos estudantes, assim como a fertilidade da histria,
da matemtica, da
literatura, etc., a Filosofia a servio da formao do cidado
integral, aquele que
cria e reproduz cultura, atitudes ticas, a qualidade, etc. Por
isso queremos traz-
la para a vida prtica dos nossos adolescentes e jovens.
Estimular a fazer
perguntas, a pensar, a criar um senso crtico, por isso VAMOS
FILOSOFAR? No
vamos decorar. No vamos aceitar o que j vem pronto. Vamos
criticar e
ressignificar, refazer o caminho ou quem sabe descobrir um novo.
Eis a tarefa do
verdadeiro filsofo: refazer por si mesmo o caminho percorrido
pela Filosofia
desde seu nascedouro. Filosofar uma delcia!
Engana-se o professor quando diz: os estudantes no querem nada
com
nada! No pensam! No querem ler! No se motivam!. Na sociedade
informtica
em que vivemos, temos que nos dar conta que ao encontrar nossos
alunos em
sala de aula, s vezes, nossas informaes, nossos contedos,
nossas
metodologias, nossas aulas esto defasadas. Somos ns que no
os
conseguimos motivar. Somos ns que no cativamos nossos alunos. No
dizer da
raposa ao pequeno prncipe: tu te tornas eternamente responsvel
por aquilo que
cativas (ANTOINE DE SAINT-EXUPERY). A raposa diz ao pequeno
prncipe que
os homens esqueceram-se dessa verdade, mas que ele no dever
esquec-la. E
o que preciso para cativar? A gente s conhece bem as coisas que
cativou.
A cada dia que passa maior a necessidade de que os indivduos
sejam
sujeitos de si mesmos conscientes de sua histria. A se encaixa o
trabalho da
Filosofia. A preocupao da Filosofia com a formao de um indivduo
crtico e
responsvel socialmente pelos seus atos. Assim tarefa da
Filosofia garantir a
viso de totalidade da histria e do processo do conhecimento e
juntamente com
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
14
outras disciplinas auxiliar os jovens a descobrir o melhor
caminho historicamente
possvel para a organizao da vida em sociedade.
Desta forma, a disciplina Filosofia busca fornecer ao estudante
do Ensino
Mdio o instrumental bsico elaborao de uma reflexo sobre o mundo,
e
sobre si mesmo no mundo, de forma a possibilitar-lhe a conquista
de uma
autonomia crescente no seu pensar e agir.
Ao escrever estas anotaes de aulas de Filosofia tnhamos sempre
em
mente aquelas competncias e habilidades que nossos estudantes
deveriam
atingir ao longo dos trs anos do ensino mdio6:
Debater os conhecimentos de Filosofia e suas utilizaes,
assumindo
uma postura a partir das orientaes dos educadores.
Analisar a participao dos gregos na historia da Filosofia,
comparando com o mundo atual.
Refletir sobre a importncia da cultura na construo humana.
Contextualizar os conhecimentos de Filosofia atravs de
pensamentos
de filsofos renomados e com referncia na educao.
Reconhecer o nascimento da Filosofia como a passagem do
conhecimento mitolgico para o conhecimento racional.
Entender de que forma os pensadores daquela poca discutiam
em
seu meio social os problemas como justia, coragem e
conhecimento.
Compreender de que maneira os pensadores gregos discutiam os
diversos problemas ligados ao conhecimento.
Debater com fundamentao nos filsofos, em pauta, para melhor
compreenso e comparao dos problemas atuais.
Analisar e explorar os conhecimentos e procedimentos dos
temas
apresentados.
Contextualizar e aplicar com argumentos os fatos
apresentados,
relacionando e comparando com os dias atuais.
6 Conferir SED/MS, 2012: 251-261.
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
15
Conhecer as diferentes formas de pensar a possibilidade, a
origem, e
a essncia do conhecimento.
Debater sobre os vrios posicionamentos a respeito do
conhecimento
na Idade Moderna e Contempornea.
Compreender atravs da linguagem e do conhecimento o papel da
atividade humana, pois o problema mais antigo da Filosofia.
Reconhecer a importncia da linguagem na sociedade e as
diferenas
simblicas existentes entre as culturas.
Discutir a relao existente entre a linguagem e o
conhecimento.
Desenvolver e compreender a importncia da cincia em todos os
nveis culturais de uma sociedade, para melhor entendimento,
buscando solues para os problemas apresentados.
Discutir a relao entre cincia e poder.
Analisar os pensadores propostos para uma compreenso
fundamentada em suas teorias, relacionando e compreendendo a
sua
utilizao em nosso meio social.
Entender o papel cientfico das tendncias atuais como agentes
transformadores de uma sociedade.
Debater em torno dos filsofos da poca Moderna, comparando
seus
pensamentos e diferentes vises da sociedade no perodo em que
viveram.
Interpretar as ideias dos pensadores Antigos e Medievais,
analisando
e comparando suas posies, com possvel confronto de ideias
que
divergem em seu meio social.
Debater de que forma a poltica e o poder podem transformar
uma
sociedade em todos os aspectos.
Conhecer a importncia das questes polticas para o
desenvolvimento da coletividade.
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
16
Compreender as teorias polticas e a relao destas com a nossa
realidade.
Discutir as teorias contratualistas para compreender melhor
a
formao das sociedades polticas.
Debater as questes mais relevantes da poltica no sculo XX.
Identificar problemticas da poltica na atualidade e possveis
caminhos para solues.
Elaborar e analisar as diversas formas de respostas dos
filsofos
sobre a tica e moral.
Debater os conceitos variados sobre o tema, analisando os
conhecimentos adquiridos em busca de aplicabilidade em seu
meio
social.
Compreender a relao entre liberdade e responsabilidade.
Compreender a importncia da cidadania na vida social.
Aplicar o conceito de democracia como sendo algo necessrio
na
pratica governamental de uma nao, mostrando seus benefcios e
manifestaes.
Debater todas as formas de governo, demonstrando, com
exemplos,
tanto as virtudes como os erros.
Debater as diferentes vises sobre as questes ticas da
atualidade.
Identificar as grandes questes ambientais da atualidade e
suas
possveis solues.
Discutir as mudanas necessrias na sociedade para um
desenvolvimento sustentvel.
Explorar as questes ligadas a lgica dialtica de Plato.
Despertar as proposies e os argumentos da lgica formal
Aristotlica.
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
17
Aplicar os conhecimentos da arte de pensar para tornar-se
algo
comum na educao, estudando as leis do pensamento.
Debater a necessidade da arte da argumentao como o caminho
mais eficiente para o raciocnio lgico.
Explorar o conceito de esttica em toda plenitude,
despertando
ansiedade e desejo de conhecer o belo e as demais caractersticas
do
tema.
Debater as diferentes vises estticas em suas dimenses
histricas
e artsticas.
Abordar e entender a importncia da Filosofia na Amrica
Latina.
Conhecer a Histria da Filosofia no Brasil.
Este o caminho que devemos percorrer. A esperana de caminhar
nas
linhas que traamos infinda, esperamos consegui-lo, seno o
conseguir na
totalidade, ao menos em parte. Obviamente que todas estas
habilidades e
competncias devero ser atingidas no decorrer e ao trmino dos trs
anos do
Ensino Mdio. Este livro aborda os temas a serem estudados no
primeiro ano do
Ensino Mdio de acordo com o Referencial Curricular da Rede
Estadual de
Ensino de Mato Grosso do Sul.
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
18
1. A ORIGEM DA FILOSOFIA
Um dia ao adentrar numa das salas de 1 ano do Ensino Mdio na
Escola
Estadual Lino Villach, Nova Lima em Campo Grande/MS, os alunos
olharam
para mim e disseram: VAMOS FILOSOFAR. A surgiu a idia do ttulo
deste
pequeno livro. Pois bem, disse. Ento vamos pensar. O que pensar?
Um grande
silncio reinou entre todos os estudantes. Ento algum disse: ento
professor o
que pensar? Sugeri fazer ento uma socializao sobre o conceito de
pensar. E
ao final daquela aula quando todos expuseram suas idias, uma era
bem notvel,
diferencial. Disse o aluno: pensei, pensei, pensei (...) e
descobri que no sei o
que pensar. Da a necessidade de se estudar Filosofia. A mesma
Filosofia que
teve seu nascimento l na Grcia no sculo VI antes de Cristo.
Os gregos comearam a explicar o mundo de uma forma diferente
da
explicao mitolgica. Em outros termos, o que tornou possvel a
passagem da
cosmogonia7 cosmologia8? Alguns autores dizem ser o milagre
grego a
passagem da mentalidade mtica para o pensamento racional, como
se isso fosse
possvel ocorrer apenar num estalar dos dedos ou no piscar dos
olhos. Seria uma
7 Significa a formao do mundo atravs dos mitos. Narrativa da
origem do ksmos atravs das
relaes sexuais entre os deuses ou os elementos naturais enquanto
foras vitais que engendram ou procriam todos os seres. A Filosofia
procede de um estudo denominado cosmologia (grego kosmologa, do
grego ksmos lei, ordem, mundo, universo + radical grego logia
tratado, cincia, discurso). Portanto, a Filosofia nasce do exerccio
racional na busca de uma ordem do mundo ou do universo. O mito por
sua vez narra a origem das coisas por meio de lutas e relaes
sexuais entre as foras que governam o universo, por isso, so
chamadas cosmogonias e teogonias. A literatura grega narra a origem
do universo utilizando-se de figuras de linguagem, enquanto os
fsicos como tambm eram denominados os pr-socrticos procuravam
explicaes a partir da natureza physis em grego. 8 Explicao racional
sobre a origem e ordem do mundo natural ou natureza, sobre as
causas das
transformaes, gerao e perecimento de todos os seres. Os
pr-socrticos buscavam, alm de falar sobre a origem das coisas,
mostrar que a physis (naturezas) passava por constantes mudanas e
que essas eram provocadas por alguma coisa que tentavam conhecer.
Por causa das viagens martimas, da inveno do calendrio, da inveno
da moeda, do surgimento das polis, da inveno da escrita e da
poltica os gregos passaram a perceber que nada ocorria por acaso e
que no existia a interferncia de deuses relatados no perodo
mitolgico. A cosmologia surgiu como a parte da Filosofia que estuda
a estrutura, a evoluo e composio do universo, sendo a primeira
expresso filosfica apresentada no Perodo pr-socrtico ou cosmolgico.
Suas principais caractersticas so: a substituio da explicao da
origem e transformao da natureza atravs de mitos e divindades por
explicaes racionais que identificam as causas de tais alteraes,
defende a criao do mundo a partir de um princpio natural e que a
natureza cria seres mortais a partir de sua imortalidade (Disponvel
em , acessado em 25 de dezembro de 2010 s 09h00min).
Tudo o que existe tem que ter um comeo (GAARDER, 2001: 9).
http://www.brasilescola.com/filosofia/cosmologia.htm
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
19
viso simplista e a-histrica. A Filosofia grega a culminncia de
um processo
gestado ao longo dos tempos. Alguns elementos da histria da
Grcia antiga,
principalmente do perodo arcaico (sculos VIII a VI a.C.)
ajudaram a alterar a
viso mtica para o aparecimento dos filsofos. De maneira geral
podemos dizer
que a partir do sculo VII a.C. h uma revoluo monetria da Grcia e
seguiram-
se a ela inovaes cientficas. Essas transformaes contriburam para
a
elaborao de uma nova forma de pensar: mais racional.
So vrias causas para a origem da Filosofia9 e, agora, vamos
analisar
algumas delas. Perceba como cada uma delas operou uma mudana
significativa
no modo de pensar do homem na Antigidade grega, permitindo a
formao de
coisas novas como a Filosofia, segundo Jean-Pierre
Vernant10.
1) Navegaes: uma parte considervel da vida dos gregos
relacionava-se
com o mar, era de onde, por exemplo, conseguiam obter parte
significativa de sua
alimentao. Vivendo muito no mar, os gregos no encontraram muitos
dos
monstros marinhos narrados pela histria oral e nem vivenciaram
seres e histrias
narradas por poetas (como Homero e Hesodo). Assim, as
navegaes
contriburam para o que Max Weber chamou mais tarde de
desencantamento do
9 Texto sistematizado pelo professor Leonardo Oliveira de
Vasconcelos, disponvel no Blog
, acessado em 25 de dezembro de 2010 s 08h18min. Tambm
sistematizado pelo professor Anderson Alves Esteves, disponvel em ,
acessado em 19 de janeiro de 2011 s 23h14min. 10
O professor Jean-Pierre Vernant faleceu em 9 de janeiro de 2007,
aos 93 anos. Vernant foi responsvel por uma modificao significativa
em nossa compreenso das origens do pensamento grego, substituindo o
mito do milagre grego pela anlise concreta das condies histricas
que deram nascimento Filosofia. Nascimento associado ao da Cidade
grega, em particular da democracia, este regime em que, diz ele, o
poder est no centro, eqidistante de todos, de modo que, ao contrrio
de qualquer outra formao histrica, torna necessrio o recurso razo
para fazer valer uma determinada posio. Do mesmo modo que a Cidade
grega j no se subordina autoridade do dspota, que d ordens, sem
necessidade de argumentar, o filsofo no se contenta com a
autoridade tradicional e divina do mito. A compreenso das
modificaes histricas que propiciaram o surgimento da Cidade, por
sua vez, exige a anlise da especificidade grega, da radical
novidade do regime de escravido at, no limite, a considerao do tipo
particular de produo de ferro. Um programa assumidamente
materialista, chamado por Vernant de psicologia histrica, que soube
se manter ao largo da vulgaridade e que se estende pela longa
produo de dezenas de livros, muitas vezes regida pela anlise do
mito: Mito e Pensamento, Mito e Trabalho, Mito e Sociedade, Mito e
Tragdia etc. Ou melhor, Entre mito e poltica, como no ttulo de sua
autobiografia (publicada em 1996 e traduzida pela Edusp em 2001),
na realidade, um extraordinrio memorial de sua vida acadmica e
poltica (Disponvel em , acessado em 25 de dezembro de 2010 s
09h20min).
http://blogpensar.blogspot.com/2007/09/1o-ano.htmlhttp://www.consciencia.org/materialanderson3.shtml#_ftn5http://sanfilosofia.wordpress.com/2010/03/13/mythos/
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
20
mundo. Fazia-se necessrio um saber que explicasse os fatos
ocorridos na
natureza que no recorresse a histrias sobrenaturais.
2) Calendrio e moeda: viver podendo pensar o tempo abstratamente
e
quantificando valores para realizar trocas no algo que sempre
ocorreu na
histria da humanidade. Quando os gregos passaram utilizar o
calendrio e a
moeda11, introduzida pelos fencios, conseguiram abstrair valores
como smbolo
para as coisas, fazendo avanar a capacidade de matematizar e
de
representao. Tudo isso favoreceu um desenvolvimento mental
muito
significativo e com grande capacidade de abstrao.
3) Escrita: outro fator que potencializou em grande medida o
poder de
abstrao12 do homem grego foi transcrever a palavra e o
pensamento com
smbolos: eis o alfabeto. A escrita permite o pensamento mais
aguado sobre
algo quando ficamos lendo e analisando alguma coisa, como, por
exemplo, uma
lei. Ao ser fixada, a lei fica exposta como um bem comum de toda
a cidade, um
saber que no secreto como um saber vinculado ao exerccio de um
sacerdote,
mas propriamente pblico, alm de estabelecer uma nova noo na
atividade
jurdica, a saber, uma verdade objetiva. A escrita favorece o
crescimento
intelectual porque exige de quem escreve uma postura diferente
daquela de quem
apenas fala. A fala a explicitao do conhecimento acumulado, porm
de menor
rigor. A escrita exige maior rigor e clareza porque fixa a
palavra. Palavra que com
certeza ser revisitada e revista e, portanto, tem a
possibilidade de sofrer
alteraes em sua estrutura de pensamento.
11
A moeda apareceu na Grcia por volta do sculo VII a.C., vindo
facilitar os negcios e impulsionar o comrcio, ao funcionar como
valor universal das mercadorias. Emitida e garantida pela polis, a
moeda fazia reverter seus benefcios para a prpria comunidade. Alm
desse efeito poltico da democratizao, a moeda sobrepunha aos
smbolos sagrados e afetivos o carter racional de sua concepo: a
moeda se constitui conveno humana, noo abstrata de valor que
estabelece a medida comum entre valores diferentes. Nesse sentido,
a inveno da moeda desempenha papel revolucionrio, por vincular-se
ao nascimento do pensamento racional crtico (ARANHA, 2008: 17).
12
Abstrair em Filosofia significa: separar para estudar cada
elemento separadamente, afim de que possamos aprofundar o
conhecimento geral sobre aquela coisa total. Do grego aphairesis,
separao conceitual do assunto no estudo dos objetos da matemtica.
Consiste em separar (abstrahere = arrancar, desligar) pelo
pensamento, ou considerar separadamente, o que no pode ser dado
separadamente, na realidade. Abstrao base da formao das idias
gerais. Separar o estudo em partes para compreender melhor o
todo.
http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=95http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=3408http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=4157http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=770http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=4238http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=600http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=1175http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=797http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=3877http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=3954
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
21
4) Poltica: esta a principal causa para a origem da Filosofia (e
da tica).
Na Grcia antiga houve trs legisladores que deram uma importante
contribuio
para a transformao da polis: Drcon (sculo VII a.C.), Slon e
Clstenes (sculo
VI a.C.). Esses legisladores,
[...] que sinalizaram uma nova era: a justia, at ento dependente
da interpretao da vontade divina ou da arbitrariedade dos reis,
torna-se codificada numa legislao escrita. Regra comum a todos,
norma racional, sujeita discusso e modificao, a lei escrita passa a
encarnar uma dimenso propriamente humana (ARANHA, 2008: 18).
A Filosofia uma inveno genuinamente grega. Note que a
palavra
poltica13 formada pelo termo grego polis, cujo significado
cidade, cidade-
estado, conjunto de cidados que vivem em um mesmo lugar e uma
mesma lei. E
o mais importante: so os cidados que faziam suas prprias leis
mediante uma
assemblia. A originalidade da cidade grega que ela estava
centralizada na
gora (praa pblica), espao onde eram debatidos os problemas de
interesse
comum. Esta prtica teve incio com os guerreiros que, juntos,
discutiam o melhor
modo de vencer ao inimigo, cada um dos guerreiros tinha o
direito de falar,
bastando para isso ir ao centro do crculo formado na assemblia;
ao final da
guerra, outras assemblias eram feitas para dividir o que foi
ganho. Isto , ocorre
a prtica do dilogo para a deciso, dando a todos o direito de
falar e a condio
de serem iguais uns aos outros e lei partilhada entre eles.
Aquele que conseguir
convencer a maioria de que sua proposta a que se aproxima mais
da verdade
de como vencer aos inimigos, receber maior nmero de votos. Ora,
esta a
prtica que o filsofo adotou mais tarde: escrevendo ou
discursando, tornava
pblica sua idia por consider-las verdadeiras, por pretender
encontrar a
harmonia perdida do debate entre opinies divergentes. Debater,
trocar opinies,
argumentar, eis a prtica democrtica, eis prtica filosfica. A
Filosofia nasce
como uma filha da polis, como uma filha da democracia.
13
A poltica, como a entendemos hoje, nasceu na Grcia. E esse
elemento foi importante para o desenvolvimento da filosofia.
Principalmente por que se deu a partir de um processo de
reorganizao das relaes de poder. As tribos e cls se reestruturaram
dando origem s cidades-estado. O poder que era exercido pelo
patriarca ou pelo irmo mais velho, passou a ser questionado e, na
cidade (polis) organizaram-se as assemblias dos cidados (homens
livres, ricos e que tinham nascido naquela cidade). Devemos notar
que dessas assemblias, que aconteciam em praa pblica onde se
reuniam os cidados com direito a voz e voto, estavam excludos:
mulheres, crianas, estrangeiros e escravos. Nas assemblias da praa
eram tomadas as decises a partir dos debates, das argumentaes pr e
contra. As decises nasciam dos debates (CARNEIRO, 2008).
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
22
Eis o que Jean Pierre Vernant chamou de um universo espiritual
da polis
(2000: 41), trata-se de um lugar com proeminncia da palavra a
palavra aberta
a todos e com igualdade no seu uso era o modo de fazer poltica;
com publicidade
separao entre questes privadas e questes pblicas, estabelecendo
prticas
abertas e democrticas em oposio aos processos secretos; com
isonomia
todos eram iguais no exerccio do poder e diante das leis que
criaram. Alm disso,
este novo universo espiritual esteve acompanhado e propiciou uma
mutao
mental (VERNANT, 1973: 453) nos homens: agora era possvel
explicar o mundo
abstratamente excluindo o sobrenatural.
O homem caracterizado como um ser que pensa e cria
explicaes.
Criando explicaes, cria pensamentos. Ao explicar as coisas, os
acontecimentos
e pensamentos, revelam tanto a base mitolgica quanto racional do
seu
pensamento. A partir desta raiz o homem pensa, interliga suas
idias, criando
sistemas, elabora cdigos e desenvolve prticas.
certo que a sobreposio da razo frente ao mito realizada pelos
gregos
foi decisiva para o desenvolvimento dos elementos culturais da
civilizao
ocidental. Cravaram na histria de todos os processos humanos
posteriores a
logomarca dos gregos (logos). Os gregos em grande parte nos
inventaram.
Sobretudo ao definir um tipo de vida coletiva, um tipo de
atitude religiosa e
tambm uma forma de pensamento, de inteligncia, de tcnicas
intelectuais, de
que lhes somos em grande parte devedores14.
A passagem do mito Filosofia, sobretudo o conhecimento que se
tem
sobre o como ocorreu esta passagem, esclarecem, tornam sensveis,
todas as
formas possveis que temos de se conhecer realidade. Em outras
palavras:
possvel de se conhecer o mundo atravs do mito, da Filosofia, do
senso comum,
da arte e da cincia (e ainda h outras possibilidades).
Estas formas de conhecer o mundo ou possibilidades de conhecer
a
realidade so tambm definidas na Filosofia como teoria do
conhecimento ou
mtodos de abordagem. A partir do captulo segundo deste livro
estaremos
14
Conferir entrevista com Jean-Pierre Vernant, O Estado de So
Paulo Caderno 2 05/08/2001.
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
23
concentrados em estudar a teoria do conhecimento nos diferentes
perodos
histricos e nas suas diferentes abordagens metodolgicas.
Delimitar, estabelecer a diferena entre o pensamento mtico e
o
pensamento racional15 extremamente importante hoje como o foi
para os gregos
da Antiguidade, para que possamos compreender os problemas
enfrentados pela
sociedade atual.
Compreender o que Filosofia hoje e sua importncia tornar-se-
uma
facilidade quando entendermos as circunstncias em que ela
surgiu.
A Filosofia surgiu na Grcia Antiga com o propsito de libertar o
pensamento de suas bases mticas, para dar vida explicaes diferentes
daquelas que dependiam de deuses e supersties. Era uma atividade
dos homens sbios (philos = amigo ou amante; Sophia = sabedoria) que
se punham a pensar sobre conceitos estabelecidos, buscando novos
entendimentos. Ou seja, a Filosofia tem incio quando no mais
consideramos as coisas como certas, passando e formular questes
sobre elas e a procurar respostas. Faz-se Filosofia colocando
perguntas, propondo idias, argumentando e pensando em possveis
argumentos contrrios, procurando saber como funcionam realmente os
conceitos, para chegar mais prximo da verdade. Seu objetivo avanar
no conhecimento da vida e de ns mesmos. A atividade filosfica (e
conseqentemente, a atitude filosfica) se caracteriza pela busca de
sentido mais profundo da realidade, transformando uma simples
experincia ou idia num saber sobre a experincia e a idia
16.
O que o filsofo mais faz refletir. Ele pe em causa o prprio
pensar.
Quando estamos diante de um espelho vemos nossa imagem refletida
nele. Na
verdade h um desdobramento: estamos aqui e estamos l no espelho.
Nossa
15
O pensamento racional tem um registro civil: conhece-se a sua
data e o seu lugar de nascimento. Foi no sculo VI antes da nossa
era, nas cidades gregas da sia Menor, que surgiu uma forma de
reflexo nova, inteiramente positiva, sobre a natureza. Burnet
exprime a opinio corrente quando observa a este propsito: Os
filsofos jnios abriram o caminho que a cincia no fez depois seno
seguir. O nascimento da filosofia, na Grcia, marca assim o comeo do
pensamento cientfico, poder-se-ia dizer simplesmente: do
pensamento. Na Escola de Mileto, o logos ter-se-ia pela primeira
vez libertado do mito como as escaras caem dos olhos do cego. Mais
do que uma mudana de atitude intelectual, do que uma mutao mental,
tratar-se-ia de uma revelao decisiva e definitiva: a descoberta do
esprito. Seria por isso vo procurar no passado as origens do
pensamento racional. O pensamento verdadeiro no poderia ter outra
origem seno ele prprio. exterior histria, que s pode, no
desenvolvimento do esprito, dar a razo de obstculos, de erros e de
iluses sucessivas. Tal o sentido do milagre grego: atravs da
Filosofia dos jnios, reconhece-se a Razo intemporal encarnada no
tempo. O aparecimento do logos introduziria, portanto, na histria
uma descontinuidade radical. Viajante sem bagagem, a Filosofia
viria ao mundo sem passado, sem pais, sem famlia; seria um comeo
absoluto. Nesta perspectiva, o homem grego acha-se assim elevado
acima de todos os outros povos, predestinado; nele se encarnou o
logos. Se inventou a Filosofia, opinava ainda Burnet, deve-o s suas
qualidades de inteligncia excepcionais: o esprito de observao
aliado ao poder do raciocnio. E, para alm da Filosofia grega, esta
superioridade quase providencial transmite-se a todo o pensamento
ocidental, surto do helenismo (Disponvel em e acessado em 25 de
dezembro de 2010 s 09h29min). 16
Rita Foelker, Disponvel em , acessado em 20 de julho de 2010 s
15h30min.
http://sanfilosofia.wordpress.com/http://www.edicoesgil.com.br/educador/filosofia/oqueefilosofia.html
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
24
imagem refletida pela luz vai at o espelho e retorna
(reflectere, em latim, significa
voltar sobre. Voltar atrs, fazer retroceder), repassando suas
experincias e suas
idias para entend-las melhor e para confirm-las. Portanto
refletir retomar o
prprio pensamento, pensar o j pensado, voltar para si mesmo e
questionar o j
conhecido.
A Filosofia nasceu para que, usando a razo 'natural', ns
pudssemos discutir, desenvolver e aplicar critrios de julgamento, a
fim de avaliar o valor de verdade do contedo das nossas crenas e a
validade, ou a legitimidade das normas, hbitos e costumes que
regulam as nossas aes e comportamentos. Temos crenas e em funo
delas agimos. Filosofamos para avaliar o quanto nossas crenas so
slidas e o quanto nossos comportamentos so justificveis
17.
1.1. ETIMOLOGIA DA PALAVRA FILOSOFIA
A palavra formada por dois termos gregos: philos () e sophia
(). A primeira uma derivao de philia () que significa amizade,
amor
fraterno e respeito entre os iguais; a segunda significa
sabedoria ou simplesmente
saber. Filosofia significa, portanto, amizade pela sabedoria,
amor e respeito pelo
saber; e o filsofo, por sua vez, seria aquele que ama e busca a
sabedoria, tem
amizade pelo saber, deseja saber18. Se conseguirmos pronunciar a
palavra
philosophia como os gregos antigos por sua aprendizagem a
conheceram, no
seria preciso explic-la, pois a lngua grega, por se ter formado
a partir da
experincia originria das palavras, tem o privilgio de expressar
seu sentido no
ato de pronunci-las. Ns hoje ouvimos primeiro a explicao
etimolgica da
palavra philosophia e com dificuldade transpomos o simples ouvir
ou ver a palavra
em busca daquele sentido primeiro investigado e apreendido pelos
antigos
gregos.
A primeira definio de Filosofia que conhecemos a de Pitgoras
(570-
490 a.C.)19. Ele dizia que o filsofo amigo e desejoso da
sabedoria. Relutava
17
Cunha, Jos Auri. O conceito de pessoa na comunidade dialgica de
investigao. Transcrio da palestra proferida na Mesa-Redonda
'Racionalidade, tica e Educao', II Encontro Nacional de Educao para
o Pensar. Leia o texto integral em . (Clique em "Biblioteca CBFC" e
em "Volume 3"). 18
Conferir , acessado em 25 de dezembro de 2010 s 17h36min. 19
Ccero. Tusc. disput. lib. V, c. 3. Apud. Antnio Xavier Teles,
Introduo ao estudo de Filosofia. p. 10.
Toda Filosofia que se preza procura resolver
os problemas mais inquietantes de sua poca.
http://www.cbfc.com.br/http://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
25
que no se tratava de uma sabedoria sobrenatural ou divina, e sim
que um
filsofo um homem humanamente sbio, e, por isso mesmo, de sua
obrigao
fornecer aos homens luzes humanas mais profundas sobre os
grandes problemas
que afligem a humanidade.
Foi Herclito de feso (535-475 a.C.) quem presumivelmente criou o
termo
filsofo. Em grego, philosophon que se compe de philos que
significa amigo, e
sophon, que significa o todo (hen panta). Filsofo, portanto,
amigo do todo.
Onde est o todo com quem o filsofo mantm laos de amizade?
O todo est no prprio pensamento que pensa! Quando pensa, o
pensamento se torna luz do real. Podemos traduzir o termo sophon
como o
pensamento pensando o real. Ou ainda: sophon o real luzindo no
pensamento.
Quando o pensamento aprende a apreciar o mltiplo real, quando
sabe v-
lo ou l-lo em sua transparncia, possui o sophon. Esta
aprendizagem ou
sabedoria se parece com o clarear do dia que acorda a noite para
a luz da
madrugada. A luz da manh o pensamento; a realidade, noite de
seu
entusiasmo.
O filsofo seria um pretendente sabedoria, uma pessoa aficionada
pelo
saber, e no um detentor de todo saber como injustamente, s
vezes, lhe
atribudo. A primeira vez que a palavra apareceu foi sob a forma
verbal filosofar
com o significado de esforar-se por adquirir novos conhecimentos
(Herdoto,
484-425 a.C.). Tudo o que voc quer desde que seja agradvel aos
olhos de
Deus, voc consegue mesmo antes do seu querer.
1.2. O QUE FILOSOFIA?
Para ser amigo e desejoso da sabedoria preciso vencer a
tragdia.
Comear a pensar, eis a tarefa. A Filosofia deve ser o pensar
real. Por que isso?
Porque entre ns perdemos o contato com a realidade em torno, e
at muitas
vezes desconhecemos nossa prpria realidade, vivemos de uma forma
como se
no fssemos ns, assumimos ser outro. Como podemos deixar de
sermos ns
A verdadeira Filosofia reaprender a ver o mundo
(MERLEAU-PONTY).
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
26
mesmos? A Filosofia o pensar solcito e liberado verdade do ser
que destina o
homem ao seu ser mais prprio.
Ela convoca o homem ao mais ntimo de si, leva-o a refletir sobre
seus
problemas e os problemas do contexto que o envolve. De modo que
podemos
afirmar que a Filosofia libera o homem da conjuntura social,
enviando-o ao mais
prprio do social, econmico, poltico e ideolgico.
A Filosofia , ao mesmo tempo, interpretao do j vivido e das
aspiraes
e desejos do que est por vir, do que est para chegar. Ela uma
fora na luta
pela vida e pela emancipao humana. Portanto Filosofia o que se
pensa.
Pensar o que somos e como somos.
A Filosofia como uma obra de arte ou ainda uma bela jogada de
futebol.
Impossvel defini-la antes de faz-la, como no se pode definir em
geral nenhuma
cincia, nenhuma disciplina, antes de entrar diretamente no
trabalho de faz-la.
Qualquer cincia, um fazer humano qualquer, recebe seu conceito
claro, sua
noo precisa, quando o homem domina este fazer. O que dominado, o
que
apreendido, ento definido. No existem definies no vazio, no
nada. S se
sabe o que Filosofia quando se realmente um filsofo. Isto quer
dizer que a
Filosofia, mais do que qualquer outra disciplina necessita ser
vivida. Vivncia
significa o que temos realmente em nosso ser psquico; o que real
e
verdadeiramente estamos sentindo, tendo, na plenitude da palavra
ter.
Adentremos, pois, num exemplo concreto, que nos permita
compreender a
amplitude da palavra vivncia. Uma pessoa pode estudar
detalhadamente o mapa
do Pantanal20 sulmatogrossense; estud-lo muito bem; observar um
por um os
diferentes nomes dos rios; depois estudar uma por uma o nome das
espcies
animais, vegetais, principalmente aqueles que se dizem em
extino; pode depois
ir Morada dos Bas e revisitar, rever, observar uma a uma as
fotos existentes.
20
O Pantanal a maior plancie de inundao contnua do mundo, formada
principalmente pelas cheias do rio Paraguai e afluentes. A regio
tem cerca de 250 mil Km, sendo que mais de 80% fica no Mato Grosso
e Mato Grosso do Sul. O restante fica principalmente na Bolvia e
uma pequena parte ao Paraguai, onde recebe o nome de Chaco. Possui
uma impressionante diversidade na fauna e flora. Segundo a WWF,
existem no Pantanal 1.132 espcies de borboletas, 656 de aves, 122
de mamferos, 263 de peixes e 93 de rpteis. Na poca das chuvas,
entre outubro e fevereiro, o Pantanal fica praticamente
intransitvel por terra. No restante do ano, o solo forma um
excelente pasto para o gado.
http://www.brasil-turismo.com/mato-grosso.htmhttp://www.brasil-turismo.com/matogrosso-sul.htmhttp://www.guiageo-americas.com/mapas/bolivia.htmhttp://www.guiageo-americas.com/mapas/paraguai.htmhttp://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/biomas/bioma_pantanal/index.cfm
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
27
Igualmente no Museu Dom Bosco encontrar vestgios de espcies
antigas, da
presena indgena que ocupara a regio, etc. A partir disto pode
reconstruir a
viso panormica do Pantanal. E assim ir aprofundando os estudos
de maneira
cada vez mais minuciosa; mas sempre ser uma simples idia.
Ao contrrio doze (12) horas de passeio de barco pelo Pantanal
uma
vivncia. Entre doze (12) horas de passeio de barco e a mais
vasta coleo de
fotografia do pantanal, h um abismo. Isto uma simples idia,
uma
representao, um conceito, uma elaborao intelectual; enquanto que
aquilo
colocar-se realmente em presena do objeto, isto , viv-lo, viver
com ele; t-lo
prpria e realmente na vida; no o conceito, que o substitua; no a
fotografia; no
o mapa, no o esquema, que o substitua, mas ele prprio. Pois o
que ns vamos
fazer viver a Filosofia. E para viv-la necessrio entrar nela
para explor-la.
Qual a coisa mais importante da vida? Se fazemos esta pergunta a
uma pessoa de um pas assolado pela fome, a resposta ser: a comida.
Se fazemos a mesma pergunta a quem est morrendo de frio, ento a
resposta ser: o calor. E quando perguntamos a algum que se sente
sozinho e isolado, ento certamente a resposta ser: a companhia de
outras pessoas. Mas, uma vez satisfeitas todas as necessidades, ser
que ainda resta alguma coisa de que todo mundo precise? Os filsofos
acham que sim. Eles acham que o ser humano no vive apenas de po.
claro que todo mundo precisa comer. E precisa tambm de amor e
cuidado. Mas ainda h uma coisa de que todos ns precisamos. Ns temos
a necessidade de descobrir quem somos e porque vivemos (GAARDER,
2001: 24).
A vida uma Filosofia. A Filosofia vivncia. Estudar uma Filosofia
de
vida. Portanto a Filosofia durante o processo formativo h de
propiciar que o
estudante de hoje e profissional de amanh seja melhor
qualificado para a vida e
para o mercado de trabalho. Afinal o estudante deve exercer o
seu papel de
prever, organizar, pesquisar, discutir, estudar.
1.3. A IMPORTNCIA DA FILOSOFIA
Na linguagem comum de uso corrente, Filosofia uma viso de
mundo,
uma concepo de vida, que o homem adota para uso pessoal. De
maneira que
qualquer profissional poder adotar para si ou assumir uma
Filosofia de vida mais
pessimista ou mais otimista, menos sria ou mais, progressista ou
retrgrada,
motivadora de ao ou inibidora.
igualmente proveitosa aos pobres e aos ricos, e, quando
desprezada, prejudicar igualmente meninos e velhos (HORCIO,
Epstolas, I).
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
28
De fato no perodo que vai da adolescncia para a juventude que
criamos
uma Filosofia de vida para ns, uma concepo de vida e de mundo
que ir
interferir em nossas atitudes e modo de ser. Todos ns temos uma
Filosofia
subjacente s nossas atitudes perante o mundo e a vida.
Todos ns devemos ser filsofos. Devemos filosofar, pois filosofar
arte
das artes: o exerccio de pensar por ns mesmos. A Filosofia de
vida de cada um
resume o significado mais amplo que atribumos s experincias do
dia-a-dia para
dar-lhes sentido.
Assim todo profissional tem sua Filosofia de trabalho, mesmo que
no
esteja explicitada, elaborada, seguida como doutrina.
Os que jamais tiveram ou seguiram uma Filosofia foram fadados
ao
fracasso, pois a prtica sem teoria uma roda sem eixo,
desgovernada e sem
rumo. E a teoria sem prtica um semovente a caminho;
necessariamente tem
algum a gui-lo. Quem no pensa por si s como piolho: anda na
cabea dos
outros.
1.4. CARACTERSTICAS DO PENSAMENTO FILOSFICO
A Filosofia uma forma de saber que se distingue daquele comum
porque
radical, sistemtico e rigoroso, e daquele cientfico porque
exaustivo, com total
abrangncia inclusiva e explicativa (de conjunto)21. A
exaustividade desta cincia
faz com que a nossa investigao avance em direo ao aprender como
se
aprende ao saber como se sabe e ao conhecer como se conhece.
Com efeito, se a Filosofia realmente uma reflexo sobre os
problemas que a realidade apresenta, entretanto ela no qualquer
tipo de reflexo. Para que uma reflexo possa ser adjetivada de
filosfica, preciso que se satisfaa uma srie de exigncias que vou
resumir em apenas trs requisitos: a radicalidade, o rigor e a
globalidade. Quero dizer, em suma, que a reflexo filosfica, para
ser tal, deve ser radical, rigorosa e de conjunto. Radical: Em
primeiro lugar, exige-se que o problema seja colocado em termos
radicais, entendida a palavra radical no seu sentido mais prprio e
imediato. Quer dizer, preciso que se v at s razes da questo, at
seus fundamentos. Em outras palavras, exige-se
21
Dermeval Saviani em seu livro Educao brasileira: estrutura e
sistema, na tentativa de se aproximar de uma definio possvel,
conceitua a Filosofia como uma reflexo radical, rigorosa e de
conjunto sobre os problemas que a realidade apresenta.
Tudo era um caos at que se ergueu a Mente para pr ordem nas
coisas escrevia
Anaxgoras, convencido da fora da razo que filosofava (TELES,
1982: 19).
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
29
que se opere uma reflexo em profundidade. Rigorosa: Em segundo
lugar e como que para garantir a primeira exigncia, deve-se
proceder com rigor, ou seja, sistematicamente, segundo mtodos
determinados, colocando-se em questo as concluses da sabedoria
popular e as generalizaes apressadas que a cincia pode ensejar. De
conjunto: Em terceiro lugar, o problema no pode ser examinado de
modo pardal, mas numa perspectiva de conjunto, relacionando-se o
aspecto em questo com os demais aspectos do contexto em que est
inserido. neste ponto que a Filosofia se distingue da cincia de um
modo mais marcante. Com efeito, ao contrrio da cincia, a Filosofia
no tem objeto determinado; ela dirige-se a qualquer aspecto da
realidade, desde que seja problemtico; seu campo de ao o problema,
esteja onde estiver. Melhor dizendo, seu campo de ao o problema
enquanto no se sabe ainda onde ele est; por isso se diz que a
filosofia busca. E nesse sentido tambm que se pode dizer que a
filosofia abre caminho para a cincia; atravs da reflexo, ela
localiza o problema tornando possvel a sua delimitao na rea de tal
ou qual cincia que pode ento analis-lo e, qui, solucion-lo. Alm
disso, enquanto a cincia isola o seu aspecto do contexto e o
analisa separadamente, a Filosofia, embora dirigindo-se s vezes
apenas a uma parcela da realidade, insere-a no contexto e a examina
em funo do conjunto
22.
Entre as inmeras definies que foram dadas Filosofia digna de
particular meno a dos esticos23: A Filosofia cincia das coisas
humanas e
divinas e de suas causas. Tudo suscetvel de investigao
filosfica; por esta
razo d-se uma Filosofia do homem, uma Filosofia do mundo, uma
Filosofia da
arte, da religio, da histria, da cultura, do esporte, da tcnica,
do trabalho, do
direito, etc. Mas so terrenos privilegiados e tambm objetivo
principal da Filosofia
os problemas ltimos: a origem das coisas, o sentido da histria,
o valor do
conhecimento, a causa do mal etc.
Coerentes com estas definies, at hoje, os filsofos estudaram
todas as
coisas. A Filosofia a cincia dos objetos do ponto de vista da
totalidade,
enquanto que as cincias particulares so os setores parciais do
ser, provncias
recortadas dentro do continente total do ser. A Filosofia a
disciplina que
considera o seu objeto sempre do ponto de vista universal e da
totalidade.
Enquanto que qualquer outra disciplina, que no seja a Filosofia,
o considera de
um ponto de vista parcial e derivado. Conclumos ento que a
Filosofia estuda
tudo.
1.5. FILOSOFIA, MITO, RELIGIO E RAZO.
Quando falamos do mito e da Filosofia falamos do problema da
ordem e da
desordem no mundo.
22
Dermeval Saviani, Educao: do senso comum conscincia filosfica.
Disponvel em: , acessado em 25 de dezembro de 2010 s 19h10min.
23
ESTICA: escola filosfica que procura a felicidade atravs da
supresso dos prazeres.
http://www.scribd.com/doc/7298667/
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
30
O homem, ao procurar a ordem do mundo, cria tanto o mito como
a
Filosofia. Muitos povos da Antigidade experimentaram o mito, que
um
pensamento por imagens. Os gregos tambm fizeram a experincia, de
ordenar o
mundo por meio do Mito. Eles perceberam que o mito era um jeito
de ordenar o
mundo.
A experincia poltica grega, ao longo dos anos, trouxe a
possibilidade do
pensamento como logos (razo), pois a vida na polis imps
exigncias que o mito
j no satisfazia24. Mas ser que com a Filosofia o mito
desaparece? Ser que em
nossa sociedade ainda nos orientamos pelo pensamento mtico?
O nascimento da Filosofia pode ser entendido como o surgimento
de uma
nova ordem do pensamento, complementar ao mito, que era a forma
de pensar
dos gregos. Uma viso de mundo que se formou de um conjunto de
narrativas
contadas de gerao a gerao por sculos e que transmitiam aos
jovens a
experincia dos ancios. Como narrativas, os mitos falavam de
deuses e heris
de outros tempos e, dessa forma, misturavam a sabedoria e os
procedimentos
prticos do trabalho e da vida com a religio e as crenas mais
antigas.
Nesse contexto, os mitos era um modo de pensamento essencial
vida da
comunidade, ao universo pleno de riquezas e complexidades que
constitua a sua
experincia. Enquanto narrativa oral, o mito era um modo de
entender o mundo
que foi sendo construdo a cada nova narrao. As crenas que eles
transmitiam
ajudavam a comunidade a criar uma base de compreenso da
realidade e um
solo firme de certezas. Os mitos apresentavam uma religio
politesta, sem
doutrina revelada, sem teoria escrita, isto , um sistema
religioso, sem corpo
sacerdotal e sem livro sagrado, apenas concentrada na tradio
oral, isso que
24
Conferir SEED/PR: p. 12-13.
certo que as tradies, os mitos, e a religiosidade respondiam a
todos os questionamentos. Contudo, essas explicaes no davam mais
conta de problemas, como a permanncia, a mudana, a continuidade dos
seres entre outras questes. Suas respostas perderam convencimento e
no respondiam aos interesses da aristocracia que se estabelecia na
polis (SEED/PR, 2006: 16).
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
31
se entende por teogonia25. Vale salientar que essas narrativas
foram
sistematizadas no sculo IX por Homero e por Hesodo no sculo VII
a.C.
Ao aliar crenas, religio, trabalho, poesia, os mitos traduziam o
modo que
o grego encontrava para expressar sua integrao ao cosmos e vida
coletiva.
Os gregos a partir do sculo V a.C., viveram uma experincia
social que
modificou a cotidianidade grega: a vivncia do espao pblico e da
cidadania. A
cidade constitua-se da unio de seus membros para os quais tudo
era comum. O
sentimento que ligava os cidados entre si era a amizade, a
filia, resultado de
uma vida compartilhada (a poltica como causa da filosofia).
1.5.1. QUAL A DIFERENA ENTRE MITO E FILOSOFIA?
1.5.1.1. MITO
O pensamento mtico por natureza uma explicao da realidade que
no
necessita de metodologia e rigor, enquanto que o logos
caracteriza-se pela
tentativa de dar resposta a esta mesma realidade, a partir de
conceitos racionais.
Mas existe razo nos mitos? No seria tambm a racionalidade, um
mito moderno
disfarado?
Assim como na Antigidade, o mito estava a servio dos interesses
da
aristocracia rural e, portanto no interessava aristocracia
ateniense, surgindo
assim o pensamento racional ligado polis, no mundo contemporneo,
no
estariam o pensamento tecnicista e a cincia, a servio do capital
e das elites que
financiam a produo do conhecimento cientfico?
O mito um contexto explicativo feito para esclarecer um fato at
ento
desconhecido. o pensamento anterior reflexo mais crtica. A
explicao
mitolgica nasceu de uma atitude primria diante das coisas, do
homem, do
mundo, explicaes sem rigor racional e sem crtica pessoal. O mito
um
conjunto fechado de conhecimentos, capaz de explicar a realidade
do meio.
Quando pergunto a um ndio guarani porque se dizem que foram os
primeiros
25
Genealogia de deuses, surgimento dos deuses.
Um mito a histria de deuses e tem por objetivo explicar
porque a vida assim como (GAARDER, 2001:35).
http://pt.shvoong.com/tags/explicar/http://pt.shvoong.com/tags/realidade/
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
32
criados por Deus (Nhandejara), a resposta sempre a mesma. Porque
foram. Os
outros vieram depois. Tenta explicar a realidade pela prpria
realidade. Trabalha
com o conceito, atravs dos sentidos. Um mito uma narrativa
tradicional com
carter explicativo e/ou simblico, profundamente relacionado com
uma dada
cultura e/ou religio. O mito procura explicar os principais
acontecimentos da vida,
o fenmenos naturais, as origens do Mundo e do Homem por meio de
deuses,
semideuses e heris (todas elas so criaturas sobrenaturais).
Pode-se dizer que o
mito uma primeira tentativa de explicar a realidade.
Vamos verificar o que um mito a partir da pr-histria de Mato
Grosso do
Sul. Habitavam esta regio antes da chegada do homem branco
(mineiros,
paulistas, gachos, japoneses) os povos indgenas. Dentre estas
muitas tribos
(Guaicuru, Guan, Guarani, Guat, Kadivu, Kaiow, Laiana, Ofai,
Paiagu,
Terena, Xamacoco), cada uma tinha e tem sua maneira de explicar
sua origem,
seu mito da criao.
Segundo a tradio dos terena, os professores da aldeia de
cachoeirinha
(Miranda-MS), em 1995, resumiram assim a criao de seu povo:
Havia um homem chamado Oreka Yuvakae. Este homem ningum sabia de
sua origem, no tinha pai nem me, era um homem que no era conhecido
de ningum. Ele andava caminhando no mundo. Andando num caminho,
ouviu um grito de passarinho olhando como que com medo para o cho.
Este passarinho era o bem te vi. Este homem, por curiosidade,
comeou a chegar perto. Viu um feixe de capim, e em baixo, num
buraco, havia uma multido, eram os povos terena. Estes homens no se
comunicavam e ficavam trmulos. Ai Oreka Yuvakae, segurando em suas
mos tirou todos eles do buraco. Oreka Yuvakae, preocupado, queria
comunicar-se com eles e no conseguia. Pensando, ele resolveu
convocar vrios animais para tentar fazer essas pessoas falarem.
Aconteceram vrias tentativas, e nada. Finalmente ele convidou o
sapo para fazer a apresentao na sua frente, o sapo teve sucesso
pois todos esses povos deram gargalhada, a partir da eles comearam
a se comunicar e falaram para Oreka Yuvakae que estavam com muito
frio (BITTENCOURT & LADEIRA, 2000: 22-23).
A outra verso para esta lenda foi documentada pelo estudioso
Herbert
Baldus, antroplogo que trabalhou com os Terena durante muito
tempo. Esta
verso assim:
Diz que antigamente no havia gente. Bem-te-vi Utuka, descobriu
onde havia gente debaixo do brejo, Bem-te-vi marcou o lugar aos
Orekajuvaki, que eram dois homens, e estes tiraram a gente do
buraco. Antigamente, Orekajuvaki era um s e quando moo sua me ficou
brava, pois Orekajuvaki no queria ir junto com ela roa. Ela foi roa
tirou a foice e cortou com ela Orekajuvaki em dois pedaos. Cada
pedao virou uma pessoa diferente. Orekajuvaki sempre pensaram em
como fazer essa gente falar. Mandaram-na entrar em fileira um atrs
do outro. Orekajuvaki chamaram lobinho (Oku), para fazer rir a
gente. Lobinho fez macacada, mordeu no prprio rabo, mas no
conseguiu
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
33
fazer rir. Orekajuvaki, chamaram sapinho, aquele vermelho
(Kalalke). Este andou como sempre anda e a gente comeou a dar
risada. Sapinho passou ida e volta ao longo da fila trs vezes. Ai a
gente comeou a falar e dar risada. Ouviram que cada um da gente
falou diferente do outro. A separaram cada um a um lado. Eram gente
de toda raa. Como o mundo era pequeno. Orekajuvaki aumentou o mundo
para o pessoal caber. Orekajuvaki deu uns carocinhos de feijo e
milho e deu mandioca tambm e ensinou como se planta. Deu tambm
semente de algodo e ensinou como tecer faixa. Ensinou fazer arco e
flecha, ranchinho, roar e plantar (Relato oral de Antnio Lulu
Kaliket, traduzido para o Portugus por Ladislau Hahoti)
(BITTENCOURT & LADEIRA, 2000: 23-24).
Nas duas verses do mito que conta a criao do povo terena clara a
sua
ligao a terra-me. A terra me, e quando falamos desta maternidade
no nos
referimos a uma alegoria, e sim a uma maternidade natural. Os
Terena se
chamam a si mesmos de poke, que quer dizer terra. Quando
perguntamos a
eles pela explicao disso, respondem:
Poke vituko vha vooku voxunoe enomonemaka kea enomone maka vvo
ne poke, pone poke hane nox xea kuteti koeku vno enomone indko
nbeno, enomone vo ne inhnoxapa; undi haeneye [nosso nome poke
porque nossos antepassados saram da terra e porque ns vivemos na
terra, da terra que sobrevivemos; desta mesma terra constru minha
casa, tenho meus vizinhos; eu sou daqui mesmo (Poke = terra =
Terena = filho natural da terra) (informao verbal)]
26
(MANGOLIM, 1999: 17).
Essa identificao precisa dos terena com a terra contada no mito
da
criao terena (podemos por analogia averiguar o mito da criao
divina contado
no primeiro livro da Bblia: Deus fez o 1 homem Ado a partir do
barro). Os
terena foram tirados da terra. E da terra que sobrevive. A
lavoura a principal
forma de atividade econmica, sendo fundamental para a religio
Terena.
Cultivam, sobretudo, o arroz, feijo, milho, mandioca. Algumas
aldeias esto
diversificando com amendoim, criao de gado e pequenos animais. A
cana-de-
acar um produto muito utilizado para a produo de doces. Todas as
aldeias
Terena so ricas em produo de frutas como a manga, caju,
tamarindo, laranja,
banana.
Essa explicao mitolgica da realidade feita pelos terena,
remonta
poca em que em todo o Mato Grosso do Sul pouco mais de 3.000
indgenas
26
Os Terena acreditam que antes de haver os ndios, j todos os
animais viviam na terra. Os ndios viviam quase que como bichos
debaixo da terra. Os Vanone saram da terra antes dos ndios. Os
Vanone eram uma tribo grande, eram numerosos, pequenos e como
bichos; falavam como passarinho, faziam s h h h, no diziam outra
coisa. Mas podiam se entender com os ndios. Chamaram os ndios, para
subir. Os Vanone ensinavam a falar todas as tribos e davam-lhes uma
lngua, depois voltavam para dentro da terra. Provavelmente ainda
esto l, porque aqui no aparecem mais. Diferentes animais traziam
sementes e ensinavam a plantar. O fogo, isto , os pauzinhos para
produzir o fogo, os Terena receberam-nos dos Vanone.
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
34
deste povo aqui habitava. E este territrio que hoje comporta
mais de dois (2)
milhes de habitantes27 dos quais aproximadamente vinte e quatro
mim (24.000)
indgenas terena. Hoje os terena ocupam pouco mais de 20 mil
hectares de terra,
no alcanando um (1) hectare por pessoa. Da mesma maneira que os
gregos
fizeram a passagem de um entendimento mitolgico da realidade
para um
entendimento filosfico (racional), os terena esto buscando um
rigor racional na
releitura que esto fazendo de sua realidade vivida hoje. Esto a
partir da reflexo
crtica (filosfica) buscando novas alternativas de
sobrevivncia.
1.5.1.2. FILOSOFIA
A Filosofia um modo de pensar, uma postura diante do mundo. A
Filosofia no um conjunto de conhecimentos prontos, um sistema
acabado, fechado em si mesmo. Ela [...] um modo de se colocar
diante da realidade, procurando refletir sobre os acontecimentos a
partir de certas posies tericas. Essa reflexo permite ir alm da
pura aparncia dos fenmenos, em busca de suas razes e de sua
contextualizao em um horizonte amplo, que abrange os valores
sociais, histricos, econmicos, polticos, ticos e estticos. Por essa
razo, ela pode se voltar para qualquer objeto. Pode pensar a
cincia, seus valores, seus mtodos, seus mitos; pode pensar a
religio; pode pensar a arte; pode pensar o prprio homem em sua vida
cotidiana. Uma histria em quadrinhos ou uma cano popular podem ser
objetos da reflexo filosfica (ARANHA & MARTINS, 1992).
Conhecimento objetivo, caracterizado pela razo, preocupa-se com
a
essncia das coisas. A explicao mtica contrria explicao
filosfica. A
filosofia procura, atravs de discusses, reflexes e argumentos,
saber e explicar
a realidade com razo e lgica enquanto que o mito no explica
racionalmente a
realidade, procura interpret-la a partir de lendas e de histrias
sagradas, no
tendo quaisquer argumentos para suportar a sua interpretao.
Filosofia uma ao que nos levar a pensar diferente. Como os
primeiros
filsofos gregos fizeram. Pensar de modo qualificado e cuidadoso.
Envolve
ateno ao que ocorre. E isso o que no ocorre hoje. Como diz a
filsofa
gacha Mrcia Tiburi:
Filosofia [...] resistncia, coragem de levar adiante a chance de
que o mundo que pensamos conhecer possa ser diferente do que
suspeitamos. Temos receio de pensar diferente. [...] Filosofia
conversao, troca de experincias de saber, vontade de conhecimento
sistemtica. [...] O raciocnio uma busca. Mas a Filosofia tem muito
mais a ver com trabalho do conceito, com tentativa de pensar
encontrando caminhos prprios. Ela prxima da literatura por isso,
porque tambm criao da linguagem, muito mais do que apenas aplicao
de tcnicas lgicas previamente estabelecidas (2007: 7-9).
27
IBGE 2010.
http://pt.shvoong.com/tags/ess%C3%AAncia/
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
35
1.6. NATUREZA E CULTURA
No cabedal da literatura contempornea e, sobretudo, no mbito
da
Filosofia e Sociologia como cincias autnomas a cultura tudo
(produo
humana milenar). Natureza tambm tudo (enquanto phisis). Mas no
so
palavras sinnimas. Ambas so ricas de contedo. Na ausncia do
homem a
natureza existe, e a cultura? Seria a cultura toda a natureza
filtrada pelo homem.
A natureza pr-existe ao homem, enquanto a cultura sempre um
produto da
sociedade humana. A cultura posterior ao trabalho humano. Uma
caverna
cavada pela eroso natural, mas, no cultural. Os trabalhos da
arquitetura so
culturais. Pode a cultura absorver toda a natureza? Eis que a
natureza contm
toda a cultura.
Quando falamos em natureza28, atualmente, pensamos logo na
realidade
exterior, no meio ambiente em que nascemos e vivemos, e que
marcamos to
fortemente com nossa presena, nossas tcnicas, esse mundo natural
no qual
construmos nossas cidades, que cortamos com nossas estradas, e
cuja
existncia acreditamos estar ameaada, por causa de nossa atitude
predatria
com relao a ele.
No entanto, a natureza pode ser compreendida de maneira mais
ampla, ou
seja, como abarcando mais do que esse lugar ou essa
exterioridade que
recebemos de presente quando nascemos. muito importante
percebermos que,
na verdade, os termos natureza e natural referem-se quilo que
nos dado (ou
imposto), no s externa, mas tambm internamente, como determinaes
que
nos definem e que no podemos alterar ou que, para serem
alteradas exigem
muita inventividade ou tcnica.
Nessa perspectiva temos pelo menos trs mbitos do que pode
ser
chamado de natural:
1. A natureza exterior (os recursos naturais, o mundo tal como
o
encontramos, "lugar" ou "exterioridade");
28
Baseado no texto sistematizado por Marcelo P. Marques. Mdulo
didtico: Natureza e Cultura. Centro de Referncia Virtual do
Professor - SEE-MG / fevereiro 2010. Disponvel em
http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/documentos/md/em/filosofia/2010-08/md-em-fl-02.pdf
e acessado em 17 de julho de 2012 s 21h25min.
http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/documentos/md/em/filosofia/2010-08/md-em-fl-02.pdf
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
36
2. A natureza enquanto as caractersticas internas dos seres em
geral,
aquelas com as quais eles nascem (por pertencerem a uma espcie);
seriam
aquelas caractersticas que, juntas e articuladas, formariam o
que se poderia
chamar de constituio inata, que incluiria tendncias,
potencialidades,
disposies ou estruturas tais que permitiriam (ou impediriam) o
desenvolvimento
de certos modos de ser. No caso do ser humano, em geral, seu
corpo (mortal,
sexuado, dotado de alguns sentidos e no de outros) e suas
caractersticas
psquicas, com suas potencialidades (capacidade de raciocnio, de
desenvolver
linguagem e de fabricar cultura);
3. Podemos ainda pensar na natureza particular de cada indivduo
(que
inclui este ou aquele tamanho, marcas prprias singulares, maior
ou menor
aptido para aprender alguma coisa, ser magro ou gordo, ser homem
ou mulher,
etc.).
Se o mbito da natureza fonte de determinaes que no dependem
de
nossa vontade ou escolha, j o mbito da cultura , num primeiro
sentido,
fabricado por ns mesmos, ou seja, a cultura tanto o processo
como o resultado
da ao criadora por parte dos seres humanos. Nessa primeira
formulao, a
cultura inclui tudo o que no natural, ou seja, tudo o que os
diferentes grupos
humanos inventam, produz, fabricam, criam, escolhem e
estabelecem para si
prprios.
Cultura so as cidades, as indstrias, as tcnicas e os produtos
das
tcnicas, os materiais e objetos fabricados; e tambm as lnguas,
os cdigos, os
livros, as leis, os costumes, a memria dos costumes, as regras,
as artes, os
objetos das artes, as imagens, as convenes, os comportamentos,
etc.
Na verdade, a distino entre natureza e cultura muito difcil de
ser feita,
porque, como veremos muitas dessas "produes" humanas s so
possveis por
contarem com certas disposies naturais. Mas importante pensar
sobre essas
dimenses da realidade, separadamente e em suas relaes, para que
possamos
formular alguns problemas fundamentais, compreend-los e,
eventualmente,
tomar decises em nossas vidas, individuais e coletivas.
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
37
A relao entre as esferas da natureza e da cultura uma dos
temas
principais da Filosofia ocidental desde os gregos antigos. Tomar
conscincia de
sua diferena e tentar compreender os modos como se relacionam so
tarefas
que geram uma srie de questes e debates, problemas que recebem
mltiplas
verses e formulaes ao longo da histria das tcnicas, das cincias,
das artes e
da Filosofia.
Algumas coisas nos parecem certas, atualmente: no se trata de
se
sobrepor a cultura natureza, como duas camadas justapostas, nem
de reduzir
ou assimilar uma dimenso outra, como se a natureza se
dissolvesse na
cultura, ou como se fosse possvel naturalizar totalmente a
complexidade do
mundo cultural. preciso compreender cada uma das duas esferas,
nelas
mesmas e tambm nas suas relaes. difcil pens-las separadamente,
mas o
esforo instrutivo, ou seja, vale a pena tentar diferenci-las
atravs da pesquisa,
da reflexo e do dilogo; mas, acima de tudo, preciso vivenciar
suas relaes
como problemas, para sermos capazes de vislumbrar seu alcance e
sua
importncia para nossas vidas.
O que surge dessa experincia reflexiva a compreenso de que o
que
parece estar em questo na discusso nosso interesse em sabermos o
que,
afinal de contas, o ser humano! E essa uma tarefa que no podemos
evitar:
para vivermos bem (ou melhor), temos que pensar certos
problemas, seja no
plano instrumental (tcnico e operacional), seja no plano
comunicativo (moral e
poltico).
Vejamos algumas questes que serviro para nos mostrar a
importncia
vital da reflexo filosfica sobre a relao entre natureza e
cultura.
Ecolgicas
Os grupos humanos podem usufruir dos recursos naturais sem
pensar nos
seus limites?
Um fazendeiro pode utilizar a gua do rio que passa em sua
propriedade,
do modo como quiser?
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA!