UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ALLAN ALVES DA MATA RIBEIRO O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA SOB A PERSPECTIVA DAS RELAÇÕES DE GÊNERO: UMA ANÁLISE ENTRE OS ANOS DE 2007 E 2015 RECIFE 2018
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ALLAN ALVES DA MATA RIBEIRO
O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA SOB A PERSPECTIVA DAS RELAÇÕES DE
GÊNERO:
UMA ANÁLISE ENTRE OS ANOS DE 2007 E 2015
RECIFE
2018
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ALLAN ALVES DA MATA RIBEIRO
O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA SOB A PERSPECTIVA DAS RELAÇÕES DE
GÊNERO:
UMA ANÁLISE ENTRE OS ANOS DE 2007 E 2015
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação. Orientadora: Prof. Dra. Adriana Maria Paulo da Silva
RECIFE
2018
Catalogação na fonte Bibliotecária Andréia Alcântara, CRB-4/1460
R484l Ribeiro, Allan Alves da Mata. O livro didático de história sob a perspectiva das relações de
gênero: uma análise entre os anos de 2007 a 2015 / Allan Alves da Mata Ribeiro. – Recife, 2018. f. : il. ; 30 cm. Orientadora: Adriana Maria Paulo da Silva. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CE. Programa de Pós-graduação em Educação, 2018. Inclui Referências.
1. Livros didáticos. 2. História - Estudo e ensino. 3. Relações de gênero. 4. UFPE - Pós-graduação. I. Silva, Adriana Maria Paulo da. II. Título.
371.32 CDD (22. ed.) UFPE (CE2018-43)
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ALLAN ALVES DA MATA RIBEIRO
O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA SOB A PERSPECTIVA DAS RELAÇÕES DE GÊNERO: UMA ANÁLISE ENTRE OS ANOS DE 2007 E 2015
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação.
Aprovada em: 29/05/2018.
BANCA EXAMINADORA
Prof.ª Dr.ª Adriana Maria Paulo da Silva (Orientadora) Universidade Federal de Pernambuco
Prof. Dr. Kazumi Munakata (Examinador Externo) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
_____________________________________________________________
Prof. Dr. José Batista Neto (Examinador Interno) Universidade Federal de Pernambuco
_____________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Anna Luiza Araújo Ramos Martins de Oliveira
(Examinadora Interna) Universidade Federal de Pernambuco
4
À Isaura de Santana Alves, Antônio da Mata Ribeiro e Maria Bezerra da Mata
Ribeiro
in memoriam.
5
AGRADECIMENTOS
Escrever este texto só foi possível graças a numerosas formas de apoio
institucional e individual.
Agradeço à Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco
(FACEPE) pela concessão de bolsa de pesquisa, sem a qual esta atividade não seria
possível.
À minha orientadora, Professora Adriana Maria Paulo da Silva. Muito obrigado
por sempre acreditar em mim e por me lembrar que essa não precisa ser uma jornada
solitária. Por essa “perene, insuspeitada alegria de con-viver”, muito obrigado,
Professora!
À Professora Anna Luísa e Professor Jose Batista Neto pela participação no
exame de qualificação e na defesa desta pesquisa. É uma felicidade contar com
leituras sempre tão atenciosas e generosas. Muito obrigado!
Ao Professor Kazumi Munakata pela generosidade de sua participação na
defesa deste trabalho. Nos sentimos muito gratos com sua presença, Professor. Muito
obrigado!
À professora Karina Mirian por dividir muitas das leituras que inspiraram esta
pesquisa. Muito obrigado, Professora!
Ao grupo de estudos “História da Educação e das práticas de educabilidade no
mundo Ibero-americano”: Nathalia Cavalcanti, Yan Santos, Dayana Lima e Isabela
Tristão. Muito obrigado pela amizade, paciência e generosidade a cada leitura. Sem
vocês esse texto teria, sem dúvida, menor potência!
Aos colegas da linha de pesquisa Teoria e História da Educação no Programa
de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco
(PPGE/UFPE) pela leitura sempre acolhedora e generosa, estímulo fundamental para
esta pesquisa.
Às “Pesquisador@s Reflexiv@s”: Inácio Dantas, Poli e Mel. Muito obrigado por,
tantas vezes, renovarem minhas esperanças nessa jornada!
Ao professor Dayvison Freitas por conceder parte dos livros didáticos
contemplados por essa análise e pelo incentivo de sempre. Muito obrigado, meu
querido!
6
À Professora Ana Carolina de Santana Alves Ribeiro, Deusdedith da Mata
Ribeiro, Joana Alves da Mata Ribeiro, Roberto de Santana Alves e a Isaura de
Santana Alves. Minha família. Pela compreensão diante das minhas ausências, pela
paciência, companhia e amor de todos os nossos dias.
À Arabelly Ascoli, meus “raios de sol no céu da cidade”! Pela paciência, amor
e companhia em todo o percurso da vida– e da escrita desta dissertação. Vamos de
mãos dadas!
Gratidão!
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RESUMO
A presente pesquisa teve como objetivo geral analisar as concepções de masculinidades e/ou feminilidades presentes na materialidade discursiva de livros didáticos de História endereçados ao Ensino Médio público brasileiro. Enquanto fontes principais, mobilizamos edições distintas da obra “História Global– Brasil e Geral”: a edição volume único, aprovada pelo edital do PNLEM/2007 e publicada em 2005; e a coleção didática publicada em 2013, aprovada pelo edital do PNLD/2015. Presente em todas as edições do Programa Nacional do Livro Didático, a obra foi destacada enquanto uma das publicações mais distribuídas para o componente curricular história no Ensino Médio público brasileiro. Partindo da perspectiva analítica das relações de gênero, centramos nossa atenção nos contextos de “endereçamento” de três “personagens”: Pedro de Alcântara, nomeado D. Pedro II durante o Segundo Reinado (1840-1889); D. Isabel, princesa imperial do Brasil; e a República, em sua representação feminina, presente nas narrativas sobre a história do Brasil no final do século XIX. Especificamente, analisamos os capítulos: “Segundo Reinado (1840-1889)”, “A crise do Império” (“O fim do Império”, edição 2013) e “A instituição da República”. Em diálogo com Scott (1994, 1995, 1998), mobilizamos nesta análise o conceito de “modos de endereçamento” (ELLSWORTH, 2001). Advindo dos estudos de cinema e comunicação, o “modo de endereçamento” diz respeito ao evento de relação entre o texto fílmico e o lugar social do público, pressuposto a partir das expectativas quanto à recepção dos filmes. Consideramos que a análise do endereçamento nos livros didáticos de História compreende a observação das estratégias de estruturação e apresentação dos enunciados disponibilizados pelas obras. É nessa “aparência” que localizamos uma preocupação “cenográfica” nas publicações. Espaço no qual o texto se desenrola, essa cenografia envolve a narrativa, sua apresentação e ainda as atividades que a retomam. Nessa perspectiva, analisamos o modo como as obras “endereçaram” o olhar de alunas e alunos para posições de sujeito generificadas, sendo produtivas na identificação e valorização de determinada gama de posições de sujeito. Concluímos que a abordagem dos conhecimentos históricos adotada pela obra naturalizou assimetrias de poder entre as masculinidades e feminilidades histórica e socialmente construídas durante o século XIX. Tomadas enquanto “fato” histórico, indigno de nota nos “textos principais”, a composição atualizou, no conhecimento histórico escolar, posições normativas de ser masculino e feminino. Palavras-chave: Livro didático de História. Relações de gênero. Modos de endereçamento. Século XIX.
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ABSTRACT
The present research had as general objective to analyze the conceptions of masculinities and / or femininities present in the discursive materiality of textbooks of History addressed to the Brazilian Public High School. As main sources, we mobilized different editions of the work "Global History - Brazil and General": the single volume edition, approved by the edict of PNLEM / 2007 and published in 2005; and the didactic collection published in 2013, approved by the announcement of PNLD / 2015. Present in all editions of the National Book of Didactic Book, the work was highlighted as one of the most distributed publications for the curricular component history in the Brazilian Public High School. Focusing on the analytical perspective of gender relations, we focus our attention on the contexts of "addressing" three "characters": Pedro de Alcântara, named D. Pedro II during the Second Reign (1840-1889); D. Isabel, the imperial princess of Brazil; and the Republic, in its feminine representation, present in the narratives on the history of Brazil in the late nineteenth century. Specifically, we analyze the chapters: "According to Reinado (1840-1889)", "The crisis of the Empire" ("The end of the Empire", edition 2013) and "The institution of the Republic”. In dialogue with Scott (1994, 1995, 1998), we mobilize in this analysis the concept of "addressing modes" (ELLSWORTH, 2001). Based on the studies of cinema and communication, the "addressing mode" refers to the event of relation between the filmic text and the social place of the public, based on the expectations regarding the reception of the films. We consider that the analysis of addressing in the textbooks of History comprises the observation of the strategies of structuring and presentation of the statements made available by the works. It is in this "appearance" that we locate a "scenographic" concern in the works. Space in which the text unfolds, this scenography involves the narrative, its presentation and also the activities that take it back. In this perspective, we analyze how the works "addressed" the view of students and students to generalized subject positions, being productive in the identification and valuation of a certain range of subject positions. We conclude that the approach to historical knowledge adopted by the work naturalized asymmetries of power between the masculinities and femininities historically and socially constructed during the nineteenth century. Taken as historical fact, unworthy of note in the "main texts", the composition has updated, in the scholarly historical knowledge, normative positions of being masculine and feminine. Keywords: History textbook. Gender relations. Addressing modes. XIX century.
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LISTA DE IMAGENS
Imagem 1 Exemplo do “esquadrinhamento” de leitura: abertura do capítulo “A instituição da república” (adaptado)
49
Imagem 2 Exemplo do “esquadrinhamento” de leitura: “Alegoria à proclamação da República e à partida da família imperial” (adaptado)
50
Imagem 3 Ficha de avaliação/PNLEM 2008 (adaptado) 59 Imagem 4 Critérios eliminatórios comuns do PNLD 2015 63 Imagem 5 Síntese dos critérios específicos da avaliação dos livros
didáticos de História do Ensino Médio 63
Imagem 6 Ficha de avaliação dos livros impressos PNLD 2015 (adaptado).
64
Imagem 7 “Carta de abertura”, edição de 2005 da obra “História Global – Brasil e Geral” (adaptado).
68
Imagem 8 “Carta de abertura”, edição de 2013 da obra “História Global – Brasil e Geral” (adaptado)
71
Imagem 9 Abertura do capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)” (adaptado)
75
Imagem 10 “Aclamação de D. Pedro II, segundo imperador do Brasil” (adaptado)
76
Imagem 11 Tópico “Modernização– Transformações socioeconômicas” (adaptado)
79
Imagem 12 “Negros secando café na fazenda Quititi” (adaptado) 80 Imagem 13 Abertura do capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)”
(adaptado) 85
Imagem 14 “Sagração de D. Pedro II” (adaptado) 86 Imagem 15 Primeira página do capítulo “Segundo Reinado (1840-
1889)” (adaptado) 88
Imagem 16 Tópico “Praieira– A revolta liberal pernambucana ” (adaptado)
90
Imagem 17 “Venda em Recife” (adaptado) 91 Imagem 18 Abertura do capítulo “A crise do império” (adaptado) 95 Imagem 19 Box “Os sentidos do 13 de maio”. 97 Imagem 20 Tópico “Crise– Condições que levaram à queda da
monarquia” (adaptado) 100
Imagem 21 “Família imperial em Petrópolis” (adaptado) 101 Imagem 22 Abertura do capítulo “O fim do império” (adaptado) 105 Imagem 23 “Cena de família de Adolfo Augusto Pinto” (adaptado) 106 Imagem 24 Tópico “Questão Christie” (adaptado) 109 Imagem 25 “Babá” (adaptado) 110 Imagem 26 Tópico “Campanha abolicionista” (adaptado) 112
10
Imagem 27 “Retratos dos abolicionistas Chiquinha Gonzaga (fotografia de 1847) e Luís Gama (sem data)”
113
Imagem 28 Abertura do capítulo “A instituição da república” (adaptado) 116 Imagem 29 “Alegoria da república” (adaptado) 117 Imagem 30 Abertura do capítulo “A instituição da república” (adaptado) 125 Imagem 31 “Alegoria à proclamação da República e à partida da família
imperial” (adaptado) 126
Imagem 32 Primeira página do capítulo “A instituição da república” (adaptado)
128
Imagem 33 Parágrafos seguintes à abertura: à esquerda, o texto constituinte da edição de 2005 (adaptado), seguido, à direita, do parágrafo presente na edição 2013.
129
Imagem 34 “A Pátria” (adaptado) 130
11
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Edições selecionadas da publicação “História Global– Brasil e Geral”
16
Quadro 2 Dissertações sobre livros didáticos de História sob a perspectiva das relações de gênero e sexualidade
33
Quadro 3 Editais de convocação, catálogos/guias e público atendido pelos Programas
53
Quadro 4 Estrutura composicional do capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)”, edição de 2005
72
Quadro 5 Atividades da seção “Monitorando”, edição 2005 78 Quadro 6 Atividades da seção “Monitorando”, edição 2005 82 Quadro 7 Estrutura composicional do capítulo “Segundo Reinado
(1840-1889)” 84
Quadro 8 Atividades da seção “Compreendendo”, edição 2013 89 Quadro 9 Estrutura composicional do capítulo “A crise do império”,
edição de 2005. 94
Quadro 10 Atividades da seção “Monitorando”, edição 2005. 96 Quadro 11 Estrutura composicional do capítulo “O fim do império”,
edição de 2013 104
Quadro 12 Atividades das seções “Compreendendo”, edição 2013 108 Quadro 13 Estrutura composicional do capítulo “A instituição da
República”, edição de 2005 115
Quadro 14 Atividades da seção “Monitorando”, edição 2005 123 Quadro 15 Estrutura composicional do capítulo “A instituição da
República”, edição de 2013 124
Quadro 16 Atividades da seção “Observando”, edição 2013 132
12
LISTA DE SIGLAS
BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais
FNDE Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PNLD Programa Nacional do Livro Didático
PNLEM Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
SEB/MEC Secretaria de Educação Básica
13
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 14
2 OS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA NO HORIZONTE DE
PESQUISA
23
2.1 Impressos em disputa: revisando a “guerra das narrativas” 23
2.2 As relações de gênero e sexualidade nos livros didáticos de
História
31
2.3 Definindo aproximações e limites teórico-metodológicos 42
3 RELAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE NOS LIVROS
DIDÁTICOS DE HISTÓRIA: O QUE DIZEM OS EDITAIS E GUIAS?
52
3.1 Edital e Catálogo do PNLEM/2007 53
3.2 Edital e Guia do PNLD/2015 60
4 OS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA: (RE)FAZENDO O
GÊNERO NOS SABERES SOBRE O SÉCULO XIX
66
4.1 “Caro aluno”: apresentação e estruturação das obras
selecionadas
67
4.1.1 Edição 2005 67
4.1.2 Edição 2013 71
4.2 O Segundo Reinado (1840-1889) 73
4.2.1 Edição 2005 73
4.2.2 Edição 2013 83
4.3 A crise do império 93
4.3.1 Edição 2005 93
4.3.2 Edição 2013 103
4.4 A instituição da república 115
4.4.1 Edição 2005 115
4.4.2 Edição 2013 124
5 CONCLUSÃO 133
REFERÊNCIAS 140
14
1 INTRODUÇÃO
As reflexões desenvolvidas para esta pesquisa resultaram da participação, no
âmbito da formação em Licenciatura em História pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
(PIBID/UFPE)1. Em sala de aula, na observação da prática docente, percebemos a
possibilidade de elaboração de novas questões quanto aos significados da atuação
de professores e professoras, tal como do próprio ambiente escolar, na produção do
conhecimento histórico e na transmissão de atitudes e valores.
Somada a essa experiência, destacamos a participação junto ao grupo de
estudos “História da Educação e das práticas de educabilidade no mundo Ibero-
americano” 2. Observadas em seu caráter histórico e politicamente situado, a
problematização sobre as práticas de educabilidade constituiu um ponto de partida
para as análises desenvolvidas neste texto.
Salientamos ainda a atuação do grupo de pesquisa Gênero e Docência no
Currículo dos Filmes de Escola/Educação3. Buscando investigar de que formas o
cinema atua na produção de múltiplos sentidos que interpelam os sujeitos a se
constituir como sujeitos de um certo tipo, no caso como professores e professoras de
um certo tipo, ensaiamos, em aproximação aos estudos foucaultianos e pós-
estruturalistas, reflexões que foram fundamentais ao desenvolvimento desta
pesquisa.
Ao centrar nossas observações na produção do conhecimento histórico no
ambiente escolar, um artefato chamou nossa atenção de imediato: o livro didático de
História. Elemento ímpar na difusão de conhecimentos sistematizados, o livro didático
desponta como um dos produtos culturais de maior divulgação entre o público
brasileiro com acesso ao ensino escolarizado (FONSECA, 2003, p. 49) e sua análise
engendra múltiplas dimensões e possibilidades de pesquisa.
1 Sob a coordenação da Professora Adriana Maria Paulo da Silva, o PIBID em História, campus Recife, atuou durante quatro anos junto a escolas da rede pública da região metropolitana, elaborando e executando projetos didáticos voltados à promoção de aprendizagens em história. 2 Coordenado pela Professora Adriana Maria Paulo da Silva, o grupo conta com a participação de estudantes do Programa de Pós-graduação do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco. Agradecemos à Nathalia Cavalcanti, Yan Santos, Dayana Lima e Isabela Tristão pelo empenho em contribuir para esta pesquisa. 3 Desenvolvido no Centro de Educação (CE/ UFPE) e constituído por discentes do curso de licenciatura em História e Pedagogia, o grupo de pesquisa conta com a orientação da Professora Karina Mirian da Cruz Valença Alves.
15
Considerando o livro didático de História enquanto artefato produtivo na
veiculação de determinados saberes e nos processos de subjetivação no âmbito da
vivência escolar, a presente pesquisa tem por objetivo geral analisar as concepções
de masculinidades e/ou feminilidades presentes na materialidade discursiva de livros
didáticos de História endereçados ao Ensino Médio público brasileiro.
Enquanto fontes principais, definimos duas edições distintas da obra “História
Global – Brasil e Geral”, de autoria atribuída a Gilberto Cotrim4, sob o selo da Editora
Saraiva: a edição volume único, aprovada pelo edital do PNLEM/2007 e publicada em
2005; e a coleção didática publicada em 2013, aprovada pelo edital do PNLD/20155.
Salientamos que as diferentes edições da obra “História Global – Brasil e Geral”
são centrais para nosso estudo tendo em vista este título ter sido aprovado em todas
as edições do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e no Programa Nacional
do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM)6.
Algumas expressões dessa permanência podem ser apreendidas no site do
Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE). Infelizmente, para a
edição do PNLEM/2007, a plataforma não especificou os investimentos por coleção
didática. Sabemos, entretanto, que nesta edição foram investidos R$ 221.540.849,41
para a aquisição de obras didáticas de História e Química, além da reposição de livros
de Português, Matemática e Biologia (BRASIL, 201- a).
Com relação ao PNLD/2015, os dados são mais precisos e oferecem uma
relação das obras mais distribuídas por componente curricular e os valores de
aquisição por título da obra. No âmbito dessa edição do programa, a obra “História
Global– Brasil e Geral” figurou em segundo lugar no ranking das edições mais
distribuídas nacionalmente, tendo a aquisição de seus três volumes custado pouco
mais de 7,4 milhões de reais, somados os valores de aquisição das edições voltadas
a alunos e professores (BRASIL, 201- b; 201- c).
4 Licenciado em História pela Universidade de São Paulo (USP), Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie e ex-presidente da Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos, gestão 1996/1998 (MUNAKATA, 1997, p. 71). 5 O “Edital de convocação para o processo de inscrição e avaliação de obras didáticas para o Programa Nacional do Livro Didático PNLD 2015” (BRASIL, 2013, p. 1) compreende por coleção: “[...] o conjunto organizado em volumes, inscrita sob um único e mesmo título, ordenado em torno de uma proposta pedagógica única e de uma progressão didática articulada com o componente curricular do ensino médio”. 6 Além de “História Global – Brasil e Geral”, apenas a obra “História: das cavernas ao terceiro milênio”, cuja autoria é atribuída a Myriam Becho Mota e Patrícia Ramos Braick, sob o selo da editora Moderna, permanece em todas as edições dos programas nacionais do livro didático voltadas ao Ensino Médio.
16
Quanto a definição do marco temporal, obedecemos a dinâmica dos programas
nacionais do livro didático. Partindo do PNLEM/2008, primeiro a selecionar edições
didáticas de História para o Ensino Médio público brasileiro (MELO, 2012, p. 03) 7,
estendemos nossa análise ao PNLD/2015, penúltima edição realizada para o
atendimento dessa modalidade de ensino. Ao localizar e relacionar duas edições
veiculadas em momentos opostos dos programas nacionais, identificamos rupturas e
continuidades nos conteúdos normativos de gênero que perpassam a narrativa das
obras avaliadas e aprovadas no âmbito desses programas.
Coleção didática
Título
Ano de
publicação
Edição do
PNLD
Situação no ranking por componente
curricular
História Global – Brasil e Geral
2005
2008
Indisponível
História Global – Brasil e Geral
2013
2015
2º Lugar
Quadro 1 – Edições selecionadas da publicação “História Global– Brasil e Geral”.
Na análise da comunicação dos livros didáticos de História sob a perspectiva
das questões de gênero, questionamos a competência das/ dos pareceristas
responsáveis pela avaliação das obras didáticas. Consideramos, ao analisar os
7 Embora avaliados e aprovados no processo de seleção do PNLEM/2007, os livros didáticos de História foram distribuídos somente a partir de 2008, acompanhados pelo “Catálogo do Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio: PNLEM/2008” (BRASIL, 2007).
17
Editais do Programa Nacional do Livro Didático pertinentes para esta análise, a
observância, entre os critérios comuns de avaliação das obras didáticas destinadas
ao Ensino Médio, de preceitos éticos referentes a exclusão de obras que veiculem
preconceitos e/ou estereótipos em relação ao gênero e orientação sexual (BRASIL,
2005, p. 37; BRASIL, 2013, p. 40).
Partindo destas especificações e seus desdobramentos para as avaliações,
nos interessa observar as estratégias por meio das quais as obras didáticas
selecionadas valorizam determinados saberes a respeito das experiências masculinas
e/ou femininas no passado. Saberes que atualizam, no ensino escolarizado,
significados para estas experiências. Saberes que estabelecem sua relevância na
exclusão de outros, anunciando quais sujeitos importa conhecer– e definindo, em sua
fronteira, a invisibilidade dos “outros”.
Consideradas tais questões, cabe a definição dos objetivos específicos
implicados nesta análise. Assim, propomos:
• Analisar, bibliograficamente, dissertações interessadas no livro didático de
História sob a perspectiva analítica das relações de gênero;
• Analisar, sob a perspectiva das relações de gênero, diferentes edições dos
Editais e Guias do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD),
contemporâneas às obras selecionadas;
• Analisar, partindo dos textos e imagens presentes nas coleções didáticas, as
estratégias utilizadas para a comunicação de saberes históricos a respeito dos
significados das diferenças sexuais;
• Analisar, partindo do diálogo com a historiografia sobre gênero e história das
mulheres, os conteúdos selecionados e comunicados por essas coleções no
que diz respeito ao Segundo Reinado (1840-1889) e início do período
republicano brasileiro.
Ainda a título de “considerações preliminares”, salientamos que ao dialogar
sobre o livro didático de História e os documentos oficiais que orientam questões
relacionadas ao ensino escolarizado de história, não buscamos estabelecer um jogo
de causa e consequência – ou descortinar uma “origem” de determinados saberes
sobre as diferenças sexuais “transmitidos” nos materiais didáticos. Buscamos
perceber regularidades e variações dos discursos de gênero nos documentos oficiais,
18
documentos que nos ajudam a pensar as condições de construção dos livros didáticos
de História selecionados para o ensino escolarizado.
A escolha do nosso recorte partiu das particularidades indicadas pela
historiografia para o período: marcado por transformações, relacionadas à ideia de
progresso técnico e científico; avanço da Revolução Industrial; desenvolvimento do
liberalismo; da alfabetização, instrução e democracia (GONÇALVES, 2006). O “século
burguês”, quando observado sob a perspectiva das dinâmicas de gênero, foi marcado
ainda por um intenso debate em torno dos significados atribuídos às diferenças
sexuais.
Paradoxalmente, nesse contexto de intensas transformações, toda uma
economia discursiva, amparada pelo discurso médico e biológico, atuou na
determinação de funções, espaços e papeis para cada um dos sexos. Segundo
Michelle Perrot (1998, p. 180) foi engendrado no século XIX um triplo movimento:
retraimento das mulheres em relação ao espaço público, constituição da
representação de um espaço privado familiar predominantemente feminino e
superinvestimento do imaginário e do simbólico nas representações femininas.
Como destacou Perrot (1998, p. 16), o século XIX foi marcado por
investimentos em figuras femininas. Presentes nas alegorias religiosas, cartazes
políticos ou publicitários, essas comunicações tomaram “[...] o corpo das mulheres
como suporte de suas mensagens”. Marcado por um superinvestimento do imaginário
e do simbólico nas representações de feminilidades, o século XIX impresso na obra
analisada também retomou alguns elementos dessa proliferação de discursos.
Século da “Era Vitoriana”, da família, da emergência da figura das donas de
casa, da ideia de público e privado, das normas de etiqueta, maternidade e da
privacidade burguesa, e das sempre, permanentes, lutas sociais. Enquanto
movimento social visível, o Feminismo do século XIX atuou na reivindicação de
direitos políticos– como direito ao voto e candidatura–, sociais e econômicos– como o
ingresso no mercado de trabalho, remuneração, ensino escolarizado, direito a
propriedade e herança (GONÇALVES, 2006).
Tendo em vista potencializar o diálogo entre os livros didáticos de História e a
produção historiográfica, ajustamos nosso recorte temático-cronológico. Nessa
perspectiva, a presente pesquisa concentrou suas observações e análises nas
concepções de masculinidades e/ou feminilidades expressas no contexto de
“endereçamento” de três “personagens”: Pedro de Alcântara, nomeado D. Pedro II
19
durante o Segundo Reinado (1840-1889); a Princesa Isabel (1846-1921), regente
durante o Segundo Reinado brasileiro; e a República, em sua representação feminina,
presente nas narrativas sobre o Brasil no final do século XIX.
A escolha deste recorte partiu da compreensão da singular importância política
de D. Isabel durante o Segundo Reinado brasileiro. Como destacado por Roderick J.
Barman (2005, p. 16), durante aproximadamente quarenta anos (1851-1889), D.
Isabel foi herdeira do trono– governando o país em três ocasiões, entre 1871 e 1888,
que somam três anos e meio. Observada em uma perspectiva mais ampla, a princesa
chamou a atenção em um contexto político majoritariamente masculino. Como
salientado por Barman (2005, p. 16):
Ela [D. Isabel] é uma das nove– e apenas nove– mulheres, em todo o mundo, que ocuparam o posto de autoridade suprema de seus países no século XIX, seja no papel de monarcas (Maria II, de Portugal; Vitória, da Grã-Bretanha; Isabella II, da Espanha; Liliuokalani, do Havaí; Guilhermina, da Holanda), seja no de regentes (Maria Cristina, de Habsburgo; Emma, de Waldeck e Pyrmont). Todas elas nasceram em famílias reais ou principescas e cresceram cercadas de privilégios.
Tal definição permitiu estender nossas análises aos capítulos: “Segundo
Reinado (1840-1889)”, “O fim do Império” e “A instituição da República”, presentes em
todas as edições selecionadas.
No movimento de aproximação à determinada produção acadêmica e
historiográfica, algumas considerações se fazem necessárias. Não pretendemos, ao
apresentar o discurso histórico produzido por historiadoras e historiadores, definir um
sistema de oposição entre o “verdadeiro” da produção acadêmica e o “falso” dos
discursos históricos nos livros didáticos. Tampouco revelar a “verdadeira história”,
necessariamente anterior e familiar aos impressos escolares, escondida por trás das
cortinas do palco da escrita. Interessa muito mais explorar o que acontece às margens
da cena– aquilo que, mesmo sobre o palco das narrativas possíveis, permaneceu nas
coxias, nos bastidores da história reescrita e apresentada ao público escolar.
Partindo da articulação entre currículo e processos de subjetivação, nos
aproximamos do texto “Modo de endereçamento: uma coisa de cinema; uma coisa de
educação”, fragmento traduzido da obra Theaching positions. Difference, pedagogy,
and the power of address, de autoria da pesquisadora Elizabeth Ellsworth (2001).
Investigando as relações estabelecidas entre o “social” e o “individual”, entre o texto
20
fílmico e o lugar social do público, segundo a autora, o modo de endereçamento põe
em questão: “quem este filme pensa que você é....?”. Partindo desta perspectiva,
Ellsworth (2001) propõe uma abordagem histórica da análise de endereçamento,
direcionando, em aproximação aos Estudos Culturais, sua reflexão para questões
voltadas à prática pedagógica. Situando o modo de endereçamento entre o currículo
e seus usos, a autora nos convida a pensar quais experiências e posições sociais
figuram enquanto alvos de endereçamento e, ainda, de que forma esse
endereçamento à determinada “posição de sujeito”, imaginada e desejada, é produtivo
no engendramento de subjetividades específicas, em detrimento a outras experiências
sociais e culturais marginalizadas.
No que concerne ao horizonte historiográfico propriamente, algumas
aproximações merecem destaque. Tendo como objetivo analisar o livro didático de
História sob a perspectiva das relações de gênero, investigando as concepções de
masculinidades e/ou feminilidades inscritas na materialidade desses artefatos,
partimos da teorização proposta pela historiadora feminista Joan Scott (1995). Em
“Gênero: uma categoria útil de análise histórica”, Scott (1995, p. 5) debateu os limites
e possibilidades da emergência do gênero enquanto categoria analítica, propondo
como desafio teórico e político problematizar os “conceitos disciplinares dominantes”
na produção historiográfica, considerando não apenas a experiência de gênero no
passado, mas ainda a prática historiográfica no presente. Direcionando sua crítica aos
usos “descritivos” do gênero, e ao limitado domínio de pesquisa que essas estratégias
configuram, Scott (1995, p. 17) ensaiou uma análise dos sistemas de relações sociais,
atentando às redes de significações constitutivas das relações sociais “baseadas nas
diferenças percebidas entre os sexos”.
Tendo em vista a história das mulheres e do feminismo no contexto brasileiro,
destacamos a obra de Céli Regina Jardim Pinto (2003), “Uma história do feminismo
no Brasil”. Considerando que “o feminismo no Brasil não foi uma importação que
pairou acima das contradições e lutas que constituem as terras brasileiras”, Pinto
(2003, p. 10) objetivou “perseguir as tendências” que marcaram a história do
feminismo no Brasil. Partindo do movimento sufragista do final do século XIX,
engendrado em meio às contradições da república oligárquica, a autora analisou
algumas das transformações políticas na história do feminismo no século XX: o direito
ao voto em 1932 e a liderança política de Bertha Lutz; o desenvolvimento paradoxal
do movimento durante o período ditatorial no país, ligado aos grupos políticos exilados
21
e visto inicialmente como uma ameaça a “unidade” da luta contra a opressão; e o
feminismo nos processos de redemocratização, acompanhado da emergência de
novas temáticas, durante os anos 80 e 90. A obra propôs um panorama dos desafios
políticos do movimento feminista brasileiro, atentando ao seu caráter abrangente,
plural e historicamente situado.
Merece destaque ainda a obra “Os excluídos da história: operários, mulheres e
prisioneiros”, da historiadora Michelle Perrot (2006), especificamente em seu capítulo
voltado a história das mulheres na França do século XIX. Atenta à relação entre as
mulheres e o poder na história, a autora investigou, entre outros aspectos, a
proliferação de um discurso de constituição do espaço político, identificado como
público, através de um processo de exclusão das mulheres. Assentada na reinscrição
da diferença sexual, a exclusão das mulheres da cena política durante o século XIX
encontrou suporte no discurso médico e biológico da existência de “espécies” com
disposições distintas: “Aos homens, o cérebro, a inteligência, a razão lúcida, a
capacidade de decisão. Às mulheres, o coração, a sensibilidade, os sentimentos”
(PERROT, 2006, p. 177). Pensando entre a história e a historiografia, Perrot (2006, p.
186) considerou os “silêncios” sobre a história das mulheres enquanto expressão
dessas assimetrias de poder nas representações do passado.
Considerando observar a historicidade própria dos materiais didáticos em uma
perspectiva não reducionista de sua materialidade às determinações de programas
governamentais voltados a essas mercadorias, destacamos a tese de Kazumi
Munakata. “Produzindo livros didáticos e paradidáticos”, apresentada em 1997 ao
programa de História e Filosofia da Educação da Pontifícia Universidade Católica
(PUC – SP). O objetivo dessa pesquisa foi analisar os processos de produção dos
livros didáticos e paradidáticos no Brasil. O autor analisou o mercado editorial
brasileiro, sua relação com as políticas públicas educacionais desenvolvidas pelo
Estado e os agentes atuantes para a materialização dessas obras– atentando a
dinâmica dos aspectos editoriais. Quanto aos livros didáticos de História,
especificamente, a abordagem desenvolvida pelo autor tem possibilitado reflexões
quanto aos aspectos editoriais constitutivos desses impressos8.
8 Destacamos a obra “História regional para a escolarização básica no Brasil: o livro didático em questão (2006/2009)”, organizada por Itamar Freitas (2009), notadamente nos artigos: “Matriz de análise para projetos gráficos de livros”, de autoria de Hermeson Alves de Menezes (2009), e “O projeto gráfico nos livros didáticos de História regional”, de Kleber Luiz Gavião Machado de Souza (2009).
22
Tendo em vista algumas das referências bibliográficas influentes para a
realização desta pesquisa, destacamos a estrutura deste texto. No segundo capítulo,
“Os livros didáticos de História no horizonte de pesquisa”, apresentamos uma revisão
bibliográfica das pesquisas acadêmicas voltadas a problemática dos livros didáticos
de História, sob a perspectiva das relações de gênero e sexualidade.
Em “Relações de gênero e sexualidade nos livros didáticos de História: o que
dizem os Editais e Guias?”, terceiro capítulo, observamos os Editais e Guias
correspondentes ao Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
(PNLEM/2007) e do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD/2015),
contemporâneos às edições de 2005 e 2013 da obra “História Global– Brasil e Geral”,
fonte principal desta pesquisa.
No capítulo seguinte, “Os livros didáticos de história: (re)fazendo o gênero nos
saberes sobre o século XIX”, desenvolvemos nossas observações e análises sobre
concepções de masculinidades e/ou feminilidades inscritas em livros didáticos de
História endereçados ao Ensino Médio público brasileiro. Considerando os
mecanismos de comunicação empenhados pelas obras analisadas, desenvolvemos
uma metodologia de análise “cenográfica” das estratégias de estruturação e
apresentação dos enunciados disponibilizados pelas obras.
23
2 OS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA NO HORIZONTE DE PESQUISA
Este capítulo foi estruturado em três momentos. No tópico “Impressos em
disputa: revisando a ‘guerra das narrativas’”, em diálogo com Christian Laville (1999),
introduzimos o debate desenvolvendo uma revisão bibliográfica voltada à
problemática dos livros didáticos de História. Na sequência, “As relações de gênero
e sexualidade nos livros didáticos de História”, inspirados por Alain Choppin (2004),
sistematizamos e analisamos produções acadêmicas a respeito de livros didáticos de
História sob a perspectiva das relações de gênero, salientando suas estratégias
analíticas e principais conclusões. Por último, em “Definindo aproximações e limites
teórico-metodológicos”, apresentamos– articulando a produção acadêmica, analisada
anteriormente, aos estudos culturais e pós-estruturalistas– as aproximações teórico-
metodológicas empreendidas nesta análise.
2.1 Impressos em disputa: revisando a “guerra das narrativas”
Por trás de sua aparente familiaridade, o livro didático é um objeto de difícil
compreensão. Sua análise tem mobilizado pesquisadores de diversas áreas do
conhecimento, ocupados em investigar, de seu processo de produção, às dinâmicas
políticas e econômicas atuantes em sua distribuição enquanto mercadoria
especificamente voltada ao mercado escolar9. Tendo em vista mapear as principais
problemáticas na pesquisa histórica sobre os livros didáticos, Choppin (2004, p. 552)
argumentou que a natureza complexa desses materiais, quando observados
historicamente, advém de sua localização entre três gêneros literários:
[...] de início, a literatura religiosa de onde se origina a literatura escolar, da qual são exemplos, no Ocidente cristão, os livros escolares laicos “por pergunta e resposta”, que retomam o método e a estrutura
9 Sobre o livro didático como objeto de pesquisa, ver: Kazumi Munakata (2012a), “O livro didático: alguns temas de pesquisa”. Para compreender o livro didático em sua relação com a expansão do ensino escolarizado, ver: Munakata (2012b), “O livro didático como mercadoria”. Para uma análise dos livros didáticos de História e sua importância nos processos de ensino-aprendizagem, ver: Luca (2006), “O debate em torno dos livros didáticos de História”. Considerando uma análise dos principais temas abordados pela pesquisa histórica sobre os livros e edições didáticas, ver: Choppin (2004). “História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte”.
24
familiar aos catecismos; em seguida, a literatura didática, técnica ou profissional que se apossou progressivamente da instituição escolar, em épocas variadas — entre os anos 1760 e 1830, na Europa —, de acordo com o lugar e o tipo de ensino; enfim, a literatura “de lazer”, tanto a de caráter moral quanto a de recreação ou de vulgarização, que inicialmente se manteve separada do universo escolar, mas à qual os livros didáticos mais recentes e em vários países incorporaram seu dinamismo e características essenciais.
Em sua análise, o autor nos convidou a refletir quanto a multiplicidade de
agentes envolvidos nas várias etapas do “ciclo da vida” de um livro escolar: sua
concepção se inscreve em um contexto pedagógico específico, compelido, na maioria
das vezes, por procedimentos avaliativos e regulatórios. Sua elaboração, editoração
e construção material mobilizam equipes de trabalho cada vez mais especializadas;
sua aquisição e distribuição envolvem redes de financiamento, públicas ou privadas;
e sua mobilização em sala de aula conta com a atuação de discentes e docentes
(CHOPPIN, 2004, p. 553).
A expressão material dos livros é uma dimensão a ser considerada. Pensando
com Kazumi Munakata (1997, p. 84), para além das “ideias, sentimentos, imagens,
sensações, significações que o texto possa representar”, o livro resulta de um
processo de trabalho bem definido, atendendo determinada demanda enquanto
mercadoria. Observando os livros didáticos, sua produção é atravessada por
parâmetros que os constituem como instrumentos voltados, em sua composição, aos
processos de ensino e aprendizagem. Tal definição de critérios expressa suas marcas
ao considerarmos, por exemplo, o “[...] conteúdo adequado ao currículo, legibilidade
e inteligibilidade apropriados ao público-alvo; subdivisão da obra em partes, como
texto propriamente dito, boxes, resumos, glossário, bibliografia, atividades e
exercícios etc” (MUNAKATA, 1997, p. 100).
Direcionando nossas reflexões especificamente ao ensino escolarizado, o livro
didático pode ser uma fonte documental para análise dos sentidos e das práticas
escolares desenvolvidas historicamente (MIRANDA; LUCA, 2004). Considerando a
natureza complexa dessas publicações, Circe Bittencourt (2004, p. 296) propôs uma
conceituação ampla acerca das obras didáticas. Segundo a autora, os materiais
didáticos figuram como “mediadores do processo de aquisição do conhecimento, bem
como facilitadores da apreensão de conceitos, do domínio de informações e de uma
linguagem específica da área de cada disciplina”.
25
Na esteira dessa conceituação, os livros didáticos podem ser observados
também em sua relação com as questões curriculares. Em aproximação à teorização
proposta por Tomaz Tadeu da Silva (2012), a expressão produtiva do currículo–
enquanto artefato cultural, atravessado por aspectos sociais, políticos e culturais
historicamente situados– redimensiona a importância do caráter relacional entre os
livros didáticos e as práticas curriculares. Segundo o autor:
As narrativas contidas no currículo, explícita ou implicitamente, corporificam noções particulares sobre conhecimento, sobre formas de organização da sociedade, sobre os diferentes grupos sociais [...]. As narrativas contidas no currículo trazem embutidas noções sobre quais grupos podem representar a si e aos outros e quais grupos sociais podem apenas ser representados ou até mesmo excluídos de qualquer representação (SILVA, 2012, p. 190).
Nessa perspectiva, mais do que envolvidos na simples “transmissão” de
determinados conhecimentos, os livros didáticos, em sua complexa relação com as
questões curriculares, figuram enquanto espaço de disputas, subjetivações e poderes.
Considerando o caráter polissêmico desses objetos, nesta seção,
apresentamos um breve debate voltado a problemática dos livros didáticos de História.
Constituídos, e constituidores, de narrativas disputadas, tais publicações são alvo
privilegiado daquilo que Christian Laville (1999, p. 127) denominou “guerra das
narrativas”: debates que retomam o ensino escolarizado de História e seus
componentes didáticos, a despeito dos objetivos de formação oficialmente atribuídos,
como veículos de “[...] uma narração exclusiva que precisa ser assimilada custe o que
custar”. Tendo em vista ampliar tal compreensão10, esta apresentação, embora
inevitavelmente parcial diante da multiplicidade de abordagens que esses objetos
oportunizam, permitiu delinear a “topografia de interesses” (CERTEAU, 2011) desta
pesquisa.
Em consonância com Bittencourt (2004, p. 302), partimos do princípio de que a
importância desses materiais “[...] reside na explicitação de conteúdos históricos
provenientes das propostas curriculares e da produção historiográfica. Autores e
10 Tomamos como referências principais para este debate as seguintes pesquisas: “Um mapeamento das pesquisas sobre o livro didático de História na região sudeste: 1980 a 2005”, dissertação apresentada por Kênia Hilda Moreira (2006) ao Programa de Pós-graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (UNESP), ancorada em 18 fontes, entre teses e dissertações; e “Produção didática de História: trajetórias de pesquisas”, de Circe Maria Fernandes Bittencourt (2011), uma análise de teses, dissertações e publicações acadêmicas (totalizando 121) sobre o livro didático de História, de 1980 à primeira década do século XXI.
26
editoras têm sempre, na elaboração dos livros, o desafio de criar estes vínculos”.
Refletindo sobre a produção do conhecimento histórico em sala de aula, a “criação
desses vínculos” é um importante elemento de crítica.
Tendo em vista as práticas pedagógicas que as obras didáticas mobilizam–
exercícios de produção textual, análise de imagens, trabalhos em grupo ou
individuais– é possível indagar os sentidos do conhecimento valorizado por essas
publicações. Bittencourt (2004) nos advertiu sobre o aparente caráter “categórico” do
conhecimento histórico apresentado nos materiais didáticos, nos quais a “operação
de produção e apresentação do conhecimento realizada pelo livro didático é assim
foco de crítica, porque resulta em um texto impositivo que impede uma reflexão de
caráter contestatório” (BITTENCOURT, 2004, p. 314).
Em outros termos, esse “efeito de verdade” sobre o conhecimento histórico no
ensino escolarizado merece uma análise atenta, observando o livro didático enquanto
espaço de comunicação de determinados sistemas de valores culturalmente situados.
Nessa perspectiva analítica, o debate acadêmico brasileiro dos anos de 1980 figurou
enquanto importante ponto de partida (MOREIRA, 2006). Período de destacado
interesse sobre a produção acadêmica na área do ensino de história11, a década é
marcada por denúncias quanto ao caráter ideológico da literatura escolar. Quanto a
pesquisa sobre os livros didáticos de História, Bittencourt (2011, p. 496) destacou:
Em uma primeira fase das análises, a tendência dos estudos pautava-se na concepção de ideologia em uma vertente que possibilitava a identificação de uma falsa ideologia– a burguesa– que se impunha nos meios de comunicação, das formas mais variáveis, dentre eles a produção didática [...]. Nesse contexto, muitas das pesquisas concentravam-se na denúncia do caráter ideológico dos conteúdos das disciplinas, identificando, nas obras didáticas, uma conformação de valores desejáveis por setores do poder instalados nos aparelhos de Estado, como o caso das disciplinas Estudos Sociais, Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil (OSPB).
As análises sobre os livros didáticos de História, tomados enquanto
“reprodutores” do um discurso dominante e legitimadores das desigualdades sociais,
incidiram notadamente sobre as ausências de determinados grupos sociais nas
11 Quanto ao crescimento nas pesquisas sobre os livros didáticos nos anos de 1980, Bittencourt (2011, p. 489) destaca a publicação “O que sabemos sobre o livro didático: catálogo analítico”. Realizada pela UNICAMP, em 1989, o catálogo reuniu referências a pesquisas e publicações em eventos sobre os livros didáticos de História. Poderíamos citar ainda a obra “O estado da arte do livro didático no Brasil”, escrita por Barbara Freitag (1987), que reúne publicações brasileiras dos anos 60 e 70.
27
narrativas históricas escolares. Inspiradas nas críticas formuladas pelo historiador
francês Marc Ferro na obra, traduzida para o português em 1983, “Manipulação da
história no ensino e nos meios de comunicação”, as análises dos conteúdos históricos
imprimiram traços marcantes na reflexão sobre esses materiais e acompanharam a
reintrodução do ensino de História e Geografia, questionando os currículos para o
então denominado 1º e 2º graus (BITTENCOURT, 2011, p. 497)12.
A autora argumentou ainda que, neste período, a atenção a “clivagem” entre os
conhecimentos históricos escolares e acadêmicos ganhou relevo. Partindo da
compreensão dos livros didáticos enquanto suportes na “transposição” do
conhecimento acadêmico para o didático, segundo Bittencourt (2011, p. 498), tais
críticas pressupunham um processo no qual o conhecimento histórico “[...] de uma
forma originária de pesquisa passa a ser um conhecimento ’pronto e acabado’ e este
jargão tornou-se recorrente e explicativo da história contida nos textos didáticos”.
Preocupadas em investigar a composição de uma “memória coletiva” imbricada
na utilização dos livros didáticos de História, essas pesquisas passaram a ser
criticadas devido à ausência de embasamento empírico que comprovasse uma
relação dessa amplitude. A compreensão da impossibilidade de responsabilizar,
exclusivamente, essas publicações pela consolidação de determinada ideologia
ganhou expressão na diversificação das abordagens de pesquisa, marcante a partir
dos anos 90 do século passado (MOREIRA, 2006, p. 133).
Observando a produção acadêmica daquele período, Bittencourt (2011)
identificou a emergência de temáticas tais como formação de professores, currículos–
tendo em vista o processo de reformulação curricular no contexto dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN)–, história do ensino de História, produção historiográfica
e livros didáticos. Estes últimos, despontaram enquanto fontes centrais nas
investigações sobre a efetivação de programas curriculares, notadamente em regimes
ditatoriais, como o Estado Novo e período militar, entre 1964 e 1985. Naquele
contexto, a percepção generalista quanto ao ambiente escolar, enquanto “mero
aparelho ideológico do Estado”, sofreu reformulações:
Para a história escolar, a preocupação das análises centrou-se na identificação da rede mais extensa de sujeitos que participam de sua
12 A análise dos conteúdos foi um traço marcante no conjunto das pesquisas analisadas por Moreira (2006, p. 132): entre 1980 e 2000, das 18 pesquisas reunidas, 66,6% estão comprometidas com esta abordagem.
28
constituição, na articulação entre os agentes governamentais e intelectuais, entre os setores educacionais responsáveis pelo gerenciamento das escolas com os professores e os alunos assim como com a comunidade escolar. Esta dimensão de articulação de diferentes sujeitos na constituição do ensino de História fez com que houvesse a necessidade da introdução de novos conceitos no processo de análise cujo foco passou a ser a instituição escolar como “lugar” significativo dessa produção (BITTENCOURT, 2011, p. 501).
Acompanhando as renovações no campo, outras perspectivas teórico-
metodológicas marcaram as análises sobre os livros didáticos. Pesquisadores como
Jean-Henri Martin (1988)– dedicado a história da leitura e de práticas de leitura–, Alain
Choppin (1980), Robert Darnton (1990) e Roger Chartier (1990)– estes possibilitando
a reflexão sobre as particularidades das produções atreladas à história dos livros e
das edições– contribuíram para um entendimento mais complexo desses materiais.
Nesse contexto, o cenário acadêmico brasileiro foi marcado pelas teses “Livro didático
e conhecimento histórico: uma história do saber escolar”, apresentada por Bittencourt
(1993) à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo; e “Produzindo livros didáticos e paradidáticos”, apresentada por Kazumi
Munakata (1997) à Pontifícia Universidade Católica.
O início do século XXI correspondeu a um crescimento nas pesquisas sobre
livros didáticos de História. Como destacado por Bittencourt (2011, p. 504), um dos
aspectos a se considerar nessa expansão veicula-se a reflexão quanto as políticas
públicas educacionais– com destaque para o Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) e sua política, instituída em 1996, de avaliação das obras distribuídas aos
alunos das escolas públicas brasileiras. A autora argumentou ainda sobre as
transformações na representação dessas publicações na pesquisa acadêmica:
A valorização da universalização da distribuição de livros didáticos indica que, em princípio, os LDH são materiais didáticos importantes, em uma perspectiva diferenciada das propostas críticas das décadas de 1970 e 1980. Contrariamente ao período em que os estudos acadêmicos, em geral, defendiam a eliminação desta produção para o ensino da História, as análises atuais preocupam-se com o aperfeiçoamento do material (BITTENCOURT, 2011, p. 505).
Somada à reflexão quanto as relações entre Estado, editoras e público
consumidor, as determinações de políticas públicas como a Lei 10.649/2003 e a Lei
11.645/2008, referentes a obrigatoriedade do ensino de História e cultura afro-
29
brasileira e africana e inclusão da história e cultura indígena no currículo oficial de
ensino, respectivamente, também merecem destaque. Em consonância com
Bittencourt (2011), Moreira (2006, p. 120) salientou, especificamente no sudeste
brasileiro, o crescimento no debate étnico-racial voltado aos conteúdos dos livros
didáticos. Pesquisas referentes aos usos dessas publicações, atentas às suas formas
e conteúdos, também marcaram, segundo as autoras, a variedade das abordagens.
Quanto a reflexão sobre os processos de avaliação do livro didático de História,
tendência de pesquisa identificada por Bittencourt (2011) no início do século XXI,
destacamos a obra “Para que(m) se avalia? Livros Didáticos e avaliações (Brasil,
Chile, Espanha, Japão, México e Portugal)”, organizada por Margarida Maria Dias de
Oliveira (2014)– do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN) e representante de História na Comissão Técnica do Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD) nas avaliações de 2007, 2008, 2010, 2013 e 2014–
e Aryana Costa, professora do Departamento de História da Universidade do Estado
do Rio Grande do Norte (UERN). A coletânea analisou políticas públicas de seleção,
avaliação, distribuição e os usos, em sala de aula, dos livros didáticos de História por
professoras, professores, alunas e alunos de seis países. As autoras concluíram que
em diferentes países analisados, além do livro didático ser o material mais utilizado
em sala de aula por professores e professoras de História, os processos avaliativos
dos livros didáticos instauraram um “modelo padrão”: mesmo havendo uma
diversidade de coleções didáticas, elas são muito parecidas em suas abordagens dos
conteúdos históricos escolares e características editoriais.
Em relação à pesquisa anteriormente referida, salientamos, sob a perspectiva
das relações de gênero, a padronização de um tratamento, em livros didáticos de
História, que naturalizou posições normativas para as masculinidades e feminilidades.
Nessa perspectiva, as diferentes avaliações as quais a publicação analisada foi
submetida não modificaram a abordagem escolhida no tratamento dos conteúdos
históricos escolares.
Reflexões sobre as dinâmicas das políticas estatais e os livros didáticos de
História marcaram ainda a dissertação “O espaço escolar e o livro didático de História
no Brasil: a institucionalização de um modelo a partir do Programa Nacional do Livro
Didático (1994 a 2014)”, apresentada por Jandson Bernardo Soares (2017) ao
programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Tendo por objetivo explorar a forma pela qual o PNLD tem instituído critérios
30
de qualidade para os livros didáticos de História, o autor analisou, notadamente, os
Editais do PNLD, observados, não apenas enquanto ferramentas para compra de
livros didáticos, mas como delimitadores do que deveriam ser os livros didáticos a
serem adquiridos pelo Estado brasileiro. Nessa perspectiva, o autor concluiu que,
entre outros aspectos, a partir da publicação da obra “Definições de Critérios para a
Avaliação dos Livros Didáticos” (1994), houve uma “multiplicação da legislação”
dotando o livro didático de um papel de centralidade nos processos de qualificação do
ensino escolar. Tal “qualidade” foi atrelada ao debate sobre a formação cidadã–
marcada pelo processo de redemocratização recente–, redimensionando o papel
atribuído aos livros didáticos de História na compreensão da realidade social, política
e econômica do país.
Partindo da análise de livros didáticos de História presentes em todas as
edições do PNLD voltadas ao Ensino Médio público brasileiro, em nossa pesquisa,
questionamos essa percepção. Tendo em vista as relações de gênero, salientamos
que a coleção analisada não cumpriu os preceitos estabelecidos pelos Editais e Guias
correspondentes a cada edição– no âmbito do PNLEM/2008 e PNLD/2015– quanto à
formação cidadã.
A obra “Livros didáticos de história: entre políticas e narrativas”, organizada por
Helenice Rocha (2017) também mereceu destaque. Estruturada entre a análise das
políticas públicas para o livro didático e a observação das narrativas apresentadas em
sete dos quinze livros didáticos de História que compuseram o PNLD 2011, a obra
apresentou os resultados da pesquisa “Narrativas nos livros didáticos de história:
diálogos e tensões”, coordenada pela organizadora. As autoras concluíram que,
embora o PNLD de História opere enquanto uma política de mudança das publicações
inscritas– especialmente na inclusão de novas temáticas e no atendimento aos
critérios específicos dos Editais–, tais exigências não foram suficientes para
impulsionar renovações substantivas no conteúdo das obras, a ponto de promover a
superação das narrativas únicas, pretensas “verdades” sobre o passado.
Concordamos com essa compreensão. No caso da coleção analisada nesta
pesquisa, além das narrativas únicas e das pretensas “verdades”, salientamos a
reiteração de uma abordagem que adotou enquanto “fato” não problemático
desigualdades de gênero histórica e socialmente situadas.
Em linhas gerais, distante de uma perspectiva reducionista quanto ao ensino
de História e seus materiais curriculares, criticada por Laville (1999), a pesquisa
31
acadêmica voltada aos livros didáticos de História é diversa e expressa o caráter
histórico e politicamente inscrito desses materiais didáticos, objetos de destaque no
ensino escolarizado brasileiro.
Assumindo a perspectiva analítica das relações de gênero, entretanto, vale
destacar a ausência da temática nas reflexões apresentadas por Bittencourt (2011)
sobre a trajetória da pesquisa acadêmica voltada aos livros didáticos de História.
Considerando que a instituição escolar e seus materiais didáticos também
(re)produzem saberes, posições normativas, preconceitos e desigualdades, figurando
enquanto elementos que atuam na subjetivação dos sujeitos (SILVA, 2006, p. 3)13, tal
invisibilidade redimensiona a importância do tratamento desta temática no âmbito da
pesquisa histórica sobre a literatura escolar. Já na pesquisa realizada por Moreira
(2006), abrangendo 25 anos de pesquisa acadêmica, o mapeamento reuniu e analisou
apenas três dissertações atentas à história das mulheres impressas nesses
materiais14.
Em consonância com as reflexões elaboradas por Louro (1997), salientamos a
necessidade de refletir sobre os mecanismos produtivos para a escolarização de
saberes que atualizam assimetrias de poder. Aprendizes da autora, compreendemos
que “[...] currículos, normas, procedimentos de ensino, teorias, linguagem, materiais
didáticos, [...] são, seguramente, loci das diferenças de gênero, sexualidade, etnia,
classe– são constituídos por essas distinções e, ao mesmo tempo, seus produtores”
(LOURO, 1997, p. 64).
2.2 As relações de gênero e sexualidade nos livros didáticos de História
Nos repositórios digitais dos programas de pós-graduação nacionais,
constatamos o pequeno número de trabalhos acadêmicos (dissertações) voltados aos
livros didáticos de História sob a perspectiva das relações de gênero e sexualidade–
13 Neste ponto, como destaca Cristiani Bereta da Silva (2006, p. 01), pressupomos que os sujeitos são subjetivados por múltiplas instâncias discursivas, anteriores e simultâneas à experiência escolar. Esta multiplicidade de processos não diminui a importância de se observar de que forma o ensino escolarizado atua construção de subjetividades dos sujeitos escolares. 14 Sobre as pesquisas selecionadas pela autora: “A representação da mulher nos livros didáticos de História”, dissertação apresentada por Andréa Márcia Pinto (2001) à Universidade Federal do Espirito Santo (UFES); “Os manuais de história e a produção do discurso sobre as mulheres da Idade Média”, dissertação apresentada por Carlos Norberto Berger (2004) à Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI); “Representações da História das mulheres no Brasil em livros didáticos de História”, dissertação apresentada por Ângela Ribeiro Ferreira (2005) na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
32
contraste em relação à produção de artigos e comunicações acadêmicas sobre esta
temática. Tendo como fonte de pesquisa o repositório da Biblioteca Digital Brasileira
de Teses e Dissertações (BDTD)15, reunimos, para esta análise, cinco dissertações
recentes, desenvolvidas em programas distintos de pós-graduação16:
15 Nesta pesquisa, mobilizamos uma combinação entre as palavras-chave: feminilidade, feminilidades, masculinidade, masculinidades, relações de gênero, sexualidade e livros didáticos de História. Mesmo não adotando uma delimitação temporal, neste levantamento, apenas cinco dissertações atenderam aos interesses de análise. Para maiores informações sobre o conjunto de teses e dissertações disponíveis no repositório, ver: <http://bdtd.ibict.br/vufind/Search/Results?lookfor=g%C3%AAnero+e+livros+did%C3%A1ticos+de+hist%C3%B3ria&type=AllFields>. Acesso em: 11 de fevereiro de 2018. 16 Considerando voltar nossas reflexões para pesquisas mais recentes e não analisadas, optamos por não retomar as pesquisas visibilizadas por Moreira (2006) em seu mapeamento da produção acadêmica no sudeste brasileiro.
33
Autora Título da obra Ano Instituição Programa de Pós-Graduação
BERNARDELLI, Marília Alcântara
Entre permanências e subversões: a composição
feminina nos livros didáticos de
História
2016 Universidade Estadual de
Londrina (UEL)
Programa de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de
Londrina
CELESTINO, Gabriela Santetti
Gênero em livros didáticos de
História aprovados pelo Programa
Nacional do Livro Didático
(PNLD/2014)
2016 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Santa Catarina
FRANÇOSO, Fernanda Gomes
Os lugares de mulheres negras
em materiais didáticos de história da
Secretaria da Educação do
Estado de São Paulo
2017 Universidade Estadual Paulista
(UNESP)
Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Ciências e Tecnologia da Universidade
Estadual Paulista
MONTEIRO, Paolla Ungaretti
(In)visibilidade das mulheres brasileiras
nos livros didáticos de História
do Ensino Médio (PNLD, 2015)
2016 Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS)
Programa de Pós-Graduação em Educação da
Escola de Humanidades da
Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul SILVA, Márcia
Barbosa Representação de homossexuais nos livros didáticos de história para os anos finais do
ensino fundamental,
distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático– PNLD (2005-2011)
2013 Universidade Federal de
Sergipe (UFS)
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de
Sergipe
Quadro 2 – Dissertações sobre livros didáticos de História sob a perspectiva das relações de gênero e sexualidade
Este levantamento ofereceu uma percepção de determinadas “tendências” e
possibilidades de pesquisa sobre as relações de gênero inscritas nos livros didáticos
de História. Considerando a crítica de Alain Choppin (2004, p. 566) quanto a ausência
de trabalhos de síntese ou levantamentos sobre a pesquisa histórica e a literatura
escolar, nesta seção desenvolvemos uma síntese das dissertações reunidas,
destacando: as abordagens teóricas mobilizadas, os procedimentos metodológicos e
34
as principais conclusões alcançadas por cada pesquisadora. Na sequência, partindo
da reflexão sobre áreas ainda pouco exploradas nas dissertações, apresentamos as
aproximações e limites empreendidos em nossa análise.
Partimos da dissertação “Entre permanências e subversões: a composição
visual feminina nos livros didáticos de História”. Defendida no programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL) pela pedagoga
Marília Alcântara Bernardelli (2016). Esta pesquisa teve por objetivo investigar a
composição visual feminina inscrita nos livros didáticos aprovados pelo Programa
Nacional do Livro Didático, em 2013, e destinados às séries iniciais do Ensino
Fundamental (1º ao 5º ano).
O referencial teórico adotado enfatizou a abordagem iconológica e o gênero
enquanto categoria analítica. Segundo Bernardelli (2016, p. 18), na esteira de Martine
Joly (2012) e dos Estudos Visuais, a metodologia iconológica possibilitou “verificar as
três características de mensagens que compõem uma imagem visual: mensagem
plástica, mensagem icônica e mensagem linguística”. Considerando observar a
“mensagem geral implícita da imagem”, em diálogo com Joan Scott (1991), a autora
mobilizou o gênero na articulação de duas proposições iniciais: “o gênero é um
elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre
os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder”
(SCOTT, 1991 apud BERNARDELLI, 2016, p. 29).
Metodologicamente, a pesquisa centrou suas análises na “imagem visual fixa
da mulher”. Direcionada para seis coleções didáticas que apresentaram o “[...] maior
número de imagens de mulheres em detrimento às outras” (BERNARDELLI, 2016, p.
16), sua análise foi estruturada em quatro grupos temáticos: trabalho e maternidade,
movimentos sociais, professora e família e, por último, mulher negra.
Em linhas gerais, Bernardelli (2016) concluiu que, para além da “inclusão” das
mulheres nos livros didáticos de História, as obras observadas apresentam uma
composição visual feminina atravessada por aspectos “tradicionais e conservadores
quanto à estrutura performática no sentido de posicionamento social e de vestimentas”
(BERNARDELLI, 2016, p. 113), destacando a permanência de representações
relacionadas aos afazeres domésticos, maternidade e docência.
Uma abordagem distinta marcou a pesquisa “Gênero em Livros Didáticos de
História aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD/2014)”.
Apresentada pela historiadora Gabriela Santetti Celestino (2016) ao programa de Pós-
35
graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sua
análise voltou-se aos conteúdos dos livros didáticos de História aprovados pelo PNLD,
no ano de 2014, e direcionados aos anos finais do ensino fundamental.
Considerando o gênero enquanto categoria analítica, inspirada na historiadora
Joan Scott (1989), a pesquisa teve por objetivo geral observar como as coleções
selecionadas “mobilizam o gênero”, investigando sua compreensão e significação nas
narrativas (CELESTINO, 2016, p. 19). Para a seleção do material a ser analisado a
autora salientou a presença, ainda no sumário das obras, dos termos “mulher,
mulheres, gênero, feminino e feminismo”, encarados como “indicativo de preocupação
[...] de dar destaque à participação das mulheres na história ou às relações de gênero”
(CELESTINO, 2016, p. 16). Partindo com tais procedimentos a pesquisa analisou vinte
e uma obras17.
Quanto ao delineamento metodológico, foram estruturadas as temáticas:
divisão sexual do trabalho na pré-história; as mulheres na antiguidade clássica; as
mulheres no feudalismo; mulheres e trabalho no capitalismo; direitos, feminismos e
movimentos de mulheres; experiências individuais de mulheres na história; e gênero
na apresentação das obras. Ao final, Celestino (2016, p. 94) explorou ainda a
abordagem empreendida pelos livros didáticos de História visando a superação da
desigualdade de gênero.
Permanecendo ao nível das narrativas presentes nas obras, Celestino (2016,
p. 99) concluiu que, embora predomine um “masculino hegemônico” na abordagem
desenvolvida pelos livros didáticos analisados, houve uma “ampliação do espaço
destinado às mulheres e às relações de gênero”. Segundo a autora, embora esta
ampliação figure enquanto indicativo do atendimento das obras às exigências do
Edital do Programa Nacional do Livro Didático, permanecem, em todas, insuficiências
no tratamento desta temática, dificultando uma reflexão quanto às relações de gênero
no ensino de História (CELESTINO, 2016, p. 100).
Conclusões semelhantes foram alcançadas na dissertação “Os lugares de
mulheres negras em materiais didáticos de História da Secretaria da Educação do
Estado de São Paulo”, apresentada pela historiadora Fernanda Gomes Françoso
17 A autora justificou esta estratégia metodológica citando ainda o Edital do PNLD/2014, especificamente no que diz respeito ao critério “[..]Promover a imagem da mulher através do texto escrito, das ilustrações e das atividades das coleções, reforçando sua visibilidade” (BRASIL, 2011, p. 54 apud CELESTINO, 2016, p. 14).
36
(2017) ao programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual
Paulista (UNESP).
Analisando os livros didáticos de História aprovados pelo PNLD/2014 e os
chamados “Cadernos do Aluno e do Professor”, distribuídos pela Secretaria de
Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP)18, a pesquisa objetivou, em geral,
investigar as “[...] representações raciais e de gênero que podem ser associadas às
imagens das mulheres negras apresentadas nos Cadernos e em livros didáticos para
o ensino de História utilizados nas escolas públicas da Secretaria de Educação do
Estado de São Paulo” (FRANÇOSO, 2017, p. 25).
Para a seleção dos livros didáticos, a pesquisa mobilizou as duas coleções
mais distribuídas ao Ensino Fundamental II no triênio 2014 a 2016, observando as
representações raciais e de gênero associadas às imagens das mulheres negras, no
contexto histórico da escravidão no Brasil.
Partindo do conceito de “representação” (HALL, 2014; CHARTIER, 2002), em
diálogo com os estudos culturais e feministas (SCOTT, 1989; PERROT, 2009), a
autora centrou suas observações nas imagens mobilizadas por esses impressos,
identificando as temáticas a elas atreladas e sua associação, ou não, ao
reconhecimento das lutas e resistências das personagens femininas (FRANÇOSO,
2017, p. 25). Orientada metodologicamente através da Análise de Conteúdo
(FRANCO, 2007; MINAYO, 2004), a pesquisa foi desenvolvida articulando as
categorias “mulheres no trabalho” e “mulheres fora do trabalho”.
Em linhas gerais, Françoso (2017) concluiu que a maioria das representações
mobilizadas nas obras apresentam personagens “em condições subalternas e/ou
como vítimas, ocultando a história de suas ações e participação na vida social
brasileira” (FRANÇOSO, 2017, p. 160). De acordo com a autora, embora os livros
didáticos de História aprovados pelo PNLD/2014 atendam as recomendações
estabelecidas pela legislação, permanecem insuficiências nos textos e atividades,
predominando representações de subalternização e vitimização das personagens.
Já em relação aos “Cadernos do Aluno e do Professor”, distribuídos pela
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP), a autora concluiu que
todas as imagens analisadas apresentam as personagens “[...] em posições de
18 Material didático dividido por componente curricular e, segundo a autora, voltando ao desenvolvimento das competências solicitadas pelo Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP), avaliação externa aplicada anualmente (FRANÇOSO, 2017, p. 15).
37
subalternidade, sem propostas de um olhar mais particular sobre a participação que
tiveram na produção histórica da sociedade da época”, produzindo situações de
aprendizagem que “não promovem discussões sobre as condições atuais das
mulheres negras, o preconceito, as questões de gênero e o patriarcado” (FRANÇOSO,
2017, p. 167).
As insuficiências dessas publicações também foram objeto de crítica na
dissertação intitulada “(In)Visibilidade das mulheres brasileiras nos livros didáticos de
História do Ensino Médio (PNLD, 2015)”. Apresentada pela historiadora Paolla
Ungaretti Monteiro (2016) ao programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Esta pesquisa teve por objetivo
geral analisar as representações de mulheres brasileiras nos livros didáticos de
História voltados ao Ensino Médio, no âmbito do PNLD/2015.
Centrada no texto das cinco coleções mais distribuídas nacionalmente, a
pesquisa buscou problematizar: “quais personagens históricas são retratadas,
distinção entre menção a uma personagem e história da personagem, distinção entre
mulheres (brancas, negras e indígenas) e suas representações” (MONTEIRO, 2016,
p. 18). Seu recorte temático/cronológico enfatizou os capítulos que trataram da
História do Brasil nos séculos XIX, XX e XXI, com ênfase nos dois últimos19.
Dialogando com os estudos feministas, Monteiro (2016, p. 63) estruturou sua
abordagem metodológica mobilizando os termos “citação direta” e “citação indireta”.
O primeiro referiu-se à situação na qual determinada personagem foi representada
como um elemento constitutivo no entendimento de determinado contexto histórico.
Já a “citação indireta” designou um caso oposto, no qual a personagem foi
representada de maneira complementar na narrativa. A esse respeito, Monteiro (2016,
p. 63) explicou: “Exemplos destas situações ambíguas são os nomes de mulheres
trazidos ao se falar de algum período histórico, mas que, apesar de trazer dados sobre
a vida desta mulher, estão no texto complementando a história de um homem”.
Além da análise dos conteúdos das obras, a autora dedicou uma seção
específica para as avaliações apresentadas nas resenhas do Guia do livro didático.
Confrontando o resultado dos pareceres com a observação das obras, a autora
19 Sobre esta especificidade no recorte de pesquisa, Monteiro (2016, p. 18) salientou: “[...] a ênfase se dá no século XX e XXI, visto que são nestes que a participação feminina é mais presente. Com movimentos feministas que surgiram em outros países e no nosso, no final do século XIX e começo do XX, a participação feminina foi cada vez mais crescente e possível [...]”.
38
questionou o “descompasso” entre o resultado expresso nas avaliações do Guia e as
abordagens efetivamente desenvolvidas nos livros didáticos de História. Monteiro
(2016, p. 215) concluiu que, embora as mulheres estejam representadas nos livros
didáticos de História, a maioria das personagens femininas “estão confinadas em
boxes, à parte da história”. Argumentando quanto aos limites dessas abordagens, a
autora salientou a “[...] predominância de uma história masculina” na qual “[...] as
coleções apresentaram poucas personagens presentes, pouca participação dentro de
momentos históricos, poucas abordagens que mostrem suas lutas sociais [...]”
(MONTEIRO, 2016, p. 216).
Por fim, destacamos a dissertação “Representações de homossexuais nos
livros didáticos de história para os anos finais do ensino fundamental, distribuídos pelo
Programa Nacional do Livro Didático– PNLD (2005-2011)”. Apresentada pela
historiadora Márcia Barbosa Silva (2013) ao Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Federal de Sergipe (UFS), a pesquisa teve por objetivo
geral investigar “[...] mudanças e permanências na representação dos homossexuais
nos livros didáticos de História” (SILVA, 2013, p. 23).
Partindo da análise dos textos e atividades disponibilizadas pelas obras, a
pesquisa estabeleceu como recorte temporal o contexto de implementação do
Programa Brasil sem Homofobia, criado em 2004, e do Plano Nacional para a
Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e
Transexuais, de 2008. Nessa perspectiva, a autora estendeu sua análise para
diferentes edições de seis coleções didáticas, avaliadas e aprovadas pelo Programa
Nacional do Livro Didático, nos anos de 2005, 2008 e 2011 (SILVA, 2013, p. 26).
Considerando a extensão do corpus adotado, a autora empreendeu ainda um
recorte temático: os capítulos voltados ao tratamento do Nazismo e da Contracultura.
Justificando a escolha, Silva (2013, p. 26) destacou o caráter “divergente” dos
conteúdos históricos disponibilizados: “[...] enquanto o primeiro apresenta uma época
na qual se pregava a regra, a obediência, a intolerância, o segundo mostra um período
no qual se lutou pelas liberdades sexuais e pelo respeito às minorias” (SILVA, 2013,
p. 26).
Mobilizando um conceito de “representação”, inspirado em Tomaz Tadeu da
Silva (2011), e as relações de gênero na perspectiva de Pierre Bourdieu (1975; 1999),
a autora concluiu: embora as obras expressem um “aumento de visibilidade” nas
diferentes edições analisadas– tímido e relacionado, segundo Silva (2013), aos
39
debates resultantes da implementação do Plano Nacional para a Promoção da
Cidadania e Direitos Humanos de LGBT (2008)–, predominou uma abordagem na qual
a homossexualidade, de maneira superficial e não problemática, esteve
majoritariamente relacionada ao preconceito e à homofobia (SILVA, 2013, p. 89).
Embora restritas aos programas de pós-graduação em Educação– possível
expressão da ainda relutante compreensão dos livros didáticos de História enquanto
objeto do conhecimento histórico (MOREIRA, 2006)–, mereceu destaque o diálogo
historiográfico na abordagem dos conteúdos disponibilizados pelas obras.
Notadamente nos trabalhos de Monteiro (2016) e Françoso (2017), o questionamento
das narrativas históricas escolares, entre textos e imagens, partiu de uma
historiografia interessada nas questões de gênero e história das mulheres20.
Em Françoso (2017), despontou a articulação do gênero a outros marcadores
sociais, como raça e etnicidade, contribuindo para a problematização de um
tratamento homogeneizante das personagens presentes nas narrativas históricas.
Concordamos com a necessidade de interrogar, além da suposta “unidade interna”
dessas homogeneidades, a própria produção discursiva na qual as “diferenças”
adquirem um “sinal” em relação à uma “norma”, reiterada e não problematizada
(LOURO, 1997; SILVA, 2005; BRAH, 2006).
Nesse sentido, a tomada das sexualidades enquanto objeto analítico nos livros
didáticos de História, proposta por Silva (2016), chamou a atenção pela pertinência
da temática. Relacionada ao debate mais amplo das políticas públicas, essa análise
possibilitou o questionamento, nas obras analisadas, da re-inscrição de abordagens
que condicionam as representações da homossexualidade aos contextos de violência
e vitimização.
Vale salientar que a atenção às normativas relacionadas aos livros didáticos,
notadamente às publicações que acompanham a divulgação do Programa Nacional
do Livro Didático, também ganharam espaço nas pesquisas. Além dos Guias,
documentos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
20 Nesse caso, a pesquisa desenvolvida por Silva (2013) figurou uma exceção. Na apresentação dos pressupostos que orientaram sua leitura, a autora explicou: “Essa análise irá mostrar a visibilidade e a representação dos homossexuais nos livros didáticos de história a partir do Nazismo e da Contracultura, mas não pretendemos fazer uma crítica a seleção e organização dos conteúdos factuais ou criticar a visão historiográfica adotada, visto que não é nosso intuito corrigir informações ou complementar os livros didáticos” (SILVA, 2013, p. 26). Entre as produções analisadas, esta foi a única a assumir uma postura deste tipo.
40
instrumentalizaram críticas às persistentes insuficiências apresentadas por obras
avaliadas e distribuídas no âmbito das políticas públicas educacionais.
Destacamos em Celestino (2016) e Monteiro (2016) que a maneira como os
livros didáticos de História, propriamente, comunicam os conhecimentos históricos
também foi acentuada: confinados em boxes, determinados saberes permaneceram
às margens dos textos consagrados por estes materiais. Como foi destacado por
Cristiani Bereta da Silva (2007, p. 228), a história das mulheres e das relações de
gênero, restritas a contextos particularizados, corresponderam aos “parênteses” das
narrativas nessas obras.
Tendo em vista as possibilidades analíticas apresentadas, cabe delinear alguns
limites. Considerando o gênero enquanto categoria relacional, inspirado em Scott
(1989, 1991), referência comum às pesquisas referidas, a exceção de Silva (2013),
chamou nossa atenção a ausência de uma reflexão quanto às masculinidades
visibilizadas nas narrativas didáticas.
Embora tal constatação não diminua a coerência analítica das pesquisas
discutidas, resiste uma abordagem, já problematizada por Scott (2011) ao propor uma
leitura da história das mulheres enquanto campo acadêmico definível, na qual o
gênero é tomado como sinônimo de história das mulheres. Nessa perspectiva, o
pressuposto relacional implicado na mobilização das relações de gênero seguiu pouco
explorado. Como nos lembrou Raewyn Connell (2013, p. 251), a operacionalização
de “esferas separadas” entre homens e mulheres é também alvo de críticas nos
estudos das masculinidades. Em consonância com as autoras, consideramos a
abordagem relacional fundamental ao reconhecimento das contradições internas na
própria construção de dicotomias.
Concordamos com Silva (2007, p. 221) quanto a importância da reflexão sobre
como “[...] as mulheres, sua história e, também, o vasto território no qual se
movimentam, vem sendo organizado e também (re)construído como saber histórico
escolar”. Entretanto, partindo da compreensão das masculinidades enquanto
construtos históricos e sociais– engendrados por “[...] valores vigentes no meio social,
pelos limites materiais e existenciais, mas também pelas escolhas pessoais”
(CASTELO BRANCO, 2012, p. 214)–, compreendemos a necessidade de crítica à re-
inscrição, no debate acadêmico, de masculinidades homogêneas e não
problemáticas.
41
Em última instância, abordagens fundadas em esferas antitéticas
correspondem àquelas criticadas por Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2013). Ao
ponderar sobre os limites de uma historiografia voltada às relações de gênero e
comprometida em visibilizar ausências, o historiador destacou:
Mas esta historiografia dos excluídos excluiu fazer uma história dos homens. Partindo de uma visão dualista e identitária, opôs o ser mulher ao ser homem como duas realidades distintas e homogêneas. Influenciada em grande parte pelo discurso feminista, esta historiografia fez do homem um outro nunca analisado e definido, por oposição ao que se definia como mulher. Este discurso historiográfico terminou por criar uma situação que poderíamos definir, parafraseando Paul Veyne: se tudo é história dos homens, logo ela não existe (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2013, p. 19).
Para além do binômio inclusão/exclusão, lugar analítico comum, a articulação
do gênero, proposta pela historiadora Joan Scott (1995), propõe a problematização
dos mecanismos de criação e manutenção de assimetrias de poder numa perspectiva
relacional entre homens e mulheres, categorias “vazias e transbordantes”: “Vazias,
porque não têm nenhum significado último, transcendente. Transbordantes, porque
mesmo quanto parecem estar fixadas, ainda contem dentro delas definições
alternativas, negadas ou suprimidas” (SCOTT, 1995, p. 24).
Em linhas gerais, as pesquisas apresentadas centraram suas análises nos
conteúdos dos livros didáticos de História. Entre textos e imagens, as autoras
destacaram a permanência de abordagens que secundarizaram e/ou invisibilizaram a
importância de determinadas personagens para a compreensão dos conteúdos
históricos em publicações voltadas a diferentes níveis da educação básica. Tal
narrativa de “insuficiências” ganhou contornos mais precisos quando interpelada a
partir de uma produção historiográfica atenta para as histórias das mulheres e das
relações de gênero, redimensionando as distâncias entre essa produção e a
elaboração do conhecimento histórico escolar.
Partindo dos limites e possibilidades dessa produção acadêmica,
questionamos: Quais pressupostos orientam a visibilização das experiências culturais
de gênero nos livros didáticos de História? Considerando estas obras enquanto
“endereçadas” a determinado público imaginado e desejado, de que maneiras estes
pressupostos estão inscritos nas obras? Quem são os “endereçados” e os “não-
42
endereçados” dessas comunicações? Em diálogo com as pesquisas destacadas
anteriormente, estruturamos nossos referenciais teórico-metodológicos.
2.3 Definindo aproximações e limites teórico-metodológicos
Nesta pesquisa, a definição de gênero enquanto categoria analítica,
apresentada pela historiadora feminista Joan Scott (1995), representou um ponto de
partida fundamental. Em “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”, a autora
partiu de duas proposições iniciais: 1) “O gênero é um elemento constitutivo de
relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos”; e 2) “O gênero
é uma forma primária de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, p. 86).
A primeira parte deste núcleo inicial, referente ao processo de construção das
relações de gênero, deve ser analisada na inter-relação entre quatro elementos: a) os
símbolos culturalmente disponíveis, que evocam representações simbólicas com
frequência contraditórias– como luz e escuridão, por exemplo; b) os conceitos
normativos que evidenciam as interpretações e os significados destes símbolos,
normalmente estruturados na forma de uma oposição binária fixa, na qual o conceito
que emerge como dominante é declarado como único possível; c) política, instituições
e organização social, tendo em vista que elementos como parentesco, economia e
organização política são também produtivos nos processos de constituição do gênero;
d) e a identidade subjetiva, elemento importante para a reflexão sobre os processos
de construção das identidades generificadas em relação a toda série de atividades,
organizações e representações sociais historicamente específicas. Segundo a autora,
compete às/aos historiadoras/es analisar quais as interações entre estes quatro
elementos.
É na segunda proposição, o gênero como “um campo primário no interior do
qual, ou por meio do qual, o poder é articulado” (SCOTT, 1995, p. 88), entretanto, que
a autora desenvolve sua teorização acerca da categoria. Observado enquanto campo
de significação, o gênero constitui um conjunto de referências para as organizações
sociais, estruturando a “percepção e a organização concreta e simbólica de toda a
vida social” (SCOTT, 1995, p. 88). Na medida em que essas referências são
produtivas na distribuição do poder, o gênero “torna-se implicado na concepção e na
construção do próprio poder” (SCOTT, 1995, p. 88), figurando como um “saber a
respeito das diferenças sexuais” (SCOTT, 1994, p. 12)– um saber produtivo para a
43
organização social, concreta e simbólica, dessas diferenças21. Em diálogo com a
autora, compreendemos que o gênero não opera enquanto simples reflexo das
diferenças físicas entre homens e mulheres, mas como um saber que estabelece
significados para essas diferenças– significados variáveis e historicamente situados,
que não podem ser isolados de suas relações numa ampla gama de contextos
discursivos (SCOTT, 1994, p. 13)22.
Voltada às questões curriculares, essa teorização possibilitou uma nova
percepção das dinâmicas de gênero e das assimetrias de poder. Segundo Tomaz
Tadeu da Silva (2005, p. 92), a crítica feminista ao currículo iniciou uma importante
mudança epistemológica ao perceber, não apenas as desigualdades que marcam
historicamente o acesso aos recursos sociais e educacionais– como a naturalização
de certas disciplinas e carreiras, partindo de expectativas e estereótipos de gênero–,
mas ainda as marcas do gênero na própria epistemologia dominante, instituindo
determinados saberes enquanto positivos e desejáveis.
Considerando que o currículo escolar, mais do que atuar na transmissão de um
conhecimento “objetivo”, atua no compartilhamento de sentidos e significados– e,
portanto, na construção de determinadas posições de sujeito–, os materiais
curriculares, como os livros didáticos e paradidáticos, constituem a produção dos
sujeitos nos espaços escolares. Nesta trama entre saber, subjetivação e poder, o livro
didático de História, assim como o(s) currículo(s) que o constitui(em), figura enquanto
artefato de gênero, “um artefato que, ao mesmo tempo, corporifica e produz relações
de gênero” (SILVA, 2005, p. 97). Na medida em que esses artefatos veiculam
determinados saberes, tais saberes reiteram significados no ensino escolarizado,
produzindo posições de sujeito generificadas.
A história, enquanto campo disciplinar, também produz e põe em circulação
determinados saberes a respeito das diferenças sexuais. Na esteira da crítica
feminista elaborada por Scott (1994, p. 25), salientamos que a história “faz funcionar
[...] um tipo particular de instituição cultural que endossa e publicita construções de
gênero”. Nesta pesquisa, partimos do desafio teórico de uma reflexão voltada não
21 A esse respeito, a autora, partindo da perspectiva foucaultiana, entende saber como “o significado de compreensão produzida pelas culturas e sociedades sobre as relações humanas, no caso, relações entre homens e mulheres” (SCOTT, 1994, p. 12). 22 Judith Butler (2000), embora numa perspectiva epistemológica distinta, nos convidou a desestabilizar a ideia de diferença sexual enquanto referente, simplesmente, a “diferenças materiais”. Inspirados nesta autora, consideramos que não existem diferenças materiais que não sejam “simultaneamente marcadas e formadas por práticas discursivas” (BUTLER, 2000, p. 151).
44
apenas à relação entre a experiência feminina e masculina no passado, mas ainda à
“conexão entre a história passada e a prática histórica presente” (SCOTT, 1995, p.
74). Tendo em vista o livro didático de História, fonte desta pesquisa, priorizaremos a
análise das concepções de gênero enunciadas em livros endereçados à escolarização
dos saberes históricos, difusão e apropriação do conhecimento produzido
historicamente– cujo pano de fundo é a produção historiográfica.
Considerando essa perspectiva analítica, questionamos: de que forma o livro
didático de História põe em circulação a matéria dos inscritos que corporifica? De que
forma o acontecimento dessa comunicação, na fluidez das redes de significação,
“projeta” os sujeitos desejados? Há espaço para ruídos, resistências ou dissonâncias?
Por reconhecermos a existência de disputas pela hegemonia dos significados, nos
aproximamos do conceito de “modos de endereçamento”.
Conceito advindo dos estudos de cinema e comunicação, o “modo de
endereçamento” diz respeito ao evento de relação entre o texto fílmico e a “posição
de sujeito”, o lugar social do público, pressuposto a partir das expectativas quanto à
recepção dos filmes. Segundo Elizabeth Ellsworth (2001, p. 24), em sua formulação
inicial, o conceito parte de uma abordagem dos estudos de cinema interessada em
analisar “como o processo de fazer um filme e o processo de ver um filme se tornam
envolvidos na dinâmica social mais ampla e em relações de poder”.
Concebido inicialmente enquanto um conjunto de estruturas, localizadas no
texto fílmico, que buscam uma relação particular entre o texto e seus expectadores, o
modo de endereçamento visa a transmissão de determinada comunicação para um
“alvo”– uma posição inscrita nas dinâmicas e interesses de poder, uma posição de
sujeito, imaginada e endereçada a partir de pressupostos sobre o público visado
(ELLSWORTH, 2001, p. 15). Inevitavelmente impressos no texto fílmico, tais
pressupostos convidam a estabelecer e a compartilhar, ao menos temporariamente,
posições sociais e políticas específicas a partir das quais o texto adquire sentido.
Entretanto, pode ser que o público alvo não responda ao estímulo da maneira
esperada. Como argumentou Simone Maria Rocha (2011, p. 10), não é possível
assegurar definitivamente uma resposta por parte do público, pois o “entrelaçamento
de categorias sociais nas quais a experiência humana se efetiva é muito mais
complexo do que aquelas levadas em conta na produção de um filme”. Tendo em vista
que o público não pode ser simplesmente posicionado, Ellsworth (2001) apresenta
que o debate em torno dos modos de endereçamento vem sofrendo uma série de
45
deslocamentos, do conjunto de estruturas limitadas ao texto fílmico para o evento de
relação no espaço entre o social e o individual, entre o texto e seus usos23.
Nesse contexto, Ellsworth introduz uma nova formulação sobre os modos de
endereçamento. Buscando refletir sobre seu “paradoxal poder”, a autora apresentou
o endereçamento enquanto a “diferença entre o que poderia ser dito– tudo o que é
historicamente e culturalmente possível e inteligível de se dizer– e o que é dito” (2001,
p. 47). Sintonizado a determinado sistema de significação previamente estabelecido,
o endereçamento figura enquanto um acontecimento histórico e cultural que
transborda do texto fílmico e vai ao encontro da conjuntura de produção e recepção
desse texto. Na esteira dessa elaboração, Rocha (2011, p. 12) argumentou que, ao
conceituar o endereçamento como um conjunto de escolhas possíveis e realizadas
pela instância produtora, percebemos que tais escolhas sinalizam a busca pelo
estabelecimento de determinada relação com o público– uma relação historicamente
situada, atravessada por interesses, expectativas e desejos. A emergência desse
entre-espaço tem possibilitado diferentes abordagens24.
É importante salientar que, embora o modo de endereçamento transborde dos
elementos do texto, as estruturas dessa relação imprimem traços conscientes ou
inconscientes na materialidade deste enunciado. Dito de outra forma: embora o
público não possa ser simplesmente posicionado, o endereçamento busca controlar
como e a partir de que posição o texto deve ser lido (ELLSWORTH, 2001, p. 24).
Podendo atuar na valorização de determinada gama de posições sociais em
detrimento de outras perspectivas e experiências culturais, os modos de
endereçamento figuram enquanto produtivos para o engendramento de determinadas
subjetividades no interior das dinâmicas e dos interesses de poder.
Considerando que os livros didáticos de História estão envolvidos na
transmissão de determinado saber e são elaborados partindo de pressupostos sobre
o público desejado, compreendemos que a análise de endereçamento oferece uma
23 A autora sinalizou sua aproximação com os Estudos Culturais ressaltando a teorização sobre os posicionamentos sociais “fluídos, cambiantes e estratégicos” – e, portanto, não completamente endereçáveis. Neste novo quadro teórico, Ellsworth (2001, p. 46) compreendeu o modo de endereçamento enquanto evento não-localizável “produto da contínua interação entre uma série de aspectos dos usos particulares de forma, de estilo e estrutura narrativas feitos por um determinado filme”. 24 A esse respeito: Rocha (2011) questionou as possiblidades de análise dos modos de endereçamento nos produtos televisivos; voltando sua atenção para as imagens presentes nos livros didáticos de ciências, Macedo (2004) problematizou a produção de um conhecimento que estabelece fronteiras entre o saber escolar e os outros saberes; Ellsworth (2001) deslocou sua análise dos estudos de cinema para a experiência de aprendizagem no ambiente escolar.
46
nova perspectiva sobre a produção de subjetividades específicas a partir desses
artefatos, questionando as composições possíveis e aquelas empenhadas para que
os “espectadores” estabeleçam uma determinada relação com o texto.
Buscando investigar os pressupostos inscritos na composição dessas obras
estendemos nossas observações e análises às diretrizes que orientaram as
avaliações dos livros didáticos de História aprovados e distribuídos no âmbito do
Programa Nacional do Livro Didático. Observamos, além dos Guias, publicações
voltadas a divulgação dos resultados avaliativos do programa, os editais de
convocação para o processo de inscrição e avaliação das obras didáticas. Publicados,
em média, dois anos antes das edições do programa aos quais são destinados, os
editais oferecem um detalhamento dos critérios avaliativos que orientaram a seleção
das obras aprovadas. Para esta pesquisa, tomaremos os editais de 2005 e 2013,
correspondentes, respectivamente, ao PNLEM/2008 e PNLD/2015 (BRASIL, 2005;
2013).
A análise do endereçamento nos livros didáticos de História compreende a
observação das estratégias de estruturação e apresentação dos enunciados
disponibilizados pelas obras. É nessa “aparência” que localizamos uma preocupação
“cenográfica” nos livros didáticos de História. Espaço no qual o texto se desenrola,
essa cenografia envolve a narrativa, sua apresentação e ainda as atividades que a
retomam, buscando estimular e recompensar as “respostas corretas”– aquelas
alinhadas aos aspectos apresentados, compondo um mecanismo de comunicação do
currículo para uma posição a partir da qual o texto adquire significado.
Quanto a narrativa histórica escolar, inspirados pela crítica de José Batista Neto
(1995, p. 100) a recorrência de uma “gramática discursiva” própria aos processos de
transmissão desses conhecimentos, buscamos analisar: o tempo narrativo,
questionando os possíveis efeitos de sentido de narrativas históricas escolares
centradas no passado, a despeito da reflexão sobre as dinâmicas sociais nas quais
estão implicadas; a re-inscrição das relações de gênero, relacionada a outros
marcadores sociais, como as relações étnico-raciais; e os lugares de produção e
reflexão histórica privilegiados pelas narrativas. Componentes de uma “cenografia”,
tais elementos imprimem significados distintos aos chamados “textos principais”,
boxes e imagens dos livros didáticos de História.
Consideradas tais questões, vale ressaltar o recorte temático desta pesquisa.
Conforme apresentado anteriormente, voltamos nossa atenção aos capítulos:
47
“Segundo Reinado (1840-1889)”, “A crise do Império” (“O fim do Império”, edição
2013) e “A instituição da República”, presentes em todas as edições selecionadas.
Nesse sentido, visando endereçar uma comunicação atravessada por
concepções de masculinidades e/ou feminilidades, de que forma os livros didáticos de
História atuam para a produção de posições de sujeito generificadas? De que forma
convidam seu público a ocupar determinada “posição” de leitura? Através de que
estratégias os “traços” de endereçamento estimulam e recompensam determinada
leitura diante dos saberes comunicados?
Considerando a fluidez e a natureza política das tramas de significação, a
teorização pós-estruturalista nos oferece uma nova perspectiva para a análise desses
processos. Ao refletir sobre a produção social de significados para as diferenças
sexuais, Scott (1994, p. 16) nos convidou a pensar os significados enquanto instáveis,
exigindo “uma repetição, reafirmação e implementação vigilante por parte daqueles
que endossam uma ou outra definição”.
Tal abordagem permite problematizar os sistemas ideológicos existentes,
atentando aos significados das “mensagens” transmitidas, questionando de que forma
tal saber atua para hegemonizar determinadas experiências e assimetrias de poder.
Refletindo sobre a natureza do conhecimento e das representações históricas
apresentadas pelos livros didáticos de História, Fonseca (2003, p. 53) nos alertou que
esses artefatos podem atuar para tornar
[...] definitivas, institucionalizadas e legitimadas pela sociedade determinadas visões e explicações históricas. Essas representações transmitidas simplificadamente trazem consigo a marca da exclusão. O processo da exclusão inicia-se no social, em que “alguns atos” são escolhidos e “outros” não, de acordo com critérios políticos.
A reflexão sobre as “marcas” dessas exclusões nos permite ainda interrogar as
categorias de identidade mobilizadas na escrita dessas narrativas históricas. Partindo
da perspectiva das questões de gênero, concordamos com Scott (1998) que é preciso
desestabilizar a naturalização de marcadores de identidade, tais como homem e
mulher. Atentando ao processo conflitivo através do qual o significado se estabelece,
o jogo de forças atuante na sua formação e implementação nas sociedades,
entendemos que tais categorias, tomadas enquanto “fixas”, podem atuar para
“solidificar o processo ideológico de construção do sujeito, tornando o processo menos
e não mais aparente, naturalizando-o em vez de analisá-lo” (SCOTT, 1998, p. 318).
48
Compreendemos que a análise de endereçamento de gênero nos livros
didáticos de História possibilita questionar de que forma tais artefatos estão
imbricados nos processos de produção de posições de sujeitos generificadas,
firmando modelos produtivos na instituição de fronteiras para as identidades
masculinas e/ou femininas, na regulamentação das ações, em função da constituição
das identidades, de acordo com as dinâmicas de gênero. Envolvidos em complexas
relações de significação, consideramos que esses artefatos “se expressam”
endereçando nosso olhar para as relações de gênero através da identificação e
valorização de determinada gama de experiências sociais.
Na presente pesquisa, visando analisar as estratégias de endereçamento
desenvolvidas nas diferentes edições selecionadas da obra “História Global– Brasil e
Geral”, “esquadrinhamos” nossa leitura: diante da “cenografia” desenvolvida nos
capítulos, identificamos e analisamos os possíveis sentidos de leitura expressos nos
elementos constituintes da comunicação. Considerando exemplificar essa estratégia
de análise, apresentamos a Imagem 125:
25 As imagens exemplificadas nesta seção constituíram o conjunto das análises desenvolvidas no capítulo “Os livros didáticos de História: (re)fazendo o gênero nos sabres sobre o século XIX”.
49
Imagem 1 – Exemplo do “esquadrinhamento” de leitura: abertura do capítulo “A instituição da república” (adaptado)
Fonte: COTRIM, 2013, p. 72.
Recurso dos gêneros noticiosos, o lead corresponde aos “valores de
relevância” atribuídos pelo enunciador na constituição do tema a ser abordado pelo
texto. Como destacado por Maria Angélica Lauretti Carneiro (2004, p. 111), este
recurso pode operar enquanto um sinal “para que façamos deduções sobre a
informação mais importante do texto que nele está sendo sumarizada ou destacada”.
LEA
D 1
IMA
GE
M E
LE
GE
ND
A
LEA
D 2
50
Partindo da análise dos “valores de relevância” estabelecidos, buscamos
problematizar a reiteração de papéis sociais normativos para homens e mulheres na
produção de determinados conhecimentos históricos em materiais didáticos. Assim,
foi possível levantar questões sobre quais saberes têm seu estatuto reconhecido e,
talvez mais importante, quais saberes foram marginalizados.
Tendo em vista a descrição e análise das imagens disponibilizadas, nesta
pesquisa, desenvolvemos um “esquadrinhamento” das obras. Consideramos que, na
observação dos componentes da obra, as legendas laterais auxiliaram a precisar os
elementos em destaque durante o desenvolvimento das análises. Exemplificando esta
abordagem, apresentamos a Imagem 226:
Imagem 2 – Exemplo do “esquadrinhamento” de leitura: “Alegoria à proclamação da República
e à partida da família imperial” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2013, p. 72.
A exemplo da dissertação apresentada por Márcia Barbosa Silva (2013), na
presente pesquisa, analisamos as relações de gênero inscritas nas narrativas de
diferentes edições de livros didáticos de História. Entretanto, considerando
26 Considerando a observação das imagens mobilizadas, e os limites editoriais dos impressos selecionados, disponibilizamos links para as imagens referidas, dotadas de maior qualidade gráfica. Salientamos, entretanto, que nosso objetivo foi analisar as imagens de fato veiculadas nos livros didáticos de História selecionados, preservando as características gráficas e editoriais oferecidas pela publicação.
51
empreender um diálogo historiográfico com essas narrativas históricas, centramos
nossa atenção em duas edições distintas, de 2005 e 2013, de uma única publicação:
a obra “História Global – Brasil e Geral”, de autoria atribuída a Gilberto Cotrim.
Aprovada em todas as edições do Programa Nacional do Livro Didático direcionadas
ao Ensino Médio público brasileiro, a obra despontou enquanto uma das coleções
mais distribuídas nacionalmente durante o período estudado.
Distantes da inquietação de Silva (2013, p. 26) quanto a “corrigir informações
ou complementar os livros didáticos”, buscamos dialogar com as mesmas partindo
dos textos e imagens disponíveis na publicação. Visamos salientar as escolhas
operadas na construção das narrativas históricas e discutir os possíveis efeitos de
sentido no evento da relação entre livros didáticos de História e o público, imaginado
e desejado, para o qual foram endereçadas estas obras.
52
3 RELAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE NOS LIVROS DIDÁTICOS DE
HISTÓRIA: O QUE DIZEM OS EDITAIS E GUIAS?
No presente capítulo, observamos os Editais e Guias do Programa Nacional do
Livro Didático, voltados ao Ensino Médio, correspondentes às edições de 2008 e
2015. Considerando que essas normativas expressam, não apenas a permanência de
determinados valores em dado momento histórico, mas ainda o propósito de inscrever
determinados significados às práticas sociais (VIANNA; UNBEHAUM, 2004),
buscamos investigar, sob a perspectiva das relações de gênero, quais parâmetros
legislativos, curriculares e sociais figuraram enquanto critérios avaliativos dos livros
didáticos de História selecionados para esta pesquisa.
Tendo em vista que os livros didáticos de História foram elaborados partindo
de pressupostos sobre o público desejado– pressupostos inscritos nas obras,
atravessados por interesses e expectativas de determinada comunicação com o
público–, buscamos indícios da “estrutura de endereçamento” constituída das
escolhas possíveis e realizadas na composição da obra “História Global– Brasil e
Geral”, principal fonte nesta pesquisa. Questionando as composições possíveis e
aquelas empenhadas para que o “público” estabeleça determinada relação com o
texto, compreendemos que a análise de endereçamento ofereceu uma perspectiva
sobre a produção de saberes a partir dessas obras.
Ao analisar os Editais e Guias, destacamos: o papel atribuído aos livros
didáticos; as representações de um “público endereçado”, notadamente, alunas e
alunos do Ensino Médio Público brasileiro; e em que medida a atenção às relações
de gênero e sexualidade foram consideradas enquanto critério avaliativo para a
seleção dos livros didáticos de História inscritos nos editais.
Nesse sentido, estruturamos este capítulo em duas seções voltadas,
respectivamente: ao Edital do Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio
(PNLEM/2007) e Catálogo de História PNLEM/2008; e o Edital do Programa Nacional
do Livro Didático (PNLD/2015), correspondente ao Guia do PNLD/2015. Visando
apresentar os documentos reunidos para esta análise assim como o alcance dos
Programas aos quais estão veiculados, elaboramos o Quadro 3:
53
Edital Ano de
publicação Catálogo/ Guia
relacionado
Número de escolas atendidas
Número de estudantes
contempladas (os)
Edital de convocação para inscrição no
processo de avaliação e seleção de obras didáticas
para serem incluídas no catálogo do
Programa Nacional do Livro Didático
para o Ensino Médio – PNLEM/2007
2005
História:
catálogo do Programa
Nacional do Livro para o
Ensino Médio: PNLEM/2008
15.273
7.141.943
Edital de convocação para o processo de
inscrição e avaliação de obras didáticas para o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD
2015
2013
Guia de livros
didáticos: PNLD 2015: história: Ensino Médio
19.363
7.112.492
Quadro 3 – Editais de convocação, catálogos/guias e público atendido pelos Programas Fonte: BRASIL, 2017.
3.1 Edital e Catálogo do PNLEM/2007
Nessa seção buscamos uma leitura dos editais e guias do Programa Nacional
do Livro Didático destacando as normas estabelecidas em relação às questões de
gênero e sexualidade. Embora esses documentos não figurem enquanto fontes
principais de nossa reflexão, a observação de suas determinações nos possibilita
perceber as diretrizes que orientam a produção material e curricular das obras
inscritas.
Segundo Munakata (2012, p. 59), “O livro didático e a escola mantêm uma
relação simbiótica”. O autor argumentou que a constituição e expansão dos sistemas
públicos de ensino são acompanhadas, de forma variável e historicamente situada,
pela aquisição de obras didáticas por parte do Estado. No contexto brasileiro, essas
transações são mediadas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)27.
Institucionalizado em 1985, dando continuidade a proposta dos anos de 1960
de compra dos livros didáticos pelo Estado brasileiro, o PNLD passou a instituir, a
partir de 1996, a avaliação prévia das obras didáticas (MUNAKATA, 2012, p. 6). No
27 Instituído pelo Ministério da Educação (MEC), o decreto nº 91.542, de 19/08/1985, estabeleceu as Diretrizes Operacionais para o Programa do Livro didático – 1º grau (1985/86), sob a responsabilidade da Fundação de Assistência Escolar (FAE), criada em 1983 (MUNAKATA, 1997, p. 48)
54
âmbito do Ensino Médio público brasileiro, entretanto, inicialmente, coube ao antigo
Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), implantado
experimentalmente em 2004, a avaliação e distribuição das obras28.
Tendo em vista a avaliação das obras pelo PNLD e PNLEM, as editoras buscam
atender as exigências governamentais traduzidas pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e nas determinações
específicas de cada edital dos programas do livro didático (MUNAKATA, 2012, p. 12).
Nossa atenção recaiu sobre os documentos referentes ao Programa Nacional
do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM/2008). Tendo por objetivo “a
convocação de titulares de direito a autoria para a inscrição no processo de avaliação
e seleção de livros didáticos, em coleção ou Volume Único” (BRASIL, 2005, p. 1), o
edital de convocação definiu as etapas do processo de triagem e avaliação,
antecedendo a composição do catálogo, posteriormente intitulado “Guia”, de
apresentação e divulgação das obras aprovadas.
Segundo determinação do Edital do PNLEM/2007, coube à Secretaria de
Educação Básica (SEB/MEC) a realização de uma triagem, por meio da qual as obras
seriam avaliadas em sua composição técnica e por seus conteúdos pedagógicos,
cujos critérios são definidos pelo Anexo IX do documento (BRASIL, 2005, p. 9). Nesse
anexo intitulado “Princípios e critérios para a avaliação de obras didáticas para o
Ensino Médio de Língua portuguesa e Literatura, Biologia, Física, Química,
Matemática, Geografia e História”, despontam os pressupostos avaliativos
empregados na seleção, ordenados em categorias gerais. Destacamos: “critérios
comuns”, voltados a todas as publicações e subdivididos entre “critérios eliminatórios
e de qualificação”; e os “critérios para a avaliação de obras didáticas de Ciências
Humanas e suas Tecnologias”, especificamente no que tangem a disciplina História.
Como “critérios eliminatórios”, além da observância aos preceitos legais e
jurídicos– Constituição Federal (CF/1988), Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996), Diretrizes
Curriculares Nacionais do Ensino Médio–, o documento estabelece e discute três
princípios: a) correção e adequação conceituais e correção das informações básicas;
b) coerência e pertinência metodológicas; c) preceitos éticos (BRASIL, 2005, p. 36).
28 Criado a partir da Resolução nº 38 do FNDE, o programa visou atender de forma progressiva todas as séries do Ensino Médio brasileiro. No caso dos livros didáticos de História, por exemplo, somente a partir de 2008 foi iniciada pelo PNLEM a distribuição nacional das obras (MELO, 2012. 16).
55
Voltando nossa atenção aos preceitos éticos, o edital versa sobre a
obrigatoriedade de as obras didáticas atuarem para a construção ética necessária ao
exercício da cidadania. Nesse sentido, o texto definiu a exclusão da obra que: a)
privilegiar um determinado grupo, camada social ou região do país; b) veicular
preconceitos de origem, cor, condição econômico-social, etnia, gênero, orientação
sexual, linguagem ou qualquer outra forma de discriminação; c) divulgar matéria
contrária à legislação vigente para a criança e o adolescente, no que diz respeito a
fumo, bebidas alcoólicas, medicamentos, drogas e armamentos, entre outros; d) fizer
publicidade de artigos, serviços ou organizações comerciais, salvaguardada,
entretanto, a exploração estritamente didático-pedagógica do discurso publicitário; e)
fizer doutrinação religiosa; f) veicular ideias que promovam o desrespeito ao meio
ambiente (BRASIL, 2005, p. 37).
Tais elementos são reiterados durante todo o documento. Ao direcionar sua
atenção aos critérios de qualificação, cujo objetivo foi estabelecer uma distinção entre
as obras avaliadas, o edital destacou as edições para a construção escolar da
cidadania. Indo para além do “texto-base”, o documento versou ainda sobre os
preceitos éticos nos aspectos gráficos-editoriais. Segundo o documento, cumpre que
as ilustrações:
[...] auxiliem na compreensão e enriqueçam a leitura do texto, devendo reproduzir adequadamente a diversidade étnica da população brasileira, não expressando, induzindo ou reforçando preconceitos e estereótipos. Essas ilustrações devem ser adequadas à finalidade para as quais foram elaboradas e, dependendo do objetivo, devem ser claras, precisas, de fácil compreensão, podendo, no entanto, também intrigar, problematizar, convidar a pensar, despertar a curiosidade (BRASIL, 2005, p. 38).
Após a observação dos critérios gerais, os critérios de avaliação por área de
produção do conhecimento no Ensino Médio– ancorados na Lei de Diretrizes e Bases
e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio– estabeleceram os
princípios e finalidades na orientação da formação na Área das Ciências Humanas e
suas Tecnologias. Tendo em vista especificamente o ensino de história, o texto
estabeleceu enquanto principal objetivo, reafirmando elementos anteriores no
documento, a formação dos estudantes para a cidadania. E, nesse sentido, foi definido
o papel auxiliar da obra didática para a “compreensão ativa” da realidade, tida como
pressuposto para a atuação cidadã. Segundo o texto:
56
A adequação da obra didática aos objetivos do Ensino Médio supõe um complexo mecanismo de articulação entre, de um lado, os saberes socialmente construídos no processo do conhecimento científico e, de outro, os conteúdos e objetivos do ensino e da aprendizagem escolar. Os conhecimentos advindos da pesquisa dos especialistas não se opõem aos conteúdos que fazem parte do currículo escolar. Este, por sua vez, é uma parcela significativa do saber escolar, que é construído no e para o espaço da escola. A experiência e as representações de mundo e de história que são elaboradas pelos alunos e professores dão as possibilidades de uma reelaboração contínua e criativa do conhecimento que é produzido pelos historiadores (BRASIL, 2005, p. 62).
Com base nesses elementos, o documento estabeleceu, mais uma vez,
critérios eliminatórios e de qualificação. Divididos em vários subitens, o documento
explorou os “critérios eliminatórios” em quatro níveis: a) correção dos conceitos e das
informações básicas, atentando aos erros conceituais “mais comuns”, como
anacronismo, voluntarismo e nominalismo; b) coerência e adequação metodológicas,
atentando as estratégias pedagógicas concebidas e aplicadas pelas obras; e c)
preceitos éticos (BRASIL, 2005, p. 63). Quanto a este último item, o edital estabeleceu:
a) não veicular, nos textos e nas ilustrações, preconceitos que levem a discriminações
de qualquer tipo (origem, etnia, gênero, religião, idade ou quaisquer outras formas de
discriminação); b) não ser instrumento de propaganda ou doutrinação religiosa; c)
despertar para a historicidade das experiências sociais, trabalhando conceitos,
habilidades e atitudes, na construção da cidadania; d) estimular o convívio social e o
reconhecimento da diferença, abordando a diversidade da experiência humana e a
pluralidade social, com respeito e interesse; e) desenvolver a autonomia de
pensamento, o raciocínio crítico e a capacidade de argumentar (BRASIL, 2005, p. 66).
Na sequência, o documento explorou os “critérios de qualificação” mobilizados
na avaliação das obras. Dentre os pontos abordados pelo texto, destacamos: a)
atualização historiográfica e pedagógico-metodológica; b) explicitação da opção
metodológica; c) não incorporação, por parte da obra, de “estereótipo como a
identificação exclusiva da História a alguns heróis ou a utilização de caricaturas, de
períodos ou de personagens, nem a restrição à memória individual ou de grupos”
(BRASIL, 2005, p. 67).
Em linhas gerais, podemos observar que o Edital do PNLEM/2007 rompeu o
tradicional silêncio quanto às questões de gênero nos documentos educacionais
57
(VIANNA; UNBEHAUM, 2004). Identificadas enquanto preceito ético, as abordagens
relativas às relações de gênero e sexualidade constituíram critérios de exclusão e de
qualificação das obras submetidas ao processo de avaliação.
Apresentando um conjunto de resenhas das obras aprovadas através das
diretrizes do referido edital, e direcionadas ao ensino de história nas escolas públicas,
temos a publicação “História: Catálogo do Programa Nacional do Livro para o Ensino
Médio: PNLEM/2008”.
O documento foi introduzido por uma “carta aos professores”, endereçada a
“Professora e Professor” (BRASIL, 2007, p. 05). Consideramos o abandono
“masculino genérico” (VIANNA; UNBEHAUM, 2004)– ainda que momentâneo– um
importante elemento do “endereçamento” dessa comunicação. Compreendemos a
linguagem enquanto expressão da cultura e das relações sociais de um determinado
momento histórico. Como destacado por Vianna e Unbehaum (2004, p. 90), mais do
que mera norma linguística:
o uso do masculino genérico nas premissas que discutem direitos e organização do sistema educacional brasileiro dá margem para ocultar as desigualdades de gênero. [...] A ausência da distinção de gênero na linguagem que fundamenta as políticas educacionais pode justificar formas de conduta que não privilegiam mudanças das relações de gênero no debate educacional, perpetuando sua invisibilidade.
Nessa perspectiva, o catálogo visou “endereçar” a escolha das obras a serem
adotadas por parte de um público, em 2007, majoritariamente feminino na educação
básica: o público docente29.
Salientando o caráter instrumental dos livros didáticos, o catálogo defendeu a
importância da seleção das obras, por parte de professoras e professores, tendo em
vista a propagação “[...] de valores que estimulem o respeito às diferenças, à ética e
à convivência solidária” (BRASIL, 2007, p. 05). Cumpre destacar que o documento
observa que, na prática docente, o livro didático deve figurar enquanto um dos
instrumentos para sugestões de aprofundamento e proposições metodológicas
(BRASIL, 2007, p. 12).
29 Segundo dados do primeiro Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica, produzidos pelo Educacenso 2007, na Educação Básica brasileira, dos 1.882.961 profissionais atuantes em 2007, 1.542.925 eram professoras– contrastando com 340.036 professores. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/plano-nacional-de-formacao-de-professores/censo-do-professor>.
58
Apresentando as diretrizes que orientaram a seleção das obras, o catálogo
retomou os “critérios comuns”, divididos entre eliminatórios e de qualificação,
discutidos anteriormente. Constituindo tais critérios, as relações de gênero e
sexualidade ganharam destaque. Quanto aos eliminatórios, destacamos entre os
preceitos éticos: “veicular preconceitos de origem, cor, condição econômico-social,
etnia, gênero, orientação sexual, linguagem ou qualquer outra forma de discriminação”
(BRASIL, 2007, p. 15).
Já enquanto critérios de qualificação, àquele cujo objetivo foi estabelecer uma
distinção entre as obras selecionadas, o catálogo definiu:
[...] espera-se que a obra didática aborde criticamente as questões de sexo, gênero, de relações étnico-raciais e de classes sociais, denunciando toda forma de violência na sociedade e promovendo positivamente as minorias sociais (BRASIL, 2007, p. 15).
Ao final, o texto apresentou uma “Ficha de avaliação”. Segundo o documento,
no processo de avaliação das obras, cujo resultado constituiu o Catálogo, utilizou-se
a “Ficha de avaliação” enquanto instrumento para a elaboração das resenhas dos
livros didáticos (BRASIL, 2007, p. 07). Tendo em vista observar os elementos
constituintes da ficha, destacamos o tópico “Construção da cidadania”:
59
Imagem 3 – Ficha de avaliação/PNLEM 2008 (adaptado)
Fonte: BRASIL, 2007, p. 127
Correspondentes ao tópico “Construção da cidadania”, salientamos a
objetividade no tratamento das questões de gênero e sexualidade. Organizada entre
respostas positivas ou negativas e conceitos– ótimo (O), bom (B), suficiente (S) e
insuficiente (I)–, a ficha não demonstrou preocupação em pontuar quais seriam as
características necessárias para a determinação dos critérios mobilizados nessa
avaliação.
Em linhas gerais, o Catálogo apresentou as relações de gênero e sexualidade
enquanto preceitos éticos para a avaliação das obras didáticas. Retomando as
principais diretrizes na avaliação das obras, o documento, diferentemente do Edital
correspondente, buscou endereçar a atenção de professoras e professores para a
importância desses saberes na elaboração de obras concebidas enquanto
instrumentos na formação e prática docente. Embora a “Ficha de avaliação”,
disponível ao final do documento, não especifique os requisitos necessários na
identificação dos conceitos avaliativos, consideramos a importância dessa abordagem
60
na visibilização da temática no processo de seleção, por parte das/os docentes, das
obras didáticas.
3. 2 Edital e Guia do PNLD/2015
A exemplo do Edital do PNLEM/2007, o Edital do Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD/2015) apresentou as etapas de avaliação pedagógica das obras
componentes do Guia de Livros Didáticos, publicação correspondente ao catálogo
citado na seção anterior. As principais modificações presentes nesse edital, em
relação ao de 2007, encontram-se no Anexo III, intitulado “Princípios e critérios para
a avaliação de obras didáticas destinadas ao Ensino Médio” (BRASIL, 2013, p. 37).
Partindo da explicitação do artigo 35 da LDB (Lei 9394/96) sobre as finalidades do
Ensino Médio30, o Edital chamou a atenção para a responsabilidade da escola na
formação dos estudantes– reconhecendo o seu “pertencimento à juventude”, além de
seu protagonismo nas “cenas sociais significativas e relevantes para a vida social,
cultural, política e econômica do País, por meio de movimentos estudantis,
movimentos culturais, reivindicações próprias [...]” (BRASIL, 2013, p. 37).
Sugerindo o estabelecimento do diálogo com as “culturas juvenis”, o documento
indicou que “a cultura socialmente legitimada e predominantemente letrada de que a
escola é, ao mesmo tempo, porta-voz e via de acesso, não deve se impor pelo
silenciamento das culturas juvenis [...]” (BRASIL, 2013, p. 38). É nesse perfil
“dialógico” que o documento compreendeu uma estratégia de superação dos desafios
da escola no Ensino Médio.
Versando sobre o perfil do aluno, o Edital estabeleceu considerações sobre a
adolescência e a sexualidade da seguinte maneira:
Por fim, é preciso considerar que esse jovem se encontra, do ponto de vista do seu desenvolvimento, num momento também particular: a adolescência. Marcada pelo impacto psicológico e existencial
30 No qual lê-se: “O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades: I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina” (BRASIL, 2013, p. 37).
61
decorrente da irrupção da sexualidade, assim como pelas transformações corporais inerentes ao processo de maturação, a adolescência é um momento decisivo da formação pessoal. Além do trabalho de (re)conhecer-se num novo corpo, o adolescente tem pela frente uma série de alternativas e, mesmo, desafios aos quais será preciso dar respostas satisfatórias, tanto em termos sociais quanto no que diz respeito às suas próprias demandas. Razão pela qual ele se encontra diante de grandes tensões e conflitos, geradores de ansiedade e de instabilidade emocional. Em decorrência, o que caracteriza esse sujeito é uma incessante busca de definições, um intenso e permanente trabalho ético, de (re)construção da própria personalidade, de sua identidade e de suas relações, tanto com os seus grupos de socialização imediata quanto com as representações que consiga elaborar sobre a sociedade em que vive (BRASIL, 2013, p. 38)
Após tecer considerações sobre o papel da escola e o perfil do alunado em sua
“condição juvenil” (BRASIL, 2013, p. 37), o edital apresentou os “critérios de
avaliação”, articulados entre critérios eliminatórios comuns a todas as áreas e os
específicos a cada área e componente curricular. Entre os critérios eliminatórios
comuns, o Edital do PNLD 2015 destacou:
1) respeito à legislação, às diretrizes e às normas oficiais relativas ao ensino médio; 2) observância de princípios éticos necessários à construção da cidadania e ao convívio social republicano; 3) coerência e adequação da abordagem teórico-metodológica assumida pela obra no que diz respeito à proposta didático-pedagógica explicitada e aos objetivos visados; 4) respeito à perspectiva interdisciplinar na apresentação e abordagem dos conteúdos; 5) correção e atualização de conceitos, informações e procedimentos; 6) observância das características e finalidades específicas do manual do professor e adequação da obra à linha pedagógica nela apresentada; 7) adequação da estrutura editorial e do projeto gráfico aos objetivos didático pedagógicos da obra; 8) pertinência e adequação do conteúdo multimídia ao projeto pedagógico e ao texto impresso (BRASIL, 2013, p. 39).
Notamos aqui pontos de aproximação e aprofundamento em relação ao Edital
do PNLEM/2007. Voltando nossa atenção aos princípios éticos e democráticos para
a construção da cidadania, por exemplo, o edital reiterou o critério de exclusão de
obras que “[...] veicularem estereótipos e preconceitos de condição socioeconômica,
regional, étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de idade ou de linguagem,
assim como qualquer outra forma de discriminação ou de violação de direitos [...]”
(BRASIL, 2013, p. 40).
Quanto aos critérios específicos para a área das ciências humanas, o Edital do
PNLD/2015 elaborou uma relação das competências fundamentais para a produção
62
do conhecimento nas disciplinas Filosofia, Geografia, História e Sociologia, cujos
objetos comuns identificados seriam “as sociedades humanas em suas múltiplas
relações” (BRASIL, 2013, p. 50). No caso da disciplina história, o Edital salientou as
diretrizes que deviam orientar o ensino, e a produção didática que o acompanha, no
âmbito da renovação historiográfica e redefinição das atividades pedagógicas.
Segundo o Edital, caberia ao ensino de história:
1) desestruturar perspectivas históricas eurocêntricas, etnocêntricas, monocausais e cronológico-lineares; 2) superar métodos e práticas pautados na memorização, no verbalismo e na expectativa de dar conta de um vasto repositório de conteúdos factuais; 3) avançar para além da chamada “falsa renovação” que apenas dá nova roupagem a antigas e obsoletas práticas, com a incorporação superficial de diferentes linguagens. Entende-se, assim, que a história escolar deve favorecer a que os estudantes analisem diferentes situações históricas em seus aspectos espaço-temporais e conceituais, promovendo diversos tipos de relações, pelas quais seja possível estabelecer diferenças e semelhanças entre os contextos; identificar rupturas e continuidades no movimento histórico e, principalmente, situar-se como sujeito da história, porque a compreende e nela intervém (BRASIL, 2013, p. 51)
Em linhas gerais, o Edital redimensiona a importância da análise dos saberes
enunciados nos livros didáticos. Meios de comunicação poderosos, os livros didáticos
são posicionados enquanto instrumentos cuja comunicação é considerada produtiva
para a construção de valores democráticos e de cidadania. Nesse sentido, a
participação do espaço escolar, em especial no Edital do PNLD/2015, também é uma
dimensão que passa a ser considerada na construção e reposicionamento dos papeis
sociais dos “sujeitos da educação”.
A exemplo do Edital, o Guia do PNLD/2015 teceu considerações sobre o Ensino
Médio, seu público e o ensino de história. Endereçada ao “Caro(a) professor(a)”, a
publicação visou, por meio de resenhas das coleções didáticas selecionadas pelo
edital, auxiliar as/os profissionais da educação pública a escolher dentre essas obras.
Chamou a atenção o reconhecimento, por parte do texto, do potencial comunicativo
dos livros didáticos de História para a: “[...] superação do preconceito étnico, racial,
regional e de gênero [...] introduzindo novas temáticas e abordagens historiográficas”
(BRASIL, 2014, p. 10).
63
Diferentemente do Edital, entretanto, o Guia, ao apresentar os critérios comuns
e específicos da avaliação das coleções, não especificou a necessidade do trato das
relações de gênero no texto (BRASIL, 2014, p. 11):
Imagem 4 – Critérios eliminatórios comuns do PNLD 2015
Fonte: BRASIL, 2014, p. 11.
Imagem 5 – Síntese dos critérios específicos da avaliação dos livros didáticos de História do
Ensino Médio. Fonte: BRASIL, 2014, p. 12.
64
Embora as relações de gênero configurem objeto de atenção nos critérios
avaliativos do Edital, o Guia, ao apresentar uma visão sintética dos preceitos
avaliativos, não visibilizou o debate. Cumpre notar, entretanto, que as questões de
gênero constituíram a “Ficha de avaliação pedagógica”, presente ao final do Guia.
Tendo em vista os interesses desta análise, destacamos o tópico “Formação cidadã”,
especificamente nos itens “Respeito aos princípios éticos” e “Ações positivas à
cidadania e ao convívio social”:
Imagem 6 – Ficha de avaliação dos livros impressos PNLD 2015 (adaptado).
Fonte: BRASIL, 2014, p. 134.
Embora a ficha não apresente os conceitos adotados na sua
instrumentalização, destacamos, em relação ao Catálogo do PNLEM/2008, a
problematização quanto às relações de gênero e sexualidade. Indo além da
identificação dos critérios adotados na avaliação, a ficha apresentou o compromisso
de combate ao sexismo e homofobia, enquanto elementos da cidadania e convívio
social.
Salientamos, entretanto, a necessária problematização do “reforço da
visibilidade”, presente no último item das “Ações positivas à cidadania e ao convívio
65
social”. “Reforçar a visibilidade” não significa, necessariamente, a valorização e o
respeito às diferenças. É possível continuar reforçando a visibilidade reinscrevendo
posições subalternas nas quais masculinidades e feminilidades foram inscritas.
Para analisarmos a “situação comunicativa” na qual os livros didáticos de
História foram introduzidos, partindo das normatizações previstas nos Editais e Guias
analisados, indagamos: quais foram as escolhas operadas pelos produtores dos
textos didáticos selecionados? Considerando esses impressos produtivos na
veiculação de determinados saberes e nos processos de subjetivação no âmbito da
vivência escolar, de que formas contribuem para a produção de “posições de sujeito”
generificadas?
66
4 OS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA: (RE)FAZENDO O GÊNERO NOS
SABERES SOBRE O SÉCULO XIX
Neste capítulo, desenvolvemos nossas observações e análises sobre
concepções de masculinidades e/ou feminilidades inscritas em livros didáticos de
História endereçados ao Ensino Médio público brasileiro. Enquanto fontes principais,
definimos duas edições distintas da obra “História Global – Brasil e Geral”: a edição
volume único, aprovada pelo edital do PNLEM/2007 e publicada em 2005; e a coleção
didática publicada em 2013, aprovada pelo edital do PNLD/2015.
Objetivando o diálogo entre os livros didáticos e a produção historiográfica,
centramos nossa atenção nas relações de gênero expressas nos contextos de
“endereçamento” de três “personagens” da história do Brasil: Pedro de Alcântara,
nomeado D. Pedro II durante o Segundo Reinado (1840-1889); D. Isabel, princesa
imperial do Brasil; e a República, em sua representação feminina, presente nas
narrativas sobre a história do Brasil no final do século XIX. Investigamos
especificamente os capítulos: “Segundo Reinado (1840-1889)”, “A crise do Império”
(“O fim do Império, edição 2013) e “A instituição da República”, presentes nas edições
selecionadas.
Não nos propusemos a realizar uma análise de conteúdo, no sentido estrito,
considerando regras específicas de identificação, contagem e classificação dos
elementos da composição. Nos interessou analisar a produção e comunicação de
enunciados de gênero, por meio da “cenografia” das diferentes edições, destacando
rupturas e continuidades nos significados estabelecidos para as posições de sujeito
enunciadas.
Partindo das reflexões de Scott (1994, p. 19) sobre a produção do
conhecimento histórico, estivemos atentos a “como os significados subjetivos e
coletivos de homens e mulheres, como categorias de identidade, foram construídos”.
67
4.1 “Caro aluno”: apresentação e estruturação das obras selecionadas
4.1.1 Edição 2005
Volume único publicado em 2005, “História Global– Brasil e Geral” compôs a
edição 2008 do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
(PNLEM/2008), voltada ao triênio 2009, 2010 e 2011.
Este impresso “abre-se” para o(a) leitor(a) por meio de uma “carta de abertura”,
endereçada ao “aluno” e assinada pelo autor. Trata-se da primeira cena após as
capas. Inspirados por Luciano Magnoni Tocaia (2015), compreendemos a “carta”
enquanto indício das motivações que orientaram a composição da obra apresentada.
Visando a observação e análise dessa comunicação, esquadrinhamos em nossa
leitura: os conteúdos temáticos, objetivos de formação e os “sentidos de leitura”
enunciados pela “carta”.
68
Imagem 7 – “Carta de abertura”, edição de 2005 da obra “História Global – Brasil e Geral” (adaptado).
Fonte: COTRIM, 2005.
Consideramos que a mobilização do gênero textual carta buscou produzir um
“efeito de cumplicidade” (TOCAIA, 2005, p. 140): endereçada ao “caro aluno”–
instaurando o público imaginado através de um “masculino genérico” (VIANNA;
UNBEHAUM, 2004), discutido anteriormente–, a comunicação configurou o primeiro
contato entre o enunciador e enunciatário.
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Operando enquanto recurso persuasivo, a “carta”, em linguagem direta,
anunciou os objetivos que constituíram o tema de sua comunicação: o livro didático
de História. Partindo da listagem dos conteúdos constituintes de uma “visão global da
história do Ocidente, incluindo a história do Brasil”, o remetente expressou as
expectativas e objetivos para a obra em questão: “refletir sobre o fazer histórico e dele
participar ativamente”; “estabelecer [...] a relação entre o passado e o presente”;
“ampliar a consciência do que fomos para transformar o que somos”.
O caráter categórico dessa “visão global” divergiu, entretanto, dos “sentidos de
leitura” sugeridos pelo remetente para o livro didático. Ao identificar a obra enquanto
“seleção de temas e interpretações” cujo conteúdo deve ser “discutido, ampliado,
questionado”, consideramos que a “carta” apresenta haver uma aparente contradição
entre a pretensão positiva e totalizante da obra– potencializada em articulação aos
objetivos estabelecidos para a publicação– e as possibilidades de contestação,
incompletude e desacordo reconhecidas.
Nessa perspectiva, a estratégia reiterativa no encerramento da “carta”
demonstrou uma contradição. Após a assinatura do remetente, identificado pela
função social “o autor”, seguiu a citação de Edgar Morin. Retomando, e
reestabelecendo, uma “visão global” associada a história ocidental, a citação pareceu
sintetizar o sentido e a motivação da obra anunciada:
Existe uma civilização mundial, saída da civilização ocidental, que desenvolve o jogo interativo da ciência, da técnica, da indústria e do capitalismo e que comporta um certo número de valores padronizados. Ao mesmo tempo em que compartilha múltiplas culturas em seu seio, uma sociedade também gera uma cultura própria (COTRIM, 2005).
Sob a perspectiva das relações de gênero, discutiremos os possíveis efeitos de
sentido anunciados para a composição, atentando às escolhas operadas e
“endereçadas” na construção de uma “visão global” quanto as concepções de
masculinidades e feminilidades no conhecimento histórico escolar.
Na sequência da “carta de abertura”, o livro didático apresentou sua
estruturação. Desenvolvida em quinze unidades, a obra foi distribuída ao longo de
cinquenta e sete capítulos, seguidos de uma síntese cronológica dos conteúdos
abordados e da relação das referências bibliográficas. Compreendidos, em nossa
análise, enquanto indícios da estrutura de “endereçamento” da comunicação,
70
utilizaremos os conceitos mobilizados na obra para identificação dos componentes
que estruturaram a “cenografia” do livro didático.
Segundo Cotrim (2005), falando com o seu “leitor”, a abertura de cada unidade
(contendo três subitens) foi estruturada da seguinte maneira: subitem “Imagem”, cujas
escolhas iconográficas relacionaram-se a “um dos temas tratados na unidade”; o
subitem intitulado “Epígrafe”, no qual ocorreu a exposição (textual) de “um
pensamento ligado ao conteúdo da unidade”; e o subitem chamado “Investigando”, no
qual são apresentadas “questões que lhe possibilitam verificar seus conhecimentos
prévios a respeito do que será tratado nos capítulos [...]”.
Os capítulos tiveram suas estruturas (de endereçamento, na nossa
perspectiva) organizadas nas seções: Lead, “pequeno texto que comenta o conteúdo
do capítulo e apresenta uma problematização como ‘chave’ para o seu estudo”; “Texto
principal”, espaço de desenvolvimento dos “principais aspectos do processo histórico
em estudo”; “Quadros laterais”, “pequenas notas explicativas dos termos destacados
na página”; “Mapas e fotos”, “que ilustram e/ou complementam aspectos do conteúdo
estudado [...] acompanhados de atividades que o auxiliarão [o sujeito endereçado] na
leitura da imagem”; a seção “monitorando”, “distribuída em vários momentos do
capítulo, com questões que o auxiliarão a analisar e interpretar o conteúdo estudado”;
“oficina de História”, “seção no final do capítulo, com questões orientadas para o
desenvolvimento de atitudes de solidariedade e cidadania, a percepção de mudanças
e permanências históricas, a relação entre o passado e o presente [...]”; box “com
textos do autor ou reproduções de documentos históricos e de produção
historiográfica”; “Para Saber Mais”, “com sugestões de livros e vídeos [...]” e a seção
“Vestibulares”, constituída por “questões de exames vestibulares”.
Considerando os interesses específicos desta pesquisa, constatamos que o
século XIX é o único a ocupar duas unidades inteiras: “O mundo no século XIX” e “O
Brasil no século XIX”, compostas por onze capítulos. Objetivando uma análise das
relações de gênero impressas nas duas edições selecionadas, direcionamos nossa
atenção aos capítulos: “Segundo Reinado (1840-1889)”, “A crise do Império” (“O fim
do Império, edição 2013) e “A instituição da República”.
71
4.1.2 Edição 2013
Passamos à edição de 2013, selecionada pelo Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD/2015) para o triênio 2015, 2016 e 2017. A obra é composta por uma
coleção de três volumes correspondentes aos três anos do Ensino Médio brasileiro. A
exemplo da edição anterior, partimos da “carta de abertura”, comum aos três volumes:
Imagem 8 – “Carta de abertura”, edição de 2013 da obra “História Global – Brasil e Geral” (adaptado).
Fonte: COTRIM, 2013.
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O tom ponderado da tradicional comunicação ao “aluno” mereceu destaque. Ao
modificar o sentido atribuído aos conteúdos que compõem a obra anunciada– de uma
“visão global da história do Ocidente, incluindo a história do Brasil” (COTRIM, 2005),
para “[...] uma visão ampla de alguns conteúdos históricos gerais, incluindo aqueles
sobre a história do Brasil”–, consideramos que a comunicação atenuou o discurso
“globalizante” presente na edição anterior.
Quanto à estrutura, cada um dos três volumes da coleção organizou
cronologicamente seus “conteúdos” em quatro unidades. A abertura de cada unidade
introduziu uma “imagem-síntese dos assuntos tratados”, seguida de legendas e da
seção “Conversando”, tendo por objetivo uma reflexão quanto aos temas
apresentados. A introdução de cada capítulo seguiu a mesma estrutura,
acompanhada de um texto-síntese e de uma imagem utilizada para análise
documental nas seções “Treinando o olhar”. Acompanhando o texto principal, a obra
mobilizou uma série de caixas de texto (seções “Em questão” e “Documento”),
imagens (seção “Saiba mais” e “Observando”), exercícios e reflexões relacionados
(“Oficina de História”, “Vivenciar e refletir”, “Diálogo interdisciplinar”, “De olho na
universidade” e “Para saber mais”). As indicações dessas seções parecem
endereçadas aos professores e professoras, oferecendo um mapeamento de
atividades e leituras possíveis.
Consideramos que, em termos de apresentação e estruturação, o impresso
desestabilizou o aparente caráter categórico destacado na edição anterior. Investindo
em seções voltadas à problematização e interpretação dos conteúdos dos capítulos e
unidades, a obra anunciou o caráter interpretativo e “construído” dos conhecimentos
históricos “endereçados”. Tendo em vista as relações de gênero, investigamos os
efeitos de sentido dessa abordagem na produção de um conhecimento histórico
escolar acerca das masculinidades e feminilidades.
Seguindo a cronologia estabelecida pela coleção, o segundo volume mereceu
destaque pela preponderância de temáticas ligadas a abordagem do século XIX no
mundo ocidental: duas unidades, “Do liberalismo ao imperialismo” e “Brasil Império”,
dez capítulos dos vinte e dois disponíveis no volume. Voltado majoritariamente ao
século XX e XXI, o volume seguinte da coleção dedicou poucas considerações,
concentradas nas duas primeiras unidades, às temáticas do volume anterior.
73
A exemplo da análise realizada na edição de 2005, centraremos nossas
observações nos mesmos três capítulos, dessa vez distribuídos, entre o segundo
volume (dois capítulos) e o terceiro volume (um capítulo) das edições selecionadas.
4.2 O Segundo Reinado (1840-1889)
4.2.1 Edição 2005
Nesta seção, centramos nossas observações e análises no capítulo “Segundo
Reinado (1840-1889)”. Considerando a “cenografia” dessa composição– mecanismo
de comunicação que envolve a narrativa, sua apresentação e as atividades–,
estruturamos um “quadro composicional” do capítulo (Quadro 4). Observando a
seleção e ordenamento dos dados, buscamos investigar os possíveis efeitos de
sentido da composição, atentando às estratégias de “endereçamento” de uma
comunicação atravessada por concepções de masculinidades e/ou feminilidades
atuantes nas disputas pelas representações de gênero.
Capítulo
Composição hierárquica
Referências:
“texto principal”
Referências:
boxes
Número
de atividades
Número
de boxes
Número
de imagens
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1. Jogo Político– Pedro de Alcântara torna-se imperador; 1. 2 Disputas entre liberais e conservadores; 1. 3 Violência e fraudes nas eleições; 1. 4 Parlamentarismo no Brasil; 2. Praieira– A revolta liberal pernambucana; 2. 1 Eclosão do conflito; 2. 2 Fim da revolta; 3. Modernização– Transformações socioeconômicas; 3.1 Café: novo “ouro” brasileiro; 3. 2 O poder dos cafeicultores 3. 3 Os primeiros imigrantes;
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial/ Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro, UFRJ/Relume-Dumará, 1996, p. 374. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo. Eduspe, 1995, p. 181. RIBEIRO, Darcy. Sobre o óbvio. In: Revista Civilização Brasileira, n.
DAVATZ, Thomas. Memórias de um colono no Brasil (1858). São Paulo, Livraria Martins/Edusp, 1972, p. 206. ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida privada e ordem privada no império. In: NOVAIS, Fernando A. (org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1997. v. 2. p. 24 -25, 28-29.
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3. 4 Crescimento industrial; 3. 5 Fim do tráfico negreiro internacional; 3. 6 Aumento das taxas de importação; 3. 7 Lei de Terras (1850);
1, julho 1978, p. 15-16.
Quadro 4 – Estrutura composicional do capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)”, edição de 2005.
Além da observação dos componentes que estruturaram a narrativa, a
montagem deste quadro possibilitou visibilizar a pluralidade de conteúdos históricos
abordados e os referenciais historiográficos que orientaram a composição.
Considerando tal pluralidade, salientamos que uma análise pormenorizada de todas
as temáticas constituintes dos capítulos selecionados escapou aos objetivos desta
pesquisa.
Tendo em vista a estrutura composicional do capítulo, nossa análise partiu de
sua “abertura”. Elemento estratégico no “endereçamento” dos conteúdos a serem
comunicados, a abertura concentrou componentes cenográficos que mereceram
destaque: lead, “texto principal” e imagem.
75
Imagem 9 – Abertura do capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2005, p. 384.
Introduzindo o capítulo, o lead– atrelando a imagem do monarca a estabilidade
do Estado– pareceu imprimir o sentido do texto: uma narrativa dos interesses de elites
comprometidas em “[...] preservar a unidade política do país, manter a união das
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províncias e garantir a ordem social” (COTRIM, 2005, p. 384). Reiterando a relevância
das “tarefas” anunciadas, as questões “chave” buscaram direcionar a leitura para os
aspectos políticos, sociais e econômicos que marcaram o período descrito.
Os “valores de relevância” antecipados no lead constituíram ainda o tópico
“Jogo Político– Pedro de Alcântara torna-se imperador”. Além do desenvolvimento do
discurso das expectativas dos “grupos dominantes” quanto a coroação de D. Pedro II,
mereceu destaque o caráter “viril” transferido ao jovem governo (e governante), cuja
autoridade pareceu realçada na mobilização de expressões como “liquidar” e
“submeter”.
Em diálogo com Alain Corbin (2012), compreendemos “virilidade” não enquanto
simples sinônimo de masculinidade– termo, segundo o autor, pouco utilizado no
século XIX. Correspondendo a um conjunto de qualidades morais, a virilidade “[...] se
identifica com a grandeza– noção essencial–, com a superioridade, a honra, a força–
enquanto virtude–, com o autodomínio, no sentido de sacrifício, com o saber-morrer
por seus valores” (CORBIN, 2012, p. 9).
Constituindo a “cenografia” da página, destacamos a imagem atribuída a
Debret, que retrata a aclamação de D. Pedro II31:
Imagem 10 – “Aclamação de D. Pedro II, segundo imperador do Brasil” (adaptado)
Fonte: COTRIM, 2005, p. 384.
31DEBRET, Jean-Baptiste. Acclamation de D. Pedro II. à Rio de Janeiro le 7 Avril, 1831. Paris, 1839. 1 gravura. Disponível em:< http://www.brasilianaiconografica.art.br/obras/20006/acclamation-de-d-pedro-ii-a-rio-de-janeiro-le-7-avril-1831>. Acesso em: 1 de jul. 2018.
77
Embora não dialogando explicitamente com a narrativa, consideramos que a
imagem compôs o discurso da expectativa quanto ao governo do jovem imperador.
“Apresentando” a aclamação, em 1831, de Pedro de Alcântara aos 5 anos de idade,
destacamos a legenda:
Aclamação de D. Pedro II, segundo imperador do Brasil. Esta aclamação a Pedro de Alcântara, retratada por Debret, ocorreu em 7 de abril de 1831, depois de D. Pedro I ter abdicado do trono. Nessa época, Pedro de Alcântara tinha 5 anos de idade (COTRIM, 2005, p. 384).
Compondo a Missão Artística Francesa, chegada ao Rio de Janeiro em março
de 1816, o desenhista, pintor, decorador e cenógrafo Jean-Baptiste Debret (1768-
1848), foi o primeiro artista a realizar um conjunto de obras voltadas à representação
da corte portuguesa em território brasileiro (DIAS, 2006, p. 243).
Quanto ao quadro em questão, por ocasião da transferência do poder
monárquico após a abdicação de D. Pedro I, em 1831, a não problematização da
imagem, além da ausência da identificação do ano de sua produção, de 1834,
mereceu destaque. Acompanhando a imagem, a legenda conferiu um caráter
“objetivo” e “verdadeiro” à obra, suprimindo o aspecto “idealizado e celebrativo”
(SCHWARCZ, 1999, p. 51) implicado na construção simbólica da figura do pequeno
monarca– “inventado” sobre uma pequena bancada, vestindo verde e observando a
multidão que o aclamava (A01). Investigando os aspectos privilegiados na construção
da figura pública de D. Pedro II, Lilia Moritz Schwarcz (1999, p. 64) destacou:
Com efeito, as imagens constroem um príncipe diferente do antigo monarca d. Pedro I, quase seu anti-retrato: responsável já quando pequeno, pacato e educado. Não se esperava do futuro monarca os mesmos arroubos do pai, tampouco “a má imagem” de aventureiro, da qual d. Pedro I não pôde se desvincular. O novo imperador era um mito antes de ser realidade: seria justo mesmo se não o fosse, culto mesmo sem inteligência criativa, de moral elevada mesmo tendo amantes.
Quanto ao texto principal, a narrativa seguiu centrada nas ações do Estado,
entre os anos de 1840 e 1850. Partimos de uma descrição dos distintos grupos
políticos que acompanharam o novo governo, divididos entre o Partido Conservador
e Liberal, mas assemelhados em suas práticas políticas; seguidas da descrição dos
violentos processos eleitorais, as “eleições do cacete”; e da montagem dos órgãos de
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Estado, marcadas pela alternância restrita dos grupos políticos dominantes (COTRIM,
2005, p. 386). Nesta composição, o texto dialogou com José Murilo de Carvalho (1996)
e Boris Fausto (1995) para a descrição dos grupos políticos e das dinâmicas eleitorais.
Chamou a atenção um discurso de naturalização da violência na composição
do “jogo político”. Além da narrativa da “homogeneidade interna” da política imperial
(SCHWARCZ, 1999, p. 122), seguiu uma descrição da ação de capangas, tropas e
lideranças liberais e conservadoras– apontando um cenário de poucas mudanças
futuras: “Violência e fraude não ocorreram apenas nas eleições de 13 de outubro de
1840. Muitas outras eleições posteriores foram marcadas por fraudes e ‘cacetadas’”
(COTRIM, 2005, p. 386).
O tópico seguinte, “Praieira– A revolta liberal pernambucana”, conservou um
sentido bélico na narrativa. Apresentada como um evento resultante das divergências
entre os membros do Partido da Praia– dissidência liberal pernambucana dos grupos
políticos dominantes– e as indicações conservadoras para a presidência da província,
o desfecho da revolta expressou, segundo a narrativa, o fim do “[...] ciclo de revoltas
populares que acompanharam e sucederam o movimento de independência do Brasil”
(COTRIM, 2005, p. 387).
Salientamos a abordagem “reiterativa” no tratamento do “texto principal”.
Embora voltada a temáticas distintas, a narrativa seguiu restrita à atuação de grupos
políticos específicos, cujos interesses e expectativas orientaram toda a abordagem.
Compondo a cenografia, as atividades da seção “Monitorando” constituíram esta
estratégia:
Lista de atividades 1.Havia profundas diferenças ideológicas entre o Partido Liberal e o Partido Conservador no
Segundo Reinado? Quem eram seus representantes e o que defendiam? (COTRIM, 2005, p. 387)
2.Elabore um quadro-resumo da Revolução Praieira, mencionando: a) as causas; b) o período em que ocorreu; c) o grupo político envolvido; d) os objetivos dos revoltosos; e) o fim
da revolta. (COTRIM, 2005, p. 387)
Quadro 5 – Atividades da seção “Monitorando”, edição 2005.
Chegando ao tópico “Modernização– Transformações socioeconômicas” o
“texto principal” passou a explorar as transformações econômicas do Segundo
Reinado. Centrado na produção cafeeira do período, “Café: o novo ‘ouro’ brasileiro”
destacou a emergência de novos centros político-econômicos– as fazendas de café
da província de São Paulo– e a introdução da mão-de-obra imigrante europeia
79
(COTRIM, 2005, p. 388). Destacada na “cenografia” da página, seguiu uma imagem
datada de 1875:
Imagem 11 – Tópico “Modernização– Transformações socioeconômicas” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2005, p. 388.
“T
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IPA
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M E
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GE
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A
80
Seguida da legenda “A mão-de-obra escrava foi aproveitada para a produção
de café. Negros secando café na fazenda Quititi, Rio de Janeiro, 1875– fotografia de
Marc Ferrez” (COTRIM, 2005, p. 388), a imagem mereceu destaque32:
Imagem 12 – “Negros secando café na fazenda Quititi” (adaptado)
Fonte: COTRIM, 2005, p. 388.
Segundo Mariana de Aguiar Ferreira Muaze (2017, p. 36), a fotografia, invenção
francesa do final de 1830, foi difundida no cenário brasileiro do século XIX
essencialmente em duas modalidades: “os retratos, utilizados como meio de distinção
social pelos membros da classe dominante, e as vistas ou paisagens que auxiliavam
na elaboração de uma imagem da nação brasileira a ser projetada nos quadros da
cultura ocidental”.
As fotografias de vistas ou paisagem foram endereçados a um público amplo,
circulando, tanto em exposições, quanto como suvenires, disponíveis em lojas
especializadas. Nesse contexto, o franco-brasileiro Marc Ferrez (1843-1923) foi um
dos profissionais mais dedicados às “vistas e paisagens” brasileiras do século XIX,
32 LEUZINGER, Georges. Fazenda de Quititi. Rio de Janeiro, 1865. 1 fotografia. Disponível em: < http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/bras/2311 >. Acesso em: 1 de jul. 2018.
81
atendendo a uma nova modalidade de consumo da sociedade oitocentista: a fotografia
voltada ao mercado turístico (MUAZE, 2017, p. 38).
Reconhecido internacionalmente, o fotógrafo chamou a atenção dos grupos
produtores de café. Intencionando compor uma imagem nacional e internacional das
fazendas, os senhores de escravos do Vale do Paraíba chegaram, já em 1878, a
patrocinar exposições internacionais através do Centro da Lavoura e do Comércio
(CLC). Num momento histórico ameaçado pelo debate abolicionista, no qual as
contestações econômicas e sociais cresciam, suas fotografias das paisagens do café
cumpriram uma função específica como “representação conciliatória”:
Ferrez construiu imagens de uma escravidão “sem coerção”, “apaziguada”, “ordenada”, ou mesmo mimetizada com outros tipos de relação de trabalho livre como a parceria e o colonato, vivenciadas por imigrantes europeus em diversas áreas rurais do país [...]. Ao fim e ao cabo, suas imagens projetavam um futuro, um horizonte de expectativas, em que as tensões próprias da sociedade escravista estavam ausentes das fotos (MUAZE, 2017, p. 44).
Informando sobre determinada maneira “[...] de ver e de dar a ver a escravidão”
(MUAZE, 2017, p. 35), consideramos a imagem um importante elemento na
“cenografia” da página. Embora ausente nas considerações do “texto principal”–
característica recorrente na composição–, a imagem atuou no reforço de uma
narrativa centrada no reconhecimento da importância econômica do café, cujos lucros
“[...] possibilitaram a recuperação econômica do Brasil, que tinha suas finanças
abaladas desde o período da independência [...]” (COTRIM, 2005, p. 389).
Destacamos na fotografia a criança branca (C03), dividindo os primeiros planos
com homens, mulheres e crianças escravizadas (C02; C03). Retratando o possível
herdeiro da fazenda, consideramos que a imagem, como salientado por Muaze
(2017), “projetou um futuro”, a continuidade de relações de poder ancoradas na
escravidão e na autoridade atrelada a determinada masculinidade, atravessada por
questões de classe e raciais.
A autoridade anunciada pela masculinidade infantil do herdeiro pode ser lida
ainda na assimetria em relação a masculinidade dos homens escravizados (C02).
Como destacado pelo sociólogo Michel S. Kimmel (1998), no século XIX, marcadores
sociais como gênero, raça, etnicidade e sexualidade, por exemplo, despontam
enquanto elementos constitutivos na construção social de masculinidades
82
“hegemônicas” e “subalternas” (KIMMEL, 1998, p. 105). Nessa perspectiva,
salientamos a reflexão de Marcus Carvalho (2003, p. 47) sobre a escravidão enquanto
“emasculação simbólica do homem”:
Seguindo uma tradição historiográfica bastante extensa [...] a escravização pode implicar na emasculação social do homem, submetendo-o a uma dupla humilhação: a do trabalho forçado e a de exercer trabalho feminino, como era o caso da agricultura e dos trabalhos domésticos para os bantus [...].
Destacamos ainda que a distância da criança branca em relação a mulher
branca ao fundo da imagem (C01), possivelmente sua progenitora, não é isenta de
significação. Em oposição a criança– representada entre suas “posses”, projetando
uma imagem de continuidade das relações de poder, reforçada na figura das crianças
negras com as quais divide os primeiros planos da imagem (C02, C03)–, a mulher
branca ocupa o fundo da imagem, próxima a casa, reinscrevendo às distâncias da
tradicional dicotomia público/privado.
Voltando ao “texto principal”, a problematização das relações sociais marcadas
pelo signo da escravidão escapou aos breves tópicos finais. Os temas “Fim do tráfico
negreiro internacional” (dedicado a Lei Eusébio de Queirós, de 1850); “Aumento das
taxas de importação” (dedicado a tarifa Alves Branco, de 1844); e “Lei de Terras
(1850)”; apresentaram, objetivamente, uma narrativa das questões econômicas e das
ações do Estado, em detrimento às dinâmicas sociais que atravessaram o período.
As atividades finais, a exemplo das anteriores, reforçaram essa centralidade:
Lista de atividades 1. Explique os fatores internos que favoreceram a expansão cafeeira no século XIX.
(COTRIM, 2005, p. 390) 2. Comente a importância dos cafeicultores na sociedade brasileira do século XIX.
(COTRIM, 2005, p. 390) 1. Mencione as principais transformações econômicas ocorridas no Brasil na segunda
metade do século XIX. (COTRIM, 2005, p. 392)
2. Explique por que, apesar dessas transformações, a população urbana não tinha papel importante na política do país.
(COTRIM, 2005, p. 387) 3. O que estabeleceu a Lei Eusébio de Queirós? (COTRIM, 2005, p. 387)
4. Cite os principais fatores que contribuíram para o desenvolvimento industrial brasileiro no século XIX.
(COTRIM, 2005, p. 387) Quadro 6 – Atividades da seção “Monitorando”, edição 2005.
83
Embora o tratamento das relações de gênero não tenha figurado enquanto
objetivo do capítulo, buscamos observar em que medida a composição reproduz e
atualiza definições normativas de gênero no período histórico retratado. Partindo do
centramento do “texto principal” nas ações dos grupos políticos atrelados ao poder
durante o Segundo Reinado brasileiro, voltamos nossa atenção ao que denominamos
“masculinidades agentes”– personagens cuja atuação informa sobre as dinâmicas
sociais inscritas nessa narrativa histórica escolar.
Tal centralidade nas atuações de uma determinada masculinidade não
significou, entretanto, a ausência das “outras” masculinidades e das feminilidades na
composição. Presentes na “cenografia” do capítulo, notadamente na Imagem 12,
“Negros secando café na fazenda Quititi”, consideramos que a apresentação não
problematizada dessas “outras” personagens naturaliza, na cenografia, as assimetrias
de poder historicamente situadas.
Tomadas enquanto “dado” histórico, indigno das considerações do “texto
principal” e das atividades que o retomam, as “masculinidades agentes”, identificadas
ao poder, foram contraponteadas às masculinidades e feminilidades “subalternas” dos
sujeitos submetidos à escravidão– aparente “dado” do período histórico retratado– e
as feminilidades brancas, “naturalmente” afastadas da centralidade e do poder (e da
história).
4.2.2 Edição 2013
A exemplo da abordagem anterior, voltamos nossa atenção para a composição
do capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)”, presente na edição de 2013. Distribuindo
os tópicos abordados no capítulo em questão no Quadro 7, salientamos a aparente
estabilidade nos tópicos que estruturaram a narrativa do “texto principal”:
84
Capítulo
Composição Hierárquica
Referências:
“texto principal”
Referências:
boxes
Número
de atividades
Número
de boxes
Número
de imagens
21
1. Política interna– o jogo político entre liberais e conservadores; 1. 2 Liberais e conservadores 1. 3 Diferenças e semelhanças 1. 4 Governo de D. Pedro II; 1. 5 Eleições do cacete; 1. 6 Revolta liberal; 1. 7 Instituição do parlamentarismo; 1. 8 Predomínio conservador; 2. Praieira– A revolta liberal pernambucana; 2. 1 Antecedentes gerais 2. 2 Formação do Partido da Praia; 2. 3 Eclosão do conflito; 2. 4 Repressão e alcances; 3. Modernização– o impacto das transformações econômicas; 3. 1 Café: a nova riqueza; 3. 2. Novo centro político-econômico; 3. 3 Primeiros imigrantes; 3. 4 Fim do tráfico negreiro internacional; 3. 5 Lei de Terras (1850); 3. 6 Crescimento industrial; 3. 7 Tarifa Alves Branco; 3. 8 Alcances e limites das transformações.
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial/ Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro, UFRJ/Relume-Dumará, 1996, p. 374. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo. Eduspe, 1995, p. 181. RIBEIRO, Darcy. Sobre o óbvio. In: Revista Civilização Brasileira, n. 1, julho 1978, p. 15-16.
DAVATZ, Thomas. Memórias de um colono no Brasil (1858). São Paulo, Livraria Martins/Edusp, 1972, p. 206. ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida privada e ordem privada no império. In: NOVAIS, Fernando A. (org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1997. v. 2. p. 24 -25, 28-29.
09
04
07
Quadro 7 – Estrutura composicional do capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)”
Embora os tópicos tenham se mantido estáveis, percebemos um investimento
na “cenografia” do capítulo. Partindo da observação da “abertura”, consideramos que
a mobilização de outras estratégias de “endereçamento” dos conteúdos históricos
ofereceu indícios sobre os “valores de relevância” dessa composição:
85
Imagem 13 – Abertura do capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)” (adaptado)
Fonte: COTRIM, 2013, p. 251.
Embora preserve a abordagem já consagrada na edição anterior, salientamos
a reformulação do lead. Reestabelecendo, de maneira objetiva, o privilégio de uma
“visão dos grupos dirigentes”, consideramos que a substituição do significante “elite”,
utilizado anteriormente, por “dirigentes” contribuiu para “atenuar” a identificação
“categórica” de determinado grupo social através da imprecisão da nova designação.
Buscamos refletir em que medida essas reformulações expressaram, no decorrer do
capítulo, modificações no sentido dos “valores de relevância” do texto.
LEA
D 1
IMA
GE
M E
LE
GE
ND
A
LEA
D 2
86
Acompanhando o lead, ganhou destaque uma reprodução da imagem,
atribuída a Manuel de Araújo Porto-Alegre, em 1840, “Sagração de D. Pedro II”33:
Imagem 14 – “Sagração de D. Pedro II” (adaptado)
Fonte: COTRIM, 2013, p. 251.
Acompanhada da legenda “Sagração de D. Pedro II. Óleo sobre tela de Manuel
de Araújo Porto-Alegre, obra produzida aproximadamente em 1840” (COTRIM, 2013,
p. 251), consideramos que a imagem constitui um importante elemento cenográfico
de abertura. Segundo Schwarcz (1999, p. 74), elaborada em 1843, e assinada por
Manuel de Araújo Porto-Alegre, futuro barão de Santo Ângelo, a obra buscou a criação
de uma determinada memória da sagração do jovem monarca, então com 15 anos,
em 1841.
Coberto por um manto em veludo verde, forrado em cetim amarelo– lembrando
as cores de Habsburgo e Bragança–, além do cetro, espada e coroa, o imperador
(B02), sagrado e coroado, ostenta os principais símbolos de poder monárquico.
Compondo o cenário, cujo arquiteto também foi o autor dessa obra, a riqueza de
33PORTO-ALEGRE, Manuel de Araújo. Estudo para a sagração de Dom Pedro II. 1841. 1 gravura. Disponível em: < https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Manuel_de_Ara%C3%BAjo_Porto-alegre_-_estudo_para_a_sagra%C3%A7%C3%A3o_de_Dom_Pedro_II_-_c._1840.jpg >. Acesso em: 1 de jul. 2018.
87
detalhes ocupou metade da pintura. Acima da multidão, D. Francisca e D. Januária
(A01), irmãs do imperador, parecem acompanhar o ritual.
Sob a perspectiva das relações de gênero, consideramos que a imagem
estabeleceu uma oposição na visibilização de D. Francisca e D. Januária (A01).
Concentrando a cena política na parte inferior (B01; B02), a composição pareceu
estabelecer as irmãs do imperador como parte da “cenografia” da sagração.
Diferentemente da imagem inventada do jovem imperador, ornamentado com os
símbolos de poder monárquico (B02), as figuras femininas constituem componentes
do cenário arquitetado por Manuel de Araújo Porto-Alegre, apartadas do ritual político
(e masculino) tema da pintura.
Acompanhando a imagem, mereceu destaque a seção “Treinando o olhar”.
Convidando a formulação de hipóteses quanto a imagem, consideramos que essa
abordagem, diferentemente da desenvolvida na edição anterior, possibilitou o
questionamento da imagem enquanto um artefato historicamente situado– não
enquanto expressão de um “fato” sobre determinado momento histórico. Foi possível,
por exemplo, formular hipóteses quanto às razões do desagrado do jovem imperador
em relação à obra referida.
Ao centrarmos nossa análise no “texto principal” do capítulo, entretanto,
destacamos a permanência dos objetos de atenção já desenvolvidos na edição
anterior. Nessa perspectiva, consideramos que a composição expressou em sua
“cenografia” os principais elementos de renovação. Buscando investigar as
estratégias de “endereçamento” desenvolvidas no capítulo, apresentamos a primeira
página da composição:
88
Imagem 15 – Primeira página do capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2013, p. 252.
A exemplo da edição anterior, o primeiro parágrafo buscou “endereçar”
determinada leitura dos conteúdos históricos. Articulada a uma determinada visão a
respeito dos “grupos dirigentes”, a “cenografia” do capítulo “endereçou” a
comunicação do “texto principal” através do “quadro síntese”, reunindo os elementos
de destaque da abordagem já consagrada na edição anterior. Outros indícios da
estabilidade desta composição foram observados nas seções “Compreendendo”,
constituídas de atividades atentas aos objetos da narrativa:
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89
Lista de atividades 1.É possível dizer que havia diferenças ideológicas profundas entre o Partido Liberal e o
Partindo Conservador no Segundo Reinado? (COTRIM, 2013, p. 253)
1. Com relação à Revolta Praieira, identifique: a) as causas; b) o período e o local em que ocorreu; c) o grupo político envolvido; d) os objetivos dos revoltosos; c) como se deu o fim da
revolta. (COTRIM, 2013, p. 255)
1. Explique os fatores externos e internos que favoreceram a expansão cafeeira no Brasil no século XIX.
(COTRIM, 2013, p. 261) 2. Mencione as consequências do grande êxito do café para a sociedade brasileira do
século XIX. (COTRIM, 2013, p. 261)
3. Com base nos dados contidos na tabela da página 258, elabore uma análise sobre o fluxo de importação de escravos desde o período regencial. (COTRIM, 2013, p. 261)
4. Explique o que estabelecia a Lei Eusébio de Queirós e quais foram suas consequências. (COTRIM, 2013, p. 261)
4. O que determinava a Lei de Terras e que dificuldade criou para desconcentração da propriedade da terra em nosso país?
(COTRIM, 2013, p. 261) 6. Cite os principais fatores que contribuíram para o surto industrial brasileiro no século XIX.
(COTRIM, 2013, p. 261) 7. Reflita e analise os alcances e limites das transformações econômicas ocorridas durante o
Segundo Reinado para a sociedade brasileira. Escreva um texto sobre o assunto. (COTRIM, 2013, p. 261)
Quadro 8 – Atividades da seção “Compreendendo”, edição 2013.
Na contramão de uma leitura desejada, investigamos de que maneiras a
composição do capítulo atuou na construção de saberes generificados.
A narrativa foi introduzida, retomando a abordagem já consagrada na edição
anterior, pelas dinâmicas da política interna, objeto dos tópicos “Liberais e
conservadores” e “Governo de D. Pedro II”, seguida pelo tratamento da revolta
Praieira, destacada em “Praieira: a revolta liberal pernambucana”. Neste último tópico,
entretanto, chamou a atenção a mobilização da litografia “Venda em Recife”, datada
de 1835 (portanto, anterior ao conflito iniciado em 1848), e atribuída a Rugendas.
Apresentamos a “cenografia” da página:
90
Imagem 16 – Tópico “Praieira– A revolta liberal pernambucana ” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2013, p. 254.
Posicionada abaixo do “texto principal”, ocupando menor porção da
“cenografia”, a imagem 16 foi seguida da legenda: “Venda em Recife. Litografia
“T
EX
TO
PR
INC
IPA
L”
IMA
GE
M E
LE
GE
ND
A
91
colorida à mão, de Rugendas, datada de 1835. Seu olhar atento captava o cotidiano
de diversos grupos sociais” (COTRIM, 2013, p. 252)34:
Imagem 17 – “Venda em Recife” (adaptado)
Fonte: COTRIM, 2013, p. 252
Vindo ao Brasil em 1822, acompanhando, como desenhista, o diplomata Georg
Heinrich von Langsdorff, o bávaro Johann Mortiz Rugendas (1802-1858) ficou
conhecido por seus registros de paisagens e costumes, notadamente da população
africana e seus descendentes no Brasil (FREITAS, 2009, p. 31).
Informando sobre os usos dos espaços urbanos no Recife oitocentista,
consideramos a imagem um importante componente cenográfico. Distante do objeto
e dos personagens do “texto principal”, a imagem ofereceu a possibilidade de
questionar as dinâmicas sociais, atravessadas por dinâmicas de gênero e raciais.
Localizadas a frente da venda (B02), mulheres negras aparecem retratadas em
atividades comerciais, distribuídas em todo desenvolvimento da imagem (B01; B02).
Há ainda um indivíduo, talvez um indígena, sugerindo embriaguez, deitado à porta do
estabelecimento (B02). Acima, sugerindo que além do ponto comercial, o prédio
34RUGENDAS, Johann Moritz. Venta a Reziffé. Paris, [1835]. 1 gravura. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_iconografia/icon94994/icon94994_151.jpg>. Acesso em: 1 de jul. 2018.
92
comporta uma residência no andar superior, duas mulheres brancas na varanda (A01)
observam os produtos ofertados pela vendedora (B01) no canto esquerdo da imagem.
Como destacado por Maciel Henrique Silva (2005, p. 20), apesar “do certo
despojamento da mulher branca situada na varanda”– contrariando a tradicional
divisão entre o público e o privado, abordagem recorrente na historiografia do
período–, cumpre lembrar que:
Nesses primeiros anos do século XIX, as mulheres brancas ainda não haviam rompido os limites patriarcais que as mantinham reclusas, distantes da rua. Entretanto, as negras misturavam seus pregões aos cantos dos negros carregadores, tão comuns no bairro portuário do Recife, aumentando o burburinho das ruas.
Em linhas gerais, quando observada em relação a publicação anterior, a edição
de 2013 de “História Global– Brasil e Geral” apresentou modificações, em grande
medida, concentradas no investimento em quadros sínteses, voltados ao “texto
principal”, preservado em seus interesses analíticos. Consideramos que essas
modificações na “cenografia” da obra objetivaram estratégias para o “endereçamento”
de uma narrativa.
Constituindo ainda a “cenografia” desenvolvida, as relações de gênero
mereceram destaque. Contrapondo uma narrativa centrada, majoritariamente, nas
ações e interesses dos “grupos dirigentes”– em um contexto de política institucional
vedada a participação das mulheres–, as imagens operaram: ora no reforço de uma
narrativa do poder político masculino correspondente ao Segundo Reinado (como na
Imagem 14: “Sagração de D. Pedro II”), ora como espaço de visibilização de “outras”
masculinidades e feminilidades, cujos saberes não corresponderam aos objetos de
interesse do “texto principal” (como na imagem 17: “Venda em Recife”).
Observando a estabilidade das composições no tratamento das questões
referentes ao Segundo Reinado, questionamos a re-inscrição de uma narrativa
centrada na atuação de grupos específicos. A despeito das possibilidades analíticas
anunciadas na mobilização da imagem “Venda em Recife”– cuja autonomia em
relação ao “texto principal” constituiu um obstáculo na construção do conhecimento
histórico escolar articulado entre texto escrito e imagético–, a narrativa manteve seu
centramento na atuação das “masculinidades agentes”.
93
4.3 A crise do império
4.3.1 Edição 2005
Complementar ao capítulo “Segundo Reinado (1840-1889)”, “A crise do
império” abrangeu, cronologicamente, os anos de 1850 a 1889. Indício da pluralidade
de temas históricos correspondentes ao capítulo em questão, apresentamos a
“estrutura composicional” da narrativa no Quadro 9:
Capítulo
Composição Hierárquica
Referências:
“texto principal”
Referências:
boxes
Número
de atividades
Número de boxes
Número
de imagens
42
1. Política Externa– Conflitos internacionais no Segundo Reinado; 1. 2 Questão Christie; 1. 3 Raiz do conflito; 1. 4 Incidentes; 1. 5 Rompimento; 1. 6 Questão platina; 1. 7 Intervenção contra Oribe e Rosas (1851-1852); 1. 8 Guerra contra Aguirre (1864-1865); 1. 9 Guerra do Paraguai (1865-1870) 1. 10 Descontentamento capitalista; 1. 11 A violência do conflito; 1. 12 Efeitos internos da guerra; 2. Abolicionismo– Lutas pelo fim da escravidão; 2. 1 Campanha abolicionista; 2. 2 A população negra depois da abolição; 3. Crise– Condições que levaram à queda da monarquia; 3. 1 A questão dos escravos; 3. 2 O movimento republicano; 3. 3 Conflito com a Igreja;
CHIAVENATO, Júlio José. Genocídio americano: a Guerra do Paraguai. São Paulo, Brasiliense, 1979, p. 104. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo. Eduspe, 1995, p. 216. BETHEL, Leslie. In: MARQUES, Maria Eduarda C. M. (org.). A Guerra do Paraguai: 130 anos depois. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995, p. 22. REIS, João José. Nos achamos em campo de tratar da liberdade: a resistência negra no Brasil oitocentista. In: MOTA, Carlos Guilherme. Viagem incompleta. A experiência brasileira (1500-2000).
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo. Eduspe, 1995, p. 216. BETHEL, Leslie. In: MARQUES, Maria Eduarda C. M. (org.). A Guerra do Paraguai: 130 anos depois. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995, p. 22. CARVALHO, José Murilo de. In: Folha de São Paulo, 13 de maio de 1988, p. B 8-9. SANTOS, Jose Rufino dos. Afinal, quem fez a república? São Paulo, FTD, 1989, p. 8-9.
07
04
05
94
3. 4 Conflito com o exército; 3. 5 Proclamação da república.
Formação, histórias. São Paulo: Editora Senac, 2000, p. 245. KLEIN, Herbert. Tráfico de escravos. In: Estatísticas históricas do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1987, p. 58.
Quadro 9 – Estrutura composicional do capítulo “A crise do império”, edição de 2005.
Visando analisar as concepções de masculinidades e/ou feminilidades
presentes e “endereçadas”, investigamos as estratégias mobilizadas para a
comunicação dos conteúdos históricos. Nessa perspectiva, partimos dos
componentes da abertura do capítulo: o lead e o texto principal.
95
Imagem 18 – Abertura do capítulo “A crise do império” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2005, p. 393.
Relacionando elementos da atual Constituição brasileira aos objetos de
atenção do capítulo, o lead “endereçou” nossa leitura ao debate abolicionista.
Buscando “estabelecer [...] a relação entre o passado e o presente”, como anunciado
na “carta de abertura” da obra, destacamos o fragmento:
LEA
D
“T
EX
TO
PR
INC
IPA
L”
96
Esses artigos da Constituição são exemplos de conquistas dos negros e daqueles que defendem uma autêntica democracia nas relações sociais. Durante o Segundo Reinado, foram travadas importantes batalhas visando ao fim da escravidão. Como a abolição, aliada a outros motivos de ordem interna e externa, colaborou para o encerramento do regime monárquico no Brasil? (COTRIM, 2005, p. 393).
Ao analisarmos o “texto principal”, entretanto, a narrativa trilhou outros
caminhos. Diferentemente da abordagem “reiterativa” identificada na “cenografia” do
capítulo anterior– a edição 2005 do capítulo “Segundo Reinado”–, a narrativa foi
voltada, inicialmente, às questões da “Política Externa”. Considerando os objetivos
desta pesquisa, nos dedicamos, brevemente, aos primeiros tópicos da composição.
Iniciando no tópico “Questão Christie”, rompimento diplomático entre o governo
brasileiro e inglês motivado por fatores políticos e econômicos, de 1863 a 1865, cujo
desfecho, segundo o texto, “[...] afirmou a soberania nacional brasileira” (COTRIM,
2005, p. 394); partimos para a “Questão platina”, conjunto de conflitos desencadeados
entre 1851 e 1865, envolvendo a intervenção política e militar contra a República
Oriental do Uruguai e a Argentina, respectivamente; culminando com o tópico “Guerra
do Paraguai (1865-1870)”– onde o autor, em diálogo com a obra “Genocídio
americano: a Guerra do Paraguai”, de Júlio José Chiavenato (1979), identifica “os
interesses gerais dos capitalistas ingleses” (COTRIM, 2005, p. 398) enquanto um dos
principais desencadeadores do conflito35.
Retomando os conteúdos abordados, a seção “Monitorando” endereçou a
leitura para as questões principais da narrativa:
Lista de atividades 1.Qual a atitude do governo inglês, baseado na Lei Bill Aberdeen, em relação ao Brasil?
(COTRIM, 2005, p. 394) 2.Sintetize o que foi a Questão Christie e qual o seu desfecho.
(COTRIM, 2005, p. 394) 1. Sintetize os conflitos em que o Brasil se envolveu na região platina.
(COTRIM, 2005, p. 399) 2. Por que a política do Paraguai, após a independência, incomodava o governo inglês?
(COTRIM, 2005, p. 399) 3. Comente sobre as consequências da Guerra do Paraguai para o Brasil e para o Paraguai.
(COTRIM, 2005, p. 399) Quadro 10 – Atividades da seção “Monitorando”, edição 2005.
35 Identificando a Guerra do Paraguai enquanto momento de apogeu e início da decadência do Império de D. Pedro II, Schwarcz (1999, p. 301) avaliou diferentes abordagens historiográficas do conflito. Inspirada por Chiavenato (1979), a abordagem desenvolvida por Cotrim (2005) retoma uma interpretação na qual o Paraguai teria sido vítima da posição imperialista inglesa.
97
O abolicionismo e a crise do período monárquico ocuparam a porção final da
narrativa. Partindo do tópico “Abolicionismo– Lutas pelo fim da escravidão”, o “texto
principal” situou o século XIX como aquele onde “[...] a escravidão africana atingiu seu
ponto máximo no Brasil” (COTRIM, 2005, p. 399). Nesse contexto, o autor identifica
quatro movimentos que, relacionados, precedem a assinatura da Lei Áurea em 1888:
a participação de “africanos e seus descendentes” em rebeliões, motins e quilombos;
a “campanha abolicionista”, apoiada por vários setores da sociedade brasileira, “[...]
parlamentares, imprensa, militares, artistas e intelectuais, como Joaquim Nabuco,
José Patrocínio, Raul Pompéia, Luís Gama e Castro Alves”; os interesses econômicos
da Inglaterra, desejosa de “[...] ampliar o mercado consumidor para seus produtos– o
que seria possível com o desenvolvimento do trabalho assalariado”; e as ações
governamentais expressas nas “Lei do Ventre Livre (1871)”, e a “Lei dos
Sexagenários (1885)” (COTRIM, 2005, p. 400).
Salientando os limites da ação governamental, o autor considerou-as
impulsionadoras da campanha abolicionista, compondo o momento no qual “pela
primeira vez na história do Brasil, ocorreram manifestações políticas e populares
favoráveis à causa da abolição” (COTRIM, 2005, p. 400).
O breve parágrafo seguinte encerrou a abordagem sobre a escravidão no país:
“Somente em 13 de maio de 1888 a escravidão foi extinta no Brasil, com promulgação
da Lei Áurea, pela princesa Isabel, regente do império” (COTRIM, 2005, p. 400, grifo
do autor). Compondo a “cenografia” da página, seguiu o box “Os sentidos do 13 de
maio”:
Imagem 19 – Box “Os sentidos do 13 de maio”.
Fonte: COTRIM, 2005, p. 400.
98
Observada pela perspectiva historiográfica, destacamos a visibilização dada a
D. Isabel no “texto principal” e no box. Objetivando analisar a reciprocidade entre as
relações de gênero e o exercício do poder real no século XIX, Roderick J. Barman
(2005, p. 16) nos informou:
D. Isabel merece atenção. Durante quase quarenta anos (1851-1889), foi herdeira do trono. Em três ocasiões, entre 1871 e 1888, que somam três anos e meio, governou o país durante a ausência do pai, que estava no exterior. Na qualidade de regente, exerceu o considerável poder que a Constituição de 1824 conferia ao monarca. Nesse mesmo período, deu à luz três filhos, possíveis herdeiros do trono.
Num contexto no qual o poder, majoritariamente, era considerado um apanágio
masculino (PERROT, 1988), sua posição na linha sucessora ganhou projeção
internacional. Como destacou Barman (2005, p. 16), D. Isabel foi uma das nove
mulheres em todo o mundo ocidental do século XIX a ocuparem o posto de “autoridade
suprema” de seus países, seja na qualidade de regentes ou monarcas.
Assumindo a regência pela primeira vez em 1871, durante dez meses a
princesa esteve à frente do governo. A Lei do Ventre Livre, resultante das articulações
políticas de D. Pedro II, foi sancionada por D. Isabel, atraindo as suspeitas políticas
do interesse da princesa pelo debate abolicionista (BARMAN, 2005, p. 234).
Durante a terceira regência (1887-1888), ocasionada pelo afastamento por
razões médicas de D. Pedro II, D. Isabel assinou o projeto de abolição incondicional
da escravidão: a Lei Aurea. Considerada pela regente enquanto uma questão
“humanitária, moralizadora, generosa, grande, apoiada pela Igreja” (BARMAN, 2005,
p. 249), a questão abolicionista ganhou popularidade no debate político a partir dos
anos 70. A proposta assinada por D. Isabel, redigida pelo ministro da agricultura do
gabinete de João Alfredo Correia de Oliveira, resultou das disputas políticas que
encerraram o regime. Quanto a repercussão da assinatura do projeto, Barman (2005,
p. 256) nos ofereceu uma síntese:
De fato, a promulgação da Lei Áurea deu muita popularidade à princesa na massa de brasileiros, que passou a chama-la de Redentora. Ao mesmo tempo, seu papel na abolição suscitou ódio e até desprezo nas classes que controlavam a riqueza no Brasil. Sobretudo os proprietários rurais não lhe perdoavam ter apoiado a abolição sem nenhuma compensação pela “propriedade” perdida, pois, para eles, os ex-escravos não passavam disso. [...] Que uma mulher exercesse o poder já era motivo suficiente para ultraje, mas
99
que se servisse desse poder para privá-los de sua propriedade era, em última instancia, um insulto a masculinidade.
Não buscamos aqui reabilitar a imagem, já há muito ultrapassada pela
historiografia, da princesa “redentora”. Consideramos que a obra, ao focar nas tramas
políticas que marcaram o Segundo Reinado brasileiro (1840-1889) e sua crise, diluiu
a atuação dos sujeitos históricos diante das ações, disputas e interesses de
determinados grupos políticos já implicados na própria constituição do Estado. Sob a
perspectiva das relações de gênero, essa abordagem– a semelhança do capítulo
analisado anteriormente–, restringiu a narrativa histórica às atuações de
masculinidades específicas, agentes.
Acompanhando o tópico “Crise– condições que levaram à queda da
monarquia”, dedicado aos fatores que contribuíram para o enfraquecimento do
império, a “cenografia” da página apresentou uma imagem da família real,
acompanhada da legenda: “Nesta reprodução de fotografia da família imperial em
Petrópolis, feita por Otto Hees (1889), vê-se D. Pedro II com sua filha Isabel e,
sentada, a imperatriz Teresa Cristina” (COTRIM, 2005, p. 401). Tendo em vista os
interesses analíticos desta pesquisa, destacamos toda a “cenografia” da página,
enfatizando o recurso imagético mobilizado:
100
Imagem 20 – Tópico “Crise– Condições que levaram à queda da monarquia” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2005, p. 401.
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101
Imagem 21 – “Família imperial em Petrópolis” (adaptado)
Fonte: COTRIM, 2005, p. 401.
Celebrizada como a última imagem da família imperial no Brasil (SCHWARCZ,
1999, p. 451) a imagem apresentou mais personagens do que os anunciados na
legenda36. Da esquerda para a direita: a imperatriz, D. Teresa Cristina (B01); D.
Antônio (C02), filho mais novo de D. Isabel (B02); D. Pedro (B02); D. Pedro Augusto
(B03), neto mais velho do imperador; D. Luís de Orleans e Bragança (B03),
acompanhado de seu pai, o Conde D’Eu (B03), e seu irmão, D. Pedro de Orleans e
Bragança (B03).
Nossa atenção recaiu sobre os personagens centrais, D. Pedro II e D. Isabel
(B02). Investigando a construção da figura pública do monarca, Schwarcz (1999, p.
36 HESS, Otto. [Fotografia da Família Imperial]. Petrópolis, 1889. 1 fotografia. Disponível em: <https://artsandculture.google.com/asset/fotografia-da-familia-imperial/QQEJnjcOFeKo6A>. Acesso em: 1 de jul. 2018.
102
320) analisou como– após a Guerra do Paraguai (1865-1870)– D. Pedro II abandonou
as “vestes majestáticas”, passando a se portar e vestir como um “monarca-cidadão”:
[...] começa a se tornar comum d. Pedro II aparecer com uma certa postura corporal inédita: trazendo uma das mãos metida dentro da casaca, numa referência a famosa pose consagrada por Napoleão. [...] a pose que celebrizou o general francês surge interpretada pelo monarca americano (SCHWARCZ,1999, p. 333).
Nessa perspectiva, consideramos a fotografia um destacado elemento
“cenográfico”. Ao lado do monarca– cujo “jaquetão” e cartola buscaram transmitir uma
mensagem renovada de autoridade atrelada a civilidade–, D. Isabel pareceu retratada
como filha do imperador, não enquanto herdeira do trono.
A disposição de D. Isabel em relação aos outros integrantes da imagem
também mereceu destaque. Concentrados ao lado direito da fotografia, os
personagens masculinos (B03)– os netos mais velhos do imperador, tendo o conde
D’Eu na posição mais elevada da imagem–, ocupam uma posição de destaque,
favorecida pela perspectiva oblíqua da fotografia. No extremo oposto (B01; C01), a
imperatriz e o neto mais novo ocupam os espaços mais baixos da foto, acompanhados
por D. Isabel, antepenúltima desse lado.
Localizando mulheres e crianças menores de um lado e “varões” do outro,
tendo o imperador ao centro, consideramos que a fotografia estabeleceu uma
inferiorização da importância política da princesa, ofuscada mediante a valorização
das masculinidades visibilizadas em assimetria às feminilidades.
Tal leitura pareceu reforçada por uma narrativa que– a despeito da regência da
princesa, num contexto político majoritariamente masculino– resumiu sua atuação ao
episódio de assinatura da Lei Áurea, identificada como um dos componentes da
decadência do regime. Paradoxalmente, como problematizado por Barman (2005, p.
330), o principal exercício de poder de D. Isabel, “[...] pelo qual a posteridade a guarda
na memória – promulgação da Lei Áurea de 13 de maio de 1888–, contribuiu para sua
exclusão da vida pública e para seu banimento da terra natal”, desfecho da crise
imperial.
Concluímos que a perspectiva adotada pelo texto, além de dificultar a
compreensão das disputas políticas que antecedem a abolição– objeto de maior
atenção do capítulo–, reinscreveu narrativas (naturalizando-as) que, já no século XIX,
buscaram inviabilizar a atuação política da regente– e das mulheres, num contexto
103
geral. No caso específico de D. Isabel, sob argumento de sua inescapável
incapacidade e submissão à autoridade, notadamente masculina e representada, ora
por seu esposo, o conde D’Eu, ora por D. Pedro II, último representante legítimo de
um regime decadente37.
Encerrando o capítulo, o desfecho da crise monárquica acompanhou a
constituição do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil.
Identificado ao marechal Deodoro da Fonseca, o “[...] golpe político que instaurou a
república no Brasil” (COTRIM, 2005, p. 402), aparentemente, já possuía personagens
principais.
4.3.2 Edição 2013
Diferentemente da edição de 2005, o capítulo dedicado aos últimos anos do
império brasileiro foi nomeado “O fim do império”. Consideramos que a alteração no
título do capítulo (de “crise” ao “fim”) pareceu imprimir certa objetividade a
composição. A exemplo da abordagem anterior, cabe uma observação da estrutura
composicional do capítulo:
Capítulo
Composição Hierárquica
Referências:
“texto principal”
Referências:
boxes
Número
de atividades
Número
de boxes
Número
de imagens
22
1. Política Externa– Conflitos internacionais no Segundo Reinado; 1. 2 Questão Christie; 1. 3 Problema da escravidão; 1. 4 Incidentes; 1. 5 Rompimento; 1. 6 Questão platina; 1. 7 Intervenção contra Oribe e
POMER, León. La Guerra del Paraguai: gran negocio. Buenos Aires: Caldén, 1968. DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo. Eduspe, 1995, p. 216. BETHEL, Leslie. In: MARQUES, Maria Eduarda C. M. (org.). A Guerra do Paraguai: 130 anos depois. Rio de Janeiro:
11
04
09
37 Para considerações sobre a unanimidade entre conservadores e progressistas do Segundo Reinado sobre a incapacidade política “inerente” às mulheres, ver: BARMAN, Roderick. “Princesa Isabel do Brasil: gênero e poder no século XIX” (2005, p. 101). Para uma leitura da passagem do período imperial ao republicano enquanto marcada pela transição simbólica de uma ordem política do masculino e viril para a feminilidade e “desvirilidade”, ver ALBUQUER JÚNIOR, Durval Muniz. “Nordestino: invenção do “falo”: uma história do gênero masculino (1920-1940)” (2013, p. 83). A imprensa republicana do final do século também buscou inviabilizar a figura política de D. Isabel, representando a herdeira do trono como pessoa submissa ao seu marido estrangeiro, “o francês”, ver: CARVALHO, José Murilo de. “A Formação das Almas: O Imaginário da República do Brasil” (1990, p. 79).
104
Rosas (1851-1852); 1. 8 Guerra contra Aguirre (1864-1865); 1. 9 Guerra do Paraguai; 1. 10 Isolamento paraguaio; 1. 11 A violência do conflito; 1. 12 Efeitos internos; 2. Abolicionismo– A lutas pelo fim da escravidão no Brasil; 2. 1 Resistência negra; 2. 2 Campanha abolicionista; 2. 3 Leis emancipatórias; 2. 4. Abolição; 2. 5 Os negros depois da abolição; 3. Queda da monarquia– as condições que levaram à instituição da república; 3. 1 Crise do império; 3. 2 Questão dos escravos; 3. 3 Movimento republicano; 3. 4. Conflito com a Igreja; 3. 5 Conflito com o exército; 4. Proclamação da república.
Letras, 2002, p. 25. BETHEL, Leslie. In: MARQUES, Maria Eduarda C. M. (org.). A Guerra do Paraguai: 130 anos depois. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995, p. 22. REIS, João José. Nos achamos em campo de tratar da liberdade: a resistência negra no Brasil oitocentista. In: MOTA, Carlos Guilherme. Viagem incompleta. A experiência brasileira (1500-2000). Formação, histórias. São Paulo: Editora Senac, 2000, p. 245. KLEIN, Herbert. Tráfico de escravos. In: Estatísticas históricas do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1987, p. 58. REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês (1835). São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 245.
Relume-Dumará, 1995, p. 22. CARVALHO, José Murilo de. In: Folha de São Paulo, 13 de maio de 1988, p. B 8-9. .
Quadro 11 – Estrutura composicional do capítulo “O fim do império”, edição de 2013.
Contrapondo a aparente estabilidade da composição do capítulo em relação à
edição anteriormente analisada, sua “abertura” apresentou outros elementos.
Destacamos: lead, imagem e a seção “Treinando o olhar”.
105
Imagem 22 – Abertura do capítulo “O fim do império” (adaptado)
Fonte: COTRIM, 2013, p. 264
Salientamos a objetividade na elaboração do lead. Diferentemente da edição
2005, aparentemente interessada na “relação entre o passado e o presente”–
compromisso também assumido na carta de abertura desta coleção–, o pequeno texto
buscou “endereçar” a leitura através da questão: “Que condições históricas ensejaram
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106
esse processo?” (COTRIM, 2015, p. 264). Compondo a “cenografia” da página,
destacamos a reprodução da imagem “Cena de família de Adolfo Augusto Pinto”38:
Imagem 23 – “Cena de família de Adolfo Augusto Pinto” (adaptado)
Fonte: COTRIM, 2018, p. 264.
Acompanhada da legenda “Cena de família de Adolfo Augusto Pinto. Óleo
sobre tela de Almeida Júnior, de 1891” (COTRIM, 2013, p. 264), a imagem foi objeto
de atenção da seção “Treinando o olhar”. Dentre as perguntas elaboradas,
destacamos a primeira: “Esta obra do pintor Almeida Júnior é conhecida como Cena
de família de Adolfo Augusto Pinto. Observando a cena, é possível dizer a que grupo
social pertenciam essas pessoas? Elabore inferências” (COTRIM, 2013, p. 264).
Consideramos que essa abordagem estimulou a problematização dos
elementos que compõem a “cenografia”. Então, “treinando o olhar” sob a perspectiva
das relações de gênero, analisemos a imagem.
Conhecido nacionalmente enquanto expressão da temática “regionalista”,
Almeida Júnior (1850 – 1899) foi um importante pintor brasileiro do século XIX, tendo
sido aluno da Academia Imperial de Belas Artes, de 1869 a 1875 (CRIVILIN, 132, p.
29). Quanto à pintura em questão, encomendada pelo engenheiro de ferrovias Adolfo
38ALMEIDA JÚNIOR. Cena de família de Adolfo Augusto Pinto. 1891. 1 gravura. Disponível em: <https://artsandculture.google.com/asset/family-scene/OwGQi9iigj2YRA>. Acesso em: 1 de jul. 2018.
107
Augusto Pinto, esta rendeu ao autor o convite para participação da Exposição
Internacional de Artes, Indústrias Manufatureiras e Produtos do Solo, das Minas e do
Mar, realizada em 1893, em Chicago, nos Estados Unidos.
Como destacou Tânia Maria Crivilin (2011, p. 85), realizada para atender
especificamente as recomendações de seu comprador, cabe considerar, na
observação da imagem, a expressão das possíveis expectativas para a composição:
destacado em primeiro plano, o patriarca (B02, B03) é acompanhado por seus filhos,
em plano médio (B01, B02, C01), tendo ao fundo sua esposa, ensinando bordado à
filha (B02).
Sob a perspectiva das relações de gênero, consideramos que a análise poderia
oportunizar uma reflexão voltada às dinâmicas de gênero durante o século XIX.
Embora o capítulo mantenha sua atenção nas decisões governamentais e na atuação
dos tradicionais grupos políticos– a exemplo da edição de 2005–, não objetivando,
explicitamente, abordar questões relacionadas aos papéis sociais desempenhados
por homens e mulheres, sua composição visibilizou, notadamente através das
imagens, posições normativas de gênero, naturalizadas através da não
problematização das imagens– as quais, tanto para a historiografia, quanto para a
história escolar, são fontes (dizem respeito a um outro tempo) e não meras ilustrações.
Tendo em vista visibilizar a manutenção dos interesses analíticos do capítulo,
retomando a abordagem já consagrada na edição 2005, a seção “Compreendendo”
nos ofereceu alguns indícios:
108
Lista de atividades 1. Sintetize os incidentes que originaram a Questão Christie e explique qual foi o seu desfecho.
(COTRIM, 2013, p. 271) 2. Explique que relação se pode estabelecer entre o Bill Aberdeen e a questão Christie.
(COTRIM, 2013, p. 271) 3. Enumere as principais preocupações da diplomacia brasileira na região platina durante o
Segundo Reinado. (COTRIM, 2013, p. 271)
4. Comente os conflitos ligados à Questão Platina em que o Brasil se envolveu, contra Argentina e Uruguai. (COTRIM, 2013, p. 271)
5. Explique como se iniciou e se desenrolou a Guerra do Paraguai. (COTRIM, 2013, p. 271) 6. Comente as consequências dessa guerra para o Brasil e para o Paraguai. (COTRIM,
2013, p. 271) 1. Caracterize a dimensão e o papel das populações negras escravizadas na sociedade
brasileira do século XIX e sua aceitação da condição escrava. (COTRIM, 2013, p. 274)
2. Explique o que foi a campanha abolicionista e escreva um texto sobre o assunto. (COTRIM, 2013, p. 274)
3. Comente as leis abolicionistas, incluindo a que extinguiu a escravidão no Brasil, apontando os alcances e limites de cada uma delas. (COTRIM, 2013, p. 274)
4. Comente o que ocorreu com as populações negras e mestiças após o fim da escravidão, em 1888. (COTRIM, 2013, p. 274)
Quadro 12 – Atividades das seções “Compreendendo”, edição 2013.
Nessa perspectiva, exploramos as mudanças na cenografia do capítulo
relacionadas à abordagem das questões de gênero.
Partimos do tópico “Questão Christie”. Centrado no percurso do rompimento
diplomático entre o governo brasileiro e o inglês– a exemplo da edição anterior–, a
narrativa foi acompanhada da fotografia de 1874, atribuída a Alberto Henschel39:
39 HENSCHEL, Alberto. Babá com o menino Eugen Keller. 1874. 1 fotografia. Disponível em: < https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Alberto_Henschel_-_Baba_com_o_menino_Eugen_Keller.jpg >. Acesso em: 1 de jul. 2018.
109
Imagem 24 – Tópico “Questão Christie” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2013, p. 266.
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110
Imagem 25 – “Babá” (adaptado)
Fonte: COTRIM, 2013, p. 266.
Mereceu destaque a legenda da imagem: “Babá com o menino Eugen Keller.
Fotografia de Alberto Henschel, Pernambuco, 1874. Era muito comum escravas
negras cuidarem de crianças de famílias aristocratas” (COTRIM, 2013, p. 266).
Compondo a “cenografia” da página, a imagem retrata uma mulher não nomeada
(A02), identificada apenas enquanto babá da criança que a acompanha (A01).
O retratista Alberto Henschel (1827-1882), judeu de ascendência alemã, foi um
bem-sucedido empresário do campo da fotografia, chegando a implantar estúdios em
quatro capitais brasileiras: Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Analisando
a representação do negro no Brasil do século XIX a partir dos retratos de Henschel,
entre os anos de 1866 e 1882, a pesquisadora Mônica Cardim (2012), destacou a
extensa produção do fotógrafo, com destaque para a quantidade de fotografias de
negros, feitas em estúdio. Segundo a pesquisadora, preservadas em instituições no
Brasil e no exterior, foram catalogadas cerca de 120 fotografias, destacando Henschel
como “[...] o maior produtor de retratos de africanos e seus descendentes em território
brasileiro” (CARDIM, 2012, p. 28).
Partindo da inter-relação entre identidade e poder, a autora identificou nessa
produção processos de hierarquização através do binário branco/não-branco: “[...]
brancos, moral e intelectualmente superiores e, por isso, naturalmente destinados ao
111
poder; não-brancos como seres inferiores, diferentes e por isso destinados a serem
dominados (CARDIM, 2012, p. 127). Tal agenciamento foi inscrito, entre outros
aspectos, na ausência de identificação dos negros retratados, em contraposição a
nomeação dos brancos nas imagens.
Convêm reescrever parte da legenda da imagem disponível no livro didático de
História analisado: “Era muito comum escravas negras cuidarem de crianças de
famílias aristocráticas” (COTRIM, 2013, p. 266). Ausente nas considerações do “texto
principal”, a legenda pareceu naturalizar as dinâmicas sociais comunicadas na
imagem, tomadas enquanto “fato histórico” não problemático.
Diante das ausências no “texto principal”, o diálogo historiográfico nos ofereceu
outras perspectivas. Destacamos a análise desenvolvida por Elise Grunspan (1992)
na obra “O sujeito em perigo: identidade fotográfica e alteridade no Brasil do século
XIX até 1940”:
Nessas imagens, a ama-de-leite constitui uma espécie de figura emblemática, o suporte, o pilar da infância aristocrática. Mas essa mulher também é uma coisa. Sua força no mundo da criança é determinada pelo senhor e pelas convenções, da mesma maneira que sua pose, suas vestes. Seu poder de intervenção na imagem permanece extremamente limitado. A imagem fotográfica, na sua qualidade de memória da família, de entesouramento da herança do grupo, representou a ama-de-leite como elemento integrado no universo branco mas tendo uma posição periférica na família (GRUNSPAN, 1992 apud CARDIM, 2012, p. 118).
Voltando ao “texto principal”, destacamos o tópico “Abolicionismo– a luta pelo
fim da escravidão no Brasil”. Na edição de 2013, a composição foi acompanhada do
box “Saiba mais– Abolicionistas”. Partimos da “cenografia” da página:
112
Imagem 26 – Tópico “Campanha abolicionista” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2013, p. 272.
Destacamos que a visibilização de outras personagens difere da abordagem
centrada nas ações dos grupos hegemônicos desenvolvida no “texto principal”.
Mereceu destaque, entretanto, o “confinamento” dessas outras personagens aos
boxes. Espaços apartados do “texto principal”, cuja função– “Saiba mais”–, ao mesmo
tempo que expressou os limites do “texto principal”– destacando as escolhas
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L”
BO
X
113
operadas em sua composição–, estabeleceu um caráter “suplementar” aos saberes
ali “confinados”.
Imagem 27 – “Retratos dos abolicionistas Chiquinha Gonzaga (fotografia de 1847) e Luís Gama
(sem data)” Fonte: COTRIM, 2013, p. 272.
Consideramos que esta maneira de “dar a ver” personagens como Chiquinha
Gonzaga (1847-1935)– cujo talento e posicionamento político tencionaram as
expectativas generificadas das classes dominantes do Rio de Janeiro do início do
século XX40–, embora tenha possibilitado a visibilização de outros saberes no
desenvolvimento do capítulo, não desestabilizou o hiato entre as temáticas expressas
nesses “suplementos” e a temática do “texto principal”, reduzindo o próprio potencial
40 Para uma leitura dos significados da atuação de Chiquinha Gonzaga no cenário musical brasileiro, ver: GOMES, Rodrigo Cantos Savelli. SAMBA NO FEMININO: Transformações das relações de gênero no samba carioca nas três primeiras décadas do século XX. 2011. 157 f. Dissertação (Mestrado em Música, subárea: Músicologia-Etnomusicologia). Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Música. 2011.
114
do uso das imagens e boxes na construção do conhecimento através da articulação
entre o texto escrito e o discurso iconográfico.
Sob a perspectiva das relações de gênero, a predominância no “texto principal”
do tratamento dos interesses políticos e econômicos de um grupo específico–
identificado a um tipo específico, no espectro das masculinidades–, dividiu espaço
com uma cenografia que informou sobre os significados atribuídos às masculinidades
e feminilidades no contexto histórico retratado.
Ocupando boxes e imagens, as feminilidades, através da ausência de
considerações no “texto principal”, oscilaram entre a naturalização de dinâmicas
sociais historicamente situadas– como nas imagens “Cena de família de Adolfo
Augusto Pinto” (Imagem 19) e “Babá” (Imagem 20)– e a secundarização na
construção do conhecimento histórico escolar– como no box “Retratos dos
abolicionistas Chiquinha Gonzaga (fotografia de 1847) e Luís Gama” (Imagem 21).
Nessa perspectiva, consideramos que a obra, além de atualizar posições normativas
de gênero, instituiu enquanto “fato” não problemático uma narrativa de subordinação
das feminilidades diante das ações de masculinidades específicas, identificadas com
os interesses dos grupos hegemônicos em disputa durante o fim do Segundo Reinado.
Em diálogo com Scott (1994, p. 15) não buscamos, com essas observações, a
construção de uma história “particularizada” para as mulheres em relação aos temas
já consagrados (e identificados a determinadas masculinidades) para a história
escolar. Defendemos a problematização de posições normativas de gênero reiteradas
em todos os capítulos analisados nesta pesquisa. Produtivas de um saber
generificado em narrativas históricas escolares, essas composições endereçaram o
olhar de meninas e meninos para posições de sujeito cujo caráter historicamente
construído precisa ser objeto de problematização.
115
4.4 A instituição da república
4.4.1 Edição 2005
Direcionamos nossa atenção ao capítulo “A instituição da república”, presente
na edição 2005 da obra “História Global– Brasil e Geral”. Considerando a “cenografia”
dessa composição, estruturamos: um “quadro composicional” (Quadro 13),
correspondente ao desenvolvimento da narrativa apresentada:
Capítulo
Composição Hierárquica
Referências:
“texto principal”
Referências:
boxes
Número de atividades
Número
de boxes
Número
de imagens
43
1. Governo Provisório– As mudanças institucionais; 1. 1 Primeiras providências; 1. 2 Encilhamento: a especulação financeira; 2. A primeira Constituição da república
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo, Companhia das Letras, 1987, p. 163-164
CARONE, Edgard. A primeira república (1889-1930). São Paulo, Difel, 1976, p. 13-14.
03
01
03
Quadro 13 – Estrutura composicional do capítulo “A instituição da República”, edição de 2005.
De maneira semelhante às abordagens anteriores, partimos da observação dos
elementos que constituíram a abertura do capítulo. Nessa perspectiva,
desenvolvemos nossas observações e análises sobre a “cenografia” da composição.
116
Imagem 28 – Abertura do capítulo “A instituição da república” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2005, p. 405.
Partindo da definição do conceito de república– elaborada em oposição ao
regime monárquico brasileiro e sintetizada enquanto “governo da coisa do povo, da
coisa pública, do bem comum” (COTRIM, 2005, p. 405)–, consideramos que é na
afirmação seguinte que o lead informou a possível questão central do capítulo,
implícita na problematização localizada em seu encerramento: ao afirmar que o “país
LEA
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LE
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A
117
mudava a forma de governo sem revolucionar a sociedade”, constituiu-se a
incoerência entre “o governo da coisa do povo” e o “clima de ordem que interessava
às elites”.
Tal “incoerência” foi objeto de atenção já no primeiro parágrafo do “texto
principal”. Iniciando o tópico “Governo Provisório– As mudanças institucionais”, a
narrativa localizou o tempo e as personagens principais da cenografia apresentada.
Afirmando objetivamente: na articulação do governo republicano a partir de 1889,
liderada pelo marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892) e organizada por “militares,
cafeicultores e profissionais liberais”, a participação popular foi “praticamente nula”
(COTRIM, 2005, p. 405).
Constituindo a cenografia, entretanto, sem dialogar explicitamente com a
narrativa, destacamos a reprodução da pintura identificada como “Alegoria da
república”41:
Imagem 29 – “Alegoria da república” (adaptado)
Fonte: COTRIM, 2005, p. 405.
Segundo a legenda disponibilizada:
Na reprodução da pintura a óleo Alegoria da república (autor desconhecido, 1889), líderes republicanos, como o marechal Deodoro à frente, entregam a bandeira à “nação brasileira”, simbolizada por
41 ALEGORIA à Proclamação da República e à partida da família imperial. 18--. 1 gravura. Disponível em: < http://www.faap.br/destaques/constituicoes/07.html>. Acesso em: 1 de jul. 2018.
118
uma mulher. Fundação Maria Luísa e Oscar Americano, São Paulo (COTRIM, 2005, p. 405).
Diante da ausência de problematização por parte da narrativa, o diálogo
historiográfico, atento às relações de gênero e história das mulheres, possibilitou
levantar algumas questões.
Como destacou José Murilo de Carvalho (1990, p. 75), de inspiração romana,
figurando enquanto símbolo da liberdade, a imagem feminina passou a ser mobilizada
no debate político francês já em 1792, momento de proclamação da Primeira
República francesa. Também a Segunda República, em 1848, reinscreveu a simbólica
figura feminina. Elemento marcante no imaginário republicano, inspirado na tradição
clássica, a alegoria republicana feminina também encontrou expressão no debate
político brasileiro no século XIX.
Diferentemente da famosa criação de Eugène Delacroix, La liberte guidant le
peuple, aux barricades, alegoria da insurreição de julho de 1830, a “Alegoria da
república” (Imagem 23) observada não ostenta a postura belicosa de liderança:
aparentemente sentada (B01; A01)– à semelhança da obra “A República” (1848), de
Honoré Daumier– e vestida seguindo a inspiração clássica, a personagem estende a
mão para receber do Marechal Deodoro, acompanhado por outros “líderes
republicanos”, o principal símbolo do novo regime político (A02; B02)42.
Merece destaque ainda a paradoxal mobilização da alegoria em um contexto
de impedimento da participação feminina nas decisões políticas, “impedimento” esse
que não ocorreu sem resistências. Traçando uma história do feminismo no Brasil, Céli
Pinto (2003, p. 16) nos lembrou que em meio às contradições da república oligárquica
surgiram as primeiras vozes do feminismo brasileiro e, nesse sentido, tal paradoxo
não é exclusividade do contexto político brasileiro.
Voltando sua atenção à França do século XIX, Perrot (1998, p. 182) destacou
determinado “superinvestimento” do imaginário simbólico masculino nas
representações do feminino ideal. Segundo a autora:
Inexistente no nível político, forte mas contido dentro da família, o lugar das mulheres no século XIX é extremo, quase delirante no imaginário
42 Para uma análise da veiculação e dos limites na recepção de alguns dos principais símbolos mobilizados pelos principais grupos republicanos brasileiros, notadamente, o positivista, ver: CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: O Imaginário da República no Brasil. São Paulo. Companhia das Letras: 1990.
119
público e privado, seja no nível político, religioso ou poético. A Igreja celebra o culto da Virgem Maria, cujas aparições geram grandes peregrinações. Os saint-simonianos sonham com a salvação por obra da Mãe, vinda do Oriente. A república encarna-se numa mulher, a Marianne. Poetas e pintores cantam a mulher, na mesma proporção de sua misoginia cotidiana.
A articulação das relações de gênero a outros marcadores sociais de diferença
também mereceu destaque. Embora, em comparação ao gênero, classe e raça não
apresentem estatutos equivalentes43, a disposição das personagens na cena poderia
servir de ponto de partida para o questionamento das desigualdades sociais firmadas
no contexto político representado. No extremo oposto à figura idealizada– quase
ocultada pelo recorte empreendido na imagem–, “outra” feminilidade, acompanhada
por duas crianças que parecem observar os acontecimentos em primeiro plano,
ocupou a cena (B03), informando sobre as desigualdades de poder articuladas aqui
em, ao menos, três eixos (SCOTT, 1995).
Quanto às masculinidades, salientamos o primeiro plano da imagem: os
“líderes republicanos”, tendo Deodoro à frente, reverenciam a alegoria do regime
republicano. Além dos representantes militares, destacados através da indumentária
dos personagens centrais à pintura (A02; B02), lideranças civis também acompanham
a reverência (A01; A02). Nossa atenção recaiu ainda para o gesto de entrega da
bandeira nacional à alegoria: realizado por Deodoro enquanto segura, com a mão
direita, a coroa, símbolo do poder imperial (B01).
Em contraste ao poder que este personagem inspira, ao fundo da imagem,
outras masculinidades parecem deixar a cena. Gesticulando em direção ao Palácio,
talvez o Paço de São Cristóvão, uma figura idosa guarda semelhança com próprio D.
Pedro II, seguido por seu genro, o conde D’Eu. Este último acompanha uma criança
em direção a uma figura feminina, aparentemente sentada na embarcação ao fundo
da pintura, possivelmente Luís (nascido em 1878), ou Antônio (nascido em 1881),
seguindo ao encontro de sua mãe, de D. Isabel, no extremo oposto à alegoria (B03)–
ocupando um plano superior apenas em relação a mulher e as crianças negras ao
canto e, literalmente, quase “saindo” da cena.
43 Como destaca Scott: “Enquanto a categoria “classe” tem seu fundamento na elaborada teoria de Marx [...] sobre a determinação econômica e a mudança histórica, “raça” e “gênero” não carregam associações semelhantes [...] Quando invocamos a classe, trabalhamos com ou contra uma série de definições que, no caso do marxismo, implicam uma ideia de causalidade econômica e uma visão do caminho ao longo do qual a história avançou dialeticamente. Não existe nenhuma clareza ou coerência desse tipo para a categoria de raça ou para a de gênero” (SCOTT, 1995, p. 73).
120
Embora ausente nas considerações do “texto principal”, compreendemos que
a Imagem 23 constituiu um elemento destacado na cenografia do capítulo. Além de
restituir o discurso da “exclusão popular” na instituição da República, sob a
perspectiva das relações de gênero, a imagem ofereceu indícios sobre os principais
agentes na narrativa histórica retratada: as masculinidades compartilhadas nos
marcadores de toda a cenografia, “masculinidades agentes”, os “militares,
cafeicultores e profissionais liberais”.
Considerando a especificidade desse grupo, concordamos com a reflexão do
sociólogo Michael S. Kimmel (1998) quanto a uma “sobreposição de masculinidades”
no século XIX, fundamental à construção de definições “hegemônicas” e
“subalternas”. Plurais, variando entre as posições de poder visibilizadas, as
masculinidades da cenografia encontraram enquanto contraponto, tanto as
feminilidades idealizadas– motivo de reverência em um contexto de exclusão da
participação na política institucional–, quanto as feminilidades “subalternizadas”, no
extremo oposto das anteriores, e cuja visibilização contrariou os silêncios do “texto
principal”.
As ações dessas “masculinidades agentes”, afinadas a política institucional,
configuraram o conjunto hierárquico da composição narrativa, cujas temáticas foram
evidenciadas nos tópicos seguintes–“Primeiras providências”, “Encilhamento: a
especulação financeira” e “A primeira Constituição da república”– e no box, localizado
no primeiro tópico e intitulado “Manifesto do novo governo”. Esta cenografia
endereçou nossa leitura para as ações de um grupo restrito, cujas dominância refletiu
no próprio ordenamento narrativo.
No tópico “Primeiras providências”, o “texto principal” sintetizou as medidas do
governo provisório no processo de reorganização do Estado brasileiro. Dedicando um
parágrafo a cada temática, a narrativa apresentou: instituição do federalismo;
separação entre Igreja e Estado– dedicando uma linha a instituição do registro civil de
nascimento e ao casamento civil, tidos como resultado da extinção do regime de
padroado, “por meio do qual o Estado controlava a Igreja católica” (COTRIM, 2005, p.
406)–; criação de novos símbolos nacionais, atentando a criação da nova bandeira
nacional sob o lema Ordem e Progresso– apenas citado enquanto sugestão do
ministro da Guerra Benjamim Constant (1836-1891), em referência a obra de Auguste
Comte (1798-1857)–; e a Promulgação da lei da grande naturalização, identificada
121
enquanto resposta ao sentimento “antilusitano de boa parte da população brasileira
urbana” (COTRIM, 2005, p. 407).
Na sequência, a narrativa tratou da política econômica, voltando sua atenção à
reforma financeira iniciada por Rui Barbosa, a política do Encilhamento. Justificando
a nova política econômica no interesse governamental por “estimular o crescimento
econômico, principalmente o desenvolvimento da indústria” (COTRIM, 2005, p. 407),
o texto seguiu discutindo o processo inflacionário e de especulação financeira
resultantes da reforma, levando o então ministro da Fazenda, Rui Barbosa, à
demissão do cargo em 1891.
Mereceu maior destaque o tópico seguinte: “A primeira Constituição da
república”. Voltado a constituição republicana de 1891, a exemplo da métrica dos
tópicos anteriores, cuja “objetividade” reitera a centralidade cenográfica na atuação
dos grupos hegemônicos, o texto sintetizou em pequenos parágrafos “alguns de seus
tópicos principais” (COTRIM, 2005, p. 408). Nesse sentido: a adoção do sistema
presidencialista de governo, seguida pela transformação política das antigas
províncias do Império em estados-membros; a divisão dos poderes em Executivo,
Legislativo e Judiciário; e o direito ao voto, estabelecido na exclusão de “analfabetos,
mendigos, soldados e religiosos sujeitos à obediência eclesiástica. As mulheres
também não podiam votar” (COTRIM, 2005, p. 408).
Em relação a este último tópico, a edição de 2005 de “História Global – Brasil
e Geral” dedicou um pouco mais de atenção. Recorrendo a obra “Os bestializados”,
de José Murilo de Carvalho (1987), o texto reforçou a ideia de exclusão popular das
práticas políticas institucionais. Citando o autor e salientando o envolvimento da
população da cidade do Rio de Janeiro nas associações e festas populares, a obra
destacou que “[...] Negros livres, ex-escravos, imigrantes, proletários e classe média
encontraram aos poucos um terreno comum de auto-reconhecimento que não era
propiciado pela política” (CARVALHO, 1987 apud COTRIM, 2005, p. 408).
Consideramos tal citação um recurso retórico significativo para o argumento
central do capítulo. Sob o signo da autoridade conferida pelo autor, no caso, José
Murilo de Carvalho (1987), a narrativa da “exclusão popular” assumiu um caráter
categórico, “amparado” historiograficamente e passível a mudanças apenas futuras:
o parágrafo seguinte buscou informar que, somente no decorrer do período
republicano, os “seguimentos sociais excluídos” passaram a “lutar pelo direito de voto”
(COTRIM, 2005, p. 408). Durante toda a narrativa, esse foi o primeiro momento no
122
qual, aos “excluídos da história”, sinalizou-se a possibilidade, ainda que futura, de
algum espaço de agência44.
Talvez em reconhecimento aos limites impostos às “agências”, à atuação dos
sujeitos representados, o texto indicou, na sequência, de forma genérica em curto
parágrafo, que, em função das lutas sociais republicanas, “[...] Ao longo do século XX,
o voto passou a ser secreto e as mulheres, os religiosos, os analfabetos, assim como
os maiores de 16 anos, conquistaram o direito de votar” (COTRIM, 2005, p. 408). Tal
abordagem, entretanto, deixou escapar a contradição lógica da exclusão desses
grupos sociais em um contexto republicano. Como argumentou Pinto (2003, p. 18),
sem explicitar a exclusão das mulheres, a mobilização da carta constitucional de 1891
evidenciou a interpretação dos significados sociais correntes no contexto brasileiro do
século XIX: a “natural” exclusão das mulheres na participação política.
Perrot (1988) argumentou que, no contexto posterior a Declaração dos Direitos
do Homem e sua suposta declaração de igualdade entre os homens, o discurso de
naturalização da exclusão das mulheres da cena política encontrou sua renovação no
processo de significação das diferenças sexuais. Ancorado no discurso “naturalista”
da medicina e da biologia,
O século XIX acentua a racionalidade harmoniosa dessa divisão sexual. Cada sexo tem sua função, seus papéis, suas tarefas, seus espaços, seu lugar quase predeterminado, até em seus detalhes. Paralelamente, existe um discurso dos ofícios que faz a linguagem do trabalho uma das mais sexuadas possíveis. “Ao homem, a madeira e os metais. À mulher, a família e os tecidos” [...] (PERROT, 1988, p. 178).
Em linhas gerais, embora o “texto principal” não tenha objetivado abordar
explicitamente as questões relativas aos papéis sociais desempenhados por homens
e mulheres, na cenografia apresentada, predominam as ações de determinadas
masculinidades. Um indício desse “alinhamento” da composição à atuação de uma
“masculinidade agente” foi expresso na mobilização das atividades encerrando a
narrativa:
44 Nesse sentido, pensamos com Scott (1995, p. 86) o conceito de agência humana, compreendido como a tentativa “[...] para construir uma identidade, uma vida, um conjunto de relações, uma sociedade estabelecida dentro de certos limites e dotada de uma linguagem – uma linguagem conceitual que estabeleça fronteira e contenha, ao mesmo tempo, a possibilidade de negação, de resistência, da reinterpretação e permita o jogo da invenção metafórica e da imaginação”.
123
Lista de atividades 1. Quais foram as primeiras medidas tomadas pelo governo provisório chefiado por Deodoro
da Fonseca? (COTRIM, 2005, p. 408)
2. O que foi o Encilhamento e quais as suas consequências para a economia do país? (COTRIM, 2005, p. 408)
3. Comente os pontos fundamentais da primeira Constituição republicana brasileira. (COTRIM, 2005, p. 408)
Quadro 14 – Atividades da seção “Monitorando”, edição 2005.
Consideramos que, ao reiterar o discurso da “exclusão popular”, “endereçado”
pelo conjunto cenográfico, o capítulo imprime um caráter “categórico” à exclusão: uma
“constatação” autorizada, em última análise, através do discurso historiográfico,
referenciado uma única vez no “texto principal”.
Inscritas nesse discurso, as relações de gênero mereceram destaque,
notadamente na “Alegoria da república” (Imagem 23). Aparentemente autônoma em
relação ao “texto principal”, a imagem possibilitou tanto uma leitura coerente às
questões “de relevância” sumarizadas pelo lead, quanto à observação dos símbolos
generificados culturalmente disponíveis. A alegoria feminina da República–
mobilizada em um contexto de política institucional vedada a participação das
mulheres– desempenhou o papel atribuído aos símbolos nacionais, signos de
expressão do poder dos personagens que de fato “atuaram” na imagem e no conjunto
cenográfico constituído pelo capítulo. Desigualdade de poderes não problematizada
na narrativa, mais do que a “constatação” da exclusão popular, consideramos que a
obra ofereceu uma “reencenação” dessas exclusões.
Se pensarmos com Perrot (1988), talvez, tais escolhas expressem a
reatualização, na produção de conhecimento no espaço escolar, de um saber sobre a
exclusão da atuação de determinados grupos sociais nos espaços da política
institucional no mundo ocidental do século XIX. Sob a perspectiva das relações de
gênero, concordamos com Scott (1998, p. 304) que a simples visibilidade de
marcadores de desigualdade não possibilita a compreensão das práticas e discursos
que subjazem sua produção. Ao encerrar a leitura do capítulo, compreendemos que
mecanismos de desigualdade existiram, mas não sabemos como (e que) estes foram
produzidos historicamente– não sendo em nada “naturais”, portanto.
124
4.4.2 Edição 2013
Centramos nossa atenção no capítulo “A instituição da república”, presente na
edição de 2013. A exemplo da edição anterior, atentamos às maneiras como a
composição foi estruturada cenograficamente:
Capítulo
Composição Hierárquica
Referências:
“texto principal”
Referências:
boxes
Número de atividades
Número
de boxes
Número
de imagens
05
1. República – Governo Provisório e mudanças institucionais; 1. 1 Formação do novo governo; 1. 2 Primeiras providências; 1. 3 Encilhamento: a reforma financeira; 2. Primeira Constituição da república
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo, Companhia das Letras, 1987, p. 163-164
Não informado 05
01
04
Quadro 15 – Estrutura composicional do capítulo “A instituição da República”, edição de 2013.
Chamou a atenção a aparente estabilidade da composição em relação a edição
anterior. A observação da “abertura” do capítulo, entretanto, anunciou uma possível
mudança nos “valores de relevância” do texto. Buscando investigar os efeitos de
sentido dessa reorganização, partimos dos componentes cenográficos da abertura:
125
Imagem 30 – Abertura do capítulo “A instituição da república” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2013, p. 72.
Partindo da listagem objetiva de algumas das medidas que acompanharam a
instituição do regime republicano no Brasil, o lead lançou a possível questão
norteadora do capítulo: “Qual foi o alcance social das transformações republicanas?”
(COTRIM, 2015, p. 72).
LEA
D 1
IMA
GE
M E
LE
GE
ND
A
LEA
D 2
126
Operando enquanto recurso complementar ao lead, a abertura apresentou a
imagem “Alegoria à proclamação da República e à partida da família imperial”,
acompanhada por problematizações constitutivas da seção “Treinando o Olhar”.
Dentre as questões propostas, destacamos: “Descreva o grupo de pessoas que
aparentemente não participa de nenhum dos núcleos de ação. Como você interpreta
essa representação?” (COTRIM, 2013, p. 72).
Ao complementar a questão proposta no lead, consideramos que a seção
“Treinando o olhar” contribuiu para a problematização do discurso da “exclusão
popular”, objeto de debate na edição anterior.
Ocupando posição central na cenografia da página, a imagem mereceu
destaque. Além da mudança no próprio título da obra– identificada anteriormente
apenas como “Alegoria da república” (COTRIM, 2005, p. 405)–, a redefinição no
recorte da imagem, somada a qualidade da impressão do material, possibilitou outras
leituras.
Imagem 31 – “Alegoria à proclamação da República e à partida da família imperial” (adaptado)
Fonte: COTRIM, 2013, p. 72.
A nova edição permitiu visibilizar alguns elementos ilegíveis na impressão
anterior. No canto direito da imagem (B03), notamos a família real, representada no
momento de sua partida, em 17 de novembro de 1889. A figura de perfil, apontada
127
pelo conde D’Eu, pareceu representar D. Isabel, herdeira do regime prestes a deixar
a cena e a política nacional.
Outro elemento em destaque é o objeto que “paira” sobre a alegoria republicana
(A01). Retratada em um vestido branco e capa vermelha, a alegoria recebe um barrete
frígio branco (e não vermelho, como o ostentado por Marianne) de uma mão que
remete à própria “Providência Divina”. Como salientado por Joseph Jurt (2012, p. 471),
essa representação adiciona uma dimensão “sagrada” à idealização e mitificação dos
acontecimentos retratados. Consideramos ainda que a imagem pareceu estabelecer
uma oposição entre sagrado e o profano sugerida na disposição das personagens que
dividem, em planos distintos, as margens da pintura: de um lado, a alegoria feminina
idealizada e sagrada; do outro, D. Isabel, herdeira do regime anterior.
Um pouco abaixo, figuram ainda as “outras” feminilidades “não-sagradas” pela
imagem (C03). Esboçando um gesto que sugere o diálogo entre elas, as personagens
não parecem, entretanto, alheias aos acontecimentos “retratados” (ou inventados).
Em seu conjunto, consideramos que a composição cenográfica introdutória do
capítulo possibilitou problematizar o discurso da “exclusão popular” na instituição da
República.
128
Imagem 32 – Primeira página do capítulo “A instituição da república” (adaptado) Fonte: COTRIM, 2013, p. 73.
A exemplo da edição anterior, o primeiro parágrafo do “texto principal” retomou
a questão destacada na abertura. Para melhor compreensão, reunimos os parágrafos
disponibilizados nas duas versões analisadas:
“T
EX
TO
PR
INC
IPA
L”
IMA
GE
M E
LE
GE
ND
A
129
Imagem 33 – Parágrafos seguintes à abertura: à esquerda, o texto constituinte da edição de
2005 (adaptado), seguido, à direita, do parágrafo presente na edição 2013. Fonte: COTRIM, 2005, p. 405; COTRIM, 2013, p. 73.
Embora comum aos dois textos, o discurso da “exclusão popular” recebeu outro
tratamento na edição de 2013. Atenuando o caráter “categórico” da afirmação
referente ao texto de 2005– “Foi praticamente nula a participação popular na
instituição da república” (COTRIM, 2005, p. 405)–, na edição de 2013, a não
convocação popular figurou enquanto resultante do desinteresse político das elites
articuladoras da instituição da república.
Consideramos– a despeito da referência aos “bestializados” feita em seguida
(COTRIM, 2013, p. 73)– que esses deslocamentos poderiam sugerir uma redefinição
na orientação do “texto principal”: de uma análise centrada nas ações de um grupo
restrito de agentes para uma abordagem problematizadora das assimetrias de poder
marcantes no período descrito. Nessa perspectiva, exploramos as mudanças na
cenografia do capítulo que indicassem pistas quanto a abordagem das questões de
gênero.
Ironicamente, ao iniciar o tópico “Primeiras providências”, acompanhamos o
desenvolvimento de uma narrativa que reuniu objetivamente, a exemplo da edição
anterior, algumas das “providências” já listadas no lead do capítulo. Compondo a
cenografia da página, entretanto, mereceu destaque a introdução da imagem “A
Pátria”, datada do início do século XX45:
45 PEDRO BRUNO. A Pátria. 1909. 1 gravura. Disponível em: < http://museubenjaminconstant.blogspot.com/2012/11/desvendando-patria-de-pedro-bruno.html>. Acesso em: 1 de jul. 2018.
130
Imagem 34 – “A Pátria” (adaptado)
Fonte: COTRIM, 2013, p. 73.
Acompanhada da legenda “A Pátria, obra de Pedro Bruno, de 1919. A esposa
de Benjamin Constant, positivista republicano, foi representada costurando a nova
bandeira do Brasil” (COTRIM, 2013, p. 73), a obra operou enquanto importante
recurso cenográfico, constituindo junto ao “texto principal”, embora ausente em suas
considerações, uma narrativa da “criação dos novos símbolos nacionais”.
Uma das reproduções mais importantes sobre a bandeira nacional, “A Pátria”
é uma composição assinada pelo pintor, escultor e paisagista Pedro Bruno (1888-
1949). Atrelados aos símbolos da pátria, a imagem evocou ainda representações
simbólicas de gênero e conceitos normativos que permitem interpretações desses
símbolos (SCOTT, 1995). Centralizada na criança abraçada a bandeira atribuída a
Décio Villares (1851-1931) (A02; B02), a imagem visibilizou ainda a esposa não
nomeada de Benjamin Constant, Maria Joaquina Bittencourt Costa (A03)–
apresentada em função de seu cônjuge na legenda que acompanhou a imagem.
Para além do contexto das disputas políticas entre os grupos positivistas pelo
novo símbolo nacional, “A Pátria” (Imagem 27) veiculou um dos principais construtos
do imaginário masculino sobre as feminilidades no século XIX: a maternidade
relacionada ao cuidado do lar, dos filhos e a determinados ofícios considerados
domésticos e, portanto, femininos. A esse respeito, salientamos a descrição de
131
Carvalho (1990, p. 119) dos elementos generificados que constituem a composição.
Segundo o autor:
É uma exaltação tanto à bandeira e à pátria quanto ao papel moral da mulher na educação dos filhos e no culto dos valores morais da família e da pátria. O símbolo materno é também óbvio na mulher que amamenta e na outra que abraça e beija uma criança. A presença masculina limita-se a um velho quase escondido no canto direito. O quadro refere-se provavelmente ao fato de terem as filhas de Benjamin Constant bordado uma bandeira positivista, que foi oferecida à Escola Militar.
Além disso, enquanto República, velha conhecida, foi associada à uma mulher,
aquela invenção recente, “a Pátria”, podia, ela mesma, ser identificada às crianças
pequenas, dependentes das ações das mulheres e do olhar atento e próximo dos
homens.
Embora coerente quanto ao objeto de atenção do “texto principal”, chamou a
atenção a ausência, na narrativa, de considerações quanto à imagem. Consideramos
que a naturalização das posições normativas de gênero, constitutiva da cenografia,
reforçou uma abordagem orientada pela atuação das “masculinidades agentes” no
texto. Assim, os tópicos “Encilhamento: a reforma financeira” e “Primeira constituição
da república” retomaram a abordagem objetiva da edição anterior. Quanto ao
“Encilhamento: a reforma financeira”, vale ressaltar, consideramos que a substituição
do termo “especulação”, presente na edição anterior, por “reforma”, deu continuidade
a uma leitura “atenuante” dos objetos de atenção da narrativa.
Salientamos ainda que tal estratégia imprimiu, ao nível do subtítulo que introduz
a seção, certa “indefinição” quanto aos efeitos da política econômica desenvolvida por
Rui Barbosa, personagem central naquele ponto da narrativa. Comum aos gêneros
“noticiosos”, essa indefinição, em princípio, “protegeu” a narrativa de uma crítica à
categórica atribuição de valores em um texto marcado pela objetividade em relação
às realizações do personagem. Acompanhando o “texto principal”, o box “O que é
inflação” reforçou essa estratégia retórica, informando sobre o processo inflacionário
no início do período republicano brasileiro.
Em linhas gerais, a cenografia do capítulo buscou endereçar a leitura a uma
abordagem semelhante àquela desenvolvida na edição de 2005. Alguns indícios
dessa continuidade marcaram ainda a elaboração das questões disponibilizadas pelo
capítulo:
132
Lista de atividades 1. Dentre as primeiras medidas adotadas pelo governo provisório, quais você considera mais
importantes para o regime republicano? (COTRIM, 2013, p. 75)
2. Explique o que foi o Encilhamento e quais foram suas consequências para a economia do país? (COTRIM, 2013, p. 75)
3. Comente os pontos fundamentais da primeira Constituição republicana do Brasil. (COTRIM, 2013, p. 75)
Quadro 16 – Atividades da seção “Observando”, edição 2013.
Embora a cenografia do capítulo, em princípio, enderece a leitura para uma
problematização do que chamamos discurso da “exclusão popular”– notadamente
através do lead na abertura do capítulo e do parágrafo que lhe foi consecutivo–, o
“texto principal” manteve sua atenção na atuação política dos grupos hegemônicos,
responsabilizados pelo “dado” da exclusão. A exemplo da edição anterior, essa
abordagem foi reestabelecida através do recurso à citação historiográfica (COTRIM,
2013, p. 75) e elaboração de questões voltadas à narrativa.
As principais mudanças da edição estiveram concentradas no aspecto editorial,
imprimindo outras possibilidades analíticas. Para além do alinhamento da narrativa a
atuação de uma “masculinidade agente” específica, mereceu destaque a mobilização
de imagens marcadas por uma “codificação generificada” (SCOTT, 1995), inscritas na
construção simbólica do período republicano brasileiro e reinscritas (reatualizadas e
revalidadas) na composição cenográfica do capítulo apresentado. Em uma oposição
constitutiva à uma narrativa de poucos agentes, coube às feminilidades apenas a
permanência atávica da passividade doméstica, embora sua reinscrição dentre
símbolos nacionais.
Ausentes no “texto principal”, salientamos que essas imagens poderiam
possibilitar a problematização dos símbolos culturalmente disponíveis, das
interpretações de sentido desses símbolos e dos agenciamentos políticos para
engendrar valores no período republicano. Eloquente na composição cenográfica,
consideramos que o silenciamento desses registros pelo “texto principal” endereça
posições normativas de gênero, naturalizadas e reinscritas na narrativa histórica
escolar.
133
5 CONCLUSÃO
A presente pesquisa teve como objetivo geral analisar as concepções de
masculinidades e/ou feminilidades presentes na materialidade discursiva de livros
didáticos de História endereçados ao Ensino Médio público brasileiro. Enquanto fontes
principais, mobilizamos edições distintas da obra “História Global– Brasil e Geral”: a
edição volume único, aprovada pelo edital do PNLEM/2007 e publicada em 2005; e a
coleção didática publicada em 2013, aprovada pelo edital do PNLD/2015. Presente
em todas as edições do Programa Nacional do Livro Didático, a obra foi destacada
enquanto uma das publicações mais distribuídas para o componente curricular história
no Ensino Médio público brasileiro.
Visando discutir os possíveis efeitos de sentido no evento da relação entre os
livros didáticos e o público imaginado e desejado por estas obras, mobilizamos o
conceito de “modo de endereçamento” (ELLSWORTH, 2001). Considerando o
endereçamento de sua comunicação para determinada posição de sujeito,
compreendemos que os livros didáticos de História partem de pressupostos sobre o
público visado, pressupostos impressos na materialidade de seus enunciados e
inscritos em determinado sistema de significação historicamente estabelecido,
transbordando enquanto acontecimento para além do texto. Nesta trama,
compreendemos ainda que essas obras– ao visibilizarem e valorizarem determinada
gama de posições de sujeitos em detrimento de outras experiências culturais–, atuam
reproduzindo e naturalizando relações desiguais de poder, comunicando perspectivas
normativas de ser masculinos e/ou femininos, produzindo sujeitos através de
processos hierarquizados.
No capítulo “Os livros didáticos de História no horizonte de pesquisa”,
apresentamos uma breve revisão bibliográfica das pesquisas acadêmicas voltadas a
problemática dos livros didáticos de História, enfatizando abordagens atentas a
perspectiva das relações de gênero e sexualidade. Mereceu destaque o reduzido
número de trabalhos voltados a esta temática, todos circunscritos aos programas de
pós-graduação em educação e voltados a análise de obras avaliadas e distribuídas
por diferentes edições do Programa Nacional do Livro Didático à educação básica
brasileira.
Tomando os livros didáticos enquanto fontes de pesquisa, as autoras centraram
sua atenção em diferentes aspectos das publicações, notadamente nas imagens
134
mobilizadas (BERNARDELLI, 2016; FRANÇOSO, 2017) e nos “textos principais”
(CELESTINO, 2016; MONTEIRO, 2016; SILVA, 2013). Empreendendo abordagens
diversas, o principal elemento de aproximação entre as pesquisas– excetuando a
análise desenvolvida por Silva (2013), voltada às representações das
homossexualidades nos impressos– foi a atenção a presença ou ausência das
mulheres na composição do conhecimento histórico veiculado pelas obras,
identificando temáticas e sentidos na visibilização dessas personagens.
Quanto aos principais resultados alcançados nas pesquisas, destacamos que,
embora voltadas a obras distintas (e endereçadas a níveis de ensino também
distintos), as insuficiências no tratamento das questões de gênero, sexualidade e
história das mulheres figuraram enquanto uma constante nas fontes analisadas. Como
destacado notadamente por Monteiro (2016) e Bernardelli (2016), embora as relações
de gênero figurem enquanto pressuposto nos processos avaliativos do PNLD, as
abordagens efetivamente desenvolvidas nos livros didáticos de História permanecem
centradas no que as autoras identificaram enquanto uma “história masculina”, em
detrimento a personagens e experiências históricas femininas.
Chamou a atenção o papel atribuído às masculinidades no conjunto das
pesquisas. Destacamos que, embora o gênero enquanto categoria analítica
pressuponha uma abordagem relacional entre masculinidades e feminilidades, o
binômio inclusão/exclusão constituiu um limite na compreensão das masculinidades
enquanto construtos históricos, variáveis e atravessadas por marcadores sociais,
como gênero, raça, etnicidade e sexualidade. Partindo das possibilidades analíticas
oferecidas por estas pesquisas, delineamos as aproximações teórico-metodológicas
empreendidas nesta análise.
No capítulo seguinte, “Relações de gênero e sexualidade nos livros didáticos
de História: o que dizem os Editais e Guias?”, observamos os Editais e Guias
correspondentes ao Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM/2007)
e do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD/2015), contemporâneos as edições
de 2005 e 2013 da obra “História Global– Brasil e Geral”, fonte principal desta
pesquisa. Partindo dos critérios de seleção anunciados nos documentos,
investigamos em que medida as relações de gênero e sexualidade constituíram as
diretrizes avaliativas dos livros didáticos de História inscritos no programa.
Quanto ao Edital do PNLEM/2007 e o Catálogo do PNLEM/2008, destacamos
a atenção às questões de gênero e sexualidade. Identificadas enquanto componentes
135
dos preceitos éticos que compuseram os “critérios de eliminação” e de “qualificação”
na avaliação dos livros didáticos de História, as relações de gênero figuraram ainda
na “Ficha avaliativa”– instrumento, segundo o Catálogo, utilizado na avaliação e
produção das resenhas disponíveis pela publicação.
Já em relação ao Edital e Guia do PNLD/2015, destacamos o desenvolvimento,
por parte dos documentos, de considerações sobre o ensino de história e os desafios
da história escolar no diálogo com as “culturas juvenis” (BRASIL, 2013, p. 38). Quanto
às relações de gênero, embora o Edital tenha estabelecido enquanto critérios
eliminatórios comuns a veiculação de estereótipos e preconceitos por parte das obras
inscritas, o Guia do PNLD/2015, ao apresentar uma síntese dos critérios avaliativos
endereçada a professoras e professores da educação básica, não especificou este
debate– retomado, objetivamente, apenas na “Ficha de avaliação”, disponibilizada ao
final do documento.
Tendo em vista as normatizações previstas por esses documentos, passamos
a análise das diferentes edições da obra “História Global– Brasil e Geral”,
selecionadas nesta pesquisa.
No capítulo “Os livros didáticos de história: (re)fazendo o gênero nos saberes
sobre o século XIX”, visando o diálogo entre os textos e imagens disponibilizadas
pelas diferentes edições da obra e uma produção historiográfica atenta às relações
de gênero, centramos nossa atenção no contexto de “endereçamento” de três
“personagens” da história do Brasil: D. Pedro II durante o Segundo Reinado (1840-
1889); D. Isabel, princesa imperial do Brasil; e a República, em sua representação
feminina, presente nas narrativas sobre a história do Brasil no final do século XIX.
Especificamente, analisamos os capítulos: “Segundo Reinado (1840-1889)”, “A crise
do Império” (“O fim do Império”, edição 2013) e “A instituição da República”.
Não buscamos corrigir informações ou complementar os livros didáticos.
Problematizamos as escolhas operadas na construção das narrativas históricas,
discutindo os possíveis efeitos de sentido no “endereçamento” dos conteúdos de
narrativas históricas escolares. Exploramos (testamos), atentando às estratégias de
“endereçamento” de uma comunicação atravessada por concepções de
masculinidades e feminilidades, os mecanismos de comunicação desenvolvidos pelas
narrativas, o que denominamos “cenografia”.
Em linhas gerais, a composição expressou uma cenografia centrada na
atuação do que denominamos “masculinidades agentes”: masculinidades especificas,
136
cuja atuação e interesses, alinhados a trama das transformações políticas e
institucionais entre o Segundo Reinado brasileiro e o início do período republicano,
constituíram os principais objetos de atenção.
Construindo saberes quanto às dinâmicas de gênero no período descrito,
consideramos que os capítulos, através da ausência de considerações nos “textos
principais” e nas atividades que o retomam, naturalizaram as relações de poder entre
masculinidades e feminilidades histórica e socialmente construídas durante o século
XIX. Tomadas enquanto “fato” histórico indigno de nota nos “textos principais”, a
composição atualizou, no conhecimento histórico escolar, posições normativas de ser
masculino e feminino.
Isso não significou, entretanto, a criação de uma “história masculina” indefinida.
As chamadas “masculinidades agentes”, àquelas centradas pela composição,
constituíram posições específicas nas relações de poder, atravessadas por questões
de raça e classe. Identificadas aos grupos políticos hegemônicos e brancos, essas
masculinidades construtoras dos “fatos” históricos atuaram em oposição às
masculinidades subalternizadas, não-brancas e marginalizadas na política
institucional.
Quando observadas em relação às determinações expressas nos Editais e
Guias do Programa Nacional do Livro Didático, tais abordagens destoam
completamente dos critérios assumidos na avaliação das obras. A esse respeito,
destacamos um dos critérios de qualificação, discutidos anteriormente, presente no
Catálogo do PNLEM/2008. Versando especificamente sobre os critérios de
qualificação no âmbito das obras de história, o documento definiu:
[...] espera-se que a obra didática aborde criticamente as questões de sexo, gênero, de relações étnico-raciais e de classes sociais, denunciando toda forma de violência na sociedade e promovendo positivamente as minorias sociais (BRASIL, 2007, p. 15).
Salientamos ainda a advertência efetuada pela síntese avaliativa do Catálogo
do PNLEM/2008 às “simplificações explicativas” (BRASIL, 2007, p. 76) apresentadas
pela obra “História Global– Brasil e Geral”. Segundo o Catálogo, embora ganhe
destaque a preocupação da obra em estabelecer uma reflexão entre a experiência
histórica no passado e a atualidade, “[...] em vários capítulos, o conteúdo do texto
137
principal mantém-se preso à descrição factual e aos temas já consagrados nos livros
didáticos” (BRASIL, 2007, p. 79). O catálogo complementa:
A ausência de uma reflexão sistemática sobre os conceitos fundamentais da História implica desequilíbrios e insuficiências ao longo de toda a obra. Assim, mesmo não havendo identificação da História com heróis, fatos e datas, alguns capítulos dão grande destaque à atuação de líderes políticos, muito em função da opção por uma narrativa política e factual. Ressente-se nessas narrativas da ausência de uma abordagem mais analítica e sintética, que incorpore também aspectos culturais, sociais e até mesmo econômicos (BRASIL, 2007, p. 79).
A despeito da estabilidade entre as edições de 2005 e 2013, cumpre notar a
mudança no teor da avaliação empreendida por ocasião do Guia do PNLD/2015.
Segundo o Guia, o texto e as seções que acompanharam a edição de 2013
visibilizaram “diferentes experiências sociais em que se problematizam questões
como desigualdades, preconceitos e discriminações a fim de contribuir para a
formação cidadã” (BRASIL, 2014, p. 73). Reiterando esse aspecto:
[...] coleção diferencia-se na apresentação de textos e atividades que objetivam o desenvolvimento de saberes e atitudes voltados para distintas ações dos estudantes, destacando-se a interpretação crítica e a compreensão histórica. Apresenta discussões que possibilitam o reconhecimento das diferentes experiências históricas dos grupos sociais e contribuem para o entendimento de situações cotidianas do tempo em que vive o aluno (BRASIL, 2014, p. 70).
Se observadas em sua relação com os Editais e Guias dos programas
nacionais do livro didático, as diferentes edições de “História Global – Brasil e Geral”
apresentaram poucas mudanças, em grande medida concentradas em seu aspecto
editorial. Contrariando as possíveis expectativas formuladas com base na atenção às
questões de gênero e sexualidade propostas pelas normativas para a elaboração das
obras didáticas, a narrativa do “texto-base” permaneceu centrada na descrição de
estruturas econômicas e políticas, nas quais os agentes históricos permaneceram
diluídos no interior de categorias sociais aparentemente a-históricas.
Quanto aos usos das imagens empreendidos pela obra, destacamos mais uma
vez o caráter “ilustrativo” na mobilização dos registos imagéticos. Não abordadas
explicitamente nas considerações do “texto principal”, as imagens não figuraram
138
enquanto fontes ou registros “endereçados” para a reflexão histórica– constituindo-se
em meras ilustrações dos “fatos” históricos objetiva e absolutamente narrados.
Embora a publicação seja bem-sucedida, tanto em relação às avaliações
estabelecidas pelos editais que orientam a execução do PNLD quanto em relação a
distribuição das obras relativas ao componente curricular história, o objetivo de
promover “reflexão crítica” e “construção da vida cidadã” (BRASIL, 2007; 2014) não
foi atendido nas obras analisadas.
Destacamos que essas diferentes formas de composição configuram novos
sentidos nas obras. Apartados do “texto principal”, boxes e imagens variadas dispõem
de estatutos distintos da abordagem consagrada. Consideramos inadequado haver
“compartimentação” de determinados saberes e posições de sujeito em boxes,
separados do “texto principal”. Contra uma possível leitura dos boxes enquanto
estratégia para “dar relevo”, “chamar a atenção”, ou ampliar o rol de conteúdos
disponíveis, argumentamos quanto a particularização e secundarização dos saberes
e sujeitos ali “encerrados”. Esses “suplementos”, quando relacionados às diretrizes
dos capítulos, operaram reestabelecendo a predominância do “texto principal” e da
narrativa consagrada nas diferentes edições analisadas.
Pela perspectiva das relações de gênero, essas “cenografias” construíram
posições específicas para as masculinidades e feminilidades representadas. Quando
estiveram presentes nos “textos principais”, as feminilidades foram “endereçadas”
atreladas a passividade doméstica ou circunscritas aos símbolos políticos em
contextos vetados a participação feminina.
Comunicando saberes alinhados a determinadas concepções de
masculinidades, geralmente relacionadas ao poder e às ações “dignas de nota”, os
“textos principais” contrapõem boxes e imagens ocupados na visibilização de
determinadas feminilidades, figurantes de curta participação numa narrativa que
oportuniza uma estreita gama de posições de sujeito.
Vale ressaltar que não perseguimos o ideal de um livro didático “perfeito”: uma
publicação que, independente das leituras e interpretações diversas, elabore uma
exposição completa e atemporal da “verdade” sobre as experiências dos grupos
humanos no passado. Buscamos identificar de quais formas tais publicações
reafirmam atitudes e valores sobre os sujeitos históricos, atualizando determinadas
visões normativas sobre a história, (re)estabelecendo a invisibilidade e/ou
139
marginalização de experiências e sujeitos na construção do conhecimento histórico
em sala de aula.
Não buscamos esvaziar a margem de atuação dos sujeitos envolvidos nas
dinâmicas escolares, nem estabelecer um encadeamento simples entre os textos e
suas recepções. Cumpre lembrar, como destacou Choppin (2004, p. 553), que o livro
didático não é o único recurso escolar: “[...] a coexistência (e a utilização efetiva) no
interior do universo escolar de instrumentos de ensino-aprendizagem que
estabelecem com o livro relações de concorrência ou de complementaridade influi
necessariamente em suas funções e usos”. Componentes do universo dos textos
impressos ou de outros suportes.
Acreditamos que refletir sobre o livro didático na perspectiva das relações de
gênero, enquanto um modo de significar as relações de poder, constitui um importante
campo político para a formulação de uma educação comprometida com o igualitarismo
e o respeito absoluto às diferenças. Somos esperançosos do exercício de uma história
escolar problematizadora das estratégias de silenciamento e invisibilidade das
diferenças historicamente construídas e fortemente presentes na sociedade brasileira,
nas nossas práticas educativas majoritárias e, particularmente, nos materiais didáticos
disponibilizados para as escolas públicas no Brasil, a despeito dos vultuosíssimos
investimentos públicos no PNLD.
140
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