UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL VERONICA OLIVEIRA DOS SANTOS O AVANÇO DO NEOCONSERVADORISMO NO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA SAÚDE E SUAS IMPLICAÇÕES FRENTE AO PROJETO ÉTICO- POLÍTICO. Natal/RN 2017
55
Embed
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · também ganhei presentes inestimáveis aos quais chamo de amigas. Desde o primeiro dia que pisei na sala de aula do setor I conquistei
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
VERONICA OLIVEIRA DOS SANTOS
O AVANÇO DO NEOCONSERVADORISMO NO TRABALHO DO ASSISTENTE
SOCIAL NA SAÚDE E SUAS IMPLICAÇÕES FRENTE AO PROJETO ÉTICO-
POLÍTICO.
Natal/RN
2017
VERONICA OLIVEIRA DOS SANTOS
O AVANÇO DO NEOCONSERVADORISMO NO TRABALHO DO ASSISTENTE
SOCIAL NA SAÚDE E SUAS IMPLICAÇÕES FRENTE AO PROJETO ÉTICO-
POLÍTICO.
Trabalho de Conclusão de Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para obtenção do título de bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Professora Larisse de Oliveira
Rodrigues.
Natal/RN
2017
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do CCSA
Santos, Veronica Oliveira dos.
O avanço do neoconservadorismo no trabalho do assistente social na saúde
e suas implicações frente ao projeto ético-político / Veronica Oliveira dos
Santos. - 2017.
55 f.
Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de
Serviço Social. Natal, RN, 2017.
Orientadora: Profa. Larisse de Oliveira Rodrigues.
1. Serviço Social - Saúde - Monografia. 2. Neoconservadorismo -
Monografia. 3. Projeto Ético-Político - Monografia. I. Rodrigues, Larisse de
Oliveira. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU
364.2:61
Dedico este trabalho a minha família por ser a minha
base em todos os momentos, aos meus professores e
orientadores que tanto contribuíram para a minha
formação profissional e a todos os/as amigos/as cujo
carinho e companheirismo me fizeram mais forte.
AGRADECIMENTOS
Um trabalho que é um passo significativo para a realização de um sonho, esse é o
significado dessa monografia. Mas não cheguei aqui sozinha, muitos foram os que contribuíram
para que eu conseguisse chegar até aqui.
Por isso, agradecer é um importante gesto, pois significa reconhecer aqueles que foram
essenciais para a minha conquista. Inicialmente agradeço a Deus por ter me sustentado em todos
os meus momentos de fraqueza e me preenchido de forças quando precisei. Também agradeço
a minha família, meus pais, minha irmã, tias e tios, primas e primos e avós por serem a base
que eu tanto necessitei, pelo apoio e por acreditarem em mim quando nem eu mesma acreditei.
Conciliar uma rotina de trabalho e faculdade não foi uma tarefa fácil e muitas vezes não
acreditei que seria capaz e nesses momentos o apoio da minha família foi fundamental, desde
o primeiro momento, desde o processo da matricula até o dia-a-dia de aulas e trabalhos. Essas
meras palavras não serão o suficiente para demonstrar minha gratidão e jamais serão uma
recompensa justa por tudo o que me proporcionaram.
E nessa caminhada rumo a conclusão da graduação não poderia deixar de agradecer aos
meus/minhas professores/as (não poderia citar nomes, pois são muitos), não existiria um
processo de aprendizado tão rico se eles não estivessem dispostos a abraçar a tão árdua tarefa
de ensinar, de compartilhar conhecimento e despertar tantas interrogações em nossas cabeças.
Sou extremamente agradecida por todas as aulas que, de uma forma ou de outra me ensinaram
algo, e nas quais eu vivenciei momentos inesquecíveis. As aulas ministradas, muito mais do
que contribuir para a minha formação profissional, contribuíram para a formação do meu
caráter, da minha postura enquanto ser humano.
Durante o processo da graduação não poderia deixar de citar um dos momentos de
grande contribuição para a minha formação profissional: o estágio. Nesse momento tive a
oportunidade de me inserir no cotidiano de trabalho de uma equipe de assistentes sociais, no
Hospital Giselda Trigueiro, e encontrei profissionais preocupados em realizar seu trabalho com
qualidade e que me receberam de braços abertos, com disposição de transmitir suas experiências
para auxiliar na minha formação. Não poderia expressar suficientemente bem, o tamanho dessa
contribuição para a minha vida, como pessoa, estudante e futura assistente social. A todos os
profissionais que compunha essa equipe, as minhas orientadoras de campo: Ana Karoliny que
me acompanhou por todo esse processo de estágio ajudando a aproveitar o máximo possível
desse momento e Manuela Brandão, que embora não tenha conseguido permanecer por todo o
período, mas foi de uma disponibilidade generosa. A todas e todos eles, gostaria de expor minha
gratidão por essa experiência tão enriquecedora.
No cotidiano da vivencia da universidade enfrentei diversos obstáculos objetivos, mas
também ganhei presentes inestimáveis aos quais chamo de amigas. Desde o primeiro dia que
pisei na sala de aula do setor I conquistei amizades que foram se solidificando ao longo desses
quatro anos. Pessoas que me ajudaram, me acolheram, me deram carinho e me ensinaram
através de ações o significado da palavra compreensão. A elas (Daluz Galvão, Claudia Araújo,
Marcella Taynara e Lidiany Alves) meus sinceros agradecimentos por terem sido um verdadeiro
porto seguro no meio acadêmico, e desde já sinto saudades das conversas diárias que
compartilhamos.
Desejo, com toda a sinceridade que existe em mim, que mais e mais pessoas consigam
vivenciar a experiencia de graduação em uma universidade pública e que em mundo melhor
todos tenham acesso igualitário a esse espaço.
DAS UTOPIAS
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
Mario Quintana.
RESUMO
O presente trabalho objetiva discutir a respeito das implicações do avanço do
neoconservadorismo na atuação do assistente social na área saúde frente ao Projeto ético-
político. Dessa forma foi realizada uma pesquisa bibliográfica no sentido de obter elementos
para a compreensão de como a vertente neoconservadora apresenta desafios para o fazer
profissional na área da saúde, dessa forma foi feito um levantamento de estudos que debatiam
a temática de maneira a proprcionar uma apropriação teórica qualificada e abrangente sobre o
assunto. Para isso, foi realizado um sucinto resgate histórico do desenvolvimento da profissão;
uma discussão a respeito do SUS e o Projeto Ético-Político; analisando o contexto
contemporâneo da saúde pública e as implicações que o neoconservadorismo apresenta para
o/a assistente social. O pensamento conservador é um dos elementos fundantes da profissão,
afinal o surgimento do Serviço Social está inicialmente e diretamente ligado a ação católica.
Ainda que a profissão tenha vivenciado um processo de grandes mudanças com a eclosão do
movimento de reconceitualização as questões cotidianas “(re)criam” alguns direcionamentos.
Nesse meio histórico germina a recusa ao conservadorismo na perspectiva de intensão de
ruptura o que acaba por contribuir com a superação da ideologia conservadora na profissão,
embora que não de forma plena. Ainda é presente a postura conservadora em algumas condutas
profissionais, mas é necessário destacar que isso não é mais o preceito defendido pela categoria
e suas entidades representativas, assim como em seus aportes teóricos, normativos e
ideológicos. Com o avanço da ideologia pós-moderna, com seu caráter superficialista das
análises, a investida neoconservadora traz para o Serviço Social algumas ameaças no sentido
da pobreza da análise social, a perda da perspectiva de totalidade, um conformismo ético-
político e um pensamento acrítico. Por isso, é extremamente importante enfatizar a necessidade
de clareza na compreensão da opção da categoria por um Projeto Ético-Político associado a um
projeto de sociedade que objetiva a superação da exploração e consequentemente do sistema
capitalista. Tal como a firmeza dos princípios éticos dispostos no Código de Ética do assistente
social. Por isso, entendendo que a saúde é uma área na qual os/as assistentes sociais mais se
inserem e que enfrentam diversos desafios e um desmonte dos seus serviços, percebemos a
necessidade de discutir essa dinâmica perpassada pela investida neoconservadora. A investida
neoconservadora é real e ameaçadora, a ideologia pós-moderna vem ganhado espaço na
sociedade, mas a categoria de Serviço Social dispõem de um entendimento bastante
fundamentado sobre a sua direção teórica e ética-política.
Palavras-chaves: Neoconservadorismo. Serviço Social. Projeto Ético-Político. Saúde.
ABSTRACT
This paper aims to discuss the implications of the advancement of neoconservatism in the role
of the social worker in the health area in front of the ethical-political project. In this way a
bibliographical research was carried out in order to obtain elements for the understanding of
how the neoconservative aspect presents challenges for the professional doing in the health
area. For this, a brief historical rescue of the development of the profession was carried out; a
discussion about SUS and the Ethical-Political Project; analyzing the contemporary context of
public health and the implications that neoconservatism presents to the social worker.
Understanding that conservative thinking is one of the founding elements of the profession,
after all the emergence of Social Service is initially and directly linked to Catholic action.
Although the profession has undergone a process of great changes with the outbreak of the
reconceptualization movement that presents other perspectives for the Social Service that would
be: the re-visualization of the conservative, the modernizing perspective and the rupturing
intention. In this historical environment germs the refusal to the conservatism in the perspective
of rupture intension which ends up contributing with the overcoming of the conservative
ideology in the profession, although not of full form. The conservative position is still present
in some professional conducts, but it is necessary to emphasize that this is no longer the precept
advocated by the category and its representative entities, as well as in its theoretical, normative
and ideological contributions. With the advancement of postmodern ideology, with its
superficialist character of analysis, the neoconservative inverse brings to Social Service some
threats in the sense of poverty of social analysis, loss of the perspective of totality, an ethical-
political conformity and uncritical thinking . Therefore, it is extremely important to emphasize
the need for clarity in the understanding of the option of the category by an Ethical-Political
Project associated with a project of society that aims at overcoming exploitation and
consequently the capitalist system. Such as the firmness of the ethical principles laid down in
the Code of Ethics of the social worker. Therefore, understanding that health is an area in which
social workers are most involved and that they face different challenges and a dismantling of
their services, we perceive the need to discuss this dynamic permeated by the neoconservative
inves- tigation.
Key-words: Neoconservatism. Social service. Ethical-Political Project. Cheers.
LISTA DE SIGLAS
CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas
CNS - Conselho Nacional de Saúde
EBSERH - Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
EC – Emenda Constitucional
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social
LOS – Lei Orgânica da Saúde
OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
atestados/declarações etc. Demandam a mobilização e articulação de recursos assistenciais inerentes à política
de saúde e as demais políticas sociais, portanto dentro e fora do sistema de saúde. (COSTA, 2000, p.317).
38
Porém, destacamos que além do conhecimento intelectual e técnico que o/a assistente
social precisa desenvolver no decorrer de sua atuação, no seu cotidiano de trabalho, a postura
ética e política é um fator primordial para o seu fazer profissional. Um conhecimento intelectual
dissociado de um embasamento ético e critico compromissado com a classe trabalhadora,
acabara por transformar o profissional, como acertadamente definiu Netto, em um “mero
executor de políticas terminais”, suscetível a posturas conservadoras.
E em um contexto onde a “onda” neoconservadora é uma forte ameaça é necessário que
a categoria esteja cada vez mais consciente da sua direção ética-política, e para isso o nosso
Código de ética e projeto ético político são fortes ferramentas que nos possibilita essa clareza
e fornecem suporte para o enfrentamento que o cotidiano profissional no contexto capitalista
nos apresenta. É nos respaldando nessas ferramentas que podemos fazer o enfrentamento
necessário a investida neoconservadora e os desafios que ela coloca para a categoria.
3.2 Investida neoconservadora e suas implicações para a profissão de Serviço Social
A preocupação com o fazer profissional sempre esteve presente na categoria, afinal uma
profissão precisa estar constantemente atenta com as suas posturas e como vem desempenhando
as suas atividades na sociedade. E o Serviço Social por trazer como um de seus elementos
fundantes o conservadorismo11 tem essa necessidade latente de analisar a profissão em si e
como ela se relaciona com a sociedade.
O trabalho do/a assistente social na área da saúde, assim como em outras áreas, é repleto
de desafios. Historicamente no contexto da saúde existe fortemente a cultura de que os
profissionais são os donos do saber e o usuário paciente é um simples receptor das orientações
desse profissional, o que traz um caráter muito subalterno para o paciente. É obvio que a parte
técnica e intelectual do processo saúde doença é competência desses profissionais, mas não
podemos inferiorizar o outro que chega em busca de atendimento. É importante entender esse
usuário enquanto parceiro nessa busca da saúde.
11 Em termos de Serviço Social, o conservadorismo é constitutivo da sua trajetória. A iniciativa de fundação da
primeira escola, em São Paulo, foi resultante da mobilização do laicato em torno do projeto de recristianização da
Igreja Católica entre as décadas de 1920 e 1930. Tem-se aí presente o conservadorismo de matriz restauradora
colocando-se como alternativa no enfrentamento da “questão-social” [...]. (SANTOS, 2007, p.53).
39
O usuário não é apenas consumidor dos efeitos úteis do trabalho e/ou de
insumos, medicamentos etc., mas é co-participante do processo de trabalho, na
medida em que dele dependem o fornecimento de informações sobre seu
estado de saúde e o cumprimento/aplicação das prescrições médicas e
recomendações terapêuticas (COSTA, 2000, p.309).
No entanto, o que se nota é uma hierarquização nos serviços de maneira que o usuário
é por muitas vezes colocado numa posição inferior. No âmbito das profissões, essa
hierarquização atinge o Serviço Social no sentido de descaracterizar a sua atuação como
elemento necessário para o processo da saúde. Nos hospitais ainda existe a cultura, por parte de
alguns profissionais de que o/a assistente social atua no sentido da caridade, porém o mais
preocupante é quando os próprios/as assistentes sociais ainda acredita nesse estereótipo. Ainda
assim, é bastante importante destacar que enquanto categoria temos muito claro que o Serviço
Social é uma profissão inserida na divisão sócio-técnica do trabalho voltada para a defesa dos
interesses da classe trabalhadora.
Atualmente podemos afirmar que o nosso Código de Ética e o Projeto ético-político da
categoria tem um direcionamento muito claro no sentido de orientar os profissionais para uma
atuação preocupada com a qualidade dos serviços prestados, assim como a ética no tratamento
da sua relação os seus usuários. E essa direção aponta para a recusa ao conservadorismo, a
categoria defende de forma muito veemente a postura crítica no que diz respeito a análise social
e desempenho de suas atividades no cotidiano do trabalho. Ainda assim, não podemos ser
ingênuos em acreditar que o conservadorismo é algo completamente erradicado do Serviço
Social, até porque a categoria é composta por um conjunto de profissionais completamente
diferentes entre si, e isso acaba por propiciar que alguns profissionais, consciente ou
inconsciente, adote uma postura de caráter conservador.
[...] a ruptura com o quase monopólio do conservadorismo no Serviço Social
não suprimiu tendências conservadoras e neoconservadoras – [...] a
heterogeneidade própria dos corpos profissionais propicia, em condições de
democracia política, a existência e a concorrência entre projetos diferentes
(NETTO, 2006, p. 17).
Isso nos mostra a importância de sempre lançar em debate a investida neoconservadora
presente na atualidade no campo da saúde, disseminar e problematizar a postura ética defendida
pela categoria é fundamental no sentido de aumentar o seu alcance entre os profissionais. É
necessário ter o entendimento de que o projeto ético-político da categoria não é uma utopia,
mas um ideal alcançável e que deve ser presente no cotidiano, para assim desenvolvermos um
atendimento com direcionamento ético-político extremamente claro.
[...] as contradições são apreendidas e (re)construídas, num movimento
dialético em que sobressai o entendimento de que formação e exercício
profissional com qualidade exigem, entre muitas outras questões, direção
40
política crítica para que o projeto ético-político profissional não se degenere
em mera “carta de intenção” (BARROCO, 2012, p.10).
Uma grande preocupação quando volto o olhar para a área da saúde é a naturalização
dos problemas sociais no sentido de atender a um usuário com demandas diversas, mas olhar
apenas para a situação pontual e emergente e a preocupação com tramites burocráticos.
Principalmente aqueles profissionais inseridos na urgência e emergência dos Hospitais são
muitos requisitados a atuar de forma pontual e isolada o que acaba por privar o profissional do
entendimento de contexto social e reforça a postura técnico-burocrático do hospital. Isso
favorece o sistema capitalista, pois não se problematiza as questões dispostas na realidade, logo,
não se propõem projetos de enfrentamento. O que ocorre é a naturalização da barbárie.
[...] um dos grandes conflitos enfrentados pelos assistentes sociais é trabalhar
demandas, pleitos, exigências imediatas – a dor, o sofrimento, a falta de tudo,
a iminência da morte, da perda do outro, enfim, a falta de condições de
trabalho, as condições de vida e o estilo – sem perder a perspectiva de médio e
longo prazo. Ou seja, enfrentar os problemas cotidianos sem perder de vista
que, nesta realidade social, ainda que seja necessário dar respostas às questões
imediatas, elas não se resolverão nesta organização social assentada na
exploração do homem pelo homem (VASCONCELOS, 2002, p. 21).
O incentivo realizado no contexto neoliberal é propagar o entendimento de que a
sociedade é como está posta e que os responsáveis são os indivíduos e, portanto, a busca por
soluções deve ser algo particular, individual. Isso dificulta a organização da classe e propaga
um conformismo social generalizado.
É próprio da sociabilidade do capital disseminar a ideia de que todos são
igualmente responsáveis pela crise societária que estamos vivenciando. Nesta
perspectiva, desemprego, violência, fome, mercantilização da saúde, da
educação e de todas as dimensões da vida social são considerados fenômenos
comuns do desenvolvimento da humanidade. E se todos são tidos como
responsáveis pela crise e se a barbárie é normal como destino da humanidade,
o resultado na vida cotidiana é a instauração de um profundo niilismo ético-
político (BARROCO, 2012, p.14).
E é essa descrença que muitas vezes invade o dia-a-dia do/a assistente social que se
desmotiva por acreditar que as suas ações não vão ter efetividade na vida daquele usuário com
um contexto de vida precário e que não tem a menor perspectiva. Mas, precisamos manter em
nossa atuação o entendimento que apenas na luta, enquanto classe trabalhadora é que podemos
conquistar e promover mudanças, é preciso ter clareza que a transformação social não será
realizada unicamente pelo/ assistente social, porque assim realmente nos frustraremos, mas não
podemos nos manter isentos frente a luta por uma nova sociabilidade.
Em outras palavras, de acordo com os pressupostos de nosso compromisso
profissional e social, não nos cabe ficar assistindo á barbárie como se cada um
de nós não tivesse nada a ver com isso. Entendemos que essa é uma questão
ética e política da maior importância: o posicionamento de cada um e de todos
41
a cada dia em face do possível mesmo que ele possa parecer ínfimo perto do
que gostaríamos que fosse (BARROCO, 2010, p. 215-216).
Uma linha de pensamento que perpassa e que cada dia ganha mais força na categoria é
a ideia de “humanização do sistema capitalista”, onde se defende a ideia de que podemos moldar
o sistema de forma que ele abarque mais direitos sociais, melhore as condições de vida da
população, mas que continue a sua forma de produção social e apropriação privada. O que
entendemos que seria impossível, pois a base do capitalismo está posta na exploração, e como
forma uma sociedade igualitária quando a exploração é sua base de sustentação? Não há
possibilidade disso, mas a força com que essa ideia é reproduzida chega a assustar, e aquilo que
parece tão obvio acabar por ser obscurecido pelo poder burguês. Não estamos afirmando que
não devemos lutar por condições de vida mais digna nesse contexto social, ao contrário,
entendemos que é primordial a luta por direitos e pela sua efetivação no cotidiano dos
indivíduos, inclusive no Código de Ética do/a Assistente Social de 1993 está colocado como
um de seus princípios fundamentais a: “Ampliação e consolidação da cidadania, considerada
tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos
das classes trabalhadoras” (p.23), o que enfatizamos é que isso não pode ser visto como um fim
último, mas como um caminhar para outra sociabilidade. O que não podemos de forma
nenhuma é perder de vista o horizonte de uma nova sociabilidade. Concordamos com Behring
que:
[...] reafirmar direitos e políticas sociais no âmbito do capitalismo e lutar por
eles, tendo como projeto uma sociedade justa e igualitária, não significa
contentar-se com os direitos nos marcos do capitalismo. Essa é uma estratégia
para o estabelecimento de condições objetivas de construção de outra forma de
sociabilidade (2011, p. 195).
A expansão dessa linha de pensamento de humanizar o capitalismo se dá ainda mais
fortemente na sociedade devido à grande afirmativa disseminada de que o ideal socialista de
uma sociedade igualitária e livre de exploração, assim como a apropriação social da riqueza
socialmente produzida não passa de uma utopia que na realidade não consegue se materializar,
que não é competente ao ponto de objetivar seus ideais. Essa desqualificação do pensamento
socialista é uma forma de estratégia de elevar o sistema capitalista como único caminho possível
para a sociedade e de fomentar a crença da impossibilidade de sua superação.
Por isso, é tão latente a necessidade de reforçar entre os/as assistentes sociais que a nossa
categoria tem um projeto ético-político que está diretamente associado a um projeto societário
com vista a superação da ordem vigente e criação de uma sociabilidade livre de qualquer tipo
de exploração.
42
Nesse contexto temos o pensamento pós-moderno12 com vistas a entender a sociedade
como uma confusão de determinantes analisados na sua particularidade de forma que a sua
compreensão permanece na superficialidade, motivo pelo qual é tão requisitado pela capital.
Isso representa um verdadeiro problema para a categoria, pois entendendo a nossa atuação
frente as expressões da questão social, é primordial que o profissional faça uso de uma análise
que busque compreender as problemáticas na sua essência de forma crítica com o intuito de
qualificar a sua atuação, algo que o pensamento pós-moderno não abarca.
[...] toda a construção teórico-metodológica da pós-modernidade emerge a
partir de determinada interpretação da realidade contemporânea marcada, sim,
por significativas alterações. [...] a percepção dessas alterações, conforme
demonstrado, é fundamentalmente aparente: descreve-as como uma série de
problemas componentes da chamada “crise da modernidade” sem penetrar em
sua essência [...]. Percebe-se que esta superficialidade analítica, sendo um
componente funcional à ordem burguesa, possui caráter conservador, pois
termina por afirmar a sua positividade (SANTOS, 2007, p.45).
Na lógica de analises individualizantes, perde-se a ótica da totalidade, e o profissional
inserido na instituição não conseguirá enxergar o contexto social que aquele usuário ao qual
está atendendo se insere. E o que se apresenta como um uso compulsivo de medicações para
conseguir sobreviver em meio ao estresse da vida, será visto como algo particular daquele
indivíduo que não consegue manter o controle em meio a situações de extrema competitividade
que a sociedade prega como algo normal, ou seja, é um problema particular que o indivíduo
não quer resolver e a solução é apresentada em forma de mercadoria, que é o medicamento.
Tudo é cada vez mais mercantilizável, inclusive os males que o próprio
capitalismo produz. Os tranquilizantes químicos têm seu consumo em alta. [...]
Os seguros-saúde fazem parte de um mercado que lucra com o
desmantelamento do sistema público de saúde e das políticas de prevenção de
doenças; isso para não falar da indústria farmacêutica (SANTOS, 2007, p.29).
Nesse caminhar individualizante, nos preocupa a perda desse total, do conjunto até
mesmo enquanto profissionais, pois sabemos que a desarticulação da categoria enfraquece o
nosso poder na luta social, o que beneficia a burguesia no sentido de manutenção do seu poder.
A investida neoconservadora13 adentra o cotidiano do trabalho no sentido de obscurecer os
12 O pensamento pós-moderno, com sua defesa de um pluralismo de jogos de linguagem que impossibilita ir além
de consensos locais e temporais, não permite dispor de critério algum para discernir as injustiças sociais. Nos deixa
a mercê do status quo, encerrados no existente e sem possibilidades de uma crítica sócio-política racional. Tal
pensamento, ainda que se proponha o contrário, termina não oferecendo apoio à democracia e sendo um apoio às
injustiças vigentes. Merece, portanto, ser denominado conservador ou neoconservador ou, ao menos, ser suspeito
de realizar tais funções” (MARONDES, 1994, p.38. APUD.: SANTOS, 2007, p.42). 13 A ideologia neoconservadora tende a se irradiar nas instituições sob formas de controle pautadas na
racionalidade tecnocrática e sistêmica tendo por finalidade a produtividade, a competitividade e a lucratividade,
onde o profissional é requisitado para executar um trabalho repetitivo e burocrático, pragmático e heterogêneo,
que não favorece atitudes críticas e posicionamentos políticos. (BARROCO, 2011 p. 213).
43
determinantes sociais que agudizam a questão social de forma a provocar no/a assistente social
uma postura tecnoburocrática com ausência de um senso crítico.
E todas as atrocidades vivenciada na sociedade é justificada pela situação de crise,
estado quase que natural do sistema capitalista. Essa justificativa invade a vida das pessoas no
sentido de agravar cada vez mais um contexto social onde a classe trabalhadora é penalizada de
uma forma que todos os seus infortúnios se apresentam como algo natural. E a busca por
superação das condições de vida precária se apresenta como um desafio individual.
Dilui-se a distância entre crise e normalidade, pois a existência normal torna-
se crítica [...] [em face de] um cotidiano de miséria material e moral que a todos
atinge. Desaparece a ideia de que a vida pode e deve ter um horizonte amplo,
sólido e aberto. Em seu lugar, predomina a sensação, psicologicamente
desestruturante, de desgoverno das expectativas. Tudo se torna precário. Um
sentimento do provisório, do frágil, do especulativo [...] preside as ações. As
elites sempre pensando no próximo bom negócio; o povo, na estratégia de
sobrevivência para o próximo dia (BENJAMIN, 1998, p. 14. APUD:
SANTOS, 2007, p.28).
Por isso, é tão imprescindível que a categoria esteja firmemente pautada em uma
ideologia crítica que permita perceber as contradições do sistema capitalista a fim de realizar
uma atuação e análise social que transcenda a compreensão capitalista de que:
[...] (a) alienação social e a violência estrutural da sociedade, (explicita nas)
desigualdades econômicas, sociais e culturais, (n)as exclusões econômicas
políticas e sociais, (n)o autoritarismo que regula todas as relações sociais e
culturais, (n)a corrupção como forma de funcionamento das instituições, (n)o
sexismo, (n)as intolerâncias religiosa, sexual e política (que) não são
consideradas formas de violência (CHAUI, 1999. APUD: VASCONCELOS,
2002, p.105).
No entanto, é importante ter a clareza de toda a conjuntura social para não acabar
desenvolvendo uma crítica no sentido de culpabilizar o profissional pela intensificação da
questão social, queremos deixar claro que a categoria também é atingida pela barbárie
capitalista. Se voltarmos o olhar para as condições de trabalho dos/as assistentes sociais
visualizaremos que a maior parte trabalha em condições precárias que objetivamente não
comporta as condições mínimas para a realização do trabalho. Isso dificulta o processo de
enfrentamento as situações cotidianas ao qual o profissional é atacado por diversas frentes e de
forma simultânea.
Não podemos cair no entendimento messiânico de acreditar que unicamente enquanto
profissionais seremos os salvadores da classe trabalhadora, primeiro porque a transformação
social não pode ser realizada por uma categoria profissional, mas sim pela classe trabalhadora
como um todo. Segundo, quando acreditamos nesse heroísmo utópico, nos afastamos do
entendimento de pertencimento da classe trabalhadora e maquiamos a nossa condição de
indivíduos que também sofre as consequências das expressões da questão social, dessa forma
44
concordamos com Barroco (2011, p. 212) ao afirmar que “a categoria não está imune aos
processos de alienação, à influência do medo social, à violência, em suas formas subjetivas e
objetivas.”. Isso favorece para que o conservadorismo encontre espaço na categoria, pois:
A reatualização do conservadorismo14 é favorecida pela precarização das
condições de trabalho e da formação profissional, pela falta de preparo técnico
e teórico, pela fragilização de uma consciência crítica e política, o que pode
motivar a busca de respostas pragmáticas e irracionalistas, a incorporação de
técnicas aparentemente úteis em um contexto fragmentário e imediatista
(BARROCO, 2011 p. 212).
A sociedade é um sistema propicio a “proliferação” da alienação, inclusive é uma forte
ferramenta para garantir a sua reprodução. A cotidianidade15 na qual se desenvolve o trabalho
do/a assistente social é um espaço onde a alienação mais se expressa, portanto é de grande
relevância manter uma postura crítica e atenta aos determinantes sociais a fim de não perder de
vista os ideais defendidos pela categoria, assim como conseguir compreender o contexto social
de forma aprofundada.
Essa alienação, forja um caminho que facilita a efervescência de posturas
antidemocráticas e preconceituosas. É bastante preocupante quando notamos essas posturas no
trabalho profissional, o âmbito da saúde é uma área pela qual perpassa muitas questões que
causam conflitos no sentido da relação dos profissionais com os usuários e com as instituições.
Temáticas como aborto, doenças sexualmente transmissíveis, dependência química, doenças
psicológicas, e etc., são alguns dos assuntos que geram atritos entre os assistentes sociais, apesar
de termos de forma muito clara no nosso Código de Ética profissional de 1993, como um dos
princípios fundamentais o “empenho na eliminação de todas as formas de preconceito,
incentivando o respeito a diversidade, à participação de grupos socialmente descriminados e a
discussão das diferenças” (p.23). Isso é algo que precisa ser exaustivamente enfatizado no
cotidiano de trabalho no sentido de propagar uma democratização social no acesso aos serviços
e direitos.
Sendo assim, a resistência a investida neoconservadora precisa ser feita com muito
afinco, pois o neoconservadorismo e o “[...] ideário pós-moderno, que negam a universalidade
dos valores, a perspectiva de totalidade, a luta de classes, o trabalho, o marxismo, afirmando
um pluralismo apoiado no ecletismo e na relativização da verdade objetiva (BARROCO, 2011
14 Entenda aqui reatualização do conservadorismo enquanto a investida de pensamentos conservadores na categoria
e não como o movimento de reconceitualização ocorrido na profissão por volta dos anos 70. 15 A vida cotidiana é o espaço de trabalho do assistente social. As demandas típicas das instituições rebatem na
dinâmica da cotidianidade, ganhando consistência, pois a heterogeneidade, a repetição, a falta de crítica, o
imediatismo, a fragmentação, o senso comum, o espontaneísmo são atitudes típicas da vida cotidiana repetidas
automaticamente em face da burocracia institucional. (BARROCO, 2012, p.73).
45
p.214), não possibilitará o desenvolvimento de um trabalho qualificado na defesa dos interesses
da classe trabalhadora.
Esse ideário neoconservador não pode ser subestimado, uma vez que, é de interesse da
burguesia que esse fator ganhe força entre a sociedade e que utilizará de diversas “armas” para
garantir que ela continue ganhando espaço.
O neoconservadorismo busca legitimação pela repressão dos trabalhadores ou
pela criminalização dos movimentos sociais, da pobreza e da militarização da
vida cotidiana. Essas formas de repressão implicam violência contra o outro, e
todas são mediadas moralmente, em diferentes graus, na medida em que se
objetiva a negação do outro: quando o outro é discriminado lhe é negado o
direito de existir como tal ou de existir com as suas diferenças (BARROCO,
2011 p.209).
Nesse cenário de violência, negação do outro e incentivo a individualização e
competitividade, uma política que pode ser um bom “instrumento” ao combate a esses fatores
na área da saúde é a Política Nacional de Humanização16 – PNH que se apresenta como uma
estratégia que auxilia no processo de efetivar os princípios do SUS utilizando a participação
dos profissionais e usuários como protagonistas no “fazer” o SUS funcionar da forma como ele
foi idealizado. Essa política preconiza o modelo de gestão coparticipativa o que enfatiza o
caráter democrático que o SUS defende. Trabalhar essa temática de forma aprofundada
ultrapassa os limites deste trabalho, mas queremos mostrar de forma sucinta que a PNH é uma
estratégia que podem auxiliar a categoria dos assistentes sociais no sentido de trabalhar nessa
democratização do acesso aos serviços de saúde.
É importante destacar que a PNH vai muito além do que “embelezar” os espaços físicos
das instituições, ela preconiza uma mudança cultural em um espaço onde a hierarquização é tão
arraigada. Porém, os assistentes sociais precisam ter clareza que essa política não é sinônimo
de postura humanista e/ou caritativa, não é ser “bonzinho” ao atender o usuário, é na realidade
defender um serviço de qualidade e lutar pela plena efetivação dos ideais propostos pela
Reforma Sanitária.
[...] o grande desafio do Serviço Social é fazer uma discussão crítica acerca das
práticas de humanização no sentido de romper com as práticas
individualizantes, de favor, de ajustamento e disciplinamento dos usuários,
bem como de alívio das tensões e amenização de conflitos e avançar no sentido
de construir e fortalecer práticas voltadas para potencializar a capacidade de
participação enquanto deliberação de sujeitos individuais e coletivos (usuários
e trabalhadores) na efetiva construção de condições objetivas dignas de
trabalho e atendimento no SUS... (COSTA, 2000, p.332).
16 Para um maior aprofundamento sobre essa politica ler: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à
Saúde. Política Nacional de Humanização. Formação e intervenção / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção
à Saúde, Política Nacional de Humanização. – Brasília : Ministério da Saúde, 2010. – (Série B. Textos Básicos de
Saúde) (Cadernos HumanizaSUS ; v. 1)
46
Sendo assim, a afirmativa é que a realidade está posta, o grande desafio da categoria é
desenvolver um trabalho com a clareza do nosso direcionamento político, principalmente tendo
a clareza de que os ditames capitalistas não podem ser enfrentados de forma individual. É
necessário que os profissionais estejam articulados com a luta geral da classe trabalhadora.
Enquanto categoria precisamos nos manter alerta para confrontar o ataque que o
neoconservadorismo vem realizando no Serviço Social.
Nesse sentido, o enfrentamento do neoconservadorismo, sob o ponto de vista
profissional, é de caráter político em dois aspectos articulados. Por um lado, é
preciso que nossa organização política esteja fortalecida e renovada com novos
quadros, supondo o trabalho de base, junto à categoria, com as entidades de
representação, as unidades de ensino, os profissionais e alunos. Por outro lado,
só conseguiremos consolidar politicamente o nosso projeto, na direção social
pretendida, se tivermos uma base social de sustentação; logo, é fundamental a
articulação com os partidos, sindicatos e entidades de classe dos trabalhadores,
com os movimentos populares e democráticos, com as associações
profissionais e entidades de defesa de direitos. E o avanço político do nosso
projeto está articulado ao avanço dessas forças sociais mais amplas. Ao mesmo
tempo, é preciso ter clareza de que essa luta é limitada, uma vez que ela envolve
dimensões que extrapolam a profissão (BARROCO, 2011 p.212).
Dessa forma, é urgente a necessidade de articulação da categoria, desde os alunos de
graduação aos profissionais no sentido de não fraquejar diante da investida neoconservadora.
Os/as assistentes sociais precisam ser assertivos no seu fazer profissional, fazendo uso dos
suportes teórico, ideológicos e normativos para qualificar e defender os ideais profissionais. O
Código de Ética, o Projeto Ético-Político e a Lei que regulamenta a profissão precisam ser
usados em favor do fazer profissional e para isso é preciso que a categoria esteja disposta a se
manter firmes na luta contra a barbárie capitalista. Não estamos subjugando as “dores” que as
batalhas nos trazem, mas vivemos em um momento histórico que não podemos recuar.
47
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Voltarmos o olhar para o interior do Serviço Social é uma atividade essencial para o
desenvolvimento e fortalecimento da profissão. Enquanto profissão inserida na divisão sócio
técnica do trabalho e que tem como um de seus elementos fundantes o conservadorismo, nos
mostra o quanto é importante nos mantermos alertas a esse elemento.
Reforçamos que, apesar do conservadorismo ser um dos elementos fundantes ele não é
o único.
Se temos uma herança conservadora, temos também uma história de ruptura:
um patrimônio conquistado que é nosso, mas cujos valores, cujas referências
teóricas e cuja força para a luta não foram inventadas por nós. Trata-se de uma
herança que pertence à humanidade e que nós resgatamos dos movimentos
revolucionários, das lutas democráticas, do marxismo, do socialismo, e
incorporamos ao nosso projeto (BARROCO, 2011, p.215).
O avanço da profissão e o seu reconhecimento social é uma trajetória repleta de
paradoxos e transformações que possibilitou o amadurecimento da categoria profissional. O
movimento de reconceitualização vivido na profissão, em especial a vertente de intenção de
ruptura foi um marco histórico no sentido de recusa ao conservadorismo no Serviço Social.
Atualmente podemos afirmar que a categoria é direcionada por uma vertente critica dialética
com visão de totalidade em defesa dos interesses da classe trabalhadora.
Sabendo que a área da saúde é um dos espaços de atuação profissional que mais
absorvem trabalhadores assistentes sociais, e que também é um espaço onde perpassa diversas
problemáticas sociais nota-se que é um campo rico em temáticas que merecem ser estudas. Mas,
a investida neoconservadora na categoria nessa área é um assunto que nos despertou o interesse
e se apresentou como uma tendência de forte relevância para o Serviço Social.
É fato que os ideias da reforma sanitária ainda não conseguiram se materializar de
forma plena, cujo sistema de saúde (SUS) não consegue se efetivar no contexto social, pois
enfrenta um verdadeiro desmonte patrocinado pela burguesia. Os ideais democráticos na saúde
enfrentam enormes obstáculos na sociedade capitalista, mas faz parte de uma das bandeiras de
luta dos assistentes sociais a defesa por um serviço de saúde pública universal e de qualidade
para a população.
A política pública de saúde tem encontrado notórias dificuldades para a sua
efetivação, como a desigualdade de acesso da população aos serviços de saúde,
o desafio de construção de práticas na integralidade, os dilemas para alcançar
a equidade no financiamento do setor, os avanços e recuos nas experiências de
48
controle social, a falta de articulação entre movimentos sociais, dentre outras.
Todas essas questões são exemplos de que a construção e consolidação dos
princípios da Reforma Sanitária permanecem como desafios fundamentais na
agenda contemporânea da política de saúde (CFESS, 2009, p. 12).
Nota-se que no contexto atual a saúde pública vem enfrentando um verdadeiro desmonte
nos serviços, e uma forte articulação do governo em criar um ambiente propicio para o
crescimento da privatização dos serviços em benefício da burguesia. A grande estratégia é
fragilizar o setor público e espalhar o discurso de que o SUS não funciona, quando na realidade
a responsabilidade disso é do poder público. A PEC 241/55 é uma das mais novas formas de
ataque do governo no sentido de congelar os gastos não apenas com a saúde pública, mas
também congelar os gastos com a educação e assistência social, ou seja, “matar dois coelhos
com uma cajadada só”, mais especificamente atingir três “coelhos” com um só golpe.
As contrarreformas político-administrativas efetuadas pelo Estado brasileiro
nos últimos anos, têm impactado brutalmente no financiamento e na
estruturação do sistema de saúde, fragilizando a assistência à população, bem
como têm estimulado a expansão do setor privado (CFESS, 2015a).
A mídia burguesa atua fortemente na divulgação das dificuldades no sistema de saúde
pública de conseguir fornecer um atendimento de qualidade a população usuária e
comitantemente as empresas privadas divulgam cada vez mais os seus planos de saúde como
algo fundamental na vida dos indivíduos pregando uma assistência que na prática não acontece.
Nesse meio social se desenvolve o trabalho do/a assistente social na área da saúde que
tem que lidar com as demandas dos usuários em um cenário permeado por precarização da
estrutura institucional, de contratos flexíveis de trabalhos, da ausência de materiais de trabalho,
da hierarquização do saber, ou seja, um cotidiano repleto de desafios.
A sociedade capitalista solicita dos/as assistentes sociais uma postura técnico-
burocrática com uma exigência de produtividade absurda sem a menor preocupação com a
qualidade do serviço. Diante disso fica evidente o quanto a categoria precisa ter clareza do seu
direcionamento político e preceitos éticos para resistir a desqualificação do exercício
profissional. E para esse enfrentamento o/a assistente social conta com alguns recursos
ideológico e normativos como o Código de Ética Profissional, a Lei que regulamenta a profissão
e o Projeto Ético-Político.
Enfatizamos que o Projeto Ético-Político da categoria está diretamente vinculado a um
projeto de sociedade sem exploração, com igualdade de direitos e de socialização na
participação da riqueza socialmente produzida, que é um modelo de sociedade completamente
oposto ao sistema capitalista. Por isso, a materialização do nosso projeto profissional é tão
desafiadora, porque ele é incompatível com a sociabilidade vigente. Dessa forma é necessário
49
que a categoria continue insistentemente a resistir a implicações que o capitalismo impõe a
sociedade, pois nesse modelo não será possível a plena efetivação dos diretos sociais.
Não é o Código de Ética que dificulta a realização do trabalho profissional. Não é o
projeto ético-político que é ilusório ou de impossível efetivação. É a sociabilidade
capitalista que não assegura condições concretas para o atendimento das necessidades
humanas e dos direitos na vida cotidiana (BARROCO, 2012, p.15).
Contudo, essa é uma luta que não se trava sozinho, nem mesmo a categoria profissional
é a única responsável por realizar as transformações sociais necessárias, o poder transformador
está na classe trabalhadora de forma geral e articulada. O diferencial é que o Serviço Social
enquanto categoria profissional tem em seus preceitos ético-políticos a articulação com a luta
geral da classe trabalhadora em defesa do interesse desta em detrimento da burguesia.
A investida neoconservadora é real e ameaçadora, mas nota-se que os profissionais na
área da saúde dispõem de um entendimento bem fundamentado sobre a direção ética-política
adotada pela categoria e assim conseguem atuar levando consigo a recusa a desqualificação do
seu exercício profissional. No entanto, não podemos negligenciar o avanço que a ideologia pós-
moderna vem conquistando, afinal o contexto social é bastante propenso a isso. E mesmo que
enquanto categoria tenhamos muito claramente a nossa posição, ainda existe profissionais nos
espaços institucionais que demonstram ideologias conservadoras, pois também precisamos ter
consciência que a categoria profissional é composta por uma heterogeneidade de indivíduos. E
nesse sentido que o CFESS é bastante assertivo ao realizar um chamado a categoria para resistir
a investida neoconservadora.
Nessa conjuntura de retrocessos sociais, econômicos, políticos e culturais, o
Serviço Social brasileiro reafirma seu compromisso com a liberdade e a
democracia, conclamando os/as assistentes sociais a se mobilizarem nos
espaços coletivos contra os avanços do neoconservadorismo na atual
conjuntura (CFESS, 2016a).
O avanço do neoconservadorismo encontra terreno fértil no processo de precarização da
educação que é a base da formação do assistente social, é o momento de forte contribuição para
forjar o caráter profissional. Principalmente o ensino a distância, alvo de diversas críticas, é
apontado como um dos fatores que tem causado uma certa fragilização na categoria no sentido
de fornecer um ensino “deficiente” que não consegue abarcar toda as dimensões teórico-
metodológica, ético-política e técnico-operativa de forma qualitativa, e por muitas vezes coloca
nos espaços de trabalho indivíduos despreparados que não conseguem desenvolver uma atuação
com caráter crítico. Da mesma forma que o materialismo histórico dialético não é abordado
nesse tipo de formação profissional com a seriedade com o qual é abordado na graduação
pública, a ideologia mercadológica é excessiva nos espaços de ensino privado. Assim, a
dimensão ética é vista apenas como uma mera norma a ser seguida e perde a sua significação
50
social. A discussão a respeito do ensino a distância ultrapassa os limites desse trabalho, mas é
sem nenhuma dúvida um fator que necessita um debate mais aprofundado, mas diante da sua
relevância e as implicações não poderia me isentar de apontar o quanto isso influência no
avanço do neoconservadorismo.
Por isso, reforçamos a necessidade de fortalecer as lutas sociais com autonomia
e destacamos o impacto do acirramento da luta de classes na produção e
reprodução do modo de viver e de pensar da classe trabalhadora. Essa
conjuntura pode alimentar as veias abertas do conservadorismo, histórico na
categoria, ou reavivar as nossas resistências profissionais (CFESS, 2015b, s/p).
Outra temática na área da saúde que necessita ser problematizada é a atuação dos/as
assistentes sociais junto a PNH, pois é uma política com a qual os profissionais estão se
envolvendo cada vez mais, e diante disso precisamos entender como isso vem acontecendo e
analisar os impactos (bons e ruins) que surgem ou podem surgir nesse envolvimento. A nossa
preocupação é a mesma apresentada por Costa de que:
[...] a categoria passe a implementar tal política sem uma efetiva e coletiva
discussão crítica. Sobretudo se considerarmos que tal reconhecimento do
profissional de serviço social em lidar com a questão da humanização e a sua
própria adesão à tal política ainda é associada a tradição e à influência do
pensamento humanista cristão (2000, p. 331).
Consideramos a PNH, uma política com grande potencial transformador, desde que
aplicada da forma com a qual foi idealizada no sentido de atuar objetivando a efetivação dos
princípios do SUS, por isso é importante que os/as assistentes sociais absorvam essa política
sempre basilados pelo método crítico dialético, evitando assim cair nas armadilhas do
pensamento conservador que tudo quer invadir.
Os assistentes sociais, nas suas diversas inserções e na efetivação das suas
atribuições e competências, precisam ter como preocupação as diversas
armadilhas pela organização social capitalista e pelas teorias não críticas e pós-
modernas no que se refere à análise das expressões da questão social
evidenciadas no cotidiano profissional (CFESS, 2009, p. 40).
Para além de uma bandeira de luta, a defesa do SUS de qualidade deve ser vista como
uma “atribuição” profissional, além de uma bandeira de luta. A investida neoliberal está
presente na conjuntura atual, e isso implica em diversas perdas para a classe trabalhadora e
diante disso a necessidade de profissionais que se coloque na luta pelos direitos da população é
de extrema importância.
Algo bastante presente no contexto da saúde é a naturalização da precarização das
condições dos serviços de saúde sem realizar o enfrentamento necessário que a categoria precisa
fazer no cotidiano de trabalho. No universo da saúde pública muitos profissionais ainda mantém
a postura do fiscalizador de normas hospitalares, atuando no sentido do “mando”, do
julgamento da postura do paciente. Percebe-se muito fortemente a postura de culpabilizar o
51
indivíduo pela situação da doença, principalmente doenças historicamente estigmatizadas como
o HIV/AIDS, por exemplo. É notório que muitos profissionais demonstram uma postura
conservadora e até mesmo arbitraria diante de demandas que envolva o público da população
LGBT, dependente químico, etc. A própria população que vive na condição de pobreza e
extrema pobreza é muitas vezes estigmatizadas e tratadas com caráter de favor pelo Serviço
Social com o viés de “conseguir” um exame, de “dar” um pacote de fraldas, de “conceder” uma
autorização para o almoço, saindo do caráter do direito que a atuação profissional precisa estar
pautada e se baseando no caráter do “favor”. O que acontece também é a confusão da função
pedagógica com o “aconselhamento” pautado em valores pessoais no que diz respeito no
processo de prevenção/tratamento de doenças.
Por isso, precisamos enfatizar cotidiana e incessantemente a visão do usuário enquanto
sujeito de direito e que a nosso trabalho é articular para que esses usuários consigam ter acesso
as políticas sociais, pois entendemos que “[...] ao garantir direitos sociais, as políticas sociais
podem contribuir para melhorar as condições de vida e trabalho das classes que vivem do seu
trabalho, ainda que não possam alterar estruturalmente o capitalismo” (CFESS, 2009, p. 10). E
para isso que é importante que a categoria busque cada vez mais:
[...] ocupar espaços públicos e estatais estratégicos que possam viabilizar a
formulação e realização dos direitos, de modo a imprimir nestes os valores e
princípios que defendemos. Quanto ao fortalecimento dos movimentos sociais,
essa postura é essencial para não restringir a materialização do projeto ao
âmbito institucional. Fazer história requer lutas coletivas, exige situar o
indivíduo e a atuação profissional nas lutas mais gerais dos trabalhadores
(BEHRING, 2011, p. 199).
É extremamente importante que o profissional desenvolva uma atitude comprometida
com a análise da conjuntura social e a consequência desse social na vida de seus usuários com
o intuito de promover uma atuação centrada na qualidade dos serviços prestados. Entendo que
isso é um grande desafio, pois vai de encontro a lógica capitalista imposta na sociedade, mas é
um enfretamento necessário, afinal “o Serviço Social se faz na luta”.
52
REFERÊNCIA
AGUIAR, Antonio Geraldo de. Serviço Social e filosofia: das origens a araxá. 4ª ed. São
Paulo: Cortez, 1985.
BARROCO, Maria Lúcia Silva. Ética: fundamentos sócio-históricos. 3 ed. – São Paulo:
Cortez, 2010.
________. Barbárie e neoconservadorismo: os desafios do projeto ético-político. Serv. Soc.