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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE NÍVEL MESTRADO LAYLA DANIELLE ARAÚJO PINTO A RELAÇÃO ENTRE O PLANEJAMENTO URBANO E A ÉTICA AMBIENTAL: O ESTATUTO DA CIDADE E A POLÍTICA NACIONAL DE MOBILIDADE URBANA SOB A ÓTICA DO MEIO AMBIENTE SÃO CRISTÓVÃO 2019
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Mar 29, 2021

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0

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

NÍVEL MESTRADO

LAYLA DANIELLE ARAÚJO PINTO

A RELAÇÃO ENTRE O PLANEJAMENTO URBANO E A ÉTICA AMBIENTAL:

O ESTATUTO DA CIDADE E A POLÍTICA NACIONAL DE MOBILIDADE URBANA

SOB A ÓTICA DO MEIO AMBIENTE

SÃO CRISTÓVÃO

2019

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LAYLA DANIELLE ARAÚJO PINTO

A RELAÇÃO ENTRE O PLANEJAMENTO URBANO E A ÉTICA AMBIENTAL:

O ESTATUTO DA CIDADE E A POLÍTICA NACIONAL DE MOBILIDADE URBANA

SOB A ÓTICA DO MEIO AMBIENTE

Dissertação apresentada como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre

pelo Programa de Pós-Graduação em

Desenvolvimento e Meio Ambiente

(PRODEMA) da Universidade Federal de

Sergipe.

LINHA DE PESQUISA: Planejamento e

Gestão Ambiental

ORIENTADOR: Prof. Dr. Antônio Carlos

dos Santos

SÃO CRISTÓVÃO

2019

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2

LAYLA DANIELLE ARAÚJO PINTO

A RELAÇÃO ENTRE O PLANEJAMENTO URBANO E A ÉTICA AMBIENTAL:

O ESTATUTO DA CIDADE E A POLÍTICA NACIONAL DE MOBILIDADE URBANA

SOB A ÓTICA DO MEIO AMBIENTE

Dissertação apresentada como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre

pelo Programa de Pós-Graduação em

Desenvolvimento e Meio Ambiente

(PRODEMA) da Universidade Federal de

Sergipe.

Aprovado em _____ de ______________ de _______.

_______________________________________________________________________

Prof. Dr. Antônio Carlos dos Santos – Universidade Federal de Sergipe

Presidente - Orientador

_______________________________________________________________________

Profa. Dra. Silvia Maria Santos Matos - Universidade Federal de Sergipe

Examinadora Interna

_______________________________________________________________________ Prof. Dr. Givaldo Barbosa da Silva – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia/SE

Examinador Externo

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3

É concedido ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente

(PRODEMA) da Universidade Federal de Sergipe (UFS) responsável pelo Mestrado em

Desenvolvimento e Meio Ambiente permissão para disponibilizar, reproduzir cópia desta

Dissertação e emprestar ou vender tais cópias.

_______________________________________________________________________

Layla Danielle Araújo Pinto

Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente - PRODEMA

Universidade Federal de Sergipe - UFS

_______________________________________________________________________

Prof. Dr. Antônio Carlos dos Santos

Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente - PRODEMA

Universidade Federal de Sergipe - UFS

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4

Este exemplar corresponde à versão final da Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento e

Meio Ambiente concluído no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio

Ambiente (PRODEMA) da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

_______________________________________________________________________

Prof. Dr. Antônio Carlos dos Santos

Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente - PRODEMA

Universidade Federal de Sergipe - UFS

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AGRADECIMENTOS

Encerro mais um ciclo de aprendizados agradecendo a todos que torceram e me

apoiaram a trilhar esse caminho.

Aos meus pais e irmãos, agradeço por todo amor incondicional e compreensão ao longo

da vida, que tornaram tudo possível. Às minhas avós e toda família, pelo apoio e afeto a mim

transferidos, apesar da distância nos últimos anos.

Aos amigos, pelo incentivo e acolhimento nas fases difíceis, por compartilharem comigo

suas alegrias e me permitirem compartilhar as minhas. Em especial, à Janaína pela companhia

em todos os momentos.

Ao Prof. Dr. Antônio Carlos dos Santos, por me orientar e conduzir no percurso desse

trabalho, pelo exemplo de sua trajetória e por toda contribuição à minha formação não só

acadêmica, como pessoal.

A todos os professores e funcionários do PRODEMA/UFS, em nome da Prof.ª Maria

José, pelos ensinamentos transmitidos, assim como pela colaboração e suporte necessários. Aos

colegas da turma 2017, pelo convívio e debates que tanto enriqueceram nossas aulas.

Especialmente, à Daiany, Rayane e Elaine pelo apoio e torcida nesse árduo caminho.

Aos Prof. Dr. Givaldo Silva e Prof.ª Dr.ª Silvia Matos, pela participação e colaborações

nas minhas bancas de qualificação e defesa. E à Prof. ª Silvia que, para além das bancas,

acompanhou meu trabalho desde o começo e me concedeu valiosas contribuições, dentro e fora

das salas de aula.

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6

There can't be sustainable world

without sustainable cities.

Herbert Girardet

Não pode haver mundo sustentável

sem cidades sustentáveis.

(Tradução)

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RESUMO

No Brasil, a crise socioambiental pode ser constatada, dentre outros motivos, como resultado

material do crescimento urbano desordenado na maioria das cidades. Impulsionada pelo

crescimento econômico proporcionado pelos avanços científicos, a expansão urbana contribuiu,

com o decorrer do tempo, para a intensificação da degradação ambiental que se vive na

atualidade. Desde a tomada de consciência a respeito das consequências de tal degradação, por

volta dos anos 60, conceitos acerca de modelos para um desenvolvimento sustentável vem

sendo debatidos, embasados por uma ética ambiental, na busca de solucionar tais impactos e

possibilitar o equilíbrio entre seres humanos e ecossistemas naturais, diante da responsabilidade

para com a natureza e as futuras gerações. A relação entre planejamento urbano e ética

ambiental, apesar de relevante para esse desenvolvimento sustentável, foi negligenciada

durante os processos decisórios na formação do espaço urbano e há pouco tempo este debate

está se imperando como necessário. Assim, o objetivo desta pesquisa bibliográfica e

documental é analisar a relação entre o planejamento urbano e a ética ambiental como fator

decisivo para as decisões de políticas urbanas, através das análises de duas legislações urbanas

brasileiras vigentes – o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) e a Política Nacional de

Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012), questionando as perspectivas da ética ambiental no

desenvolvimento sustentável e verificando os fundamentos éticos do planejamento urbano. A

partir de tal análise, busca se compreender como se deu a inserção das questões ambientais no

planejamento urbano, no âmbito das discussões levantadas sobre o impacto humano no meio

ambiente e do desenvolvimento sustentável, como caminho possível para solucionar tal crise.

Com isso, espera-se subsidiar o debate sobre os processos de formação do espaço urbano e

motivar o progresso de políticas urbanas e processos decisórios que contemplem a uma relação

mais saudável entre o homem e a natureza.

PALAVRAS-CHAVE: Espaço Urbano, Ética Ambiental, Meio Ambiente, Planejamento

Urbano

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ABSTRACT

In Brazil, the socioenvironmental crisis can be observed as a result of disorderly urban growth

in most cities. Driven by economic growth provided by the scientific advances, the urban

expansion has contributed to the intensification of the environmental degradation which exists

today. Since the awareness of the consequences of this degradation, around the 60's, concepts

about models for sustainable development have been debated, reinforced by environmental

ethics, in the pursuit to solve such impacts and to enable a balance between human beings and

natural ecosystems, facing the responsibility towards nature and future generations. The

relationship between urban planning and environmental ethics, despite being relevant to

sustainable development, was neglected during decision making processes in the formation of

urban space, and this debate has recently been deemed as necessary. Thus, the objective of this

bibliographical and documentar research is to analyze the relationship between urban planning

and environmental ethics as a decisive factor for public policy decisions in urban policies,

through the analysis of two current Brazilian urban legislations, Estatuto da Cidade (Lei

10.257/2001) and Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012), questioning the

perspectives of environmental ethics in sustainable development and verifying the ethical

foundations of urban planning. From this analysis, it seeks to understand how the insertion of

environmental issues occurred in urban planning, in scope of the discussions about the human

impact on the environment and sustainable development, as a possible way to solve this

crisis.This research aims, ultimately, to subsidize the debate on the processes of production of

the urban space and motivate the progress of urban policies and decision making processes that

contemplate a healthier relationship between humans and nature.

KEYWORDS: Urban Space, Environmental Ethics, Environmental, Urban Planning

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 01 - Definição de categorias/subcategorias para a análise de conteúdo 84

QUADRO 02 - Tabela de Frequência e Ocorrência (Lei 10.257/2001) 91

QUADRO 03 - Tabela de Frequência e Ocorrência (Lei 12.587/2012) 106

QUADRO 04 - Comparativo entre leis analisadas 111

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Setorização no Urbanismo Moderno: Plan Voisin (Le Courbusier, 1925) 50

Figura 2 - Pavimentos permeáveis 52

Figura 3 - Telhados verdes 53

Figura 4 - Modelo da Cidade-Jardim 54

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CDRU Concessão do Direito Real de Uso

ConCidades Conselho das Cidades

CONATRAN Conselho Nacional de Trânsito

CPDS Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável

CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente

DENATRAN Departamento Nacional de Trânsito

EIA Estudo de Impacto Ambiental

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano

ODS Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

ONU Organização das Nações Unidas

PIB Produto Interno Bruto

PNMU Política Nacional de Mobilidade Urbana

PRODEMA Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento

SEMOB Secretaria Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana

SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente

SNAPU Secretaria Nacional de Acessibilidade e Programas Urbanos

SNH Secretaria Nacional de Habitação

SNSA Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental

SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza

UFS Universidade Federal de Sergipe

ZEIS Zonas Especiais de Interesse Social

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12

2 ÉTICA AMBIENTAL E A REFLEXÃO FILOSÓFICA NA CONCEPÇÃO DO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ............................................................ 21

2.1 O progresso técnico-científico e a intensificação da crise ambiental ........................... 22

2.2 Os percursos da ética ambiental ...................................................................................... 28

2.3 Os discursos do desenvolvimento sustentável ................................................................ 38

3 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO E A QUESTÃO AMBIENTAL .................... 44

3.1 As cidades modernas e a problemática socioambiental urbana ................................... 45

3.2 O ideal de desenvolvimento urbano sustentável – Cidades Sustentáveis .................... 56

3.2.1 Agendas Habitat – I, II e III ................................................................................................. 62

3.2.2 A Agenda 21......................................................................................................................... 69

3.2.3 Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável ................................................................... 72

3.3 A inserção do discurso socioambiental nas políticas urbanas brasileiras ................... 75

3.3.1 Agenda 21 Brasileira ............................................................................................................ 80

4 O ESTATUTO DA CIDADE E A POLÍTICA NACIONAL DE MOBILIDADE

URBANA SOB A ÓTICA DO MEIO AMBIENTE .............................................. 83

4.1 O Estatuto da Cidade ....................................................................................................... 85

4.1.1 A abordagem ambiental no Estatuto da Cidade ................................................................... 90

4.2 A Política Nacional de Mobilidade Urbana .................................................................. 100

4.2.1 A Política Nacional de Mobilidade Urbana diante das questões ambientais ..................... 105

4.3 Meio ambiente e ética ambiental: as disparidades Estatuto da Cidade x Política

Nacional de Mobilidade Urbana ........................................................................... 111

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 114

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 122

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INTRODUÇÃO

A crise ambiental e ética, vividas na atualidade, e a nível mundial, alcançou um ponto

cuja não pode mais ser contestada. Todo o percurso da humanidade, seus crescimentos e

avanços, não levaram em consideração, muitas vezes, a devida preocupação com o meio

ambiente e finitude dos recursos naturais. A falta de cuidado com os processos naturais

conduziu a esse severo quadro de crise ecológica no qual as presentes gerações se encontram,

e que tende a se agravar ainda mais futuramente (talvez num futuro não tão distante assim...),

se o modo de vida humano não for repensado sob a ótica do meio ambiente.

As populações humanas cresceram de forma exponencial nas últimas décadas, ocupando

e transformando cada vez mais os espaços naturais, fosse através do aumento dos assentamentos

humanos ou pela necessidade cada vez maior de utilização de recursos naturais para se manter.

No decorrer dessas décadas, o modo de vida humana passou a se alterar de forma também

significativa, pautado, sobretudo, na criação de novas tecnologias, que passaram a gerar

impactos à forma de vida de tais populações, acarretando em consequências ao meio ambiente

dos quais estas faziam parte.

O crescimento econômico, possibilitado pela apropriação do avanço e acúmulo do

conhecimento cientifico desde o século XVI, foi um dos grandes responsáveis pela situação de

crise atual. Se por um lado a ciência trouxe inquestionáveis benefícios à vida humana, por outro

ela deu o poder do homem de intervir de forma intensa na natureza, através do domínio de

diversas técnicas, sem preocupar-se com as consequências dessas intervenções, ou mesmo sem

saber solucionar os problemas que tais intervenções seriam capazes de gerar. Assim, esse

conhecimento foi utilizado, entre outras coisas, para impulsionar a progressão econômica e

elevar os níveis de consumo de bens e serviços que, multiplicados pelo crescimento

populacional, ocasionou esse grande quadro de degradação e crise ambiental mundiais. Como

afirma Leff (2015):

Portanto, a degradação ambiental se manifesta como sintoma de uma crise de

civilização, marcada pelo modelo de modernidade regido pelo predomínio do

desenvolvimento da razão tecnológica sobre a organização da natureza. A

questão ambiental problematiza as próprias bases da produção; aponta para a

desconstrução do paradigma econômico da modernidade e para a construção

de futuros possíveis, fundados nos limites das leis da natureza, nos potenciais

ecológicos na produção de sentidos sociais e na criatividade humana. (LEFF,

2015, p. 15)

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É certo que as atividades antrópicas sempre causaram impactos ao meio natural, de

maneiras e intensidades diferentes, mas nas últimas décadas o desenvolvimento industrial

decorrente das novas tecnologias inventadas pelo homem passou a alterar de forma profunda

os ecossistemas que dão suporte à vida na terra. São inúmeras pesquisas que apontam que os

danos ao meio ambiente têm relação direta com as lógicas de produção humana, pautada na

ideia de consumo proporcionada pelo capitalismo global (DUPAS, 2006).

A tomada de consciência a respeito das proporções dessa degradação começou a surgir

nos anos 60, e foi intensificada desde estão, através de diversos movimentos ambientais e

debates ao redor do globo. Tais discussões suscitaram reflexões que construíram, e ainda

constroem, os ideais de desenvolvimento sustentável, que levem em consideração o respeito à

natureza e às futuras gerações, pautados por uma ética ambiental, reiterada por Larrère &

Larrère (1997, p.10): “Quer apelem à nossa responsabilidade perante as gerações futuras ou em

face da natureza, todos estão de acordo quanto à dimensão moral desta tomada de consciência”.

Assim, aliado a esses ideais, fortalece-se a concepção de uma nova ética, voltada para o meio

ambiente, que questiona os limites das ações antrópicas, e a responsabilidade sobre tais ações;

assim como reconhece o valor da natureza, afirmando que esse deve ser intrínseco e, portanto,

os recursos naturais e demais seres vivos também precisam ter seus direitos salvaguardados.

Tais ideais de desenvolvimento sustentável passaram a integrar, de forma direta e

indireta, as políticas públicas ao redor do mundo, dentre as quais as políticas urbanas, visto que

as cidades e o modo de vida urbano causam impactos diretos e indiretos ao meio ambiente. As

atividades antrópicas precisam levar em consideração os limites da natureza e dos recursos

naturais, e o respeito para com estes, numa tentativa de reduzir os impactos já causados e evitar

que os alarmantes níveis de degradação ambiental continuem a crescer, trazendo consequências

cada vez mais catastróficas.

A produção do espaço se modificou e intensificou nas últimas décadas, com o

crescimento da população, e aumento significativo da proporção desta morando em

cidades. Diversas problemáticas socioambientais enfrentados na atualidade são consequência

da expansão desordenada da maioria das cidades, resultantes de planejamento insuficiente e

inadequado, ou mesmo inexistente. Dentre tais impactos, ligados direta e/ou indiretamente dos

processos de ocupação urbana, destacam-se a degradação e esgotamento de recursos

naturais, supressão de espaços vegetados para a realização das diversas atividades humanas e

poluição ambiental decorrente da falta de controle dos processos inerentes à vida urbana, que

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têm contribuído de forma significativa para a crise ecológica que se vive na atualidade, como

reitera Leff (2015):

Os processos urbanos se alimentam da superexploração dos recursos naturais,

da desestruturação do entorno ecológico, do dessecamento dos lençóis

freáticos, da sucção dos recursos hídricos, da saturação do ar e da acumulação

de lixo. A urbanização que acompanhou a acumulação de capital e a

globalização da economia converte-se na expressão mais clara do contrassenso

da ideologia do progresso. (LEFF, 2015, p. 287)

É nas cidades que as sociedades se organizam e realizam as mais diversas atividades.

Local de trocas e experiências, essa criação exclusivamente humana tem se modificado de

forma intensa ao longo do tempo, refletindo na qualidade de vida das populações e na relação

destas com os ambientes naturais. O planejamento urbano é, dessa forma, primordial para o

desenvolvimento das cidades e promoção da sua qualidade socioambiental. Além de delimitar

a expansão da malha urbana e ordenar a adoção de recursos que visem a requalificação do

espaço, ele tem capacidade de controlar aspectos negativos do crescimento das cidades, como

a ocupação de áreas ambientalmente frágeis e a pressão das atividades urbanas sobre os recursos

naturais, entre outros.

A relação do planejamento urbano com a ética ambiental estabelece-se por essa ser um

ramo da ética aplicada que vai preocupar-se diretamente com a relação homem-natureza,

questionando os limites da ação antrópica sobre o meio ambiente e a responsabilidade dos

homens para com os recursos naturais e demais seres vivos, portanto, deve estar presente em

todos os processos decisórios que envolvam essa relação, dentre os quais os processos que irão

ordenar o espaço. Pois como afirma Leff (2015), “A crise ambiental e a emergência do

ecologismo incorporaram novas considerações ao estudo do desenvolvimento urbano. Da

urbanização como símbolo de civilidade e progresso passou-se ao questionamento da

sustentabilidade das cidades” (LEFF, 2015, p. 293).

Assim, sendo o planejamento urbano o instrumento responsável pelo regulamento do

espaço construído, entende-se que é de fundamental importância que esse incorpore as reflexões

levantadas pelos debates acerca do desenvolvimento sustentável, pautados pela ética ambiental.

Tais reflexões devem estar presentes em todos os processos que irão ordenar o espaço, sendo

essenciais para a tomada de decisões das políticas públicas urbanas, e motivando o progresso

de tais políticas que contemplem uma relação mais saudável entre o homem e a natureza.

No Brasil, a urbanização aconteceu de forma tardia e, em grande parte, de maneira

desregulada, gerando problemas tanto de ordem ambiental quanto de ordem social,

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contribuindo para esse quadro de crise ambiental como um todo. A maioria das cidades

brasileiras enfrentam questões sérias e de difícil resolução, reflexo da falta de controle das

atividades urbanas, que degradam os espaços naturais, ao mesmo tempo que agravam a baixa

qualidade de vida de grande parte de sua população, sobretudo nos locais menos favorecidos

economicamente.

Diante desse contexto, a presente pesquisa tem como objetivo compreender como se

estabeleceu a relação do planejamento das cidades, bem como os modos de vida urbana, com a

ética ambiental, sobretudo no contexto brasileiro. A fim de perceber em quais os pontos ambos

se distanciam ou se aproximam, e de que forma ela pode contribuir para a qualidade

socioambiental dos espaços urbanos e amenizar os impactos ambientais decorrentes das ações

antrópicas ocasionadas através da ocupação do espaço. Assim, espera-se responder ao seguinte

problema de pesquisa: Diante do cenário de crise ambiental, estudado e debatido desde a década

de 1960, as políticas que norteiam o planejamento urbano têm levado em consideração reflexões

como as levantadas pela ética ambiental, a fim de contribuir para o desenvolvimento

sustentável?

O objetivo geral da pesquisa é analisar a relação existente entre o planejamento urbano

e a ética ambiental, considerando tal relação como condição essencial para a tomada de decisões

das políticas urbanas. Os objetivos específicos são: a) questionar as perspectivas da ética

ambiental no contexto do desenvolvimento sustentável; b) verificar os fundamentos do

planejamento urbano sob a perspectiva das questões ambientais; c) examinar a relação entre

planejamento urbano e ética ambiental na legislação urbana brasileira. Para tal análise, assume-

se que é necessário explorar os conceitos/teorias de ambos os temas, a forma como se

relacionam e a sua aplicabilidade, através da verificação das legislações e normas vigentes que

norteiam os instrumentos responsáveis pelo planejamento e políticas urbanas brasileiras.

Quanto à metodologia, cabe-se ressaltar, primeiramente, que a pesquisa é um trabalho

de fundamentação teórica, do tipo bibliográfica e documental. Por esta razão, a metodologia

utilizada é a análise de conceito, de fundo estruturalista. Segundo Lakatos & Marconi (2003),

o método estruturalista parte da investigação de um fenômeno em que devem ser analisadas as

relações entre os elementos de um determinado tema, e não apenas a análise dos elementos em

si, para que se possa alcançar o entendimento geral posteriormente.

Referente aos procedimentos metodológicos, na primeira parte da pesquisa (de natureza

bibliográfica), os principais métodos a serem seguidos serão a leitura e análise de textos sobre

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os temas a serem abordados, principalmente os referentes à ética ambiental e planejamento

urbano. Os conceitos e dados pertinentes à pesquisa deverão ser obtidos de trabalhos (livros,

artigos e documentos) já escritos e publicados. Junto às leituras, deve-se fazer análises,

interpretações e correlações do material estudado, a fim de produzir um trabalho teórico que

contenha uma síntese dos conceitos e pensamentos dos autores estudados. Os métodos a serem

utilizados para cada um dos objetivos serão conforme descritos abaixo.

De acordo com Lakatos & Marconi (2003), a pesquisa bibliográfica deverá compreender

oito fases distintas: a) escolha e delimitação do tema; b) elaboração do plano de trabalho

(contendo introdução, desenvolvimento e conclusão); c) identificação – levantar a bibliografia

a ser utilizada, pertinente ao tema; d) localização – localizar a bibliografia em bibliotecas,

universidades, etc; e) compilação – reunião sistemática do material bibliográfico; f) fichamento

– transcrever os dados obtidos na bibliografia; g) análise e interpretação – analisar criticamente

o material levantado, decompor e classificar os elementos e conceitos estudados, comprovar ou

refutar as hipóteses; h) redação – redigir a pesquisa bibliográfica em forma de dissertação. Em

relação às técnicas, os dados devem ser levantados através de variadas fontes (diversos autores),

que serão úteis tanto para formar um conhecimento geral sobre os temas abordados quanto para

sugerir hipóteses e mesmo orientar sobre outras fontes de coleta. A pesquisa bibliográfica utiliza

a documentação indireta (que não é produzida pelo próprio pesquisador). A pesquisa

documental irá recorrer a fontes diversas, realizada a partir de documentos de primeira mão –

como leis e documentos oficiais – para coleta de informações.

Na segunda parte da pesquisa, a metodologia a ser utilizada para a análise documental

será a Análise de Conteúdo, estudada e desenvolvida por Laurence Bardin (1977), onde a autora

estabelece métodos e técnicas para as pesquisas no campo das ciências sociais e comunicações,

num livro de mesmo nome. Dentre esses, para a análise de documentos, ela traça como sendo

de fundamental importância da análise quantitativa e qualitativa de determinadas palavras ou

temas dentro de um texto, para que se possa avaliar a mensagem que esse texto passa, e

compreender além de seus significados imediatos. Dentre algumas das técnicas para as diversas

formas de comunicação, para a análise de documentos a autora elenca: a) pré-análise: fase de

organização, de sistematização das ideias iniciais, escolha dos documentos, formulação das

hipóteses; b) exploração do material escolhido – leituras, para conhecimento e entendimento

geral do assunto; c) tratamento dos resultados e interpretação. Para tal tratamento, a autora

sugere então, a abordagem quantitativa – operações estatísticas simples, como contagem de

palavras/temas, através da elaboração de quadros e tabelas que condensem esses resultados; e

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abordagem quantitativa – a interpretação desses resultados obtidos, analisar como essas

palavras/temas aparecem no texto, como eles se relacionam com os demais e seus valores

implícitos.

Assim, para ‘examinar a relação entre planejamento urbano e ética ambiental na tomada

de decisão das políticas públicas voltadas para o urbanismo’ será feita uma análise das

legislações urbanas vigentes de acordo com as reflexões levantadas pela ética ambiental, através

da metodologia para análise de conteúdo de Bardin (1977), acima explanada. A legislação

brasileira dispõe de diversos instrumentos que se relacionam direta e indiretamente com o

ordenamento das cidades e as diferentes atividades atreladas à vida urbana, como o Estatuto da

Cidade (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001), a Política Federal de Saneamento Básico (Lei

nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007), a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305,

de 02 de agosto de 2010), a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587, de 03 de

janeiro de 2012), o Código Florestal (Lei nº 12.651, de 12 de maio de 2012), o Estatuto da

Metrópole (Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015), entre outros.

No entanto, dentre essas, são o Estatuto da Cidade e a Política Nacional de Mobilidade

Urbana as leis que estão mais diretamente ligadas com o planejamento da malha urbana da

cidade, do controle da sua ocupação no território, de traçar as projeções de seus crescimentos,

enfim, delinear e regulamentar o desenho do tecido urbano, existente e futuro. Assim, para esta

pesquisa, estabeleceu-se a análise de tais documentos, o Estatuto da Cidade visto seu destaque

no âmbito do planejamento urbano e controle da função social das cidades; seguida da Política

Nacional de Mobilidade Urbana, entendendo-se que as questões e problemáticas relacionadas

à mobilidade tem importância fundamental no ordenamento urbano e sua relação com o meio

ambiente:

- Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001): Estabelece normas

de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em

prol do bem coletivo, da segurança, do bem-estar e do equilíbrio ambiental;

- Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587, de 03 de janeiro de

2012): Objetiva a integração entre diferentes modos de transporte, melhoria da

acessibilidade e mobilidade das pessoas, fundamentando-se, entre outros, no

princípio do desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões

socioeconômicas e ambientais.

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Entende-se que é necessário subsidiar esse debate relacionado à forma que as cidades

têm sido produzidas e reproduzidas, e analisar como a inserção da ética ambiental pode

contribuir com tal debate junto ao planejamento urbano, ao trazer reflexões sobre a relação entre

homem e meio ambiente e favorecer um desenvolvimento urbano mais sustentável. A

importância científica da pesquisa consiste na contribuição para os estudos sobre assunto, diante

da lacuna bibliográfica1, ao unir temas que são amplamente trabalhados – planejamento urbano

e ética ambiental, mas de forma separada, tais como:

- Planejamento urbano e preservação ambiental (MOTA; SUETONIO, 1981);

- Os direitos da natureza numa sociedade relacional: reflexões sobre uma nova ética

ambiental (BARBOSA; DRUMOND, 1994);

- Qualidade ambiental urbana: em busca de uma nova ética (VARGAS, 1999);

- Discursos da sustentabilidade urbana (ACSELRAD, 1999);

- Ética Ambiental (CAEIRO, 2000);

- Ética ambiental e funções do direito ambiental (SANTOS, 2000);

- Qualidade ambiental e planejamento urbano (NUCCI, 2001);

- Dilemas da ética ambiental: estudo de um caso (BECKERT, 2003);

- Planejamento urbano sob perspectiva sistêmica: considerações sobre a função social da

propriedade e a preocupação ambiental (BARCELLOS; BARCELLOS, 2004);

- Planejamento ambiental para a cidade sustentável (FRANCO, 2008); entre outros.

Observa-se, portanto, que dentre alguns exemplares da bibliografia existente sobre os

temas gerais a serem aqui trabalhados (planejamento urbano, ética ambiental, desenvolvimento

sustentável), encontra-se publicações que relacionam o planejamento urbano com a questão

ambiental. No entanto, a maioria dos trabalhos já publicados não representam a relação direta

do planejamento urbano com a ética ambiental, e sua aplicação através da política urbana,

principalmente no tocante às políticas brasileiras, ou mesmo que abordem o objeto através da

mesma perspectiva, como é proposto pela presente pesquisa.

Assim, para atingir os objetivos, a pesquisa será dividida em cinco capítulos:

1 Ao pesquisar trabalhos sobre planejamento urbano e ética ambiental, em plataformas de publicações acadêmicas,

como o Portal de Periódicos da CAPES/MEC (disponível através do endereço eletrônico

http://www.periodicos.capes.gov.br/) encontra-se inúmeras publicações em forma de artigo e livros que tratam de

ambos os temas separadamente, nas áreas do urbanismo e da filosofia. Há uma lacuna de trabalhos acadêmicos

que correlacionem os temas.

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O primeiro capítulo refere-se à introdução do trabalho, apresentando e delimitando o

tema, situando-o na problemática atual, juntamente com a questão norteadora da pesquisa.

Serão pontuados os objetivos geral e específicos, e metodologia a ser utilizada.

O segundo capítulo será intitulado “Ética Ambiental e a reflexão filosófica na concepção

do desenvolvimento sustentável”, perpassando da crise ambiental intensificada pelo acúmulo

do conhecimento científico (assunto abordado por autores como Gilberto Dupas, Catherine e

Raphael Larrère), e como se conduziram os debates acerca do desenvolvimento sustentável e

concepção da ética ambiental, através de movimentos e debates que vem ocorrendo desde 1960.

Serão feitos estudos e análise teórica/conceitual sobre tais temas através dos autores Catherine

e Raphael Larràre, Enrique Leff, Jose Eli da Veiga e Ignacy Sachs.

Tal conceituação servirá de base para se ‘verificar os fundamentos do planejamento

urbano sob a perspectiva das questões ambientais’, aliado ao estudo e análise teórica e

conceitual sobre o planejamento urbano, por meio dos autores Henri Acselrad, Milton Santos,

Jan Gehl, Douglas Farr, Ermínia Maricato, Herbert Girardet, Francisco Mendonça –

formulando o terceiro capítulo, que será intitulado “A produção do espaço urbano e a questão

ambiental”. Nesse capítulo será abordada a problemática atual na qual estão inseridas as

cidades, e da qual são também responsáveis; bem como a incorporação das questões ambientais

no planejamento urbano, fruto dos debates levantados acerca do desenvolvimento sustentável,

que constroem os modelos de cidade sustentável.

Os estudos feitos, em ambos segundo e terceiro capítulos, serão o aporte teórico que irá

proporcionar a análise documental a ser trabalhada no quarto capítulo, que será intitulado “O

Estatuto da Cidade e a Política Nacional de Mobilidade Urbana sob a ótica do meio ambiente”,

onde pretende-se analisar a inserção do discurso ambiental nas políticas urbanas brasileiras.

Nesse capítulo serão apresentadas duas das políticas referentes ao planejamento urbano

brasileiro, o Estatuto da Cidade (2001) e a Política Nacional de Mobilidade Urbana (2012), bem

como análise da sua ligação com o discurso ambiental, de forma a avaliar como a preocupação

com a natureza, e responsabilidade para com os recursos naturais e degradação ambiental foi

inserida (ou não) em tais políticas.

Por fim, no quinto capítulo, serão discutidas as considerações finais da pesquisa, a fim

de responder à questão norteadora. Pretende-se, para tal, correlacionar a análise da política

urbana brasileira, no tocante às questões éticas e ambientais, com as diretrizes que convenções

e políticas internacionais apontam como o caminho mais adequado para o alcance da

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sustentabilidade, no âmbito das questões urbanas. Ou seja, estabelecer um paralelo entre o

percurso que o planejamento urbano do Brasil está seguindo diante das discussões acerca da

ética ambiental e do desenvolvimento sustentável.

Pretende-se, então, com a elaboração dessa pesquisa, subsidiar o debate sobre os

processos de formação do espaço urbano e suas implicações no meio ambiente e, assim,

compreender de que maneira a ética ambiental tem sido, ou não, incorporada nas discussões e

decisões acerca do planejamento urbano, reafirmando a importância da sua inserção nesse

debate. Dessa forma, e que, junto a isso, possa motivar o progresso de políticas públicas urbanas

e processos decisórios que contemplem a uma relação mais saudável entre o homem, sociedade

e a natureza.

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2 ÉTICA AMBIENTAL E A REFLEXÃO FILOSÓFICA NA CONCEPÇÃO DO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A crise ambiental que se vive na atualidade decorreu, dentre outras coisas, da

intervenção do homem sobre a natureza de maneira exploratória. Essa intervenção foi

possibilitada, principalmente, pelo avanço do conhecimento técnico-científico e

aproveitamento econômico que esse conhecimento proporcionou sobre os fenômenos e

recursos naturais e que, durante a maior parte de seu percurso, não levou em consideração os

limites dos ecossistemas e respeito aos demais seres vivos. Aliado a isso, destaca-se também o

crescimento da população e consequente aumento da utilização desses recursos para suprir as

necessidades dessa nova demanda populacional, e diversos impactos causados pela ação

antrópica, que resultaram em um grave cenário de degradação do meio ambiente.

Esse capítulo tem por objetivo, então, apresentar o percurso e questionamentos da ética

ambiental diante da crise ambiental, e suas consequentes reflexões na conceituação acerca do

desenvolvimento sustentável.

Na primeira parte será discutido o agravamento da crise ambiental, que se deu, em

grande parte, pela apropriação econômica do progresso técnico-científico. Em seguida, serão

revisados os percursos da ética ambiental, que reflete acerca da crise e da responsabilidade

humana para com a natureza e futuras gerações; para então concluir com as contribuições que

tais reflexões acrescentaram à conceituação do desenvolvimento sustentável, entendido como

caminho viável para mitigar tal crise, evitando o aprofundamento dela e suas possíveis

consequências, algumas irreversíveis, para o homem e o meio ambiente.

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2.1 O progresso técnico-científico e a intensificação da crise ambiental

Desde os primórdios da humanidade, esta interage com a natureza e seus recursos,

provocando mudanças nos espaços em que vive. Mas é a partir do advento da ciência moderna,

com aprimoramento do conhecimento científico e das técnicas dele provenientes, que tais

alterações passam a mudar de forma significativa a relação dos homens entre si, com os demais

seres e com a natureza, resultando em distúrbios que passaram a chamar atenção a respeito de

como tal relação se constituiu e as consequências que dela decorreram.

As sociedades modernas estabeleceram uma relação com a natureza que foi constituída

partindo do pressuposto que o ser humano era exterior a essa e, mais do que isso, que o ser

humano teria o direito de interferência e de domínio sobre ela. Ideia esta reforçada, em grande

parte, pelo conhecimento que se produziu ao longo do percurso da humanidade e que permitiu

a intervenção dos homens sobre os recursos naturais, através da técnica. A natureza, então

compreendida como um elemento externo ao homem, e a serviço das suas necessidades,

destituída de valor moral ou ético, foi objeto do avanço da ciência moderna e o constante

desenvolvimento da técnica proporcionaram, de forma cada vez mais intensa, a interferência

dos seres humanos sobre os recursos naturais e demais seres vivos, permitindo ganhos materiais

que moldaram o modo de vida das populações (SANTOS; SANTOS FILHO, 2017). Dessa

maneira, com a posse de conhecimentos sobre os fenômenos naturais e de técnicas, cada vez

mais aprimoradas, para lidar com eles, e tratando a natureza como algo externo e produto para

usufruto humano, as sociedades desenvolveram uma relação de controle e superioridade para

com os recursos e ecossistemas naturais.

Ideias e teorias produzias por filósofos como Bacon e Descartes nos séculos XVI e

XVII, respectivamente, apontavam que a evolução da ciência teria como função primordial

proporcionar conhecimentos sobre o funcionamento da natureza e dos fenômenos naturais,

através do avanço das técnicas e os diversos instrumentos então criados, e que tais

conhecimentos possibilitariam melhorias às condições da vida humana, ao garantir o domínio

sobre essas técnicas e a justiça na relação entre os homens. No entanto, a concepção da natureza

apenas como objeto a serviço das necessidades humanas e o desejo de dominação sobre seus

recursos conduziu a humanidade à, além de incontestáveis avanços, tragédias ecológicas e

sociais, uma vez que essas mesmas técnicas geraram diversos impactos, muitas vezes

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imprevistos, e que a própria ciência não conseguiu prever ou não soube solucionar (GIACOIA

JÚNIOR, 2004).

O progresso técnico-científico, favorecido pelo acúmulo do conhecimento científico e

avanço da ciência moderna, ao longo das décadas passadas, conduziram à racionalização da

natureza e à apropriação dos recursos naturais, promovendo uma relação de poder do homem

sobre o meio ambiente. É quando o homem passa a ter cada vez mais meios de intervir na

natureza, ao extrair, manusear, e mesmo transformar as matérias primas, para atender as

diferentes demandas e necessidades que ele cria para diferentes estilos de vida, perfazendo um

ciclo constante de dependência/interferência para com tais recursos, e ainda do descarte destes

após seu uso, de acordo com seus processos de produção. Tal relação fez com que o homem se

afastasse da natureza de forma conceitual, enxergando-a apenas como algo externo e que lhe

provinha as matérias primas que eram necessárias para o suprimento de suas necessidades,

estabelecendo uma relação de exploração para com os recursos naturais e os demais seres vivos

(LARRÈRE & LARRÈRE, 1997).

Esse afastamento conceitual da natureza e dos demais seres vivos (seres então

considerados irracionais, logo destituídos de moral) contribuiu para reforçar a ideia de que esta

não era dotada de direitos, ficando estes concentrados na mão dos homens, os quais poderiam

agir apenas de acordo com seus objetivos e interesses, desconsiderando as consequências de

suas ações. Para Hans Jonas, o domínio da técnica possibilitou que a ciência moderna se

desenvolvesse de forma matematizada, para que se intervisse tecnicamente sobre os recursos

naturais. Esse mesmo domínio técnico-científico levou as sociedades modernas, principalmente

as sociedades ocidentais - que intensificaram a adoção de um estilo de vida completamente

dependente de diversas tecnologias, a confiar que a ciência seria sempre capaz de manejar e

disponibilizar recursos necessários à sobrevivência da humanidade; no entanto, esse domínio e

intervenção sobre a natureza, que durante o percurso da humanidade pouco levou em

consideração o respeito para com os limites do meio ambiente, conduziu-nos a uma grave crise

ecológica, que aparenta ser, em certas situações, algo irreversível (GIACOIA JÚNIOR, 2004).

Assim, o desenvolvimento tecnológico, que se realizou de forma progressiva,

principalmente a partir dos séculos XVII e XVIII, e acentuou-se desde então, culminou com o

aproveitamento econômico e industrial dessas tecnologias, através da modernização das

máquinas e descobertas frequentes que possibilitaram que tal aproveitamento crescesse de

forma expoente ao longo do tempo. A partir disso foram experimentados avanços em todos os

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setores, que produziram imensos e incontestáveis benefícios para a humanidade2, mas que

também geraram catástrofes ambientais de alcance inimaginável. A superexplorarção dos

recursos naturais, ou mesmo a invenção de novos artefatos, criaram situações de consequências

imprevisíveis, muitas delas desconhecidas, a exemplo da energia nuclear e organismos

geneticamente modificados, cujos efeitos nocivos ainda não se sabe como controlar e resolver.

Diante desse cenário de avanço de conhecimento científico, e aproveitamento econômico de tal

conhecimento, sem considerar os limites da natureza e as consequências da interferência

humana nos processos naturais, ou mesmo diante da incerteza da reversão de tal interferência,

que culminaram em graves problemas ecológicos e sociais, passa-se a discutir acerca de tais

questões.

O economista e cientista social Gilberto Dupas destrincha e conceitua o que ele chama

de “ideologia do progresso”, publicando em 2006 o livro “O mito do progresso”. Nessa obra, o

autor perpassa desde o significado semântico da palavra progresso, até a evolução desta como

um conceito, e como este permeou a trajetória política, econômica e social da humanidade e

que culminou, entre outras coisas, na grave crise socioambiental na qual estamos todos

inseridos na atualidade. Para ele, o alvorecer do século XXI trouxe o seguinte paradoxo: o

conhecimento científico acumulado, e as diversas técnicas decorrentes desse conhecimento,

foram colocados à serviço de um sistema capitalista hegemônico e global, que revolucionaram

de forma profunda o estilo de vida humano3, produzindo cada vez mais e melhor, assumindo a

assunção de progresso (grifo dele); no entanto, por outro lado, consequências negativas

derivaram ao mesmo tempo, dentre as quais exclusão social, concentração de renda e

subdesenvolvimento, gerando impasses, riscos e profunda instabilidade dentro desse sistema

como um todo. Diante de tal cenário, passou-se a questionar como seria possível equilibrar os

tantos benefícios contra o perigo sempre latente de um desastre absoluto:

2 Dentre os inúmeros benefícios à vida humana proporcionados pelo conhecimento científico, um dos mais

significativos a citar é o avanço nas questões médicas e de saúde, que possibilitou a descoberta da cura e tratamento

de doenças; e o aumento da produção de alimentos, com melhoramento de sementes e controle de pragas, e

inovação das técnicas agrícolas; tendo sido ambos de fundamental importância no aumento da expectativa de vida

e responsáveis pelo crescimento populacional mas que, ao mesmo tempo, contribuíram para o agravamento dos

impactos aos sistemas naturais de diversas formas. 3 Sobre a mudança do estilo de vida humano, Dupas (2006, p. 142-143) destaca a questão do consumo de matérias

primas e produtos, quando o sistema capitalista hegemônico passa a criar e induzir necessidades para a

humanidade, materializadas através de objetos e serviços de desejo, e transformando esses em material de

manipulação em busca de lucro. Com isso, torna obsoletos produtos já existentes, estimulando a aquisição dos

produtos novos, gerando um ciclo vicioso de consumo. Assim, afirma que essa lógica de produção e consumo

incessantes estão entre os responsáveis pelo empobrecimento das relações sociais e degradação do meio ambiente

– uma vez que, em escala global, observa-se esse ciclo que produz o sucateamento de produtos e geração de

desperdício de matéria prima e recursos naturais, que custam uma degradação incessante da natureza e de energia.

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E as consequências negativas do progresso [...], para além de seus irresistíveis

sucessos, acumularam um passivo crescente de riscos graves que podem levar

de roldão o imenso esforço de séculos da aventura humana para estruturar um

futuro viável e mais justo para as futuras gerações. [...] ...nós temos a

responsabilidade ética para com eles, ainda que não estejamos mais aqui

quando eles vierem nos acusar. (DUPAS, 2006, p. 16)

Dupas (2006) constata que esse sistema hegemônico passou a dominar e conduzir o

conhecimento científico de acordo com seus próprios interesses – se apropriando do discurso

sobre o progresso para transformá-lo num instrumento de legitimação da acumulação de posses

e lucros. Porém, isso não significou assumir a responsabilidade sobre as consequências

causadas, uma vez que se passou a acreditar que a própria evolução científica e tecnológica

conseguiria, evoluindo ao longo do tempo, solucionar os problemas por elas mesmas criados, a

fim de não impedir o avanço das técnicas, ou mesmo conduzi-las de forma mais criteriosa e

ética.

É de consenso de grande parte da comunidade científica que desde os primórdios da

vida na Terra, as mudanças abruptas no ambiente terrestre foram decorrentes de impactos de

asteroides, erupções vulcânicas, entre outras causadas por fenômenos naturais. Porém, nos

últimos 10 séculos, período da vida humana no planeta, passou-se a observar mudanças nos

padrões das vegetações que recobrem a superfície da Terra – tendo essas mudanças sido

iniciadas com o avanço das técnicas agrícolas das primeiras civilizações e a intervenção das

atividades humanas sobre a natureza, através do poder das primeiras ferramentas utilizadas na

agricultura. Assim, ainda que houvesse intervenção humana sobre o meio ambiente e utilização

dos recursos naturais, estes eram feitos em escala local, através de técnicas mais rudimentares,

e de forma a respeitar os limites da natureza, partindo da consciência de que a vida humana

dependia de tais recursos – a exemplo da conserva de colheitas. Nas Américas, os processos de

devastação mais intensos começaram com a forma de exploração e colonização das terras recém

conquistadas, em meados do século XVI, através de processos de cultivo e pastoreio que aos

poucos iam agredindo os ecossistemas dos quais faziam parte. Porém, como afirma o autor

“Nos últimos cinquenta anos, as novas tecnologias e o desenvolvimento industrial decorrente

alteraram muito mais profundamente e rapidamente os tênues equilíbrios dos ecossistemas que

sustentam a vida na terra” (DUPAS, 2006, p. 224).

Assim, conforme afirmado pelo autor, foi a Revolução Industrial o marco da mudança

dessa tendência: a partir de onde a exploração dos recursos naturais e transformação da matéria

prima, conduzida principalmente através da queima do carvão, que passou a deixar marcas

significativas da ação humana sobre o meio ambiente. Portanto, para Dupas (2007), o

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aproveitamento industrial do conhecimento científico que proporcionou, sobretudo, o domínio

da natureza e aproveitamento dos recursos naturais, conduziu a humanidade à uma capacidade

de produção e consumo nunca vistos anteriormente na história da humanidade. Juntamente a

esse crescimento econômico, o sistema dominante (capitalista global) fortalecia cada vez mais

a ideia de progresso, trazido pela produtividade em todos os setores, assumido pelo discurso

hegemônico e ideal de globalização, deixando evidente que “Para vários importantes cientistas,

a ameaça mais grave à humanidade nesse início de século XXI é o ataque sem trégua ao meio

ambiente decorrente da lógica da produção global e da direção dos seus vetores tecnológicos

contidos nos atuais conceitos de progresso” (DUPAS, 2006, p. 219).

Dupas (2007) faz, então, questionamentos sobre o que ele chama de ‘mito do progresso’,

procurando analisar o que é, de fato, esse progresso, quem o incentiva e a quem ele serve, e

quais as consequências socioambientais para alcança-lo, questionando se a humanidade estaria

ficando mais satisfeita e feliz a medida que as técnicas avançam. O autor afirma que essa ideia

é dominada pelos sistemas de produção, que visam, a frente de tudo, o crescimento econômico,

destinado aos lucros individuais e privados, embora passem frequentemente a ideia de que esse

progresso serviria ao bem-estar humano e qualidade de vida de todos – e por isso configura-se

como um mito. Assim, ele aponta para a necessidade de se descontruir com esse discurso

hegemônico (grifo dele) sobre o crescimento econômico associado com a ideia de progresso,

uma vez que se percebe, ao longo do tempo, que tal crescimento é alcançado em detrimento das

questões sociais e ambientais, não trazendo os devidos benefícios que deveria à qualidade de

vida das populações, e não se preocupando com os custos ambientais para alcançá-lo.

Dupas (2006) traz, com isso, uma forte crítica a respeito da falta de ética e de

responsabilidade diante desses discursos do sistema hegemônico e capitalista, que conduzem o

conhecimento científico e as diversas formas de produção em prol dos seus próprios interesses,

e que seria necessário, assim, “[...] criar uma motivação econômica para retardar a devastação,

já que a motivação ética parece ser inútil diante da lógica avassaladora do capitalismo global e

dos agentes do capital” (DUPAS, 2006, p. 225). Ainda, segundo ele, é preciso fazer uma análise

profunda sobre os caminhos desse progresso, e definir como tratar e controlar o

desenvolvimento científico e tecnológico, uma vez que este conduz a humanidade a graves

riscos também, apesar das vantagens evidentes, visto as consequências nefastas que

contribuíram para o agravamento da crise ambiental.

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Santos Filho (2015) desenvolve ainda a ideia de que essa crise ambiental moderna, na

qual estamos todos inseridos atualmente, decorre então de uma crise do paradigma ambiental

vigente: tal paradigma é o responsável por identificar as questões e problemas de ordem

ecológica e, ao mesmo tempo, responde-las e solucioná-las. Uma vez que tais problemas estão

ficando sem resolução e, pior, têm se agravado de forma abrupta nas últimas décadas, em

decorrência das intervenções tecnocientíficas nos processos naturais, então esse paradigma

encontra-se em crise.

Ele aponta que, no percurso para que se trate a crise do paradigma ambiental moderno,

existem três caminhos possíveis: a) manter o paradigma ambiental moderno: funda-se na crença

de que o avanço da tecnologia conseguiria resolver os problemas ecológicos, ao mesmo tempo

que associa tais problemas ao capitalismo e seus modos de produção – no entanto, não haveria

como tornar o sistema econômico em algo sustentável, porque ainda assim ele trataria a

natureza como “mercadoria”, visando a obtenção de lucro, explorando-a sem considerações

éticas; b) retroceder: retornar ao ideal de natureza intocada, preservá-la da ação humana, uma

vez que responsabiliza as intervenções tecnocientíficas pela crise ambiental – tal alternativa

seria inviável tanto por negar os avanços da modernidade quanto pela impossibilidade de tal

retorno, uma vez que o homem faz parte na natureza e dela depende sua sobrevivência; e c)

avançar: trabalhar na construção de um novo paradigma ambiental, que supere a separação entre

Natureza e Cultura, fundamentando um novo contrato social ecológico:

O objetivo primordial é reconciliar a cosmovisão da sociedade com a

realidade de uma base finita de recursos naturais, reorientando os

padrões de uso, de apropriação e de distribuição dos bens ambientais,

bem como disciplinando o uso, a apropriação e a distribuição de novas

tecnologias. (SANTOS FILHO, 2015, p. 126)

Assim, a partir da constatação que “uma crise ambiental é essencialmente uma crise

paradigmática” (SANTOS FILHO, 2015, p. 130), o autor afirma que essa crise ameaça a

continuidade da vida humana de forma plena e digna – uma vez que o mau uso das técnicas tem

interferido nos processos naturais que fornecem bens materiais essenciais para sobrevivência

da humanidade. Fazendo a ressalva de que não se trata de desconsiderar os avanços obtidos

pela ciência e pela técnica, que tanto proporcionaram melhorias à vida humana, ou mesmo

associar a crise ambiental a um problema exclusivamente econômico, o autor defende que não

seria adequado, ou mesmo possível, a busca pelo retorno da natureza intocada, mas sim

ressignificar o conceito de natureza, seus limites, a responsabilidade humana diante da

intervenção técnica sobre ela, bem como questionar os atuais padrões de civilização.

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A ciência, principalmente a ciência moderna, trouxe consigo uma questão ambígua,

onde por um lado pôde proporcionar avanços que impactaram positivamente a vida da

humanidade, mas levantando também dúvidas a respeito do seu limite e da capacidade de lidar

com o desconhecido, produto de seus próprios avanços, revelando-se um paradoxo. No entanto,

entende-se que para auxiliar a solucionar esse problema não se deve “limitar a técnica, mas

orientá-la diferentemente, de maneira a respeitar essa natureza de que fazemos parte”

(LARRÈRE & LARRÈRE, 1997).

Fica entendido então que, dentre outras coisas, foi a apropriação econômica do

conhecimento científico que possibilitou as mais variadas transformações na forma de vida

humana, que moldou a forma como as populações passaram a utilizar os recursos, a se

comportar diante da natureza e de outros seres humanos, e a ocupar e modificar o espaço. Faz-

se necessário, como reiterado por Dupas, entender a quem essa aproveitamento do

conhecimento científico serve, de que forma ela acontece, e questionar quais são as

consequências que todo esse processo ocasiona à vida humana e ao meio ambiente, sejam elas

positivas e negativas. E, para além disso, questionar quais são os limites do progresso

econômico, e a capacidade dos sistemas naturais de sustentar e absorver as consequências desse

progresso, e aonde ele levará a humanidade. Fica entendido que caso continue a acontecer de

forma despreocupada, sem levar em conta o respeito à natureza e às futuras gerações, a crise

ambiental que se vive continuará se agravando em proporções incalculáveis, trazendo ameaças

não apenas à natureza, mas para a própria vida humana – questões essas que passaram a ser

discutidas sob as diversas perspectivas da ética ambiental, e refletidas nos conceitos do

desenvolvimento sustentável.

2.2 Os percursos da ética ambiental

As ameaças dos problemas ambientais e crise ecológica que passaram a ser percebidas

mais intensamente por volta de 1960, tempo no qual também os temores sobre uma possível

guerra nuclear (período da Guerra Fria) e a emergente conscientização a respeito das injustiças

sociais que ficavam cada vez mais evidentes, e começavam a provocar reflexões sobre a relação

entre o homem e o meio ambiente. Relação essa que, durante um significante período de tempo,

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foi de domínio e poder do homem sobre a natureza e demais seres vivos, sem os devidos

questionamentos a respeito do limite da natureza, dos direitos dos demais seres vivos, ou mesmo

a preocupação as condições de vida das futuras gerações.

Dentre as áreas de atuação da filosofia, o campo da ética levantou, historicamente,

questionamentos no âmbito da relação entre os seres humanos, mas entre esses exclusivamente.

Dilemas éticos percorreram, e percorrem, toda a trajetória da humanidade, influenciando

sobremaneira a organização política, econômica e social das comunidades humanas. Mas a

partir do momento que os problemas ambientais passaram a se mostrar de forma intensa e gerar

consequências, muitas vezes imprevistas, de difícil solução para a vida humana e a própria

natureza e demais seres vivos, as éticas clássicas começaram a ser insuficientes para debater e

lidar com todas as questões do mundo contemporâneo, sobretudo com as questões ambientais

(LARRÈRE, 2010/4). Dentre as publicações que começaram a alertar sobre os efeitos que as

transformações industriais passaram a causar, o livro Primavera Silenciosa (Carson, 1962) e o

Relatório Meadows (1972) destacaram-se por evidenciarem que a busca pelo crescimento

econômico desenfreado, sobretudo na tentativa de recuperar as economias abaladas pelo pós-

guerra, estava causando danos nefastos e até irreversíveis à natureza.

Assim, sendo cada vez mais urgente a necessidade de pensar as problemáticas

relacionadas ao meio ambiente, e ao próprio futuro da humanidade diante das incertezas trazidas

pela crise ambiental, a filosofia ambiental4 e suas reflexões começaram a ganhar espaço nos

cursos e universidades, dentro do âmbito da filosofia (ANDREW, 2009). Conforme o autor, até

as décadas de 1970/80, a preocupação ambiental era focada em preservar a natureza selvagem5,

e nas décadas seguintes foram acrescentados aos estudos e pesquisas até então desenvolvidos,

as questões acerca dos ambientes urbanos, depleção de recursos naturais e poluição, entre

outros.

É também por volta de 1970/80 que se consolida o movimento chamado Deep Ecology

(termo utilizado pelo filósofo norueguês Arne Naess em 1973), uma corrente da filosofia

ecológica e ambiental que irá buscar e incentivar a reestruturação das sociedades humanas em

4 A filosofia ambiental é um ramo da filosofia que irá abarcar a relação entre a sociedade e a natureza, preocupando-

se com a intervenção das atividades humanas sobre os recursos naturais e demais seres vivos. A medida que avança

nos diversos âmbitos de discussão, se subdivide em outros ramos que irão tratar de assuntos específicos, como a

bioética, estética ambiental, ecofeminismo, ética ambiental, entre outros. 5 Considera-se natureza selvagem os espaços ainda intocados, ou minimamente alterados, pela ação humana. O

autor, na referida obra, exemplifica como natureza selvagem parques e reservas naturais dos Estados Unidos, que

eram centro de debates a respeito das teorias de conservação versus preservação dos primeiros movimentos

ambientalistas.

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prol do valor da natureza e demais seres vivos, ao tempo que defende que estes têm valor

intrínseco, independentemente de suas utilidades para suprir quaisquer necessidades humanas.

Ele argumenta que a interferência humana na natureza representa uma ameaça para atuais e

futuras gerações e, portanto, o meio ambiente deve ser respeitado, lançando a base dos

questionamentos acerca das questões ambientais que viriam ganhar mais espaço

posteriormente, dentre os quais, a ética ambiental (ENCYCLOPEDIA OF

ENVIRONMENTAL ETHICS AND PHILOSOPHY, 2008; MCSHANE, 2009; LARRÈRE,

2010/4).

Foi na virada do século XXI que a filosofia ambiental contemporânea passou a se

ramificar para outras áreas próximas, como teorias sociais, culturais, políticas e econômicas, e

a respeito da saúde dos ecossistemas. Andrew (2009) apontou que a filosofia ambiental ganhou

relevância nos debates em outros espaços para além do campo de discursão da filosofia por ter

começado a levantar reflexões acerca dos problemas ambientais contemporâneos cujas

resoluções deveriam requerer interdisciplinaridade entre diversos setores da sociedade.

Environmental ethics is theory and practice about appropriate concern for,

values in, and duties regarding the natural world. [...] Environmental ethics

starts with human concerns for a quality environment, and some think this

shapes the ethic from start to finish. Others hold that, beyond inter-human

concerns, values are at stake when humans relate to animals, plants, species

and ecosystems. According to their vision, humans ought to find nature

sometimes morally considerable in itself, and this turns ethics in new

directions. (ROLSTON III, 2003, p.1)6

Esses problemas trazidos pela crise ambiental, decorrente dos impactos causados pelo

uso e ocupação do homem no meio ambiente, muitas vezes resultante da apropriação do

conhecimento científico e suas diversas técnicas, como discutido no tópico anterior, e muitas

vezes à serviço do crescimento econômico, passaram então a suscitar discussões filosóficas a

respeito da relação ética entre o homem e a natureza. Diante da problemática ambiental, e social,

consequentemente, começou-se a questionar quais seriam os limites da natureza, como esses

limites poderiam ser medidos, e qual seria o papel e responsabilidade do homem diante de tais

limites. Esse cenário levou a ética ambiental a estudar também todo o conjunto da natureza, e

não somente a relação entre os seres humanos, levantando questionamentos sobre qual seria o

6 Ética ambiental é teoria e prática sobre a preocupação apropriada com os valores e os deveres a respeito do

mundo natural. [...] A ética ambiental começa com a preocupação humana pela qualidade do meio ambiente, e

alguns consideram que isso molda a ética do início ao fim. Outros sustentam que, além das relações inter-humanas,

os valores estão em jogo quando seres humanos se relacionam com animais, plantas, espécies e ecossistemas. De

acordo com essa visão, seres humanos deveriam achar a natureza as vezes moralmente considerável por ela mesma,

e isso leva a ética para novas direções. (ROLSTON III, 2003, p.1) - Tradução nossa.

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valor do meio ambiente e dos demais seres vivos, e quais seriam os deveres dos homens para

com eles e para com as futuras gerações (VIDAL, 2010).

Segundo Silva, G. (2014), tornou-se então desafio da ética embasar uma nova

consciência racional, uma vez que tem se ampliado o questionamento ético sobre o papel do

homem diante da natureza, na medida que os problemas socioambientais surgiram e se

agravaram, assim como as crescentes contradições sociais. Para Santos (2012), sendo a ética

um conjunto de valores individuais, todos precisariam então estar envolvidos com a tarefa de

repensar a relação do homem com a natureza sob novos parâmetros, uma vez que “todo mundo

está de acordo que é preciso fazer algo em relação ao meio ambiente, que a chamada “crise

ambiental” não é simplesmente uma invenção de ambientalistas catastrofistas, mas uma questão

real” (SANTOS, 2012, p. 44).

Leff (2010) atenta para o que ele chamou de apropriação capitalista na natureza, quando

o processo de globalização avançou de forma a atribuir à natureza valores econômicos, ou seja,

fortalecendo a ideia de apropriação dos recursos naturais para suprimento do consumo humano.

Nos rumos de um possível desenvolvimento sustentável seria necessário que, então, houvesse

uma construção coletiva consciente e respeitosa em prol da proteção da natureza, surgida de

uma ética que abarcasse o cuidado com essa e de um diálogo de saberes entre todos os atores

sociais envolvidos nos diversos processos que regem e ordenam a vida humana:

A ética ambiental propõe um sistema de valores associados a uma

racionalidade produtiva alternativa, a novos potenciais de desenvolvimento e

a uma diversidade de estilos culturais de vida. Isso supõe a necessidade de ver

como os princípios éticos de uma racionalidade ambiental se opõem e

amalgamam com outros sistemas de valores: como se traduzem os valores

ambientais em novos comportamentos e sentidos dos agentes econômicos e

dos atores sociais. Trata-se de ver os princípios éticos do ambientalismo como

sistemas que regem a moral individual e os direitos coletivos, sua

instrumentação em práticas de produção, distribuição e consumo, e em novas

formas de apropriação e transformação dos recursos naturais. (LEFF, 2015, p.

86)

McShane (2009) e Larrère (1997;2010) levantam, também, questionamentos acerca da

ética ambiental, no que concerne ao ‘valor’ da natureza, uma vez que para o antropocentrismo

apenas o homem teria valor moral. Essa vertente da ética voltada para o meio ambiente passa,

assim, a contestar a ideia de que a natureza esteja a serviço do homem, e a atribuir um valor

moral para os demais seres vivos e ecossistemas, ao compreender que o mundo natural tem

valor por si próprio (valor intrínseco) e independe dos seres humanos e de seus interesses

(econômicos, principalmente). McShane (2009) afirma ainda que, dentre as tendências mais

recentes da ética, a ética ambiental tem se evidenciado como uma virtude, através da qual

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passou-se a discutir sobre valores econômicos e estéticos do meio ambiente natural, que irá

abranger as questões acerca da economia ecológica e estética ambiental, e serviços

ecossistêmicos, e a responsabilidade humana diante de tudo isso.

Holmes Rolston III, filósofo americano, afirma que durante milênios a filosofia pensou

sobre a natureza, e embora embutida de questões éticas, de certa forma, essa preocupação acerca

da relação respeitosa do homem para com a natureza não se desenvolveu de forma considerável

até a constatação da crise ecológica, por volta de 1960. Rolston (2007), afirma que a ascensão

da filosofia ambiental, pouco discutida até meados de 1970, tornou-se em um dos

desenvolvimentos mais surpreendentes da filosofia, por ter ganhado destaque nos debates para

além da filosofia, e ter se estendido à diversas outras áreas como biologia, economia, direito,

sociologia, entre tantas outras, que passaram a ter uma preocupação ética acerca do uso humano

sobre o ambiente natural.

Para Rolston (2007), foi após o Iluminismo e revolução científica que a natureza passou

a ser vista como algo mecanizado e destituído de valores próprios, e que tais valores só passaram

a surgir de acordo com o interesse humano sobre determinados recursos. Junto a isso, as teorias

judaico-cristãs corroboravam a ideia de que Deus criou a natureza para sujeita-la ao domínio

dos seres humanos, fazendo com que, por séculos, a filosofia ocidental fosse

predominantemente antropocêntrica. O autor faz, então, apontamentos a respeito da ética nas

relações humanas, afirmando que os seres humanos são os únicos dotados de uma consciência

que se traduz em ações morais; e questiona, se justamente por possuirmos tal consciência, não

deveríamos incluir as outras cerca de 10 milhões de espécies que dividem o planeta conosco,

respeitando também seus interesses. Com isso, ele faz a seguinte crítica: “A ética ambiental

sustenta que nós, humanos, não somos tão "iluminados" quanto seria de se supor, não até que

alcancemos uma ética mais respeitosa” (ROSLTON, 2007, p. 557), ou seja, defendendo a

inclusão da responsabilidade para com o meio ambiente junto às relações entre os homens,

mesmo porque ele é indispensável para a vida:

A qualidade ambiental é necessária para a qualidade da vida humana. Os

humanos reconstroem dramaticamente seus ambientes; ainda assim, suas

vidas, preenchidas com artefatos, são vividas em uma ecologia natural na qual

recursos - solo, ar, agua, fotossíntese, clima - são questões de vida e morte. Os

destinos da cultura e da natureza estão interligados, de modo similar (e

relacionado) à maneira pela qual as mentes são inseparáveis dos corpos. Assim,

a ética precisa ser aplicada ao meio ambiente. (HOSLTON, 2007, p. 558)

Dessa forma ele reitera que os homens além de se incluir na natureza, da mesma forma

devem incluir a natureza em sua ética, uma vez que existe também um direito humano à

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natureza – como o direito de alimentar-se, direito à água, ar, solo, ecossistemas, além do direito

a um meio ambiente sadio.

Por fim, além de tratar sobre a importância de se preservar qualquer espécie animal ou

vegetal, seja ela necessária ou não para a vida humana; bem como cuidar para que os diversos

ecossistemas sejam capazes de manter seu equilíbrio, e consequentemente contribuir para o

equilíbrio da vida no planeta como um todo, a ideia que Rolston (2007) fortalece é de que a

vida humana está interligada à natureza, e essas não podem ser dissociadas. É, portanto, esse

ponto de vista que o filósofo defende com veemência, de que todas as vertentes que decorrem

da ética para com a natureza (biocentrismo, ética da terra, ética do bem-estar animal, ecologia

política, ética do desenvolvimento sustentável, entre outros), estão associadas e tratam das

relações entre homem, natureza e meio ambiente ao mesmo tempo. E é esse o mesmo fio

condutor do pensamento de Larrère & Larrère (1997):

[...] a natureza como matéria exterior e neutra da qual podemos fazer o que

quisermos, e a respeito da qual não tínhamos nenhuma responsabilidade, já não

existe. Ela é a nossa obra, nela pusemos a nossa vontade, está em nosso poder,

e dela somos responsáveis perante as futuras gerações. (LARRÈRE &

LARRÈRE, 1997, p.11)

Larrère & Larrère (1997) reafirmam, portanto, a questão de não ser mais possível

separar homem e natureza, tanto porque a sobrevivência humana depende de recursos naturais,

quanto porque a natureza intocada já não existe – o ambiente natural está sob interferência

direta ou indireta das ações humanas, mesmo que ainda hajam, por um lado, vertentes que

defendem o respeito absoluto à natureza, visando conservá-la ao máximo, sem qualquer

intervenção do homem; e por outro, vertentes que defendem o direito humano irrestrito na

intervenção do espaço. Os autores, então, reiteram que não adianta mais ficar confrontando as

duas vertentes: não se deve fazer essa divisão, pois o homem faz parte da natureza, já a

transformou e vai continuar a transformar.

Dentre algumas das vertentes que compõem o âmbito da ética ambiental, Larrère

(2010/4) discorre sobre o biocentrismo, o pragmatismo e o ecocentrismo, onde todas trazem

considerações a respeito do valor intrínseco (ou não) da natureza e demais seres vivos. A ética

biocêntrica vai atribuir valor intrínseco e dignidade moral a todos os seres vivos, defendendo

que todos os animais têm igual direito à proteção. É essa a vertente da ética que irá trazer

importantes considerações para a discussão sobre a importância da biodiversidade (tema

norteador da conferência Rio-92), que vai influenciar as políticas de proteção animal ao redor

do mundo. No entanto, a autora pondera a respeito da dificuldade prática do biocentrismo, uma

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vez que ao atribuir igual valor à todas as espécies animais, ou mesmo porque ele não reconhece

o valor de seres não-vivos, como paisagens e ecossistemas, apresentando-se, portanto, como

uma contradição: como seria possível proteger uma espécie animal sem proteger todo o meio

do qual ela precisa para sobreviver?

A análise de Larrère (2010/4) quanto ao pragmatismo pondera sobre o percurso dessa

vertente que reinsere o homem como o centro dos valores e passa atribuir valor instrumental à

natureza, de forma que defende a sua proteção, mas tende a reduzi-la à fonte de recursos,

materiais e serviços – ou seja, sua valorização é decorrente dos benefícios que ela pode fornecer

à vida humana – apresentando-se, então, como uma vertente reducionista.

Como contraponto à ambas as vertentes, biocentrismo e pragmatismo, diante da

necessidade de buscar algo que responda às questões ambientais contemporâneas, a autora

apresenta então o ecocentrismo. Diferentemente do biocentrismo, que defende a atribuição de

igual valor para todas as espécies animais, o ecocentrismo vai dar destaque a importância da

interdependência de todos os elementos, o pertencimento destes enquanto conjunto, visando a

proteção da “comunidade biótica”: seres vivos e não-vivos, de forma a incluir, também, os seres

humanos e recursos naturais. Dessa forma, traz o homem não para o centro da questão, mas

como parte essencial dela, reintegrando-o à natureza, fazendo-o assumir o compromisso de suas

ações para com o meio ambiente. Para tal, Larrère (2010/4) defende a importância da

articulação entre a ética e a ciência, através do debate público, que norteie as ações humanas

em tudo o que concerne as questões ambientais.

Reafirmando que as nossas ações técnicas foram, em grande parte, responsáveis pelas

consequências decorrentes da crise ambiental, a autora atenta a respeito de que não se deve gerir

os problemas ambientais apenas sob o ponto de vista econômico, ou mesmo que não bastaria

“trazer remédios técnicos para problemas técnicos” – mas refletir sobre como agir diante dessa

crise sob uma dimensão ética, que englobe a natureza e todos seus componentes. A questão

central defendida, então, é como orientar a ação humana a partir de agora, considerando todo o

conhecimento dos riscos e degradação já levantados: para isso se propõem não impedir/limitar

a técnica, mas orientá-la de forma que o valor da natureza e demais seres vivos, e a

responsabilidade perante as futuras gerações, sejam levados em conta, ou seja, fazer um ‘bom

uso’ da natureza, um uso ecocentrado:

Falar de bom uso é dizer que não podemos utilizar simplesmente a natureza,

mas que devemos determinar os critérios do seu uso. A crise ambiental

reafirmou a importância da avaliação. [...] Surgiram novas formas de

avaliação, visando atribuir aos elementos naturais um ‘valor intrínseco’ que

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não seja redutível a um valor instrumental ou econômico. Mais radicalmente,

pôs-se a questão de uma mudança dos nossos comportamentos, de uma nova

ética de respeito ou de responsabilidade perante a natureza. (LARRÈRE &

LARRÈRE, 1997, p.18)

Os autores trazem assim, à luz desse debate, a reflexão acerca da reconciliação

conceitual entre homem e natureza, defendendo que ambos são integrados e, ao incluir a ética

no centro dessa relação, afirmam ser possível o bom uso da natureza, visto que as atividades

humanas dependem desta e podem, inclusive, contribuir para sua proteção. Assim, segundo os

autores, a partir de 1970, passou-se a inserir a ética nos processos de decisão acerca da proteção

da natureza e gestão de riscos, onde entendem que o caminho a percorrer não é de limitar a

ciência ou as técnicas, mas conduzi-las de maneira que a natureza da qual fazemos parte seja

respeitada. Dessa forma, os autores elucidam que essa é a preocupação ética com as práticas

ambientais atuais. Os seres humanos utilizam a natureza, e precisam fazê-lo, mas essa relação

não pode mais acontecer de forma a não assumir responsabilidades sobre tais usos e as

consequências dos mesmos. Para tal, deve-se determinar os critérios desse uso, e isso foi

reafirmado pela crise ambiental constatada na qual a humanidade está completamente inserida

e é responsável.

Tratando de crise ambiental, os autores apontam que esta tornou-se planetária devido à

globalização dos problemas ambientais, como o risco de crise energética e esgotamento de

determinados recursos naturais, mudanças climáticas e efeito estufa que afetam, ainda que de

forma diferente, diversas localidades do mundo, e o risco da perda da biodiversidade. No

entanto, além da degradação relacionada diretamente com a natureza, Larrère & Larrère (1997)

atentam que essas consequências recaem também sobre os seres humanos, uma vez que estamos

todos expostos a esses riscos, sendo necessário também proteger as populações e suas culturas.

Com isso, afirmam que o que deve ser protegido é um objeto híbrido, mais uma vez trazendo a

importância de reinserir o homem, e todas as suas produções, junto à natureza.

No entanto, ainda que já se tenha muito conhecimento sobre a crise ambiental e efeitos

nocivos que essa degradação pode incidir sobre as populações, os autores trazem também

considerações sobre as incertezas que ainda pairam sobre os limites da natureza e da utilização

das técnicas (a exemplo da energia nuclear, modificações genéticas de plantas e animais, entre

tantos outros); e diante de quaisquer incertezas defendem que:

É pois, necessário, na falta de conhecimentos, apelar à prudência. Num

universo incerto, ou quando se está confrontando com cenários divergentes e

indecisos, não é razoável limitar-se a ser racional. Uma ética da prudência é

então susceptível de evitar as decisões cujos efeitos perversos (incontroláveis

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e imprevistos) podem ter consequências nocivas. (LARRÈRE & LARRÈRE,

1997, p.194)

Dessa forma, os autores evidenciam que a ética ambiental vai preocupar-se de forma

significativa com as gerações futuras, uma vez que propõe uma prudência mais crítica diante

da utilização das técnicas, principalmente. Contudo, propõem que essa ética voltada para o meio

ambiente deve ser inserida não só nas decisões políticas e econômicas, mas que ela deve

traduzir-se numa mudança de comportamentos, de forma geral. Os autores ainda defendem que,

depois de refletir acerca desse cenário de crise ambiental, é possível voltar a valorizar e respeitar

a natureza, reconhecendo que essa tem um valor intrínseco, e fazer um melhor uso dos seus

recursos, compreendendo que as atividades humanas estão incluídas nela, e por isso mesmo

precisamos protege-la. Assim, Larrère e Larrère (1997) relacionam a proteção da

biodiversidade com a proteção das próprias praticas humanas - produtivas, científicas e lúdicas.

E, embora os problemas apresentados pela crise ambiental tenham atingido proporções

alarmantes, devido às intervenções na natureza e uso despreocupado das técnicas, os autores

acreditam ser possível ainda promover um desenvolvimento durável ao tentar articular natureza

e política, voltar a conciliar naturalismo e humanismo, e elaborar normas éticas que orientem a

ação antrópica diante do meio ambiente. Mas, além de inserir a ética ambiental nas questões

normativas, Larrère e Larrère (1997) propõe que todo o conceito de natureza seja revisto, de

forma que o respeito para com esta seja traduzido numa mudança de comportamento de forma

geral, e esteja presente em todos os aspectos da vida humana que envolva a relação com os

recursos naturais e demais seres vivos, bem como a responsabilidade para com as futuras

gerações. Assim, dentre as perspectivas da ética ambiental, os autores afirmam:

Habitar uma natureza de que fazemos parte e que compreende as nossas obras,

fazer dela uma morada que seja viável e onde se possa viver. Sabemos que isso

não será fácil. Contudo, é possível conceber um bom uso, uma atividade

industriosa que respeite a natureza na sua diversidade. Um bom uso, informado

pela ecologia, e que sujeite a técnica a uma ética. (LARRÈRE & LARRÈRE,

1997, p.306)

Assim, a ética ambiental passou a se afirmar e ganhar espaço em meio as discussões

sobre o desenvolvimento sustentável, trazendo reflexões diretas acerca dos custos ecológicos

provenientes da ação humana sobre os recursos naturais, bem como os riscos e responsabilidade

perante as incertezas e o futuro da humanidade e da vida na Terra, de forma geral. Apontando

a importância de se atribuir um valor intrínseco à natureza e demais seres vivos, e a necessidade

de levar em conta o respeito aos limites recursos naturais, não somente porque a vida humana

depende do bem-estar ecológico, mas também as demais espécies e futuras gerações.

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Larrère e Larrère (1997) defendem, por fim, no aparato da ética ambiental, após

refletirem sobre a crise ambiental, bem como causas/consequências dela, a aplicação do que

eles chamam de ‘princípio da precaução’. Para eles, seria a adoção de tal princípio que apontaria

um caminho viável para as relações que se estabelecem entre homem e meio ambiente, visando

a proteção da natureza e futuro da própria humanidade de forma equilibrada, e que levem em

consideração “o debate público e o conhecimento científico esclarecido” (SANTOS; SOUZA,

2018, p. 111). Dessa forma, Larrère e Larrère (1997) argumentam, então, sobre como poderia

se estabelecer essa responsabilidade perante à natureza e às presentes e futuras gerações.

Fazendo uma crítica à teoria do ‘princípio de responsabilidade’, de Hans Jonas, os autores

defendem a teoria do ‘princípio da precaução’:

A razão sobrepõe-se assim ao medo e abre o espaço do debate público. Uma

tal compreensão do princípio da precaução resulta da prudência, essa virtude

grega do limite e da medida, atenta à singularidade dos casos, que é a

capacidade para deliberar e decidir numa situação de incerteza, [...]. O

princípio de precaução pode assim aplicar-se no espaço político da democracia,

e mesmo tendo em conta as incertezas inevitáveis do saber científico, não se

separar desse último. (LARRÈRE & LARRÈRE, 1997, p. 280-281)

Hans Jonas, filósofo alemão, publicou em 1979 o livro “O Princípio da

Responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica”, onde argumenta que os

problemas socioambientais causados pela tecnologia precisam ser avaliados sob o ponto de

vista de uma nova ética, que oriente a ação da técnica. Jonas defende que, diante das incertezas

e riscos provocados pela técnica, que ameaçam a própria vida humana, deve-se efetivar uma

“ética da responsabilidade”, onde ações mal planejadas e cujos efeitos se desconhecem, sejam

renunciadas (SANTOS; SOUZA, 2018). Contrapondo-se à teoria de Jonas, Larrerè e Larrerè

(1997) propõem para a questão do uso da técnica sobre a natureza e suas consequências, em

partes ainda desconhecidas para as presentes e futuras gerações, prudência para que se garanta,

através da negociação, do debate, da exposição dos riscos, o acesso equitativo de todos ao bem

comum, através da preservação da natureza. Voltando a reafirmar que não se trata de limitar a

técnica, mas orientá-la, para que esta faça da natureza um bom uso. Para isso, veem como

fundamental a reconciliação conceitual entre sociedade e natureza, reinscrevendo o homem

dentro dela, despertando seu sentido de pertencimento de forma a provocar uma mudança

comportamental que reflita na preocupação e cuidado efetivo para com o meio natural.

Contudo, Larrère & Larrère (2015) fazem uma ressalva a respeito da conceituação dos

termos ‘natural’ e ‘artificial’, uma vez que ambos passaram a ser utilizados de forma hierárquica

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nas discussões a respeito da ética ambiental, aos quais passou a ser atribuído valor: tudo o que

for classificado como natural é bom, ao passo que as coisas artificiais teriam conotação

negativa. Assim, os autores chamam atenção a respeito dessa divisão, afirmando que não é

possível estabelecer esse limite entre o que é natural ou artificial de forma tão simples, visto

que a humanidade vem interferindo na natureza desde os primórdios e porque, tão importante

quanto isso, o homem é parte da natureza – reforçando a ideia de que ambos não devem ser

separados.

Por fim, o ponto central que os autores defendem diante dessa dicotomia natural versus

artificial é que ambos não devem ser separados ou que um seja escolhido em detrimento do

outro, mas que sejam analisadas todas as situações, a fim de considerar suas potencialidades.

Com isso, afirma-se mais uma vez que é papel da ética ambiental não limitar a técnica e negar

os avanços já alcançados, mas orientar seu uso e ponderar suas consequências, ao incluir o

homem (e sua produção) dentro das discussões a respeito da natureza, dos demais seres vivos

e das gerações futuras.

2.3 Os discursos do desenvolvimento sustentável

Antes dos movimentos em prol do meio ambiente começarem a receber destaque e o

debate sobre o desenvolvimento sustentável se expandir para os mais diversos setores, as

discussões sobre a preservação da natureza se dava, quase que exclusivamente, sobre a proteção

das florestas, parques e reservas ambientais. Tais discussões não chegavam a abranger a noção

do uso/exaustão de recursos naturais, e nem degradação ambiental causada pela ação antrópica

sobre a natureza – principalmente depois da Revolução Industrial, juntamente com avanços

técnicos e científicos, que ampliaram a capacidade humana de intervir no meio ambiente; como

tampouco era questionado o quanto esses impactos afetavam a qualidade de vida das

populações atuais e futuras.

Em outubro de 1962, Rachel Carson – bióloga e escritora – lançou um livro chamado

Primavera Silenciosa (Silent Spring), onde denunciou a morte de espécies animais e degradação

ambiental da região onde vivia, ocasionadas devido à poluição ambiental por pesticidas

químicos sintéticos (DDT), que estavam sendo amplamente utilizados. Essa publicação chamou

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a atenção das comunidades ambientalistas sobre impactos que as ações antrópicas vinham

causando ao ambiente natural e consequentemente, os riscos que tais impactos poderiam causar

a própria vida humana.

Em 1968 ocorreu o Clube de Roma, uma reunião onde vários países debateram sobre o

futuro da humanidade e utilização dos recursos naturais, considerado um “marco das

preocupações do homem moderno com o meio ambiente, incorporando questões sociais,

políticas, ecológicas e econômicas com uso natural dos recursos” (SANTOS, 2004). Tais

reflexões continuaram a ser discutidas na Conferência das Nações Unidas, realizada em

Estocolmo em 1972, quando o aumento da exploração dos recursos naturais, níveis de poluição

e desastres ecológicos passaram a refletir direta e indiretamente na vida da população mundial,

suscitando questionamentos acerca da temática socioambiental e crise ecológica

(GUIMARÃES, 2010). A partir de então os conceitos de ecodesenvolvimento e

sustentabilidade começaram a ser formados e repercutidos, sendo entendidos como um meio

termo entre crescimento econômico e equilíbrio ecológico:

A visão mecanicista da razão cartesiana converteu-se no princípio construtivo

de uma teoria econômica que predominou sobre os paradigmas organicistas

dos processos da vida, legitimando uma falsa ideia de progresso da civilização

moderna. Dessa forma, a racionalidade econômica baniu a natureza da esfera

de produção, gerando processos de destruição ecológica e degradação

ambiental. O conceito de sustentabilidade surge, portanto, do reconhecimento

da função de suporte da natureza, condição e potencial do processo de

produção. (LEFF, 2015, p. 15)

Nos anos que se seguiram, diversas outras reuniões e conferências foram realizadas ao

redor do mundo, a exemplo da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

(1987) e a Rio-92, entre outros, de onde foram divulgados estudos sobre os níveis de degradação

ambiental causados pelas ações antrópicas e relatórios que passaram a trazer o conceito de

desenvolvimento sustentável para os discursos públicos. Dessas reuniões e conferências

mundiais saíram publicações como o Relatório Brundtland7 e Agenda 218, documentos que

passaram a nortear as políticas públicas de diversos países, questionando os limites da

7 O Relatório Brundtland (Our Common Future – Nosso Futuro comum), é o documento final produzido durante

os debates da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1987, que apresenta como ideia

central a noção que o desenvolvimento econômico precisa estar acompanhado do desenvolvimento social, e levar

em consideração os limites de exploração dos recursos naturais para que seja possível alcançar o desenvolvimento

sustentável.

8 A Agenda 21, resultado da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que

ocorreu no Rio de Janeiro em 1992, é um programa de ações com diversos instrumentos de planejamento para a

construção de sociedades sustentáveis, através de métodos que conciliem eficiência econômica e justiça social,

aliadas à proteção ambiental.

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intervenção do homem na natureza, e incentivando a adoção de estratégias que fossem capaz

de promover um desenvolvimento mais sustentável, que respeitasse os limites dos ecossistemas

naturais, possibilitando a qualidade de vida dessa geração e das futuras.

A tomada de consciência ecologista e os movimentos verdes, que nasceram na década

de 60, surgiram como reação às insatisfações advindas dos custos ecológicos gerados pelo

crescimento econômico e “progresso”, que não haviam dado atenção aos limites naturais e

sociais no decorrer da história da humanidade, intensificados após a Revolução Industrial,

quando o conhecimento científico acumulado possibilitou um crescimento da produção de bens

materiais através da utilização predatória de bens naturais (SACHS, 2007; DUPAS, 2006).

É cada vez mais fácil apontar a insustentabilidade dos atuais padrões de

crescimento, mas a facilidade desaparece por completo quando se tenta definir

os caminhos que levarão a um desenvolvimento mais sustentável. Desde o final

dos anos 1980, quando os problemas ambientais globais se tornaram mais

graves e evidentes, particularmente a dilapidação da biodiversidade e o

aquecimento global, a noção de desenvolvimento sustentável espalhou-se por

vários países, tornando-se um dos mais imprescindíveis ideais da sociedade

moderna. (EHLERS, 2012, pg. 10)

José Eli da Veiga é um grande expoente para a conceituação do que seria o

desenvolvimento sustentável, nesse contexto de crises socioambientais que passam a permear

mais fortemente o mundo nas últimas décadas. O autor trabalha, em diversas obras, assuntos

que formulam esse conceito. No livro Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI,

Veiga (2010) começa a destrinchar, num primeiro momento, qual seria o significado do termo

‘desenvolvimento’, isoladamente, chegando à conclusão que este foi e é, por vezes, associado

ao crescimento econômico, mas que teóricos como Ignacy Sachs vem trazendo a ideia de

‘desenvolvimento’ como um conjunto de fatores, que envolve também as questões sociais e

ambientais. Para ele, um dos aspectos que contribuem para essa associação é a dificuldade de

mensurar9 esse desenvolvimento, o que o mantem como algo ainda subjetivo, enquanto o

crescimento econômico pode ser avaliado e medido pelo PIB per capita de cada país.

Segundo o autor, os fundamentalistas do mercado apontam o desenvolvimento como

algo decorrente apenas do crescimento econômico, onde esse crescimento chegaria num ponto

9 Sobre os índices para medir o desenvolvimento de um local, o autor mostra que outros fatores passam a valer

como índices, não contando apenas o crescimento da economia, afirmando que o IDH (Índice de Desenvolvimento

Humano) é um dos pontos de partida para esse cálculo, uma vez que diversos indicadores sobre a qualidade de

vida da população serão levados em conta para avaliar o nível de desenvolvimento de determinada localidade,

além do crescimento econômico apenas.

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de possibilitar a preservação da natureza e a qualidade de vida (curva ambiental de Kuznets10),

além do ultra otimismo tecnológico – acreditar que a evolução da tecnologia vai conseguir

responder a esses problemas causados e revertê-los; no entanto, ele desmonta essa supremacia

mercadológica, afirmando que tais preceitos além de não serem éticos, já existem indicadores

que comprovam tragédias ambientais de países ricos, invalidando a teoria de que crescimento

econômico estaria diretamente relacionado à preservação ambiental que os economistas tanto

tentam legitimar.

Veiga (2010) dá continuidade, na segunda parte do livro, à tentativa de definir qual o

sentido do termo ‘sustentabilidade’, que começou a ser utilizado ao tempo que passaram a

acontecer as conferências mundiais, como a Conferência de Estocolmo, em 1972. Ele afirma

que, diferentemente do ‘ambientalismo pueril’ das décadas anteriores, que pouco se preocupava

com as questões sociais, de pobreza e desigualdade, a sustentabilidade vem abarcar também as

dimensões social, cultural, política (nacional e internacional), territorial, econômica, além da

ecológica e ambiental. No que concerne à sustentabilidade ecológica e ambiental, afirma que:

[...] os objetivos de sustentabilidade formam um verdadeiro tripé: 1)

preservação do potencial da natureza para a produção de recursos renováveis;

2) limitação do uso de recursos não renováveis; 3) respeito e realce para a

capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais.

A sustentabilidade ambiental é baseada no duplo imperativo ético de

solidariedade sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com

as gerações futuras. Ela compele a trabalhar com escalas múltiplas de tempo e

espaço, o que desarruma a caixa de ferramentas do economista convencional.

Ela impele ainda a buscar soluções triplamente vencedoras (isto é, em termos

sociais, econômicos e ecológicos), eliminando o crescimento selvagem obtido

ao custo de elevadas externalidades negativas, tanto sociais quanto ambientais.

(VEIGA, 2010, p. 171-172)

Na última parte do livro, Veiga (2010) traz então a junção do termo ‘desenvolvimento

sustentável’, apontando esse como a ‘utopia do século XXI’, e faz uma crítica à apropriação

econômica do termo11, que passa a utilizá-lo a seu favor e se auto postular como sustentável;

tanto por via de ser um termo que caiu no uso comum, quanto por perpetuar o otimismo de que

é possível associar o livre crescimento econômico com a preservação ambiental – quando já

existem inúmeras pesquisas que invalidam essa associação. O autor afirma que ao trazer a

10 A curva ambiental de Kuznets representa um gráfico, desenvolvido por Simon Kuznets, onde se relaciona o

crescimento do PIB e a educação com o nível de degradação da natureza, estabelecendo a noção de que ao

ultrapassar um certo patamar de riqueza, determinada população passaria a preocupar-se com a preservação do

meio ambiente, e esta seria alcançada. 11 Diversos setores da economia passam a apropriar-se dos discursos do desenvolvimento sustentável, utilizando

estratégias de “marketing verde” e associando os termos que remetam produtos e serviços à sustentabilidade, numa

tentativa de convencer a população das boas intenções para com o meio ambiente, uma vez que tais termos e

discurso sustentável caíram no uso comum.

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questão ambiental para o discurso econômico, os setores comerciais passam à tentativa de traçar

quais seriam os limites da natureza, as questões de valorações econômica, do quanto poderia

ser pago para fazer usufruto de um bem ou serviço ecossistêmico, sempre apreendendo a visão

econômica, do capitalismo, sobre o desenvolvimento sustentável. Por outro lado, ele também

afirma que “propostas como um mundo de crescimento zero, para não falar de fantasias como

o retorno à suposta simbiose primitiva entre homem e natureza, embora radicais, são

completamente inviáveis” (VEIGA, 2010, p. 206).

Por fim, o autor elucida que esse tal desenvolvimento sustentável não é, até este

momento, um conceito redondo, mas uma utopia ainda sem absoluta definição – menos ainda

qual seria exatamente o caminho para alcança-lo. Para ele, apesar disso, a definição trabalhada

por Sachs é a que mais se adequa, que seria alcançar, ao mesmo tempo, a qualidade de vida

preservando o meio ambiente; onde essa qualidade de vida não necessariamente esteja atrelada

ao crescimento econômico e imperativos de consumo exacerbado que se pratica.

Sachs (1995) afirma que “o poder destruidor das tecnologias, cujo uso permanece

subordinado à busca de projetos financeiros e econômicos de curto prazo, manifestou-se, por

outro lado, pela degradação do meio-ambiente” (SACHS, 1995, p. 31). Para o autor, progressos

econômicos e tecnológicos ao longo das décadas, acarretaram no agravamento das crises

socioambientais, sem prever soluções para estas; e que as crises nos contextos urbanos

precisavam de atenção, uma vez que são nesses locais que ocorrem as relações interpessoais,

que são fontes de inúmeros conflitos, sendo necessário, então, um despertar da cidadania

urbana. O autor ainda faz uma crítica ao uso do termo desenvolvimento que, segundo ele,

deveria ser reservado para quando houvessem progressos nos âmbitos social, econômico e

ecológico de forma integrada e ao mesmo tempo:

O desenvolvimento sustentável obedece ao duplo imperativo ético da

solidariedade com as gerações presentes e futuras, e exige a explicitação de

critérios de sustentabilidades social e ambiental e de viabilidade econômica.

Estritamente falando, apenas as soluções que considerem esses três elementos,

isto é, que promovam o crescimento econômico com impactos positivos em

termos sociais e ambientais, merecem a denominação de desenvolvimento.

(SACHS, 2008, p. 36)

Assim, os debates acerca da sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável

começaram a partir da segunda metade do século XX, quando as discussões em torno das

questões relacionadas ao crescimento da população, desenvolvimento econômico e sua relação

com o meio ambiente passaram a ser desenvolvidas de forma mais consistente (SILVA, G.

2014). Conforme Santos (2004), a questão ambiental passou a ser contemplada dentre os

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conceitos do planejamento entre os anos 1970 e 1980, quando começou a ser discutida a

preservação dos recursos naturais e o papel do homem integrado ao ambiente natural, e de que

forma essa integração refletia na qualidade de vida das populações. Para Veiga (2010), a

sustentabilidade começava a se firmar como um novo valor que emergia a partir dos anos 1980,

e trazia consigo a noção de que existia a possibilidade de se preservar e recuperar os sistemas

naturais já degradados, sendo essa uma condição para a evolução da espécie humana e

progresso social.

A crise ambiental veio, então, contestar o crescimento econômico e as bases de produção

que, por décadas, negaram a natureza, e passaram a refletir numa crise do mundo globalizado

de forma geral. Dessa forma, entende-se como preemente a necessidade de ressignificar as

concepções de progresso e do crescimento sem limites, e idealizar novas estratégias de poder

em torno da reapropriação da natureza – filosófica, epistemológica, econômica, tecnológica e

cultural, como afirma Leff (2015). Os problemas socioambientais que passaram a ser

percebidos devido a grandes desastres que envolveram o meio ambiente e refletiram na

qualidade de vida das populações (SILVA, G. 2014), suscitaram os debates acerca da

preservação da natureza e da própria vida humana.

Das conferências e debates que se seguiram em torno da concepção de desenvolvimento

sustentável, que por vezes debateram e aplicaram as reflexões levantadas pelo princípio da

precaução (LARRÈRE & LARRÈRE, 1997), diversas agendas e acordos passaram a integrar

as políticas internacionais, na tentativa de se começar a efetivar os caminhos apontados para se

mitigar os efeitos da crise ambiental e evitar seu agravamento. Diante do risco de colapso

ecológico e escassez de recursos decorrentes do crescimento econômico e urbano, o

desenvolvimento sustentável trouxe uma visão interdisciplinar para abordar os problemas

ambientais e redirecionar as posturas em relação a estes problemas, a fim de reconciliar

sociedade e natureza de forma equitativa e equilibrada.

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3 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO E A QUESTÃO AMBIENTAL

Tal como as sociedades se desenvolveram ao longo do tempo, juntamente com o vasto

conhecimento e tecnologias dele provenientes, alterou-se também o modo de vida humano e,

consequentemente, as formas de ocupação do espaço. Agrupando-se em cidades, que tiveram

um crescimento acelerado e muitas vezes de forma descontrolada, principalmente nas últimas

décadas, o estilo de vida urbano contribuiu sobremaneira para a intensificação da crise

ambiental na qual estamos inseridos na atualidade. A separação conceitual e prática entre

ambientes natural e construído, urbano e rural, ocasionaram com que, durante muito tempo, a

expansão das cidades e modos de vida adotados nela não levassem em conta a preocupação

com as questões ambientais e, por conseguinte, com a qualidade de vida. No âmbito da crise

ambiental e discussões levantadas no percurso da conceituação do desenvolvimento

sustentável, a preocupação acerca dos impactos do espaço urbano causado aos ecossistemas

naturais passou a se fazer cada vez mais necessária e presente, diante da constatação de não ser

mais possível discutir e pensar essa problemática de forma dissociada.

Esse capítulo tem por objetivo, então, discutir sobre a situação dos espaços urbanos diante

do contexto de degradação e crise ambiental que se vive na atualidade. E, a partir de tal

discussão, verificar como ocorreu a inserção da preocupação com as questões ambientais e

sociais que passaram a compor os debates acerca do planejamento urbano, no âmbito do

desenvolvimento sustentável.

Primeiramente, será evidenciada a problemática socioambiental urbana, na qual as

cidades encontram-se hoje inseridas, e da qual elas são responsáveis, juntamente com os

impactos causados, que tem contribuído para o agravamento da crise ambiental. Diante desse

cenário, será discutido como se deu a inserção da preocupação ambiental junto ao planejamento

urbano após a tomada de consciência ecológica e as diversas conferências realizadas desde

então, e de que forma repensar as questões urbanas pode contribuir para a mitigação dessa crise.

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3.1 As cidades modernas e a problemática socioambiental urbana

A cidade é, desde a Antiguidade, o centro onde se organizam as sociedades, “onde surge

a filosofia, a reflexão sobre a natureza, o mundo e o conhecimento” (LEFF, 2015, p. 288). No

entanto, no decorrer do percurso da humanidade, os processos urbanos ocuparam o meio

ambiente natural de forma por vezes despreocupada, tirando máximo proveito dos recursos

naturais e provocando diversas interferências na natureza – ao produzir as cidades, acarretando

num conjunto de impactos responsáveis pela intensificação da crise ambiental que hoje se

enfrenta.

Os assentamentos humanos foram, historicamente, produtos da cultura e do modo de

vida de um determinado povo, se expressando de forma diferente durante a história da

humanidade. Diversos modelos de cidades existiram desde as mais remotas civilizações, e

foram se transformando no decorrer do tempo, coexistindo com seus entornos naturais, dos

quais dependiam diretamente dos recursos mais básicos à vida humana, sendo, por vezes,

indissociável a história das cidades da história da humanidade enquanto comunidade. Fato é

que, assim como o modo de vida dos homens sofreu inúmeras transformações ao longo do

tempo, as formas destes se organizarem geograficamente no espaço também se alterou

profundamente. Mendonça (2004) afirma que foi a partir da Era Moderna que se passou a ser

imposta uma nova dinâmica às cidades, visto que as relações sociais, econômicas e políticas

também passaram a se alterar de forma significativa nesse período. Conforme o autor, relações

capitalistas, sobretudo, de domínio e poder, consumo e produção, circulação, apesar dos

avanços proporcionados à vida humana, passaram a intensificar a degradação da natureza e,

assim, a despertar para a necessidade de se intervir de forma racional na construção do ambiente

urbano.

O crescimento das cidades, chegando nos padrões tais quais conhecemos hoje, ao redor

do mundo, aconteceu, entre outros fatores, devido ao aumento exponencial da população

humana a partir de meados de 1940, juntamente com o êxodo rural provocado pela mecanização

da agricultura aliado ao poder atrativo que as cidades passavam a apresentar, quando

comparadas à vida no campo, como facilidade de emprego, educação, saúde, serviços, entre

outros (GIRARDET, 2008). E, especialmente nos locais menos desenvolvidos

economicamente, as cidades se expandiram de forma descontrolada, com a ocupação de locais

inapropriados, e sem infraestrutura básica para suportar tal crescimento. Essa, dentre outras

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coisas, foi uma das mais significantes causas do agravamento da degradação ambiental: as

populações cresciam, e as cidades cresciam junto para suportar e abrigar esse novo contingente

populacional. O aumento da produção de bens e serviços para atender a essa população, bem

como o aumento dos resíduos gerados tanto pelos processos de produção, impulsionado pela

revolução industrial, quanto pelo uso e descarte desses produtos, passaram a gerar diversos

impactos de ordem socioambiental, de forma cada vez mais intensa.

Esta compreensão consolida a ideia de que o espaço urbano não é resultante de

uma simples aproximação entre as pessoas para uma melhor convivência, mas

estreitamente ligado ao processo de produção e apropriação do próprio espaço,

tornando ele próprio, objeto de especulação. Para a compreensão dos contornos

do urbanismo atual, faz-se, pois, necessário compreender a estreita vinculação

do processo de urbanização com o processo de produção industrial, porquanto,

trata-se da geração de novas configurações onde as atividades produtivas

passam a acontecer em espaços na sua grande maioria coletivos e

centralizados. (CENSI; SCHONARDIE, 2015, p. 177)

Como afirmado pelas autoras, o processo de urbanização, acompanhando o crescimento

industrial, gerou novas configurações, as atividades urbanas passaram a ser cada vez mais

intensas, e os impactos decorrentes direta e indiretamente dessas atividades provocaram graves

consequências para a qualidade de vida dos seus habitantes e para o meio ambiente. Assim, o

processo de crescimento das cidades e a ação humana despreocupada com impactos causados

à natureza e ao espaço urbano contribuíram de forma intensa para a degradação dos espaços e

os problemas socioambientais urbanos.

Dentre os impactos ambientais intensificados pelas atividades urbanas, destacam-se a

poluição atmosférica – e consequente aumento do aquecimento global, advinda do uso de

combustíveis fósseis e não renováveis, para a realização de atividades de setores como

industrias e sistemas de transporte; depleção de recursos naturais para ocupação ou extração de

matérias-primas; e disposição e tratamento de resíduos, provenientes da alta produção e

consumo. Girardet (2008) afirma que tais impactos ultrapassaram as fronteiras e se tornaram

globais, principalmente pelo modo de vida ancorado na utilização dos combustíveis fósseis, que

tem impactado a natureza de forma nunca vista antes. Para ele, ainda que tais problemas tenham

atingido a proporção mundial, é necessário observar que nas cidades de terceiro mundo os

problemas se agravam diante da falta de condições mínimas de vida, como abastecimento de

água e sanitário, bem como tratamento de lixo, expondo as populações a doenças e epidemias

devido à insalubridade dos locais onde vivem e afetando mais fortemente as populações e

regiões mais pobres.

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Embora os problemas ambientais urbanos atinjam indiretamente todos os

segmentos da população urbana – o que se verifica pelo amplo reconhecimento

da precarização da qualidade de vida nas grandes cidades –, é a parcela de

menores recursos que mais sofre com as suas consequências: os deslizamentos

provocados pela ocupação imprópria de encostas, as inundações decorrentes

da ocupação de áreas de várzeas e de fundos de vale, a contaminação por acesso

à água não tratada ou os problemas de saúde resultantes do manejo inadequado

de resíduos sólidos são apenas alguns dos problemas ambientais urbanos que

afetam diretamente a qualidade de vida da população de baixa renda. (SOUSA

E SILVA; TRAVASSOS, 2008, p. 43)

Ainda segundo o autor, o acelerado crescimento das cidades ao redor do mundo se deu

também devido às infinitas possibilidades que as novas tecnologias trouxeram, dentre elas

novas tecnologias de construção – cimento, concreto, aço e vidro – que ajudaram a acelerar

todo o processo. Para ele, além de toda energia e recursos naturais que uma cidade produz,

consome e desperdiça nas suas diversas atividades, os impactos ambientais decorrentes das

técnicas utilizadas nos processos de construção, especialmente o concreto armado12, também

somaram forças aos problemas ambientais que se enfrenta atualmente.

Alia-se a isso, o modelo de urbanização tradicional baseado na infraestrutura cinza

monofuncional - que é focada na circulação de automóveis e extensas áreas pavimentadas13

(que causam problemas à questão da drenagem das águas pluviais e consequências afins) com

alto potencial de comprometer a qualidade do ambiente e paisagem urbana, quando seu

planejamento não consideram as questões ambientais (HERZOG; ROSA, 2008). Tal modelo

de urbanização passou a vigorar a partir do começo do século XX, quando começa a produção

de automóveis à motor, movido através de combustíveis fósseis. Os avanços na indústria

automobilística e incentivo à produção, com potencial de grandes ganhos econômicos levaram

às cidades a fornecer infraestrutura para atender essa nova e crescente demanda, marcando um

novo padrão de vida. Além disso, aumenta-se também, a nível mundial, as companhias

fornecedoras dos combustíveis para a operação de tais veículos, perfazendo um ciclo onde o

12 O concreto armado (produto resultante da junção de cimento e ferro ou aço), vidro, aço e outros materiais

atualmente utilizados na construção civil, foram produtos criados no âmbito da revolução industrial e

proporcionaram um poder de inovações, formatos e rapidez não vistos anteriormente na construção civil. A partir

da utilização de tais materiais, foi possível construir edificações em escala de tempo infinitamente menor do que

anteriormente (quando as construções eram feitas através de materiais como pedra, adobe, argila, madeira), que

contribuíram para o rápido crescimento das cidades, num todo. Girardet (2008) elucida o uso do cimento como

uma dessas tecnologias que intensificaram a degradação ambiental porque além de ser um produto artificial, todo

seu processo de confecção e descarte tem efeitos nocivos à natureza, desde a retirada da matéria bruta dos solos e

alto consumo de energia para sua confecção, até a dificuldade em reciclar no momento do descarte. 13 Barlow (2015) traz reflexões sobre como a urbanização e impermeabilização dos solos está interferindo também

no ciclo hidrológico (e agravando a crise hídrica), ao impedir a absorção da água da chuva para abastecimento dos

lençóis freáticos e rios como um todo; afirmando que medidas para amenizar essa situação deveriam ser

incorporadas pelo planejamento urbano, como por exemplo estratégias de captação de água e telhados verdes,

entre outros.

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crescimento econômico obteve êxito e relevância, sem a devida preocupação com as

externalidades sociais e ambientais que viriam decorrer disso (MENDONÇA, 2004).

Ora, mais uma vez a ideia de “progresso”, proporcionada pelo acúmulo do

conhecimento científico e incorporada pelos agentes econômicos, induziu o crescimento das

cidades apoiado nos meios de transporte motorizados. A utilização de automóveis passou a ser

incentivada em larga escala a partir da década de 1960, para favorecer o crescimento econômico

através das indústrias automobilísticas. Conforme afirma Maricato (2008), o automóvel foi o

maior influenciador do modo de vida urbano na era da industrialização, conformando a cidade

para a sua utilização, sendo por vezes tratado como uma utopia de liberdade e mobilidade, mas

que se converteu, com a intensificação do seu uso, em um dos maiores problemas para as

cidades:

A impermeabilização do solo causada pela urbanização dispersa que avança

horizontalmente sobre todo tipo de território ou uso, a área ocupada e

impermeabilizada pelo automóvel nesse modelo de urbanização

(estacionamentos, avenidas, amplas rodovias, viadutos, pontes, garagens,

túneis) fragmentando e dividindo bairros inteiros, a custosa e predatória

poluição do ar se somam ao incrível número de acidentes com mortes ou

invalidez, as horas paradas em monumentais engarrafamentos causadoras de

stress, enfim o “apocalipse motorizado” é por demais visível e predatório para

ser ignorado. Suas consequências envolvem desde aspectos subjetivos como a

“solidão da abundância” (uma referência ao modelo de consumo que tem no

automóvel um item central) até o principal causador de impacto sobre o

aquecimento global. (MARICATO, 2008, p. 5-12)

Assim, o uso em demasia dos automóveis, sobretudo os particulares, tem agravado

problemas nos ambientes urbanos não apenas pelo incentivo à dispersão dos espaços e a indução

à pavimentação e impermeabilização destes, bem como pelo aumento dos índices de poluição

do ar. Como reitera Dupas (2006), carros individuais consomem uma quantidade muito superior

de energia do que o transporte público (principalmente quando esse último usa energia limpa14)

e contribuem de forma direta e intensa para o aquecimento global15, causando impactos

significativos no ciclo de evapotranspiração dos recursos hídricos. Dessa alteração nos padrões

14 Energia limpa é aquela que não libera resíduos e gases poluentes (responsáveis pela geração do efeito estufa e

consequente aquecimento global) durante sua produção e consumo, ou que o fazem de forma mínima, minimizando

as agressões ao meio ambiente, como por exemplo a energia eólica ou solar, as células de biocombustíveis

(biomassa, biodiesel, bioetanol, entre outros). 15 No Brasil, das emissões de gases de efeito estufa proveniente dos transportes, 32% é decorrente do transporte

coletivo, enquanto 68% é provocada pelos transportes individuais (dados do Ministério do Transporte, 2013). Essa

disparidade é consequência da priorização histórica que foi dada às indústrias automobilísticas, que marginalizou

e sucateou os outros meios de transportes que não fossem o individual motorizado. Tal priorização foi responsável

pela geração de um ciclo infindável de “deterioração das cidades e utilização injusta e antidemocrática do espaço

urbano”, intensificando tanto problemas sociais quanto ambientais. (RUBIM; LEITÃO, 2013).

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do ciclo hídrico, observa-se como consequência períodos de longa estiagem em algumas

regiões, e intensas precipitações em outras – este segundo, quando aliado à impermeabilização

dos solos nas áreas urbanas ocasionam enchentes e inundações que afetam, muitas vezes de

forma devastadora, as populações e ambiente locais, especialmente nos lugares mais carentes.

Girardet (2008) aponta dois significantes reflexos da urbanização baseada na utilização

de automóveis (particulares, principalmente, em detrimento dos públicos ou coletivos).

Primeiro, tal modelo favoreceu que a expansão se efetivassem de forma física – expansão

geográfica das cidades, uma vez que existe a possibilidade de percorrer longas distâncias – e

que consequentemente aumenta ainda mais a dependência dos transportes automotivos. Isso fez

com que muitas cidades expandissem seus territórios para as áreas até então naturais, causando

ainda maior degradação do seu entorno, e incentivando a urbanização de áreas até então rurais.

Ao mesmo tempo, o grande número de automóveis causa quadros de congestionamento diários

às médias e grandes cidades e, além do grande fluxo de automóveis elevarem a poluição do ar

(que, dentre outras coisas, agravam problemas respiratórios da população), o modelo do traçado

de ruas e avenidas a favor do uso de carros afugenta pedestres das ruas16 e espaços públicos,

refletindo na queda da qualidade da vida urbana, que influencia inclusive na questão da

violência urbana.

Dessa forma, o modelo de urbanização adotado devido ao uso dos automóveis, aliado

ao urbanismo moderno17 e a setorização dos espaços (Figura 01), contribuíram de forma intensa

para formação de cidades cada vez mais espraiadas18, causando depleção de espaços até então

naturais nas periferias das cidades. Essas extensões não planejadas das cidades, aliadas a

décadas de um planejamento urbano centrado na utilização de automóveis, causaram tanto a

degradação de áreas naturais adjacentes às cidades e reforçando a dependência do uso de

16 Dentre os problemas causados por esse modelo de traçado urbano que favorece a utilização de automóveis,

observa-se ainda a ocorrência frequente de acidentes de trânsito. No caso do Brasil, esse possui uma elevada taxa

de acidentes, registrando uma média de 22,5 mortes para cada 100mil pessoas, ultrapassando países como China

(20,5), Índia (18,9) e Estados Unidos (11,4). A estimativa é que os gastos anuais para o sistema de saúde brasileiro,

dividido entre tratamentos e custos adicionais gerados por esses acidentes, chegue a cerca de R$ 50 bilhões ao ano.

(RUBIM; LEITÃO, 2013) 17 O urbanismo moderno esteve vigente entre as décadas de 1910 e 1950, principalmente, e teve grandes arquitetos

e urbanistas como expoentes, como Le Corbusier, Walter Gropius, Mies van der Rohe, entre outros. Dentre suas

características, a divisão das áreas urbanas em setores (comercial, residencial, áreas de lazer, etc.) foi uma das mais

marcantes. Tal setorização foi favorecida pela facilidade de locomoção possibilitada pelos automóveis. No entanto,

gerou-se espaços distantes e segregados, causando cada vez mais a dependência dos meios de transporte para

realização das necessidades básicas, quando o espaço de morar/lazer ficou distante do local de trabalho serviços,

e vice-versa.

18 Espraiamento é o termo utilizado para a expansão horizontal das cidades, que gerando a dispersão da malha

urbana, criando espaços distantes e causando impactos negativos na mobilidade urbana.

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transporte automotivos para percorrer longas distâncias, geraram mais e mais

impermeabilização dos solos e emissão de gases de efeito estufa, como anteriormente frisado,

criando um ciclo cada vez mais degradante e insustentável do modo de vida urbano.

Figura 1 – Setorização no Urbanismo Moderno: Plan Voisin (Le Courbusier, 1925).

Fonte: www.planocidade.wordpress.com. Acesso em 06/03/2019

Com isso, o autor aponta a utilização desregulada de automóveis nas áreas urbanas como

um dos principais problemas para a qualidade ambiental e social das cidades atuais. Defende

que para reduzir de forma significativa os impactos ambientais da urbanização marcada pelo

uso de automóveis individuais, seria necessário combinar políticas de planejamento urbano,

melhorar densidade urbana, ampliar a oferta de transporte público e aliar novas tecnologias

(limpas), além de favorecer a apropriação dos espaços urbanos por pedestres, através da

priorização de áreas para pessoas em detrimento do espaço para automóveis (GIRARDET,

2008).

Fato é que, salvo a ocorrência de grandes catástrofes, os estudos demográficos preveem

que a população mundial continuará em ritmo crescente até 2050, atingindo a faixa dos 8 a 9

bilhões de pessoas (DUPAS, 2007). No Brasil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE, 2011), estima-se de que 85% da população brasileira atual já

vive em cidades.

Em muitas regiões, abrigar tantos novos moradores levou ao surgimento nas

cidades de grandes áreas de habitação informal, densamente povoadas,

primitivamente construídas e carentes de todos os tipos de serviços. A pressão

sobre as cidades também leva à superpopulação das áreas existentes,

sobrecarregando os serviços, sistemas de tráfego e, com certeza, parques e

espaços comuns”. (GEHL, 2015, p. 217)

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O crescimento populacional acelerado e o processo de migração, como afirmado por

Gehl (2015), das áreas rurais para as áreas urbanas nas últimas décadas, aliado à falta de

planejamento adequado e de conscientização ambiental da grande maioria das cidades

brasileiras, contribuíram também para o intenso processo de expansão urbana descontrolada e

uma ameaça aos recursos naturais (TIEPO. et al, 2014). Essas áreas de habitação informal

intensificaram o processo de produção irregular das cidades e a consequente degradação

ambiental decorrente deste. A falta de acesso a espaços regulares induziu essa população

crescente e recém-chegada as cidades a buscar outros meios junto ao mercado imobiliário

informal, que geralmente atua em áreas ambientalmente frágeis – loteamentos em áreas de

preservação ambiental, como margens de matas nativas e cursos d’água, encostas e topos de

morro, entre outros (ALFONSIN, 2001).

Maricato (2010) reitera tal questão afirmando que essa falta de alternativa de habitação

legal (que sejam reguladas pela legislação urbanística vigente de um determinado local) para

grande parte da população gera ainda, como uma das principais consequências, a “agressão

ambiental”. Porque a ocupação dessas áreas ambientalmente frágeis torna-se, muitas vezes, a

única alternativa para essa parcela da população, excluída tanto pelo mercado formal quanto

pelos programas assistenciais que são pouco abrangentes ou eficientes, uma vez que “Não é por

falta de leis ou planos que essas áreas são ocupadas, mas por falta de alternativas habitacionais

para a população de baixa renda” (MARICATO, 2010, p. 9). Aliado à questão habitacional, há

ainda o problema da falta de saneamento básico e tratamento dos esgotos domésticos que, no

Brasil, afeta cerca de 34,5 milhões de habitantes urbanos. E que, ainda quando coletado, 80%

do esgoto doméstico não tem tratamento adequado e é despejado nos cursos d’água – os riachos,

lagos, mangues e praias tornam-se canais e destinos finais desses esgotos, perfazendo o ciclo

nefasto de impactos ambientais e sociais urbanos19.

Assim, em inúmeras cidades, problemas de ordem econômica, social e ambiental têm

sido intensificados devido a esse modelo de desenvolvimento carente de planejamento

apropriado e gestão ambiental, em que ocorrem a proliferação de periferias desprovidas de

infraestruturas básicas, o intenso processo de impermeabilização dos solos – e suas

consequências nefastas, a poluição atmosférica, o aumento de “ilhas de calor” e desconforto

térmico, entre outros fatores que afetam diretamente a qualidade do meio ambiente natural e

construído, assim como a qualidade de vida das populações (SANTOS, C., 2013).

19 Dados do IPEA (2009), obtidos com base nos registros do IBGE (MARICATO, 2010).

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A ideia de desenvolvimento que pode contribuir para efetiva melhora na

qualidade de vida da maioria da população deve vir questionar os valores da

sociedade capitalista em geral e rejeitar a economia produtora de valores de

troca e predadora de recursos naturais não renováveis. Torna-se essencial para

o nosso tempo, refletir acerca de alternativas econômicas que apresentem,

também, viabilidade ambiental. Que o desenvolvimento das cidades possa dar-

se em todas as suas dimensões, sejam elas: social, cultural, ecológica, espacial

e econômica. (CENSI; SCHONARDIE, 2015, p. 178)

Entende-se, portanto, que não apenas a inadequação do planejamento urbano no que diz

respeito ao ordenamento do desenho das cidades, mas também os processos como a vida urbana

acontece foram significantes para o quadro de degradação ambiental e social que se vive

atualmente. Ao mesmo tempo que a ciência evoluiu e proporcionou avanços, apesar benefícios

que agregaram à vida humana, estes também somaram forças à crise ambiental, ao possibilitar

ao homem o uso de técnicas que exploraram os recursos naturais intensamente, ela também

avançou na descoberta e aprimoramento de técnicas que visam a redução dos impactos

ambientais decorrentes das atividades urbanas. Dentre essas, pode-se se citar a criação de

pavimentos permeáveis (Figura 2), os avanços nas técnicas da eficiência energética, a

implementação de recursos de infraestrutura verde (como uso de telhados verdes nas

edificações – Figura 3), entre tantos outros avanços que tem a capacidade de mitigar alguns dos

efeitos negativos do modelo de urbanização vigente supracitados.

Figura 2 – Pavimentos permeáveis.

Fonte: http://www. jardinseafins.com. Acesso em 06/03/2019.

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Figura 3 – Telhados verdes.

Fonte: http://www.casagrandenetimoveis.com.br. Acesso em 06/03/2019.

Sabe-se que outras variáveis estão inseridas nesse contexto, não apenas a adoção de

técnicas ‘verdes’. O controle do crescimento das cidades, a proteção às áreas verdes inseridas

na malha urbana ou na periferia destas, bem como a utilização dos recursos naturais também

são de suma importância para um desenvolvimento equilibrado. Assim, discutir questões acerca

da qualidade do ambiente urbano e buscar estratégias de planejamento de sistemas urbanos

sustentáveis, são incumbências do planejamento urbano pautado na proposta de

sustentabilidade, respeitando os limites da natureza, a fim de “promover a capacidade de

adaptação de ecossistemas urbanos para enfrentar os desafios das mudanças climáticas e

requalificar as ambiências urbanas, conformando uma nova morfologia e paisagem”

(MASCARÓ; BONATTO, 2013).

Para Mendonça (2004), tal processo de urbanização atrelado à industrialização

evidenciam que o transcurso do planejamento urbano esteve sempre vinculado aos interesses

econômicos, pouco levando em conta os elementos de ordem natural e social, que gerou a

proliferação de ambientes urbanos altamente nocivos, tanto aos habitantes das cidades quanto

ao entorno natural destas.

A industrialização, a produção, a circulação e o consumo de mercadorias,

dentre outros, e a concentração populacional nas cidades que se intensificou

nos dois últimos séculos, tanto promoveram a explosão urbana quanto

introduziram paulatinamente a degradação dos ambientes urbanos. Esta

realidade moderna passou então a exigir, notadamente do Estado, iniciativas

no sentido de ordenar o desenvolvimento dos aglomerados humanos e a

intervenção no equacionamento dos problemas daí derivados. É, certamente,

num tal contexto que se observa o nascimento do planejamento urbano.

(MENDONÇA, 2004, p. 15)

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Portanto, é desse contexto de intensificação da industrialização e seus consequentes

impactos que, para o autor, nasce o planejamento urbano como um setor específico dentro do

controle dos órgãos governamentais. E, embora o desenho urbano em si tenha existido desde

sempre, é esse setor que passa então a pensar exclusivamente o ordenamento das cidades,

devendo levar em consideração diversas variáveis (econômicas, sociais, ambientais, culturais,

históricas) ligadas ao traçado urbano. A partir de tal afirmação, o autor levanta a reflexão sobre

a complexidade dos problemas no contexto urbano, e os estudos acerca de tais problemas, que

precisam compreender tanto a dinâmica da natureza quanto as duas interações com a

materialidade urbana e as atividades humanas.

Com isso, Mendonça (2004) relembra que as primeiras intervenções urbanas, que

apelaram à qualificação estética e higienização aconteceram em cidades europeias no início do

século XIX, a exemplo de Paris. No final deste mesmo século, as primeiras vertentes do

urbanismo moderno começaram a surgir, naturalistas e humanistas, demonstrando certa

preocupação com a interação entre sociedade e natureza, como o modelo da Cidade-Jardim

(Figura 4), de Ebenezer Howard, em 1898. Howard, pré-urbanista inglês, desenvolveu no final

do século XIX um modelo de cidade utópica, chamada por ele de “Cidade-Jardim”.

Figura 4 – Modelo da Cidade-Jardim.

Fonte: http://www.mediaarchitecture.at. Acesso em 06/03/2019.

Nesse modelo, Howard concebeu a ideia de um espaço que combinasse a vida urbana e

rural, onde propunha que as pessoas pudessem desfrutar dos benefícios de ambos os espaços

(natural e construído), em cidades de tamanho limitado, circundadas por áreas naturais (que

deveriam servir para a agricultura, como fonte de matérias primas e espaços voltados ao lazer),

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gerando uma perfeita harmonia entre homem e natureza. A cidade de Lecthworth, na Inglaterra,

foi uma das criadas de acordo com o modelo de Howard, e suas ideias influenciaram no

planejamento urbano e teorias do urbanismo posteriores, tendo características aplicadas em

diversas cidades pelo mundo. No entanto, com a passagem do século, tal conformação aos

poucos se perde e passa a dar lugar ao urbanismo moderno, baseado no avanço das técnicas

com ênfase na indústria e na circulação, “revelando uma completa consonância com os ideais

da modernidade capitalista” (MENDONÇA, 2004, p.15).

Por conseguinte, passa a questionar a respeito da real eficácia desse planejamento, uma

vez que as cidades continuaram a crescer e causar impactos de forma caótica no decorrer do

tempo. Dessa forma, sendo esses impactos tão graves, e de difícil resolução, como seria possível

conceber cidades sustentáveis, e mais, o que seriam cidades sustentáveis? É a partir de então

que Mendonça (2004) aponta a abordagem interdisciplinar – o estudo da cidade sob a

perspectiva ambiental – como um caminho para se refletir sobre tal problemática.

A mudança que se observa na evolução da atividade de planejamento que, de

caráter eminentemente economicista abre-se para a abordagem ambiental, é

sobretudo resultante das pressões oriundas da crise ambiental que se acirrou

nas três últimas décadas, [...]. Uma tal mudança de concepção e prática é,

indubitável e paradoxalmente, um dos bons resultados da crise.

(MENDONÇA, 2004, p. 16)

Assim como Mendonça (2004), é de consenso entre outros teóricos das questões urbanas

(GEHL, 2015; GIRARDET, 2008; FARR, 2013; MARICATO, 2008), a relação direta e nociva

que o modelo de urbanização voltado para a utilização de automóveis, em detrimento da

priorização espaços para transportes não-motorizados (caminhadas a pé, ciclovias, por

exemplo) foi o principal responsável pelo estado socioambiental caótico que a maioria das

cidades se encontram atualmente. É fato que outros fatores também têm forte influência nessa

problemática, mas estes quase sempre estabelecem uma relação direta com esse modelo até

então vigente, a citar a depleção de áreas naturais e impermeabilização dos solos a medida que

as áreas urbanizadas se expandem, como já mencionado.

Esse processo de urbanização pautado na construção de infraestruturas voltadas para a

livre circulação dos transportes motorizados gerou áreas degradadas tanto física quanto

economicamente. A fragmentação do espaço urbano induziu a implantação de bairros

residenciais distantes dos centros de serviço, trabalho e lazer, além de afugentar as populações

carentes das áreas mais centrais, conduzindo-as à ocupação das áreas periféricas. Predomina a

visão de que as cidades podem continuar a se expandir, desconsidera-se os impactos da

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implantação dessa infraestrutura, e como resultado tanto as áreas naturais sofrem pressão,

quanto os efeitos negativos do modelo de mobilidade são socializados. Boareto (2008) atenta

para o fato que esse modelo ainda não se materializou completamente em países como Índia e

China, embora sigam essa mesma tendência mundial. Com isso, traz um alerta para quando esse

padrão passar a vigorar também nos chamados países em desenvolvimento, visto que os

impactos tendem a aumentar de maneira a ficar cada vez mais insustentável, questionando quais

serão as consequências em termos de consumo energético, poluição atmosférica e aquecimento

global, quando se difundir o uso dos automóveis em todo o planeta.

Toda essa problemática associada aos espaços urbanos, juntamente com outros impactos

ambientais observados desde a década de 60, passam a levantar reflexões acerca da ação do

homem e a ser inseridos nas discussões sobre o desenvolvimento da humanidade e sua relação

com o meio ambiente, natural e construído (MENDONÇA, 2004). É nesse contexto que os

debates relacionados ao planejamento urbano começam a evidenciar, cada vez mais, a

necessidade de aprofundar a questão ambiental nos processos decisórios que irão ordenar o

desenvolvimento das cidades, bem como das formas de vida que acontecem nelas.

3.2 O ideal de desenvolvimento urbano sustentável – Cidades Sustentáveis

A tomada de consciência a respeito da crise ambiental, a partir dos movimentos

ambientalistas surgidos na década de 60 do século passado, e dos problemas decorrentes que as

sociedades passaram a enfrentar suscitaram, também, reflexões acerca de uma infindável crise

urbana a qual a maioria das cidades estão submetidas, no limiar do século XXI, como

consequência de um “modelo irracional” e obsoleto das formas de ocupação do espaço

(RATTNER, 2009). Leff (2015) afirma que, depois de as cidades terem se tornado o local onde

concentram-se as populações humanas, se congestiona o consumo e se degrada a energia,

deixando o fato urbano como algo totalmente insustentável, seria necessário repensar toda a

dinâmica da vida urbana sob a ótica da racionalidade ambiental:

[...] romper a inércia crescente de urbanização e repensar as funções atribuídas

à vida urbana. A sustentabilidade global obriga a pensar o substrato ecológico

onde se assenta a cidade, a encará-la como um processo entrópico; a relacionar

a construção do urbano (habitação, transporte, etc) em função da qualidade do

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ambiente que ele gera e de seu impacto na degradação do ambiente pelo

consumo de recursos. (LEFF, 2015, p. 290)

Assim, começa a ficar indissociável a preocupação com a preservação do meio ambiente

e recursos naturais com a forma de ocupação do espaço materializada em cidades. E tal

preocupação passa a fazer cada vez mais parte dos estudos acerca do ambiente urbano, dos

impactos que causados ao seu entorno natural, bem como dos impactos aos quais ele também

está submetido – decorrentes dos próprios processos de crescimento urbano ao longo do

tempo20.

Girardet (2008) acredita que reconectar humanos e natureza está dentre os maiores

desafios do planejamento urbano para mudança desse panorama atual. É urgente criar uma

relação equilibrada entre as pessoas e o planeta e agora, mais que nunca, a humanidade dispõe

de ferramentas e técnicas que tem a capacidade de promover cidades mais ‘habitáveis’. Para o

autor, a preocupação não deve ser apenas com o crescimento urbano em si, mas a forma como

ele acontece, e suas implicações nos recursos naturais e consumo de energia. Portanto, assim

como Leff (2015), ele afirma ser necessário repensar todos os processos ligados à vida urbana,

e não apenas conter o crescimento populacional ou geográfico das cidades. O autor define como

sustentável uma cidade onde os cidadãos possam suprir suas necessidades e bem-estar sem

degradar o mundo natural ou a vida de outras pessoas, agora e no futuro.

Segundo ele, para conseguir criar assentamentos urbanos sustentáveis, onde meio

ambiente e questões sociais convivam bem e em equilíbrio, seria necessário repensar as formas

de produção e consumo, os sistemas de transporte e construção, a prevenção da poluição – todos

em consonância com o respeito à capacidade de regeneração dos ecossistemas naturais, bem

como preservando as oportunidades de usufruto das futuras gerações (GIRARDET, 2008).

“The concentration of intensive economic processes and high levels of

consumption in cities drives their demand for resources. Urban agglomerations

and their consumption partterns have become the dominant feature of human

presence on Earth, fundamentally changing the humanity’s relationship to its

host planet and ecosystems. Since most population and economic growth in the

coming decades will continue to occur in urban áreas, the overexploitation of

20 Como já mencionado, o crescimento urbano desenfreado, juntamente com os atuais estilos de vida da cidades

contemporâneas, têm gerado e intensificado impactos não somente à natureza e seus recursos; bem como impactos

às próprias áreas urbanas e seus habitantes, perfazendo ciclos de degradação socioambiental, que ora se dão de

forma separada, ora estão diretamente ligados, a exemplo: poluição dos recursos hídricos, que dificulta o acesso

da população ao abastecimento de água potável; enchentes e inundações de áreas urbanas; poluição atmosférica e

agravamento de problemas respiratórios; depleção de áreas naturais e ambientalmente frágeis, com ocupação para

fins de moradia; entre tantos outros.

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natural resources could become even more acute, unless we find diferente ways

of managing them” (GIRARDET, 2008, p. 8).21

Diante de tal abordagem, tendo a noção que a vida urbana mudou a relação das pessoas

com a natureza, mas não deixando de ser diretamente dependente dela e dos recursos que

provém, Girardet (2008) classifica as cidades contemporâneas, então, como um “sistema eco-

técnico” – uma associação de ecologia e tecnologia. Tal constatação é decorrente da

dependência que a vida urbana tem dos dois sistemas, ao mesmo tempo que ela interfere e

modifica-os, não devendo dissociá-los. Para o autor, deve ser o uso eficiente desses recursos,

tanto ecológicos quanto tecnológicos, que irá melhorar a administração dos sistemas urbanos e,

consequentemente, mitigar o impacto sobre o meio ambiente.

A questão seria, então, como reconfigurar os espaços urbanos de forma que os impactos

sobre a natureza sejam reduzidos de forma significativa, ao mesmo tempo que a qualidade de

vida nos países em desenvolvimento seja melhorada. Nesse ponto, ele afirma que otimizar o

uso urbano dos recursos naturais é um grande desafio, porque o mundo aspira o modo de vida

de países desenvolvidos como Estados Unidos e Japão22, por exemplo, mas a natureza não tem

capacidade de suportar essa demanda. Contudo, o autor aponta que novas opções tecnológicas

estão ficando cada vez mais disponíveis, como sistemas de energia renovável (eólica, solar,

células de combustível), bem como sistemas de reciclagem, e que ambos passam a ter custos

mais acessíveis à medida em que se popularizam. Dessa forma, isso somaria forças à tentativa

de se alcançar uma qualidade de vida melhor (quando comparada aos países desenvolvidos),

sem causar tantos impactos ao meio ambiente, ou seja, aliando os sistemas ecológicos e

técnicos, como Girardet (2008) defende.

No entanto, além de trazer reflexões sobre o uso da tecnologia aliado à natureza para a

promoção da melhoria da qualidade de vida e redução dos impactos ao meio natural, o autor

também sustenta a ideia de que a chave para produzir cidades habitáveis é a difusão da presença

21 “A concentração de processos econômicos intensivos e altos níveis de consumo nas cidades impulsiona sua

demanda por recursos. As aglomerações urbanas e seus padrões de consumo tornaram-se a característica

dominante da presença humana na Terra, mudando fundamentalmente a relação da humanidade com o planeta e

seus ecossistemas. Como a maior parte do crescimento populacional e econômico nas próximas décadas continuará

a ocorrer nas áreas urbanas, a superexploração dos recursos naturais poderia se tornar ainda mais aguda, a menos

que encontrássemos formas diferentes de gerenciá-los. ” (GIRARDET, 2008, p. 8) – Tradução nossa. 22 Girardet (2008) afirma que países desenvolvidos são altamente dependentes de combustíveis fósseis, sendo essa

a base de suas tecnologias, além de sua complexa infraestrutura e níveis de consumo cada vez mais altos,

classificando-os como os lugares mais insustentáveis do planeta. Todavia, ignorando-se a degradação ambiental

que ele acarreta, esse é o modelo de vida e crescimento econômico que países em desenvolvimento aspiram seguir

– cujo o planeta não teria capacidade de suportar.

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de espaços públicos naturais, limpos, atrativos e agradáveis para caminhar, com vizinhanças

seguras e cultura de rua vibrante e diversa. Fazendo uma crítica ao uso ostensivo de automóveis

na cidade, que afugentam pessoas do espaço público, ao desfavorecer o uso dos pedestres em

detrimento do espaço para transportes motorizados, Girardet (2008) faz uma ressalva sobre a

diferença entre sustentabilidade e habitabilidade, e defende que o ideal seria a união das duas

coisas. Para exemplificar como seria essa união, ele cita a adoção de ciclovias no espaço urbano:

ao mesmo tempo que o aumento de usuários e viagens com bicicletas ajudam a reduzir a

emissão de gases poluentes na atmosfera (sustentabilidade), elas trazem benefícios tanto para a

saúde dos ciclistas quanto promovem maior integração e melhoria da sensação de segurança,

com presença de pessoas e contato humano nos espaços urbanos (habitabilidade).

Entende-se que Girardet (2008), assim como outros pensadores da questão urbana,

sempre faz a associação entre sistemas naturais e sistemas humanos, visto que a dissociação

entre eles não pode mais ser feita – vivemos num mundo urbanizado e a tendência é que isso se

intensifique com o passar dos anos. Da mesma forma, hoje vivemos também num mundo

tecnológico e, tanto para o benefício da qualidade de vida humana quanto pelo bem do meio

ambiente, o ideal seria usar essa tecnologia a favor de ambas as questões. Para tal, é necessário,

portanto, que se somem as forças de todos os agentes que vivem a cidade e na cidade,

transformando-a, principalmente de quem tem o poder de regulamentar e guiar todas as

questões urbanas:

Pois afinal, as cidades estão em constante movimento, em constantes

modificações e, estas podem ser direcionadas para garantir a observância da

dignidade das pessoas que nelas vivem. Repensar as funções do Estado na

gestão dos interesses coletivos e difusos que operam no espaço urbano e na

urbanização é tarefa fundamental para o avanço e transformação das cidades

atuais em cidades sustentáveis. (CENSI; SCHONARDIE, 2015, p. 179)

Como afirma Acselrad (2009, p. 37), “A aplicação da noção de sustentabilidade ao

debate sobre o desenvolvimento das cidades exprime um duplo movimento de

“ambientalização” das políticas urbanas e de introdução das questões urbanas no debate

ambiental”. Segundo o autor, tanto os atores sociais quanto agências multilaterais de

desenvolvimento passam a incorporar a temática do meio ambiente nas questões urbanas, diante

dos conflitos entre os processos de ocupação urbana e redes de abastecimento de energia e água,

entre meios de transporte e qualidade/poluição do ar, entre outros, a fim de orientar as cidades

para a melhoria da “qualidade ambiental da vida urbana”.

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A respeito da dificuldade de se formular soluções ideais para a promoção desse

desenvolvimento urbano sustentável, entende-se que os problemas ambientais urbanos

dificilmente reagem às soluções tecnológicas rápidas (LYNCH, 2009); mas é necessário

incentivar o desenvolvimento científico que vá fortalecer o interesse público e permitir aos

governos locais monitorar e se posicionar diante de tais questões.

Assim, é fortalecida a ideia do urbanismo sustentável23, um “emergente movimento de

desenho urbano” (FARR, 2013), onde líderes mundiais passam a reconhecer a importância e

necessidade de pensar em assentamentos humanos em que se adotem estilos de vida sem alto

consumo de recursos naturais, e que evitem que a degradação do meio ambiente continue a

acontecer em níveis tão alarmantes. Segundo o autor, esse movimento veio ressaltar os

benefícios da integração dos sistemas humanos e naturais, que reduzido aos princípios mais

básicos, “o urbanismo sustentável é aquele com um bom sistema de transporte público e com a

possibilidade de deslocamento a pé integrado com edificações e infraestrutura de alto

desempenho” (FARR, 2013, p. 28). Por “edificações e infraestrutura de alto desempenho”, o

autor trata de construções dotadas de estratégias sustentáveis, como sistemas de eficiência

energética, captação e aproveitamento de água da chuva, utilização de materiais

reciclados/recicláveis, dentre outras, que possibilitam a uma edificação/infraestrutura a

concepção e utilização de forma que agridam minimamente o meio ambiente.

Tendo levantado como base o estilo de vida norte-americano24 e os impactos que tal

estilo tem ocasionado ao meio ambiente, o autor destaca como o modelo proporcionado pelo

urbanismo tradicional, centrado na ampla utilização de automóveis e falta de contato com a

natureza acarretou sérios prejuízos à qualidade de vida e ao meio ambiente e, por isso, defende

o que ele conceitua como sendo o urbanismo sustentável a adoção de padrões que resgatem a

relação homem-natureza nos espaços urbanos.

23 O conceito de ‘urbanismo sustentável’ passou a ser trabalhado por Douglas Farr, através da obra intitulada

“Urbanismo Sustentável: desenho urbano com a natureza”, publicada em 2013, onde o autor apresentou a definição

do termo, e exemplificou como poderia ser sua aplicação através de algumas diretrizes e exemplificou por meio

de diversos estudos de caso em cidades norte-americanas e europeias. 24 Assim como outros autores (GIRARDET, 2008; GEHL, 2015), Farr (2013) apresenta considerações a respeito

do estilo de vida norte-americano e de como grande parte dos países em desenvolvimento adotam esse modelo

como ideal, e voltam-se para o crescimento econômico na tentativa de alcança-lo; no entanto, faz ressalvas sobre

o impacto que tal estilo de vida tem sobre o meio ambiente, pelo seu alto nível de consumo e degradação dos

recursos, produção de lixo e emissão de gases poluentes – aumentando a pegada ecológica e tornando-se inviável

para ser seguido no mundo todo.

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No decorrer da sua obra, Farr (2013) lista “os três passos do urbanismo sustentável”, os

quais elege como parte do processo para que seja viável implantar esse novo ideal de

planejamento urbano, que seriam ainda mais eficientes se aplicados de forma conjunta. O

primeiro deles seria “criar um mercado para o urbanismo sustentável”: para o autor, não seria

possível a aplicação de práticas sustentáveis sem o envolvimento dos agentes econômicos –

atuar junto ao setor imobiliário e da construção civil, através do incentivo às práticas de

construção de edificações e empreendimentos sustentáveis25. O segundo passo, “derrubar as

barreiras da era do petróleo ao urbanismo sustentável”, traz críticas acerca da urbanização

dispersa, incentivada pela possibilidade de deslocamento através de meios de transporte

motorizados. Tal modelo de urbanização, que aumentou a dependência dos transportes e,

consequentemente, aumentou o consumo de combustíveis fósseis e emissão de gases poluentes,

deve ser repensado e substituído por traçados urbanos que priorizem os pedestres26. Por fim, o

terceiro passo seria o incentivo às campanhas pela implementação do urbanismo sustentável:

Para que o urbanismo sustentável avance e ganhe ímpeto, é fundamental que

seja visto como um movimento que desempenha um papel integral na

resolução das questões-chave do nosso tempo. Atualmente, ocorre o contrário.

O maior debate sobre política urbana da nossa geração, o das mudanças

climáticas, tem misteriosamente deixado de lado a ideia de mudança no

ambiente construído. (FARR, 2013, pg. 47)

Com isso, o autor se refere a associar ambas as estratégias tanto nos espaços construídos

(edifícios) quanto no espaço urbano; e a importância da adoção, de forma urgente, de tais

estratégias para que se minimize a degradação do meio ambiente, com foco nas mudanças

climáticas e todas as consequências que essas ocasionam - tal apelo se dá devido as altas taxas

de emissão de gases poluentes que as cidades norte-americanas apresentam (principal foco do

estudo na obra referida).

25 Sobre edificações e empreendimentos sustentáveis, o autor se refere às construções que tem certificação

ambiental, dentro dos parâmetros estabelecidos pelas agências que avaliam se uma edificação pode ser

considerada, de fato, sustentável. Aqui também ele menciona não apenas a edificação em si, mas também de

empreendimentos, como os bairros sustentáveis: espaços projetados onde todos os aspectos – edifícios privados e

espaços públicos, contemplam estratégias que consideram a proteção ao meio ambiente e recursos naturais,

mitigando a degradação ambiental e proporcionando qualidade de vida aos usuários e entorno. 26 A respeito de priorização dos pedestres, Farr (2013) trata não apenas em relação ao sistema de transporte versus

uso de calçada e espaços públicos, como também a respeito da disponibilidade de serviços próximos, que

incentivem os percursos à pé: por exemplo, a possibilidade de morar perto da escola, trabalho, oferta de

comércio/serviços e lazer (uso do solo compacto) – o que incentivaria aos habitantes realizar suas atividades diárias

caminhando, ao invés da necessidade de utilizar transporte para deslocamento a fim de realizar as necessidades

diárias mais básicas.

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Junto às discussões acerca do desenvolvimento sustentável de maneira geral, os

governos dos países mais desenvolvidos passaram a perceber as consequências nefastas que a

rápida e descontrolada urbanização acarreta ao meio ambiente e qualidade de vida de suas

populações, reconhecendo a necessidade de se pensar em assentamentos humanos sustentáveis.

Assim, paralelamente às conferências e debates sobre a problemática ambiental como um todo,

passaram a acontecer também reuniões focadas nas questões urbanas dentro desse contexto de

busca de caminhos possíveis para um desenvolvimento urbano sustentável.

Assim, as diversas conferências realizadas e publicação de documentos elaborados,

através dos debates levantados sobre o impacto das ações antrópicas sobre o meio ambiente e

recursos naturais, passaram a influenciar a institucionalização das preocupações relativas ao

meio ambiente nas decisões políticas ao redor do mundo, dentre as quais, as políticas referentes

ao planejamento urbano.

Contudo, conforme afirma Boareto (2008), o percurso de tais políticas e discussões

sobre a sustentabilidade urbana deve estar sempre relacionado ao combate às desigualdades

sociais, uma vez que as populações mais pobres estão mais expostas aos riscos e impactos

ambientais. Para ele, as abordagens e os conceitos sobre esse desenvolvimento sustentável das

cidades ainda estão em aberto e requerem profundas reflexões e aprimoramentos, mas pautas

como a inclusão social, o combate à pobreza e a equidade no usufruto do espaço público devem

estar presentes em todos os níveis de discussão.

3.2.1 Agendas Habitat – I, II e III

Os problemas socioambientais urbanos que começaram a ser debatidos a partir da

década de 1960, suscitaram a realização de Conferências mundiais, dentre os quais os fóruns

UN-Habitat, que passaram a refletir sobre a crescente urbanização e sua consequente

degradação social e ambiental. Com isso, o Programa Habitat da ONU nasceu com a missão de

“promover social e ambientalmente o desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos

e a aquisição de abrigo adequado para todos” (ANTONUCCI. et al, 2009). Os planos

promovidos pelo programa tiveram sua concepção pensada como instrumentos para conduzir

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as decisões políticas a entender, enfrentar e buscar soluções aos problemas urbanos locais e

globais.

Realizada em Vancouver em 1976, a primeira Conferência das Nações Unidas sobre

Assentamentos Humanos - Habitat I, foi organizada para começar a discutir as questões

diretamente relacionadas aos assentamentos humanos, suas formas de ocupação do espaço e os

impactos delas decorrentes. Nessa Conferência foi aprovada a Agenda Habitat, um plano de

ação composto de 64 itens, com preocupações direcionadas à qualidade de vida e dignidade

humana, diante do cenário de crescimento econômico desigual, crescimento populacional e

deterioração social, econômica e ambiental. A proposta global, assinada por alguns países, tinha

então o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável, ambiental e socialmente, para os

assentamentos humanos. (DRABESKI; BESSA, 2008).

[...] o caráter distintivo do enfoque de 1976 repousa justamente na ênfase dada

ao controle do poder público sobre os processos econômicos e sociais, com um

discurso ideológico desenvolvimentista que acenava para as possibilidades de

um crescimento econômico mais equilibrado através planejamentos nacionais,

regionais e locais que atuassem simultaneamente na redução das disparidades

entre áreas rurais e urbanas e na ordenação do crescimento urbano.

(ANTONUCCI. et al, 2009)

Delegando a resolução dos problemas socioambientais urbanos aos governos e

comunidade internacional, esperava-se um apoio mútuo entre ambas as lideranças no

enfretamento de tais problemas. A comunidade internacional deveria promover financiamento

e assistência técnica para as políticas e estratégias recomendadas no plano de ação, para que as

nações as incorporassem de forma integrada, num cenário geral que, sobretudo, estavam

equiparadas pela Declaração de Direitos Humanos (também definida pela ONU, em 1948).

Assim, o programa abriu o espaço para a discussão da problemática urbana e busca de

resoluções, sobretudo visando o melhoramento dos assentamentos humanos (ANTONUCCI. et

al, 2009).

O foco inicial da Conferência foi a problemática habitacional, que ao ocorrer de forma

irregular e precária, ficou entendida como uma necessidade primária, antes mesmo das demais

questões urbanas. No entanto, a urbanização acelerada e suas nefastas consequências, como a

necessidade do controle e tratamento de resíduos urbanos, a insuficiência das redes de

infraestrutura e oferta de serviços, bem como a decorrente poluição e degradação ambiental,

passaram a introduzir outras preocupações na pauta da agenda, apontando a necessidade de

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realização de uma outra Conferência que abordasse tais questões (SOUSA E SILVA;

TRAVASSOS, 2008).

Assim, passados vinte anos, em Istambul em 1996, os líderes mundiais se reuniram

novamente, na segunda Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos27,

seguindo o legado da Rio-92, e reafirmaram o compromisso de pensar assentamentos humanos

mais sustentáveis, incorporando outros temas urbanos dessa vez. Nela ficou firmado o

documento chamado Agenda Habitat II, que tomou como referência as discussões acerca das

alternativas para o cenário de crescente urbanização e problemas socioambientais enfrentados,

principalmente nas regiões menos desenvolvidas do planeta, bem como a promoção da

qualidade de vida e equidade de gênero e social:

O objetivo da segunda Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos

Humanos (Habitat II) é abordar dois temas de igual importância global:

"Abrigo adequado para todos" e "Desenvolvimento de assentamentos humanos

sustentáveis em um mundo em urbanização". Os seres humanos estão no

centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável, incluindo abrigo

adequado para todos e assentamentos humanos sustentáveis, e têm direito a

uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza. [...] Quanto mais

cedo as comunidades, governos locais e parcerias entre os setores público,

privado e comunitário se unirem para criar estratégias abrangentes, ousadas e

inovadoras para abrigos e assentamentos humanos, melhores serão as

perspectivas para a segurança, saúde e bem-estar das pessoas e o mais brilhante

é a perspectiva de soluções para problemas ambientais e sociais globais. (A

Agenda Habitat - Capítulo I: Preâmbulo, 1996)

Nesse trecho, chama atenção a passagem que amplia a discussão para as comunidade e

agentes não-governamentais, para além dos setores tradicionais de representação política, o que

demonstrou uma inovação de caráter participativo e democrático. Com isso, a Conferência

começou a legitimar a ideia de descentralização do poder, ao evidenciar a importância de todos

os atores sociais, incluindo as parcerias privadas, nos debates sobre a problemática urbana e na

busca de resoluções para ela. (ANTONUCCI. et al, 2009).

O documento final da conferência, aprovado de forma consensual pelos países que dela

fizeram parte, afirmou a necessidade de se garantir uma participação equilibrada e democrática

a fim de garantir o desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos, provendo

moradias adequadas e melhores condições da qualidade de vida.

A Agenda é uma plataforma de princípios que deve se traduzir em práticas. As

atividades desenvolvidas no âmbito do Habitat contribuem para o objetivo

global das Nações Unidas de reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento

27 Resolução adotada pela Assembléia Geral: Conferência das Nações Unidas sobre assentamentos humanos

(Habitat II). Disponível em <http://www.un-documents.net/ha-1.htm>

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sustentável dentro de um contexto em que o mundo avança aceleradamente

para a urbanização. [...] Enfim, a formulação de novo papel para o Estado e

novas formas de relação com os atores que constituem as cidades foi reflexo

de questões básicas da agenda de política urbana e habitacional. Defendeu-se

a constituição de um novo contrato social baseado em solidariedade,

convivência democrática e pluralidade. (ANTONUCCI. et al, 2009).

A Agenda Habitat II ainda fomentou a realização de outros encontros internacionais,

que foram possibilitando a inserção de mais temáticas e ampliando o escopo das discussões

sobre as mais variáveis questões advindas da urbanização. O primeiro deles, o I Fórum Urbano

Mundial, realizado em 2002 na cidade de Nairóbi, centrou-se no debate de temas relacionando

a questão da pobreza e do meio ambiente, num contexto de processos econômicos globalizados

que amplificam a problemática dessa questão. Em 2004, ocorreu o II Fórum Urbano Mundial,

em Barcelona, sob o tema “Cidades: um lugar de culturas, inclusão ou integração”, que gerou

grande nível de participação social por reunir questões complexas e desafiadoras relacionadas

à diversidade cultural e sua relação com os espaços urbanos. O III Fórum Urbano Mundial,

ocorrido em Vancouver, em 2006, com menor mobilização social, redirecionou os debates para

as ações que já estavam sendo implementadas através dos planos de conferências anteriores,

destacando a importância do suporte financeiro e técnico, através de cooperações

internacionais, para possibilitar o desenvolvimento do urbanismo sustentável (ANTONUCCI.

et al, 2009).

Ainda segundo os autores, esses fóruns foram marcados por, sobretudo, reforçar as

ideias de inclusão social e descentralização do poder, dando evidencia aos problemas

enfrentados pelos grupos mais afetados pelas dinâmicas da economia globalizada. O encontro

em Vancouver levantou essa questão de forma mais enfática, colocando as questões da

sustentabilidade como “o grande aglutinador das possibilidades de transformação social”.

Todas essas questões se ramificaram em instituições e fóruns paralelos, mundo afora,

fortalecendo a busca pela adoção de práticas voltadas para a minimização dos impactos

socioambientais, sem, no entanto, fazer um questionamento crítico sobre a relação destes com

os processos econômicos mundiais. Esses debates todos levantaram questões que formaram a

base do que viria a ser debatido anos mais tarde, na III Conferência das Nações Unidas, que

ocorreu em 2016.

Realizada em Quito, no Equador, a III Conferência das Nações Unidas sobre Habitação

e Desenvolvimento Urbano Sustentável produziu, como documento final, a Agenda Habitat III.

A conferência traçou ideais que servirão como base para orientar o desenvolvimento urbano

sustentável pelos próximos anos, através de vários documentos respectivos aos diversos setores

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que compõe as questões urbanas, como mudanças climáticas, infraestrutura, governança,

economia, estratégias espaciais, serviços urbanos, questões socioculturais, entre outros. Dentre

eles, trata também a respeito da “Ecologia Urbana e Resiliência”, e complementa que esse

tópico:

Explora o desafio de gerenciar tanto o bem-estar humano e ambiental, quanto

o papel fundamental das cidades para enfrentar esse desafio. O mesmo propõe

que uma cidade pode ser planejada e gerenciada para fornecer múltiplos

benefícios que contribuam para a qualidade da vida humana, melhorando a

eficiência dos recursos e reduzindo o impacto ambiental global.

(DOCUMENTO DE POLÍTICAS DA HABITAT III – ECOLOGIA

URBANA E RESILIÊNCIA, 2016)28

Essa nova agenda urbana integrou os objetivos das agendas Habitat anteriores, bem

como dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), o Acordo de Paris29 (referente às

mudanças climáticas) e a Agenda 21 (resultante da Conferência Rio 92), entre outras do âmbito

do desenvolvimento sustentável. Diante da constatação que a maior parte da população mundial

vive em cidades, e até pelo menos 2050 essa estatística tende a permanecer e aumentar, a

conferência se voltou para todos os temas que fazem parte do contexto urbano – dos aspectos

geográficos aos sociais.

O documento final30 da conferência afirma que, embora tenham se observado mudanças

significativas na qualidade de vida das áreas urbanas desde as agendas Habitat I e II, ainda

persiste um quadro crítico de desigualdade social (com foco na pobreza e desigualdade de

gênero/etária) e degradação ambiental em aglomerados urbanos, a nível mundial, se

manifestando como alguns dos maiores obstáculos para o alcance do desenvolvimento

sustentável de forma plena. Assim, entende como urgente a necessidade de otimizar as questões

relacionadas à urbanização, a fim de se alcançar o desenvolvimento social e cultural, bem como

a proteção ambiental, desafios existentes e emergentes.

Dessa forma, a Agenda assume compromissos para o alcance da ‘mudança do

paradigma urbano’, que deve ser integrado social, econômica e ambientalmente. Prevê a

inclusão social e erradicação da pobreza, que no âmbito urbano devem ocorrer através da

28 O documento sobre Ecologia Urbana e Resiliência, das Políticas do Habitat III (assim como as demais estratégias

debatidas e traçadas na conferência, conforme comentado nessa pesquisa) estão disponibilizados via online no site

oficial das Nações Unidas, através do endereço eletrônico <http://habitat3.org/>.

29 O Acordo de Paris foi resultante da 21º Conferência do Clima, realizado em Paris em novembro de 2015, que

teve como finalidade selar um acordo global para limitar o aumento da temperatura do globo, e evitar as

consequências do aquecimento global, através da diminuição da emissão de gases de efeito estufa. 30 New Urban Agenda – Habitat III (Nova Agenda Urbana – Habitat III), 2016. Fonte: <http://habitat3.org/>

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promoção de infraestrutura (saneamento básico, acesso a água potável, entre outros) e serviços

básicos; redução dos quadros de violência urbana e direito à liberdade; direito à participação

significativa da população nos processos decisórios; promoção de políticas de habitação

economicamente acessível e sustentável; equidade entre gêneros (principalmente no que se

refere ao acesso de meninas e mulheres à educação e empregos formais, bem como redução de

violência e assédio sexual em espaços públicos e privados) e de faixa etária (proteção às

crianças, adolescentes e idosos); acessibilidade universal – direito de acesso à pessoas

portadoras de deficiência ou de mobilidade reduzida; entre outras questões. No que concerne à

proteção aos ecossistemas e recursos naturais, especificamente, a Agenda Habitat III

compromete-se a:

Assegurar a sustentabilidade ambiental, através da promoção de energias

limpas, do uso sustentável da terra e dos recursos no desenvolvimento urbano,

bem como através da proteção dos ecossistemas e da biodiversidade, incluindo

a adoção de modos de vida saudáveis em harmonia com a natureza;

promovendo padrões de consumo e produção sustentáveis, construindo

resiliência urbana; reduzindo o risco de catástrofes; e mitigando e adaptando-

se às alterações climáticas. (Nova Agenda Urbana – Habitat III, 2016, p. 8)

Para isso, a Agenda encoraja que os governos locais busquem adotar estratégias que

orientem a expansão urbana, prevenindo a marginalização e crescimento descontrolado, através

de desenhos urbanos compactos e integrados, com infraestrutura e serviços acessíveis; bem

como a promoção de “espaços públicos seguros, inclusivos, acessíveis, verdes e de qualidade”

para um equilibrado desenvolvimento econômico e social sustentável. Além disso,

Comprometemo-nos com a criação e uso de energia renovável e

economicamente viável e com serviços e infraestruturas de transporte

sustentáveis e eficientes, sempre que possível, alcançando os benefícios da

conectividade e reduzindo os custos financeiros, ambientais e de saúde pública

resultantes da mobilidade ineficiente, dos congestionamentos, poluição do ar,

efeito de ilhas de calor urbano e poluição sonora. (Nova Agenda Urbana –

Habitat III, 2016, p. 17)

Assim, busca-se alcançar o desenvolvimento urbano ambientalmente sustentável e

resiliente, tanto para as populações quanto para os ecossistemas naturais que circundam as áreas

urbanas. A Habitat III aborda também a necessidade de pensar soluções a respeito dos desastres

e riscos aos quais algumas comunidades estão submetidas, sejam eles naturais ou decorrentes

da ação humana no espaço, para que possam ser prevenidos ou tratados com o mínimo de

perdas, quando possível. Além disso, discorre sobre a indispensabilidade dos governos locais

adotarem medidas que otimizem a utilização de recursos, minimizem a degradação do meio

ambiente, como o uso equilibrado da água potável; o incentivo ao uso de energias limpas; a

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adoção de programas eficientes de reciclagem dos resíduos; a construção de edificações

sustentáveis; entre outros.

No que concerne aos espaços públicos, visando melhor qualidade de vida e,

consequentemente melhoria ao meio ambiente, indica como imprescindível a promoção de

espaços públicos seguros e agradáveis, permeados de áreas verdes; e fomenta a melhoria dos

meios de transporte, priorizando pedestres e ciclistas, através de um desenho urbano que

favoreça a convivência e contato humano nos espaços urbanos, bem como incentivo ao uso do

transporte público em detrimento ao particular motorizado.

Por fim, a Agenda compromete-se a fornecer apoio aos governos locais para

implementação efetiva de programas e medidas que atendam às suas propostas e compromissos

apresentados, bem como monitoramento destes, para garantia de pleno funcionamento.

Reconhecendo que é necessário um conjunto de políticas públicas integradas, apoia os governos

locais à adaptarem suas legislações e políticas nacionais, bem como incentiva a participação de

todos os agentes sociais e parcerias com o setor privado, constatando que é fundamental integrar

os processos econômicos e enfatizando a importância da adoção de práticas que respeitem o

meio ambiente e a capacidade dos ecossistemas se recuperarem.

Antonucci et al (2009) afirmam que, embora todas essas estratégias tenham sido

elaboradas há algumas décadas, constata-se que a maior parte dos governos dos países em

desenvolvimento ainda não conseguem exercê-las de forma efetiva, pois lhes faltam

instrumentos técnicos suficientes e baixa capacidade de atendimento para lidar com todas as

necessidades habitacionais que suas populações enfrentam. Muitos países obtiveram avanços

na redefinição de objetivos e estratégias nacionais, amparadas pelos princípios do UN-Habitat,

mas falharam ao não detalhar metas, planos de ação e recursos para alcance de tais objetivos,

tal como não estabeleceram instrumentos efetivos de monitoramento e avaliação para eles.

Em muitos países, os recursos têm diminuído, os custos de moradia têm se

elevado, assim como o número de moradores vivendo em condições de

pobreza, especialmente no meio urbano. Se por um lado, as cidades

representam locais de oportunidades e de crescimento, por outro, o acelerado

crescimento de populações urbanas, em especial nos países em

desenvolvimento, se defrontam com recursos decrescentes para acompanhar o

rápido processo de urbanização. [...] Diante destes impasses evidenciados por

enormes déficits habitacionais, de infra-estruturas e deterioração das condições

ambientais as premissas e práticas oriundas do UN-Habitat significam buscas

de alternativas num mundo de horizontes incertos (ANTONUCCI. et al, 2009).

Dessa forma, os autores afirmam que, diante de todos os impasses que os países,

sobretudo os em desenvolvimento, apresentam, as orientações e estratégias estabelecidas pelas

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Agendas Habitat significam, sobretudo, “buscas de alternativas num mundo de horizontes

incertos”. Existem duas grandes forças que estão intrinsicamente relacionadas, a globalização

e a urbanização, que acarretam em impactos de toda ordem sobre as cidades, demarcando sua

economia e política. E, embora haja fluxos de capital constantemente estimulando o

crescimento econômico, os benefícios e, principalmente, os ônus desse crescimento não são

distribuídos de forma equitativa. O desafio para os anos a seguir é equilibrar essa balança, ao

tempo em que reduz os impactos para o meio ambiente natural, mas, especialmente, para as

populações mais afetadas pelas disparidades.

3.2.2 A Agenda 21

Em 1992 aconteceu no Rio de Janeiro, Brasil, uma das maiores conferências a respeito

da preocupação com os problemas ambientais mundiais, a Conferência das Nações Unidas

sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Rio 92 e Cúpula da

Terra. Durante a conferência, foram produzidos importantes documentos que iriam nortear as

ações a respeito do tema, como a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento;

a Declaração de Princípios sobre o Uso das Florestas; a Convenção das Nações Unidas sobre

Diversidade Biológica; a Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas; e a

Agenda 21 Global. Todos esses documentos representam instrumentos que marcam um esforço

conjunto de comprometimento internacional em prol do meio ambiente, mas a Agenda 21

Global assumiu destaque porque ela foi o documento base, abordando temas gerais, que

impulsionou os governos locais a criarem seus conjuntos de ações próprios, as Agendas 21

Locais31 (MALHEIROS; PHLIPPI JR.; COUTINHO, 2008).

A Agenda 21, portanto, compõe um programa que vai abordar desde questões sociais a

econômicas, associadas ao uso e gestão de recursos naturais, de forma a integrar o meio

ambiente e o desenvolvimento na tomada de decisões, diante do grave cenário de crise

ambiental no qual a humanidade se insere – tanto como vítima quanto como responsável:

31 Na referida obra, os autores informam que, de acordo com uma pesquisa realizada em 2002, cerca de 6400

governos locais, distribuídos em 113 países, já haviam dado início à construção de suas próprias Agendas 21

Locais, seguindo os instrumentos base da Agenda 21 Global.

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A Agenda 21 é um documento coletivo, um pacto social, que expressa o desejo

de 179 países, entre eles o Brasil, de mudança do modelo de desenvolvimento

para este século XXI, refletindo um consenso mundial e o comprometimento e

compromisso político de deter e reverter a constante degradação dos

ecossistemas vitais para a manutenção da vida, bem como alterar as políticas

que resultaram em brutais desigualdades entre os países e, no seio das

sociedades nacionais, entre as diferentes classes sociais. (DRABESKI;

BESSA, 2008, p. 350)

Assim como outros documentos elaborados no âmbito do desenvolvimento sustentável,

ela não enfatiza apenas problemas de ordem ambiental, mas sobretudo as questões sociais:

socioculturais, socioeconômicas, sociopolíticas e socioambientais. O documento se subdivide

em 40 capítulos, organizados em 4 partes: Dimensões sociais e econômicas – abordando

temáticas relacionadas ao combate à pobreza, proteção à saúde humana, revisão dos padrões de

consumo, e estímulo ao desenvolvimento sustentável das cidades; Conservação e gestão de

recursos – relativo à proteção ao meio ambiente e gerenciamento de ecossistemas frágeis,

conservação da biodiversidade, combate ao desmatamento e poluição, bem como gestão do

fornecimento de recursos (água potável, agricultura, matéria prima) e segurança ambiental

(resíduos tóxicos, radioativos); Fortalecimento de grupos sociais – preocupação com a inserção

dos diversos grupos nos processos decisórios: mulheres, grupos indígenas, crianças e jovens,

idosos, agricultores, organizações não-governamentais, comunidade científica, empresas e

indústrias, autoridades locais e trabalhadores; Meios de implementação – instrumentos e

mecanismos jurídicos, recursos financeiros, incentivo à ciência para o desenvolvimento

sustentável, promoção da educação e conscientização da população, democratização da

informação.

No que se refere ao planejamento urbano, a Agenda 21 apresenta no capítulo 7 as

estratégias para impulsionar o desenvolvimento sustentável nos assentamentos humanos. Nesse

documento foram elencadas 8 áreas programáticas, entre as quais os países envolvidos devem

eleger como prioritárias para traçar estratégias, de acordo com os objetivos de cada nação:

a. Fornecer abrigo adequado para todos;

b. Melhorar a gestão de assentamentos humanos;

c. Promover o planejamento e o manejo sustentável do uso da terra;

d. Promover o fornecimento integrado de infraestrutura ambiental: gestão de

água, saneamento, drenagem e resíduos sólidos;

e. Promover sistemas sustentáveis de energia e transporte em assentamentos

humanos;

f. Promover o planejamento e a gestão de assentamentos humanos em áreas

propensas a desastres;

g. Promover atividades sustentáveis na indústria da construção; h. Promover o desenvolvimento de recursos humanos e capacitação para o

desenvolvimento de assentamentos humanos.

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(Agenda 21 – Capítulo 7: Promovendo o desenvolvimento sustentável de

assentamentos humanos, 1996)

Assim, de forma geral, o principal motivo dessas intervenções seria melhorar a

qualidade socioambiental e econômica nos ambientes urbanos, em particular naqueles com

maior nível de pobreza e falta de infraestrutura e recursos. Assim, para cada uma dessas áreas

supracitadas, o documento traçou objetivos e atividades específicas, bem como meios de

implementação, para garantir a efetividade de tais ações. O documento trata de questões social

e ambiental de forma integrada, e prevê que ambas precisam funcionar de forma equilibrada

para que se alcance a qualidade de vida e ambiental ao mesmo tempo. A preocupação maior é

em relação aos assentamentos precários, e regiões menos favorecidas do planeta, uma vez que

para se alcançar um ambiente sadio, é imprescindível que seus habitantes vivam de forma sadia,

e vice-versa.

A proteção aos recursos naturais é amplamente abordada na Agenda 21, tanto no que se

refere à necessidade de mudanças nos padrões de consumo, e a consequente crescente extração

de recursos naturais para atender a tal demanda; quanto à ineficiência dos sistemas atuais e a

degradação que causam, como esgotamento sanitário e poluição de águas pluviais, e tratamento

de resíduos sólidos. Para implementação de tais objetivos, a Agenda 21 incentiva a capacitação

tecnológica e investimento em pesquisas científicas que possam avaliar as especificidades de

cada local e assim, poder traçar o plano de ações integrado com as políticas locais, que devem

ser revisadas para atender tais solicitações. Afirma ser necessário recorrer à cooperação

internacional sempre que necessário, promovendo a troca de experiências aplicadas às práticas

sustentáveis.

Assim, a Agenda 21 apresenta-se como um documento base, que irá nortear as políticas

ao redor do mundo, em todos os setores, em prol de um bem comum. Como mencionado, as

diversas diretrizes apresentadas por ela foram incorporadas pelos setores específicos de cada

tema, após a sua divulgação, dentre os quais a Agenda Habitat III e a Agenda 21 Brasileira,

como corroboram Bassani e Carvalho (2004):

Vale lembrar que a Agenda 21 e a Carta da Terra, não são textos prontos e

acabados. Constituem-se, sobretudo, num referencial permanente para pensar

e repensar novas situações. Os grandes desafios ambientais elencados nestes

documentos, apresentados como as principais questões para o conjunto da

humanidade, estabelecem uma agenda de consenso, na qual pesquisadores e

educadores podem buscar inspiração e estímulos a partir de esforços

interpretativos. Nesses documentos, as orientações e recomendações são

formuladas de maneira que venham a servir como uma direção na construção

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e reconstrução de um saber e de uma prática. (BASSANI; CARVALHO, 2004,

p. 72)

Com isso, evidencia-se que, ainda que a Agenda 21 seja um vasto programa aprovado

pela Rio-92, e embora assumida como compromisso por mais de 170 países, ela é apenas um

instrumento que deve fomentar a elaboração de políticas próprias, adequadas às realidades de

cada local, não tendo o poder de exigir a obrigatoriedade do cumprimento de suas metas. Para

os autores, apesar do avanço que o documento representa, ele ainda se depara com os planos de

governo baseados no crescimento econômico, sem preocupações palpáveis com a preservação

do meio ambiente e melhoria da qualidade de vida. Para isso, seria necessária a construção de

uma mudança estrutural na sociedade como um todo, uma vez que “uma conduta ambiental

favorável não se constrói por imposição datada por determinação de grandes conferências, nem

como planificações globais” (BASSANI; CARVALHO, 2004, p. 75), mas através de um novo

paradigma que atente para as reais necessidades da vida, em consonância com os limites da

natureza.

3.2.3 Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

A trajetória das discussões sobre o desenvolvimento sustentável levantadas desde 1960

resultou, também, na criação e implementação dos Objetivos do Desenvolvimento

Sustentável32 (ODS), uma agenda mundial assinada pelos países-membro da ONU, adotada

durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, realizada em

setembro de 2015 em Nova York. Essa Conferência foi realizada, então, a fim de incorporar

alguns temas recorrentes, juntamente com suas respectivas propostas e reivindicações que

vinham sendo debatidos em outras conferências internacionais anteriores, que contavam com a

participação de governos, empresas e sociedade civil (ALVES, 2015).

Na agenda dos ODS, composta por 17 objetivos (temas norteadores)33 e 169 metas

(distribuídas para os 17 objetivos) a serem atingidos até 2030, estão previstas estratégias para

32 Disponíveis em <www.estrategiaods.org.br> e <https://nacoesunidas.org/pos2015/ods11/> 33 Os 17 objetivos-chave que norteiam a agenda são: 1. Erradicação da pobreza; 2. Fome zero e agricultura

sustentável; 3. Saúde e bem-estar; 4. Educação de qualidade; 5. Igualdade de gênero; 6. Água potável e

saneamento; 7. Energia limpa e acessível; 8. Trabalho decente e crescimento econômico; 9. Indústria, inovação e

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ações mundiais nos setores social, econômico, institucional e ambiental, que visam promover a

prosperidade econômica, o desenvolvimento social e a proteção ambiental de maneira integrada

e universal. Alves (2015) destaca que um dos pontos positivos dessa conferência foi a inclusão

de diferentes instituições, organizações da sociedade civil e especialistas na definição desses

objetivos e estratégias da agenda.

Dentre esses objetivos, com metas e estratégias que irão nortear o desenvolvimento em

vários âmbitos, as questões referentes à temática urbana foram agrupadas no tópico de “Cidades

e Comunidades Sustentáveis”. Como mencionado anteriormente, tais objetivos foram

incorporados pela Agenda Habitat III e somaram forças ao ideal de desenvolvimento urbano

sustentável, visando integrar o bem-estar das populações e a proteção ao meio ambiente.

O ODS “Cidades e Comunidades Sustentáveis” têm como metas a promoção de cidades

que sejam mais inclusivas, seguras e sustentáveis, e que proporcionem a redução dos impactos

ambientais causados pelas diversas atividades antrópicas sobre a natureza e seus recursos. Para

o alcance de tais metas, busca-se a redução de catástrofes e prejuízos causados às comunidades

(especialmente as mais carentes), tornando as cidades mais resilientes34. Dentre as propostas da

pasta, estão: a urbanização de favelas e garantia do acesso à habitação e aos serviços básicos; o

fortalecimento dos espaços de participação e a melhoria da mobilidade urbana; proporcionar

acesso aos sistemas de transportes, em especial aos transportes públicos; proteger os

assentamentos e pessoas em situação de vulnerabilidade, sob risco de catástrofes e desastres;

promover assistência técnica e financeira para apoiar a adoção de técnicas e materiais para

construções sustentáveis e resilientes; e reduzir o impacto ao meio ambiente, induzindo a

melhoria da qualidade do ar e de sistemas de gestão de resíduos; fortalecendo os esforços para

a proteção do patrimônio natural e cultural do mundo.

Ao traçar esses objetivos e estratégias, a própria organização da Conferência reconhece

que é necessário o envolvimento da sociedade civil para o alcance das metas. Aponta para a

importância das organizações e movimentos atuantes no acompanhamento das ações a serem

implantadas pelos governos, assim como na cobrança de políticas que atuem em prol dos

infraestrutura; 10. Redução das desigualdades; 11. Cidades e comunidades sustentáveis; 12. Consumo e produção

responsáveis; 13. Ação contra a mudança global do clima; 14. Vida na água; 15. Vida terrestre; 16. Paz, justiça e

instituições eficazes; 17. Parcerias e meios de implementação. Disponíveis em

<https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/>. 34 A ONU aponta como resilientes as cidades que tem capacidade de enfrentar, de maneira mais adequada e

equilibrada possível, os imprevistos que podem ocorrer às áreas urbanas, principalmente as catástrofes naturais a

que algumas estão mais sujeitas, a fim de preservar a qualidade de vida das populações humanas e,

consequentemente, a preservação do meio ambiente.

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objetivos supracitados. Além da participação da sociedade civil, deixa evidente que se faz

também necessária a colaboração dos setores privados, que devem atuar como indutores de

práticas que adotem modelos sustentáveis no comércio, serviços, indústrias e agricultura.

Alves (2015) afirma que as agendas organizadas pela ONU a partir do ano de 2015,

dentre elas aos ODS, apesar de articuladas e bem-intencionadas, não mostram capacidade

eficiente de mudar os rumos do modelo de desenvolvimento pautado no crescimento

econômico, que tanto intensificaram os impactos socioambientais. Fazendo uma crítica

especificamente aos ODS, o autor conclui que a agenda faz um apelo ao crescimento econômico

como forma de ajustar os problemas sociais, de uma forma geral:

O ODS #12 diz: "Assegurar padrões de consumo e produção sustentáveis",

mas não apresenta uma definição clara de sustentabilidade. Sintomaticamente,

o símbolo utilizado no ícone de propaganda é o oito deitado, que representa o

infinito. Mais contundente é o objetivo # 8.1: "Sustentar o crescimento

econômico per capita, de acordo com as circunstâncias nacionais e, em

particular, pelo menos um crescimento anual de 7% do PIB nos países menos

desenvolvidos". A ONU - pressionada pelo loby dos países pobres a favor do

crescimento econômico e pelo loby dos países ricos contra a redistribuição da

renda mundial - rendeu-se à lógica simplista de que o crescimento econômico

é solução para os problemas sociais. [...] O que faltou explicar é como, neste

quadro, garantir a sustentabilidade entre economia e meio ambiente. (ALVES,

2015, p. 587-598)

Com isso, ele conclui que tal modelo de desenvolvimento, proposto pela agenda, carece

de sustentação ecológica e de justiça distributiva para o âmbito social; pois apesar dos objetivos

estabelecerem relação constante com temas ambientais, a natureza já se encontra em níveis de

degradação tão elevado que manter o ritmo de crescimento, e ainda induzir o alcance dos países

a esse padrão, pode levar o planeta a um colapso ambiental. Ao repetir a receita do “crescimento

econômico pelo crescimento”, o autor afirma que existe apelo à tentativa de solucionar os danos

ambientais e sociais, mas esse apelo por si só não se mostra suficiente. Uma vez que, pelo

princípio da precaução, não faz sentido continuar apoiando o crescimento econômico ilimitado,

quando a degradação dos recursos naturais e agressão à biodiversidade já alcançaram patamares

tão preocupantes (ALVES, 2015).

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3.3 A inserção do discurso socioambiental nas políticas urbanas brasileiras

Por séculos o Brasil permaneceu como um país basicamente agrário, até meados da

década de 1930, quando a crise mundial alcançou o ciclo do café e passou a conduzir grandes

contingentes de desempregados aos centros urbanos (BASSUL, 2010). Assim, o país teve seu

desenvolvimento urbano se fortalecendo apenas a partir da segunda metade do século XX, entre

1940 e 1980, devido ao crescimento demográfico e, ainda, ao processo de industrialização e seu

poder de atração de trabalhadores para as cidades (SANTOS, M., 2013).

Durante grande parte da história, até as décadas de 70/80, as políticas urbanas brasileiras

atuavam, principalmente, na definição do desenho urbano (marcação de quadras e

arruamentos), sem preocupar-se diretamente com as questões ambientais, a exemplo da Lei

Federal nº 6.766 - Parcelamento do Solo para Fins Urbanos, de 19 de dezembro de 1979.

Os municípios viram-se obrigados a lidar com os efeitos da urbanização

acelerada inteiramente desaparelhados para essa imensa tarefa. Não havia

recursos financeiros suficientes, meios administrativos adequados nem

instrumentos jurídicos específicos. Influenciado pelos setores dominantes na

economia urbana, o aparelho estatal dirigia seus escassos recursos para

investimentos de interesse privado e adotava normas e padrões urbanísticos

moldados pelos movimentos do capital imobiliário. Tanto quanto ocorria com

a renda econômica nacional, a “renda” urbana concentrava-se. A cidade cindiu-

se. Para poucos, os benefícios dos aportes tecnológicos e do consumo afluente.

Para muitos, a privação da cidadania e a escravidão da violência. (BASSUL,

2010, p. 71)

Essa demanda populacional crescente gerou um processo de urbanização intenso, em

um tempo relativamente curto, distribuindo o espaço de forma desorganizada, levando as

cidades a diversos problemas de cunho social, político, econômico e ambiental. Sobretudo,

devido à segregação das parcelas mais carentes da população, que se amontoaram em favelas e

assentamentos periféricos, ficando com pouco acesso aos serviços e bens urbanos. Tal situação,

à medida que foi se agravando e acirrando os problemas socioambientais, fomentaram a

organização popular, formando os movimentos sociais urbanos, que passaram a cobrar

melhorias do poder público. Aos poucos, foi sendo consolidado o Movimento Nacional pela

Reforma Urbana, em meados de 1980, com o intuito de pressionar os governos o provimento

de condições adequadas de vida nas cidades (BASSUL, 2010).

Os movimentos pela reforma urbana, sobretudo no tocante à questão habitacional,

ganharam força e espaço no período de acessão das demandas sociais e de luta pela

redemocratização do país, recém-saído da Ditadura Militar, que durou de 1964 a 1985. Nesse

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contexto foi promulgada a Constituição Federal Brasileira, em 1988, que inseriu mudanças

significativas para o cenário público e político do país, dentre os quais nos setores do

planejamento urbano, e que lançou as bases das políticas urbanas que decorreram desde então.

A luta pela reforma urbana fortaleceu, para além da defesa por moradias adequadas, outros

direitos como a disponibilidade de infraestrutura apropriada e oferta de serviços, bem como o

acesso aos equipamentos públicos, as boas condições de habitabilidade, que vão se

interconectar ao direito à cidade:

O debate sobre o direito à cidade está entremeado pelo entendimento da lógica

da localização dos recursos no espaço urbano, sejam eles a moradia, as

oportunidades de emprego, os serviços e os equipamentos urbanos (de

educação, saúde, lazer, cultura, segurança), entre outros. Sua disponibilidade e

sua posição na malha urbana definem os efeitos distributivos sobre a renda

real4 dos diferentes grupos sociais, que têm como fatores as externalidades –

positivas ou negativas, que distribuem custos e benefícios pelo sistema urbano

–, os diferenciais de acessibilidade – relacionados às distâncias entre os locais

de moradia e os locais de produção e consumo –, e a capacidade das famílias

de se adaptarem a mudanças na estrutura do uso do solo urbano. As diferentes

capacidades dos distintos grupos em responder a essas mudanças e a posse dos

recursos (financeiros, educacionais e políticos) disponíveis para tal definem as

injustiças e as desigualdades socioespaciais35. (MARGUTI; COSTA;

GALINDO, 2016, p. 12)

Foi também por volta dos anos 1980, após a tomada de consciência ecológica geral,

trazida pelos movimentos ambientais a nível mundial, que alguns países passaram a ser

induzidos a reforçar suas legislações referentes à proteção e gestão do meio ambiente, dentre

os quais o Brasil, que fortaleceu o movimento ambiental no país, consolidado por marcos no

âmbito do direito ambiental brasileiro. Primeiro, foi promulgada em agosto de 1981 a Lei 6.938,

da Política Nacional do Meio Ambiente, que estruturou o Sistema Nacional do Meio Ambiente

(SISNAMA) e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)36, órgãos federativos que

passaram a dar suporte à proteção ambiental. E, em seguida, a própria Constituição de 1988,

que passou a efetivar também a inserção das preocupações ambientais nas políticas brasileiras,

que trouxe, o Capítulo VI tratando inteiramente do meio ambiente, o Artigo 225, que diz que

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo

35 A desigualdade socioespacial é uma característica marcante das cidades brasileiras, que configura as

disparidades de infraestrutura e equipamentos no tecido urbano, e provocam a segregação entre pessoas e espaços.

Assim, enquanto algumas áreas das cidades dispõem de toda a infraestrutura adequada e oferta de serviços para

uma condição de vida digna, em outras (principalmente favelas e bairros periféricos) há precariedade de

infraestrutura e serviços, evidenciando a vulnerabilidade social e ambiental dos locais, e inclusive ocasionando

degradação de áreas ambientalmente frágeis. 36 O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) faz parte do Sistema Nacional do Meio Ambiente

(SISNAMA), instituído pela Lei 6.938/81, regulamentada pelo Decreto 99.274/90. Fonte:

http://www2.mma.gov.br/

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e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, Capítulo VI – Do Meio Ambiente).

Assim, a Constituição proporcionou, simultaneamente, a incorporação das

preocupações com a proteção ambiental e o fortalecimento da política urbana. A temática foi

inserida na Constituição através dos Artigos 182 e 183, marcando um capítulo dedicado

somente à política urbana. Tal capitulo trouxe, entre outras coisas, a obrigatoriedade do Plano

Diretor37 para cidades com mais de vinte mil habitantes, tendo por objetivo a promoção da

função social das cidades e regimentando o que viria a se tornar, em 2001, o Estatuto da Cidade

(Lei 10.257). Embora seja a Constituição de 1988 quem insere a questão urbana no cenário das

políticas brasileiras, é o Estatuto da Cidade que vai regulamentar e detalhar as premissas

lançadas pelos Artigos 182 e 183. É ele quem vai traçar o conjunto de diretrizes a serem

utilizados pelas cidades brasileiras, a fim de intervir de forma inovadora sobre os territórios das

cidades, através da definição e da função social da cidade e da propriedade urbana (ROLNIK,

2001).

A Conferência de Istambul (que produziu a Agenda Habitat II), foi também fundamental

para o reconhecimento internacional da importância de repensar as questões relacionadas às

cidades brasileiras. Essa Agenda contribuiu com o fortalecimento da nova agenda urbana no

Brasil, ao criar um ambiente favorável à novas ideias e experimentações no âmbito das políticas

urbanas a nível mundial (COSTA; FAVARÃO, 2016). Essa influência se estendeu até mesmo

na aprovação do Estatuto da Cidade, bem como a criação do Ministério das Cidades, em 2003,

e do Conselho das Cidades, em 200438 (Fonte: IPEA, 2016).

37 O Plano Diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. É o instrumento que

vai estabelecer as diretrizes para o ordenamento urbano de cada cidade, baseado nas especificidades de cada local,

visando a promoção da qualidade de vida e minimização dos impactos ambientais causados pela atividade urbana,

crescimento das cidades e toda a dinâmica decorrente deste.

38 Compete ao Ministério das Cidades, criado em 2003, fortalecer as políticas de desenvolvimento urbano,

fornecendo suporte e capacitação técnica aos municípios, além do financiamento de planos e projetos, a fim de

instituir e implementar as diretrizes propostas sobretudo pelo Estatuto da Cidade, na construção de cidades

inclusivas e sustentáveis. Fazem parte da estrutura integrante do Ministério das Cidades: o Conselho Curador do

Fundo de Desenvolvimento Social; o Conselho das Cidades (ConCIDADES); o Conselho Nacional de Trânsito

(CONTRAN); a Secretaria Nacional de Habitação (SNH); a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental

(SNSA); a Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana (SEMOB); a Secretaria Nacional de

Acessibilidade e Programas Urbanos (SNAPU); e o Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN). Dentre

esses, o Conselho das Cidades, criado em 2004, representa a materialização de um instrumento de gestão

democrática, sendo um órgão de natureza consultiva e deliberativa, com finalidade de estudar e propor estratégias

para a formulação, implementação e acompanhamento das políticas nacionais de desenvolvimento urbano pelas

cidades, incluindo os atores sociais nos processos de decisão sobre essas políticas. Disponível em:

<http://www.cidades.gov.br/>

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O Estatuto da Cidade é, então, a lei que vai regulamentar o capítulo de políticas urbanas

da Constituição, coroando o período de lutas por uma reforma urbana39 no Brasil, posicionando-

se como um conjunto de instrumentos de intervenção para as formas de produção das cidades,

no intuito de mitigar os impactos sociais e ambientais decorrentes dos processos de urbanização.

Ele traz como objetivo maior o desenvolvimento da função social das cidades, através da gestão

democrática e da sustentabilidade urbano-ambiental (ALFONSIN, 2001).

O Estatuto apresenta também como diretriz o controle do uso do solo, que além de

promover o acesso à cidade, visa evitar a poluição e degradação de áreas ambientalmente

frágeis. Assim, no que diz respeito às questões ambientais, a Lei tem a sustentabilidade como

um de seus objetivos, usando o conceito de forma ampla, que se estende direta e indiretamente

no decorrer dos seus artigos e incisos. A Lei desafia e conduz as cidades brasileiras a unir a

gestão urbana com a gestão ambiental, integrando as diversas políticas de planejamento urbano,

habitacional e ambiental (ALFONSIN, 2001). A tarefa de se planejar as cidades, além de uma

função do poder público, passa a ser também compartilhada com a sociedade – ambos

responsáveis pela sustentabilidade dos processos urbanos.

Dessa forma, o Estatuto da Cidade é considerado um marco na política urbana brasileira

por estabelecer “normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade

urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do

equilíbrio ambiental”. A Lei veio complementar as políticas já existentes, e subsidiar a

elaboração de novas políticas que irão regulamentar o funcionamento das cidades brasileiras,

como a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587, 2012), além de nortear os debates

acerca da promoção de espaços urbanos mais justos, ambiental e socialmente, no intuito de

fortalecer estratégias que buscam, ainda que indiretamente, a proteção ao meio ambiente. Tais

instrumentos tem por objetivo o ordenamento das atividades antrópicas sobre o meio natural e

construído, garantindo o direito à cidade, promovendo a qualidade da vida humana e a

preservação dos recursos naturais, a fim de evitar a intensificação da degradação ambiental.

Dentro do Estatuto da Cidade, no Capítulo III, Art. 41, fica determinado, através do §

2o que: “No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado um

plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido”. A partir

39 Segundo Bassul (2002), a luta pela reforma urbana ocorre desde o final dos anos 1970, quando se intensificou

o êxodo rural no Brasil, e as populações mais carentes recém-chegadas as cidades encontrava dificuldades ao

acesso da terra. Construído historicamente através de diversos processos na luta da reforma urbana, o Estatuto da

Cidade só foi aprovado após 12 anos de tramitação e discussões junto ao poder legislativo.

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de então, passaram a ser instituídas as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Sancionada através da Lei 12.587, de janeiro de 2012, a Política Nacional de Mobilidade

Urbana é mais um dos instrumentos da política de desenvolvimento urbano.

Assim, a Lei apresenta a definição e classificação dos modos de transporte, e das

infraestruturas de mobilidade urbana que fazem parte do Sistema Nacional de Mobilidade

Urbana. Estabelece diretrizes e objetivos gerais que devem servir de base para a formulação de

normas municipais, adequadas a realidade de cada lugar, além de subsídios para que esses

municípios estejam em consonância com os demais, na implementação de suas políticas. Ainda

traz a observação de que as infraestruturas da mobilidade urbana devem estar relacionadas com

um planejamento sistêmico, para que os benefícios sejam efetivos.

A aprovação dessas leis, dentre outras que interferem direta e indiretamente com as

questões socioambientais urbanas, consiste em importantes marcos na gestão da política urbana

brasileira. O modelo de desenvolvimento urbano adotado historicamente no país se traduziu em

graves problemas de ordem social e ambiental, provocando a segregação socioespacial e

externalidades negativas, caminhando para a insustentabilidade do modo de vida urbano (IPEA,

2012). A carência de controle e investimentos públicos durante grande parte da história urbana

do país acarretaram problemas que apontaram a necessidade de articular políticas nacionais que

fossem capazes de conduzir o desenvolvimento das cidades brasileiras de forma mais

equilibrada e justa, ambiental e socialmente.

Mendonça (2004) ainda atenta para o fato que apesar da inserção do discurso ambiental

na Constituição de 1988 não ter estabelecido limites e prazos para a adequação das cidades

brasileiras se adequarem às normas urbanas, esse já deve ser considerado um avanço. Uma vez

que se levanta o debate, e populariza-o, evidenciando cada vez mais os problemas e

incentivando a busca das soluções; passa-se aos poucos a orientar e normatizar o

desenvolvimento das cidades brasileiras, ampliando as discussões relativas à qualidade e

condições da vida urbana, onde a abordagem ambiental passa a ser uma preocupação recorrente.

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3.3.1 Agenda 21 Brasileira

Em processo paralelo à aprovação do Estatuto da Cidade e criação de órgãos que

regulamentam as questões urbanas no Brasil, a Agenda 21 Brasileira, tendo como base a

Agenda 21 Global, começou a ser discutida no período entre 1996 e 2002, quando foi aprovada.

Esse processo foi coordenado pela Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável

(CPDS) e da Agenda 21 Nacional, que contou com o envolvimento de cerca de 40mil pessoas

de todo o país40. Sendo definida como “um processo e instrumento de planejamento

participativo para o desenvolvimento sustentável e que tem como eixo central a

sustentabilidade, compatibilizando a conservação ambiental, a justiça social e o crescimento

econômico” pelo Ministério do Meio Ambiente, a Agenda 21 Brasileira é implementada como

mais um documento norteador de práticas que visem o desenvolvimento sustentável do país

como um todo.

O documento apresenta as diretrizes para que sejam criadas e aprovadas as Agendas 21

Locais, onde cada cidade deve criar sua própria agenda, de acordo com suas necessidades e

especificidades, sendo um instrumento que incentiva a democracia e participação popular nos

processos decisórios41. No que diz respeito à sustentabilidade das cidades, especificamente, é

afirmado que “O desafio atual da gestão das cidades passa ainda pela busca de modelos de

políticas que combinem as novas exigências da economia globalizada à regulação pública da

produção da cidade e ao enfrentamento do quadro de exclusão social e de deterioração

ambiental” (Agenda 21 Brasileira, 2004). Dessa forma, seguindo a tendência mundial das

demais agendas e planos que pensam a questão urbana, a Agenda 21 Brasileira vai preocupar-

40

A CPDS elaborou uma metodologia de trabalho que definiu áreas temáticas e debates em consultas públicas

para a construção do documento Agenda 21 Brasileira. Os seis eixos temáticos trabalhados foram: Agricultura

Sustentável; Cidades Sustentáveis; Infra-estrutura e Integração Regional; Gestão dos Recursos Naturais; Redução

das Desigualdades Sociais; e Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável. Para cada tema foram

realizadas consultas aos diferentes segmentos da sociedade, sob a coordenação geral do Ministério do Meio

Ambiente e suas secretarias, por meio de workshops e seminários abertos ao público, a fim de envolver os diversos

atores sociais na definição dos conceitos e propostas para a construção da sustentabilidade. Os resultados dessas

consultas foram sistematizados e analisados pela CPDS, entre 1998 e 1999, que por meio de novas consultas

públicas, consolidadas em encontros regionais, que reuniu novamente a sociedade civil, secretarias do meio

ambiente e instituições de crédito e fomento ao desenvolvimento, para o aprofundamento do debate e consolidação

dos termos do documento. Esse processo de elaboração da agenda continuou entre 2000 e 2001, através da

realização de debates estaduais. A fase final do trabalho ocorreu em 2002, com um seminário nacional que reuniu

membros dos setores executivo, legislativo, produtivo, acadêmico e sociedade civil organizada, onde se definiu o

documento final, e marcou o processo de implementação da Agenda 21 Brasileira. (Dados: Ministério do Meio

Ambiente, disponíveis em: http://www.mma.gov.br/) 41 Ainda em 2002, cerca de 1/3 dos municípios brasileiros iniciaram o processo de construção das suas Agenda

21 Local. (MALHEIROS; PHLIPPI JR; COUTINHO, 2008)

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se em propor estratégias que proporcionem a integração das questões sociais e ambientais, e

sua relação com o espaço construído, articulando programas que envolvam toda a sociedade na

busca de uma melhor qualidade de vida.

Dentre algumas das ações prioritárias da Agenda 21 Brasileira para os espaços urbanos,

destaca-se: combater o crescimento desnecessário das áreas de expansão urbana das cidades;

ampliar o acesso à moradia adequada aos habitantes; promover a elaboração de planos diretores;

estimular a adoção de empreendimentos sustentáveis; promover melhorias no transporte

público, e incentivo ao seu uso; incentivar uso de combustíveis mais eficientes para os modais

de transporte; impedir a ocupação de áreas ambientalmente frágeis, principalmente locais

próximos à reservas de água; entre outros.

Ao final do documento, são apresentadas as melhorias e mudanças que já foram obtidas

com o passar do tempo, antes mesmo da implementação da Agenda, evidenciando que sua

efetivação tende a trazer novos ganhos ao desenvolvimento sustentável no Brasil. Embora seja

reconhecido o atraso do país diante da problemática socioambiental, alguns avanços foram se

fortalecendo ao longo do tempo, principalmente desde a Rio 92, tais como: o envolvimento do

setor empresarial, que passou a sofrer pressão da sociedade e dos órgãos ambientais – já

ocasionados pelo avanço também da consciência da sociedade para as questões

socioambientais; e progressos na área da ciência e tecnologia, através de avanços nas pesquisas

acadêmicas. No entanto, apesar de alguns avanços obtidos com a implementação da Agenda 21

no país, o tema ainda é considerado recente diante das políticas brasileiras, e ainda demanda

grande atenção para garantir a aplicação prática das estratégias e metas propostas. Uma das

lacunas que a consolidação do documento deixa

[...] refere-se ao desenvolvimento de estudos de avaliação de resultados e

impactos desses processos de âmbito local, que orientem políticas e ações no

sentido de ampliar investimentos nesse componente e melhorar aspectos ainda

não satisfatório, como, por exemplo, forma de engajamento de atores,

continuidade de ações após períodos de mudanças de gestão governamental.

(MALHEIROS; PHLIPPI JR; COUTINHO, 2008, p. 9)

Além dessa falta de instrumentos que monitorem e avaliem os resultados, positivos ou

negativos, da instituição das agendas locais, soma-se o fato que a Agenda 21 brasileira é voltada

para o planejamento estratégico, caracterizando-se como um “protocolo de intensões”; ou seja,

não há obrigatoriedade de sua implantação. Com isso, para que haja apoio à proposta e na

tentativa de efetivar estratégias que visem os objetivos dispostos na Agenda, vê-se como

necessário consolidar a amarração dessas Agendas com o conjunto de políticas nacionais, a fim

de melhorar a estrutura dos governos nacional, estadual e municipal, para que eles exerçam suas

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atividades de maneira mais eficiente, praticando a inclusão social na tomada de decisões e

incorporando a ideia da sustentabilidade nas suas propostas e ações.

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4 O ESTATUTO DA CIDADE E A POLÍTICA NACIONAL DE MOBILIDADE

URBANA SOB A ÓTICA DO MEIO AMBIENTE

Em sequência aos capítulos anteriores, nos quais foram trabalhados de forma separada

as discussões acerca do desenvolvimento sustentável, ética ambiental, planejamento e

problemática socioambiental urbana, esse capítulo da pesquisa teve por objetivo analisar como

se deu a junção de tais temas na promulgação de duas das leis que norteiam o planejamento

urbano brasileiro: o Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 2001) e a Política Nacional de

Mobilidade Urbana (Lei12.587, de 2012).

Para tal, num primeiro momento, ambas políticas foram apresentadas de maneira geral,

bem como as considerações a respeito de cada uma delas; para, posteriormente, serem

analisadas, sobretudo a respeito da abordagem às questões ambientais. A análise foi feita

através da identificação de tais abordagens e do tratamento das informações contidas nas

mensagens – no caso da presente pesquisa, nos documentos acima citados. Para o estudo dessas

informações, adotou-se o cumprimento das seguintes etapas:

1. Definição das categorias e subcategorias relacionadas ao objeto da pesquisa: as

categorias são os temas que norteiam a pesquisa, e as subcategorias podem ser

palavras isoladas ou assuntos que se relacionem e apresentem similaridades dentro

de um determinado contexto.

2. Criação tabelas de frequência e ocorrência: constituiu-se num levantamento

quantitativo, no documento ou texto analisado, das palavras/assuntos definidas

como subcategorias; de forma a apresentar quantas vezes tais subcategorias

aparecem, e onde.

3. Análise e correlação dos resultados: foi feita uma análise qualitativa dos resultados

obtidos na tabela de frequência e ocorrência, pontuando os contextos onde e como

essas palavras/assuntos ocorrem, quais os possíveis significados e implicações, e seu

entendimento diante do aporte teórico no qual se baseia a pesquisa.

Ambos os documentos analisados, conforme serão detalhados em seguida, evidenciam

um enfoque nas questões socioeconômicas e de desenvolvimento urbano de forma integrada.

Mas, sendo a proposta e objetivo da pesquisa avaliar a temática do planejamento urbano

relacionado ao meio ambiente e ética ambiental, definiu-se, assim, esses como as categorias

principais a ser analisadas. A partir dessas duas categorias, definiu-se em seguida as

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subcategorias: palavras ou assuntos que são trabalhados e debatidos dentro das categorias, ou

temas que com estas se relacionam. Para a categoria Meio Ambiente, ficaram definidos como

subcategorias os seguintes termos: Meio Ambiente; Desenvolvimento Sustentável/

Sustentabilidade; Natureza; Recursos Naturais; Impactos Ambientais; Poluição. Na categoria

Ética Ambiental, foram estabelecidas as subcategorias: Preservação; Conservação;

Responsabilidade; Precaução; Futuras Gerações.

A partir dessa definição, foi elaborado o Quadro 01 como modelo a ser aplicado para as

duas Leis que a presente pesquisa propôs analisar:

Quadro 01 - Definição de categorias/subcategorias para a análise de conteúdo.

DOCUMENTO ANALISADO

CATEGORIAS SUBCATEGORIAS FREQUÊNCIA OCORRÊNCIA

MEIO

AMBIENTE

Meio Ambiente

Desenvolvimento

Sustentável/

Sustentabilidade

Natureza

Recursos Naturais

Impactos Ambientais

Poluição

Efeito Estufa

ÉTICA

AMBIENTAL

Preservação

Conservação

Responsabilidade

Precaução

Futuras Gerações

Fonte: Autora, 2018.

Com isso, é esperado quantificar esses termos dentro das legislações propostas pela

pesquisa, assim como a maneira como eles aparecem e as relações que estabelecem com os

demais instrumentos regulamentados por cada lei. Através dessa análise, pretende-se

compreender como a política de planejamento urbano brasileiro têm abordado as problemáticas

relacionadas ao meio ambiente, e diante disso, os caminhos que ela propõe como solução para

o enfrentamento desses problemas, na busca da construção de cidades que se desenvolvam de

forma ambientalmente equilibradas e socialmente justas.

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4.1 O Estatuto da Cidade

O exercício de repensar as questões urbanas e a forma como as cidades brasileiras

estavam tomando rumo surge a partir da década de 1960, período no qual a reforma agrária

começou a ganhar força pelo país, juntamente com as primeiras propostas de reforma urbana e

reivindicações, sobretudo, pelo direito à habitação nas cidades. A Emenda Popular 63º, de 1987,

veio tratar dessas demandas num documento que recebeu apoio de movimentos populares,

associações profissionais e acadêmicas, organizações políticas e religiosas. Tais

reinvindicações culminaram na inserção de um capítulo inteiramente voltado para a política

urbana na Constituição Federal de 1988, que trouxe a noção da função social da cidade e da

propriedade42, lançando as bases do que viria a constituir o Estatuto da Cidade (MARGUTI;

COSTA; GALINDO, 2016).

Assim, sendo considerado um dos mais significantes marcos na política urbana

brasileira, o Estatuto da Cidade – Lei Federal 10.257 foi aprovado em 2001 após anos de lutas

pela reforma agrária, no embalo de diversos movimentos sociais que moldavam o cenário

brasileiro recém-saído do período da ditadura militar. A lei, que teve suas raízes construídas

durante fase de redemocratização do país, vem regulamentar o capítulo da política urbana da

Constituição de 1988, nos Artigos 182 e 183, trazendo para o contexto urbano brasileiro

“normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol

do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”

(Lei 10.257, 2001).

O Estatuto da Cidade é, em si mesmo, a consolidação do processo que busca

conferir o direito à cidade à população brasileira, não se restringindo à sua

porção urbana, mas cobrindo, ainda que em distintas perspectivas, a população

de cada um dos municípios brasileiros. [...] trazendo em seu bojo uma série de

outros direitos que se interconectam ao direito à cidade, como a segurança da

posse, a disponibilidade de serviços de infraestrutura e equipamentos públicos,

a habitabilidade e a localização adequada. (MARGUTI; COSTA; GALINDO,

2016, p. 15).

42 Define-se a função social da propriedade como a ideia de que as propriedades privadas não são apenas fontes

de direitos, mas também de obrigações sociais, e os interesses individuais dos proprietários devem estar de acordo

com os interesses sociais, econômicos, ambientais e culturais da cidade e da sociedade como um todo. Essa noção

já aparece na Constituição de 1988, e o Estatuto da Cidade vem somar forças para o poder público atuar sobre essa

questão no âmbito urbano, através de diversos instrumentos jurídicos (aplicação do IPTU progressivo no tempo,

por exemplo), que permitam o equilíbrio entre os interesses individuais e coletivos, quanto à utilização do solo

urbano, entendido como essencial para o desenvolvimento das cidades de maneira mais justa, equilibrada e

sustentável (FERNANDES, 2010).

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Maricato (2010) afirma que “a lei é uma conquista social”, por reunir diversas

abordagens referentes ao governo democrático, justiça urbana e equilíbrio ambiental num

mesmo texto, inserindo as questões urbanas na agenda da política nacional de um país que

durante décadas esteve marcado pela cultura rural. Atenta ainda para o fato das dificuldades

que a lei pode enfrentar para sua ampla aplicação, visto que o país é assolado por desigualdades

socioeconômicas, onde grande parte de sua população não tem acesso à terra formal43,

aglomerando-se em locais que não dispõem de qualquer plano urbanístico, e vivem de forma

precária – tanto na questão da moradia, quanto no espaço urbano que usufruem. Todavia, esse

é um dos motivos pelos quais a lei se faz tão urgente e necessária, pois tem como questão-chave

a função social da propriedade, de forma a garantir o pleno direito à cidade.

A lei é inédita no país por apresentar uma série de instrumentos regulatórios para o

ordenamento das cidades, que podem induzir e orientar a implementação de um modelo de

desenvolvimento urbano que seja mais socialmente justo e menos ambientalmente predatório.

Ela contempla diretrizes expressas que asseguram a participação popular na elaboração,

aprovação e implementação de Planos Diretores (na esfera municipal), incorporando assim o

direito dos cidadãos de atuarem nos processos decisórios; bem como abrange mecanismos que

visam conter a expansão ilimitada das cidades, que tem avançado de forma voraz sobre áreas

ambientalmente frágeis ou de preservação ambiental (ROLNIK, 2001). Para a autora, as

inovações apresentadas pelo Estatuto podem atuar induzindo e normatizando as formas de

ocupação no solo; ampliando a possibilidade de regular as posses urbanas; traçando novas

estratégias de gestão que contemplem a participação direta dos cidadãos nos processos que irão

decidir o destino da cidade.

O Capítulo I do Estatuto da Cidade apresenta os objetivos, supracitados, e as diretrizes

gerais da política urbana, dentre as quais estão:

[...] garantia do direito a cidades sustentáveis; participação popular;

cooperação entre agentes públicos e privados; planejamento do

desenvolvimento das cidades; proteção do meio ambiente natural e do

patrimônio cultural; produção de bens e serviços nos limites da

sustentabilidade ambiental; recuperação pelo poder público de investimentos

43 Dentre os problemas da ocupação informal (por meio de moradias, sobretudo) da terra, Maricato (2010) destaca

o que ela considera como “agressão ambiental”, onde a alternativa que sobra para os cidadãos excluídos do

mercado formal é a ocupação de áreas ambientalmente frágeis, como encostas deslizantes, várzeas inundáveis,

áreas de mangues e beira de córregos, entre outras áreas que deveriam estar sob proteção ambiental. A agressão

ocorre tanto ao meio ambiente, que é frequentemente degradado e poluído, quanto às populações que ocupam esses

locais. Estas estão constantemente sujeitas à problemas que vão desde desastres naturais (inundações,

deslizamentos) à falta de infraestrutura básica, condenando-as à problemas de saúde, exclusão social e aumento

da violência, perfazendo um quadro de intensa vulnerabilidade social, econômica e ambiental.

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que tenham resultado na valorização imobiliária, entre outras. (BASSUL,

2002, p. 133-144).

Dessa forma, a Lei apresenta uma vasta abordagem sobre os diversos aspectos que

dizem respeito aos ambientes urbanos, que vão desde a conformação física das cidades, até a

regulação das atividades que nesta se realizam. No Artigo 2º, onde são apresentadas as diretrizes

gerais, estimula a melhoria da qualidade de vida nas cidades através de aspectos como moradia,

transporte, economia, requalificação de áreas ociosas ou subutilizadas, proteção ao meio

ambiente natural e construído, e, sobretudo, incentiva e prioriza a participação popular nos

processos decisórios.

O Capítulo II vai elencar os instrumentos da política urbana, que de maneira geral, é

possível agrupar nos seguintes conjuntos:

i) instrumentos de indução do desenvolvimento urbano, como é o caso do

parcelamento, da edificação ou da utilização compulsórios; do Imposto Predial

e Territorial Urbano (IPTU) progressivo no tempo; da outorga onerosa do

direito de construir; das operações urbanas consorciadas; do direito de

preempção, entre outros;

ii) instrumentos de regularização fundiária – tendo como bases legais para sua

política o direito à moradia e às cidades sustentáveis – como as zonas especiais

de interesse social (ZEIS); o usucapião especial de imóvel urbano; e a

concessão de uso especial para fins de moradia e de direito real de uso

(CDRU);

iii) instrumentos de democratização da gestão urbana, atendendo aos

princípios constitucionais da democracia representativa e participativa,

garantindo aos cidadãos a liberdade e a oportunidade de participação no

sistema político. (MARGUTI; COSTA; GALINDO, 2016, p. 16)

Tais instrumentos deverão servir, assim, para atender aos objetivos e diretrizes que

norteiam a política. Para cada instrumento, a Lei traça as devidas considerações e objetivos,

bem como estratégias para sua implantação, além da especificação de prazos e meios para

efetivá-los. Esses instrumentos são de ordem jurídica e/ou fiscal – arrecadatório. Quando

arrecadatório, como o IPTU, é previsto que tal recolhimento seja utilizado em prol do próprio

planejamento urbano (MARGUTI; COSTA; GALINDO, 2016).

O Capítulo III discorre sobre a obrigatoriedade do Plano Diretor, caracterizando-o como

“o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”, sendo parte

fundamental do processo de planejamento como um todo, incorporando todas as

especificidades relativas a cada município. A Lei atenta para a exigência da inclusão e

participação popular desde os debates no processo de elaboração dos planos diretores, e repassa

aos municípios a responsabilidade de traçarem estratégias que promovam o desenvolvimento

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das cidades de forma integrada e justa, assim como de definirem os prazos e mecanismos de

aplicação de tais estratégias, de acordo com as necessidades e características de cada local.

O Plano Diretor será, então, o documento responsável por, entre outros objetivos:

delimitar as áreas urbanas; estabelecer parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo;

mapear áreas suscetíveis à ocorrência de desastres naturais, bem como planejar ações de

intervenções que previnam e mitiguem tais desastres, em especial melhorias nos sistemas de

drenagem urbana; estabelecer diretrizes que viabilizem a regularização fundiária e acesso à

moradia; definir estratégias e instrumentos de proteção ambiental e cultural; entre outros, de

forma a sempre contemplar a participação popular na definição dos processos decisórios.

O Capítulo IV tece a respeito da gestão democrática da cidade, que deve se dar por meio

de atividades que incentivem e insiram a população nos debates, através de audiências públicas

e conferências, por exemplo. Contempla também a necessidade da gestão orçamentária

participativa, que deve ocorrer por meio da apresentação das propostas de planos orçamentários

anuais, e divulgação de tais elementos; destacando a importância da participação dos setores

representativos da sociedade junto aos organismos gestores, de modo a garantir o pleno

exercício da cidadania.

Por fim, o Capítulo V trata de disposições gerais, reiterando e esclarecendo alguns

pontos abordados nos capítulos e instrumentos anteriores, e estabelecendo prazos para os

estados e municípios apresentassem a expedição de algumas dessas diretrizes e o planejamento

para o cumprimento das mesmas, a exemplo do prazo para as cidades aprovarem seus Planos

Diretores.

De uma maneira geral, o Estatuto da cidade representa uma inovação para o

planejamento urbano brasileiro, mas sua efetividade depende inteiramente da forma como as

cidades irão utilizá-lo. Isso porque, como já mencionado, boa parte de seus instrumentos

precisam ser vinculados ao Plano Diretor formulado e aprovado em cada município e, ainda,

que os municípios façam a aplicação prática desses dispositivos:

O Estatuto abre uma nova possibilidade de prática, apresentando uma nova

concepção de planejamento urbano, mas depende fundamentalmente do uso

que dele fizerem as cidades. Boa parte dos instrumentos, sobretudo

urbanísticos, dependem dos Planos Diretores; outros de legislação municipal

específica que aplique o dispositivo na cidade. Os cidadãos têm, entretanto, o

direito e o dever de exigir que seus governantes encarem o desafio de intervir,

concretamente, sobre o território, na perspectiva de construir cidades mais

justas e belas. (ROLNIK, 2001, pg. 4)

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Aliado a isso, o Plano Diretor também não é um fim em si. Ele traz consigo a

possibilidade da implementação de outros planos e projetos dele decorrentes, como planos de

habitação, mobilidade e saneamento, que precisam estar interligados e harmonizados para que

o planejamento urbano, como um todo, aconteça de forma equilibrada e eficiente. Ainda,

embora a Constituição e o Estatuto determinem a obrigatoriedade da elaboração do Plano

Diretor pelos municípios, não há garantias que as prefeituras irão incorporar os instrumentos

tal como dispõe o Estatuto, uma vez que esse não determina de que forma se dará a fiscalização

de sua aplicabilidade; ou que ainda que tais instrumentos apareçam nos Planos, esses se

traduzam em práticas nas cidades.

Maricato (2010) faz uma análise semelhante, ao afirmar que “o texto legal, embora

fundamental, não é suficiente para resolver problemas estruturais de uma sociedade

historicamente desigual na qual os direitos, como por exemplo o direito à cidade ou à moradia

legal, não são assegurados para a maioria da população” (MARICATO, 2010, p. 5). A autora

salienta a importância que a lei tem, de forma inegável, para possibilitar o desenvolvimento de

“cidades mais justas e ambientalmente equilibradas”, mas com o discernimento de que apenas

uma lei (ou um plano diretor) não é capaz de constituir soluções únicas e isoladas para os

problemas históricos e estruturais que o país apresenta.

Além dessa reflexão, Maricato (2015) aprofunda a análise a respeito de como as

desigualdades sociais e econômicas são refletidas no tecido urbano, e impõem graves barreiras

para a implantação efetiva das políticas urbanas, agravando os problemas socioambientais. É o

reconhecimento da cidade também como mercadoria dentro do sistema capitalista global. O

solo urbano tem valores, os quais evidenciam disparidades de acordo com a localidade e

infraestrutura que dispõem, sendo esse mais um dos agravantes para a degradação ambiental,

uma vez que as áreas desinteressantes para o mercado imobiliário ficam constantemente

abandonadas e desprotegidas, inclusive pelo poder público:

Há mangues ocupados em litorais de todo o Brasil. Nesse lugar essas pessoas

podem ficar. Agora se elas ocuparem ilegalmente do jeito que ocuparam essa

área, um imóvel vazio no centro da cidade, o que acontece? Serão expulsas!

Porque não é a lei, norma jurídica, que conduz o controle do uso e ocupação

do espaço, é lei de mercado, porque terra ou imóvel no centro da cidade tem

valor de mercado e no mangue não tem. Não é difícil mostrar que é mais

importante proteger uma área de mangue do que proteger um imóvel vazio no

centro da cidade, que aliás não está cumprindo sua função social.

(MARICATO, 2015, p.15)

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Essa crítica é reiterada por Fernandes (2010), que considera esse um dos grandes

desafios a serem enfrentados no processo de construção de cidades mais justas: os processos de

ocupação, parcelamento do solo e construção, bem como a preservação dos recursos naturais

que compõem o todo, não podem ficar somente a cargo dos interesses individuais e das forças

do mercado, visto os problemas socioambientais decorrentes. É necessário, então, regular esses

processos e equilibrar os interesses e direitos individuais e coletivos/sociais, uma vez que a livre

atuação do mercado imobiliário tem sido uma das principais fontes de segregação socioespacial

e, consequentemente, degradação ambiental. E essa é uma das lacunas deixadas pelo Estatuto

da Cidade – embora a participação social seja uma exigência da lei, ela não garante o

envolvimento da comunidade nas discussões acerca da valorização imobiliária que tem

intensificado as disparidades no uso e ocupação do solo e, logo, seus desdobramentos nocivos

sobre as condições de vida e sobre meio ambiente.

4.1.1 A abordagem ambiental no Estatuto da Cidade

Embora o Estatuto da Cidade seja considerado, sobretudo, uma conquista social

(MARICATO, 2010), ao inserir a participação democrática da população na tomada de decisões

e defender o direito à cidade como norteador de seus principais instrumentos; no decorrer da

lei é abordada também a necessidade de proteção ao meio ambiente junto às práticas urbanas,

até mesmo por entender este ser fundamental para a preservação da vida das populações, tanto

no presente quanto no futuro.

A inserção das abordagens ao meio ambiente ocorre, na maioria das vezes, associada a

instrumentos que visam a proteção do patrimônio natural e construído, mas outras tantas é

colocado de maneira indireta, como evidenciado a seguir, através do Quadro 02, que segue o

modelo estruturado para indicar a frequência e ocorrência onde tais temáticas, agrupadas nas

categorias e subcategorias, que aparecem dentro da Lei 10.257/2001:

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Quadro 02 – Tabela de Frequência/Ocorrência

DOCUMENTO: ESTATUTO DA CIDADE

CATEGORIAS SUBCATEGORIAS FREQUÊNCIA OCORRÊNCIA

MEIO

AMBIENTE

Meio Ambiente 4

- (Art. 2º) V – planejamento do

desenvolvimento das cidades, da

distribuição espacial da população e das

atividades econômicas do Município e do

território sob sua área de influência, de

modo a evitar e corrigir as distorções do

crescimento urbano e seus efeitos

negativos sobre o meio ambiente;

- (Art. 2º) XII – proteção, preservação e

recuperação do meio ambiente natural e

construído, do patrimônio cultural,

histórico, artístico, paisagístico e

arqueológico;

- (Art. 2º) XIII – audiência do Poder

Público municipal e da população

interessada nos processos de implantação

de empreendimentos ou atividades com

efeitos potencialmente negativos sobre o

meio ambiente natural ou construído, o

conforto ou a segurança da população;

- Art. 54º - "Art. 4o Poderá ser ajuizada

ação cautelar para os fins desta Lei,

objetivando, inclusive, evitar o dano ao

meio ambiente, ao consumidor, à ordem

urbanística ou aos bens e direitos de valor

artístico, estético, histórico, turístico e

paisagístico (VETADO)." (NR)

Desenvolvimento

Sustentável/

Sustentabilidade

2

- (Art. 2º) I – garantia do direito a cidades

sustentáveis, entendido como o direito à

terra urbana, à moradia, ao saneamento

ambiental, à infraestrutura urbana, ao

transporte e aos serviços públicos, ao

trabalho e ao lazer, para as presentes e

futuras gerações;

- (Art. 2º) VIII – adoção de padrões de

produção e consumo de bens e serviços e

de expansão urbana compatíveis com os

limites da sustentabilidade ambiental,

social e econômica do Município e do

território sob sua área de influência;

Natureza - -

Recursos Naturais 2

- (Art. 2º) XVII - estímulo à utilização, nos

parcelamentos do solo e nas edificações

urbanas, de sistemas operacionais, padrões

construtivos e aportes tecnológicos que

objetivem a redução de impactos

ambientais e a economia de recursos

naturais.

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92

- (Art. 32º, § 2o) III - a concessão de

incentivos a operações urbanas que

utilizam tecnologias visando a redução de

impactos ambientais, e que comprovem a

utilização, nas construções e uso de

edificações urbanas, de tecnologias que

reduzam os impactos ambientais e

economizem recursos naturais,

especificadas as modalidades de design e

de obras a serem contempladas.

Impacto Ambiental 7

- (Art. 2º) XVII - estímulo à utilização, nos

parcelamentos do solo e nas edificações

urbanas, de sistemas operacionais, padrões

construtivos e aportes tecnológicos que

objetivem a redução de impactos

ambientais e a economia de recursos

naturais.

- (Art. 4º) VI – estudo prévio de impacto

ambiental (EIA) e estudo prévio de

impacto de vizinhança (EIV)

- (Art. 32º, § 2o) I – a modificação de

índices e características de parcelamento,

uso e ocupação do solo e subsolo, bem

como alterações das normas edilícias,

considerado o impacto ambiental delas

decorrente;

- (Art. 32º, § 2o) III - a concessão de

incentivos a operações urbanas que

utilizam tecnologias visando a redução de

impactos ambientais, e que comprovem a

utilização, nas construções e uso de

edificações urbanas, de tecnologias que

reduzam os impactos ambientais e

economizem recursos naturais,

especificadas as modalidades de design e

de obras a serem contempladas.

- Art. 38. A elaboração do EIV não

substitui a elaboração e a aprovação de

estudo prévio de impacto ambiental

(EIA), requeridas nos termos da legislação

ambiental.

- (Art. 41º) V – inseridas na área de

influência de empreendimentos ou

atividades com significativo impacto

ambiental de âmbito regional ou nacional.

Poluição 1 - (Art. 2º) VI – ordenação e controle do uso

do solo, de forma a evitar: [...] g) a

poluição e a degradação ambiental;

Efeito Estufa - -

Preservação 3 - (Art. 2º) XII – proteção, preservação e

recuperação do meio ambiente natural e

construído, do patrimônio cultural,

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93

ÉTICA

AMBIENTAL

histórico, artístico, paisagístico e

arqueológico;

- (Art. 35º) II – preservação, quando o

imóvel for considerado de interesse

histórico, ambiental, paisagístico, social

ou cultural;

- (Art. 42º) VI - identificação e diretrizes

para a preservação e ocupação das áreas

verdes municipais, quando for o caso, com

vistas à redução da impermeabilização das

cidades.

Conservação 2

- (Art. 4º, V) e) instituição de unidades de

conservação;

- (Art. 26º) VII – criação de unidades de

conservação ou proteção de outras áreas

de interesse ambiental;

Responsabilidade - -

Precaução - -

Futuras Gerações 1

- (Art. 2º) I – garantia do direito a cidades

sustentáveis, entendido como o direito à

terra urbana, à moradia, ao saneamento

ambiental, à infraestrutura urbana, ao

transporte e aos serviços públicos, ao

trabalho e ao lazer, para as presentes e

futuras gerações;

Fonte: Autora, a partir da Lei 10.257 (2001). Grifo nosso.

a) Subcategoria: Meio Ambiente

O termo “meio ambiente” aparece, sobretudo, no Artigo 2º (três vezes) que discorre

sobre as disposições gerais da lei. Observa-se que é tratado como um dos itens prioritários a ser

protegido, principalmente no intuito de evitar agressões futuras, sobretudo devido ao

crescimento urbano desenfreado. Além de indicar a proteção ao meio ambiente de uma forma

geral, a lei também remete a necessidade de recuperar as áreas naturais já degradadas, embora

não aponte de forma clara quais seriam os instrumentos para alcançar esse objetivo. Outro ponto

importante tocante ao termo, é a exigência de incluir as populações envolvidas nos debates e

processos decisórios, principalmente quando as atividades antrópicas apresentarem o risco de

causar danos ao meio ambiente natural e construído, e consequentemente gerem impactos ao

bem-estar e segurança dos cidadãos.

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b) Subcategoria: Desenvolvimento Sustentável/Sustentabilidade

Embora o Estatuto tenha sido iniciado e se efetivado num período onde o tema

“desenvolvimento sustentável” já estava em pauta frequente, como ocorrido na Conferência

Rio-92, por exemplo, a lei pouco detalha esse tema especificamente. Ela faz referência ao

direito que os habitantes tenham às cidades sustentáveis, e para isso abrange desde aspectos

como direito à moradia e transportes, até infraestrutura e serviços, entre outros. Ainda estimula

a adoção de padrões de vida urbanos, que envolve tanto a relação produção/consumo como o

modelo de crescimento urbano, que estejam de acordo com a sustentabilidade ambiental, social

e econômica. No entanto, a lei não se aprofunda a estabelecer quais seriam os parâmetros para

essa sustentabilidade ambiental, assim como não define estratégias que orientem tal padrão de

vida.

c) Subcategoria: Recursos Naturais

Em se tratando dos recursos naturais, o Estatuto cita o termo duas vezes, associando sua

salvaguarda ao estímulo da utilização de instrumentos e estratégias que favoreçam a redução

de impactos ambientais, através da utilização de tecnologias que atuem tanto nos espaços

abertos e nos edifícios. A lei ainda valida a concessão de benefícios para as operações urbanas

que façam uso de tais tecnologias e padrões construtivos que otimizem a utilização dos recursos

naturais. No entanto, não traz a definição a respeito de quais seriam essas tecnologias, nem os

benefícios passíveis de serem concedidos ao uso das mesmas. Assim, embora a lei induza a

adoção de práticas que visem a proteção aos recursos naturais, ela não apresenta restrições,

tampouco estabelece penalidades ou prazos, quanto ao uso desses recursos através das

atividades urbanas.

d) Subcategoria: Impacto Ambiental

O termo, que aparece sete vezes no decorrer da lei, sendo o mais citado dentre as

subcategorias selecionadas. Aparece primeiramente no capítulo que vai tratar das diretrizes

gerais, que alia a redução dos impactos como algo necessário para a economia dos recursos

naturais, através do incentivo de uso de novas tecnologias e padrões construtivos, assim como

a concessão de benefícios quando utilizadas, que viabilizem essa redução.

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95

Num segundo momento, o termo encontra-se dentre os instrumentos a serem utilizados,

segundo o Estatuto, como um dos meios de assegurar o cumprimento da lei como um todo, que

é o Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Esse estudo, regulamentado pelo Conselho Nacional

do Meio Ambiente (CONAMA), vai atuar na avaliação dos impactos decorrentes da ação

antrópica sobre o meio natural e construído, e diante da prospecção de tais impactos, impor

medidas mitigatórias para eles, a fim de salvaguardar o bem-estar socioambiental. O termo

aparece também relacionado às questões acerca do parcelamento, uso e ocupação do solo,

indicando que esses devem considerar o impacto ambiental que causam.

e) Subcategoria: Poluição

A abordagem a essa subcategoria ocorre apenas uma vez no decorrer da lei, associado

ao instrumento que aborda a ordenação e controle de uso do solo, de forma que esses ocorram

evitando poluir e degradar o meio ambiente natural e construído. A lei, portanto, não dá enfoque

às atividades urbanas que podem ocasionar poluição44, abordando a questão de forma mais

indireta. Como acima citado, é discutido de forma mais abrangente as relações que se

estabelecem derivadas da precaução e mitigação dos impactos ambientais, de uma forma geral.

Observa-se que o Estatuto, de modo geral, dá mais ênfase às questões relacionadas aos

‘impactos ambientais’ do que a assuntos que se relacionem à ‘poluição’ em si. É compreensível

a abordagem de forma mais abrangente, visto que a degradação ocasionada pela expansão e

atividades urbanas são diversificadas e refletem de diferentes formas na qualidade

socioambiental das cidades; mas, todavia, não especificar ou qual seria o impacto direito na

poluição, ou mesmo como evita-la ou solucioná-la, pode ser considerar essa uma das lacunas

deixadas pelo Estatuto da Cidade.

f) Subcategoria: Efeito Estufa

Essa subcategoria não é abordada de forma direta no Estatuto da Cidade. Tal como as

questões relacionadas à poluição vão ocorrer de maneira indireta, a contribuição que o Estatuto

44 Embora o Estatuto da Cidade não aborde de forma direta a relação da poluição com o âmbito urbano, existe no

aparato jurídico brasileiro leis que irão atuar de forma mais incisiva na questão, a exemplo da Lei 9.605/1998, que

trata de Crimes Ambientais. Essa lei, dentre outras questões, lida de forma direta (inclusive prevendo aplicação de

multas e penas) com as questões relacionadas à poluição e degradação do meio ambiente, inclusive das áreas

urbanizadas ou de influência das cidades. Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9605.htm

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96

pode trazer para esse tema específico é na regulamentação do parcelamento e uso do solo, bem

como na exigência de aplicação de instrumentos como o Estudo de Impacto Ambiental, entre

outros. Esses dispositivos tem a possibilidade de atuar no controle da expansão urbana

desenfreada e consequente degradação dos recursos naturais, principalmente quando essa

expansão ocorre sobre áreas de interesse ambiental; ou induzindo a adoção de práticas45 que

colaborem com a mitigação dessa problemática.

g) Subcategoria: Preservação

O termo, que aparece três vezes na lei, estando entre as diretrizes que norteiam a política,

colocando a proteção e preservação (não somente ambiental, mas também do ambiente

construído e dos patrimônios histórico, artístico, cultural, arqueológico e paisagístico) como

uma das funções do Estatuto da Cidade. Faz-se necessário observar que, embora não

apresentando maiores detalhes sobre essa temática, a lei dá autonomia para que as cidades,

através dos Planos Diretores, estendam a proteção dos bens socioculturais e ambientais da

sociedade como um todo, evitando que as forças econômicas (e o mercado imobiliário46, em se

tratando de cidades), possam atuar sem critérios.

Ainda referente ao tema, o Estatuto exige também que os Planos Diretores, sobretudo

“dos Municípios incluídos no cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à

ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos

ou hidrológicos correlatos”, deverão estabelecer diretrizes para a preservação das áreas verdes

municipais. Ao entender que as áreas verdes integradas à malha urbana desempenham papel

fundamental na qualidade socioambiental das cidades, sobretudo auxiliando a redução das áreas

impermeáveis, a lei estende a proteção à essas áreas também.

45 Dentre as práticas que podem ser adotadas, o Estudo de Impacto Ambiental deve estabelecer medidas

mitigatórias (como meio de minimizar os impactos negativos), como por exemplo a recuperação de áreas

ambientais degradadas. Há ainda os incentivos concedidos quando houver o uso de tecnologias e padrões

construtivos que reduzam os impactos ambientais e preservem os recursos naturais, determinado através do Art.

32º, § 2o – III. 46 Quando se trata de planejamento urbano e cidades, é dado um enfoque às áreas e estruturas públicas e coletivas,

principalmente. Mas a respeito do patrimônio natural e construído, a proteção e preservação se estendem às

propriedades privadas também, a exemplo de edifícios e sítios históricos e arqueológicos particulares, que tem sua

preservação fiscalizada e garantida pelo Estado e órgãos responsáveis, como o Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (IPHAN).

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h) Subcategoria: Conservação

A respeito do tema, que aparece duas vezes na lei, esse é remetido às áreas de

conservação, sobretudo da biodiversidade como um todo. Com isso, o Estatuto da Cidade traz

que, para o alcance dos objetivos da lei, podem ser utilizados outros instrumentos institucionais

e políticos, que podem chegar a nível nacional, estadual ou municipal. Entre esses instrumentos,

está inclusa a “criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse

ambiental”. Uma vez instituída uma unidade de conservação, essa vai ser regulamentada pela

Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que regulamenta o Sistema Nacional de Unidades de

Conservação da Natureza (SNUC). O objetivo dessa lei, de uma forma geral, é proteger os

ecossistemas e recursos naturais, contribuindo para a preservação e recuperação de áreas já

degradadas, a fim de salvaguardar a diversidade biológica e os recursos naturais.

Ainda que fora da arcada das áreas de conservação, dentre esses instrumentos

supracitados, aplicados pelo Estatuto da Cidade, é previsto que os planejamentos municipais,

além dos planos diretores, delimitem também o zoneamento ambiental. Posteriormente

denominado de zoneamento ecológico-econômico, regulamentado pelo Decreto de Lei nº

4.297, de 10 de julho de 2002, é um instrumento que estabelece os padrões de proteção

ambiental, levando em conta os limites dos ecossistemas, a fim de garantir a preservação dos

recursos hídricos e do solo, a conservação da biodiversidade, no intuito de proporcionar o

desenvolvimento sustentável. Dessa maneira, é possível perceber que o Estatuto, embora não

sendo o responsável por lidar diretamente com esses campos, considera-os dentre seus

instrumentos, estabelecendo uma ponte com outras políticas, fortalecendo o aparato jurídico

que vai regulamentar o meio ambiente, e o uso que dele é feito.

i) Subcategorias: Responsabilidade e Precaução

Ambos os termos, que remetem aos princípios de responsabilidade e de precaução, que

decorrem da ética ambiental, não aparecem citados de forma direta no texto. No entanto, mesmo

não sendo possível discernir que houve influência desses princípios na concepção da lei,

encontra-se nela passagens que se assemelham ao que eles propõem. Destaca-se, assim, a

democratização das informações e a exigência da participação popular que o Estatuto da Cidade

estabelece ao apresentar como uma de suas diretrizes gerais:

II - gestão democrática por meio da participação da população e de associações

representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução

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98

e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento

urbano;

[...]

XIII - audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos

processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos

potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o

conforto ou a segurança da população; (Capítulo I, Lei 10.257/2001)

Com essas duas diretrizes, entre outros pontos da lei que abordam a obrigatoriedade da

inclusão social nos processos decisórios, a política demonstra avanços na reflexão sobre como

devem se estabelecer a relação entre os homens entre si, e entre estes e o meio ambiente.

j) Subcategoria: Futuras Gerações

O termo, que só aparece uma vez no texto da lei, está ligado ao direito à cidade, que

deve se dar de maneira sustentável, tanto no presente, quanto para as futuras gerações. Nessa

ideia, estão englobados o direito ao acesso a todas as estruturas e serviços que as cidades

oferecem, como moradia, infraestrutura, transportes e saneamento ambiental, mas não se remete

ao direito que as futuras gerações têm na disponibilidade de recursos naturais, tal como a ética

ambiental defende.

Ainda que através de abordagens indiretas, que não citam explicitamente termos como

“meio ambiente” ou “desenvolvimento sustentável” e afins, o Estatuto apresenta outros

instrumentos que podem contribuir sobremaneira para a preservação ambiental, quando sejam

ser aplicados de forma efetiva e eficiente pelas cidades. Desses instrumentos, destacam-se os

Artigo 5º e 7º, que discorrem a respeito do tratamento que deverá ser aplicado às áreas vazias

ou subutilizadas que estejam situadas em locais que já contemplam infraestrutura – essas áreas

passam a ficar sujeitas IPTU progressivo no tempo ou edificação e parcelamento

compulsórios47. Ambos instrumentos podem “representar uma luz no fim do túnel” (ROLNIK,

2001) para frear a expansão ilimitada das cidades, uma vez que vão induzir a ocupação das

áreas vazias ou subutilizadas dentro da malha urbana já estruturada, opondo-se à ocupação de

47 Ambos os instrumentos “IPTU progressivo no tempo” e “edificação e parcelamento compulsórios” irão

combater a manutenção de áreas vazias ou subutilizadas na malha urbana, em locais que dispõem de infraestrutura.

Tais espaços, que poderiam ser destinados à moradia ou atividades econômicas favoráveis ao desenvolvimento da

cidade, ficam ociosos e deixam de cumprir a função social que norteia a legislação. Assim, para evitar a formação

e manutenção desses vazios e coibir a especulação imobiliária, que dificulta o acesso das populações mais carentes

às áreas urbanizadas formais, o Estatuto regulamenta os dois instrumentos que obrigam os proprietários desses

espaços a darem uma função efetiva aos seus terrenos subutilizados, com prazo predeterminado. (BARROS;

CARVALHO; MONTADON, 2010)

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áreas distantes, ainda desprovidas de infraestrutura, que geralmente são áreas ambientalmente

frágeis ou de preservação/interesse ambiental.

Além dessas abordagens citadas, o Estatuto ainda estabelece a obrigatoriedade da

elaboração de Plano Diretor também para cidades que estejam inseridas em áreas que

apresentem atividades ou empreendimentos causadores de impactos ambientais relevantes

(escala regional ou nacional). Assim, o Estado amplia sua capacidade de fiscalização e

intervenção mesmo em cidades com menos de 20mil habitantes, que não se enquadrariam na

primeira exigência para a obrigatoriedade da elaboração do Plano Diretor (para cidades com

mais de 20mil habitantes).

No aparato da legal, Fernandes (2010) afirma que houve integração entre o Direito

Urbanístico e o Direito Ambiental, o que levou o Estatuto da Cidade a ser aclamado

internacionalmente por incorporar as reflexões acerca do desenvolvimento sustentável. Mas,

novamente, a inserção de tais reflexões estará atrelada ao uso que delas fizerem as cidades, por

sua aplicação depende fundamentalmente da ação das cidades brasileiras, juntamente com a

sociedade. Aliado a isso, não basta apenas inserir tais instrumentos e preocupações nos Planos

Diretores futuros, nas áreas que ainda serão planejadas, na vida urbana que irá se desenvolver

adiante. Sobretudo, é urgente resolver os conflitos que já estão postos, sobretudo relacionado

ao direito à cidade e à moradia, que ocupam, em sua maioria, áreas ambientalmente frágeis ou

de preservação ambiental.

Através da análise feita, observa-se que a preocupação com o meio ambiente se faz

presente no documento legal, de forma direta e indireta, mas não apresenta mecanismos

concretos que viabilizem a implantação das diretrizes. É inegável a importância da lei como um

todo, e de instrumentos como o Zoneamento Ambiental ou a exigência de Estudos de Impactos

Ambientais, juntamente com a elaboração dos Planos Diretores. Contudo, como citado, essas

decisões ficam, na maioria das vezes, a cargo do uso que vai ser feito desses instrumentos – o

que não garante a sua eficácia, ou mesmo aplicabilidade. É evidente que a lei insere a

preocupação com os recursos naturais, com as futuras gerações, com a inclusão social nos

processos decisórios que irão traçar o destino das cidades, mas ela precisa estar, ainda, integrada

a outras políticas públicas para ter o suporte necessário para atuar nas diversas áreas que

envolvem o planejamento urbano.

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100

4.2 A Política Nacional de Mobilidade Urbana

A Constituição Federal de 1988 fomentou as diretrizes para a implementação das

políticas urbanas brasileiras tanto acerca dos traçados e uso do solo urbano, e da função social

das cidades, sobre os quais o Estatuto da Cidade vai atuar mais incisivamente, quanto a respeito

da política dos transportes urbanos. No entanto, diante dos desafios que se apresentavam para

o desenvolvimento urbano brasileiro, entendeu-se que uma política voltada somente para o

transporte não teria suficiência de resolver os problemas urbanos que as cidades brasileiras

enfrentavam. Compreendendo a complexidade desses problemas, do crescimento espraiado das

cidades, das horas gastas em congestionamentos nos médios e grandes centros urbanos, nos

alarmantes níveis de poluição do ar e emissão de gases poluentes, impermeabilização e

problemas de drenagem urbana, entre tantos outros, e num cenário onde o mundo já discutia

novas formas de utilizar o espaço público, era preciso avançar na questão para além do

transporte convencional motorizado.

Foi nesse cenário que o conceito de Mobilidade Urbana se consolidou, entendido como

diferentes formas de deslocamento de indivíduos e de bens, por meio coletivo ou individual,

motorizado ou não motorizado, e que deveria promover o acesso universal à cidade e às

oportunidades por ela oferecidas, contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico e

ambiental (GOMIDE; GALINDO, 2013). Assim, a elaboração da política brasileira baseada

nesse conceito de mobilidade urbana, e não apenas de transporte, reconheceu não só os meios

não motorizados como parte integrante do sistema como um todo, mas também “novas fontes

energéticas renováveis ou menos poluentes, a democratização do espaço público, a

acessibilidade para pessoas com deficiência e idosos e a promoção do direito à cidade”

(BOARETO, 2008, p. 157).

Tal como o Estatuto da Cidade, a Política Nacional de Mobilidade Urbana - PNMU teve

como base os artigos 182 e 183 da Constituição de 1988, que ampliou as possibilidades da

política urbana brasileira, e definiu a participação dos municípios na gestão da mobilidade, do

sistema viário e dos transportes coletivos, e atribuiu à União a tarefa de estabelecer as diretrizes

da política urbana. Assim, em 2012, após alguns anos de tramitação e ajustes no Congresso

Nacional, a Lei n. 12.587/2012 foi promulgada, onde:

[...] tem por objetivo contribuir para o acesso universal à cidade, o fomento e

a concretização das condições que contribuam para a efetivação dos princípios,

objetivos e diretrizes da política de desenvolvimento urbano, por meio do

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101

planejamento e da gestão democrática do Sistema Nacional de Mobilidade

Urbana. (Lei 12.587, 2012, Art. 2º)

Dessa forma, o documento vem agregar ao Estatuto da Cidade as questões referentes ao

uso do espaço público no que concerne aos meios de transporte e deslocamentos, de pessoas e

de cargas, traçando as diretrizes que irão nortear o planejamento da mobilidade integrado ao

contexto de desenvolvimento urbano das cidades brasileiras. Faz-se necessário ressaltar que o

Estatuto da Cidade estabeleceu a obrigatoriedade da elaboração de um Plano de Mobilidade

Urbana próprio para cidades com mais de 500mil habitantes, mas a PNMU ampliou sua

aplicabilidade ao exigir que, assim como a obrigatoriedade dos Planos Diretores, todas as

cidades acima de 20mil habitantes elaborem também um Plano de Mobilidade Urbana (Capítulo

V, Art. 24º, § 1º), podendo este ser um documento independente, ou estar inserido no Plano

Diretor municipal, de forma integrada e compatível com as demais diretrizes de planejamento

urbano de cada cidade.

Além dessa maior abrangência que a PNMU se propôs a alcançar, através da

obrigatoriedade da elaboração dos planos municipais, observa-se também a “determinação de

claras diretrizes que deverão orientar sua elaboração e conteúdo e o estabelecimento de que

aqueles que descumprirem a norma federal ficarão privados de receber recursos orçamentários

federais destinados à mobilidade até que cumpram o disposto na PNMU” (RUBIM; LEITÃO,

2013, p. 59). Logo, a lei estabelece também sanções caso haja seu descumprimento, o que

representa um avanço em relação às disposições anteriores48, sobre os meios de transporte, que

se mostravam mais maleáveis e, portanto, não foram suficientemente eficientes para melhorar

os problemas de mobilidade das cidades brasileiras.

O Capítulo I apresenta o objetivo, supracitado, e disposições gerais da Lei, organizando,

definindo e classificando os modos de transporte (motorizados e não motorizados), de serviço

(público e privado; de pessoas e de cargas; coletivo e individual) e de infraestruturas (vias e

rodovias, ferrovias, hidrovias, ciclovias; estacionamentos; terminais; sinalização viária;

instrumentos de controle e fiscalização; entre outros). Ainda neste capítulo, a Seção II apresenta

de forma mais detalhada os princípios, diretrizes e objetivos da Lei, que difundem seus

principais valores e ideias e, assim como o Estatuto da Cidade, demonstra uma inovação e

48 Legislações em vigor antes da promulgação da PNMU, como o Plano Nacional de Viação (Lei 5.917, de 10 de

setembro de 1973) e o Sistema Nacional dos Transportes Urbanos (Lei 6.261, de 14 de novembro de 1975), dentre

outros decretos, que regulamentavam em parte a situação dos transportes urbanos, mas não apresentavam sanções

em caso de seu descumprimento. Ao contrário da PNMU, que evidencia um avanço ao prever aplicação de

penalidades para as cidades que não se adequem a seus instrumentos.

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102

avanço das conquistas sociais e democráticas, ao promover a inclusão social em diversos

âmbitos e priorizar as questões coletivas, em detrimento das individuais.

No Art. 5º, que discorre sobre os princípios, destacam-se: a promoção da acessibilidade

universal; do desenvolvimento sustentável das cidades, da gestão democrática e controle social

do planejamento da PNMU; da equidade no uso dos espaços públicos de circulação; e do justo

acesso ao transporte público coletivo, bem como sua eficiência. As diretrizes são traçadas no

Art. 6º, que orienta a integração da política de mobilidade com as demais políticas de

desenvolvimento urbano; a mitigação dos custos socioambientais causados pelos

deslocamentos nas cidades; o incentivo ao desenvolvimento e uso de energias menos poluentes;

a priorização dos projetos de transporte público e garantia da sua continuidade; entre outros.

Dentre os objetivos, dispostos do Art. 7º, sobressaem-se a importância da redução das

desigualdades e inclusão social; bem como a promoção do acesso universal aos serviços

básicos; proporcionar melhorias na acessibilidade e mobilidade urbanas; consolidar a gestão

democrática para a garantia do contínuo aprimoramento da mobilidade urbana.

No Capítulo II da Lei, ficam estabelecidas as diretrizes para regular os transportes

públicos coletivos, que discorre sobre a política tarifária sobre esse serviço, de forma a

promover a equidade no acesso e a transparência em todas as etapas do processo de prestação

do serviço, bem como a sua eficiência e eficácia. Trata também dos processos de licitação e

concessão dos serviços de transporte coletivo, público e privado (como exemplo dos táxis),

regulamentando-o e fiscalizando-o. O Art. 8º ainda aborda a possibilidade de participação de

beneficiários indiretos (como por exemplo a taxação de combustíveis e pedágios urbanos)

através da captação de fundos e recursos que devem ser revertidos para ajudar financiar as

operações e melhorias do transporte público (IPEA, 2012).

Os direitos dos usuários são tratados no Capítulo III, que determina o direito à usufruir

do serviço; à participar dos processos de planejamento e fiscalização das políticas locais (que

podem se dar através de consultas e audiências públicas, ouvidorias nas instituições

competentes, acesso à prestação de contas públicas); dispor de segurança e acessibilidade na

utilização do sistema de mobilidade urbana como um todo; além de estabelecer o direito à

informação dos direitos e responsabilidades – seus e das empresas operadoras do serviço, assim

como do serviço como um todo.

O Capítulo IV versa a respeito das atribuições que são conferidas à União, aos Estados

e aos Municípios. A União deve prestar assistência técnica e financeira aos demais, sendo esse

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103

outro fator inovador da Lei (IPEA, 2012), contribuindo para a capacitação das pessoas e

instituições vinculadas às disposições estabelecidas nessa Lei; bem como fomentar o

desenvolvimento tecnológico e científico e de implantação de projetos que assegurem e

atendam os princípios por ela delimitados. Aos Estados são atribuídas a regulamentação dos

serviços de transporte intermunicipais de caráter urbano. Os Municípios devem atuar no

planejamento e execução de um plano de mobilidade urbana próprio, de acordo com as

especificidades locais; garantir a prestação do serviço de transporte público coletivo, assim

como capacitar pessoas e instituições vinculadas aos propósitos dessa Lei. Com isso,

Cabe aos prefeitos, em conjunto com a sociedade local, planejar a cidade do

futuro, orientando os investimentos de infraestrutura de forma integrada com

o uso do solo urbano, bem como regulamentar a circulação dos automóveis e

das motocicletas em suas cidades. Contudo, a capacidade de planejamento,

gestão e elaboração de projetos da maioria dos municípios está desmontada,

dificultando a contribuição que os municípios devem dar na solução desses

problemas. Nesse aspecto, cabe à União prestar assistência técnica aos

municípios, contribuindo para a capacitação continuada de pessoas e para o

desenvolvimento das instituições vinculadas à mobilidade urbana (órgãos de

gestão e planejamento local e metropolitano). (GOMIDE; GALINDO, 2013,

p. 35)

As diretrizes para o planejamento e gestão dos sistemas de mobilidade urbana estão

dispostas no Capítulo V. Tais sistemas devem contemplar, conforme dispõe o Art. 21º, a

definição de objetivos de curto, médio e longo prazo; e também dos meios financeiros e

institucionais que assegurem sua implantação, juntamente com a implantação de mecanismos

que monitorem e avaliem o cumprimento dos objetivos. No Art. 23º são apresentados

instrumentos que podem ser utilizados para a gestão do sistema de transporte e da mobilidade

urbana, tais como:

I - restrição e controle de acesso e circulação, permanente ou temporário, de

veículos motorizados em locais e horários predeterminados;

[...]

III - aplicação de tributos sobre modos e serviços de transporte urbano pela

utilização da infraestrutura urbana, visando a desestimular o uso de

determinados modos e serviços de mobilidade, vinculando-se a receita à

aplicação exclusiva em infraestrutura urbana destinada ao transporte público

coletivo e ao transporte não motorizado e no financiamento do subsídio público

da tarifa de transporte público, na forma da lei;

IV - dedicação de espaço exclusivo nas vias públicas para os serviços de

transporte público coletivo e modos de transporte não motorizados;

[...]

VII - monitoramento e controle das emissões dos gases de efeito local e de efeito

estufa dos modos de transporte motorizado, facultando a restrição de acesso a

determinadas vias em razão da criticidade dos índices de emissões de poluição;

(Art. 23º, Lei 12.587, 2012. Grifo nosso.)

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104

É possível observar que esses instrumentos corroboram com proposta que a Lei objetiva,

que é o incentivo à utilização do transporte coletivo em detrimento do individual e, ainda, do

transporte não motorizado (a exemplo do ciclismo e caminhadas) em detrimento do transporte

motorizado. Induz ambas as práticas ao restringir a circulação de veículos e incentivar a adoção

dos transportes coletivos, com a criação de espaços exclusivos para a sua utilização na malha

urbana, e direcionamento de tributos às melhorias da infraestrutura a eles destinadas.

Ainda dentro do Capítulo V, o Art. 24º define o Plano de Mobilidade Urbana, de

competência do município como instrumento de cumprimento da PNMU, de forma que

contemple os princípios e objetivos gerais da Lei. Os Planos, adequados as especificidades de

cada município, devem abarcar, de forma geral, os serviços de transporte coletivo e a circulação

viária, bem como a infraestrutura complementar do sistema de mobilidade urbana, que inclui

as ciclovias e ciclofaixas49, de forma a integrar todos os modos de transporte, ao mesmo tempo

que sempre garanta a acessibilidade universal para os cidadãos. Os Planos, que também devem

definir os mecanismos e instrumentos que irão financiar a infraestrutura da mobilidade urbana,

tem o período de revisão estabelecido para cada 10 anos, e precisam ser compatíveis com os

Planos Diretores, podendo estar integrados a esses.

O Capítulo VI discorre sobre como os instrumentos de apoio à mobilidade urbana devem

ser assegurados de acordo com as possibilidades financeiras e orçamentárias, e seus princípios

e diretrizes devem estar contemplados nos planos plurianuais, com ações programáticas a serem

realizadas, de forma a melhorar a os sistemas de mobilidade urbana. Concluindo a Lei, são

apresentadas as disposições finais no capítulo VII, que afirma que todas as diretrizes devem ser

aplicadas, sempre que couber, nos serviços de transporte urbano, de forma a planejar, controlar

e fiscalizar a operação dos mesmos.

Visto isso, de um modo geral, as diretrizes dispostas na Lei podem ser consideradas uma

conquista, do ponto de vista institucional, ao representar um novo patamar para a implantação

de políticas públicas na área da mobilidade urbana. Resultante de um processo democrático, tal

49 Por definição, ciclovia é um espaço para fluxo de bicicletas segregado dos demais, sobretudo das vias de

circulação de veículos. A segregação ocorre através de uma separação física, que pode acontecer através da

utilização de muretas, grades, meio-fio, ou qualquer tipo de isolamento fixo. Geralmente é utilizada nas vias onde

o fluxo de automóveis é rápido e intenso, e é necessário fornecer maior proteção aos ciclistas. No caso das

ciclofaixas, essa segregação física não acontece, existe apenas sinalização horizontal (faixa/setas pintadas no

chão). São utilizadas em vias onde o trânsito de veículos é menos intento, e apresenta-se como uma opção

evidentemente mais barata do que a ciclovia, uma vez que utiliza as estruturas viárias já existentes, não

demandando barreiras físicas.

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105

como o Estatuto da Cidade, ela incorpora a inclusão e participação social nos seus processos de

formulação, consolidando novos conceitos que apontam caminhos viáveis para a resolução de

parte dos problemas de mobilidade urbana no país (IPEA, 2012). Contudo, os problemas

urbanos brasileiros dependem mais do que de algumas leis para que sejam solucionados (ou ao

menos, hajam tentativas com resultados mais satisfatórios). É necessário engajamento político

para fazer valer o que essas leis demandam, e participação social para atuar junto à fiscalização

de sua implantação. Semelhante ao Estatuto, a PNMU serve de instrumento norteador para a

criação e efetivação de planos que vão atuar, sobretudo, na esfera municipal:

Aqui ressalta-se o importante papel que deverão ter as gestões municipais para

detalhar e adequar os instrumentos da Política Nacional de Mobilidade Urbana

à realidade de suas cidades e de seus planos diretores, bem como o maior

desafio de colocar esses instrumentos na prática. Isto, por sua vez, está sujeito

à ampliação da cidadania, ao aprofundamento da democracia e, sobretudo, da

capacitação do Estado, em todas as suas esferas, para atender, direta ou

indiretamente, as necessidades sociais. (IPEA, 2012, p. 16)

Assim, a Lei “claramente tenta corrigir a distorção na cultura do planejamento dos

deslocamentos que ocorrem no país” (RUBIM; LEITÃO, 2013, p. 58), que sempre priorizou o

transporte motorizado (principalmente individual), induzindo os gestores a atuar de forma

significativa na questão da mobilidade urbana. Evidencia-se, ainda, que os instrumentos

previstos na lei são claros e podem ser resumidos, de maneira abrangente, na ideia de que é

preciso priorizar os meios de transporte coletivos, juntamente com os não motorizados, e

desestimular os individuais motorizados, para melhorar a questão da mobilidade urbana e

promover o desenvolvimento das cidades de forma adequada, social e ambientalmente.

4.2.1 A Política Nacional de Mobilidade Urbana diante das questões ambientais

A Política Nacional de Mobilidade Urbana surgiu num contexto onde os debates acerta

do desenvolvimento sustentável e necessidade de proteção ao meio ambiente já estavam postos,

e diante do entendimento que o modelo de urbanização vigente, pautado na utilização dos

automóveis, era um dos maiores responsáveis pela degradação ambiental atualmente

enfrentada. Assim, ela vem primeiramente como um complemento ao Estatuto da Cidade, a fim

de compreender uma questão cuja amplitude não poderia ser resolvida apenas pelo Estatuto,

mas se firma depois como um documento que vai apresentar caminhos possíveis na tentativa

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106

de reverter ou minimizar os males causados pelos sistemas de transporte às cidades e suas

respectivas populações, bem como ao meio ambiente.

No Quadro 03, a seguir, será destacado de que forma os temas associados ao meio

ambiente aparecem na Lei 12.587/2012, demonstrando a frequência e ocorrência de tais

temáticas, agrupadas nas categorias e subcategorias selecionadas para a análise dessa pesquisa:

Quadro 03 – Tabela de Frequência/Ocorrência

DOCUMENTO: POLÍTICA NACIONAL DE MOBILIDADE URBANA

CATEGORIAS SUBCATEGORIAS FREQUÊNCIA OCORRÊNCIA

MEIO

AMBIENTE

Meio Ambiente - -

Desenvolvimento

Sustentável/

Sustentabilidade

2

- (Art. 5º) II - desenvolvimento

sustentável das cidades, nas dimensões

socioeconômicas e ambientais;

- (Art. 7º) IV - promover o

desenvolvimento sustentável com a

mitigação dos custos ambientais e

socioeconômicos dos deslocamentos de

pessoas e cargas nas cidades;

Natureza - -

Recursos Naturais - -

Impactos Ambientais - -

Poluição 1

- (Art. 23º) VII - monitoramento e controle

das emissões dos gases de efeito local e de

efeito estufa dos modos de transporte

motorizado, facultando a restrição de

acesso a determinadas vias em razão da

criticidade dos índices de emissões de

poluição;

Efeito Estufa 1

- (Art. 23º) VII - monitoramento e controle

das emissões dos gases de efeito local e de

efeito estufa dos modos de transporte

motorizado, facultando a restrição de

acesso a determinadas vias em razão da

criticidade dos índices de emissões de

poluição;

ÉTICA

AMBIENTAL

Preservação - -

Conservação - -

Responsabilidade - -

Precaução - -

Futuras Gerações - -

Fonte: Autora, a partir da Lei 12.587 (2012). Grifo nosso.

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a) Subcategoria: Desenvolvimento Sustentável/Sustentabilidade

O termo “desenvolvimento sustentável” aparece duas vezes na lei, ambas na seção que

apresenta os princípios, diretrizes e objetivos da política nacional de mobilidade urbana. Nos

dois casos, trata tanto das dimensões socioeconômicas quanto ambientais, com o intuito de

induzir a mitigação dos impactos que os deslocamentos causam nas cidades, como forma

promover o desenvolvimento sustentável destas cidades. Além disso, a política busca, como

um todo, a integração entre os diversos setores que compõem, de forma macro, o planejamento

urbano, como moradia, saneamento, infraestrutura.

b) Subcategoria: Poluição

A categoria, tão significativa diante do contexto de crise ambiental intensificada pelo

aquecimento global, e que tem relação direta com a enorme utilização de transportes

motorizados, só é citada uma vez na PNMU. E, ainda assim, aparece restrita a pontos

específicos (“restrição de acesso a determinadas vias em razão da criticidade dos índices de

emissões de poluição”), desconsiderando o problema do grande impacto que a mobilidade

urbana tem na poluição como um todo e, por conseguinte, deixando de apresentar alternativas

para tal impacto.

Com isso, é possível considerar essa uma das grandes lacunas da PNMU, que ao não

discorrer de forma mais profunda sobre o problema da poluição, deixa de fazer uma abordagem

mais incisiva sobre a gravidade desse problema e, para além disso, deixa de exigir meios através

dos quais tal problema pudesse ser solucionado. Diante dos avanços tecnológicos a favor do

meio ambiente, e da salvaguarda dos recursos naturais, já existem alternativas viáveis para o

investimento de energias limpas50 para os meios de transportes, que poderiam ter sido induzidas

pela PNMU, aparecer como instrumentos a serem adotados dentro dos planos municipais. No

entanto, a política não levantou esse debate.

c) Subcategoria: Efeito Estufa

50 Dentre exemplos de energias limpas voltadas para a utilização de transportes motorizados, destacam-se os

biocombustíveis (como biogás), bem como modelos de automóveis que funcionam a base de energia elétrica.

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108

A política apresenta esse termo uma vez, trazendo uma importante estratégia que

demonstra a possibilidade de contribuir para a mitigação da poluição ambiental causado pelo

intenso fluxo de transportes motorizados nas cidades. Está dentre os instrumentos de gestão do

sistema de transporte como um todo, através do instrumento VII, no Art. 23º, que pretende

monitorar e controlar as emissões dos gases poluentes, causadores do efeito estufa. Para tal,

propõe a restrição do acesso a locais onde os índices de poluição tenham atingido níveis críticos.

A concentração desses gases poluentes na atmosfera, além de contribuírem para o efeito estufa

e consequente aumente do aquecimento global, repercutem na qualidade de vida das populações

afetadas, que apresentam problemas de saúde e respiratórios. Assim, tal medida tem potencial

de melhorar a qualidade ambiental dos espaços urbanos, bem como da vida das populações que

usufruem desses espaços.

As demais subcategorias não foram tratadas de forma direta na Lei, sobretudo aquelas

que correspondem à categoria Ética Ambiental, cujas termos selecionados não estão presentes

no texto. No entanto, a abordagem que se estabelece nas questões acerca do desenvolvimento

urbano sustentável e preocupações ao meio ambiente, é feita através de outras considerações.

Dentre essas, destacam-se as seguintes: o incentivo que a Lei traz para formas alternativas de

mobilidade, como priorização de pedestres/caminhadas e uso de bicicletas como meio de

transporte; priorização dos serviços de transporte público sobre o transporte individual

motorizado; bem como promove o incentivo ao desenvolvimento científico-tecnológico e ao

uso de energias renováveis e menos poluentes.

A priorização dos modos não motorizados (pedestres/ciclistas) sobre os motorizados

representa um avanço na política, que deixa de tratar a questão apenas do transporte, mas da

mobilidade como qualquer forma de descolamento, como já citado. Ao trazer essa diretriz, a

política busca também promover a equidade na distribuição do espaço público de circulação, a

acessibilidade universal e segurança dos pedestres. Dentre os instrumentos para induzir essa

priorização do transporte não motorizado, é possível implantar a “restrição e controle de acesso

e circulação, permanente ou temporário, de veículos motorizados em locais e horários

predeterminados” e destinar espaços para ciclovias e ciclofaixas nas vias de circulação, entre

outros.

Ao estabelecer como uma das principais diretrizes a priorização do transporte não

motorizado sobre o motorizado, e do transporte público em detrimento do transporte individual

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motorizado, a política demonstra, mais uma vez, uma possibilidade de avanço social e

ambiental para a questão urbana como um todo, visto os prejuízos que o modelo de urbanização

voltado ao incentivo dos transportes motorizados individuais acarretou às cidades no decorrer

das últimas décadas. É sabido que o uso intensivo dos transportes individuais gera uma série de

externalidades negativas, sobretudo ao meio ambiente urbano, com a poluição do ar e

congestionamentos. Mas, para o alcance de tal diretriz, faz-se necessário evidenciar que para se

priorizar o transporte não motorizado, como caminhadas, é preciso que os espaços ofereçam

diversidade de serviços que sejam acessíveis a pé ou de bicicleta (por exemplo, bairros que

oferecem trabalho, moradia, comércio, serviços acessíveis a sua população em locais próximos,

sem considerar a questão da segurança urbana); da mesma forma que para priorizar os

transportes coletivos e individuais é preciso que o sistema de transporte público disponha de

serviços eficientes, acessíveis e seguros, para induzir a população a utilizá-lo. Com isso, nota-

se a importância da integração de diferentes políticas51 e ações para que viabilizem as boas

intenções da PNMU, e permitam a sua implantação prática. Ainda assim, é importante destacar

essas diretrizes, pois elas apresentam um caminho possível para a questão da mobilidade como

um todo.

A política concede ainda a possibilidade de criar estratégias como o pagamento de

pedágios urbanos e cobrança de estacionamento nas vias públicas, com o intuito de reverter

essa arrecadação em investimentos para o sistema de transporte público, favorecendo-o. A

possibilidade de utilizar as vias públicas como estacionamento gratuito, em muitos locais das

cidades, conforma-se como um ‘subsídio’ que é concedido aos proprietários de veículos

particulares – uma vez que estes utilizam da estrutura existente – fornecida e mantida pelo poder

público, sem custos adicionais, como os que teriam caso precisassem pagar pedágio ou utilizar

estacionamentos privados. Ao não realizar cobranças pelo estacionamento em vias públicas,

sobretudo naquelas que prejudicam o fluxo do trânsito e de pedestres, deixa-se de arrecadar um

subsídio que poderia ser revertido em prol da própria mobilidade, como melhoria de transporte

público e, de forma geral, “na construção de um processo de ocupação do solo que demandasse

51 Como afirmam Rubim & Leitão (2013), elaborar políticas que visem a melhoria da mobilidade, pensadas apenas

dentro do âmbito do planejamento urbano, não traz mudanças eficazes se outras vertentes do governo (como os

Ministérios de Indústria e Comércio, Minas e Energia, entre outros) não somarem forças para a implementação

dos instrumentos; uma vez que esses, geralmente, atuam de forma a agravar esses mesmos problemas. Como

exemplo, os autores citam as políticas que impulsionam o comércio de automóveis, que favorecem a economia

por um lado, mas por outro acabam por contribuir na intensificação dos problemas de congestionamento e poluição

ao colocarem ainda mais automóveis nas vias públicas.

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menos transporte e oferecesse melhor qualidade de vida nos vários bairros da cidade” (SILVA,

E. 2014, p. 297-298).

Ambos instrumentos acima citados têm influência, mesmo que indireta, nas questões

ambientais, ao ajudar a reduzir a utilização de combustíveis e, consequentemente, seus efeitos

prejudiciais à natureza e aos recursos naturais. Mas há um tópico na lei que vai incidir

diretamente sobre a proteção ao meio ambiente e mitigação dos impactos ambientais, inovando

mais uma vez, ao incentivar o desenvolvimento científico-tecnológico e o uso de energias

renováveis e menos poluentes. No entanto, apesar dessa abordagem promissora, a lei não

detalha maneiras de induzir a aplicação desses instrumentos.

A PNMU, de maneira geral, apresenta algumas aberturas que possibilitam melhorar o

quadro da mobilidade urbana no país. Contudo, apesar de apontar esses caminhos possíveis, ela

não traz garantias concretas de que irá conseguir alterar a situação brasileira, sobretudo no que

diz respeito à priorização histórica e nefasta do transporte motorizado individual em detrimento

dos coletivos ou não-motorizados. Como afirma Silva, E. (2014, p. 274), “Embora clara em

suas diretrizes e em seus objetivos, estes dificilmente serão alcançados, uma vez que a norma

deixou de estabelecer incentivos e punições para induzir comportamentos no sentido almejado”;

uma vez que as aberturas que a lei traz não se sustentam através de mecanismos concretos que

se transformem em políticas públicas efetivas.

Além disso, Silva, E. (2014) ainda tece relevante crítica a respeito dos mecanismos de

inclusão social na aplicação da política. Assim como o Estatuto da Cidade, a PNMU prevê a

participação da sociedade civil no planejamento e implementação da política, mas não há

garantias de que tal participação seja, de fato, válida e efetiva, e não somente “audiências

públicas” que permitem a presença das comunidades nas cerimônias, para cumprimento dessa

diretriz da lei, mas não sofrem influência das demandas solicitadas pela população no final dos

processos que as elaboram.

No que diz respeito à questão ambiental, a PNMU é quase completamente omissa,

“exceto por declarações de princípios, desejos e intenções” (SILVA, E. 2014). Novamente, é

inegável que a Lei traz aberturas que tem a capacidade de trazer melhorias para essa questão;

no entanto tais aberturas não passam de intenções, uma vez que não apresentam estratégias

concretas para sua implementação. Os maiores ganhos para o meio ambiente se baseiam na

intenção da priorização dos transportes não motorizados sobre os motorizados, que ajudariam

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a reduzir a emissão de gases poluentes; e no incentivo à adoção de fontes de energia menos

poluentes, mas ambas situações não apresentam dispositivos concretos que as façam sair do

papel e de fato, serem implementadas. Essas medidas teriam impacto significativo na melhoria

da qualidade ambiental e urbana, mas não há perspectivas palpáveis de seu alcance através

dessa política apenas.

4.3 Meio ambiente e ética ambiental: as disparidades Estatuto da Cidade x Política

Nacional de Mobilidade Urbana

A análise feita nos itens anteriores possibilitou a percepção dos diferentes

comportamentos que as políticas analisadas nessa pesquisa apresentam, quando feitos os

recortes sobre meio ambiente e ética ambiental. Para exemplificar tal comportamento, foi

elaborado o Quadro 04, que faz uma comparação quantitativa entre o Estatuto da Cidade e a

Política Nacional de Mobilidade Urbana:

Quadro 04 – Comparativo entre leis analisadas.

COMPARAÇÃO QUANTITATIVA

CATEGORIAS SUBCATEGORIAS ESTATUTO DA

CIDADE

POLÍTICA NACIONAL DE

MOBILIDADE URBANA

MEIO

AMBIENTE

Meio Ambiente 4 -

Desenvolvimento

Sustentável/

Sustentabilidade

2 2

Natureza - -

Recursos Naturais 2 -

Impactos Ambientais 7 -

Poluição 1 1

Efeito Estufa - 1

ÉTICA

AMBIENTAL

Preservação 3 -

Conservação 2 -

Responsabilidade - -

Precaução - -

Futuras Gerações 1 -

TOTAL DE ABORDAGENS 22 4

Fonte: Autora (2019).

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112

Com o Quadro 04 fica evidenciado, então, que no tocante às categorias e subcategorias

selecionadas para a análise feita nessa pesquisa, assuntos referentes ao meio ambiente e a ética

ambiental são tratados de maneira bastante distinta entre as duas políticas analisadas. Enquanto

o Estatuto da Cidade faz uma abordagem mais ampla aos temas relacionados ao meio ambiente,

sobretudo, a PNMU detém-se a citações pontuais e dispersas em relação às subcategorias

selecionadas e, ainda, não aborda nenhum dos temas referente à ética ambiental.

Entende-se que o Estatuto da Cidade é uma lei mais abrangente, quando se tratando do

planejamento urbano, porque ela apresenta diretrizes que envolvem as diversas complexidades

que compõem as questões urbanas. Essa pode ser uma das justificativas para a lei fazer mais

abordagens às subcategorias relacionadas ao meio ambiente e ética ambiental, quando

comparada a PNMU, que trata de uma questão urbana específica (apesar de todos seus

desdobramentos, a lei detém-se sobre tópicos de um mesmo assunto).

No entanto, embora as leis tenham natureza e aplicabilidade diferentes, é preciso

reconhecer que a PNMU ainda se mostra muito distante dos problemas analisados na presente

pesquisa, ao fazer poucas ou nenhuma referência às subcategorias selecionadas. Ora, a lei,

aprovada em 2012, teve sua origem num período onde muito já havia sido discutido sobre a

relação dos problemas ambientais com os modelos de transporte vigentes, sobre o impacto que

o modo de vida pautado na intensa utilização de transportes motorizados tem causado à

qualidade de vida das populações e ao meio ambiente. Da mesma maneira, a discussão a

respeito de novas tecnologias, mais eficientes e limpas, menos poluentes, não era algo novo no

período de sua aprovação – do contrário, esses modelos já vinham sendo discutidos nas diversas

conferências ambientais ao redor do mundo. Assim sendo, a lei brasileira deixou de lado a

oportunidade de trazer, através de um documento legal, o incentivo (ou mesmo a

obrigatoriedade, como já é realidade em diversos países52) ao uso dessas tecnologias e, com

isso, de reduzir os alarmantes impactos causados ao meio ambiente. Sabe-se que os problemas

socioambientais vão muito além do uso de novas tecnologias menos poluentes, mas apontar

esse caminho já seria um ponto considerável na mitigação da degradação ambiental causada –

levantando discussões que envolveriam a noção de preservação ambiental, através de um bom

uso da natureza, respeitando os direitos das gerações futuras de usufruir dos recursos naturais

– como a ética ambiental (cujas subcategorias não foram tratadas pela PNMU) defende.

52 Países como Suécia, Suíça e França já apresentam diversas propostas para banir a utilização de automóveis

movidos à combustíveis fósseis até meados de 2050 (GIRARDET, 2008).

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113

Assim, ao comparar as abordagens que as duas leis fazem aos temas trabalhados nessa

pesquisa, fica claro que o Estatuto da Cidade, apesar de algumas lacunas já citadas, traz uma

preocupação maior com as questões sociais e ambientais, do que a Política Nacional de

Mobilidade Urbana. Isso reflete-se através não somente da quantidade de itens que o Estatuto

aborda, mas também pela forma como ele os aborda, de forma mais abrangente, relacionando

questões que envolvam meio ambiente e impactos ambientais, preservação de áreas verdes e de

recursos naturais, preocupação com as futuras gerações, dentre outros, diferentemente da

abordagem que a PNMU estabelece.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo dos tempos, tem sido papel da ética refletir sobre o comportamento humano

enquanto ser social, a fim de contribuir para relações harmônicas, de respeito ao próximo e a si

mesmo, no cumprimento dos deveres para com a sociedade e na busca de garantia dos direitos

básicos necessários à vida humana. No entanto, vertentes da ética tradicional tendiam a limitar-

se ao campo das relações dos homens entre si. A partir da constatação dos problemas ambientais

decorrentes da relação humana com as coisas externas a ela, passa-se a levantar outras reflexões

para além dos seres humanos, sobre a correlação destes com o meio do qual faziam parte, e

sobre o qual causavam diversos impactos – impactos esses que voltaram a se refletir também

na própria qualidade da vida humana. Fortalece-se, assim, reflexões no campo da filosofia

voltadas para o meio ambiente, dentre as quais a ética ambiental, como uma nova vertente que

vem trazer para o cerne das suas preocupações os desdobramentos da ligação entre o homem e

a natureza e os demais seres vivos, e a sua responsabilidade diante do meio ambiente, e das

gerações presentes e futuras, sobretudo.

Com o papel de questionar qual seria a incumbência humana diante de tal cenário de

degradação da natureza e as consequências nefastas sobre o meio ambiente, a ética ambiental

vai se consolidando e aprofundando as discussões sobre os limites dos recursos naturais, sobre

os direitos dos demais seres vivos, e a preservação de condições dignas e possíveis para o futuro

da humanidade. Tais reflexões, levantadas a partir dos anos 60/70, corroboraram com a

construção de novas visões para a relação entre a sociedade e a natureza, afirmando ser possível

alcançar uma maneira de viver onde os homens pudessem usufruir dos recursos naturais de

maneira equilibrada, minimizando seus impactos, a fim de evitar levar o planeta a um colapso

ecológico, num modelo chamado ecodesenvolvimento – que mais tarde viria a se traduzir como

desenvolvimento sustentável.

Muito já se discutiu acerca de crise ambiental e seus desdobramentos, e diante deles,

caminhos possíveis para o alcance desse desenvolvimento sustentável. O assunto não é mais

novidade, e vem sendo tratado nos diferentes setores da sociedade, repassado através de

diversos meios de comunicação, colocado muitas vezes como ideal a ser seguido. Mas, por

vezes, permeia a sensação que tais discussões estejam apenas começando, porque não há, ainda

respostas prontas ou fórmulas exatas sobre como sair dessa crise, como fazer a vida mais

sustentável, como preservar a natureza e o planeta em condições dignas para sobrevivência

dessa e das futuras gerações.

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115

Porque, afinal, talvez não existam respostas prontas e soluções exatas. Todos esses

questionamentos ainda estão sendo analisados, discutidos e rediscutidos, aprofundados e

contextualizados às diferentes situações e realidades de cada local. Talvez, assim como durante

todo o percurso da humanidade, o desenvolvimento sustentável far-se-á através de tentativas e

erros, numa incansável e infindável busca de equilíbrio, tanto entre os homens com eles

mesmos, quanto entre os homens e a natureza. Mas, embora ainda sejam temas em constante

discussão, há percursos mais seguros e apropriados que podem ser seguidos, e, na falta da

certeza do todo, é preciso começar (ou recomeçar) de algum lugar, assumindo a

responsabilidade que a humanidade tem para com a o equilíbrio dos ecossistemas e preservação

das condições dignas de vida, do planeta como um todo.

É preciso estar sempre ciente dos riscos e possibilidades diante da tomada de decisões,

sejam elas individuais ou coletivas, para, afinal, tomá-las. É preciso agir com cautela em face

ao desconhecido, é necessário analisar os desdobramentos das ações antrópicas, é urgente

reconhecer que os ecossistemas naturais têm valor e o direito à vida deve estender-se aos demais

seres vivos, é fundamental cobrar que a relação humana com o todo aconteça de forma

respeitosa e equilibrada uma vez que, afinal, ela depende inteiramente disso. E para que isso

ocorra de maneira justa, é preciso envolver todos os atores sociais nos processos que irão traçar

o destino das ações humanas, sobretudo daquelas que tem o potencial de maior interferência no

equilíbrio ambiental como um todo.

No tocante às questões urbanas, os problemas socioambientais têm ficado cada vez mais

evidentes, sobretudo nos países em desenvolvimento, onde as disparidades socioeconômicas

assolam as populações de forma mais intensa e são refletidas no território das cidades. Diante

da falta de controle do planejamento urbano, tem-se observado o crescimento descontrolado

das cidades, que geram degradação de áreas ambientais e ocupações informais em locais

inadequados; ou mesmo quando há planejamento, esse baseia-se em modelos que geram

impactos tanto para os recursos naturais, quanto para as populações que usufruem desses

espaços: grandes áreas impermeabilizadas e os impactos delas decorrentes; dispersão de

serviços e equipamentos no tecido urbano, que intensificam problemas na mobilidade e

acessibilidade como um todo; sistemas que afugentam a população dos espaços públicos; dentre

uma série de outros problemas que estão direta e indiretamente ligados, que se retroalimentam

e agravam cada vez mais a qualidade de vida e ambiental das cidades.

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116

Diante do fato da população mundial estar situada, em grande maioria, em áreas urbanas,

tendência que vai se intensificar ainda mais nas próximas décadas, as discussões acerca do

desenvolvimento sustentável abarcaram também a problemática das cidades, inserindo diversos

temas nos debates na busca de melhorias para a vida urbana, bem como a fim de melhor

conduzir o crescimento que ainda vai acontecer. Das grandes conferências internacionais

organizadas para debater as variadas temáticas ligadas às questões urbanas, foram gerados

documentos e agendas mundiais que passaram a induzir a adoção de práticas e estratégias em

prol do equilíbrio entre ambiente natural e construído, sociedade e natureza.

A maioria das cidades brasileiras, principalmente as de médio e grande porte, se inserem

também nesse contexto de problemas socioambientais urbanos, traçados por um histórico de

urbanização tardia, falta de planejamento e profundas desigualdades socioeconômicas. São

problemas que afetam tanto o meio ambiente, quanto as populações nele inseridas (sobretudo

as mais carentes), e que tem contribuído para o quadro de crise ambiental geral. O Brasil, diante

do contexto mundial de debates sobre o tema, adotou diversas estratégias na sua legislação

vigente, principalmente após a promulgação da Constituição de 1988, que passou a inserir a

preocupação ambiental como um dos norteadores da própria lei e das leis que viriam decorrer

dela. No âmbito do planejamento urbano, especificamente, leis como o Estatuto da Cidade e a

Política Nacional de Mobilidade Urbana foram responsáveis por colocar o país num patamar

de reconhecimento internacional, por apresentar instrumentos que levaram em conta as

discussões sobre o desenvolvimento sustentável e as grandes agendas mundiais que estavam

sendo elaboradas e adotadas.

Os problemas das cidades brasileiras, no entanto, vão muito além da elaboração e

aprovação de leis. É inegável a importância que os documentos legais têm, pois marcaram uma

nova fase de possibilidades para o planejamento urbano no país, e apresentam, cada uma na sua

área de atuação, importantes instrumentos que, se adotados, podem, de fato, mudar a forma que

as cidades têm praticado ao longo do tempo. No entanto, apesar de todas as inovações trazidas

e das boas intenções apresentadas, como dito, estas dependem da aplicação que será dada, ou

não, às estratégias propostas nessas leis.

Sobretudo porque, apresar de serem leis federais, ambas as políticas analisadas têm sua

aplicabilidade submetidas às administrações municipais, ou seja, dependem do uso que as

cidades fizerem desses instrumentos. Com isso, as políticas precisam ser adequadas por cada

cidade, de acordo com suas especificidades, dentro dos Planos Diretores e/ou de Mobilidade

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Urbana e, uma vez elaboradas, precisam ainda ser implementadas – e não há garantia nenhuma

para isso. É certo que o Ministério das Cidades e o ConCidades podem conceder suporte a esses

processos, fornecendo acompanhamento, capacitação técnica ou mesmo na logística dos

investimentos financeiros para os projetos saírem do papel, mais ainda assim tudo isso está

inteiramente atrelado às vontades e iniciativas dos gestores de fazer acontecer. Aliado a isso, é

necessário a integração desses instrumentos com outras políticas que fazem parte do escopo do

planejamento urbano, como a questão da destinação dos resíduos sólidos ou planos de

habitação, entre outras tantas que estão relacionadas, direta e indiretamente, às questões

socioambientais urbanas.

Ambas as leis, Estatuto da Cidade e PNMU, como destacaram os autores referidos

anteriormente nessa pesquisa, representam, sobretudo, conquistas sociais resultantes de

processos que envolveram lutas e demandas populares pelo direito e acesso à cidade. Com isso,

chama atenção um ponto onde as duas encontram-se de maneira crucial e interdependente: a

relação da função social da cidade e uso do solo. Dentre os mais agravantes problemas

socioambientais urbanos, está a segregação socioespacial – que produz espaços desprovidos de

infraestrutura básica, habitação formal, e disponibilidade e acesso de serviços. Esses, aliados,

geram problemas que minam a qualidade de vida das populações ao mesmo tempo que

contribuem sobremaneira para a degradação ambiental (e novamente, as consequências sociais

dessa degradação), perfazendo um ciclo nefasto, para o qual as soluções estão para além das

boas intenções das leis.

É preciso, assim, repensar a questão das cidades brasileiras sob um ponto de vista que

alie as questões sociais às ambientais, porque elas estão intrinsicamente relacionadas. Esse

modelo injusto de distribuição do espaço ocasiona, ainda, problemas relacionados à expansão

incontrolada das cidades, que crescem para as áreas periféricas, degradando o entorno natural

das áreas urbanas, e acentuam problemas de mobilidade urbana, ao intensificarem a

dependência do uso de transportes para o acesso aos serviços necessários à vida. Nesse ponto,

o Estatuto da Cidade propõe o controle do uso do solo, através de instrumentos como o IPTU

progressivo no tempo, que tem a possibilidade de induzir a utilização de áreas no centro da

cidade, já contempladas com infraestrutura existente, e assim evitar que a cidade continue a se

expandir sem controle. Ou ainda a exigência de instrumentos como o Zoneamento Ambiental

e o Estudo de Impactos Ambientais, que buscam limitar o crescimento urbano e exigir

estratégias mitigadoras para a degradação causada.

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A PNMU relaciona-se diretamente com o Estatuto da Cidade na questão do uso do solo,

ao buscar promover a acessibilidade e priorizar o transporte não motorizado e coletivo em

detrimento do individual, como um de seus objetivos para o alcance da melhoria da mobilidade

urbana e diminuição dos problemas relacionados que as cidades enfrentam atualmente. Mas é

necessário frisar que a problemática do transporte motorizado individual vai além dos citados

anteriormente (congestionamentos, emissão de gases poluentes, etc), e irradia-se para outras

questões urbanas, recaindo principalmente sobre o uso e ocupação do solo e da segregação do

espaço. Esse ponto deve ser avaliado não somente sobre a perspectiva ambiental, mas

principalmente pelo seu aspecto social. Quando se coloca priorização do transporte não

motorizado sobre o motorizado, e do coletivo sobre o individual, é preciso compreender que

esse objetivo só poderá ser atingido plenamente quando a cidade oferecer os serviços de forma

equitativa – em quantidade e qualidade, e distribuída de forma satisfatória pelo seu território.

Ora, só é possível priorizar caminhadas quando todos os serviços necessários se agruparem a

distâncias que possam ser percorridas a pé – questão que está intrinsicamente relacionada ao

uso do solo, defendido pelo Estatuto. Da mesma maneira que só é viável priorizar o transporte

público quando esse oferecer um serviço eficiente e efetivo, pelo qual valha a pena optar ao

invés do transporte particular. É nesse ponto que tanto as propostas da PNMU para a mobilidade

precisam estar integradas com as diretrizes dispostas no Estatuto da Cidade, quanto estas

precisam estar de acordo com as demais políticas públicas brasileiras, em todos os setores da

sociedade.

Assim, as duas políticas abordam a mesma questão, sob perspectivas próprias, mas que

tem relação entre si e mostram a interdependência de uma da outra, comprovando novamente

que uma lei por si não é capaz de resolver os problemas das cidades, mas a conexão entre elas

e, mais do que isso, a sua implantação de forma efetiva.

Outro ponto de convergência e destaque de ambas as leis é a inclusão social em forma

de participação popular nos processos decisórios. Ainda que hajam falhas para a aplicabilidade

efetiva desse processo, ou mesmo pouco detalhamento nas próprias leis de como esse deve se

dar, é inovador para o cenário urbano do país reconhecer a importância do envolvimento dos

atores sociais nas discussões que irão nortear o desenvolvimento das áreas urbanas, obrigando

os gestores a debater com a população as perspectivas para o futuro das cidades. Ao mesmo

tempo que estabelecem a obrigatoriedade do poder público de divulgar e debater coletivamente

as suas propostas e os assuntos de interesses de todos, esses instrumentos possibilitam a

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participação das comunidades envolvidas nas decisões a serem tomadas, bem como a

perspectiva de contemplação de suas reinvindicações.

Por fim, tratando especificamente da relação com o meio ambiente e o desenvolvimento

sustentável, as duas leis incorporam os temas nos seus instrumentos e dispositivos, mas em

diversas passagens evidenciam lacunas ou deficiências para a indução da promoção do

desenvolvimento urbano sustentável. No Estatuto da Cidade são apontados instrumentos já

citados como o EIA, ou ainda sobre a possibilidade de concessão de incentivos às construções

e edificações urbanas que usem tecnologias que reduzam os impactos ambientais (Art. 32º, §2o)

– mas não detalha quais seriam esses incentivos ou tecnologias, tampouco exige a utilização

dessas últimas. Ora, diante dos impactos já conhecidos que o espaço construído e setores da

construção civil causam ao meio ambiente, não seria mais adequado a lei já trazer exigências

mais contundentes nesse sentido? É certo que ela se debruça mais especificamente sobre as

questões urbanas num contexto geral da cidade e espaços públicos; mas perante as diversas

tecnologias que já existem de modos de construção sustentável, do uso de energia limpa e

renovável, de materiais ambientalmente mais adequados, dentre outros, esse espaço da lei

poderia (ou mesmo deveria) ter sido usado de forma mais enfática para induzir a adoção dessas

técnicas na produção do espaço urbano e das edificações, somando forças para a minimização

da degradação ambiental.

Ou seja, o Estatuto até evidencia instrumentos claros que visam frear o crescimento das

cidades sobre áreas naturais, mas não especifica dispositivos que viabilizem, de maneira pratica

e efetiva, a adoção de tecnologias e estratégias para a construção de espaços e edifícios

‘sustentáveis’. Visto que a cidade não é um produto acabado, ela está sofrendo constantes

alterações, e suas populações tendem a continuar crescendo nas décadas seguintes, talvez fosse

fundamental estabelecer técnicas e mecanismos que levassem em conta os limites dos recursos

naturais de forma mais coerente e significativa na lei.

Da mesma maneira, a PNMU traz a questão ambiental de forma dispersa no decorrer de

suas diretrizes. A proteção ao meio ambiente é colocada como um ponto norteador da política,

mas nela não há maiores detalhamentos sobre como alcançar tal objetivo. É certo que a lei busca

melhorias para a questão da mobilidade urbana, sobretudo ao tentar reverter o quadro de uso e

dependência de transportes motorizados individuais, principalmente, propondo a priorização de

formas alternativas de deslocamentos. Mas, como dito, é preciso que ocorram mudanças

fundamentais no tecido urbano, no uso do solo, para induzir tais formas de deslocamentos,

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como caminhadas e ciclismo; é preciso promover espaços públicos seguros, agradáveis e

adequados para possibilitar o uso de adoção de outros meios que não sejam o carro; é preciso

oferecer serviços de transporte de qualidade; entre outros. No entanto a lei não apresenta

dispositivos concretos que possibilitem a adoção desses mecanismos e mais, a mudança nos

padrões já estabelecidos de crescimento urbano que prioriza o transporte motorizado.

Existem ainda, na PNMU, instrumentos que buscam monitorar e controlar a emissão de

gases poluentes, e ainda o incentivo desenvolvimento científico-tecnológico voltado para uso

de energias renováveis. Mas, tal como o Estatuto da Cidade, não estabelece mecanismos

concretos para induzir a aplicação desses instrumentos, sobretudo o uso das energias

renováveis. Novamente, visto as tecnologias já existentes e conhecidas mundo afora, a lei

poderia ter sido mais incisiva nas estratégias para adoção de tais tecnologias, ou mesmo no

estabelecimento de metas e prazos para que levassem a uma mudança real de comportamentos

e modos de vida urbano em prol do meio ambiente, aliado à questão da mobilidade.

Há que se reconhecer a importância e os avanços trazidos pelas leis brasileiras,

sobretudo diante da urbanização tardia do país e de suas falhas no planejamento. Porém, uma

vez que não faltam tecnologias, e novas invenções tem aparecido como alternativas diante do

reconhecimento da crise ambiental que a humanidade enfrenta, e que tende a se agravar,

percebe-se que agora talvez nos falte uma profunda mudança de comportamentos, em todos os

setores, para de fato, buscar transformar a realidade em que se vive. As leis incorporaram a

ideia geral do desenvolvimento urbano sustentável, discutido nas últimas décadas e perpassado

através das grandes conferências mundiais, que selaram agendas internacionais, mas esse foi

apenas o passo inicial para a transformação que é necessária ocorrer.

As cidades brasileiras ainda têm um longo percurso para vencer os problemas

socioambientais urbanos que enfrentam. É preciso, mais do que nunca, analisar as questões de

maneira interdisciplinar, mas sobretudo sob o ponto de vista socioambiental. As nossas cidades

não alcançarão um planejamento urbano sustentável enquanto grande parte de sua população

ainda estiver alocada em locais insalubres e desprovidos de qualidade mínima de vida. Da

mesma maneira, não será possível esperar que essa população atue junto às forças políticas de

forma consciente, enquanto ela não dispuser de condições adequadas de existência. Não se pode

esperar que as pessoas optem por deixar seus carros em casa, em prol dos transportes públicos

e não motorizados, enquanto as cidades enfrentarem sérios problemas de violência urbana e

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espaços inadequados para realizações de suas atividades. Dentre diversos outros fatores que se

relacionam, e dependem uns dos outros para serem efetivados.

Ainda assim, as leis demonstram que tais preocupações já começaram a fazer parte das

discussões, e é esperado que essas sejam cada vez mais aprofundadas e, quando possível,

levadas ao conhecimento e debates junto à população. Para que se possa compreender,

coletivamente, a importância e a urgência de tais questões, a necessidade de reconciliar a

sociedade e a natureza, mesmo no espaço urbano, por muitos ainda considerado artificial,

dissociado do natural. As leis, por si só, não serão capazes de promover as mudanças

necessárias, para isso será preciso ir além: recriar a relação entre o homem e o meio ambiente,

o respeito para com os demais seres vivos e recursos naturais, e a responsabilidade de deixar

cidades e um planeta mais social e ambientalmente equilibrado para as futuras gerações.

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