Jan 07, 2017
USO E DESENVOLVIMENTO DE APLICATIVOS SOCIAIS: PERSPECTIVA
DA TEORIA ATOR-REDE1
Tarczio Silva2
Resumo
O presente artigo busca observar o desenvolvimento contnuo de aplicativos sociais no
Facebook a partir da Teoria Ator-Rede. Entendendo estes softwares como estruturas
automatizadas que possuem elementos e recursos caractersticos de softwares web 2.0,
pretendeu-se observar o desenvolvimento como exemplo desta dinmica scio-tcnica
particular. A anlise mostrou que diversos actantes humanos e no-humanos esto
envolvidos na criao e desenvolvimento destes aplicativos, que no podem, portanto,
serem visto como criaes apenas de desenvolvedores.
Palavras-chave
Sites de redes sociais; aplicativos sociais; interao; teoria ator-rede
Abstract
The paper aims to use the Actor-Network Theory to discuss the ongoing development of
social applications on Facebook. Understanding these softwares as automated structures
that have elements and features characteristic of Web 2.0 softwares, the paper intends
to observe their development as an example of this individual socio-technical dynamic.
The analysis showed that several humans and nonhumans actants are involved in the
creation and development of these applications that cannot, therefore, be seen as merely
creations of developers.
Keywords Social network sites; social applications; interaction; actor-network theory
RAZN Y PALABRA Primera Revista Electrnica en Amrica Latina Especializada en Comunicacin www.razonypalabra.org.mx
Cine Brasileo NMERO 76 MAYO - JULIO 2011
Introduo
As relaes scio-tcnicas so responsveis pelo desenvolvimento e reconfiguraes
das tecnologias da comunicao desde o incio de sua histria. No possvel pensar o
desenvolvimento tecnolgico apenas a partir de uma perspectiva sociodeterminista ou
de uma perspectiva tecnodeterminista, perspectivas essas que pressupem o predomnio
ora da agncia social, ora do predomnio da tcnica sobre o homem. Apesar de este ser
um ponto ainda controvertido (Stalder, 1997; Lemos, 2001) a tendncia a
compreenso das relaes scio-tcnicas como imbricadas, sem condies de
causalidade ou linearidade claras.
Se procurarmos observar o ambiente online a partir dessa imbricao entre relaes
sociais e possibilidades tcnicas, uma das questes a ser abordada a persistente e
estrita categorizao entre criadores/usurios. De um lado, a categoria social de quem
produz os artefatos, de outro a de quem os utiliza, dando aos primeiros o crdito pelo
desenvolvimento de objetos e artefatos tecnolgicos.
A web colaborativa ou, Web 2.0, um conceito que se referencia emergncia do
contedo produzido pelo usurio, especialmente atravs de blogs, sites de
compartilhamento de contedo audiovisual, wikis e sites de redes sociais (Cobo &
Kuklinski, 2007). Contedo gerado pelo usurio, contedo colaborativo, crowdsourcing
e outros termos tem sido utilizados com freqncia pela academia e pelo jornalismo
para dar conta das informaes circuladas em sites com funes ps-massivas (Lemos,
2007) que so alimentados por usurios comuns, ao invs de exclusivamente por
empresas jornalsticas, editoriais ou produtoras. A liberao do plo da emisso, a
conectividade e reconfigurao (Lemos, 2003) so claramente observveis nas prticas
envolvendo confrontos lingsticos e culturais no Orkut (Fragoso, 2006) ou
micropostagens musicais no Blip.fm (Amaral, 2010), por exemplo. Mas o que tem sido
pouco observado como a relao scio-tcnica entre usurios e desenvolvedores dos
sistemas ocorre.
No se pode observar um fenmeno como o desenvolvimento de padres e tendncias
na comunicao digital de forma isolada. Como observa Pierre Levy, "Os projetos
culturais e sociais no podem ser separados fora das restries e dinamismo
econmico que tornam possvel sua encarnao" (Levy, 1999). David Beer, em crtica
s definies e estado da pesquisa sobre sites de redes sociais na Comunicao, aponta:
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Ns estamos subestimando o software e as infraestuturas concretas, as
organizaes capitalistas, a retrica do marketing e da publicidade, a
construo desses fenmenos em vrias agendas retricas, o papel dos
designers, metadados e algoritmos, o papel, acesso e conduta de third
parties usando os SRS, entre vrias outras coisas. (Beer, 2008, p.4) 3
Ainda Beer (2009) chama ateno pro poder do algoritmo (Lash, 2007) que, em sites de
redes sociais como o Last.fm, relacionariam base de dados para formatar e direcionar as
experincias dos usurios. Acreditamos que a relao muito mais complexa, e a Teoria
Ator-Rede (Stalder, 1997) pode nos ajudar a entender como se articulam os vrios
nveis de atores envolvidos nos objetos e dispositivos tcnicos.
A internet possuiria, segundo Flanagin, Flanagin e Flanagin (2010) um cdigo tcnico
(Feenberg, 1995) prprio que traz inter-operabilidade tcnica descentralizada com a
oferta do sentimento de empoderamento atravs de colaborao e agncia
intensificada.4. Aqui nos interessa particularmente como esse sentimento de agncia
sobre o prprio ambiente interacional ocorre. A noo de beta perptuo est presente,
em maior ou menor grau, na prtica dos usurios de sites de redes sociais, que entendem
estes sistemas como passveis de transformaes contnuas. Essa ideia de que os sites de
redes sociais estariam sempre em transformao a partir da ao dos usurios, gera
demandas e at exigncias pelos usurios, que compreendem empiricamente seu papel
na perpetuao e viabilidade financeira destes negcios.
O presente artigo busca realizar um exerccio de observao dos aplicativos sociais
presentes no Facebook luz destes problemas. Para alcanar estes objetivos, a prxima
seo apresentar o referencial terico utilizado e problematizado em relao
categoria de objeto analisada. Em seguida, um histrico e panorama dos aplicativos
sociais como um formato de software inscrito em um contexto econmico, cultural e
discursivo Por fim, partiremos ao prprio exerccio de anlise, aplicado a Farmville, um
aplicativo social da categoria Jogo e, atualmente, o mais utilizado no site Facebook.
Recombinaes, redes, materialidades e caixas abertas
A utilizao de tecnologias comunicacionais como a internet , hoje, parte do cotidiano
de grande parte da populao do mundo e h muito deixou de ser apenas um meio de
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comunicao. Essas tecnologias so tambm vetores de agregao social, de vnculo
comunicacional e de recombinaes de informaes as mais diversas sobre formatos
variados (Lemos, 2010). A histria da pesquisa sobre cibercultura e comunicao
digital passou por diferentes focos ao longo do tempo, como a ideia de ciberespao, as
narrativas de estrutura no-linear possibilitada pela hipertextualidade, a
multimidialidade, convergncia dos meios. Hoje, grande parte do interesse da pesquisa
em comunicao passa por investigar a relao destas tecnologias com novas expresses
de sociabilidade, sobretudo em torno do conceito de site de rede social (Boyd e Ellison,
2007).
A ideia de rede, entretanto, no suficiente para entender os fenmenos culturais e
comunicacionais contemporneos se utilizada apenas para dar conta do fluxo de
informaes, sem levar em conta o aspecto material. No que tange o formato, a ideia
de que toda expresso um sentido [...] est profundamente determinada pelas
circunstncias materiais e histricas de sua realidade cotidiana, pelas materialidades que
constituem seu mundo cultural (Pereira & Felinto, 2005).
A comunicao medida por computador no pode ser entendida como um tipo de
comunicao na qual o meio serve apenas como janela no-participante do processo. De
fato, nenhum meio pode ser entendido dessa forma. O aspecto material do meio, que
conflui as variveis tcnicas e sociais (cdigos, softwares, relaes, hierarquias etc)
tambm faz parte e exerce papel nas possibilidades e constries da comunicao.
Felinto diz que a materialidade do meio de transmisso influencia e at certo ponto
determina a estruturao da mensagem comunicacional (Felinto, 2001).
Mais que isso, no caso da comunicao mediada por computador, sites e softwares, os
tipos, padres e intensidade das mensagens trocadas podem se referir ao prprio meio e
seus aspectos materiais. De um modo mais facilmente identificvel, possvel perceber
que uma considervel fatia do total das interaes realizadas em sites de redes sociais
autorreferencial: so mensagens, postagens, tweets, recados e outros tipos de contedo
sobre as prprias plataformas. De forma direta ou no, este tipo de contedo pode ser
apropriado pelas empresas desenvolvedoras destes servios. Alm disso, o prprio uso
desavisado deixa informaes como pginas visitadas, aes re