-
Universidade Federal do Par
Ncleo de Pesquisa e Teoria do Comportamento
Programa de Ps-Graduao em Teoria e Pesquisa do Comportamento
ANLISE DA ADESO AO TRATAMENTO EM MULHERES COM LPUS
ERITEMATOSO SISTMICO
PATRCIA REGINA BASTOS NEDER
BELM
2009
-
ii
Universidade Federal do Par
Ncleo de Pesquisa e Teoria do Comportamento
Programa de Ps-Graduao em Teoria e Pesquisa do Comportamento
ANLISE DA ADESO AO TRATAMENTO EM MULHERES COM LPUS
ERITEMATOSO SISTMICO
PATRCIA REGINA BASTOS NEDER
Trabalho apresentado ao Programa de Ps-
graduao em Teoria e Pesquisa do
Comportamento como parte dos requisitos
necessrios obteno do ttulo de Mestre em
Teoria e Pesquisa do Comportamento,
realizado sob a orientao da Profa. Dra.
Eleonora Arnaud Pereira Ferreira e co-
orientao do Prof. Dr. Jos Ronaldo Matos
Carneiro.
BELM
2009
-
iii
Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP) (Biblioteca
de Ps-Graduao do IFCH/UFPA, Belm-PA)
Neder, Patrcia Regina Bastos
Anlise da adeso ao tratamento em mulheres com Lpus
Eritematoso
Sistmico / Patrcia Regina Bastos Neder; orientadora, Eleonora
Arnaud
Pereira Ferreira. - 2009
Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal do Par, Instituto
de
Filosofia e Cincias
Humanas, Programa de Ps-Graduao em Teoria de Pesquisa do
Comportamento, Belm, 2009.
1. Lpus Eritematoso Sistmico - Tratamento. 2. Doenas -
Psicologia.
3. Depresso. 4. Qualidade de vida. I. Ttulo.
CDD - 22. ed. 616.723
-
iv
O valor das coisas no est no tempo que
elas duram, mas na intensidade
com que acontecem. Por isso existem
momentos inesquecveis, coisas inexplicveis
e pessoas incomparveis.
Fernando Pessoa
-
v
Dedico este estudo a todas as pacientes
do Ambulatrio de Reumatologia da FSCM PA,
que gentilmente aceitaram participar da pesquisa.
-
vi
AGRADECIMENTOS
Em primeirssimo lugar agradeo a Deus, meu Pai Criador, que me
deu nova
oportunidade de concretizar esse sonho, j antigo, de fazer um
estudo voltado para a
assistncia s pessoas doentes. E quando eu j havia esquecido do
sonho, Ele me
colocou novamente de frente para essa possibilidade, e foi
maravilhoso.
No posso deixar de citar aqui pessoas importantes na minha vida.
Agradeo
aos meus pais por toda dedicao e carinho desde o princpio de
minha existncia. E
no quero deixar de falar aqui os nomes das amigas, consideradas
verdadeiras irms,
que me estimulam, me aconselham, choram comigo nas dificuldades
e comemoram
minhas vitrias. Muitssimo obrigada Telma Sousa, Patrcia Martins,
Ana Sylvia
Gonalves, Edna Leito, Kelly Lopes, Suely Chaves e Silvia Canaan
Stein.
Agradeo, tambm, ao Romariz pela pacincia em me orientar os
trmites
burocrticos desde a seleo at a entrega desta dissertao.
O desejo de fazer este estudo at alguns anos atrs era apenas
desejo, e a nossa
mestra Eleonora Ferreira foi quem acreditou na possibilidade de
realiz-lo e esteve ao
meu lado desde a elaborao do projeto. A voc Eleonora MUITO
OBRIGADA. Por
vezes voc foi me, amiga, conselheira e sempre com muita dedicao
e
profissionalismo me orientou brilhantemente.
Quando o projeto foi idealizado para ter como local de coleta a
Fundao Santa
Casa de Misericrdia do Par, procurei pessoas ligadas Pr-Reitoria
de Extenso da
Universidade do Estado do Par, e cheguei at o Dr. Jos Ronaldo
Carneiro, que desde
o primeiro momento me acolheu, e se mostrou muito receptivo e
disponvel para
ajudar em tudo que precisei. Muito obrigada Dr. Ronaldo, pela
compreenso e
dedicao como co-orientador no nosso estudo.
Para a realizao da coleta dos dados a ajuda da Ana Carolina
Carneiro,
estudante do ltimo ano de psicologia, foi fundamental. A voc
Carol, meu muito
obrigada pela colaborao, dedicao e compreenso.
Aos meus AMADOS filhos, Beatriz, 10 anos, e Fredinho, 6 anos,
que
compreenderam a necessidade de me ausentar por algumas vezes por
conta de reunir
dados e estudar para a realizao da pesquisa. Muito obrigada,
filhinhos.
-
vii
SUMRIO
Agradecimentos vi
Sumrio vii
Lista de Abreviaturas viii
Lista de Tabelas ix
Resumo x
Abstract xi
I. Introduo 1
1. Lpus Eritematoso Sistmico. 2
2. Depresso e doenas crnicas. 8
3. Qualidade de vida, estratgias de enfrentamento em doenas
crnicas.
17
4. Adeso ao tratamento em doenas crnicas 22
II. Objetivos 36
III. Mtodo 37
1. Composio da amostra 37
2. Ambiente 38
3. Instrumentos 38
4. Procedimento 43
5. Anlise dos dados 45
IV. Resultados e Discusso 48
V. Consideraes Finais 72
Referncias
Anexos
-
viii
LISTA DE ABREVIATURAS
LES: Lpus Eritematoso Sistmico
ACR: American College of Rheumatology
AAN: Anticorpos antincleo
Anti-DNAn: Anticorpo anticido desoxirribonuclico de dupla
hlice
CE: Corticosteride
VHS: Velocidade de hemossedimentao
HLA: Antgenos leucocitrios humano
CNS: Conselho Nacional de Sade
HFSCMP: Hospital da Fundao Santa Casa de Misericrdia do Par
UEPA: Universidade do Estado do Par
DP: Desvio Padro
SLEDAI: Systemic Lupus Erythematosus Disease Activity Index
AINH: Antiinflamatrio no hormonal
CCBS: Centro de Cincias Biolgicas e da Sade
-
ix
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Distribuio das variveis sociodemogrficas no grupo Adeso
(n=17) e no
grupo No Adeso (n=13).
49
Tabela 2 Distribuio da situao conjugal, nmero de filhos, nmero
de abortos,
hospitalizaes e tempo de diagnstico no grupo Adeso (n=17) e no
grupo
No Adeso (n=13).
51
Tabela 3 Comparao entre as manifestaes clnicas identificadas
nas
participantes do grupo Adeso (n=17) e do grupo No Adeso
(n=13).
53
Tabela 4 Resultados obtidos com a aplicao do inventrio Beck de
depresso (BDI)
com as participantes do grupo Adeso (n=17) e do grupo
No-Adeso
(n=13).
54
Tabela 5 Resultados obtidos com a aplicao do inventrio Beck de
ansiedade (BAI)
com as participantes do grupo Adeso (n=17) e do grupo No
Adeso
(n=13).
55
Tabela 6 Resultados obtidos com a aplicao do inventrio Beck de
desesperana
(BHS) com as participantes do grupo Adeso (n=17) e do grupo
No
Adeso (n=13).
56
Tabela 7 Comparao entre os resultados do nvel de depresso (BDI)
e de
desesperana (BHS), com as participantes do grupo Adeso (n=17) e
o
grupo No Adeso (n=13), e as variveis idade e tempo de
diagnstico.
58
Tabela 8 Resultados obtidos com o questionrio SF-36 entre as
participantes do
grupo Adeso (n=17) e do grupo No Adeso (n=13).
60
Tabela 9 Relao entre os resultados obtidos com o questionrio
SF-36 e o tempo de
diagnstico, com as participantes do grupo Adeso (N=17) e do
grupo No
Adeso (N=13).
63
Tabela 10 Mdia e desvio padro dos escores obtidos em cada domnio
do
WHOQOL-Breve e da qualidade de vida geral entre os grupos
Adeso
(n=10) e No Adeso (n=9).
64
Tabela 11 Associao linear dos escores obtidos entre os domnios
do WHOQOL
Breve com as participantes do grupo Adeso (n=10) e o do grupo
No
Adeso (n=9).
65
Tabela 12 Correlao entre idade, tempo de diagnstico e domnios do
WHOQOL -
Breve com as participantes do grupo Adeso (n=10) e do grupo
No
Adeso (n=9).
67
Tabela 13 Mdias dos fatores da escala modos de enfrentamento do
problema entre as
participantes do grupo Adeso (n=10) e do grupo No Adeso
(n-9).
69
Tabela 14 Associao linear dos escores obtidos entre as
estratgias de enfrentamento
com as participantes do grupo Adeso e do grupo No Adeso.
70
-
x
Neder, P.R.B. (2009). Adeso ao tratamento em mulheres com lpus
eritematoso
sistmico. Dissertao de Mestrado. Belm: Universidade Federal do
Par. 112 pgs.
RESUMO
O lpus eritematoso sistmico (LES) uma doena inflamatria crnica
do tecido
conjuntivo, de carter auto-imune e natureza multissistmica,
podendo afetar diversos
rgos e sistemas. H predomnio no sexo feminino e apresenta
perodos de remisso e
exacerbao. Embora de etiologia ainda desconhecida, vrios fatores
contribuem para o
desenvolvimento da doena, dentre eles os fatores hormonais,
ambientais, genticos e
imunolgicos. Algumas manifestaes clnicas tm desafiado os
especialistas, como o
caso da associao do LES com estados depressivos. Este estudo
teve como objetivo
identificar variveis relacionadas adeso ao tratamento em
mulheres com diagnstico
de LES. Foram feitas correlaes entre caractersticas
sociodemogrficas, nveis de
depresso, qualidade de vida, estratgias de enfrentamento e
comportamentos de adeso
ao tratamento. Foram usados os instrumentos: Roteiros de
entrevista, Escalas Beck,
International Quality of Life Assessment Project (SF-36), Escala
Modos de
Enfrentamento de Problemas (EMEP) e Inventrio de Qualidade de
Vida (WHOQOL-
Breve). As participantes integravam um grupo de trinta pacientes
assistidas no
ambulatrio de reumatologia de um hospital pblico. Foram
distribudas em dois
grupos, de acordo com o uso ou no de medidas orientadas pelo
mdico: Adeso (n=17)
e No Adeso (n=13). O grupo Adeso, independentemente da idade e
do tempo de
diagnstico, apresentou menores nveis de depresso se comparado
com o grupo No
Adeso. Os resultados sugerem que, em ambos os grupos, nos
primeiros cinco meses de
convivncia da paciente com o LES, o aspecto fsico, a dor e o
estado geral de sade so
percebidos como fatores difceis de lidar. Entretanto, possvel
afirmar que, nesse
mesmo perodo, se o paciente no adere s prescries mdicas, o
desconforto em
relao aos fatores citados intensificado. A correlao entre o
domnio Vitalidade, o
domnio Aspectos sociais (medidos pelo SF-36) e a adeso ao
tratamento apresentou-se
vlida, pois as participantes do grupo Adeso tambm relataram que
se sentiam
amparadas, tanto pelo seu grupo social quanto pela equipe de
sade. Os resultados
sugerem que o comportamento depressivo pode ocorrer pelo longo
tempo de
convivncia dessas pacientes com a incontrolabilidade dos
sintomas da doena, e
tambm por conta das seqelas do LES, que as atinge severamente,
comprometendo
rgos vitais como rins, corao, pulmes, prejudicando a qualidade
de vida das
mesmas. Discutem-se as vantagens e limitaes do uso de
instrumentos para
identificao de variveis relevantes no estudo da adeso ao
tratamento em doenas
crnicas. Sugere-se a realizao de estudos longitudinais, com
delineamento do sujeito
como seu prprio controle para investigar a relao entre estados
depressivos, controle
de sintomas e adeso ao tratamento.
Palavras-chave: adeso ao tratamento; Lpus Eritematoso Sistmico;
depresso;
qualidade de vida.
-
xi
Neder, P.R.B. (2009). Adhesion to treatment by women with
systemic lupus
erythematosus. Masters dissertation. Belm: Universidade Federal
do Par. 112 pages
ABSTRACT
Systemic lupus erythematosus (SLE) is a chronic autoimmune,
multisystemic
connective tissue inflammatory disease, capable of affecting
several organs and
systems throughout the body. It affects mostly women and
presents periods of
remission and exacerbation. Even though its etiology still
unknown, several factors
contribute to the development of the disease, among them
hormonal, environmental,
genetic and immunological factors. Some clinical manifestations
have challenged the
specialists, among them the association of SLE with depressive
states. This study
aimed to identify related variables with adhesion to treatment
in women with SLE
diagnosis. Correlations were made between socio demographic
characteristics, levels
of depression, quality of life, coping and adhesion behavior to
treatment strategies. The
following instruments were used: Itineraries of interview, The
Beck Scale,
International Quality of Life Assessment Project (SF-36), The
Ways of Coping Scale,
World Health Organization Quality of Life Assessment
(WHOQOL-BREF). The
participants formed a group of thirty patients attended at the
rheumatology ward of a
public hospital. They were distributed in two groups: Adhesion
(n=17) and Non
Adhesion (n=13). The adhesion group, regardless of age and time
of diagnosis,
presented lower levels of depression when compared with the non
adhesion group. The
results suggest that, on both groups, during the first five
months of patients
coexistence with SLE, the physical aspect, pain and the general
state of health are
found to be difficult factors to deal with. However, it is
possible to assert that, in the
same period, if the patient does not adhere to the medical
prescriptions, the discomfort
regarding the mentioned factors is intensified. The correlation
between Vitality
subscale and the social Aspects (measured by the SF-36) and the
adhesion to treatment
presented valid results, for the Adhesion group participants
also reported that they felt
protected as much by their social group as by the health team.
The results suggest that
depressive behavior can take place for the long period these
patients have been living
with the uncontrollability of the disease symptoms, and also for
the sequelae caused by
SLE, which affects them severely, implicating vital organs such
as kidneys, heart,
lungs, damaging their quality of life. The pros and cons, as
well the limitations on the
use of instruments for identification of relevant variables in
the study of adhesion to
the treatment in chronic diseases are also discussed.
Longitudinal studies are
suggested, with delineation of the subject as its own control to
investigate the relation
between depressive states, control of symptoms and adhesion to
treatment.
Keywords: adhesion to treatment; Systemic lupus erythematosus;
depression; quality of
life.
http://en.wikipedia.org/wiki/Autoimmunityhttp://en.wikipedia.org/wiki/Connective_tissue_disease
-
1
INTRODUO
Este estudo foi fruto de observaes e pesquisas realizadas desde
o ano de 2001
junto a alunos do curso de medicina da Universidade do Estado do
Par (UEPA),
durante o exerccio da docncia na disciplina Psicologia Mdica
II.
Nos ltimos sete anos de realizao dessa atividade, constatou-se
uma relevante
incidncia de mulheres jovens com lpus eritematoso sistmico
(LES). Observou-se
que, nesses casos, o LES um fator que tm contribudo para a no
realizao de
projetos pessoais, como escolaridade, casamento e maternidade,
em virtude das
limitaes e cuidados que essa doena acarreta no cotidiano dessas
pacientes, tambm
atingindo diretamente, e por vezes de forma severa, a sua
auto-imagem devido s
seqelas decorrentes, como lceras na pele e edemas que deformam o
corpo.
Aliado ao LES, com freqncia observou-se estados depressivos
muitas vezes
no diagnosticados e adequadamente tratados. Estes estados
depressivos no raramente
podem estar correlacionados com idias de suicdio e com o
abandono do tratamento,
principalmente se houver negligncia por parte do profissional da
rea de sade acerca
do diagnstico de depresso (Keiserman, 2001). Estudos tm
confirmado que o
abandono dos pacientes ao tratamento do LES pode agravar o
estado clnico dos
mesmos e gerar complicaes em outros rgos e sistemas como os
rins, os pulmes e o
corao (Mccune & Riskalla, 2002; Wallace, 2002).
O LES tem despertado interesse em diversas reas do conhecimento
humano,
como a medicina, a enfermagem e a psicologia. Entretanto, ainda
h poucos estudos
investigando a associao entre o estado depressivo e a adeso ao
tratamento em
pacientes que convivem no seu dia a dia com o LES.
-
2
O estudo dessa temtica requer o conhecimento da doena, incluindo
suas
principais manifestaes clnicas, prognstico e medidas teraputicas
que auxiliem na
promoo da qualidade de vida das pacientes, auxiliando-os no
enfrentamento da
doena. Para isso, props-se a realizao de uma pesquisa sobre
variveis relacionadas
adeso ao tratamento em mulheres com LES e da real necessidade de
acompanhamento
psicolgico para essas pacientes.
Lpus Eritematoso Sistmico
O Lpus Eritematoso Sistmico (LES) uma doena inflamatria crnica
do
tecido conjuntivo, caracterizada por alteraes imunolgicas, com
formao de auto-
anticorpos dirigidos principalmente contra antgenos celulares,
alguns dos quais
participam da leso tecidual imunologicamente mediada. Apresenta
grande
polimorfismo de manifestaes clnicas, podendo acometer um ou mais
rgos e
sistemas, de maneira concomitante ou consecutiva, assumindo um
padro de recorrncia
intercalado por perodos de remisso, com evoluo e prognsticos
muitas vezes
imprevisveis (Grossman & Kalunian, 2002).
Em 1851, o mdico francs Pierre Lazenave chamou ateno para a
presena de
leses cutneas observadas na face de pacientes com LES,
semelhantes a mordidas de
lobo, tendo, ento, esse estudioso utilizado a expresso lpus para
se referir a esta
doena. Em 1895, o mdico canadense William Osler chamou ateno
para o
envolvimento sistmico da doena, incorporando o termo mesma
(Sociedade
Brasileira de Reumatologia, 2007).
Aspectos relacionados etiologia e patogenia do LES continuam
desconhecidos. Diversos fatores parecem aumentar o risco de
desenvolvimento da
-
3
enfermidade, entre eles o gentico. Tal fato corroborado pelo
encontro de maior
ocorrncia da doena em gmeos monozigotos, quando comparados aos
dizigotos
(Grennan et al., 1997). Fatores hormonais, ambientais e
infecciosos tambm esto
envolvidos na etiopatogenia da doena. Isto pode ser observado
pela alta incidncia do
LES em indivduos do sexo feminino na idade reprodutiva, em
indivduos com
antecedentes de exposio irradiao ultravioleta e a relao com
algumas espcies de
vrus como o Epstein-Bar (Bynoe, Diamond & Grimaldi, 2000;
Incaprera et al., 1998;
Terui et al., 2000).
Embora os reais mecanismos pelos quais esses fatores contribuem
para a
exacerbao ou aparecimento do LES no estejam, at o presente
momento, bem
definidos, acredita-se que em indivduos geneticamente
suscetveis, sob influncia de
tais fatores possam contribuir para a anormalidade do sistema
imune com hiperatividade
de clulas B e T, perda da autotolerncia com produo exagerada de
auto-anticorpos
contra diversos constituintes celulares resultando em leses
teciduais (Hahn, 1997).
O LES uma doena de distribuio universal, sua prevalncia varia
entre 14,8 a
50,8/100.000 habitantes na populao dos Estados Unidos da Amrica.
A taxa anual de
incidncia para cada grupo de 100.000 habitantes varia entre 1,8
e 7,6 doentes, em
diversas partes do mundo (Hochberg, 1985; McCarty et al., 1995;
Nived, Sturfelt &
Willheim, 1985). No Brasil, um estudo realizado na cidade de
Natal, no Rio Grande do
Norte, estimou a incidncia do LES em 8,7 casos para cada grupo
de 100.000
indivduos no ano de 2000 (Vilar & Sato, 2002). A
variabilidade observada nesses
estudos pode refletir diferentes padres metodolgicos, variaes
tnicas, raciais e
socioeconmicas (Lahita, 1999).
O LES apresenta ntida preferncia pelo sexo feminino e, no
adulto, a proporo
de nove a dez mulheres acometidas pela doena para cada homem.
Embora o LES
-
4
possa ocorrer em qualquer faixa etria, mais frequentemente
diagnosticado em
mulheres em idade frtil, sendo sua maior freqncia observada
entre os 15 e 45 anos de
idade (Schur, 1993).
Sintomas constitucionais como febre, anorexia, perda de peso,
fadiga e adinamia
esto entre as principais manifestaes clnicas iniciais e durante
os perodos de
atividade da doena, podendo ser encontrados em 36% a 90% dos
pacientes (Gladman
& Urowitz, 1998; Wallace, 2002).
Manifestaes musculoesquelticas, como artrites e ou artralgias so
freqentes
e constituem as manifestaes iniciais mais comuns da doena, tendo
uma incidncia
varivel entre 53% e 95% durante o curso da enfermidade, enquanto
as miosites
ocorrem em 5% a 11% dos casos (Wallace 2002).
O comprometimento renal, diagnosticado por meio de alterao do
sedimento
urinrio com a presena de hematria e/ou proteinria, ocorre em 41%
a 62% dos casos,
ao longo da evoluo do LES (Rocha et al., 2000). Manifestaes
neuropsiquitricas,
hematolgicas, gastrointestinais e cardiopulmonares podem estar
presentes durante o
curso da doena em propores que variam entre 7% e 80% dos casos
(Costallat &
Coimbra, 1995; D`Cruz, Khamashata & Hughes, 2002; Gladman
& Urowitz, 1998)
At o momento, no existe exame laboratorial que permita o
diagnstico do
LES. Assim, importante uma detalhada histria clnica acompanhada
de um bom
exame fsico. Entretanto, no se pode esquecer de pesquisar os
anticorpos antinucleares
(AAN), pois podem estar presentes em mais de 95% dos casos,
apesar de sua
inespecificidade (Wallaece, 2002). Alm disso, anticorpos
anti-DNA de dupla hlice e
anti-Sm apresentam alta especificidade para o diagnstico do LES,
sendo encontrados
respectivamente em 95% e 99% dos casos. Entretanto, a
sensibilidade de 70% para o
anti-DNA de dupla hlice atravs da imunofluorescncia indireta com
Crithidia luciliae,
-
5
e de apenas 25% a 30% para o anti-Sm (imunodifuso dupla) (Schur,
1993).
Para confirmao do diagnstico de LES, o Colgio Americano de
Reumatologia (ACR) vem adotando, desde a dcada de 70, critrios
que so
periodicamente revistos. Assim, o ACR estabeleceu a presena de
pelo menos quatro,
dentre os onze critrios clnicos e/ou laboratoriais para
classificao do LES. Estes
critrios so universalmente aceitos e esto apresentados na Tabela
1 (Hochenberg et
al., 1997).
Fonte: Critrios atualizados por MC Hochenberg et al. (1997).
Arthritis Rheum. 40:1725.
Dentre os sintomas do LES, merece destaque as manifestaes
cutneas
presentes em at 80% dos casos durante o curso da doena, como a
presena da clssica
leso em asa de borboleta (rash malar), documentada em 50-60% dos
pacientes, que
aparece ou se exacerba aps exposio s irradiaes ultravioletas
(Schur, 2005).
Fazendo parte do cortejo clnico do LES durante a evoluo da
doena,
ressaltam-se as manifestaes renais presentes em mais de 50% dos
pacientes. As
manifestaes cardacas, pulmonares, neurolgicas e hematolgicas,
traduzidas sob a
forma de pericardite, pleurites, convulses, trombocitopenia e
anemia hemoltica,
respectivamente, podem estar presentes em at 70% dos casos
(Schur 2005).
-
6
Estudos tm chamado ateno para um melhor prognstico e sobrevida
em
pacientes com LES nas ltimas dcadas. Atualmente, mais de 90% dos
pacientes
sobrevivem por mais de 10 anos. A sobrevida dos pacientes com
LES tem alcanando
valores acima de 90% aos cinco anos do curso da doena, e 83% aos
10 anos (Sth-
Hallengegre, 2000). No Brasil, Paiva et al. (1985) e Latorre
(1997) observaram ser a
sobrevida dos pacientes com LES, respectivamente, de 69% e 90%,
quando seguidos
por um perodo de cinco anos. O tratamento deve ser realizado o
mais precocemente
possvel, entretanto, existem casos fatais em que muito pouco se
consegue modificar a
evoluo da doena (Schur, 2005).
O LES freqentemente evolui com perodos de exacerbaes
intercalados com
perodos de acalmia. O tratamento bastante diversificado.
Habitualmente, as
medicaes utilizadas para o controle da doena durante o surto de
atividade so
indicadas de acordo com as manifestaes clnicas e a gravidade do
caso, incluindo os
antiinflamatrios no hormonais, antimalricos, corticosterides e
imunossupressores.
Inicialmente, o paciente com LES e seus familiares devem receber
informaes
gerais sobre a doena como medidas educacionais e orientaes sobre
o controle, recursos disponveis
para o diagnstico e o tratamento. necessrio ainda educar o
paciente para os cuidados com sua
sade, indicar realizao de atividades fsicas, dieta adequada,
proteo solar e evitar o tabagismo. Estes
hbitos contribuem para controle da doena, proporcionando o
prolongamento da vida com produtividade e
qualidade. (Sato et al., 2004).
O tratamento clnico do paciente com LES deve ser
individualizado, e voltado para o rgo ou
sistema acometido. Geralmente faz-se necessrio o uso contnuo de
antimalricos, pois estes reduzem a
atividade da doena e ainda poupam o uso de doses elevadas de
esterides, alm de melhorarem o perfil
lipdico e reduzir o risco de fenmenos tromboemblicos.
Entretanto, deve-se ter cuidado com os efeitos
colaterais dessa droga principalmente para a viso ocular
(Consenso Brasileiro, 2002).
Os corticsterides constituem a pedra angular no tratamento de
pacientes com LES e devem ser
reservados para casos mais graves ou quando os pacientes no
respondem aos antimalricos. Tambm, pode-
se lanar mo, em casos especiais, de imunossupressores como:
azatioprina, ciclofosfamida, clorambucil,
metotrexato e ciclosporina Em alguns casos, as imunoglobulinas e
a plasmaferese constituem uma importante
ferramenta no controle desses pacientes (Sato et al. 2004).
-
7
Os antiinflamatrios no hormonais tm perdido espao nos ltimos
anos no controle dos pacientes
com LES, por seus efeitos colaterais principalmente para os
rins.
Sato (2004) reafirma que os antimalricos, como a Cloroquina na
dose de 4mg/kg/dia ou
Hidrxicloroquina na dose de 6mg/kg/dia, so indicados em todas as
formas de LES, desde que no haja
contra-indicao, embora sua maior indicao seja para as formas
cutnea-articular. Devido aos efeitos
colaterais, os pacientes candidatos ao uso de antimalricos devem
ser submetidos a um exame de fundo de
olho a cada seis meses, em mdia, do uso da droga.
Em casos graves, os pacientes com LES devem fazer uso de
imunossupressores
como a Ciclofosfamida na dose de 0,5 a 1g/m2 de superfcie
corporal sob a forma de
pulsoterapia1 inicialmente mensal, por seis meses, depois
bimensal ou trimensal e final
semestralmente, totalizando um perodo de dois anos.
Deve-se, tambm, orientar os pacientes e seus familiares sobre
fatores que
influenciam na exacerbao da doena, como exposio irradiao
ultravioleta, uso de
estrgenos e gravidez, entre outros, alm de fornecer suporte
psicolgico e social
(Mccune & Riskalla, 2002; Wallace, 2002).
No caso de gravidez, o momento mais adequado para a mulher
portadora de LES
engravidar quando a doena est inativa, embora todas as gestaes
devam ser
consideradas de alto risco devido severidade da patologia e
necessidade de terapia
medicamentosa (Lockshin, 2001). Ser portadora de LES no impede a
gravidez ou a
formao de bebs saudveis, embora toda interveno durante a gestao
deva ocorrer
sob o acompanhamento conjunto entre o reumatologista e o
ginecologista. As mulheres
com LES que no desejam engravidar devem procurar um mdico para
orient-la acerca
do mtodo contraceptivo mais adequado, uma vez que o estrgeno
contido nas plulas
anticoncepcionais pode ativar a doena (Sato, 1999).
Pesquisas de Lockshin (2001) mostram que 50% de todas as gestaes
em
mulheres com lpus so normais, 25% tm bebs prematuros e 25%
correspondem
1 Pulsoterapia de glicocorticides com dose intravenosa de 1 g
por dia em trs dias consecutivos de metilprednisolona (15-20
mg/kg/dia por dose). Doses baixas a moderadas so usadas para o
controle inicial de manifestaes mais brandas.
-
8
perda do feto, por aborto espontneo ou morte do beb. A
mortalidade perinatal mais
elevada quando o LES se apresenta de forma severa e est mal
controlado. A doena
pode se exacerbar no perodo prximo ao parto e at oito semanas
aps. Contudo, o
acompanhamento sistemtico pode evitar a ativao da doena (Sato,
1999).
Depresso e doenas crnicas
A literatura refere que uma porcentagem significativa de
mulheres com
diagnstico de LES desenvolve depresso em nvel moderado ou grave.
H uma
percepo clnica geral de que a depresso ocorre com freqncia no
curso do LES. Se
essa depresso pode ser normalmente esperada devido ao estresse e
aos sacrifcios
impostos pela doena ou se, ao contrrio, ela que agrava e
desencadeia os sintomas e
crises agudas, uma questo de difcil resposta (Ayache &
Costa, 2005).
A depresso classificada como transtorno do humor de acordo com o
Manual
Diagnstico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR, 2000). Os sintomas
que
caracterizam e determinam o diagnstico de depresso so: humor
deprimido, insnia e
hipersonia, sensao de inutilidade, fadiga ou diminuio da
energia, agitao ou
retraimento psicomotor, pensamentos persistentes e recorrentes
acerca da morte e
suicdio, sentimento de culpa exacerbado e inadequado,
retraimento da capacidade de
pensamento e deciso, perda ou ganho relevante de peso, prazer ou
desprazer acentuado
pelas atividades. Esse conjunto de aspectos indica que fatores
biolgicos, genticos e
neuroqumicos participam dos quadros depressivos (Dalgalarrondo,
2000).
A depresso pode ser classificada quanto intensidade dos
sintomas, como leve,
moderada ou grave; ou quanto ao predomnio dos sintomas, como
depresso atpica,
-
9
depresso ansiosa, depresso psictica, distimia e transtorno
bipolar de humor (CID 10,
1993).
Botega et al. (2002) caracterizam a depresso como um transtorno
de humor
recorrente e sugerem que uma a cada vinte pessoas apresenta
depresso em estado
moderado ou grave. De cinqenta casos, um necessita de
hospitalizao e pelo menos
15% dos deprimidos graves se suicidam.
O enfoque da depresso do ponto de vista da anlise do
comportamento destaca
a relao entre o ambiente e os estados emocionais do homem.
Compreende-se por
ambiente a histria filogentica, ontogentica e cultural a qual
todos esto submetidos.
Portanto, o desencadeamento e a durao dos sintomas depressivos
dependem do
conjunto de fatores biolgicos, histricos e ambientais (Capelari,
2002).
Nery, Borba e Lotufo Neto (2004) sugerem que pacientes com o LES
e que
apresentam sintomas sugestivos de estado depressivo devem ser
alertadas que esse
estado emocional pode ser induzido pela prpria doena, pelos
medicamentos usados no
tratamento e por um incontvel nmero de estmulos aversivos
vivenciados pelo
paciente durante o curso dessa doena crnica. Portanto, o dficit
de contingncias
reforadoras pode promover estados depressivos.
Keiserman (2001) demonstrou que 15% das pessoas com doenas
crnicas em
geral sofrem de depresso e entre os pacientes com diagnstico de
lpus esse percentual
pode chegar a quase 60%. Deve-se considerar, entretanto, que
embora a depresso seja
muito mais comum em portadores de doenas crnicas, como o LES, do
que no resto da
populao, nem todos apresentaro depresso.
importante ressaltar que pacientes com LES podem apresentar
sintomas
semelhantes ao estado de depresso, tais como a apatia, letargia,
perda de energia ou
interesse, insnia, aumento das dores, reduo do apetite e da
performance sexual, da a
-
10
importncia de profissionais bem preparados com conhecimento
sobre os mtodos
diagnsticos que permitam diferenciar as enfermidades. Essa
prtica pode evitar que os
pacientes atinjam estgios avanados, com sofrimento para os
mesmos, correndo risco
de lev-los at ao suicdio. Estudos tm documentado que cerca de 30
a 50% dos casos
de depresso no so diagnosticados pelos procedimentos mdicos de
rotina
(Keiserman, 2001).
Nery et al. (2004) revelaram que vrios fatores contribuem para a
depresso em
uma doena como o LES, como as reaes emocionais causadas pelo
estresse e tenso
associados ao enfrentamento da doena, as privaes e os esforos
necessrios aos
ajustes que o paciente deve fazer em sua vida, alm de alguns
medicamentos usados no
tratamento da doena como os corticosterides. Tambm importante
considerar o
envolvimento de rgos vitais como o Sistema Nervoso Central
contribuindo para o
aparecimento do estado depressivo (Keiserman, 2001).
Cabral (1986), ao abordar as consequncias psicolgicas e sociais
de uma
doena crnica, inclui como fatores relevantes para o doente: a
gravidade da doena,
sua fase evolutiva, o estilo de vida do enfermo e seu padro
comportamental frente s
situaes adversas. Este pesquisador conclui seus estudos
relatando que padres de
comportamento aprendidos ao longo da vida podem propiciar o
desenvolvimento de
doenas crnicas ou contribuir para o agravamento do seu quadro
clnico, resultando em
condutas que dificultam a adeso ao tratamento e, a consequente,
recuperao do
paciente.
Em estudos acerca de depresso junto a pacientes com LES,
destaca-se o
trabalho de Segui et al. (2000, citado por Arajo, 2004) que
investigaram 20 mulheres
com diagnstico de LES em perodo de atividade e de inatividade da
doena a fim de
comparar nveis de depresso. Os autores concluem que tanto nos
momentos de
-
11
exacerbao dos sintomas como nos de remisso, os nveis de depresso
se mantm os
mesmos. Tais pesquisadores advertem que outros fatores podem
estar contribuindo para
a depresso no sendo a mesma intensificada nas fases agudas da
doena. Shapiro
(2001, citado por Arajo, 2004) chama ateno para fatores como o
impacto emocional
envolvido no estresse da adaptao doena crnica, as alteraes em
rgos como o
crebro, corao e rins e algumas medicaes usadas para controle do
LES que podem
levar o indivduo depresso. Esse dado justifica a dificuldade de
identificar a etiologia
dos sintomas.
A literatura tambm aponta a associao de depresso e ansiedade com
outras
doenas crnicas, como o hipertireoidismo. Vainboim (2005)
investigou a representao
da doena e da internao em pacientes com diagnstico de
hipertireoidismo
hospitalizados, com o objetivo de observar possveis associaes
entre os nveis de
ansiedade e depresso e posteriormente os comparou com os
pacientes ambulatoriais. A
pesquisa teve amostra de 30 pacientes, sendo que nove estavam
hospitalizados e os 21
restantes se encontravam em tratamento ambulatorial. Foram
utilizadas: entrevista
psicolgica semidirigida e Escala HAD (Hospital Anxiety
Depression), sigla pela qual
conhecida a Escala de avaliao de ansiedade e depresso em
contexto hospitalar.
Vainboim concluiu que os ndices de ansiedade e depresso foram
mais elevados em
pacientes ambulatoriais do que em pacientes hospitalizados. Essa
autora considera que a
doena e a hospitalizao so situaes incontrolveis na vida de
qualquer pessoa e
implicam em uma ameaa ao equilbrio fsico, emocional e social,
pois tais situaes
so cercadas de ansiedade, angstias, fantasias, medos,
questionamentos e dvidas.
Inclusive as relaes sociais, familiares e suas atividades de
trabalho tambm so
atingidas a partir da doena.
-
12
A anlise do comportamento tem estudado variveis de controle de
diferentes
problemas humanos discutidos por B. F. Skinner. As relaes
humanas podem ser foco
de estudos interessados em descrever causas, efeitos e formas de
tentar lidar,
adequadamente, com essas contingncias. Skinner (1953/2000)
descreve processos
bsicos nos quais os comportamentos se estabelecem: a filognese,
que diz respeito
interao com o ambiente a partir da evoluo da espcie,
referindo-se a
comportamentos reflexos e traos comportamentais; a ontognese,
que compreende a
aprendizagem individual como conseqncia das experincias com o
meio; e a
ontognese sociocultural que se refere aprendizagem social, ou
seja, a aprendizagem
que se estabelece no contato com a cultura (valores, crenas,
estilos de vida).
A depresso est ligada histria de reforamento de cada
indivduo
(aprendizagem individual no contato social). Para compreend-la
necessrio olhar
para a interao homem-ambiente, ou seja, verificar os
antecedentes e as conseqncias
de um comportamento depressivo.
A histria de vida de cada indivduo passa por uma seleo do
comportamento
pelas suas conseqncias que envolvem dupla relao de controle: a
do sujeito sobre seu
meio ambiente que atravs do seu comportamento pode modific-lo ,
e a do
ambiente sobre o comportamento do sujeito, que sofre as
conseqncias das alteraes
ambientais produzidas por ele prprio (Skinner, 1994). Contudo,
sabe-se que estmulos
que no esto sob controle do sujeito tambm podem modificar seu
comportamento.
Diversos estudos experimentais demonstraram que animais
submetidos a
choques eltricos incontrolveis apresentaram, posteriormente,
dificuldade de aprender
respostas de fuga, sendo que o mesmo no ocorre quando os choques
prvios foram
controlveis. Esse efeito da incontrolabilidade dos choques tem
sido denominado
"desamparo aprendido" (Maier & Seligman, 1976; Peterson,
Maier & Seligman, 1993).
-
13
A interpretao mais aceita sobre o desamparo aprendido assinala
que, durante o
tratamento com estmulos incontrolveis, o sujeito aprende que as
alteraes dos
estmulos independem de suas respostas, de forma que,
posteriormente, ele tem maior
dificuldade em aprender a relao entre comportamento e conseqncia
contida em
contingncias operantes s quais exposto (Maier & Seligman,
1976; Peterson et al.,
1993).
No entanto, estudos recentes fortalecem a suposio de que a
incontrolabilidade
dos estmulos no uma varivel suficiente para que se produza o
efeito de desamparo
aprendido. Estas questes se tornam mais relevantes ao se
considerar a aplicabilidade do
termo a estudos com seres humanos expostos a estmulos
incontrolveis, como a
evoluo de uma doena crnico-degenerativa.
No caso de indivduos com LES, embora estudos apontem para uma
relao
entre esta doena e a presena de depresso, em especial em
mulheres (Mattje & Turato,
2006), no est clara tal relao. H estudos sugerindo que as
caractersticas da doena
poderiam favorecer estados depressivos em mulheres (Ballone,
2003), assim como
estudos que sugerem que tais estados depressivos poderiam ser
decorrentes de efeitos
colaterais dos medicamentos utilizados para o tratamento do lpus
(Ballone, 2003).
O desamparo aprendido se estabelece quando o sujeito aprende que
no existe
relao entre suas respostas e os estmulos, aprendizagem essa que
se contrape
aprendizagem seguinte que envolve contingncia de reforamento
(Maier & Seligman,
1976). Porm a hiptese do desamparo aprendido vai alm da anlise
das relaes
funcionais estabelecidas na condio experimental e considera
crticos alguns processos
cognitivos, inferidos a partir dos dados. Segundo Maier e
Seligman, a varivel
independente crtica para o desamparo no a incontrolabilidade
estabelecida
experimentalmente, mas sim a expectativa desenvolvida pelo
indivduo de que ele no
-
14
pode controlar o ambiente. Essa expectativa pode atuar em
diferentes nveis,
promovendo um conjunto de efeitos que caracterizam o desamparo,
que desencadeia
trs tipos de dficits: motivacional, cognitivo e emocional. A
interpretao cognitivista
desse efeito, segundo Hunziker (2005) decorre de uma alterao na
forma de como o
sujeito processa a informao relativa nova contingncia. Seria
esse erro de
processamento, causado pela expectativa de incontrolabilidade,
que leva o sujeito a
no registrar a relao de dependncia que h entre sua resposta e as
mudanas no
ambiente. Consequentemente, o dficit emocional caracterizado por
alteraes
fisiolgicas, tais como mudanas do ciclo de sono e de ingesto de
alimentos,
imunossupresso, entre outras. Ainda na interpretao cognitivista,
a crena de que o
reforo no vir, produz estados alterados de emoes (ansiedade e
depresso) que, por
sua vez, levam a essas alteraes fisiolgicas.
Nery et al. (2004) constataram que mdicos reumatologistas
experientes e os
prprios pacientes relacionam a piora ou surgimento do LES com
algumas situaes
aversivas. Por outro lado, deve ficar bem definido que a doena
possui evoluo
tipicamente marcada por perodos variveis de remisso e exacerbao,
e que sofre
influncia de alguns fatores como exposio solar, hormnios,
drogas, e agentes
infecciosos.
Os resultados obtidos por Nery et al. (2004), no levantamento
das pesquisas cujo
objetivo era verificar a piora nas manifestaes de doenas clnicas
sob a influncia de
fatores psicologicamente estressantes, mostram que, no LES, h um
padro diferente de
resposta imune nos pacientes, quando comparados a pessoas
saudveis, que pode estar
ligado piora ou exacerbao da doena. E, alm disso, como foi visto
em outros
estudos j mencionados, os estmulos aversivos cotidianos ligados
a relacionamentos
interpessoais podem preceder a piora da atividade clnica do LES.
Porm, se faz
-
15
necessrio mais investigaes para se afirmar que eventos de vida
marcantes e
estressores crnicos podem eliciar sintomas fsicos.
O estudo de Schubert (1999) apresenta o monitoramento de uma
nica paciente
com LES durante pouco mais de dois meses, verificando
estressores cotidianos
semanalmente e realizando diariamente medidas de neopterina2
urinria, um parmetro
imunolgico de atividade inflamatria do LES. Embora no tenham
observado
parmetros bem definidos durante o perodo do estudo, o autor
constatou um aumento
da neopterina urinria sempre um dia aps estressores cotidianos
moderadamente
intensos. Embora este achado no seja suficiente para concluses
definitivas, sugere
uma possvel relao de agentes estressores psicossociais na
atividade do LES.
Em contrapartida, Dobkin et al. (2002) acompanharam 120
pacientes com LES
durante 15 meses. Trimestralmente, eram avaliados estressores
ambientais do cotidiano,
sintomas psiquitricos, qualidade de vida, suporte social e
estratgias de enfrentamento.
Alm destas variveis, a atividade da doena tambm foi avaliada ao
incio e ao final do
estudo. Os autores verificaram que estresse no predizia aumento
da atividade da
doena. Porm, todas as pacientes com LES eram participantes de um
grupo de
psicoterapia, e segundo os pesquisadores provvel que essa
interveno tenha
interferido no impacto do estresse psicossocial sobre a doena,
uma vez que todas as
medidas avaliadas mostraram melhora ao longo do estudo.
Estudo realizado por Shering-Plough (2002) refere que
profissionais da rea
mdica destacam estresse e fatores psicolgicos como
desencadeantes de sintomas
fsicos, mas no se esclarece quais os fatores especficos, nem
como os aspectos
emocionais afetam o organismo. Porm, nem toda a classe mdica
compreende o
desencadeamento dos sintomas relacionado com o estresse. Tambm,
estudos em
2 Neopterina: um produto excretado pelos macrfagos quando estes
so estimulados por interferon-gamma.
-
16
psicologia da sade referem que, isoladamente, a condio emocional
de uma pessoa
no suficiente para desencadear uma doena orgnica, destacando a
importncia de
uma abordagem que busque a multicausalidade do problema (Costa
& Lpez, 1986). A
forma como o indivduo se comporta e seu estilo de vida associado
ao tipo de adeso ao
tratamento que ele apresenta podem interferir na intensidade dos
sintomas de uma
doena, mas no o nico responsvel pela exacerbao dos sintomas
(Ferreira,
Mendona & Lobo, 2007).
Com base nos achados de Ferreira et al. (2007), nota-se que os
recursos mdico-
farmacolgicos disponveis no so suficientes para a cura de uma
doena caracterizada
como crnica. Nesse sentido, necessrio um tratamento e um
acompanhamento
profissional em longo prazo que vise o controle da doena por
meio de consultas
mdicas, monitorao sistemtica de sintomas e avaliao dos
procedimentos mdico-
farmacolgicos (Derogatis, Fleming, Sudler & Pietra, 1996).
Os tratamentos deveriam
educar o paciente a aprender a controlar sua doena reduzindo a
freqncia de quadros
agudos. A reeducao do comportamento do paciente tem dificuldades
na sua realizao
uma vez que, esse processo envolve o impacto da doena e das
exigncias do tratamento
do paciente. O paciente crnico precisa conciliar o desejo de ser
curado e as
exigncias do tratamento que concorrem com o padro comportamental
do mesmo, j
modelado ao longo de sua histria de vida. Quando se trata de uma
doena crnica, as
exigncias significam muito mais do que a responsabilidade de
realizar o tratamento
farmacolgico ao longo da vida do paciente. Significa a
aprendizagem de novos
repertrios comportamentais que possibilitem ao paciente ter
qualidade de vida (Ferreira
et al., 2007).
Qualidade de vida e estratgias de enfrentamento em doenas
crnicas
-
17
A literatura atual apresenta o termo qualidade de vida como um
conceito que
inclui uma variedade de condies que esto alm do estado de sade
do indivduo,
como valores sociais, determinantes culturais e expectativas. O
desequilbrio nas
condies citadas anteriormente interfere na percepo do indivduo
em relao a seus
sentimentos, seus comportamentos, ao funcionamento da vida
diria. O conceito de
qualidade de vida valoriza a preocupao com o bem-estar geral e
os parmetros que
extrapolam o controle de sintomas (Seidl & Zannon,
2004).
Na rea da sade, estudos recentes utilizam instrumentos sobre
qualidade de
vida e ndices de depresso em pacientes com doenas crnicas.
Dentre esses estudos,
destaca-se o de Berber et al. (2005) que realizaram uma
estimativa da prevalncia de
depresso em pacientes com sndrome de fibromialgia, bem como da
condio de
qualidade de vida destes pacientes, e avaliaram a magnitude da
associao entre a
depresso e a qualidade de vida. Para esse estudo foram
selecionados 70 pacientes com
fibromialgia que compareceram s consultas mdicas em duas
instituies pblicas e
em seis consultrios particulares de reumatologia. Foram
aplicados dois questionrios: o
General Health Questionaire (GHQ-28), para mensurar a depresso,
e o Medical
Outcome Short Form Health Survey (SF-36) para medir a qualidade
de vida, composto
de 8 sub-escalas, que abordam vrios aspectos do construto
qualidade de vida.
Realizaram-se anlises uni e multivariadas entre os escores
obtidos no GHQ-28 e nas
escalas do SF-36.
Os resultados obtidos por Berber et al. (2005) sugerem uma
correlao entre a
reduo de escores de alguns aspectos da qualidade de vida (como
condicionamento
fsico, funcionalidade fsica, funcionalidade social e emocional,
sade mental, dor e a
percepo da sade em geral) e a ocorrncia de depresso em pacientes
com
fibromialgia. Nesse estudo, dois teros da amostra apresentaram
algum grau de
-
18
depresso. Os baixos escores de qualidade de vida observados no
estudo j haviam sido
encontrados, segundo os autores, em outros trabalhos que
utilizaram o instrumento SF
36 com pacientes com LES e fibromialgia. Os escores de pacientes
com fibromialgia
foram significativamente mais baixos do que os obtidos por
pacientes com LES. Ficou
evidente no estudo que pacientes com fibromialgia atingiram
escores mais baixos nas
escalas dor e vitalidade, ao serem comparados com pacientes com
outras doenas
crnicas, indicando pior qualidade de vida.
Para Berber et al. (2005), os distrbios depressivos complicam o
curso de
qualquer doena por meio de uma variedade de mecanismos:
intensifica a sensao de
dor, dificulta a adeso ao tratamento, tende a diminuir o suporte
social e desequilibrar os
sistemas humoral e imunolgico. Os autores concluem que pacientes
com diagnstico
de uma doena crnica, como fibromialgia e LES, que esto
depressivos apresentam
maior incapacidade que os no depressivos. No estudo de Berber et
al., a depresso
estava freqentemente associada a redues importantes na qualidade
de vida, incluindo
uma funcionalidade social prejudicada. Observou-se queda dos
escores nas escalas que
mediam vitalidade, concentrao, qualidade das interaes sociais e
satisfao com a
vida nos pacientes depressivos. Desta forma, quanto mais severa
a depresso, pior era a
percepo da qualidade de vida entre os participantes do estudo,
levando os autores a
sugerirem que a depresso compromete a funcionalidade social e
emocional dos
pacientes, uma vez que pessoas depressivas tm tendncia ao
isolamento, a sentimentos
de derrota e frustrao, influenciando negativamente o seu
relacionamento com outras
pessoas.
No caso da sndrome de fibromialgia, os fatores psicossociais tm
papel
significativo na etiologia e evoluo da doena. Dentre estes
fatores esto aspectos
comportamentais como condutas de risco e utilizao de estratgias
de enfrentamento
-
19
no adaptativas; fatores cognitivos como vitimizao e perda do
autocontrole; e fatores
sociais como interferncias na funo do indivduo na sociedade.
Assim, forma-se uma
cadeia de perdas que fortalece os sintomas depressivos, gerando
um ciclo vicioso
(Berber et al., 2005).
Ainda no estudo de Berber et al. (2005), de acordo com a
autopercepo dos
pacientes, observou-se que a associao entre depresso e piora dos
sintomas foi
significativa. Com base nesses resultados, os autores acreditam
que a percepo
negativa de seu estado de sade por parte do paciente e a
exacerbao dos sintomas
pode ocorrer em qualquer doena crnica associada depresso.
Em meados da dcada de 90, as investigaes entre variveis
psicolgicas,
estratgias de enfrentamento, suporte social e a percepo da
qualidade de vida,
passaram a relacionar esses fatores com a condio do paciente
portador de doena
crnica (Dunbar, Mueller, Medina & Wolf, 1998). No caso das
estratgias de
enfrentamento da doena, um instrumento que tem sido til para
pesquisar associao
entre enfrentamento e qualidade de vida, utilizado em estudos
nacionais, a Escala
Modos de Enfrentamento de Problemas (EMEP): instrumento derivado
da escala de
Vitaliano, Russo, Carr, Maiuro e Becker (1985), em verso
adaptada para o portugus
por Gimenes e Queiroz (1997) e submetido anlise fatorial por
Seidl, Trccoli e
Zannon (2001).
O EMEP foi utilizado no estudo de Faria e Seidl (2006), no qual
investigou-se o
poder de predio de estratgias de enfrentamento, incluindo o
enfrentamento religioso
(ER), escolaridade e condio de sade (assintomtico ou sintomtico)
em relao ao
bem-estar subjetivo (afeto positivo e negativo) com 110
indivduos soropositivos para o
HIV dos quais 68,2% eram homens, com idades entre 21 e 60 anos.
Os instrumentos
incluram questionrios elaborados para o estudo, Escala de Afetos
Positivos e
-
20
Negativos, Escala Modos de Enfrentamento de Problemas e Escala
Breve de
Enfrentamento Religioso. Dentre os resultados apresentados, os
autores indicaram que
enfrentamento focalizado na emoo (preditor negativo),
enfrentamento focalizado no
problema e enfrentamento religioso positivo foram preditores do
afeto positivo. Em
relao ao afeto negativo, observou-se contribuio do enfrentamento
focalizado na
emoo e do enfrentamento focalizado no problema (preditor
negativo). Os achados
apontam que o preconceito expresso por algumas religies
limitaram, moderadamente, o
apoio social de pessoas com diagnstico de soropositividade
quando buscavam as
prticas religiosas.
Reflexes sobre prticas religiosas no Brasil foram apresentadas
por Gwercman
(2004) em um artigo no qual relata a origem e a expanso da
teologia da
prosperidade, baseada na mxima de que Deus capaz de dar o que o
fiel desejar.
Basta ter f e acreditar que as prprias palavras tm poder. Tal
crena foi incorporada
por vrias igrejas, e, no Brasil favoreceu a exploso evanglica.
Atualmente, a
populao brasileira em geral exemplo de uma cultura extremamente
religiosa. E,
ainda, mantendo-se fiel ao Cristianismo.
Outras variveis associadas qualidade de vida esto em investigao
por vrias
reas de conhecimento. Santos, Frana Jr. e Lopes (2007) se
propuseram a analisar a
qualidade de vida de 365 pessoas que vivem com HIV-aids com
idade maior que 18
anos e passaram por consulta com o infectologista. As variveis
sociodemogrficas, de
consumo recente de substncias psicoativas e as condies clnicas
foram obtidas por
meio de questionrios e a qualidade de vida foi avaliada por meio
do WHOQOL-bref.
Apesar de diversidade em relao a sexo, cor da pele, renda e
condies de sade
mental e imunolgica, os autores concluram que os portadores de
HIV-aids avaliaram
ter melhor qualidade de vida fsica e psicolgica que outros
pacientes crnicos,
-
21
porm os escores foram mais baixos no domnio de relaes sociais.
Neste ltimo
domnio, podem estar refletidos os processos de estigma e
discriminao associados s
dificuldades em revelar seu diagnstico para terceiros, em
especial para os parceiros
sexuais.
Em pesquisa com 241 pessoas portadoras de HIV-aids, sendo 169
sintomticas e
72 assintomticas, com 208 delas em uso de terapia
antirretroviral, Seidl, Zannon &
Trccoli (2005) correlacionaram qualidade de vida (QV) com condio
clnica,
escolaridade, situao conjugal, enfrentamento e suporte social. A
varivel QV foi
investigada nas dimenses psicossocial, fsica, do ambiente e
qualidade de vida geral,
mediante anlises de regresso mltipla hierrquica. Nos resultados
apresentados se
verificou que, o suporte social emocional, enfrentamento
focalizados na emoo,
enfrentamento focalizado no problema e viver com parceiro, podem
ser considerados
como preditores significativos da dimenso psicossocial da QV,
alcanando a maior
varincia explicada. O suporte social emocional e enfrentamento
focalizado na emoo
foram preditores significativos nas anlises relativas s demais
dimenses da QV. Os
autores concluram que as pessoas soropositivas que avaliaram
maior disponibilidade e
satisfao com o suporte emocional, e referiram menor utilizao de
estratgias de
enfrentamento focalizado na emoo, maior freqncia de
enfrentamento do problema e
estavam vivendo com parceiro(a) apresentaram condies de
funcionamento das esferas
cognitiva, afetiva e dos relacionamentos sociais mais adequadas,
alm de maior
satisfao com esses aspectos. Um dado esperado e interessante
verificado pelos autores
foi quanto dimenso fsica: as pessoas assintomticas avaliaram
melhor o seu
funcionamento fsico que as sintomticas. Ainda que a maioria dos
participantes
estivesse usando a terapia anti-retroviral, os sintomas estavam
menos intensos e
provavelmente as pessoas sintomticas tinham mais desconforto
fsico.
-
22
Tais reflexes sobre qualidade de vida e variveis como renda,
ocupao,
conhecimento da doena, caractersticas da doena indicam a
necessidade de manejo de
algumas destas variveis a fim de favorecer a adeso ao
tratamento.
Adeso ao tratamento em doenas crnicas
Para Jeammet (1982), adeso ao tratamento envolve vrios aspectos
presentes
em uma situao de doena como: (a) a doena em si, se esta se
encontra em estgio
agudo ou se crnica e debilitante; (b) o prprio paciente, se este
se encontra pela
primeira vez enfrentando uma situao de doena grave, se possui
apoio familiar, se
confia no mdico que o assiste; (c) o profissional mdico e sua
expectativa em relao
ao paciente, como se relaciona com o mesmo, se mantm uma postura
humanizada e
emptica, conseguindo ouvir as angstias do paciente, cont-las e
orient-lo; e (d) o tipo
de tratamento, dependendo da complexidade, se exige preciso nos
horrios, se utiliza
medicaes injetveis ou orais, seu tempo de durao e quantidade de
comprimidos ao
dia. De modo geral, os aspectos citados iro influenciar de forma
mais intensa em
alguns casos e brandamente em outros, no que se refere adeso ao
tratamento.
Segundo a Organizao Mundial de Sade (2002), possvel conceituar
adeso
ao tratamento como o grau de concordncia entre as recomendaes do
prestador de
cuidados de sade e o comportamento do paciente relativamente ao
regime teraputico
proposto em comum acordo. Esta definio permite perceber a
complexidade e
variedade de comportamentos que podem ser tratados enquanto
fenmenos de adeso ao
tratamento. Portanto, quando se fala em adeso ao tratamento,
refere-se a formas
diversas de manifestaes em diferentes momentos do processo
teraputico. A entrada e
a permanncia em programas de tratamento, o seguimento das
consultas previamente
-
23
estabelecidas, a aquisio dos medicamentos prescritos e o uso dos
mesmos de forma
adequada, o seguimento de regimes alimentares ou a prtica de
exerccio fsico, ou
ainda, o abandono de comportamentos de risco, so exemplos da
diversidade dessas
manifestaes.
A diversidade e a complexidade dos comportamentos citados
auxiliam a
compreender a dificuldade em determinar de forma precisa o nvel
de adeso ou de no
adeso ao tratamento, na medida em que estes dependem do tipo de
doena, do regime
teraputico e da metodologia utilizada para avaliar a
correspondncia entre as
prescries e o seguimento ou no destas prescries (Bond &
Hussar, 1991).
Em estudo retrospectivo, Maia e Arajo (2004) fizeram uma anlise
de 150
pacientes com diabetes mellitus do Tipo 1 (DM1). As variveis
estudadas foram: idade,
sexo, tempo de convivncia com a doena, esquema insulnico
utilizado, perfil
psicolgico, glicemia capilar com passado de crise convulsiva,
hipoglicemia grave ou
cetoacidose diabtica. O perfil psicolgico do paciente foi
avaliado por psiclogo, sendo
investigados: a forma como o paciente estava lidando com o
diabetes, a presena de
sentimento de medo em relao s crises hipo-hiperglicmicas e suas
repercusses em
ambiente pblico como, por exemplo, a vergonha de revelar que
portador de DM1.
Maia e Arajo concluram que a presena de uma doena crnica
degenerativa gera
sentimentos diversos como angstia, temor e incerteza nos
diabticos e em seus
familiares. Os portadores de DM1 se sentiam frustrados ou
"esgotados" pelo
desconforto dirio do tratamento e da automonitorizao. Outra
varivel significativa
analisada por Maia e Arajo foi a idade em relao aceitao da
doena. Pois,
observou-se maior mdia de idade nos pacientes com menor aceitao
da doena. O
desconforto psicossocial gerado pela rotina de automonitorao da
glicemia em
pacientes com DM1 tem impacto negativo sobre a capacidade do
paciente de iniciar e
-
24
manter as recomendaes bsicas de autocuidado, levando algumas
vezes a omisses de
doses de insulina, com maior incidncia de complicaes agudas
graves. Maia e Arajo
concluram que, mesmo com os esforos empregados pelos
profissionais de sade, os
aspectos do comprometimento da qualidade de vida do paciente
podem dificultar
importantes evolues no atendimento assistencial. E advertiram
que, com menor
adeso ao tratamento, piora o controle glicmico e aumenta o nmero
de complicaes
em longo prazo.
Delgado e Lima (2001) comentam que Hipcrates j considerava que
pacientes
mentem freqentemente quando lhes perguntado se tomaram os
medicamentos. O
desejo de agradar ou de evitar a desaprovao leva a que pacientes
emitam respostas
para se mostrarem, a eles prprios e sobretudo aos outros, como
mais aderentes do que
realmente so. Alguns pacientes ainda, segundo Taylor (1986), na
verdade nem se
percebem como no aderentes, pelo que seria intil perguntar-lhes
se tomaram certo
medicamento ou fizeram determinada dieta. No parece tambm que,
de acordo com
Steele, Jackson, e Gutmann (1990), os mdicos sejam capazes de
identificar com
fidelidade quem so os pacientes aderentes e quem so os no
aderentes por alguma
caracterstica que estes tenham, ou por qualquer misteriosa
intuio a que alguns
chamam olho clnico.
Em Portugal, Ramalhinho (1994), ao avaliar a adeso medicao
anti-
hipertensiva em 95 adultos, chegou a resultados coincidentes com
a literatura.
Ramalhinho utilizou, na avaliao da adeso aos medicamentos
prescritos, o mtodo de
contagem de medicamentos em paralelo com uma medida psicomtrica.
Neste estudo se
encontrou, respectivamente, uma adeso de apenas 46,3 a 56,8% aos
medicamentos
anti-hipertensivos.
-
25
Delgado e Lima (2001) afirmam que, dentre os mtodos indiretos
e
comportamentais, a contagem de medicamentos tem merecido a
preferncia de muitos
investigadores. Ramalhinho (1994), que utilizou esta metodologia
para avaliar o nvel
de adeso teraputica anti-hipertensiva, comenta que esta
metodologia oferece
dificuldades e os resultados podem ser enviesados.
Se o doente se apercebe, ou avisado que est a ser controlado com
o objetivo
de medir a sua adeso aos tratamentos, pode tomar os medicamentos
com maior
assiduidade do que tomaria normalmente, ou at mesmo deit-los
fora, de modo
a procurar agradar ao seu mdico ou aos investigadores. Por outro
lado, o
mtodo da contagem dos medicamentos moroso, pois obriga pelo
menos a
duas visitas a casa do doente no pressuposto que o doente guarde
as embalagens
de todos os medicamentos que est a tomar. O que nem sempre
acontece. Alguns
doentes deixam algumas embalagens/comprimidos dos medicamentos
que esto
a tomar numa outra casa que freqentam com regularidade, ou no
local de
trabalho, ou ainda, esquecem-se que entre as contagens
adquiriram novas
embalagens (Ramalhinho, 1994, p. 84).
Delgado e Lima (2001) referem que, a fim de contornar algumas
destas
dificuldades e com o objetivo de criar um mtodo que oferecesse
boas qualidades
psicomtricas e permitisse ao mesmo tempo uma aplicao extensiva,
regular e que se
adaptasse a qualquer contexto clnico, Morisky e Green
desenvolveram, em 1986, uma
medida de quatro itens para avaliar a adeso aos tratamentos,
cujos itens os pacientes
respondiam de forma dicotmica (sim/no a quatro perguntas: 1)
voc, alguma vez,
esquece de tomar seu remdio? 2) voc, s vezes, descuidado quanto
ao horrio de
tomar seu remdio? 3) quando voc se sente bem, alguma vez, voc
deixa de tomar o
remdio? 4) quando voc se sente mal com o remdio, s vezes, deixa
de tom-lo?).
Segundo Delgado e Lima, a originalidade desta escala,
relativamente a outras formas de
auto-relato, residia, fundamentalmente, na construo das questes
pela negativa, em
que a resposta no significava adeso. Este fato permitia, segundo
os mesmos autores,
evitar os enviesamentos.
-
26
Delgado e Lima (2001) buscaram verificar se a adeso poderia ser
medida com a
utilizao de uma escala do tipo Likert, comparativamente escala
dicotmica utilizada
por Morisky e Green, que analisa as caractersticas psicomtricas
de duas medidas com
seis itens desenvolvidas para aceitar a adeso medicao
(comprimidos e inalador). O
objetivo melhorar a qualidade psicomtrica do instrumento de
medida da adeso ao
tratamento, quer em termos de sensibilidade e de especificidade,
quer de consistncia
interna. Delgado e Lima fizeram uma validao concorrente desta
escala tomando como
critrio a contagem de medicamentos. Estabeleceram que o mtodo de
contagem de
medicamentos , na verdade, um instrumento de avaliao mais prximo
da medida de
adeso do que o critrio controle da presso arterial utilizado em
outros estudos.
Nesse estudo, o critrio de adeso consistia em tomar entre 80% e
100% da dose
prescrita no mbito do tratamento. E como no adeso, a porcentagem
abaixo das
referidas.
Este critrio utilizado por Delgado e Lima (2001) para selecionar
os sujeitos que
esto aderindo e os que no esto aderindo no consensual. Segundo
Grgoire,
Guilbert, Archambault e Contandriopoulos (1997), no existe
unanimidade sobre qual
o ponto de ruptura acima e abaixo da qual o paciente deve ser
classificado como
aderente ou como no aderente. Grgoire et al. destacam que a
arbitrariedade na
definio do ponto de ruptura altera a classificao de muitos
pacientes como aderentes
ou como no aderentes, com importantes conseqncias em termos da
sensibilidade e da
especificidade de qualquer medida utilizada. O percentual dentro
do qual um paciente
considerado aderente situa-se entre os 75 e os 120% que tomam a
medicao prescrita.
Com isto observa-se que estudos acerca da adeso podem indicar um
ou mais fatores
facilitadores ou no para o tratamento e sucesso da terapia.
-
27
Strele, Mion Jr. e Pierin (2003) relacionaram o controle da
presso arterial com o
teste de Morisky e Green, o conhecimento sobre a doena, a
atitude frente tomada dos
remdios e o comparecimento s consultas e juzo subjetivo do
mdico. No referido
estudo, participaram 130 hipertensos: 73% mulheres, 60 11 anos,
58% casados, 70%
brancos, 45% aposentados, 45% com primeiro grau incompleto, 64%
com renda
familiar de um a trs salrios mnimos, ndice de massa corporal 30
7 Kg/m2, 11 9,5
anos de conhecimento da doena e 8 7 anos de tratamento. Os dados
do estudo de
Strele et al. evidenciaram que os pacientes hipertensos, que
responderam ao teste de
Morisky e Green, expressaram atitudes positivas em relao tomada
dos remdios,
porm sua associao com o controle ou no da presso arterial foi
pouco significativa,
exceto para a questo descuido do horrio da tomada das medicaes.
Observou-se
tambm que os hipertensos apresentaram conhecimento satisfatrio
em relao doena
e do tratamento e mais uma vez com fraca associao com o controle
ou no da presso
arterial. Dessa forma eles concluem que no teste de Morisky e
Green, o conhecimento
sobre doena e o tratamento no apresentaram abrangncia suficiente
para predizer o
controle da presso arterial. E tambm advertem dizendo que a
avaliao dos
hipertensos com o referido teste e com tratamento em curso foi
pontual, o que talvez
justifique os resultados encontrados.
Nos resultados do estudo de Strele et al. (2003), apenas cerca
de um tero dos
hipertensos estudados estava com a presso arterial controlada,
similar ao encontrado na
literatura. Segundo os autores, a influncia da aposentadoria e
mais tempo de tratamento
no controle da presso poderia ser justificada pela maior
disponibilidade de dedicao
ao tratamento daqueles pacientes. Strele et al. mostraram,
ainda, que a idade mais
elevada, baixa escolaridade, baixa renda, menos de cinco anos de
doena associam-se
ao abandono e controle inadequado da presso arterial. Na
associao entre
-
28
conhecimento sobre a doena e sobre o tratamento com o controle
da presso arterial,
tambm avaliados no estudo, o conhecimento satisfatrio expresso
pelos hipertensos,
no se relacionou com o controle da presso arterial. Esse dado
talvez indique que os
hipertensos que compuseram a amostra do estudo, apesar de
expressarem
conhecimentos dos aspectos importantes sobre a doena e
tratamento, no realizaram,
em seus hbitos de vida, mudanas suficientes para alcanar o
controle da presso
arterial. Os autores alertam que o conhecimento da enfermidade
racional, e o
comportamento de adeso um processo complexo, envolvendo fatores
emocionais e
barreiras concretas, de ordem prtica e logstica. Outro critrio
para mensurar o
comportamento de adeso ao tratamento, segundo os autores o
comparecimento s
consultas, mas que na presente investigao no se relacionou com o
controle ou no da
presso arterial.
Os dados de Strele et al. (2003) apontam para a necessidade de
uma abordagem
multidisciplinar, na qual a vivncia de cada paciente, seus
valores, crenas e prticas
culturais sejam reconhecidos e abordados. Eles destacam a
importncia de trabalhar o
contexto social e psicossocial do paciente, tornando o
tratamento um problema que deve
ser enfrentado por todos: o hipertenso, a famlia, a comunidade,
as instituies e a
equipe de sade.
Em estudo similar realizado por Pierin et al. (2001), tambm se
verificou que o
fato de as pessoas hipertensas estarem orientadas sobre a doena
e o tratamento no
implica em efetivo seguimento do tratamento proposto, uma vez
que a adeso ao
tratamento requer mudana de comportamentos e no apenas acesso a
informaes.
No estudo de Pierin et al. (2001), a populao estudada
compreendia 205
pacientes hipertensos atendidos em um ambulatrio de uma
universidade no Estado de
So Paulo. Os participantes apresentavam bom nvel de conhecimento
dos fatores
-
29
associados hipertenso. E, segundo os autores, estes descreviam
as orientaes
mdicas, como reduo de sal na alimentao, evitar estresse,
eliminar hbitos como o
fumo e a bebida alcolica. E ainda, o conhecimento por parte do
paciente acerca dos
aspectos de cronicidade e gravidade da doena no indicou
correspondente seguimento
das regras necessrias ao controle da presso arterial, o que
significaria adeso. Dentre a
populao estudada, o sexo predominante foi o feminino e a faixa
de idade de 41 a 60
anos; entretanto, os resultados mostraram os homens como menos
aderentes que as
mulheres, sugerindo que fatores de ordem social e cultural, que
consideram o sexo
masculino na posio de comando e dominao, isento de doena e
fraqueza, podem
influenciar significativamente o comportamento de no adeso.
Pierin et al. (2001) destacaram a necessidade de a populao
hipertensa conhecer
todos os aspectos inerentes doena e ao tratamento. Pois, o
esclarecimento sobre
fatores de risco associados, cronicidade da doena, ausncia de
sintomatologia
especfica e complicaes que comprometem rgos vitais quando no
controlados os
nveis da presso arterial, so aspectos importantes sobre os quais
as pessoas hipertensas
deveriam ser orientadas. E mesmo que os resultados mostrem que o
conhecimento da
doena e sua gravidade pelos pacientes no determine a adeso ao
tratamento, os
autores enfatizaram que os pacientes hipertensos precisam de um
processo educativo
para o seguimento adequado do tratamento.
Outro aspecto importante e que constitui um dos principais
problemas que o
sistema de sade enfrenta o abandono do tratamento pelo paciente
ou o incorreto
cumprimento das orientaes prescritas pelos profissionais de
sade. A no adeso aos
tratamentos constitui, provavelmente, a mais importante causa de
insucesso das
teraputicas, introduzindo disfunes no sistema de sade por meio
do aumento da
morbilidade e da mortalidade (Gallagher, Horwitz & Viscoli,
1993).
-
30
O estudo de Colombrini, Coleta, Baena e Lopes (2008) objetivou
verificar a
prevalncia de no-adeso terapia anti-retroviral altamente potente
(HAART) em
pacientes (N=60) com diagnstico de aids e estabelecer o valor
preditivo dos fatores
associados no-adeso HAART. Foram considerados os trs dias
anteriores
entrevista e os pacientes classificados como aderentes quando
ingeriam 95% ou mais do
total de comprimidos prescritos por dia. A adeso foi de 73,3%. A
anlise da amostra
indicou que indivduos da raa negra apresentaram 6,48 vezes mais
risco de no aderir
ao tratamento; os pacientes que apresentaram ausncia de efeito
colateral tiveram um
risco de 7,6 vezes maior, e a cada comprimido ingerido o risco
foi de 1,12. Os fatores
sociodemogrficos e culturais, de acordo com Colombrini et al.
podem interferir na
adeso HAART. Os resultados mostraram que: raa (negra), idade (40
a 49 anos),
escolaridade ( 6 anos), efeitos colaterais (presena) e nmero
total de comprimidos
prescritos estavam associados no-adeso ao tratamento. Os autores
tambm
investigaram associaes entre o fator raa e algumas
caractersticas socioeconmicas:
renda familiar, condies de habitao, ocupao ou tipo de trabalho e
escolaridade.
Concluram que apenas a associao entre raa negra e a escolaridade
foi significativa:
negros com diagnstico de aids e com menor escolaridade
apresentaram pior adeso.
Arajo e Traverso-Ypez (2007), em estudo com mulheres
diagnosticadas com
LES, objetivaram aprofundar os processos de significao e gerao
de sentidos
relacionados experincia do LES, entrevistando oito mulheres
portadoras da doena.
As autoras analisaram a experincia de cada participante e
enfatizaram a necessidade de
uma abordagem interdisciplinar que atenda as dimenses
biopsicossociais envolvidas no
processo de adoecimento. As autoras observaram que a doena
impediu cinco dentre as
oito participantes de continuarem suas atividades ocupacionais
regularmente. E
constataram que o LES no foi impedimento para a realizao de
atividades autnomas
-
31
(como as de artes, escritora e vendedora), por serem mais
flexveis do que as regras
estabelecidas pelos empregadores, que determina s pessoas
assalariadas uma jornada
em torno de seis a oito horas dirias. Concluram que uma carga
horria fixa e rgida
torna-se incompatvel com os sintomas apresentados quando a doena
est em perodo
de atividade. A maioria das participantes declarou ficar
impossibilitada de se
locomover, em estgios ativos do LES, o que exigiu a suspenso de
suas atividades
laborais.
A renda de pacientes com doenas crnicas pode dificultar sua
adeso ao
tratamento de acordo com Nunes e Oliveira (2008). As autoras
desenvolveram um
estudo com 162 hipertensos cadastrados na Unidade de Sade da
Famlia Cidade Verde
IV, na cidade de Joo Pessoa, onde a renda dos entrevistados foi
mencionada como
sendo entre um e trs salrios mnimos (80%), gerando dificuldades
na adeso no que se
refere s mudanas nos hbitos de vida, como aderir a uma alimentao
saudvel e
enfrentar situaes ansiognicas provocadas por problemas
financeiros e familiares,
bem como o acesso medicao.
O apoio familiar que vem em forma de incentivo do(da)
companheiro(a) no
momento de tomar a medicao e comparecer s consultas, permite que
alguns
pacientes sejam alertados sobre as complicaes que iro advir se
no fizerem uso da
medicao corretamente, e sobre as mudanas que precisam fazer como
preveno dos
agravamentos (Nunes & Oliveira, 2008).
O nvel de informao sobre a doena e o conhecimento que o paciente
possui
sobre o seu tratamento e prognstico so importantes para
favorecer a adeso ao
tratamento, embora no sejam suficientes, como j foi dito. Assim,
o conhecimento que
um indivduo possui sobre a relevncia de alguns aspectos de sua
vida indispensvel
para o enfrentamento da doena. Contudo, anlises funcionais,
provavelmente, podem
-
32
reduzir a ocorrncia de estados de ansiedade relacionados a
falsas expectativas. A
literatura mostra que frequentemente pacientes crnicos tm poucas
informaes ou
informaes equivocadas sobre sua doena, o que pode favorecer a
expectativa de
ficarem curados e descontentes com o fato de essa cura no se
realizar nunca (Ferreira
et al., 2007).
Uma reflexo sobre a convivncia com a doena crnica foi
apresentada por
Silveira e Ribeiro (2005), em estudo realizado com pacientes
assistidos em ambulatrio
de um hospital universitrio. De acordo com os autores, quando as
doenas so
denominadas crnicas, de longa durao, o desafio do tratamento
para o paciente est
em viver e conviver autonomamente com esta condio de
cronicidade. A doena
crnica tambm passvel de duas formas de dependncia: a dos remdios
e a do
mdico. Partindo dessa perspectiva, as autoras aconselham que o
tratamento do paciente
portador de doena crnica deve favorecer a adaptao a esta
condio,
instrumentalizando-o para que, por meio de seus prprios
recursos, desenvolva
mecanismos que permitam conhecer seu processo sade/doena de modo
a identificar,
evitar e prevenir complicaes, agravos e, sobretudo, a
mortalidade precoce.
A necessidade de o paciente adaptar-se s limitaes da doena e
nova rotina
de vida merecem um estudo mais cuidadoso no que se refere adeso
ao tratamento. O
comportamento de adeso corresponde ao grau de seguimento dos
pacientes
orientao mdica (Fletcher et al., 1989), e relaciona-se maneira
como o indivduo
vivencia e enfrenta o adoecimento. Fletcher et al. chamam a
ateno para os parmetros
usados quando se trata de adeso, no qual se focaliza o uso dos
medicamentos
prescritos, o seguimento das orientaes e restries indicadas, as
modificaes que a
pessoa necessita fazer no estilo de vida para recuperar sua
sade.
-
33
Para Botega (2001) e Fletcher et al. (1989), estudos sobre
adeso, de modo geral,
utilizam diferentes mtodos para medi-la: comportamentais
(contagem de plulas, por
exemplo), inqurito com os pacientes, tcnicas bioqumicas, reviso
de resultados
clnicos, entre outros. Eles compreendem que essa forma de
avaliar, com foco no
aspecto medicamentoso, evidencia uma preocupao com a adeso aos
medicamentos
em lugar da adeso ao tratamento, como se fossem fatores
dissociados. Esta concepo
do profissional de sade modulada por uma formao acadmica que
privilegia a
doena e no o doente com suas caractersticas, seu estilo e seu
contexto de vida.
desprezado o significado que a doena tem para o paciente, bem
como sua relevncia
para o tratamento. Entretanto, necessrio verificar neste
processo a relao do paciente
com o profissional de sade e com a instituio qual est vinculado
para tratar-se,
justificam essas autoras.
Desse modo, uma contribuio importante para o controle da doena
crnica a
relao do doente com os profissionais que o assistem (Britt,
Hudson & Blampied,
2004; Fernandes, 1993). necessrio, para a qualidade de vida do
paciente crnico,
buscar alternativas para realizao de um tratamento que melhor se
adapte realidade
de cada um. E de responsabilidade do profissional de sade
facilitar o estabelecimento
de um vnculo adequado que permita reconhecer possibilidades e
limitaes, visando
indicao de alternativas adequadas para adeso ao tratamento
(Guimares & Kerbauy,
1999).
Um aspecto importante na anlise da adeso ao tratamento a postura
de
profissionais que compem uma equipe de sade, estabelecendo
regras e orientaes
para o controle da doena sem considerar a histria pessoal do
paciente, que varia desde
a difcil condio financeira, at crenas religiosas e hbitos
alimentares. Desse modo,
-
34
os tratamentos padronizados podem favorecer a no adeso ou
dificult-la por no
considerarem as especificidades de cada caso (Malerbi,
2000).
O psiclogo da rea da sade est capacitado a prestar assistncia
especializada
ao paciente que precisa aprender e adaptar-se a um novo padro
comportamental, que
contribua com sua qualidade de vida. Como analista do
comportamento, o psiclogo
pode ter um papel importante para o auxlio no tratamento de
doenas crnicas: por
meio da anlise funcional do comportamento (Ferreira et al.,
2007).
No caso do LES, at o momento foram localizados poucos estudos
que
investigassem fatores relacionados adeso ao tratamento na rea da
psicologia. Dentre
os estudos localizados, a maioria da rea mdica, da enfermagem,
da farmcia e da
fisioterapia, descrevendo procedimentos teraputicos e seus
efeitos. Os estudos que
relacionam aspectos emocionais e LES foram conduzidos por mdicos
psiquiatras ou
por equipes multiprofissionais sem a incluso de psiclogos, na
sua maioria. Assim,
destaca-se a relevncia de estudos sobre adeso ao tratamento por
indivduos com LES,
enfatizando-se sua importncia cientfica e social uma vez que
esta doena crnica
compromete a qualidade de vida desses pacientes, como tem sido
apontado pela
literatura j mencionada.
Nessa perspectiva, estudos sobre aspectos que se relacionam com
a adeso ao
tratamento podem servir de base para a compreenso da evoluo dos
sintomas e para
testar futuros modelos de interveno que permitam melhor
qualidade de vida aos
pacientes com LES.
Desse modo, com base na reviso da literatura realizada,
verificou-se a
necessidade de realizar um estudo exploratrio com vistas a
identificar fatores
relacionados a comportamentos de adeso ao tratamento em mulheres
com diagnstico
de LES.
-
35
OBJETIVOS
1 Geral
Identificar variveis relacionadas adeso ao tratamento em
mulheres com
diagnstico de lpus eritematoso sistmico (LES) atendidas no
ambulatrio de
reumatologia do Hospital da Fundao Santa Casa de Misericrdia do
Par, no perodo
de maio de 2008 a abril de 2009.
2 Especficos
(a) Verificar a relao entre condio socioeconmica, medida de
acordo com os
critrios de classificao determinados pela Associao Brasileira de
Empresas
de Pesquisa - ABEP (2007), de mulheres com diagnstico de LES e
adeso ao
tratamento;
(b) Verificar a relao entre as manifestaes clnicas (sintomas e
agravamento da
doena) e adeso ao tratamento;
(c) Verificar a relao entre estados depressivos, de ansiedade e
desesperana e
adeso ao tratamento;
(d) Verificar a relao entre qualidade de vida e adeso ao
tratamento;
(e) Verificar a relao entre estratgias de enfrentamento da doena
e adeso ao
tratamento.
-
36
MTODO
1 Composio da Amostra
Tratou-se de um estudo prospectivo do tipo transversal onde
participaram 30
mulheres com diagnstico de LES inscritas h, no mnimo, seis meses
no Ambulatrio
de Reumatologia da Fundao Santa Casa de Misericrdia do Par
(FSCM-PA), com
idades entre 18 e 50 anos, perodo de fertilidade da mulher e
indicado na literatura como
o de maior incidncia do diagnstico. Alm destes critrios de
incluso, somente
participaram as pacientes que aceitaram e concordaram em assinar
o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido [TCLE] (Anexo 01). O nmero de
30 participantes
corresponde a 30% do total de pacientes com diagnstico de LES
inscritos no programa
de assistncia desse ambulatrio. A escolha por pacientes que
estivessem h pelo menos
seis meses, tempo mnimo de permanncia no ambulatrio de
reumatologia da FSCM-
PA, ocorreu em virtude dessas pacientes agendarem consultas de
retorno para controle
da doena de trs em trs meses.
Foram excludas da amostra, pacientes com idade inferior a 18
anos, as com
idade superior a 50 anos, as que compareceram ao ambulatrio com
sintomas de LES
que sugerissem a necessidade de imediata hospitalizao, as que
apresentassem
indicativos de transtornos psiquitricos e as que se recusassem a
assinar o TCLE, assim
como as que apresentassem faltas recorrentes nas consultas de
retorno.
Tambm participou do estudo um mdico reumatologista que atende
no
Ambulatrio de Reumatologia da FSCM-PA. O convite foi realizado
por meio de um
termo de concordncia (Anexo 02), no qual o mdico aceitou que a
pesquisadora ou a
-
37
assistente de pesquisa entrevistassem as pacientes antes e aps
as consultas, assim como
as acompanhassem durante as mesmas.
2 Ambiente
O estudo foi realizado no Ambulatrio de Reumatologia da FSCM-PA.
Este
ambulatrio composto de doze consultrios os quais so utilizados
pela equipe de
mdicos especialistas, por alunos de graduao em medicina e por
mdicos residentes
em Reumatologia. Funciona diariamente nos turnos da manh e da
tarde, sendo que os
atendimentos dirigidos a pacientes com diagnstico de LES
concentram-se nos dias de
sexta-feira.
3 Instrumentos
A coleta de informaes se deu por meio dos seguintes
instrumentos:
(a) Pronturio da Paciente: Documento no qual so registrados
todos os atendimentos e
procedimentos realizados pelos profissionais da FSCM-PA com a
paciente durante o
acompanhamento desta no Ambulatrio de Reumatologia. Foi
utilizado um roteiro para
o levantamento do comparecimento da paciente s consultas,
seguindo ordem
cronolgica, assim como para o registro do tempo do diagnstico,
do ingresso da
paciente no ambulatrio e do registro de sintomas
recorrentes.
-
38
(b) Roteiro de Entrevista em PrConsulta (Anexo 04): Roteiro
semi-estruturado
contendo dados de identificao das caractersticas demogrficas da
participante, de sua
situao socioeconmica (mediante roteiro proposto pela Associao
Brasileira de
Estudos Populacionais [ABEP], 2007), entendimento sobre o
diagnstico, descrio das
regras do tratamento, levantamento dos comportamentos de adeso
ao tratamento j
instalados e sentimentos em relao doena e ao tratamento.
(c) Escalas Beck: Conjunto de quatro inventrios utilizados como
medida de auto-
avaliao de depresso, ansiedade, desesperana e tentativa de
suicdio. No Brasil, foi
validada por Cunha (2001), e neste trabalho, foram utilizadas as
escalas de ansiedade
(BAI), desesperana (BHS) e depresso (BDI). O Inventrio Beck para
Ansiedade
(BAI) proposto para medir os sintomas comuns de ansiedade. Ele
consta de 21
sintomas listados, conte