UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COPPEAD – Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração DEFESA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA CONSTRUTORA MENDES JÚNIOR: a expansão, a retração e a retomada ao mercado internacional Vinícius Gabeira Cola Mestrado em Ciências (M. Sc.) em Administração Orientadora: Prof. Dr. Ariane Cristine Roder Figueira Rio de Janeiro – RJ 2016
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
COPPEAD – Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração
DEFESA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA CONSTRUTORA MENDES
JÚNIOR: a expansão, a retração e a retomada ao mercado internacional
Vinícius Gabeira Cola
Mestrado em Ciências (M. Sc.) em Administração
Orientadora: Prof. Dr. Ariane Cristine Roder Figueira
Rio de Janeiro – RJ
2016
VINÍCIUS GABEIRA COLA
O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA CONSTRUTORA MENDES
JÚNIOR: a expansão, a retração e a retomada ao mercado internacional
Dissertação de Mestrado apresentado
ao Programa de Pós-Graduação em
Administração, Instituto COPPEAD de
Administração, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como requisito
necessário à obtenção do título de
Mestre em Administração.
Orientadora: Prof. Dr. Ariane Cristine Roder Figueira
Rio de Janeiro – RJ
2016
VINÍCIUS GABEIRA COLA
O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA CONSTRUTORA MENDES
JÚNIOR: a expansão, a retração e a retomada ao mercado internacional
Figura 1: Precursores do Paradigma Eclético ......................................................................... 22
Figura 2: Modelo da Diplomacia Triangular ............................................................................. 37
Figura 3: Risco nos negócios internacionais ........................................................................... 38
Figura 4: Framework teórico-conceitual ................................................................................... 43
Figura 5: Presença das empreiteiras brasileiras no mundo atualmente ............................. 51
Figura 6: Presença histórica internacional da Mendes Júnior .............................................. 52
Figura 7: Síntese do contrato de Sale and Lease Back ........................................................ 72
Lista de Gráficos
Gráfico 1: Evolução trimestral da construção civil no Brasil ................................................. 53
Gráfico 2: Distribuição percentual do número de empresas e empregados e valor das
obras ..................................................................................................................................................... 54
Lista de Quadros
Quadro 1: Paradigma Eclético da produção internacional .................................................... 24
Quadro 2: Relação entre vantagens e modos de entrada .................................................... 25
Quadro 3: Vantagens de Propriedade, Localização e Internalização ................................. 26
Quadro 4: Respostas estratégicas aos processos institucionais ......................................... 33
Quadro 5: Exemplos de instituições formais e informais que afetam a configuração OLI
das empresas ...................................................................................................................................... 35
Quadro 6: Porcentagem do faturamento das cinco maiores empresas de construção em
relação às cem maiores .................................................................................................................... 48
Quadro 7: Empresas de construção pesada com obras no exterior ................................... 49
Quadro 8: Dados gerais da indústria da construção - Brasil (2012-2013) .......................... 54
Quadro 9: Logística da Mendes Júnior no Iraque ................................................................... 62
Quadro 10: Resumo do movimento à Bolívia .......................................................................... 83
Quadro 11: Resumo do movimento à Argélia ......................................................................... 85
Quadro 12: Resumo do movimento à Mauritânia ................................................................... 86
Quadro 13: Resumo do movimento ao Iraque ........................................................................ 88
Quadro 14: Resumo do movimento ao Chile .......................................................................... 89
Quadro 15: Síntese dos movimentos internacionais da Mendes Junior, e as teorias
ANEXO A – Questionário para entrevista .................................................................................... 105
ANEXO B – Cronologia do contencioso entre Banco do Brasil e Mendes Júnior ....................... 106
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1. INTRODUÇÃO
1.1. OBJETIVOS DO ESTUDO
O objetivo deste trabalho é analisar o processo de internacionalização de uma
das maiores empresas nacionais no setor de construção civil, a Mendes Junior,
englobando as diversas etapas, que envolveu seu pioneirismo na expansão para o
mercado externo, a subsequente retração na década de 1990, e a atual retomada de
suas atividades para o exterior.
A pesquisa busca iluminar características de todas as fases do processo, no que
tange motivações para internacionalização, escolha do destino, aspectos do decurso
do movimento, perspectivas sobre risco e oportunidade, e influência de instituições
exógenas sobre o caso. Também é alvo de investigação as particularidades
responsáveis pela descontinuidade da trajetória internacional percorrida pela
companhia.
1.2. CONTEXTUALIZAÇÃO
As motivações que impelem a internacionalização das empresas abrangem uma
gama extensa de justificativas. Francischini (2009) sumariza uma série de benefícios
que são buscados pelas firmas ao procurar o mercado externo, destacando que as
pesquisas são vastas e não excludentes (ALEM & MADEIRA, 2010; LASSERRE,
2003), portanto trata-se dos principais itens observados: 1) liderança global, por
meio de aquisições e fusões, no intuito de tornarem-se referência global; 2)
manutenção do crescimento, uma vez saturado o mercado doméstico; 3) acesso a
recursos estratégicos, como capital internacional, matéria-prima e tecnologia; 4)
superação de barreiras alfandegárias, contornando barreiras tarifárias e não
tarifárias que limitam a exportação; 5) acompanhamento e proximidade de clientes,
estreitando laços; 6) estabelecimento de canais de distribuição, ultrapassando o teto
alcançado pela simples exportação; 7) globalização e valorização da marca no
exterior e no mercado interno; 8) redução de custo, através de subcontratação da
produção no exterior; e, acima de tudo, 9) estar preparado para novas
oportunidades.
No conceito de autores mais clássicos, a motivação para internacionalização é
exemplificada na busca por novos mercados, otimização dos recursos, ganhos de
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eficiência, novos ativos estratégicos, ou consolidação das operações, sendo que os
processos podem ser respostas ao movimento de competidoras (DUNNING, 1988,
2000; JOHANSON & VAHLNE, 2009).
Em estudo de um conjunto de grandes empresas brasileiras, Tanure et al (2007)
concluem que a principal motivação para internacionalização foi a manutenção das
taxas de crescimento. Rocha et al (2007) escrutinam esse aspecto, acrescentando
os exemplos de grandes construtoras nacionais, como Odebrecht, Camargo Corrêa,
Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão, que buscaram a continuidade do crescimento
internacionalmente como consequência da redução de contratos governamentais
para construção de grandes obras.
O processo de internacionalização também apresenta trade-offs, que podem
acarretar na descontinuidade do movimento. Keegan (2006) apresenta três
principais forças que restringem a internacionalização de empresas: miopia
gerencial, como gestão local ou etnocêntrica, e divergência entre os setores
doméstico e externo, que ofusca as oportunidades; controle nacional, representado
por barreiras tarifárias e não tarifárias, e custo de adequação; e oposição cultural à
globalização, devido à crença das mazelas trazidas pela internacionalização. Ainda,
segundo o autor, o ambiente político pode inibir a eficiência e lucratividade. Nesse
quesito, são observadas questões relacionadas ao risco político, perspectiva sobre
soberania dos líderes, impostos, e risco de expropriação.
A internacionalização de empresas de países emergentes é foco de estudo de
Mathews (2006). Para o autor, as características padrões que propelem a
internacionalização de organizações, como vantagens específicas de propriedade
(DUNNING, 1977), nem sempre são observadas em companhias que se
internacionalizam tardiamente. O modelo Linkage-Leverage-Learning (LLL) destaca
como característica da economia global emergente a formação de conexões entre
firmas e a adoção de novas estruturas organizacionais, visando compensar a falta
de acesso a recursos, o que explica a internacionalização acelerada desse grupo de
empresas (MATHEWS, 2006). Ramamurti (2012) propõe o aprofundamento de
pesquisas acerca das afirmações de Mathews (2006), sugerindo que as vantagens
de propriedade das empresas emergentes sejam apenas diferentes das previamente
constatadas, refletindo as condições de seu país de origem. Além disso, o autor
apresenta um contraponto sobre a afirmação de que o comportamento internacional
dessas companhias é derivado de seu ambiente de origem, sugerindo que o
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contexto global, do setor e interno da própria empresa, têm impactos relevantes
nesse comportamento.
A visão institucional de Ramamurti (2012) é de acordo com o estudo de Cuervo-
Cazurra e Genc (2008). Os autores citam desafios particulares enfrentados por
empresas de países emergentes, como seu tamanho geralmente menor, terem
recursos menos sofisticados, e estarem contidos em um mercado com ambiente de
governança problemática. Apesar disso, elas ainda podem ser bem-sucedidas no
movimento de internacionalização, já que variações institucionais são percebidas
como um fator de risco muito alto para empresas de países desenvolvidos, deixando
uma lacuna de mercado em países subdesenvolvidos. Nesse caso, as
multinacionais de países em desenvolvimento transformam sua experiência em
ambiente institucional complexo em vantagens ao serem aplicadas em condições
ainda piores (CUERVO-CAZURRA & GENC, 2008).
Tratando especificamente do setor de engenharia e construção civil, é notável a
relevância universal das exportações. Apesar de enfrentar forte recessão pós-crise
de 2008, a categoria ainda participa com 2,2% de todos os serviços exportados no
mundo, totalizando mais de 105 milhões de dólares em 2013, sendo a metade das
exportações de responsabilidade de países em desenvolvimento (UNCTAD, 2013).
Dados do IBGE (2015) apontam que o setor de construção civil representa 6% do
PIB nacional desde o início da crise, e as exportações de serviços relacionados à
engenharia atingiram o patamar de 9 bilhões de dólares em 2012.
Os efeitos da exportação do setor vão além. David Barioni, presidente da
Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil),
enaltece sua função precursora na cadeia produtiva, que envolve cerca de 2500
empresas de pequeno e médio porte para darem suporte aos serviços de
engenharia (ABECE, 2015). Essas estatísticas corroboram o princípio de influência
de instituições exógenas no processo de internacionalização, pois, além de
carregarem a imagem do país, seus benefícios extrapolam interesses particulares
das firmas.
Porém, na visão de Alem e Cavalcanti (2005), o governo brasileiro surge como
parte interessada tardiamente. Suas ações ainda são bastante restritas, e o sucesso
das empresas decorre de seu esforço próprio. Segundo Figueira (2013, p. 7):
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[...] as empresas ainda esbarram em altas cargas tributárias no país, no elevado custo de capital para operações no exterior, na volatilidade cambial, na falta de seguro para investimentos externos, dentre outros aspectos de ordem macroeconômica que acabam por dificultar o avanço empresarial para além das fronteiras nacionais.
Alem e Cavalcanti (2005) discutem os principais pontos desfavoráveis debatidos
acerca do processo: exportação de mão de obra, impacto negativo na balança
comercial acarretado pela saída de divisas e redução de investimento no cenário
doméstico, já que a investida internacional demandaria prioridade estratégica. Os
autores afirmam que essa é uma visão estática, e em todo seu dinamismo, a
internacionalização promove não só a sobrevivência das empresas, como o
fortalecimento do mercado nacional.
O primeiro aspecto é bem exposto por Sennes, Mendes e Kohlman (2009), que
ressaltam o crescimento produtivo, tecnológico e financeiro das empresas,
agregando competitividade na volta da organização ao seu país de origem,
ameaçando as multinacionais instaladas no território nacional.
As consequências dessa alavancagem são vislumbradas por Alem e Cavalcanti
(2005), ao citarem a criação de empregos numa companhia competitiva, em vez
dela fechar suas portas frente à concorrência internacional desleal. A própria missão
do BNDES, principal agente governamental no fomento à exportação, conferindo
financiamentos a juros relativamente baixos, prevê "desenvolvimento sustentável e
competitivo da economia brasileira, com geração de emprego e redução das
desigualdades sociais e regionais" (BNDES, 2016) ao executar a política nacional de
desenvolvimento econômico.
Quanto ao balanço de pagamentos, uma Nação com tendências exportadoras
tem como base "aumento, no médio e longo prazo, da entrada de divisas no país
(remessas de lucros), podendo ser vista como base para o equilíbrio das contas
externas do país" (SENNES, MENDES, KOHLMAN, 2009, p. 14), decorrentes de
investimentos em importações e débito externo. Além disso, há a geração de divisas
em moeda forte internacional, como salienta Alem e Cavalcanti (2005).
Entretanto, os benefícios alcançados vão além do simples contra-argumento aos
pontos desfavoráveis. Strange (1992) aponta que os custos com P&D estão
aumentando frente às tecnologias disruptivas e ao avanço exponencial de meios de
produção. Portanto, faz-se necessária a tomada de ações para reduzir esse gasto.
Uma solução seria diluir esses custos ao alcançar ganhos de escala, expandindo o
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mercado. Não obstante, a internacionalização pode acarretar em maior acesso a
tecnologias diferentes. Alem e Cavalcanti (2005) corroboram com a ideia afirmando
que "dispersão geográfica das atividades de P&D pode fortalecer a base tecnológica
das empresas" (ALEM & CAVALCANTI, 2005, p. 56). As novas tecnologias seriam,
portanto, dissipadas em território nacional.
Os autores salientam o efeito de transbordamento de todas as conquistas das
multinacionais como favorável ao mercado interno.
O contato com produtores e consumidores estrangeiros leva a uma troca de informações relacionadas à produção. O aprendizado induzido pelos exportadores, a fim de atingir os altos padrões de qualidade e os desafios da competição em mercados estrangeiros, pode assim “transbordar” para a economia doméstica. (ALEM & CAVALCANTI, 2005, p. 59).
Atinge-se, assim, a esfera política. Tanto o governo quanto as empresas
precisam determinar os pontos fortes e fracos de seus parceiros antes de
promoverem um acordo, conforme mencionado por Strange (1992). Portanto, a troca
de conhecimento entre os dois é imprescindível. "Uma rede de empresas nacionais
no exterior pode ser um importante ativo para o desenho de uma estratégia externa
soberana e autônoma" (SENNES; MENDES; KOHLMANN, 2009, p. 19). Um simples
estudo de viabilidade de investimento direto no exterior por parte de uma companhia
geraria informações de utilidade sem precedentes para o governo.
De posse dessas informações, o Brasil poderia exercer um cone de influência na
América do Sul e em outros países em desenvolvimento. O Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social, em seus enunciados estratégicos para o
Desenvolvimento, aborda o direcionamento das políticas externas:
O desenvolvimento econômico do País deve ser focado simultaneamente na expansão dos mercados interno e externo. No tocante ao mercado externo, há de se levar em conta que num mundo globalizado o país deve buscar alianças estratégicas regionais e multiregionais para melhorar a competitividade externa. A política externa deve ser ambiciosa de forma a garantir a abertura de novos mercados e perseguir a redução das assimetrias econômicas e sociais no âmbito da América do Sul. (CDES, 2010, p. 25)
Essa parceria governo-empresa tem também uma específica função diplomática.
Ao tratar da horizontalização no direcionamento da política externa brasileira, mais
especificamente da Cooperação Sul-Sul, Figueira (2013) enfatiza a aproximação de
países em desenvolvimento e o papel das empresas nesse processo. "A presença
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externa de empresas brasileiras em outros países, especialmente com IDE, tende a
levar a um estreitamento de laços diplomáticos com outros Estados possibilitando o
fechamento de acordos interessantes para o país em outras áreas" (FIGUEIRA;
2013; p. 6). Isso culminaria no aumento de todas as características já abordadas:
intensificação do comércio e investimentos, troca de conhecimento, redução da
dependência e concorrência de países desenvolvidos, e consolidação de alianças
estratégicas para condução de acordos multilaterais.
Frente aos interesses do governo ao movimento de internacionalização, foi
conduzido um estudo sobre as ferramentas dispostas por ele para auxílio à
expansão internacional de empresas brasileiras, mais particularmente sobre a
empreiteira Mendes Junior, à luz das teorias de negócios internacionais.
1.3. RELEVÂNCIA DO ESTUDO
O processo de internacionalização da empresa Mendes Junior passou por três
etapas distintas: internacionalização pioneira a partir de 1969, configurando o
primeiro relato de internacionalização de uma construtora brasileira com obra na
Bolívia, e logo expandindo sua presença para o Norte Africano e Oriente Médio;
retração de atividades no exterior em 1990, após eventos no Iraque que
desencadearam uma disputa judicial com o governo brasileiro acerca dos créditos
dos contratos, resultando em posição financeira delicada para a construtora; e
retomada do mercado externo a partir de 2004, após reestruturação interna que
permitiu novos avanços internacionais.
Em 1987, no auge da expansão internacional, que coincidiu com a diversificação
nacional, a Mendes Júnior figurou no anuário Melhores e Maiores da revista Exame
como o segundo maior conglomerado empresarial do país, com receitas de 1,2
bilhão de dólares e 40 mil empregos diretos (MENDES & ATTUCH, 2008). A Mendes
Júnior já havia marcado presença em quatro países, em três continentes diferentes,
quando as outras principais empreiteiras brasileiras tiveram sua primeira
internacionalização. Apenas entre 1982 e 1988 foram criadas mais de 50 propostas
internacionais no setor energético, e ao longo da história, mais de vinte países
ocupados, consolidando a construtora como referência mundial na execução de
obras de infraestrutura (MENDES & ATTUCH, 2008).
Portanto, o estudo aprofundado do caso Mendes Junior permite, em toda sua
singularidade, observar as principais teorias de internacionalização em diferentes
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situações buscando identificar aderência teórico-conceitual aos fatos empíricos
retratados no caso. Os modelos utilizados na análise foram os considerados mais
relevantes para o caso, sendo eles o Paradigma Eclético de Dunning e a Teoria
Institucional, já que abordam tanto fatores intrínsecos das firmas, quanto influências
exógenas no seu processo de internacionalização. Buscou-se, ainda, a correlação
entre os modelos diante de lacunas teóricas encontradas no caso.
O trabalho procura, também, servir como referência no auxílio à tomada de
decisão de gestores frente a situações como as abordadas no caso, lidando com
instabilidade gerencial, influências exógenas e perspectiva de riscos e oportunidades
associadas ao setor de construção civil e engenharia.
Por fim, tenta-se suscitar uma discussão a respeito das relações entre os atores
identificados no processo de internacionalização das empresas no âmbito escolhido,
dando oportunidade para futuras pesquisas complementarem os achados desta.
Nota-se que os trabalhos focados na Mendes Júnior se atêm ao caráter jurídico
do contencioso pós-Iraque (GOMES JÚNIOR, 2011), trabalhos com foco em outras
construtoras abordam uma linha temporal mais recente, com destaque para o
relacionamento com o Governo Brasileiro (RÊGO, 2015), e estudos sobre a relação
entre empresa, governo e negócios internacionais ressaltam a percepção dos
envolvidos acerca da nova ordem estabelecida, e a busca por formação de alianças
(CLARK, 1997). Portanto, a presente pesquisa busca englobar todos esses aspectos
em uma abordagem longitudinal, esclarecendo a interdependência entre fatores
endógenos e exógenos durante todo o percurso da empresa, realçando seus
impactos positivos e negativos, no que tange os movimentos internacionais.
1.4. ESTRUTURA DO TRABALHO
A pesquisa está dividida em sete capítulos. Após esta introdução, o segundo
capítulo traz uma revisão teórica, apresentando e discutindo os modelos de
internacionalização utilizados para embasar a pesquisa. Foram escolhidas as
contribuições da vertente econômica, representada pelo Paradigma Eclético de
Dunning (1977), e suas complementações baseadas na Teoria Institucional de North
(1990). Também foi contemplada a teoria da Diplomacia Triangular, de Stopford e
Strange (1991).
No terceiro capítulo, é apresentada a metodologia, sendo essa de natureza
qualitativa fundamentada em um estudo de caso. Na sequência, apresenta-se as
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particularidades deste método, identificando as principais vantagens e desvantagens
de sua escolha numa pesquisa científica. Além disso, são também apontados os
procedimentos metodológicos utilizados na coleta e tratamento dos dados primários
e secundários, que apoiaram a confecção deste estudo.
O quarto capítulo ambienta o leitor no contexto brasileiro de construção civil e
engenharia, incluindo os atores e movimentos presentes na área, a partir de uma
análise setorial histórica.
Os dois capítulos seguintes, quinto e sexto, constituem a descrição e análise do
caso em foco, encerrando com o sétimo capítulo: conclusões constatadas na
pesquisa e recomendações para pesquisas futuras.
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2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1. MUDANÇAS ESTRUTURAIS NA ECONOMIA GLOBAL
Embora a globalização seja um fenômeno antigo, associado muitas vezes às
grandes navegações, ou no período de consolidação capitalista pós Segunda
Guerra Mundial, considerações contemporâneas mostram-se mais relevantes para o
caso. O fenômeno da globalização foi crescente a partir dos anos 1980, com
mudanças tecnológicas que reduziam o tempo e custo de transações internacionais
financeiras e não financeiras, promovendo integração mundial (FMI, 2000).
Para Furtado (1987), as alterações estruturais no cenário comercial mundial
impactaram nas relações políticas e econômicas através de três fatores em especial:
a desorganização das estruturas coloniais, relevância de recursos não renováveis
em países não desenvolvidos, e a evolução política nos países emergentes.
O primeiro fator se deve à pressão dos EUA para desmantelamento das colônias,
planejando exercer influência capitalista nos países subdesenvolvidos, e explorar
seus mercados com a instauração de multinacionais (FURTADO, 1987). Na visão do
autor a relação norte-sul foi intensificada com a dependência dos países
desenvolvidos da mão-de-obra e recursos não renováveis presentes nas economias
periféricas. Em terceiro lugar, o autor ressalta a inexistência de uma burguesia
integrada à exportação, portanto os interesses nacionais nesse tocante eram
guiados pelos interesses do Estado.
Já Strange (2003) considera três fatores diferentes para as mudanças estruturais:
aceleração da internacionalização da produção, aumento na mobilidade de capitais
e a velocidade das transações. A autora ainda destaca que a integração econômica
mundial favorece as relações diplomáticas entre países mais que uma simples
política externa baseada em segurança e soberania.
Do ponto de vista das firmas, a globalização as obriga a reconsiderar seu
posicionamento estratégico, visto que a dependência entre Nações intensifica-se
reconfigurando as vantagens competitivas relativas à localização, assim as
empresas acabam buscando dispersar sua presença para buscar novas vantagens
em novos mercados (DUNNING, 1997). Da mesma forma, as vantagens inerentes
às firmas tendem a se dispersar geograficamente via investimento direto externo,
associações, redes de relacionamento e transferência de tecnologia, sempre que: for
mais eficiente explorar capital, insumos ou mão-de-obra de uma fonte no exterior;
20
assegurar ou melhorar o acesso ao mercado; ou alcançar novas tecnologias,
capacidades técnicas ou experiências.
Brum (2001) reflete sobre as macrotendências resultado da globalização, citando
nove aspectos da nova realidade:
1. Evolução do livre-comércio e abertura comercial entre os países;
2. Criação de blocos econômicos regionais como resultado de parcerias
buscadas para enfrentar a competitividade do novo mercado mundial;
3. Aumento do protecionismo ou maior abertura por conta da citada criação
de blocos regionais, ocasionadas respectivamente por aprofundamento
de relações geográficas ou maior participação em negociações a caráter
mundial (Organização Mundial do Comércio);
4. Mudança na participação do Estado na economia, com redução de
burocracia e reforma fiscal e tributária;
5. Intensificação das diferenças entre vantagens comparativas e
competitivas, a partir do momento que as competitivas estão sujeitas ao
Estado e à infraestrutura conferida por ele, como impostos e infraestrutura
viária;
6. Presença de grandes grupos empresariais formados por associações,
joint-ventures e fusões;
7. Valorização do acesso, coleta e tratamento de informação;
8. Perspectiva de unificação monetária em blocos econômicos para facilitar
os fluxos de capital e reduzir os custos de adequação tributários;
9. Predomínio da presença de empresas baseadas em bens intangíveis,
como prestadoras de serviços de inteligência.
Para esclarecer a trajetória da empresa foco do trabalho dentro desse contexto
de mudanças estruturais na economia mundial, serão utilizados modelos teóricos
sobre internacionalização de empresas e fatores que influenciam no processo.
2.2. MODELOS TEORICOS DE INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS
O principal teórico da abordagem econômica é John Dunning, que, em recentes
contribuições em 1995 e 2002, admite a influência de fatores macroambientais como
acordos regionais e políticas governamentais de agentes conscientes sobre os
21
benefícios angariados pelas multinacionais (geração de empregos e disseminação
de tecnologias). Nessa mesma linha, cresce o apreço pela Teoria Institucional, que
considera central influência exercida pelas instituições na dinâmica de
internacionalização de empresas. Sendo assim, no caso investigado evidenciou-se
um papel importante exercido pelas instituições governamentais tanto no movimento
de expansão externa da empresa através de políticas específicas de financiamento,
como no processo de retração, após o contencioso empresa-governo iniciado em
decorrência da guerra no Iraque em 1990, país que hospedava a empresa neste
momento.
2.2.1. Paradigma Eclético De Dunning
O Paradigma Eclético de Dunning é uma importante perspectiva acadêmica que
pretende explicar de forma holística os fatores que implicam o envolvimento
internacional dos negócios de uma firma. Foi inicialmente proposto em Estocolmo,
em 1976, no Simpósio do Prêmio Nobel, e é embasado por vários ramos teóricos
antecessores (WEISFELDER, 2001), como a Teoria da Organização Industrial e
Teoria da Firma (COASE, 1937), teorias neoclássicas de comércio (HECKSCHER,
1919; OHLIN, 1933; SAMUELSON, 1948; MUNDELL, 1957), e seus próprios
trabalhos sobre empresas multinacionais (DUNNING, 1958, 1973).
O trabalho de Dunning tem origem ainda em meados da década de 1950, com
sua tese de PhD, quando foi apresentado à estatística de que companhias nos EUA
apresentavam produtividade maior que as do Reino Unido (DUNNING, 2001). A
questão levantada por Dunning foi se esse fato estava ligado a aspectos gerenciais
das firmas, ou se era inerente à economia de cada país. O autor utilizou, então,
multinacionais americanas em território britânico como medida comparativa. Porém,
os estudos demonstraram que a produtividade das unidades internacionais era
inferior às domésticas, mas ainda superior às nacionais britânicas. Dunning concluiu
que a produtividade é parcialmente explicada por aspectos particulares das firmas, e
por aspectos não transferíveis de cada local.
Dessa forma, Dunning consolidou em suas publicações subsequentes o
Diferentemente do velho institucionalismo organizacional, no qual a análise recai
sobre cada organização em particular, portadora de características próprias
(SELZNICK, 1996), o novo presume que há comportamentos compartilhados entre
essas organizações (SCOTT, 1987). Portanto, a proposta da nova ordem é que se
olhe além de fatores técnicos e econômicos para definir a estrutura das
organizações, observando também fatores institucionais, provenientes de um
contexto de pressões políticas e sociais (MEYER & ROWAN, 1977).
Tratando-se desse contexto, Oliver (1991) elaborou um arcabouço de respostas
estratégicas tomadas pelas empresas para se adequar às pressões institucionais,
atingindo uma posição passiva ou ativa, de acordo com seus objetivos globais:
33
Quadro 4: Respostas estratégicas aos processos institucionais
Fonte: Oliver (1991, p. 152)
É importante sempre contextualizar a teoria institucional analisada, já que ela se
apresenta sob diferentes óticas: institucionalização como um processo de adicionar
valor, institucionalização como um processo de criar realidade, sistemas
institucionais como um conjunto diferenciado de elementos, e instituições como
estruturas sociais específicas (SCOTT, 1987).
2.2.3. O Paradigma Eclético Frente À Teoria Institu cional
Child e Rodrigues (2005) ressaltam que as teorias de internacionalização tendem
a abordar a unidade empresarial como ponto central, negligenciando o contexto
ambiental, numa tentativa de favorecer a perspectiva econômica em detrimento da
social. No entanto a participação dos governos nas decisões de iniciativas privadas
é uma realidade, seja por meio do controle da propriedade ou por regulações,
especialmente no que tange países em desenvolvimento, trazendo à tona a
necessidade do reconhecimento do contexto institucional como componente das
decisões estratégicas (PENG, 2000).
Estratégia Táticas Exemplos
Hábito Seguir normas tidas como certasImitação Imitar modelos institucionaisObediência Obedecer e aceitar normas e regras
Equilíbrio Equilibrar as expectativas dos agentesPacificação Apaziguar e acomodar elementos institucionaisBarganha Negociar com stakeholders
Omissão Disfarçar não-conformidadeProteção Livrar-se de vínculos institucionaisEscape Modificar metas, atividades ou domínios
Rejeição Ignorar valores e normas explícitasEnfrentamento Contestar regras e exigênciasAtaque Atacar fontes de pressão
Cooptação Valorizar agentes influentesInfluência Formar valores e critériosControle Dominar agentes e processos institucionais
Aquiescência
Comprometimento
Fuga
Desafio
Manipulação
34
Dunning (1992) associa os governos ao papel de facilitador macrossistêmico, já
que eles são responsáveis por grande parte da organização da atividade econômica
dos países, via estrutura regulatória, que impacta diretamente na forma como
recursos são explorados e desenvolvidos pelas empresas, acarretando no modo
como elas deverão interagir com ambientes externos.
Ainda, para o autor, os governos podem atuar no sentido de modificar o sistema
organizacional pelo qual são responsáveis: 1) como participantes diretos em
mercados específicos, ou grupo de mercados, por acreditarem serem mais capazes
de sustentar os princípios daquele mercado que os demais participantes, ou na
tentativa de promoverem objetivos adicionais ou distintos dos já instaurados; 2)
influenciando o resultado de transações pontuais, caso percebam que o sistema
está sendo distorcido no caso em questão, seja pelos atores ou por falhas
intrínsecas do sistema, visando eliminar essa distorção; 3) quando, embora o
sistema opere da forma mais eficiente possível, os objetivos sociais, como
sustentabilidade e distribuição, não estão sendo alcançados.
Esses papéis de modificador sistêmico influenciam diretamente em iniciativas dos
governos para restringir ou estimular o investimento direto (DUNNING, 1992).
Enquanto o Dunning (1998) cita como exemplos legislação sobre a produção,
licenciamento de tecnologia, patentes e políticas sobre impostos e câmbio, Wild,
Wild e Han (2010) destacam investimentos em infraestrutura, mecanismos
financeiros e metas de exportação.
Para Dunning e Lundan (2008), as variáveis do Paradigma OLI sofrem
adaptações ao considerar as instituições como agentes influenciadores nas decisões
de investimento. Os autores reconhecem que as vantagens de localização (L) e
internalização (I) são facilmente observáveis pelo desenvolvimento econômico a
nível nacional, conduzido pelas instituições. Já as vantagens de propriedade (O)
requerem maior aprofundamento na análise, pois podem ser divididas em vantagens
ligadas às instituições (Oi), ligadas aos ativos das empresas (Oa), e referentes às
transações (Ot). Para os autores, todos devem ser considerados num cenário
dinâmico, pois é de se esperar, por exemplo, que Oa e Oi influenciem I no tempo “t”,
por meio de exploração ou aquisição de ativos, e no tempo “t+1” acabar por exercer
influência em L ao provocarem mudança de região.
As instituições são naturalmente restritivas, ao passo que podem suprimir certa
demanda encarecendo a operação, ou desvalorizando-a (DUNNING & LUNDAN,
35
2008). Dessa forma, na visão dos autores, as instituições interferem não só nas
ações das empresas, mas também na sua cultura organizacional ao longo do tempo,
quando essas tentam harmonizar com as imposições institucionais. No entanto, os
autores acreditam que o contrário é possível, e que as empresas podem alterar as
estruturas formais e informais as colocando em seu favor.
As vantagens de propriedade institucionais (Oi) envolvem a infraestrutura
institucional específica de cada empresa, englobando incentivos, regulações e
normas internas, que afetam o comportamento de todos os stakeholders (DUNNING
& LUNDAN, 2008). O quadro 5 a seguir apresenta exemplos de instituições, formais
e informais, que afetam as variáveis OLI de uma companhia:
Quadro 5: Exemplos de instituições formais e informais que afetam a configuração OLI das empresas
Fonte: Dunning & Lundan (2008, p. 583)
A complementação do modelo OLI proposta por Dunning e Lundan (2008) imbui
um caráter dinâmico às interações entre os agentes, baseado nas pressões
institucionais que podem ser moldadas por qualquer um deles. Dessa forma, a
relação governo-empresa, especialmente no que concerne o movimento de
internacionalização, ganha uma nova representatividade dentro das teorias
econômicas.
2.2.4. Diplomacia Triangular
O mercado globalizado tem estimulado cada vez mais a interação entre governos
e empresas, que buscam uma posição mais vantajosa no cenário competitivo,
através de melhores fontes de financiamento, acesso a maiores e mais lucrativos
O L IOrganizacional/Governança Capital Social Relacional
InstituiçõesLeis, Regulações, Convenções Leis, Regulações, Convenções ContratosDisciplina dos Mercados Econômicos Disciplina dos Mercados Políticos
Códigos, Normas Religião, Moral Social, Tradição Convenções, Códigos, Relações de ConfiançaCultura do País/Corporativa Sociedade Civil Clusters, NetworksMoral Ecológica dos Indivíduos
Mecanismos de ReforçoSanções, Penas Sanções, Penas Penas por Quebra de ContratoTaxas, Incentivos Qualidade das Organizações Públicas Greves, Alto Turnover , Lock-OutsAções dos Stakeholdes Educação
Persuasão Moral Culpa, Vergonha Culpa, VergonhaGanho ou Perda de Status/Reconhecimento Participação Política Não Repete as TransaçõesRetaliação Persuasão Moral Economias Externas Proveniente de NetworksConstrução ou Perda de Confiança Exlusão SocialExclusão Social
Formal
Informal
Formal
Informal
36
mercados, e redução de riscos dos investimentos (STRANGE & STOPFORD, 1992;
BRASIL, 2009). Esse contexto abre uma nova gama de motivações que justificam a
internacionalização de empresas, com destaque para a função estratégica para os
governos de economias emergentes (BRASIL, 2009).
Dessa forma, a partir dos trabalhos de Strange (1994, 1996), e de Stopford e
Strange (1992), nasce o conceito de Diplomacia Triangular, que explora a Economia
Política Internacional (EPI) com ênfase no relacionamento entre empresas e
governos. Esse relacionamento acontece em diversas instâncias de arranjos
políticos, econômicos e sociais, como Estados, organizações internacionais e
nacionais, sejam governamentais ou não, empresas financeiras, industriais e
comerciais, todos com diferentes objetivos e níveis de influência sobre o sistema
(STRANGE, 1994).
Para a autora, a distinção entre esses atores se dá na sua capacidade de
influenciar o ambiente de interação (poder estrutural) ou manipular os
relacionamentos a seu favor (poder relacional). A economia política internacional
não se trata, portanto, apenas do Estado, mas de todos os atores e seus poderes.
Nesse panorama, os Estados perceberam que só alcançariam desenvolvimento ao
acumular riquezas, e para isso passaram a estimular a realização e recebimento de
investimento direto, já que as riquezas encontravam-se acumuladas nas mãos das
multinacionais (STOPFORD & STRANGE, 1992). Por outro lado, as empresas
vislumbraram oportunidade de expansão de seus mercados mediante negociação
com os próprios Estados. Neste sentido, a Diplomacia Triangular encarrega-se de
analisar interação entre as iniciativas públicas e privadas (DICKEN, 1998). Em
outros termos, o modelo proposto por Stopford e Strange (1991) é retratado no
triângulo de relacionamentos com três cenários diplomáticos: relação entre
governos, entre empresas, e finalmente entre governos e empresas:
37
Figura 2: Modelo da Diplomacia Triangular
Fonte: Stopford & Strange (1991, p. 22)
Enquanto as interações entre empresas podem ser ilustradas por parcerias para
empreendimentos e transferência de tecnologia, as relações governo-governo são
exemplificadas por Cervo e Bueno (2008) como esforço diplomático de aproximação,
como nos casos do Brasil com os países do Mercosul, BRICS (Brasil, Rússia, Índia,
China e Africa do Sul), IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) e CPLP (Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa) Na esfera governo-empresa, Stopford e Strange
(1991) sugerem a constituição de grupos de trabalho buscando objetivos em comum
ou distintos, através de um esforço conjunto para amplificar o potencial de
resultados. São também exemplos de políticas de promoção à internacionalização,
segundo a UNCTAD (2000): assistência técnica e informação, apoio financeiro
direto, indireto, e seguros contra riscos não-comerciais.
O modelo fica bem claro no horizonte de países em desenvolvimento. Para
Cavusgil, Knight e Riesenberger (2012), o governo e empresas estatais desses
países são grandes compradores de produtos e contratadores de serviços, em
particular para suprir a demanda de obras de infraestrutura necessárias para o
crescimento da economia. Além disso, os autores destacam vantagens enxergadas
pelos Governos ao promoverem esses projetos, como criação de postos de trabalho
locais gerando emprego e alocação de recursos nacionais, reduzindo a dependência
de importações para o país.
38
Embora ofereçam um mercado aquecido e vantajoso, esses países apresentam
alto grau de risco devido à infraestrutura legal e comercial, acarretando em
instabilidade política, baixa proteção à propriedade intelectual, altos níveis de
burocracia, falta de transparência e corrupção, falta de recursos disponíveis e oferta
de qualificação (CAVUSGIL, KNIGHT E RIESENBERGER, 2012). Os autores ainda
oferecem um arcabouço de riscos genéricos enfrentados pelas empresas ao
buscarem o ambiente internacional:
Figura 3: Risco nos negócios internacionais
Fonte: Cavusgil, Knight e Riesenberger (2012, p. 175), adaptado por Rêgo (2015)
No cenário brasileiro, as políticas de exportação da década de 1970 baseavam-
se em incentivos fiscais e linhas de crédito, que migrou na década seguinte para
manipulação cambial (GOULART, ARRUDA & BRASIL, 1994). Para os autores,
seguidos choques do petróleo, que culminaram na crise da dívida externa, forçaram
o governo a modificar seus mecanismos de apoio às exportações, passando para
barreiras não-tarifárias e desvalorização cambial. Para Rocha, Silva e Carneiro
(2007), foi esse cenário de recessão interna que levou as primeiras empresas
39
brasileiras a buscarem o mercado externo. Segundo Iglesias e Veiga (2007), a
internacionalização das empresas nacionais teve sua origem junto à Petrobrás,
vetorizado por companhias de engenharia e construção. É esse movimento o foco
de análise do atual trabalho, que se apoiará nos modelos teóricos descritos para
melhor assimilar o processo.
40
3. METODOLOGIA
3.1. QUESTÕES DE PESQUISA
O trabalho busca iluminar – explicando ou suscitando futuras discussões – a
trajetória de internacionalização de uma empresa brasileira do setor de construção
civil e engenharia. Para tal, escolheu-se estudar uma das maiores empresas
nacionais no ramo, a Mendes Junior, responsável por um movimento internacional
seminal (1969) dentre as companhias deste segmento, Além disso, a empresa
demonstrou um processo atípico de retração dos negócios internacionais, motivadas
por diversos elementos, dentro os quais a instabilidade política no Iraque (fatores
exógenos) e as consequências na sua gestão (fatores endógenos); assim também,
no período recente a empresa vem buscando retomar suas atividades no mercado
externo, apresentando, com isso, uma trajetória interessante de ser investigada,
repleta de diferentes variáveis. É possível, portanto, observar decisões à respeito do
porquê, quando e como se internacionalizar, destacando destinos escolhidos,
influência de instituições (exógenas), e percepção de riscos e oportunidades.
As perguntas que guiam a pesquisa são as seguintes:
a) Quais foram as motivações que fomentaram o processo de internacionalização
desta empresa no final da década de 1960?
b) Quando foi tomada a decisão de se internacionalizar, e quando ocorreram os
movimentos das etapas subsequentes?
c) Como o processo de internacionalização se desencadeou? Como transcorreram
os movimentos subsequentes?
d) Quais foram os destinos considerados, e quais foram escolhidos?
e) Qual foi o papel de instituições (fatores exógenos) no processo?
f) Quais motivos levaram a empresa a recuar do mercado internacional? E por que
a empresa resolveu retomar a expansão externa posteriormente?
3.2. MÉTODO DE PESQUISA
A pesquisa em profundidade foi conduzida de forma qualitativa, levando em
conta a subjetividade da análise durante a dinâmica entre pesquisador, objeto e
ambiente de estudo (GIL, 1991).
41
A determinação da escolha do método do estudo de caso vem após análise de
fatores propostos por Yin (2001) que caracterizam a estratégia, sendo eles: escopo
das questões de pesquisa, abrangência do controle sobre os eventos estudados, e
recorte temporal aplicado. Para o autor, o estudo de caso foca em perguntas
explanatórias, do tipo “como” e “por que”, cuja subjetividade se esquiva de dados
quantitativos. Quanto ao controle do observador, o método admite estudo de
fenômenos nos quais não se consegue exercer interferência alguma. E quanto ao
período observado, o enfoque é em contexto contemporâneo.
Para Yin (2001), são três as situações para as quais o estudo de caso é indicado:
quando o caso em questão é crítico para testar teorias previamente estabelecidas,
quando o caso é extremo ou único, e quando o caso é inédito na literatura científica.
O caso em questão é de fato inédito, e pode ser considerado único por não haver
precedentes de internacionalização do setor, além de extremo devido aos contextos
interno e externo sob o qual foi submetido, ilustrados pela duração do processo,
valores transacionais envolvidos, e magnitude dos eventos internacionais que se
desdobraram.
Eisenhardt (1989) coloca o estudo de caso como melhor opção na análise de
novas áreas de pesquisa, ou áreas aparentemente inconsistentes. Escolha coerente
com a recência das teorias abordadas. No que concerne negócios internacionais,
Ghauri (2009) vê o método como eficiente quando os dados manuseados
transcendem fronteiras geográficas e culturais, enquanto métodos quantitativos são
questionáveis por não conseguirem traduzir essas diferenças entre países e regiões.
O autor ainda coloca entrevistas em profundidade como uma excelente forma de
compreender o comportamento dos gestores em diferentes culturas.
O autor ainda salienta vantagens da estratégia, afirmando que é útil na
investigação de fenômenos difíceis de serem compreendidos fora do seu sistema
natural. A profundidade da pesquisa também deixa margem para elaboração de
novas teorias, e não só teste das existentes. Outra vantagem é a propriedade
holística da investigação, atacando diversos pontos de vista e períodos de tempo.
Nesse tocante, Merriam (1998) afirma que o estudo de caso pode assumir
caráter histórico. A autora cita técnicas recorrentes empregadas, como uso de fontes
primárias, comuns à historiografia. O fator histórico do estudo de caso é importante
para trazer à tona a realidade contextual, ponderando sobre causalidades e
dependências históricas e conjunturais (AMENTA, 2009). O autor ressalta a
42
possibilidade de retratar transformações estruturais e eventos pontuais. No entanto,
há a limitação da ausência de dados não mais disponíveis, ou distorção dos
mesmos. A movimentação internacional da Mendes Júnior já dura quase 50 anos,
portanto, é importante resgatar dados pertencentes a todas as fases do processo no
intuito de melhor compreender quais eventos provocaram mudança em sua
essência, e quais foram particulares de um determinado instante.
Para escolher o caso foco, Ghauri (2009) evidencia fatores a serem
considerados, podendo assumir caráter impeditivo ou desobstrutivo. Portanto, deve-
se levar em conta o tempo disponível para a pesquisa, os recursos financeiros
disponíveis para garantir obtenção de informação, como necessidade de viagens, e
a rede de contatos disponíveis e acessíveis.
A escolha de caso único remete à Stake (2001), que afirma ser apropriada para
circunstâncias tais quais quando se utiliza o caso para testar uma teoria, quando o
caso é raro, e não existem outros casos semelhantes para efeito comparativo, e
quando o caso propicia acesso a informações não disponíveis em banco de dados
gerais. Mattar (1996) complementa a lista destacando o intuito de reunir, em uma só
interpretação, inúmeros aspectos de um objeto pesquisado. Porém, Yin (2001)
atenta para o cuidado que deve ser tomado ao se realizar estudos de caso único, no
que diz respeito às generalizações feitas a partir deles. O autor ainda observa que o
caso pode se apresentar de forma distinta ao previsto, não favorecendo adesão às
teorias propostas inicialmente.
O estudo é conduzido com assistência de evidências provenientes de seis
diferentes fontes, sendo elas documentos, entrevistas, registros de arquivos, cada
um com seu apropriado procedimento (EISENHARDT, 1989).
Portanto, a escolha do método obedece a todos os critérios propostos de
execução e objetivos.
3.3. MÉTODO DE COLETA E ANÁLISE DE DADOS
As fontes de dados consideradas relevantes para o encaminhamento da
pesquisa, apoiados pela literatura estudada, encontram-se em dois grupos:
documentos escritos e entrevistas (YIN, 1994).
Os dados secundários foram obtidos em páginas na internet, como sites
institucionais de empresas (Mendes Júnior, Odebrecht, Petrobrás) e órgãos
relevantes (BNDES, APEX, MDIC, IBGE, CNI, IPEA, MRE, Governo Federal),
43
instituições internacionais (UNCTAD, BIRD, ITC). Além disso, foi realizada uma
análise sistemática de reportagens publicadas na mídia impressa de 1960 a 1980,
disponíveis na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. Da mesma forma foram
obtidos documentos pertinentes ao caso, a partir de publicações oficiais do governo
federal e entidades envolvidas, como declarações presidenciais, cartas entre
representantes dos governos, acordos bilaterais, relatórios e expedientes de grupos
de trabalho, pareceres jurídicos acerca das disputas judiciais, e contratos firmados
entre as diversas partes. A pesquisa também baseou-se em publicações
acadêmicas que abordam o tema, e, especialmente, no livro lançado pelo diretor da
empresa foco da análise, Mendes e Attuch (2008).
Os dados primários foram coletados mediante entrevista semi-estruturada,
conduzidas por meio de um roteiro base, elaborado com a finalidade de responder
as perguntas de pesquisa. Foi feita apenas uma entrevista, de aproximadamente
três horas, devido à fatores suscitados abaixo. O entrevistado se trata de um ex-
funcionário da Mendes Júnior, que atuou diretamente em obras no exterior.
Todos os dados foram submetidos a triangulação, por meio de multiplicidade de
fontes, no intuito de evitar qualquer viés na análise do caso.
Já para análise de conteúdo dos dados empíricos, foi construído um framework
teórico-conceitual (Figura 4), cruzando as principais perguntas deste estudo com as
definições disponibilizadas pela literatura pertinente da área de negócios
internacionais.
Figura 4: Framework teórico-conceitual
Elaborado pelo autor
44
3.4. LIMITAÇÕES DO ESTUDO
O método do estudo de caso falha em prover base necessária para
generalizações, já que propõe a análise de um caso isolado dentro de um sistema
complexo (YIN, 2001). Porém, enquanto uma má escolha de casos pode carecer de
informações conclusivas, causar generalização exagerada ou equívocos de
compreensão da relação entre as variáveis e os processos (BENNET & ELMAN,
2006a), uma escolha apropriada pode revelar uma nova pletora de informações
úteis, pois aciona mais atores e mecanismos básicos do processo estudado
(FLYVBJERG, 2006). No caso específico deste trabalho, o objetivo não é generalizar
as conclusões, e sim elucidar aspectos e suscitar discussões na tentativa de
consolidar sua compreensão.
Yin (2001) ainda reforça a essência subjetiva da pesquisa qualitativa, estando
sujeita ao viés das fontes de dados analisadas e do pesquisador. Esta crítica é
relevante pois é de suma importância delimitar a pesquisa nesse quesito. No
entanto, o viés não deve ser encarado como desvantagem do método, já que o
modo de pensar e agir dos atores, incorporando suas opiniões pessoais, é
justamente o foco da pesquisa. Da mesma forma, o senso crítico do pesquisador ao
decidir a hierarquia de importância dos dados adquiridos, tanto quanto sua
suficiência, fora sua capacidade narrativa, são fatores cruciais para a formulação de
um trabalho significativo (CRESWELL & MILLER, 2000).
No presente caso, houve limitação na coleta de dados primários, já que a
empresa foco se encontra sob investigação criminal. Portanto, tornou-se difícil o
acesso a dados na sede da empresa, e, da mesma forma, implicou na dificuldade de
realização de entrevistas com agentes estratégicos da empresa no processo de
internacionalização da mesma, visto que os principais atores, sejam de iniciativa
privada ou pública, preferiram se resguardar nesse momento, evitando
pronunciamento sobre quaisquer assuntos relacionados à empresa.
45
4. HISTÓRICO DO AMBIENTE SETORIAL
4.1. A CONSTRUÇÃO CIVIL NO BRASIL
Tratando-se especificamente do cenário brasileiro, a construção pesada teve
suas operações iniciadas na metade do século XIX, por influência de empresas
estrangeiras, ao invés de um processo próprio de industrialização e evolução do
setor.
Se considerarmos a divisão da evolução da construção pesada brasileira
proposta, o primeiro movimento é compreendido aproximadamente da metade do
século XIX até a década de 1930, quando empresas estrangeiras foram as principais
responsáveis pelo desenvolvimento urbano, porém atestando o caráter de
dependência da economia nacional (CAMPOS, 2012a). Não obstante, para o autor,
por um período inicial, a função de realizador das obras também recaiu sobre o
aparelho do Estado.
O setor de saneamento evidencia essa transição, quando criada em 1933 o
primeiro organismo federal encarregado exclusivamente do assunto, a Comissão de
Saneamento da Baixada Fluminense (CAMPOS, 2012a). Após uma série de
transições de competência e escopo, o departamento foi elevado a órgão nacional,
sob alcunha de Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS). Não
mais limitado ao território carioca, o departamento ajudou a lapidar o novo setor para
empresas nacionais (LAMEGO, 2007).
Outro departamento governamental importante no setor foi a Inspetoria de Obras
contra a Seca (Iocs), criada em 1909, no governo de Nilo Peçanha. O departamento
cuidava não só de obras no intuito de combater a seca no Nordeste, como também
executava estradas, pontes, ferrovias, e inúmeras outras obras de infraestrutura,
incluindo hidrelétricas. Foi considerada nesse período a maior empreiteira nacional,
pois realizava os empreendimentos com seu próprio pessoal e equipamento, até sua
reformulação em 1945, na gestão de José Linhares. Passou a se chamar
Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), e limitou-se a contratar
as obras, deixando de realizá-las. Sua importância engloba o governo de Juscelino
Kubitschek, quando foi incumbido de parte do projeto rodoviário do Plano de Metas,
no trecho Fortaleza-Brasília (CAMPOS, 2012a).
A transição de Estado realizador para somente contratador de obras fica evidente
com a reformulação do DNER a partir do decreto-lei 8463 de 1947 pelo Ministro da
46
Viação Maurício Joppert da Silva, conhecido como Lei Joppert (CAMPOS, 2012a).
Dessa forma, era concedida autonomia financeira e administrativa ao órgão.
Também foi criado o Fundo Rodoviário Nacional (FRN), que repassava verbas
arrecadadas via Imposto Único sobre Combustíveis Líquidos e Lubrificantes
Minerais (IUSCL), ao DNER, dando sequência ao Plano Rodoviário Nacional (PRN)
(FERRAZ FILHO, 1981). O fundo formado é considerado um marco, pois garantia
tomada de empréstimos dentro e fora do Brasil, dando início a um modelo de
acumulação da iniciativa privada, tanto quanto sua ramificação e especialização, até
então inexistentes (CAMARGOS, 1993).
Essa última adaptação do modelo é concretizada durante o governo de Juscelino
Kubitschek, no qual os setores mais importantes para a construção pesada nacional,
transportes e energia, são agraciados com políticas nacionais de incentivo, já que o
desequilíbrio entre a infraestrutura do país e o parque industrial já fortemente
impulsionado era manifestada (CAMPOS, 2012a; ROTSTEIN, 1966).
Mesmo com esse leque de oportunidades, foi do setor energético que saiu o
maior ganho das construtoras, com projetos que elevaram a produção nacional
energética em 65% (CAMPOS, 2008). Nesse período as empreiteiras continuavam
preponderantemente estrangeiras, mas é importa salientar que, sob regime de
subempreitada, a construtora Mendes Junior participou da construção da hidrelétrica
de Furnas. A construtora foi convocada para erguer o núcleo de argila da barragem
antes da cheia do rio Grande, sendo esta empreitada a origem da compreensão de
que construtoras brasileiras também poderiam executar obras de grande porte
(MENDES & ATTUCH, 2008). A partir desse momento, a empresa, que só havia
executado obras de pequeno e médio porte, junto com outras que vislumbraram a
oportunidade, investiram em capacitação administrativa e tecnológica para abraçar o
nicho (RÊGO, 2015).
A grande mudança na área veio em 1962 com a criação das Centrais Elétricas
Brasileiras S/A (Eletrobrás), holding responsável por estudos, projetos,
financiamentos, construção e operação de usinas produtoras, linhas de transmissão
e distribuição de energia elétrica, possibilitando finalmente o estabelecimento de
construtoras nacionais no setor (CAMARGOS, 1993; RÊGO, 2015).
Atinge-se, assim, o período da ditadura brasileira, fundamental para
compreendermos a posição na qual se encontram as empreiteiras atualmente. O
crescimento das empresas se deu em boa parte pela redução de encargos
47
empregatícios, junto a políticas de incentivo a reinvestimentos e fusões, aumentando
o lucro das companhias (CAMPOS, 2009). Deu-se continuidade a programas
elaborados no governo de JK no setor de transportes e energia, ressaltando a
construção da hidrelétrica de Itaipu, e da rodovia Transamazônica, esta última
executada pela Mendes Junior. O projeto da rodovia visava integração nacional e foi
elaborado no governo Médici, via Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Vale
mencionar o período anterior, de recessão, durante o governo de Castello Branco
(1964-1967), quando houve reajuste econômico e suspensão de diversas obras,
porém a fase seguinte, conhecida como “Milagre Econômico”, foi vital para o
crescimento da economia e desenvolvimento dos setores (CAMPOS, 2012a).
O PND focava no setor rodoviário, destinando mais da metade da verba à área. É
só em 1974 que o panorama muda, e o transporte ferroviário passa a ser o eixo de
expansão. Foi o primeiro setor resguardado pelo Estado, por conta do decreto
64.345 de 10 de abril de 1969, garantindo a contratação apenas de empresas
nacionais para realização das obras, e, caso não houvesse companhia capacitada,
uma empresa estrangeira seria contratada com regime de consórcio com
participação de uma nacional, para que ocorresse transferência de tecnologia
(FERRAZ FILHO, 1981; CAMARGOS, 1993).
Neste contexto, outro fator histórico importante de ser mencionado foi a crise do
petróleo em 1973, que deu números finais ao processo de oligopolização e
ramificação das construtoras, como visível na tabela a seguir. Já que o modelo de
investimento era baseado no capital externo, os altos juros impulsionados pela crise
fizeram despencar a margem de lucro das companhias, intensificando a
concorrência. Várias empresas viram-se obrigadas a fechar as portas, enquanto
outras buscaram alternativas mergulhando nos nichos, como petroquímica,
exploração de petróleo, mineração e agroexportação (CAMPOS, 2012a).
48
Quadro 6: Porcentagem do faturamento das cinco maiores empresas de construção em relação às cem maiores
Fonte: Revista O Empreiteiro, julho de 1985, nº 212
A característica final da construção nacional, pautada em obras públicas e
atividade no setor de construção civil foi proveniente do processo de entrelaçamento
político com o Estado, e não de um movimento de acumulação próprio,
exclusivamente (FERRAZ FILHO, 1981).
4.2. INTERNACIONALIZAÇÃO DO SETOR
O decorrer desse processo foi a semente para o cenário propício à
transnacionalização das construtoras brasileiras no final da década de 1960 (RÊGO,
2015). Segundo o autor, os primeiros movimentos além da simples prospecção de
licitações vieram com a Camargo Corrêa em 1967, e mais efetivamente com a
Mendes Junior em 1969. Sua subsidiária no exterior foi inaugurada em 1974. A
Mendes Junior também foi responsável pela obra considerada o marco zero das
empreitadas no exterior, a hidrelétrica de Santa Izabel, na Bolívia, concluída em
1973 (MENDES & ATTUCH, 2008). Os alvos primários foram regiões geográficas e
culturalmente próximas, como América do Sul e Central, e regiões lusófonas da
África, posteriormente, expandindo para o restante do continente africano e Oriente
Médio (RÊGO, 2015).
Foi no período do Milagre Econômico, de 1968 a 1973, que as empresas
começaram a procurar novos mercados. A tabela a seguir busca destrinchar o
número e valor dos contratos no exterior, por empresa, novamente com destaque
para a Mendes Junior, com maior quantidade e valor acumulado (FERRAZ FILHO,
1981).
Ano Porcentagem1978 31,2%1979 38,2%1980 39,3%1981 45,1%1982 48,1%1983 54,9%1984 56,9%
49
Quadro 7: Empresas de construção pesada com obras no exterior
Fonte: Ferraz Filho (1981, p. 113)
Para Ferraz Filho (1981) são consideradas três possíveis motivações para o
movimento de internacionalização das empresas de construção brasileiras:
• Resposta à crise no mercado interno: a hipótese de que as empresas
buscariam novas oportunidades como contramedida à retração do
mercado nacional é infundada, pois mesmo ao ser considerada uma
redução de investimentos no setor de transportes, essa foi compensada
pelo fomento no setor energético.
• Resposta ao crescimento do mercado externo: a expansão do mercado
externo é evidenciada pela ascensão da demanda de obras de engenharia
por países produtores de petróleo, claramente grupo mais rico do cenário
mundial. Porém, por mais que seja indiscutível a atratividade do mercado
internacional, não é suficiente para determinar o movimento. Há ainda que
se discutir as condições que possibilitaram as companhias a concorrer e
serem bem-sucedidas em um mercado tão disputado.
EMPRESA Nº DE CONTRATOS VALOR (US$ MILHÕES)
AFFONSECA 3 40,5
C. CORRÊA 1 1.200,0
CETENCO 2 1.250,0
CBPO 2 31,5
CONCIC 1 10,0
BCEL 1 83,5
ECISA 4 104,0
ESUSA 2 30,0
MENDES Jr. 8 1.954,0
ODEBRECHT 2 130,0
RABELLO 4 550,0
STER 2 33,0
TOTAL 32 5.416,5
50
• Tecnologia intermediária como arma brasileira para enfrentar a
concorrência internacional: a engenharia brasileira é fruto de transferência
de tecnologia de empresas internacionais, adaptadas a necessidades
específicas de ambiente, prazo, e condições de trabalho e financiamento.
Tal hipótese também não é suficiente por si só, mas ajuda a explicar como
construtoras brasileiras apresentaram excelência na execução de obras de
infraestrutura sob regime estrito no exterior, por muitas vezes
apresentando melhor proposta de tempo e custo nas licitações.
É importante ressaltar a importância do Estado no processo, cumprindo papel
vital no financiamento das obras e nas pressões diplomáticas. Essa
interdependência tanto beneficiou as maiores construtoras, que se firmaram
dominantes no cenário nacional, e o governo, que teve instrumentos para reafirmar
sua política externa (CERVO & BUENO, 2008; FERRAZ FILHO, 1981).
Atualmente, empresas brasileiras tem presença em mais de 50 países (RÊGO,
2016), evidenciado na figura 4, sendo que a maior parte das receitas é originária do
exterior (CBIC, 2012). A Odebrecht é a construtora com maior nível de atividade
estrangeira, atuando em 30 países, com 80% das receitas provenientes do exterior.
Já a Mendes Júnior, apesar de ser pioneira no processo, tem sua presença no
exterior em fase de recuperação após um período de retração. Não obstante, sua
atuação já foi extensa, como é possível verificar na figura 5, e seus relatórios anuais
recentes constam os objetivos estratégicos de voltar a ter contratos internacionais.
(MENDES JÚNIOR, 2013).
Em 2004, a exportação de serviços de engenharia por empresas brasileiras
atingiu o patamar de 2,3 bilhões de dólares. As políticas de financiamento de
exportações por meio do BNDES e do Banco do Brasil, promovidas durante o
governo Lula, foram as grandes responsáveis por essa ascensão. (CBIC, 2012)
51
Figura 5: Presença das empreiteiras brasileiras no mundo atualmente
Fonte: Rêgo (2015, p. 229)
Países em que atuam hoje
África do Sul, Alemanha, Angola, Antígua, Arábia Saudita, Argélia, Argentina, Áustria, Botswana, Brasil, Bolívia, Camarões, Chile, Colômbia, Congo, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Emirados Árabes Unidos, Equador, Estados Unidos, Gabão, Gana, Guatemala, Guiana, Guiné, Guiné Equatorial, Haiti, Honduras, Iraque, Líbano, Líbia, Mali, México, Moçambique, Namíbia, Nicarágua, Nigéria, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal, Quênia, Reino Unido, República Dominicana, Tanzânia, Trinidad & Tobago, Uruguai e Venezuela.Países em que atuaramAzerbaijão, Bahamas, Catar, China, Cingapura, Djibuti, Espanha, Grécia, Índia, Irã, Kwait, Libéria, Malásia, Mauritânia, Rússia, Santa Lúcia, Suriname, Ucrânia, Zaire.
52
Figura 6: Presença histórica internacional da Mendes Júnior
Elaborado pelo autor
O setor de construção civil brasileiro foi responsável por 4% do PIB em 2009,
tendo crescido até 2008, ano de recessão mundial no qual a redução de crédito
privado teve efeitos como queda do preço de ações das empresas. No entanto, as
medidas anticíclicas por parte do governo para mitigar a crise proporcionaram um
resiliente crescimento da construção civil no Brasil, como mostra o gráfico 1. Tanto a
área de edificações como a de construção pesada são diretamente dependentes da
restrição de crédito e capital estrangeiro, mas as providências tomadas para
minimizar os efeitos, como desoneração tributária e expansão de crédito para
habitação (e.g., Programa Minha Casa, Minha Vida), surtiram efeito imediato.
(BNDES, 2010)
53
Gráfico 1: Evolução trimestral da construção civil no Brasil
Fonte: BNDES (2010, p. 315)
Em 2013 as construtoras realizaram incorporações, obras e/o serviços no valor
corrente de 357,7 bilhões de reais. Uma expansão de 3,7% em relação ao ano
anterior. Desse montante, 33,7% são originários de obras contratadas por órgãos
públicos, demonstrando uma queda em relação ao ano anterior (35%). Alguns
fatores nutriram a dinâmica do setor, como o Programa Minha Casa, Minha Vida
(PMCMV), a oferta de crédito imobiliário, os programas de investimento, como o
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e as obras para a Copa do Mundo
de 2014 (IBGE, 2013).
Por conta da crise de 2008, os resultados da Mendes Júnior ficaram abaixo das
expectativas, ao conviver com seguidos adiamentos na execução das obras. A
receita bruta da companhia alcançou 1,33 bilhão de reais, e lucro líquido de 41
milhões de reais. Todavia a carteira de projetos foi expandida (MENDES JÚNIOR,
2012).
54
Quadro 8: Dados gerais da indústria da construção - Brasil (2012-2013)
Fonte: IBGE (2013)
Subdividindo o setor da construção em edificação e construção pesada, a
Mendes Junior coloca-se no grupo das maiores controladoras do negócio nacional.
A maior participação vem por parte das empresas de maior porte, com mais de 30
empregados, como mostra o gráfico 2.
Gráfico 2: Distribuição percentual do número de empresas e empregados e valor das obras
Fonte: BNDES (2010, p. 321)
É significativa a concentração das obras de maior valor nas mãos de empreiteiras
com presença internacional e em diversos segmentos (BNDES, 2010).
55
5. EXPOSIÇÃO DO CASO
5.1. CONSOLIDAÇÃO INTERNA
A construtora Mendes Junior foi estabelecida em 31 de dezembro de 1953, em
Belo Horizonte, Minas Gerais. Murillo Mendes, em seu livro Quebra de Contrato
(2008), admite que seus ideais inovadores e até mesmo de tendência anarquista
que durante o período de formação universitária, quando cursava engenharia civil, o
levaram a desafiar a presença absoluta de empresas estrangeiras no setor em
âmbito nacional. A oportunidade veio quando a antiga empresa do patriarca da
família, seu pai José Mendes Júnior, enfrentou uma cisão devido aos conflitos
societários. Pai e filho decidiram assumir os equipamentos da antiga companhia, e
fundar a Mendes Junior, com Murillo na direção e José Mendes Júnior compondo o
conselho administrativo.
O contexto da criação da empresa coincide com o ciclo econômico conhecido
como desenvolvimentista, que perdurou no Brasil até final dos anos 1980, em que se
fomentava a ideia de industrialização baseada no modelo de substituição de
importações. Assim, esse período que também marca o final da II Guerra Mundial,
foi, no Brasil, determinado pelo combate à inflação por meio de aumento da oferta
interna de bens através de importações. Eram otimistas as previsões em relação à
balança comercial devido à proposta de política externa mais aberta, seguidos
superávits, e potenciais investimentos norte-americanos após o apoio brasileiro
oferecido durante a guerra (MALAN ET AL., 1980). Porém, as previsões não se
concretizaram, sendo que os EUA, principal parceiro brasileiro na época, priorizaram
a reconstrução da Europa como estratégia para suprimir a expansão soviética, o que
levou consequentemente a seguidos déficits no comércio exterior brasileiro
(PORTUGAL, 1994).
Logo em seguida, em outubro de 1953, a Superintendência da Moeda e do
Crédito (Sumoc), durante o segundo governo de Getúlio Vargas, criou o confisco
cambial, determinando a transferência de parte da receita com exportação do café
para o financiamento de projetos prioritários, em especial a indústria (FAUSTO,
1994). A transição do Brasil agrário para o industrial foi iniciada. Mas para que o
parque industrial se tornasse viável, deveria haver concomitantemente uma
evolução da infraestrutura.
56
Diante disso, entre 1951 e 1953, a Comissão Mista Brasil – Estados Unidos para
o Desenvolvimento Econômico, criada após o Acordo de Washington, elaborou
estudos para otimizar a aplicação dos investimentos norte-americanos de auxílio ao
desenvolvimento do Brasil. As principais áreas abordadas foram a de geração de
energia e transporte, com atenção particular para a reformulação da malha
ferroviária local (LOPES, 1986).
Estava formada a atmosfera promissora que inspirou a fundação da Construtora
Mendes Júnior. A herança da experiência de José Mendes Júnior, pioneiro na
execução de obras ferroviárias no país, foi essencial para a consolidação da
empresa nos primeiros anos. Sempre almejando competir com grandes empresas
internacionais, os altos padrões de qualidade impostos pela Construtora ajudaram a
firmar seu nome entre as principais empreiteiras nacionais de 1953 a 1957. Mendes
e Attuch (2008) citam um projeto em específico responsável por alavancar a Mendes
Júnior, elevando o status da construtora a realizadora de grandes empreendimentos,
e não mais obras de pequeno e médio porte: a hidrelétrica de Furnas, em Minas
Gerais.
Foi com esta empreitada, segundo ele, que se superou o preconceito sobre
empresas brasileiras construírem barragens. A obra teve início em 1958, e a
Mendes Júnior foi convidada pela Cemig, participante do consórcio, a erguer o
núcleo de argila da barragem antes da cheia do rio. A convocação veio a partir do
trabalho que estava sendo executado na barragem de Pium-í, em Minas Gerais. A
participação de empresas privadas foi exigência do principal financiador da obra, o
Banco Mundial. Mendes e Attuch (2008) admitem haver atividades ilícitas
envolvendo a relação empresa-governo naquele tempo, mas a intervenção de
organismos internacionais como o Banco Mundial ajudava a suprimir as tentativas, e
promover a transparência de todos envolvidos, mantendo o foco no nível de
excelência na execução.
Segundo Roberto Campos (1994), Furnas foi chave para o aperfeiçoamento
nacional de técnicas para construção de grandes barragens. E foi aplicando
tecnologia inovadora, em comunhão com capital intelectual de vanguarda, que a
Mendes Junior entregou a obra 15 dias antes do prazo. Finalmente a todo vapor em
setembro de 1960, a crise energética do Sudeste foi contornada com os 900
megawatts, ou 12% da capacidade instalada, providas pela hidrelétrica.
57
Foi durante o governo de Juscelino Kubitschek, via Plano de Metas, que a
engenharia brasileira vislumbrou as maiores oportunidades de amadurecimento.
Essa onda carregou também a Mendes Júnior, apesar de Mendes e Attuch (2008)
garantirem não haver proximidade política especial com o Presidente mineiro, pois
essa mentalidade não fazia parte das práticas da companhia. Isso é evidenciado na
“participação meramente decorativa” (MENDES & ATTUCH, 2008, p. 63) da
construtora nas obras de Brasília, principal empreendimento planejado por JK.
A Mendes Júnior deu, então, prioridade para o avanço tecnológico e
administrativo, contratando consultorias internacionais, como a Arthur D. Little
(MENDES & ATTUCH, 2008). Para os autores, esse passo foi determinante para
moldar as decisões da construtora, quando Murillo foi aconselhado pelo consultor
norte-americano James Libby a se empenhar na contratação de engenheiros com
experiência internacional. As justificativas foram manter o status de concorrente em
um mercado ainda controlado por empresas internacionais, e preparar a Mendes
para um processo de internacionalização como diversificação de riscos, pois uma
empresa desse porte não deveria depender exclusivamente do mercado brasileiro.
A Mendes Júnior focou em construção de barragens, integrando engenheiros
experientes como o canadense Richard Henderson, nome de grande experiência
nesta área. Logo após a conclusão de Furnas, a empresa participou de praticamente
todas as barragens construídas no Brasil nos anos 1960, construindo a usina de
Cachoeira Dourada na divisa entre Minas e Goiás, a hidrelétrica de Rio da Casca III
no Mato Grosso, Jaguara entre Minas e São Paulo, e Boa Esperança no Piauí1.
Esse período foi o alicerce da admissão da Mendes Júnior no exterior, ao
sacramentarem o uso de métodos inovadores:
A Mendes foi uma verdadeira escola e teve grande influência em outras construtoras brasileiras, pois a empresa introduziu novos métodos gerenciais e de produção. Os outros, mesmo os estrangeiros, nos copiavam em muitas das inovações, especialmente na área de barragens, pois as novas ideias eram mais eficientes e, em geral, custavam bem menos (HENDERSON apud MENDES & ATTUCH, 2008, p. 66).
Criava-se, assim, o conceito de tecnologia intermediária, abordado por Ferraz
Filho (1981) como raiz do movimento internacional de construtoras brasileiras. As
companhias brasileiras eram capazes de adaptar tecnologias estrangeiras e aplica-
1 Informações disponíveis em www.mendesjunior.com.br e acessadas em 1/08/2016
58
las em condições mais escassas de recursos, tempo e expertise. A Mendes Júnior
foi precursora dessa corrente, portando a filosofia de que “a engenharia, mais do
que um compêndio de regras e procedimentos, é uma ciência em permanente
evolução” (MENDES & ATTUCH, 2008, p. 66). Para o Murillo, todo engenheiro
deveria ser um “resolvedor” de problemas.
Outra fase importante vivenciada pela empresa foi no período do Milagre
Econômico, especificamente entre 1968 e 73, quando as taxas de crescimento do
PIB saem de 9,8% e atingem médias de 14% a.a. (GIAMBIAGI et al, 2011, p. 66). O
amadurecimento da economia levou a Mendes Júnior expandir para outros setores,
como construção de ferrovias e rodovias. Secundariamente a empresa também se
aventurou em projetos de pontes e plataformas marítimas. As principais obras
executadas pela Mendes nesse intervalo foram a rodovia Transamazônica entre o
Pará e o Amazonas, a ponte Rio-Niterói, e a hidrelétrica de Itaipu2.
Impulsionado pelo I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), do governo
Médici, responsável pelo crescimento de 34,5% ao ano do setor de veículos, a
Mendes estabeleceu domínio na área de pavimentação e estradas de rodagem. A
porta de entrada foi um trecho da BR-116 no Ceará, e em curto prazo a construtora
já assumia as obras da Belém-Brasília, Perimetral Norte, Transamazônica, e Rio-
Santos (MENDES & ATTUCH, 2008).
Com o choque do petróleo, iniciado em 1973, foi lançado o II PND, que visava
fortalecer a indústria de base. Nesse contexto a Mendes participou da construção da
Companhia Siderúrgica de Tubarão no Espírito Santo, a Ferrovia do Aço em Minas
Gerais, e até mesmo da plataforma metálica de Pampo no Rio de Janeiro,
contratada pela Petrobrás (MENDES & ATTUCH, 2008).
Nota-se como a Mendes Júnior permeou gradualmente entre diversos setores da
construção civil pesada, otimizando suas oportunidades. Especialmente, tratou-se
primeiro da especialização no setor energético, com hidrelétricas e barragens, em
seguida no rodoviário, e por fim no ferroviário. A consequência imediata foram
contratos firmados para condução de obras no exterior.
2 Informações disponíveis em www.mendesjunior.com.br e acessadas em 1/08/2016
59
5.2. MOVIMENTO DE INTERNACIONALIZAÇÃO PIONEIRO
Desde seu amadurecimento gerencial, a Mendes Júnior demonstrava uma
filosofia de diversificação de riscos, pois todos países apresentam ciclos e situações
econômicas diversas com períodos de restrições de investimentos. O Brasil passava
por longa fase de desenvolvimento, e já era apresentada uma contenção econômica,
com o governo chegando a dever Cr$ 8 bilhões à Mendes Júnior ao final de 1980.
(MENDES, 1981)
A respeito das opções de investimento no exterior, Mendes e Attuch (2008)
justificam o primeiro movimento para países latinos e africanos, ao tratar da Europa:
As condições de competitividade da indústria da construção são maiores. Torna-se difícil um trabalho nos países cujo conhecimento do local pela indústria da construção seja muito grande. Mas podem surgir oportunidades, através de associações. Não é prioridade nossa, mas às vezes essas associações são ventiladas.
A primeira obra foi a da usina hidrelétrica de Santa Izabel, na região de
Cochabamba, Bolívia, iniciada em 1969. Para Mendes e Attuch (2008) a
oportunidade veio graças à boa imagem da construtora frente aos olhos do Banco
Mundial, conquistada com a excelência nas obras executadas ainda em território
nacional. A Mendes Júnior venceu a licitação concorrida por 28 empresas, sendo a
primeira brasileira financiada numa obra internacional, rompendo com a ideia de que
o BIRD dava preferência para companhias europeias. Esse episódio marcou o
embrião da expansão internacional das empresas brasileiras do setor de construção
civil pesada (AYMORÉ, 1973).
A construção da usina de Santa Izabel também foi essencial para o
aperfeiçoamento de outro aspecto da engenharia intermediária, além da falta de
recursos, houve a superação de climas extremos e culturas distintas. Os costumes
bolivianos, tanto quanto seu ambiente político e sindical, mostraram-se diversos em
princípio, forçando a Mendes a levar do Brasil cerca de 50 empregados qualificados,
entre engenheiros e corpo administrativo. A construtora tornava-se, assim, a primeira
exportadora de know-how do país (MENDES & ATTUCH, 2008).
Embora a iniciativa para internacionalização tenha partido de decisão estratégica
da Mendes Júnior, há de se admitir que o contexto de políticas públicas também
assumia um caráter expansionista. A partir da metade da década de 1960, o ônus de
conformidade foi drasticamente reduzido, tal como os impostos relativos a vendas no
60
exterior. Também foram criadas entidades de suporte, como o Conselho Nacional do
Comércio Exterior, o Programa de Financiamento às Exportações (Finex), e o
Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) (MENDES & ATTUCH, 2008). Esse último
era a ferramenta mais importante, pois tinha como finalidade resguardar os
investidores em ambientes de alto risco político e econômico, mas acabou sendo
pivô do capítulo de retração dos negócios, tanto internacionais quanto nacionais, da
Mendes Júnior, descrito posteriormente.
Como a construtora já almejava atingir 80% de receitas advindas de contratos
internacionais, somado ao cenário favorável, viu-se o mapa de atividades estender
consideravelmente. O alvo seguinte foi a África, responsável pela
internacionalização de muitos setores da indústria do Brasil, que deixava de ser
apenas exportador de commodities. Em 1975 a Mendes Júnior firmou acordos
importantes na Argélia e na Mauritânia. O primeiro foi a execução da malha
ferroviária local, por meio de uma empresa de economia mista, a Societé
d’Infrastructure Ferroviaire, formada entre a Mendes (38%), o governo argelino
(51%) e outra empresa brasileira (11%). O projeto durou dez anos, e ampliou a
experiência da Mendes em territórios de alto risco, com uma cultura não familiar.
Além disso, o currículo da empresa foi incrementado ao trabalhar com o governo
local, bagagem que mais tarde vingou contratos na China (MENDES & ATTUCH,
2008).
Já na Mauritânia foi elaborada a “Rodovia da Esperança”, 600 quilômetros de
estrada entre Nouakchott e Kiffa. Novamente foi deslocado um enorme contingente
para o local, cerca de 400 empregados entre engenheiros e técnicos, além dos mais
de mil mauritanos treinados pela Mendes num compromisso firmado com o governo
local. O orçamento da obra foi de 115 milhões de dólares, mas, apesar das obras
serem em alguns dos países mais pobres da região, eram todas financiadas pelo
Fundo Árabe de Desenvolvimento Econômico e Social, apresentando orçamento de
até 2 bilhões de dólares até 1979 (HOURANI, 1994).
Demonstrando compromisso ao entregar a obra 112 dias antes do prazo
estabelecido, por meio da proximidade com países constituintes da Liga Árabe, e
vencendo barreiras de adaptação cultural ao islamismo, novos empreendimentos
surgiram no Oriente Médio. Foi um período tão fértil que Mendes e Attuch (2008)
relatam mais de 50 propostas internacionais na década de 1980, expondo a
necessidade de um novo departamento tão logo criado: o Planejamento e Controle
61
de Obra no Exterior (PCO-E), responsável por prospecção de oportunidades
internacionais.
Em 1978 a Mendes Júnior adentrou a maior empreitada de sua história, segundo
Mendes e Attuch (2008), ao buscar obras no Iraque. Para os autores, a escolha do
país deveu-se a uma série de fatores, dentre eles: 1) a proximidade alcançada com
países árabes a partir da adoção da chamada política externa pragmática e
responsável do governo Geisel, cuja premissa estava no desenvolvimento de
relações diplomáticas com parceiros estratégicos a despeito da disputa ideológica
em curso; 2) a estabilidade religiosa e aproximação política com o Ocidente provida
por um governo sunita; 3) a atratividade econômica de um país produtor de petróleo
acrescida do fator da crise do petróleo em curso promovido pelos membros da
OPEP; 4) acordos bilaterais firmados com o governo brasileiro, que quando
impedido de explorar um campo de petróleo descoberto na região, pressionou o
Iraque a abrir suas divisas para companhias brasileiras.
Neste contexto, a primeira obra no Iraque foi da ferrovia Bagdá-Akashat, ocorrida
entre 1978 e 1985, avaliada em 1,2 bilhões de dólares, o maior contrato de
exportação de serviços na história brasileira até então. Após um processo acirrado
de concorrência, sobraram três empreiteiras, sendo uma iugoslava e uma indiana,
além da Mendes. A comissão organizadora decidiu avaliar os precedentes das
empreiteiras como forma de garantia, e o portfólio da Mendes Júnior foi o único a
certificar total segurança (MENDES, 1978). Além disso, o governo iraquiano só
admitiria a Mendes caso o governo brasileiro agisse como intermediário, forçando a
construtora a associar-se com a Interbrás, subsidiária da Petrobrás (MENDES &
ATTUCH, 2008).
Posterior a essa primeira experiência no país, outros contratos foram firmados
pela empresa no Iraque. Simultaneamente à construção da ferrovia, o Iraque
contratou a Mendes Júnior, em 1981, para executar uma etapa da rodovia
Expressway, com 128 quilômetros, avaliado em 333 milhões de dólares. Já em 1984
a Mendes também foi encarregada do projeto Sifão, uma estação de bombeamento
do Rio Eufrates, que devolveria a fertilidade à região, prejudicada pela salinidade de
seus principais rios. Para Lúcio Camilo, consultor a serviço da Mendes Júnior, essa
era de expatriação foi inaugurada pela construtora, que apresentava ao redor de 10
mil funcionários brasileiros no Oriente Médio, e uma infraestrutura própria
descomunal, representada no quadro 10 (MENDES & ATTUCH, 2008):
62
Quadro 9: Logística da Mendes Júnior no Iraque
Fonte: Mendes & Attuch (2008, p. 165)
Nesse intervalo, culminaram conflitos no Golfo Pérsico: a Guerra Irã-Iraque de
1980 a 1988, e a Guerra do Golfo de 1990 a 1991. Determinações da Organização
das Nações Unidas (ONU), acatadas pelo governo brasileiro, embargaram
comercialmente o Iraque, levando à retirada de todos os brasileiros do país. Os
trâmites legais à respeito do seguro de guerra pago pela Mendes Júnior geraram um
dos maiores contenciosos da história do país, sendo o principal argumento para
justificar o ponto de inflexão na trajetória internacional da empresa, discutido mais à
frente.
Enquanto isso, as investidas da Mendes não se limitaram ao Oriente Médio. Em
1989 a empresa fechou um contrato de 58 milhões de dólares para realizar obras de
expansão da mina de cobre de Los Bronces, no Chile, país que viria a tornar-se o
pilar da reestruturação da construtora. O ambiente econômico e político do Chile
cativou os diretores da Mendes. Após a escolha de um sócio local, condição
imprescindível para assumir obras no país, seguiram os projetos do mineroduto de
Collahuasi, a construção em regime de concessão do aeroporto Carrier Sul em
Concepción, a infraestrutura de saneamento em La Florida, o metrô de Santiago e
de Valparaíso, e a ponte de Llácolen (MENDES & ATTUCH, 2008).
Outra importante frente responsável por manter os negócios da empresa no
exterior foi na China. Pelo fato de que qualquer empreendimento deve ser feito em
associação com estatais, a Mendes Júnior desenvolveu um método diferente de
abordagem, vendendo e administrando a tecnologia para execução das obras. Em
1994 auxiliou na construção da maior barragem de rocha do mundo até então, na
hidrelétrica de Tianshegqiao-1, com direito a 10% do contrato de 300 milhões de
dólares (MENDES & ATTUCH, 2008)
A importância do Grupo Mendes Júnior para a cultura de internacionalização de
empresas brasileiras é notável. O ex-ministro das Minas e Energia Eliezer Batista,
salienta o papel do diretor da construtora:
O Murillo passava a imagem do brasileiro que conseguia abrir caminho no exterior – o que naquela época não era nada fácil. O Murillo foi, sem saber, um grande estrategista do país (BATISTA apud MENDES & ATTUCH, 2008, p. 135).
5.3. CRISE INTERNA E RECUO DA PRESENÇA INTERNACIONAL
Mesmo que impressionante, a história de uma das maiores construtoras do País
não é imaculada. Em junho de 1995, após 40 anos de representação de uma cultura
de excelência, tanto no cenário nacional quanto internacional, a empresa se via às
margens da falência, com dívidas estimadas em 2,9 bilhões de reais, entre
obrigações trabalhistas, e compromissos com fornecedores, além de
responsabilidade com o governo. A Mendes Júnior não possuía Certidão Negativa
de Débitos, pré-requisito para participar de concorrências públicas no mercado
nacional. Da mesma forma, se viu obrigada a recuar seu posicionamento global,
restringindo estrategicamente seus mercados ao Chile e China. Por conta disso, a
companhia viria a projetar uma reestruturação para sobreviver à sua crise mais
profunda até então.
A deflagração da crise pode ser associada a fatores endógenos, tratados por
decisões gerenciais, e exógenos, tratados pelo contencioso entre a Mendes Júnior e
o Banco do Brasil. Embora a influência negativa das questões internas seja
discutível, os eventos exógenos são pontuais e concretos, e foram os maiores
responsáveis pelo endividamento da construtora.
64
5.3.1. O Caso Iraque
5.3.1.1. Papel Do Governo Na Contratação Da Mendes Júnior
A entrada da Mendes Júnior no Iraque não se deu apenas pelo potencial lucrativo
do mercado, vislumbrado por Mendes e Attuch (2008), e ratificado pela estabilidade
política e religiosa do país, em comparação a outras Nações do Oriente Médio. A
empresa serviu de instrumento diplomático para estreitamento comercial entre Brasil
e Iraque diante de um contexto de crise na balança de pagamentos, intensificada
pelos seguidos choques do petróleo, sendo evidenciado nas falas de importantes
atores envolvidos no processo:
Houve uma conciliação de interesses, claro. Mas eu fui sim solicitado a trabalhar junto [do governo]. Em todos os contenciosos, tanto o do Banco do Brasil como o da Chesf, no começo, o Governo Federal e estas empresas consideravam a Mendes Júnior como um parceiro imprescindível, algo que está documentado (MENDES apud GOMES JÚNIOR, 2011, s/p).
Naquela época, Mendes Júnior e governo eram a mesma coisa. A construtora não era mais uma entidade privada. Fazia parte de uma política do governo em relação ao Oriente Médio (SANT’ANNA apud MENDES & ATTUCH, 2008, s/p).
Faz-se mister trazer à tona o aprofundamento das relações Brasil-Iraque, no que
tange o comércio de petróleo. A partir de 1971, quando representações diplomáticas
foram oficializadas nos dois países, o Brasil deu prosseguimento à sua estratégia de
exploração de lacunas do sistema comercial internacional, aproximando-se do
mercado iraquiano abandonado pelos EUA e pela Europa Ocidental, considerados
inimigos pelos seus ideais imperialistas e sionistas (PIMENTEL, 2011). Segundo o
autor, em 1971, a nacionalização do petróleo iraquiano desencadeou um embargo
internacional, promovido pelas antigas companhias que exploravam os campos
locais. O Brasil teria sido o primeiro a furar o boicote, e esse fato acarretaria na
eterna gratidão do governo iraquiano, que passou a dar preferência aos negócios
brasileiros:
Nós havíamos descoberto o campo de Majnoon, um dos maiores do mundo. Além disso, o governo do general Emílio Médici decidiu que não iria dar bola para a pressão internacional, após a nacionalização do petróleo por Saddam Hussein. Autorizamos um navio a vir do Iraque para o Brasil e nos tornamos o primeiro país a comprar petróleo iraquiano nacionalizado. Foi um ato soberano do Brasil.
65
Mesmo com a repercussão internacional, a Petrobrás continuou a receber do Iraque por ter tido a coragem de adquirir petróleo logo após a nacionalização (SANT’ANNA apud MENDES & ATTUCH, 2008, s/p).
No final de 1973 veio a primeira crise do petróleo, deflagrada por conflitos
territoriais no Oriente Médio (FARES, 2007). O autor ainda destaca ações das
Nações constituintes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)
no intuito de embargar os principais apoiadores de Israel durante a guerra do Yom
Kippur, limitando a quantidade produzida, e aumentando consideravelmente o preço
do barril (de 3 a 12 dólares). Para Fares (2007), a imediata consequência para o
Brasil foi o déficit em conta corrente, pois, além de ver o dispêndio com petróleo
multiplicar, teve que lidar com a redução de exportações para os países
desenvolvidos, agora em profunda recessão.
A transição do governo Médici para o Geisel foi marcada pelo dilema energético
pois, como aponta Velloso (1986), a suspensão do desenvolvimento nacional era
veementemente descartada. A saída enxergada, não só pelo Brasil, como para
grande parte dos países subdesenvolvidos, para manter o fluxo da economia, era o
financiamento promovido junto aos países produtores de petróleo (SKIDMORE,
1988). O autor destaca a grandeza dos empréstimos, quando, durante a “reciclagem
dos petrodólares”, o Brasil chegou a 11,9 bilhões de dólares em dívidas externas.
Assim, a falta de crédito internacional passou a dificultar a importação de petróleo,
provocando a aproximação natural ao Iraque:
É lógico que tinha interesse nacional. Foi na época da chamada “reciclagem de petrodólares”. Havia uma escassez mundial de petróleo e o único país que se mantinha fiel aos compromissos de fornecimento de petróleo era o Iraque (LIMA apud GOMES JÚNIOR, 2011, s/p).
Segundo o Expediente PRES 1077/88, enviado por Armando Guedes Coelho,
então presidente da Petrobras, a Antônio Aureliano Chaves de Mendonça, então
Ministro de Minas e Energia, em agosto de 1988, a estatal brasileira vinha
estreitando laços com a contraparte iraquiana State Oil Marketing Organization
(SOMO). Desde 1972 o Iraque já caminhava para se tornar o principal fornecedor de
petróleo ao Brasil, e essa posição foi ratificada após o primeiro choque, pois a
SOMO não comprometia as linhas de crédito brasileiras, já que não exigia
confirmações de cartas de crédito:
66
As décadas de 70 e 80 foram de uma aproximação incrível com os países do Oriente Médio. Foi literalmente na base da amizade que conseguimos manter o país abastecido e não ter racionamento (COELHO apud MENDES & ATTUCH, 2008, s/p).
O governo brasileiro ainda aproveitou o momento de rápido enriquecimento do
Iraque para propor acordos bilaterais para equilibrar a balança comercial. De acordo
com Aburish (2001), os recursos obtidos com a venda de petróleo iraquiano
deveriam ser encaminhados para a modernização e desenvolvimento econômico do
país, descartando importação de artigos de luxo, tendência do restante dos países
do Golfo Pérsico. O autor destaca que o progresso seria alcançado ao se seguir
duas premissas: a contratação dos melhores serviços disponíveis em todo mundo, e
a diversificação dos fornecedores, mitigando risco de crises mercadológicas. O fato
da economia e a política andarem de mãos dadas no Iraque (HALLIDAY, 2005),
favoreceu enormemente o Brasil, que rapidamente buscou compensação pela
fidelidade ao governo iraquiano, propondo uma maior abertura para penetração de
empresas nacionais.
Foi por meio da Interbrás que esse espaço foi explorado. A extinta subsidiária
nasceu após acúmulo de poder e incumbências destinadas à Braspetro, companhia
que, além de encarregada de explorar petróleo, era incumbida de facilitar o comércio
de bens e serviços em geral (DIAS & QUAGLINO, 1993). O autor ressalta que o
volume de atividades coordenadas pela Braspetro tornou-se considerável,
especialmente após países árabes solicitarem que a instituição intermediasse
transações no Brasil. Sendo assim, sugeriu-se a criação de uma trading que
pudesse fazer uso do poder de compra da Petrobrás para promover as exportações
brasileiras. A ideia enfrentou resistência a princípio, porém em 1976 o presidente da
República Ernesto Geisel decretou a criação da Interbrás (SANT’ANNA apud DIAS &
QUAGLINO, 1993).
Como a proposta de modernização de Saddam Hussein passava pelo
desenvolvimento da infraestrutura local, seu plano incluía a construção de ferrovias,
rodovias, projetos de irrigação, habitação, e implantação de fábricas (MENDES &
ATTUCH, 2008, p 154). O governo viu, segundo os autores, a oportunidade de
equacionar a balança exportando serviços de engenharia, e esse empenho veio por
meio da associação Interbrás e Mendes Júnior. A construtora mineira teria sido a
67
escolhida não só pelo seu acervo técnico de respeito, respaldado pelas grandes
obras nacionais e internacionais na década de 1960, mas também por ser capaz de
lidar com contratos de tamanho vulto3:
Houve a identificação de uma oportunidade e, pela nossa avaliação, a única empresa que tinha condições de assumir uma obra daquele porte era a Mendes. Assim, não fazia sentido realizar concorrência, porque não se tratava de um contrato em que nós estivéssemos adjudicando, nós apenas identificamos a Mendes como capaz de realizar o trabalho, o que eles acabaram comprovando. Foi à Mendes oferecida essa oportunidade. A palavra certa era “oportunidade” mesmo, não era uma adjudicação, mas uma indicação de oportunidade, e a resposta da Mendes foi pronta, reconhecendo que tinha capacidade de executar o trabalho (LIMA apud GOMES JÚNIOR, 2011, s/p).
O início da atuação da Mendes foi uma vitória importante, de grande significação. Até para a imagem internacional do Brasil era importante mostrar a capacidade de realizar obras daquele vulto, além de assegurar a logística (LIMA apud GOMES JÚNIOR, 2011, s/p).
O passo seguinte, descrito no Relatório Final do Grupo de Trabalho
Interministerial de 1992, foi o envio de uma carta do Ministro das Minas e Energias
Shigeaki Ueki ao Ministro do Petróleo do Iraque, em 1977, na qual apontava o
profundo interesse brasileiro na execução da obra da Ferrovia Bagdá-Al Qaim-
Akashat, no intuito de dar início ao balanceamento das contas externas já discutidos
entre os agentes. O Relatório ainda aponta comunicação direta entre o Presidente
da República, Ernesto Geisel, e o Presidente iraquiano Saddam Hussein, solicitando
a concessão da referida obra ao consórcio brasileiro.
Em 18 de julho de 1978 foi celebrado o Memorando de Entendimentos, pelo
Ministério do Planejamento do Iraque, e pelo Ministério da Indústria e Comércio do
Brasil, mediado pela Interbrás e pela construtora Mendes Junior, na forma de sua
coligada Mendes Junior International Company4. Com título original em inglês,
Memorandum of Understanding, o documento, na prática, adjudicava a obra ao
consórcio.
O Governo ainda garantiu a viabilidade do contrato fornecendo as garantias
bancárias exigidas por meio do Banco do Brasil (em nome do Tesouro Nacional),
3 Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), datado de 23 de junho de 1992,
decorrente dos estudos promovidos na avaliação dos conflitos entre Mendes Júnior, Banco do Brasil e IRB, que se estenderam de janeiro a junho de 1992
4 Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), datado de 23 de junho de 1992
68
linhas de crédito de exportação ao Grupo Mendes Júnior via BB Grand Cayman
(subsidiária internacional do Banco do Brasil, com recursos próprios) no valor de
73,6 milhões de dólares, e linhas de crédito via contratos FINEX (recursos do
Tesouro Nacional) no valor de 133,4 milhões de dólares. As operações foram
seguradas pelo IRB, em nome do Governo Federal, cobrindo, inclusive, riscos
políticos e de guerra5.
5.3.1.2. Desenvolvimento Das Obras
Saddam Hussein contratou a empresa Arab Resources Management (ARM), sob
a ordem de prospectar as melhores companhias de infraestrutura do mundo,
dispostas a realizar as grandiosas obras no Iraque (MENDES & ATTUCH, 2008).
Segundo os autores, a Mendes Júnior ganhou a concorrência da primeira obra
(Ferrovia Bagdá-Al Qaim-Akashat), à frente de uma empresa indiana e outra
iugoslava, pois apresentava melhor capacitação técnica. Em 2 de outubro de 1978, o
contrato foi fechado no valor de 1,2 bilhões de dólares.
Para Mendes e Attuch (2008), foi desenvolvida uma verdadeira logística de
guerra para dar encaminhamento às obras no deserto, pois envolvia funcionários de
diversas nacionalidades em um cenário de escassez de matéria-prima. A
mobilização inicial da obra contemplava a aquisição de 105 mil itens em seis meses,
fazendo-se uso de 80 navios para despachar 400 mil metros cúbicos de carga
(MENDES & ATTUCH, 2008). Foram elaborados softwares para gerenciamento de
projetos de última geração para atender o empreendimento. O grupo ainda teve que
estabelecer tradings ao redor do mundo para viabilizar os suprimentos para os
acampamentos, como a Miami Trading, que agilizou a compra de estruturas pré-
fabricadas no valor de 50 milhões de dólares, responsáveis pela montagem das
casas. Além disso, ainda havia dois hospitais, dois colégios, três clubes,
restaurantes e hotéis.
Eram feitas 50 mil refeições por dia, com 750 funcionários responsáveis pela
produção, e cardápios essencialmente brasileiro, árabe, turco, chinês e filipino. Além
dos clubes, o lazer era garantido via TV a cabo, com produção da TV Tigre (apelido
de Murillo Mendes) própria da empresa, que exibia novelas, futebol, e programas
gravados no Brasil (MENDES & ATTUCH, 2008).
5 Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), datado de 23 de junho de 1992
69
Para os autores, o choque cultural demandou uma atenção especial da empresa.
Diferenças religiosas, climáticas, distância de casa e de familiares, acabaram
levando muitos funcionários a quadros de depressão, e logo a companhia passou a
oferecer acompanhamento psicológico. Também, para reduzir a alienação, a
emissora local transmitia regularmente o noticiário do Brasil. As obras chegaram a
apresentar até 43 nacionalidades diferentes de trabalhadores, e naturalmente os
funcionários expatriados encontraram um meio termo saudável de convivência,
refletido no dialeto próprio criado no canteiro de obras: o “mendês” (MENDES &
ATTUCH, 20048).
Os investimentos dos cinco primeiros anos chegaram a 230 milhões de dólares
com equipamentos, e 120 milhões de dólares com alimentação (MENDES &
ATTUCH, 2008). Para eles, foi o bom relacionamento e a dedicação demonstrada
pela construtora, ratificados pela qualidade no serviço desempenhado, que resultou
em um novo contrato: o trecho 10, com 120 km de extensão, da rodovia
Expressway, no valor de 333 milhões de dólares. Para o Governo brasileiro, as
obras concretizavam-se como um excelente gerador de divisas, na forma de
exportação de equipamentos de alta tecnologia, em valor superior a 100 milhões de
dólares, e exportação de gêneros brasileiros, em valor superior a 80 milhões de
dólares, para suprir os mais de 22 mil empregados brasileiros, acarretando na
introdução de produtos nacionais no mercado do Oriente Médio6.
No entanto, o advento do conflito Irã-Iraque acarretou em atrasos nos
pagamentos das obras (MENDES & ATTUCH, 2008). Para Coggiola (2008), a
ascensão do Aiatolá Khomeini ao poder, após a Revolução Iraniana de 1979,
amedrontou países árabes de liderança sunita, atentos a uma possível “revolução
islâmica” incitada pelo líder xiita. Da mesma forma, o Ocidente perdeu um grande
aliado, na forma do governo do Xá Reza Pahlevi. Assim, apoiado pelos EUA e por
importantes Nações do Oriente Médio como Arábia Saudita e Jordânia, tanto quanto
por potências como Grã-Bretanha, França e União Soviética, o Iraque invadiu o Irã
em setembro de 1980, sob pretexto de disputas territoriais históricas e no intuito de
restaurar autonomia de uma minoria sunita reprimida (COGGIOLA, 2008; DENAUD,
2003).
6 Parecer COJUR/CONSU nº 5.293, datado de 17 de junho de 1992
70
O conflito estendeu-se até o armistício exigido pelo Conselho de Segurança da
ONU, em 1988, após cerca de um milhão e meio de vítimas, e incontáveis danos
econômicos aos dois países (COGGIOLA, 2008). Nesse ínterim, além dos atrasos
dos pagamentos às obras executadas pela Mendes Júnior, já que o Iraque estava
num processo de endividamento e priorização dos gastos com o conflito, a
construtora teve que arcar com demasiados sobrecustos7. Mendes e Attuch (2008)
destacam o impacto logístico após o bloqueio do único porto do Iraque, em Basra,
deixando como opção o Porto de Ácaba, na Jordânia, distante mais de dois mil
quilômetros. Os autores ainda citam a perda de concessões logísticas especiais
determinadas pelo governo iraquiano, que priorizavam o desembarque de cargas da
empresa, aumento do preço de fornecedores devido ao risco Iraque, e perda de
funcionários convocados ou fugitivos do front de guerra.
Aqui fica novamente evidente a participação do Governo brasileiro em todo o
processo, já que a Mendes Júnior solicitou apoio do mesmo para receber as
compensações pelos sobrecustos supracitados8. Considerando-se os investimentos
de mais de 400 milhões de dólares na ferrovia9, foi estabelecido um comitê ad hoc
composto por membros de ambos governos que buscou entendimento entre as
Partes, durante reuniões de 1983 a 198410. O resultado foi um acordo firmado em
maio de 1984, que previa parte das compensações em pagamentos pelos
excedentes nas obras da ferrovia Bagdá-Al Qaim-Akashat, e parte na adjudicação
de outras três novas obras à construtora, garantindo não só o ressarcimento da
empresa, como a continuidade de seus trabalhos no país11. A saber, as obras
referidas eram: um projeto de drenagem, apelidado de Projeto Sifão; o projeto da
ferrovia Bagdá-Kut-Um Qasr; e uma nova seção da rodovia Expressway12. O Projeto
Sifão constituía num projeto de drenagem no valor de 346 milhões de dólares13,
dedicado a desviar o curso do rio Eufrates que, originário do Cáucaso, sofria de alta
salinização, tornando infértil a região da Mesopotâmia que fazia seu uso para
7 Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), datado de 23 de junho de 1992 8 Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), datado de 23 de junho de 1992 9 Expediente PRES 1077/88, enviado por Armando Guedes Coelho ao então Ministro de Minas e
Energia, Antônio Aureliano Chaves de Mendonça, em 15 de agosto de 1988 10 Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), datado de 23 de junho de 1992 11 Acordo de 15 de maio de 1984, celebrado entre as autoridades iraquianas e o Grupo Mendes
Júnior 12 Acordo de 15 de maio de 1984, celebrado entre as autoridades iraquianas e o Grupo Mendes
Júnior 13 Correspondência GTNR-DOC/DOP-1 XPRO-LOO-A10, enviada, em 23 de abril de 1990, pelo
MRE a Zélia Maria Cardoso de Mello, então Ministra da Fazenda, Economia e Planejamento
71
irrigação (MENDES & ATTUCH, 2008). Segundo os autores o objetivo do projeto era
tornar novamente agricultável a região.
No entanto, o que ocorreu foi a adjudicação apenas da primeira obra, o Sifão14.
Dessa forma, considerando-se gastos de natureza variada, e indenização pelo
descumprimento do Acordo de 1984, o Grupo Mendes Júnior já reclamava um valor
de 416,9 milhões de dólares, além do restante do valor devido referente à guerra15,
ratificado pelo então Secretário-Geral das Relações Exteriores, Paulo Tarso Flecha
e Lima, em carta enviada a Jesus Murillo Valle Mendes, em maio de 1987.
Na visão de Mendes e Attuch (2008), o governo brasileiro ainda enxergava-se
refém do petróleo iraquiano, e não tinha outra opção que não continuar financiando
o governo do Iraque para manter essa relação considerada benéfica. Assim, foram
concedidos créditos ao Governo do Iraque, por meio das linhas FINEX, para
financiar o Projeto Sifão com 222,8 milhões de dólares em julho de 1984, e a Seção
10 da Rodovia Expressway n. 1 com 126 milhões de dólares em fevereiro de 1985
(Grupo de Trabalho Interministerial, 1992). Nesse momento, preocupado com o
desenvolvimento de um quadro de crises, o Governo Brasileiro, via Ministério das
Relações Exteriores (MRE), e com apoio da Petrobrás e do Banco do Brasil, cria um
grupo para intensificar as negociações no Iraque16.
De acordo com Mendes e Attuch (2008), apesar dos esforços constantes tanto da
construtora, quanto do Governo Brasileiro, a inadimplência por parte do Iraque
continuava. Visando assegurar a liquidez necessária à empresa para dar
continuidade às obras, o grupo propôs a operação de Sale and Lease Back ao
Banco do Brasil. (MENDES & ATTUCH, 2008). Celebrado em junho de 1986 entre a
Mendes Junior Internartional (MJICo) e o BB Leasing Company (BBLCo), a
operação consistia na venda dos equipamentos de propriedade da Mendes Júnior
ao Banco do Brasil, e arrendamento simultâneo à construtora17. Na prática, não
passava do refinanciamento das dívidas do grupo.
No contrato constava o valor de venda de 228,9 milhões de dólares, que seriam
destinados às quitações da Mendes Júnior perante o Banco do Brasil ao longo de
seis anos (72 parcelas mensais). A operação ainda seria segurada pelo Instituto de
14 Expediente PRES 1077/88, 15 de agosto de 1988 15 Expediente PRES 1077/88, 15 de agosto de 1988 16 Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), datado de 23 de junho de 1992 17 Contrato de Sale and Lease Back, firmado em 6 de junho 1986
72
Resseguros do Brasil, e garantia indenização integral ao Banco caso a construtora
faltasse com os compromissos em três pagamentos consecutivos.
Figura 7: Síntese do contrato de Sale and Lease Back
Fonte: Gomes Júnior (2011, p. 16)
Frente a recorrentes atrasos do Governo Iraquiano, a Mendes Júnior veio a
solicitar revisão do perfil da dívida com o Banco do Brasil, por conseguir honrar
apenas oito das setenta e duas prestações devidas, decorrido um ano de contrato18.
Em 7 de dezembro de 1987, é firmado o “Protocolo sobre Comércio e Cooperação
Econômica entre a República Federativa do Brasil e a República do Iraque”, que
previa compra adicional de até 50 mil barris de petróleo por dia, em troca da
reativação das exportações brasileiras para o Iraque.
Porém em dezembro de 1987, a construtora optou por paralisar as obras do Sifão
e da Expressway (a Ferrovia Bagdá-Al Qaim-Akashat já havia sido concluída), e
iniciar o processo de arbitragem junto à Câmara de Comércio Internacional (CCI),
contra o Iraque19. No entanto, Saddam Hussein não planejava facilitar a
desmobilização da construtora, não autorizando a paralização das obras, nem
concedendo vistos de saída para os funcionários (MENDES E ATTUCH, 2008).
18 Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), datado de 23 de junho de 1992 19 Início da arbitragem no ICC, datado de 3 de novembro de 1987
73
Em junho de 1988, visando implementar corretamente o Protocolo de Comércio,
e resolver as novas pendências, foi enviada ao Iraque uma missão governamental
liderada pelo Embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, e composta por funcionários
de alto escalão do Banco do Brasil, da Petrobrás, da Interbrás, do Itamaraty, e do
Ministério da Fazenda20. O resultado foi enviado via Expediente Secreto para o
Presidente da República José Sarney, assinado pelo Ministro da Fazenda Mailson
Ferreira da Nóbrega, e pelo Ministro das Relações Exteriores Roberto de Abreu
Sodré21. O Expediente garantia a firmação de um novo Memorando de
Entendimentos, envolvendo perspectivas concretas de solução dos
equacionamentos, e da viabilização do Protocolo Comercial, além de constar o
reconhecimento dos sobrecustos atribuídos à Mendes Júnior durante a Guerra Irã-
Iraque22.
O Expediente é vital para a compreensão da relação entre o Governo Brasileiro e
o Grupo Mendes Júnior, ao assinalar a importância da empresa para o comércio
bilateral com o Iraque, garantindo grandes quantidades de petróleo a baixo custo
para o Brasil, e assegurando exportações de produtos nacionais, atingindo
transações no valor global de 1,3 bilhões de dólares23. Ao mesmo passo que
salienta que a participação da construtora nos grandes projetos iraquianos se deu
graças ao esforço governamental brasileiro, que não poupou recursos políticos e
financeiros para oferecer apoio à companhia ao longo dos anos24.
Solicitado pelo Ministro de Minas e Energia Antonio Aureliano Chaves de
Mendonça, já que seu corpo técnico era extremamente familiarizado com as
operações da Mendes Júnior no Iraque, tanto quanto com detalhes da relação
bilateral entre os dois países, a Petrobrás emitiu, em agosto de 1988, um parecer
sugerindo medidas a serem adotadas pelo Governo Federal no caminho de
resolução dos impasses envolvendo o Governo do Iraque e a Mendes Júnior25.
Constava no Expediente PRES 1077/88 as seguintes proposições:
a) Absorção, pelo Governo Brasileiro, da indenização devida à Mendes Júnior no contexto de suas operações no Iraque, sub-rogando-se nos direitos e obrigações da empresa sob os
20 Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), datado de 23 de junho de 1992 21 Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), datado de 23 de junho de 1992 22 Parecer COJUR/CONSU nº 5.293, datado de 17 de junho de 1992 23 Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), datado de 23 de junho de 1992 24 Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), datado de 23 de junho de 1992 25 Expediente PRES 1077/88, 15 de agosto de 1988
74
respectivos contratos celebrados naquele país, por meio de mecanismos desenvolvidos pelo próprio Governo Brasileiro. Os valores reclamados deveriam ser auditados por consultores internacionais independentes;
b) Adoção de medidas de recomposição dos compromissos a descoberto da construtora, por parte do Ministério da Fazenda e do Banco do Brasil, restaurando a liquidez adequada à empresa;
c) Desenvolvimento de estratégia para prosseguir com os entendimentos sobre a indenização devida à Mendes Júnior, que se daria exclusiva e diretamente entre os dois Governos; Implementação do Protocolo Comercial de 1987, evitando o rompimento dos vínculos com o Iraque devido aos itens supracitados, e consequente perda de mercado.
O assunto foi conduzido diretamente ao Ministério das Relações Exteriores, em
agosto de 1988, após o Presidente da República manifestar seu “de acordo”26. Por
sua vez, o Secretário-Geral das Relações Exteriores, Embaixador Paulo Tarso
Flecha de Lima, encaminhou o material ao Ministério da Fazenda para que as
medidas cabíveis dentro de sua área de competência fossem tomadas, resultando
no “Esquema para o Equacionamento das Pendências que formam o contencioso da
construtora Mendes Júnior S.A. no relacionamento comercial com o Iraque”27. O
Esquema resultou no contrato de Cessão de Créditos, firmado em julho de 1989, no
qual o Banco do Brasil assumiria os créditos da Mendes Júnior frente ao Iraque, já
que a construtora era devedora do banco28. As consultorias internacionais Arthur
Andersen S/C e Thomas Akroyd Consultants concordaram no valor devido das
indenizações de aproximadamente 421,5 milhões de dólares.
Para que efetivamente ocorresse a retomada das obras, a Mendes Júnior
suspendeu o processo junto à CCI, e ambos governos concordaram em paralisar as
discussões relativas às pendências por um ano29. A liquidez da empresa foi
retomada graças a novas operações junto ao Banco do Brasil, como o Loan
Agreement, empréstimo de 45 milhões de dólares cedido em outubro de 198930.
Porém ainda faltava a prorrogação por parte do Governo Brasileiro do prazo de
utilização das linhas de crédito na modalidade FINEX ao Governo Iraquiano, que só
26 Despacho do Presidente da República, José Sarney, de 16 de agosto de 1988 27 Ofício SGMF nº 085, datado de 14 de abril de 1989 28 Contrato de Cessão de Créditos, datado de 28 de julho de 1989 29 Correspondência GTNR-DOC/DOP-1 XPRO-LOO-A10, enviada, em 23 de abril de 1990, pelo
MRE a Zélia Maria Cardoso de Mello, então Ministra da Fazenda, Economia e Planejamento 30 Nota da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, datada de 2 de junho de 1992
75
aconteceu seis dias antes da deflagração da Guerra do Golfo, inviabilizando
completamente a retomada das obras31.
Saddam Hussein, sob bandeira de proteger os países produtores de petróleo da
política pró-ocidente adotada pelo Kuwait, decidiu invadir o país vizinho em agosto
de 1990 (ABURISH, 2000). Imediatamente o Conselho de Segurança da ONU
decretou, em resposta, o completo embargo econômico-financeiro ao país, vetando
a promoção ou venda de bens e serviços ao Iraque, tanto quanto impossibilitando o
resgate dos recursos não-desembolsados das linhas de crédito cedidas a ele32. A
Resolução 661 da ONU foi prontamente acatada pelo Governo Brasileiro, através do
Decreto 99.441 de agosto de 199033, constituindo o “Fato do Príncipe”, no qual um
governo torna-se responsável pelo desequilíbrio econômico de um contrato, tendo o
dever de indenizar (DINIZ, 2005). Nesse sentido, a Mendes Júnior foi determinada a
retirar todos os funcionários em território iraquiano, reforçado por duas cartas da
Embaixada do Brasil em Bagdá em agosto de 199034, e outra pelo Ministro das
Relações Exteriores Francisco Rezek em setembro de 199035, enviadas ao
Presidente do Grupo, tendo a empresa rapidamente traçado um plano de ataque
para concluir a operação36.
Eram 277 funcionários da Mendes Júnior no Iraque em agosto de 1990, e com
ajuda da missão de libertar os brasileiros, chefiada pelo Embaixador Paulo Tarso
Flecha de Lima, em outubro já não havia quase nenhum remanescente (MENDES &
ATTUCH, 2008). Funcionários de outras empresas brasileiras no Iraque foram
auxiliados no processo, e os últimos onze funcionários da Mendes Júnior
permaneceram sob exigências do Governo Iraquiano, incumbidos da função de
transferir as obras do Sifão e da Expressway para uma construtora iraquiana que
daria sequência aos projetos. Os autores datam janeiro de 1991 a saída do último
funcionário da Mendes Júnior, pela fronteira com a Turquia, dois dias antes dos
bombardeios a Bagdá. Foram deixados para trás 230 milhões de dólares em
equipamentos (MENDES & ATTUCH, 2008). Segundo Mendes e Attuch (2008), o
Brasil exportou 4,2 bilhões de dólares ao Iraque no período de dez anos, e importou
31 Nota da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, datada de 2 de junho de 1992 32 Resolução da ONU nº 661, de 6 de agosto de 1990 33 Resolução da ONU nº 661, de 6 de agosto de 1990 34 Parecer COJUR/CONIN-CJA-90/262, datado de 12 de setembro de 1990, Consultoria Jurídica
Adjunta Internacional 35 Correspondência C/SGP/DEOP/CASQ-L00-A10, datada de 11 de setembro de 1990. 36 Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), datado de 23 de junho de 1992
76
22 bilhões, que seriam valores muito superiores caso não fossem as condições
favoráveis do comércio com o Iraque. Retirando-se enfim do cenário iraquiano, a
próxima fase do Grupo Mendes Júnior dar-se-ia nos tribunais, ao perseguir seus
direitos junto ao Banco do Brasil, numa longa disputa judicial.
5.3.1.3. Disputa Judicial Entre Mendes Júnior E Banco Do Brasil
Após a discussão entre vários representantes de ministérios e autarquias
relacionados com o caso, tanto quanto advogados, consultores, técnicos, ministros e
até do advogado-geral da União, foram produzidos relatórios, pareceres técnicos, e
documentos que concluíam que “tendo assumido os créditos da construtora no
Iraque para permitir a retomada dos trabalhos da empresa e a continuidade das
importações de petróleo, o Governo Federal, na prática, era devedor da Mendes
Júnior” (MENDES & ATTUCH, 2008, p. 235). Para os autores, seria suficiente
levantar os débitos de lado a lado e promover o acerto de contas, que era estimado
favorável ao Grupo Mendes Júnior em mais de 200 milhões de dólares.
Assim foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), com objetivo de
identificar as pendências relacionadas a três contratos distintos de financiamento
entre a Mendes Júnior e o Banco do Brasil, contando com a participação dos
seguintes órgãos: Departamento de Assuntos Internacionais (DEAIN), Procuradoria-
Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Departamento do Tesouro Nacional (DTN) e
Departamento de Comercio Exterior (DECEX), do Ministério da Economia, Fazenda
e Planejamento (MEFP); Departamento Econômico (DEC), Departamento de
Promoção Comercial (DPR) e Departamento do Oriente Próximo (DEOP), do
Ministério das Relações Exteriores (MRE); Banco do Brasil S.A. (BB); Instituto de
Resseguros do Brasil (IRB); e Banco Central do Brasil – Diretoria de Assuntos
Externos (BACEN/DIREX)37.
Apesar dos pareceres elaborados pelo e imediatamente após o GTI apontarem
coerência das reclamações da Mendes Júnior, o Banco do Brasil aciona o Grupo
judicialmente em agosto de 199538. O Grupo, então, interpõe ação contra o Banco
em Nova York, solicitando indenização, que ainda não foi concluída.
37 Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), datado de 23 de junho de 1992 38 Céd. Créd. Comercial nº 89-000393-4, EXECUÇÃO PROCESSO Nº 02495.065007-7, datada
de 9 agosto de 1995
77
Mendes e Attuch (2008) propõe uma cronologia do contencioso entre a Mendes
Júnior e o Banco do Brasil, desde o Decreto 99.441 do Governo Brasileiro em
agosto de 1990, até o parecer do jurista Ives Gandra Martins em março de 2004,
descrito no Anexo B.
Em agosto de 2004, o Perito Oficial do Juízo apresentou laudo com saldo de
839,7 milhões de dólares, favoráveis à Mendes Júnior39. Ambos os lados formularam
laudos próprios, com valores divergentes, favorecendo suas respectivas partes. Por
exemplo, a Mendes Júnior apresentou valor de mais de 2 bilhões de dólares40.
Em agosto de 2008, o juiz da 5ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte
reconheceu o saldo calculado pelo Perito Oficial, mas o Banco do Brasil apelou e a
sentença foi anulada pelo TJ/MG, sob o pretexto de que os pontos abordados ainda
eram insuficientes para proferir a sentença41.
As ações prosseguem em Nova York, pendendo recursos da Mendes Júnior
contra a anulação da sentença (entrevista realizada com o Dr. Wilson Vilani,
advogado da Mendes Júnior). O valor estimado da causa já atinge 4 bilhões de
dólares (MENDES & ATTUCH, 2008).
5.3.2. Falhas Administrativas
Além das disputas judiciais com o Governo Brasileiro, o Grupo Mendes Júnior
passava também por momentos de decisões gerenciais internas, fomentadas pela
cultura organizacional estabelecida ao longo da história da empresa, notadas e
consideradas não saudáveis por seu corpo técnico:
O que quebrou a Mendes foi a má administração que foi minando, minando até chegar num ponto (TAL, 2015, s/p).
Para Mendes e Attuch (2008), a diversificação planejada pelo Grupo Mendes
Júnior serviu ao propósito de mitigação de riscos aos quais estavam sujeitos
dependendo de um único setor, de construção pesada, cujo principal cliente era o
governo. Os autores citam algumas variações de nicho de atuação da empresa: em
1982 a Mendes Júnior adentrou o setor de mineração, com projetos de exploração
de bauxita no Pará; em 1983 foi criada a Mendes Júnior Edificações, no ramo de
39 LAUDO PERICIAL - PERITO OFICIAL, datado de 27 de agosto de 2004 40 LAUDO PERICIAL – ASSISTENTE DA MJ, datado de 21 de setembro de 2004 41 Céd. Créd. Comercial nº 89-000393-4, SENTENÇA NOS EMBARGOS À EXECUÇÃO Nº
0024.95.107.355-0 E 0024.95.107.357-6 DA 5ª VARA CIVEL, datada de 8 de agosto de 2008
78
construção civil; em 1984 a Mendes Júnior Industrial, criada a partir da incorporação
da Morrison Knudsen; e em 1985 foi inaugurada a Siderúrgica Mendes Júnior,
principal representante do impacto negativo da diversificação desenfreada.
Segundo os autores, foram investidos 652 milhões na construção da siderúrgica,
que foi concebida no contexto do II PND. Sendo assim, as metas ambiciosas
impulsionadas pela forte política de substituição de importações, forçou o Grupo a
tomar empréstimos em bancos privados, desencadeando um processo de
desequilíbrio financeiro:
Outra coisa que eles fizeram errado. Outro motivo que ajudou a quebrar mais rápido ainda, fizeram a Siderúrgica Mendes Júnior. Lá em Juiz de Fora. Quem financiou a Siderúrgica Mendes Júnior foi a obra do Iraque. Gastaram uma fábula (TAL, 2015, s/p).
Em 1987, o Grupo Mendes Júnior foi considerado pelo anuário “Melhores e
Maiores” da revista Exame como o segundo maior conglomerado do Brasil,
empregando 40 mil funcionários, e gerando 1,2 bilhões de dólares (MENDES &
ATTUCH, 2008). Porém, o porte que o Grupo assumiu acarretou em consequências
como dissidência interna entre setores:
É um dos motivos que ela foi para o buraco. Foi exatamente isso. Porque o que aconteceu: existia uma rivalidade entre obra civil, barragem.... Ela tinha três segmentos, obra civil, barragem, estrada, que incluía ferrovia e era minha parte, e depois ela começou a levantar prédio, etc. Quando um ganhava ou perdia uma obra grande, tinha festa. Alguém perdeu a barragem, os outros faziam festa porque essa pessoa perdeu. Dentro da própria empresa começou a haver essa dissidência, porque ela ficou muito grande. Quando em uma empresa, alguém lá de dentro começa a falar “ah, isso aqui não é meu não. Isso aqui é o pessoal da drenagem que fez”. Espera aí, não é o pessoal da drenagem, você trabalha na empresa, então não é “aquele pessoal”. Você faz parte daquilo, você é integrante daquilo (TAL, 2015, s/p).
Após reestruturação gerencial devido à crise da empresa nos anos 1990,
sobraram apenas quatro das doze empresas que integravam o Grupo, e todos
trabalham em volta de objetivos em comum.
Outro problema estava na verticalização gerencial da empresa, intensificada por
um forte sistema de apadrinhamento de certos funcionários notáveis. “Havia a
percepção entre seus colaboradores de que o processo de decisão era centralizado
no topo da pirâmide organizacional e de que a gestão ainda era pouco participativa”
(MENDES & ATTUCH, 2008, p. 185). Os agentes de campo da empresa tinham a
79
impressão de que eram delegadas funções primordiais a equipes não capacitadas,
por questões políticas internas, e não podiam participar do processo:
Então, houve a má administração. Era muita gente, e ia só mandando gente que tinha apadrinhamento. Então tinha muita gente ganhando muito dinheiro e que não tinha nem competência para estar onde estava. Então tinha um staff muito grande de quem trabalhava aqui no Brasil, e quem estava no Iraque. Tinha gente que ia de 3 em 3 meses para o Iraque. Era muita politicagem, gastando muito dinheiro. A administração não administrou tão bem para escolher. Então você tinha gente que capacitada lá no campo. Eu era um deles. E tinha outros que não sabiam nada. Então essa administração acaba com qualquer empresa. Uma obra naquela monta, não pode ter uma administração dessa (TAL, 2015, s/p).
Isso resultou em cortes administrativos, no intuito de manter uma estrutura mais
integrada, comandada apenas por três divisões principais, ao contrário das diversas
diretorias que existiam nos estágios iniciais da companhia (MENDES & ATTUCH,
2008). Os autores asseguram que hoje a empresa trabalha sem excesso de
hierarquia.
Os problemas financeiros dos projetos nacionais do diversificado Grupo Mendes
Júnior foram, durante a década de 1980, frequentemente amortizados pelo
excelente desempenho da construtora, especialmente devido aos vultosos contratos
no exterior (MENDES & ATTUCH, 2008). O pecado capital foi prolongar esse
panorama, ao crer que as oportunidades internacionais não cessariam:
Então por quê que ela acabou? Foi na época da maior crise que houve aqui no Brasil, da engenharia. 80, 81, 82, 83, o Brasil estava um caos. Mas estava um caos mesmo, não tinha serviço, não tinha obra. O Brasil estava passando por uma crise louca, de não ter nada. Então a Mendes, pegava o dinheiro do faturamento da obra do Iraque e usava para pagar a administração de todas as obras no Brasil. Vê o erro administrativo que houve dentro de uma empresa daquele tamanho? Ela construiu uma sede em Belo Horizonte, em um bairro nobre, que era um quarteirão inteiro, dois ou três. Um negócio que nenhuma empresa precisaria fazer, com salões de festa, com tudo, para fechar grandes negócios políticos. E tudo aquilo financiado, eles achavam que nunca ia acabar, o negócio ia só melhorar. “Isso aqui não vai interromper, vai prosseguir eternamente”. O pessoal aqui continuou com salário alto. Tiravam o dinheiro da Mendes Júnior Internacional e jogava para a Nacional, com o País do jeito que estava. Achavam que a mina de ouro nunca ia esgotar (TAL, 2015, s/p).
80
A obras restantes no exterior foram resguardadas na reestruturação pós-crise,
pois essa almejou a distinção clara entre a área nacional e internacional “de acordo
com a política da Mendes de buscar sempre negócios sustentáveis, que não
dependessem de outras áreas do grupo” (MENDES & ATTUCH, 2008, p. 327).
5.4. PRESENTE E FUTURO
A presença internacional do Grupo Mendes Junior não foi completamente
retirada por três razões estratégicas: manter a estabilidade organizacional interna da
empresa num cenário de reestruturação, comprovando sua capacidade de continuar
lidando com negócios importantes e se reerguer; reter corpo técnico capacitado
devido à atratividade dos contratos no exterior; e preservar a imagem do Grupo na
mídia, contrabalanceando notícias adversas do Brasil (MENDES & ATTUCH, 2008).
A decisão tática de manter obras no Chile e China renderam bons frutos. Em
2004 a Mendes Júnior foi selecionada para conduzir as obras de expansão do metrô
de Santiago, num contrato de 70 milhões de dólares, além de construir a represa no
Valle del Elqui para o Ministério de Obras Públicas do Chile, e o terminal de
passageiros do Aeropuerto Carrier Sur, de Concepción (MENDES & ATTUCH,
2008). Segundo os autores, a companhia continua com presença na China,
vendendo tecnologia num cenário adverso, em que os concorrentes desistiram de
competir, sendo também responsável pela construção de barragem para a South
China Electric Power Joint Venture.
Já em outros países, a empresa construiu a represa para rejeitos de mineração,
para a Cia. Minera Antamina, no Peru, e participou da elaboração do gasoduto
Brasil-Bolívia (MENDES & ATTUCH, 2008).
No mercado nacional, logo após a crise, a empresa participou da execução de
contratos na ordem de 450 milhões de reais (Mendes e Attuch, 2008). Contudo, alvo
da operação investigativa “Lava Jato” por crimes de lavagem de dinheiro, corrupção
e associação criminosa, a Mendes Júnior Trading e Engenharia S/A foi declarada
inidônea em abril de 2016 pela Controladoria-Geral da União, sendo proibida de
celebrar novos contratos junto à Administração Pública por pelo menos dois anos
(CGU, 2016). Hoje a empresa encontra-se em processo de recuperação judicial
(PIMENTEL, 2016).
81
6. ANÁLISE DO CASO
Frente à exposição do caso, é interessante revisitar as perguntas de pesquisa
para, finalmente, submeter as respostas encontradas às teorias abordadas, no
intuito de verificar sua aderência:
a) Quais são as motivações que fomentam o processo de internacionalização
desta empresa no final da década de 1960?
b) Quando foi tomada a decisão de se internacionalizar, e quando ocorreram os
movimentos das etapas subsequentes?
c) Como o processo de internacionalização se desencadeou? Como
transcorreram os movimentos subsequentes?
d) Quais foram os destinos considerados, e quais foram escolhidos?
e) Qual o papel de instituições exógenas no processo, sejam governamentais ou
não?
f) Quais motivos levaram a empresa a recuar do mercado internacional? E por
que a empresa resolveu retomar a expansão externa recentemente?
Basicamente, procura-se entender o porquê, quando, como, e onde o processo
ocorreu, além de quais fatores influenciaram os movimentos. Para tal, analisamos
cada etapa: movimento inicial, expansão, retração e retomada.
6.1. MOVIMENTO INICIAL
A movimentação internacional da indústria brasileira, em especial no setor de
construção civil, desencadeou-se durante a década de 1980, quando empresas
como Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Camargo Corrêa buscaram
novos mercados frente a redução de investimentos internos em infraestrutura, ainda
que esse fato não seja a única justificativa (RÊGO, 2015). Para o autor, a expansão
do mercado mundial também ajuda a explicar o caráter oportunístico dos primeiros
contratos no exterior das referidas empresas, o que corrobora com a visão de Ferraz
Filho (1981) sobre as possíveis motivações do setor.
No entanto, o caso da construtora foco do presente trabalho é pontual e distinto
dos demais, justamente por ter sido o movimento embrionário, ou seja, o primeiro
registro de internacionalização do setor. Ainda assim, é possível verificar a
aderência da sua circunstância às teorias destacadas, sendo elas o Paradigma
82
Eclético de Dunning (DUNNING, 1980) e a Teoria Institucional (NORTH, 1990),
salientando a Diplomacia Triangular (STOPFORD & STRANGE, 1991).
A decisão de se internacionalizar veio naturalmente com o amadurecimento da
empresa, que nasceu com a missão de ser um player do mercado mundial. Mesmo
no auge do Milagre Econômico a empresa já prospectava contratos internacionais
como estratégia de diversificação de riscos, partindo do princípio de que todas as
economias vivem ciclos, e o desenvolvimento brasileiro já durava décadas,
começando a demonstrar sinais de retenção.
O primeiro contrato firmado pela Construtora Mendes Júnior no exterior foi em
1969, para a execução da Hidrelétrica de Santa Izabel, em Cochabamba, na Bolívia.
Do ponto de vista estratégico da empresa, o projeto era tido como interessante
devido às características inerentes do mercado boliviano. O mercado europeu se
mostrava saturado e fechado, apresentando certo favoritismo para as construtoras
europeias bem estabelecidas, enquanto a América Latina apontava menor
resistência a novos entrantes. Além disso, a Bolívia manifestava uma série de
dificuldades geográficas ao desenvolvimento de obras de infraestrutura, como
altitude elevada, clima extremo, e complexidade no acesso a recursos, o que
oferecia uma posição vantajosa para a Mendes Junior frente ao seu domínio sobre
obras em condições especiais (engenharia intermediária). Dessa forma, a
construtora poderia participar da licitação com preços muito mais atrativos que a
concorrência.
É possível associar o decorrer do primeiro movimento às variáveis do Paradigma
Eclético de Dunning (2001), quando fatores endógenos levaram a companhia a
vantagens competitivas que renderam a percepção e conquista de oportunidades.
Desses fatores, pode-se destacar: capital intelectual administrativo e técnico, tanto
quanto acervo tecnológico, configurando vantagens de propriedade; acesso ao
mercado e aos recursos naturais, ilustrando variáveis de localização; e know-how e
reputação, como exemplos de incentivo à internalização (DUNNING, 1977).
O contexto exógeno sob o qual se manifestou esse processo permite analisá-lo
perante a ótica do institucionalismo (NORTH, 1990). A obra na Bolívia foi viabilizada
por financiamento do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD), instituição vinculada ao Banco Mundial que promove assistência financeira
para desenvolvimento de países de média e baixa renda. Considerando que o BIRD
restringe seu apoio a países em desenvolvimento, há a tendência de direcionamento
83
das multinacionais a esses ambientes, evidenciando a influência institucional nas
vantagens de localização e internalização percebidas (DUNNING & LUNDAN, 2008).
Ainda conforme os autores, nota-se que as instituições formais e informais têm
potencial para coibir o movimento internacional, quando, para ingressar no mercado
boliviano, fez-se necessário enfrentar uma política rígida em razão de um governo
caudilhesco, um ambiente sindical hostil, e uma cultura pouco familiar (MENDES &
ATTUCH, 2008).
As incertezas observadas em um mercado internacional são alvo do governo
brasileiro, que, por meio de investidas diplomáticas, busca reduzir o risco
proporcionando maior segurança institucional para as empresas nacionais (RÊGO,
2015).
A segurança oferecida pela presença diplomática do Brasil na Bolívia como
mitigador dos riscos inerentes ao país, soma-se às ferramentas de promoção
comercial elaboradas na época, como a já citada criação do Conselho Nacional do
Comércio Exterior, redução de procedimentos burocráticos, participação de
comitivas governamentais em feiras internacionais de comércio, e elaboração do
seguro de crédito controlado pelo Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). Aplicados
em um contexto de desenvolvimento econômico nacional que propicia o crescimento
e expansão das empresas, esses fatores indicam a participação do Governo
Brasileiro na criação de oportunidades e incentivo à internacionalização das
construtoras, atestando a influência institucional na relação Governo-Empresa no
movimento inicial da Mendes Junior (STOPFORD & STRANGE, 1991). Da mesma
forma, os acordos bilaterais que originam propostas solidificam a cooperação
Governo-Governo como agente institucional influenciador relevante.
Quadro 10: Resumo do movimento à Bolívia
Elaborado pelo autor
APRESENTAÇÃO DA OPORTUNIDADE VARIÁVEL MOTIVACIONAL ME CANISMO ASSOCIADO
Mercado pouco concorrido Capital intelectual administrativo Paradigma Eclético
Financiamento internacional (BIRD) Acervo tecnológico e reputaçãoParadigma Eclético / Teoria
2015. O questionário para realização da entrevista encontra-se no Anexo A dessa
dissertação.
TANURE, B.; CYRINI, A.; PENIDO, E. Estratégias de Internacionalização: evidências
e reflexões sobre as empresas brasileiras. In: FLEURY, A.; FLEURY, M. T. L.
Internacionalização e os Países Emergentes . São Paulo. Editora Atlas, 2007. (pp.
198 - 213).
VELLOSO, J. P. R. O Último Trem para Paris: De Getúlio a Sarney: “milagres”,
choques e crises do Brasil moderno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
VERNON, R. Comment on chapter by J.H. Dunning and G. Norman. In A. Erdilek,
ed., Multinationals as mutual invaders . London: Croom Helm, 1985
WEISFELDER, C. J. Internationalization and the multinational enterprise:
development of a research tradition. In: AXINN, C. N.; MATTHYSSENS, P.
Reassessing the Internationalization of the firm . New York: JAI Press, 2001. p.
13-46. (Advances in International Marketing, v. 11).
WILLIAMSON, O. E. The new institutional economics: taking stock, looking ahead.
Journal of Economic Literature , v. 38, n. 3, p. 595-613, 2000.
YIN, R. K. Estudo de caso – planejamento e métodos. (2Ed.). Porto Alegre:
Bookman, 2001.
105
ANEXO A – Questionário para entrevista
1) Qual foi a primeira operação internacional da empresa? Em que ano isso ocorreu? O que motivou a empresa iniciar suas operações no exterior?
2) De que modo a empresa buscava se internacionalizar? 3) Qual o papel do governo nesse processo? 4) Quais variáveis eram analisadas para adentrar em um novo mercado? 5) Quais as principais barreiras encontradas? 6) Em quais países a empresa já atuou? Em que ano isso ocorreu? Quais os
modos de entrada (exportação, escritórios, licenciamento/franquia, investimento direto – de que tipo)?
7) No ano de 1983, aconteceram atrasos de pagamento em uma obra no Iraque, apesar disso a empresa optou por continuar no país, como foi tomada essa decisão?
8) Somente em 1990, durante a guerra do Kuwait, que a Mendes Júnior optou por sair do Iraque. Como isso aconteceu? Como ocorreu esse processo?
9) A empresa, ao prospectar novos negócios, possui alguma metodologia específica para fazer análise de risco político e evitar no futuro (prevenindo ou remediando) o que ocorreu no Kuwait?
10) Este foi o único episódio de crise política no país hospedeiro enfrentado pela empresa em sua atuação internacional?
11) Que papel tiveram o Itamaraty e o BNDES durante esse momento? 12) Com a saída do Iraque, a empresa foi obrigada a negociar com o Governo
brasileiro os pagamentos acertados pelas obras no Oriente Médio, o que não se concretizou e culminou em 1995, na execução judicial. Como foi esse episódio?
13) Quais os motivos que levaram a empresa a recuar na área internacional? a) Mudança de estratégia na gestão da área de internacional b) Dificuldades apresentadas nos países hospedeiros/país de origem c) Viabilidade financeira dos projetos d) Problemas com parceiros locais (redes de relacionamento) e) Concorrência internacional f) Foco no mercado doméstico
14) Este recuo foi lento e gradual ou ocorreu rapidamente? 15) Por que a empresa resolveu retomar suas atividades internacionais? Como?
Para onde? 16) A empresa passou por algum tipo de reestruturação organizacional para esta
mudança de estratégia (da retração à expansão internacional) 17) Existe algum projeto de expansão ou pretendem fazer isso gradualmente? 18) Qual o papel desempenhado pelo governo na retomada das atividades? E
do BNDES?
106
ANEXO B – Cronologia do contencioso entre Banco do Brasil e Mendes Júnior
7/ago./1990 : Governo brasileiro promulga Decreto 99.441 aderindo à ONU e
proibindo relações comerciais com o Iraque.
27/ago./1990 : A empresa Mendes Júnior informa ao Banco do Brasil a ocorrência do
sinistro coberto pelo Instituto de Resseguros do Brasil das obras do Iraque.
Junho de 1991 : O Banco do Brasil notifica ao IRB a ocorrência de sinistro coberto
pelas apólices com relação às obras no Iraque.
13/jan./1992 : O Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento cria o Grupo de
Trabalho Interministerial para atender à solicitação do Banco do Brasil. Seis meses
mais tarde, relatório final do GTI conclui que o governo brasileiro é o responsável
pelas consequências do Decreto 99.441/90.
17/jun./1992 : Parecer da assessoria jurídica do Banco do Brasil conclui, entre outros
pontos, que os débitos e os créditos da Mendes Júnior no Iraque seriam de
responsabilidade do governo brasileiro em face da sub-rogação que se teria
consubstanciado na decisão do Presidente da República, ao promulgar o Decreto
99.441/90.
10/fev./1993 : A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional ratifica a liberação das
obrigações do Grupo Mendes Júnior e indica soluções na esfera governamental.
21/jun./1993 : O Banco do Brasil notifica o Tesouro Nacional sobre a alocação de
recursos necessários para cobrir as consequências do sinistro ocorrido com relação
às obras no Iraque.
17/ago./1993 : O advogado-geral da União, a pedido da Secretaria do Planejamento,
despacha, opinando que o Grupo Mendes Júnior está desonerado das suas
obrigações e que o governo brasileiro é o responsável pela composição dos
prejuízos do Banco do Brasil.
3/nov./1993 : Banco do Brasil emite documento em que reconhece o Grupo Mendes
Júnior como credor, mas considera os débitos de responsabilidade do Tesouro
Nacional.
22/jul./1994 : Memorial do presidente do Banco do Brasil ao ministro da Fazenda
destaca, entre outros aspectos, que medidas judiciais pelo BB implicariam
sucumbências sobre a própria União.
107
9/ago./1995 : O Banco do Brasil despreza todos os pareceres anteriores e impetra
ação judicial de execução contra a Mendes Júnior em relação aos contratos no
Iraque.
15/ago./1996 : O Grupo Mendes Júnior interpõe a ação judicial contra o Banco do
Brasil em Nova York, solicitando indenização pelo não cumprimento de suas
obrigações contratuais.
20/ago./1996 : O juiz José Nepomuceno da Silva, da 5ª Vara Cível de Belo Horizonte
(MG), profere sentença favorável à Mendes Júnior e diz que a ação movida pelo
Banco do Brasil foi “temerária”.
5/set./1997 : Nova sentença, desta vez do juiz José Octávio de Brito Capanema, é
favorável à Mendes e diz que o Banco do Brasil “tangenciou a má fé processual”.
16/jun./2000 : Decisão do Superior Tribunal de Justiça, em que prevalece a posição
do ministro Carlos Alberto Direito, determina a realização de um encontro de contas
entre as partes.
30/maio/2002 : Decisão da Dra. Selma da 7ª Vara Cível de Belo Horizonte julgando
improcedente execução do Banco do Brasil.
30/dez./2002: O Banco do Brasil ajuíza ação contra o Instituto de Resseguros do
Brasil, num reconhecimento tácito de que este – e não a Mendes Júnior – é seu real
devedor.
10/set./2003 : Decisão do Dr. José Octávio de Brito Capanema julgando
improcedente a ação de cobrança da BB-Leasing.
16/jun./2003 : Uma decisão do juiz Jair José Varão Pinto Júnior, da 8ª Vara Cível de
Belo Horizonte, reforça a tese de que a ação de reparação da Mendes Júnior contra
o Banco do Brasil deve prosseguir em Nova York, apesar dos esforços do banco
para trazê-la ao Brasil.
2/mar./2004 : Parecer do jurista Ives Gandra Martins sustenta a tese de que os
argumentos do Banco do Brasil para impedir um julgamento em Nova York,
conforme preconizam os contratos entre a Mendes Júnior e a BB-Leasing, são