UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA PAULISTANA DO SÉCULO XXI: O RETROFIT SOB A ÓTICA DA AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA RODRIGO DE PAULA FERREIRA SÃO PAULO 2020
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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA ARQUITETURA
CONTEMPORÂNEA PAULISTANA DO SÉCULO XXI: O RETROFIT
SOB A ÓTICA DA AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA
RODRIGO DE PAULA FERREIRA
SÃO PAULO
2020
RODRIGO DE PAULA FERREIRA
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA PAULISTANA DO SÉCULO XXI: O RETROFIT
SOB A ÓTICA DA AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA
Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade São
Judas Tadeu para a obtenção do título de Mestre
em Arquitetura e Urbanismo.
Área de concentração: Arquitetura e Cidade. Linha
de Pesquisa: Projeto, produção e representação.
Grupo de Pesquisa CNPQ: Arquitetura:
abordagens alternativas e transdisciplinares na
condição contemporânea.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Edite Galote Carranza.
SÃO PAULO 2020
NOME: FERREIRA, Rodrigo de Paula
TÍTULO: DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA ARQUITETURA
CONTEMPORÂNEA PAULISTANA DO SÉCULO XXI: O RETROFIT SOB A ÓTICA
DA AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA
À FACULDADE DE ARQUITETURA E
URBANISMO DA UNIVERSIDADE SÃO JUDAS
TADEU PARA A OBTENÇÃO DO TÍTULO DE
MESTRE EM ARQUITETURA E URBANISMO.
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ARQUITETURA E
CIDADE.
APROVADO EM:
BANCA EXAMINADORA
PROF. DR.:______________________INSTITUIÇÃO: _____________________
Com a Conferência das Partes realizada em 2015 (COP21), o Brasil, como
signatário, apresentou sua meta para redução de emissão de carbono até 2025 em
37% e em 2030, até em 43% (MENDES, 2018). Segundo o Ministério do Meio
Ambiente (MMA), a arquitetura deve passar por uma remodelação significativa, o que
constitui um grande desafio dada a necessidade de essa mudança estar relacionada
com a busca da preservação do ambiente natural e com a melhoria na qualidade do
ambiente construído (BRASIL, M. M. A., 2018).
Contexto
Neste sentido, uma técnica de intervenção em edificações denominada de
retrofit dá início a um novo setor de atuação de profissionais da arquitetura que
engloba desde a manutenção e operação do edifício a qualquer tipo de intervenção
na edificação existente: reformas, renovação, revitalização, requalificação até a
reabilitação de patrimônios históricos, proporcionando, junto à aplicação da técnica,
uma análise de impactos ambientais durante e após a intervenção. Desta forma, o
retrofit promove uma operação e uma manutenção atualizada, integrando à
sustentabilidade e proporcionando longevidade de edifícios ao alterar o ciclo de vida
linear para um ciclo de vida circular, caracterizado pelo recomeço de uso da edificação
(BARRIENTOS; QUALHARINI, 2004).
No entanto, cabe salientar que é importante compreender o conceito de
Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) que surge no setor industrial bem como destacar
também o conceito de Desenvolvimento Sustentável (DS). Ambos precedem o
surgimento da técnica retrofit desde a década de 1960, sendo que os primeiros
exemplares de retrofit na arquitetura surgem apenas na década de 1990, nos Estados
Unidos da América (EUA) e na Europa.
O tema Desenvolvimento Sustentável que, em síntese, integra o crescimento
econômico e as preocupações ambientais, é discutido no cenário internacional desde
1960, quando ocorreu a Conferência da Biosfera em Paris e o surgimento do Clube
de Roma: grupos de líderes empresariais e governamentais que se reuniram para
debater as questões do meio ambiente. Um reflexo destes debates à época acontece
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no setor industrial diante dos impactos causados ao meio ambiente pela indústria de
embalagens. O setor industrial foi pioneiro no desenvolvimento do método de
Avaliação do Ciclo de Vida na mesma década, método este que permite analisar
aspectos e impactos ambientais de um produto mediante a um Inventário do Ciclo de
Vida (ICV) em cada etapa do produto (NBR ISO 14040, 2009).
A ACV acompanhou a evolução dos debates sobre o meio ambiente e passou
por aprimoramentos dentro da própria metodologia. Em 1987, ocorreu um marco nos
debates sobre DS: foi realizada a primeira Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente
e Desenvolvimento (CMMAD), sendo elaborado o Relatório de Brundtland.
(BRUNDTLAND, 1991).
Segundo Arantes (2008), as definições sobre DS estabelecidas no Relatório de
Brundtland começaram a nortear o setor da indústria de embalagens, uma das
principais causadoras do efeito estufa atrelado à economia na década de 1980. Assim,
por iniciativa governamental, o Laboratório Federal Suíço para Teste e Investigação
de Materiais (EMPA) publica nesse período um relatório sobre ACV cujo objetivo é
estabelecer uma primeira base de dados para os materiais de embalagens mais
importantes: alumínio, vidro, plásticos, papel e cartão, com parâmetros para os níveis
de emissões no ar e na água dentro de uma normalização durante o beneficiamento
dos materiais.
Em 1992, durante o contexto de preocupação global sobre as emissões de
carbono na Conferência no Rio de Janeiro (Rio 92/ Eco 92), ou como conhecida
Cúpula da Terra, é que se consolida a Sociedade para a Promoção do
Desenvolvimento do Ciclo de Vida (sigla em inglês SPOLD) com a missão de juntar
recursos para acelerar o desenvolvimento da metodologia ACV como uma abordagem
de gestão aceita para ajudar nas tomadas de decisões.
O Brasil passa a compreender a ACV e o DS exatamente neste contexto.
Segundo Boff (2016), os resultados da Rio 92 não foram tão promissores, pois o
sistema capitalista com predominância econômica, gerava um conflito na busca por
fortalecer o lucro sobre os recursos naturais e o equilíbrio necessário para
restabelecer o meio ambiente com a colaboração nas emissões de gases. O Brasil
somente se posicionou no cenário mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável em
2016, quando passou a ser signatário do Acordo de Paris.
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Com a ratificação do Acordo, o Brasil deve se preocupar com as metas
estabelecidas para o setor da arquitetura em busca de Cidades e Comunidades
Sustentáveis. O MMA afirma que “a construção e o gerenciamento do ambiente
construído devem ser encarados dentro da perspectiva de ACV.” (BRASIL. M. M. A,
2018, p.1). A partir do entendimento do MMA, a ACV compreende o campo da
arquitetura, uma vez que promove uma nova perspectiva no ciclo de vida de
edificações por meio da inserção da técnica retrofit, que permite tornar a vida edifícios
em estado de obsolescência ou atualizar edificações existente para sua longevidade,
ambas permitindo uma aproximação com a sustentabilidade.
Objetivo Geral
Pelo exposto do cenário delineado acima, o objeto principal da pesquisa é
investigar a importância da metodologia industrial de ACV na aplicação da técnica de
retrofit e discutir essa técnica na arquitetura contemporânea paulistana como resposta
às metas estabelecidas no Acordo de Paris. A pesquisa contextualiza as discussões
mundiais sobre o DS desde o surgimento até o presente e as possíveis influências no
projeto do espaço construído na arquitetura contemporânea paulistana. Ela demonstra
a transposição da metodologia de ACV da indústria para a arquitetura e analisa as
legislações e normalizações que definem e norteiam a técnica de retrofit, bem como,
o uso da certificação LEED como norteador para aplicação do retrofit concomitante à
ACV nos aspectos que tangem o DS na arquitetura.
Objetivos Específicos
Para atingir o objetivo geral da pesquisa, alguns objetivos específicos foram
determinados, são eles: Discutir o surgimento do tema sustentabilidade.
Contextualizar a transposição da metodologia ACV da indústria em geral para a
indústria da construção civil em particular. Discutir o surgimento da técnica retrofit.
Compreender a definição do que é efetivamente o retrofit. Entender como a técnica
pode contribuir para a sustentabilidade da arquitetura contemporânea paulistana,
tendo como base os parâmetros estabelecidos pela certificação LEED. Demonstrar a
certificação, mais especificamente na categoria GB+C e O+M (Prós e Contras).
Apresentar dois estudos de caso que compreendem o retrofit no entendimento da
dissertação.
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Metodologia
A compilação de dados teóricos desta pesquisa é feita por meio de fontes
secundárias com referência em material bibliográfico e normativas. As discussões,
além das fontes secundárias, são feitas por meio de visitas técnicas e conversas com
pesquisadores e especialistas que perpassam sobre os temas: DS, ACV e retrofit.
Para o estudo de caso, foram selecionados os edifícios SESC Paulista
(Cultural) e Citicenter (Corporativo), nos quais foram realizadas pesquisas de campo
para coleta de dados com o foco em dialogar com o material disposto por escritórios
e empresas responsáveis pelo projeto de arquitetura, construção e retrofit dos
exemplares.
Estrutura
Este trabalho divide-se em Introdução, quatro capítulos que abordam o tema,
Considerações Finais, Referências, Apêndices e Anexos.
Sobre os capítulos, após a Introdução, o primeiro contextualiza as discussões
mundiais sobre a sustentabilidade com base nos posicionamentos de três teóricos do
meio ambiente (Leonardo Boff, John Elkington e William Mcdonough) e o surgimento
da ACV diante das questões sobre o meio ambiente até a transposição para a
arquitetura.
O segundo e terceiro capítulos discutem sobre o histórico do retrofit e a
evolução das legislações que definem e norteiam-no. Analisa a aproximação da
técnica com a sustentabilidade seguindo os critérios da certificação LEED na categoria
de Operação e Manutenção (O+M) e discute a contribuição social do retrofit diante da
relação déficit habitacional X edifícios obsoletos.
O quarto capítulo analisa exemplares de retrofit na Avenida Paulista que
cumpriram os critérios e pré-requisitos para obtenção da certificação LEED. A escolha
dos exemplares se deu em função das categorias de uso existentes até o presente:
edifícios corporativos e edifícios culturais. O capítulo demonstrará os resultados
obtidos entre as tipologias existentes e permitirá um comparativo entre as técnicas e
tecnologias mais adequadas para cada caso, assim como, uma perspectiva sobre a
ampliação do tema no cenário da arquitetura contemporânea paulistana.
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Resultados
Este trabalho visa demonstrar, portanto, a importância do conhecimento e
aplicação da técnica do retrofit, pois compreende que permite uma continuidade no
ciclo de vida de edifícios com aplicação de técnicas e tecnológicas que proporcionam
condições mínimas de saúde e segurança ocupacional bem como evita a
obsolescência de edificações, o que resulta na demolição e reconstrução contínua na
arquitetura com altos impactos ambientais. Contribui ainda com a conscientização de
que as atividades de operação, manutenção ou reforma do patrimônio edificado
podem beneficiar o ambiente construído das cidades e o ambiente natural.
A pesquisa integra os trabalhos do grupo de pesquisa CNPQ. Arquitetura:
abordagens alternativas e transdisciplinares, que resultaram nas dissertações:
Edifícios Inteligentes e Sustentáveis na Arquitetura Paulistana Contemporânea
(2017); Avenida Paulista: observações sobre arquitetura, cultura e sustentabilidade no
contexto século XXI (2019); Plataforma BIM e a perspectiva de uma arquitetura
sustentável: o caso do banco interamericano de desenvolvimento BID em Manaus
(2019) e a pesquisa de iniciação científica Edifícios Corporativos: Estudo de caso –
retrofit do Citicorp Center (2018).
O estudo colabora, desta forma, com a propagação da pesquisa científica,
contribuindo em uma lacuna sobre a importância da compreensão sobre a técnica
retrofit concomitante à ACV no cenário da arquitetura paulistana contemporânea.
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1 Sustentabilidade: Desenvolvimento Sustentável Pós-Agenda 2030
1.1 Desenvolvimento Sustentável: Discussões Globais e Locais
O Dicionário Aurélio (2010) define sustentabilidade com dois sentidos: ativo,
referenciando que a sustentabilidade está nas ações humanas em conservar e
manter; passivo, que remete ao que a Terra faz para que o ecossistema não decline.
Estes sentidos são empregados hoje em dia em sustentabilidade e trazem em si o
entendimento de equilíbrio entre ações humanas e a capacidade do meio ambiente
em regenerar-se.
Devemos desenvolver e aplicar com imaginação a visão de um modo de vida sustentável aos níveis local, nacional, regional e global. Nossa diversidade cultural é uma herança preciosa, e diferentes culturas encontrarão suas próprias e distintas formas de realizar esta visão. (CARTA DA TERRA, 2000. p.7)
Segundo Boff1 (2016, p.25) o ser humano viveu três fases de uma vivência
entre homem e natureza: inicialmente denomina-se uma relação de interação que
estabelecia uma cooperação entre eles; a segunda foi de intervenção, momento em
que o ser humano passa a modificar a natureza; a terceira fase, atual, caracteriza-se
pela agressão, quando o ser humano usa de recursos tecnológicos para submeter à
natureza a suas necessidades, como: cortes de montanhas, bacias hidrográficas,
minerações, extração de petróleo, criando cidades e indústrias. Atingimos um nível de
agressão em que extraímos recursos sem dar tempo para a natureza se regenerar.
No entanto, a natureza reage as agressões humanas com fenômenos que
transcendem o controle humano como: terremotos, erupções vulcânicas, tsunamis,
tufões, secas e inundações que atingem as barreiras construídas, travando uma
“guerra” entre homem e natureza.
A ideia de sustentabilidade apresenta duas origens segundo Nascimento2
(2012, p.51-64). A primeira relacionada às agressões do homem ao uso incontrolável
dos recursos naturais, desflorestamentos, que remetem a capacidade de recuperação
dos ecossistemas, no qual se ergueu a bandeira da silvicultura, a gestão das florestas;
1 Leonardo Boff, Teólogo e Filósofo, com mais de oitenta livros publicados nas áreas humanísticas, desde 1980 se dedica as questões da ecologia. 2 Elimar Pinheiro do Nascimento, Sociólogo, com doutorado pela Universite de Paris V (Rene Descartes, 1982), e pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales.
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a segunda remonta à evolução nos processos de produção industrial voltadas à
economia, em que compreende o padrão de produção e consumo às necessidades
do ecossistema, acarretando no conceito de Desenvolvimento Sustentável (DS) diante
da percepção da limitação dos recursos naturais frente à revolução industrial.
De acordo com Boff (2016 p. 34-36), a primeira ideia tem origem no período da
Pré-Revolução Industrial, caracterizado pelos processos manufaturados de produção.
Em 1560, na Alemanha, na província da Saxônia, surge uma inquietação sobre o uso
sensato das florestas, uma necessidade de garantir condições de regeneração, dando
origem a palavra Nachhaltigkeit (Sustentabilidade) no alemão. Entretanto, foi somente
em 1713 que a palavra se transformou em um conceito estratégico, um ano antes de
falecer o capitão Hans Carl Von Carlowitz3, autor do tratado Nachhaltig Wirtschaften
(Organizar de Forma Sustentável) que, segundo Grober, (2012, p.1) foi considerado
o primeiro trabalho para a ciência do meio ambiente que apresenta uma ideia de
sustentabilidade.
No início da Revolução Industrial, período da troca das ferramentas manuais
por máquinas de trabalho, foi publicado o livro de Carl Georg Ludwig Hartig4 (1764-
1837) Anweisung zur Taxation der Forste oder zur Bestimmung des Holzertrags der
Wälder (Instrução para a avaliação das florestas ou para a determinação do
rendimento de madeira das florestas) em 1795. Diante do aumento do cenário
produtivo, o autor afirma que avaliar o desflorestamento é garantir que as faturas
gerações tenham a mesmas vantagens que a atual, frase esta que se manteve viva e
se tornou lema para o Relatório de Brundtland mencionado adiante (BOFF, 2016,
p.35).
Três anos depois, Thomas Malthus5 (1766-1834) desenvolveu uma teoria em
seu ensaio Princípio da Humanidade (1798) que permitia estimar o crescimento da
população em curto período de 10 a 20 anos, o que constituiu em um questionamento
3 Hans Carl Von Carlowitz, contador alemão e administrador de mineração. Considerado o pai da silvicultura de produção sustentável pela publicação de seu tratado. 4 Carl Georg Ludwing Hartig, especialista em Silvicultura pela Universidade de Giessen de 1781 a 1783. 5 Thomas Robert Malthus foi um economista britânico que problematizou o aumento populacional. Considerado pai da demografia pela sua teoria conhecida como malthusianismo.
diante de uma possível falta de recursos relacionando crescimento populacional com
a Revolução Industrial (MCDONOUGH, 2013, p.51).
De fato, a Revolução Industrial proporcionou avanços tecnológicos positivos,
ampliando os padrões de vida, com acesso a produtos que forneceram conforto e
bem-estar. Thomas Malthus, no entanto, não compactuou com essa visão de avanço,
mas, com a carência, a pobreza e a fome, o que o tornou conhecido como mensageiro
sombrio. Ele alertou que se a humanidade continuasse a crescer, consequências
devastadoras estariam por vir. Alguns autores compactuaram com esta visão um
século depois, como os norte-americano, David Thoreau6 (1817-1862) e Aldo
Leopold7 (1887-1948). Eles seguiram a concepção de Thomas Malthus contra a
crescente revolução que se concentrava em capital, consumos e desperdício,
descrevendo sobre as necessidades ambientais, e o modo de vida integrado ao
ambiente natural. (MCDONOUGH, 2013, p.52).
Já no século XX, diante da ocorrência de chuvas radioativas que evidenciaram
a poluição nuclear na década de 1950, a sociedade percebe a existência de um risco
global, desastres ambientais apontavam os reflexos da poluição (MACHADO, 2005,
p.7). De acordo com Mccormick8 (1992, p.17 e 71) na Pensilvânia EUA em 1948, 43%
da população adoeceu e foi confirmada vinte mortes, também em Londres no ano de
1952, foram registradas 445, ambos ocasionados por nevoeiros com fumaça. Todavia
Mccormick (1992, p.71) ainda afirma que já se suspeitavam dos riscos desde meados
do século XIX.
Para contrastar com o cenário acima, acontece um marco na ideia de
Sustentabilidade Ambiental: surge o livro Silent Spring (Primavera Silenciosa) em
1962 de Rachel Carson9 1907-1964 (CARRANZA, 2013, p.47-48). Segundo
McCormick (1992, p.71-72) a publicação direcionou olhares para a agressão química
ao meio ambiente.
Seu impacto advinha de uma combinação de seu moralismo, da controvérsia que causou e do efeito que produziu, tirando a questão
6 Henry David Thoreau, historiador e filósofo, é considerado um crítico na ideia de desenvolvimento industrial. 7 Aldo Leopold foi um silvicultor, acadêmico, filósofo ambiental e conservacionista, é considerado uma figura importante na história do conservacionismo e o fundador da ciência da conservação nos Estados Unidos. 8 Thomas J. McCormick, professor de história na Universidade de Wisconsin-Madison. 9 Rachel Carson foi escritora, cientista e ecologista, precursora da consciência ambiental moderna.
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dos pesticidas dos círculos acadêmicos e das publicações técnicas, e colocando-a na arena pública. (MCCORMICK, 1992, p.71-72).
O livro se tornou uma referência pela proibição do pesticida
diclorodifeniltricloroetano (DDT) nos EUA e Alemanha, surgindo como uma
controvérsia aos produtos químicos industriais. Assim, ambientalistas ampliaram suas
perspectivas, não mais lutando pela preservação somente, mas sim pelo
monitoramento e redução das agressões químicas industriais (MCCORMICK, 1992,
p.69). A diminuição dos recursos, a poluição e lixo tóxico passam a se tornar os
principais focos de preocupações (MCDONOUGH, 2013, p.53).
Três séculos após o alerta de Thomas Malthus, o autor William Mcdonough10
(2013, p.33), analisa os problemas ocasionados no contexto da Revolução Industrial
como: “falhas fundamentais no projeto de Revolução Industrial”. A emergência da
compreensão sobre as necessidades ambientais abre caminho a um complexo campo
de discussões diante da contradição ocasionada em relação ao desenvolvimento
econômico e degradação do meio ambiente (MACHADO, 2005, p.7).
Neste contexto, surge a segunda ideia de sustentabilidade, período conhecido
como Pós-Revolução Industrial, caracterizado por uma sociedade baseada na
produção de informação, serviços e aumento da expectativa de vida. A
sustentabilidade começa a ser valorizada como elemento necessário para o
desenvolvimento e passa a ser discutida por líderes governamentais e empresários
diante do tema: Desenvolvimento Sustentável. O primeiro grupo reuniu-se na
Accademia dei Lincei em Roma, dando origem organização Clube de Roma em 1968
(NASCIMENTO, 2012, p.51-64).
A primeira conferência realizada para debater o tema DS em escala global foi
realizada em Estocolmo no ano de 1972, marcado pelo documento apresentado pelo
Clube de Roma11, Os limites do crescimento. O documento propunha diminuir o
crescimento populacional nos países subdesenvolvidos e desacelerar o crescimento
industrial nos desenvolvidos (MEADOWS et al, 1972). A reunião deu origem ao
10 William Andrews McDonough é um arquiteto, designer e autor americano. Coautor do livro Cradle to Cradle (2002) junto à Michael Braungart, com o conceito de que podemos projetar materiais, sistemas, empresas, produtos, edifícios e comunidades que melhoram ao longo do seu ciclo de vida. 11 O Clube de Roma teve início em abril de 1968 com a reunião de um gruo seleto para tratar de assuntos relacionados ao meio ambiente em nível global.
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Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) criado para proteção
do meio ambiente e promoção do DS, programa que perdurou por mais de dez anos.
Diante dos resultados da conferência em Estocolmo, em 1984, o programa
inicia uma ação global sobre meio ambiente e desenvolvimento cujo lema era: Uma
agenda global para a mudança. A ação encerrou em 1987 com a formação da
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD). A comissão
foi chefiada pela primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, que elaborou
o relatório Nosso Futuro Comum, também conhecido como Relatório de Brundtland,
que definiu, DS é: “(...) suprir as necessidades da geração presente sem afetar as
gerações futuras.” (BRUNDTLAND, 1991, p.46). O relatório apresenta uma
discussão sobre as causas dos desequilíbrios socioeconômicos e os conflitos.
Com o entendimento do tema DS no Relatório de Brundtland, a Assembleia das
Nações Unidas12 compreendeu que era necessária uma ação global. Desta forma, a
Organização das Nações Unidas13 (ONU) convoca as nações em 1992, no Rio de
Janeiro, como estratégia para integrar os países subdesenvolvidos, inclusive o Brasil,
a discutir sob o tema DS na conferência Rio-92. Segundo Machado (2005 p.11),
diferentemente de Estocolmo em 1972, que associava o problema ambiental aos
problemas sociais, a Rio 92 tinha como premissa questões voltadas à problemática
ambiental, vinculadas ao equilíbrio econômico.
Na Rio 92, foi criada a Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS), com
o intuito de servir como órgão auxiliador para os países que objetivam o DS, sendo
também responsável pela organização das conferências a partir da Rio 92 que visam
discutir o DS. Além disso, foi aprovada na Rio 92 a Convenção sobre a Mudança do
Clima (CMC), que promove em paralelo ao DS a Conferência das Partes14 (COP)
desde 1995, (COP 1) anualmente. A Rio 92 se tornou um marco na promoção do tema
12 A Assembleia Geral da ONU é o seu principal órgão deliberativo em que todos os Estados (Membros) da Organização se reúnem para discutir os assuntos que afetam a vida de todos os habitantes do planeta. 13 A Organização das Nações Unidas é uma organização internacional formada por países que se reunem voluntariamente para trabalhar pela paz e o desenvolvimento mundial. 14 A Conferência das Partes (COP) é o órgão supremo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e reúne anualmente os países Parte em conferências mundiais. Suas decisões, coletivas e consensuais só podem ser tomadas se forem aceitas unanimemente pelas Partes, soberanas e valendo para todos os países signatários.
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DS, assim, as discussões posteriores passaram a ser chamadas de Rio+X, em que
“X” são os anos após a Rio 92 (SENADO 1, 2018).
De acordo com Boff (2013, p.37), os principais documentos consequentes
desta reunião foram: Agenda 21: programa de ação global e a Carta do Rio de Janeiro.
A Carta do Rio de Janeiro afirma que a necessidade da colaboração entre todos os
quesitos deve ser indispensável para o DS, a ação em conjunto é essencial para
eliminar a pobreza e equilibrar os padrões de vida entre a população mundial.
Entretanto, os resultados não foram tão promissores como constatado na Rio+5
(1997).
A Conferência Rio-92 foi de um êxito fantástico, foi muito bem recebida no mundo inteiro, muitas medidas foram adotadas. Mas sabemos também que, logo depois do encerramento da Rio-92, parece que os países se acomodaram. Há um enorme déficit de implementação daquilo que foi resolvido e decidido na Rio-92. (SENADO 1, 2018, p.1).
Apesar dos resultados não terem sido promissores na Rio-92 em escala
mundial, cunhou-se o termo ecoeficiência que significa: fazer mais com menos.
Segundo Mcdonough (2013, p.57-58), a ecoeficiência era compreendida como o que
precisava ser adotado entre os países para que o sistema estabelecesse o equilíbrio,
uma política neoliberal, para consolidar meios alternativos de DS. A ecoeficiência, por
exemplo, norteou a ação de algumas indústrias com resultados promissores. A
empresa 3M divulgou em 1997 uma economia de 750 milhões de dólares por meio de
ações contra a emissão de poluente, redução de impactos diretos, energia e
desperdícios. Afirma ainda que a redução é somente um princípio para a
ecoeficiência, a redução não elimina a falta de recursos, mas sim, o-causa com menor
velocidade.
Em 1993, John Elkington15 criou uma linguagem que se faz presente até os
dias de hoje, o conceito de sustentabilidade como o tripé: People, Planet and Profit
(social, ambiental e econômico). Este conceito surgiu como uma tentativa de criar uma
linguagem que compreendia a complexidade do DS, partindo do equilíbrio entre as
vertentes econômica, ambiental e social.
15 John Elkington, cofundador da Environmental Data Services (1978) e da SustainAbility (1987), é uma autoridade mundial em responsabilidade social e Desenvolvimento Sustentável.
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De forma sintética, o conceito relaciona o DS dentro do tripé como: a)
Econômico, concorrência entre cidades, utilização da cidade como infraestrutura
“mobilidade, transporte, marketing urbano”; b) Ambiental, cidade vista como
consumidora de recursos, produtora de resíduos (relação pegada ecológica e
biocapacidade); c) Social, conflitos na distribuição de recursos, serviços e
oportunidades (ELKINGTON, 2001, p. 107-135).
Em 1995, a CMC organiza a COP 1 em Berlim, na Alemanha, realizada
anualmente em diversas localidades, a qual teve como foco chamar os países à
reponsabilidade sobre a minimização da emissão de gases do efeito estufa. Tal
documento de compromisso foi chamado de Mandato de Berlim. Na primeira reunião,
com a participação de 117 países, todos concordaram sobre a necessidade de criação
de um protocolo que oficializasse metas para as nações que se comprometeram com
o acordo, principalmente aos países desenvolvidos. (PROCLIMA COP-1, 2019).
A apresentação do protocolo ocorreu em 1997 durante a COP 3 na cidade de
Kyoto, no Japão, e ficou conhecido como Protocolo de Kyoto, o qual previa uma
redução de 5,2% de redução na emissão de gases de efeito estufa para os países que
ratificassem. Entretanto, a ratificação pelo acordo não ocorreu como esperado, pois
demandava da adoção de novas alternativas de matrizes energéticas aos países, o
que para os países desenvolvidos resultavam em altos custos de implementação. A
exemplo: o EUA que não ratificou o acordo (SENADO 1, 2018).
Segundo Boff (2016, p.37), existia um conflito nas propostas estabelecidas na
COP 3 entre o sistema capitalista com predominância econômica, que buscava
fortalecer o lucro sobre os recursos naturais e desenvolvimento social, e o equilíbrio
necessário para fortalecer o meio ambiente com a colaboração nas emissões e
reciclagem dos resíduos. Neste sentido, cientistas e ambientalistas propuseram novas
vertentes da temática DS, colocado por Boff (2013, p. 52-54) como melhorias no tripé
da sustentabilidade conforme tabela a seguir.
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Tabela 1 – Conceitos para o quarto pilar
Novos Pilares Autor Proposta
Gestão da mente
sustentável
Evandro Vieira
Ouriques
Aqui conta mais o desenvolvimento integral do
ser humano, que envolve suas muitas
dimensões, do que o crescimento meramente
material.
Generosidade Rogério Ruschel Um ser social que coloca os bens comuns acima
dos particulares.
Cultura John Hawkes Favorece o cultivo das dimensões tipicamente
humanas como a arte, a religião, a criatividade,
as ciências e outras tantas formas de expressão
estética.
Neuroplasticidade do
Cérebro
Sem autor
específico
Pode gerar hábitos de moderação, de consumo
solidário, consciente e respeitador dos ciclos da
natureza.
Cuidar Leonardo Boff Ética do humano, compaixão pela terra e o
cuidado necessário.
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de BOFF, 2016 e MCDONOUGH, 2013.
Diante dos conflitos ocasionados pelo entendimento do DS, a ONU convocou
os líderes de Estado para uma nova discussão sobre DS realizada em 2002 em
Joanesburgo, África do Sul. Conhecida como RIO+10, o encontro reuniu 150 líderes,
empresários, cientistas e ambientalistas, a qual travou uma discussão entre os
interesses econômicos, por parte dos grandes empresários, não obtendo novos
resultados consolidados. Entretanto, foi a maior participação até então nos debates, o
que fez com que aumentasse a conscientização da humanidade sobre as questões
do meio ambiente (BOFF, 2016, p.39).
A expressão DS passou a ser usada em diversos setores, referindo-se as
questões do meio ambiente, entretanto, segundo Mcdonough (2013, p.58), no período
de dez anos houve uma banalização no entendimento do assunto que foi usado como
29
promoção de bens e produtos, atingindo as nações de maneira descentralizada, não
mais com objetivo global.
Em virtude de restabelecer a busca global de pelo DS, a ONU promove a
Rio+20 em 2012. Os temas levados em consideração nesta ocasião enfatizaram a
necessidade de uma economia verde e um posicionamento global sobre o meio
ambiente, mas a discussão não determinou nenhuma meta para o DS, o que
impulsionou governos e empresas a medirem esforços para aliar a Sustentabilidade
ao Desenvolvimento Econômico.
Empresas assumiram o compromisso socioambiental com programas que
propõem a redução de impactos sobre a natureza (BOFF 2016, p.41). Tais práticas
pontuais passaram a ser articuladas como um benefício econômico devido à ausência
de planos de metas para o DS. Segundo Mcdonough (2013, p.154), “Se as empresas
iniciassem suas intenções com o Triple Bottom Line, os resultados seriam mais
satisfatórios, permitindo ao projetista uma visão holística diante dos questionamentos,
ao invés de serem considerados no final do processo.”
O compromisso oficial dos países com o DS só ocorre em 2015 com a COP 21.
Lá, 195 países firmam o Acordo de Paris a partir das Pretendidas Contribuições
Nacionalmente Determinadas16 (INDC sigla em inglês). Cada país que ratificou o
documento apresentou um compromisso para redução dos gases de efeito estufa,
analisando o que cada nação considerava particularmente viável diante da situação
atual, deixando de ser INDC para Contribuições Nacionalmente Determinadas17 (NDC
sigla em inglês). Como apoio a elaboração do plano de metas, a ONU criou a Agenda
2030, intitulada de: Transformando Nosso Mundo, que estabelece 17 objetivos para o
DS (BRASIL, M. M. A, 2018), a saber:
Os dezessete objetivos compreendem 169 especificações, e seu processo de elaboração articulou, durante dois anos, não somente instâncias governamentais como instituições da sociedade civil e especialistas em diversas áreas do mundo todo. (BRASIL, M. M. A, 2018).
16 Pretendidas Contribuições Nacionalmente Determinadas, proposta de metas para o Acordo de Paris 17 Contribuições Nacionalmente Determinadas, metas para o Acordo de Paris.
30
De acordo com Marcovitch18 (2016, p.5), a COP 21 obteve resultados
promissores com uma tentativa audaciosa para definir o futuro do planeta: foi o
primeiro evento em que se alcançou um consenso entre as nações. O macro tema
que direcionou o Acordo de Paris se trata do controle do aumento da temperatura
global a menos de 2°C. O Brasil com um propósito ambicioso ratificou o Acordo de
Paris, se comprometendo com a redução de 37% das emissões de gases de efeito
estufa até 2025 e continuamente em 43% até 2030, em relação aos níveis emitidos
de 2005 (BRASIL, M. M. A, 2018).
La Rovere19 (2016 p.9) aponta que existe uma tendência no Brasil com o
desenvolvimento de uma infraestrutura com baixa emissão e por propostas que se
utilizem de fontes de energias renováveis a um baixo custo ambiental e, por que não
zero, assim, com a grande possibilidade de matrizes energéticas, o país apresenta
um cenário promissor para o atendimento das metas.
Dentro deste contexto do Acordo, o setor da construção civil é a atividade com
mais influência aos impactos ambientais: tem sido o maior consumidor de recursos
naturais e energia segundo o Conselho Internacional da Construção (CIB). Diante
deste dado, o MMA (2018) afirma que a preservação do ambiente natural e melhorias
do ambiente construído devem ser prioridades para o setor da construção civil.
Desta forma, a arquitetura tem uma responsabilidade global em prol do DS, é
sim o ponto chave para contribuir com as metas ao Acordo de Paris. Assim, a
Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura20 (ASBEA) desenvolveu o Guia
de Sustentabilidade na arquitetura com o intuito de direcionar e promover as práticas
sustentáveis na arquitetura. “[...] a cidade com DS caracteriza-se não somente pelas
condições adequadas da economia, mas também pela busca da adequação ambiental
e social.” (GRUPO DE TRABALHO DE SUSTENTABILIDADE ASBEA, 2012, p.9).
Nesse contexto, o planejamento e projeto dos espaços construídos tem uma
importância maior, portanto, são imprescindíveis para inclusão do DS no setor da
construção civil, principalmente nas grandes metrópoles já consolidadas como São
18 Jacques Marcovitch é Professor Emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. 19 Emilio Lèbre La Rovere é cientista e professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe) da UFRJ. 20 Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura, surgiu no início da década de 1970, é uma entidade independente, composta e dirigida pelos escritórios de arquitetura e urbanismo associados.
31
Paulo. A seguir serão discutidos os pilares que nortearam o desenvolvimento urbano
da cidade de São Paulo, e as influências dos debates globais sobre DS na arquitetura
e urbanismo paulistano;
1.2 Sustentabilidade Paulistana: desenvolvimento arquitetônico e urbano
Benedito Lima de Toledo21 (1934-2019) em São Paulo: três cidades em um
século, descreve detalhadamente as transformações urbanas da cidade. São Paulo
já foi demolida duas vezes: no final do século XIX, quando foi derrubada a cidade de
taipa, erguida pelos portugueses e Tupis; e em meados do século XX, quando foi a
vez da cidade de tijolos, edificada pelos imigrantes italianos, portugueses e espanhóis.
Dando origem a uma difusão do uso do concreto na arquitetura paulistana que,
gradativamente vai virando obsoleta. (TOLEDO, 1983).
Um ponto ténue nesta perspectiva é colocado por Toledo (1983) quanto à
memória das cidades e as modificações do cenário urbano. A manutenção dos bens
históricos se torna difícil para as estratégias atuais da cidade, o que requer projetos
que de alguma forma, respeitem a identidade local, mas promovam avanços nas
necessidades urbanísticas, sociais, econômicas, culturais e ambientais. A crítica do
autor diz respeito à perda do patrimônio edificado, à memória e ao patrimônio histórico,
e não no sentido do DS dos dias atuais.
O desenvolvimento da cidade, baseado na construção demolição e
reconstrução, é questionado por autores como Namur22 (2012). Ela afirma que é
basicamente caracterizado por dois extremos: o primeiro por áreas com infraestrutura,
excesso de veículos, associados à emissão de gases de efeito estufa, aquecimento
da superfície, poluentes. O segundo por áreas não estruturadas, insalubres, com falta
de emprego, dependente de grandes deslocamentos urbanos.
21 Benedito Lima de Toledo, foi professor da disciplina “História da Arquitetura” na FAU/USP, historiador veemente da evolução urbana da capital paulista. 22 Marly Namur é Professora Associada da Universidade de São Paulo e representante da FAU/USP no Conselho Estadual de Habitação, atuando principalmente nos seguintes temas: planejamento e gestão, habitação de interesse social, avaliação de políticas públicas urbanas, políticas públicas e instrumentos do estatuto da cidade.
32
O grande desenvolvimento urbano da cidade de São Paulo tem início na
segunda metade do século XIX, período em que as atividades comerciais estavam
relacionadas à exportação agrícola de café (CROCE, 2015). A ascensão de regiões
cafeeiras, de Campinas e Vale do Paraíba, fizeram com que a economia da cidade
crescesse consideravelmente, favorecendo a diversificação de investimentos internos
e contribuindo para o crescimento do volume exportador desse produto (CANO, 1990).
Na perspectiva crítica de Caio Prado23 (1907-1990) (1983), no início do
desenvolvimento urbano de São Paulo, houve a ocupação do centro por residências
burguesas que caracterizavam o centro comercial no fim do século XIX. Com a
abolição da escravatura24 (1888) e proclamação da república25 (1889), o centro de
São Paulo, ainda vivenciando o período Pré-Revolução Industrial, teve a primeira
expansão oriunda das atividades comerciais, criando os primeiros bairros
propriamente residenciais como Santa Ifigênia que se prolonga ao Campos Elísios.
Na virada do século, com o aumento populacional, novos bairros para a
sociedade do trabalho se formavam. Os bairros residenciais começam a migrar
decididamente pelas regiões mais altas, em síntese, davam origem aos bairros de
Higienópolis e Avenida Paulista, caracterizado por ser destinada a elite paulistana
formada após o sucesso da economia cafeeira. Entretanto, essas migrações não
tinham planejamento urbano, como afirma Prado (1983). As terras que cercavam São
Paulo estavam praticamente abandonadas.
Os especuladores de terrenos, adquirindo-os a preço baixo ou a preço nenhum pelo tão difundido sistema do “grilo”, que é a ocupação pura e simples sem título algum, não tiveram mais que traçar as ruas, às vezes papel apenas, e passá-los aos compradores que o crescimento considerável e vertiginoso da cidade fornecia em abundância. (PRADO, 1983, p. 74).
23 Caio da Silva Prado Júnior, de família tradicional paulista, foi historiador e escritor, autor de livros como: A Questão Agrária no Brasil (1979); História e Desenvolvimento (1972); O que é Liberdade (1980).Suas obras remontam a uma explicação consolidada no marxismo sobre a sociedade colonial brasileira. 24 O projeto de lei que extinguia a escravidão no Brasil foi apresentado à Câmara Geral, atual Câmara dos Deputados, pelo ministro da Agricultura da época, Rodrigo Augusto da Silva, em 8 de maio de
1888. 25 A Proclamação da República Brasileira foi um ato político-militar ocorrido em 15 de novembro de 1889 que instaurou a forma republicana federativa presidencialista de governo no Brasil, derrubando a monarquia do Império do Brasil.
A Avenida Paulista se torna o novo polo da burguesia paulistana, expandindo
aos poucos para as áreas de várzea dos Pinheiros, dando origem aos bairros, Jardim
Paulista, Jardim Europa, caracterizado como Jardins pelos aspectos: vegetação
densa, espaços livres, áreas de parques e uma perspectiva de urbanismo vindo do
norte da Europa (PRADO, 1983).
Com o descenso da exportação do café devido à queda da bolsa de Nova York
(1929), São Paulo começa a receber os reflexos da Revolução Industrial europeia e
direcionar os recursos para a indústria paulista. Nesta nova fase da economia, a
população cresce e surgem novos bairros operários ao longo da ferrovia: Ipiranga,
Cambuci, Mooca, Brás, Pari, Luz, Bom Retiro, Barra Funda, Água Branca, Lapa. As
terras em que localizam esses bairros compunham o chamado cinturão de chácaras
que envolviam o núcleo urbano de São Paulo (Andrade, 2011).
Com as indústrias emergentes e a mecanização das atividades no campo e de
produção tecnológica, as indústrias passaram a empregar menos operários com
níveis de qualificação específicos, transportando parte da população operária para os
comércios e serviços. O setor terciário26 marca uma nova estruturação urbana da
metrópole. Segundo Biderman27 (2001), esse novo setor se beneficia com expansão
da cidade em ganhos sobre a urbanização, ou seja, esta função de serviços
especializados para consumidores e firmas provoca uma nova economia em que se
solidifica graças à possibilidade de espaços modernos na cidade.
Assim, a primeira remodelação surge deslocando as atividades do centro da
cidade para a Avenida Paulista na década de 1960, refletindo em novos
deslocamentos para novos setores na cidade durante os anos 1970 e 1980, como a
Avenida Faria Lima, Itaim e a região da Marginal Pinheiros que foram se consolidando.
Um fator importante para esta remodelação da cidade é o avanço tecnológico
direcionado a uma variedade de materiais. Ao longo dos anos, as edificações se
caracterizavam por baixa tecnologia, muito uso de concreto armado ornamentado com
argamassas, esquadrias em madeira e aço e fechamento em alvenaria, como o
edifício Martinelli finalizado em 1934 (Figura 1).
26 também conhecido como setor de serviços é aquele que engloba as atividades de serviços e comércio de produtos. 27 Ciro Biderman é professor dos cursos de graduação e pós-graduação em administração pública e economia da Fundação Getulio Vargas (FGV).
34
Com os avanços na forma de produtividade tecnológica, os edifícios passam a
integrar uma racionalização, alinhados aos preceitos da arquitetura moderna com
aumento nos vãos livres e o surgimento de lâmpada fluorescentes e vidros com
dimensões maiores e melhores desempenhos. Começam a surgir então nesse cenário
os edifícios caracterizados pelo uso de pele de vidro, possibilitado pelo uso do
alumínio em caixilhos e novos sistemas de fixação, com gabaritos elevados
possibilitado pelo avanço tecnológico industrial de elevadores com materiais mais
leves e velocidades que permitem atender a demanda com mais deslocamentos como
o edifício Wilton Paes de Almeida (Figura 2). Estas evoluções marcaram
significativamente a arquitetura paulistana. As construções recentes, destinadas ao
uso corporativo, apresentam sistemas cada vez mais eficazes para fechamentos em
vidro e gabaritos consideráveis para as demandas da cidade, à exemplo o edifício
Com os avanços tecnológicos aplicados à arquitetura iminente, as edificações
passam a incorporar sistemas de controle de climatização interna dos edifícios,
chamados de Heating Ventilation and Air Conditioning (HVAC) com centrais
eletrônicas de sistemas de climatização via computadores, precedendo ao conceito
Smart Building (Edifício Inteligente).
Segundo Mariano (2013), o conceito de Edifícios Inteligentes surgiu no EUA na
década de 1980 com o intuito de utilizar a tecnologia para favorecer os custos de
operação dos edifícios com estrutura adequada às necessidades do usuário a fim de
promover conforto, segurança e custos.
No Brasil, o primeiro edifício seguindo o conceito de Edifício Inteligente foi o
Citicenter (Figura 4), situado na Avenida Paulista em São Paulo, sede do Citibank no
Brasil. O edifício foi pioneiro na implantação de tecnologias ao possuir um sistema de
monitoramento e controle energético. No entanto, esse sistema ainda não era
centralizado, o que vem a ocorrer somente em 2014 após o retrofit. Antes controle era
feito por setores, por zonas de iluminância. Os elevadores tinham o atendimento por
proximidade e o sistema de ar-condicionado era alimentado por produção noturna de
gelo, para refrigeração diária, aproveitando as tarifas mais baixas.
Figura 4 – Edifício Citicenter
Fonte: Acervo do autor.
37
Enquanto o setor corporativo migrava para uma nova forma de concepção de
edifícios, influenciando na expansão de novas zonas de centralidade, a cidade de São
Paulo enfrentava o ordenamento das zonas de expansão da cidade bem como os
distanciamentos criados para a sociedade do trabalho com estes novo setores
destinados aos serviços.
Com base na compreensão e ordenamento à época para o desenvolvimento
social da cidade, novas centralidades marcam a década de 1990 em busca de
desenvolvimento: às regiões da Vila Olímpia e da Avenida Luís Carlos Berrini são
reconhecidas por sua concentração de empregos nos mais variados serviços
altamente especializados (IGLIORI, 2010).
Já em curso o processo de democratização sob a égide da Constituição Federal
(CF) de 1988, novas premissas se estabeleceram para o enfrentamento dos
problemas sociais com a ampliação dos espaços de participação e das competências
dos estados e dos municípios. Como em seu artigo 182:
A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em Lei tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. (SENADO, 2018).
A CF abriu caminho para diversas iniciativas com perspectiva socioambientais
para a cidade de São Paulo como a criação do Fundo Municipal de Habitação (1994),
Estatuto da Cidade (2001), Plano Diretor Estratégico (PDE) (2002), Fundo Paulista da
Habitação (FPH) (2008) por exemplo.
Apesar da CF em curso aproximar a solução dos problemas da cidade às
questões sociais, não havia uma preocupação com o DS. O que se observa é que,
com a função fabril deixando de ser importante no centro urbano, sendo deslocada
para outras regiões mais afastadas, abre a necessidade de rever o uso das
edificações obsoletas em prol de aproximar a sociedade as áreas de centro como o
caso do Serviço Social do Comércio (SESC) Pompeia (Figura 5 e 6).
Projetado pela Arquiteta Lina Bo Bardi31 (1914-1992) em 1977, a qual fez uma
leitura muito clara da identidade, materializando elementos que caracterizam a
31 Lina Bo Bardi, arquiteta modernista ítalo-brasileira, conhecida por projetos como: o Museu de Arte de São Paulo (MASP) (1947); Casa de Vidro (1951).
38
memória local e, ao mesmo tempo, propondo uma edificação nova, complementar
Lina Bo Bardi atuou até 1986 em atividades em meio ao SESC Pompeia, ou
seja, não existia separação entre escritório e obra: tudo ocorria dentro do canteiro de
obras com atividades que perpassam por projetos, maquetes, ensaios,
acompanhamentos. Uma revolução sobre o modelo de fazer arquitetura, ainda mais
fazer arquitetura de obra feita segundo Marcelo Ferraz (2008).
Ainda de acordo com Ferraz (2008), com olhar culto à edificação, Lina descobre
que a estrutura havia sido projetada por François Hennebique33, o que a impulsiona a
dar início então ao processo de remoção das camadas superiores em busca de sua
essência tectônica.
A implantação do programa do SESC ocorreu no bairro Pompeia frente à rua
Clélia, em local onde se abrigava a antiga fábrica de tambores dos Irmãos Mauser e,
posteriormente, sede da Ibesa-Gelomatic34. Apesar da conclusão das atividades
serem feitas em 1986, o SESC Pompeia já utilizava o espaço antes do convite
realizado à Lina Bo Bardi, o que demandou uma inauguração parcial em 1982 da área
consolidada antes pelos antigos galpões fabris agora destinados a programas e ações
socioculturais que têm marcado a instituição em suas atividades culturais até o hoje.
(SESC SP, 2007).
Na segunda etapa, o prédio esportivo (Figura 7) foi inaugurado em 1986: duas
torres de concreto que abrigam vestiários e quadras ligadas por passarelas de
concreto protendido com 25 metros e, sob elas, o córrego canalizado da Águas Pretas.
Desta forma, as passarelas perfazem às necessidades hidrológicas do terreno. Ao
lado, uma torre de água cilíndrica de 70 metros de altura, também em concreto
aparente, caracteriza-se por uma espécie de rendado marcado pelas juntas entre as
fôrmas (OLIVEIRA, 2008).
33 François Hennebique (1842-1921) foi um engenheiro e autodidata construtor francês, pioneiro no sistema construtivo de concreto armado no fim do século XIX. 34 Fundada em 1945 na cidade de São Paulo, a empresa foi pioneira na fabricação de refrigeradores a querosene em 1952.
40
Figura 7 – Prédio Esportivo do SESC Pompeia
Fonte: Acervo do autor.
O contraste de uma história de local de trabalho duro e sofrimento de muitos
até a sua transformação em um centro de vivência, mantendo a originalidade pregada
nas paredes, fazem do SESC Pompeia um ponto de conexão histórica entre as
gerações.
A percepção em recuperar os galpões da antiga fábrica e expor aos usuários
do SESC propôs ao espaço um recomeço em seu Ciclo de Vida com personalidade.
A própria linguagem arquitetônica emerge o lado fabril e industrial em que edifícios
novos rompem a materialização da história composta pelos galpões de tijolos com
telha cerâmica (Oliveira, 2007).
A arquiteta Lina Bo Bardi, antecipando questões que hoje são discutidas no
âmbito do DS, propôs a requalificação dos galpões. Do ponto de vista ambiental, o
projeto do SESC Pompeia não tem relação direta com o conceito de DS, já que este,
na década de 1980, não estava em evidência em São Paulo a ponto de intervir na
arquitetura paulistana. O projeto se refere às questões de memória da cidade e
importância do espaço já construído para a sociedade.
No sentido do DS, como entendemos nos dias atuais, a primeira iniciativa no
âmbito governamental voltada para o aproveitamento de edifícios, ou seja,
revitalização e requalificação de edifícios obsoletos na cidade, ocorreu em 1997 com
a intenção de moradia sem custas de aluguel. No entanto, a iniciativa não obteve
41
resultados promissores: as ações passavam por ameaças e ações de despejo devido
à alta demanda de ocupação e a propriedade privada das edificações, assim, essas
ocupações passaram a ter um papel de imposição ao poder público para reformas de
edifícios vazios e os destinação à população (BOCH, 1997).
Assim, surge o Programa de Arrendamento Residencial35 (PAR) em 1999 que,
mais tarde, segundo Maleronka (2005), seria pressionado pelos movimentos sociais
para a criação do PAR-Reforma, o qual caberia à prefeitura definir as diretrizes para
a reforma e indicar a demanda populacional a ser atendida. O par PAR-Reforma é
definido da seguinte forma:
Uma vertente do programa voltada para estimular a recuperação de áreas de risco e de preservação ambiental, a revitalização urbana e a recuperação de sítios históricos, estes através da reforma de antigas estruturas para uso residencial. (BONATES, 2008, p. 147).
Diversas dificuldades foram identificadas para efetividade desta modalidade.
Pode-se entendê-las em três aspectos. No primeiro, Bonates36 (2008) aponta
problemas relacionados às condições de Viabilidade para reforma das edificações: a
maioria das edificações eram de propriedade privada ou estavam em condições de
embargo; a mudança de uso do edifícios para residências multifamiliar; os resultados
econômicos apresentados pelas edificações reformadas que apontavam o baixo lucro
em virtude da destinação para a população de baixa renda: até R$ 40.000,00 a
unidade habitacional. O segundo problema enfrentado pelas reformas se deu em
função dos Projetos que, segundo Silva37 e Sigolo38 (2007), fez com que as unidades
acabassem tendo suas dimensões reduzidas, o que teria reduzido à qualidade das
unidades em função dos custos. O terceiro ponto está relacionado ao Gerenciamento
35 PAR é um programa que se caracterizou, a princípio, pela construção de conjuntos de pequeno porte preferencialmente localizados na malha urbana, seguindo uma tendência de aproveitamento dos vazios urbanos, contrariamente à prática do BNH, marcado pelo modelo periférico de implantação. 36 Mariana Fialho Bonates é professora adjunta da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). 37 Helena Maria Menna Barreto Silva é pesquisadora independente e da Universidade de São Paulo (Labhab). 38 Letícia Moreira Sigolo é pesquisadora, desde 2003, do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos (Labhab) da FAUUSP, docente no curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo e professora colaboradora no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas.
42
posto por Devecchi39 (2010). As reabilitações de edifícios eram gerenciadas como
construções novas, sem um estudo preliminar que atestasse evidentemente as
características das condições materiais das edificações antigas, o que ocasionava em
gastos excessivos com a necessidade de atividades identificadas no período de obras.
Não existem estatísticas que apontem qual a quantidade de edifícios não
residenciais obsoletos na cidade de São Paulo. O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) no censo 2010 apresenta dados referentes a edificações
destinadas à habitação. Segundo IBGE (2010), há 589.671 edificações particulares
residenciais não ocupadas em áreas urbanas de um total de 6.629.074. (tabela 2).
Tabela 2 – Domicílios vagos na região metropolitana de São Paulo
Domicílios recenseados, por espécie e situação do domicílio – Sinopse
Variável - Domicílios recenseados (Unidades)
Ano – 2010
Brasil e Região Metropolitana Situação do domicílio Espécie
Total Particular - não ocupado
Brasil Total 67.569.688 10.031.049
Urbana 56.721.147 7.336.309
São Paulo (SP) Total 6.710.623 609.452
Urbana 6.629.074 589.671
Fonte: IBGE - Censo Demográfico
Fonte: IBGE, Censo, 2010.
Segundo Lima (2016), no período de 2000 até 2012, o município de São Paulo
conseguiu reformar 11 edifícios para promoção de habitação na área central de São
Paulo, gerando um total de 985 unidades habitacionais de um total de 4.122 com as
novas edificações. Assim, a reforma de edifícios contribuiu com 25%, para produção
de Habitação de Interesse Social (HIS), um número expressivo do ponto de vista do
desenvolvimento urbano de São Paulo já que são edificações que não ocupam novos
espaços na cidade.
De acordo com o projeto de Lei 619/16, para a cidade atender às necessidades
habitacionais são necessárias 368.731 moradia. (Tabela 3), ou seja, hoje o número
de edificações residenciais não ocupadas já supera o déficit habitacional.
39Alejandra Maria Devecchi, professora universitária, atualmente leciona disciplinas relativas ao desenho urbano e estudos ambientais na Universidade São Judas Tadeu com mais tem 30 anos de atuação na área de planejamento urbanístico.
43
Tabela 3 – Anexo da Lei 619/16. Plano Municipal da Habitação em São Paulo
Fonte: Gestão Urbana, 2019.
Seguindo a estatística apresentada por Lima, se a reforma de edifícios
contribuírem com 25% do déficit total necessário para novas habitações, o
aproveitamento de edifícios pode resultar em 92.183 moradias para a cidade de São
Paulo sobre o déficit habitacional apresentado, necessário à reforma de 1.024
edifícios com uma média de 90 Unidades Habitacionais cada.
Podemos considerar promissores os dados apresentados. São Paulo tem
condições de aumentar a porcentagem de aproveitamento de edificações, pois o
número de domicílios vagos é consideravelmente superior ao déficit habitacional,
sendo assim, é possível analisar de maneira mais adequada os problemas citados
anteriormente quanto à viabilidade, projeto e gerenciamento.
44
Bonduki40 (2010) corrobora com esta visão, ao ser possível se pensar em
reestruturar as edificações promovendo o DS. O conceito não deve ser pensado como
um aspecto isolado das demais práticas, mas sim pertencente, em equilíbrio, aos
pilares que norteiam o DS. Se São Paulo continuar a crescer horizontalmente, com a
atual visão de solução para os problemas socioambientais, os problemas somente se
agravaram. A única solução não pode ser a demolição novamente, ou seja, é possível
aproveitar o acervo edificado de modo a proporcionar melhor qualidade de vida e
reduzir os impactos ocasionados ao meio ambiente.
Esta opção para enfrentar edifícios obsoletos deve ser evitada a qualquer custo, posto que, mesmo com reciclagem de entulho, é uma prática insustentável, requerendo uma enorme quantidade de novos recursos naturais e energia para reedificar o que já está construído. Através do desenvolvimento de novas tecnologias de reabilitação em reciclagem de edifícios, a cidade poderá se renovar sem demolir, gerando novos espaços habitáveis, comerciais e serviços, na perspectiva de crescer para dentro. (BONDUKI, 2010, p. 14)
Este segundo exemplo pode nos ilustrar não ser o avanço tecnológico o cerne
da questão para a promoção do DS, mas sim o modo de como ainda prevalecem as
premissas de desenvolvimento arquitetônico e urbano nos dias atuais. Essa questão
se torna premente, como o caso do edifício Wilton Paes de Almeida que poderia ter
tido um destino diferente.
Em maio de 2018, a cidade de São Paulo vivenciou o desmoronamento do
edifício Wilton Paes de Almeida (Figura 8) acarretado pelo incêndio, evidenciando a
necessidade de uso e de intervenções em edifícios na cidade em estado de
obsolescência.
40 Nabil Georges Bonduki é arquiteto e urbanista, professor titular de Planejamento Urbano da Universidade de São Paulo e professor visitante na Universidade da Califórnia, em Berkeley.
45
Figura 8 – Fases do Edifício Wilton Paes de Almeida
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de São Paulo Antiga, 2018 e VejaSP, 2018.
Projetado pelo arquiteto Roger Zmekhol na década de 1960, com 22
pavimentos e 2 subsolos, o edifício estava localizado no Largo no Paissandu, em um
terreno com 650m² e área construída de 10.000m², feito em estrutura mista de
concreto e aço com pele de vidro que envolvia a fachada (FIALHO, 2007, p.108).
Após 7 anos de obras entre 1961 a 1968, sua inauguração carregava o nome
de um de seus investidores, Wilton Paes de Almeida (1910-1965). Iniciando suas
atividades com um intuito de abrigar empresas de seu proprietário, ali operavam
Companhia Comercial de Vidros do Brasil (CVB), Socomin, Oleogaza, e duas
agências bancárias o Banco Nacional do Comércio de São Paulo e o Banco Mineiro
do Oeste S/A (NASCIMENTO, 2018).
Segundo o arquiteto autor do projeto Roger Zmekhol41 (1928-1976) (1965), o
edifício integrava o novo cenário urbano à época em busca de espaços modernos
para a cidade em estilo planta livre (Figura 9), com novas tecnologias, em que se
destacavam os vidros das fachadas com janelas de guilhotina e contrapeso embutido
nos montantes, e o sistema de condicionamento de ar totalmente embutido, insuflados
pelos rodapés.
Em 1992 foi reconhecido e tombado pelo Conselho Municipal de Preservação
do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP).
41 Roger Zmekhol foi um arquiteto formado pela FAU/USP, venceu o Prêmio Oswald de Andrade Filho – IAB-SP. Autor de projetos como: Edifício Augusta; Residência Roger Zmekhol.
46
Figura 9 – Planta do Edifício Wilton Paes de Almeida
Fonte: Revista Acrópole,1965.
O edifício operou por nove anos com as empresas de seus proprietários devido
a instabilidades financeiras e sucessivas crises econômicas. Com dívidas na Receita
Federal, o edifício é adquirido pela Caixa Econômica Federal em 1977, que inicia às
atividades em 1978 com uma agência no térreo e outras repartições e cedido em 1980
à Polícia Federal (NASCIMENTO, 2019).
De acordo com Nascimento (2019), com a saída da Caixa Econômica e a
Polícia Federal em 2002, o edifício passa a receber uma agência do INSS até 2009.
A falta de manutenção e atualização promove o seu declínio operacional, sem
condições de uso o governo propõe repassar o edifício em estado de obsolescência
ao município, no entanto, o município não aceitou com a justificativa de altos custos
de reforma.
Com a exposição do edifício sem um destino, passa a ser ocupado
irregularmente: neste momento os riscos aumentam, e a probabilidade de uma
catástrofe se confirma em 2018: uma sobrecarga elétrica no quinto pavimento resultou
em um incêndio com o desmoronamento do edifício. Em termos de DS, como seria
possível reverter e evitar a ruína do edifício?
47
Nas regiões mais antiga, em especial a região central, a preservação do
patrimônio edificado é indispensável para o fortalecimento da identidade da cidade.
Deve-se desenvolver ações mais contundentes para aproveitar melhor os edifícios
verticais construídos na cidade de São Paulo para não ocorrer novos desastres como
o Wilton Paes de Almeida.
Podemos concluir que o aproveitamento dos edifícios existentes é importante
tanto para a memória de cidade como a promoção do DS: aproveitar o patrimônio
edificado remonta ao aproveitamento da infraestrutura urbana consolidada: água,
esgoto, luz, transportes e diversos aspectos que promovem o desenvolvimento urbano
da cidade, sendo importante ressaltar a economia de recursos naturais.
As demolições ou desmontes com aproveitamento, quando analisadas pelo
método de Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), promovem uma perspectiva de
contribuição não somente social, mas também ilustra diversas dimensões dentro do
Ciclo de Vida de materiais aplicados ao edifício, o que podem resultar em melhorias
desde os métodos de intervenção até o momento pós-obra com a operação do edifício
com resultados promissores, contribuindo, assim, com o DS, com a preservação do
ambiente natural e com a otimização do ambiente construído.
Desta forma, é necessário analisar as edificações com o intuito de aproveitar
os materiais existentes bem como todo o custo ambiental e humano para sua
produção. Uma das alternativas para tal impasse seria pensar no ACV do patrimônio
construído a fim de evitar a obsolescência dos edifícios. “A construção e o
gerenciamento do ambiente construído devem ser encarados dentro da perspectiva
de ACV.” (BRASIL, M. M. A, 2018, p.1)
O próximo capítulo, portanto, discutirá sobre os fatores que direcionaram ao
surgimento da metodologia da ACV, como resposta aos debates globais sobre a DS
no setor industrial, até a transposição para a arquitetura e como as normativas
apontam para a realização da aplicação da metodologia na arquitetura.
48
2 Avaliação do Ciclo de Vida
2.1 Avaliação do Ciclo de Vida: resposta aos debates sobre Desenvolvimento
Sustentável
Os debates em prol do conceito de DS desde a década de 1960 no cenário
internacional como tema global têm buscado o equilíbrio entre os conflitos gerados no
tripé da sustentabilidade (social, ambiental e econômico) por meio de ações de
melhorias aos aspectos e impactos socioambientais, dado que é iminente a
predominância econômica em diversas ações. Diante desse contexto, diversos
setores, incluindo o setor da construção civil, têm buscado implantar diretrizes que
vão ao encontro do DS tais como: cura ambiental, saúde de vida, equidade social,
incentivos financeiros, qualidade na concepção do espaço.
As diretrizes ambientais são colocadas pela Associação Brasileira de Normas
técnicas (ABNT) NBR ISO 14001 (2004, p.2) como aspecto ambiental e, somente
após a avaliação da interação com o meio, é possível levantar os dados de impacto
ambiental.
Aspecto ambiental, o elemento das atividades, produtos ou serviços de uma organização que podem interagir com o meio ambiente, já Impacto ambiental é qualquer modificação do meio ambiente adversa ou benéfica que resulte, no todo ou em parte, das atividades, produtos ou serviços de uma organização. (ABNT NBR ISO 14001.2004, p.2)
Para análise de impactos, fez-se necessária a aplicação de metodologias que
permitem analisar dados inerentes às etapas da vida útil de produtos e materiais,
tendo como base os impactos ambientais. Assim, como respostas aos debates sobre
DS, surge a análise denominada de ACV no setor industrial.
Segundo Mourad42 (2002), no início dos anos 1960 nos Estados Unidos,
surgiram questões ambientais aplicados à produção industrial de embalagens devido
ao avanço da produção tecnológica em embalagens descartáveis. Estas questões
aliadas à crise do petróleo (1973) levaram a indústria a estudar métodos específicos
de análise de energia e de recursos aplicados ao processo produtivo.
42 Ana Lúcia Mourad é coordenadora geral do Centro de Tecnologia de Embalagens (CETEA).
49
O primeiro estudo foi realizado pela Coca-Cola através da Midwest Research
Institute (MRI) para comparar os diferentes tipos de embalagens e selecionar qual
teria menos emissões e utilizaria menos recursos em sua fabricação, sendo a mais
adequada do ponto de vista ambiental e de melhor desempenho com relação à
preservação dos recursos naturais. Apesar deste estudo não ter sido publicado por se
tratar de cunho confidencial, o resultado serviu para provar a má interpretação à época
de que embalagens de plástico eram piores do ponto de vista ambiental do que as de
vidros, incitando a produção em massa das embalagens de plástico (HUNT;
FRANKLIN, 1996).
Mourad (2002) descreve que esse processo ficou conhecido como Resource
and Environmental Profile Analysis (REPA) ou Metodologia REPA. A metodologia vem
a se tornar ACV em 1974 através de aprimoramentos postos pelo MRI em um estudo
realizado para a agência norte-americana de proteção ambiental, marcando as
próximas décadas pelo início dos esforços para redução do efeito estufa e proteção à
camada de ozônio (CHEHEBE, 1997).
No entanto, Arantes (2008) aponta que a década de 1980 é marcada como
período de desinteresse público em ACV, o que conduz o Laboratório Federal Suíço
para Teste e Investigação de Materiais (EMPA sigla em inglês) por iniciativa
governamental a publicar um relatório em 1984 com base no estudo Balanço
Ecológico de Materiais de Embalagens. O estudo tinha como objetivo estabelecer uma
base de dados para os materiais de embalagens mais importantes: alumínio, vidro,
plásticos, papel e cartão, sendo o primeiro estudo a elaborar parâmetros
normalizadores de análise do ar e da água, denominados de: “volume crítico de ar” e
“volume crítico de água” (OFEFP, 1984).
Houve um notável crescimento das atividades ACV na Europa e nos EUA e os
primeiros problemas começaram a aparecer. Os resultados apontavam diferentes
avaliações para um mesmo produto. A fim de ajustar a variedade de frentes de
pesquisa, a Society of Environmental Toxicology and Chemistry (SETAC) (Sociedade
de Toxicologia e Química Ambiental) promoveu o primeiro evento científico sobre o
tema em 1989, o que denota o incremento do número de workshops e outros fóruns
para o desenvolvimento de uma metodologia padronizada de ACV (GUINÉE et al.,
2004).
50
Em 1992 foi formada a Sociedade para a Promoção do Desenvolvimento de
Ciclo de Vida (SPOLD sigla em inglês) com a missão de juntar recursos para acelerar
o desenvolvimento da metodologia ACV como uma abordagem de gestão aceita para
ajudar na tomada de decisão (CHEHEBE, 1997). Como a metodologia para analisar
a geração de poluentes é idêntica ao cálculo de consumo de água e energia, esta se
expandiu para incorporar esses fatores e novos setores adotarem a metodologia
(MOURAD et al, 2002).
Segundo Ugaya43 (2011), a ACV hoje pode ser aplicada a qualquer produto em
qualquer setor, inclusive construção civil como veremos. A ONU através do PNUMA
tem se posicionado diante da importância da disseminação da ACV nos países,
inclusive o Brasil. No ano de 2001 foi lançada a primeira norma ISO (14040) com base
na participação do país em discussões por meio de um subcomitê sobre ACV
(CHERUBINI 2015, p.24)
A ACV permite, desta forma, avaliar aspectos ambientais e impactos potenciais
associados a um produto mediante a compilação de um inventário de entradas e
saídas pertinentes de um sistema de produto; a avaliação dos impactos ambientais
potenciais associados a essas entradas e saídas; a interpretação dos resultados das
fases de análise de inventário e de avaliação de impactos em relação aos objetivos
dos estudos. Ademais, permite também analisar impactos ambientais causados por
diferentes sistemas que apresentam funções similares como optar entre blocos
cerâmicos ou de concreto para a construção de uma parede. Essa avaliação
estabelece relatórios mais completos sob a ótica ambiental do possível fluxo de
matéria e energia para cada atividade e possibilita a comparação desses balanços
(ABNT NBR ISO 14040, 2009).
No Brasil, para ser executada uma ACV, as Normas NBR ISO 14.040, 14.044
e 14.049 devem ser seguidas. Elas têm como foco principal a gestão ambiental e
avaliam o desempenho ambiental, rotulagem ambiental, analisam o ciclo de vida dos
produtos, entre outros fatores.
43 Diretora da Associação Brasileira do Ciclo de Vida.
51
Cherubini44 (2015, p.25) descreve que os resultados obtidos são interpretados
com a veracidade dos dados coletados da análise realizada e dos objetivos
pretendidos (Figura 10). Afirma ainda que a ACV tem por finalidade contribuir com
respostas a questionamentos sociais com consistência científica para a
sustentabilidade através da ação mais consciente de empresas.
Figura 10 – Fases de uma ACV.
Fonte: ABNT NBR ISO 14040, 2009.
2.2 Ciclo de Vida na Arquitetura
No ano de 2002, o livro intitulado Cradle to Cradle: criar e reciclar
ilimitadamente, ou C2C, do arquiteto William McDonough e do engenheiro químico
alemão Michael Braungart, remonta uma teoria com base na metodologia da ACV em
que mencionam a necessidade de aproximação da produção técnica industrial com o
ciclo de renovação da natureza.
A teoria C2C refere-se a uma visão mais ampla do ciclo de vida de um produto,
considerando um contraponto no processo de produção ao chamado Ciclo Linear ao
qual considera que a vida útil deve ser posta até o seu fim, limitando o produto entre
os extremos de produção e descarte. A teoria tem como intenção a produção industrial
que promove o reaproveitamento dos recursos de maneira cíclica, não incluindo um
ponto final na ACV. Portanto, o ciclo que vai da criação e reutilização em que cada
44 Doutor em Engenharia Ambiental (2015) pela UFSC é consultor ambiental e sócio da EnCiclo Soluções Sustentáveis e pesquisador convidado do Grupo de Pesquisa em Avaliação do Ciclo de Vida (CICLOG).
52
passagem do ciclo se torna o marco zero de um recurso, determinando o novo berço
de um material. Dessa forma, o conceito linear substituído por sistemas cíclicos
permite que os recursos sejam reutilizados indefinidamente e possam circulem em
fluxos seguros e saudáveis para os seres humanos e para a natureza (MCDONOUGH,
2013).
Desta forma, ainda segundo Mcdonough (2013), pensar em um sistema de
produção cíclica vai além da ecoeficiência como foi enfatizado na Rio 92: é abstrair-
se ao que se pode aproveitar dos recursos naturais, principalmente quando os
impactos já foram ocasionados: devemos pensar em ecoefetividade.
[...]um edifício ecoeficiente é um grande economizador de energia minimiza a ventilação vedando lugares pelos quais o ar poderia passar. Reduz a entrada de luz solar com vidros escurecidos, diminuindo a carga de refrigeração do sistema de ar-condicionado do edifício, restringindo assim a quantidade de energia de combustíveis fósseis usada. [...] o edifício ecoefetivo [...] durante o dia, a luz entra pondo a vista o exterior que se tem através das janelas grandes [...] O sistema de refrigeração maximiza os fluxos naturais de ar como em uma fazenda: à noite, o sistema lança ar fresco noturno para dentro do edifício, baixando a temperatura e limpando o ar velho. (MCDONOUGH. 2013, p.78).
Ambos são exemplos, mas o segundo apresenta uma complexidade em
integração com os meios naturais sendo um edifício que valoriza a natureza, diante
do respeito aos aspectos que compõem o meio ambiente. Sendo assim, apresenta
uma diferença entre os conceitos de ecoeficiência e ecoefetividade.
Dentro desse cenário, Rogers e Gumuchdjian (2013) abordam a importância
desses termos. O arquiteto Richard Rogers45 corrobora com esta visão: edifícios
artificiais são grandes consumidores de energia, repensar nosso conceito de
tecnologia e qualidade de vida pode representar metade do consumo de energia gasta
pelos edifícios, refletindo até 1/4 do consumo global.
Existe uma série de conceitos que partem da metodologia da ACV e
complementam as reflexões sobre respostas ao DS, ou seja, são muitas peças de um
mesmo quebra-cabeça (ELKINGTON, 2001).
45 Richard George Rogers, arquiteto italiano naturalizado britânico, recebeu os prêmios Stirling pelo terminal 4 do Aeroporto de Barajas em 2006 e Pritzker pelo conjunto de sua obra em 2007.
53
O que se pode afirmar é: não existe material beneficiado totalmente “verde”.
Todos os produtos contêm em suas fases de produção elementos que agridem a
saúde do planeta e dos seres, como o consumo de água. Não é possível edificar sem
agredir o meio ambiente, no entanto, a metodologia ACV exibe e monitora os danos,
dando espaço para que o ecossistema seja capaz de se recompor junto ou antes de
novos impactos. Portanto, a ACV expõe que produtos ditos sustentáveis nem sempre
são tão sustentáveis assim. (MCDONOUGH, 2013).
De acordo com Boff (2016), para garantirmos uma produção necessária a vida
que não estresse e degrade a natureza, precisamos mais do que a busca do verde: o
DS é uma crise ainda conceitual e não somente econômica.
A relação para com a terra tem que mudar, e mudar também as relações sociais para que não sejam demasiadamente desiguais. Somos parte da sociedade e parte de Gaia, e por nossa atuação cuidadosa a tornamos mais consciente e com mais chance de assegurar a sua própria vitalidade. (BOFF, 2016, p.60).
A ACV hoje está presente em diversos setores diante das respostas que têm
proporcionado ao DS, inclusive na arquitetura. Neste sentido, o Brasil M. M. A (2018,
p.1) afirma “a construção e o gerenciamento do ambiente construído devem ser
encarados dentro da perspectiva de ACV.”
Em vários países existem conselhos para o desenvolvimento dos conceitos da
construção sustentável. Eles orientam e discutem padrões a serem seguidos. No
Brasil, foi criado em 2007 O Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS),
composto de acadêmicos e pessoas ligadas às áreas social e financeira, construtores
e representantes de organizações não governamentais. Segundo o próprio CBCS, seu
objetivo é contribuir para a geração e difusão de conhecimento e de boas práticas de
sustentabilidade na construção civil.
De acordo com o CBCS (2011), a integração do edifício com o meio ambiente
se dá em momentos distintos de sua existência, em linhas gerais contempla as
seguintes etapas: Planejamento, Projeto, Implantação, Operação, Manutenção e
Demolição, ou seja, enfatiza que o Ciclo de Vida de um edifício deve ser cíclico.
Em síntese, o CBCS define: planejamento é etapa essencial para a garantia de
desempenho mais sustentável da edificação, pois é nesse momento que são definidos
54
o local de implantação e os objetivos funcionais, culturais, sociais, econômicos e
ambientais a serem atendidos pelo edifício; na Implantação, a edificação começa a
ser executada, e é quando os impactos surgem.
Apesar de essas etapas serem as menores do ciclo de vida dos edifícios, elas
são fundamentais para o nível de desempenho de sua etapa mais longa: a de
operação; a operação e manutenção são determinantes para o aumento da vida útil
das edificações e no aperfeiçoamento dos níveis de desempenho. Nestas atividades,
estão contidas reposição de componentes, conservação das superfícies, manutenção
preditiva, preventiva e corretiva de equipamentos e sistemas, que podem incluir ações
de atualização e ampliação da construção. A demolição é a fase de inutilização de um
edifício por meio de um processo de desmonte para aproveitar os produtos existente,
não simplesmente considerando-o integralmente como entulho. Este raciocínio
poderia ter evitado o colapso do edifício Wilton Paes de Almeida citado no capítulo 1.
Ugaya (2011) corrobora com a perspectiva do CBCS ao apontar que a
operação de edifícios no Brasil é responsável por 18% do consumo total de energia
do país e por cerca de 50% do consumo de energia elétrica, além de consumir parte
significativa da água sem contar os respectivos desperdícios. O edifício não deve
operar continuamente com os mesmos resultados, ou seja, deve possibilitar
atualizações e desmontes para sempre promover um recomeço de ciclo de forma que
seus produtos possam ser reciclados ou reutilizado.
Assim, um bom projeto é necessário, ampliando a perspectiva de vida útil da
edificação não se limitando a validade dos materiais empregados, pois seu transporte,
o emprego, a operação e a manutenção influenciam no ciclo de vida da edificação e
são itens relevantes para uma boa ACV.
Se o CBCS e Ugaya enfatizam que o desmonte é etapa essencial, às novas
edificações devem incluir estratégias resilientes que vão ao encontro da ACV, quando
pensadas de maneira cíclica. As edificações existentes não podem simplesmente
serem jogadas ao chão: é importante avaliar o desmonte, a reciclagem e a reutilização
de materiais nas intervenções de reforma de edificação. É neste ponto que o conceito
55
Design for Design for Deconstruction46 (DFD) mais recente no cenário internacional
reflete o fazer da arquitetura resiliente com condições de intervenção futura.
É possível que a prática da técnica de retrofit pode propor a longevidade no
ciclo de vida das edificações com inserção das questões de DS em função da
utilização da ACV.
No próximo capítulo serão discutidos o surgimento da técnica de retrofit e sua
evolução no cenário edificado bem como as normas que surgiram para
regulamentação da atividade.
46 The ultimate goal of the Design for Deconstruction (DfD) movement is to responsibly manage end-of-life building materials to minimize consumption of raw materials. By capturing materials removed during building renovation or demolition and finding ways to reuse them in another construction project or recycle them into a new product, the overall environmental impact of end-of-life building materials can be reduced. Architects and engineers can contribute to this movement by designing buildings that facilitate adaptation and renovation.
56
3 O surgimento da técnica retrofit e o conceito na arquitetura
3.1 Histórico do retrofit
Após o Acordo de Paris em 2015, torna-se iminente a adaptação do setor da
arquitetura para contribuir com Objetivos do Desenvolvimento Sustentáveis (ODS),
principalmente no que tange a ODS 1147 que, em alguma medida, aponta influências
do setor da construção civil nas metas estabelecidas. Nesse âmbito, o retrofit pode
ser uma alternativa para a continuidade do ciclo de vida do patrimônio edificado. Em
centros urbanos consolidados, com edifícios com mais de 30 anos ou em processo de
obsolescência, o retrofit pode ir ao encontro da Agenda 2030: uma nova Agenda para
o Desenvolvimento Sustentável que estabelece objetivos para diversos setores em
busca da sustentabilidade global (ONUBR, 2018). Assim, seria importante ressaltar o
contexto que originou o surgimento da técnica retrofit no cenário internacional.
Segundo o CBCS (2013), a palavra retrofit é criada a partir da junção do termo
retro do latim que significa movimentar-se para trás e do termo fit do inglês que
significa ajustar-se: em síntese compreende ao conceito em português reconversão,
ou seja, podemos compreender que é a intervenção realizada com o objetivo de
incorporar melhorias e alterar o estado de utilidade do objeto com um novo ciclo de
vida.
O termo retrofit foi utilizado na década de 1990 pela indústria aeronáutica,
referindo-se à adaptação das aeronaves com novos equipamentos mais modernos e
tecnológicos ROCHA; QUALHARINI (2001). Na mesma época, surgem os primeiros
processos de aplicação da técnica retrofit no setor da construção civil. Segundo o
CBCS (2013) a aplicação da técnica é identificada na Europa e EUA em cidades que
têm centros urbanos consolidados com pouca oferta de terrenos para novas
construção, possibilitando o surgimento deste novo setor de atuação para arquitetos
e engenheiros.
Estes países incentivam a prática de retrofit, independente do uso e idade da
edificação, pois possibilita o aumento da vida útil através da atualização tecnológica
de equipamentos, promovendo em alguns casos mudanças de usos em função da
avaliação do grau de intervenção e custo financeiro para reparar produtos. Esse
47 Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.
57
processo devolve à edificação sua funcionalidade perdida e atende a critérios
estabelecidos nas Normas Regulamentadoras (NR) que preveem condições mínimas
de Saúde e Segurança Ocupacional (SSO).
Segundo Moraes e Quelhas (2012, p. 449), a prática do retrofit abrange 50%
das obras na Europa. Na França e Itália essa porcentagem já chega a 60%,
demonstrando a modalidade ser uma alternativa mais adequada a opção de
demolição ou de uma nova construção.
O engenheiro Eduardo Qualharini, professor da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, em texto publicado na I Conferência Latino-Americana de Construção
Sustentável (2004) descreve que o retrofit é um estudo complexo dos aspectos que
constituem a técnica com procedimentos específicos e individuais para cada
intervenção, porque os rumos propostos à obra são norteados pelas condições
inerentes da edificação.
A caracterização do retrofit engloba um campo amplo de possibilidade de
intervenções como:
• Reforma, intervenção menor voltada principalmente a aspectos de
manutenção da edificação;
• Reabilitar, “recuperar a capacidade” (AURÉLIO, 2010), reestabelecer as
características originais do objeto. Aplicáveis em obras de restauro em
que o objeto deve ser preservado em sua integridade. Utilizado
principalmente em obras de arte em que a funcionalidade não tange a
obsolescência do bem. Na construção civil, é muito aplicada a obras de
restauro pois recobra às características originais do edifício e permite a
modernização da infraestrutura de acordo com as cartas patrimoniais
(BARRIENTOS e QUALHARINI, 2002; CROITOR, 2009).
• Renovação e Revitalização: o dicionário Aurélio (2010) define: “ficar
melhor, com aparência de novo [...]. Ter novo início, recomeçar.” É
possível compreender dentro desta definição que o termo “renovar” se
enquadra em ações que promovem a continuidade de utilidade do
objeto, com nova estética, contudo, sem intervir em sua estrutura física,
ou seja, para a arquitetura se trata de uma intervenção que tenha como
intenção manter o estado de utilidade, promovendo uma nova estética
58
para o edifício e o uso de tecnologia no processo, muito confundido com
o retrofit.
• Requalificação: de acordo com o dicionário Aurélio (2010) o termo
requalificar é: “[De re + qualificar] dar nova ou melhor qualidade [...], dar
nova ou melhor habilitação”. O significado mostra que existe um grau de
complexidade maior, pois caracteriza-se principalmente pela mudança
de utilidade do objeto, permitindo ser aplicado no setor da construção
civil com intervenções na estrutura física do edifício. Também pode ser
aplicável até em obras de restauro em que o tombamento remonta a
aspectos pertencentes no edifício e não integralmente ao seguir critérios
específicos estabelecidos pelas cartas patrimoniais podendo fazer uso
de tecnologia.
É possível compreender que a técnica retrofit permeia uma variedade de
intenções através de uma avaliação crítica do objeto de intervenção. Conforme
descreve Barrentos e Qualharini (2004), é necessário o Pré-Diagnóstico para se
avaliar a viabilidade de aplicação da técnica retrofit e o Diagnóstico para investigar o
grau de intervenção possível, contudo, é necessário visualizar e discutir o retrofit
mediante a sua possibilidade de contribuir com às metas para o DS na Agenda 2030.
Como vimos, a ACV é uma metodologia que permite análise de impactos
ambientais para diversos produtos, desta forma, é provável que a metodologia de ACV
aplicada em conjunto com a técnica retrofit podem ampliar consideravelmente o
desempenho da edificação perante ao combate dos impactos ambientais: desde os
impactos já ocasionados, até os que vão ocorrer durante a intervenção e na operação
dos edifícios. Assim, o ciclo de vida linear da edificação recomeça em um sistema
cíclico de vida na medida em que aproxima a compreensão do sistema cíclico da
natureza ao ciclo de vida da indústria da construção civil.
Não existe até hoje (2019) uma normatização que compreenda o significado de
retrofit com o sentido desta dissertação e direcione à prática por meio de uma
regulamentação específica, propondo a integração da intervenção do retrofit
concomitante à ACV, em contribuição às metas do Acordo de Paris. Algumas
organizações e associações que tratam do tema compreendem, de forma geral, sem
especificidades.
59
Segundo o CBCS (2013, p.1) o retrofit é a intervenção realizada em um edifício
com objetivo de incorporar melhorias e alterar seu estado de utilidade. Este conceito
de aproveitamento do patrimônio edificado que esteja subutilizado ou totalmente
inutilizado, não encerra na escala do edifício, mas se estende ao entorno urbanos.
Já a ABNT NBR 15.575 (2013) e a ASBEA (2012) incorporam a compreensão
do retrofit a atualização tecnológica ao agregar tanto valores econômicos ao edifício
quanto à redução dos custos operacionais com as possibilidade de alteração de uso.
Podemos perceber que, indiretamente, a Norma inclui o retrofit à sustentabilidade,
pois, se uma intervenção é realizada incluindo materiais com coeficientes de
desempenhos maiores para proporcionar uma operação com economia de custos em
geral e custos energéticos, como a troca de um sistema de iluminação fluorescente
por LED, isto, consequentemente, influência em uma redução na geração de energia
necessária para alimentar o edifício.
Retrofit é a remodelação ou atualização do edifício ou de sistemas, através da incorporação de novas tecnologias e conceitos, normalmente visando a valorização do imóvel, mudança de uso, aumento da vida útil e eficiência operacional e energética. (ABNT NBR 15.575; ASBEA, 2012, p.127).
Com base nas afirmações, o retrofit surgiu diante de uma necessidade de
aproveitamento do cenário arquitetônico ao remeter a longevidade do patrimônio
edificado, utilizando à tecnologia como premissa para reintegrar edifícios às condições
de uso diante da carência de espaços não construídos ou situações em que a
legislação não permita a ampliação do espaço construído como as áreas de centro.
No entanto, se olharmos o retrofit concomitante a metodologia de ACV, a
técnica remete uma contribuição para a sustentabilidade: assim, o retrofit transcende
a visão de atualização tecnológica ou reparo de edificações, porque se estende às
necessidades ambientais, direcionando a técnica às metas da Agenda 2030, bem
como, promove a utilização efetiva do patrimônio edificado já com infraestrutura
urbana. Sendo assim, favorável a políticas públicas, como mencionado a questão da
habitação no item 1.2.
60
3.2 Retrofit no Brasil em São Paulo
O acervo edificado na cidade de São Paulo remonta aos avanços postos pela
Revolução Industrial e possibilitou mudanças ao passar das décadas conforme foi
exposto no Capítulo 1, tornando os edifícios cada vez mais complexos em tecnologia
e produtos com atenuação de normativas que direcionam às necessidades do meio
urbano e social. Sendo assim, com o passar dos anos, um edifício necessita de
atualizações que o recoloquem ou o mantenha em estado de utilidade nos aspectos
que perpassam tecnologia.
Como a cidade de São Paulo se consolida em diversos momentos na década
de XX, diversos edifícios não acompanharam em sua construção o crescente avanço
tecnológico marcado pelo fim da década de 1990. Desta forma, parte do cenário
edificado para o setor corporativo tem entrado em estado de obsolescência devido à
demanda necessária de equipamentos.
Algumas centralidades como a Avenida Paulista, polo corporativo, apresenta
essa demanda preemente do setor em busca espaços que contemplem às
necessidades não só urbanística mas principalmente as funcionais internas,
impactando na subutilização de parte do acervo arquitetônico, o que remonta a
décadas anteriores e a áreas desprovidas ou com baixa infraestrutura.
No entanto, boa partes destes edifícios não apresentam problemas graves
estruturais: não houve atualização necessária para garantir ao edifício condições de
Segurança e Saúde Ocupacional (SSO). Além dos custos altos energéticos de sua
operação, podemos citar osproblemas hidráulicos e elétricos, a falta de paças para
manutenção, a velocidade de elevadores reduzida, a ausência de rede de lógica, de
sistemas de condicionamento de ar não resilientes. Tais fatos direcionam os
ocupantes a procurarem novos espaços.
No Brasil, não há uma tradição consolidada na manutenção e operação.
Benedito Lima de Toledo (1983) já mencionava a necessidade de se olhar para o
existente na cidade, seja do ponto de vista urbano, arquitetônico, seja do ponto social
e cultural. Sendo assim, a disseminação da técnica retrofit não é explorada.
O CBCS (2011) justifica a não disseminação do retrofit pela falta de legislações
específicas, pois entende que se o meio da construção civil não tem um parâmetro
61
legal que defina e regulamenta a técnica, o aproveitamento de edificações se torna
inviável tanto para o investidor como o consumidor. Alguns fatores são citados como
exemplos da falta de propagação do retrofit: retorno financeiro; legislações que
abrangem o retrofit; recursos tecnológicos disponíveis adequados a obras existentes;
a falta de conhecimento dos arquitetos do potencial da técnica; a carência da
fabricação de materiais específicos novos como o beneficiamento de materiais
oriundos dos desmontes parciais para reutilização com o mesmo ou outros fins.
[Uma] área de interesse para políticas públicas é o conceito de retrofit, que representa a requalificação de uma edificação, às vezes com troca de uso. A reocupação de centros antigos nos próximos anos e a readequação de edificações construídas nas décadas de 1960 e 1970 irão destacar este tipo de trabalho. O momento de retrofit traz grandes oportunidades para melhorias no desempenho energético de uma edificação (CBCS, 2014, p. 97).
Como mencionado anteriormente, algumas organizações e associações
buscam definir o tema para fundamentar a técnica, porém a falta de normatização faz
com que o setor busque alternativas que possam nortear e agregar valores as práticas
de retrofit. Neste sentido, as certificações têm sido aceitas na arquitetura e usadas
como parâmetros norteadores ao estabelecer critérios para o atendimento efetivo de
uma intervenção. Existem diversas organizações que chancelam as certificações
voltadas a técnica do retrofit como a Leadership in Energy and Environmental Design
(LEED), a Well Building Standard e a Alta Qualidade Ambiental (AQUA).
3.3 A certificação LEED como parâmetro para as intervenções em edifícios
A organização United States Green Building Council (USGBC), fundada em
1993 por arquitetos, engenheiros e ambientalistas, é uma organização não
governamental mantida pela indústria da construção civil que desenvolve métodos
para auxiliar a tornar as construções sustentáveis. O USGBC é responsável pela
criação da certificação Leadership in Energy and Environmental Design (LEED), um
sistema internacional de certificação e orientação ambiental para edificações com
intuito de incentivar a transformação dos projetos, obra e operação das edificações,
sempre com foco na sustentabilidade de suas atuações (GBC, 2019)
62
O Certificado LEED segue uma formatação única para um mercado global, ou
seja, não importa onde esteja localizado, o resultado da certificação tem a mesma
representatividade. Com essa premissa, os critérios podem abranger caminhos
alternativos que leva em consideração condicionantes locais como a variação
climática, os métodos construtivos e os materiais disponíveis, porém dentro uma
mesma conformidade global.
No Brasil, a certificação LEED está presente desde 2005 com a fundação da
organização Green Building Council Brasil (GBC BRASIL). Ela iniciou o primeiro
processo de certificação em 2006 na cidade de Curitiba no edifício Office Park. Hoje
tem sido a certificação de maior uso no setor na construção civil (GBC, 2017).
Segundo GBC (2017), a certificação é dividida em quatro tipologias, a saber:
• BD+C – Building Design and Construction: fornece parâmetros para novas
construções ou grandes reformas de um edifício sustentável. Esta categoria
abrange as seguintes classificações: Envoltória e Núcleo Central, Data Centers
Unidades de Saúde, Hospedagem, Varejo, Escolas, Galpões, Centros de
Distribuição, Novas Construções (quando não se enquadra nas opções anteriores)
e Grandes Reformas. Para uma reforma se enquadrar nesta tipologia, a
intervenção deve ser de mais de 60% do edifício, quando menos deve se
enquadrar na O+M.
• ID+C – Interior Design and Construction: aplicável a projetos de interiores, como
interiores comerciais, varejo e hospedagem.
• O+M – Building Operations and Maintenance: oferece parâmetros para edifícios
existentes melhorarem seu desempenho sem reforma ou com intervenção de
menos de 60% do edifício. Aplicável à: varejo, escolas, hospedagem, datacenters,
galpões logísticos e armazenamento ou como edifícios existentes (quando não se
enquadra nas opções anteriores). Principal categoria para a prática de retrofit.
• ND – Neighborhood Development: aplicável a projetos em escala de bairros ou
projetos de requalificação urbana contendo usos residenciais, usos não
63
residenciais, ou uso misto. Os projetos podem estar em qualquer fase do processo
de desenvolvimento, desde o planejamento conceitual ao projeto de construção.
As tipologias analisam os projetos em 8 áreas diferentes (Figura 11):
Figura 11 – Áreas de análise da certificação LEED
Fonte: Cartilha GBC, 201948.
Em cada área de análise existem pré-requisitos e os créditos: os pré-requisitos
são elementos obrigatórios a serem atendidos pelo projeto para que ele tenha direito
à acumulação de pontos para certificação. Caso não sejam atendidos, o projeto não
poderá ser certificado. Assim, são obrigatórios e não valem pontos, mas garantem ao
empreendimento um desempenho ambiental mínimo para poder ser certificado, como
uma construção sustentável. Os créditos valem pontos que variam de acordo com a
categoria a ser atendida. Conforme os créditos são atendidos, o edifício acumula
pontos que somados ao final direcionam ao nível de certificação.
Os certificados variam em quatro níveis de certificação: Certified (Certificado)
Silver (Prata), Gold (Ouro) e Platinum (Platina) que são chancelados pelo GBC de
acordo com a somatória de pontos atingidos pelo projeto (Figura 12).
Para análise dos edifícios, o estudo foi dividido em quatro partes: Ficha
técnica, com dados referentes ao edifício; Histórico, com breve relato sobre a história
do edifício até a intervenção com retrofit; Retrofit, com informações sobre o processo
de intervenção e Resultados, análise com base nas 9 áreas de avaliação LEED que
remontam o atendimento aos objetivos específicos.
79
4.1 Edifício SESC Paulista
4.1.1 Ficha Técnica
Figura 26 – Edifício SESC Paulista
Arquitetura: Königsberger Vannucchi Arquitetos
Associados
Localização: Avenida Paulista, 119, São Paulo -
SP
Proprietário: SESC
Área construída: 12 mil m²
Ano da construção: 1973
Ano do retrofit: 2011 - 2018
Construção: Omar Maksoud
Luminotécnica: Estúdio Carlos Fortes Luz
Paisagismo: Albuquerque Arquitetura
Consultora de Sustentabilidade: CTE
Sistema e nível da certificação: LEED NC BD+C
– Silver
Data do certificado: 31/10/2018
Fonte: Acervo do autor.
4.1.2 Histórico
O edifício SESC Paulista localizado na Avenida Paulista, 119 (Figura 27)
passou por um longo processo de retrofit nos últimos anos. O projeto foi realizado pelo
escritório Königsberger Vannucchi Arquitetos Associados no período de 2007 a 2011
e a obra realizada no período de 2011 a 2018. Inaugurado em 29 de abril 2018, o
edifício contém 17 pavimentos mais 2 subsolos e comporta uma população flutuante
de 18 mil pessoas por semana em sua área construída de 12 mil m². Projetado para
se tornar um marco cultural frente à Avenida Paulista (Figura 28) (Vasconcelos, 2018).
80
Figura 27 – Mapa de localização do SESC Paulista
Fonte: Elaborado pelo autor a partir do Geosampa, 2019.
Figura 28 – Fachada do Edifício SESC Paulista
Fonte: Acervo do autor.
81
O edifício foi projetado pelos arquitetos Sérgio Pileggi e Euclides de Oliveira53
no início dos anos 1970. O SESC está atuante no prédio desde 1975 quando adquiriu
o edifício junto à Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de
São Paulo (FecomercioSP)54. Após a saída da FecomercioSP, o edifício passou a
operar como polo administrativo do SESC até ser remanejado para a unidade
Belenzinho em 2005. No mesmo ano o edifício se torna unidade provisória, operando
até 2010 quando se iniciam as atividades de retrofit do edifício (PORTAL VITRUVIUS,
2018).
4.1.3 Retrofit
O estudo inicial para elaboração do retrofit inicia em 2007, se estendendo até
2011 sob responsabilidade do escritório Königsberger Vannucchi Arquitetos
Associados55 com a proposta de aproximar o edifício ao trinômio Corpo, Arte e
Tecnologia (VASCONCELOS, 2018).
O retrofit do SESC Paulista ocorreu no período de 2010 a 2017, com a atuação
de empresas específicas dos setores de tecnologia, materiais e sustentabilidade,
tendo como objetivo a implantação de tecnologias para promover a inserção do
conceito de Edifícios Inteligentes ao SESC Paulista. De acordo com Vasconcelos
(2018), o acompanhamento da obra foi realizado pela própria equipe do SESC,
atuantes de forma contínua entre a conexão projeto e execução, contando com a
assessoria do escritório projetista.
As intervenções foram realizadas em todos os pavimentos do edifício,
adequando cada andar a uma tipologia de uso como é possível observar na
distribuição de layouts nas plantas (Figura 29-46), contendo: espaço infantil, salas de
cursos, práticas esportivas e físicas, estúdios flexíveis para teatro e exposições, lojas,
biblioteca, café, comedoria, consultórios odontológicos à credenciados bem como a
criação de um mirante a 70m de altura com vista panorâmica à Avenida Paulista e
outros pontos da cidade que tem sido o principal atrativo do SESC.
53 Sócios arquitetos no período de 1973 a 1993, premiados em diversos projetos pelo IAB nas décadas de 1970, 1980 e 1990. 54 Responsável por administrar, no Estado, o Serviço Social do Comércio (Sesc) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). 55 Liderado pelos arquitetos Jorge Königsberger e Gianfranco Vannucchi, o escritório paulista iniciou suas atividades em 1973, atuante em projeto e planejamento de arquitetura.
82
Figura 29 – Planta do térreo: acesso aos elevadores, escada e área multiuso com integração
[...]os espaços e serviços da nova unidade foram distribuídos pelos 17 pavimentos, considerando quatro aspectos básicos: a vizinhança entre atividades similares, os níveis de ruído produzido pelas atividades, o volume de público acessando a unidade e os visuais externos (TUSCO, 2018, p.1)
Em toda a extensão do edifício, as áreas de uso colocam o usuário em contato
com outros visuais, reforçando a conexão do usuário com a paisagem externa e
ambientações internas. A circulação pelas escadas pode ser feita entre as varandas
que conectam o 3º andar ao 17º até o acesso ao mirante (Figura 48), promovendo ao
usuário um olhar para a cidade por meio da subtração de placas de vidro que permitem
a visão externa em cada pavimento bem como as que estão fora do edifício visualizar
todo o percurso vertical:, a proposta remete ao contraponto dos núcleos de circulação
fechados comumente encontrados em propostas da arquitetura moderna do século
XX.
Dessa forma, o SESC Paulista incorpora conceitos que estão sendo adotados
na arquitetura do século XXI como o Health Building (edifício salutar em tradução
livre), Trata-se de um conceito que tem como objetivo valorizar o bem-estar do
usuário.
Figura 48 – Circulação Vertical do SESC Paulista
Fonte: Acervo do autor.
93
Reforçando a percepção de conectividade do usuário, em alguns pavimentos
foram feitos pés-direitos duplos, deixando somente as vigas aparentes, criando vazios
nas lajes, de maneira que o usuário possa ter a permeabilidade visual entre as
atividades internas também (Figura 49).
Figura 49 – Pavimento com pé-direito duplo
Fonte: Acervo do autor.
O SESC possui alguns andares multiuso (Figura 49) com pé-direito duplo que
contam com equipamentos automatizados para favorecer a flexibilidade total dos
espaços. Desta forma, é possível transformar os ambientes conforme a necessidade
de uso: exposições diversas, espaço para atividades cênicas, espaço para atividades
musicais e reuniões, entre outras. Esta flexibilidade só é possível em função do projeto
arquitetônico que se valeu de tecnologia e sistemas de automação para aplicar
divisórias retrateis, treliça metálicas móveis para variação de altura e suporte dos
equipamentos de iluminação, sonorização, projeções e outros, além de cortinas tipo
blecaute para regular a iluminação natural. Este projeto fez das plantas do edifício
SESC Paulista uma referência tanto para as demais unidades do SESC, como para o
cenário arquitetônico paulistano de retrofit concomitante à ACV, ou seja, promove uma
contribuição no que tange as premissas do DS.
94
4.1.4 Resultados
A intervenção realizada ao edifício acumulou 54 pontos no checklist da
categoria BD+C em 6 áreas de avaliação das 9 possíveis, (Figura 25) recebendo o
nível prata de certificação. A análise dos resultados segue a ordem das áreas de
avaliação estabelecidas pela certificação LEED.
Figura 50 – Pontuações do SESC Paulista
Fonte: GBIG (2019)57.
1. Desenho e Planejamento de Projeto Integrado
Objetivo: apoiar resultados de projetos econômicos de alto desempenho do
projeto por meio de uma análise prévia dos inter-relacionamentos entre sistemas.
(LEED BD+C V4, 2014, p.10).
Análise: o SESC Paulista não obteve estratégias para este quesito.
Segundo dados do GBIG (2018), as ações resultam em 16% na melhoria de
desempenho do edifício na linha de base e gera 1% de energia de uso no local. As
ações somaram um total de 6 pontos para o quesito.
6. Materiais e recursos (MR):
Objetivo: reduzir os resíduos gerados por ocupantes de edifícios e
transportados e descartados em aterros sanitários. Reduzir os resíduos de construção
e demolição descartados em aterros sanitários ou instalações de incineração
recuperando, reutilizando e reciclando materiais. Incentivar o reuso adaptável e
otimizar o desempenho ambiental de produtos e materiais. Incentivar o uso de
produtos e materiais cujas informações de ciclo de vida estejam disponíveis e que
tenham impactos ambientais, econômicos e sociais de ciclo de vida vantajosos (LEED
BD+C V4, 2014, p.65).
Análise: segundo Gregorutti (2018), o retrofit manteve 85% das estruturas e
paredes no projeto, boa parte do granito aplicado na fachada foi realizado com
materiais existentes ou aproveitados de outras áreas do SESC, contribuindo para
redução de resíduos. Contudo, a base de dados do GBIG (2018) aponta a
permanência de 75% da estruturas e paredes, 10 menos que o publicado na Revista
Infra por Gregorutti. Ainda na intervenção, foi considerado um raio de 800 km para se
utilizar de materiais considerados regionais com porcentagem de conteúdo reciclado,
a fim de minimizar o impacto de esgotamento de recurso. Segundo GBIG (2018), 20%
dos materiais foram extraídos, colhidos, manufaturados e recuperados regionalmente.
Atualmente, de acordo com informação pessoal, o edifício contém pontos de coleta
seletivas em todas às áreas de núcleo comum dos pavimentos sem lixeiras, nos
compartimentos internos, a fim de gerar a conscientização dos usuários e
trabalhadores a gerar menos lixo com a locomoção para o descarte; já nas áreas de
café e comedoria, o SESC adotou a medida de não vender mais água engarrafada,
pois gerava um número considerável de descarte, assim, foram instalados
bebedouros que permitem ao usuário reutilizar suas garrafas para dentro e fora do
edifício.
O SESC Paulista atingiu 6 pontos neste quesito (GBIG, 2018).
101
7. Qualidade do ambiente interno (EQ):
Objetivo: contribuir para o conforto e bem-estar dos ocupantes do edifício
estabelecendo padrões mínimos para a qualidade do ar interior (QAI). Evitar ou
minimizar a exposição de ocupantes do edifício, superfícies internas e sistemas de
distribuição do ar de ventilação à fumaça ambiental do tabaco. Oferecer salas de aula
que facilitem as comunicações professor-aluno e aluno-professor por meio de um
projeto acústico eficaz. Promover o conforto, bem-estar e produtividade dos ocupantes
melhorando a qualidade do ar interior. Reduzir as concentrações de contaminantes
químicos que podem prejudicar a qualidade do ar, saúde humana, produtividade e o
ambiente. Promover o bem-estar dos trabalhadores de construções e de ocupantes
de edifícios minimizando problemas de qualidade do ar interior associados à
construção e reforma. Oferecer um ar interior de melhor qualidade no edifício após a
construção e durante a ocupação. Promover a produtividade, o conforto e o bem-estar
dos ocupantes proporcionando conforto térmico de qualidade. Promover a
produtividade, o conforto e o bem-estar dos ocupantes fornecendo iluminação de alta
qualidade. Conectar os ocupantes do edifício à área externa, reforçar os ritmos
circadianos e reduzir o uso de iluminação elétrica introduzindo luz natural no espaço.
Fornecer aos ocupantes do edifício uma conexão ao ambiente externo natural
oferecendo vistas de qualidade. Fornecer espaços de trabalho e salas de aula que
promovam o bem-estar, a produtividade e as comunicações dos ocupantes por meio
de um projeto acústico eficaz. (LEED BD+C V4, 2014, p.78).
Análise: o projeto do SESC Paulista traz algumas iniciativas já mencionadas
que remete a obtenção de pontos neste quesito. A fachada com ventilação
avarandada atuante, em concomitante a medidores de CO², permite aos
trabalhadores de operação gerenciar as estratégias de mantimento da qualidade
adequada interna do ar, propondo a renovação interna pelas próprias aberturas ou
induzindo através dos condicionadores de ar. Os vidros acústicos proporcionam,
quando necessário, o isolamento dos ruídos externos postos pela avenida,
proporcionando condições de conforto interno para os usuários e trabalhadores, sem
perder a visual da paisagem externa. Todas as salas têm incidência de luz natural.
O projeto atingiu neste quesito 3 pontos para área de avaliação (GBIG) 2018.
102
8. Inovação (IO):
Objetivo: incentivar projetos a atingir desempenho excepcional ou inovador.
Incentivar a integração da equipe necessária em um projeto LEED e simplificar o
processo de aplicação e certificação (LEED BD+C V4, 2014, p.102).
Análise: nessa área todos os esforços já mencionados mais a consultoria feita
por profissional acreditado LEED renderam ao SESC Paulista 6 pontos, pontuação
máxima para a área de avaliação (GBIG, 2018).
9. Prioridade Regional (RP):
Objetivo: obter créditos de contribuição com prioridade ambientais
geograficamente específicas, prioridades de igualdade social e prioridades de saúde
pública. (LEED GB+C V4, 2014, p.105).
Análise: o SESC Paulista não obteve estratégias para este quesito.
Concluindo: o SESC como instituição tem intenção de proporcionar consciência
cultural, social e ambiental em suas atividades. Assim, as ações empreendidas na
unidade SESC Paulista vão ao encontro das intenções da instituição SESC e dos
objetivos do DS.
Hoje, após o retrofit, o SESC Paulista recebe cerca de 4 mil pessoas por dia,
número muito superior aos 18 mil visitantes semanais previstos em projeto. A
surpreendente utilização do edifício só foi possível graças à qualidade do projeto
arquitetônico aliada aos sistemas de controle e automação “embarcados” – alta
tecnologia computacional. Segundo Marcela Weege (2019), coordenadora de
Infraestrutura da unidade, a operação do edifício com controle de manutenção
preditiva tem sido a ênfase nas ações de minimização dos reparos corretivos,
direcionando-o a uma operação com desempenho controlado. O fato é que o SESC
Paulista tem controle de todos os itens e custos da edificação conforme demonstrado
nas planilhas Anexo 1. Isto demonstra a preocupação da Instituição com os custos
operacionais a longo prazo.
O projeto orientado pelo LEED apresentou números favoráveis para um novo
Ciclo de Vida do edifício do SESC Paulista. O resultado da intervenção com o retrofit
demonstra uma tendência para o cenário arquitetônico paulistano contemporâneo.
103
4.2 Edifício Citicenter
4.2.1 Ficha Técnica
Figura 54 – Edifício Citicenter
Arquitetura: Aflalo&Gasperini
Localização: Avenida Paulista, 1111, São Paulo
-SP
Proprietário: Citibank
Área construída: 40 mil m²
Ano da Construção: 1986
Ano do retrofit: 2014 – 2016
Luminotécnica: 2PRB Arquitetos Associados
Paisagismo: Iris Paisagismo
Consultora de Sustentabilidade: CTE
Sistema e nível da certificação: LEED EB O+M
– Silver
Data do certificado: 13/12/2016
Fonte: Acervo do autor.
4.2.2 Histórico
O Citibank banco proprietário do Citicenter iniciou suas atividades no Brasil no
Estado do Rio de Janeiro em 1915. Em 2019, após 100 anos de atuação no Brasil,
possui mais de 300 mil funcionários atuantes em 140 países, sendo reconhecido pelo
segmento corporativo (CITIBRASIL, 2008)
O edifício Citicenter localizado na Avenida Paulista, 1111 (Figura 55), foi
projetado pelo escritório Aflalo&Gasperini59 em 1983, inaugurado em 1986 e abrigou
a sede do Citibank no Brasil. A torre de escritórios com 20 andares e 47mil m²
59 Aflalo&Gasperini, escritório de arquitetura fundado em 1962 a partir da associação dos arquitetos Plínio Croce, Roberto Aflalo e Gian Carlo Gasperini, é especializado em edifícios corporativos, sendo responsável pelos projetos de edifícios como o edifício-sede IBM, o complexo Rochaverá Corporate Towers, o Auditório Cláudio Santoro, entre outros.
104
comporta 2600 funcionários e foi implantada num terreno com duas frentes entre a
Avenida Paulista (Figura 56) e a Alameda Santos (Figura 57) (DIAS, 2017).
Figura 55 – Mapa de localização do Citicenter
Fonte: Elaborado pelo autor a partir do Geosampa, 2019.
Figura 56 – Fachada do Citicenter Avenida Paulista
Fonte: Acervo do autor.
105
Figura 57 – Fachada do Citicenter Alameda Santos
Fonte: Acervo do autor.
Conforme mencionado no capítulo 1, a construção do Citicenter compõe o
cenário de expansão da cidade de São Paulo para as novas zonas de centralidade
corporativa da década de 1980 com um novo modelo de arquitetura que integra os
benefícios da produção industrial em sua concepção.
Segundo o escritório Aflalo&Gasperini (2018), o projeto foi concebido a partir
da exploração do conceito estrutural em malha, que acarretou em um desenho com
planta livre que se encerra nas grelhas estruturais vedada com vidro que se estendem
na fachada até os planos curvos das duas frentes do edifício, como é possível se
perceber no desenho das plantas (Figura 58-62). No térreo do edifício, o sistema em
malha passa por uma transição estrutural que permitiu a criação de áreas com menos
influência no térreo, criando um saguão que já abrigou exposições hoje não mais
presente no edifício, mas que define a criação do espaço semipúblico interligando as
duas ruas em desnível.
106
Figura 58 – Planta do Térreo Citicenter Alameda Santos
Fonte: Aflalo&Gasperini Arquitetos, 2019.
Figura 59 – Planta do Térreo Citicenter Avenida Paulista
Fonte: Aflalo&Gasperini Arquitetos, 2019.
107
Figura 60 – Planta do Mezanino do Citicenter: agência e autoatendimento
Fonte: Aflalo&Gasperini Arquitetos, 2019.
Figura 61 – Planta tipo do 2º ao 10º andar
Fonte: Aflalo&Gasperini Arquitetos, 2019.
Figura 62 – Planta tipo do 11º ao 20º andar
Fonte: Aflalo&Gasperini Arquitetos, 2019.
108
O edifício foi o precursor dos sistemas inteligentes de controle de edifício em
São Paulo. Segundo Fialho (2007), o Citicenter seguia o conceito norte-americano
Smart Building (Edifício Inteligente) e na época já implantava tecnologias atreladas
aos sistemas de monitoramento voltados ao controle de consumos energéticos. Para
iluminação, o sistema de monitoramento era descentralizado, dividido por áreas
estratégicas no edifício com circuitos que centralizavam em setores de controle, uma
revolução para época; nos elevadores, o edifício também contava com a mais nova
tecnologia à época de elevadores com chamada por proximidade, deslocando sempre
o equipamento mais próximo do pavimento de chamada; os sistemas de
condicionadores de ar eram alimentados com produção de gelo no período noturno a
fim de reduzir o consumo de energia nos horários de pico em que as tarifas são mais
caras; As vedações feitas com vidros de alto desempenho para época, com redução
da transmissão térmica para o interior do edifício.
As estratégias do projeto do Citicenter remontavam à preocupação em obter
um edifício tecnológico, com início de sistemas de automação unidos a um novo
modelo de projeto. Contudo, apesar da construção ter sido uma revolução na
arquitetura no que tange aos Edifícios Inteligentes, ele foi projetado e construído em
um momento que o tema DS não estava em evidência no Brasil. Somente em 1997,
o tema passa a ser uma política do Citibank, no mesmo ano em que é feita a
elaboração do Protocolo de Kyoto durante a Conferência das Partes 3 (COP 3)
(CITIBANK, 2018).
No mesmo ano 1997, a Citi Foundation60 amplia as atividades socioambientais
com projetos de forma planejada, monitorada e sistemática que leva o Citibank em
2001 ao ingresso no índice Dow Jones de Sustentabilidade 61(DJSI), passando a fazer
parte também do FTSE4Good Index Series62 (índice da FTSE). Em 2003, ao participar
da criação e adoção dos Princípios do Equador, um marco para o banco em direção
ao conceito de DS, o banco passa a responder sobre emissões de gases de efeito
estufa. Assim, com a implantação da política de análise de risco socioambiental, ele
60 Órgão responsável pelas ações sustentáveis do Citibank 61 O Dow Jones Sustainability Index World, Lançado em 1999 em Nova York é o primeiro índice de performance financeira que avalia a qualidade sustentável corporativa de empresas. 62 FTSE4Good companhia independente criada pelo The Financial Times e pela Bolsa de Valores de Londres, foi projetada para medir o desempenho de empresas que demonstram fortes práticas ambientais.
109
direcionou um setor específico em 2006 para debater questões sobre a
Responsabilidade Social Empresarial (RSE) discutindo métodos que unifiquem a
sustentabilidade a estratégias de negócios, dando origem ao Relatório de
Sustentabilidade (RS) publicado anualmente desde 2008 (CITIBRASIL, 2008).
Com a publicação do RS, o Citibank passa a mapear as ações realizadas e
desenvolver estratégias que vão ao encontro dos princípios do DS e promove ações
de capacitação sobre práticas sustentáveis entre funcionários e colaboradores,
principalmente sobre o efeito estufa, considerado um dos principais impactos
negativos causados pelo consumo no banco.
Neste contexto, surge a iniciativa do Citibank de rever as instalações do edifício
Citicenter em busca de resultados, em consonância às políticas do banco, o edifício
sede na Avenida Paulista passa por um retrofit entre 2014-2016, a fim de torná-lo um
edifício sustentável (DIAS, 2017).
4.2.3 Retrofit
O retrofit do Citicenter ocorreu no mesmo período em que no cenário
internacional ocorreu a COP 21, a qual as nações firmaram o Acordo de Paris,
inclusive o Brasil como signatário que ratificou o acordo em setembro de 2016
(BRASIL, M. M. A., 2018).
Neste sentido, a reforma do edifício veio ao encontro do compromisso firmado
na COP 21 e pode ser entendido como um retrofit consoante ao conceito de ACV por
compreender a sustentabilidade junto as técnicas de atualização do edifício. O retrofit
realizado no Citicenter compreende às intenções desta pesquisa, na medida em que
as técnicas e tecnologias aplicadas têm a intenção de realizar a atualização do edifício
junto a implementação de estratégias que gerenciem seu ciclo de vida a favor do meio
ambiente.
Não existe uma normativa que direcione esta modalidade de intervenção na
construção civil, o que direcionou o Citibank a contratar o CTE, empresa de consultoria
e gerenciamento sustentável para do setor da construção civil.
110
O CTE direcionou as estratégias que atenderiam aos quesitos para o edifício
obter um nível de certificação LEED O+M. Como já mencionado no capítulo anterior,
vale ressaltar que está modalidade avalia o período de operação do edifício e exige
que passe por reavaliação a cada cinco anos (LEED V4, 2014). Assim, a reforma do
edifício não tinha intenção de se limitar as ações durante a intervenção, mas
principalmente a de criar uma base de controle de dados que possibilitavam o
gerenciamento preditivo das ações dentro do edifício.
O Citicenter foi o primeiro edifício a obter um certificado na Avenida Paulista na
categoria de edifícios existentes. Ao longo de três anos de intervenção, o edifício
passou por mudanças e atualizações fundamentais que ampliaram a eficiência
operacional (CITIBRASIL, 2016).
Dois fatores contribuíram fundamentalmente nas ações do retrofit: primeiro, a
sustentabilidade já estava em curso como política do banco, assim algumas ações de
intervenção o edifício já havia iniciado, sendo necessário somente a implantação do
sistema de gerenciamento dos dados Building Management System (BMS) (Sistema
de Gestão do Edifício) para as ações de operação; segundo, o Citibank já se utilizava
de processos de licitação para garantir a contratação adequada de fornecedores.
Segundo o CitiBrasil (2016), as empresas participantes do processo das áreas
de elétrica, hidráulica, climatização, luminotécnica, paisagismo e telhado verde,
responderam a um Questionário de Responsabilidade Corporativa (QRC), que aborda
o tema sustentabilidade unido a participação em um plano de capacitação orientado
pela Declaração de Princípios a Fornecedores (DPF), documentos que garantem a
seguridade diante de três temas que tratam: práticas empresariais éticas; direitos
humanos no local de trabalho; sustentabilidade ambiental, bem como o cumprimento
da Política de Seleção e Gerenciamento de Fornecedores com o objetivo de
estabelecer diretrizes socioambientais, atendendo as Resoluções nº 4.327/14, do
Banco Central do Brasil, de 25 de abril de 2014.
Além disto, os fornecedores devem garantir ambiente de trabalho de acordo
como as Normas Regulamentadoras que garantem condições de segurança e saúde
ocupacional e a proibição explícita de trabalho infantil, forçado ou escravo.
(CITIBRASIL, 2016).
111
4.2.4 Resultados
A intervenção realizada ao edifício acumulou 51 pontos no checklist da
categoria O+M em 6 áreas de avaliação das 9 possíveis (Figura 63) recebendo o nível
Silver de certificação, sendo assim. A análise dos resultados segue a ordem das áreas
de avaliação estabelecidas pela certificação LEED.
Figura 63 – Pontuações do Citicenter
Fonte: GBIG (2019)63.
1. Desenho e Planejamento de Projeto Integrado
Objetivo: apoiar resultados de projetos econômicos de alto desempenho do
projeto por meio de uma análise prévia dos inter-relacionamentos entre sistemas.
(LEED BD+C V4, 2014, p.10).
Análise: o Citicenter não obteve estratégias para este quesito.
Objetivo: reduzir os efeitos da poluição e do desenvolvimento de terrenos do
uso de automóveis para transporte (LEED O+M V4, 2014, p.10).
Análise: o Citicenter está localizado junto às estações do Metrô de São Paulo
Trianon-Masp e Brigadeiro da Avenida Paulista, contudo o edifício não implementou
novas estratégias para o incentivo de novos modais para acesso ao edifício,
considerando a diversidade existente para este quesito. Portanto, não obteve
pontuações para esta categoria.
3. Terreno Sustentável (SS):
Objetivo: preservar a integridade ecológica e incentivar práticas de
gerenciamento do terreno ambientalmente sensíveis que propiciem um exterior de
edifício limpo, bem mantido e seguro, mas favorecendo também operações de
edifícios de alto desempenho e sua integração à paisagem vizinha. Preservar as áreas
naturais existentes e restaurar áreas danificadas para proporcionar habitat e promover
a biodiversidade. Reduzir o volume de escoamento superficial e melhorar a qualidade
da água replicando a hidrologia natural e o balanço hídrico do terreno, com base em
condições históricas e ecossistemas não desenvolvidos na região. Minimizar os
efeitos em microclimas e habitats de seres humanos e vida animal reduzindo ilhas de
calor. Aumentar o acesso ao céu noturno, melhorar a visibilidade noturna e reduzir as
consequências do empreendimento para a vida animal e as pessoas. (LEED O+M V4,
2014, p.13-25).
Análise: no terraço da agência anexa ao edifício foi implantado um terraço
verde (Figura 64-65) com 526 árvores e aproximadamente 80 espécies nativas da
Mata Atlântica (CITIBRASIL, 2015). No acesso pela Alameda Santos, criou-se uma
parede verde, totalizando 500m² de vegetação que reconstituem à Mata Atlântica que
existia na área anos atrás (CITIBRASIL, 2016). A estratégia utilizada foi resgatar a
diversidade ecológica em meio a construção (Dias, 2017).
113
Figura 64 – Terraço Verde
Fonte: Citibrasil, 2016.
Figura 65 – Terraço Verde visto da Avenida Paulista
Fonte: Acervo do autor.
Nesta área o retrofit somou 21 pontos (GBIG, 2018).
4. Uso racional da água (WE):
Objetivo: reduzir o consumo de água do interior do edifício. Apoiar a gestão da
água e identificar oportunidades de economias adicionais de água rastreando o
consumo de água. Reduzir o consumo de água externo. Conservar a água usada para
114
reposição da torre de resfriamento enquanto se controla micróbios, corrosão e crostas
no sistema de água do condensador. Apoiar a gestão da água e identificar
oportunidades de economias adicionais de água rastreando o consumo de água.
(LEED O+M V4, 2014, p. 26-37).
Análise: a redução do consumo de água do edifício concerne a três
estratégias: primeira, a implantação do sistema de bombeamento das águas
armazenadas no subterrâneo do edifício, que são utilizadas na linha de serviço
durante a operação do edifício, junto ao sistema de uso de águas pluviais; segunda,
a instalação de redutores de pressão nas torneiras dos banheiros; terceira; a
perfuração de um poço em 2016 com capacidade de extração de água em
2.200m³/mês e instalações para atendimento em 100% do edifício, com vistorias
semanais de empresa específica para controle de qualidade da água para consumo.
Segundo dados do CitiBrasil (2016, p.30), o consumo de água em 2015 foi de
47.917m³, já em 2016 totalizou 50.762m³, representando 5,9% de acréscimo. No
mesmo ano, o Citicenter extraiu 22.227m³, reduzindo o consumo de água potável no
equivalente a 43,8% do consumo do ano.
Neste item, o retrofit atingiu 9 pontos cumprindo o pré-requisito de redução do
uso de água do interior do edifício, atingindo uma redução de 30,84% no uso de água
potável em ambientes fechados e em 63% o uso de água potável em áreas verdes
atendendo também a critérios específicos implantando sistemas de medição e
controle de águas (GBIG, 2018).
5. Energia e atmosfera (EA):
Objetivo: a categoria propõe promover a continuidade de informações, para
garantir que estratégias de operação eficazes energeticamente sejam mantidas e,
sirvam de base para treinamentos e análises de sistemas. Reduzir os danos
ambientais e econômicos associados ao uso excessivo de energia estabelecendo um
nível mínimo de desempenho de energia em operação. Apoiar a gestão de energia e
identificar oportunidades de economias adicionais de energia rastreando o uso de
energia no nível do edifício. Reduzir o esgotamento do ozônio estratosférico. Usar o
processo de comissionamento do edifício existente para melhorar as operações do
edifício, a energia e a eficiência de recursos. Reduzir os danos ambientais e
econômicos associados ao uso excessivo de energia alcançando níveis mais altos de
115
desempenho de energia em operação. Aumentar a participação em tecnologias e
programas de resposta à demanda que tornem sistemas de geração e distribuição de
energia mais eficientes, aumentar a confiabilidade da rede de energia elétrica e reduzir
as emissões de gases do efeito estufa. Incentivar a redução de emissões de gases do
efeito estufa com o uso de fontes locais e provenientes da rede de energia, tecnologias
de energia renovável e projetos de mitigação de carbono. Reduzir a destruição da
camada de ozônio e promover conformidade antecipada com o Protocolo de Montreal
minimizando ao mesmo tempo as contribuições diretas para a mudança climática.
(LEED O+M V4, 2014, p.38-61).
Análise: dentro desses parâmetros, o sistema de iluminação foi substituído por
lâmpadas LED com sensores que ajustam a intensidade de iluminação artificial à
incidência natural. Como estratégia de redução de consumo em operação, o edifício
passa por desligamento parcial programado do sistema de iluminação a partir das 19h,
sendo ativos somente em casos específicos previamente informado e se autorizado
pela área de facilities (CITIBRASIL, 2014). Além disso, o sistema de condicionamento
de ar é utilizado com sensores que se ajustam a temperatura dos pavimentos,
evitando a superutilização do sistema. Todas as funções de energia do edifício, exceto
a do o sistema de elevadores conectados ao BMS (transmissor de dados simultâneo
de consumo e operação de cada equipamento), possibilitou ao Citicenter o
gerenciamento e operação em área centralizada do consumo energético do edifício,
não sendo mais dividido em zonas de controle.
Outra ação como pré-requisito da categoria da certificação LEED foi realizar
uma auditoria energética Lv.2, conduzida pela Sociedade Americana de Engenheiros
de Aquecimento, Refrigeração e Ar Condicionado (ASHRAE), cujos resultados são
utilizados como base para continuidade das estratégias de redução energética (Dias,
2017). Ainda foram realizados processos de conscientização à população do Citicorp
sobre a importância do uso consciente da energia.
Segundo o CitiBrasil (2016, p.30), do ano de 2015 para 2016 o consumo de
energia no edifício resultou em 1,3%, passando de 77.289 GJ para 76.284 GJ e 7,3%
se comparado à 2014. Economia considerável se considerar o fato de o edifício já ter
sido projetado com sistema de gerenciamento de consumos.
116
Para redução das emissões de CO2, a redução foi em função da substituição
da frota de veículos por automóveis a Gás Natural Veicular (GNV), com 16,9% em
gasolina, 18,5% em diesel e 19,6% em etanol. Contudo, houve o aumento do GNV
em 11,5%, que ainda está em avaliação para substituir os de maiores emissões
(CITIBRASIL, 2016, p.30).
Com a ferramenta Energy Star64, o Citicenter conquistou a classificação 80
pontos, ou seja, a redução de 30% de energia lhe rendeu 7 pontos dos 14 somados
nesta categoria (GBIG, 2018).
6. Materiais e recursos (MR):
Objetivo: reduzir o dano ambiental de materiais comprados, usados e
descartados nas operações dentro dos edifícios. Reduzir os danos ambientais
associados com os materiais comprados, instalados e descartados durante a
manutenção e reforma de edifícios. Estabelecer e manter um programa de redução
de fontes de materiais tóxicos para reduzir a quantidade de mercúrio levada para o
local do edifício por meio de compras de lâmpadas. Reduzir os prejuízos ambientais
de materiais usados em reformas de edifícios. Reduzir os resíduos gerados por
ocupantes de edifícios e transportados e descartados em aterros sanitários ou
incineradores. Desviar os entulhos de construção, reformas e demolição do descarte
em aterros sanitários e incineradores e recuperar e reciclar os materiais reutilizáveis.
(LEED O+M V4, 2014, p.62-77).
Análise: para a redução do volume de lixo evitando descartes incorretos, foi
implantado no edifício pontos de coleta para seleção dos materiais de descartes.
Contudo, o edifício não promove ações internas de reciclagem, somente as
direcionam a empresas específicas que fazem a reciclagem de produtos. Para tal, o
gerenciamento implantou um setor de monitoramento de resíduos que monitoram a
qualidade de sua a separação. Além da coleta seletiva, outra estratégia foi a instalação
de purificadores de água nos escritórios situados na área central dos pavimentos com
o intuito de eliminar o uso de garrafas plásticas.
64 ENERGY STAR Portfolio Manager®, um software usado para medir e identificar o consumo de energia e emissões de gases de efeito estufa. A certificação é fornecida para edifícios que atingem no mínimo 75 pontos de um total de 100.
117
Segundo dados do Citibank, o edifício calcula que 47% dos resíduos gerados
estão aptos a serem encaminhados à reciclagem (DIAS, 2017, p 15). Em 2015, foram
coletadas 285,68t de resíduos e em 2016, 221,4t, que correspondem a uma redução
de 22,5% no volume. Do total, foram selecionados 144,7t de resíduos orgânicos, 59,9t
de papel, 41,2t de resíduos eletrônicos, 15,6t de plásticos e polímeros e 1,2t de
resíduos (lâmpadas encaminhadas para incineração) (CITIBRASIL, 2016, p.30).
O Citicorp atingiu 1 ponto com implementação de política de compras
sustentáveis e gerenciamento de resíduos e fluxo resíduos (GBIG, 2018).
7. Qualidade do ambiente interno (EQ):
Objetivo: contribuir para o conforto e bem-estar dos ocupantes do edifício
estabelecendo padrões mínimos para a Qualidade do Ar Interior (QAI). Evitar ou
minimizar a exposição de ocupantes do edifício, superfícies internas e sistemas de
distribuição do ar de ventilação à fumaça ambiental do tabaco. Reduzir os níveis de
contaminantes químicos, biológicos e particulados que podem comprometer a
qualidade do ar, a saúde humana, acabamentos e sistemas de edifícios e o meio
ambiente. Manter o bem-estar dos ocupantes evitando e corrigindo os problemas de
qualidade do ar interior. Promover o conforto, bem-estar e produtividade dos
ocupantes melhorando a qualidade do ar interior. Promover a produtividade, o conforto
e o bem-estar dos ocupantes por meio do fornecimento de iluminação de qualidade.
Conectar os ocupantes do edifício com o ambiente ao ar livre, reduzir o uso de
iluminação elétrica por meio da introdução de luz natural e vistas ao espaço. Reduzir
os níveis de produtos químicos, agentes biológicos e contaminantes particulados que
podem comprometer a saúde humana, acabamentos e sistemas de edifícios e o meio
ambiente por meio da implementação de procedimentos de limpeza eficazes. Reduzir
os efeitos ambientais de produtos de limpeza, produtos descartáveis de papel para
limpeza e sacos de lixo. Reduzir os níveis de produtos químicos, agentes biológicos e
contaminantes particulados de equipamentos de limpeza elétricos. Minimizar os
problemas de pragas e a exposição a pesticidas. Avaliar o conforto dos ocupantes do
edifício. (LEED O+M V4, 2014, p.78-101).
Análise: nessa área, o projeto original comprovou que o Citicorp possui
iluminação natural em 50% dos espaços ocupados e vistas de qualidade (GBIG,
2018), ou seja, a solução estrutural proposta pelos arquitetos em grelha permitiu uma
118
independência dos sistemas estruturais com os elementos de vedação, permitindo o
envidraçamento em todas as elevações do edifício (Figura 66) e mantendo uma
relação visual dos usuários do edifício com a paisagem externa. Desse modo, a
qualidade arquitetônica do projeto original do Citicenter contribui favoravelmente ao
conforto e bem-estar de seus usuários e ocupantes do edifício, pois atende aos
requisitos desta categoria (LEED O+M V4, 2014), o que resultou em 2 pontos na
somatória.
Figura 66 – Envidraçamento da fachada do Citicenter
Fonte: Acervo do autor.
8. Inovação (IO):
Objetivo: incentivar projetos a atingir desempenho excepcional ou inovador
(LEED O+M V4, 2014, p.102).
Análise: nessa área todos os esforços já mencionados mais a consultoria feita
por profissional acreditado LEED rendeu ao Citicenter 4 pontos, pois incentiva projetos
a atingir desempenho excepcional ou inovador (GBIG, 2018).
9. Prioridade Regional (RP):
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Objetivo: obter créditos de contribuição com prioridades ambientais
geograficamente específicas, prioridades de igualdade social e prioridades de saúde
pública. (LEED V4, 2014, p.105).
Análise: O Citicenter não obteve estratégias para este quesito.
Concluindo: todas as ações apresentadas acima demonstram como a técnica
do retrofit concomitante as estratégias de ACV proposta pela certificação LEED para
a longevidade da operação do edifício integra a tendência de estratégias sustentáveis
para edifícios existentes.
Os números de economia de água, 43,8%, de energia, 7,3% e de resíduos
22,5%, entre outro, revelam que as intervenções realizadas com a certificação LEED
como norteador foram positivas.
Como resultado, o Citicenter, um importante exemplar da arquitetura moderna
paulistana, foi preservado e sua longevidade garantida.
120
Considerações Finais
A arquitetura contemporânea paulistana vive um período em que a busca por
uma arquitetura sustentável após Agenda 2030 se torna veemente para o setor da
construção civil. Assim, esta pesquisa cotejou a aplicação do retrofit concomitante a
metodologia de ACV norteada pela certificação LEED: ambas podem contribuir para
a construção sustentável e abrem uma área de atuação para arquitetos e engenheiros.
Com o intuito de promover a longevidade do patrimônio edificado, a técnica de
retrofit associado à ACV utiliza um diagnóstico para definir o grau de intervenção
adequado com o uso e implantação de tecnologias para atualização. A técnica,
devolve a edificação condições de desempenho tecnológico (Smart Building),
funcional e operacional, ou seja, promove ao usuário condições de segurança e saúde
(Health Building) consoante ao DS.
Os resultados, coletados das análises e dos estudos de caso, apontam que o
aproveitamento do patrimônio edificado pode ser otimizado por alguns fatores como:
a Memória da Cidade, que remonta sua história e passa por aspectos sociais e
culturais; o Desenvolvimento Urbano, que adensa áreas já com infraestruturas; o
Meio Ambiente, pois a técnica retrofit permite gerenciar o aproveitamento dos
produtos existentes. Desta forma, há uma redução da demanda de novos impactos
ambientais bem como sua operação, porque expõem dados de desempenho ao
permitir gerar relatórios e gráficos de operação na vida útil das edificações.
Isto resulta na diminuição da demolição e reconstrução contínua da arquitetura
contemporânea, o que configura altos impactos negativos ao meio ambiente
construído e natural. Portanto, o estudo realizado colabora com a elucidação dos
conceitos – retrofit e ACV – por publicar essa pesquisa científica e acredita contribuir
para futuras pesquisas nas áreas de construção sustentável – arquitetônica e urbana
– áreas que se mostram promissoras para profissionais que atuam em metrópoles
consolidadas como São Paulo.
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Referências
ACSELRAD, H. Sentidos da sustentabilidade urbana. In Acselrad, H. A duração
das cidades: a sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro:
DP&A/CREA-RJ. 2001.
ADAM, R.S. Princípios do eco edifício: interação entre ecologia, consciência e