UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS CURSO DE MESTRADO DENISE MARIA MOURA E SILVA AS MULHERES E O CATIVEIRO: Uma análise sobre as práticas sócio-afetivas (como estímulo à reinserção social) Recife 2017
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE
CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS
CURSO DE MESTRADO
DENISE MARIA MOURA E SILVA
AS MULHERES E O CATIVEIRO:
Uma análise sobre as práticas sócio-afetivas
(como estímulo à reinserção social)
Recife
2017
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DENISE MARIA MOURA E SILVA
AS MULHERES E O CATIVEIRO:
Uma análise sobre as práticas sócio-afetivas
(como estímulo à reinserção social)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Direitos Humanos Linha de pesquisa: Fundamentos dos Direitos Humanos Orientador: Prof. Dr. Marcelo Pelizzoli Coorientadora: Profa. Dra. Karina Nogueira Vasconcelos
Recife
2017
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Catalogação na fonte
Bibliotecário Jonas Lucas Vieira, CRB4-1204
S586m Silva, Denise Maria Moura e As mulheres e o cativeiro: uma análise sobre as práticas sócio-afetivas
(como estímulo à reinserção social) / Denise Maria Moura e Silva. – Recife, 2017.
105 f.: il., fig.
Orientador: Marcelo Pelizzoli. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco,
Centro de Artes e Comunicação. Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, 2018.
Inclui referências e anexos.
1. Prisão. 2. Gênero. 3. Reinserção social. I. Pelizzoli, Marcelo (Orientador). II. Título.
341.48 CDD (22.ed.) UFPE (CAC 2018-156)
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DENISE MARIA MOURA E SILVA
AS MULHERES E O CATIVEIRO:
uma análise de práticas sócio-afetivas (como estímulo à reinserção social)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.
ANEXO A – EXPERIÊNCIAS DE VOLUNTARIADOS ................................. 74
ANEXO B – PROJETO DE REIKI ................................................................ 104
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1 INTRODUÇÃO
Partindo-se da ideia de que as práticas sócias afetivas são, antes de mais
nada, processos que são desenvolvidos por meio da relação com o outro, a presente
pesquisa parte da premissa de que o afeto é um elemento importante para a
redução de danos, no espaço prisional feminino.
Assim, para compreender a importância da afetividade como elemento
importante à reinserção social dessas mulheres, foi necessária uma análise da
utilização das práticas de (i) mediação humanista, os (ii) processos circulares, em
especial os círculos de diálogo e dos (iii) projetos desenvolvidos por meio do
voluntariado, no âmbito prisional feminino, para tornar mais evidente a necessidade
da construção da afetividade nesses espaços de encarceramento, verificando se por
meio dessas práticas há possibilidade ou não de promover o estímulo necessário a
essas mulheres à reinserção social.
Diante da proposta do presente trabalho, foi necessário realizar um recorte
territorial para melhor constatação da relação entre afetividade e reinserção social.
Desta forma, o espaço físico de desenvolvimento da pesquisa foi a Colônia Penal
Feminina do Recife (CPFR), conhecida popularmente como Bom Pastor, localizada
no bairro do Engenho do Meio, na zona oeste do Recife, tida como o maior presídio
feminino em Pernambuco.
Saliente-se que a origem do nome pelo qual a CPFR é popularmente
conhecida está atrelada a Congregação Nossa Senhora da Caridade do Bom
Pastor, cujas freiras dessa organização foram encarregadas pela direção entre os
anos de 1945, data da inauguração daquela unidade prisional, até início dos anos
90, época em que o Estado passou a ser o único responsável pela sua gestão.
A realização da presente pesquisa, antes de qualquer coisa, assevera a
importância de pensar não apenas nos efeitos do cárcere, mas sobretudo de que
maneira tais efeitos poderão ser reduzidos, tendo como base uma visão que
coadunasse aos Direitos Humanos e dessa forma, poderá contribuir de forma efetiva
para a transformação do sistema prisional feminino. Além disso, é importante
ressaltar os obstáculos que apareceram, não apenas quando foi definido o objeto de
pesquisa, como também os caminhos que foram utilizados para superá-los, seja na
etapa inicial, seja no desenvolvimento desta.
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Após a estipulação de todos os objetivos pretendidos com a presente
pesquisa, faz-se uma análise da relação da mulher com as suas várias prisões, no
primeiro capítulo, sobretudo a partir da análise do conceito sexista estabelecido na
criminologia, por Lombroso, já que o mesmo além de ser um dos maiores
representantes da Antropologia Criminal, foi um dos grandes influenciadores de
Lemos de Brito, tido como uma das mais importantes figuras para o surgimento das
prisões femininas no Brasil.
Desse modo, acaba se tornando de suma importância a realização de um
breve histórico sobre o surgimento das prisões não só no Brasil, mas no mundo,
relacionando o surgimento e desenvolvimento das prisões com as reais
consequências oriundas do aumento do encarceramento feminino e, sobretudo,
apontando a conexão existente entre cárcere e maternidade, enfrentadas por várias
mulheres nas prisões.
Após o estabelecimento das realidades enfrentadas por diversas mulheres
no cárcere, será abordado a outra ponta do objeto de pesquisa, no segundo
capítulo: as práticas sócias afetivas. Desta forma, por intermédio da (i) mediação
humanista, dos (ii) processos circulares, em especial dos círculos de diálogo e do
estudo dos (iii) projetos desenvolvidos pelo voluntariado, deverá ser demonstrada a
potência sócio afetiva de cada uma dessas práticas dentro do cárcere.
E, por último, após a análise da mulher no cárcere e do estudo das práticas
sócio afetivas que foram desenvolvidas na Colônia Penal Feminina do Recife, será
possível, ao fim, explicar se cada uma dessas práticas desenvolvidas no presente
estudo podem, ou não, servir de estímulo para uma exitosa reinserção social dessas
mulheres.
Da mesma forma, visto que a presente pesquisa busca apontar caminhos
que propiciem uma adequada reinserção da encarcerada em sociedade, será
destacada também a real diferença existente entre a reinserção social e a
ressocialização, sem deixar de lado uma questão tão problemática: o retorno ao
cárcere.
O espaço prisional é apenas o símbolo de um cativeiro mais amplo e
complexo do qual todas as mulheres, em maior ou menor grau, são submetidas.
Este fato justifica que milhares de mulheres no mundo vivam em situação de miséria.
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A questão prisional feminina, portanto, não está dissociada de uma espécie
de metáfora que permeia todas as questões de gênero que envolvem a humanidade
e sua evolução, especialmente em termos de respeito aos Direitos Humanos
positivados.
A antropóloga mexicana, Marcela Lagarde, em seu livro “Los Cautiverios de
las Mujeres”, ilustra essa relação entre a categorização das mulheres e a privação
de suas liberdades. De todas as mulheres!
Las madresposas están cautivas de y en la maternidade u la conyugalídad, com su entrega a cambio de um erotismo subsumido, negado, la filiación, la família y la casa. Las monjas están cautivas del tabu que es su sexualidade, em la vida consagrada, por la religión, em el convento. Las prostitutas están cautivas de su sexualidade escindida como erotismo para el placer de otros, de la prostitución, em el burdel. Las presas están cautivas del delito y del mal, por la ley, en la cárcel. Las locas están cautivas de su locura genérica, de la racionalidade, em el manicômio. Em las más diversas situaciones, los modos de vida de todas las mujeres, que son la base de sus cautiverios, se levantan sobre el cuerpo. El cuerpo de la mujer es el espacio del deber ser, de la dependência vital y del cautiveiro, como forma de relacioón com el mundo y de estar em él, como forma del ser social mujer y de la existência de las mujeres particulares (LAGARDE, 2011, p. 197).
Ao analisar o pensamento da autora, percebe-se que as mulheres em
situação de cárcere antes de ocuparem esses espaços físicos estiveram detidas em
muitos outros aspectos. Tendo em vista que viver em uma sociedade patriarcal, já
denuncia uma violência em face da própria existência da mulher.
Assim, o que se constata é a existência de uma sociedade excludente, na
qual os papeis são limitados, na qual o gênero feminino e praticamente tudo o que
se relaciona com as suas peculiaridades, pode ser tratado como subserviente ou
dependente, isto é, o fato de se tornar mulher constitui a primeira prisão de muitas
outras, o cárcere, para a mulher que é obrigada a vivenciar esta experiência, é
apenas uma delas.
Desta forma, antes de qualquer coisa, é importante deixar claro que há uma
resistência à subversão da ordem social da forma em que está estabelecida, ou
seja, patriarcal. A autonomia e a liberdade podem ser consideradas ferramentas
perigosas e, assim, constantemente ceifadas, já que são vetores transformadores de
uma lógica perversa na qual a razão é ocultar o feminino.
Como dito, as várias formas de prisões geradas em torno da mulher em
razão da segregação patriarcal, faz aumentar a violência, seja ela qual tipo. Mas é
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certo que a miserabilidade decorrente das violações aos direitos mais humanos
afetam diretamente todo o corpo social que acaba vendo, em um círculo vicioso, a
construção de mais violações a direitos como caminho para reduzir a miséria, mais
que acaba propiciando apenas a sua própria procriação e, consequentemente, o
aumento da violência.
O aumento do encarceramento feminino, tendo como espinha dorsal uma
economia excludente, baseado no patriarcalismo, é a ponta do iceberg de problemas
muito mais graves, como, por exemplo, a falta de políticas públicas eficazes no
combate às violências de gênero. Ainda hoje, o rosto da miséria e da violência, em
nosso país e no resto do mundo, é feminino. Não é de se surpreender que, nos
últimos anos, houve um aumento considerável dessa população carcerária. A falta
de oportunidades é, provavelmente, uma das principais justificativas que levam as
mulheres ao mundo do crime, sobretudo porque, em razão da inexistência de
oportunidades que possibilitem a construção de uma vida digna, por várias
mulheres, obrigam-nas a encontrar fora da legalidade os caminhos favoráveis para o
desenvolvimento de uma vida ligeiramente melhor. Ou seja, boa parte das mulheres
não dificilmente entram no mundo dos crimes porque não encontra um meio legal
para sobreviver.
Saliente-se que, muito embora as mulheres encarceradas tenham sido
condenadas por práticas criminosas equivalentes aos dos homens, as histórias das
mulheres são perpassadas por latentes manifestações do que Lagarde define como
cativeiros. As penalidades são agudizadas justamente porque elas, vítimas de tantas
prisões, sobretudo, sociais, são julgadas justamente por não terem desempenhados
os papeis previamente definidos pela sociedade.
Os homens ao serem presos, parecem continuar sendo filhos, maridos, pais.
As mulheres, por sua vez, ao serem encarceradas, encontram mais dificuldades. Na
maioria das vezes, são abandonadas pelas famílias, recebendo pouquíssimas ou
nenhuma visita. Através das mulheres presas é possível verificar que subverter os
papeis definidos socialmente é equivalente a se submeter a processos hostilizadores
e degradantes. A mãe, a esposa ou a filha que são “deslocadas” para o cativeiro de
presa, não cumprem somente uma pena, são também abandonadas de um modo
que não ocorre na mesma dimensão com os homens.
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A historiadora norte americana, Joan W. Scott, afirma que os conceitos de
gênero, estruturam a percepção e a organização concreta e simbólica de toda a vida
social:
O gênero é, portanto, um meio de decodificar o sentido e de compreender as relações complexas entre diversas formas de interação humana. Quando os(as) historiadores(as) procuram encontrar as maneiras como o conceito de gênero legitima e constrói as relações sociais, eles/elas começam a compreender a natureza recíproca do gênero e da sociedade e das formas particulares, situadas em contextos específicos, como a política constrói o gênero e o gênero constrói a política (SCOTT, 1989, p. 23).
Assim, percebemos que no âmbito das instituições, a questão de gênero
repercute na estruturação desses sistemas, muitas vezes, reproduzindo malefícios
das políticas patriarcais, já que na maioria das vezes, as leis são elaboradas a partir
de uma visão masculina, olvidando as especificidades das mulheres.
O modelo da justiça esconde e inviabiliza qualquer diferença positiva, tornando-a desigualdade. A excepcionalidade do feminino no sistema faz com que as políticas e espaços voltados às mulheres presas sejam as sobras. O discurso de igualdade jurídica esconde a hegemonia masculina no campo da lei. O discurso jurídico é hermético, não questiona as políticas de verdade e os efeitos que produz. Na dimensão de poder no campo jurídico, o gênero atua na disputa pela verdade, e se inscreve como binarismo pelo qual o sistema de justiça opera: homem-mulher; acusação-defesa; culpado-inocente; mãe-criminosa; acusação-defesa; culpado-inocente; mãe-criminosa, dentre outras (DAR Á LUZ NA SOMBRA, p. 21).
No âmbito judiciário, estrutura de poder diretamente relacionada com as
políticas prisionais, a participação das mulheres ainda é incipiente:
A carreira de juiz – como as demais carreiras da administração pública que exigem qualificação superior – tem sido objeto de preferência não apenas dos jovens, como também da mulher com escolaridade universitária que procura evitar, desse modo, os riscos de uma competição desigual em um mercado como o da advocacia liberal, ainda dominado basicamente, pela cultura masculina. (...) No caso da recente ampliação das mulheres na magistratura, cabe ainda registrar que (...) a ocupação de postos na alta administração pública por parte das mulheres sinaliza para a afirmação de um processo de modernização social (VIANNA, 1997, p. 67-68).
O maior problema para a mulher ao longo da história da humanidade é
transformar-se em protagonista social, agindo como agente transformador nas
diversas instâncias, atuando como protagonista e, não apenas como objeto.
Percebe-se que é uma luta árdua, pois equivale à negativa dos cativeiros e
consequentemente o enfretamento de resistências tão naturalizadas que consciente
ou inconscientemente podem partir das próprias mulheres.
Sob uma perspectiva de gênero, podemos afirmar que a situação do Brasil é
alarmante, observando o quantitativo de mulheres nas últimas décadas, em nosso
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país, conforme dados publicados no Levantamento Nacional de Informações
Penitenciárias (2014, p. 5), o Brasil possui 37.380 mulheres custodiadas, sendo que
a população feminina, entre os anos de 2000 a 2014, aumentou 567,4%, muito
superior ao crescimento da população carcerária masculina, que foi de 220,20%.
Embora tenhamos um grande aumento do índice de encarceramento
feminino, no Brasil, fruto da “cultura do controle” e das intervenções neoliberais na
seara criminal, a estrutura prisional, em nosso país, não observa as peculiaridades
relacionadas à questão de gênero, especialmente no tocante à maternidade.
Claudia Stella realizo un análisis de censos penitenciários internacionales en el que demuestra que cuando el padre está preso, la mayoria de de los ninos y las ninas continúan siendo cuidado por sus madres; sin embargo, cuando se trata de um encarcerlamiento materno, apenas 10% se queda acargo de sus padres.(...) Esta diferencia hace pensar como en como penas igualmente estrictas para mujeres y hombres, van a castigar de diferentes maneras hijos y hijas. De tal manera se toma em consideración especial la situación de las mujeres privadas de libertad (p. 36).
Ao verificar que a mulher é, antes de qualquer coisa, vítima da sociedade
patriarcal que dissemina a exclusão da mulher como ser de direitos, em especial ao
não possibilitar a construção de oportunidades que as possibilitem viver dignamente,
razão pela qual, não raramente se veem obrigadas a viverem na ilegalidade para
conseguirem, de fato, ter uma vida melhor. Acrescentando-se que, quando presas,
estas mesmas mulheres sofrem mais uma prisão, que é o cárcere, que acaba por
excluir ainda mais a mulher como ser de direitos.
Assim, partindo-se do estudo da mulher e as várias prisões que recaem
sobre elas, o presente artigo, baseado no conceito sexista estabelecido por
Lombroso, na Antropologia Criminal, e que influenciou fortemente Lemes de Brito,
figura importante para o surgimento das prisões femininas no Brasil, faz-se uma
análise do processo histórico de construção dos presídios para mulheres, no mundo
e na América Latina, em especial, no Recife, com a Colônia Penal Feminina do
Recife/PE, também conhecida como “Bom Pastor”, a qual foi atingida pelo aumento
do encarceramento feminino, trazendo mudanças não somente àquela unidade, mas
ao sistema prisional em âmbito mundial. Daí, trazemos à tona os fatores
relacionados a esse aumento e a influência nas vidas dessas pessoas excluídas,
sem olvidar da questão da maternidade à Sombra enfrentada pelas mulheres
estigmatizadas pelo Cárcere.
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2 AS MULHERES DESVIANTES
Se fôssemos pensar em um livro, o qual nos traz a compreensão da história
de pressão que as mulheres vivenciaram ao longo desses anos, sem sombra de
dúvidas, este livro seria a Bíblia. Os personagens da serpente e de Eva revelam as
justificativas utilizadas como estratégia pelo Estado, até os dias atuais, para
promover uma sociedade, na qual a mulher é subjugada e as hierarquias de poder
girassem em torno do caráter androcêntrico.
Nas relações de poder, a sexualidade não é o elemento mais rígido, mas um dos dotados da maior instrumentalidade: utilizável no maior números manobras, e podendo servir de ponto de apoio, de articulação às mais variadas estratégias (FOUCAULT, 2011, p.115-116).
Segundo Foucault, “Em História da Sexualidade”, a psicanálise e as ciências
médicas publicitaram que era importante desvendar a sexualidade humana, já que
ela era reprimida. Na realidade, a ideia era fazer a repressão da sexualidade,
através do controle dos corpos.
No tocante à mulher, o Estado lançou duas estratégias: a Histerização do
Corpo da Mulher, e a Socialização das Condutas de Procriação (FOUCAULT, 2011,
p.115).
Nesse sentido, o corpo da mulher adquire a função social de reprodução
destituído de qualquer autonomia, a mulher personifica a imagem da Mãe, a ela não
cabia o direito de escolher qual papel poderia assumir, e o poder decisório de ter ou
não filhos e o número da prole ficará nas mãos do Estado.
Diante do exposto acima, apesar de Foucault fazer a referida análise,
somente a partir do século XVIII, percebemos que corpo feminino já era utilizado
como instrumento nas relações de poder, desde a época que o poder letal da
“Espada” passou a esmagar o poder do “Cálice”, acarretando uma transformação
cultural no mundo, que reflete até os dias atuais.
A autora Riane Eisler, em seu livro “O Cálice e a Espada” lança uma crítica
sobre o fato de que esta História foi escrita por homens e, não por mulheres.
Justificando, assim, o surgimento de várias lacunas e omissões nesse ”texto”.
Segundo a referida autora, o movimento feminista contribui de forma decisiva para
reescrever essa História, inclusive para quebrar o Legado de Lombroso na história
da criminologia.
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É possível que folheando leituras suplementares, descubramos que Pitágoras aprendeu Ética com uma certa Themistoclea, sacerdotisa em Delfos, e que Sócrates foi aluno de Diotema, sacerdotisa em Mantinea. Talvez até nos deparemos com uma informação intrigante de que os líderes de todo o mundo iam até Delfos para receber, de uma sacerdotisa chamada Pitonísia, conselhos quanto ás questões sociais e políticas mais contundentes daquele tempo para receber, de uma sacerdotisa chamada Pitonisia, conselhos quanto à questões sociais e políticas contundentes daquele tempo. Mas, sem Dúvida, boa parte dos textos nem faz menção a mulheres, nem tampouco a Creta (EISLER, 2007, p. 166).
2.1 O legado de Lombroso
Seguindo o discurso proposto pela psiquiatria, no século XIX, a criminologia
constrói a sua base no estudo “corpo” e na “sexualidade”. No início do século XX até
os anos 60, os criminólogos analisavam a mulher criminosa, sob uma análise
“biopsicológica”, permeada de preconceito. Essa visão distorcida, é o legado de
Cesare Lombroso (1836-1909), expoente da “Escola Positivista”, no qual o
determinismo biológico imperava, no qual prevalecia a ideia de que as mulheres
criminosas têm uma natureza mais masculinizada que as mulheres “normais”.
Na obra The female offender, escrita em 1885, Lombroso utiliza-se, para
definir o “perfil” da mulher criminosa, das mesmas técnicas desenvolvidas para
definir o homem criminoso. Segundo ele, as mulheres que praticavam crimes se
destacavam por determinadas características, entre elas: assimetria craniana e
facial, mandíbula acentuada, estrabismo, dentes irregulares, clitóris e lábios vaginais
grandes e sexualidade exacerbada e pervertida, o que para ele significava atos de
masturbação e relações homossexuais. A periculosidade da mulher era medida pelo
número de características “crimináveis” que ela apresentava, sendo que,
características que envolvem a sexualidade eram vistas como as mais graves
(FARIA, 2010, apud HELPES, p. 54).
Vale ressaltar que, as ideias de Lombroso ganharam vários adeptos no
decorrer da história, inclusive o ideólogo das prisões femininas no Brasil, o Dr.
Lemos Brito. Estas só foram perdendo espaço, a partir do momento que o feminismo
foi entrando nos espaços acadêmicos. Todavia, até hoje, existe uma negligência em
relação aos estudos sobre criminalidade feminina.
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A Criminalidade feminina é tema negligenciado por grande parte dos estudiosos da criminalidade no Brasil e no exterior, tem ocupado papel secundário na maior parte das pesquisas desenvolvidas (RATTON; GALVÃO; ANDRADE, 2011, apud HELPES).
É de fundamental importância para compreendermos essa visão distorcida da
criminologia feminina, estudarmos a respeito da história do Direito Penal, suas
escolas e seus expoentes. A “Escola Positivista” de Lombroso, por exemplo, difere
da “Escola Penal Clássica” de Cesare Beccaria, já que o célebre autor Dos Delitos e
das Penas, parte do pressuposto da existência do livre-arbítrio, assim o homem
poderia descumprir ou não a lei, assumindo por sua vez, a culpa, caso a
descumprisse, ao contrário do que apregoava a “Escola de Lombroso” com a sua
análise do crime sob enfoque do ponto biológico.
Considerando que o crime já era visto, e ainda o é, enquanto um ato a ser
repudiado pela sociedade, o crime da mulher, foi considerado por Lombroso
enquanto uma dupla-exceção, o que faz dela, um monstro. Assim, a mulher era vista
enquanto duplamente culpada, duplamente criminosa e, consequentemente, a
resposta ao seu crime deveria ser duplamente maior (HELPES, 2014, p.56).
As ideias “lombrosianas” influenciaram vários estudiosos no século XX, dentre
eles o sociólogo Otto Pollok, cuja obra The Criminality of Woman, publicado em
1950, revela que existe uma cifra oculta, ou seja, é equivocado afirmar que as
mulheres têm menor aptidão de que os homens para cometerem infrações, ao
contrário, segundo ele, vinculado à imagem de Eva e Adão e no poder de sedução
da mulher, que poderia ser capaz de fingir orgasmo.
Not enough attention has been paid to the physiological fact that man must achieve in order to perform the sex act and will not be able to hide his failure. His lack of positive emotion in the sexual sphere must become overt to the partner and pretense of sexual response is impossible for him, if it is lacking. Woman´s body, however, permits such pretense to a certain degree and lack of orgasm does not prevent her ability to participate in the sex act (POLLACK, 1961, p.10, apud Nat. PADOVANI).
Em relação à Teoria de Pollock, as mulheres passar a ser perigosas na sua
essência, sedutoras, assim como as prostitutas. Desse modo, ele recomenda que
ela seja afastada dos espaços públicos para que a maternidade delas possam ser
resguardadas. Essa ideia é oriunda do século XVIII, em que houve a difusão de
cercear a sexualidade feminina, incentivando, por sua vez, o “instinto maternal”.
Seguindo a linha da criminologia influenciada pelo ramo da biologia, em 1968, houve
a publicação do livro Delinquency in Girls de John Cowie, Valerie Cowie e Eliot
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Slater, fundamentado na estrutura dos cromossomos femininos e masculinos, aqui,
não era mais a prostituta, a personificação da perversão, de acordo com Lombroso,
mas sim aquela que era dotada de uma genética mais viril, mais masculina: a
lésbica.
É importante destacar com as teorias psicossociais, nas quais o pensamento
de Sigmund Freud é o norteador. Aqui, reside a visão psicológica e, não o
determinismo biológico lombrosiano. No entanto, apesar de conceitos distantes,
estes se aproximam, já que ambas entendem que a mulher infratora foge da
normalidade da sua natureza feminina, a de ser mansa e pacífica.
A partir da segunda metade do século XX, com as teorias feministas e, em
seguida com os estudos sobre a questão de gênero, novas concepções sobre a
criminalidade feminina são lançadas, distanciando-se dos conceitos da criminologia
clássica baseados na biologia e na diferença sexual, com a publicação do livro da
criminologista norte-americana, Carol Smart, em 1976, denominado Women, Crime
and Criminology: A Feminist Critique, no qual a autora revela que a tipificação
criminológica feminina é ocasionada pelo estress das atividades desenvolvidas no
ambiente doméstico, ocasionada pelas maneiras distintas de socialização de
homens e mulheres.
O retrato da mulher estava atrelado à mulher frívola e fútil, distante dos
afazeres domésticos, ela torna-se uma vaidosa descontrolada, os objetos de furtos,
conforme a referida autora, os objetos a serem alvos de roubo diferenciavam entre
homens e mulheres, pois as últimas roubavam objetos para atender os seus desejos
frívolos, já os últimos tinham por objetivo satisfazer seu intelecto, seu raciocínio.
Vale ressaltar que a História da Criminologia, no Brasil, é fundada nesse
conceito de Perversão, pois em um cenário do século XIX, na qual o discurso
criminológico era centrado na visão de um homem branco, europeu e ainda por cima
escravocrata que ao fazerem uma comparação entre a moça branca, casta e
europeia, com as suas escravas, concebiam que essas últimas eram selvagens.
As notícias mais antigas de mulheres aprisionadas datam de 1870, já no Brasil Império. Na Casa de Correção da Corte (Rio de Janeiro), existia o Calabouço, prisão para escravos, no qual segundo os documentos, foram aprisionadas 187 mulheres escravas (SOARES; ILGENFRITZ, 2002, apud HELPES, 2014, p. 69).
Daí, poderíamos fazer uma análise sobre esse fato supracitado a partir da
visão de Foucault sobre o duplo objetivo do cárcere, o ideológico e o real, isto é,
21
embora digam que o Cárcere fracassa ao cumprir o seu papel, ele triunfa ao cumprir
o se verdadeiro papel: a punição seletiva no cumprimento da pena, o cenário das
prisões retratam essa seletividade (FOUCAULT, 1997).
É de fundamental importância entendermos essa análise do processo de
construção do discurso criminológico, no Brasil, pois ele serve de alicerce à estrutura
organizacional das prisões para as mulheres, em nosso país.
Vale ressaltar que a base desse referido discurso era a de que a mulher
criminosa significava mulher desviante, já que estava cumprindo uma função
contrária ao que a sociedade havia reservado a ela, a servidora do lar, motivo pelo
qual a estrutura organizacional das Prisões femininas eram delegadas às
Congregações Religiosas, que detinham a missão de resgatar esse papel na vida
dessas mulheres.
2.2 Histórico dos presídios femininos
A promiscuidade aí é de arrepiar. Ao lado da mulher honesta e de boa família,
condenada por um crime passional e culposo, ou que aguarda julgamento, seja por
um aborto provocado por motivos de honra, seja por um infanticídio determinado
muitas vezes por uma crise psíquica de fundo puerperal, estão as prostitutas mais
sórdidas, vindas como homicidas da zona de baixo meretrício, as ladras
reincidentes, as mulheres portadoras de tuberculose, sífilis, moléstias venéreas, ou
hostis á higiene. Quando não atacadas pela satiríase, tipo acabados de
ninfomaníacas, que submetem ou procuram submeter, pela força, as primeiras aos
mais repugnantes atos de homossexualismo, como o próprio Conselho Penitenciário
teve oportunidade de constatar (BRITO, 1943 apud PADOVANNI).
O pensamento do penitenciarista, José Gabriel de Lemos Brito, principal
ideólogo das prisões no Brasil que foi influenciado pelas ideias de César Lombroso,
o célebre autor das obras La Donna Delinquente, La Prostituta e La Donna Normalle,
nas quais o determinismo biológico entre os sexos era o tema central, norteado
pelas teorias positivistas.
Considerando que o crime já era visto, e ainda o é, enquanto um ato a ser
repudiado pela sociedade, o crime da mulher, foi considerado por Lombroso
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enquanto uma dupla-exceção, o que faz dela, um monstro. Assim, a mulher era vista
enquanto duplamente culpada, duplamente criminosa e, consequentemente, a
resposta ao seu crime deveria ser duplamente maior (HELPES, 2014, p. 56).
As discussões sobre estabelecimentos prisionais femininos começaram desde
o final do século XIX, já que as mulheres, em sua maioria, prostitutas e escravas
compartilhavam as mesmas celas que os homens, havendo relatos de vários tipos
de violência causados por esse tipo de situação, segundo estudos de
penitenciaristas do início do século XX.
No entanto, apenas no início da década de 40, que foram construídas as
primeiras prisões para mulheres, no Brasil, por conta da preocupação do jurista
Lemos de Brito em relação a essas unidades mistas, para que fosse mantida a
integridade dos homens que compartilhavam a cela com a mulher “pervertida” de
Lombroso, levando o referido jurista à elaboração, em 1923, da reforma
penitenciária, na qual iria haver a construção de espaços prisionais para mulheres.
[...] a presença exacerbava o sentimento genésico dos sentenciados aumentando os martírios da abstinência que a presença das mulheres exacerbava o sentimento genésico dos sentenciados aumentando os martírios da forçada abstinência (BRITO, apud, SOARES e ILGENFRITZ, 2002, p.57).
As informações supracitadas nos permite compreender como foram criados
os estabelecimentos prisionais no Brasil, bem como explica o motivo pelo qual o
Estado delegou à Irmandade Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor d‟Ángers a
organização dos primeiros presídios femininos em nosso país, era necessário,
portanto, a conversão da mulher pervertida, através da moral cristã, a qual tinha
como propósito: “salvar a sua alma”.
O primeiro do qual se tem notícia na História ocidental data de 1645. Denominado The Spinhuis, localizado em Amsterdã, era considerado uma instituição modelo, que obrigava mulheres pobres e desrespeitosas, criminosas, bêbadas e prostitutas, bem como meninas mal comportadas que não obedeciam aos meus pais e maridos. Era uma casa de correção e instituição prisional, voltado para o trabalho têxtil (ZEDNER, 1995, p.329 apud ANGOTTI).
No entanto, houve relatos que essas Casas de Correção descumpriram o seu
propósito inicial, forçando essas mulheres a ser prostitutas, algo comum nessas
Casas desde o século XVII, já que as mesmas eram confinadas juntamente com
homens.
23
Somente no século XIX, houve um fortalecimento para a discussão desse
tema, daí em 1835, nos EUA, foi inaugurada a Mount Pleasant Female Prision, no
estado de Nova York, com o intuito de reinserir essas mulheres através das
peculiaridades femininas, isto é, através dos afazeres domésticos, a mesma
estratégia utilizada pela da Congregação de Nossa Senhora da Caridade do Bom
Pastor d Àngers que teve grande influência no contexto histórico e estrutural das
prisões femininas na América Latina.
2.2.1 Bom Pastor
O Instituto Bom Pastor de Angers foi fundado na cidade de Angers na França,
em 1829, com o objetivo de cuidar de “jovens, que o mundo, de alguma forma
seduziu” (POISENET, 1968, p.73). Resultado do “empréstimo” de Irmãs do Instituto
Nossa Senhora da Caridade, estabelecido em diversas cidades francesas, a nova
ordem que nasceu em Angers, teve como fundadora a Madre Maria Eufrásia
Pelletier, oriunda da Congregação de Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor de
Àngers, uma junção das alcunhas do Instituto recém-fundado e da Congregação de
origem da sua fundadora. Nascida no ano de 1796, a Irmã foi a principal mentora e
incentivadora da Congregação d´Angers, sendo responsável pela disseminação
dessa ordem pelos cinco continentes (POISENET, 1968 apud ANGOTTI, p.183).
Na América Latina, em 1857, no Chile, na cidade de Santiago do Chile, foi
edificada a primeira Casa do Instituto Bom Pastor de Angers, após alguns anos, em
1860, foi inaugurada outra Casa em Valparaíso, por sua vez, já na década de 1920,
a Instituição já se havia estabelecido, no Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina.
Datam de 1937 o Instituto Feminino de Readaptação Social no Rio Grande do Sul, de 1941 o Presídio de mulheres de São Paulo e de 1942 a Penitenciária Feminina no Distrito Federal em Bangu. O pequeno número de mulheres condenadas justificava, por vezes, o adiamento de soluções para a situação degradante na qual se encontravam. Algumas dessas instituições foram adaptadas em espaços já existentes, como no caso do Instituto de Readaptação Social do Rio Grande do Sul, bem como o Presídio de Mulheres de São Paulo. Já a penitenciária de Mulheres de Bangu foi especialmente construída para tal finalidade (ANGOTTI, 2012, p. 23).
Seguindo os passos dos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de
Janeiro. Em 03 de outubro de 1944, na cidade do Recife, foi lançada a pedra
fundamental da Colônia Penal Feminina do Bom Pastor, atualmente, Colônia Penal
24
Feminina do Recife, em 10 hectares de terreno situado na zona rural, hoje, bairro do
Engenho do Meio, graças a um acordo feito entre o governador Agamenon
Magalhães e a Congregação Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor, assim no
dia 05 de novembro de 1945, houve a inauguração do prédio situado à Rua do Bom
Pastor no Engenho do Meio.
[...] Aproximadamente no início dos anos 90, após 45 anos de trabalhos de fé e educação no bairro do Engenho do Meio, as irmãs da Congregação do Bom Pastor começaram a sentir dificuldades de continuar realizando a missão de reeducar as 90 presidiárias que cumpriam pena na unidade prisional em face de realizarem um trabalho de Pastoral Carcerária e não de "carcereiras". A missão das mesmas, como esclareceram enfaticamente era de cunho religioso e até mesmo assistencial e não de natureza punitiva. A Colônia Penal Feminina funcionava como um colégio interno sendo seguidas as regras do Apostolado. Porém, o Estado passou a interferir na gestão da Congregação. Por exemplo, a concessão de encontro conjugal às presidiárias não era aceiro pelas religiosas, uma vez que aquelas se prostituíam e tinham amantes, contrariando completamente a missão das irmãs que realizavam o seu trabalho ditado pelos preceitos da igreja Católica (SANTOS, 2009).
É interessante fazer um breve parêntese do que foi exposto acima, sob a
ótica do psicólogo Erving Goffman, a respeito das instituições totais. Em seu livro
Manicômios, Prisões e Conventos, o psicólogo afirma que essas instituições têm
alguns aspectos em comum, tais como o isolamento para a cura e a recuperação.
Dentre essas instituições totais, no caso do ocidente, há aquelas que têm o intuito
de separação do mundo, é o caso das instituições religiosas e há também, aquelas
que têm como propósito a proteção da comunidade de ameaças intencionais, tais
como a prisão.
Assim, percebemos que a estrutura organizacional dos primeiros cárceres
femininos, no Brasil, teve esse caráter peculiar: o entrelaçamento de duas
instituições totais, a prisão e o convento, a ideia de pena era convertida em cura da
alma por Deus.
Podemos verificar também a utilização do corpo da mulher como instrumento
da disciplina, a tática era de domesticação do corpo daquelas cujas mentes eram
indóceis, as mulheres pervertidas, as quais desviam-se do que deveriam ser: mãe,
esposa e temente a Deus, de acordo com o pensamento de Michel Foucault, no seu
livro: Vigiar e Punir.
25
A geografia do Bom Pastor é um tanto quanto labiríntica. Ao entrar e passar pela recepção há um corredor que: indo para a esquerda há, de um lado, as salas da revista (uma masculina e outra feminina) e, do outro, um espaço amplo destinado ao trabalho fabril; indo para a direita, há as salas da Administração, e o refeitório dom agentes penitenciário, continuando mais um pouco e virando à esquerda há quatro salas para assistência médica, odontológica, enfermaria e o parlatório para o encontro com os advogados (VASCONCELOS, 2012).
A Colônia Penal Feminina do Recife (CPFR), até 2009, era o único
estabelecimento prisional feminino da região metropolitana, por motivo de déficit de
vagas, foi construída a Penitenciária Feminina de Abreu e Lima (CPFAL). Vale
ressaltar que, embora com a construção desta última, o referido problema persiste,
já que, atualmente, a CPFR está com 500 mulheres, contando, no entanto, com
apenas 204 vagas, representando um déficit de quase 300 vagas.
O problema da superlotação carcerária gera vários outros problemas, dentre
eles, a ociosidade, por exemplo há apenas três fábricas no Bom Pastor funcionando,
atualmente, são elas:
1- TEK SHYNE – com 19 internas trabalhando;
2- ROCHELE – com 43 internas;
3- GRANPLAST – 07 internas.
4- 50 são concessionadas.
Portanto, se hoje temos um total de 500 internas, naquela unidade e apenas,
119 estão trabalhando, concluímos que mais da metade das mulheres que se
encontram por lá, não trabalham, ficando geralmente ociosas, naquele espaço, cuja
estrutura não favorece a possibilidade de uma mudança.
Daí o motivo pelo qual, a lógica criminal atual está agonizando, pois o
cárcere não constitui por si só a saída de todas as mazelas do mundo, isso já está
comprovado, todavia a não utilização pelo Estado de estratégias que possibilitem
uma mudança efetiva nesse cenário, permite que o aumento da população
carcerária torne-se um problema mundial e sem precedentes. Será que ele não é
bem sucedido por ser dessa maneira?
26
2.3 O aumento do encarceramento feminino
A escolha dessa temática deve-se ao fato de que a cultura punitiva, na qual o
cárcere é visto como forma dominante de punição encontra-se ultrapassada. O
reflexo dessa cultura é a violência gerada pelo alto índice de encarceramento em
massa. O impacto dessa violência é maior em países, nos quais há uma forte
desigualdade na distribuição de renda, caso do Brasil, onde as manchetes de
rebeliões e chacinas nos presídios demonstram o colapso do nosso sistema
carcerário.
Garland (2014), em seu livro La Cultura del Control faz uma análise das
mudanças que ocorreram no sistema punitivo, a partir de 1970, nos EUA e na Grã-
Bretanha. Com o desfacelamento da política do Welfare State (Estado do Bem –
Estar Social), segundo ele, houve uma ingerência da política neoliberal no âmbito do
sistema penal em ambos os países, acarretando um endurecimento maior na política
de enfrentamento ao crime.
Essas modificações ocorridas nos EUA e na Grã-Bretanha, na década de
1970, sem dúvida, foram fatores determinantes para que viesse à tona o fenômeno
da “superlotação carcerária”. No entanto, em 1986, com a política adotada pelo
presidente dos EUA, Ronald Reagan, denominada “Cruzada contra as Drogas”, um
ingrediente similar à pólvora foi adicionado, causando um estrago de proporções
gigantescas em relação a essa problemática.
A título de exemplo, pesquisas mais recente constatam que, nos EUA, o
crescimento da população em presídios federais é impressionante (e
tendencialmente seguido pelos países marginais, por isso a importância do
exemplo): de 1920 a 1980, a taxa de encarceramento variou de 80 para 150 presos
em cada grupo de 100.000 residentes no país; de 1980 até o final de 2000, esta
mesma taxa saltou para quase 450 presos em grupo de 100.000 cidadãos (TONRY;
PETERSILIA, 1999, p. 21. Leonardo Sica, p.8- Justiça Restaurativa e Mediação
Penal.
É importante registrar que o encarceramento em massa não é apenas um
problema que atinge os EUA e, sim vários países, em especial àqueles onde existe
uma grande desigualdade social, tais como Brasil e outros países da América Latina.
27
(...) a penalidade neoliberal ainda é mais sedutora e funesta quando aplicada em países ao mesmo tempo atingidos por fortes desigualdades de condições e de oportunidades de vida e desprovidos de tradição democrática e de instituições capazes de amortecer os choques causados pela mutação do trabalho e do indivíduo no limiar do novo século (WACQUANT, 2004, p.4).
De acordo com Helpes (2014), embora as mulheres sejam minoria nas
cadeias, nesses e em outros países, elas também são alvos dessas mudanças nas
políticas criminais, sendo atingidas pelas consequências reais da Cultura do
Controle.
Las mujeres de las Américas están siendo encarceladas por delitos relacionadas com drogas a um ritmo alarmante y el crecimiento del encarcelamiento supera, junto a Asia, al de cualquier outra région del mundo.Si bien es certo que el numero de hombres privados de la libertad es mayor, los niveles de encarcelamiento de mujeres están creciendo a uma tasa más rápida. Según el Instute for Criminal Policy Reasearch, la población carcelaria femenina total en América Latina ha aumentado en 51,6% entre el 2000y el 2015, en comparación com um 20% para el caso de los hombres. En Argentina, Brasil, Costa Rica y Perú, más del 60% de la poblácion carcelaria feminina está privada de libertad por delitos relacionados com drogas (OAS, S/D, p.8).
Sem sombra de dúvida, a questão do tráfico de drogas, bem como as
políticas públicas ineficazes adotadas pelos governos no seu combate é um dos
principais fatores para o aumento da população carcerária, especialmente no
tocante à população carcerária feminina, onde a maior parte das presas, cumprem
pena por este tipo de crime.
Em 2006, entra em vigência a Lei 11.343/2006, denominada a Lei de Drogas,
e com ela, o usuário de drogas deixa de ser punido com a pena privativa de
liberdade, no entanto, esse dispositivo não quantifica a quantidade de drogas que
típica o crime de tráfico, cabendo ao magistrado essa função de avaliar se
determinada pessoa seria traficante ou não, resultando, assim, um grande aumento
do número de presos provisórios. A prisão provisória, por sua vez, que deveria ser
usada excepcionalmente, acabou sendo amplamente utilizada, tendo grande
responsabilidade sobre a superlotação das cadeias.
Es imperativo atender el enfoque de transverzalización de gênero em el desarollo, la implementación em las reformas de la legislación y la evaluación em las reformas de la legislación y las políticas de drogas.El derecho penal se construye desde uma mirada androcéntica y el sistema penitenciario ha sido pensado por y para hombres, por lo que se hace necesaria uma revisión com perspectiva de gênero de los delitos, las penas y las formas como como las personas que transgreden las normas pueden retribuir a la sociedade (OAS, S/D, p.14).
28
Considerando que, no Brasil, a desigualdade de gênero ainda é algo que nos
aflige, fruto de um sistema, no qual o patriarcado imperava, é urgente rever essa
visão androcêntrica dos que elaboram as leis, especialmente no que concerne às
mulheres, uma vez que o encarceramento feminino ganha cada vez maior destaque,
revelando e aprofundando as mazelas dessas desigualdades, inclusive no tocante à
maternidade. Esta, por sua vez, é relegada.
2.4 A maternidade à sombra
O modo que é estruturado as relações com base no gênero, interfere na
forma como são tratadas várias questões, sobretudo àquelas relacionadas aos
quesitos sexualidade e reprodução, portanto quando o Estado conduz as suas
políticas com uma visão androcêntrica, revela uma sociedade na qual há uma
grande desigualdade de gênero.
El androcentrismo es uma de las manifestaciones más comuns del sexismo que há dado como resultado la existência y reproducción de la discriminación, la desigualdad y los prejuicios em contra las mujeres (OAS, p.16).
Podemos perceber a influência do androcentrismo, na história dos Direitos
Humanos, inclusive nos dias atuais, em que o homem é visto como sinônimo de ser
humano.
Assim, o reconhecimento dos direitos reprodutivos das mulheres, uma
demanda pelo controle dos seus próprios corpos, historicamente sujeitos às ordens
dos homens, foi resultado de muita luta, constituindo em uma importante instrumento
para apoiar o fim da violência contra as mulheres.
Si la mujer es naturaliza, su historia es la historia de su cuerpo, pero de um cuerpo de cual ella no es dueña porque sólo existe como objeto para otros, o em función de otros, y em torno y em torno al cual se centra em uma vida que es la historia de uma expropriación (FRANCA BASAGLIA apud LAGARDE, p. 55).
As Declarações mais importantes que deram notoriedade jurídica
internacional a essa temática foram as Declaração do Cairo, oriunda da Conferência
Internacional de População e Desenvolvimento, que ocorreu no Egito, em 1994,
trazendo no seu bojo o reconhecimento internacional dos direitos reprodutivos e o
empoderamento das mulheres em todas as esferas da sociedade.
29
Os direitos reprodutivos abrangem certos direitos humanos já reconhecidos em leis nacionais, em documentos internacionais sobre direitos humanos e em outros documentos consensuais. (...)a oportunidade de ter filhos e de ter informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução livre de discriminação, coerção ou violência, conforme expresso em documentos sobre direitos humanos (FERRAZ et al., 2013, p. 56).
E a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a
Mulher, em Pequim, na China, no ano de 1995, conhecida como a Declaração de
Beijing. Esta última, por sua vez, traz dois pontos bem importantes, os direitos
sexuais e a questão do aborto inseguro, um caso de saúde pública.
Os direitos humanos das mulheres incluem seus direitos a ter controle e decidir livre e responsavelmente sobre questões relacionadas à sua sexualidade, incluindo a saúde sexual e reprodutiva, livre de coação, discriminação e violência (FERRAZ et al., 2013, p.56).
No entanto que ambas as Declarações, tanto a de Cairo como a de Pequim
não têm caráter vinculante, isto é, são considerados soft law, não havendo coerção
para que o Estado cumpra o que foi acordado na Declaração a qual foi signatário.
Vale ressaltar, portanto, da importância da Convenção para Eliminação da
Discriminação contra as Mulheres- a CEDAW- adotada pela ONU, em 18 de
dezembro de 1979 e em vigor desde 03 de setembro de 1981 e ratificada em 1 de
fevereiro de 1984 em relação aos direitos reprodutivos.
Em seu artigo 12 prevê a eliminação da discriminação contra a mulher na área da saúde, e menciona explicitamente o acesso aos serviços de planejamento familiar. Dispõe ademais, que os “Estados – partes garantirão á mulher assistência apropriada em relação à gravidez, ao parto e período posterior ao parto, proporcionando assistência gratuita quando assim for necessário, e lhe assegurarão uma nutrição adequada durante a gravidez e à lactância” – o que demonstra a importância da garantia do direito á saúde durante todo o ciclo reprodutivo das mulheres (FERRAZ et al., 2013, p.58).
A maior diferença entre a CEDAW e as Declarações supracitadas é que a
referida Convenção tem caráter juridicamente vinculante, daí a partir do momento,
que há nesse instrumento, um dispositivo legal prevendo “a eliminação da
discriminação contra a mulher na área da saúde”, a CEDAW não se torna apenas
um meio para o reconhecimento dos direitos reprodutivos, mas também um
importante mecanismo para assegurá-lo.
É relevante mencionar a Convenção para Prevenir, Sancionar e Erradicar a
Violência contra a Mulher, mais conhecida como a Convenção de Belém do Pará,
importante ferramenta internacional na luta para garantir os Direitos Humanos das
30
Mulheres. Esta, por sua vez, é um instrumento interamericano, vigente para os
países signatários da América Latina e Caribe, ao contrário da CEDAW que tem
caráter universal.
Cumpre destacar outro instrumento de âmbito internacional, fruto dessa luta
das mulheres para a implementação dos seus direitos, o qual se denomina Regras
de Bangkok, documento aprovado pela Organização das Nações Unidas em 2010,
que nos orienta em relação ao tratamento das mulheres presas e medidas não
privativas de liberdade para mulheres infratoras.
Vale ressaltar que as Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos e as
Regras de Tóquio continuam em plena vigência.
As seguintes regras não substituem de modo algum as Regras mínimas para
o tratamento de reclusos e as Regras de Tóquio. Portanto, todas as provisões
contidas nesses dois instrumentos continuam a ser aplicadas a todos os presos e
infratores sem discriminação (CNJ, 2016).
É interessante revelar que esses instrumentos têm grande relevância, pois
uma vez que tais documentos são ratificados, existe um grande caminho a ser
percorrido para a sua adoção formal pelos Estados, assim é de fundamental
importância a participação da sociedade para a implementação desses direitos, pelo
que podemos observar no decorrer da pesquisa, há muito trabalho a ser feito, em
especial no tocante à maternidade no cárcere.
Figura 1 – Existência de cela/dormitório adequado para gestantes em unidades
femininas e mistas. Brasil. Junho de 2014.
Fonte: Infopen; Senasp (BRASIL, 2014).
31
Figura 2 – Existência de berçário e/ou centro de referência em unidades femininas
e mistas. Brasil. Junho de 2014.
Fonte: Infopen; Senasp (BRASIL, 2014).
Podemos perceber, portanto, que a questão da maternidade é negligenciada,
no contexto prisional, as mães e os filhos do cárcere constituem uma população
invisível.
Segundo as autoras Laura Mattar e Simone Grillo Diniz, existem hierarquias
reprodutivas que determinam a legitimidade e a aceitação das maternidades. Com
base nessa teoria, é factível dispor de uma pirâmide reprodutiva na qual:
Quanto maior o número de aspectos ditos negativos presentes na mulher ou no casal, ao exercitarem a maternidade e/ou a reprodução do cuidado com os filhos, mais próximos estarão na base da pirâmide hierárquica e, ainda, menor será o exercício de direitos humanos - o que revela, a exclusão social a que estão submetidos. O mesmo vale no sentido oposto: quanto maior o número visto de “aspectos positivos” que uma mulher e/ou um casal tenha, mais valorizado será a maternidade e/ou reprodução e cuidado com os filhos, bem como mais frequente o exercício dos seus direitos humanos (MATTAR; DINIZ, 2012 apud BRASIL, 2015, p. 21).
Nessa perspectiva, percebe-se que os direitos relacionados à mãe e aos
filhos, no cárcere, são pouco efetivados, pois tais sujeitos pertencem à base da
referida pirâmide hierárquica, reproduzindo o cenário que ocorre “extra muros”.
[...] o cárcere reflete, sobretudo suas características negativas, a sociedade. As relações sociais e de poder da subcultura carcerária têm uma série de características que distinguem da sociedade externa e, que dependem da particular função do universo carcerário, mas na sua estrutura mais elementar elas não são mais do que a ampliação, em forma mais mistificada e mais” pura” das características típicas da sociedade capitalista: são relações baseadas no egoísmo e na violência ilegal, no interior das quais os indivíduos socialmente mais débeis são constrangidos a papéis de submissão e exploração [...] (VASCONCELOS, 2012, p. 298).
32
Em consequência do exposto acima, percebe-se que o cárcere, além de
reproduzir o cenário mais tortuoso da sociedade capitalista, ele serve de meio para
que os ciclos de violência sejam perpetuados, isto é, os sujeitos permanecerão nos
mesmos locais da pirâmide. Os agentes de poder não mudam o discurso, e assim
uma transformação social nunca irá ser implementada de fato. Em relação ao
cárcere feminino é algo mais sério, já que boa parte das mulheres que cumprem
pena no sistema prisional são mães e com elas, no cumprimento das suas
respectivas penas, seus filhos também são atingidos.
Cuando una mujer es encarcelada los vínculos familiares resultan fragilizados e incluso pueden ser definitivamente rotos. Distinta situación presentan los hombres, quienes a pesar de todas las dificuldades poseen uma mayor facilidade para su própria manutención y cuentan com el apoyo de figuras femininas ( madres y companeras ) que aseguran el contato con los hijos Raquel Souza, Invisibles, Hasta Cuando? (OAS, p. 35).
A grande maioria das mulheres, em situação prisional em nosso país, têm
filhos e muitas vezes, o companheiro as abandonas, daí ao ficarem presas, elas
recorrem a familiares ou amigos para cuidar deles e, quando não podem se valer da
ajuda dessas pessoas, as crianças passam a residir em abrigos. Daí, a importância
de falarmos sobre a Regra 64 de Bangkok e as suas implicações.
Regra 64 – Mulheres gestantes e com filhos/as dependentes Penas não privativas de liberdade para as mulheres gestantes e mulheres com filhos/as dependentes serão preferidas sempre que for possível e apropriado, sendo a pena de prisão considerada apenas quando o crime for grave ou violento ou a mulher representar ameaça contínua, sempre velando pelo melhor interesse do/a filho/a ou filhos/as e assegurando as diligências adequadas para seu cuidado.
Com a promulgação da lei 13.257/2016, mais conhecida como Marco Legal
da Primeira Infância, percebemos a influência das Regras de Bangkok, em especial
a Regra 64, pois na referida lei, há a possibilidade de substituição da prisão
preventiva por domiciliar, no caso de mulheres gestantes e mães de crianças até 12
anos.
EMENTA: Prisão em flagrante. Prisão preventiva. Mulher que se encontra em qualquer das situações excepcionais referidas no rol taxativo inscrito no art. 318 do CPP. Conversão em prisão domiciliar. Regras de Bangkok, promulgadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Inovações introduzidas no direito interno brasileiro: CPP, LEP, Lei das Medidas Cautelares e Lei da Primeira Infância. Outorga de tratamento diferenciado à mulher presa que ostente, entre outras, a condição de grávida ou de nutriz (lactante). Legitimidade desse tratamento, que também se justifica pela necessidade de respeito ao princípio constitucional que consagra o dever estatal de proteção integral da criança e do adolescente. Incidência da Convenção dos Direitos da Criança. Precedentes do Supremo Tribunal Federal, particularmente de sua Segunda Turma. Conversão do julgamento deste “habeas corpus” em diligência, para que o impetrante comprove que a paciente se enquadra em qualquer das situações previstas no art. 318 do CPP.
33
Para atender o devido cumprimento da lei, no estado de Pernambuco, foi
iniciado um projeto para a Análise do Sistema das Mães Encarceradas e o Decreto
do Indulto Feminino, através de uma parceria firmada entre a Secretaria de Justiça e
Direitos Humanos (SJDH), Secretaria de Ressocialização (SERES) e a Defensoria
Pública, tendo início no dia 27/04/2017, na Colônia Penal Feminina do Recife, vale
salientar que todas as unidades prisionais femininas do Estado irão ser
contempladas a posteriori com esse projeto.
Segundo o Setor Penal da referida Colônia, mais de 76 mulheres foram
liberadas, após essa lei. Eles alegam, por sua vez, que o processo lento, tendo em
vista o grande número de processos que existem nas Varas de Execução Penal.
Esse quadro retrata que é um processo lento, mas profundamente
significativo. Na realidade, é uma mudança de paradigmas, pois as instituições
responsáveis estão se conscientizando que é necessário mudar, verificando que
existem alternativas ao cárcere, estão cada vez mais atentos às peculiaridades de
gênero, mas, sobretudo, atentos ao fato que o atual sistema está agonizando,
necessitando de mudanças que se façam com urgência, especialmente no tocante a
promover meios para estimular à Reinserção Social dessas mulheres.
34
3 AS PRÁTICAS SÓCIOAFETIVAS: A ARTE DO ENCONTRO
3.1 A utopia concreta
Não há como pensar em um projeto de humanização do cárcere, sem
pensarmos em uma cidade, na qual o cárcere faça parte dela, tal como era
idealizado pelo eminente professor Massimo Pavarini, no seu projeto “Cárcere e
Cidade”.
De acordo com o eminente professor, “quanto maior a violência no cárcere,
maior a violência na cidade”, atribuindo à sociedade, por sua vez, a responsabilidade
em reduzir esse espaço de violência, seja por meio do voluntariado, ou por meio de
práticas que auxiliem a redução de danos de forma concreta.
A utopia concreta não é uma noção atrelada ao desejo de uma sociedade melhor no futuro, futuro esse do qual o utópico não participa, senão deixando seus escritos manifestando seu desejo. A utopia concreta está vinculada ao sujeito atuante, ao sujeito consciente do seu tempo, ao sujeito capaz de perdoar o passado, para projetar o futuro e ciente de que perdoar o passado não é esquecê-lo, como afirma François Ost em O tempo do Direito. A utopia concreta é praticada por diversas pessoas, profissionais e intelectuais que propõem práticas sem a pretensão de criar modelos universais para reduzir os danos de práticas antigas, com vistas à promoção da chegada de uma sociedade sem a marca de tanta violência. (VASCONCELOS, 2017, p. 198).
Na realidade, um dos pilares para a promoção da Cultura de Paz no mundo,
implementando uma transformação social efetiva nele, reside em uma economia que
contribua para uma menor desigualdade social. Dessa forma, poderíamos pensar
em uma reinserção social efetiva, já que segundo Baratta (2002, p. 186), o cárcere é
o reflexo da sociedade, sobretudo em relação à exclusão social existente nela:
[...] o cárcere reflete, sobretudo nas características negativas, a sociedade. As classes sociais e de poder da subcultura carcerária têm uma série de características que distinguem da sociedade externa , e que dependem da particular função do universo carcerário , mas na sua estrutura elas não são mais do que a ampliação, em forma mais mistificada e “mais pura “ das características típicas da sociedade capitalista : são relações sociais baseadas no egoísmo e na violência ilegal, no interior das quais os indivíduos socialmente mais débeis são constrangidos a papéis de submissão e exploração.
Antes de falar de educação e reinserção é necessário, portanto, fazer um exame do sistema de valores e dos modelos dos comportamentos presentes na sociedade quer se quer reinserir o preso.
35
Um tal exame pode não senão levar à conclusão, pensamos de que a verdadeira reeducação deveria começar pela sociedade, antes que pelo condenado: antes de querer modificar os excluídos, é preciso modificar a sociedade excludente, atingindo, assim, a raiz do mecanismo de exclusão. De outro modo permanecerá, em quem queira julgar realisticamente, a suspeita de que a verdadeira função desta modificação dos excluídos seja a de aperfeiçoar e de tornar pacífica essa exclusão, integrando, mais que os excluídos na sociedade, a própria relação de exclusão na ideologia legitimamente do estado social.
O Direito Penal, por sua vez, embora não seja o único, tem uma função
importante para a manutenção desse cenário, na realidade, ele é um instrumento
para que não se modifique essa estrutura social, ao castigar o “lumpem”, isto é, os
pobres que se utilizam dos meios ilegais para se promover, alargando ainda mais as
diferenças que existem entre as camadas sociais.
[...] O direito penal está sempre a serviço do poder. Não há ligação com a justiça. Esta é apenas a finalidade manifesta e diz que todos são iguais, que o direito penal é igual. O direito penal, entretanto, não é igual, só castiga os últimos da pirâmide social, porque nasceu para esta função de reproduzir uma realidade social desigual (PAVARINI, O Bom Pastor as histórias e os afetos, 395).
Em O Cárcere e Fábrica, Massimo Pavarini traz a metáfora de que existia
uma única de incluir os excluídos no mercado de trabalho que haviam cometido um
delito era uma pena, igualmente ao que existia em uma fábrica, na qual ao
trabalhador era exigida disciplina forçada no cumprimento do trabalho, no ambiente
carcerário, a única maneira de que a pessoa sinta-se incluído é similar ao
trabalhador da fábrica: adequando-se à disciplina obreira.
Portanto, pelos fatos expostos acima, percebe-se que o cárcere é utilizado
como meio de exclusão, sedimentando os alicerces da estratificação social e o
direito penal é um dos instrumentos que agudiza ainda mais esse cenário perverso,
assim como a mídia, a economia, dentre outros.
De acordo com a visão de Pavarini, a ideia seria uma política de redução de
danos do cárcere, alinhada a ideia de “desencarceramento” como ponto importante
dessa estratégia. No entanto, ele afirma que é difícil extinguir o cárcere e este, por
sua vez, cumpre o papel de manutenção dessa desigualdade, importante para
aqueles que estão no topo da pirâmide. Então diante dessa conjuntura, o mínimo a
ser feito, conforme o autor, seria humanizá-lo.
Segundo Juliana Merçon (2009, p.41), a existência de um corpo é marcada
por uma combinação entre sua proporção característica de movimento e repouso e
por sua constante relação com outros corpos, a potência de um corpo corresponde a
36
esses dois aspectos que definem a sua existência, possuindo assim duas faces
inseparáveis: o afetar e o ser afetado, ou, como coloca Hardt (1996, p. 122),
produção e sensibilidade. A concepção spinozista de potência não é, portanto,
somente o principio da ação, mas também o de afecção.
A referida autora, cuja obra é baseada na filosofia spinozana e na sua teoria
dos afetos, na qual a ordem dos encontros, constitui-se a ordem das paixões. De
acordo a teoria supracitada a paixão é um afeto (affectus) passivo. Esse afeto,
segundo Spinoza é uma afecção (affectio) do corpo, pode aumentar ou diminuir a
potência de agir de um corpo.
A partir do exposto acima, podemos fazer uma análise das vivências do nosso
cotidiano, já que nos relacionamos a todo o momento. Assim, podemos perceber ao
sermos submetidos às paixões primárias: alegria (laetitia) e a tristeza (tristitia), por
exemplo, a potencialidade do nosso corpo varia de acordo com o encontro de
determinada experiência, caso seja alegre, há um aumento da potencialidade do
corpo, ocorrendo o contrário, caso seja uma vivência triste.
[...] “Embora alguns dos papéis possam ser restabelecidos pelo internado, se e quando ele voltar para o mundo, é claro que outras perdas são irrecuperáveis também e podem ser dolosamente sentidas como tais. Pode não ser possível recuperar, em fase posterior ao ciclo vital, o tempo não empregado no processo educacional ou profissional, no namoro, na criação dos filhos” . Um aspecto legal dessa perda permanente pode ser encontrado no conceito de “morte civil”: os presos podem enfrentar, não apenas uma perda temporária dos direitos de dispor do dinheiro e assinar cheques, opor-se a processos de divórcio ou adoção, e votar, mas ainda podem ter alguns desses direitos permanentes negados (GOFFMAN, 2015, p. 25).
O trecho acima é do livro Manicômios, Prisões e Conventos do célebre
sociólogo Erving Goffman, no qual ele traz a concepção da “mortificação do eu” nas
instituições totais. Estas, por sua vez, têm uma hibridez conceitual, pois além do
caráter residencial, elas possuem uma organização formal, segundo o referido autor.
Este, por sua vez, afirma que elas são “estufas para mudar as pessoas”.
Segundo Juliana Merçon (2009, p. 41), a existência de um corpo é marcada
por uma combinação entre sua proporção característica de movimento e repouso e
por sua constante relação com outros corpos, à potência de um corpo corresponde a
esses dois aspectos que definem a sua existência, possuindo assim duas faces
inseparáveis: o afetar e o ser afetado, ou, como coloca Hardt (1996, p. 122),
produção e sensibilidade. A concepção spinozista de potência não é, portanto,
somente o princípio da ação, mas também o de afecção.
37
A grande celeuma, encontra-se exatamente nesse ponto, se já sabemos da
importância do afeto nas relações humanas, sob a ótica de Spinoza, como seria
desenvolver um projeto de humanização carcerária em um espaço onde uma das
principais características é sepultar o “eu”, no qual há prevalência das experiências
tristes?
[...] Não existe processo de humanização sem o outro. Fato é que o sistema carcerário diz acreditar que tal experiência de cárcere recupera o apenado, mas o que percebemos é o estigma do encarceramento parece produzir um tipo de “lepra da alma”, onde a sociedade espera uma cura e não uma recuperação. O que espera o cárcere, o que pode esperar a sociedade e o Estado? Talvez um dia, possamos reconhecer, de forma mais corajosa, que para cada ser humano encarcerado, a incompetência do ser humano em ser sociável, em proporcionar a socialização, do que simplesmente culpar um único sujeito, ou um conjunto de sujeitos vistos e sentidos como chagas de um corpo social, que não se reconhece de igual modo doente (VASCONCELOS, 2015, p. 25).
Desse modo, levando em consideração que não há processo de humanização
sem o outro e norteados pelas ideias de “UTOPIA CONCRETA”, na qual o discurso
dos Direitos Humanos é utilizado como estratégia, é interessante fazer menção
sobre as diretrizes lançadas por Massimo Pavarini que norteam essa agenda
política. Estas são:
Daí, Pavarini ressalta a importância de ser feita uma agenda política
(VASCONCELOS, 2017), com alianças políticas e voluntariado, daí lança as
seguintes diretrizes:
1) Ao se abrir novo cárcere, é preciso fechar o anterior;
2) É preciso que seja determinada e cumprida, a partir dos índices
internacionais, a quantidade de presos e os seus espaços;
3) Em caso de superpopulação, converter a pena privativa de liberdade em
alguma restritiva de direitos para aqueles que estão presos e, até que se abra uma
nova vaga, deixar os novos presos em outra custódia cautelar diferente da prisão;
4) Criar um governo do cárcere, um sujeito político, composto por políticos,
administradores, professores, alunos, empresários, inclusive ex-presos e familiares
de presos. Essa associação tem a perspectiva de humanizar o cárcere e de reduzir
o número de pessoas no cárcere, reduzindo o próprio cárcere;
5) Capacitação dos Agentes Penitenciários;
6) A formação profissional no cárcere;
38
7) Abrir o cárcere à sociedade civil;
8) Inserir essas perspectivas na mídia;
9) Promover comunicações internacionais;
10) Produzir artigos, divulgando essas práticas e discutindo essas temáticas
do encarceramento.
Assim, surge um ponto importante: como podemos montar uma estratégia de
estímulo à Reinserção Social dessas mulheres na sociedade, através de práticas
que estejam baseadas na afetividade, no encontro com o outro? Se a ideia, segundo
Pavarini é abrir o Cárcere para a Sociedade, por meio de uma aliança política e o
voluntariado o que poderá ser desenvolvido e o que já está sendo feito, na Colônia
Penal Feminina do Bom Pastor?
Nesse capítulo, portanto, faremos uma análise dos projetos que já estão
sendo desenvolvidos com base no voluntariado, bem como daqueles que têm
grande potencial para proporcionar à redução de danos do cárcere, como a
Mediação Humanista e os Círculos de Construção de Paz.
3.2 Os processos circulares e os círculos de diálogo
Os Processos Circulares são oriundos das antigas tradições, o formato de
círculo, por sua vez, simboliza uma relação profunda entre as pessoas, pautadas
pelos princípios fundamentais de liderança compartilhada: igualdade, conexão e
inclusão (PRANIS, 2010), na qual não há hierarquia, oferecendo a todos, a
oportunidade de se comunicar livremente, em local onde se sintam seguras para se
expressarem livremente.
Os Círculos de Construção de Paz descendem diretamente dos tradicionais Círculos de Diálogo comuns aos povos indígenas da América Norte. Reunir-se numa roda para discutir questões comunitárias importantes é algo que faz parte das raízes tribais da maioria dos povos. Essas práticas ainda são cultivadas entre os povos indígenas do mundo todo e temos em relação a eles uma imensa dívida de gratidão, pois mantiveram vivas práticas que vieram a ser fonte de sabedoria e inspiração para as nossas culturas ocidentais modernas (PRANIS, 2010).
Os círculos, atualmente, são ferramentas importantes para resolução de
conflitos, pois alinhados ao método da comunicação não violenta, na qual o ponto
39
central é a escuta, diferindo dos meios utilizados pelos atuais modelos, permitindo
que haja a solução de um conflito, por meio de uma verdade que não seja a do
outro, mas sim uma verdade compartilhada, sem dúvida, um grande instrumento
para promovermos a Cultura de Paz.
O art. I da Resolução 53/243, de 6 de outubro de 1999, da Assembleia Geral
da ONU, dispõe que a Cultura de Paz é um conjunto de valores, atitudes, tradições,
comportamentos e estilos de vida, dentre eles destacamos:
a) No respeito à vida, no fim da violência e na promoção e prática da não violência por meio da educação, do diálogo e da cooperação;
[...]
c) No pleno respeito e na promoção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais;
d) No compromisso com a solução pacífica dos conflitos;
[...]
g) No respeito e fomento à igualdade de direitos e oportunidades de mulheres e homens;
[...]
i) Na adesão aos princípios de liberdade, justiça, democracia, tolerância, solidariedade, cooperação, pluralismo, diversidade cultural, diálogo e entendimento em todos os níveis da sociedade e entre as nações; e animados por uma atmosfera nacional e internacional que favoreça a paz.
Podemos perceber, portanto, que a Cultura de Paz valoriza não apenas a
solução pacífica de conflitos, mas também a promoção do diálogo, pautado sempre
pela igualdade, em um ambiente onde haja o respeito pela pluralidade e pela
diversidade, no qual os direitos humanos e as liberdades fundamentais prevaleçam.
Desse modo, podemos perceber que os processos circulares se coadunam a todos
esses valores mencionados do art. I da Resolução da ONU.
Sem sombra de dúvida, para promovermos uma mudança da Cultura de
Dominação, na qual vivemos, atualmente, para a Cultura de Paz, nos exige romper
com o que está exposto e, em especial, no que tange a resolução de conflitos, no
dizer de Howard Zehr, é importante fazer uso de novas lentes para sairmos de um
modelo, no qual há uma justiça punitiva, controladora e hierárquica para um modelo
de justiça restaurativa, de uma justiça retributiva e punitiva para um modelo de
justiça restaurativa, cujos valores estão pautados no “cuidar” da vítima, do ofensor e
da comunidade.
40
[...] portanto, não existe uma única resposta para a pergunta o que significa justiça restaurativa e sim várias respostas: para alguns ela será um processo de encontro, um método de lidar com o crime e a injustiça que inclui os interessados na decisão sobre o que deve ser feito. Para outros, representa uma mudança na concepção da justiça, que não pretende ignorar o dano causado pelo delito e prefere a reparação à imposição de uma pena. Outros, ainda, dirão que se trata de um rol de valores centrados na cooperação e na solução respeitosa de conflito, forma de resolução eminentemente reparativa. Por fim, há quem diga que busca uma transformação nas estruturas da sociedade e na forma de interação entre os seres humanos e destes com o meio ambiente (PALLAMOLLA, 2009, p. 60).
Aqui, é necessária uma brevíssima digressão para lembrar que as práticas
restaurativas tiveram início com as mediações entre réus condenados e as vítimas
de seus crimes realizadas por movimentos religiosos nos EUA, nos anos 70 A
violência passa a ser tratada sob outro olhar, pois há uma participação ativa de
todos os atores envolvidos no processo, em uma combinação de assistência, afeto e
controle. Ao contrário da justiça penal punitiva que traz consigo sinais de
ineficiência, seletividade, onerosidade, norteada por objetivos não funcionais,
desconexo com a realidade social.
[...] contudo, a realidade indica que a desintegração social e a destruição de laços comunitários tornaram-se marcas de um sistema fortes de um sistema que erigiu a privação de liberdade como resposta principal à criminalidade. A punição irracional, o castigo e a violência punitiva, enquanto características principais da reação penal, apenas infundem nos cidadãos o ideal de sofrimento como dado essencial de justiça e avolumam a própria violência que os oprime (SICA, 2007, p. 4).
É interessante observar que, atualmente, os apelos midiáticos que gerando as
fobias populares, e estas por sua vez, acabam favorecendo cada vez mais o
surgimento de medidas de caráter populistas, as quais para garantir os votos lançam
na sua plataforma de ações, medidas de maior recrudescimento do direito penal, em
dissonância aos preceitos da justiça restaurativa e as suas práticas.
Processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e círculos decisórios (sentencing circles) (CONSELHO ECONÔMICO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2002).
De acordo com a professora Rafaella Pallamolla (2009), “os valores da justiça
restaurativa não são estáticos, eles vão sendo elaborados com base nas análises
empíricas”.
41
Dessa forma, com base na classificação e a divisão de valores de John
Braithwaite, cujo livro, Crime, Vergonha e Reintegração, “previu que os ofensores
vão reincidir menos se sentirem remorso, após terem sido confrontados com o dano
que causaram e quando lhes é permitido expressar esse remorso”, sendo
considerado para muitos, o pioneiro da Justiça Restaurativa, o qual prevê que
(PALLAMOLLA, 2009, p. 62-64), os valores da justiça restaurativa são classificados
em:
1º) Grupo: Valores obrigatórios do Processo Restaurativo (contraining
values): esse grupo de valores por Braithwaite é o que abrange os valores
obrigatórios do processo restaurativo, que devem ser inevitavelmente respeitados e
até mesmo impostos (constraining values) para prevenir que o processo se torne
opressivo. Esses valores são prioritários e atuam como ferramentas para assegurar
o procedimento restaurativo (PALLAMOLLA, 2009):
A.1) Não-Dominação;
A.2) Empoderamento;
A.3) Obedecer (ou honrar) os limites máximos estabelecidos legalmente como
sanções;
A.4) Escuta respeitosa;
A.5) Preocupação Igualitária com todos os participantes;
A.6) Accountability, appealability;
A.7) Respeito aos direitos humanos constante na Declaração Universal dos
Direitos Humanos e na Declaração dos Princípios básicos da Justiça para as vítimas
de crime e abuso de poder, bem como em outros documentos internacionais.
2º) Grupo: Valores que podem ser dispensados (maximising values): (...)
trata-se de valores que guiam o processo. Aqui se encontram todas as formas de
cura (cicatrização) ou restauração. A restauração pode ser do bem danificado,
emocional, da dignidade, da compaixão ou do suporte social. Também a prevenção
de futuras injustiças aparece como um princípio desse grupo. Evidentemente, estes
valores podem ser usados para medir o sucesso do processo restaurativo
(PALLAMOLLA, 2009).
42
3º) Grupo: Valores que não podem ser exigidos dos participantes
(emergent values): (...) por exemplo, um participante pode querer perdoar o infrator,
mas o processo restaurativo não pode obriga-lo a isso. No mesmo sentido, forçar um
remorso por parte do ofensor não possui qualquer conteúdo restaurativo. Todavia, o
aparecimento de tais valores demonstra o sucesso do processo restaurativo
(PALLAMOLLA, 2009).
Vale ressaltar que, apesar de os Círculos serem norteados por esses valores
restaurativos e serem promotores de uma Cultura de Paz, na qual o objetivo é uma
transformação social por meio da solução pacífica de conflitos, inclusive e podendo
ser denominados Círculos de Construção de Paz, estes não devem ser confundidos
com processos restaurativos, pois estes têm como ponto central o conflito, no
entanto tais círculos poderão promover um espaço propício para o fortalecimento
das práticas restaurativas.
As abordagens da justiça restaurativa são práticas baseadas nas evidências que vêm sendo pesquisadas e têm demonstrado que reduzem a maior parte dos crimes de reincidência (SHERMAN; STRANG, 2007). Além disso, a justiça restaurativa traz mais cura às pessoas que sofreram os danos do crime cometido do que as práticas normalmente usadas nos sistemas judiciais e penitenciários tradicionais. Atualmente, há um movimento crescente para que as práticas restaurativas sejam usadas na reinserção das pessoas em privação de liberdade no retorno à comunidade (WALKER; GREENING, 2016 apud BAZEMORE; MARUNA, 2009; WALKER, SAKAI; BRADY, 2008, p.18).
Os objetivos desse processo são: a reconciliação da pessoa presa e a
reparação do dano causado, já que a ideia é propiciar a cura de todos que foram
afetados naquele sistema. Outro dado importante é que, embora as vítimas não
façam parte do Círculo, aqueles que fazem parte do grupo ajudam no
desenvolvimento de ideias que possam ajudar o apenado a sair a reparar os danos
cometidos não somente em relação à vítima, mas também com toda a comunidade.
Reinserção é um espaço de tempo em que – se administrado corretamente as redes de serviços podem ser otimizadas, as capacidades coletivas reforçadas, e residentes sendo reinseridos acabam por ajudar os locais onde moram os melhorados ao invés de esgotados ainda mais (ROSE; CLEAR, 2002). Um preso que vivenciou um Círculo: ”Eu quero ir de volta ao meu antigo bairro. Eu ajudei a quebrar o lugar; quero voltar e ajudar a deixá-lo em ordem de novo. É o mínimo que eu possa fazer”. Cinco anos após esse homem ter afirmado isso, ele tem se mantido dentro da lei, limpo e sóbrio e financeiramente independente (WALKER; GREENING, 2016, p. 22).
Nos EUA, segundo dados do Serviço de Estatísticas Americano, 2002 – mais
de 50% das pessoas aprisionadas anteriormente retorna à prisão, após três anos da
soltura. No Havaí, mais de 60% reincidem dentro de 12 (doze) meses, (Conselho
43
Interinstitucional de Sanções Intermediárias, estado do Hawaí, 2010). Percebe-se,
portanto que os dados de reabilitação, naquele país são bastante desanimadores,
tais dados fizeram com que fosse implementada ideias inovadoras de reinserção
para reverter tal quadro, daí tem início a construção de um projeto de práticas
circulares no Havaí. O êxito foi tamanho que o Legislativo daquele estado passou a
apoiar o programa a nível estadual – Resolução Concorrente do Senado 192, projeto
de lei 1 (WALKER; GREENING, 2016).
3.3 A experiência de campo
No dia 28/06, houve o primeiro círculo no Bom Pastor, no berçário. Neste dia,
não sabíamos se haveria ou não os círculos, já que houve uma confusão na noite
anterior. Mariana Navarro, psicóloga da unidade, havia mandado mensagem, na
noite anterior, dizendo que a situação no berçário estava confusa, pois houve uma
briga entre as internas, naquele setor.
O primeiro círculo (28/06) foi bastante tenso, era dia da vacina dos pequenos,
o clima era de desconforto entre as mães e também em relação aos pequenos.
Naquele dia, compartilhei a minha estória, falei da minha experiência como oficiala
de justiça. Nesse momento, fiquei temerosa de haver deixado as meninas
constrangidas em participar do círculo.
Naquela ocasião, muitas não quiseram participar. Acharam impressionante eu
ter 37 anos e ainda não ter sido mãe. Neste primeiro círculo, muitas demonstraram o
desconforto de estar participando, falaram do episódio que aconteceu no dia
anterior. Algumas ficaram desconfiadas no início e, logo em seguida, começaram a
interagir no círculo.
No segundo círculo, 30/06, Marcelo Pelizzoli iniciou o círculo com algumas
palavras do livro Mulheres & Lobos. Em seguida, perguntou como elas estavam, foi
a primeira rodada, e aí sentimos que as coisas haviam melhorado. Em seguida, a
pergunta girou em torno de uma estória da vida e aí, todas integrantes do círculo
comentaram sobre a Maternidade.
Os relatos giravam em torno das vivências do Cárcere e da Maternidade. As
distâncias entre as internas diminuíram e a interação entre elas foi maior. Daí,
44
Marcelo pediu que relatassem um fato que havia sido marcante na vida delas e
tiveram que ser fortes.
A emoção veio à tona e sem dúvida, um dos momentos mais fortes do círculo,
foi o relato de (XXXX) Bezerra de Lira, moradora do Joana Bezerra, nascida em
22/05/1992, estudou até a 5ª série, mãe de Lucas (05 anos) e Naiane (01) ano. Ela
fazia alguns furtos pequenos e, em uma dessas ocasiões, saiu ilesa por pura sorte.
Relatou que se prostituía por conta do uso de drogas e, atualmente, o seu único
desejo era que a mãe a visitasse, queria melhorar a sua imagem junto dela. E aí,
chorou muito. Detalhe, (xxx) era uma das mais resistentes ao grupo e sensibilizou a
todos naquele momento.
O terceiro círculo, no dia 05/07, na primeira rodada, percebemos que o círculo
estava mais solto... as perguntas foram:
1) A Maternidade é ou foi um desafio?
2) Como você encara esse desafio?
3) A Maternidade te aproxima ou não do Cárcere?
Percebi que o terceiro círculo foi o dia que todas falaram, mesmo (xxx)
Guimarães, que mal falava nos círculos anteriores, falou mais do que nas outras
vezes. Diante das experiências vivenciadas durante a prática dos círculos, ficaram
perceptíveis muitos sentimentos, dentre eles:
Violência
(xxx) Xavier Chacon disse que foi levada para a maternidade algemada pelos
agentes, assim como (xxx) da Silva Moura. A questão da violência obstétrica veio à
tona.
Solidão
De acordo com a última, o pior foi a solidão que sentiu, nessa ocasião,
diferente da gravidez do primeiro filho, a do cárcere, foi mais difícil, sem dúvida. A
família não pode acompanhar no resguardo, segundo elas. (xxxx) Roberta de Araújo
afirmou que implorou para o agente ligar para a sogra dela. E daí, elas riram
pensando como uma mulher em resguardo, poderia pensar em fuga! (xxx) Silva
45
Moura pediu para que a tia a acompanhasse, no entanto, tal pedido foi negado. O
cumprimento da pena pelos filhos, uma afronta ao princípio da individualidade da
pena (xxxx) Ferreira da Silva afirmou que o pai de Rafael, seu filho que está
cumprindo pena com ela, no berçário, o conheceu, há pouco tempo, através de
fotografia e há mais de 01(um) mês, não vê seus filhos, reclamando a saudade que
tem dos mesmos.
A Questão da Hiper Maternidades
(xxx) Xavier Chacon afirmou, por sua vez, que essa gravidez foi diferente das outras,
ela sentiu mais mãe do que as outras. (xxx) Maria da Silva disse que tinha o sonho
de ser mãe de uma menina e que soube do sexo do seu terceiro filho na Colônia e
caiu em prantos quando soube que o sonho iria ser concretizado, todavia de uma
maneira inesperada. Ela não pode fazer o que havia sonhado para esperar a sua
filhinha.
Tráfico de Drogas
A maioria está presa por conta do art. 33. A questão do tráfico e o encarceramento
feminino é muito forte, dentre as oito participantes do círculo, 06(seis) estão presas
por conta de tráfico de drogas.
A idade, a escolaridade e a feminização da miséria
A idade das participantes gira em torno de 20(vinte) e 29 (vinte e nove) anos.
Quanto à escolaridade, nenhuma chegou ao ensino médio, no máximo até a 7ª
série. Fatores que, por si só, revelam que a elas não foi assegurado oportunidades
as quais (que) pudessem vislumbrar um futuro diferente. Uma delas, a (xxx) Maria
Ferreira dos Santos afirmou que engravidou aos 13 anos, a mesma idade que a
idade a sua genitora havia engravidado pela primeira vez. É uma repetição de um
ciclo, o da miséria.
O amor bandido
Dentre as 08 (oito) participantes do grupo, o companheiro atual de 05 (cinco)
delas está preso. O caso mais emblemático foi o da detenta, (xxx) Maria Ferreira dos
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Santos. Ela foi pega levando drogas para o seu companheiro, no Presídio Barreto
Campelo.
Participantes dos Círculos (Ficha de Triagem Psicossocial):
1. (XXX) da Silva Moura
Nascimento: 25/11/90;
Natural: Surubim-PE;
Ocupação: agricultora;
Escolaridade: cursou até a 6ª série;
Data da Prisão: 26/05/2015;
Motivo da Prisão: Cumplicidade com o marido no Abuso de Menor;
#Mãe de duas crianças, um menino de 05 anos, o qual está sob os cuidados da tia,
já que o marido está preso, no Presídio de Limoeiro e uma menina que estava na
época com 05 meses quando os círculos foram feitos
2. (xxx) Xavier Chacon
Nascimento:22/08/1992;
Domicílio: Pina;
Ocupação: Desempregada;
Escolaridade: cursou até o 7ª série:
Data da última prisão: 25/04/2016;
Motivo da Prisão: art.33*
#Mãe de quatro crianças, dois meninos, um de 07(sete) anos e outro de 05 (cinco)
anos e duas meninas, uma de 2(dois) anos e a caçula, cujo nascimento foi no
dia,03/04/2016). Na ocasião, em que foram feitos os círculos, os filhos dessa interna
estavam com o pai das crianças, caso raro de acontecer nesse tipo de situação.
O caso dessa interna, sem dúvida, foi um dos mais interessantes, que tive a
oportunidade de vivenciar. Segundo dados obtidos junto ao Setor Psicossocial,
daquela unidade prisional, a referida interna é viciada em crack.
47
Teve três quedas naquela Colônia, a primeira em 2011, a segunda (08/12/
2013) e a terceira (25/04/2016). Na segunda, deu à luz a sua filha que, atualmente,
tem 02(dois) anos e reside com o pai. A última queda, ela havia dado à luz há
apenas 27(vinte e sete) dias.
3. (xxxx) Ferreira da Silva
Nascimento: 08/05/1987;
Domicílio: Olinda;
Profissão: Operadora de Telemarketing
Data da Prisão: 28/11/2015
Motivo da Prisão: art.33;
#Mãe de três filhos, o mais velho tem cinco anos, o do meio tem dois anos e o
caçula que está cumprindo pena junto com ela no berçário.
4. (xxx) Maria da Silva
Nascimento: 15/04/1995;
Escolaridade: estudou até a 8 série;
Data da Prisão: 21/01/2015;
Motivo: art.33;
# mãe de três filhos, o mais velho com três anos. O do meio com 01 ano e a caçula
que cumpria pena juntamente com ela, na Colônia, naquela ocasião.
5(xxx)Bezerra de Lira
Nascimento: 22/05/1992;
Domicílio: Joana Bezerra
Escolaridade: estudou até a 5 série;
Data da prisão: ***
Motivo da Prisão: art.33(já havia sido presa anteriormente);
48
Profissão: desempregada;
#Mãe de três filhos, o mais velho com 05 anos que está com a mãe dela, a do meio
com um ano que está com a avó paterna e a caçula que cumpre pena juntamente
com ela no berçário.
O caso dessa interna me chamou atenção tendo em vista que a mãe não vem
visitá-la, alegando problemas financeiros e ser viciada em drogas, desde os 14 anos,
chegando inclusive a se prostituir para comprá-las. Ela era a que mais reclamava
pela falta da mãe, quer mudar de vida para que esta se orgulhe dela. No círculo do
dia 30/06/16, ao relatar essa dor, emocionou a todos do círculo.
6.(xxx)Guedes do Nascimento
Nascimento: 13/01/1996;
Domicílio: Peixinhos;
Escolaridade: estudou até a 6 série;
Causa da prisão: Lesão corporal;
#mãe de dois filhos. O caso dela era peculiar, pois apesar de estar grávida
encontrava-se no berçário, pois estava sendo ameaçada de morte pelas outras
internas do pavilhão, já que foi acusada de espancar o filho e assim, foi presa por
crime de lesão corporal.
7. (XXX) Roberta de Araújo
Nascimento: 16/02/1992;
Domicílio: ***
Escolaridade: cursou até a 5 série;
Profissão: Manicure;
Motivo da Prisão: arts. 33 e 35;
# Segundo a ficha do Setor Psicossocial, era uma pessoa de difícil convivência,
criando confusões no berçário. Essa interna é mãe de quatro filhos. Um de 07(sete)
anos, o outro de 04(quatro) anos, o terceiro de 02 (dois) anos e a caçula de poucos
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meses. Aos 24 anos, fez quatro cesarianas, achei algo impressionante. Os filhos a
viram sendo presa. O atual companheiro está preso também.
8. (xxx) Maria Ferreira dos Santos
Nascimento: 02/03/96;
Ocupação: Dona de Casa;
Residência: São Lourenço da Mata;
Escolaridade: cursou até a 6 série;
Motivo da Prisão: art.33 (estava levando maconha para a Barreto Campelo)
#Ela foi mãe aos 13 anos do mais velho e atualmente, tem três filhos.
3.4 Mediação humanista
Não se pode falar sobre Mediação Humanista sem falar sobre Jaqueline
Morineau, pois foi graças a ela, através de uma experiência com jovens em um
centro de acolhimento que haviam acabado de sair de uma prisão em Brixton, na
Inglaterra, surgiu esse tipo de Mediação, naquela ocasião, ela trabalhava no British
Museum, exercendo a função de pesquisadora em numismática grega.
Com o seu retorno à França, seu país de origem, ela trabalhou em grupo, a
convite do Ministério da Justiça da França, para a criação de uma maneira que
pudesse dirimir conflitos, sendo desnecessário a participação de tribunais. Daí, em
1983, foi criado o primeiro local, com a ajuda da Procuradoria da República em
Paris, no qual a mediação penal passou a ser utilizada (VASCONCELOS, 2017, p.
205).
A ideia da Mediação Humanista é dirimir o conflito, através do “jogo de
espelhos”, oportunizando que os sentimentos e emoções sejam compartilhados,
sem qualquer tipo de julgamento, através da escuta ativa, a qual o silêncio é uma
ferramenta fundamental na construção desse processo, permitindo que a pessoa
saia de uma situação de sofrimento e encontre a paz.
O “jogo de espelhos” entre as partes em conflito e os mediadores consiste
nos sentimentos e emoções sentidos e refletidos pelos mediadores a partir da fala
50
das partes. Os mediadores, utilizando as expressões “eu sinto” ou “eu te sinto”, vão
oportunizando que as partes reconheçam ou não aqueles sentimentos e emoções e
falem sobre eles (VASCONCELOS, 2017, p. 206).
A empatia exerce uma função muito importante dentro da Mediação
Humanista, pois ela é uma grande ferramenta de trabalho para o exercício da função
de mediador, auxiliando o diálogo entre as partes, todavia deve-se fazer a ressalva
que eles exercem o papel de árbitro, juiz, conselheiro ou mesmo conciliador.
Empatia, segundo Faure e Girardet (2012, p.43), é uma “qualidade de
atenção multissensorial” sem palavras. A empatia se torna, portanto, uma história de
silêncio, que e estabelece a partir da energia lançada, da necessidade formulada, da
conexão entre as partes. Esse silêncio ajuda parte no encontro do seu silêncio
interior. A partir daí, as trocas entre as partes e os mediadores se dão em todas
dimensões sensoriais: palavras, gestos, atitudes, olhares, tom da voz, posições
corporais, tensão e distensão física, sincronias das atitudes, ritmo respiratório etc.
Resumindo os pontos principais que caracterizam a empatia, tem-se: acolhimento do
outro e doação de tempo, atenção e energia (VASCONCELOS, 2017).
As três etapas que compõem a Mediação Humanista e desenvolvidas por
Jaqueline Morineau são: Theoria, Crisis e Catharsis, oriundos da tragédia grega. A
primeira, a “Theoria” constitui na escuta das narrativas dos fatos pelas partes e a
partir daí, segundo ela, tem início a confrontação entre os envolvidos- a “Crisis” e,
por último, a “Catharsis”, que é o momento, no qual há o encontro entre os
envolvidos no conflito, por meio da empatia, estes já começam a compreender por
meio da empatia, uma nova perspectiva dentro do conflito, a perspectiva do outro.
A “Mediação Humanista”, assim como a Justiça Restaurativa, é um
movimento de auxílio (e não meramente formal, como infelizmente tem-se
apresentado a nossa Justiça tradicional) às necessidades profundas do homem em
sofrimento. A Justiça Restaurativa, por exemplo, segundo Howard (2002) – o seu
fundador – está centralizada na reparação e fundamentada no respeito à vítima, ao
infrator e à sociedade, por isso essa forma de justiça implica essas partes na
solução problemática do crime, por meio de práticas de diálogos diretos e indiretos
entre essas partes. Pautada na responsabilização e reparação da Justiça
Restaurativa é uma forma de cuidar do homem em prol da construção de uma
sociedade pacífica (VASCONCELOS, 2017).
51
Tanto a Mediação, quanto os Círculos de Diálogo e o Voluntariados são
propostas de reinserção social baseadas na Cultura de Paz. Todavia, a maior
resistência em relação à implementação dessas propostas é o fato que lidamos com
um ambiente que só por existir constitui uma grande violência, reproduzindo várias
outras. Essas propostas, por sua vez, constituem maneiras de reduzir os danos do
cárcere, provocando à resiliência dos apenados, através do afeto e o estímulo ao
que temos de mais precioso, nessa vida: a esperança.
52
4 O VOLUNTARIADO E O EXERCÍCIO DAS PRÁTICAS SOCIOAFETIVAS NO
BOM PASTOR: UM ESTÍMULO À REINSERÇÃO SOCIAL?
4.1 A diferença entre ressocialização e reinserção social e a problemática do
retorno
Para que houvesse essa redução dos danos do encarceramento, no Bom
Pastor, a ideia era criar métodos que favorecessem o “desatar do nó” do conflito,
este não seria “cortado” de forma abrupta. Assim, as causas que levariam aquela
mulher ao cárcere, seriam trabalhadas de maneira “singular” para que não houvesse
o retorno desta a referida unidade prisional.
A orientação, portanto, seria desafiar o que está sendo realizado dentro do
sistema prisional e que fosse dissonante à violência a que todos é imposta dentro
desse sistema. Assim, a Mediação Humanista, a Justiça Restaurativa e o
Voluntariado tornam-se propostas interessantes que atingem esse objetivo, já que
elas abordam a questão da violência em torno da gerência de “afetos”.
Para evitar a violência, para cessá-la, é fundamental o diálogo, para fazer com que as palavras tomem o lugar dos golpes. A não violência passa, portanto, pela linguagem, mas que linguagem? Cada um sabe bem como uma palavra pode desencadear a fúria no outro, como uma frase pode realmente aprisionar mais que grades. Há uma linguagem da violência. É uma linguagem que julga, desvaloriza, nega a existência do outro, desconsidera as emoções. (...) E há a linguagem da não violência, aquela que escuta e respeita, aquela que reconhece o outro, que compartilha as emoções, que exprime as necessidades (FILLIOZAT, 1997, p. 174, tradução nossa).
O desatar dos “nós” é feito através da escuta ativa do outro, orientados pela
análise de Filliozat (1997), a qual afirma que a violência está ligada à incapacidade
de gerir afetos. A análise da referida autora afirma que ao expressar o seu
sofrimento, a frustração, a injustiça, o ser humano vai adquirindo a sua integridade e
daí, a violência não terá mais espaço.
Nós seres humanos, dependemos do amor e adoecemos quando ele nos é negado em qualquer momento da vida, não há dúvida de que a agressão, o ódio, a confrontação e a competição também acontecem no âmbito humano, mas não podem ter dado origem ao humano porque são emoções que separam e não deixam espaço de coexistência, para que surjam as ações que constituem a linguagem. A agressão, a competição, a luta, o controle e a dominação podem ser cultivados na cultura patriarcal, mas quando passam a ser mantidos do modo de viver de uma cultura, os seres
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humanos que a compõem adoecem, seu intelecto se obscurece na contínua negação e perda de dignidade advindas da mentira ou da fraude ou, na melhor das hipóteses, as comunidades humanas que a compõem se fragmentam, formando pequenos grupos sociais que lutam continuamente entre si...Na cultura patriarcal, primeiro se nega a biologia do amor ao valorizar a guerra, a luta e a competição, e depois se busca o amor como algo especial no âmbito cósmico; na cultura matrística pré-patriarcal, a biologia do amor é constitutiva do cotidiano e se dá sem esforço como parte do viver normal, que leva à dignidade conferida pelo respeito por si mesmo e pelo outro. Na cultura patriarcal, o individual e o social se contrapõem porque o individual se afirmam nas conversações que se legitimam a apropriação e a negação do outro pela valorização da competição e da luta; na cultura matristíca pré-patriarcal, o social e o individual não se contrapõem o social a partir da convivência de Indivíduos que não se apropriam do que são ao constituir o social (Prefácio de Humberto R. Maturana – (p. 17-19) ao livro O Cálice e a Espada: Nosso Passado, Nosso Futuro, de Riane Eisler).
Segundo Riane Eisler (2007), havia no período neolítico, sociedades na qual
a hierarquia entre homens e mulheres, baseados em pesquisas feitas
especialmente, no sítio arqueológico de Creta, uma sociedade onde havia o culto a
uma deusa, na qual o amor e a parceria são a base de dado. Daí, através desses
estudos, ela formula a Teoria da Transformação Cultural, na qual a convivência
social e pacífica poderá ser realizada de forma concreta, havendo possibilidade sim,
de coexistência pacífica com a natureza, com os outros seres humanos, sem
violência, sem dominação.
Dessa maneira, percebe-se que nessa caminhada a busca pela redução de
danos é procedimentalizada através de ações que trabalhem as emoções, liberando
aquelas mulheres do Bom Pastor do sofrimento e, assim, da violência, já que o
primeiro é o grande desencadeador do segundo, tendo como inspiração a luta de
Gandhi pela libertação do povo indiano.
Pensamento de Eisler (2007, p. 268-270):
Esse assunto da nossa interconexão mútua – que Jean Baker Miller chama de filiação, Jessie Bernand chama de „ambiência feminina de amor/dever‟, e que Jesus, Gandhi e outros líderes espirituais chamam simplesmente de amor – é ainda hoje também objeto da ciência. A „nova ciência‟ que vai se formando, da qual a teoria do caos e a produção acadêmica feminista são parte integrante, vem focalizando mais os relacionamentos que as hierarquias. [...] Salk escreveu sobre uma nova ciência da empatia, uma ciência que usará razão e emoção „para mudar a mentalidade coletiva e influenciar construtivamente o curso do futuro humano‟. Essa abordagem científica – adotada com grande sucesso pela geneticista Barbara McClintock, que ganhou o Prêmio Nobel em 1983 – olha para a sociedade humana como um sistema vivo do qual todos nós somos uma parte. Como disse Ashley Montagu, esta será uma ciência coerente com o sentido verdadeiro e primeiro da educação: promover e desenvolver as potencialidades inatas do ser humano. Acima de tudo, e como afirma Hullary Rose em Hand, brain, and heart: a feminist epistemology for the
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natural sciences [Mão, cérebro e coração: uma epistemologia feminista para as ciências naturais], esta não será mais uma ciência „voltada para o domínio da natureza ou da humanidade enquanto parte da natureza‟. Evelyn Fox Keller, Carol Christ, Rita Arditti e outras cientistas observam que, sob o manto protetor da „objetividade‟ e da „independência do campo disciplinar‟, a ciência tem frequentemente rejeitado como „não científicas‟ e „subjetivas‟ as preocupações compassivas, consideradas pela visão tradicional como demasiadamente femininas. (...) A nova ciência é também um passo importante para que possamos fazer uma ponte entre ciência e espiritualidade a fim de cobrir a lacuna criada, em boa parte, por uma cosmovisão que relega a empatia às mulheres e aos homens afeminados. Os cientistas começaram a reconhecer que, assim como o conflito artificial entre espírito e natureza, entre mulher e homem e entre as diferentes raças, religiões e grupos étnicos (todos fomentados pela mentalidade de dominação), também nosso modo de encarar os conflitos precisa ser revisto. (...) A utilização do conflito não violento como forma de conseguir mudanças sociais não se trata de mera resistência passiva. Recusando-se a cooperar com a violência e a injustiça através do uso de meios não violentos e justos, estamos criando a energia transformadora positiva que Gandhi chamou de satyagraha ou „força da verdade‟. Como disse Gandhi, o objetivo é transformar o conflito em vez de suprimi-lo ou detoná-lo através da violência (EISLER, 2007, p. 268-270).
Ao longo da construção desse trabalho, após quase dois anos de convivência
com as internas da Colônia Penal Feminina do Recife, pôde-se compreender o
quanto as relações de afeto são importantes, sobretudo no sistema prisional, no qual
o indivíduo sofre um tipo de despersonificação. Naquele local, Maria não é mais
Maria e, sim um número que consta no prontuário e que é essencial no momento da
contagem, não mais existe o “eu”.
O novato chega ao estabelecimento com uma concepção de si mesmo que se tornou possível por algumas disposições sociais estáveis no seu mundo doméstico. Ao entrar, é imediatamente despido do apoio dado por tais disposições. Na linguagem exata de algumas de nossas mais antigas instituições totais, começa uma série de rebaixamentos, degradações e profanações do eu. O seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente, mortificado. Começa a passar por algumas mudanças radicais em sua carreira moral, uma carreira composta pelas progressivas mudanças que ocorrem nas crenças que tem a seu respeito e a respeito dos outros que são significativos para ele (GOFFMAN Apud HELPES, 2014, p 100).
Um episódio ocorrido em outubro de 2016, com uma detenta, a quem todos
afirmavam ser a “pior” do berçário corrobora a afirmação acima. Em um processo, no
qual compartilhávamos episódios de superação, nos quais a resiliência foi o fator
mencionado por elas para enfrentamento das dificuldades impostas pelo período de
cárcere.
Aquela mulher era considerada de personalidade difícil, o pranto dela
manifestou um profundo desabafo, por meio dele, vários episódios de uma vida
repleta de violências vieram à tona. O choro, na realidade, escondia muita dor,
muitas desventuras.
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As que estavam presente silenciaram e acolheram a companheira de
confinamento. O não julgamento e o sentimento de acolhimento das pessoas que
estavam presentes naquele momento, propiciou que as internas extravasassem as
angústias, medos e frustrações.
A estória de vida compartilhada pela reeducanda tocou a todos do grupo, o
encontro foi então permeado pelo afeto, abrindo espaço para sentimentos de
empatia e compaixão, bem como para a promoção uma espécie de processo de
cura de traumas por violências sofridas e que certamente seriam levadas as
instâncias “extramuros”.
O episódio supracitado ocorreu em um círculo de diálogo realizado no
Berçário da Colônia Penal Feminina do Recife, já falamos no capítulo anterior sobre
as práticas circulares, em especial sobre os Círculos de Diálogo.
Percebemos que a força dessas práticas circulares residia no acolhimento
das estórias de cada uma das participantes, com ausência total de julgamento,
contribuindo para o surgimento do sentimento de empatia entre cada uma delas,
conduzidas pela afetividade.
A filosofia subjacente aos Círculos reconhece que todos precisam de ajuda e que, ajudando os outros, estamos ao mesmo tempo, ajudando a nós mesmos. Os participantes do Círculo se beneficiam da sabedoria coletiva de todos. Seus integrantes não estão divididos em provedores e recebedores. Os círculos recebem o aporte da experiência de vida e sabedoria do conjunto de participantes, gerando assim uma nova compreensão do problema e possibilidades inéditas da solução. (KAY PRANIS, p.18, 2010).
Qual é a relação entre o fato acima mencionado e a Reinserção Social? Qual
é a relação entre Afeto, Resiliência e Reinserção Social? Para compreendermos se
as práticas sócias afetivas poderão servir ou não de estímulo à Reinserção Social
dessas mulheres, precisamos responder as duas primeiras questões.
Segundo Juliana Merçon (2009), quanto mais complexo o corpo, maior poder
de afetar ele tem, de sensibilizar, isto é, ele se torna mais consciente na produção
de afetos, a depender da natureza do encontro, poderá causar a produção de afetos
positivos ou negativos, nos potencializando ou diminuindo as nossas forças
respectivamente. A afetividade é, por sua vez, a arte de afetar e ser afetado, de
acordo com a referida autora.
Segundo Spinoza, os homens são dotados de um conatus, ou seja, de um
esforço ou tendência afirmativa de o sujeito persistir na sua existência, como explica
56
Deleuze em Espinoza e os signos. O conatus seria o esforço para experimentar a
alegria – já que os afetos de alegria promovem a expansão de nossas potências de
agir – e, também, para afastar a tristeza. A potência de agir ou força de existir é
diretamente proporcional à alegria e inversamente proporcional à tristeza
(VASCONCELOS, 2012, p. 24).
A questão é: como propiciar encontros potencializadores em um ambiente de
tanta dor? Como será possível em meio a esse ambiente, reinserir o sujeito? E o
retorno ao cárcere, o impulsiona esse movimento?
A resiliência pode se manifestar em momentos de grande acumulação de
estresse e tensão. A resiliência é uma capacidade que pode ser adquirida. Segundo
Poletti e Dobbs (2007, p. 16-18):
Os resilientes são feridos, mas possuem as competências necessárias para curar a ferida e cicatrizá-la. No entanto, ao longo de suas vidas, essa cicatriz será testemunha de sua luta e vitória. Os resilientes poderão usar a experiência adquirida para compreender melhor outras pessoas feridas na vida e ter compaixão delas (POLETTI; DOBBS, 2007, p. 16-18).
Daí, poderíamos suscitar o seguinte questionamento: será que os afetos
positivos aumentando a potência do corpo, através do encontro com o outro,
poderão aumentar, por sua vez, a resiliência dessas mulheres, isto é, a capacidade
de superação delas às diversidades impostas pelo sistema prisional?
Resiliência é um termo que veio da Física e foi assimilado pela Psicologia e pelas Ciências Sociais. Para a Psicologia, a resiliência se apresenta como “um conjunto de qualidades que favorecem o processo de adaptação criativa e transformação a despeito dos riscos e adversidades” (POLETTI, DOBBS, apud VASCONCELOS, 2012, p.26).
A importância de estudar resiliência, no sistema prisional, onde os afetos
positivos são escassos e há uma intenção proposital para que isso ocorra, é que ela
serve de mecanismo para uma mudança de paradigma dentre de um sistema, no
qual as idas e vindas ao cárcere é algo constante. Na realidade, estamos tão
habituados a pensar que a saída para a problemática do sistema prisional é o
aumento de vagas, o recrudescimento das leis e não imaginamos que a interação
com o outro seja um instrumento importante para mudarmos o cenário desolador
atual.
Nesta perspectiva, um dado crucial, no que tange à resiliência, é sua
emergência como resultado de uma interação, algo que ocorre a partir da reação de
um sujeito com seu entorno humano. Portanto, entendemos que para o mundo
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jurídico que lida com a questão do cárcere, que é de suma importância revisar e
considerar, do ponto de vista psicológico, que papel de desempenha a relação com
o outro no desenvolvimento do sistema psíquico humano.
Um aspecto interessante em relação a essa temática é a questão da
esperança, esta por sua vez, está relacionada a nossa humanidade, quando a
temos, sentimos um grande poder que nossas ações farão uma mudança, trazendo
um grande significado para a vida das pessoas.
De onde vem a esperança? Vem do relacionamento com os outros. Em seu nível mais básico, o sentido de esperança vem de nossas experiências de cuidado mais precoces. Um bebê chora, e um par de braços amorosos o trazem ao colo e o embalam. A esperança é a base para todo o desenvolvimento humano (...) os pais acreditam completamente que este bebê que mal consegue se equilibrar não só vai aprendera caminhar, mas um dia vai correr mais rápido que seus pais. Esse é o sentido visceral de esperança que uma geração naturalmente, impensadamente, confere à geração seguinte (BOYES-WATSON; PRANIS, 2011).
Ao compartilhar as nossas experiências (SUSAN BOYLES), os seres
humanos têm a capacidade de reanimar e nutrir as esperanças dos outros, através
do poder coletivo da comunidade, quando somos confrontados a realidades difíceis,
caso não tenhamos esse suporte, podemos nos submeter a escapismos como
drogas, álcool e outros comportamentos viciantes.
Assim, podemos perceber a importância do entorno humano que fomenta não
só a resiliência, mas que mantém acesa a tal esperança, tão necessária para
seguirmos adiante. Se a primeira é a capacidade de superar as adversidades, a
segunda é o combustível para que ela surja e ambas são geradas através dos afetos
positivos.
[...] Nas trajetórias de resiliência, há frequentemente uma oportunidade fugidia e imprevisível, uma chance que pode ser aproveitada, mas não provocada, e que a capacidade de ter esperança de querer seguir em frente permite perceber em meio às provações da vida. (POLETTI; DOBBS, 2007, p.97-98).
Por fim, já vimos que os afetos positivos potencializam os corpos, estimulando
a resiliência, através do encontro com o outro e as práticas sócio afetivas, por sua
vez, poderão ser utilizadas como pontes para que esses encontros, pois ao
compartilhar as nossas dores, medos, emoções, nos despimos de tudo que nos
distancia do outro, todas as armaduras, nos tornamos apenas o que somos
humanos.
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Daí, surge um ponto importante, como podemos montar uma estratégia de
estímulo à Reinserção Social dessas mulheres na sociedade, sem nos atentarmos
que a resiliência é oriunda do relacionamento com o outro, levando em
consideração, especialmente no sistema prisional, a importância das relações
humanas, assim não há como negar a importância dessas práticas.
4.2 As experiências do voluntariado no bom pastor
A ideia do voluntariado e a importância dele foram vivenciadas na prática, por
conta que a pesquisadora, desde antes do ingresso no mestrado, já era voluntária
da Fundação Internacional da Arte de Viver e Coordenadora Regional do Projeto
Prison Smart dessa Fundação.
Os projetos que serão apresentados a seguir, foram os que participamos
ativamente e podemos acompanhar o seu desenvolvimento, que perpassa
dificuldades, pois trabalhar em um ambiente que é difícil ter acesso não é fácil, para
o Cárcere abrir as portas para o trabalho voluntário, é necessário, muita
persistência.
A maior dificuldade é a questão burocrática, já que a Seres, alegando
questões de segurança, exige vários documentos, estatísticas e, o pior é saber que
com a mudança da direção da unidade, teremos que regressar àquela Secretária
para reiniciarmos todo o processo, o que se torna algo bem complicado e custoso, já
que só a título de curiosidade, em dois anos, naquela instituição, houve a mudança
de direção pelo menos três vezes e a cada rebelião que em uma das unidades
prisionais vai dificultando o nosso acesso ao local.
Ambos os projetos sociais, tanto o de Alma Leve, como o Prison, bem como
o projeto de extensão do Além das Grades reforçam a ideia de Pavarini “redução de
danos” do cárcere.
4.2.1 Projeto de Alma Leve
O projeto de Alma Leve é um projeto social coordenado pelo cineasta,
publicitário e mestre da técnica Eric Laurence, com outros cinco mestres em parceria
59
com a SERES – Secretaria Executiva de Ressocialização, na Colônia Penal
Feminina do Recife, com o propósito de levar o reiki, técnica de mais de dois mil
anos que através das mãos atua no corpo físico, emocional e energético das
pessoas.
A ação desenvolvida pelo grupo ocorre às sextas feiras, na referida unidade
prisional, as aulas são divididas, por sua vez, em três módulos, o teórico, a
sintonização e o acompanhamento durante 21 dias. A ideia é de que as mulheres da
unidade se tornem mestres de reiki, ou seja, as alunas serão multiplicadoras da
prática naquele espaço.
Os agentes da Colônia, bem como os voluntários do projeto perceberam que
houve uma diminuição no nível de estress dos participantes, contribuindo para um
processo de humanização dentro do sistema, há inclusive relatos de aplicação da
técnica em funcionários da instituição por reeducandas, proporcionando um
benefício na relação entre ambos.
Segundo o professor Massimo Pavarini, no curso Como Liberar-se da
Necessidade do Cárcere; um Curso de Pesquisa-Ação sobre a Penalidade em
Pernambuco, ministrado no período de 14 a 25 de fevereiro de 2011
(VASCONCELOS, 2012, p. 450), as novas formas de voluntariado estão mais
interessantes hoje em dia. Bem, nós pensamos em um voluntariado de gente que
tem um enfoque crítico sobre o cárcere, para os quais não parece que o cárcere seja
a resposta ao conflito, que não crê que o cárcere seja uma boa resposta ao delito e
também não crê que o cárcere seja bom.
Vale ressaltar que, atualmente, esse projeto conta com ajuda de duas
mulheres egressas que já haviam participado do curso quando estavam presas e,
agora, querem ajudar outras mulheres que estão passando pela mesma situação
que elas haviam passado, é uma quebra de paradigmas, sem dúvidas.
4.2.2 O Programa Prison Smart da Arte de Viver
Se as pessoas adoecem, nós levamos para o hospital e damos os remédios para melhorarem. Se o comportamento das pessoas está doente, nós levamos para a prisão, mas esquecemos dos remédios (Sri Sri Ravi Shankar)
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O projeto Prison Smart é um projeto criado pela Fundação Internacional Arte
de Viver, e, atualmente, encontra-se implementado em mais de 50 países, desde a
sua criação em 1992. O programa consiste em aprender técnicas de respiração que
atuam no combate ao estresse e alívio de trauma, auxiliando os participantes a lidar
com as emoções negativas. O maior objetivo do programa é proporcionar ao
indivíduo o desenvolvimento do seu potencial de forma positiva, contribuindo
positivamente para uma transformação pessoal, contribuindo assim para o
rompimento dos ciclos de violência.
Desde a sua criação em 1992, o Prison SMART já foi implementado em cerca de 50 países. Entre jovens e adultos encarcerados, famílias de detentos, ex-internos, vítimas de violência e agentes penitenciários, mais de 250.000 pessoas envolvidas com o sistema de justiça criminal já experimentaram e se beneficiaram com os cursos (Disponível em: https://www.artofliving.org/br-pt. Acesso em: 2017).
A ideia desse projeto é propiciar a criação de espaços, nos quais os valores
humanos como generosidade e pertencimento estejam presentes, estimulando que
os participantes do referido projeto adotem uma estrutura positiva em relação não
somente a si, mas também diante do mundo, possibilitando a valorização do seu
potencial humano.
Programas nas penitenciárias brasileiras
Os primeiros cursos realizados, no Brasil, dentro do programa PRISON
SMART aconteceram em 2002, nas cidades de Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro
e Recife, na antiga FUNASE.
Em Pernambuco, em 2010 ganhou o apoio da Secretaria Executiva de
Ressocialização de Pernambuco (SERES), e foi implementado no Presídio de
Igarassu em PE, no entanto com a mudança da direção desse presídio, ficou
dificultado o acesso àquela instituição e daí, o projeto, em Pernambuco, voltou a
ficar ativo somente em outubro de 2015, quando foi retomada às atividade no
PJALLB (Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros), através do apoio da direção da
instituição, bem como da ajuda da psicóloga, Graça Souza, que nos dá um grande
suporte. Até o momento, mais de 400 homens já fizeram o curso, naquela unidade
prisional.
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Vale ressaltar que, ao longo do ano de 2016, a Arte de Viver participou de
alguns eventos na Colônia Penal Feminina do Bom Pastor, inclusive no Berçário da
referida unidade, ensaiando um movimento de entrada definitiva, naquela unidade, o
qual ainda não foi realizado, por falta de espaço. No entanto, até o final do ano, há
uma sinalização de que isso possa ser concretizado, já que a direção da unidade
afirmou que está organizando a instalação de um espaço próprio para que sejam
realizados não só o projeto de Alma Leve, mas também o projeto Prison Smart.
Benefícios
Para os internos
o Prevenção de graves sintomas psicossomáticos e depressão (com
pouca ou sem medicação).
o Cura de emoções, estresse e traumas profundamente enraizados.
o Promover descanso profundo e energia para viver a vida com
esperança e contentamento.
o Permitir a reabilitação verdadeira a longo prazo por exercícios práticos
de ensino e conhecimento a fim de:
o Aprender a lidar com emoções negativas e esmagadoras sobre o seu
passado, presente e futuro.
o Encontrar a paz interior e auto-confiança.
o Tornar-se menos dependentes de drogas
o Redescobrir e fortalecer os valores humanos universais
o Obter mais energia, foco e criatividade
o Ser capaz de construir melhores relações
o Assumir a responsabilidade por sua própria vida
o Desenvolver um melhor bem-estar físico (como dormir melhor, ter
menos medo, menos depressão, melhora a imunidade).
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Para a equipe de funcionários e agentes
o Promove o alívio do stress da equipe de funcionários a fim de diminuir
os efeitos negativos da superpopulação e sobrecarga do pessoal
o Experimentar mais satisfação no trabalho.
o Melhorar o bem-estar físico (como dormir melhor, ter menos medo,
menos depressão, melhora da imunidade, normalização da pressão arterial) e
diminuir a taxa de absentismo.
o Obter mais energia e foco
o Funcionar eficientemente em circunstâncias estressantes
Para a prisão
o Contribuir para um ambiente carcerário mais humano, seguro e
eficiente para ambos encarcerados e funcionários.
o Diminuir a agressividade e a violência, e o nível de tensões e conflitos
no ambiente carcerário.
o Fomentar uma melhor compreensão mútua entre os presos.
o Fomentar melhores e mais respeitosas relações entre presos e
funcionários da prisão (Disponível em: www.artofliving.org/br-pt. Acesso em: 2017).
4.2.3 Além das Grades: O Cárcere dentro da Universidade
O Além das Grades (ADG) é um grupo de extensão, que surgiu em dezembro
de 2012, na Faculdade de Direito do Recife, resultado do anseio dos estudantes em
dialogar com a sociedade, através de Daniel, então graduando da Faculdade de
Direito do Recife e, atualmente, exercendo o cargo de promotor de justiça em PE, o
qual já era voluntário da Pastoral Carcerária, na Colônia Penal Feminina do Recife, o
qual se sentido compelido a dar uma contribuição relacionada à assistência jurídica
das presas, entrou em contato com outros estudantes da referida Faculdade para
iniciar o projeto.
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A ideia inicial era um projeto nos moldes de extensão popular e assessoria
jurídica, com atuação no direito penal e no sistema carcerário, no intuito de romper
com estigmas e preconceitos em torno das pessoas encarceradas. Apesar do
número reduzido de voluntários, naquele momento, o grupo logrou êxito de
conseguir que fossem expedidos vinte alvarás de soltura e, além disso promoveu
uma campanha para as vítimas da seca que assolava o sertão pernambucano, o
qual resultou em um sucesso tão estrondoso que foram convidados a manterem um
grupo fixo de atuação na referida Colônia Penal.
Em 2014, após várias reuniões de formação, alguns integrantes do grupo passaram a visitar, no âmbito carcerário masculino, o Presídio Asp. Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA), uma das unidades do Complexo Prisional do Curado, mais conhecido como Presídio Aníbal Bruno. Neste momento, a entrada dos/as extensionistas do AdG se deu mediante à atuação de missionários/as da Pastoral Carcerária, que já frequentavam a mencionada unidade havia mais de um ano. Desta forma, a autorização da nossa entrada era condicionada à presença de integrantes da pastoral, de modo que éramos vistos como a “frente jurídica” da ação pastoral (SILVA; BACELAR, ARAÚJO, 2015).
No entanto, no início de 2015, houve uma grande rebelião, naquela unidade,
acarretando, por sua vez, a interrupção das atividades do grupo. A partir desse
episódio, o Além das Grades percebeu que o grupo não precisava somente atuar no
Cárcere, mas também estudá-lo a fundo. Daí, apoiado na referência da Criminologia
Crítica, o grupo passou a promover Seminários, Rodas de Diálogo sobre temas
ligado a questão prisional em caráter interseccional com as questões de drogas,
gênero, sexualidade e raça.
Nesse mesmo ano, tivemos o primeiro contato com o grupo Além das Grades,
por conta de uma campanha de arrecadação de livros para a construção de uma
biblioteca dentro do Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB) encabeçada
pelo professor Marcelo Pelizzoli. Essa campanha, sem dúvida, foi um grande divisor
de águas, pois através dela, começamos a participar ativamente de um grupo de
extensão na universidade ligada a temática carcerária.
a educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é a transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados (FREIRE, 1988, p.48).
A experiência obtida no grupo atravessa a ideia de Paulo Freire sobre
educação, pois foi através do encontro com o outro, do diálogo, da compreensão de
que o conhecimento é feito a partir desse encontro que assim, passamos a
64
compreender que a extensão serve de ponte para as trocas de experiências,
fomentando uma consciência crítica sobre as mazelas da Prisão, nos impelindo a
debatê-lo na academia contribuindo assim, para a formação de outros estudantes.
A extensão figura como elemento integrante do tripé acadêmico, que não apenas forma, mas, sobretudo, tem o condão de integralizar a vivência universitária em nosso país: o tripé ensino-pesquisa-extensão. Sob tal base, tem-se a pretensão, em linhas gerais, de se concretizar uma formação acadêmica que possibilite à/ao estudante o aprendizado doutrinário em sala de aula, a atividade questionadora na pesquisa e a vivência da realidade com a extensão (SILVA; BACELAR, ARAÚJO, 2015).
No decorrer desses anos, percebemos que o Além das Grades não se reduz
a um projeto de extensão, pois com o intuito de levar essa consciência crítica para
além dos muros da academia, percebemos que por meio do trabalho de assessoria
jurídica, obtivemos um contato mais profundo com a realidade carcerária, as presas
começaram a sentir à vontade de falar sobre as suas vidas pessoais, as violências
sofridas no ambiente prisional, aprofundando laços e gerando maiores inquietações
para que fizéssemos mais naquele espaço prisional.
Com esse intuito de contribuir mais, uma das integrantes do Além das
Grades, a estudante Juliana Gleymir idealizou e coordenou durante os meses de
janeiro a outubro de 2016, o projeto do Cineclube Alumia - O Luzir do Cárcere, o
qual por meio do Funcultura e com o incentivo do Governo do Estado de
Pernambuco, promovendo sessões de cinema na Colônia Penal Feminina do Bom
Pastor, envolvendo a temática de gênero e levando convidados para estimular o
debate em torno dessa questão.
Atrelado a essa ideia de expansão do movimento, ampliando a ideia de ir
além da função de inicial de assessoria jurídica, o grupo passou a realizar Cine
debates, exposições, vislumbrando um maior alcance de ideias, influenciando, por
sua vez, mais estudantes da Casa de Tobias sobre a problemática do cárcere.
Atualmente, o grupo tem sua atuação focada em cinco comissões: Comissão Acadêmica, Comissão de Comunicação, Comissão de Pesquisa, Comissão Operacional e a Frente Bom Pastor. Neste toar, no que se refere às responsabilidades de cada comissão, pode-se apontar que, preponderantemente: a Acadêmica tem por incumbência lidar com as questões internas ao âmbito da Faculdade de Direito do Recife (FDR) e conexas, buscando realizar eventos na Faculdade, manter-se informada quanto aos editais de monitoria, realizar minicursos (tanto na FDR, trazendo uma visão mais crítica sobre temas já batidos do Direito Penal, por exemplo, como até mesmo fora da FDR, em comunidades e em outras faculdades), planejar e realizar os Cineclubes (na FDR e em outras faculdades). Já a de Comunicação tem o dever de divulgar a atuação e os ideais do grupo, atuando nas mídias sociais, das quais a principal é o Facebook, bem como
65
em eventos, sendo responsável ou por representar o grupo nas falas ou por correr atrás dos membros mais preparados para falarem sobre determinado tema. Esta também busca estabelecer pontes com outros grupos de outras faculdades, universidades, estados, etc. (SILVA; BACELAR, ARAÚJO, 2015).
A Frente do Bom Pastor não mais existe, pois atualmente o grupo passou a
atuar voluntariamente em um projeto de assessoria jurídica voluntária, na Colônia
Penal Feminina de Abreu e Lima (CPFAL), em parceria com a Ong Rhema (Verbo
da Vida), integrantes do grupo irão quinzenalmente à unidade, prestar atendimento
às presas, prestando atendimento às presas quinzenalmente.
O Além das Grades traduz na ação a ideia de Pavarini em relação a Utopia
Concreta, pois ao levar a discussão dessa temática para a Universidade, influencia
não só futuros operadores de direito, mas também amplia uma poderosa rede para a
redução de danos ocasionados pelo Cárcere, pois mais atores são formados para
que haja um processo de mudança desse cenário perverso.
4.3 O caso teta e Rosimere
A “prática do cuidado” é uma forma de forçar o poder, para que encontres limites, e os outros, para que não nos invadam ou manipulem. A dimensão política do cuidado passa pela necessidade de dizer não ao poder ou aos outros que nos maltratam, impondo-lhes limites, tratando por todos os meios de evitar que fiquemos presos a uma estrutura cesarista. Por aí, passa o sentido estrito da palavra cidadania: o controle do limite, o controle da invasão. Por aí, começa o sentido mais amplo de cidadania como uma forma solidária de encontrar-se com o outro (como limite que me constitui autônomo) para realizar autonomia É a cidadania uma questão ecológica e de subjetividade: a cidadania é um reclamo, ético-estético - político para uma melhor qualidade de vida (CULTURA DE PAZ, WARAT, p. 42).
Vale ressaltar que se trata de uma proposta e, não de um modelo, mesmo que
seja de caráter singular, já que o ambiente prisional contém realidades diversas. A
ideia é ofertar algo que contemple à individualidade de cada ser humano que ocupa
aquele espaço, com o intuito de que seja implementada uma reinserção social
singular, na qual o homem faça parte de um projeto de cunho pedagógico, cujo início
ou reinício ocorre no cárcere.
No decorrer da pesquisa, tive a grande honra de conhecer duas egressas,
Teta e Rosemeire, que cumpriram pena no Bom Pastor, na mesma época e
tornaram-se amigas. Inclusive, tive a oportunidade de estar com ambas, em um
evento oferecido pelo Além das Grades, na Faculdade de Direito do Recife, em
66
25/04/2016. O tema da palestra era sobre Mediação Carcerária: O Afeto e a
Reinserção Social. Naquela ocasião, deparei-me com duas estórias completamente
diferentes.
A primeira era sobre uma mulher chamada Teta que através do trabalho, viu a
sua vida mudar. Hoje, ela é uma grande ativista, faz inúmeras palestras, participa de
documentários, entrevistas, nas quais ela afirma categoricamente que o trabalho foi
o fator primordial para que ela saísse do mundo das drogas. Na realidade, eu já
conhecia Teta, antes, em um documentário produzido na época que a minha co-
orientadora, Karina Vasconcelos terminava a pesquisa dela na unidade prisional do
Bom Pastor.
Ao falar sobre Karina e a pesquisa, ela sempre compartilha a eterna gratidão
de tê-la tido em sua vida, já que a oferta de trabalho partiu de Karina e através
dessa oportunidade, ela hoje tem a sua moradia, a sua dignidade, algo
desconhecido por ela, antes. Atualmente, ela reside com a sua companheira,
Madalena. Ela tem uma rede de amigos e grupos que a fortalecem muito, segundo
ela.
Ao contrário de Teta, a vida de Rosimere fora do cárcere foi completamente
diferente, já que esta era mãe várias crianças, fator este que impossibilitou a mesma
de obter emprego e continuar na prostituição para a subsistência dela e das
crianças, fazendo com que ela retornasse ao cárcere, outra vez.
Após 01 (um) ano do evento realizado na Faculdade de Direito do Recife
(FDR), entrei em contato com Teta para irmos visitar Rosimere. A ideia era levarmos
uma cesta básica a Rosimere. No carro, íamos eu, Amanda (integrante do Além das
Grades), Teta e Madalena.
Naquela ocasião, antes de chegar no casebre de Rosimere, nos Coelhos, a
avistamos nas imediações do Mercado da Boa Vista, às 15h de um sábado, pedindo
comida, esmola, pois até aquele momento, nem ela ou seus filhos tinham comido
algo sequer. Sinalizamos, então, para ela e aí, quando ela adentrou no carro e
avistou a cesta básica, esta ficou maravilhada.
Ao adentrarmos na casa de Rosimere, percebemos que não havia nada,
apenas água. As crianças, até aquele momento, não haviam feito nenhuma refeição.
Ela nos mostrou todas as panelas vazias e no interior da geladeira, não havia nada.
67
Ao contrário de Teta, a vida de Rosimere pós-cárcere não foi nada fácil, o fato de
não ter tido uma rede de apoio, bem como a questão de ter vários filhos são fatores
que a prejudicaram, fazendo com que a mesma retornasse a vida de prostituição
que já conhecia antes do seu ingresso a prisão.
Conhecer a estória de vida dessas duas mulheres me fez compreender a
importância das redes de apoio aos egressos, que ao meu ver, tal rede deve ser
formada, antes, dentro do ambiente prisional, através de atividades que possam
reduzir o tempo na “tranca” e que não seja somente por meio do trabalho, de
cursos profissionalizantes, mas também por meio de práticas de Mediação
Humanista, dos Círculos de Diálogo, do Voluntariado.
Vale ressaltar que tais ações devem ser feitas não somente com apenados ou
egressos, mas também com todos aqueles que fazem parte do sistema prisional,
como os Agentes e Diretores Penitenciários e até mesmo os familiares, pois o
fortalecimento desses vínculos são importantes para minimizar os efeitos nocivos do
cárcere com o devido acompanhamento psicossocial e psicoterapêutico.
68
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ideia não é finalizar, mas sim lançar uma proposta a toda a sociedade, que
tal não ficar só problematizando e, sim nos atrevermos a reduzir o espaço do
Cárcere de uma maneira simples, montando uma estratégia na qual o afeto seja o
elemento primordial, utilizando as práticas sócio- afetivas (os processos circulares e
a mediação humanista) como ferramentas importantes no processo de Reinserção
Social dessas mulheres no Bom Pastor, nos permitindo a implementar a cultura da
não – violência, a qual empatia é a força motriz.
Esse assunto da nossa interconexão mútua – que Jean Baker Miller chama de filiação, Jessie Bernand chama de „ambiência feminina de amor/dever‟, e que Jesus, Gandhi e outros líderes espirituais chamam simplesmente de amor – é ainda hoje também objeto da ciência. A „nova ciência‟ que vai se formando, da qual a teoria do caos e a produção acadêmica feminista são parte integrante, vem focalizando mais os relacionamentos que as hierarquias. [...] Salk escreveu sobre uma nova ciência da empatia, uma ciência que usará razão e emoção „para mudar a mentalidade coletiva e influenciar construtivamente (...) A utilização do conflito não violento como forma de conseguir mudanças sociais não se trata de mera resistência passiva. Recusando-se a cooperar com a violência e a injustiça através do uso de meios não violentos e justos, estamos criando a energia transformadora positiva que Gandhi chamou de satyagraha ou „força da verdade‟. Como disse Gandhi, o objetivo é transformar o conflito em vez de suprimi-lo ou detoná-lo através da violência (EISLER, 2007, p. 268-270).
O afeto como vimos é um poderoso estímulo à Reinserção Social dessas
mulheres e os encontros funcionam como mecanismos importantes na propagação
da educação ético-afetiva, pois segundo Merçon (2009), tal educação é oriunda dos
afetos positivos, encontros alegres que potencializam o outro. Vale ressaltar que,
segundo a autora, sua “força reside, justamente, no fato de ser a expressão
singular”, isto é, não cabe generalizá-lo.
Dada a singularidade de nossas forças para afetar e ser afetadas, para compreender o arranjo afetivo único que nos determina, os fins provisórios os quais imaginamos e aos quais nos orientamos em um viver ético não são transferíveis, isto é, não atuam como um modelo para outras. Isso porque sua força reside, justamente, no fato de ser a expressão singular de nossas próprias potências de compreender como nos integramos à rede que nos determina e de pensar o que virá a contribuir para a expansão de nossas forças. A criação de um modelo ético ao qual aspiramos só pode ser, portanto, o resultado dos esforços de cada uma. Sua generalização e prescrição implicariam sua própria dissolução como fim ético e conversão em modelo moral (MERÇON, 2009, p. 161-162).
Vivemos em uma sociedade, na qual o judiciário para atender os anseios
capitalistas, ele simplesmente EXCLUI, como podemos pensar em uma forma de
69
inserir essas pessoas que vivem à margem, os quais são os que estão em sua
grande maioria dentro dos cárceres, os negros, as mulheres negras, os moradores
das favelas, como INSERIR em uma sociedade que o propósito é o contrário,
contribuindo para que o problema da violência seja comum, como mudar o Cárcere
sem mudar a Sociedade?
a violência e a criminalidade são, muitas vezes, para muitos indivíduos, a única forma de ter visibilidade social. Portanto, para muitos sujeitos, fica difícil quebrar a cadeia significante de repetição na qual ele se colocou ao mesmo que os dispositivos sociais também os colocaram (VASCONCELOS, 2012, p. 283).
Para mudar a sociedade, fazer com que esta se torne sensível à temática
carcerária, compreendendo que quanto mais há violência no espaço prisional, maior
é a violência extramuros, é trazê-la ao Cárcere, papel este que projetos sociais
como o de Alma Leve, o Prison Smart da Arte Viver e o projeto de extensão
universitária cumprem tão bem e de certa forma, ao documentarem as suas ações,
transformam-se em poderosos mecanismos de formação de rede de apoio.
No entanto, esse apoio não é suficiente para garantir à mulher o direito de exercer plenamente a sua cidadania. O direto de recomeçar depende da participação de todos atores sociais envolvidos. Estado, organismos não governamentais e sociedade, em geral, devem participar da efetivação dos direitos das mulheres egressas, através de campanhas de inserção no mercado de trabalho e acompanhamento educacional e de saúde, sobretudo saúde mental. A autoestima dessas mulheres foi duramente abalada e elas necessitam de apoio social para se restabelecer. (VASCONCELOS, 2012, p. 239).
Portanto, que tal falarmos de Cárcere? Que tal nos mobilizarmos para
compreender que atrás desse Cativeiro, existem vários outros para nós, mulheres?
Desse modo, é fundamental fortaleceremos um trabalho de rede, sim e mais do que
nunca, fortalecendo os mecanismos que o façam ampliá-la, tais como o voluntariado
e a Universidade, ampliando os espaços de discussão, reduziremos os espaços de
violência, por meio razão ético-afetiva.
70
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74
ANEXOS A – EXPERIÊNCIAS DOS VOLUNTARIADOS
Imagem 1 - Entrega de livros no Complexo Prisional do Curado/PE
Fonte: da autora
Imagem 2 - Círculo de Diálogo realizado, na Faculdade de Direito do Recife, com os grupos Além
Das Grades, Arte de Viver, Justiça Restaurativa de Pernambuco.
Fonte: da autora
75
Imagem 3
Fonte: Diário de Pernambuco
Imagem 4
Fonte: DPU/Recife
76
Imagem 5
Fonte: DPU/Recife
Imagem 5
Fonte: DPU/Recife
77
Imagem 6
Fonte: DPU/Recife
Imagem 7 - Cineclube Alumia - O luzir do cárcere, na Colônia Penal Feminina Bom Pastor, em
Recife.
Fonte: Cineclube Alumia
78
Imagem 8
Fonte: Além das grades
Imagem 9
Fonte: Além das grades
79
Imagem 10
Fonte: Além das grades
Imagem 11
Fonte: Dayellen Gomes
80
Imagem 12
Imagem 13 – Confecção de 800 kits de higiene pessoal para o Presidio Bom Pastor em recife, 400
para o presidio feminino de Buiqui e kits do berçário do Bom Pastor
Fonte: Talita Ribeiro
81
Imagem 14 – Confecção de 800 kits de higiene pessoal para o Presidio Bom Pastor em recife, 400
para o presidio feminino de Buiqui e kits do berçário do Bom Pastor
Fonte: Talita Ribeiro
Imagem 15 – Confecção de 800 kits de higiene pessoal para o Presidio Bom Pastor em recife, 400
para o presidio feminino de Buiqui e kits do berçário do Bom Pastor
Fonte: Talita Ribeiro
82
Imagem 16 – Confecção de 800 kits de higiene pessoal para o Presidio Bom Pastor em recife, 400
para o presidio feminino de Buiqui e kits do berçário do Bom Pastor
Fonte: Talita Ribeiro
Imagem 17 – Confecção de 800 kits de higiene pessoal para o Presidio Bom Pastor em recife, 400
para o presidio feminino de Buiqui e kits do berçário do Bom Pastor
Fonte: Talita Ribeiro
83
Imagem 18 – Confecção de 800 kits de higiene pessoal para o Presidio Bom Pastor em recife, 400
para o presidio feminino de Buiqui e kits do berçário do Bom Pastor
Fonte: Talita Ribeiro
Imagem 19 – Confecção de 800 kits de higiene pessoal para o Presidio Bom Pastor em recife, 400
para o presidio feminino de Buiqui e kits do berçário do Bom Pastor
Fonte: Talita Ribeiro
84
Imagem 20 – Confecção de 800 kits de higiene pessoal para o Presidio Bom Pastor em recife, 400
para o presidio feminino de Buiqui e kits do berçário do Bom Pastor
Fonte: Talita Ribeiro
Imagem 21 – Confecção de 800 kits de higiene pessoal para o Presidio Bom Pastor em recife, 400
para o presidio feminino de Buiqui e kits do berçário do Bom Pastor
Fonte: Talita Ribeiro
85
Imagem 22 – Roda de Diálogo: Mulheres no Cárcere/UNICAP
Fonte: Além das Grades
86
Imagem 23 – Reportagem do Diário de Pernambuco
Fonte: Diário de Pernambuco
87
Imagem 24 – Minicurso do Além das Grades
Fonte: Além das Grades
Imagem 25
Fonte: Além das Grades
88
Imagem 26
Fonte: Além das Grades
Imagem 27
Fonte: Além das Grades
89
Imagem 28 – Reportagem da Folha de Pernambuco
Fonte: Folha de PE
90
Imagem 29 - Reportagem
Fonte: Além das Grades
Imagem 30 – Reportagem (continuação)
Fonte: Além das Grades
91
Imagem 31 - Eu vejo cores em você: cárcere, estigma e superação
Fonte: Além das Grades
Imagem 32 - Eu vejo cores em você: cárcere, estigma e superação
Fonte: Além das Grades
92
Imagem 33 - Eu vejo cores em você: cárcere, estigma e superação
Fonte: Além das Grades
Imagem 34 - Eu vejo cores em você: cárcere, estigma e superação
Fonte: Além das Grades
93
Imagem 35 - Eu vejo cores em você: cárcere, estigma e superação
Fonte: Além das Grades
Imagem 36 - Eu vejo cores em você: cárcere, estigma e superação
Fonte: Além das Grades
94
Imagem 37 - Eu vejo cores em você: cárcere, estigma e superação
Fonte: Além das Grades
Imagem 38 - Eu vejo cores em você: cárcere, estigma e superação
Fonte: Além das Grades
95
Imagem 39 - Eu vejo cores em você: cárcere, estigma e superação
Fonte: Além das Grades
Imagem 40 - Eu vejo cores em você: cárcere, estigma e superação
Fonte: Além das Grades
96
Imagem 41 - Eu vejo cores em você: cárcere, estigma e superação
Fonte: Além das Grades
Imagem 42 - Eu vejo cores em você: cárcere, estigma e superação
Fonte: Além das Grades
97
Imagem 43 - Eu vejo cores em você: cárcere, estigma e superação
Fonte: Além das Grades
Imagem 44 - Eu vejo cores em você: cárcere, estigma e superação
Fonte: Além das Grades
98
Imagem 45 - Eu vejo cores em você: cárcere, estigma e superação
Fonte: Além das Grades
Imagem 46 - Debate sobre violência que se manifesta através da intervenção policial e da mídia na
FDR
Fonte: Tucuru Coletivo
99
Imagem 47 - Debate sobre violência que se manifesta através da intervenção policial e da mídia na
FDR
Fonte: Tucuru Coleteivo
Imagem 48 - Debate sobre violência que se manifesta através da intervenção policial e da mídia na
FDR
Fonte: Tucuru Coleteivo
100
Imagem 49 - Debate sobre violência que se manifesta através da intervenção policial e da mídia na
FDR
Fonte: Tucuru Coleteivo
Imagem 50 - Debate sobre violência que se manifesta através da intervenção policial e da mídia na
FDR
Fonte: Tucuru Coleteivo
101
Imagem 51 - Debate sobre violência que se manifesta através da intervenção policial e da mídia na
FDR
Fonte: Tucuru Coleteivo
Imagem 52 - Debate sobre violência que se manifesta através da intervenção policial e da mídia na
FDR
Fonte: Tucuru Coleteivo
102
Imagem 53 - Assessoria jurídica, na Colônia Prisional Feminina de Abreu e Lima - CPFAL
Fonte: Além das Grades
Imagem 54 - Assessoria jurídica, na Colônia Prisional Feminina de Abreu e Lima - CPFAL
Fonte: Além das Grades
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Imagem 55 - A universidade chegou ao sistema carcerário
Fote: Leia Já
Imagem 56 - A universidade chegou ao sistema carcerário
Fote: Leia Já
104
ANEXO B – PROJETO DE REIKI
Documento 1
PROJETO
REIKI NO PRESÍDIO BOM PASTOR
A palavra Reiki significa energia vital (ki) e energia universal(rei). Em
meados de 1940, um monje busdista pesquisou a cura através das mãos e
descobriu o reiki. É uma técnica de imposição das mãos que canaliza essas duas
energias para si mesmo, outras pessoas e outros seres vivos ou situações através
das mãos e também de símbolos tibetanos. A prática desta técnica é reconhecida
pela OMS como complementar a qualquer tratamento.
O que é o projeto?
É um curso de iniciação em Reiki para presidiárias e funcionários da instituição.
O porquê deste projeto?
Como buscadores do nosso crescimento interior, como usuários desta
técnica e praticantes também há anos, fomos tocados pela vontade de difundir
esse conhecimento a pessoas que intuímos terem necessidade de auto cuidado e
também de cuidar dos companheiros. Essa difusão com certeza se transformará
em troca de benefícios. Por isso a formação se estende a qualquer pessoa que
queira estar totalmente responsável e comprometido com o seu próprio
crescimento e cura e também queira ajudar aos outros.
Como será feito?
Através de encontro vivencial com aula teórica e prática entre os
profissionais que compõe esse projeto e o corpo do presídio, previamente
autorizado o curso pela diretoria do mesmo.
Qual o público alvo?
Todos os interessados no curso que façam parte da instituição desde
profissionais e principalmente as presidiárias.
Quando será executado?
O curso será realizado em novembro, nos dias 5, 6 E 7. Sendo 5 à noite e 6
e 7 o dia todo.
Onde será executado?
No próprio presídio.
105
Quais os benefícios?
Aumentar a auto estima, aumentando a confiança em si mesmo;
Proporcionar maior aceitação de si e do outro;
Ter uma técnica de auto ajuda para usar livremente quando precisar;
Aprender a usar a respiração como forma de aprofundar em si mesmo e
fazer as reflexões necessárias ao seu crescimento interior;
Ampliar a sensibilidade através do toque, podendo ajudar e ser ajudado ao
tocar ou ser tocado;
Aprofundar o relacionamento com outras pessoas, melhorando a timidez e
melhorando a percepção de si mesmo;
Identificar mais momentos de prazer no dia a dia, com o aumento da
consciência;
Multiplicar seu potencial de criatividade enxergando novos caminhos a
serem vividos;
Quais os recursos materiais?
Salão que caiba confortavelmente a quantidade pessoas que irão fazer o
curso e o corpo de profissionais que darão o curso, colchonete com espessura de
10cm, lençol individual ou papel toalha descartável, roupas leves;
Esteja pronto para tomar responsabilidade pela sua própria miséria, alegria,
negatividade, positividade, inferno ou paraíso. Quando essa responsabilidade
é entendida e aceita, mudanças começam a acontecer.