1 Utilização do Hipertexto na Comunicação Científica e Educacional ∗ Isabel Chagas Centro de Investigação em Educação Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa Teresa Bettencourt Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa Universidade de Aveiro Jorge Matos Escola Superior de Educação de Beja João Sousa Centro de Competência Nónio Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa Resumo Perante a intensa proliferação dos recursos educativos em suporte hipertexto, que se observa actualmente, a questão que se coloca, no domínio da Educação em Ciência, é compreender qual o papel de tais recursos como auxiliares do professor e como apoio ao estudo e à aprendizagem dos alunos, o que implica identificar as suas possibilidades e limitações e as características dos ambientes de aprendizagem que são gerados aquando da sua utilização. Tendo esta questão como pano de fundo, este artigo tem como objectivo contribuir para uma abordagem reflexiva acerca das implicações educativas do hipertexto, através de uma discussão da sua importância, no âmbito da Educação em Ciência. O artigo começa com uma descrição, em linhas gerais, do que é o hipertexto e com a clarificação de alguma terminologia essencial. Segue-se uma descrição de diferentes modalidades de utilização educativa de programas em suporte hipertexto que foram surgindo desde os finais da década de 1980 e, por fim, procede-se a uma revisão da investigação centrada nos efeitos da utilização de tais programas na aprendizagem da ciência. Palavras chave: hipertexto, multimédia, Ensino das Ciências. ∗ Versão portuguesa de: Chagas, I., Bettencourt, T., Matos, J., e Sousa, J. (2005). Utilización del hipertexto en la communicación científica y educativa. Tarbiya. Revista de Investigación e Innovación Educativa (36), 81-102.
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Utilização do Hipertexto na Comunicação Científica e Educacional · 2008-01-26 · 7 Hipertexto: Terminologia Relacionada Segundo o seu criador, o termo hipertexto significa
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Utilização do Hipertexto na Comunicação Científica e Educacional∗
Isabel Chagas
Centro de Investigação em Educação
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Teresa Bettencourt
Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa
Universidade de Aveiro
Jorge Matos
Escola Superior de Educação de Beja
João Sousa
Centro de Competência Nónio
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Resumo
Perante a intensa proliferação dos recursos educativos em suporte hipertexto, que se observa actualmente, a questão que se coloca, no domínio da Educação em Ciência, é compreender qual o papel de tais recursos como auxiliares do professor e como apoio ao estudo e à aprendizagem dos alunos, o que implica identificar as suas possibilidades e limitações e as características dos ambientes de aprendizagem que são gerados aquando da sua utilização. Tendo esta questão como pano de fundo, este artigo tem como objectivo contribuir para uma abordagem reflexiva acerca das implicações educativas do hipertexto, através de uma discussão da sua importância, no âmbito da Educação em Ciência.
O artigo começa com uma descrição, em linhas gerais, do que é o hipertexto e com a clarificação de alguma terminologia essencial. Segue-se uma descrição de diferentes modalidades de utilização educativa de programas em suporte hipertexto que foram surgindo desde os finais da década de 1980 e, por fim, procede-se a uma revisão da investigação centrada nos efeitos da utilização de tais programas na aprendizagem da ciência.
Palavras chave: hipertexto, multimédia, Ensino das Ciências.
∗ Versão portuguesa de: Chagas, I., Bettencourt, T., Matos, J., e Sousa, J. (2005). Utilización del hipertexto en la communicación científica y educativa. Tarbiya. Revista de Investigación e Innovación Educativa (36), 81-102.
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Abstract
The purpose of this paper is to contribute to a reflexive approach regarding the effects of hypertext as a tool for teaching and learning science. The number of hypertext-based resources available both to the teacher and the student is continuously increasing. This fact originates many questions about the potentialities and limitations of such resources as well as the characteristics of the learning environments they generate.
The paper begins with a general description of hypertext and the terminology usually attached to it. It follows a description of different modalities of hypertext use in educational settings that have been proposed since the end of 1980. The paper closes with a research review on the effects of hypertext-based applications in science teaching and learning. Key-words: hypertext, multimedia, Science Education.
Introdução
A evolução do hipertexto está estreitamente associada ao progresso dos computadores. Na
actualidade, com a expansão da produção multimédia interactiva e hipermédia, quer em suporte
offline quer online, o hipertexto torna-se acessível a um público cada vez mais vasto e diversificado.
De facto, o hipertexto constitui o enquadramento estrutural dos populares programas multimédia
interactivos em suporte CD-ROM, assim como a forma de escrita preferencial para a construção de
páginas na World Wide Web (WWW), cujo número de utilizadores e autores tem registado um
crescimento exponencial.
Assim que o hipertexto se tornou acessível ao público, muitas vozes surgiram indicando-o
como um novo meio de comunicação ideal para a educação (Shirk, 1995). Os dados disponíveis na
actualidade, de certa forma, confirmam essa previsão: o número de CD-ROMs e de DVDs com
programas de entretenimento para fins educativos e com programas exclusivamente educativos, é
crescente, assim como o número de websites educacionais. Estes recursos, que experimentaram uma
evolução notável na década de 1990, têm exercido efeitos inovadores no ensino a distância,
nomeadamente no que diz respeito aos conteúdos multimédia e aos meios de comunicação
disponíveis, dando origem ao chamado e-learning, ou seja, ao ensino a distância por via electrónica.
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Perante a intensa proliferação dos recursos em suporte hipertexto que se observa
actualmente nas escolas a questão que se coloca, no domínio da Educação em Ciência, é
compreender qual o seu papel no processo ensino-aprendizagem, o que implica identificar as suas
possibilidades e limitações e as características dos ambientes de aprendizagem que são gerados
aquando da sua utilização. Tendo esta questão como pano de fundo, este artigo tem como objectivo
contribuir para uma abordagem reflexiva acerca das implicações educativas do hipertexto, através
de uma discussão da sua importância, no âmbito da Educação em Ciência.
O artigo começa com uma descrição, em linhas gerais, do que é o hipertexto e com a
clarificação de alguma terminologia essencial. Segue-se uma descrição de diferentes modalidades
de utilização educativa de programas em suporte hipertexto que foram surgindo desde os finais da
década de 1980 e, por fim, procede-se a uma revisão da investigação centrada nos efeitos da
utilização de tais programas na aprendizagem da ciência.
Características Gerais do Hipertexto
O aparecimento, em 1987, do software designado por Hypercard tornou possível, a
qualquer utilizador do computador, construir as suas próprias aplicações hipertexto/hipermédia.
Anteriormente, a criação de tais aplicações teria exigido, a qualquer especialista de informática,
meses de estudo e preparação (Goodman, 1990). Os numerosos comandos que este software
disponibiliza permitem o desenvolvimento de aplicações multimédia em que são integrados, no
ambiente do computador, diferentes sistemas simbólicos como texto, imagens fixas ou em
movimento, e som (Kozma, 1991). Na base desta integração está o hipertexto que permite o
estabelecimento de relações entre aqueles elementos. Ao colocar a ênfase na associação de ideias, o
hipertexto adquire uma estrutura ramificada, podendo ser explorado pelo utilizador de diferentes
maneiras, ou seja, não linearmente. Uma descrição genérica do hipertexto inclui as seguintes
características (Picher, Berk, Devlin e Pugh, 1991):
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i. os seus elementos básicos são os nódulos e os links. Os nódulos são unidades de
informação muito flexíveis, atendendo ao tipo e ao número de dados que contêm. Os
links são linhas de referência cruzada que estabelecem a ligação entre os nódulos;
ii. a sua complexidade depende do número e qualidade dos nódulos e do número de links
que se estabelecem entre eles, originando uma estrutura ramificada bem diferente da
estrutura linear que caracteriza o texto convencional;
iii. a sua estrutura ramificada encoraja o utilizador a movimentar-se rápida e não
sequencialmente de tópico para tópico (de nódulo para nódulo);
iv. a ênfase da sua utilização (leitura) e da sua produção (escrita) incide no
estabelecimento de conexões e relações entre os tópicos e conceitos;
v. os documentos que origina estão sempre por acabar. Os utilizadores podem tornar-se
autores, ao introduzirem nova informação, ao estabelecerem novos links e ao incluírem
as suas próprias anotações na obra inicial que estavam a consultar;
vi. os utilizadores assumem um papel activo, devido às interacções que o hipertexto
possibilita.
Kahn e Meyrowitz (1988) argumentam que o hipertexto cria um ambiente particular que
permite ao utilizador: integrar materiais multimédia de diferentes proveniências, criar ramos de
pensamento e argumento, sublinhar materiais, estabelecer diferentes níveis de detalhe acerca de um
determinado assunto, perspectivar formas paralelas de um mesmo texto, conservar versões
diferentes de um dado texto (correspondentes a fases diferentes de elaboração), evidenciar linhas de
interesse, publicar bases de ideias construídas em colaboração com outros utilizadores e que se
renovam continuamente.
O melhor exemplo actual de uma criação em hipertexto é a WWW onde se podem
reconhecer todas as características do hipertexto acabadas de enunciar. (i) os nódulos, neste caso,
correspondem aos documentos ou recursos a que se tem acesso, como por exemplo, diferentes
páginas no mesmo site, diferentes sites, uma sala de IRC1; os links são as ligações que permitem ao
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utilizador ter acesso aos recursos disponíveis; (ii) a complexidade dos sites é muito variável e
depende dos recursos que disponibilizam e das ligações que se estabelecem entre eles; (iii) o
utilizador navega pela WWW, saltando rapidamente de página para página, de site para site; (iv) o
utilizador navega escolhendo os links que lhe dão acesso aos documentos ou recursos que lhe
parecem estar relacionados com o assunto que pretende aprofundar; (v) o utilizador pode publicar o
seu próprio site e estabelecer novos links com outros sites que considera relacionados; (vi) não
existe uma navegação igual. Cada utilizador segue o seu percurso na WWW de acordo com os seus
interesses e as ligações (relações) que vai estabelecendo entre os assuntos.
A organização dos documentos em hipertexto baseia-se em resultados de estudos
efectuados no domínio da cognição humana. Tais estudos evidenciam limitações quanto à
quantidade de informação que a memória de curta duração é capaz armazenar e também quanto às
características físicas dos suportes utilizados para a apresentação do documento – habitualmente
ecrãs de computadores – que dificultam a consulta de grandes quantidades de informação.
Consequentemente, os conteúdos são agrupados em porções discretas que constituem unidades
lógicas - os nódulos - que se organizam mediante o estabelecimento de hiperligações - os links -
entre si. As estruturas resultantes podem classificar-se, segundo Lynch e Horton (1999), em quatro
formas básicas (figura 1).
Figura 1. Formas básicas de organização dos documentos em hipertexto em função da complexidade dos conteúdos e da linearidade da estrutura.
T. em Rede
Estrutura não linear
T. Linear
T. Hierárquica
T. Matricial
Estrutura linear
Conteúdos Complexos
Conteúdos básicos
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A forma mais simples de organizar os conteúdos é uma sequência linear, dando origem a
um produto que pode estar estruturado cronologicamente ou do geral para o particular. Ao
apresentar conteúdos que estão uniformemente organizados em função da complexidade e
interrelacionados, pode adoptar-se uma topologia matricial, particularmente utilizada em cursos
universitários online. Esta estrutura pode tornar a consulta dos documentos muito confusa para os
utilizadores que não estiverem familiarizados com os conteúdos e sua relação.
Qualquer organização das unidades lógicas implica o estabelecimento de uma hierarquia
de importância, sendo esta característica tanto mais relevante quanto maior for a complexidade do
documento. Este facto pode transparecer na forma como os nódulos estão ligados uns aos outros,
criando uma estrutura de topologia hierárquica. Esta forma de organização é habitualmente bem
entendida pela maioria dos utilizadores que estão habituados a formas de organização idênticas
empregues noutros contextos.
A tecnologia envolvida na criação das hiperligações entre os nódulos impõe poucas
restrições à sua utilização pelo que se podem criar múltiplos links permitindo o acesso a qualquer
informação a partir de qualquer outra, com os documentos organizados numa topologia de rede. No
entanto, esta profusão de ligações físicas pode tornar-se facilmente fonte de confusão, sempre que
originar a passagem para um contexto diferente sem ser perceptível a correspondente relação
conceptual.
O estabelecimento de uma topologia dos nódulos conduz inevitavelmente à concretização
de uma estrutura que servirá de suporte básico à consulta do documento, pretendendo facilitar a
construção de modelos mentais por parte do utilizador. No entanto, o tipo de navegação num
documento em hipertexto não é só determinado pelas características deste, mas também pelas
necessidades do utilizador, tais como os objectivos da sua consulta e os seus conhecimentos prévios
acerca dos assuntos. A estrutura organizacional dum documento adaptado à apresentação de
conteúdos a um utilizador iniciado dificilmente se ajustará à apresentação dos mesmos conteúdos a
um utilizador avançado.
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Hipertexto: Terminologia Relacionada
Segundo o seu criador, o termo hipertexto significa uma forma de texto electrónico, uma
tecnologia de informação radicalmente nova, e uma modalidade de publicação (Nelson, 1981). O
hipertexto é uma forma de escrita não sequencial – um texto que se ramifica e que permite ao
utilizador diferentes leituras. O conceito de hipermédia expande a noção de texto implícita no termo
hipertexto ao incluir informação visual, som, animação e outros tipos de dados. Segundo Landow
(1992), assim como muitos autores, os termos hipertexto e hipermédia são equivalentes, pelo que é
comum utilizar-se a designação hipertexto/hipermédia.
O termo multimédia é objecto de inúmeras definições. Contudo, as mais recentes incluem
um significado em comum: a combinação de dois ou mais media (imagem em movimento ou fixa,
texto, gráficos, áudio e animação) sob o controlo do computador. Lynch e Horton (1999), realçam a
combinação do poder de interacção do computador com o poder explicativo dos meios audiovisuais
e do texto. Em suma, um sistema multimédia interactivo implica múltiplas formas de comunicação
mediatizada, ou diferentes sistemas simbólicos, controlados e coordenados pelo computador que,
por sua vez é controlado pelo utilizador. Um sistema deste tipo é tanto mais interactivo quanto mais
possibilidades confere ao utilizador de tomar decisões. Quando um documento multimédia
interactivo é estruturado em hipertexto apresenta as características de um hipertexto/hipermédia.
Consequência da metáfora criada por Nelson (1981), ao propor hipertexto como
designação para este novo meio, os termos ligados ao texto, tais como leitura, leitor e escrita
apresentam-se frequentemente associados ao hipertexto. Contudo, esta terminologia emprestada de
outra realidade não traduz, na totalidade, as qualidades específicas do hipertexto/hipermédia. Neste
capítulo o termo utilizador é empregue para designar a pessoa que trabalha com o programa
hipermédia. Esta utilização pode envolver a leitura das componentes textuais mas também inclui a
navegação através das ligações entre os hiperdocumentos produzidos em diferentes suportes.
Os termos produção e composição são utilizados para designar a criação de aplicações
hipermédia. Segundo Ambron (1990), neste tipo de comunicação, recorre-se ao texto, à imagem e
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ao som, mas não é o mesmo do que escrever, produzir um filme, ou uma música. Trata-se de um
meio de expressão com características próprias que expande os nossos recursos de comunicação.
Modalidades de Utilização e Produção de Hipertexto
Os primeiros programas hipertexto/hipermédia que surgiram nos domínios científico e
educacional eram dirigidos a alunos e profissionais de Medicina e versavam temas no âmbito, por
exemplo, da Anatomia, da Fisiologia e da Cirurgia cujo estudo exigia o recurso sistemático à
imagem para uma melhor compreensão, respectivamente, de estruturas, processos e técnicas. Sem
pretender substituir tais recursos, aqueles programas constituem uma alternativa eficaz porque estão
sempre disponíveis e são acessíveis sob o ponto de vista económico. Além disso, oferecem as
seguintes vantagens, relativamente aos meios áudio visuais convencionais: acesso aleatório
instantâneo a trechos específicos do programa, controlo da visualização das imagens (parar, passar
em câmara lenta, repetir) e utilização de simulações. Deste modo, aliam o poder explicativo do
texto, da narração, das animações e das representações gráficas na abordagem de cada assunto.
Estes programas pioneiros empregavam a tecnologia do videodisco interactivo que incluía
o videodisco como suporte de imagens e de excertos sonoros de elevada qualidade, e o computador
como suporte do hipertexto. Foi a partir destes programas que evoluíram os primeiros materiais
hipertexto/hipermédia com aplicações no ensino não superior, versando temas de ciências. Alguns
destes materiais apresentavam elevada interactividade, envolvendo o utilizador numa multiplicidade
de processos cognitivos, com particular ênfase na resolução de problemas. Um desses programas, o
Windows on Science, chegou mesmo a ser adoptado, em 1990, como alternativa ao livro de texto,
numa decisão altamente controversa do departamento de educação do estado do Texas dos Estados
Unidos da América do Norte (Daynes, 1991).
A série de videodiscos intitulada Jasper que se centrava em problemas de Matemática e
Ciência, destacou-se pelo carácter inovador das propostas de ordem pedagógica e didáctica que
difundia. Desenvolvida pelo Cognition and Technology Group at Vanderbilt (Sherwood, Petrosino,
Linx e Cognition and Technology Croup at Vanderbilt, 1998), esta série tinha como objectivo
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promover as capacidades de resolução de problemas e a autonomia dos alunos e organizava-se
segundo diferentes episódios que se centravam, cada um deles, num problema complexo. Para
resolverem esse problema os alunos tinham de solucionar diferentes sub-problemas até chegarem a
uma solução aceitável. Estes sub-problemas funcionavam como âncoras, ou seja, ligações que os
alunos estabeleciam, espontaneamente, entre a situação em estudo e os seus próprios
conhecimentos, tal como fariam quando em presença de problemas do quotidiano. Num dos
episódios o problema geral consistia em escolher o percurso mais rápido e mais adequado para
chegar junto a Jasper que se encontrava ferido, precisando de ajuda urgente. Entre os sub-problemas
figuravam os seguintes: quais os recursos disponíveis e suas características? Quais as vantagens e
desvantagens, face aos recursos disponíveis, dos diferentes percursos possíveis? Qual a quantidade
de gasolina necessária para ir de barco pelo rio? Quais os cuidados que Jasper requer? Quais os
materiais que é necessário transportar? Os dados para responder a cada uma destas questões
encontravam-se disseminados pelo videodisco e eram apresentados na forma de texto, imagem,
filme, ou som.
Outro exemplo de um programa videodisco interactivo com uma componente de resolução
de problemas e proporcionando um elevado nível de interacção, é o Animal Pathfinders produzido
pela Interactive Nova (Chagas, 1993). Este programa era dirigido a alunos do 5º ao 12º anos e
abordava temas de Biologia e Ecologia. Tendo o hypercard como suporte, consistia num recurso de
informação organizada em bases de dados multimédia de fácil acesso e num conjunto de actividades
diversificadas. Uma dessas actividades incluía uma sequência de sete cartões2com uma explicação
acerca do modo como as abelhas comunicam entre si a localização da fonte de alimento. Nesses
cartões os alunos tinham acesso a texto, animações dos diferentes tipos de dança realizadas pelas
abelhas, imagens vídeo dos comportamentos das abelhas e o som que produzem na colmeia. Um
dos cartões dava acesso a um jogo que consistia em descobrir qual o arbusto, entre três que surgiam
no monitor, que continha o alimento. Para isso, o jogador tinha de ter em conta as posições relativas
do Sol, da colmeia, da direcção da dança, e dos arbustos. Sempre que se carregava novo jogo surgia
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um videoclip com uma nova dança e um novo posicionamento relativo do Sol, colmeia e dos três
arbustos. O objectivo das actividades era promover a participação dos alunos através de situações
que, de outra forma, não seria possível trazer para a sala de aula de ciências.
A acessibilidade ao hipertexto que o hypercard facultou aos utilizadores comuns do
computador, facilitando a construção e a visualização de programas multimédia interactivos,
originou uma verdadeira revolução na produção de software educacional, assim como o
ressurgimento das discussões e estudos sobre o hipertexto (Landow, 1992). Face ao grande
crescimento da produção multimédia educacional que se verificou em meados de 1990, discutiram-
se os mecanismos que poderiam estar na base do desenvolvimento de programas de qualidade. Em
particular na Europa, procurou-se aumentar drasticamente o controlo da produção multimédia
perante a predominância dos Estados Unidos. No relatório produzido pela Task Force Software
Didáctico e Multimédia (Comissão Europeia, 1996) descrevia-se a situação no que diz respeito à
oferta e à procura de software educativo. Entre outros aspectos, destacava-se que, apesar dos
resultados de investigação terem vindo a evidenciar um papel positivo dos programas multimédia
interactivos como auxiliares do processo ensino-aprendizagem, os materiais existentes
caracterizavam-se por serem esparsos, antiquados, de pouca qualidade sob o ponto de vista
pedagógico, e difíceis de integrar nos currículos vigentes e nas práticas dos professores.
De uma maneira geral, os actuais programas educacionais hipertexto/hipermédia em
suporte CD-ROM ou DVD, contrariamente aos programas pioneiros em suporte videodisco, têm a
forma de livros electrónicos, designação, um tanto discutível que engloba um conjunto heterogéneo
de obras, tais como manuais e livros de referência que funcionam essencialmente como fonte de
informação e que, dada a sua especificidade e o modo como estão organizadas, são susceptíveis de
promover a aprendizagem de conteúdos e o desenvolvimento de capacidades. Estes materiais
constituem auxiliares de estudo e recursos para o desenvolvimento de projectos. Podem adicionar
uma dimensão lúdica à aprendizagem ao incluir jogos, simulações, adivinhas, através dos quais os
alunos aplicam os conhecimentos adquiridos. O papel do professor será, fundamentalmente, o de
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orientador e criador de situações de aprendizagem que envolvam a utilização racional dos diferentes
componentes do programa em uso.
As obras de referência incluem os dicionários, enciclopédias e atlas electrónicos
actualmente disponíveis no mercado que funcionam como fontes de grandes quantidades de
informação com a vantagem de esta ser acessível de modo praticamente instantâneo, reduzindo
drasticamente o tempo que normalmente se despende numa pesquisa. Outra vantagem consiste na
facilidade de estabelecimento de relações entre termos, permitindo o aprofundamento da pesquisa
numa dada direcção. A principal desvantagem, quando nas mãos de um utilizador inexperiente,
consiste no encorajamento à navegação sem objectivos que se traduz num gasto de tempo
assinalável, sem qualquer resultado positivo. O papel do professor é determinante neste caso, ao
orientar as pesquisas dos alunos, criando situações concretas que exigem o recurso a informação
específica. Utilizando a terminologia de Linn (1998), estes recursos situam-se num enquadramento
explicativo do processo ensino-aprendizagem das ciências, atendendo a que os textos, imagens e
sons que integram, têm como objectivo mostrar e explicar os fenómenos científicos. De acordo com
a autora, estas explicações só se tornam efectivas quando envolvem modelos que os alunos são
capazes de relacionar com a sua experiência pessoal.
Os professores assumem, muitas vezes, uma atitude critica relativamente aos programas
educativos hipertexto/hipermédia actualmente disponíveis no mercado. Segundo eles, esses
programas não se adaptam ao currículo, são pouco flexíveis, e suscitam reduzido interesse nos
alunos (Chagas, 1998). Em comparação com os jogos e outros programas de entretenimento, são
pouco motivadores e raramente estimulantes porque se centram fundamentalmente em factos,
limitando-se a solicitar a capacidade de memorização dos alunos. Assim, para obviar aquelas
limitações, pretende-se que os programas educativos hipertexto/hipermédia sejam: flexíveis,
permitindo múltiplas abordagens, relativas a diferentes objectivos curriculares; atraentes, reunindo
qualidades estéticas, técnicas e de concepção; surpreendentes, contendo situações inesperadas que
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suscitem o entusiasmo e mantenham a motivação dos alunos; estimulantes, encorajando os alunos a
aprender mais.
Mais recentemente, como consequência do grande crescimento da Internet, tem-se
verificado um significativo aumento no número de sites educacionais disponíveis. A qualidade
destes sites é muito variável, o que levanta problemas quanto à sua utilização no âmbito da
educação formal. Para obviar esta situação têm sido propostos critérios de avaliação e análise de
sites educacionais com o objectivo de promover a sua qualidade. Caldeira e Dias (2001),
fundamentando-se na vasta literatura sobre o assunto, consideram três níveis de critérios: o
conteúdo, a abordagem pedagógica e os aspectos técnicos e estéticos do interface; Schrock (1998),
centrando-se no site de escola, questiona como é que este pode servir de auxiliar para integrar os
novos recursos no currículo.
Seja qual for o suporte tecnológico, a qualidade de um dado programa educativo
hipertexto/hipermédia depende da qualidade do conteúdo, ou seja, da pertinência dos temas
abordados, do rigor, actualidade e adequação com que são tratados e do modo como se encontram
estruturados. Relativamente a este último aspecto Shirk (1995) adverte para a importância da
arquitectura cognitiva destes programas, ou seja, o modo como os seus conteúdos se apresentam
estruturados e organizados em nódulos e o modo como estes últimos se localizam e se relacionam
entre si. Adverte, também, para a tendência que se observa, em muitos autores, em estruturar os
programas hipertexto/hipermédia que produzem de acordo com a sua própria estrutura cognitiva, o
que torna o programa redutor e possivelmente inadequado para muitos utilizadores.
Consequentemente, a organização de qualquer programa faz-se segundo dois vectores: a topologia
dos nódulos e os possíveis modelos mentais que venham a ser criados pelos diferentes utilizadores.
Isto significa que, durante o processo de criação de um programa hipertexto/hipermédia educativo,
deve figurar um momento de investigação em que o programa é sujeito a diferentes utilizadores
com diferentes estilos de aprendizagem.
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A grande expansão da Internet que se verificou durante a segunda metade da década de
1990 deveu-se, em grande parte, ao aparecimento da WWW, um sistema hipermédia distribuído que
permite o acesso e a partilha da informação multimédia e dos recursos de comunicação disponíveis
na Internet. Dada esta propriedade de facilitar a partilha, a WWW constitui o suporte, por
excelência, do trabalho colaborativo que se observa actualmente em diferentes domínios de
actividade, nomeadamente o científico e o educacional. De particular interesse para o processo
ensino-aprendizagem das Ciências se revestem duas modalidades de trabalho colaborativo
presentemente utilizadas no âmbito da actividade científica: o colaboratório e as simulações
distribuídas (Schooler, 1996).
O termo colaboratório resulta da contracção das palavras colaboração e laboratório e
significa um centro de pesquisa sem paredes em que os intervenientes, apesar de afastados
geograficamente, podem trabalhar num mesmo projecto de investigação (Kouzes, Myers e Wulf,
1996). No âmbito educativo têm florescido projectos interdisciplinares envolvendo investigações
centradas em problemas que são objecto da comunidade científica em que os alunos contribuem
com os dados obtidos através da sua pesquisa e experimentação. Os recursos computacionais
disponibilizados são, além do site do projecto, o correio electrónico e os fóruns de discussão como
modalidades de comunicação em diferido mas também podem ser partilhados em tempo real, como
o IRC e a videoconferência. O Global Laboratory Project3 foi um projecto colaborativo pioneiro.
Era um consórcio de alunos e professores, em mais de 100 escolas em todo o mundo, e de
cientistas, que tinha o objectivo de discutir e estudar problemas de ordem ambiental. Os alunos de
cada escola participante contribuíam para a resolução de problemas locais e, através das
contribuições dos parceiros online, tinham contacto com a perspectiva global que esses fenómenos
podiam assumir (Berenfeld, 1993). Como exemplo de um projecto colaborativo em curso tem-se o
Observatório das Ciências no 1º Ciclo4 que conta com a participação de alunos e professores do 1º
Ciclo do ensino básico e de alunos e professores do ensino superior. Tem como objectivo criar uma
rede inter-escolas para desenvolver actividades de experimentação, observação e tratamento de
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dados científicos. Esta rede de escolas procura desenvolver projectos de investigação entre as
equipas das escolas participantes, registando as observações e conclusões, quer na sala de aula, quer
no site do projecto. Os docentes e alunos do ensino superior têm participado em acções de formação
e na proposta de actividades a realizar durante o projecto (Fragoso e Chagas, 2001; Jacques et al.
2001). Em suma, o trabalho num colaboratório escolar implica a parceria de diferentes instituições
(escolas, universidades, laboratórios de investigação, autoridades locais, entre outras) e pode
envolver não só a formação dos alunos como também a formação dos professores nos temas em
estudo e na utilização das tecnologias de informação e comunicação.
As simulações distribuídas podem ser perspectivadas como um espaço de trabalho
partilhado a que muitos utilizadores têm acesso, podendo modificar simultaneamente determinadas
componentes (variáveis) desse espaço (Schooler, 1996). Como proposta educativa, aliam as
potencialidades das simulações às do trabalho colaborativo, alargando as perspectivas dos alunos
sobre os fenómenos em estudo ao confrontarem-se com diferentes abordagens, questões e pontos de
vista apresentados pelos seus colegas e parceiros. Um exemplo em curso é um exercício de tomada
de decisão integrado no site educativo - Explorações nas Berlengas5 - destinado a apoiar alunos e
professores no estudo de ecossistemas. Nesse exercício os participantes (preferencialmente alunos
de escolas diferentes) têm de decidir o que fazer, face ao crescimento descontrolado de populações
de gaivotas na ilha Berlenga. Para isso dispõem, no site do projecto, de informação acerca da ilha e
do problema em estudo, assim como acerca de diferentes personagens que correspondem a
possíveis intervenientes no debate. Cada escola pode escolher uma personagem e participar na
discussão através do fórum disponível, do correio electrónico e da sala de IRC criada para o efeito.
A existência de aplicações de relativamente fácil utilização para a produção de hipertexto
tanto offline (Hypercard, Toolbook, Director) como online (Frontpage) tem dado origem a outro
tipo de projectos inovadores que se baseiam na autoria ou composição de hipertexto pelo aluno e
cujas implicações na aprendizagem constitui, presentemente, objecto de investigação.
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Diariamente, milhares de professores e alunos de todos os níveis de ensino, investigadores,
especialistas e pessoas com as mais diferentes profissões e interesses comunicam entre si, de
qualquer ponto do mundo, estabelecendo verdadeiras comunidades de aprendizagem. Os
participantes destas comunidades reúnem-se num esforço comum de procura de informação, sua
compreensão e aplicação. Tal informação pode obter-se quer através de documentos localizados na
Internet, quer através de outros utilizadores. À medida que as interacções entre as pessoas
envolvidas vão promovendo a integração da informação, esta torna-se conhecimento, podendo ser
utilizada no tratamento de questões e na resolução de problemas específicos (Harasim, Hiltz, Teles
e Turoff, 1995). Dias (2001) descreve a comunidade de aprendizagem como “um sistema
colaborativo e distribuído, que se forma pela interacção e que se efectua através da comunicação,
orientada por objectivos de aprendizagem partilhados entre os seus membros” (p. 27). Dadas estas
características, parte-se do pressuposto que estas comunidades, em que o hipertexto é um meio
privilegiado de comunicação, venham a desempenhar um papel importante no processo de ensino-
aprendizagem das ciências, constituindo-se, assim, como um atributo específico da Internet como
recurso educativo.
Utilização Educativa de Hipertexto/Hipermédia. O Que Diz a Investigação?
No domínio da Educação em Ciência não existem, ainda, trabalhos que sistematizem a
investigação realizada sobre o hipertexto, identificando as diferentes abordagens propostas,
clarificando os resultados, e evidenciando os possíveis caminhos que a investigação deveria tomar.
Referências aos trabalhos realizados, tanto de desenvolvimento de materiais como de investigação,
vêm geralmente integradas em sínteses versando temas mais amplos como o da utilização educativa
das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na Educação em Ciência. Estas sínteses
apresentam, em geral, três características em comum: i) uma discussão sobre a inconsistência dos
resultados quanto aos atributos únicos de cada tecnologia em estudo (como por exemplo, o
videodisco interactivo, a WWW) na promoção da aprendizagem; ii) uma sugestão de novas
abordagens metodológicas decorrente da análise das metodologias seguidas nas investigações
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examinadas; iii) uma chamada de atenção para a necessidade de se produzir investigação mais
diversificada quanto ao objecto de estudo e quanto às metodologias utilizadas.
Esta secção tem como objectivo proporcionar uma panorâmica da investigação acerca dos
efeitos, na aprendizagem da ciência, de diferentes tecnologias que utilizam o hipertexto como
suporte estrutural e organiza-se segundo os seguintes temas que sistematizam a sua aplicação na
educação: programas offline, hipertexto/hipermédia online e produção de hipertexto. Cada um
destes temas é perspectivado de acordo com as características comuns identificadas nas revisões da
literatura analisadas, ou seja: i) resultados; ii) metodologias de investigação utilizadas e propostas;
iii) sugestões para futuras investigações.
Programas Offline
Sob esta designação incluem-se os programas multimédia interactivos em suporte
videodisco, CD-ROM, DVD ou outros sem ligação à Internet. No que diz respeito ao videodisco
interactivo, Bosco (1986) analisou 29 estudos quasi-experimentais sobre a sua eficiência como
ferramenta de aprendizagem. Os resultados, embora não conclusivos, apontavam, quando a
tecnologia era utilizada, para uma melhoria no aproveitamento e nas atitudes dos alunos em relação
à aprendizagem, assim como para o decréscimo no tempo necessário na abordagem de um dado
assunto. Ao concluir, Bosco critica a metodologia seguida na generalidade daqueles estudos e
sugere outras, centradas em observações estruturadas, que permitam um insight da interacção que se
estabelece entre o aluno e a tecnologia. Cushal, Harvey, e Brovey (1987), analisaram 35 artigos e
verificaram a falta de coerência nos resultados, como também as limitações de ordem metodológica
reflectidas na dificuldade em replicar a maioria dos estudos e na sua reduzida validade interna.
Mesmo assim, registaram alguma consistência nos resultados quanto ao desenvolvimento de
atitudes positivas pelos alunos em relação à aprendizagem e quanto à eficiência do uso da
tecnologia que conduziu aos mesmos ou melhores resultados em menos tempo que os obtidos
através de métodos de ensino convencionais. Perante estes resultados, os autores argumentam a
favor da realização de investigação de natureza qualitativa, centrada na descrição e compreensão
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dos ambientes de aprendizagem gerados quando a tecnologia está presente com a finalidade de
identificar as suas qualidades específicas.
As investigações analisadas por Smith e Lehman (1988) divergem das anteriores porque
em vez de se centrarem na eficiência da tecnologia, estudam a sua contribuição na aprendizagem de
determinadas competências. Os resultados apresentados por essas investigações apontam para os
benefícios da utilização de bases de dados multimédia e de simulações (presentes em programas
como o Jasper e o Animal Pathfinders) na aprendizagem de conceitos e no desenvolvimento de
competências de resolução de problemas. Segundo Sherwood et al. (1998) o formato multisensorial
dos programas da série Jasper permite que os alunos desenvolvam competências de reconhecimento
de padrões, importantes na aprendizagem de conceitos. Além disso, facilita a construção de
modelos mentais pelo aluno porque proporciona uma representação do problema mais verídica do
que o texto, por ser dinâmica, visual e espacial. Estes atributos, de acordo com aqueles autores,
parecem ser particularmente relevantes em alunos com baixo aproveitamento e com poucos
conhecimentos acerca do assunto em estudo.
A visualização de fenómenos naturais e de dados científicos que os programas multimédia
interactivos possibilitam constitui, presentemente, uma linha de investigação promissora no que diz
respeito à clarificação dos atributos específicos destes sistemas na aprendizagem da ciência.
Leonard (1992) refere o enriquecimento da experiência educativa vivida pelos alunos devido à
interactividade, o acesso a representações concretas de conceitos de elevado nível de abstracção, e a
possibilidade do aluno visualizar e interagir com fenómenos que, em situações comuns, não são
acessíveis na sala de aula. Kozma e Russell (1997) confirmam esta última asserção dizendo que os
sistemas hipertexto/hipermédia permitem a visualização de fenómenos naturais com os quais não é
possível ter uma experiência directa. Na mesma linha Matos (1997) parte do pressuposto que
aqueles sistemas podem funcionar como alternativa aos trabalhos laboratoriais de Biologia. Este
investigador desenhou e estudou um programa hipermédia educativo, adequado ao currículo do
ensino secundário, denominado Dissecção Interactiva do Rato. A validação do programa teve como
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fundamento o trabalho desenvolvido por Leonard (1992), e centrou-se nas mudanças de
aproveitamento e atitudes dos sujeitos. Os resultados obtidos sugerem que o programa pode
constituir uma alternativa efectiva às dissecções. Este tipo de programas, comparáveis aos utilizados
em medicina, podem, assim, substituir, em determinadas condições, a observação directa, processo
importante na compreensão e aprendizagem de determinados tópicos científicos, em particular de
Biologia.
A visualização através de demonstrações, simulações, modelos, gráficos a tempo real e
vídeo, pode contribuir para a compreensão de conceitos complexos pois permite a construção de
representações mentais e a sua ligação ao conceito em estudo (Escalada e Zollman, 1997). Trata-se
de uma questão controversa e, também, de grande pertinência pois tem implicações no desenho de
programas hipertexto/hipermédia educacionais. Segundo Schnotz (1998), o uso de imagens e de
diagramas animados não facilitam, necessariamente, a aprendizagem porque os constrangimentos
estruturais e procedurais envolvidos na transformação de modelos mentais deixam de ser realizados
pelo aluno. Este passa a ter um papel passivo, seguindo um estímulo exterior em vez de conceber
mentalmente a simulação. De acordo com Kozma (1991), nem todos os alunos beneficiam da
visualização proporcionada pelos multimédia, tudo dependendo dos respectivos estilos de
aprendizagem. Para Charney (1989) o que torna o hipertexto tão atraente, para muitos alunos, torna-
o difícil para outros. Aqueles que estudam um assunto pela primeira vez podem ter dificuldades em
movimentar-se pela estrutura ramificada do hipertexto, porque carecem de fundamentos para
seleccionar a informação e decidir o rumo a tomar. Sem critérios de selecção relativamente ao
assunto em estudo, o aluno inexperiente acaba por consultar grande quantidade de material
irrelevante, desmotivando-se.
O efeito positivo ou negativo de um determinado programa hipertexto/hipermédia na
aprendizagem não dependerá, assim, apenas das suas características mas também das características
do aluno que o utiliza. Bialo e Sivine (1990) na sua revisão da literatura, evidenciam que os
benefícios da utilização da tecnologia não podem ser atribuídos a diferentes factores considerados
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isoladamente mas dependem da combinação desses factores tais como: as características dos alunos,
o papel do professor, o modo como os alunos estão agrupados, o tipo de software, e o tipo de
utilização. A flexibilidade do hipertexto dá possibilidade a que, num mesmo programa, se
privilegiem diferentes estilos de aprendizagem e se incluam sugestões diferenciadas dirigidas ao
professor para a estruturação de ambientes de aprendizagem adequados a cada situação. A criação
de tais programas, consequentemente, é uma tarefa de grande complexidade que transcende o
conhecimento da tecnologia e do próprio hipertexto, implicando, também, um profundo
conhecimento do processo de ensino-aprendizagem em diferentes contextos: sala de aula,
actividades escolares, em casa. Joiner (1992) enuncia os seguintes efeitos da utilização da
tecnologia no contexto sala de aula: os professores tornam-se facilitadores da aprendizagem, os
alunos envolvem-se genuinamente na tarefa e são responsáveis pela própria aprendizagem, há maior
ênfase no trabalho em pequeno grupo, os professores passam mais tempo junto dos alunos que
precisam de mais ajuda, são valorizados o esforço, o progresso dos alunos e os produtos por eles
realizados, cria-se uma estrutura cooperativa entre alunos e entre os alunos e o professor, ocorre a
mudança de um tipo de aprendizagem homogénea para uma aprendizagem diferenciada, dá-se
maior ênfase à integração do pensamento visual e verbal.
Berger, Lu, Belzer e Voss (1994) definem hipermédia como um ambiente para pensar e
comunicar mediado pelo computador. Estes ambientes permitem ao aluno aprender de diferentes
formas - vendo, ouvindo, lendo, escrevendo e fazendo - de modo a organizar o seu raciocínio e a
criar novos pensamentos. Ao deparar-se com o mesmo material apresentado em diferentes
modalidades o aluno apercebe-se da sua riqueza e profundidade ao mesmo tempo que expande e
refina as suas capacidades de visualização, criatividade e crítica. Contudo, esta flexibilidade pode
provocar desorientação e sobrecarga cognitiva6 que inibem a aprendizagem. Diferentes soluções
têm sido propostas tais como a possibilidade de acesso, em qualquer momento da navegação, a
mapas de conceitos que prestam ao aluno um sentido de direcção, e a filtragem de informação que
torne o nível de complexidade e detalhe exequível. Berger e os seus colaboradores sugerem uma
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mudança de paradigma na investigação para abordagens qualitativas centradas nas estratégias de
aprendizagem veiculadas pela tecnologia e levantam as seguintes questões de investigação que
também se aplicam aos recursos online: quais as estratégias que os alunos adoptam quando
navegam num documento hipermédia? Quais os factores que determinam a escolha de um dado
percurso na navegação e quais as implicações na aprendizagem de tais decisões?
Hipertexto/hipermédia Online
A utilização da Internet em contexto educativo pode assumir explorações particulares e
alcançar objectivos educativos distintos, tudo depende do recurso escolhido entre aqueles que
oferece. Bettencourt (1997) propõe uma tipologia de utilização educativa da Internet que
sistematiza a diversidade de recursos disponíveis e respectiva exploração tal como é possível
observar, actualmente, através das práticas de professores e alunos. Esta tipologia (figura 2) está
organizada segundo os três eixos seguintes: i) o recurso ou os serviços utilizados; ii) o grau de
passividade/actividade do utilizador que se define como um continuum desde a simples consulta
(passividade) até à criação de materiais para figurarem na Web (actividade); iii) o grau de
maturidade na utilização de um dado recurso e que tem a ver com a disponibilidade, tanto cognitiva
como afectiva, do utilizador relativamente a esse recurso. O grau máximo de maturidade, qualquer
que seja o recurso que se considere, corresponde a um envolvimento do utilizador que se traduz na
criação de algo original e eventualmente inovador, susceptível de contribuir para o enriquecimento
da comunidade virtual.
Navegaçãoaleatória
ImpressãoGravação
Utilização"doméstica"
Utilizaçãoprofissional
Inscrição
Participação nodebate
Criação de sites
Criação de sites
Inclusão emtrabalhospróprios
Troca de material Liderança comideias próprias Criação de sites
WEBfonte de
informação
e-mail - Listas dediscussão
- IRC
WEBforma de
publicação
Maturid
ade
ActividadePassividade
Serviços
Figura 2. Tipologia das utilizações educativas da Internet.
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A utilização da Web como fonte de informação engloba um conjunto diversificado de
actividades educativas que vão desde a simples navegação até à pesquisa, selecção, tratamento e
inclusão da informação em projectos de resolução de problemas e trabalho colaborativo. O papel da
navegação aleatória, ou seja, o percurso através dos nódulos hipertextuais sem um objectivo
predefinido, na aprendizagem, constitui tema controverso. De acordo com Marques (1998), o acesso
fácil e económico a um imenso caudal de informação multimédia de todo o tipo e a interactividade
com estes materiais facilitam o desenvolvimento de competências de pesquisa, selecção e
organização da informação. Saikoski (1996) argumenta que a possibilidade de obter esses materiais
motiva o utilizador para a aprendizagem. O carácter motivador da navegação é também realçado
por Bracewell, Breleux, Laferrère, Benoit e Abdous (1998) e Feldman (2000). Linn (1998) defende
que a navegação permite o contacto com ideias científicas recentes, motivando o aluno para a
aprendizagem e contribuindo para que continue a aprofundar os seus conhecimentos de forma
autónoma ao longo da vida. Como desvantagens têm sido enunciadas as seguintes: encorajamento
para uma navegação errática, sem qualquer significado, e portanto, sem qualquer repercussão na