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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA JÔNATAS ALVES FERREIRA PEDRA, FERRO E SANGUE: análise histórico-arqueológica dos espaços fortificados holandeses na capitania do Rio Grande (Séc. XVII) NATAL/ RN 2013
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE …. - PEDRA... · documental, e seguiu posteriormente, com a leitura de relatos etnográficos do século XVII, cartografia e iconografia

Jan 24, 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

JÔNATAS ALVES FERREIRA

PEDRA, FERRO E SANGUE: análise histórico-arqueológica dos espaços

fortificados holandeses na capitania do Rio Grande (Séc. XVII)

NATAL/ RN

2013

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JÔNATAS ALVES FERREIRA

PEDRA, FERRO E SANGUE: análise histórico-arqueológica dos espaços fortificados

holandeses na capitania do Rio Grande (Séc. XVII)

Monografia apresentada ao Curso de História da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

sob a orientação do Prof. Dr. Roberto Airon

Silva, para avaliação da disciplina Pesquisa

Histórica II.

NATAL/RN

2013

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JÔNATAS ALVES FERREIRA

PEDRA, FERRO E SANGUE: análise histórico-arqueológica dos espaços fortificados

holandeses na capitania do Rio Grande (Séc. XVII)

Monografia apresentada ao Curso de História da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

para avaliação da disciplina Pesquisa Histórica II.

Aprovado em: ___/___/____.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________________

Prof. Roberto Airon Silva

(Orientador / UFRN)

___________________________________________________________________________

Profa. Fátima Martins Lopes

(História/UFRN)

___________________________________________________________________________

Profa. Márcia Severina Vasques

(História/UFRN)

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Dedico este trabalho à minha família, João Ferreira de Sousa, Lília

Alves da Silva e Joatan Alves Ferreira, causa e fim de todos os

meus esforços e conquistas.

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AGRADECIMENTOS

Ao nosso Pai Celestial, pela determinação para compreender, pela coragem para fazer aquilo

que é correto, e pela força para desempenhar seus ensinamentos.

À minha mãe, Lília Alves da Silva, cujo amor nunca falhou, pelos seus incessantes cuidados

dedicados a mim, assim como ao meu pai, João Ferreira de Sousa, por ser sempre meu melhor

exemplo de homem, pai e amigo.

À Ordem DeMolay e aos irmãos, pelos ensinamentos de companheirismo, liderança e

fraternidade, formadores do meu caráter.

Ao Prof. Roberto Airon Silva, por ser além de um orientador dedicado e competente, um

amigo leal e incentivador.

À Anne Noemi França Miranda, pelo incentivo, afeto e por ser sempre meu porto seguro nos

momentos de dificuldades e incertezas.

Aos amigos do curso de História, pelos momentos de felicidade e descontração que levarei

para o resto da vida.

Aos amigos do Laboratório de Arqueologia, pelo aprendizado e experiência, sem os quais este

trabalho não poderia ser realizado.

À Iris Alvares, pelo acesso ao material digitalizado do Laboratório de Imagens.

À professora Carmen Alveal, pelas indicações e empréstimos de material bibliográfico.

A todos que de alguma forma me ajudaram nesta escalada, a quem serei eternamente grato.

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“A guerra é quase tão antiga quanto o próprio homem e atinge os

lugares mais secretos do coração humano, lugares em que o ego

dissolve os propósitos racionais, onde reina o orgulho, onde a

emoção é suprema, onde o instinto é rei.”

(John Keegan, “Uma história da guerra”)

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RESUMO

Este trabalho pretende, através de uma abordagem interdisciplinar entre Arqueologia e

História, ajudar a preencher lacunas nos estudos destes campos sobre o Rio Grande do Norte.

Os espaços fortificados que foram construídos, apropriados e (ou) reformulados pelos

holandeses durante sua presença nas capitanias do Norte do Brasil no século XVII, mais

especificamente na capitania do Rio Grande (1633 - 1654), foram o objeto de estudo deste

trabalho monográfico pelo interesse de se estudar a presença destes no espaço colonial e em

função dos vestígios materiais existentes. Para isso buscou-se levantar e sistematizar

informações acerca dessas fortificações que pudessem auxiliar na produção de um breve

estudo tipológico da engenharia militar colonial do século XVII; na elaboração de um mapa

de zonas de potencial arqueológico referentes aos espaços fortificados do qual pudesse ser

analisado a distribuição espacial deste sistema de defesa holandês na capitania do Rio Grande;

na compreensão acerca da materialidade já referenciada, identificada ou coletada relacionada

a estes espaços fortificados, além da cultura material que ainda pode ser identificada através

de trabalhos arqueológicos sistemáticos. A metodologia da pesquisa orientou-se em duas

perspectivas na coleta de dados empíricos, que se iniciou com a análise bibliográfica e

documental, e seguiu posteriormente, com a leitura de relatos etnográficos do século XVII,

cartografia e iconografia histórica. Foi percebido que as categorias de espaços fortificados na

engenharia militar colonial são bastante variadas, não se resumindo aos fortes e fortalezas

litorâneas; que varias destas categorias foram transpostas para o contexto da capitania do Rio

Grande durante a presença holandesa no século XVII, a fim de compor um sistema de defesa;

que a distribuição espacial destas estruturas seguiram critérios estratégicos e econômicos; que

uma quantidade significativa de vestígios materiais relacionados a estas fortificações já foi

referenciada e que muito mais ainda poderá ser identificado através de trabalhos

arqueológicos sistemáticos nos contextos delimitados.

Palavras-chave: Presença holandesa; Espaços fortificados; Cultura material.

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ABSTRACT

This work intends to approach historical and archaeological interdisciplinary job that full the

difficulties on the colonial and historical studies in Rio Grande do Norte. The fortress and

military spaces that were edifice, acquired and reconstructed starting the Dutch colonial

presence in northwest of Brazil in XVII century, or more specially in captaincy of Rio

Grande do Norte (1633-1654)were the principal assertion in this academic monographic

work through the archaeological vestigial data. In this historical and archaeological study

intended to realize the data organization and systematization for to do a typological study of

colonial and military engineering in the XVII century. Of course, intended realize in addition

a cartographical work of archaeological potentiality zones that referees to military fortress

spaces and the remaining material culture through the systematic and archaeological

methodology. The process of methodological treats of this scientifically research followed

two perspectives in the collect and systematization of empirical data: bibliographical and

documental analysis; reading of the ethnographical writings; and analysis of historical and

iconographical cartography from the XVII century about Hispanic, Portuguese, French and

Dutch colonization in South Atlantic zones. The variety and the diversity of the military

spaces fortress in the military colonial engineering don’t resume their forms into the

traditional form of south Atlantic military fortifications but most them were doing of

transferring forms of military and adapted building that intended apprehend the defense

system. The spatial distribution of the vestigial and structural remaining showed a prodigious

quantity of military spaces fortress and a great variety of material culture remaining through

the archaeological research.

Keywords: Historical archaeology; Dutch colonial spaces; fortification structures in captaincy

of Rio Grande do Norte;

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Forte das cinco pontas.........................................................................................p. 25

Figura 2 – Ruínas da Casa (Castelo) da Torre de Garcia D´Ávila.......................................p. 27

Figura 3 – Sistema de ataque com trincheiras a uma cidade fortificada no século XVIII..p. 28

Figura 4 – Baterias de assalto...............................................................................................p. 29

Figura 5 – Litoral da Capitania do Rio Grande no século XVII.........................................p. 31

Figura 6 – Distribuição espacial das zonas potenciais.........................................................p. 31

Figura 7 – Manuscrito aquarelado de João Teixeira de Albernaz, o velho, 1631................p. 33

Figura 8 – Zona Potencial I..................................................................................................p. 35

Figura 9 – Veroveringe van Rio Grande in Brasil. Anno 1633............................................p. 36

Figura 10 – Afbeldinghe van t'Fort op Rio Grande ende belegeringhe...............................p. 36

Figura 11 – Zona Potencial II..............................................................................................p. 38

Figura 12 – Perfil de trincheira............................................................................................p. 40

Figura 13 – Cestão...............................................................................................................p. 40

Figura 14 – Zona Potencial III.............................................................................................p. 40

Figura 15 – Alterações na paisagem da ZPI........................................................................p. 42

Figura 16 – Assoreamento a partir da construção do dique................................................p. 42

Figura 17 – Fragmentos de fornilho, forquilha e piteira de cachimbos holandeses............p. 46

Figura 18 – Forquilha de cachimbo holandês decorado......................................................p. 46

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 11

CAPÍTULO 1 - OS ESPAÇOS FORTIFICADOS COLONIAIS SOB O OLHAR DA ARQUEOLOGIA HISTÓRICA ........................................................................................ 14

1.1 – ARQUEOLOGIA, ARQUEOLOGIA HISTÓRICA E PROCESSUALISMO .......... 14

1.2 - A PRESENÇA HOLANDESA E OS ESPAÇOS FORTIFICADOS NA HISTORIOGRAFIA REGIONAL E LOCAL ................................................................... 18

1.3 – “FORTES, FORTINS, CASAS-FORTES...”: A ENGENHARIA MILITAR COLONIAL E VARIEDADES TIPOLÓGICAS DOS ESPAÇOS FORTIFICADOS ....... 25

CAPÍTULO 2 – O SISTEMA DE DEFESA HOLANDÊS NA CAPITANIA DO RIO GRANDE NO SÉCULO XVII ........................................................................................... 31

2.1 – “NO RASTRO DOS FLAMENGOS”: PROPOSTA DE ZONEAMENTO ARQUEOLÓGICO DOS ESPAÇOS FORTIFICADOS HOLANDESES ......................... 31

2.1.1 – “Na banda do sul do rio”: um complexo fortificado as margens do Potengi (Zona Potencial I)........................................................................................................ 33

2.1.2 – “O grande reduto quadrangular”: o fortim da barra do Cunhaú (Zona Potencial II) ................................................................................................................. 38

2.1.3 – “uma ilha no meio do lago de Groaíras”: a casa-forte da ilha do flamengo (Zona potencial III) ..................................................................................................... 40

CAPÍTULO 3 – FRAGMENTOS DO PASSADO: OS ESPAÇOS FORTIFICADOS E O ESTUDO DOS VESTÍGIOS MATERIAIS ...................................................................... 42

3.1 – PERTURBAÇÕES CONTEXTUAIS ...................................................................... 42

3.2 – MURALHAS, CANHÕES E CACHIMBOS: OS VESTÍGIOS MATERIAIS NAS CRÔNICAS COLONIAIS, OBRAS HISTORIOGRÁFICAS E SALVAMENTOS ARQUEOLÓGICOS ........................................................................................................ 45

3.3 – A HISTÓRIA DEBAIXO DO SOLO: PROJEÇÕES ARQUEOLÓGICAS PARA O ESTUDO DOS ESPAÇOS FORTIFICADOS NO RIO GRANDE DO NORTE ............... 49

CONCLUSÃO .................................................................................................................... 52

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 54

FONTES ............................................................................................................................. 57

ANEXOS ............................................................................................................................ 58

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INTRODUÇÃO

A união das coroas ibéricas (1580 - 1640), as lutas de independência holandesa contra

a coroa espanhola e o envolvimento direto da Holanda com o transporte e distribuição do

açúcar no comércio mercantilista europeu, fez com que os interesses da Companhia das Índias

Ocidentais (W.I.C.) se voltassem para as capitanias do norte do Brasil. Dentro da história

colonial brasileira, este recorte temporal que compreende as três décadas de presença colonial

holandesa nas capitanias do norte do Brasil, desde a Bahia de Todos os Santos (1624 - 1625),

Pernambuco, Itamaracá, Paraíba, Rio Grande, Ceará e Maranhão (1630 – 1654) no século

XVII, ficou conhecido historiograficamente como “período holandês”. Recorte temporal que

sempre interessou sobremaneira a historiadores e outros intelectuais das ciências humanas que

tem o passado colonial brasileiro como objeto de análise.

Dentre as capitanias ocupadas pelos holandeses durante este período, uma destacou-se

pela sua produção de gêneros alimentícios e por ser nesta capitania que habitavam os grupos

indígenas da “nação Tapuia” liderados pelo “rei Janduí”, principais aliados indígenas dos

holandeses no Brasil. Esta capitania do Rio Grande, ocupada por portugueses desde as últimas

décadas do século XVI, na qual a presença colonizadora até aproximadamente 1680 limitou-

se à uma faixa litorânea entre as bacias do Maxaranguape e Guajú1, é ocupada pelos

holandeses em 1633, a partir de quando os holandeses colocam em ação a construção de

sistema de defesa da capitania a partir da construção e apropriação de espaços fortificados,

afim de manter as estruturas administrativas implantadas no momento.

Partindo desta delimitação espaço-temporal, realizou-se através deste trabalho, uma

análise da presença holandesa na capitania do Rio Grande no século XVII. Um aspecto

deveras importante deste contexto histórico, é a defesa das áreas ocupadas através da

construção ou apropriação de espaços fortificados. Como uma problemática histórico-

arqueológica foram formulados alguns questionamentos como: quais os tipos de fortificações

que foram utilizados pelos holandeses para manutenção da ocupação da capitania? Onde

estavam localizados estes espaços fortificados? Existem atualmente vestígios materiais destas

estruturas?

1 Ocupação da capitania do Rio Grande até 1680 e bacias hidrográficas do Rio Grande do Norte ver anexos 1 e 2

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A presença holandesa nas capitanias do Norte do Brasil e na capitania do Rio Grande é

temática recorrente nos estudos historiográficos regionais e locais desde as últimas décadas do

século XIX. No entanto, apesar de não ser um tema inédito, a presença holandesa na capitania

do Rio Grande e os seus espaços fortificados não foram ainda devidamente analisados, através

de um olhar arqueológico. Por este motivo, optou-se nesta pesquisa por uma abordagem

interdisciplinar histórico-arqueológica, que pudesse inovar na análise deste tema através do

enfoque dado aos vestígios materiais.

Dos vários campos da arqueologia possíveis, optou-se neste trabalho pelo olhar da

arqueologia histórica, ou seja, a arqueologia das sociedades que deixaram registros escritos, a

qual no contexto americano em grande parte corresponde a uma arqueologia das sociedades

modernas, pois analisa a transposição de diversos elementos da sociedade moderna europeia

para o novo mundo e as relações interétnicas provenientes deste contexto. Neste campo da

arqueologia histórica é indispensável uma relação interdisciplinar que analise os vestígios

materiais, os dados documentais e cartográficos em toda sua complexidade, produzindo uma

reconstrução histórica mais abrangente.

A fim de cumprir os objetivos da pesquisa buscou-se em primeiro lugar, compreender

a variedade tipológica da engenharia militar colonial aplicada pelos holandeses na capitania

do Rio Grande durante o século XVII. Em segundo lugar, delimitar zonas de potencial

arqueológico no contexto espacial atual do Rio Grande do Norte, e por fim, sistematizar

informações a respeito dos vestígios materiais já referenciados e dos que podem ser

identificados através de pesquisas arqueológicas sistemáticas.

A metodologia aplicada neste trabalho partiu da análise de quatro categorias de fontes

de informações, a saber: a bibliografia geral e específica sobre o tema e sobre o referencial

teórico, as crônicas coloniais portuguesas e holandesas do século XVII, a cartografia e a

iconografia histórica do mesmo recorte espaço-temporal, e por fim, os vestígios materiais

relacionados aos espaços fortificados referenciados desde as crônicas coloniais até as

pesquisas arqueológicas sistemáticas atuais.

Para a produção dos capítulos deste trabalho e delinear os objetivos propostos, após a

análise das fontes supracitadas, procedeu-se a aplicação de três procedimentos comuns em

estudos arqueológicos, a saber: a análise tipológica, o zoneamento arqueológico, e a

prospecção documental.

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No primeiro capítulo, evidenciou-se a variedade tipológica dos espaços fortificados da

engenharia militar colonial do século XVII, apresentando suas características estruturais, e

assim mostrar os exemplos de aplicação dessas variedades tipológicas utilizadas pelos

holandeses no contexto da presença destes na capitania do Rio Grande no século XVII.

No segundo capítulo, produziu-se uma proposta de zoneamento arqueológico, baseado

na potencialidade arqueológica das áreas de maior probabilidade dos espaços fortificados os

quais foram construídos, apropriados e (ou) reformulados pelos holandeses. Também se

analisou a distribuição espacial destes espaços, enquanto componentes de um sistema de

defesa holandês da capitania.

No terceiro capítulo, foi realizado um levantamento e sistematização das informações

acerca das alterações espaciais e perturbações das zonas potenciais delimitadas no capítulo

anterior; bem como dos vestígios arqueológicos referenciados tanto nas crônicas coloniais,

quanto nas obras historiográficas e nos relatórios de pesquisas arqueológicas realizadas nessas

áreas. Além disso, foi estabelecida uma projeção dos vestígios arqueológicos que ainda

podem ser identificados e analisados através de futuras pesquisas arqueológicas sistemáticas

realizadas nesses contextos.

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CAPÍTULO 1 - OS ESPAÇOS FORTIFICADOS COLONIAIS SOB O OLHAR DA ARQUEOLOGIA HISTÓRICA

1.1 – ARQUEOLOGIA, ARQUEOLOGIA HISTÓRICA E PROCESSUALISMO

A Arqueologia, no decorrer de seu desenvolvimento enquanto ciência, recebeu

múltiplas definições que variaram de acordo com os interesses de cada época e com o que se

esperava deste campo de conhecimento. Para Dickens2 esta disciplina deve ser compreendida

enquanto campo do conhecimento que se utiliza dos restos materiais para compreender o

funcionamento das sociedades humanas e da cultura. Atualmente, como bem nos mostra Arno

Kern, se prefere a definição ampla de Arqueologia enquanto “[...] a produção do

conhecimento sobre o passado humano, a partir da pesquisa dos vestígios materiais da

cultura, de todas as sociedades e de todas as épocas.” 3 Desta forma, a Arqueologia, lidaria

com a materialização do comportamento humano, ajudando a compreender as atividades do

quotidiano e as transformações dos comportamentos e hábitos, e reconstituindo assim parcelas

da sua história (KERN, 1999; LIMA, 1989).

No entanto, é importante lembrar que o interesse pela materialidade enquanto conexão

com o homem do passado não é exclusivo da Arqueologia (THOMAS, 1999). A ciência

histórica, interessada em uma reconstrução do passado, pode utilizar-se da pesquisa

arqueológica para desenvolver uma melhor reconstrução desse passado. As relações da

Arqueologia com as demais ciências (em especial a Etnologia, a História e a Antropologia),

causaram mudanças fundamentais na disciplina, gerando, sobretudo, reflexões nos aspectos

teóricos, marcados pela abertura de novos campos de ação, o aperfeiçoamento de métodos, e a

reorientação das problemáticas e busca de novas teorias.

Optou-se, no desenvolvimento desta pesquisa, pela abordagem teórica na arqueologia

chamada de processual ou New Archaeology, abordagem que surgiu na década de 60 do

século XX face à insatisfação dos pesquisadores da época com o caráter essencialmente

descritivo que marcava a pesquisa arqueológica até então. Esta nova abordagem desenvolveu-

2 APUD: LIMA, Tânia Andrade. Arqueologia Histórica: algumas considerações teóricas. CLIO, Série Arqueológica, Recife, Nº 5, 1989. 3 KERN, Arno Alvarez. Reflexões epistemológicas sobre a arqueologia brasileira. In: REUNIÃO CIENTÍFICA DA SOCIEDADE ARQUEOLÓGICA BRASILEIRA, 1999, Recife. Anais. Recife: 1999. Disponível em: proprata.com/reflexoes-epistemologicas-sobre-a-arqueologia-brasileira.

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se baseada em algumas práticas marcantes tais como a explicação do passado humano através

do uso explícito de teorias; a produção de análises sobre processos culturais; a formulação de

hipóteses que passariam a serem verificadas; uma abordagem multidisciplinar; as análises das

relações entre cultura e ambiente físico. E é claro além de uma maior ênfase em projetos de

campo utilizando amostragens estatísticas.4

Uma das mudanças fundamentais da arqueologia no último meio século foi o

reconhecimento da “Arqueologia Histórica” enquanto um subcampo da arqueologia, que

numa perspectiva mundial pode ser definida enquanto uma Arqueologia das sociedades que

deixaram registros escritos (FUNARI, 2002). No continente americano, no entanto, este termo

tem sido usado por pesquisadores como Charles Orser Jr, Maria Ximena Senatore, Andrés

Zarankin e Tânia Andrade Lima para referir-se ao estudo de um período histórico específico,

o período moderno, configurando o que é chamado de Arqueologia do mundo moderno, ou

seja: “[...] uma arqueologia direcionada ao estudo dos materiais vestigiais do período que se

inicia como o contato euro-indígena, ou seja, das relações interétnicas entre povos nativos e

outros povos transpostos ao Novo Mundo”. 5

Dentro do campo da arqueologia histórica surgem novos subcampos definidos a partir

de seus recortes espaço-temporais. Dentre estes está o subcampo chamado de arqueologia

colonial, abarcando: “pesquisas relacionadas ao estudo dos elementos vestigiais materiais

pertencentes aos séculos XVI, XVII e XVIII nas áreas de ocupação colonizadora portuguesa,

espanhola, francesa, holandesa ou inglesa” 6. No Brasil, segundo Tânia Andrade Lima7, à esta

arqueologia histórica e colonial é entregue a função de “estudar as consequências da expansão

européia (a partir) do século XV, [...], os processos de exploração, colonização e

desenvolvimento urbano, através dos vestígios materiais remanescentes”.

Alguns conceitos utilizados foram essenciais para a construção desta pesquisa. Entre

eles, o conceito de “presença holandesa” enquanto um conceito historiográfico utilizado por

historiadores como José Antônio Gonçalves de Mello e Olavo de Medeiros Filho. Outros

conceitos tais como “domínio holandês” e “invasão holandesa”, que foram abordados por uma

historiografia anterior, possuíam uma carga tendenciosa em sua formação epistemológica.

4 ROBRAHN-GONZÁLEZ, Erika Marion. Arqueologia em perspectiva: 150 anos de prática e reflexão no estudo de nosso passado. REVISTA USP, São Paulo, n.44, dezembro/fevereiro 1999-2000, p. 20 – 21. 5 SILVA, Roberto Airon. Balanço e perspectivas da pesquisa em arqueologia histórica no Rio Grande do Norte. In: XVII Semana de Humanidades, 2009, Natal. Anais... Natal: UFRN - CCHLA, 2009, p. 66 – 85, passim. 6 SILVA, op. cit., p. 67. 7 LIMA, op cit, p. 97

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Este conceito, no entanto já foi utilizado na tentativa de explicar este processo que não foi

algo inusitado e único, mas sim parte de todo o contexto histórico do período colonial, e que

se inicia com a tentativa de ocupação holandesa das capitanias da Bahia de Todos os Santos

(1624) e na ocupação efetiva de Pernambuco (1630), a partir da qual posteriormente

expandiram sua presença para as demais capitanias do norte8 (Itamaracá, Rio Grande, Paraíba,

Ceará e Maranhão).

O primeiro conceito chave é o de “espaços fortificados”. Este conceito se refere a

todos os tipos espaços construídos, modificados ou apropriados com a intenção de ocupação e

defesa de um território, e no caso, do contexto holandês na capitania do Rio Grande,

construídos com a intenção de manter as estruturas socioeconômicas implantadas. Este

conceito ajuda a compreender a existência de uma variada tipologia de espaços fortificados na

engenharia militar colonial (não apenas as fortalezas). Além disso, melhor expressa a ideia de

complexos ou sistemas fortificados, devido à presença de estruturas anexas como trincheiras,

fossos e paliçadas, que poderiam fornecer maior segurança a um local, agindo de forma

complementar entre si, como é percebido na documentação, na cartografia histórica e nos

contextos arqueológicos já escavados relativos a esse período. 9

Outro conceito importante para o desenvolvimento deste trabalho é o de “cultura

material”. Entenda-se por cultura material um conjunto de objetos produzidos por um

determinado grupo social em um determinado contexto histórico. No entanto, como nos

lembra Arno Kern10, o que chega aos dias atuais são fragmentos, representações parciais do

passado que, trabalhando em conjunto com a documentação histórica, nos ajudam a

compreender as atividades do quotidiano e as transformações dos comportamentos e hábitos,

reconstituindo assim parcelas da história das sociedades humanas analisadas.

Quanto ao quadro de fontes utilizadas para a produção deste trabalho, este é composto

por três categorias principais: as fontes documentais primárias, as fontes documentais

secundárias e as fontes materiais. A primeira categoria de fontes é composta por textos de

cronistas, viajantes e militares do contexto em questão e pela cartografia histórica e

iconografia. A segunda categoria de fontes é composta por obras historiográficas, pois desde o

8 Sobre o conceito de “capitanias do norte” ver também “ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. 4ª ed. Recife: FJN; Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 2009. 9 PRATA, Maria Catharina Queiroz. Fortificações: símbolos políticos de domínio territorial: o papel desempenhado pela engenharia militar na América portuguesa. In: VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v. 13, n. 2, p. 127-145, maio/ago. 2011. il. 10 KERN, op. cit., p. 3 - 4.

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século XIX até os dias atuais que historiadores analisam a presença holandesa no século XVII

no Brasil; e por fim relatórios de pesquisas arqueológicas sistemáticas realizadas em

contextos espaciais relativos ao contexto da presença holandesa no século XVII.

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1.2 - A PRESENÇA HOLANDESA E OS ESPAÇOS FORTIFICADOS NA HISTORIOGRAFIA REGIONAL E LOCAL

Invasões holandesas, guerras holandesas e período holandês são algumas das várias

denominações utilizadas na vasta bibliografia que nos últimos dois séculos vêm tratando do

tema da presença e ocupação holandesa de grande parte das capitanias do norte do Brasil no

século XVII, onde a construção de espaços fortificados como estratégia de manutenção das

estruturas administrativas é uma presença marcante. Assim sendo, dos primeiros estudos

historiográficos produzidos no século XIX até as análises interdisciplinares de nosso século,

temos um longo percurso que não pode ser ignorado.

Enquanto tema historiográfico as primeiras análises da presença holandesa, datam da

segunda metade do século XIX, durante o processo de tentativa de construção da identidade

nacional incentivada pelo governo Imperial e levada a cabo pelo Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro (IHGB). A temática holandesa foi abordada neste momento numa

relação de alteridade, ou seja, a construção e diferenciação do “outro” (o invasor holandês) na

tentativa de construir uma identidade brasileira, vinculada a uma herança portuguesa e

diferente do elemento estrangeiro. Este processo pode ser percebido claramente na obra

“História das Lutas contra os Holandeses no Brasil desde 1624 a 1654”, produzida em 1871

por Francisco Adolfo de Varnhagen. Sua participação no quadro de membros do IHGB desde

1841 ajuda a compreender seu discurso politicamente vinculado.

Na historiografia da primeira metade do século XX, os autores que levaram a

discussão do período holandês para o âmbito nacional foram os pernambucanos José Antônio

Gonçalves de Mello e Evaldo Cabral de Mello, através de obras emblemáticas, baseadas na

vasta documentação do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano

(IAHGP), do qual ambos fizeram parte. Produzida em 1947, “Tempo dos flamengos”,

primeira obra de José Antônio Gonçalves de Mello sobre o tema, tornou-se obra emblemática

por sua abordagem cultural da “ocupação holandesa”. Já Evaldo Cabral de Mello,

provavelmente um dos maiores especialistas neste recorte espaço-temporal, produziu uma

série de importantes obras, entre elas “Olinda restaurada”, “Rubro Veio” e, em especial, a

obra denominada “O Brasil holandês”.

É importante ressaltar que na segunda metade do século XX, inicia-se na historiografia

brasileira uma renovação e ampliação do conceito de fonte histórica, em que passam a ser

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utilizados em larga escala, os relatos dos cronistas viajantes do século XVII, proporcionando

assim abordagens mais culturalistas, como a de José Antônio Gonçalves de Mello.

Ainda no contexto pernambucano, nas últimas décadas, o que tem prevalecido são

pesquisas interdisciplinares entre História, Arqueologia e Antropologia com a intenção de

produzir reconstruções históricas mais completas e bem fundamentadas. Exemplo claro desta

perspectiva é a produção do Laboratório de Arqueologia “Brasil Arqueológico” vinculado à

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenado pelo Prof. Dr. Marcos

Albuquerque, autor da obra “Os fortes de Pernambuco” (1999) e de vários artigos que

evidenciam uma perspectiva interdisciplinar, perspectiva a qual pretende ser aplicada nesta

pesquisa.

Quanto à presença holandesa, mais especificamente, na capitania do Rio Grande

também existe uma vasta produção histórica. A origem desta produção situa-se nas primeiras

décadas do século XX, e segue uma perspectiva semelhante à utilizada por Varnhagen na

segunda metade do século XIX. O que estava em evidência naquele momento era a formação,

não mais de uma identidade nacional, e sim de uma identidade regional, através da produção

intelectual dos Institutos Histórico e Geográfico estaduais. Para isso, mais uma vez é utilizado

o recurso da relação de alteridade, ou seja, a rejeição do “elemento estrangeiro”.

Neste sentido, na primeira metade do século XX são produzidos os já conhecidos

manuais de “História do Rio Grande do Norte” de Augusto Tavares de Lyra (1921), de

Rocha Pombo (1922) e Luís da Câmara Cascudo (1955). Nas duas primeiras obras,

produzidas através da reprodução quase integral de documentos históricos, como exigia o

rigor histórico do momento, prevalece uma abordagem política, narradora dos “fatos

históricos”. Como já mencionado anteriormente, estas obras são marcadas pela forte rejeição

do elemento estrangeiro holandês em oposição ao pretenso elemento nacional de origem

portuguesa.

Em um segundo momento, Luís da Câmara Cascudo produz uma análise do período

holandês até certo ponto semelhante às análises anteriores, apesar da abordagem culturalista

como principal diferença dos manuais anteriores, pois suas obras ainda são fortemente

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20

marcadas por uma exaltação do elemento português em detrimento do elemento invasor e pela

ausência de uma perspectiva espacial no que diz respeito aos espaços fortificados. 11

A abordagem da presença holandesa na capitania do Rio Grande tem significativa

mudança a partir de Olavo de Medeiros Filho que, mesmo adepto de análises descritivas,

apresenta resultados de trabalhos com caráter mais específico, diferenciando-se dos grandes

manuais produzidos anteriormente por Tavares de Lyra, Rocha Pombo e Câmara Cascudo, e

utilizando-se grande quantidade de fontes primárias. É marcante também nos textos de Olavo

de Medeiros Filho a presença de uma perspectiva espacial quanto ao tratamento dos espaços

construídos, pois este autor além de citá-los, busca os localizá-los no contexto espacial atual.

As principais obras deste autor relacionadas à presença holandesa na capitania do Rio Grande

são as obras “No rastro dos flamengos” (1989) e “Os holandeses na capitania do Rio

Grande” (1998).

Neste vasto conjunto de autores e obras que se dedicaram ao estudo da presença

batava na região que hoje chamamos de Nordeste, foi observado que os holandeses

direcionam seu interesse para esta região devido ao mercado do açúcar, no qual já estavam

inseridos na etapa do transporte e comercialização do produto na Europa, e também devido às

guerras de libertação que travavam contra os espanhóis, senhores dos domínios portugueses,

consequentemente do Nordeste do Brasil, no momento. A fim de controlar este lucrativo

comércio do açúcar, direcionam uma primeira expedição à Salvador em 1624. Após um ano

de resistência, os luso-brasileiros expulsam estes holandeses, que passam a analisar melhor a

região e organizam uma frota ainda maior, que acaba por ocupar Olinda e Recife em 1630,

tornando Recife seu centro administrativo no Brasil (MELLO, E., 2007, 2010; MELLO, J.,

1947).

Como já citado, o maior atrativo encontrado pelos holandeses no Brasil foi o lucrativo

comércio do açúcar. Mas paralelo ao ciclo do açúcar, como nos lembra Cascudo12, existia o

ciclo do gado bovino, já que “[...] a maioria dos engenhos era trapiche, puxado pelas juntas de

bois [...]”, tornando o gado precioso para o funcionamento dos engenhos, assim como para a

alimentação das tropas e da população crescente.

11 Além de seu manual de “História do Rio Grande do Norte”, Luís da Câmara Cascudo ainda produz outra obra mais específica tratando da presença holandesa no norte do Brasil, a obra “Geografia do Brasil holandês” (1956). 12 CASCUDO, op. cit., pág. 85.

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21

Esta valorização do gado bovino pode ser percebida no “Journael de Arnhem” 13 ao

comentar a perda da região do rio São Francisco:

“[...] esse lugar era viveiro do nosso gado, e sem eles sofreremos grandes

incômodos assim por causa de nossa alimentação como por causa dos engenhos,

que, não tendo bois, devem parar [...]”.

Desta forma, a capitania do Rio Grande estava inserida na economia açucareira através

da pecuária, já que, como relata Duarte de Albuquerque em suas Memórias Diárias, aqui

havia apenas dois engenhos, mas várias fazendas de gado. Informação que se repete no relato

do soldado Ambrósio Rischoffer, membro da expedição ao Rio Grande em 1631, em que

afirmava: “avistamos rebanhos de 2000 cabeças [...] durante três dias consumimos mais carne

fresca do que no decurso de todo ano anterior [...]”.

A partir destas informações compreende-se a importância para os holandeses,

ocuparem a capitania do Rio Grande em 1633. Segundo Watjen14,

“Em 1635 os conselheiros políticos (do Recife) exaltaram a conquista desta

capitania, como um benefício inestimável da fortuna, (pois) sem o Rio Grande,

os soldados holandeses [...] ficariam condenados a morrer de fome; sem o Rio

Grande a alimentação da população de Pernambuco, em constante crescimento,

seria impossível”.

Complementa esta informação o cronista do século XVII Joan Nieuhoff15, ao afirmar

que “O Rio Grande era, portanto, a única região de onde se recebiam quantidades ponderáveis

de farinha e gado que minoravam em parte a escassez de gêneros reinante no Recife”. Desta

forma, podemos afirmar que o Rio Grande se tornou ao longo da presença holandesa um

importante centro distribuidor de gêneros alimentícios.

As primeiras informações holandesas sobre a capitania do Rio Grande são fornecidas

pela expedição tardia de socorro às tropas que se encontravam em Salvador, a qual

desembarca na Bahia da Traição em 1625 e envia um destacamento que segue em direção à

Cunhaú. Em 1626 e 1627 Dirck Symonsen e Jong Jansen percorrem o litoral, apontando as

coordenadas aproximadas da cidade do Rio Grande e de sua fortaleza na barra do rio. Após

estas primeiras informações, uma descrição mais completa da região é fornecida por Adrian 13 In: CASCUDO, op. cit. 14WATJEN, Herman. O domínio colonial holandês no Brasil. São Paulo: 1938 APUD: CASCUDO, op. cit., p. 246. 15 NIEUHOF, Joan. Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981.

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Verdonck em 1630, que dedica parte importante de seu relato para descrever a Fortaleza dos

Reis Magos, sua artilharia e contingente, além da abundância de gêneros alimentícios

(especialmente o gado vacum) tão necessários para a manutenção das tropas em campanha

(CARVALHO, 1906; CASCUDO, 1955, 1956; MEDEIROS FILHO, 1998; LYRA, 2008; ET

AL).

Após a coleta de informações e o reconhecimento da capitania do Rio Grande

enquanto área importante para o fornecimento de suprimentos para as tropas nas outras

regiões sobre domínio holandês, no ano de 1631 é organizada uma primeira expedição,

comandada por Albert Smient e Joost Closter, com a finalidade de ocupar esta capitania. No

entanto, a expedição retorna sem cumprir seu objetivo, pois, logo após o desembarque das

tropas, são interceptados documentos de interesse do conselho do Recife, o que antecipa o

retorno da expedição, adiando a conquista da capitania para os primeiros dias de dezembro de

1633, quando seguiu do Recife uma segunda e definitiva expedição que viria a conquistar a

fortaleza dos Reis Magos e assegurar a presença holandesa nesta capitania até 165416, quando

se encerra o chamado “Período Holandês”.

As informações sobre estas duas expedições, especialmente a segunda comandada

pelo Diretor geral Mathias van Keulen, Tenente-coronel Byma e pelo Almirante Lichtardt,

encontram-se no artigo de Alfredo de Carvalho (1906) “Os hollandezes no Rio Grande do

Norte”, artigo no qual o mesmo autor apresenta uma tradução integral do “Diario da jornada

ou expedição feita ao Rio Grande para, com o auxílio de Deus, á força de nossas armas,

atacar e conquistar o Forte dos Sanctos Tres Reys situado na foz do mesmo rio” 17. Contando

com um contingente de 800 homens, os comandantes optam por dividirem-se em duas frentes,

uma que seria desembarcada na Ponta Negra e seguiria por terra até o forte e outra que

seguiria por mar e forçaria a entrada na barra do rio.

Nesta expedição as tropas holandesas são divididas em duas frentes, uma seguindo

pelo mar que forçou a entrada na barra do rio Grande (Potengi) sob o comando do Almirante

Lichtardt, e outra que seguiu por terra, sob o comando do Tenente-coronel Byma, que é

desembarcada, se dirige à cidade e posteriormente, montam acampamento nos contrafortes do

antigo campo de dunas junto ao forte, onde também é estabelecido o quartel do diretor-geral

Mathias van Keulen. Em seguida, são desembarcadas peças de artilharia em trincheiras e 16 Ano no qual os luso-brasileiros derrotam as tropas holandesas na Batalha dos Guararapes. Mais informações em “História da guerra de Pernambuco” de Diogo Lopes Santiago. 17 Brieven en Papieren uit Brazilie, anno 1633, nº 17.

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posteriormente colocadas em baterias construídas nas dunas, possibilitando atacar a fortaleza

de uma posição privilegiada. Após dias de fogo intenso, o contingente da fortaleza se rende e

entrega a praça.

Depois de assegurado o domínio da praça mais importante da capitania, os holandeses

certificam-se de manter sua influência em outras regiões vitais da capitania, especialmente a

barra do rio Cunhaú e as margens da lagoa de Guaraíras, onde se encontrava respectivamente,

o único núcleo de produção de açúcar em quantidade significativa e a região de grande

produção de gêneros alimentícios (gado, pesca, e mandioca) 18.

Sobre o desenvolvimento deste processo, Olavo de Medeiros observa que os

holandeses:

“Dominaram o sistema defensivo que os portugueses tinham construído no

litoral, apoderando-se de algumas de suas fortificações, e erguendo outras. No

Rio Grande, além da fortaleza dos Reis Magos, fora edificado um fortim na barra

do rio Cunhaú, por marinheiros procedentes do norte da França, tomado pelos

flamengos em 1634. Há também notícia de uma casa-forte, levantada pelos

flamengos, na ilha localizada no meio da lagoa de Guaraíras, no atual município

de Arez” 19.

No entanto, nem a organização deste sistema defensivo foi capaz de submeter toda a

população luso-brasileira. Em todo Brasil holandês surgiram espaços de resistência, sendo o

mais conhecido deles o Arraial do Bom Jesus na capitania de Pernambuco. No Rio Grande, o

maior espaço de resistência era o engenho Cunhaú20, onde, segundo Adrian Verdonck no

início do século XVII, “[moravam] 60 a 70 homens com suas famílias” 21.

Ao se compreender o engenho Cunhaú e outras propriedades de luso-brasileiros

enquanto espaços de resistência pode-se avançar na análise de episódios históricos até então

definidos enquanto “martírios” ou “massacres”, passando a vê-los enquanto acontecimentos

consequentes do momento de guerra que se vivia nos últimos anos da presença holandesa.

Acontecimentos de guerra, assim como o assassinato de todo o contingente holandês do Forte

Schonenburch na capitania do Ceará ou a batalha da ilha do flamengo (no atual município de

18 CASCUDO, Luís da Câmara. Geografia do Brasil holandês. Rio de Janeiro: livraria José Olympio Editora, 1956. 19 MEDEIROS FILHO, Olavo. Os holandeses na capitania do Rio Grande. Natal: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 1998, p.12. 20 Sobre a família Albuquerque Maranhão e o engenho Cunhaú ver também “CASCUDO, Luís da Câmara. A casa de Cunhaú: história e genealogia. Brasilía: Senado Federal, Conselho Editorial, 2008.”. 21 MEDEIROS FILHO, op. cit., p. 7.

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Arêz) em 1648 na qual, segundo frei Rafael de Jesus: “Escalaram os nossos [portugueses] a

casa forte [...], e levaram tudo à ponta de espada, não perdoando o sexo nem a idade. [...]

Morreram nessa ocasião todos quantos holandeses, índios e negros haviam na fortificação”22.

Neste momento de instabilidade e batalhas constantes os holandeses capitulam

definitivamente no Recife em 1654 após o conhecido episódio da batalha dos Guararapes.

Consequentemente, é também o fim da presença holandesa também na capitania do Rio

Grande.

22 Frei Rafael de Jesus. O castrioto lusitano APUD: LYRA, Tavares de. História do Rio Grande do Norte. Natal: EDUFRN, 2008, p. 117 - 118 (3ª Ed.).

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1.3 – “FORTES, FORTINS, CASAS-FORTES...”: A ENGENHARIA MILITAR COLONIAL E VARIEDADES TIPOLÓGICAS DOS ESPAÇOS FORTIFICADOS

Como pode ser anteriormente percebido através de alguns relatos, os espaços

fortificados da engenharia militar colonial dos séculos XVI e XVII são bastante diversos, ao

contrário do que se poderia imaginar sem uma análise mais aprofundada da temática. Na

maioria dos casos, estudos patrimoniais de Arquitetura ou História detiveram-se

tradicionalmente nas grandes estruturas ainda preservadas, como são os casos dos fortes ou

fortalezas presentes em todo o litoral do Brasil.

Um dos objetivos desta pesquisa, no entanto é demonstrar a variedade dos espaços

fortificados da engenharia militar colonial do século XVII citados nos relatos coloniais de

soldados, cientistas e padres, ou reproduzidos na iconografia e cartografia histórica e também

através de um levantamento tipológico. Ressaltar ainda os elementos que os diferenciam entre

si, e apontar quais destas variedades tipológicas são aplicadas ao contexto da capitania do Rio

Grande durante a presença holandesa.

Como nos lembra Pedro Paulo Funari:

A tipologia em arqueologia é essencial para verificar constâncias ou recorrências

não casuais que permitem ao arqueólogo reconstruir a mudança dos artefatos

com o decorrer do tempo, [...], as diferentes ocupações do espaço etc.

Utilizando-se sucessivas tipologias e com o concurso de outros procedimentos

analíticos chega-se a formular, portanto, explicações do tempo. Assim, a

tipologia, como ficou claro, não é um fim em si mesmo, mas um meio para

compreender a sociedade e suas transformações. 23

Segundo Cláudia de Oliveira Uessler: “[...] as fortificações são consideradas como a

arte ou efeito de organizar, por meio de construções militares, a defesa, posse e/ ou ataque a

um determinado território”, e estas podem ser divididas em duas categorias: permanentes,

construídas com materiais de alta durabilidade como pedra e cal; e provisórias ou de

campanha, edificadas durante o combate e empregando materiais que propiciem uma

construção mais rápida como madeira e terra. (EUSSLER, 2006, p. 43; PRATA, 2011, p. 123

- 124)

23 FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Arqueologia. São Paulo: Contexto, 2010, p. 60.

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Na transição da Idade Média para a Idade Moderna, o avanço das tecnologias de

artilharia coloca em cheque os antigos castelos medievais. Neste contexto que surge a

fortificação que se tornaria o ícone da engenharia militar colonial no Brasil, os fortes providos

de baluartes, que: “[...] permitia o cruzamento de fogos e o flanqueamento das posições;

possibilitando a defesa contra os ataques inimigos de cada um dos ângulos do elemento”. Por

este motivo eram geralmente construídos próximos a canais de navegação ou passagem

terrestres estratégicos. (EUSSLER, 2006, p. 62; PRATA, 2011, p. 132 - 133)

Figura 1 - Forte das cinco pontas (Fonte: MELLO, José Antônio Gonsalves de. A cartografia holandesa do Recife: estudo dos principais mapas da cidade, do período 1631 - 1648. Recife: Parque Histórico Nacional dos Guararapes IPHAN/MEC,

1976.)

Na capitania do Rio Grande, o espaço fortificado representante desta tipologia foi e é a

fortaleza dos Reis Magos, construído a primeira vez em 1598 e assumindo sua configuração

definitiva em 1614. Construção em pedra e cal, provida de cinco baluartes, localizada nos

arrecifes da margem sul do rio Potengi; localização estratégica se considerada suas funções de

defesa da barra do rio e, consequentemente, da povoação do Natal.

Outro espaço fortificado que se destaca na arquitetura militar colonial são os

chamados fortins, que segundo Cláudia de Oliveira Eussler24 define enquanto:

[...] pequeno assentamento fortificado de campanha utilizado para a defesa e

vigia de pontos estratégicos, ou ainda como ponto de apoio de tropas. Desse

24 EUSSLER, op. cit., p. 52.

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modo caracterizamos como fortim uma pequena obra de defesa e/ou provisório

de um pequeno contingente.

Estes fortins eram geralmente rodeados de parapeitos, ou seja, uma muralha de

proteção, ou trincheiras. Eram construídos na maioria das vezes de taipa e/ou estacada, devido

ao seu caráter de fortificações temporárias. Estavam localizados em lugares de boa altitude,

devido a sua função de vigiar a aproximação de inimigos por mar ou terra.25

Em 1634, marinheiros do norte da França auxiliados por luso-brasileiros constroem

um fortim na antiga barra do rio Cunhaú, que é apropriado pelos holandeses logo em seguida.

O espaço fortificado, que tinha o fortim como principal fortificação, era composto também

por fossos, paliçadas, muralhas e parapeitos encaixando-se desta forma na definição

apresentada por Eussler.

Outra categoria de espaço fortificado fundamental para a engenharia militar colonial é

a das “casas fortes”. Estas surgem na península ibérica no século XIV, e se popularizam

durante o reinado de D. Dinís em Portugal, durante as reformulações das estruturas militares,

especialmente dos castelos, empreendidas pelo monarca. Esta variedade de fortificação, de

menor proporção se compara as fortalezas litorâneas, são disseminadas em quase todas as

possessões portuguesas no Atlântico e no Índico, durante os séculos XV, XVI e XVII,

adaptando-se na maioria dos casos ao estilo arquitetônico local, mas mantendo suas funções e

características principais. 26

Apesar de complexas, as definições para “casa forte” convergem para a descrição de

um lugar fortificado, construído em áreas elevadas, resistente, de paredes espessas, com a

função de aquartelar homens durante uma invasão e armazenamento de bens em geral.

Roberto Airon Silva compreende estas estruturas: “[...] enquanto construção arquitetônica de

uso civil e militar, isto é, com valor e uso de residência e ao mesmo tempo de significado e

utilização para fins de defesa em tempos de guerra [...]”. 27

25 Idem, p. 53. 26 SILVA, Roberto Airon. Uma arqueologia das casas fortes: organização militar, território e guerra na capitania do Rio Grande – século XVII. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010. 27 Idem, passim.

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Figura 2 - Ruínas da Casa (Castelo) da Torre de Garcia D´Ávila. (Fonte: http:// www.flickr.com/photos)

Como também ressalta Silva, estas casas fortes possuem significativa relação com o

recorte temporal deste trabalho, já que:

As primeiras referências que encontramos sobre as casas fortes e seu uso no

mecanismo estratégico de guerra declarada encontram-se no contexto da

chamada Guerra Brasílica, ou seja, o processo dos conflitos armados entre

portugueses e holandeses pela posse e domínio [...] (d)as capitanias de

Pernambuco e de Itamaracá, que estiveram sob o domínio holandês de 1630 a

1654, além claro das outras províncias holandesas cujo território foi anexado aos

seus domínios ao longo de sua presença no Brasil, que foram as capitanias da

Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. 28

Durante a presença holandesa na capitania do Rio Grande no século XVII, observamos

dois exemplos de transposição desta categoria de espaço fortificado. O primeiro refere-se a

“[...] casa quadrada cercada com forte paliçada [...]” citada na História ou Anais dos Feitos da

Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais, desde o seu começo até o fim de Joannes de

Laet (1647). Estrutura que Roberto A. Silva acredita estar representada no contexto

arqueológico atual pelas ruínas da chamada casa de pedra do Pium.

O segundo exemplo é a casa forte construída pelos holandeses na, atualmente

conhecida como, ilha do Flamengo na lagoa de Guaraíras, a fim de armazenar a produção de

farinha, pescado e carne bovina da região a ser enviada para as tropas nas demais capitanias

em guerra. Construção resistente, feita de pedra calcária, no ponto mais alto da ilha, com as

finalidades de aquartelamento e armazenamento assim como previa a definição de casa forte

explicitada por Silva.

Quanto às trincheiras, construídas através de escavações no solo para que a terra

extraída sirva de parapeito, percebeu-se que estas são componentes importantes dos sistemas

28 Idem, p. 60 – 61.

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fortificados, aparecendo tanto como estruturas temporárias, que auxiliavam no cerco de fortes

ou fortalezas, posições seguras para a movimentação de tropas, munições e mantimentos;

quanto como estruturas permanentes, reforçando a defesa destes mesmos fortes e fortalezas.

Ou seja: “[...] suporte de defesa ou ataque às fortificações permanentes e passageiras”. 29

Figura 3 - Sistema de ataque com trincheiras a uma cidade fortificada no século XVIII (Fonte: EUSSLER, 2006, p.51)

Durante a presença holandesa na capitania do Rio Grande no século XVII, trincheiras

são construídas nas duas situações descritas acima. Primeiramente no cerco do forte dos Reis

Magos, realizado pelos holandeses em 1633, providas de cestões30, diminuindo a

vulnerabilidade das tropas e auxiliando na circulação de mantimentos e munições de guerra. E

aparecem também compondo o sistema fortificado defensivo da casa-forte da ilha do

flamengo.

Outro componente importante de vários sistemas fortificados de sítios coloniais são as

baterias. Assim como as trincheiras, estas obras nas quais são instaladas peças de artilharia,

podem servir tanto a sistemas ofensivos e temporários como quanto a sistemas defensivos e

permanentes. No primeiro caso, geralmente eram construídos em taipa e/ou tijolos de adobe,

enquanto no segundo poderiam ser construídos de pedra e cal. 31

29 Idem, p. 46 30 Cestos de vegetal trançado e cheios de terra e pedras 31 EUSSLER, op. cit.,59 – 60.

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No relato de conquista da fortaleza dos Reis Magos e na cartografia “Veroveringe van

Rio Grande in 1633”, podem ser percebidas três baterias de assalto que foram utilizadas para

bombardear o contingente da fortaleza de uma posição privilegiada.

Figura 4 - Baterias de assalto - seção da “Veroveringe van Rio Grande in 1633” (Fonte: http://www.raremaps.com/gallery/detail/0323gh/Veroveringe_van_Rio_Grande_in_Brasil_Anno_1633/Commelyn.htm)

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CAPÍTULO 2 – O SISTEMA DE DEFESA HOLANDÊS NA CAPITANIA DO RIO GRANDE NO SÉCULO XVII

2.1 – “NO RASTRO DOS FLAMENGOS”: PROPOSTA DE ZONEAMENTO ARQUEOLÓGICO DOS ESPAÇOS FORTIFICADOS HOLANDESES

Há uma variedade tipológica dos espaços fortificados presentes na engenharia militar

colonial. Tais variações são presentes considerando que as fortalezas e os fortes, enquanto

forma clássica e tradicional da engenharia para uso militar, não são os únicos espaços

fortificados existentes durante o período colonial e transpostas para o contexto da capitania do

Rio Grande no século XVII. Tal fato torna necessário apresentar um zoneamento

arqueológico dos espaços fortificados que foram construídos, apropriados e (ou) reformados

pelos holandeses durante sua presença e tentativa de ocupação desta capitania.

Como afirma Albuquerque32, o espaço fortificado:

[...] não possui existência própria, existência em si mesmo, mas sim, integra um

sistema mais amplo do qual não ultrapassa a categoria de uma de suas unidades

funcionais. Admitindo-se esta visão como correta o estudo do forte não pode se

limitar ao interior de suas muralhas. Deverá necessariamente interrelacionar-se

com o todo. O particular e o geral deverão se confundir e retroalimentar-se

reciprocamente.

O zoneamento arqueológico consiste na produção de um inventário de áreas

potenciais, delimitando no contexto espacial atual as zonas de potencial arqueológico a partir

de informações indicativas de diferentes procedências como relatos de viajantes e demais

tipos de documentação primária, cartografia e iconografia histórica, identificação de vestígios

aparentes, entre várias outras. Considerando levantamentos dos contextos histórico, ambiental

e arqueológico, estes limites podendo ser expandidos ou recuados nas fases subsequentes da

pesquisa. 33

32 ALBUQUERQUE, Marcos. Assentamientos militares: una perspectiva en abordagem. Arqueologia Histórica na América Latina - The South Carolina Institute of Archaeology and Anthropology, Columbia (EUA), v. 14, p. 19 – 38, 1996. Volume dedicado à II Conferência Internacional de Arqueologia Histórica Americana, Santa Fé, Argentina, 1995, p. 26. 33 CHMYZ, Igor; BROCHIER, Laércio Loiola. Proposta de Zoneamento Arqueológico para o Município de Curitiba. Arqueologia – Revista do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas, v. 8, p. 35-60, 2004.

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Desta forma, o zoneamento produzido consiste na delimitação de um sistema amplo de

ocupação e defesa, no qual as unidades foram construídas com funções, estruturas e

localizações específicas. Variações estas estava diretamente relacionadas à questões

estratégicas e ambientais, como posição na paisagem (altitude, proximidade à formações

naturais como barras de rios), disponibilidade de recursos hídricos e alimentares,

disponibilidade de matéria prima, entre outras. Nuances que podem ser percebidas através da

análise da distribuição espacial no território colonial amplamente descrito e representado na

cartografia histórica, e no contexto arqueológico atual.

Figura 5 - Litoral da Capitania do Rio Grande no século XVII- Seção da cartografia "Prefecturae de Paraiba et Rio Grande" (Fonte: http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/02460006)

Figura 6 - Distribuição espacial das zonas potenciais (Fonte: imagem editada no Google Earth)

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2.1.1 – “Na banda do sul do rio”: um complexo fortificado as margens do Potengi (Zona Potencial I)

A primeira zona de potencial arqueológico delimitada abrange quase toda a área entre

a Fortaleza dos Reis Magos e o Círculo Militar (ambos inclusos), na margem direita (sentido

W > E) do rio Potengi, a exceção da estreita faixa de terra de aproximadamente 200 m a partir

da margem atual do rio, já que esta não fazia parte das terras emersas no contexto analisado,

sendo assoreada somente na década de 20 do século passado.

É nesta margem direita do Potengi que foi construído nos últimos anos do século XVI

o Forte dos Santos Reis, Fortaleza do Rio Grande ou, como é conhecido atualmente, Forte dos

Reis Magos. Forte este que, como já foi mencionado, é conquistado pelos holandeses em 12

de Dezembro de 1633, marcando o início da presença efetiva destes na capitania do Rio

Grande.

É desnecessário justificar sua inserção no sistema holandês de ocupação e defesa da

capitania, já que este consiste no mais estruturado, melhor construído e de maior poder de

fogo entre os espaços fortificados construídos na capitania do Rio Grande, além de sua

localização estratégica na barra do rio Potengi, principal via de acesso da capitania à

povoação do Natal.

Como já referenciava o aspirante ao cargo de Capitão-mor da capitania do Rio Grande

e futuro Capitão-mor da capitania do Ceará, Domingos de Beiga34 na década de 20 do século

XVII:

“A fortaleza do Rio Grande é a maior e mais bem traçada que há no estado do

Brasil, está situada na terra firme sobre arrecifes da banda do sul do rio, mas de

modo que de maré cheia fica por todas as partes rodeada de mar [...] Tem esta

fortaleza trinta e três peças de artelharia grossa, nove de bronze, que jogam de

dez até catorze libras de bala [...] Tem esta fortaleza duas casamatas, em cada

uma sua peça de ferro, que jogam oito libras de bala [...].”

No entanto, segundo Francisco de Brito Freyre, nem toda esta estrutura pode suplantar

a maior deficiência da fortaleza, uma antiga linha de dunas:

“[...] acumulada dos ventos, que sendo eles tão vários e ela tão movediça, por

mais que insistíamos em desfazê-lo, baldava o trabalho de muitos meses o

34 Frei Rafael de Jesus APUD: Lyra, 2008, p. 57.

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34

espaço de poucas horas, tornando brevemente a se juntar do mesmo modo, no

próprio sítio [...]”35

Essas dunas localizadas ao sudoeste da fortaleza que são retratadas no “manuscrito

aquarelado de João Teixeira de Albernaz, o velho, 1631” como: “Modo de area diante do forte

setenta e três braças e que tem de cumprido 68 braças e de largo 48. Padastro 60 pés.”36.

Distância e dimensões que podem ter variado entre os anos de 1631 e 1633, mas que, mesmo

assim, possibilitaram aos holandeses uma posição privilegiada de ataque à fortaleza.

Figura 7 - Manuscrito aquarelado de João Teixeira de Albernaz, o velho, 1631 (Fonte: LISBOA, Murilo de Andrade Lima (Org.). Coleção Nova Lusitânia e outras obras (CD-ROM). Recife: Beca Produções Culturais, 2002.)

O primeiro espaço fortificado estabelecido pelos holandeses na capitania do Rio

Grande é um acampamento militar que, durante aproximadamente uma semana, abrigou um

contingente de aproximadamente 800 soldados. Este acampamento “[...] estava situado a

distância de um tiro de fuzil do forte, mas abrigado do fogo por uma duna [...]” 37. Desta

forma protegido dos disparos da artilharia da fortaleza dos Reis Magos pelo campo de dunas

citado acima e provavelmente localizado, no contexto arqueológico atual, nas proximidades

do círculo militar de Natal.

35 Francisco de Brito Freyre, História da guerra brasílica, 1655, p. 273. 36 Ao converter estas medidas chegamos às dimensões aproximadas deste campo de dunas, podendo-se afirmar que este se encontrava a 140m de distância do forte, com 125mx90m, ou seja, 11 Km² de extensão e 18 metros de altura. 37 Francisco de Brito Freyre, op. cit., p. 175.

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35

Foi nesta mesma área protegida pelo campo de dunas que os holandeses se apropriam

se uma casa que, através da análise da cartografia histórica, é possível associar à casa que

Albernaz o Velho (1631) chama de “casa de um pescador francês” na curva do rio Potengi

que Câmara Cascudo chama de Reffoles. Casa que o mesmo Cascudo descreve, ao analisar as

cartografias “Afbeldinghe van t'Fort op Rio Grande ende belegeringhe” e “Veroveringe van

Rio Grande in Brasil. Anno 1633” como: “Uma casa, cheia de soldados (que), sabe-se ser o

quartel-general do conselheiro Matias van Keulen [...]”. 38

É perceptível que o campo de dunas citado teve papel estratégico fundamental para a

conquista da fortaleza pelos holandeses em Dezembro de 1633. Pois, além de proteger o

acampamento e o quartel-general holandês, foi no alto das colinas destas dunas que foram

montadas as três baterias de assalto providas de canhões de ferro e bronze além de morteiros,

que alvejaram a fortaleza durante os dias de resistência, como aparece no já citado relatório de

tomada da fortaleza:

“Julgou-se [...] fazer desembarcar na próxima noute ainda duas peças de 12

libras e postal-as, junto com as duas menores já em terra, no alto da duna que

estando quase ao mesmo nivel do forte, nos permitia batel-o com vantagem [...].

Hontem á noute foram mandados a terra 60 marinheiros afim de trabalhar nos

nossos approxes e na construção de duas baterias, uma para as duas peças de 12

e outra para as duas de 6. [...] Domingo, 11 de Dezembro, - Durante a noute

passada trabalhou-se activamente nas três baterias,[...]; logo que a lua se pôz

foram transportadas para terra as duas peças da caravella, com seus reparos,

sendo collocadas em bateria e estando, ao amanhecer, promptas para a ação.” 39

Para auxiliar na movimentação das tropas, armamentos e outros materiais na zona de

combate e garantir aos soldados uma aproximação mais segura da fortaleza, foi construída

uma rede de trincheiras e aproxes no espaço entre as baterias e a fortaleza. Posições seguras

de onde os soldados podiam disparar sua mosquetaria contra o contingente da fortaleza.

Ao analisar as informações citadas acima foi possível perceber que, a fim de

conquistar a fortaleza dos Reis Magos, que a partir deste momento passa a se chamar castelo

van Keulen, os holandeses constroem um sistema ofensivo, consequentemente temporário, na

38 CASCUDO, Luís da Câmara. Geografia do Brasil holandês. Rio de Janeiro: livraria José Olympio Editora, 1956. p. 253. 39 CARVALHO, op. cit., p. 176 – 180.

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margem direita do Potengi (zona potencial I) 40, composto de várias unidades fortificadas

tipologicamente distintas. Sistema ofensivo este composto pelo acampamento das tropas, pelo

quartel-general do conselheiro van Keulen, pelas baterias de assaltos, pela rede de trincheiras.

Desta forma, Alcançaram seu objetivo, de conquistar a fortaleza do Rio Grande e iniciar a

montagem do sistema defensivo da capitania a partir de sua principal fortificação.

Figura 8 - Zona Potencial I (Fonte: imagem editada no Google Earth)

Na cartografia histórica “Veroveringe van Rio Grande in Brasil. Anno 1633”, que traz

o relato da tomada da fortaleza do Rio Grande em forma iconográfica, é observada a

distribuição espacial de todas as estruturas supracitadas. A fortaleza dos Reis Magos voltada

para o mar, as baterias de assalto no alto do “padastro” 41 de areia, o acampamento militar e o

quartel-general, ambos protegidos da artilharia da fortaleza pelo campo de dunas.

40 Coordenadas da Zona Potencial: ZPI’: 5°45’36.70’’S/35°11’44.86’’O; ZPI’’: 5°45’33.77’’S/35°11’50.35’’O; ZPI’’’: 5°45’20.99’’S/35°11’42.42’’O; ZPI’’’’: 5°45’21.79’’S/35°11’40.42’’O. (Mais imagens da Zona Potencial I ver anexos 3 e 4) 41 Posição privilegiada ou ponto elevado em relação à fortaleza, de onde esta pode ser batida.

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Figura 9 - Veroveringe van Rio Grande in Brasil. Anno 1633 (Fonte: http://www.raremaps.com/gallery/detail/0323gh/Veroveringe_van_Rio_Grande_in_Brasil_Anno_1633/Commelyn.html)

As mesmas estruturas são representadas na cartografia histórica “Afbeeldinghe van

t’Fort op Rio Grande ende belegeringhe”, com informações mais detalhadas. Nesta cartografia

é identificada, entre as três baterias de assalto, uma de morteiros, ou seja, granadeiros que

realizavam disparos em parábolas mais oblíquas se comparadas às demais peças de artilharia

utilizadas. É também nesta cartografia que a “[...] casa cheia de soldados [...]”, referenciada

por Câmara Cascudo, é identificada enquanto o alojamento do conselheiro Mathias van

Keulen.

Figura 10 - Afbeldinghe van t'Fort op Rio Grande ende belegeringhe (Fonte: http://luna.wustl.edu:8180/luna/servlet/detail/JCB~1~1~6298~9600004:Afbeeldinghe-van-t-fort-op-Rio-Gran)

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2.1.2 – “O grande reduto quadrangular”: o fortim da barra do Cunhaú (Zona Potencial II)

Após a conquista da fortaleza do Rio Grande, o espaço fortificado seguinte a compor o

sistema defensivo holandês na capitania do Rio Grande, mesmo que por curto período de

tempo, foi o fortim na antiga barra do rio Cunhaú. Segundo Olavo de Medeiros Filho, este

fortim apropriado pelos holandeses é construído por comerciantes do norte da França

auxiliados por moradores luso-brasileiros da região do engenho Cunhaú em 1634 e que foi

descrito por soldados holandeses, feitos prisioneiros e obrigados a trabalhar em obras, como:

“um grande reduto quadrangular e duplo, as muralhas da altura de dois homens,

sem pontos ou flancos, o alto dominava o baixo, e estavam juntos na encosta de

um monte, que dominava ambos, e era difícil ir-se ao monte sem ser visto do

forte; o fosso tinha uma profundidade de um homem e era todo cercado de

paliçadas” 42.

Após a fuga dos prisioneiros holandeses, as tropas do castelo Keulen organizaram uma

investida comandada pelo coronel Artchoffsk. Ao chegar nas proximidades do fortim estes

mesmos encontraram o reduto com sua estrutura reforçada, no qual se via que:

“O fosso tinha a altura de um pique43, a muralha mais de um pique, e o reduto

elevado que dominava o baixo, estava em cima como um castelo, tendo a

muralha mais alta que um pique e meio [...]” 44.

Mesmo assim, a expedição conquista o fortim que se encontrava numa região

economicamente importante, pelos currais de gado e a produção de açúcar do engenho

Cunhaú, e também, estrategicamente, espaço vital para os holandeses por ser próximo ao

maior núcleo de resistência da capitania. No entanto tal proximidade também tornava difícil a

manutenção do fortim, tendo-se em vista o vasto território em que esses holandeses buscavam

ocupar com um pequeno coeficiente populacional. Desta forma decidem incendiá-lo pouco

tempo depois.

Este fortim descrito por Duarte de Albuquerque Coelho em suas “Memórias diárias”

enquanto um: “[...] redutozinho pouco capaz, feito na barra (do rio Cunhaú), cinco léguas do

mesmo engenho, para defesa das embarcações que ali entravam [...]”, enquanto espaço

42 MEDEIROS FILHO, op. cit., p. 67-69. 43 Pique refere-se ao comprimento de uma lança, utilizada pela unidade de infantaria chamada piqueiro, e corresponde ao comprimento aproximado de 2,5 metros. 44 Joan de Laet APUD: MEDEIROS FILHO, op. cit., p. 68.

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fortificado, era composto por algumas estruturas defensivas próprias desta categoria

tipológica como os “fossos”, que são valas escavadas ao redor da estrutura para dificultar o

acesso do inimigo às paliçadas. As paliçadas que são cercas feitas de troncos de madeira

fincados no solo logo depois do fosso. As últimas linhas de defesa do fortim são as muralhas,

sendo a primeira mais alta que a segunda. A própria estrutura do reduto era dotada de

parapeitos e canhoneiras, de onde os soldados podiam disparar contra o inimigo em

segurança.

Segundo Olavo de Medeiros Filho45, o espaço ocupado pelo fortim é atualmente

conhecido como “o forte”, localizando-se na encosta de um monte próximo da praia, onde

seria a antiga barra do rio mais ao norte da barra atual. A partir desta informação delimitou-se

a segunda zona de potencial arqueológico (Zona Potencial II) 46, tentando-se abranger todas as

estruturas relacionadas ao fortim.

Figura 11 - Zona Potencia II (Fonte: imagem editada no Google Earth)

45 MEDEIROS FILHO, op. cit., p. 69. 46 Coordenadas da Zona Potencial II: ZPII’: 6°18’2.12’’S/35°2’24.69’’O; ZPII’’: 6°17’58.17’’S/35°2’17.16’’O; ZPII’’’: 6°18’4.38’’S/35°2’18.69’’O; ZPII’’’’: 6.17’55.30’’S/35°2’22.22’’O.

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2.1.3 – “uma ilha no meio do lago de Groaíras”: a casa-forte da ilha do flamengo (Zona potencial III)

A região dos arredores da lagoa de Guaraíras foi outra área econômica e

estrategicamente vital para a presença holandesa na capitania do Rio Grande. Joan Nieuhoff

descreve a região no século XVII:

“No lago de Groaíras, há uma quantidade incrível de peixes e a região produz

farinha em grande escala. Daí vieram os fartos abastecimentos de carne e peixe

para as nossas guarnições da Paraíba e outras partes, durante a rebelião dos

portugueses” 47

Além de ser uma lagoa navegável de onde os holandeses enviavam expedições rio

acima, como afirma o viajante, governador da Paraíba (1708 - 1717) e governador do

Maranhão (1722 - 2728) João da Maia da Gama48 em seu diário da viagem (1728).

Para defender e estocar a produção de gêneros alimentícios é construído, na parte mais

alta de uma ilha no meio da lagoa de Guaraíras, uma casa-forte de pedra calcária cercada de

duas trincheiras, que passa a ser guarnecida por soldados holandeses, negros e indígenas. Esta

casa-forte ou meio-reduto, como aparece no relato de Diogo Lopes Santiago49, sofreu um

ataque luso-brasileiro em 5 de Janeiro de 1648, ataque comandado por Henrique Dias. Esta

batalha ocorre no contexto dos combates que vieram expulsar os holandeses do Brasil

definitivamente em 1654, na qual foi tomada a fortificação e executada quase todo o

contingente que a guarnecia. 50

Atualmente, a ilha onde foi construída a casa-forte é conhecida como ilha do flamengo

e localiza-se, como é descrito nos relatos do século XVII, próximo à margem norte da lagoa

de Guaraíras, no atual município de Arêz. Sendo nesta ilha delimitada a terceira zona de

potencial arqueológico (Zona Potencial III) 51, devido, não só à construção da fortificação em

si, mas também devido às alterações no entorno da fortificação, como as duas trincheiras

construídas. As quais consistiam em uma combinação de rebaixamento da parte interna e

47 JOAN NIEUHOFF, op. cit., p.87 48 APUD: MEDEIROS FILHO, op. cit., p. 125. 49 LOPES SANTIAGO, Diogo de. História da Guerra de Pernambuco. Recife: FUNDARPE, - Diretoria de Assuntos Culturais, 1984. p.457 - 458. 50 MEDEIROS FILHO, op. cit., p. 123 – 125. 51 Coordenadas da Zona Potencial III: ZPIII’: 6°11’28.79’’S/35°7’28.94’’O; ZPIII’’: 6°11’32.56’’S/35°7’28.94’’O; ZPIII’’’: 6°11’22.29’’S/35°7’39.08’’O; ZPIII’’’’: 6°11’18.79’’S/35°7’35.36’’O. (Mais imagens da Zona Potencial III ver anexos 6 e 7)

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elevação da parte externa (podendo ser confundida com muralhas) através de cestões

preenchidos de areia, buscando dificultar o avanço inimigo e proteger os defensores da

fortificação dos disparos efetuados pelo inimigo.

Figura 12 - Perfil de trincheira (Fonte: EUSSLER, 2006, p. 50) Figura 13 - Cestão (Fonte: EUSSLER, 2006, p. 51)

Figura 14 - Zona Potencial III (Fonte: imagem editada no Google Earth)

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CAPÍTULO 3 – FRAGMENTOS DO PASSADO: OS ESPAÇOS FORTIFICADOS E O ESTUDO DOS VESTÍGIOS MATERIAIS

3.1 – PERTURBAÇÕES CONTEXTUAIS

Em arqueologia se convenciona que as pesquisas neste campo de conhecimento

dividem-se em três fases: fase pré-campo, na qual é delimitado o espaço a ser estudado e feito

um levantamento de informações prévias sobre o contexto histórico e ambiental deste espaço;

a fase de campo, na qual é realizada a coleta dos vestígios materiais através do método de

escavação; e a fase pós-campo, quando o material coletado é analisado em laboratório e os

resultados divulgados através de publicações. 52

Dentro desta fase pré-campo, o levantamento de informações sobre as alterações da

paisagem ao longo do tempo, constitui uma etapa crucial, já que as alterações no contexto

espacial influenciam diretamente na cultura material.

Dentre as zonas potenciais delimitadas, a ZP I provavelmente é a que mais sofreu

alterações ao longo do tempo. Já que a barra do rio Potengi é uma área que da qual se tem

notícia de ocupação por grupos Tupi anteriores ao contato euroindígena e de grupos

colonizadores franceses, portugueses e holandeses desde os séculos XVI e XVII.

Dentre as alterações espaciais nesta zona potencial, as que provavelmente mais

modificaram o contexto arqueológico foram: a construção do Forte dos Reis Magos na

transição do século XVI para o XVII; a construção do dique na década de 1920, durante as

reformulações no porto, recuando a barra do rio em aproximadamente 200 m; o

estabelecimento do Círculo Militar e das baterias antiaéreas na década de 1940, durante a

Segunda Guerra Mundial; e a mais recente, construção da ponte Newton Navarro em 2007.

Deve-se considerar também que esta área potencial se encontra dentro do centro urbano da

cidade do Natal, sofrendo várias modificações menos perceptíveis ao longo do tempo. 53

52 FUNARI, op. cit., p. 63-85. 53 SPENCER, Walner Barros (Coord.). Relatório Final Projeto Arqueológico Ponte de Natal: Reconhecimento e Resgate. Natal: 1999.

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Figura 15 - Alterações na paisagem da ZPI (Fonte: imagem editada do Google Earth)

Figura 16 - Assoreamento a partir da construção do dique (Fonte: SPENCER, Walner Barros (Coord.). Relatório Final Projeto Arqueológico Ponte de Natal: Reconhecimento e Resgate. Natal: 1999. P. 13)

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Na ZP II, a principal alteração espacial foi a mudança de curso do Rio Cunhaú, que

passa a desaguar mais ao sul do local onde foi construído o fortim na antiga barra. Além de se

encontrar na região litorânea potiguar, assim como as demais zonas potenciais delimitadas,

bastante explorada pelo mercado turístico e de construção civil, oferecendo sérios riscos à

preservação do patrimônio arqueológico norte-riograndense.

Esta ameaça ao patrimônio já é alertada por Olavo de Medeiros Filho que, ao visitar a

área onde foi construído o fortim da barra do Rio Cunhaú, afirma que o terreno estava sendo

loteado para a construção civil. 54

A ZP III foi delimitada na Ilha do Flamengo, que fica próximo à margem norte da

Lagoa de Guaraíras. Área profundamente afetada pela construção e manutenção de viveiros

de camarão. Área também ameaçada pela crença popular em tesouros dos holandeses ou dos

jesuítas que foram enterrados nesses locais, gerando uma depredação acelerada do patrimônio

arqueológico.

54 MEDEIROS FILHO, op. cit., p. 69.

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3.2 – MURALHAS, CANHÕES E CACHIMBOS: OS VESTÍGIOS MATERIAIS NAS CRÔNICAS COLONIAIS, OBRAS HISTORIOGRÁFICAS E SALVAMENTOS ARQUEOLÓGICOS

Como já lembrado neste trabalho, a arqueologia não é a única ciência ou campo de

conhecimento interessado na materialidade. Os vestígios materiais são abordados por diversos

sujeitos ao longo do tempo, com os mais diferentes olhares e intencionalidades. Desta forma,

a materialidade referente aos espaços fortificados holandeses na capitania do Rio Grande, já

recebeu os mais diversos olhares, sendo referenciados desde os viajantes naturalistas do

século XIX até as pesquisas arqueológicas sistemáticas realizadas em vários contextos.

Destacando em suas principais obras na primeira metade do século XX, historiadores

como Tavares de Lyra e Câmara Cascudo já se referem aos vestígios materiais associados aos

contextos espaciais dos espaços fortificados do século XVII. Desde a primeira edição de sua

obra História do Rio Grande do Norte (1921), Tavares de Lyra já refere-se à: “[...] velhas

muralhas que se encontram na lagoa de Guaraíras [...] (que) destinavam-se à defesa da casa-

forte que ali havia [...]” 55. Enquanto Câmara Cascudo e posteriormente Olavo de Medeiros

Filho afirmam que o canhão exposto até os dias atuais na praça da matriz do município de

Arez, trata-se de uma peça remanescente da artilharia da antiga casa-forte. 56 Demonstrando

assim, que o interesse pela materialidade relacionada aos espaços fortificados holandeses não

é algo novo, apenas reformulado ao longo do tempo.

Olavo de Medeiros Filho, adepto de uma abordagem mais próxima do pensamento

arqueológico atual do que historiadores antecessores como Tavares de Lyra e Câmara

Cascudo, durante as pesquisas para produção de sua obra Os holandeses na capitania do Rio

Grande (1998), visita os contextos espaciais dos espaços fortificados holandeses, quando se

refere aos vestígios materiais visualizados, respectivamente, na Ilha do Flamengo e na antiga

barra do rio Cunhaú.

À parte mais elevada (da ilha) onde foi eregido um cruzeiro vêem-se ali os restos

da antiga construção holandesa, representados por muitas pedras. 57

Na localidade, o terreno outrora ocupado pelo fortim é conhecido como O Forte.

Ainda encontram-se algumas pedras esparças que pertenceram ao fortim. 58

55 LYRA, op. cit., p.124 56 MEDEIROS FILHO, op. cit., p. 125. 57 Ibidem.

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Em alguns momentos, estes vestígios já foram vinculados à ocupações mais antigas,

como é o caso da casa de pedra do Pium tratada por algumas interpretações como sendo

ruínas de uma feitoria francesa. No entanto, pesquisas arqueológicas recentes propõem,

através da análise do material coletado, que as ruínas encontradas atualmente se tratam da

casa-forte de João Lostão Navarro, referenciada nas cartografias holandesas do século XVII.59

E o interesse pela materialidade relacionada aos espaços fortificados holandeses não

diminui com o fim do século XX. Nos volumes 4 (A polêmica presença holandesa) e 5

(Visões dos holandeses sobre o Rio Grande) do Atlas Histórico do Rio Grande do Norte

(2006) existem referências, inclusive fotográficas, a “Ilha do Flamengo”, ao “canhão holandês

na praça matriz de Arez” e a “casa de pedra de Pirangi”.

Pesquisas arqueológicas sistemáticas já foram realizadas em algumas das áreas

potenciais delimitadas. Escavações realizadas na fortaleza dos Reis Magos pelo Laboratório

de Arqueologia (LARQ) da UFRN em 1996, a época coordenado pelo Prof. Paulo Tadeu de

Albuquerque, evidenciou grande quantidade de vestígios relacionados à ocupação holandesa

desta fortificação. Especialmente uma grande quantidade de fragmentos de cachimbos

holandeses de caulim utilizados pelas tropas aquarteladas, entre outros materiais como louças

e projéteis. Grande quantidade destes fragmentos de cachimbos é encontrada em praticamente

todos os espaços fortificados ocupados por estes soldados holandeses durante sua presença

nas capitanias do norte do Brasil.

Outro importante projeto arqueológico realizado pelo LARQ – UFRN, ainda sob

coordenação do Prof. Paulo Tadeu, foi o “Projeto Ribeira” em 1996 – 1997. Durante a

execução deste projeto, foram realizadas escavações na Rua Chile e em seu entorno. Nestas

escavações foram encontrados outros fragmentos de cachimbos holandeses decorados, que

atualmente estão sob a guarda do mesmo laboratório, hoje coordenado pelo Prof. Roberto

Airon Silva. Estes fragmentos de cachimbos podem ser comparados aos encontrados em

escavações no Forte Orage em Pernambuco.60

58 Idem, p. 69. 59 SILVA, 2010, passim. 60 Ver anexos 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14.

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Figura 17 - Fragmentos de fornilho decorado, forquilha e piteira de cachimbos holandeses (Fonte: Acervo LARQ)

Durante o Projeto Arqueológico Ponte de Natal (1999), que teve com finalidade

resgatar a maior quantidade de material arqueológico antes da construção da ponte Newton

Navarro, foram realizadas sondagens dentro da ZP I delimitada nesta pesquisa. Nestes poços

de sondagens foram encontrados, assim como na Fortaleza dos Reis Magos anteriormente,

entre outros vestígios, fragmentos de cachimbos holandeses.

[...] há poucos vestígios reconhecíveis como sendo de ocupantes holandeses,

salvo a inquestionável presença de restos de cachimbos de uso comum nas tropas

da Companhia das Índias Ocidentais, com longas e finas piteiras e pequenos

fornilhos ovais. Nesse caso, um era decorado e o outro simples. 61

Figura 18 - Forquilha de cachimbo holandês decorado (Fonte: SPENCER, Walner Barros (Coord.). Relatório Final Projeto Arqueológico Ponte de Natal: Reconhecimento e Resgate – Módulo 2. Natal: 1999. P. 15)

61 SPENCER, Walner Barros (Coord.). Relatório Final Projeto Arqueológico Ponte de Natal: Reconhecimento e Resgate – Módulo 2. Natal: 1999. P. 15.

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Durante a produção deste trabalho, outras escavações arqueológicas estão sendo

realizadas na fortaleza dos Reis Magos, pelo Laboratório Brasil Arqueológico coordenado

pelo Prof. Marcos Albuquerque, antecedendo a restauração da fortaleza promovida pela

Superintendência do Rio Grande do Norte do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional (IPHAN). Até o momento já foram encontrados os recorrentes cachimbos

holandeses, fragmentos de louças do mesmo contexto, além de projéteis de variados calibres.

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3.3 – A HISTÓRIA DEBAIXO DO SOLO: PROJEÇÕES ARQUEOLÓGICAS PARA O ESTUDO DOS ESPAÇOS FORTIFICADOS NO RIO GRANDE DO NORTE

Segundo Eussler, os assentamentos fortificados podem ser divididos em duas

categorias distintas: temporárias (de campanha) e permanentes. As estruturas temporárias são

estabelecidas em um contexto de combate ou de guerra, desta forma, recebem caráter de

urgência, o que determina geralmente o uso de materiais mais acessíveis e práticos como terra

e madeira. Sendo as técnicas construtivas mais comuns: a trincheira, a paliçada, e o pau-a-

pique (taipa de mão).

A finalidade inicial das fortificações de campanha é a de levantar uma barreira

de proteção para a tropa em combate, assim como facilitar os meios para manter

uma posição defensiva com pequenos efetivos. Desse modo, tais

estabelecimentos podem tratar-se apenas de acampamentos fortificados – com

alguma barreira (estacada, cavalos de frisa, cestões, abrigo - trincheira), podendo

contar também com uma edificação comumente denominada de fortim. 62

Enquanto as fortificações permanentes são construções realizadas em áreas

estratégicas pré-estabelecidas, geralmente com a função de defender povoamentos regulares,

servindo de apoio para um contingente militar relativamente fixo. Nesta categoria, estão

inseridos os fortes e as fortalezas, construídos através de técnicas mais elaboradas e de

materiais mais resistentes como a pedra calcária e o cal. 63

A partir desta definição, compreende-se que a maioria dos espaços fortificados

construídos ou apropriados pelos holandeses na capitania do Rio Grande no século XVII, a

exceção da fortaleza dos Reis Magos, são temporários ou de campanha, dificultando a

observação de materiais do tipo construtivo nos contextos arqueológicos. Já que, após estes

espaços cumprirem suas funções neste contexto de combate, eram imediatamente destruídos

para que não fossem utilizados pelo inimigo. Como por exemplo, as baterias de assalto que

são “arrazadas” 64 após a conquista da fortaleza dos Reis Magos ou o fortim da barra do rio

Cunhaú que é incendiado pelos holandeses ao perceber a dificuldade em mantê-lo em

território hostil pouco tempo após sua apropriação.

62 EUSSLER, op. cit., p. 43 – 44. 63 Idem, p. 45. 64 CARVALHO, op. cit., p. 190.

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Porém, esta destruição das estruturas nem sempre desfaz totalmente os vestígios

materiais da existência dessas estruturas nesses espaços. Marcas no solo, alterações no relevo

e resquícios de matéria prima construtiva mesmo que de forma dispersa podem ser evidências

arqueológicas da existência dessas estruturas ou áreas de ocupação.

Além do fato de que os vestígios construtivos não são as únicas possibilidades de

materiais passíveis de análise arqueológica para melhor compreensão deste recorte contextual.

Estudos mais aprofundados das zonas potenciais delimitadas podem evidenciar grande

quantidade de material bélico, como projéteis, já que é comum nos relatos dos cronistas

referências à grandes trocas de tiros como a que ocorreu durante a conquista da fortaleza dos

Reis Magos em 1633: “[...] o inimigo atirava sem descanço com mosquetes e canhões, ao que

correspondiam os nossos mosqueteiros de detraz da collina” ou ao transporte de armas e

munições no campo de batalha: “[...] se deu ordem para por em terra os morteiros, granadas,

balas ardentes e mais munições de guerra [...]”. 65

Prospecções de parede e outros métodos arqueológicos, aliados de análises

cartográficas, podem evidenciar alterações estruturais em fortificações ainda preservadas

como a fortaleza dos Reis Magos. Já que, segundo Olavo de Medeiros Filho:

Logo em seguida à conquista da fortaleza, os holandeses providenciaram o

levantamento sobre a muralha de frente contra o parapeito de pedra, de um outro

de terra à prova de tiros de canhão. Em 1638 [...] executaram obras [...]

restaurando o sopé de pedra e cal. Em 1640 foram construídos travessões ao

longo da muralha da fortificação. 66

Outra categoria de vestígios arqueológicos relacionados aos espaços militares são os

enterramentos dos mortos em batalha, onde podem ser analisadas as variadas técnicas de

sepultamento, os objetos enterrados junto ao morto, causa mortis, questões nutricionais e

outras informações dos indivíduos que podem ser apreendidos através dos vestígios ósseos.

Olavo de Medeiros Filho67, ao se referir à ilha do Flamengo (ZP III), utilizando-se de

informações orais “[...] Dizem também que a ilha é ‘mal-assombrada’, em consequência dos

flamengos, indígenas e negros ali mortos e sepultados por ocasião do massacre de 5 para 6 de

janeiro de 1648”.

65 Idem, p. 175. 66 MEDEIROS FILHO, op. cit., p. 8 – 9. 67 Idem, p. 125.

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Além do fato de que a manutenção de um contingente militar em um determinado

espaço fortificado durante um período significativo de tempo produz uma considerável

quantidade de vestígios de atividade cotidiana tais como fragmentos de louças utilitárias,

cachimbos e restos de alimentação. Vestígios materiais que tendem a aparecer em quantidades

mais significativas quanto maiores forem os contingentes e o tempo que estiveram

aquartelados. Por exemplo, estruturas extremamente temporárias como acampamentos

militares podem deixar vestígios materiais devido ao grande contingente, mesmo que em um

curto período de tempo, como é o caso do acampamento holandês instalado durante a

conquista da fortaleza dos Reis Magos.

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CONCLUSÃO

Em virtude dos variados aspectos analisados no decorrer da pesquisa, atestamos que

análises arqueológicas da cultura material proveniente de sociedades que deixaram registros

escritos, entre estas estão as sociedades modernas europeias transpostas para continente

americano. Tais análises ganham sentido quando colocada em prática uma abordagem

interdisciplinar que leve em consideração as variadas fontes (documentais, etnográficas,

cartográficas, iconográficas e materiais) que possam contribuir com a reconstrução histórica

dessas sociedades.

Várias categorias importantes de vestígios materiais das sociedades do período

moderno estão relacionadas à construção de espaços fortificados nas áreas colonizadas, a fim

de manter as estruturas socioeconômicas implantadas. Foi percebido que as fortificações da

engenharia militar colonial do século XVII são bastante variadas nos aspectos funcional e

estrutural, as quais podiam ter um caráter temporário ou permanente, compondo sistemas de

ataque ou defesa. O que justifica o fato de que tais fortificações não devem ser analisadas

enquanto estruturas isoladas e pertencentes a uma única categoria tipológica, mas como

estruturas complexas e de tipologias diversas.

Ao se analisar a presença holandesa nas capitanias do norte do Brasil dentro do

contexto mercantilista e colonial europeu, entende-se que esta não foi algo inusitado e único,

mas sim, algo inserido em um contexto socioeconômico próprio de sua época. E que a mesma

presença holandesa na capitania do Rio Grande também possuía motivações econômicas e

estratégicas, entre elas o controle da grande produção de gêneros alimentícios desta região e a

conquista da fortaleza dos Reis Magos, no momento uma das principais fortificações

litorâneas do Brasil.

Durante a presença colonial holandesa na capitania do Rio Grande, esta construiu, se

apropriou e modificou vários espaços fortificados, enquanto aplicações da variada tipologia

da engenharia militar colonial no contexto potiguar. Exemplos destas categorias são as

denominações de: fortaleza, fortim, casa-forte, bateria, acampamento e quartel, além das

estruturas anexas a estas categorias como fossos, paliçadas, trincheiras, muralhas e parapeitos,

todos estes compondo os complexos fortificados.

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A partir da análise dos relatos coloniais, da cartografia e iconografia histórica e dos

vestígios materiais, foi possível delimitar no contexto do espaço atual do Rio Grande do Norte

três zonas de potencial arqueológico referentes aos espaços fortificados holandeses: a primeira

compreendendo a margem sul do rio Potengi, onde foram construídas pelos holandeses várias

estruturas com o fim de conquistar a fortaleza dos Reis Magos, destacando-se o acampamento

militar das tropas, o quartel-general do comandante da expedição Mathias van Keulen, e as

baterias de assalto (ZP I), além da própria fortaleza dos Reis Magos, que a após a conquista

pelos holandeses passa a chamar-se Castelo Keulen. A segunda zona situa-se na margem

norte da antiga barra do rio Cunhaú, onde foi conquistado e apropriado um fortim construído

por comerciantes franceses (ZP II). E a terceira e última na ilha do Flamengo, no meio da

lagoa de Guaraíras, onde foi construída pelos holandeses uma casa-forte, a fim de armazenar e

proteger a grande produção de carne, peixe e mandioca da região, gêneros vitais para as tropas

em campanha e para a população crescente do Recife (ZP III).

Foi evidenciado também, que a escolha dos espaços a serem fortificados e a variedade

tipológica a ser aplicada em cada caso sempre envolvia questões econômicas, como a

produtividade local, questões funcionais, ou seja, a finalidade da construção de determinada

fortificação, além de questões estratégicas e ambientais, tal como a posição na paisagem, ou o

acesso a recursos hídricos e alimentares, ou disponibilidade de matéria prima.

Nas zonas de potencial arqueológico delimitadas, mesmo com as perturbações

contextuais ocorridas ao longo do tempo, especialmente nas mais próximas de centros

urbanos como a ZP I, vestígios materiais construtivos, vestígios materiais bélicos, e objetos

utilitários vem sendo referenciados desde as crônicas coloniais, nas obras historiográficas e

nos relatórios de pesquisas arqueológicas atuais. Além disso, vestígios destas e de outras

categorias, como os materiais relacionados a enterramentos e ao cotidiano destes espaços,

ainda poderão ser melhor evidenciados e analisados a partir de futuros trabalhos

arqueológicos sistemáticos e interventivos a serem realizados nestas áreas.

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ANEXOS

Anexo 1 - Área de presença europeia Rio Grande do Norte, até o período holandês (Séc. XVII) (Fonte: MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução à História do Rio Grande do Norte. Natal: EDUFRN, 2007, p. 42. (3ª Ed.))

Anexo 2 - Bacias Hidrográficas do Rio Grande do Norte (Fonte: http://www.portal.rn.gov.br/)

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Anexo 3 – Zona Potencial I no contexto da bacia do Potengi (Fonte: imagem editada do Google Earth)

Anexo 4 - Imagem aérea da ZP I - Sent. NE - SO (Fonte: http://www.riograndedonorte.net)

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Anexo 5 – Zona Potencial II no contexto da bacia do Curimataú (Fonte: imagem editada do Google Earth)

Anexo 6 - Zona Potencial III no contexto da bacia do Jacu - Lagoa de Guaraíras (Fonte: imagem editada do Google Earth)

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Anexo 7 - Imagem aérea da Zona Potencial II (Fonte: http://www.clbi.cta.br)

Anexos 8, 9, 10, 11, 12, 13 - Fragmentos de fornilho, piteira e forquilha de cachimbos holandeses (Fonte: Acervo LARQ)

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Anexo 14 - Cachimbos holandeses encontrados em escavações no Forte Orange (Fonte: http://senhorahistoria.blogspot.com.br/2010_05_01_archive.html)