UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE NUTRIÇÃO UTILIZAÇÃO DE TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO ASSOCIADA COM A PRODUÇÃO E PROCESSAMENTO DE ALIMENTOS NO BRASIL E NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE ÁLIER ADLAR AQUINO DE OLIVEIRA NATAL/RN 2018
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE NUTRIÇÃO
UTILIZAÇÃO DE TRABALHO EM CONDIÇÕES
ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO ASSOCIADA COM A
PRODUÇÃO E PROCESSAMENTO DE ALIMENTOS
NO BRASIL E NO ESTADO DO RIO GRANDE DO
NORTE
ÁLIER ADLAR AQUINO DE OLIVEIRA
NATAL/RN
2018
ÁLIER ADLAR AQUINO DE OLIVEIRA
UTILIZAÇÃO DE TRABALHO EM CONDIÇÕES
ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO NA PRODUÇÃO E
PROCESSAMENTO DE ALIMENTOS NO BRASIL E
NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Trabalho de Conclusão de Curso II apresentado ao Curso de Graduação em Nutrição da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito final para obtenção do grau de Nutricionista.
Orientadora: Prof.ª Drª Michelle Cristine Medeiros Jacob
NATAL-RN
2018
ÁLIER ADLAR AQUINO DE OLIVEIRA
UTILIZAÇÃO DE TRABALHO EM CONDIÇÕES
ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO NA PRODUÇÃO E
PROCESSAMENTO DE ALIMENTOS NO BRASIL E
NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Trabalho de Conclusão de Curso II apresentado ao Curso de Graduação em Nutrição da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito final para obtenção do grau de
Nutricionista.
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Michelle Cristine Medeiros Jacob
Orientadora
Dr. Elias Jacob de Menezes Neto
2º membro
Me. Viviany Moura Chaves
3º membro
Natal, 11 de junho de 2018.
RESUMO
Um sistema alimentar sustentável é aquele que fornece segurança alimentar e nutricional
para todos seus atores. A que condições de trabalho estão submetidos aqueles que
produzem e processam os alimentos que consumimos? O objetivo deste estudo foi
analisar o trabalho em condições análogas à escravidão na produção e processamento de
alimentos entre 2014 e 2016 no Brasil e no estado do Rio Grande do Norte. É um estudo
descritivo quantitativo que buscou observar a frequência de eventos relacionados às
condições análogas à escravidão no Brasil, com base na Lista Suja, fruto de auditorias do
Ministério do Trabalho e Emprego, e no Rio Grande do Norte, a partir do relatório das
denúncias apuradas pela Procuradoria Regional do Trabalho da 21ª região. No Brasil, das
250 autuações, 124 (49,6%) eram relacionadas a produção de alimentos, sendo a região
mais afetada a região Norte e o alimento alvo a carne bovina. Das 32 denúncias no Rio
Grande do Norte, 8 (25,0%) eram relacionadas a alimentos, sobretudo de origem animal.
Sugere-se que, além de maior aplicação de recursos governamentais para fiscalização,
haja divulgação nos meios acadêmicos e em ações de Educação Alimentar e Nutricional
sobre o tema, com o fim de gerar análises que apoiem ações públicas visando a construção
de sistemas alimentares de base sustentável e saudável para todos.
Palavras-chave: Escravidão; Produção de alimentos; Segurança Alimentar e Nutricional.
ABSTRACT
A sustainable food system is one that provides food and nutritional security for all its agents.
What are the working conditions of those who produce and process the foods that we consume?
The objective of this study was to analyze and work in conditions analogous to food production
and processing between 2014 and 2016 in Brazil and the state of Rio Grande do Norte. This is
a quantitative descriptive study that observed the frequency of these activities in the country
from the “Lista Suja”, Ministry of Labor, and in Rio Grande do Norte from a report by Regional
Labor Prosecutor's Office of the 21st Region. In Brazil, of the 250 assessments, 124 (49.6%)
were related to food production, being North the region more affected and the beef the target
food. Of the 32 complaints in Rio Grande do Norte, 8 (25.0%) were related to food, mainly of
animal origin. It is suggested, in addition to greater application of resources for inspection, the
dissemination in the academic circles and in actions of Food and Nutrition Education on the
subject, in order to generate results that support the public actions towards a structure of
sustainable food systems and healthy for all.
Keywords: slavery; food production; food and nutrition security
Tipo da pesquisa ......................................................................................................10 Seleção do corpus da pesquisa .................................................................................10 Análise de dados ......................................................................................................11
Considerações finais ..................................................................................................25 Referências .................................................................................................................26 Anexos ........................................................................................................................32
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Apresentação
Este trabalho de conclusão de curso é resultado de uma pesquisa com fins
acadêmicos no âmbito da Nutrição e da Saúde Coletiva. A reflexão a respeito das
condições de trabalho associadas à produção e processamento de alimentos, é condição
para promoção de sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis para todos, os que
produzem e consomem alimentos.
No Brasil, alguns autores apontam que esse setor conta com um
envolvimento direto com condições análogas à escravidão. Além de ferirem o princípio
da dignidade da pessoa humana, tais condições de trabalho, constituem-se também em
uma questão de Saúde Pública, pois despertam riscos ocupacionais de ordens psíquicas e
físicas nos trabalhadores ligados ao setor de produção e processamento de alimentos.
O presente estudo ainda expõe questões históricas e culturais que
circundam a problemática. Além disso, aponta quais alimentos estão relacionados com
denúncias dessa natureza, alertando sobre a necessidade de maior aplicação de recursos
governamentais para fiscalização, e da Nutrição, em promover ações de Educação
Alimentar e Nutricional que possam alertar os diversos atores do sistema alimentar sobre
esses fatos.
Este trabalho de conclusão de curso, defendido na forma de artigo, será
submetido após as considerações da banca ao periódico Ciência & Saúde Coletiva. Por
isso, encontra-se formatado já nas normas desta revista, que podem ser visualizadas no
anexo deste texto (Anexo 1).
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Introdução
A produção de alimentos no mundo enfrenta um momento crítico. O
aumento populacional e a crescente exploração de recursos naturais trazem e continuarão
trazendo desafios para a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) nas próximas
décadas.(1) A agropecuária, por exemplo, imprime grande peso sobre os recursos naturais
e seus efeitos incluem mudanças climáticas, perda de biodiversidade e degradação de
terras e águas. Produzir alimentos, portanto, traz grandes custos ao meio ambiente. Sobre
este tópico há acordos e uma série de esforços sendo feitos no sentido de pensar
tecnologias de produção que sejam mais sustentáveis. (2)
Um sistema alimentar sustentável é aquele que fornece SAN, ou seja,
permite a todos o acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade
suficiente, sem comprometer outras necessidades essenciais, com base na promoção da
saúde, respeitando a diversidade cultural e sendo ambiental, cultural, econômico e
socialmente sustentável ao longo de gerações. (3)
Um sistema alimentar seguro e socialmente sustentável, por exemplo, deve
respeitar, proteger, promover e prover o direito à qualidade de vida, justo acesso à terra e
meios de produção, equidade, direitos trabalhistas, segurança, saúde humana e
desenvolvimento cultural não apenas daqueles que consomem alimentos, mas também
daqueles que o produzem. A ausência de qualquer tipo de relações de trabalho ilegais,
tais como aquelas análogas à escravidão deve ser característica de sistemas alimentares
dessa natureza.(4)
O Artigo 149 do Código Penal Brasileiro define cinco os elementos que
configuram a condição análoga a de escravo no trabalho: trabalho forçado ou jornada
exaustiva, condições degradantes, restrição da liberdade por dívida contraída, cerceio do
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uso de meios de transporte e, ainda, vigilância ostensiva no local de trabalho ou posse de
documentos ou objetos pessoais do trabalhador. A Organização Internacional do Trabalho
estimou em 2012 que 20,9 milhões de pessoas estavam submetidas a esse tipo de trabalho.
(5)
Este é um tema que merece ser mais problematizado no campo da Saúde
Pública, pois além de ferir o princípio da dignidade da pessoa humana, encontra-se
relacionado a riscos ocupacionais de ordens psíquicas e físicas nos trabalhadores ligados
ao setor de produção e processamento de alimentos, sendo esses um dos principais canais
pelos quais os sistemas alimentares impactam na saúde humana.(6) Há certa
invisibilidade dos problemas de saúde ocasionados nestes contextos, tais como:
sentimentos intensos de insegurança, transtornos mentais e comportamentais, estresse
pós-traumático, alto consumo de drogas, lesões físicas e traumatismos derivados de
acidentes.(7)
As condições sociais de trabalhadores que produzem alimentos, no âmbito
da discussão contemporânea sobre a produção de sistemas alimentares sustentáveis, ainda
é insipiente.(8) Impactos na saúde de trabalhadores envolvidos na produção de alimentos,
exposição a pesticidas, lesões na linha de produção, estresse, aliados à invisibilidade
desses sujeitos fazem com que esses problemas continuem os atingindo.(6)
Desta forma, o objetivo deste estudo foi analisar o trabalho em condições
análogas à escravidão na produção e processamento de alimentos entre 2014 e 2016 no
Brasil e no estado do Rio Grande do Norte (RN).
Com este fim, neste artigo serão apresentados os métodos traçados para
atingir este objetivo, bem como os resultados, estruturados para responder às seguintes
questões: Qual a frequência denúncias relacionadas especificamente à produção e
processamento de alimentos? Que região brasileira e tipo de alimento que se relacionam
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com o maior número de eventos? Quais os procedimentos instaurados pela Procuradoria
Regional do Trabalho da 21ª região, no caso das denúncias do RN? Por fim, o trabalho
aponta alguns desdobramentos destes resultados para a área da Saúde Pública.
Métodos
Tipo da pesquisa
Trata-se de um estudo descritivo quantitativo. Estudos descritivos
objetivam descrever os fatos e fenômenos de uma realidade. São exemplos de pesquisas
descritivas: estudos de caso, análise documental, entre outras. A pesquisa quantitativa é
caracterizada pelo emprego da quantificação, tanto nas modalidades de coleta de
informações quanto no tratamento delas por meio de técnicas estatísticas.(9)
Seleção do corpus da pesquisa
Os materiais utilizados como corpus desta pesquisa foram: 1 - a Lista de
Transparência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil, fornecida pelo
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), na qual constam os empregadores que foram
auditados e autuados entre dezembro de 2014 e dezembro de 2016 e 2- o Relatório de
trabalho escravo no RN, fornecido pela Procuradoria Regional do Trabalho da 21a
Região (PRT21) –, no mesmo período. O RN foi selecionado por critério de conveniência
dos pesquisadores. Em ambos os casos, os dados foram solicitados com base na Lei nº
12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à informação), que permite a qualquer
pessoa requerer e receber informações de toda a administração direta e indireta nas três
esferas de todos os Poderes da República (Executivo, Legislativo, Judiciário)
Na lista do MTE, há informações relativas a 250 empregadores onde foi
constatada a submissão de trabalhadores em condições análogas à escravidão (Anexo 2).
Constam, ainda, como informações: indicação do ano da ação fiscalizadora, UF, nome e
CPF/CNPJ dos autuados, estabelecimento fiscalizado, quantidade de trabalhadores
envolvidos, classificação nacional de atividades econômicas (CNAE) (quando
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disponível), data de irrecorribilidade (trânsito em julgado administrativo) das decisões
finais dos autos de infração lavrados, cuja validade não tenha sido suspensa ou afastada
por decisão judicial.
No relatório da Procuradoria Regional do Trabalho da 21a Região há
informações de 27 processos de empregadores do RN a partir das 32 denúncias realizadas
(Anexo 3). Contam como informações no documento fornecido: o número do inquérito, o
denunciado, o denunciante e a acusação. Além disso, os 27 processos foram fornecidos
na íntegra no formato digital. Com fundamento Art. 7º, § 2º da Lei 12.527/11, foram
excluídos pela PRT21 os processos administrativos que tiveram sigilo decretado por
ordem da autoridade competente.
Análise de dados
Com fins de atingir o objetivo proposto neste trabalho, foram levantadas
informações sobre a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), versão
2.0, de todos os estabelecimentos auditados e denunciados, por meio da página eletrônica
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e, na sequência, foram
selecionados aqueles que desenvolviam atividade econômica relacionada à produção ou
processamento de alimentos, respectivamente dispostos nas seções A (Agricultura,
Pecuária, Produção Florestal, Pesca e Aquicultura), C (Indústrias de transformação) e I
(Alojamento e Alimentação) da classificação.
Na sequência, a partir da Lista do MTE os eventos relacionados com
alimentos foram organizados com bases em duas classificações: pelas regiões brasileiras
onde se localizam os estabelecimentos e pelo tipo de alimento, sejam eles de origem
animal, vegetal, mineral ou processados (tais como biscoitos e massas) e refeições
(lanches, almoço, dentre outros).
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A situação do RN teve um enfoque de análise, tanto com base nos dados
da lista do MTE, como com base nos dados das denúncias apontadas no relatório
da PRT21, com a finalidade de destacar o papel do Ministério Público do Trabalho (MPT)
no combate ao problema do trabalho escravo, a partir dos desfechos de cada processo.
Resultados e discussão
A missão institucional do MTE o é promover o desenvolvimento da
cidadania nas relações de trabalho, executando ações de excelência mirando a justiça
social. É seu papel fiscalizar o cumprimento das normas de proteção ao trabalho. A Lista
Suja, parte do Sistema de Acompanhamento e Combate ao Trabalho Escravo, é uma das
medidas de fiscalização, combate e repressão ao trabalho análogo ao de escravo no país.
(10) Em uma síntese das autuações relacionadas à produção e processamento de alimentos
no Brasil entre 2014-2016 pelo MTE, dos 250 eventos, 124 (49,6%) tinham relação com
a produção de alimentos.
Destaca-se o fato de que das 21 seções do CNAE, 3 foram consideradas
por estarem relacionadas diretamente à produção e processamento de alimentos. O que
significa dizer que mesmo que essas seções correspondam a apenas 14,3% das atividades
econômicas classificadas, elas compreendem quase a metade dos eventos relacionados às
condições análogas à escravidão, ou seja, 49,6% das autuações.
Deve-se considerar que, segundo dados de maio de 2018 do Cadastro
Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), do MTE, os setores relacionados à
alimentação - agropecuário, de serviços de alimentos e de indústrias alimentícias - foram
responsáveis por 27% dos empregos formais do país.(11) Denotando que a leitura sobre
o alto percentual de denúncias desse setor deve ser feita em termos proporcionais, pois
ele também agrega um grande quantitativo de postos de trabalho.
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Não só o Brasil, mas a maior parte da economia da América Latina é
fortemente ligada à produção e processamento de produtos agrícolas. (12) Cabe destacar,
todavia, que o aumento do número de empregos não tem relação direta e positiva com
bem-estar social. No contexto da economia do livre-mercado não há como garantir que
os lucros sejam gerados e distribuídos de maneira justa. O princípio econômico da
autorregulação e do progresso técnico não garantem que o sistema da economia de
mercado gere distribuição justa da renda e eficiência social.(13)
O setor agrícola, por exemplo, é um dos grandes responsáveis pelos
números relativos à escravidão moderna e tráfico de pessoas na América Latina
contemporânea e grande parte de seus lucros são relacionados com a agropecuária
escravagista. (12)
Tome-se como exemplo a indústria da cafeicultura. Nas folhas de
exportações do agronegócio brasileiro, o café, em 2014, representou 5,3% das receitas,
equivalentes a US$ 5,28 bilhões, fornecendo, o país, cerca de 35% de todo o café
consumido no mundo.(14) Santana (15), por outro lado, aponta as contradições que giram
em torno da produção da riqueza pela cafeicultura, que é sustentada na exploração dos
agricultores e precarização dos postos de trabalho. Em maio de 2018, por exemplo, o
MTE resgatou 60 homens em trabalho análogo ao escravo em lavouras de café no estado
do Espírito Santo.(16)
Com relação aos dados da pesquisa, a Tabela 1 sintetiza como as 124
autuações relacionadas a alimentos encontram-se distribuídas nas regiões brasileiras e
que tipo de alimentos são mais frequentes nesses eventos.
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Tabela 1. Autuações relacionadas à produção e processamento de alimentos em condições
análogas à escravidão no Brasil entre 2014-2016
Regiões do Brasil
Tipo de alimento Norte Sudeste Nordeste Sul Centro-Oeste BRASIL