UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO – UENF CENTRO DE CIÊNCIAS DO HOMEM – CCH PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS SOCIAIS - PPGPS EXPRESSÕES DO MODELO MÉDICO DE DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO ESPECIAL: A FUNÇÃO DO LAUDO NAS ESCOLAS PÚBLICAS MUNICIPAIS DE CAMPOS DOS GOYTACAZES/RJ LUANA LEAL RIBEIRO CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ ABRIL/2017
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO – UENF
CENTRO DE CIÊNCIAS DO HOMEM – CCH
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS SOCIAIS - PPGPS
EXPRESSÕES DO MODELO MÉDICO DE DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO
ESPECIAL: A FUNÇÃO DO LAUDO NAS ESCOLAS PÚBLICAS MUNICIPAIS DE
CAMPOS DOS GOYTACAZES/RJ
LUANA LEAL RIBEIRO
CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ
ABRIL/2017
EXPRESSÕES DO MODELO MÉDICO DE DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO ESPECIAL:
A FUNÇÃO DO LAUDO NAS ESCOLAS PÚBLICAS MUNICIPAIS DE CAMPOS DOS
GOYTACAZES/RJ
LUANA LEAL RIBEIRO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Políticas Sociais da Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro -
UENF, como requisito parcial para a obtenção do
título de mestre em Políticas Sociais.
Área de concentração: educação, cultura, política
e cidadania.
Orientadora: Profª. Draª. Renata Maldonado da
Silva
CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ
ABRIL/2017
FICHA CATALOGRÁFICAPreparada pela Biblioteca do CCH / UENF
024/2017
R484 Ribeiro, Luana Leal.
Expressões do modelo médico de deficiência na educação especial : a função do laudo nasescolas públicas municipais de Campos dos Goytacazes/RJ.
/ Luana Leal Ribeiro. – Campos dos Goytacazes, RJ, 2017.
185 fBibliografia: f. 149 – 158.
Dissertação (Mestrado em Políticas Sociais) – Universidade Estadual do Norte Fluminense DarcyRibeiro, Centro de Ciências do Homem, 2017.
Orientadora: Renata Maldonado da Silva.
1. Educação Especial – Laudo Médico. 3. Modelo Médico de Compreensão da Deficiência. I.Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. II. Título.
CDD – 371.9
LUANA LEAL RIBEIRO
EXPRESSÕES DO MODELO MÉDICO DE DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO ESPECIAL:
A FUNÇÃO DO LAUDO NAS ESCOLAS PÚBLICAS MUNICIPAIS DE CAMPOS DOS
A discussão sobre a efetivação do direito à escolarização das pessoas com deficiência
no Brasil é muito recente, com a intensificação dos debates acerca dessa questão somente a
partir de meados do século XX. No decorrer da história, a educação especial foi sendo
desenvolvida como uma forma de escolarização para pessoas que fizessem parte de um
determinado público-alvo, que se modificou ao longo do tempo, mas que, atualmente, é
caracterizado por alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e alunos
com altas habilidades/superdotação (BRASIL, 2008a).
A educação especial é uma modalidade de ensino transversal a todos os níveis e etapas,
da educação básica (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio) à educação
superior, presente em todas as modalidades educacionais (educação de jovens e adultos,
educação profissional e tecnológica, educação indígena, educação do campo). Em todos esses
níveis, etapas e modalidades é ofertado o Atendimento Educacional Especializado – AEE.
Este tem a função de identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade
que possibilitem a eliminação de entraves que limitam a plena participação dos alunos no
ambiente escolar, considerando suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no
AEE são diferenciadas das que se realizam na sala de aula comum, sendo importante ressaltar
que não são substitutivas à escolarização. Nesse sentido, o AEE desempenha o papel de
complementar e/ou suplementar a formação dos alunos ao visar à autonomia e a
independência na escola e fora dela (BRASIL, 2008a).
Basicamente, pode-se ponderar que os sujeitos com deficiência vivenciaram quatro
períodos específicos no que se refere à escolarização, perpassando pelos contextos de
exclusão, institucionalização, integração e inclusão. Em um primeiro momento, até o século
XV, durante o período da Idade Média e o início da Modernidade, experimentaram um
contexto de exclusão, pois eram mantidos fora do convívio social. Isso porque naquela época
acreditava-se que as pessoas com deficiência seriam criaturas malignas, pois seu
comportamento não se ajustava ao que era considerado “adequado” no período.
Posteriormente, principalmente a partir do século XVIII, esses sujeitos foram segregados em
instituições exclusivamente voltadas para o atendimento de pessoas com deficiência,
vinculadas às ações filantrópicas, muitas delas gerenciadas pela Igreja Católica, com parcas
ofertas de escolarização. Em um terceiro momento, somente no século XX, os indivíduos com
deficiência começaram a vivenciar práticas escolares, porém em classes especiais, que foram
criadas nas escolas regulares em uma perspectiva de integração, ainda permanecendo o
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cenário de segregação. A última fase é a da inclusão, que se constituiu como um conceito que
ganhou expressão especificamente nos anos 1980, a partir da intensificação dos debates e
movimentos sociais organizados, principalmente nos continentes europeu e americano, em
prol do questionamento do tratamento despendido às pessoas com deficiência.
Em todos esses períodos, houve a influência de profissionais das ciências da saúde, que
interferiam, em menor ou maior grau, de acordo com sua especialidade, nas modalidades de
escolarização. A medicina teve destaque nesse processo, não somente no tratamento
despendido às pessoas que apresentavam alguma anomalia, mas também passou a influenciar
na maneira em que eram ofertadas ações de escolarização a esse público. Não por acaso, estas
emergiram de experiências elaboradas por médicos, que despertaram o interesse sobre a
necessidade de escolarizar indivíduos com deficiência que, em sua maioria, habitavam
hospitais psiquiátricos, sem distinção de patologia ou idade, principalmente nos casos de
deficiência intelectual. A partir desse enfoque médico, a deficiência passou a ser entendida
como uma doença crônica devendo seu atendimento, até mesmo pela vertente educacional, ser
ofertado pelo viés terapêutico (GLAT; PLETSCH; FONTES, 2007).
Mesmo com o avanço das práticas escolares ofertadas ao público-alvo da educação
especial, ainda pode ser possível identificar traços de interferência do modelo médico de
compreensão da deficiência nesse âmbito. Isso porque o diagnóstico clínico ainda é
considerado como um dos mais importantes instrumentos no encaminhamento desses alunos à
modalidade citada, principalmente ao AEE. Apesar de haver orientação do Ministério da
Educação – MEC de que o diagnóstico não pode ser considerado imprescindível para
efetivação desse atendimento, o instrumento ainda é solicitado como forma de comprovação
de que o aluno faz parte do público-alvo a ser incluído pela educação especial no Brasil.
Destarte, o presente estudo teve origem a partir da possibilidade de que a oferta de
escolarização para o público-alvo da educação especial no município de Campos dos
Goytacazes/RJ ainda estaria vinculada ao modelo médico de compreensão da deficiência, com
base na solicitação formal do laudo médico para matrícula dessas pessoas no AEE.
O primeiro contato com essa informação ocorreu no ano de 2013, no período de estágio
curricular vivenciado pela autora enquanto discente do curso de Serviço Social da
Universidade Federal Fluminense. O estágio aconteceu na Associação de Proteção e
Orientação aos Excepcionais – APOE, especificamente em seu programa “Qualificando-se
para Vencer Desafios”, que tinha por objetivo oferecer treinamento e promover o
acompanhamento da inserção e permanência dos indivíduos com deficiência no mercado de
trabalho formal. Foi possível perceber que, dos 50 jovens participantes, 50% tinha evadido à
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escola durante o ensino fundamental e 86% dos que frequentavam na época, encontravam-se
em situação de distorção idade-série. Para melhor averiguação e tentativa de modificação
desse panorama foi desenvolvido um projeto de intervenção, elaborado pela autora
juntamente com a assistente social supervisora de campo, implementado em um período de
um ano, no qual foram realizadas reuniões com os jovens, familiares e profissionais atuantes
na esfera municipal de educação.
O objetivo geral do projeto se constituía em incentivar o acesso e permanência de
jovens que participavam do programa no ensino regular e especial, quando necessário, na rede
municipal de ensino de Campos dos Goytacazes/RJ. Para alcance dessa finalidade, foram
realizadas entrevistas com profissionais do Departamento Multiprofissional da Secretaria
Municipal de Educação, Cultura e Esportes – SMECE a fim de identificar a oferta de
escolarização para o público-alvo da educação especial, sendo este também o do programa.
Foi ressaltado pelos profissionais que seria necessário um laudo médico com a especificação
da deficiência para efetivação da matrícula nessa modalidade de ensino. Como o foco do
projeto em 2013 não era a pesquisa e sim a intervenção, os meios de acesso não foram
arguidos na época, emergindo esse questionamento somente no decorrer do período de
mestrado.
Assim, o presente trabalho teve por objetivo geral compreender a efetiva aplicabilidade
que o laudo médico possui para o direcionamento das ações e práticas pedagógicas
desenvolvidas no ensino regular e no AEE para os alunos que frequentavam respectivamente,
as duas modalidades. Por objetivos específicos, propôs-se identificar se o município vem
cumprindo com a exigência da criação de um plano de AEE para os alunos com necessidades
educacionais especiais que frequentavam a modalidade especial e apreender se havia e como
se efetivava a função pedagógica do laudo médico na articulação dos professores do AEE
com os professores da modalidade regular, na delimitação das atividades a serem propostas
junto aos alunos com necessidades educacionais especiais.
O estudo justificou-se pela necessidade de ser problematizada a permanência de práticas
educacionais vinculadas ao modelo médico de compreensão da deficiência que ainda
permeiam o cenário educacional da educação especial. Com o objetivo de verificar a
produção acadêmica realizada nos últimos anos acerca do laudo médico na educação especial,
foi realizada uma busca no site do banco de teses e dissertações da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, utilizando as palavras “educação” e
“laudo”. Como a primeira busca identificou uma infinidade de trabalhos que não
necessariamente tinham relação com o tema pesquisado, foi feito um refinamento através do
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campo “Área de conhecimento”, no qual foram selecionados os campos “educação” e
“educação especial”. Após, foram encontrados 13 trabalhos, mas que entre esses, somente
dois se articulavam com o uso do laudo/diagnóstico na educação especial.
O primeiro trabalho foi uma tese de doutorado intitulada “Corpos que não param:
criança, „TDAH‟ e escola”, em que Freitas (2011) dissertou sobre alunos que são
identificados pelos professores da sala regular como possíveis hiperativos1. Após
encaminhamento para as educadoras especiais, estas solicitam aos responsáveis uma avaliação
por um especialista na área da saúde, na busca por um diagnóstico e consequentemente,
medicamentos que possam controlar a possível patologia. A autora informou que foi possível
identificar que o discurso médico sobre o Transtorno do Déficit de Atenção com
Hiperatividade - TDAH se acoplou ao discurso de biologização, no qual os corpos precisam
ser melhorados, sendo esse processo garantido pela medicação. Freitas (2011) afirmou que é
necessário se distanciar dos diagnósticos, sejam esses criados por médico, pela família ou pela
escola, propiciando assim, olhar para o sujeito, já que este se constrói na relação com os
outros.
A pesquisa que mais se aproximou do que se pretendeu trabalhar foi realizada por
Camizão (2016) com o título de “Conhecimentos, concepções e práticas de professores de
educação especial: o modelo médico-psicológico ainda vigora?”. Neste trabalho, a autora teve
por objetivo analisar conhecimentos, concepções e práticas de professores da educação
especial que atuam no AEE, no âmbito da instituição de educação infantil direcionados à
criança com deficiência intelectual, em relação à vigência do modelo médico-psicológico.
Apesar de o recorte ter sido na etapa da educação infantil e especificamente com alunos com
deficiência intelectual, os resultados expostos vão ao encontro dos que serão apresentados no
presente trabalho. Camizão (2016) indicou que em relação aos professores, estes
privilegiavam os conhecimentos práticos referentes à deficiência, com foco nos
conhecimentos patológicos das crianças, associando a deficiência a uma limitação e o
diagnóstico ao AEE, ao narrarem que utilizavam o laudo como ponto de partida para pesquisa
e organização do atendimento. Assim, a autora pôde concluir que ainda é presente o modelo
médico-psicológico na atuação de professores da educação especial que trabalham com
crianças de zero a cinco anos, no qual “essa influência é histórica e se fortalece quando os
1 Apesar de os alunos com o diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade – TDAH não
estarem contemplados como público-alvo da educação especial, o trabalho de Freitas (2011) abordou questões
que perpassam pelas as quais serão apresentadas no presente trabalho, motivo este que foi elencado como
importante para apreensão dos conceitos que permeiam o uso do diagnóstico na escola, devido à baixa produção
acadêmica sobre essa temática.
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saberes advindos da área da saúde se sobressaem aos saberes educacionais” (CAMIZÃO,
2016, p. 10).
Assim, pelo baixo número de produções que vinculam a influência do laudo/diagnóstico
nas práticas dos profissionais que atuam na educação, principalmente, na modalidade
especial, tornou-se necessário o estudo e problematização desse contexto com o objetivo de
propor reflexões para que sejam delimitadas possíveis ações que objetivem a superação da
influência do modelo médico no âmbito educacional.
Para alcance dos objetivos propostos no presente trabalho, primeiramente, foi necessária
a realização de exaustiva pesquisa bibliográfica no campo da educação especial. Para tal,
foram utilizados livros, arquivos publicados em anais de eventos, assim como em periódicos,
teses e dissertações apresentadas em programas vinculados a CAPES. Também, via análise
documental, foram buscadas leis, resoluções, portarias e demais publicações legais que
tratassem da educação especial, especificamente, no município de Campos dos Goytacazes,
por meio de análise do Diário Oficial e pesquisa em biblioteca e arquivo municipal. Cabe
destacar que a reunião desses materiais foi de extrema relevância para preparação da autora
para sua inserção no campo, onde foram realizadas entrevistas semiestruturadas com
profissionais do âmbito da educação especial e regular. Assim, a partir dos dados
apresentados, das análises realizadas juntamente com as bases teóricas adotadas, foram feitas
considerações acerca do entendimento da autora da real aplicabilidade que o laudo médico
exerce no cotidiano escolar.
Para abordar esse assunto, como ponto de partida, foi necessário compreender o
histórico e a influência do modelo médico na oferta educacional despendida às pessoas
consideradas como público-alvo da educação especial. Assim, especificamente no primeiro
capítulo, para elucidar de forma mais detalhada a construção do modelo médico, foram
utilizados como principais autores Tezzari (2009) e Pessotti (2012) que dissertaram sobre a
influência do mesmo na delimitação do que era deficiência e nas primeiras ofertas de
escolarização para as pessoas que a possuíam. Nesse contexto, foi necessária a elucidação dos
conceitos de norma e anormalidade, desenvolvidos por Foucault (2000) e Canguilhem (2009),
para demonstrar como eram distinguidas as pessoas com e sem deficiência. Pelo fracasso da
tentativa de cura das pessoas consideradas desviantes da normalidade, os preceitos da
medicina e da psicologia, que até então ditavam a compreensão da deficiência, sofreram
interferências de disciplinas como a sociologia e a antropologia, que ampliaram a
interpretação da deficiência para além dos âmbitos biológico e psicológico, dando início à
modificação também das práticas escolares ofertadas aos alunos da educação especial.
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Os movimentos sociais, originados principalmente em meados do século XX, tiveram
importância primordial na tentativa de modificação da compreensão da deficiência, ao
destacarem a necessidade de considerar também o âmbito social como um importante
elemento a ser considerado nas limitações impostas a esse público. Como principal referência,
foi utilizado o conceito de estigma, descrito por Goffman (1982) e a apreensão da construção
do modelo social de deficiência ocorreu a partir das análises de Diniz (2007), Harlos (2012) e
Piccolo (2012). Esse processo de tentativa de modificação da compreensão da deficiência pelo
modelo social teve grande influência nas práticas escolares, como, por exemplo,
possibilitando a criação dos conceitos de normalização, integração e posteriormente, inclusão
escolar. Para dissertar sobre tais conceitos, foram utilizadas as obras de Omote (1999),
Mendes (2006), Bueno (2008) e Pletsch (2010).
Após a compreensão da construção e aplicação dos conceitos acima citados foi
necessário identificar como esse processo ocorreu no cenário educacional brasileiro. Assim,
no segundo capítulo, como principais fontes bibliográficas, foram consultados Jannuzzi
(2012), Padilha (2014) e as normativas oficiais que tratam inteira ou parcialmente da
educação especial no Brasil. Nesse item, conforme já afirmado, o objetivo foi o de realizar o
mapeamento histórico do cenário educacional no país, principalmente no que tange à oferta de
escolarização do público-alvo da educação especial. Além disso, buscou-se problematizar a
modificação das nomenclaturas e da delimitação dos alunos utilizadas em textos oficiais
expedidos pelo MEC. Também foram analisados os serviços e sua forma de execução na
modalidade da educação especial, evidenciando a transformação dos mesmos de acordo com
os avanços que levaram o país a tentar implementar a educação inclusiva.
Por fim, após a apresentação do que foi elencado pela autora como principais conceitos
e marcos históricos que permeiam a educação especial, destacando a evolução dessa
modalidade, que, se emancipou como um campo de saber exclusivo das ciências da saúde, o
capítulo terceiro teve por objetivo a demonstração das formas nas quais o modelo médico de
compreensão da deficiência ainda se faz presente no cenário educacional. Para melhor
conhecimento deste modelo, foi necessária a utilização dos conceitos de medicalização e
patologização, descritos principalmente por Teixeira (2007), Moysés (2008) e Christofari
(2014). Com o objetivo de elucidar a aplicação desses conceitos nas práticas pedagógicas foi
realizada uma pesquisa empírica no município de Campos dos Goytacazes, cidade localizada
no norte do estado do Rio de Janeiro. Assim, estudou-se especificamente a rede pública
municipal de educação, a fim de compreender a influência exercida pelo laudo médico no
cotidiano escolar dos alunos considerados público-alvo da educação especial.
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O município em que a pesquisa foi realizada demonstrou uma peculiaridade pelo fato do
laudo médico ser solicitado em resolução e portarias municipais publicadas em Diário Oficial
como documento a ser apresentado para efetivação da matrícula do aluno no AEE - mesmo
que a partir do ano de 2016, deixasse de ser impeditivo para este fim, no qual este fato será
explicitado detalhadamente no terceiro capítulo. Compreendeu-se, no entanto, que esse
instrumento tendeu a tirar a autoridade, assim como a responsabilidade dos profissionais da
educação, no que diz respeito ao encaminhamento e ao provimento de ações a fim de efetivar
a oferta de escolarização desse público com qualidade. O profissional da educação, agindo
sem as amarras médicas, poderia possibilitar, inclusive, que fossem evidenciadas as
potencialidades desses alunos em detrimento dos limites possivelmente impostos pela
identificação e a descrição da deficiência/síndrome/transtorno, podendo impactar diretamente
no desenvolvimento educacional desse sujeito.
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1 MODELOS DE COMPREENSÃO DA DEFICIÊNCIA: UMA ABORDAGEM
HISTÓRICA
Historicamente, diversas concepções sobre deficiência foram formuladas, influenciando
as ações do Estado e da sociedade em relação à escolarização das pessoas que apresentavam
algum padrão que destoasse da normalidade que era considerada no período. Por mais que
pareça óbvio, vale ressaltar que em toda a história da humanidade, sempre houve pessoas que
nasceram ou adquiriram deficiências de diversos tipos. Por muitos séculos, esses indivíduos
foram ignorados e até dizimados, mas não deixaram de existir, fazendo com que as pessoas
sem deficiência tivessem que redefinir suas concepções e atitudes frente a essa questão. No
presente capítulo, objetivou-se discorrer brevemente sobre como eram tratadas as questões
sobre deficiência, desde o período medieval até século XX. Para tal, destacaram-se os
modelos criados para compreensão da deficiência, e de que forma os mesmos influenciaram
no âmbito educacional e na oferta de escolarização a esse público.
1.1 DA MISTIFICAÇÃO À INTERFERÊNCIA DAS CIÊNCIAS DA SAÚDE
Durante o período da Idade Média houve o predomínio de concepções mágicas, místicas
e misteriosas sobre a parcela da população que possuía deficiência. A ausência de
„normalidade‟ era vista como “prova da ira de Deus” e a deficiência seria o “castigo” a ser
enfrentado pela população. A literatura apontou que a própria Igreja Católica nessa época
passou a dispor de atitudes discriminatórias e de perseguição com as pessoas que
apresentavam alguma anomalia e que fugiam dos padrões de normalidade, seja pelo viés
físico, mental ou cultural, no qual as ações de caridade deram lugar à rejeição por parte da
Igreja. A deficiência também era percebida como de caráter “divino” ou “demoníaco”, o que
acabava traçando o tipo de tratamento que deveria ser ofertado às pessoas que possuíam
alguma peculiaridade (PÁDUA, 2005).
Ainda no período medieval, os indivíduos considerados diferentes eram ridicularizados,
sendo expostos publicamente a fim de entretenimento. Este ato foi caracterizado como
“teatralização das diferenças” (PICCOLO, 2012, p. 42), possibilitando a delineação do que a
sociedade deveria querer longe de si. A designação de “monstros” advinha de características
físicas, demonstrando que o foco na diferenciação entre corpos que aparentavam alguma
anomalia e corpos „normais‟, residia na estrutura orgânica e material, não sendo considerados
os aspectos morais dos indivíduos.
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Tezzari (2009) destacou que, a partir do século XVI, a medicina, ainda que não
possuísse muitos elementos científicos na explicação de determinados problemas, passou a
intervir nas características atribuídas às pessoas com deficiência vinculadas às concepções
religiosas e místicas. A partir de então, passaram a ser consideradas como causas da
deficiência elementos ambientais e orgânicos que aconteciam independente da vontade dos
sujeitos. A mesma autora destacou que a medicina adotou como explicação central as causas
orgânicas, o que acarretou considerar as pessoas com deficiência como indivíduos sem
perspectivas de alteração do seu quadro clínico. Isto ocorreu porque, se esses sujeitos eram
acometidos pela enfermidade, não teriam expectativas de alterações, principalmente no
âmbito da aprendizagem. Nesse sentido, a solução encontrada para esses indivíduos foi a
segregação em instituições asilares.
O mesmo período acima citado ficou conhecido como “assistencialismo médico-
terapêutico” (PÁDUA, 2005, p. 26), no qual houve o predomínio da ideia que a pessoa com
deficiência deveria ser asilada para sua própria proteção. Isto deveria ocorrer, em instituições
filantrópicas ou privadas, com o foco na abordagem clínica tradicional, somente voltadas ao
tratamento da deficiência e não nas potencialidades. Nessa época, a institucionalização em
asilos e manicômios das pessoas consideradas “desviantes” foi um impasse para o seu acesso
à educação. A inserção dessas pessoas no ambiente escolar ocorreu de forma lenta e gradual, à
medida que se ampliaram as oportunidades educacionais para a população em geral
(MENDES, 2006).
O início da Modernidade caracterizou-se pelo aparecimento de questionamentos sobre a
visão de mundo construída pela Igreja ao longo do período medieval, baseada na vontade de
Deus. Nesse contexto, um pensador de grande importância que se posicionou contra o
absolutismo teocrático no século XVII foi John Locke. No ano de 1690, publicou o Essay
Concerning Human Understanding2, desenvolvido com uma sólida base filosófica e crítica
sobre a visão naturalista da atividade intelectual. Esta publicação teve o objetivo de mostrar
que havia uma limitação no entendimento humano, que fundamentava a tolerância religiosa,
no lugar do preconceito e do engessamento dogmático. Segundo o autor, as ideias e as
condutas são frutos de experiências individuais, não podendo ser justificada a perseguição
sofrida pela pessoa com deficiência, na qual esta era caracterizada como um estágio de
carência de ideias e operações intelectuais, ao comparar essas pessoas com recém-nascidos,
vistos como uma tabula rasa. Com isso, o ensino teria o protagonismo de suprir essas lacunas,
2 Ensaio acerca do Entendimento Humano.
24
pelo fato de considerar que a mente seria uma “página em branco”. De acordo com Pessotti
(2012), o pensamento de Locke teve bastante influência no processo formativo das pessoas
com deficiência intelectual, pois
a visão naturalista do educando, liberta de preconceitos morais ou religiosos,
a ênfase na ordenação da experiência sensorial como fundamento da
didática, a afirmação da individualidade do processo de aprender, a
insistência sobre a experiência sensorial como condição preliminar dos processos complexos de pensamento, a importância dos objetos concretos na
aquisição de noções (PESSOTTI, 2012, p. 32).
John Locke também elaborou um currículo que deveria ser desenvolvido na escola, com
o objetivo de estimular a curiosidade e aptidão por jogos, entre outras atividades, com
destaque para os interesses e as necessidades reais dos alunos. Pessotti (2012) afirmou que as
propostas pedagógicas de Locke visavam mudanças no modo em que a sociedade poderia
ofertar atendimento aos que possuíam deficiência mental3.
A maior influência do Essay sobre o processo de modificação das práticas educacionais
foi exercida através de duas obras de Condillac. Por meio das publicações em 1746, do Essai
sur l’origine des connaissances humaines4 e em 1749, do Traité des sensations
5, Condillac
agregou aos trabalhos de Locke uma formulação metodológica de ensino, visando à
construção de um método de educação infantil, que poderia ser adaptado e empregado ao
ensino dos alunos com deficiência intelectual.
Condillac desenvolveu uma teoria do conhecimento que tinha como base experiências
empíricas onde as sensações eram os principais instrumentos e os sentidos deveriam ser
estudados de formas separadas. Para ilustrar sua hipótese, o mesmo autor desenvolveu um
exercício imaginativo de representação de uma estátua fazendo o papel de um ser humano
desprovido dos sentidos. Ao ser ofertado um dos sentidos, todas as faculdades mentais seriam
desenvolvidas. Sua teoria oferecia sugestões sobre a natureza de atrasos no entendimento e
princípios para uma didática da aquisição de ideias por pessoas que eram privadas de um ou
mais órgãos sensoriais ou privadas da linguagem. Com isso, a principal marca dessa teoria era
que as capacidades ou incapacidades mentais decorriam de experiências e de oportunidades
de estimulação e “exercício de funções intelectuais e não necessariamente dotes inatos, de
natureza anátomofisiológico ou metafísica” (PESSOTTI, 2012, p. 38).
3 O termo “deficiência mental” foi utilizado por muito tempo para delimitar as pessoas que apresentavam
redução da capacidade mental, considerando os padrões socialmente delimitados como normais. Atualmente, o
termo foi substituído por “deficiência intelectual”, no qual será adotado pela autora do presente trabalho. A
evolução da nomenclatura será brevemente apresentada no decorrer dos capítulos. 4 Ensaio sobre a origem do Conhecimento Humano. 5 Tratado das sensações.
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A partir do gradativo rompimento com antigas crenças supersticiosas ou mágicas, o
conceito de verdade, que antes pertencia aos que discorriam em nome de um ser superior,
deslocou-se para a ciência, ocasionando profundas modificações sobre significados e ações
voltadas para as pessoas com deficiência. As mudanças tiveram início no momento em que foi
atribuído que a deficiência ocorria por uma questão biológica, propagada pelos critérios de
racionalidade construídos pelas sociedades ocidentais, que representavam o saber dominante
em termos médicos (PICCOLO, 2012).
Ainda no período da Idade Moderna, surgiu o modelo médico individual de deficiência,
que consistiu em um conjunto de pressupostos e conhecimentos advindos das Ciências da
Saúde, que passou a tratar a deficiência como um desvio do que poderia ser considerado
normal, de acordo com padrões bio-fisiológicos. A partir de então, a deficiência adquiriu um
status de falha, limitação e incapacidade, sendo explicada nos séculos seguintes segundo as
diretrizes da biologia, da indústria, da estatística e da medicina, surgindo então, o “indivíduo
deficiente” (PICCOLO, 2012).
Acerca dessa questão, Foucault (2000) retratou que, a partir da predominância da
narrativa médica sobre o corpo, surgiu um novo discurso no contexto da modernidade, no
qual, o que dizia respeito ao sobrenatural, perdeu força e sentido. Por outro lado, o que era
antes visto como castigo ou ira dos deuses passou a ser taxado como patologia, advinda de
condições clínicas. Assim, a medicina começou a compreender os desviantes do padrão de
normalidade estabelecido, como anormais.
Harlos (2012) afirmou que, desde a razão e dos procedimentos científicos, considerados
como exclusivas fontes confiáveis para o alcance da verdade, foram constituídos saberes
sobre a sociedade que passou a ser classificada em diversas categorias. Na categoria de
“anormais”, eram considerados os inaptos, improdutivos, pessoas com deficiência e os
incapazes de exercerem atividades produtivas. Havia nesse período crescente preocupação
com fenômenos que pudessem atrapalhar os processos de produção, que ganharam mais
notoriedade à medida que o sistema capitalista se consolidou.
Piccolo (2012) afirmou que a anormalidade não pode ser entendida como negatividade,
pois, mesmo que possa representar isto sob alguns aspectos, como uma redução de potencial,
não deixa de materializar uma vida marcada por características fisiológicas individuais.
Portanto, não é uma variação da dimensão da saúde, mas sim uma dimensão da vida,
considerando o natural como advindo de concepções culturais. As sociedades ao longo da
história criaram padrões de inclusão e exclusão, que se tornaram mais específicos a partir da
26
implantação do sistema capitalista, no qual, com a consolidação do saber médico e biológico,
delimitou-se a ênfase no corpo útil e produtivo como sua âncora.
Foucault (2000) afirmou que com o avanço da biologia, o homem passou a ser
considerado como um ser que possuía funções e
que recebe estímulos (fisiológicos, mas também sociais, inter-humanos, culturais), que responde a eles, que se adapta, evolui, submete-se às
exigências do meio, harmoniza-se com as modificações que ele impõe, busca
apagar os desequilíbrios, age segundo regularidades, tem em suma,
condições de existência e a possibilidade de encontrar normas médias de ajustamento que lhe permitem exercer suas funções (FOUCAULT, 2000, p.
494).
Com a disseminação dessa lógica, juntamente com a consolidação do sistema
capitalista, foram criados mecanismos a fim de demarcar a norma através de um rigoroso
processo de instrumentação técnica. Este tinha o objetivo de dar visibilidade e quantificar as
diferenças e desvios, estabelecendo uma ordem natural que deveria coincidir com os grupos
dominantes, exemplificado por Piccolo (2012, p. 39) como
O surdo é alguém normal subtraído da faculdade de audição. Oposições o
definem. O homossexual é, acima de tudo, um não heterossexual. A mulher um não homem. O negro um não branco. O cego um não vidente. O
cadeirante um não caminhante. É a ausência que passa a definir aqueles que
destoam da suposta norma.
Assim, o que foge à norma não é o indiferente, mas sim, o desprezável, o que deveria
ser evitado. Portanto, a norma configura-se, mais do que um definidor, mas também, um
elemento de segregação, estabelecendo a diferença e a classificação posteriormente, como de
menor valia. Usando a deficiência como exemplo, Piccolo (2012) apontou que a mesma não é
negada pela sociedade, mas sim, reconhecida explicitamente e depois compreendida
negativamente.
Canguilhem (2009, p. 109) afirmou que a definição de anormalidade é vista como fruto
de inadaptação social, supondo que o indivíduo deveria “aderir à maneira de ser de
determinada sociedade, e, portanto, adaptar-se a ela como a uma realidade que seria, ao
mesmo tempo, um bem”. O mesmo autor discorreu que, ao considerar as sociedades como
“conjuntos mal unificados de meios” (CANGUILHEM, 2009, p. 109), tornou-se razoável
negar-lhes o direito de definir o que seria normalidade a partir da subordinação valorizada,
travestida de adaptação.
Portanto, o fortalecimento do conceito de “norma” atuaria como uma ação
conservadora, objetivando a preservação das estruturas sociais. Em relação aos que se
27
distinguem da norma, muitas vezes estes estão em extrema desvantagem psicológica e
socioeconômica, imputando hipoteticamente ao âmbito médico, a possibilidade de melhoria
do “desvio”, ao transformar os desviados em pacientes. A partir dessa concepção, conceituou-
se que a deficiência nas sociedades modernas, visto como um problema individual, somente
deveria ser remediada através de ações clínicas e terapêuticas (PICCOLO, 2012).
A educação escolar, que na maioria dos países era privilégio de pequena parcela da
população, passou a ser ampliada consideravelmente a partir do século XVIII na Europa, por
meio de reivindicações desencadeadas pela burguesia nas sociedades industriais. A Revolução
Francesa e seus ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade” exigiu o fim dos privilégios do
clero e da nobreza. Nesse contexto, a educação para pessoas que possuíam alguma anomalia
recebeu relativa visibilidade, pois ao aumentar a população escolar, cresceu também a
frequência de pessoas que não se enquadravam no perfil de normalidade esperado para um
aluno (TEZZARI, 2009).
Apesar dos ideais propagados pela Revolução Francesa, a discriminação resistia
mediante o discurso da descoberta das origens da deficiência, dando início a um período de
medicalização6, com base na associação das causas naturais vinculadas à formação orgânica
dos indivíduos. Posteriormente, o avanço capitalista contribuiu para a disseminação da
medicalização, pois, através dos tratamentos clínicos com pouca ênfase em ações
pedagógicas, visava-se adequar as pessoas com deficiência às atividades exigidas pelo novo
sistema de produção (PADILHA, 2014).
Pessotti (2012) apontou o final do século XVIII como marco inicial do atendimento
educacional às pessoas com deficiência. Isto ocorreu por meio da criação de instituições
especializadas para surdos e cegos, ao oferecer escolarização aos que eram impedidos de
usufruírem do ensino regular, que também era restrito para a população no geral nessa época.
Com isso, é possível afirmar que as deficiências sensoriais inauguraram o processo de
intervenções educacionais específicas, mesmo que em forma de iniciativas isoladas e sem
estruturação pedagógica. Nesse caso, um dos seus principais objetivos era a socialização
desses indivíduos.
A escassez de conhecimentos científicos foi uma marca no âmbito da ciência médica.
Ao se levantar uma hipótese que pudesse fornecer uma explicação razoável sobre determinada
patologia, esta era aplicada a quadro clínicos semelhantes, de acordo com a descrição dos
6 Collares e Moysés (2010) apresentaram a medicalização como uma transformação artificial de questões que
não eram do âmbito da medicina, em problemas médicos. As mesmas argumentaram que nesse contexto, as
questões coletivas são tomadas como individuais e os problemas sociais e políticos, como biológicos.
28
sintomas. Nesse sentido, as obras de Locke e de Condillac, anteriormente citadas,
contribuíram para que houvesse uma ruptura com o rigor das ideias médicas. Isto permitiu a
construção de experiências que propuseram outro posicionamento e compreensão em relação,
principalmente à deficiência intelectual, mesmo não sendo possível explicá-la nem indicar
com clareza suas causas e meios de prevenção. Alguns médicos tiveram seu interesse
despertado pelo campo da deficiência intelectual, mas não encontraram nesse âmbito de
conhecimento e atuação, as respostas e/ou alternativas para que fosse possível promover o
desenvolvimento e aprendizagem das mesmas (TEZZARI, 2009).
Nesse contexto, ganharam destaque as ideias filosóficas e pedagógicas que passaram a
ser utilizadas por esses profissionais da área médica como ponto de partida para construção de
seus trabalhos. Isso acabou por modificar a área de atuação do médico, que passou a ser
incorporado à atuação de educador. Esse fato não se vinculou à necessidade de negar as
questões orgânicas que eram relacionadas aos diagnósticos da deficiência intelectual. No
entanto, seus efeitos passaram a ser relativizados na evolução do sujeito, através da busca em
outras fontes, de pressupostos que possibilitariam pensar em meios para promoção do
desenvolvimento e aprendizagem das pessoas com diagnóstico de “idiotas”, termo este
utilizado na época (TEZZARI, 2009; PESSOTTI, 2012).
Uma das passagens que mais ilustra essa afirmação foi protagonizada por Jean-Marc
Gaspard Itard no início do século XIX. Alguns autores como Vasques (2008), Tezzari (2009),
Bridi (2011) e Harlos (2012) indicaram esse médico-pedagogo como pioneiro na educação
especial, através do caso conhecido como “Selvagem de Aveyron”.
Em 1800, um menino com cerca de 12 anos foi encontrado vivendo em uma floresta no
sul da França. Victor, como foi nomeado, foi levado a Paris e asilado no Instituto Nacional
dos Surdos-Mudos por ter sido a priori, considerado com deficiência auditiva, pois não
conseguia se comunicar verbalmente e não respondia a alguns tipos de sons. O jovem foi
avaliado por Phillippe Pinel, médico psiquiatra que contribuiu para a humanização do
tratamento dado aos considerados “doentes mentais” da época. O médico elaborou um
relatório no qual diagnosticava o jovem como um idiota e segundo ele, por esse fato havia
sido abandonado pelos seus familiares. Sendo assim, Pinel afirmava que não haveria qualquer
possibilidade do Victor desenvolver elementos básicos de aprendizagem. O diagnóstico foi
realizado com base em uma listagem de habilidades, conhecimentos e atitudes que Victor não
possuía.
Itard, que era aluno de Pinel, interessou-se pelo caso e apresentou uma posição
discordante do médico, ao considerar que o menino poderia ser educado e reintegrado à
29
sociedade. De acordo com Itard, suas limitações decorriam possivelmente da privação de
experiências sensoriais humanas, não sendo de origem biológica. A partir de então, foram
realizados experimentos educacionais com o jovem, no qual este correspondia de acordo com
as suas possibilidades. Para Itard, a causa do retardo de Victor era devido à carência de
experiências de atividade intelectual, proveniente de seu isolamento, não podendo ser
considerada uma doença incurável, como o idiotismo. A partir desse pensamento, o médico-
pedagogo se debruçou na ideia de que a escassez da experiência e a inércia intelectual seriam
a gênese da “deficiência”, e como tratamento, seria necessária a estimulação como melhor
“remédio” para cura (PESSOTTI, 2012).
A aplicação prática dos conceitos desenvolvidos por Locke e Condillac está
documentada nos relatórios de experimentação de Itard. Ao descrever que, após uma
avaliação inicial e a verificação das faltas e dificuldades sensoriais do Victor, o médico
iniciou um trabalho com base no desenvolvimento dos sentidos trabalhados individualmente,
considerando o menino como um “recém-nascido”, uma tabula rasa, “onde tudo precisava ser
escrito e inscrito” (TEZZARI, 2009, p. 198).
Em um contexto no qual as pessoas consideradas desviantes do restante da sociedade
eram excluídas e encaminhadas para instituições, Itard destacou-se pela busca da integração
daquele menino à sociedade. Tornou-se pioneiro em romper com os modelos vigentes na
oferta educacional das pessoas diagnosticadas como idiotas. Fruto de sua experiência com
Victor, o médico-pedagogo utilizou seus conhecimentos adquiridos também no Instituto
Nacional dos Surdos-Mudos e teve seus relatórios publicados. Suas pesquisas influenciaram
outros profissionais, principalmente a partir do século XX, quando a teoria da deficiência
passou a ser revista, no qual outros profissionais passaram a utilizar suas técnicas e recursos
no tratamento ofertado às pessoas com deficiência (TEZZARI, 2009; PESSOTTI, 2012).
À medida que o capitalismo avançava e crescia o individualismo burguês, se expandiu
na sociedade a ideia de que a trajetória pessoal era de responsabilidade exclusiva do
indivíduo, no qual seu insucesso era interpretado como falha pessoal. Nesse contexto, as
pessoas com deficiência não se enquadrariam na sociedade capitalista, baseada no trabalho
assalariado. A medicina, que ganhou expressivo destaque nesse cenário, passou a enfatizar
exaustivamente o diagnóstico clínico e a conceber a deficiência como um problema do
indivíduo, que deveria assumir a responsabilidade pela sua situação.
Acerca desse fato, Piccolo (2012) afirmou que muitas teorias sobre a incapacidade de
inserção social das pessoas com deficiência eram provenientes do saber médico,
principalmente no que tange à transferência do não ajustamento social às suas características
30
fisiológicas. Isto acirrava a exclusiva responsabilização do indivíduo, evidenciando, que a
pessoa com deficiência somente se integraria à sociedade quando fosse restabelecido o seu
estado de „normalidade‟.
O século XIX, marcado pela expansão da industrialização, urbanização e pelo aumento
do trabalho assalariado nos países centrais do capitalismo, possibilitou que as pessoas com
deficiência fossem ainda mais afastadas do mundo do trabalho. Isto ocorreu em função da
exigência de produtividade imposta pelo modo de produção, que carecia de trabalhadores com
rapidez, destreza e compreensão de tarefas complexas, impedindo a participação dessas
pessoas no sistema econômico. Os mesmos processos iniciados com a implantação do novo
sistema modificaram o modelo familiar. Neste, as responsáveis pelos cuidados despendidos às
pessoas com deficiência, geralmente ao cargo das mulheres, passaram a ser desvinculadas das
tarefas exclusivamente domésticas, sendo absorvidas pelo trabalho nas fábricas, reforçando o
envio dos que necessitavam maiores cuidados a internatos e asilos (BONFIM, 2009).
Os avanços científicos na área da medicina e as melhorias obtidas por meio da
medicalização das doenças reforçaram a ideia de que a institucionalização seria a melhor
opção para as pessoas com deficiência. Esta opção era considerada como de excelência no que
tange ao tratamento da causa da incapacidade. Geralmente sustentadas por ações
assistencialistas e de caridade, essas instituições mantinham caráter de segregação, isolando
essas pessoas da vida comunitária, de acordo com suas limitações (BONFIM, 2009).
A expansão da rede de hospitais psiquiátricos e asilos designados para a permanência de
pessoas com deficiência, entre os séculos XVIII e XIX, evidenciou a desobrigação do Estado
em relação à disponibilização de serviços educacionais para esse público. Porém, essas
instituições despendiam altos custos de manutenção, fazendo com que a educação passasse a
ser considerada uma alternativa financeiramente viável. Nesse caso, as escolas especiais
passaram a se adequar aos interesses estatais ao promoverem uma educação voltada à
reabilitação e à adaptação à vida em sociedade das pessoas consideradas “anormais”,
prosseguindo com a desobrigação do sistema educacional pela inclusão de todas as pessoas
(PADILHA, 2014).
Apesar do repasse para a iniciativa privada da responsabilização pela escolarização das
pessoas com deficiência em detrimento da criação de hospitais e asilos, Aranha (2001)
ressaltou que no entre os séculos XIX e início do XX, há a constituição de uma nova relação
entre deficiência e sociedade. Este foi denominado de paradigma da institucionalização, sendo
caracterizado
31
pela retirada das pessoas com deficiência de suas comunidades de origem e pela manutenção delas em instituições residenciais segregadas ou escolas
especiais, frequentemente situadas em localidades distantes de suas famílias.
Assim, pessoas com retardo mental ou outras deficiências frequentemente
ficavam mantidas em isolamento do resto da sociedade, fosse a título de proteção, de tratamento, ou de processo educacional (ARANHA, 2001, p.8).
Nas primeiras décadas do século XX, a iniciativa privada ofertava majoritariamente os
serviços previstos para educação especial, através de financiamento público, surgindo
institutos, associações e fundações sem fins lucrativos. Esse fato dificultou o acesso ao
sistema educacional, pelo fato das instituições privadas ganharem notoriedade pela prestação
de serviços educacionais, médicos e assistenciais, fortalecendo a desobrigação estatal no
quesito educacional (PADILHA, 2014).
Nesse contexto, surgiu um conjunto de terapias individuais que era coordenado pela
medicina como a fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, entre outras. Nas instituições
consideradas especializadas, o trabalho pedagógico era pouco valorizado, isto porque a
educação escolar não era considerada prioritária. Esse fato fez com que o trabalho
educacional tivesse o objetivo de impulsionar maior autonomia nas atividades cotidianas, sem
a perspectiva de que esses indivíduos ingressassem na cultura letrada (GLAT; PLETSCH;
FONTES, 2007).
Pessotti (2012) afirmou que, com a ampliação dos processos de escolarização, houve o
aumento do interesse pelas limitações que eram associadas às deficiências, principalmente, a
mental. Esta era uma condição que impunha restrições à escolarização e, portanto, deveria ser
medicalizada, com o objetivo de proteger a sociedade. A partir desse contexto,
a deficiência mental chega ao século XX com etiologia orgânica nervosa,
diagnóstico clínico e estatístico, sintomatologia heterogênea com predominância morfológica e anatômica, embora incluído distúrbios de
funções digestivas, genitais e mentais (PESSOTTI, 2012, p. 176).
Portanto, não havia consensos no meio científico, pois para os médicos, o problema
central era a melhor forma de tratar os “débeis mentais” que não estavam confinados. Para os
pedagogos, a questão era saber como estender às pessoas com deficiência mental (termo
utilizado na época) o ensino vigente. No caso dos psicólogos, havia questionamentos em
como medir as diferenças de capacidade mental entre os normais e os “débeis mentais”. Isto
porque se pressupunha que as outras pessoas com deficiência poderiam estar excluídas da
didática e da psicologia normais, por questões médicas ou por não haver recursos
metodológicos que possibilitassem a investigação das capacidades mentais ou para a oferta do
ensino escolar.
32
Logo nas primeiras décadas do século XX, a psicologia ganhou espaço na comunidade
científica, através da disseminação dos estudos sobre percepção, memória e com exames que
mediam os limites das capacidades mentais, chamando a atenção de muitos pesquisadores.
Nesse sentido, o contexto educacional passou a estar intrinsecamente atrelado ao ato de
diagnosticar. Além disso, era necessário medir o desempenho intelectual dos alunos, ao visar
à adequação às condições de expansão pelo qual o sistema educacional estava passando.
Assim, a Psicologia passou a dispor de recursos que possibilitavam a conversão em números
do desempenho mental, por meio dos testes psicométricos. O instrumento pioneiro que media
a relação da idade cronológica e a idade mental era o teste do Quociente de Inteligência - QI,
desenvolvido por Alfred Binet e Theodore Simon em 1905 (PESSOTTI, 2012; DIAS;
OLIVEIRA, 2013).
A psicometria, enquanto um instrumento técnico possibilitava dar visibilidade a alguns
aspectos da deficiência, tais como a ideia de inteligência, personalidade, entre outros. Essa
classificação tinha como principais funções: a orientação da investigação, que ganhava um
status científico, e um guia para sua prática, elaborado de acordo com pressupostos
normativos por profissionais que, supostamente, eram os responsáveis por delimitar os
caminhos que as pessoas em tratamento deveriam percorrer. Desde então, passaram a ser
organizados os serviços voltados para pessoas com deficiência, como a psicoterapia
(PICCOLO, 2012).
Para propor um diagnóstico psicológico da deficiência era necessário negar o
diagnóstico médico, ou aceitá-lo, somente nas ocasiões em que o distúrbio se apresentasse de
forma agravada. Portanto, este era considerado como um método de avaliação da deficiência,
que deveria ser complementado com o método psicológico (PESSOTTI, 2012).
A Segunda Revolução Industrial, que terminou durante a Segunda Guerra Mundial,
trouxe inúmeros progressos com a descoberta de novas tecnologias pelos cientistas. Isto
ocasionou, além do avanço da industrialização, em impactos sociais como o êxodo rural, o
aumento da concentração urbana e da exploração do trabalho. Dessa forma, as pessoas com
deficiência deveriam tornar-se produtivas, ao mesmo tempo em que o avanço do sistema
capitalista, “criou” novas pessoas com deficiência física devido às mutilações ocorridas no
exercício da profissão em maquinarias (PADILHA, 2014).
Bonfim (2009), Piccolo (2012) e Padilha (2014) concordaram que, a partir de meados
da década de 1940, com o processo de intensificação do capitalismo, foram
institucionalizadas práticas eugênicas como a esterilização de pessoas com deficiência
intelectual, além da proibição de casamentos entre pessoas com deficiência auditiva. O termo
33
eugenia surgiu em 1833 na obra “Inquiries into human faculty and its development”7 de
Francis Galton, sendo este, o pioneiro das ideias eugênicas ao afirmar que, na batalha pela
sobrevivência, alguns indivíduos poderiam desaparecer pelo fato de serem de “menor valia”.
Isso justificou a ideologia da melhoria da raça humana, presente nos Estados nazi-facistas, em
meados do século XX, pois a natureza do indivíduo determinava as habilidades e não o
ambiente, no qual a humanidade seria melhorada via casamentos seletivos. Segundo essa
teoria, a inteligência seria transmitida hereditariamente, possibilitando que os indivíduos
pudessem exercer “controle social” através da eliminação das pessoas consideradas incapazes,
assegurando o “progresso da raça” com a permanência dos intelectualmente capazes e
A partir disso, Bueno (2008) destacou que os alunos que apresentam dificuldades
acentuadas de aprendizagem ou limitações no seu processo de desenvolvimento, por causas
não vinculadas a um fator orgânico específico, como os que foram citados na Declaração de
Salamanca, com exceção dos alunos com deficiência, não deveriam ser objeto da educação
especial, mas sim, de “uma política global de qualificação da educação nacional que
abrangesse, inclusive, os alunos deficientes, estes sim, objetos da educação especial”
(BUENO, 2008, p. 53).
A demanda taxativa de acomodação de todas as crianças, independentemente de suas
condições, foi abrandada em vários itens, considerando as exceções de acordo com as
particularidades impostas pela natureza e/ou grau de comprometimento de determinadas
pessoas com deficiência. Omote (1999) comentou que essas situações restritivas nem sempre
são mencionadas nos discursos dos que defendem fervorosamente a inclusão. Em geral, estes
tentaram passar a ideia de que a inclusão precisaria ocorrer com todos os alunos com
deficiência, sem exceção, desconsiderando que alguns não teriam sequer condições para tirar
proveito de práticas inclusivas. Segundo ele, há alunos que não possuem a possibilidade de
frequentar a classe de ensino comum e com isso, a escola também não poderia introduzir
51
alterações extremamente radicais para efetivar a inclusão de todos os alunos, sem a
preocupação em distorcer a sua finalidade e comprometer a sua eficácia.
Pletsch (2010) argumentou que é necessária cautela na implementação de propostas de
inclusão escolar “radicais” sem que haja um acúmulo de experiências sistemáticas que
possibilitem “uma análise do processo no contexto macro das políticas educacionais e,
sobretudo, no contexto micro do cotidiano escolar (PLETSCH, 2010, p. 77). Essa proposta de
inclusão está de acordo com o que foi apontado por Mendes (2006) como “inclusão total”, ao
estabelecer um tipo de política sem exceção, requisitando que os alunos, independente do tipo
ou grau de limitação, participassem da classe comum de acordo com a idade, sem a
preocupação com ganhos acadêmicos.
Segundo Pletsch (2010) a proposta de educação que se pretenda inclusiva deveria ser
entendida como um processo amplo, no qual o aparato escolar deveria ter condições
estruturais, físicas e de recursos humanos qualificados e financeiros, que possibilitasse a
promoção de condições democráticas de participação dos alunos com necessidades
educacionais especiais no processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, a escola deveria
promover o acesso, a permanência e o desenvolvimento social e acadêmico, considerando as
particularidades de cada um, não devendo a responsabilidade ser atribuída somente à escola,
mas sendo encarada como uma questão política e social (PLETSCH, 2010).
Destarte, é fundamental considerar as condições da grande maioria das escolas públicas
no cenário brasileiro. Pletsch (2010) citou diversas pesquisas que demonstraram que, apesar
das leis e das políticas pró-inclusão, não foram asseguradas nas escolas públicas as condições
mínimas necessárias para a plena implementação da política inclusiva. Alguns dos itens
demonstrados nas pesquisas foram, “o número excessivo de alunos nas salas de aula; os
procedimentos inadequados de avaliação [...] a precária acessibilidade física de muitas
escolas” entre outros (PLETSCH, 2010, p. 87). Portanto, ao analisar a política de inclusão
escolar como uma política pública setorizada no campo da educação ficam visíveis as
evidências que justificam seu fracasso no cenário brasileiro. Em um país extremamente
desigual, tornou-se difícil pensar na construção e efetivação de uma política inclusiva.
Portanto, carece destaque os questionamentos expressos em Omote (1999), que apesar
de terem sido feitos há quase duas décadas, se fazem extremamente pertinentes em nosso
contexto atual. O autor questionou que
Como incorporar na escola, de modo produtivo para todos, diferenças tão
expressivas como aquelas impostas pelas deficiências, se as nossas escolas
ainda não conseguem lidar eficientemente com as diversidades próprias de
52
uma nação que se caracteriza por profundas desigualdades e constituída por pessoas de origens etno-culturais tão diversificados? Como construir uma
escola genuinamente inclusiva numa sociedade que pratica extensivamente a
exclusão das mais variadas minorias? (OMOTE, 1999, p. 12).
O autor conclui que apesar desse cenário, na realidade é preciso construir uma escola de
qualidade, que seja capaz de respeitar e ensinar sobre as diferenças, e promover o ensino dos
diferentes com benefício para todos os alunos, sendo este espaço privilegiado no que tange o
início da construção dessa nova mentalidade. Entretanto, é fundamental uma ação mais
efetiva do Estado nesse âmbito, que dê condições aos profissionais da educação, às famílias e
às instituições escolares para que o processo de inclusão mais efetivo se concretize.
Diante do exposto, vale recapitular que a questão da deficiência passou por diversas
fases de acordo com o contexto histórico recorrente em cada período. O âmbito da medicina
teve importância primordial na mudança do tratamento despendido às pessoas com
deficiência, sendo essa a primeira ciência a atentar para o fato de que essas pessoas seriam
possíveis de serem escolarizadas. Com o avanço da ciência e com o fortalecimento dos
debates e movimentos em prol dos direitos das pessoas com deficiência, o surgimento do
modelo social de compreensão da deficiência tentou modificar o panorama existente de que as
razões pela ausência de desenvolvimento estariam centradas no indivíduo. Com o repasse da
responsabilização para a sociedade, novas práticas e direitos surgiram, com vistas a
disponibilizar para esses sujeitos, acesso e participação nos espaços sociais.
Toda essa conjuntura de mudanças repercutiu incisivamente no cenário educacional,
que passou a aceitar esse público em seu espaço e a ter que se adaptar para atender a todos, de
acordo com as limitações de seus alunos. Com o surgimento e a disseminação do paradigma
da educação inclusiva, o Brasil, apesar de estar passando por um período de redução do
Estado no âmbito dos direitos sociais, em acordo com os preceitos da orientação neoliberal,
firmou acordos com organismos internacionais com a promessa de que adequaria o sistema
educacional de modo a incluir os alunos com necessidades educacionais especiais e
disponibilizar meios para que esses tivessem as condições necessárias para seu
desenvolvimento no âmbito escolar. Porém, considerando as condições precárias das escolas
brasileiras, a baixa valorização dos profissionais da educação, o insuficiente repasse de verbas
para criação e aperfeiçoamento das políticas educacionais, entre outras questões, fazem com
que a política de educação inclusiva permaneça longe de ser uma realidade efetivada em
nosso contexto educacional. Portanto, para se compreender o atual panorama da educação
especial no Brasil, é necessário contextualizar a criação de instituições, públicas e privadas,
53
leis e políticas que abarcaram questões no que tange essa modalidade educacional, tema este
que será apresentado no item seguinte.
54
2 A EDUCAÇÃO ESPECIAL NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS
No Brasil, as primeiras iniciativas oficiais de escolarização para pessoas com
deficiência, centradas nas deficiências visual e auditiva, ocorreram no século XIX, ainda
durante o Império. Já nas primeiras décadas do século XX, o Estado brasileiro possibilitou
que iniciativa privada ofertasse escolarização para alunos com deficiência, havendo
expressiva expansão de instituições especializadas no atendimento a esse público. Porém, em
sintonia com os movimentos sociais e os encontros internacionais que ocorreram em diversos
países em prol da ampliação e efetivação dos direitos das pessoas com deficiência, o Estado
brasileiro ficou incumbido de reformular as práticas e políticas educacionais para se
adequarem ao atendimento das diferenças encontradas no cotidiano escolar. Diante desse
exposto, esse capítulo tem por objetivo realizar uma abordagem histórica, principalmente das
políticas voltadas para a educação especial enquanto modalidade a ser ofertada para alunos
com deficiência, demonstrando os avanços conceituais, na nomenclatura despendida a essas
pessoas, a evolução dos serviços disponibilizados nessa modalidade educacional e, na forma
como o Estado brasileiro vem, historicamente, implementando a educação especial no país.
2.1 O PROTAGONISMO DAS INSTITUIÇÕES FILANTRÓPICAS E O INÍCIO DA
CRIAÇÃO DE POLÍTICAS PARA EDUCAÇÃO ESPECIAL
No Brasil, a educação foi ofertada primeiramente às elites e, posteriormente às
nascentes camadas médias à medida que eram demandadas pessoas letradas para ocuparem
determinados cargos na burocracia estatal. Mesmo com a promulgação da Constituição de
1824, que previa oferta de instrução primária e gratuita a todos, em 1878, apenas 2% da
população era escolarizada (JANNUZZI, 2012). A preocupação com a difusão da leitura e a
escrita no período imperial fez com que muitos intelectuais defendessem a educação por ser
um caminho para alcançar melhoramentos na sociedade. Porém, esse período foi marcado por
contradições, pois ocorreram mudanças políticas sem alterar a estrutura econômica
tradicional, baseada na monocultura e na incorporação recente de trabalhadores livres, após
três séculos de escravidão. Apesar da proposta de alguns parlamentares de gratuidade e
obrigatoriedade do ensino, a oferta de escolas para as classes populares foi significativamente
precária (MACHADO, 2010).
Em relação ao atendimento educacional ofertado às pessoas com deficiência, Padilha
(2014) afirmou que no período imperial, indivíduos próximos ao imperador D. Pedro II
passaram a incorporar a luta pela educação desse público. Isto ocorreu porque o poder central
55
empenhava-se na expansão das escolas de primeiras letras, que seriam destinadas ao ensino
primário à população em geral, sendo este, um momento oportuno para que houvesse
reivindicação sobre a oferta de educação para pessoas com deficiência. Jannuzzi (2012)
argumentou que a educação desses sujeitos surgiu a partir do trabalho promovido por algumas
pessoas sensibilizadas com o problema que encontraram apoio governamental, mesmo sendo
precário, em um contexto em que a elite intelectual preocupava-se em elevar o patamar de
desenvolvimento do Brasil.
Nesse cenário, foi criada a primeira instituição nacional oficial voltada para jovens
cegos, denominada de Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em 1854. Atualmente chamado
de Instituto Benjamin Constant - IBC, foi fundado por D. Pedro II e teve grande participação
de José Álvares de Azevedo, deficiente visual que havia estudado no Instituto dos Jovens
Cegos em Paris, e tinha como objetivo, difundir o sistema braille16
no Brasil (MAZZOTTA,
2001).
O Instituto Brasileiro destinava-se ao ensino primário e a algumas áreas do secundário,
sendo disponibilizado também ensino de educação moral e religiosa, música, ofícios fabris e
trabalhos manuais e funcionava em regime de internato. Os alunos considerados aptos podiam
após algum tempo, trabalhar como professores da instituição, sendo possível perceber uma
preocupação em garantir a eles um posto de trabalho, ainda que dentro dos limites
institucionais (JANNUZZI, 2012).
Já em 1857, foi criado o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, também por uma lei
sancionada por D. Pedro II, caracterizando-se como um estabelecimento educacional voltado
para uma educação com base na literatura e com oferta de ensino profissionalizante para
meninos com deficiência auditiva, com idades entre 7 e 14 anos. Atualmente, é denominado
como Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES. A instalação dos dois institutos
inaugurou um cenário no Brasil de discussão sobre a educação de pessoas com deficiência,
culminando no 1º Congresso de Instrução Pública, que aconteceu em 1883. Neste, um dos
temas propostos para discussão foi o currículo e formação de professores para cegos e surdos.
Ainda no período imperial, foi criado em 1874, o Hospital Estadual de Salvador, atualmente
denominado Hospital Juliano Moreira, onde se prestava assistência a pessoas com deficiência
intelectual, com viés pedagógico ou médico-pedagógico (MAZZOTTA, 2001). Apesar das
iniciativas do poder imperial, percebe-se que essas instituições mantinham a segregação dos
16 O sistema Braille é um processo de escrita e leitura baseado em 64 símbolos em relevo, resultantes da
combinação de até seis pontos dispostos em duas colunas de três pontos cada. Pode-se fazer a representação
tanto de letras, como algarismos e sinais de pontuação. Ele é utilizado por pessoas cegas ou com baixa visão, e a
leitura é feita da esquerda para a direita, ao toque de uma ou duas mãos ao mesmo tempo (COSTA, 2009).
56
alunos com deficiência pelo fato destes não frequentarem o sistema educacional comum,
corroborando o processo de exclusão fortemente já expresso ao longo da história.
Mesmo com a criação dessas instituições de atendimento especializado, ficou evidente
que o processo de medicalização da deficiência que já vinha ocorrendo na Europa desde o
século XVIII, ganhou expressão no Brasil. Isto porque os hospitais continuavam a receber um
expressivo quantitativo de pessoas com deficiência, especialmente, mental, considerados
como doentes, sem perspectiva de aprendizagem. O fim do período imperial não foi capaz de
modificar o cenário de exclusão no âmbito educacional, pois o passado, ainda bastante
recente, de utilização de mão-de-obra escrava, não tornou a escolarização de grande parte da
sociedade um problema para o Estado brasileiro. Esse processo permaneceu no início do
período republicano que, apesar de propor ampliação dos direitos, tais como o de voto,
continuou a perpetuação da exclusão e marginalização de determinados setores da sociedade
(PADILHA, 2014).
No início do século XX, os médicos passaram a reconhecer a importância da pedagogia
no momento em que perceberam que os tratamentos exclusivamente terapêuticos ofertados
para pessoas com deficiência, que apresentavam casos mais graves, não estavam obtendo
resultados satisfatórios. Com isso, os profissionais da medicina fundaram instituições
escolares ligadas aos hospitais psiquiátricos, denominados pavilhões. Nesses locais, era
mantida a segregação pela categorização de anormalidade, separando-os em anormais
intelectuais, morais e pedagógicos. Além disso, eram ensinados hábitos de higiene, de
alimentação, de vestimenta etc, considerados como necessários ao convívio social (JANUZZI,
2012).
Os profissionais da medicina buscavam conhecer os diferentes tipos de deficiência e
atuar diretamente como professores, diretores e teóricos pedagógicos. A partir desse
momento, surgem no Brasil, movimentos favoráveis à higienização nos estabelecimentos
educacionais e organizações sociais, surgindo as classes especiais, programas de formação de
professores para esse tipo de alunado e a criação de mecanismos de avaliação da
anormalidade, medida com base em testes, diagnósticos e classificações, como o teste do
Quociente de Inteligência - QI, ressaltado no capítulo anterior (PADILHA, 2014). No
contexto em que eram demandadas ações para a modernização do país, de acordo com o
cientificismo e o avanço capitalista, as ciências naturais ganharam notório espaço,
principalmente, através da popularização das teorias da evolução da biologia (KASSAR,
1999).
57
No início do século XX, Basílio de Magalhães, intelectual e político que difundiu a
perspectiva cientificista, disseminava a concepção de que a anormalidade da inteligência
podia ser compreendida como uma enfermidade que poderia ser hereditária ou consequência
de ações advindas de vícios, vagabundagem e perversão sexual. Assim, os indivíduos que
sofriam desse “mal”, passariam a ser classificados como “anormais completos”,
encaminhados aos hospitais, ou “anormais incompletos” que poderiam frequentar as classes
escolares separadas dos demais (JANNUZZI, 2012).
A separação dos alunos em classes especializadas era difundida por médicos, psicólogos
e pedagogos, e, de acordo com Januzzi (2012), a defesa da educação dos anormais visava
economia dos cofres públicos ao evitar a criação e manutenção de manicômios, asilos e
penitenciárias. Isso acarretaria na preparação da sociedade para a vida moderna, no qual os
alunos considerados normais também seriam beneficiados, pois se acreditava que o
desenvolvimento de métodos e processos utilizados com os anormais iria agilizar a educação
dos demais. Com isso, é possível perceber que o discurso e a prática da época preocupava-se
com a ordem e com a necessidade de tornar os anormais em sujeitos produtivos e autônomos.
Nos anos de 1920, educadores e especialistas, defendendo a ideia de que a educação era
um instrumento indispensável ao desenvolvimento nacional, propuseram modelos
pedagógicos visando à construção de um novo tipo de escola. Surge então no Brasil, a defesa
do escolanovismo. Dentre os principais legados desse movimento, estava a necessidade de
uma educação pública, obrigatória, gratuita e laica além da proposta de currículos escolares
mais funcionais, visando compreender o aluno como indivíduo ativo no processo de
aprendizagem (PADILHA, 2014). Nesse mesmo contexto, surge o “entusiasmo” 17
e o
“otimismo pedagógico” 18
, com o lema de “mais educação para todos”, no qual a educação
passou a ser considerada importante na reformulação do homem e da sociedade (JANNUZZI,
2012).
A valorização do processo educacional foi influenciada pela defesa da construção de um
projeto de nação e pelas transformações econômicas das primeiras décadas do século XX,
com a incipiente industrialização e a incorporação de trabalhadores livres. Influenciados pelo
movimento da Escola Nova, algumas instituições brasileiras realizaram seus trabalhos com
ênfase nas diferenças individuais, sendo possível perceber a existência de dois movimentos
17 O movimento do entusiasmo pela educação caracterizou-se pela crença de que por meio da multiplicação das
instituições escolares e da disseminação da educação escolar, seria possível incorporar grande parcela da
população no progresso nacional e o Brasil no caminho das grandes nações mundiais (NAGLE, 1976). 18 O movimento do otimismo pedagógico fundamentou-se na crença de que “determinadas formulações
doutrinárias sobre a escolarização indicam o caminho para a verdadeira formação do novo homem brasileiro”
(NAGLE, 1976, p. 100).
58
que se opõem: por um lado a continuação da separação e a perpetuação da diferença; e do
outro, a escola especial como alternativa que viabilizou na época, uma participação mais
efetiva das pessoas com deficiência na vida cotidiana (JANUZZI, 2012).
A partir de 1930, grande parte da sociedade civil passou a se organizar em associações
de pessoas preocupadas com o problema da deficiência e a esfera governamental continuou a
criar escolas junto aos hospitais e instituições filantrópicas especializadas. Nesse período,
muitos educadores envolvidos com a educação das pessoas com deficiência empregaram a
expressão “ensino emendativo” do latim emendare, que significava corrigir falta, tirar defeito.
Essa modalidade de ensino destinava-se às pessoas que apresentavam anormalidades mental,
visual, auditiva, anormalidade na conduta, ofertada para menores delinquentes, perversos e
viciados e para os anormais de inteligência, não conceituados (JANNUZZI, 2012).
Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930, o Estado passou a intervir mais
efetivamente no âmbito educacional, a partir da criação do Ministério da Educação e Saúde
Pública. Em 1934, uma nova Constituição foi promulgada, na qual a educação foi considerada
como um direito de todos, devendo ser obrigatória, no âmbito do ensino primário, e oferecida
de forma gratuita, porém, sem menção à oferta de escolarização às pessoas com deficiência.
Jannuzzi (2012) argumentou que, durante o governo de Getúlio Vargas, a questão do
ensino emendativo se fazia presente como modalidade de escolarização das pessoas com
deficiência. Entretanto, apresentava ambiguidades em seu processo, pois ora eram focalizados
como especialidade médica, moral ou filantrópica através do auxílio caridoso, ora pelo viés
educativo. Nesse período, a educação da pessoa com deficiência estava articulada às
mudanças na sociedade brasileira, pois o crescimento da industrialização demandava a
necessidade de ler, escrever e contar para ocupar novos empregos na indústria ou para morar
nas cidades.
A ênfase no ensino emendativo também pôde ser observada durante os governos de
Juscelino Kubitschek (1956-1961) e João Goulart (1961-1964). O primeiro propôs um
programa de ensino emendativo, por meio da ampliação de ação no campo e estímulo às
iniciativas no mesmo sentido pelos governos federal, estadual, municipal e entidades
privadas, evidenciando também a oferta de oportunidades de trabalho para pessoas com
deficiência. Já no segundo governo, o objetivo foi reorganizar a rede nacional de ensino
emendativo de nível primário e médio. Previu, ainda, destinar recursos para escolas
especializadas com intuito de que estas funcionassem em conjunto com escolas regulares,
ampliando a oferta de escolarização aos alunos da educação especial. Apesar das promessas
59
de Goulart, Jannuzzi (2012), afirmou não ter encontrado nos documentos pesquisados para
construção do seu trabalho, menção a essas ações efetivadas no âmbito da Educação Especial.
Em função da ausência de iniciativas no âmbito do Estado em relação à oferta de
escolarização para o público-alvo da educação especial, as instituições privadas passaram a
ofertar serviços para suprir esta lacuna, havendo expressiva expansão de órgãos
especializados no atendimento a esse público. Kassar (2000) afirmou o predomínio da visão
liberal na organização da estrutura dos serviços de educação especial, fazendo com que
houvesse grande influência do setor privado nas decisões acerca das políticas de atendimento.
Consequentemente, ficava ao cargo da administração privada grande parte dos atendimentos
especializados. As instituições especializadas ofereciam serviços às pessoas com deficiências
mais graves enquanto o setor público vinculava-se aos serviços ligados à rede regular de
ensino. Porém, apesar da separação, era possível perceber que tanto nas instituições públicas
ou privadas, havia a evidente necessidade de separação dos alunos “normais” e “anormais”
com o objetivo de organizar classes escolares homogêneas.
A educação dos cegos e surdos tinha como principal referência as instituições criadas
ainda no Império, de certa forma privilegiadas, pois dispunham de verbas do Governo
Federal. Porém, outras modalidades de atendimento, como para as pessoas com deficiência
intelectual, foram surgindo, destacando-se maior incremento no atendimento na área dos
“excepcionais”. Jannuzzi (2012) afirmou que, nessa época, havia uma preocupação com a
constituição de classes homogêneas centrada nos métodos de ensino baseada no enfoque
psicológico. Por isso, era crescente o número de instituições que se desenvolveram, como
Pestalozzi, criada em 1934 e Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE, em
1954.
As instituições anteriormente citadas tiveram importante papel na constituição da
educação especial no Brasil, sendo algumas vezes confundida inclusive com o próprio sistema
público. Porém, a proliferação desses estabelecimentos ocorreu exatamente pela omissão do
Estado na garantia dos direitos das pessoas com deficiência pelo viés público, fazendo com
que as famílias buscassem suporte em instituições de caráter filantrópico-assistencial. Com
isso, foi possível constatar que, no Brasil, a educação especial foi organizada mediante a
oferta de serviços pelas instituições privadas e subsidiadas com recursos públicos
(FERREIRA & NUNES, 199719
; KASSAR, 200120
apud PLETSCH, 2010, p. 71).
19FERREIRA, J. R. A. & NUNES, L. R. de O. A Educação Especial na nova LDB. In: ALVES, N. &
VILLARDI, R. (orgs). Múltiplas leituras na LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei
9394/96). Editora Qualitymark/Dunya, Rio de Janeiro, 1997.
60
Padilha (2014) argumentou que no Brasil, somente nos anos 1950, o atendimento
educacional para pessoas com deficiência passou a ser incorporado pelo Estado. Esse fato
aconteceu por meio da criação de uma série de campanhas que foram realizadas, de acordo
com as diretrizes do INEP, na época denominado de Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos. Este era responsável pela formulação e implementação da maioria das políticas
educacionais no período.
A primeira foi a Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro - CESB criada em
1957, com o objetivo de promover as condições necessárias para a educação e a assistência às
pessoas que possuíam deficiência auditiva. Em 1958, foi criada a Campanha Nacional de
Educação e Reabilitação de Deficientes da Visão, alterada em 1960 para Campanha Nacional
de Educação dos Cegos - CNEC (PADILHA, 2014).
Na década de 1960, cresceu a atuação do setor privado no atendimento às pessoas com
deficiência, tanto nas instituições de caráter filantrópico, quanto privadas. Nessas instituições
também, a educação continuou bastante influenciada pela psicologia e pelos aspectos
intelectivos, sendo os testes de inteligência utilizados como meio de organizar as classes
homogêneas, facilitadoras do ensino e aprendizagem, como se pregava na época. A vertente
psicopedagógica preocupava-se em estabelecer escolas de aperfeiçoamento e laboratórios de
psicologia experimental, sendo os principais organismos que atuaram em alguns estados em
relação à pessoa com deficiência por meio da instituição de reformas. Estas previam a criação
de escolas ou classes especiais para os estudantes com deficiência, que poderiam funcionar e
ser criadas também como mecanismos para facilitar o rendimento das camadas mais
favorecidas que frequentavam as classes comuns. Com isso, visava-se o afastamento dos que
tinham dificuldades de aprendizagem, no qual, essas reformas acabavam por não favorecer a
escolarização dos alunos com deficiência, e sim a educação formal dentro dos parâmetros de
excelência aceitos. Por um lado, perpetuavam-se as diferenças estabelecidas entre normais e
anormais, e por outro, muitas dessas instituições e classes especializadas conseguiram
desenvolver nas pessoas com deficiência, habilidades que nem sempre a escola regular dava
conta (JANUZZI, 2012).
Somente em 1961, com a primeira Lei de Diretrizes e Bases – LDB (Lei nº. 4.024/61)
apareceram os princípios da organização da educação nacional. Nessa lei, surgiu pela primeira
vez a preocupação com a chamada “educação de excepcionais”, sem a delimitação de quem
seriam esses. Em seu Título X, nos artigos 88 e 89, esta deveria, dentro das possibilidades,
20KASSAR, M. de C. M. Reforma de Estado e Educação Especial: preliminares para uma análise. In: Revista
Educação PUC-Campinas, nº 11, Campinas/SP, p. 24-34, 2001.
61
ocorrer no ensino regular (BRASIL, 1961). Porém, essa mesma normativa assegurava a
participação privada na educação dessas pessoas, assim como apoio financeiro estatal,
fazendo com que o Estado continuasse não assumindo por completo a escolarização das
pessoas com deficiência. Isto resultou no aumento e continuidade do surgimento de
instituições filantrópicas e assistenciais (PLETSCH, 2010).
Kassar (1998) afirmou que a mesma lei acima citada é ambígua, pois, ao mesmo tempo
em que discorreu sobre a integração de pessoas com deficiência no ensino regular, repassou
essa responsabilidade às instituições privadas via garantia de apoio financeiro. Sendo assim,
naquele momento, a educação especializada não iria ser assumida diretamente pelo Estado
através da oferta de escolarização do público-alvo nas escolas públicas, mas sim, em
instituições especializadas de caráter assistencial.
Jannuzzi (2012) também destacou a ambiguidade na LDB/61 ao citar que, apesar da
obrigatoriedade expressa no artigo 27, deixou aberto para uma possível isenção no artigo 30,
ao afirmar que seriam desobrigados em casos de doença ou anomalia grave na criança, assim
como quando comprovado estado de pobreza do pai ou responsável. Ao considerar na
realidade brasileira, as condições de saúde e pobreza da maioria das pessoas com deficiência,
poderiam ser utilizadas como justificativa para exclusão dessas pessoas do sistema escolar.
No ano de 1971, durante a vigência da ditadura militar, foi sancionada a Lei nº 5.692,
fixando as novas Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus. Essa lei trouxe uma
modificação em relação aos alunos “excepcionais”, que deixam de ser mencionados dessa
forma e passam a ser delimitados no artigo 9º como “alunos que apresentem deficiências
físicas ou mentais, os que se encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de
matrícula e os superdotados”. Estes deveriam receber tratamento especial, segundo as normas
estabelecidas pelos conselhos de educação, não havendo maior detalhamento da oferta de
escolaridade para esse público (BRASIL, 1971, s.p.).
A década de 1970 também foi marcada pela criação do Centro Nacional de Educação
Especial - CENESP, através do Decreto nº 72.425, de 3 de julho de 1973 (BRASIL, 1973).
Este teve o objetivo de definir metas governamentais específicas para as pessoas com
deficiência. Tratou-se, pela primeira vez, de uma ação mais efetiva do Estado no âmbito da
educação especial. A partir da criação do CENESP, foram iniciadas ações mais sistematizadas
que visavam, “expansão e melhoria do atendimento aos excepcionais” (BRASIL, 1973, s.p.)
em todo território nacional. Apesar dessa importante iniciativa, a oferta de vagas era
insuficiente e o atendimento seguia funcionando como um serviço paralelo à educação
62
regular, permanecendo os alunos com deficiência segregados e em sua maioria, em
instituições privadas (PLETSCH, 2010).
O mesmo órgão acima citado atuou com o objetivo de ofertar oportunidades de
educação, propondo e implementando estratégias doutrinárias e políticas que passariam a
orientar a educação especial
no período pré-escolar, nos ensinos de 1º e 2º graus, superior e supletivo,
para os deficientes da visão, audição, mentais, físicos, educandos com problemas de conduta para os que possuam deficiências múltiplas e os
superdotados, visando sua participação progressiva na comunidade
(BRASIL, 1973, s.p.)
O CENESP era vinculado ao MEC, com autonomia administrativa e financeira e visava
priorizar a integração ao sistema regular dos alunos “excepcionais”. Buscava otimizar os
recursos disponíveis, assim como os conhecimentos das pesquisas médicas, biológicas e
psicológicas para prevenção e também para educação (JANUZZI, 2012).
Em 1977, ainda durante o regime militar, foi formulado o I Plano Nacional de
Educação Especial. Este tinha como objetivo principal a expansão e a melhoria qualitativa da
oferta de serviços através da promoção de assistência técnica e financeira às instituições
privadas. Esse plano alegava que essa modalidade de educação se distinguia da regular
somente nos métodos e técnicas de ensino. Portanto, caberia ao CENESP implementar ações
que iriam construir, ampliar, adaptar ou recuperar as instalações físicas, assim como, teria que
haver um acompanhamento do alunado, elaboração de materiais didáticos e equipamentos
escolares. Com isso é possível perceber um fortalecimento da iniciativa privada em
detrimento da inclusão dos alunos com deficiência no sistema educacional regular
(JANNUZZI, 2012; PADILHA, 2014).
A partir de 1979, o CENESP continuou expandindo quantitativamente esse apoio entre
as instituições que prestavam serviços educacionais nessa área. Nesse mesmo ano, este órgão
prestou assistência a 279 instituições privadas, favorecendo o atendimento às categorias que
exigiam assistência especializada, projetos de construção e propostas curriculares. Em
parceria com algumas universidades, elaborou uma série de propostas curriculares específicas,
através da adaptação de conteúdos disciplinares e métodos de acordo com as deficiências
atendidas (JANNUZZI, 2012).
Ainda na década de 1970, o Estado brasileiro passou a sofrer maiores pressões por
movimentos sociais que buscavam o desenvolvimento de um novo modelo de atuação, no que
tange à oferta de serviços escolares às pessoas com deficiência. Nesse contexto, com base na
63
Declaração dos Direitos Humanos, aprovada em 1948, teve início no Brasil, paralelo aos
movimentos mundiais explicitados no capítulo anterior, o movimento pela normalização e
pela integração. Estes propunham processos de adequação da pessoa com deficiência à “vida
normal”, visando à possibilidade de que essas pessoas pudessem conviver dentro dos padrões
e normas estabelecidos pela sociedade. Em 1979, foi criada a Coalizão Pró-Federação
Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, reunindo representantes dessas entidades em
várias localidades do Brasil. Seu objetivo era o de traçar metas nacionais de lutas e
reivindicações, marcando o início da organização da sociedade civil nessa esfera (PADILHA,
2014).
A partir da promulgação do Ano Internacional das Pessoas Deficientes - AIPD foi
lançado no Brasil, o Relatório Geral desenvolvido pela Comissão Nacional do Ano
Internacional das Pessoas Deficientes. Este continha um breve histórico das normativas
voltadas para esse público; fundamentos gerais; dados quantitativos e um Plano de Ação a
Curto, Médio e Longo Prazo. No âmbito educacional, algumas das metas foram:
Estabelecer modelos para serviços de atendimento educacional; Estimular a
formação de técnicos especializados a nível de 3° Grau; Estimular, nos
Estados e Municípios, a criação de serviços de atendimento educacional que objetivem a integração e a normalização” (BRASIL, 1981, p. 14).
O termo “pessoas deficientes” é criticado por Harlos (2012, p. 45), pois demonstra “que
a deficiência é parte constitutiva da identidade das pessoas e não apenas um detalhe”. O autor
ainda destacou que é perceptível que, no imaginário social do brasileiro, a palavra deficiência
está predominantemente vinculada às ideias de limitação, falta e defeito, sendo possível
depreender que o uso das expressões “deficientes” ou “pessoas deficientes” para referir-se a
um coletivo de pessoas em questão, não seria adequado.
O CENESP, que vinha perdendo autonomia administrativa e financeira, em 1986 foi
transformado em Secretaria de Educação Especial - SESPE, no contexto da chamada
„redemocratização‟ brasileira. Jannuzzi (2012) ressaltou que, antes dessa transição, um comitê
nacional foi constituído em 1985 apresentando uma proposta da criação de um órgão que
atuaria em prol de traçar uma política de ação conjunta para o aprimoramento da educação
especial. Esse órgão visaria à integração das pessoas com deficiência, com problemas de
conduta e as superdotadas, na sociedade. Com isso, em 1986, vinculado à estrutura
governamental, foi criada a Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência - CORDE. Percebe-se uma mudança na nomenclatura, ao mencionar “pessoa
64
portadora de deficiência”, em detrimento de “excepcionais” e “pessoas deficientes”, termos
anteriormente utilizados em normativas legais para designar esse público.
Sassaki (2003) afirmou que alguns indivíduos articulados às organizações de pessoas
com deficiência passaram a contestar o termo “pessoa deficiente”, pois entendiam esse termo
como se a pessoa fosse “inteira” deficiente. A nova terminologia significaria que “portar uma
deficiência” passaria a ser um valor agregado à pessoa, sendo um detalhe. Foi adotado nas
Constituições federal e estaduais e em todas as leis e políticas para pessoas com deficiência,
assim como os conselhos, coordenadorias e associações que incluíram a terminologia em seus
nomes oficiais.
Nesse período, o país passava por um processo de „redemocratização‟, após o fim da
ditadura militar, sendo importante a participação das próprias pessoas com deficiência no
conselho consultivo da coordenadoria, crescendo oficialmente a possível força de participação
dessas pessoas em nível de direção governamental (JANNUZZI, 2012).
Na área social, o país enfrentava sérios problemas estruturais, com elevados níveis de
desigualdade, fome e miséria. Assim sendo, os direitos sociais foram ignorados e os serviços
públicos tinham péssima qualidade. As políticas eram mal formuladas e possuíam um caráter
assistencialista e clientelista. Uma perspectiva de melhora do quadro da época foi a
promulgação da Constituição Federal em 1988, que, de acordo com Padilha (2014),
aproximava-se de teses progressistas ao trazer princípios democráticos e consagrar direitos
referentes ao trabalho, previdência social, lazer, segurança, educação, entre outros.
2.2 POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL PÓS
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Durante o processo de elaboração da Constituição Federal – CF de 1988, a população
que vivia tolhida de seus direitos passou a buscar uma participação mais efetiva na sociedade
e nas decisões políticas, após a vigência de 21 anos da ditadura militar. Nesse cenário, as
organizações de pessoas com deficiência também almejavam participar desse processo, no
intuito de intervirem para que houvesse uma mudança no histórico paradigma de
assistencialismo no quesito dos direitos humanos que era ofertado a esse público. Essas
organizações ressaltavam a questão da autonomia e do protagonismo da pessoa com
deficiência. No âmbito educacional, as conquistas foram a ampliação da educação obrigatória,
pública e gratuita; delimitação dos princípios do aluno público-alvo da educação especial no
ensino regular; asseguração de suporte complementar e suplementar no processo ensino-
65
aprendizagem a esse público; implantação do regime de colaboração e a instituição da
descentralização (SOUZA, 2013).
Em seu artigo 205, a CF de 1988 afirmou a educação como direito de todos e dever do
Estado e da família, devendo o ensino ser ofertado em igualdade de condições de acesso e
permanência na escola. Mais especificamente sobre a educação para as pessoas com
deficiência, a CF determinou, em seu artigo 208, no inciso III, que é dever do Estado a
garantia de “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1988, s.p.). Nesse sentido, a palavra
“preferencialmente” é compreendida como sinônimo do que fosse possível, sem a noção de
obrigatoriedade, possibilitando que as pessoas com deficiência continuassem sendo
matriculadas nas escolas ou salas especiais. Prevalecia a oferta do atendimento de cunho
clínico terapêutico, em que ficou mantida a concepção de integração no âmbito educacional
(GIMENES et al., 2008).
Na CF, foram delimitados os componentes da educação regular, que ficaram divididos
em educação básica, considerando as etapas de educação infantil, ensino fundamental e
ensino médio, e, em educação superior. A partir de então, a educação regular passou a ser
ofertada a todas as pessoas e o AEE, enquanto modalidade educacional perpassaria todos os
níveis escolares, desde a educação infantil até o ensino superior (BRASIL, 1988).
A CF de 1988 também inovou ao propor a descentralização como forma de
reorganização da gestão das políticas sociais, em que só seriam democráticos os entes de
espaços descentralizados, reconhecendo os estados e municípios também como entes
federativos autônomos, assumindo funções de gestão de políticas públicas. A CF de 1988 deu
início, portanto, a um processo de descentralização das políticas sociais, criando, no plano
teórico, o federalismo cooperativo, em que funções eram compartilhadas entre diferentes
esferas de governo. As competências comuns entre as três esferas, seriam nas áreas de saúde,
assistência, educação, habitação e saneamento, fazendo com que a descentralização assumisse
significados e conteúdos distintos que variavam no que diz respeito à distribuição de
responsabilidades, transferência e controle sobre os recursos (SOUZA; FARIA, 2004).
No âmbito educacional, a CF de 1988, em seu artigo 22, inciso XXIV, estabeleceu que
as diretrizes e bases da educação nacional seriam atribuições legislativas privativas da União.
No artigo 24, inciso IX, regulamentou que caberia à União, aos estados e ao Distrito Federal
legislar sobre educação, cultura, ensino e desporto, não estendendo aos municípios a
autonomia de legislar no âmbito educacional. Porém, em seu artigo 211, ficou estabelecido
que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de
66
colaboração seus sistemas de ensino” (BRASIL, 1988, s.p). Portanto, pode ser compreendido
que este item é contraditório em relação aos artigos anteriormente citados, que não traziam de
forma explícita a competência dos municípios para legislar em matéria de educação
(SAVIANI, 1999).
Acerca do “regime de colaboração” alguns autores problematizaram a existência desse
regime, por meio da transferência do poder decisório. Isto é questionável quando se considera
ações conjuntas que efetivem, por exemplo, divisão de responsabilidades na oferta do ensino
fundamental e no planejamento educacional que preze pela qualidade do ensino. Porém, o que
ocorreu de fato foi somente o repasse de problemas e encargos para os âmbitos estadual e
municipal. Na repartição das competências, defende-se que todos os entes da federação
deveriam colaborar para a execução das tarefas determinadas. Contudo, como apontou
Martins (2013, p.12), “não existe no sistema federal brasileiro um regime jurídico expresso de
instituição das tarefas comunitárias”. A falta desse regime regulamentado por lei gerou
inúmeros problemas, como a dispersão de iniciativas, gerando tensão entre o poder central e
os entes federados (MARTINS, 2013).
No ano de 1989 foi promulgada a lei nº 7.853, que estabeleceu normas gerais que
visavam assegurar o “pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras
de deficiências, e sua efetiva integração social” (BRASIL, 1989). No âmbito educacional,
essa política fixou as seguintes diretrizes: inserção nos sistemas de ensino das escolas
especiais, públicas ou privadas; a oferta obrigatória e gratuita da educação especial em
instituições públicas; a matrícula compulsória das pessoas com deficiência que fossem
capazes de se integrarem no ensino regular, estabelecendo como crime quando esse direito
fosse negado, entre outros dispositivos (BRASIL, 1989).
A mesma lei acima citada, assim como a CF de 1988, manteve a concepção da
integração escolar, no qual os indivíduos deveriam se adaptar ao sistema educacional,
imputando responsabilidade aos alunos público-alvo da educação especial e evidenciando a
incapacidade do governo na oferta de uma educação efetivamente inclusiva.
Entretanto, simultaneamente à promulgação da CF de 1988, o Brasil passou a ser
bastante influenciado pelas orientações de um projeto neoliberal, no qual as iniciativas se
voltaram para o mercado, por meio do incentivo às privatizações, às terceirizações e a criação
do chamado “terceiro setor” 21
. De maneira geral, isto acabou por refletir na redução de
21 Peroni e Adrião (2005) observaram que há uma imprecisão na literatura acerca do termo, fazendo com que a
definição tenha que ser dada por exclusão. Sendo assim, as autoras consideram o terceiro setor como esferas da
sociedade que não se encontram no mercado ou no Estado.
67
direitos sociais anteriormente conquistados como, saúde, educação, entre outros. Isto
contribuiu para que o Estado se desresponsabilizasse em termos de políticas sociais, havendo
um sucateamento dos serviços públicos e maior precarização do acesso. Para o Estado, ficava
a responsabilidade de prover minimamente as necessidades básicas e a complementação
ficaria disponível via mercado no qual os sujeitos foram impulsionados a saciar suas
necessidades por vias individuais (IAMAMOTO, 2007).
Uma das consequências da retração do Estado foi extinção da SESPE em 1990, sendo
os seus trabalhos incorporados pela Secretaria Nacional de Educação Básica - SENEB. Esta
passou a ser responsável pela coordenação e promoção da operacionalização das diretrizes
básicas que direcionavam o atendimento dos alunos com necessidades educativas especiais
(PADILHA, 2014).
Apesar dessa “regressão”, no ano de 1990 também foi promulgado o Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA, visto como um importante instrumento jurídico acerca dos
direitos da pessoa com deficiência. Este reforçou o que já havia sido afirmado na CF de 1988
sobre a oferta de “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência”
(BRASIL, 1990, s.p.) preferencialmente no ensino regular. Padilha (2014) afirmou que essa
legislação foi ao encontro aos pressupostos da Convenção das Nações Unidas a respeito do
Direito da Criança e do Adolescente, consagrando o direito à liberdade, saúde, respeito,
dignidade, educação, entre outros, no qual o ECA (1990) passou a ser importante na
construção da inclusão.
Com o impeachment de Collor, em 1992, o novo governo de Itamar Franco reinseriu na
estrutura organizacional do MEC a Secretaria de Educação Especial, a partir de então com a
sigla SEESP. Porém, pautados ainda em uma perspectiva de integração, reabilitação e
normalização, suas ações foram voltadas à manutenção de ações promovidas pelas gestões
antecessores. Isto ocorreu via promoção de programa de formação de profissionais para a
área, incentivo do trabalho das instituições privadas pelo repasse de recursos financeiros e
implantação de instituições especializadas (PADILHA, 2014).
Em 1993 foi lançado o Plano Decenal de Educação para Todos 1993-2003 (BRASIL,
1993a), que apontou a educação como prioridade da atuação do Estado, cedendo à pressão
dos organismos internacionais para que o país firmasse compromissos no âmbito educacional,
visando se ajustar ao que preconizava a Declaração Mundial Sobre a Educação para Todos.
Porém, mesmo delimitando o período de dez anos, o Plano acabou corroborando a abertura e
a interferência de organizações multilaterais alinhadas às teses neoliberais. Assim, baseado
em uma lógica descentralizadora, o Plano defendia a reorganização da administração pública
68
por meio do redesenho da atuação estatal, visando dinamismo, racionalização e otimização de
suas ações. Esse fato reafirmou a importância da construção de alianças e parcerias para o
financiamento e desenvolvimento do sistema educacional no Brasil (PADILHA, 2014).
No que tange a educação especial, o mesmo documento acima citado apenas reafirmou
a importância da oferta de atenção especial no item “C- Linhas de Ação Estratégica”, número
“7- Melhoria do acesso e da permanência escolar”. Neste, foram destacadas medidas que
visavam “à integração à escola de crianças e jovens portadores de deficiência e, quando
necessário, o apoio a iniciativas de atendimento educacional especializado;” (BRASIL, 1993a,
p. 48). Ainda sobre a mesma política, em seu artigo 3, item 5, foi ressaltado que é necessário
dispor de ações que garantam a igualdade de acesso à educação aos “portadores de todo e
qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo” (BRASIL, 1993a,
s.p.).
Constatou-se que a implementação do Plano foi mais em prol de atender condições
internacionais de financiamento do que para de fato, efetivar a universalização da educação
básica. Portanto, o plano entrou para o rol de ações estatais fracassadas, principalmente no
que tange a educação especial, ao não serem delineadas metas, objetivos ou fontes de
financiamento para tal modalidade (PADILHA, 2014).
Seguindo as mesmas diretrizes de manutenção da lógica de descentralização das ações
governamentais através do repasse de recursos federais para estados e municípios, foram
criadas nesse mesmo período, duas políticas importantes. No ano de 1993, através do decreto
nº 914, foi instituída a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência, já prevista na Lei nº 7.853/89. Em seu artigo 3º, considerou-se que as pessoas
portadoras de deficiência são aquelas que apresentam permanentemente, “perdas ou
anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem
incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o
ser humano” (BRASIL, 1993b, s.p.).
Segundo Padilha (2014), essa mesma política acima citada estava em consonância com
o princípio de integração, tendo um caráter generalista no âmbito educacional, ao afirmar que
as pessoas “portadoras de deficiência” deveriam acessar todos os serviços prestados pelo
Estado, inclusive a educação. Esse dispositivo também citava a parceria entre instituições
governamentais e não governamentais, deixando clara a transferência de serviços e
responsabilidades estatais para a iniciativa privada “visando garantir efetividade aos
programas de prevenção, de atendimento especializado e de integração social” (BRASIL,
1993b).
69
A segunda política criada no governo Itamar Franco foi formulada em 1994, sendo esta
a Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 1994), no qual o principal objetivo era o
de garantir atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência, de acordo com
o discurso oficial. Visava aumentar em 25% o quantitativo de alunos que seriam atendidos
pelo AEE. No item “alunado da educação especial” delimitou seu público como aquele que
por apresentar necessidades próprias e diferentes dos demais alunos no
domínio das aprendizagens curriculares correspondentes à sua idade, requer recursos pedagógicos e metodologias educacionais específicas.
Genericamente chamados de portadores de necessidades educativas
especiais, classificam-se em: portadores de deficiência (mental, visual, auditiva, física, múltipla), portadores de condutas típicas problemas de
conduta) e portadores de altas habilidades (superdotados) (BRASIL, 1994, p.
13).
Souza (2013) argumentou que durante a elaboração dessa política, alguns segmentos da
sociedade civil atuaram amplamente na discussão em prol dos direitos do público-alvo dessa
modalidade de ensino. A autora ainda destacou sobre a mesma normativa a característica da
transversalidade da educação especial, como já citado, que deveria perpassar por todos os
níveis e modalidades de educação, sendo seu caráter complementar ao ensino regular. Essa
política ainda mantinha explicitamente os preceitos previstos na vertente da integração ao
caracterizar a classe comum como um
ambiente dito regular de ensino/aprendizagem, nos quais também estão
matriculados, em processo de integração instrucional, os portadores de
necessidades especiais que possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo
que os alunos ditos normais (BRASIL, 1994, p. 19).
Também mereceu destaque o repasse de responsabilização para as instituições
especializadas na oferta de serviços educacionais para a educação especial, via parceria
público-privada. Corroborou, portanto, as mesmas diretrizes já sinalizadas na Política
Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência de 1993, sendo consonante
com as reformas educacionais que surgiram nesse período em nome de uma “Educação para
Todos”.
Concomitantemente ao lançamento da política de 1994, o governo relançou uma série
de documentos que foram elaborados pelo então extinto CENESP em 1984. Estes foram
intitulados de Subsídios para Organização e Funcionamento de Serviços de Educação
Especial, no qual visavam fornecer elementos aos sistemas de ensino no que tange à
organização e ao funcionamento dos serviços educacionais que eram oferecidos às pessoas
70
“portadoras de necessidades educativas especiais” (BRASIL, 1995). Na apresentação dos
documentos relançados, o termo anteriormente citado foi explicitado como sendo utilizado
pelo
Ministério da Educação e do Desporto - MEC para identificar as pessoas que
precisam receber educação diferenciada em virtude de sua condição de
portador de deficiência auditiva, visual, mental, múltipla, física
(anteriormente denominado deficiente), portador de altas habilidades (superdotado), e portador de condutas típicas (portador de problemas de
conduta) (BRASIL, 1995, p. 5).
Ao considerar necessário identificar as pessoas que necessitavam de educação
diferenciada, Padilha (2014) afirmou que esses documentos acima citados denunciavam a
prática estatal que era de fragmentação de ações educacionais, visando o atendimento parcial
das demandas reprimidas de grupos sociais marginalizados. Com isso, multiplicavam-se
instituições de educação especial voltadas ao atendimento de deficiências específicas,
enfraquecendo os movimentos pró-inclusão, citados no capítulo anterior, indo na contramão
da construção de um sistema educacional inclusivo de acordo com os preceitos estabelecidos
pela Declaração de Salamanca (PADILHA, 2014).
Desde o início dos anos 1990, a partir da construção de um consenso social acerca das
ideias neoliberais, disseminou-se um discurso hegemônico que criticava a ação direta do
Estado em vários setores da sociedade. Kassar (2001) afirmou que com esse cenário, houve
uma valorização da iniciativa privada, na qual sua parceria com os setores públicos foi
apresentada como indispensável para o desenvolvimento do país. Acerca dessa afirmativa, a
mesma autora citou um trecho das Diretrizes de atuação e ações prioritárias: Integração,
elaborado pela Secretaria de Educação Especial em 1994. Este documento propôs a integração
do “portador de deficiência” como uma tarefa difícil se pensada como processo independente
das articulações e parcerias com outros ministérios, com organizações não governamentais
especializadas, com a sociedade civil e com organismos internacionais (SECRETARIA,
199422
apud KASSAR, 2001, p. 32).
Os ajustes que vinham ocorrendo em relação aos gastos públicos, culminaram na
reforma do Estado que tinha por objetivo o redirecionamento e remodelagem de seu papel na
economia, tendo implicações no financiamento e na configuração das políticas sociais,
sobretudo, as de educação. As reformas ocorridas no início da década de 1990 foram na
contramão de muitos direitos conquistados na CF de 1988. A partir de então, vê-se uma nova
22 SECRETARIA de Educação Especial. Diretrizes de atuação e ações prioritárias. Integração. Ano 5, n. 11,
1994.
71
configuração na relação entre Estado e sociedade ao propor que o primeiro deveria abandonar
o papel de executor ou prestador direto de serviços, tornando-se regulador, provedor ou
promotor dos serviços sociais como a educação (KASSAR, 2001).
As reformas educacionais implantadas em diferentes países da América Latina nesse
período, juntamente com mudanças sociais, políticas e econômicas da época, trouxeram
transformações significativas na educação pública, produzindo importantes impactos nas
relações entre Estado e sociedade. No caso brasileiro, estavam baseadas em dois eixos que se
manifestaram nas políticas educacionais: a reorganização e a gestão do sistema educacional e
da unidade escolar. A reorganização foi impulsionada pela municipalização do ensino
fundamental, pela criação das diretrizes curriculares nacionais, pela separação do ensino
médio regular e profissional e pela criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e Valorização do Magistério - FUNDEF. Já no âmbito da gestão, houve
um acentuado aumento de responsabilidades da comunidade escolar, pela liberalização de
certas atribuições para a unidade escolar e para os pais e pelo novo perfil desejado para a
direção da escola (KRAWCZYK, 2011).
A descentralização administrativa, financeira e pedagógica, foi a grande marca dessas
reformas, resultando em significativo repasse de responsabilidades para o nível local, por
meio da transferência de ações. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, que
ocorreu entre os anos de 1994 e 2002, as reformas determinaram novas formas de
financiamento, gestão e avaliação da educação básica, assentada na descentralização,
flexibilidade e autonomia local. A partir de alterações na legislação educacional, tem-se uma
nova reconfiguração expressa pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN
(9.394/96) (OLIVEIRA, 2011), implementada após oito anos de discussões no âmbito do
legislativo.
Em seu artigo 2º, essa Lei considerou que a educação “tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho” (BRASIL, 1996, s.p.). Em seu artigo 9º, prevê que a União iria se encarregar
da elaboração do Plano Nacional de Educação, em colaboração com os estados, Distrito
Federal e municípios. Caberia a estes últimos “organizar, manter e desenvolver os órgãos e
instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-os às políticas e planos
educacionais da União e dos Estados” (BRASIL, 1996, s.p.).
Em relação à oferta de educação para as pessoas com deficiência, a LDBEN, em seu
artigo 58, estabeleceu que “entende-se por educação especial, para os efeitos dessa lei, a
modalidade de educação escolar, oferecida principalmente na rede regular de ensino, para
72
educandos portadores de necessidades especiais” (BRASIL, 1996, s.p.), reiterando a mesma
concepção de “preferencialmente” também encontrada na CF de 1988 e no ECA de 1990. A
normativa não delimitou quem são os “portadores de necessidades especiais”, não fazendo
menção a deficiências especificas. Saviani (2003) argumentou que apesar do caráter vago e
genérico da definição de educação especial anteriormente citada, essa modalidade educacional
ganhou um lugar mais destacado ao se configurar como um capítulo autônomo, se comparado
com a lei 5.672 de 1971, no qual o assunto foi abordado em somente um artigo que tratava
das disposições comuns ao ensino de primeiro e segundo graus.
A LDBEN (1996), em seu 2º parágrafo ainda no artigo 58, determinou que a oferta de
atendimento educacional, também poderia ser realizada em classes, escolas ou serviços
especializados no caso da integração do aluno na classe regular não ser possível, mantendo
também a concepção de integração já apresentada nas demais normativas. Segundo Pletsch
(2010), esse ponto não foi bem recebido pelos defensores da “educação inclusiva” pelo fato
da lei não apresentar garantia do direito de acesso dos alunos à escola e aos eventuais apoios.
A mesma autora ressaltou que apesar da LDBEN não apresentar dispositivos em relação à
estrutura e políticas que garantissem a inserção e permanência dos alunos público-alvo da
educação especial no ensino regular, determinou importantes mudanças em relação aos
dispositivos que tratavam da flexibilização das formas de organização curricular, do acesso e
da avaliação.
O governo FHC passou a vislumbrar a elaboração de políticas públicas que articulassem
ações das áreas de saúde, educação e trabalho. Como um resultado desse processo, ao final do
ano 1999, o Decreto nº 914 que instituiu a Política Nacional para a Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência de 1993 foi revogado pelo decreto nº 3.298, passando a
regulamentar a Lei 7.853. A nova política previa o enquadramento da pessoa “portadora de
deficiência” classificando em deficiência física, auditiva, visual, mental e múltipla, sendo esta
última, uma associação de duas ou mais deficiências (BRASIL, 1999).
Em relação à mesma política acima citada, Souza (2013) afirmou que, mesmo pautada
em um modelo médico de deficiência, abordado e explicitado no capítulo anterior, ao citar
questões sobre normalidade, esse decreto-lei instituiu o Conselho Nacional dos Direitos da
Pessoa Portadora de Deficiência - CONADE. O Conselho tinha por objetivo facilitar a
descentralização do poder e da administração pública a fim de estabelecer uma interface da
sociedade civil e do poder público. O CONADE deveria, ainda, acompanhar o planejamento e
avaliar as políticas setoriais de educação, saúde, assistência social, política urbana, entre
outras, nas quais eram todas voltadas para pessoa com deficiência. Seria responsável ainda
73
pela avaliação, sendo o conselho constituído por pessoas da sociedade civil e governo. De
acordo com Jannuzzi (2012), esse conselho pode ser considerado uma importante forma na
qual a sociedade civil pudesse participar nas decisões políticas do governo, mesmo com o
risco de cooptação pelo mesmo.
A grande modificação do documento que instituiu a nova Política Nacional para a
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência foi a inclusão de cinco novos capítulos no
que tange aos direitos da pessoa com deficiência. No item “Dos Aspectos Institucionais”,
foram definidas as competências do CONADE; em “Da Política de capacitação de
Profissionais Especializados”, ficou firmado o compromisso de assegurar formação adequada
para os profissionais que fossem trabalhar com pessoas com deficiência e o investimento em
pesquisa e desenvolvimento tecnológico. No item “Acessibilidade na Administração Pública”,
ficou previsto a eliminação das barreiras de acesso aos prédios e espaços públicos através da
adequação desses às normas de acessibilidade. No que se refere ao item “Do Sistema
Integrado de Informações”, foi definido que a CORDE passaria a ser responsável pelo
Sistema Nacional de Informações sobre Deficiência. Em relação ao último item, intitulado
“Da Equiparação de Oportunidades”, ficaram estabelecidas as bases da prestação de serviços
da administração pública federal às pessoas com deficiência, sendo estas, a reabilitação
integral, a formação e qualificação para o trabalho; a escolarização no sistema educacional
nas instituições especializadas ou no ensino regular e a orientação e promoção individual,
familiar e social (BRASIL, 1999).
Acerca das ações na área da saúde, a mesma política acima citada passou a ter como
foco as seguintes recomendações (BRASIL, 1999, s.p.): o diagnóstico “para fins de concessão
de benefícios e serviços”; a prevenção compreendida como “ações e medidas orientadas a
evitar as causas das deficiências que possam ocasionar incapacidade e as destinadas a evitar
sua progressão ou derivação em outras incapacidades”; e a reabilitação, destinado a “permitir
que a pessoa com deficiência alcance o nível físico, mental ou social funcional ótimo [...]
podendo compreender medidas visando compensar a perda de uma função ou uma limitação
funcional e facilitar ajustes ou reajustes sociais”. Já no âmbito do trabalho, a Política (1999)
citou a habilitação e reabilitação profissional como um processo que visa possibilitar que a
pessoa com deficiência: “a partir da identificação de suas potencialidades laborativas, adquira
o nível suficiente de desenvolvimento profissional para ingresso e reingresso no mercado de
trabalho” (BRASIL, 1999, s.p.) e participe da vida comunitária.
No âmbito educacional, a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência (1999) previu a “matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos
74
públicos e particulares de pessoas portadoras de deficiência capazes de se integrar na rede
regular de ensino”; transversalidade da educação especial; oferta obrigatória e gratuita da
educação especial, entre outros dispositivos (BRASIL, 1999, s.p.).
Apesar da mesma política acima citada estabelecer a matrícula compulsória das pessoas
com deficiência nas escolas regulares, ela mantinha sua concepção baseada nos princípios da
“normalização” e “integração” com a pretensão de possibilitar condições de vida mais
normalizantes às pessoas com deficiência. No que se refere à escolarização, assim como as
legislações anteriormente já citadas, visou-se à preparação prévia dos alunos com deficiência
para que pudesse haver inserção desse público no ensino regular. Entretanto, manteve-se a
separação entre os que possuíam condições de adaptação e acompanhamento dos demais
alunos (PLETSCH, 2010).
2.3 INCORPORAÇÃO DO CONCEITO DE INCLUSÃO NA DISCUSSÃO DAS
POLÍTICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS
No ano de 2001, foram lançadas as Diretrizes Nacionais para Educação Especial na
Educação Básica, pela Resolução nº 2/2001 da Câmara de Educação Básica do Conselho
Nacional de Educação. Esta política se articulou às orientações das organizações multilaterais
de financiamento, que defendiam o paradigma da educação inclusiva, de acordo com os
preceitos estabelecidos pela Declaração de Salamanca (1994). Esse documento, no plano
discursivo, marcou um avanço em relação ao que vinha sendo elaborado para a educação
especial, ao instituir pela primeira vez o termo “educação inclusiva” para pautar as ações
governamentais realizadas a partir de então, mesmo que as políticas públicas continuassem
sendo elaboradas e implementadas sobre a perspectiva da integração.
A inclusão foi entendida no documento como
garantia, a todos, do acesso contínuo ao espaço comum da vida em
sociedade, sociedade essa que deve estar orientada por relações de
acolhimento à diversidade humana, de aceitação das diferenças individuais de esforço coletivo na equiparação de oportunidades de desenvolvimento,
com qualidade, em todas as dimensões da vida (BRASIL, 2001a, p. 20).
Porém, é importante destacar que as Diretrizes delimitaram a educação especial como
uma modalidade educacional, entendida como um
processo educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure
recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente
para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e
75
promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e
modalidades da educação básica (BRASIL, 2001a, p. 39).
Cabe destacar o termo “substituir os serviços educacionais comuns”. Nesse sentido,
apesar de instituir a “educação inclusiva”, mantém a concepção da integração escolar. Ao
incluir no texto legal o, trecho referente que, "em alguns casos, (...) a educação especial
poderia substituir os serviços educacionais comuns" faz menção aos alunos que não
conseguirem se adaptar ao ensino regular. Nessa perspectiva, a educação especial passou a ser
a única modalidade ofertada, reafirmando a responsabilização do aluno pela incapacidade e
pelo não acompanhamento dos demais na classe comum.
Nas mesmas diretrizes (2001a) acima citadas também foi oficializado o termo
“necessidades educacionais especiais” e passou a regulamentar o modo de organização e a
função da educação especial nos sistemas de ensino que englobavam a educação básica. Além
disso, determinou os locais de atendimento e as propostas de flexibilização e adaptação
curricular (PLETSCH, 2010). De acordo com Garcia (2006), a inserção do conceito de
necessidades educacionais especiais no texto legal pode ser entendida como uma tentativa de
superação do modelo de compreensão e das práticas relacionadas à educação especial
pautados no modelo médico-psicológico. Portanto, essa conceituação teria por objetivo a
retirada do foco nos diagnósticos de deficiência, priorizando as necessidades de
aprendizagem. Isso ficou explícito nas Diretrizes que conceituou as necessidades educacionais
especiais como um conceito amplo e que
em vez de focalizar a deficiência da pessoa, enfatiza o ensino e a escola, bem
como as formas e condições de aprendizagem; em vez de procurar, no aluno,
a origem de um problema, define-se pelo tipo de resposta educativa e de recursos e apoios que a escola deve proporcionar-lhe para que obtenha
sucesso escolar; por fim, em vez de pressupor que o aluno deva ajustar-se a
padrões de “normalidade” para aprender, aponta para a escola o desafio de ajustar-se para atender à diversidade de seus alunos (BRASIL, 2001a, p. 33).
Esse conceito “inaugurou” a possibilidade de superação da prática pedagógica
tradicional por trabalhar em uma perspectiva da inclusão no âmbito da educação especial,
ampliando a sua ação (GARCIA, 2006). Essa afirmação teria por base o trecho das Diretrizes
que afirmou que essa modalidade educacional passaria a focalizar não somente as
dificuldades de aprendizagem vinculadas às condições dos alunos, seja por limitações e/ou
deficiência. Entretanto, deveriam ser aceitos como público-alvo da educação especial os
alunos que apresentassem “dificuldades cognitivas, psicomotoras e de comportamento”
(BRASIL, 2001a, p. 44), mesmo sem vínculo a uma causa orgânica específica. Com isso, a
76
educação especial continuaria atendendo aos grupos já citados em legislações anteriores, mas
deveria também
vincular suas ações cada vez mais à qualidade da relação pedagógica e não
apenas a um público-alvo delimitado, de modo que a atenção especial se faça
presente para todos os educandos que, em qualquer etapa ou modalidade de educação básica, dela necessitarem para seu sucesso escolar (BRASIL, 2001,
p. 45-46).
Porém, Bueno (2008) indicou que ao definir a educação especial como uma modalidade
que visa “garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos
educandos que apresentam necessidades educacionais especiais” (BRASIL, 2001a, p. 39),
possibilitou que políticas de inclusão ficassem restritas à ação da educação especial. De
acordo com essa normativa, até poderia estar considerando o termo “necessidades
educacionais especiais” como sinônimo de deficiência, mas não foi o caso. O mesmo autor
completou que a política, ao citar as necessidades educativas especiais como sendo ligadas ou
não a uma deficiência orgânica específica, criou uma proposição ambígua e imprecisa. Isto
contribuiu para a manutenção de uma situação de indefinição em se tratando da “instauração
de políticas educacionais que se contrapunham àqueles que têm historicamente privilegiado o
caráter seletivo e excludente da educação escolar brasileira” (BUENO, 2008, p. 53).
Apesar de ter sua elaboração prevista na LDBEN desde 1996, somente em 2001, o
Plano Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 2001b) foi instituído pela Lei Federal n.
10.172/01. Este estabeleceu explicitamente que estados e municípios teriam que elaborar
planos estaduais e municipais de educação, em cumprimento dos compromissos
internacionais firmados pelo governo brasileiro na Conferência Mundial de Educação para
Todos. Portanto, o PNE deveria propor as metas e diretrizes a serem cumpridas em um prazo
de dez anos, tendo início em 2001 e vigorando até 2010. De acordo com Pletsch (2010), um
dos pontos mais polêmicos do mesmo plano referiu-se ao orçamento da educação. Nesse
quesito, o Estado diminuiu consideravelmente o seu papel e distribuiu inúmeras atribuições
aos estados e municípios, seguindo a tendência de descentralização do sistema, que buscava a
otimização dos recursos acerca do orçamento, dos recursos humanos e físicos.
A descentralização apresentada na CF de 1988, que era uma das reivindicações dos
movimentos sociais pós-ditadura, foi incorporada à gestão das políticas públicas e sociais com
uma nova roupagem, favorecendo a fragmentação e ampliando o número de atores políticos,
na qual governadores e prefeitos adquiriram maior expressividade política. Porém, havia uma
tensão entre interesses nacionais e subnacionais, pois a descentralização, não era
77
uniformizadora, não garantindo que todos os estados e municípios desfrutassem do mesmo
poder.
Nessa lógica, outra crítica descrita por Pletsch refere-se à condição de distribuição dos
recursos entre os municípios, de acordo com o quantitativo de alunos matriculados, além de
não haver a previsão de maiores investimentos em outras áreas. Isso culminou no
comprometimento da qualidade, principalmente nos municípios mais pobres e com pouca
disponibilização de projetos e/ou programas complementares para que os recursos fossem
ampliados (PLETSCH, 2010).
Em relação à educação especial, esta ganhou uma seção exclusiva no PNE/01, que
afirmou a plena integração das pessoas com deficiência em todas as áreas da sociedade, como
sendo a principal diretriz da modalidade, respaldando o direito à educação de todas as pessoas
e, sempre que possível, junto com as demais nas escolas regulares (BRASIL, 2001b).
Percebeu-se nesse trecho, que o PNE/01 permaneceu com ideias ainda conservadoras em
relação à integração dessas pessoas no âmbito escolar. Não estava, portanto, em consonância
com os preceitos estabelecidos e descritos da Declaração de Salamanca, que eram pautados
em uma oferta de educação pelo viés inclusivo. Nesta, foi sugerido que todo aparato escolar
deveria se adequar às necessidades demandadas pelos alunos, não sendo esta, uma diretriz da
integração (MENDES, 2006).
Padilha (2014) argumentou que mesmo mantendo a perspectiva de integração, a
execução do PNE/01 provocaria mudanças no cenário da educação especial, pois era
perceptível maior atuação estatal do que na Política Nacional de Educação Especial de 1994.
No mesmo PNE/01, foram traçados 28 objetivos e metas referentes ao investimento nessa
modalidade educacional, no qual algumas ações seriam de responsabilidade dos municípios e
outras seriam realizadas mediante a colaboração da União. Porém, isso nem sempre foi
suficiente para que essa modalidade de ensino conseguisse atender, satisfatoriamente, seu
público-alvo.
De acordo com o mesmo PNE, a educação especial seria destinada “às pessoas com
necessidades especiais no campo da aprendizagem, originadas quer de deficiência física,
sensorial, mental ou múltipla, quer de características como altas habilidades, superdotação ou
talentos” (BRASIL, 2001b, s.p.). Apesar da utilização do termo “necessidades especiais” é
possível compreender que há uma diferenciação no que se refere ao público-alvo, se
comparada com as Diretrizes de 2001. Esta ampliou a oferta da educação especial às pessoas
que possuem necessidades especiais, não necessariamente, estando vinculadas a deficiências e
altas habilidades/superdotação.
78
Entre alguns dos objetivos e metas do PNE no que se refere à educação especial, estão:
a generalização em cinco anos da formação de professores para o atendimento educacional às
pessoas com deficiência; o incremento das classes especiais e salas de recursos; a
generalização do atendimento na educação infantil e ensino fundamental; a implantação do
ensino de Libras, entre outros (BRASIL, 2001b). Porém, esses compromissos, segundo
Padilha (2014), não foram efetivamente cumpridos pelo governo de Fernando Henrique
Cardoso. De acordo com Dourado (2011), o PNE caracterizou-se como um plano formal,
sobretudo pela inexistência de mecanismos efetivos de financiamento, pois o presidente FHC
vetou a obrigação de aumentar os gastos públicos com educação de 5 a 7% do PIB.
Ao final do governo FHC, o Brasil vivia em processo fragmentado de gestão, com uma
abundância de programas sociais e educativos que atendiam a públicos focalizados, com
políticas temporárias que se afirmavam mais como política de governo do que de Estado
(OLIVEIRA, 2011). É possível depreender que seu governo em relação à educação especial
era pautado no fortalecimento do conceito de integração como sendo a diretriz basilar para a
formulação de políticas públicas (PADILHA, 2014).
Os primeiros anos do governo Lula foram marcados por mais permanências do que
rupturas com o governo anterior, com poucas mudanças em seu primeiro mandato no que se
refere às políticas educacionais. O grande impasse para modificação desse cenário foi a
escassez de recursos e a estratégia de focalização dos gastos. Porém, apesar das dificuldades
econômicas, o MEC atuou em vários níveis de ensino e modalidades educacionais, mantendo
algumas políticas desenvolvidas no governo FHC, como a manutenção dos sistemas de
avaliação na educação básica e no ensino superior.
Contudo, mesmo sem conseguir proporcionar uma ruptura com as políticas
implementadas pelo governo antecessor, o governo Lula avançou em relação à
democratização dos serviços educacionais, ao incorporar à agenda educacional as demandas
públicas dos indivíduos que historicamente foram excluídos (OLIVEIRA, 2011; PADILHA,
2014). Embora, durante o seu primeiro mandato, o governo Lula tenha mantido a política de
valorização e tentativa de universalização do ensino fundamental, também ocorreram alguns
avanços em relação ao combate ao analfabetismo, à expansão da educação superior, apesar de
favorecer simultaneamente as empresas de ensino superior e ao fortalecimento da educação de
jovens e adultos. Em relação às pessoas com deficiência, o mesmo governo passou a receber
as demandas impostas pelos movimentos sociais em prol dos deficientes, assim como as
expressas na agenda das diretrizes internacionais. Isto deu início a uma série de mudanças em
79
sua estrutura legislativa e na delineação das políticas sociais para esse público (SOUZA,
2013; PADILHA, 2014).
Em 2002, foi lançado em seu plano de governo o programa “Uma Escola do Tamanho
do Brasil”, apresentado ainda na campanha eleitoral de Lula. Esse documento expressava uma
concepção diferenciada de aprendizagem, aproximando-se de uma perspectiva inclusiva,
através do reconhecimento de que a escola deveria ofertar condições para que todos os alunos
pudessem aprender. Em relação à educação especial, o programa trouxe a concepção de que
era necessária a construção de uma escola acessível e adaptada; a promoção de “atendimento
em sala de aula regular, com acompanhamento de equipe especializada”; “capacitação
continuada dos professores que farão o acompanhamento desses alunos”, entre outros. Apesar
dessa perspectiva inicial de inclusão, o programa trouxe como sua última proposta, o
“atendimento em escolas especiais, para os alunos que não se beneficiem das modalidades
anteriores, com equipe de apoio e professores especializados”, reiterando aspectos da
integração, na qual as escolas especiais tornavam-se a opção para os alunos que não se
adaptassem ao ensino regular (UMA ESCOLA DO TAMANHO DO BRASIL, 2002, p. 21).
Em seu primeiro ano de mandato, o presidente Lula lançou o Programa Educação
Inclusiva: direito à diversidade, promovido pela SEESP. Este tinha como principais
diretrizes: a disseminação da política de educação inclusiva nos municípios do país e ofertar
apoio à formação de gestores e educadores, visando contribuir para a transformação dos
sistemas educacionais brasileiros em inclusivos. Nesse programa, foram constituídos
municípios-polos que, por meio da estratégia de criação de multiplicadores, organizavam
ações que visavam além da oferta de apoio a formação, mas também o envolvimento da
sociedade e da comunidade escolar na efetivação da educação inclusiva. Segundo Padilha
(2014), para efetivação dos objetivos do programa, foram organizados seminários nacionais e
cursos regionais com a oferta de debates acerca de um amplo conjunto de temáticas sobre
inclusão. Porém, o programa apresentou problemas em sua execução.
De acordo com Caiado e Laplane (2009) que pesquisaram a execução do mesmo
programa acima citado, mediante a análise do discurso das dirigentes de municípios-polo,
ficou evidente que o volume de tarefas era desproporcional ao recurso financeiro de que
dispunham para efetivação do trabalho. Além disso, a área de abrangência foi expandida,
porém sem haver alteração do formato do curso de formação, além da suspensão da
qualificação ao final do curso, sem a previsão de verbas para continuidade da formação.
No ano de 2004, ainda na gestão Lula da Silva, foi instituído o Programa de
Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de
80
Deficiência – PAED. Este tinha como objetivos descritos em seu artigo 1º, a universalização
do AEE aos “portadores de deficiência cuja situação não permita a integração em classes
comuns de ensino regular” e a garantia progressiva da “inserção dos educandos portadores de
deficiência nas classes comuns de ensino regular” (BRASIL, 2004a, s.p.). Os objetivos
descritos nesse artigo demonstraram que, apesar do incentivo à inserção dos educandos na
rede regular de ensino, permaneceu o AEE como alternativa de integração, assim como já
visto em diversas outras normativas anteriores.
Em seu artigo 2º, da mesma política acima citada, ficou explícito que a União repassaria
assistência financeira diretamente à unidade executora23
das instituições de ensino,
proporcional ao número de educandos com deficiência, atendidos por entidade privada sem
fins lucrativos, que prestavam serviços gratuitos no âmbito da educação especial. Ainda
previa, em seu artigo 3º, conceder a essas instituições, professores e profissionais da rede
pública, recurso para construções, reformas e ampliações e aquisição de equipamentos, assim
como material didático e transporte escolar aos estudantes matriculados nessas instituições
(BRASIL, 2004a). Esse programa explicitou com clareza, a permanência histórica do repasse
da responsabilização da educação especial às entidades privadas.
No mesmo ano de 2004, através do Decreto nº 5.159 (BRASIL, 2004b), foi criada a
Secretaria de Alfabetização, Educação Continuada e Diversidade – SECAD, que tinha como
atribuição, articular ações educacionais direcionadas à diversidade e à diferença. Como
resultado da fusão entre a Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo –SEEA,
e a Secretaria de Inclusão Educacional – SECRIE, a criação da nova secretaria fez parte de
uma série de reformas na estrutura administrativa do MEC. Seu foco foi a formulação de
políticas para a educação de jovens e adultos, educação indígena, educação no campo,
educação ambiental e educação em direitos humanos, articulando ações de combate à
discriminação sexual e racial (PADILHA, 2014).
Dois anos depois, em 2006, no Congresso Nacional, houve a tramitação do projeto do
Estatuto da Pessoa com Deficiência e foi realizada a I Conferência Nacional dos Direitos da
Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2006), que tinha como temática principal, a acessibilidade.
A partir de então, Padilha (2014) apontou que o Estado brasileiro legitimou
internacionalmente o lema “Nada sobre nós, sem nós” ao conceder às pessoas com
23 De acordo com o Manual de Orientação para Constituição de Unidade Executora, divulgado pelo Ministério
da Educação, atualizado em 2009, a unidade executora é “uma sociedade civil com personalidade jurídica de
direto privado, sem fins lucrativos, que pode ser instituída por iniciativa da escola, da comunidade ou de ambas.
[...] a ideia é a participação de todos na sua constituição e gestão pedagógica, administrativa e financeira”
(BRASIL, 2009a, p. 3).
81
deficiência, maior espaço na formulação e implementação das políticas voltadas a esse
público.
Ainda em 2006, aconteceu a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
no qual a Convenção e seu Protocolo Facultativo foram ratificados pelo Congresso Nacional
por meio do Decreto Legislativo nº 186 em 2008, obtendo assim, equivalência de emenda
constitucional. Posteriormente, no ano de 2009, foi promulgado pelo Decreto nº 6.949. Esta
contribuiu de forma significativa para a uma nova conceituação da deficiência, introduzindo a
dimensão sócio histórica em um conceito que antes era definido exclusivamente por padrões
médicos. Dessa maneira, o termo utilizado passou a ser “pessoa com deficiência”, frente à
tradução da referida Convenção para o vernáculo. Assim, os países signatários da Convenção
passaram a dispor do desafio de substituir a elaboração de políticas, programas e serviços
apartados pela universalização, demonstrando o respeito à diferença.
Assim sendo, de acordo com Padilha (2014), foi possível a confirmação da mudança do
paradigma médico-assistencialista da deficiência para o inclusivo, ao conceber que as pessoas
com deficiência eram detentoras de direitos, devendo sua participação em todas as esferas da
vida em sociedade, ser efetivada. A quarta edição do Protocolo Facultativo à Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, foi um documento lançado pela Secretaria de
Direitos Humanos e pela Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com
Deficiência e divulgada no ano de 2011. Esse trouxe expressamente a alteração do modelo
médico para o modelo social, configurando um grande avanço ao esclarecer que o fator
limitador era o meio em que a pessoa estava inserida e não a deficiência em si, de acordo com
os preceitos estabelecidos pela CIF. Ainda foi destacado que as deficiências não indicavam a
presença de uma doença, no qual a falta de acesso a bens e serviços deveria “ser solucionada
de forma coletiva e com políticas públicas estruturantes para a equiparação de oportunidades”
(BRASIL, 2011a).
Já no início do segundo mandato do governo Lula, em 2007, foi lançado o Plano de
Desenvolvimento da Educação – PDE, por meio do Executivo Federal. Essa normativa
buscava reforçar a articulação entre os diferentes níveis de ensino e modalidades
educacionais, estabelecendo 41 ações que deveriam ser implementadas pelo Governo Federal
e com metas a serem atingidas até 2022. Em entrevista à revista Inclusão, o então ministro da
educação Fernando Haddad, afirmou que em relação à educação especial, o PDE contemplou
o fortalecimento da inclusão educacional, ao reconhecer que as organizações e as práticas
pedagógicas ao longo da história, criaram uma cultura escolar excludente e que, portanto,
havia uma dívida social a ser resgatada (CIBEC/MEC, 2008). Com isso, o PDE buscou
82
responder esse anseio através de ações como o Programa de Formação Continuada de
Professores na Educação Especial; o Programa de Implantação de Salas de Recursos
Multifuncionais; o Programa de Acompanhamento e Monitoramento do Acesso e
Permanência na Escola das Pessoas com Deficiência Beneficiárias do Benefício de Prestação
Continuada da Assistência Social e o Programa Incluir: Acessibilidade na Educação Superior
(BRASIL, 2008b).
De acordo com Souza (2013), esse plano foi concebido por meio de um conjunto de
programas expressos por uma orientação de políticas descentralizadas, focalizadas em um
público-alvo específico, sendo suas ações implementadas em nível local. Ressaltava a parceria
entre a União, estados e municípios, com o intuito de fortalecer a educação básica, sendo
promulgada quase que simultaneamente ao Plano de Metas Compromisso Todos pela
Educação. Este último visava à mobilização social pela melhoria da qualidade da educação
básica, responsabilizando basicamente os governos locais, a comunidade e as famílias pela
efetivação de uma educação de qualidade. Reiterava, portanto, a participação da „nova
sociedade civil‟, no qual o empresariado passa a ser um dos seus principais pilares,
„contribuindo‟ para a melhoria da educação pública.
Por meio do Programa de Ações Articuladas – PAR, o MEC „propôs‟ aos municípios
adesão à política orientada pela elevação dos índices de desempenho dos alunos da educação
básica. Este seria calculado a partir do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica -
IDEB, utilizado para medir o desempenho do sistema educacional com base em parâmetros
internacionais. A partir da análise dos indicadores, o MEC poderia oferecer apoio técnico e
financeiro aos municípios com índices insuficientes de qualidade de ensino com a adesão
absoluta pelos municípios do Compromisso Todos pela Educação. Isto seria uma forma de
realizar e implementar uma política de Estado ao reunir programas de governo e atribuir
orientação, integração e estabilidade à organização da educação nacional (OLIVERA, 2011).
Nesse contexto, a SEESP lançou uma versão preliminar de uma política que previa o
fim do repasse de financiamento para instituições que ofereciam serviços educacionais
especializados em escolas e/ou classes especiais. Porém, recebido com críticas, a proposta
fracassou e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação - FUNDEB24
, sendo este, um fundo contábil que visava à
24O Fundeb é um fundo especial de natureza contábil e de âmbito estadual, sendo um fundo por estado e Distrito
Federal, somando um total de vinte e sete fundos. Estes são formados quase que exclusivamente por recursos
advindos dos impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios, e a título de complementação,
uma parcela de recursos federais, no caso do valor por aluno em cada estado não alcançar o mínimo definido
83
ampliação dos investimentos com vistas a universalizar a educação básica, permaneceu
distribuindo recursos para instituições que ofertavam exclusivamente serviços de educação
especial e tinham caráter comunitário, confessional ou filantrópico (PLETSCH, 2010).
No mês de janeiro de 2008, a SEESP apresentou a Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva - PNEEPEI. Esta apontou como diretrizes
para a construção dos sistemas educacionais inclusivos, a garantia do direito de todos à
educação, do acesso e das condições de permanência e a continuidade de estudos no ensino
regular, traçando objetivos de assegurar
o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação nas
escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas
às necessidades educacionais especiais (BRASIL, 2008a, s.p.).
No que se refere ao público-alvo, são considerados
pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras,
podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na
sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são
aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades
restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com
autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer
uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica,
liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu
interesse (BRASIL, 2008a, s.p.).
É importante destacar que os sujeitos que serão atendidos pela modalidade acima citada,
são claramente apresentados, sendo possível observar objetividade na descrição que define de
maneira precisa o público-alvo. Camizão (2016) apresentou, que por um lado, esse
reducionismo na definição é positivo, ao restringir a possibilidade de adicionar ao grupo
outros tipos de especificidades, como os alunos com dificuldades de aprendizagem. Por outro
lado, ficou evidente que as categorias foram organizadas segundo uma lógica médica, ao
destacar as patologias e barreiras a serem enfrentadas.
Em relação à primeira citação, o AEE pode ser considerado uma dessas respostas, de
acordo com a PNEEPEI. Mesmo que já citado em algumas normativas ainda em uma
perspectiva de integração, através dessa nova política, a orientação foi que o AEE deveria ser
nacionalmente. Sendo assim, independente da origem, todo o recurso gerado é redistribuído para aplicação
exclusiva na educação básica (FNDE, s.d.).
84
oferecido juntamente com o ensino regular para as pessoas com deficiência. Com isso, por ter
sua perspectiva pautada nas diretrizes da educação inclusiva, a mesma política acima citada
passou a integrar e articular a proposta pedagógica da escola regular juntamente com o
atendimento às necessidades educacionais especiais. Antes, normalmente, o espaço reservado
para oferta de atendimento especializado para os alunos com deficiência, ficava ao cargo de
instituições comandadas pela iniciativa privada, muitas vezes em função da omissão estatal. A
partir de 2008, o serviço passou a ser disponibilizado dentro das escolas, em um espaço físico
reservado exclusivamente para tal oferta, sendo este denominado de Salas de Recursos
Multifuncionais - SRMs. Segundo Padilha (2014, p.333), acerca das SRMs,
Com recursos, equipamentos, mobiliários, materiais didático-pedagógicos e
de acessibilidade, esse espaço dá ao professor e ao aluno as condições necessárias para a eliminação das inúmeras barreiras que impedem não só a
aprendizagem como a efetiva participação na vida em sociedade.
Ainda de acordo com a PNEEPEI (2008a, s.p.) elaborada pelo MEC,
o Atendimento Educacional Especializado tem como função identificar,
elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas
necessidades específicas.
Nesta concepção, as atividades desenvolvidas no A.E.E, são diferenciadas das
realizadas na sala de aula regular, porém não sendo substitutiva desta, no qual o atendimento
passou a ser um complemento à formação dos alunos. Esse atendimento deve ser ofertado em
contra turno, ou seja, em horário oposto ao período escolar, com atividades complementares,
às aulas regulares, não se constituindo como um reforço ao que é estudado na sala regular,
mas sim uma complementação.
Em sintonia com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2006, a
PNEEPEI de 2008 orientou que as redes de ensino deveriam ser transformadas em sistemas
educacionais inclusivos, sendo assegurados às pessoas com deficiência, em todos os níveis de
escolaridade. Ainda legitimou as lutas comandadas por setores que foram excluídos ao longo
da história do âmbito educacional comum, pois reafirmou que todos os alunos tinham o
direito de estarem juntos no processo de aprendizagem e participação, sem que haja qualquer
tipo de discriminação (PLETSCH, 2011; PADILHA, 2014).
A formação de professores também ganhou destaque na PNEEPEI, ao estabelecer que
os profissionais da educação especial deveriam ter como base, conhecimentos gerais e
específicos acerca das deficiências, fazendo com que fosse possível a sua atuação no AEE
85
ocorrer de forma aprofundada no quesito da interatividade e interdisciplinaridade. Já em
relação aos professores do ensino regular, a estes, deveria lhes ser oferecida, formação em
estratégias de ensino a fim de promover a inclusão (SOUZA, 2013). Acerca da proposta de
formação dos professores, este será problematizado de forma breve no próximo capítulo.
A mesma política acima citada instituiu a educação especial como uma modalidade de
ensino que perpassaria todos os níveis, etapas e modalidades. Portanto, possibilitou que o
AEE fosse disponibilizado juntamente com o ensino regular e pressupunha que era
dispensável a atuação de instituições especializadas, escolas e classes especiais em
substituição à escola comum, não havendo nesse documento, orientação de parceria e repasse
de recursos para instituições do âmbito privado.
Ainda em 2008, foi instituído o Decreto 6.571, revogado pelo Decreto nº 7.611, de
2011, que dispôs sobre o apoio técnico e financeiro aos sistemas de ensino dos estados,
distrito federal e dos municípios que ofertassem AEE aos alunos matriculados na rede pública
de ensino e que eram público-alvo da educação especial. Esse documento previu que a partir
do ano de 2010, seria admitido “para efeito da distribuição dos recursos do FUNDEB, o
cômputo das matriculas dos alunos da educação regular da rede pública que recebem
atendimento educacional especializado” sem que houvesse prejuízo na contagem dessas
matrículas na educação básica regular (BRASIL, 2008c).
A partir da delimitação do público-alvo da educação especial na PNEEPEI (2008), as
orientações para preenchimento do Censo Escolar no ano de 2009 e 2010, passaram a fazer
solicitação de diagnóstico clínico que comprovasse a deficiência intelectual dos alunos, pela
possibilidade desse tipo de deficiência não apresentar perda ou prejuízo motor ou por ser de
alguma forma, mais difícil de ser identificada. Bridi (2011) comentou que essa exigência
vinha causando um desconforto devido ao retorno de uma forte presença clínica nessa
modalidade de ensino. Além disso, acarretou na sensação de desautorização sentida pela
educação e pela educação especial em relação à tomada de decisão sobre importantes
dimensões acerca do processo de escolarização dos alunos.
No ano seguinte, foram instituídas as Diretrizes Operacionais da Educação Especial
para o Atendimento Educacional Especializado, a partir da Resolução nº 4 de 02 de outubro
de 2009. Esse documento assegurou a obrigatoriedade da matrícula do público-alvo da
educação especial, delimitados como alunos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, na escola regular, assim como o AEE,
reafirmando o seu caráter complementar e suplementar.
86
Essa mesma resolução acima citada instituiu as Diretrizes Operacionais para o
Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, que trouxe como novidade, a
redefinição do conceito de acessibilidade aplicado à educação. Este foi compreendido como
um conjunto de recursos que visava assegurar a promoção de utilização de materiais didáticos
e pedagógicos, dos espaços, mobiliários e equipamentos, assim como dos sistemas de
comunicação e informação. Determinou também, a elaboração e execução do plano de AEE
como atribuição
dos professores que atuam na sala de recursos multifuncionais ou centros de
AEE, em articulação com os demais professores do ensino regular, com a
participação das famílias e em interface com os demais serviços setoriais da
saúde, da assistência social, entre outros necessários ao atendimento (BRASIL, 2009b).
A CORDE em 2009 foi elevada ao status de Subsecretaria Nacional de Promoção dos
Direitos da Pessoa com Deficiência e em 2010, foi transformada em Secretaria Nacional de
Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (PADILHA, 2014).
Em 2010, foi realizada a Conferência Nacional de Educação - CONAE, com o objetivo
de iniciar as discussões acerca do novo Plano Nacional de Educação, que deveria planejar a
educação no país para os próximos dez anos, já que o prazo do primeiro havia acabado, sem
que tenham ocorrido grandes avanços. A CONAE teria que elaborar uma proposta do novo
PNE, que deveria ser submetida ao Congresso Nacional para ser avaliado e aprovado. No
entanto, antes da CONAE 2010, deveriam ocorrer conferências no âmbito municipal e
estadual, no ano de 2009 e encaminhar propostas para serem votadas na Conferência
Nacional. Em seu documento final, previu para a educação especial a garantia da
transversalidade dessa modalidade e implementação efetiva de uma política educacional para
operacionalização desse atendimento e para formação docente. Com isso, visou-se a
disseminação de uma política voltada à transformação dos sistemas educacionais em sistemas
inclusivos, que “contemplem a diversidade com vistas à igualdade, por meio de estrutura
física, recursos materiais e humanos e apoio à formação, com qualidade social, de gestores/as
e educadores/as nas escolas públicas” (BRASIL, 2010, p. 54).
Com a revogação do Decreto 6.571/08, pelo Decreto nº 7.611 (BRASIL, 2011b), há a
inclusão novamente das instituições privadas, sem fins lucrativos, especializadas e com
atuação exclusiva na educação especial no que tange ao apoio financeiro e técnico, gerando
polêmicas e manifestações em todo país. Com isso, o MEC emitiu uma Nota Técnica de nº
62/2011 (BRASIL, 2011c) afirmando que essa inclusão, não determinaria retrocesso, pois o
87
direito a um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, já estava assegurado, sendo
mantido pelo FUNDEB a dupla matrícula de estudantes público-alvo da educação especial na
educação regular (BRASIL, 2011c).
Ainda em 2011, há o abandono da exigência de uma comprovação para os alunos que
tinham até então, deficiência mental. A partir do Caderno de Instruções do Censo Escolar
(BRASIL, 2011d) desse mesmo ano, há uma mudança na nomenclatura desse tipo de
deficiência, passando a ser considerada deficiência intelectual. Os alunos que apresentavam
esse tipo de deficiência, mesmo que sem diagnóstico clínico, poderiam ser incluídos no Censo
Escolar mediante avaliação e parecer do professor que atuava no AEE. Sobre essa conquista,
Bridi (2011, p. 54) destacou que entende essa medida como uma possibilidade oferecida ao
âmbito educacional de
(re)apropriação de seus domínios, apesar de reconhecer que a identificação
desse aluno por parte dos educadores especializados não elimina os impasses
decorrentes da complexidade da tarefa e da necessidade de investimento em
formação de profissionais capazes de realizá-la.
No mesmo ano, no governo Dilma Roussef, houve uma reestruturação no MEC por
meio do Decreto de nº 7.480/2011 (BRASIL, 2011e), no qual a SECAD foi transformada em
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI.
Também foi extinta a SEESP e suas atribuições passaram para a Diretoria de Políticas de
Educação Especial vinculada a SECADI. Bezerra e Araújo (2014) criticaram a extinção dessa
secretaria e afirmaram que o repasse de suas atribuições para a SECADI expressou a
permanência da fragmentação no que se refere às questões educacionais. Nesse sentido, sob a
alegação da otimização da estrutura organizacional do MEC, a nova secretaria constituiu-se
como um emaranhado de temas devido à amplitude dos trabalhos e demandas a serem
atendidas.
A partir do Decreto 7.690 de 2012 (BRASIL, 2012), a nova secretaria passou a
subdividir-se nas diretorias de Políticas de Educação do Campo, Indígena, e para Relações
Étnico-Raciais; Políticas de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos; Políticas de
Educação em Direitos Humanos e Educação; Políticas de Educação Especial; e Políticas de
Educação para a Juventude, sendo possível presumir, uma dificuldade na efetivação de ações
exclusivamente no âmbito da educação especial.
Ao final do ano de 2011, foi lançado o Programa Federal Viver Sem Limites, voltado
para pessoas com deficiências, com o objetivo de desenvolver ações nos âmbitos da saúde,
educação, inclusão social e acessibilidade, visando à melhoria das condições de vida desse
88
público. O Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver sem Limites
(2013), ressaltou o compromisso do Brasil com as prerrogativas da Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência. Afirmou, ainda, que o país “tem avançado na
implementação dos apoios necessários ao pleno e efetivo exercício da capacidade legal por
todas as pessoas com deficiência, ao empenhar-se na equiparação de oportunidades”
(BRASIL, 2013, p. 7-8). Como metas para educação, previu o repasse de verbas para as
seguintes atividades: implantação e atualização de matéria para as Salas de Recursos
Multifuncionais; aquisição de veículos escolares acessíveis; investimento na educação
bilíngue, através da contratação de professores, tradutores e intérpretes de libras, assim como
a criação de cursos letras/libras, entre outras ações.
No ano de 2014, a partir das orientações da CONAE, já anteriormente citadas, foi
promulgada a Lei de nº 13.005 que aprovou o novo Plano Nacional de Educação 2014-2024.
Este, em sua meta 4, determinou
universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional
especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia
de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados
(BRASIL, 2014a, s.p.),
Considerando que na LDBEN (1996) o atendimento de educação especial era previsto
como tendo início na faixa etária de zero a seis anos, verificou-se que a oferta a partir dos
quatro anos foi um retrocesso ao eliminar a obrigatoriedade da oferta dessa modalidade na
etapa da educação infantil. Porém, de acordo com Garcia e Michels (2014), é preciso
considerar que historicamente, o público de zero a três anos com deficiência frequentava
centros e escolas especiais, de caráter privado-assistenciais, pois nesses espaços, reúnem-se
profissionais necessários para realização de atendimento na área da saúde.
Percebeu-se, ainda, no novo PNE, a retomada do termo “preferencialmente na rede
regular de ensino”, que mantém a concepção de integração, no qual os serviços especializados
estariam disponíveis em instituições especializadas para casos nos quais os alunos da
educação especial, não conseguirem se adequar ao ensino regular.
Desde o ano de 2003, o Governo Federal vem desenvolvendo o programa de
implantação de SRMs, direcionadas às redes públicas municipais e estaduais e às instituições
conveniadas privado-assistenciais que atuam exclusivamente no setor da educação especial.
Porém, ao estabelecer a oferta de serviços em classes, escolas ou serviços especializados,
89
públicos ou conveniados, essa meta, acabou por mais uma vez, reforçar a parceria público-
privado que permeou a trajetória da educação especial no Brasil.
Acerca desse fato, Garcia e Michels (2014) explicitaram que este item mantém acesa
uma tensão antiga e, ao mesmo tempo, remeteu para a atual relação público/privado na
educação nacional. Elas afirmaram que essas instituições no Brasil não se constituem somente
como uma possibilidade de atendimento, mas em muitas regiões do país, “figuram como a
principal fonte de oferta de atendimento educacional aos estudantes da modalidade educação
especial, ainda que não de caráter escolar” (GARCIA, MICHELS, 2014, p.403).
Percebeu-se que apesar do plano contemplar a ampliação do atendimento público ao
estimular a criação de SRMs, não está sendo garantido que a questão da privatização da
educação especial será questionada. Ao contrário, o item 4.18, citou a promoção de parcerias
com instituições privadas ou comunitárias, visando ampliar a oferta de formação continuada e
a promoção de material didático acessível. Isto teve por finalidade impulsionar o pleno
acesso, participação e aprendizagem dos estudantes da educação especial matriculados na
rede pública de ensino. Esse item demonstrou a permanência dos mecanismos de
financiamento, assegurado a essas instituições no item 4.1, que faz referência ao repasse de
recursos do FUNDEB.
Ainda acerca do PNE 2014-2024, a estratégia 4.4 assegurou a garantia de AEE “em
salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou
conveniados, nas formas complementar e suplementar” a todos os alunos público-alvo da
educação especial (BRASIL, 2014a, s.p.). É importante destacar que, em contraponto às
Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica, que contemplaram a
possibilidade da oferta de serviços especializados em alguns casos, substituir os serviços
educacionais comuns, o novo plano, apesar de alguns retrocessos, mantém a concepção do
atendimento educacional especializado ser ofertado de forma complementar ou suplementar
ao ensino regular.
No ano de 2015 foi instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
(Estatuto da Pessoa com Deficiência), ainda no governo Dilma Rousseff. Em seu artigo 1º
ficou ressaltado que a lei era “destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade,
o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à
sua inclusão social e cidadania” (BRASIL, 2015, s.p.). Com base na Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, a lei expressou que a
avaliação da deficiência, quando necessária, seria biopsicossocial, no qual esse modelo foi
90
descrito no capítulo anterior, sendo essa avaliação realizada por equipe multiprofissional e
interdisciplinar. A mesma lei considerou como pessoa com deficiência
aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras,
pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2015, s.p.).
Em relação ao direito à educação, estão presentes na lei quatro artigos, no qual um foi
vetado, que discorrem sobre a oferta de escolarização para o público com deficiência. Cabe
ressaltar que a educação foi constituída na lei como direito da pessoa com deficiência, sendo
assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e o aprendizado ao longo da
vida do educando, com vistas ao alcance do máximo desenvolvimento de seus talentos, assim
como as habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais.
Desde o ano 2000, o Estatuto da Pessoa com Deficiência estava em tramitação com o
argumento de que, considerando os diversos projetos de lei relativos à pessoa com deficiência,
a organização de um estatuto daria mais visibilidade ao reunir a legislação sobre essas pessoas
em um único documento, podendo ofertar maior defesa e proteção dos direitos desse
segmento populacional. Uma Comissão Geral foi formada para debater o projeto de lei no ano
de 2007, na qual argumentou que os decretos que regulamentavam as leis vigentes na época
para pessoas com deficiência não asseguravam direitos, podendo ser revogados a qualquer
momento. Com isso, o projeto em tramitação poderia ser aprimorado com objetivo de impedir
a perda dos direitos assegurados, no qual o Estatuto se configuraria como um instrumento de
acesso das pessoas com deficiência à cidadania, visto que os temas foram previamente
discutidos em encontros realizados em todo país (BONFIM, 2011). Porém, movimentos
contrários à aprovação do Estatuto foram se consolidando e as opiniões foram emitidas à
Comissão Geral em 2007. Os principais argumentos eram de que se temiam retrocessos em
relação aos direitos já conquistados, pois na época, considerando a legislação vigente, já era
possível compreender que defendiam eficazmente a pessoa com deficiência, sendo necessário
esforços para que as leis fossem efetivamente cumpridas. Ainda se argumentou que a reunião
de todo aparato legal em um único documento poderia engessar a legislação, prejudicando o
público-alvo do Estatuto. Mediante a busca da pessoa com deficiência pela igualdade de
oportunidades, um estatuto também poderia contribuir para maior segregação dessas pessoas,
colocando-as à parte da sociedade (BONFIM, 2011).
Com isso, teve início na internet o Manifesto Contra o Estatuto da Pessoa com
Deficiência, apoiado por diversas entidades que representavam essas pessoas. Sua principal
91
objeção foi que o projeto de lei para criação do estatuto foi concebido a partir de uma visão
assistencialista, paternalista e autoritária, ao considerar as pessoas com deficiência como
incapazes e sem direito de fazer as próprias escolhas. Isto representava a negação dos anos de
luta do movimento desses indivíduos (BONFIM, 2011). Mesmo diante dessa polêmica, o
projeto de lei foi aprovado e entrou em vigor no ano de 2015.
Mais recentemente, no dia 15 de abril do ano de 2016, o MEC implementou a Portaria
de nº 243, que visou definir os requisitos para o funcionamento das instituições públicas e
privadas comunitárias, confessionais, sem fins lucrativos, especializadas em educação
especial. Além disso, estabeleceu os critérios para supervisão e avaliação dos serviços
prestados. No artigo 2º, foram definidas as possibilidades de atuação dessas instituições na
prestação de serviços educacionais voltados para modalidade de educação especial. Alguns
desses itens fazem menção à oferta de atendimento educacional especializado aos alunos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, de
forma complementar as etapas de ensino definidas no projeto político pedagógico. Além
disso, propôs organizar e disponibilizar recursos e serviços pedagógicos e de acessibilidade;
colaborar com a rede pública de ensino na formação continuada de professores que atuam nas
classes comuns e nas SRMs; realizar estudo de caso, elaborar, executar e avaliar o plano de
AEE do aluno, contemplando a identificação de barreiras e meios para a sua eliminação, entre
outros (BRASIL, 2016).
Apesar de a legislação brasileira ser considerada avançada no que tange à oferta de
escolarização para pessoas com necessidades educacionais especiais, deve ser ressaltado que a
implementação de um sistema de educação inclusiva não se concretiza de forma simplificada.
É necessária, ainda, uma reorganização da estrutura, da metodologia, do funcionamento, dos
recursos pedagógicos utilizados, entre outras ações. A partir de revisão bibliográfica sobre o
tema, encontraram-se diversos apontamentos afirmando que a inclusão no âmbito educacional
ainda não pode ser considerada uma realidade nas instituições escolares brasileiras. Efetuando
um paralelo com o capítulo anterior, apesar da inegável tentativa de modificação do modelo
médico para o social, ainda é possível encontrar traços do primeiro presentes no cotidiano
escolar dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais.
Nesse sentido, percebem-se ainda hoje indícios do predomínio do modelo médico de
deficiência a partir da exigência que alguns municípios fazem de um laudo médico com a
descrição da deficiência, transtorno global do desenvolvimento ou altas
habilidades/superdotação, para efetivar a matrícula do aluno com necessidade educacional
especial no atendimento educacional especializado. Apesar de não haver normativa expedida
92
pelo MEC, em âmbito nacional, que classifique como obrigatória a apresentação do laudo no
ato da matrícula, o município de Campos dos Goytacazes/RJ ainda vem estabelecendo essa
solicitação, como será demonstrado no item seguinte.
93
3 EXPRESSÕES DO MODELO MÉDICO NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS
GOYTACAZES
O município de Campos dos Goytacazes está localizado na região Norte Fluminense no
estado do Rio de Janeiro, ocupando uma área territorial de 4.026,696 km², sendo
caracterizado por maior município do estado em extensão territorial, conforme sinalizado na
figura 1.
Figura 1: Localização do município de Campos dos Goytacazes no estado do Rio de
Janeiro.
Fonte: OLIVEIRA, J. C. P.; PEDLOWSKI, M. A. Estado e programas municipais de habitação popular em
sobre determinado fenômeno, a pesquisa documental parte de dados ainda inexplorados, que
não receberam tratamento analítico. Nesse sentido, considerou-se por análise documental,
nesta pesquisa, a apreciação de resoluções e portarias municipais da Secretaria Municipal de
Educação, Cultura e Esporte – SMECE, Leis e Diários Oficiais do município de Campos dos
Goytacazes/RJ, de 2004 a 2016.
Tais documentos foram acessados por meio eletrônico, via internet. Com objetivo de
coletar fontes acerca dos projetos desenvolvidos pela SMECE no que tange às primeiras ações
para educação especial, foram feitas visitas à sede da SMECE, assim como na Biblioteca
Municipal Nilo Peçanha, além de visita ao Arquivo Público Municipal. Porém, encontraram-
se diversas barreiras que impediram o acesso a tais documentos, uma vez que foi informado
que os projetos antigos, são descartados, por se tratarem de ações pontuais. Em conversa
informal com ex-funcionária da SMECE no mês de janeiro de 2017, a mesma informou que
essa informação é verídica e compreende a falta dessa documentação como fruto de ações
fragmentadas e descontinuadas da instituição, pois, na medida em que as gestões vão sendo
substituídas, desconsideram-se em grande parte, os trabalhos já realizados.
Coleta de dados
Com o objetivo de apreender os conhecimentos, concepções e práticas dos profissionais
que atuam/atuaram na modalidade de educação especial da rede municipal foi necessária a
criação de estratégias que possibilitassem conhecer suas vivências, assim como suas
observações sobre a realidade educacional do município. Para tal, optou-se pela técnica da
entrevista, sendo esta, um encontro entre duas pessoas com o objetivo de obter informações a
respeito de determinado assunto, diante de uma conversação de natureza profissional. A
entrevista é utilizada na investigação social, na fase da coleta de dados, a fim de ajudar no
diagnóstico ou no tratamento de um problema social (MARCONI; LAKATOS, 2003).
Acerca da modalidade de estruturação, a escolhida para o presente trabalho foi a
entrevista semiestruturada, pois permite que o pesquisador possa obter dados comparáveis
entre os sujeitos que discorrem sobre determinado tema, sem que o entrevistador necessite se
deter somente nas questões previamente estabelecidas, oportunizando a moldagem do
conteúdo no ato da recolha (BOGDAN; BIKLEN, 1994).
A escolha dos atores da presente pesquisa, aconteceu por meio do tipo de amostragem
não-probabilística (MARCONI, LAKATOS, 2003), através da técnica “bola de neve”. Nesse
caso, o entrevistador estabeleceu contato inicial com alguns sujeitos que foram identificados
104
como membros do grupo que se pretendia estudar, sendo estes, Fátima e Felipe, funcionários
da SMECE, e os mesmo indicaram os primeiros professores entrevistados, que sugeriram os
demais, sucessivamente. No total, foram contatadas 11 pessoas, sendo estes: dois funcionários
da SMECE (Fátima e Felipe), uma ex coordenadora do Departamento Multiprofissonal
(Zilma), seis professores que atuam na sala de recursos (Joana, Cláudia, Luzia, Dalva, Laura e
Marcos) e duas professoras de sala regular (Bianca e Maria).
Cabe ressaltar, que foi sinalizado no ato das entrevistas que as identidades seriam
preservadas, sendo adotados, nomes fictícios no presente trabalho para denominar os
participantes da pesquisa. A única exceção foi a senhora Zilma, indicada por uma funcionária
da SMECE e por uma professora da sala de recursos, que se configurou como figura
primordial para implantação da proposta de educação inclusiva no município, sendo
atualmente aposentada da rede municipal de educação. Para melhor visualização da
ocorrência das indicações foi montado um esquema apresentando a ordem das entrevistas.
Gráfico 3: Participantes do estudo
Fonte: Gráfico criado pela autora com base nos dados da pesquisa
O primeiro contato com o objetivo de coletar dados aconteceu com a funcionária Fátima
por telefone no mês de agosto de 2016, que estava disponibilizado no site da Prefeitura
105
Municipal de Campos dos Goytacazes, como sendo do Departamento Multiprofissional. Uma
das atribuições desse setor é a elaboração de estratégias e parcerias entre equipes
multiprofissionais, que visa garantir o acesso e a permanência dos alunos com necessidades
educacionais especiais no ensino regular e especial. Esse contato desencadeou em outros
posteriormente, como explicitado no gráfico 1.
Antes do início das entrevistas, foi solicitado verbalmente e consentido pelos
participantes, a gravação através de telefone celular das informações obtidas. Também foi
apresentado um termo livre e esclarecido26
com breve explicação da pesquisa, solicitando
autorização para que os dados coletados por meio das entrevistas pudessem ser utilizados com
finalidade de pesquisa. No mesmo documento, foi indicado que os dados seriam utilizados
mediante a preservação da confidencialidade, como já foi ressaltado anteriormente. O único
contato que não resultou em entrevista foi com o professor de sala de recursos Marcos. O
mesmo afirmou que estava com sobrecarga de trabalhos na época do contato e a autora
decidiu descartar o encontro com o professor. As entrevistas foram conduzidas pela autora
através de roteiros27
que nortearam as discussões. Em todos os momentos, também foi
utilizado um caderno de campo para que, principalmente, as informações visuais não fossem
perdidas.
As entrevistas foram realizadas em diferentes ambientes, como na sede da SMECE; em
SRMs de quatro escolas, sendo uma entrevista realizada ao mesmo tempo com duas
professoras de uma mesma instituição; na sala de aula regular de duas escolas e na residência
da senhora Zilma. É preciso ressaltar, que em duas instituições, a entrevista ocorreu sem que o
professor estivesse em atendimento com algum aluno que frequenta o AEE. Em todas as
outras ocasiões, os professores respondiam ao mesmo tempo em que ofertavam atividades aos
discentes. No caso das professoras de sala regular, o momento da entrevista aconteceu durante
o intervalo das aulas, e, por isso, as entrevistas tiveram menor duração.
Com o objetivo de obter esclarecimentos do Inep, sendo este órgão responsável pelos
dados divulgados no Censo Escolar, foi registrado no dia 06/02/2017 um pedido no site
http://www.acessoainformacao.gov.br/, com o número de protocolo 23480002982201771,
acerca dos documentos comprobatórios das matrículas dos alunos público-alvo da educação
especial atendidos no AEE. A solicitação foi respondida no dia 13/02/2016, sendo os dados
descritos posteriormente.
26 Apêndice A. 27 Apêndices B, C e D.
106
Análise dos dados
A etapa da análise dos dados de acordo com Bogdan e Biklen (1994) trata-se de um
processo de busca e organização sistemática da transcrição de entrevistas, notas de campo e
dos demais materiais que foram acumulados durante o processo de recolhimento de
informações, com o objetivo de aumentar a compreensão dos materiais.
Assim como descrito, após a coleta dos dados por meio das entrevistas, foi realizada a
transcrição das entrevistas de forma fidedigna, não sendo inclusive alterados vícios de
linguagem reproduzidos pelos sujeitos da pesquisa. Com as transcrições e anotações no
caderno de campo, foram criadas categorias a partir dos objetivos delimitados em momento
anterior e considerando as problemáticas surgidas no decorrer da recolha de dados, que não
estavam elencadas como objetivos específicos. Assim sendo, considerou-se que as categorias
constituem um meio de classificar os dados descritivos de forma que o material possa ser
fisicamente dividido (BOGDAN; BIKLEN, 1994).
Foi utilizada a técnica da análise de conteúdo, sendo esta, um conjunto de técnicas de
análise das comunicações em busca de indicadores que possibilitem a inferência de
conhecimentos sobre as condições de produção das mensagens, por meios de procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição (BARDIN, 1977).
Na fase da interpretação, buscou-se ir além do material produzido e com base nas
inferências foi possível discutir os resultados da pesquisa de forma mais ampla, procurando
atribuir um grau de significação maior aos conteúdos analisados, através da articulação da
superfície do texto descrito e problematizando com os fatores que determinam suas
características (BARDIN, 1977). Ao final, foram sintetizadas as questões da pesquisa, os
resultados obtidos a partir da análise do material coletado e as inferências realizadas,
juntamente com a perspectiva teórica adotada, sendo possível então, a redação do trabalho
final sobre o tema pesquisado.
3.3 PRIMEIRAS OFERTAS DE ESCOLARIZAÇÃO PARA ALUNOS PÚBLICO-ALVO
DA EDUCAÇÃO ESPECIAL EM CAMPOS DOS GOYTACAZES/RJ
Pela incipiente atuação do Estado brasileiro no que tange à escolarização para o
público-alvo da educação especial no Brasil, como já foi ressaltado, as instituições da
iniciativa privada no século XX tornaram-se responsáveis majoritariamente em ofertar os
serviços previstos para essa modalidade educacional, fazendo com que as famílias de pessoas
com deficiência recorressem, em sua maioria, a essas instituições na busca de atendimento
107
para os seus entes. Consonante com a realidade brasileira, no município de Campos dos
Goytacazes/RJ, as primeiras ações em prol da prestação de serviços educacionais para alunos
com deficiência, também foram originadas no âmbito privado. Durante a realização das
entrevistas semiestruturadas realizadas pela autora do presente trabalho, com profissionais que
atuam/atuaram na rede municipal de educação, uma instituição filantrópica ganhou destaque
nas falas, sendo esta, a Associação de Proteção e Orientação aos Excepcionais – APOE.
A APOE configura-se como uma organização não governamental e filantrópica,
fundada no ano de 1964 pela jornalista Diva Goulart, visando o atendimento de pessoas com
deficiência auditiva, intelectual e múltipla, desde que o aluno possua uma das primeiras
citadas. De acordo com a apresentação do programa Qualificando-se para Vencer Desafios
(2013), a APOE foi idealizada após sugestão da então secretária de educação especial do Rio
de Janeiro, Rosa Abi Ramia, que em uma visita ao município para ministrar um curso em sua
área de atuação, percebeu que era necessário um trabalho que complementasse a educação
formal que acontecia, de forma incipiente, nas classes especiais das escolas estaduais. Mesmo
com a oferta de escolarização voltada aos alunos com as deficiências citadas, a instituição
possuiu um perfil de atendimento que se caracterizou prioritariamente como do âmbito da
saúde (APOE, 2013).
A partir da indicação de uma funcionária da SMECE do município de Campos dos
Goytacazes/RJ e por uma professora de sala de recursos, como sendo a precursora das ações
previstas para educação especial na rede municipal de educação foi realizada uma entrevista
no dia 07/10/16 com a senhora Zilma Pacheco da Boa Morte, hoje já aposentada da rede
municipal de Campos. Questionada sobre o início da oferta de escolarização para alunos com
deficiência na rede municipal, Zilma contou que havia uma parceria entre a secretaria de
educação com as instituições filantrópicas: APAE; APOE; e Educandário de Cegos São José
Operário. Zilma afirmou que a prefeitura fornecia o professor para atuar com alunos com
deficiências nessas instituições, e de acordo com sua fala estes “não tinham contato com o
normal”. Através desse relato, pôde-se perceber que nesse período, os alunos com deficiência
ainda vivenciavam práticas escolares em uma perspectiva de segregação, ao não frequentarem
as escolas regulares com os demais alunos sem deficiência.
Em entrevista realizada no mês de setembro de 2016 com Fátima, funcionária da
SMECE, ela informou que sua carreira profissional foi iniciada na APOE. Fátima narrou que
teoricamente, a APOE ofertava escolarização aos alunos com deficiência, mas que de fato, a
efetivação acontecia de forma muito reduzida, por conta de os alunos serem considerados na
época como incapazes, inclusive pelo âmbito da medicina, no qual as atividades eram, em sua
108
maioria, oferecidas mediante aulas de artesanato. Questionada acerca das primeiras ações
municipais voltadas à educação especial, Fátima narrou que no ano de 1993 foi inaugurada a
primeira sala de recursos na Escola Municipal Presidente Castelo Branco. Segundo ela, o
estado do Rio de Janeiro ofertou um curso de estimulação precoce no ano de 1992 para
professores da rede estadual, sendo disponibilizadas algumas vagas para professores da rede
municipal que atuavam “emprestados” à instituição APOE, sendo este, o seu caso. Após a
finalização desse curso foi criado um projeto de implantação de uma sala de estimulação
precoce em uma escola de educação infantil, que atendia alunos de 0 a 3 anos e 11 meses.
Porém, o município não dispunha de alunos nessa faixa etária, pelo fato das creches nesse
período, serem de responsabilidade da área da assistência social. Com isso, apesar da sala ser
implantada na rede municipal, não houve prosseguimento na oferta do serviço pela falta de
clientela.
Em consonância com a mesma narrativa acima citada, Lopes (2008), indicou que consta
no documento de Prestação de Contas da Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes,
dos anos de 1993 a 1996, a criação do Centro de Educação Precoce, como a única ação
voltada para a educação especial nesse período. De acordo com o mesmo documento, o centro
era voltado para alunos de baixa renda com atraso de desenvolvimento, no qual o projeto
visaria dar suporte às deficiências dessas crianças, através da estimulação pela melhoria do
desempenho pessoal e social. Isto ocorreria por meio de atendimento pedagógico de 50
minutos, de forma segregada, com uma professora especializada. Havia também assistência
técnica no âmbito da saúde, sendo esta, estendida aos seus pais quando necessária (PMCG,
199628
apud LOPES, 2008, p.131).
Fátima também declarou que a implantação de maior quantitativo de salas de recursos
no município, ocorreu entre 1997 e 1998, no qual a inserção dos alunos com deficiência nas
escolas regulares enfrentou diversas adversidades. Segundo ela, era “perverso” retirar as
crianças com deficiência da instituição, pois era um local “onde você levava seu filho e tinha
tudo no mesmo espaço. [...] Com essa transição, os pais que estavam na instituição, a grande
maioria, não queria os filhos na escola, por medo”.
A entrevistada classificou essa transição como
uma violência [...] porque a instituição estava achando que o governo estava contra, vendo a escola como inimiga, como se estivessem roubando os
alunos. Medo por ficar sem verba e fechar a instituição. Os pais, contra
28 PMCG. Secretaria de Comunicação Social. Prestação de Contas 19993-1996. Campos dos Goytacazes, dez.,
1996.
109
também, a escola totalmente despreparada principalmente pra receber os alunos maiores, que não tinham escolaridade. A legislação federal da
educação regular, diz que se você não tem escolaridade, nunca estudou na
escola regular, pode ser amparado por uma prova que te valide a estar
naquele ambiente. Essa prova, eles não tinham condições de fazer, e aí eles não teriam como ser avaliados. Tivemos que colocar alunos de 17 anos na
turma de 6, gerando muitos conflitos porque esvaziaram as instituições e não
fortaleceram e nem criaram outros espaços pra esses (FÁTIMA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 29/09/2016)
A mesma entrevistada prosseguiu sua narrativa falando que as primeiras salas de
recursos foram improvisadas nos espaços inutilizados das escolas e os professores eram os
que não se adaptavam na sala regular. Nesse contexto, o atendimento foi fornecido para as
poucas crianças com deficiência que cursavam a rede regular, pois a maioria ainda
frequentava as instituições filantrópicas anteriormente citadas, e também para os alunos
indisciplinados e com dificuldades de aprendizagem, que não conseguiam acompanhar a
turma na sala regular. De acordo com pesquisa realizada no site do Inep acerca das matrículas
iniciais do município de Campos dos Goytacazes/RJ, os alunos que frequentavam as
primeiras salas de recursos não foram contabilizados no Censo Escolar, pois, o quantitativo
do ano de 1999, indicou que não havia alunos público-alvo da educação especial matriculados
na rede municipal de ensino, tendo maior expressividade no âmbito “particular”,
provavelmente, nas filantrópicas, com o quantitativo de 316 matrículas.
Conforme apontou a entrevistada Zilma, a educação inclusiva passou a ser implantada
em Campos no ano de 2003, após a sua participação em uma capacitação em Brasília para o
Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade. Segundo o Documento Orientador do
programa (BRASIL, 2005, p. 10), o objetivo geral foi “disseminar a política de construção de
sistemas educacionais inclusivos e apoiar o processo de implementação e consolidação do
Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade nos municípios brasileiros”. O município
de Campos foi instituído como polo e atuava como multiplicador para 18 municípios da
região. No ano de 2004, “cada município-polo realizou um curso formação de gestores e
educadores para a sua rede de ensino e outro para os municípios de sua área de abrangência”
(BRASIL, 2005).
A partir de 2004 foi possível perceber que, de acordo com resultado final do Censo
Escolar, a rede municipal possuía o maior quantitativo de alunos da educação especial
incluídos no ensino fundamental regular. Porém, a iniciativa privada ainda era responsável
pelo maior número de matrículas considerando o número total, conforme a tabela a seguir.
110
Tabela 1: Resultado Final do Censo Escolar – 2004. Regular e especial.
Fonte: INEP. Tabela reproduzida e adaptada pela autora com base nos dados disponíveis em: <
http://matricula.educacenso.inep.gov.br/controller.php>. Acesso em 09/02/2017.
Nesse contexto, surgiram capacitações para professores que atuariam na modalidade
especial na rede municipal. Chamados de professor itinerante, este orientava os professores da
sala regular de acordo com deficiências específicas através da disponibilização de apostilas
com orientações. Zilma informou que as áreas eram as deficiências visual, física, auditiva e
mental.
Em um estudo nomeado como “Diagnóstico das condições socioeconômicas da infância
e juventude de Campos dos Goytacazes” realizado pela Universidade Federal Fluminense –
UFF, no ano de 2005, foram divulgados dados acerca da população com deficiência residente
no município com base no Censo de 2000. Segundo o diagnóstico, 3.962 pessoas com
deficiências, estavam na faixa etária dos 5 aos 14 anos de idade. Considerando essa faixa
como sendo em idade para frequência no ensino fundamental, e de acordo com informações
coletadas para o diagnóstico na Secretaria de Educação, que em 2005 quantificava 379 alunos
frequentando 20 escolas que possuíam salas de recursos implantadas (UFF, 2005), obteve-se o
quantitativo de aproximadamente 9,6% de pessoas com deficiência nessa faixa etária,
frequentando a rede municipal de ensino. Contudo, o mesmo documento ressaltou a
necessidade de ser problematizada a questão da educação especial, “compreendendo seus
limites, entraves, e o que é fundamental, como ela não tem sido capaz de ser agregadora,
inclusiva, e de aumentar a média de anos de estudo da população portadora de deficiência
[...]” (UFF, 2005).
Matrícula Inicial
Ensino Fundamental
(Regular)
Educação Especial
Município
Dependência
Educação
Especial
(Incluídos)
Total
1ª a 4ª
série e
Anos
Iniciais
5ª a 8ª
série e
Anos
Finais
Médio
(Regular)
Total
Fundamental
Campos
dos Goytacazes
Estadual
47
38348
15763
22585
19175
165
103
Federal
0
0
0
0
1371
0
0
Municipal
253
27822
20334
7488
768
0
0
Privada
11
15041
9084
5957
2689
479
172
TOTAL
311
81211
45181
36030
24003
644
275
111
No ano de 2006, foi divulgado um documento intitulado “Campos dos Goytacazes -
Perfil 2005” sendo um dos itens elencados, a educação. Considerado um dos municípios que
apresentava baixa taxa de analfabetismo em relação aos demais da Região Norte Fluminense,
o documento ressaltou que Campos investia na educação como “um instrumento para a
melhoria da qualidade de vida da população” (PMCG, 2006, p. 105). Nesse sentido, diversos
projetos relacionados à inclusão social de alunos, visando à melhoria do ensino por meio da
qualificação dos professores foram desenvolvidos com o objetivo de aumentar a eficiência e
abrangência da rede pública municipal de ensino (PMCG, 2006).
De acordo com a tabela abaixo, foi possível perceber que o quantitativo de alunos
público-alvo da educação especial na rede regular de ensino aumentou do total de 253 em
2004 para 323 em 2007. Apesar de ainda manter o maior quantitativo de matrículas no ensino
fundamental, a iniciativa privada ainda permanecia com a maioria das matrículas, totalizando
479 em 2007, com destaque para a creche e pré-escola. De acordo com Lopes (2008), essa
disparidade provavelmente ocorria pelo fato de existir nas instituições filantrópicas
atendimento no âmbito da saúde, principalmente para os alunos nas etapas iniciais de ensino.
Tabela 2: Resultado Final do Censo Escolar – 2007. Educação especial
Fonte: INEP. Tabela reproduzida e adaptada pela autora com base nos dados disponíveis em:
<http://matricula.educacenso.inep.gov.br/controller.php>. Acesso em 09/02/2017.
Ainda em 2007, foi instituído o novo Sistema Municipal de Ensino de Campos dos
Goytacazes, criando o Novo Conselho Municipal de Educação e o Conselho do FUNDEB
pela lei nº 7.947. Em seu artigo 8º, que tratou das atribuições da Secretaria Municipal de
Educação, especificamente no inciso XIV, foi estabelecido que seria competência da
secretaria “promover aos educandos, com necessidades educacionais especiais, os direitos
previstos em leis próprias e em especial os artigos destinados na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Especial (Alunos de Escolas Especiais, Classes Especiais e Incluídos
Município
Dependência
Creche
Pré-
escola
Anos
Iniciais
Anos
Finais
Médio
EJA Fund.
EJA
Médio
Campos
dos Goytacazes
Estadual
1
5
121
34
6
21
0
Federal
0
0
0
0
3
0
0
Municipal
23
49
216
24
0
11
0
Privada
219
129
109
22
0
0
0
TOTAL
243
183
446
80
9
32
0
112
Educação Nacional” (CAMPOS DOS GOYTACAZES, 2007, s.p.). Apesar do inciso, não
foram ressaltados os direitos de que se tratava, nem foi feita mais alguma menção aos alunos
com necessidades educacionais especiais.
A partir da explanação do panorama em que se desenvolveram as primeiras iniciativas
para educação especial no município de Campos dos Goytacazes/RJ, foi possível
compreender que a presença da iniciativa privada na oferta de serviços para o público-alvo
dessa modalidade, ainda em 2007, se configurava marcante. Portanto, não pode ser afirmado
que a rede municipal disponibilizou as modalidades especial e regular em uma perspectiva de
inclusão, em acordo com a Declaração de Salamanca (1994) e as políticas que orientavam a
educação inclusiva no Brasil. O cenário apresentado, mesmo que limitado, forneceu as bases
para a compreensão do panorama atual, 10 anos depois, da oferta de escolarização pela rede
municipal de ensino aos alunos público-alvo da educação especial, sendo os dados
explicitados no próximo item.
3.4 A OFERTA DA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO ESPECIAL HOJE
De acordo com os resultados finais do Censo Escolar de 2016, divulgados na página
virtual do INEP, relativos aos dados de matrícula inicial, a rede municipal de educação em
Campos dos Goytacazes possuía 51.034 alunos, que estavam distribuídos entre as etapas da
educação infantil (creche e pré-escola), ensino fundamental (anos iniciais e finais29
), ensino
médio (não disponibilizado pela rede municipal de educação) e educação de jovens e adultos
(níveis fundamental e médio). Os dados sobre a matrícula inicial de alunos público-alvo da
educação especial constavam em tabela divulgada à parte, na mesma sessão. De acordo com
as informações da tabela, foram registradas 947 matrículas iniciais na educação especial da
rede municipal de ensino, distribuídas da seguinte maneira:
29 Anos iniciais: Primeira Fase do ensino fundamental, ou seja, da 1ª a 4ª série para sistemas com 8 anos de
duração, ou, do 1º ao 5º ano para sistemas com 9 anos de duração.
Anos Finais: Segunda Fase do ensino fundamental, ou seja, da 5ª a 8ª série para sistemas com 8 anos de duração,
ou, do 6º ao 9º ano para sistemas com 9 anos de duração.
113
Tabela 3: Resultado Final do Censo Escolar – 2016. Educação especial.
Fonte: INEP. Tabela reproduzida e adaptada pela autora com base nos dados disponíveis em Disponível em: <
http://matricula.educacenso.inep.gov.br/controller.php>. Acesso em 09/02/2017.
No dia da entrevista com Fátima, a mesma disponibilizou para consulta, um relatório
referente ao primeiro semestre do ano de 2016 das ações e atendimentos aos alunos que
usufruíam dos serviços disponibilizados pelo Departamento Multiprofissional. No item
“Atendimento Educacional Especializado”, o público-alvo foi caracterizado por alunos com
deficiência ou grande dificuldade de aprendizagem. No documento foi citado que “atuávamos
apenas com alunos com laudos, mas ampliamos o atendimento para alunos com dificuldade
de aprendizagem” (CAMPOS DOS GOYTACAZES, 2016a). O mesmo relatório informou
que a rede municipal dispunha de 24 salas de recursos multifuncionais, porém, somente 16
estavam em funcionamento, das quais três não estavam operando pelo fato das unidades
estarem passando por reformas e as demais por não terem professores disponíveis para
atuação no AEE.
Segundo a página virtual “Data escola Brasil” do INEP, acessada em 09/02/2017, o
resultado final do Censo Escolar de 2014, dado mais recente na página, a rede municipal de
Campos dos Goytacazes dispunha de 39 escolas que ofertavam AEE, das quais 26 eram
localizadas na área urbana e 13 na área rural. Acerca da diminuição do quantitativo de escolas
para esse atendimento, a funcionária Fátima narrou que no ano de 2015, as salas de recursos
que foram disponibilizadas pela rede municipal foram fechadas, funcionando apenas as que
tinham sido implantadas pelo MEC. Ainda salientou que a rede municipal abriu as demais
salas pela alta demanda, mas que na prática, todas eram “bancadas” pelo município, uma vez
que o MEC disponibilizou os subsídios materiais muito aquém da demanda. Segundo ela, o
fechamento das salas ocorreu pela redução de investimento financeiro em diversos programas
e projetos da rede municipal. Questionada acerca dos alunos que frequentavam as salas que
foram fechadas, Fátima informou que foi realizado um mapeamento e que esses alunos foram
redistribuídos entre as 24 salas que ainda possuíam AEE e entre as instituições filantrópicas
conveniadas. Como já foi ressaltado nos capítulos anteriores, a parceria com instituições
Educação Especial (Alunos de Escolas Especiais, Classes Especiais e Incluídos)
Município Educação Infantil Ensino Fundamental
Médio
EJA Presencial TOTAL
CAMPOS DOS GOYTACAZES
Creche Pré-
escola
Anos Iniciais Anos
Finais
Funda-
mental
Mé-
dio
16
71
669
101
0
90
0
947
114
filantrópicas permeou todo o histórico da educação especial, inclusive assegurada em
normativas oficiais, não sendo diferente na realidade do município estudado.
Em relação ao quantitativo de matrículas, verificou-se que o valor total no relatório
disponibilizado era de 440. No entanto somando a quantidade de alunos atendidos em cada
unidade de ensino, tem-se como resultado 365:
Tabela 4: Salas de Recursos Multifuncionais disponíveis e quantidade de matrículas 2016
(reproduzido e adaptado pela autora)
Nº U.E. BAIRRO/DISTRITO Quantid//Alunos atendidos
1. EM CIEP Custódio Siqueira Calabouço 25
2. EM CIEP Maestro Villa Lobos Parque São José 19
3. EM CIEP Wilson Batista Parque Guarus 16
4. EM Dr. Luiz Sobral Jardim Carioca -
5. EM Farol de São Tomé Santo Amaro 15
6. EM Francisco de Assis Matadouro 24
7. EM Francisco Ribeiro Siqueira Mussurepe 15
8. EM João Batista de Azeredo Travessão 18
9. EM João Borges Barreto Ururaí 19
10. EM José do Patrocínio Penha 20
11. EM Leopoldino Maria Nova Goytacazes 18
12. EM Lulo Ferreira de Araújo Morro do Côco 16
13. EM Manoel Ribeiro do
Nascimento
Tapera 14
14. EM Maria Arlete Azeredo
Araújo
São Sebastião 10
15. EM Maria Lúcia Turf Club 16
16. EM Mario Barroso Ururaí 10
17. EM Pequeno Jornaleiro Centro 13
18. EM Presidente Castelo Branco Pecuária 10
19. EM Prof. Walter Siqueira Parque Julião Nogueira 22
20. EM Professora Eunícia Ferreira
da Silva
Santa Rosa 20
21. EM Sagrada Família Parque João Seixas -
22. EM Santa Maria Santa Maria 17
23. EM Sebastião Ribeiro de Deus Novo Jockey 18
24. EM Tarcílio Siqueira Cordeiro Beira do Taí – São Sebastião 10
TOTAL 440
Fonte: Relatório do Departamento Multiprofissional (2016a). Acesso em: 29/09/2016.
115
Outro valor também foi divulgado, desta vez, considerando as matrículas separadas por
“tipo de deficiência”. Neste item, há um total de 356 alunos considerados público-alvo da
educação especial:
Tabela 5: Quantidade de alunos matriculados de acordo com a deficiência (reproduzido e
adaptado pela autora)
Tipo Deficiência Quantidade
Aguardando Parecer 1
Altas Habilidades/Superdotação 1
Autismo 9
Autismo infantil 29
Cognitivo Comprometido 1
Deficiência Auditiva 6
Deficiência auditiva- Baixa audição 20
Deficiência auditiva – Surdez 19
Deficiência Física 54
Deficiência Intelectual 173
Deficiência Múltipla 29
Deficiência Visual – Baixa Visão 25
Deficiência Visual – Cegueira 6
Síndrome de Asperger 2
Síndrome de Down 1
Síndrome de Rett 1
Síndrome genética ou adquirida 24
Surdocegueira 3
Transtorno Desintegrativo da Infância 25
Transtornos globais do desenvolvimento 56
Total de Alunos 356
Fonte: Relatório do Departamento Multiprofissional (2016a). Acesso em: 29/09/2016.
Na tabela analisada, também há uma divergência na soma, uma vez que o total de
alunos indicado é de 356, mas realizando o somatório, alcançou-se a quantidade de 485.
Acerca do quantitativo, a funcionária Fátima informou que
Nós temos aqui trezentos e pouco alunos, quando nós sabemos, pelas nossas
ações, que tem mais de oitocentos. Declarado no Censo, só tem trezentos e pouco [...]. Então, tem escola que a gente sabe que tem, por exemplo, vinte
alunos com deficiência matriculados e que sinalizou sete. Deixa de receber,
o município deixa de receber e talvez ter uma sala de recursos implantada.
Fica a cargo da pessoa que faz a matrícula e depois do auxiliar que faz o
116
repasse para o Censo (FÁTIMA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 29/09/2016).
Não obstante a declaração da entrevistada, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação – FNDE, responsável pelo Fundeb, divulgou dados no item “Matrículas,
coeficientes de distribuição de recursos e receita anual prevista por Estado e Município” em
sua página virtual, que afirma terem sido efetivadas no ano de 2016, 879 matrículas de alunos
público-alvo da educação especial na rede municipal de Campos, e 428 matrículas no AEE.
No dia 06/02/2017 foi solicitado pela autora esclarecimento ao INEP, registrado com o
número de protocolo 23480002982201771, sobre a existência de alguma forma de
comprovação das matrículas, declaradas ao Censo Escolar de alunos público-alvo da
educação especial no AEE. De acordo com a resposta,
Sobre o comprovante da matrícula dos alunos com necessidades especiais,
primeiramente cabe destacar que o Censo Escolar da Educação Básica é
baseado em registros administrativos e que a as autoridades do poder executivo dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, de acordo com
as suas respectivas competências, são os responsáveis pela exatidão e
fidedignidade das informações declaradas ao Censo Escolar, juntamente com
o Gestor Escolar e o responsável na escola pelo preenchimento das informações. As Escolas são responsáveis pela exatidão dos dados
declarados, bem como pela guarda dos documentos administrativos e
pedagógicos que comprovem as matrículas e a frequência dos alunos; os gestores municipais, estaduais e do Distrito federal são responsáveis por
acompanhar e supervisionar o processo de coleta durante toda a sua
execução nas escolas do município, zelando pela qualidade das informações e pelo cumprimento dos prazos e normas estabelecidos pelo Inep.
A funcionária Fátima afirmou que, no mês de janeiro de cada ano, uma reunião com os
diretores é realizada, sendo nessa ocasião, explicitada a forma que deve ser preenchida a ficha
de matrícula dos alunos. Em se tratando de alunos público-alvo da educação especial, a
mesma completou que solicitou que todas as matrículas desses alunos devessem ser apontadas
ao Departamento Multiprofissional. Asseverou ainda a importância da sinalização na ficha de
matrícula que o aluno possui deficiência, pois, se assim não ocorrer, o auxiliar de secretaria
não lançará no Censo Escolar. Segundo ela, a informação de deficiência acontece por meio da
autodeclaração.
Questionada acerca da solicitação do laudo clínico para efetivação da matrícula no
AEE, a funcionária afirmou que sempre é solicitado, pois “se não tiver o laudo, eu não tenho
nem o norte”. A mesma completou que é solicitado para todas as deficiências, ressaltando que
“o laudo não impede a ajuda, no que a gente puder fazer, mas a gente cobra” (FÁTIMA -
Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 29/09/2016).
117
A autora levantou a hipótese de quando o aluno não possuir o laudo no ato da matrícula,
o que aconteceria nessa situação. Fátima afirmou que
pra matrícula, não é impeditivo, mas pra sala de recursos, a gente pede o
laudo. A gente pede laudo porque cada patologia, ela tem uma
sintomatologia, que é da patologia. Não que vá se prender ao laudo, mas é pra dar orientação. Agora, este ano também teve isso. Se abriu pra todo
mundo por ordens! Se abriu pra todo mundo! Todo mundo é quem? É o
dislexo, TDAH, o transtorno opositor (FÁTIMA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 29/09/2016).
Pode-se relacionar esse discurso com o que foi descrito no relatório do DM acerca do
público do AEE ser voltado para estudantes com deficiência ou com grande dificuldade de
aprendizagem. Foi questionado de que forma esses alunos sem laudo conseguiriam efetivar a
matrícula no AEE, e Fátima informou que a eles, também seria solicitado o laudo ou o DM
teria que atestar que os alunos possuíam “limitação cognitiva”. Sobre essa questão, ela narrou
que foi pedido que alunos sem laudo clínico, com transtornos de aprendizagem,
comportamental ou social, recebessem um parecer dizendo que eles não teriam condições de
aprendizagem nas classes regulares, com o nome de “limitação cognitiva”. Porém,
funcionários do DM se recusaram a emitir esse parecer. Segundo ela, o principal objetivo
seria alcançar alunos em extrema situação de distorção idade-série, transformando esses, em
público-alvo da educação especial para que não pudessem ser retidos, com o objetivo de
melhora no resultado do IDEB. Adicionou, ainda, que os alunos matriculados na modalidade
da educação especial eram avaliados através de relatório bimestral pelos professores da sala
regular e do AEE. Neste, constava a descrição do que o aluno conseguia alcançar ou não,
sendo atribuído um percentual, assim como aos demais alunos.
Porém, a partir de 2016, o sistema de avaliação foi modificado, e os alunos público-alvo
da educação especial não poderiam mais ser retidos. Esse fato foi registrado na Resolução
SMECE nº 01/2016, de 14 de junho de 2016, divulgado no Diário Oficial do Município de
Campos dos Goytacazes, no dia 18 de agosto de 2016. Esse documento que tratou da
implantação das diretrizes do sistema de avaliação para os níveis e modalidades de ensino da
rede municipal para o ano de 2016, em seu artigo 43, expressou que
Art 43 Os alunos público-alvo de Atendimento Educacional Especializado,
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação terão: I- garantia de continuidade do fluxo escolar, sem reprovação em todo o
Ensino Fundamental;
II- análise de desempenho escolar, realizada por meio de Relatório denominado “Avaliação Pedagógica Descritiva”, sem registro de notas, e
118
com objetivo de garantir a Terminalidade Específica a cada ano de escolaridade, conforme ANEXO D;
III- registro em Diário de Classe da sigla TE (Terminalidade Específica) em
substituição das notas, para defini-los nessa condição, nos casos previstos
em lei (CAMPOS DOS GOYTACAZES, 2016b, p. 7).
Ao narrar sobre a nova diretriz de avaliação, Fátima foi questionada sobre o que
significava “terminalidade específica”. Ela informou que isto ocorre quando o aluno não tem
condições de concluir, por uma limitação acadêmica ou por uma supercapacidade, no caso dos
superdotados. Indicou que inclusive, a TE está assegurada na LDBEN/96, mas que no
município, a função da sigla foi desvirtuada e teve seu sentido modificado. De acordo com
seu discurso sobre a TE,
Na cabeça de quem criou todas as crianças que tem laudo, não tem condição de aprendizagem. Então, ela não tem que ficar retida atrapalhando o fluxo
escolar. Quando você retém o aluno, você retém o fluxo inteiro. Tudo isso
vai ficar registrado no IDEB. [...] Na LDB, fala lá dos alunos com
deficiências múltiplas e deficiência intelectual severa, deverão até receber a TE, não serem retidos, porque o comprometimento é muito severo, então não
teria sentido de reter. Agora, um deficiente visual, auditivo, tem total
capacidade cognitiva. Se você der o instrumental, não há motivo nenhum. É só dar a condição (FÁTIMA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em
29/09/2016).
Uma professora que atua em uma SRM, também comentou acerca dessa questão.
Você sabe o que fizeram agora? Eu tenho um aluno com deficiência física,
mas o cognitivo maravilhoso. Sabe o que vão fazer agora? Sabe qual é a notinha dele? TE! Só isso! Quer dizer, ninguém quer saber se ele faz uma
prova boa ou se ele não faz. Ele é aprovado automaticamente. Bastou ter
laudo, vai ser TE. Não tem nota! Quer dizer, a criança que tem o cognitivo preservado, pode ter isso? Anulou a criança! (LUZIA - Entrevista concedida
a Luana Leal Ribeiro em 25/10/2016).
Cabe destacar que com essa forma de avaliação, a responsabilidade da não
aprendizagem é inteiramente atribuída aos alunos que frequentam a modalidade de educação
especial. Nessa situação, ficou explícita a influência do modelo médico que, ao prover o
diagnóstico através do laudo, desconsideram-se as capacidades que os alunos teriam de
aprender e de se desenvolver no âmbito escolar. Garrido (2010) afirmou que as situações de
aprendizagem variam de acordo com o que os indivíduos vivenciam em seu meio, segundo
sua cultura e seu acesso. Portanto, o que determina a ocorrência ou não de determinada
aprendizagem não é a característica intrínseca ao indivíduo, dependendo de como este se
insere nos espaços socioculturais. Portanto, qualquer problema associado à escolarização de
um aluno decorre da forma em que foi inserido no ambiente e na cultura escolar.
119
Teixeira (2007) indicou que as transgressões de normas sociais são constantemente
vinculadas a doenças neurológicas, biológicas e inatas. Nesse cenário, o resultado de uma
política educacional geradora do “fracasso” foi transmutada na mesma pretensa doença. A
difusão acrítica e crescente de “patologias” que poderiam originar em „fracasso escolar‟, tem
levado à rotulação de alunos que, inclusive, não são público-alvo da educação especial. O
encaminhamento a um profissional da saúde classifica as crianças que passam a ser
“estigmatizadas e excluídas por olhares em busca do que falta, do defeito, do desvio do
padrão socialmente estabelecido, transformando em sinais de doença” (TEIXEIRA, 2007, p.
105).
Assim, a medicalização enquanto processo que discute saúde-doença como centrado no
indivíduo, apresenta as questões como problemas individuais, omitindo-se que o processo
saúde-doença é determinado pela inserção social do indivíduo. Nesse contexto, a educação
como uma área permeada pela medicalização, concedeu à aprendizagem e a não
aprendizagem um status de problema individual, inerente ao aluno, no qual o professor não
tem acesso e, portanto, não tem responsabilidade (TEIXEIRA, 2007). Cabe destaque que a
responsabilização pela medicalização no ambiente escolar, não recai somente na figura do
professor. Esse processo decorre de uma tradição histórica que permeia a educação especial
que pode levar ao sentimento de inferioridade dos profissionais que atuam nessa modalidade
em relação à autoridade da medicina no que se refere aos alunos que apresentam distúrbios
em seu processo de ensino-aprendizagem.
Ainda sobre o questionamento acerca da solicitação do laudo clínico, Fátima ressaltou
que
E um outro contraponto que a gente exige o laudo é o seguinte: se ele não
tem laudo, minimamente, ele não tem nada clínico, ele não faz tratamento nenhum e precisa, porque a escola sozinha não vai dar conta. Ele precisa
muitas vezes da medicação, pra estar regulado e estar na escola, porque se
for aquela criança que não para hora nenhuma, que está agitadíssimo, um
autista clássico, que qualquer mudança desencadeia nele uma reação daquelas bem desproporcional. Então, ele precisa muitas vezes da
medicação, ou das outras terapias. Então é o jeito também que a gente
consegue que a família pelo menos, busque (FÁTIMA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 29/09/2016).
Vivenciamos uma tendência atual na escola que o ato de medicar os alunos não tem sido
questionado. Contrariamente, cada vez mais permeia nesse ambiente, o discurso de que é
necessário o controle do comportamento dos alunos. Assim sendo, o aluno controlado, será o
que apresentará condições de aprender, pelo fato de se considerar que ele estará atento e
120
centrado nas atividades propostas. Portanto, o diagnóstico seria suficiente para medicar e não
questionar a qualidade da educação e os demais fatores que podem influenciar e “gerar” as
“doenças escolares” (BONADIO; MORI, 2013).
Como foi explicitado pela entrevistada de que não há relação do setor da educação com
a saúde, questionada sobre a forma pela qual o laudo é obtido, a mesma funcionária narrou
que
A família tem que ir atrás! Que é muito difícil. Por isso que a gente também
tem uma paciência com relação ao laudo, mas além de ser difícil, os
profissionais da área da saúde, são muito despreparados também. Eles são irresponsáveis! Tem um neurologista em Campos, que todos os laudos que
vêm pra gente são iguais. Absolutamente todos. Aí esse boom do autismo. A
criança pequena hoje, com dois anos, que fica no cantinho, que quase não fala, é autista. [...] É igual criança levada e criança hiperativa, que enfiam
Ritalina em tudo mundo. É muito séria a medicalização [...] Acho que nós
estamos cada vez mais recebendo alunos oriundos das drogas, que já estão
na segunda e terceira geração. Então, as patologias existem! (FÁTIMA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 29/09/2016).
Constatou-se que esse discurso possui diversos pontos que necessitam ser
problematizados. O primeiro, diz respeito à responsabilização da família acerca da
consecução do laudo. Jesus e Aguiar (2012), afirmaram que em se tratando de alunos com
deficiência, esse contato da família com a escola pode ser limitado somente pela
responsabilização dos entes na aquisição do laudo médico para efetivação da matrícula no
AEE. Corroborando esse mesmo discurso, a Resolução/SME nº 01/12 que tratou das normas
para o atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais na rede municipal de
ensino, apontou em seu artigo 22, que para encaminhar o aluno público-alvo da modalidade
especial para o atendimento educacional especializado, especificamente para a sala de
recursos multifuncionais, deverá no ato da matrícula ser solicitado o laudo médico aos pais
e/ou responsáveis (CAMPOS DOS GOYTACAZES, 2012).
O diagnóstico clínico ocorre a partir da observação de sintomas combinados e
comportamentais. Esse sistema de classificação contribuiu para que as combinações sejam
consideradas doenças, devendo ser problematizado o modo como são inseridos no contexto
escolar. A produção de um diagnóstico sem estudo minucioso de todo histórico que permeia a
vida do paciente e desconsiderando o contexto vivenciado por ele e seus responsáveis no
momento da queixa pode ocasionar em
Veredicto condenatório a esse sujeito e à sua família, abrindo possibilidade
para que o pedagógico diga: “não podemos fazer nada”. É um discurso medicalizante, pois desconsidera que um corpo é muito mais que um ente
121
biológico, sendo este constituído pelas relações de cada sujeito com o mundo (CHRISTOFARI, 2014, p. 137).
Com o aumento de diagnósticos que indicam sintomas de “adoecimentos”, ampliou-se a
indicação do uso de medicação para “tratar, minimizar, aniquilar sentimentos e ações que
fazem parte da vida: tristeza, euforia, preguiça, baixa autoestima, desânimo, falta de
criatividade, agitação, desatenção” (CHRISTOFARI, 2014, p. 21).
Apesar da mesma entrevistada apresentar preocupação com a medicalização, mesmo
sem ser questionada sobre tal, pode-se perceber indícios do discurso sobre a responsabilização
e culpabilização da família, pela “patologia” de seus entes. Collares e Moysés (2010)
argumentaram que no processo de medicalização, a pessoa e sua família são responsabilizadas
pelos problemas, enquanto autoridades, governos, profissionais são dispensados de suas
responsabilidades. As vivências de crianças oriundas de famílias “desestruturadas” são
imediatamente vinculadas ao seu suposto „fracasso escolar‟, no qual sua condição de vida
considerada „desregrada” justificaria seu desenvolvimento escolar, eximindo a escola de uma
análise mais abrangente e contextualizada do que seria caracterizado como problema de
aprendizagem. Nesse sentido, a justificativa pela incapacidade do aluno aprender com base no
histórico familiar, ao ser indicada uma patologia ou uma conduta inadequada, faz com que
haja uma junção do caráter biológico com o moral. De acordo com Christofari (2014, p. 50)
trata-se de um dispositivo “de construção do anormal e de práticas pedagógicas que visam
trabalhar o corpo desses indivíduos”.
Essas ações acima citadas podem ser remetidas a práticas higienistas vivenciadas pelas
pessoas que não se adequavam aos padrões da sociedade, principalmente no século XX. Nesse
contexto, era de suma importância considerar as relações existentes na família atrelada a um
ambiente higienizado, como sendo primordial para o desenvolvimento sadio da criança. A
existência de discursos que justificam a não aprendizagem, com base na concepção de
herança familiar dos males e da conduta, ratificam a patologização do aluno. Isto ocorreria em
função do sistema educacional considerar a dinâmica familiar responsável por
comportamentos inadequados e pela suposta incapacidade cognitiva dos entes, sendo
possíveis causas da formação do aluno fora do padrão ideal.
As peculiaridades apresentadas no comportamento dos alunos, geralmente, fazem com o
que o professor indique que seja realizada uma avaliação por profissionais da saúde,
demonstrando intolerância em relação à dificuldade de adaptação do aluno ou por este
apresentar dificuldade no processo de ensino-aprendizagem na sala de aula. O primeiro
contato acontece com os responsáveis e ao ser indicada a avaliação do aluno por profissionais
122
da saúde, geralmente os pais vão munidos de relatos dos profissionais que insinuam distúrbios
inatos ao aluno. Esses relatos são muitas vezes, instrumentos decisivos no fechamento do
diagnóstico, legitimando um sintoma individual e eliminando as responsabilidades do cenário
educacional. Luengo (2010) afirmou que o encaminhamento de crianças consideradas fora do
padrão esperado aos profissionais da saúde constituiu-se uma prática corriqueira na esfera da
educação. A justificativa dos professores decorre do argumento de que sem a ajuda de
especialistas, seria difícil o controle de alguns alunos na sala de aula, acreditando ser
necessário tratamento específico. Isto deveria ocorrer inclusive, com o uso de medicamentos,
por apresentarem comportamentos considerados anormais.
Diante do exposto, serão analisadas as falas de cinco professores que atuavam em
SRMs com a oferta de AEE na rede municipal e dois que atuavam na modalidade regular. O
objetivo foi o de compreender suas interpretações acerca do diagnóstico médico e sua
influência em suas práticas pedagógicas com alunos considerados público-alvo da educação
especial.
3.5. ALGUMAS NARRATIVAS DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DO PROFESSOR DO
AEE
Durante a transcrição das entrevistas pode-se perceber que os professores, em suas
respostas, abordaram pontos muito semelhantes, possibilitando que fosse não apenas
necessário, mas principalmente didático, para os fins a que se destinou este trabalho, a
formulação de categorias para a análise de seus discursos.
3.5.1 Formação e qualificação do educador atuante no AEE
No momento da entrevista, após a apresentação da pesquisa aos sujeitos participantes,
foi informado que o foco do trabalho seria a atuação do professor no AEE, sendo este o
primeiro ponto abordado. Nesse sentido, a resolução nº 4/2009 preconizou que para atuar na
educação especial, o professor deve ter como base da sua formação, tanto inicial, quanto
continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos
da área (BRASIL, 2009b). Porém, a norma não esclareceu qual seria a especialidade
necessária.
No município de Campos dos Goytacazes, foi questionado à funcionária da SMECE
Fátima, acerca da obrigatoriedade de qualificação dos professores que atuam no AEE. Ela
informou que os profissionais qualificados que trabalham nas SRMs foram capacitados
123
porque quiseram. Além disso, informou que foi criado um protocolo interno na SMECE no
qual seria solicitada pelo menos a graduação em Pedagogia. No entanto, isto não pôde ser
formalmente cumprido por falta de uma legislação que regulasse a exigência. Ainda apontou
que um dos critérios de escolha de turma é o tempo de serviço na unidade. Com isso, os
profissionais com mais tempo na escola poderiam escolher a atuação na sala de recursos em
detrimento do professor que possui qualificação na área (FÁTIMA – Entrevista concedida a
Luana Leal Ribeiro em 29/09/2016).
Percebeu-se uma valorização da prática em detrimento da qualificação para atuação no
AEE. Essa afirmação também pôde ser percebida em uma pesquisa realizada por Lino (2016)
acerca da formação do professor que atuava nas Salas de Recursos Multifuncionais no
município de Campos dos Goytacazes. A autora questionou a qualificação necessária para
atuação nesse espaço, que, segundo uma funcionária da SMECE, a formação em Pedagogia
seria o critério mínimo do município para atuar no AEE. Porém, a atuação dos profissionais
sem essa formação justificava-se pelo tempo de serviço no qual atuavam no AEE, sendo estes,
considerados pela SMECE como aptos, devida sua experiência prática com alunos com
deficiência (LINO, 2016).
Bueno (1999) problematizou a exigência do curso de Pedagogia como requisito para
atuação na educação especial. Segundo o autor, esse curso forma um docente com baixa
qualidade de formação enquanto professor pelo fato de serem incluídas poucas disciplinas que
dariam conta da formação para atuação nas primeiras séries do ensino fundamental. Esse fato
fez com que fosse permitida a formação de docentes para a educação especial que não
passaram por experiências teóricas e/ou práticas mais consistentes como professores do
ensino fundamental.
Em relação aos professores do ensino regular, o mesmo autor acima citado discorreu
que esses não possuem preparo mínimo para trabalhar com alunos que apresentem
deficiências. Por outro lado, grande parte dos professores da educação especial tem pouco a
contribuir com o trabalho pedagógico desenvolvido no ensino regular. Assim, o professor
especializado, ao participar do processo de ensino juntamente com o docente do âmbito
regular e demonstrar que os alunos devem ser encarados somente a partir das suas
dificuldades específicas, faz com que os alunos público-alvo da educação especial sejam
considerados sempre como diferentes dos demais. Portanto, para que o professor
especializado se constitua como um agente de qualificação do ensino é necessário que possua
competência para entender, analisar e criticar o processo pedagógico de forma ampla e
124
abrangente, não focalizando somente as dificuldades específicas dos alunos que frequentam a
modalidade especial (BUENO, 1999).
Com isso, o autor propôs que para construção efetiva de uma educação que se considere
inclusiva, há a necessidade de pelo menos dois tipos de formação profissional, que formem os
professores, generalista e o especialista. Segundo sua definição, o professor generalista na
figura do docente do ensino regular, deverá ter em sua formação pelo menos um mínimo de
qualificação no que tange a escolarização de alunos com necessidades educativas especiais. Já
o professor especializado, também deverá se qualificar com vistas a possibilitar tanto a
atuação direta ao alunado da educação especial, quanto para fornecer apoio ao trabalho
realizado por professores do ensino regular. Assim, o especializado deveria possuir uma
formação pedagógica de caráter geral, porém, com aprofundamentos específicos para atuação
no atendimento especializado, fortalecendo também sua atuação enquanto professor
(BUENO, 1999).
De acordo com as entrevistas das cinco professoras, três possuíam graduação em
Pedagogia e pós-graduação, uma sendo na modalidade a distância, e duas possuíam formação
de professor. Quando questionadas acerca da formação continuada, todas afirmaram que
constantemente estão em busca de especialização e que haviam participado dos cursos
oferecidos pela SMECE. É preciso ressaltar que as mesmas informaram que a modalidade de
qualificação predominante são cursos de curta duração na modalidade a distância.
Corroborando a afirmação acima, na mesma pesquisa anteriormente citada, Lino (2016)
descreveu que ao questionar sobre a formação continuada dos profissionais, de seis
entrevistados, quatro indicaram cursos realizados na modalidade a distância, como pós-
graduação em Atendimento Educacional Especializado; Libras; Psicopedagogia; e Artes,
Educação e Recreação. Em relação aos cursos de qualificação ofertados pelo município, a
mesma pesquisa demonstrou insatisfação por parte de alguns professores acerca do conteúdo
teórico não condizer com a prática e especificamente, um professor com deficiência visual
argumentou que ofertaram o conteúdo do curso em pen drive, mas que o mesmo não
conseguiu acessar. O profissional questionou a metodologia adotada no curso sobre inclusão
não ser acessível, pois além da dificuldade com o material, os vídeos não continham
audiodescrição e o mesmo só ouvia as falas sem entender o que estava acontecendo. Diante
desse fato, o professor desistiu de tentar fazer cursos ofertados pela SMECE (LINO, 2016).
Em relação aos cursos na modalidade a distância, esses tem sido uma via muito
utilizada na formação continuada de professores no geral, incluídos nesse montante, docentes
que atuam no AEE. Pertile (2014, p. 84) afirmou que embora esses cursos abarquem a
125
formação de uma considerável parcela de profissionais e pareça ser uma alternativa
confortável e atraente “escondem uma formação docente limitada e aligeirada que,
supostamente, é justificada pela urgência de formar o profissional para uma tarefa imediata”.
Sendo assim é necessária a problematização da oferta desses cursos, uma vez que devido sua
limitação, pode ocasionar em recuo da área, enquanto campo de conhecimento e pouco
desenvolvimento ao considerar os aspectos que precisam ser extrapolados na educação dos
alunos público-alvo da educação especial (PERTILE, 2014).
Portanto parece pertinente destacar que esses cursos, principalmente os de curta duração
disponibilizados via internet, podem não fornecer as bases teóricas e práticas necessárias para
nortear o desenvolvimento de ações no âmbito da educação especial.
Ao ser questionada a formação e qualificação das docentes, foram obtidas as seguintes
respostas:
Magistério, pedagogia e pós-graduação em educação e recreação, além dos cursos que fiz do AEE. Sempre gostei dessa área, fazia cursos [...]. Os cursos
oferecidos pela secretaria são muito pequenos (JOANA – Entrevista
concedida a Luana Leal Ribeiro em 23/09/2016).
Tenho a formação de professora, fiz normal superior. Fiz psicopedagogia
com ênfase na inclusão e todos os cursos que eu vejo de inclusão eu entro. Já
fiz uma pós em libras. Fiz um curso de aperfeiçoamento do trabalho em sala de recursos [...]. E assim eu vou procurando fazer esses cursos de
capacitação (CLÁUDIA – Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em
07/10/2016).
Pedagogia e pós a distância [...] Aí procurei especializar. Fiz muito
curso![...] Só que é o dia a dia. Não adianta ter um monte de certificado se o que mais vale é a sala de aula, o local que você trabalha. [...] Certificado eu
tenho bastante. Por mais que o curso dava aquela carga horária, mas eu
sempre procurava. [...] Fui me especificando, fazendo cada vez mais
(LUZIA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 25/10/2016).
Sou formada em pedagogia e licenciatura em pedagogia e tenho pós em
educação infantil e em gestão integradora. Não é na educação especial, mas tudo a gente tenta fazer o melhor [...] Tenta fazer um trabalho legal, na
medida do possível, com todos os problemas que a gente enfrenta (DALVA -
Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 25/10/2016).
Eu fiz normal, formação de professor (LAURA - Entrevista concedida a
Luana Leal Ribeiro em 13/09/2016).
Ao perguntar à funcionária Fátima sobre a oferta dos cursos de qualificação continuada
pela SMECE, ela afirmou:
Acabaram também! A gente tinha sempre! Todo ano! Libras, braile,
princípios básicos da educação especial, um pouco da história, dava uma
126
noção das patologias, da legislação. Esse ano não teve mais nada. Desde o ano passado não tem. [...] Eu sinto que o professor tem medo de saber dessa
área, tipo assim: se eu souber, eles vão colocar um aluno com deficiência na
minha sala. Tem que receber, mas é muito medo do desconhecido.
Geralmente as pessoas que querem, é porque tem alguém conhecido. Aí sim, essa pessoa se interessa, por alguém próximo, pela experiência pessoal
(FÁTIMA – Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 29/09/2016).
Pode-se relacionar o “medo” descrito na fala como uma das consequências da falta de
qualificação que os profissionais do âmbito educacional vivenciam em sua formação inicial.
Esse fato nos leva a supor que permeia no imaginário dos professores do ensino regular a
ideia de que a atribuição da escolarização dos alunos da educação especial deveria ficar a
cargo somente dos professores que atuam nessa modalidade, não atribuindo para si a
necessidade de qualificação e formação continuada para atuação com esse alunado.
Nesse sentido, compartilhou-se da ideia apresentada por Bueno (1999) ao discorrer que
a centralidade da formação dos professores não deveria ser estabelecida na oposição ou
escolha entre especialistas ou generalistas, em relação ao mais adequado para lidar com os
alunos da modalidade especial. Se a educação inclusiva exige que o professor do ensino
regular adquira algum tipo de especialização para melhoria na atuação com alunos público-
alvo da educação especial, por outro, o professor que atua exclusivamente nessa modalidade
também deve ampliar suas perspectivas, deixando de focar somente nas especificidades desse
alunado. Portanto, a construção da trajetória da formação de professores que evidenciem esses
princípios, poderia contribuir para ampliação efetiva das oportunidades educacionais a todo
público discente, considerando suas especificidades no processo de ensino-aprendizagem
independente de serem frutos ou não de questões intrínsecas e de natureza biológico-
psicológica.
3.5.2 A redução do tempo dedicado aos alunos no AEE e suas implicações no
atendimento
Segundo o argumento da funcionária Fátima, a falta de concurso público específico para
atuação no AEE gerou um problema, pois com o fechamento das salas no ano de 2015, além
dos espaços físicos, “detonaram com os professores, porque se precisou de professor para a
questão do terço”. A funcionária estava se referindo ao parágrafo 4º do artigo 2º da lei nº
11.738, publicada em 2008 (BRASIL, 2008d). De acordo com esse item, a jornada de trabalho
dos professores do magistério público da educação básica deveria ser cumprida no limite
máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação
com os educandos. Os professores que atuavam na sala de recursos multifuncionais da rede
127
municipal ficavam no lugar dos professores da sala regular, que usam esse terço como horário
de planejamento. Por ordem da antiga gestão da SMECE, os profissionais do AEE só teriam
direito à regência30
se exercessem uma parte de sua carga horária como professor
complementador, também substituindo os professores que não estavam em atividade pelo
direito ao terço. A portaria SMECE nº 56/2015 estabeleceu em seu artigo 4º que:
O critério para a definição de professor para atuação na Sala de Recursos
Multifuncionais será o estabelecido pela Diretoria Multiprofissional da SMECE e, em Unidades Escolares com baixa demanda de alunos para
Atendimento Educacional Especializado - AEE, atuará também como
Professor Complementador (CAMPOS DOS GOYTACAZES, 2015, s.p.).
Porém, por meio da fala das entrevistadas observou-se que as docentes estão atuando
como complementadoras mesmo com a alta demanda de alunos no AEE, precarizando seu
trabalho nessa modalidade ensino. Isto fez com que a atuação na sala de recursos caísse para
uma frequência que variou de 2 a 3 dias, não sendo possível a prestação de atendimento
individualizado, o que foi explicitado a seguir.
Olha, na sala de recursos, eu atendo três vezes. Dois dias de manhã e um à tarde, porque eu sou sozinha na sala. Eles diminuíram muitas salas de
recursos. Mas... atendo assim... não totalmente no contra turno, [...] às vezes
vou à sala do professor, dou uma orientação junto com o professor e com o aluno. Outras eu dou uma saidinha com eles pra poder fazer um trabalho
mais concentrado, mais isolado para que ele possa tentar desenvolver
melhor, sem outros estímulos. Mas três dias, por quê? Porque nós da sala de
recursos, não temos uma turma, porque eu atendo crianças separadamente. Então, por nós atendermos, não termos uma turma concreta em sala de aula,
nós não teríamos direito ao valor da regência, o que eu acho uma coisa até
injusta com a gente, porque a gente precisa de muito mais dedicação, estudo, pesquisa, material, confecção. [...] Aí eu trabalho com oficinas. Eu não tenho
uma turma minha, mas eu atendo as turmas de professores que fazem
redução [...] Por isso eu fiquei só com três dias pra trabalhar com a sala de
recursos (CLÁUDIA – Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 07/10/2016).
Se não tivesse quantidade de alunos, disseram que ia acabar com as salas. Tipo assim, 3 alunos em cada horário. Tem deficiência que não dá pra
misturar. Fica um trabalho precário (DALVA – Entrevista concedida a
Luana Leal Ribeiro em 25/10/2016).
Aí pediram pra gente fazer um grupo maior pra dar mais crianças, só que não
tem como colocar um aluno com outro. Então foi isso. Enxugaram os
professores e jogaram pra sala de aula, que na verdade, prejudicou ou alunos, tirou a regência (LUZIA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em
25/10/2016).
30 Adicional na remuneração do profissional que atua em como docente em sala de aula.
128
Até ano passado, nós trabalhávamos de segunda a sexta com as crianças. Esse ano a exigência foi o seguinte: quem tem menos de 7 alunos, só pode
atender dois dias na sala de recursos, dois dias com oficina com as turmas
pra se trabalhar artes, leitura e interpretação, recreação com jogos. Esse ano
a inclusão está entregue ás traças. Eu procuro fazer o máximo, mas está deixando muito a desejar, porque você tem que atender 3, 4 alunos ao
mesmo tempo. Como eu tenho mais de 7 alunos, eu atendo 3 dias na semana
em sala de recursos, mas com um grupo grande. É um Deus no acuda (JOANA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 23/09/2016).
A resolução nº 4 de 2009 (BRASIL, 2009b), indicou em seu artigo 13 inciso III, que
compete ao professor do AEE organizar o tipo e o número de atendimentos aos alunos na sala
de recursos multifuncionais. Mesmo com esse dispositivo, pôde ser percebido no discurso, o
reconhecimento de que falta de disponibilidade de tempo para atuação individualizada com
alguns alunos tem precarizado sua prática docente.
3.6 O USO DO LAUDO MÉDICO NA ESCOLA
A utilização do laudo médico na educação especial no município de Campos dos
Goytacazes/RJ também se constituiu uma das categorias formuladas para o tratamento das
entrevistas. No entanto, optou-se por abordar a temática de forma autônoma neste item em
razão da grande importância que a mesma possui, já que trouxe sérias implicações à
sistemática da educação especial nas escolas municipais.
Nesse sentido, o objetivo era compreender se o laudo médico solicitado para matrícula
no AEE poderia servir de base para criação de estratégias de atuação, de acordo com a
descrição da deficiência. Porém, pôde-se perceber que não tem sido possível delimitar as
ações com base na deficiência, uma vez que as professoras explicitaram que, pelo fato do
atendimento ser em grupo, atendem-se ao mesmo tempo alunos com deficiências variadas. Ao
serem questionadas sobre a função do laudo médico, a maioria das respostas perpassou pela
falta de capacidade de diagnosticar o aluno público-alvo da educação especial, conforme foi
apontado a seguir:
Eu não posso trabalhar em cima do meu achismo que eu enquanto experiente, eu acho. Eu não vou dizer que eu tenho certeza, porque eu não
posso dizer isso. [...] Mas é o médico que tem condições legais e me passar
aqui. [...] Às vezes eu estou forçando uma coisa na criança que ela não tem condição de me dar essa resposta, por conta da deficiência. Então, por
experiência a gente até sabe mais ou menos, mas o laudo é uma coisa
precisa, pelo menos a gente espera que seja pra poder você trabalhar em
cima daquele laudo (CLÁUDIA – Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 07/10/2016).
129
A gente não vai taxar a criança disso ou daquilo, porque nós não podemos fazer isso, né?! Nós não temos formação específica. Não somos médicos e
não podemos fazer assim (LAURA - Entrevista concedida a Luana Leal
Ribeiro em 13/09/2016).
Professor não tem que diagnosticar. Professor tem que perceber e
encaminhar aquela mãe, porque eles levam a palavra do professor como
ferro e fogo. Então, nós temos esse cuidado, por isso que a gente faz essa triagem, damos as dicas aos pais, porque quem tem que perceber, quem tem
que diagnosticar é uma equipe médica, até mesmo pra passar o laudo
(BIANCA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 07/10/2016).
A partir disso, foi possível identificar que os professores não se sentem responsáveis e
autônomos para organizar os critérios que definem quais seriam os alunos que poderiam ter
acesso ao AEE. Em função disso, para eles é imprescindível a apresentação do laudo médico,
especialmente para o preenchimento das informações referentes ao Censo Escolar.
Quanto a essa questão, como já ressaltado, a nota técnica nº 4 (BRASIL, 2014b)
sinalizou que o plano de atendimento educacional especializado é o documento apto a servir
de comprovação das matrículas dos estudantes público-alvo da educação especial, em
detrimento do laudo, podendo o quantitativo apurado ser repassado ao Censo Escolar. Mesmo
tendo conhecimento dessa informação, a complementação da resposta do INEP à solicitação
de esclarecimento acerca da comprovação das matrículas dos alunos no AEE registrado com o
número de protocolo 23480002982201771, ressaltou que
O Plano de Atendimento Educacional Especializado (AEE) é o documento
comprobatório, ou seja, o registro administrativo que comprova que o aluno
tem alguma Deficiência, Transtorno Global do Desenvolvimento ou Altas Habilidades/Superdotação. O laudo médico pode ser usado como documento
complementar que ficará anexado ao Plano de AEE, porém não pode ser
exigido como obrigatório. Além disso, o aluno não pode, em hipótese alguma, ter seu direito a educação negado pela ausência de laudo médico.
Além disso, cabe destacar que os registros administrativos devem ser
guardados para possíveis fiscalizações dos órgãos de controle: Conselhos; Tribunais de conta; Controladorias e etc.
Porém, os profissionais entrevistados desconheciam essa informação e consideravam o
laudo como indispensável para contabilização no Censo. Questionadas acerca dos alunos que
frequentavam o AEE, mas não possuíam laudo médico, as respostas foram:
Mas se for uma coisa muito visível, perceptível, a gente não coloca! Não
pode entrar no censo, porque não tem o documento pra comprovar! (FÁTIMA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 29/09/2016).
Até ano passado não podia! Esse ano liberaram. Existe um censo, e só entra quem tem o laudo e ela não pode estar inscrita em outra instituição. Não
pode ter duplicidade. Porque o censo só aceita com laudo e laudo dentro da
130
deficiência descrita lá também (LUZIA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 25/10/2016).
Eles liberaram sem laudo, mas qualquer coisinha que tem, só querem o aluno
com laudo. O que conta são só os com laudo (DALVA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 25/10/2016).
A defesa do uso do laudo médico, portanto, pode ser atrelada ao desconhecimento da
necessidade do mesmo para efetivação da garantia do AEE aos alunos considerados público-
alvo da educação especial.
Também cabe destacar, que antes de 2016, segundo os professores, os alunos que não
possuíam laudo médico e necessitavam frequentar o AEE eram impossibilitados de participar
desse espaço, sendo esse fato abordado nas seguintes falas:
Ontem mesmo chegou aqui um caso, que a menina não havia sido assistida.
Está na escola durante 6 anos, já foi repetente e ela não tinha sido atendida
porque ela não tinha o laudo. No início, até frequentou uns dias a sala de
recursos. No início, eu me lembro disso! Depois ela foi retirada da sala de recursos, porque veio uma ordem que ela não poderia ficar. Somente os que
tinham laudo. Então ela nunca mais voltou e hoje ela apresentou problema
no 5º ano quando ela tinha que estar lá atrás. De repente, nós já podíamos ter solucionado esse problema se tivesse sido trabalhado com ela (LAURA -
Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 13/09/2016).
Esse ano aceitaram sem laudo, depois de uma guerra! Muitas crianças iam
pra sala de recursos. Se estava exigindo o laudo, porque então não abria vaga
pra médicos? Pelo menos pra essas crianças pegarem o laudo, pra elas
frequentarem. Mas não! Fizeram sabe o que? Tiraram da sala de recursos! É uma criança que a gente sabe que tem alguma deficiência, mas você não é
médico pra diagnosticar, mas também você não tem a saúde pra te ajudar
(LUZIA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 25/10/2016).
A gente questionava na secretaria só que elas também ficavam no mesmo
impasse. Acabaram tirando as crianças sem laudo da sala e agente sabia que precisava, mas a gente não é médico. Eles tiram alegando que não pode ficar
sem. Esse ano pôde, sendo que não pôde ser registrado no censo. Essa foi a
exceção. Pode frequentar, mas não pode declarar no censo (DALVA –
Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 25/10/2016 em 25/10/2016).
Ao serem indagadas se as profissionais criavam um planejamento individual para os
alunos público-alvo da educação especial, as respostas foram:
Eu crio um só, todo, é o chamado inclusão, né! É no todo! Só que com eles eu trabalho de forma específica de acordo com a idade deles o mesmo
planejamento, porque não é inclusão? Eu não posso ver eles diferente. Os
pais não veem eles diferente. [...] Eles não tem o acompanhamento
psicologicamente, o raciocínio igual aos outros. Então, as atividades dele, eu faço específico como colagem, a parte psicomotora, de acordo com a faixa
etária deles e a limitação deles (BIANCA - Entrevista concedida a Luana
Leal Ribeiro em 07/10/2016).
131
Sim! Cada aluno tem seu planejamento individual. É uma coisa também
assim...é...o planejamento, eles pedem que a gente faça também por
bimestre, mas é uma coisa também que é mínima a mudança de um relatório
pra outro, porque o que eu quero alcançar com aquele aluno, eu não alcanço em um bimestre. Então vai ficar um planejamento repetitivo. Então eu faço
um planejamento e quando eu percebo que ele superou aqueles meus
objetivos, eu vou acrescentando né! Mas eles têm que ter cada um o seu planejamento. Por isso que quando eu tenho alunos diferentes, é complicado
você trabalhar dois tipos no mesmo horário e mesmo espaço (CLÁUDIA -
Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 07/10/2016).
A gente tem o plano...a gente faz o planejamento, tem que fazer e é
individual, cada um tem o seu plano de atendimento. É chamado
planejamento do AEE. A gente faz mensalmente ou bimestralmente e a gente opta por fazer bimestral porque o crescimento deles é bem lento.
Então, a gente olha o planejamento do professor da sala de aula e faz em
cima daquilo ali. E quando não é possível seguir aquilo ali, seguir o planejamento de sala de aula, no caso daquelas necessidades que não tem
jeito de seguir aquilo, a gente faz o planejamento de acordo com a
necessidade somente dele. Vida social, parte social família, casa, escola,
relacionamentos, a gente vai trabalhando em cima daquilo (LAURA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 13/09/2016).
A secretaria pede. Tem um que a gente coloca o conteúdo, o objetivo. Mas tem coisa que a gente coloca, mas a criança não consegue e temos que
mudar. Tudo isso depende da criança. Eu procuro saber o que eles estão
dando em sala de aula e dou aquilo. Quase sempre a gente dá de acordo com a professora está dando. Tem crianças que não tem o cognitivo preservado,
que não conseguem aprender conteúdo nem de sala de aula, nem da sala de
recursos. A gente trabalha pra ele ser autônomo. O certo é ir na dificuldade
que o laudo traz, pra gente trabalhar (LUZIA – Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 25/10/2016).
Essas falas contribuíram para contemplação do primeiro objetivo específico que visava
identificar se o município vem cumprindo com a exigência da criação de um plano de AEE
para os alunos com necessidades educacionais especiais que frequentam a modalidade
especial. Percebe-se que apesar da criação do plano individualizado, os professores não
demonstram muita clareza acerca das possibilidades que o instrumento poderia ofertar na
atuação junto aos alunos público-alvo da educação especial, muitas vezes sendo citado
somente como uma exigência da SMECE, no qual o plano era feito para cumprir um
protocolo. As falas ainda deixam claro que a articulação entre os professores das modalidades,
muitas vezes acontece somente para o repasse dos conteúdos que estão sendo e serão
trabalhados em sala de aula regular, para tentativa de adaptação das atividades a serem
desenvolvidas na sala de recursos.
Pletsch e Glat (2013) destacaram que na escola contemporânea, o trabalho pedagógico
tem exigido dos professores novas técnicas e propostas curriculares para que seja garantido o
132
atendimento às especificidades apresentadas pelos alunos em seus processos de ensino e
aprendizagem. Uma dessas propostas seria a elaboração e avaliação do plano educacional
individualizado – PEI, com o objetivo de promover práticas de ensino criadas segundo a
singularidade de cada aluno. Assim o “PEI estabelece uma base de atuação e intervenção
pedagógica de forma contextualizada, de acordo com os objetivos propostos para a turma”
(PLETSCH; GLAT, 2013, p. 21).
Por meio do discurso dos entrevistados foi possível perceber que os professores tentam
vincular as atividades realizadas no AEE com as da sala regular, porém, constatou-se que
essas ações são pautadas nas dificuldades e não nas potencialidades que os alunos apresentam.
O foco no diagnóstico clínico em detrimento dos processos de ensino e aprendizagem também
prioriza o déficit do aluno, sem considerar suas possibilidades de desenvolvimento. Assim, há
por parte dos professores uma baixa expectativa, que passam a propor atividades elementares
de forma concreta, e não estratégias que visam o desenvolvimento cognitivo superior desses
alunos (PLETSCH; GLAT, 2013).
Nesse sentido, a proposta do PEI é a de que esse instrumento deve ser elaborado de
forma colaborativa, entre os professores do AEE, regentes da turma regular e quando
necessário, nos casos de maior comprometimento, com a participação de profissionais da
saúde. Porém, Glat e Pletsch também destacaram que histórica e culturalmente, o sistema de
saúde brasileiro tem focado no diagnóstico e/ou reabilitação da pessoa com deficiência “não
atuando em sintonia com a área educacional para planejar ações que propiciem o
desenvolvimento daqueles que necessitam de intervenções mais abrangentes e sistematizadas”
(PLETSCH; GLAT, 2013, p. 32).
Foi destacado por alguns professores a necessidade da criação de um espaço
multifuncional, que pudesse atender aos alunos público-alvo da educação especial que
necessitam de acompanhamento por profissionais do âmbito da saúde, como neurologistas,
psiquiatras, neuropediatras e fonoaudiólogos. Esse ambiente também serviria de base para que
os alunos conseguissem o laudo médico, que até 2016, era solicitado obrigatoriamente para
efetivação da matrícula dos estudantes no AEE.
Eu acho que se isso é tão importante pra eles, deveria ter uma equipe médica, uma clínica mesmo, o professor estar junto com a equipe médica, ou
a equipe médica estar falando com o professor para o professor estar fazendo
alguma coisa em termos de saúde (LAURA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 13/09/2016).
Meu sonho é que houvesse um lugar onde tivesse...fosse um centro só pra atender a criança com necessidade especial. Que fosse um dia da semana ou
133
dois, mas que houvesse aqueles atendimentos (CLÁUDIA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 07/10/2016).
Ao serem questionadas acerca do encaminhamento dos alunos para a área de saúde, as
professoras indicaram dificuldades nesse processo, demonstrando fragilidades na articulação
intersetorial das políticas de saúde e educação. É importante registrar que o município de
Campos dos Goytacazes, constantemente ganha destaque nos veículos midiáticos acerca das
irregularidades descobertas no sistema público de saúde, como precariedade no acesso, más
condições de funcionamento, demora nos atendimentos e na realização de exames, assim
como nos desvios de recursos. Nessa conjuntura, o encaminhamento das famílias aos serviços
de saúde da rede municipal configurou-se como uma prática que encontra diversos obstáculos
na efetivação do acesso a esses serviços. Algumas falas perpassaram também pela questão da
produção do laudo médico. As profissionais entrevistadas informaram que
Mas, a gente tenta encaminhar essa criança a um neurologista e a outros exames. Mas a parceria é muito difícil, você conseguir um médico pra
criança, um exame, é uma coisa impressionante (CLÁUDIA - Entrevista
concedida a Luana Leal Ribeiro em 07/10/2016).
Agora, outro problema sério é a dificuldade que os pais têm de conseguir
uma consulta, um exame médico. Tem um aluno aqui que o médico passou
um exame pra ele de 5 mil reais. A mãe entrou na justiça e conseguiu o exame (JOANA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em
23/09/2016)
Então, essa criança também, ainda que nós não tenhamos o laudo fechado, a
gente tem trabalhado também com essas crianças, só que é exigido um laudo e às vezes a criança vai ao médico, a maioria delas vai ao médico ou
psicólogo ou psiquiatra, ou um neuro, mas ele não fecha o laudo de uma
hora pra outra. A gente não tem o laudo fechado de uma semana para outra, nem de um mês pro outro, até mesmo leva um ano inteiro pra se fechar um
laudo (LAURA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em
13/09/2016).
Com base nessa última fala, destacou-se que a produção de laudo sem análise criteriosa
e detalhada podem produzir estigmas e “justificam a exclusão escolar de quase todos os
examinandos, reduzidos a coisas portadoras de defeitos de funcionamento em algum
componente da máquina psíquica” (PATTO, 1997, s.p.).
Foi questionado, ainda, como ocorre a identificação e o encaminhamento para
atendimento no AEE dos alunos que não tinha a deficiência declarada no ato da matrícula,
mas que apresentavam limitações no desenvolvimento na sala de aula regular. De acordo as
entrevistadas:
134
Se o professor perceber, fala comigo e eu chamo a mãe, falo sobre a dificuldade ou o comportamento que não está adequado e peço pra procurar
e conversar com um pediatra e mando um relatório da escola, porque
chegando lá, não vai saber conversar e podem dizer que a mãe está
inventando coisa [...] a gente fica aguardando o parecer da médica a médica geralmente encaminha pro neuro e aí é com ele (JOANA - Entrevista
concedida a Luana Leal Ribeiro em 23/09/2016).
Muito pouco aquela criança que vem fazer matrícula e não tem laudo. Às vezes ela vem pra escola, mas a família não percebe. O professor,
principalmente, no primeiro ano, chama atenção do professor porque ela
começa comparar e conversa comigo ou até chama a mãe e depois conversa comigo (CLÁUDIA – Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em
07/10/2016).
Aí a gente começa investigando, chamando a professora da sala de recursos
e chamamos os pais (BIANCA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 07/10/2016).
Aí fica tudo por conta deles. Já não é mais comigo. Pela lógica, o laudo tem
que chegar primeiro lá, na sala de recursos (MARIA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 13/09/2016).
De início é o professor que olha. Quando ele chega na sala, levou o primeiro
mês, é o tempo que o professor consegue identificar. Aí eles entram em
contato com a gente, pedindo pra gente olhar e fazer uma avaliação (LAURA - Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 13/09/2016).
Nesse sentido, percebeu-se que os alunos que apresentam alguma dificuldade no
processo de ensino-aprendizagem são considerados como responsabilidade prioritariamente
do professor da sala de recursos. Portanto, os professores da sala regular são eximidos de
analisar e de criar novas estratégias que possibilitassem o seu desenvolvimento, sem antes
rotulá-lo como possuidor de alguma patologia. Por sua vez, quando acontece esse
encaminhamento para avaliação do professor do AEE, este também transfere para o âmbito
médico a possibilidade de diagnosticar com exatidão e controlar a possível patologia, por
meio de terapias e medicações. Segundo Collares e Moysés (1994), os professores que
deveriam ser os responsáveis por analisar os problemas educacionais, ao adotar uma postura
acrítica, apenas encaminham os alunos aos especialistas da saúde, o que por um lado, pode
acalmar sua angústia, mas por outro, ao transferir a responsabilidade, deslocam o eixo do
coletivo para o particular. Assim, a instituição escolar “legitima suas ações e suas não-ações,
pois o problema decorreria de doenças que impedem a criança de aprender” (COLLARES;
MOYSÉS, 1994, p. 29).
O aluno com deficiência ainda é considerado de responsabilidade exclusiva da educação
especial, possivelmente pelo fato da oferta desta modalidade de atendimento educacional, no
decorrer da história, estar atrelada aos espaços segregados. Assim, o fator de„sucesso‟ dos
135
alunos fica ao cargo dos professores da sala de recursos e, raramente, dos professores da sala
regular, que não veem o desenvolvimento do aluno como sendo de sua responsabilidade
(GLAT et al, 2006). Destarte, a autoridade médica, mesmo sem orientar os responsáveis e os
professores, e sem ter nenhuma aproximação com a área educacional, detém o poder de dizer
que aquela criança não está aprendendo por questões de cunho biológico. Com isso, anulou-se
a competência pedagógica, que deveria ser assumida pelo professor e não é. Esse discurso
produzido pelo médico passou a ser reproduzido pelo professor, que incorporou as
explicações organicistas e reducionistas (BONADIO; MORI, 2013), dando ensejo a um ciclo
no qual o aluno com deficiência vê-se limitado por todas aquelas pessoas que deveriam
contribuir para o seu progresso.
Os discursos dos professores ainda demonstram que nos primeiros sinais suspeitos
detectados pelos profissionais da sala regular, a criança passa a ser considerada como possível
detentora de alguma patologia/disfunção que poderia justificar seu comportamento e/ou
desenvolvimento na sala de aula. Assim, as crianças diagnosticadas e rotuladas pela escola,
podem ser isoladas dentro da própria sala de aula, por muros invisíveis, sendo encaminhadas,
na primeira oportunidade, aos profissionais da saúde, na procura de legitimação de sua
condição de doente (TEIXEIRA, 2007).
Cabe salientar que as relações estabelecidas entre alunos e professores no ambiente
escolar são comumente permeadas por mecanismos que anulam o diálogo. Sobre isso, Ribeiro
(2005) afirmou que há uma tendência de supervalorização do discurso dominante, que acabou
silenciando as manifestações presentes no espaço escolar, pelo fato de se atender aos padrões
pré-estabelecidos. Assim, o olhar, a escuta e o diálogo são escassos, fazendo com que os
alunos tenham que se submeter, se enquadrar e se aprisionar naquilo que lhes é imposto.
Portanto:
o que interessa é o atendimento aos padrões pré-estabelecidos e o alcance dos resultados idealizados, independente das características e necessidades
do processo de escolarização das crianças/adolescentes, bem como de suas
múltiplas expressões e manifestações. Portanto, nega-se a diversidade e riqueza das experiências dos sujeitos em detrimento da padronização
institucionalizada do sistema escolar (RIBEIRO, 2015, p. 21).
Essa afirmação vai ao encontro de uma narrativa de uma professora de sala de recursos
ao ser questionada sobre a articulação com o professor da sala regular. Segundo ela:
Tem um aluno que pergunta se ele poderia mudar de série porque ele não
consegue aprender nada. A professora me falou que ele estava muito conversador na sala. Perguntei pra ele o que estava acontecendo já que ele
136
não era assim. Ele falou que ela passa as coisas no quadro e ele pergunta ao colega o que é aquilo, o que é pra fazer e ela acha que é conversa. Olha a
falta do trabalho do professor! E ele não falou com a professora porque tem
vergonha. Então, você tem que chegar e acolher. Eu vejo uma grande
dificuldade no professor (CLÁUDIA – Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 07/10/2016).
O encaminhamento dos alunos aos serviços de saúde visando à produção de um
diagnóstico, sem que haja o olhar, a escuta e o diálogo, surge a partir da consideração de que
o „fracasso escolar‟ é fruto de questões inerentes aos alunos. Christofari (2014) problematizou
a medicalização dos modos de ser e de aprender, afirmando que há uma negação do verbo
“estar” em detrimento do verbo “ser”. Nesse sentido, o aluno que é hiperativo, é
desinteressado, é lento, entre milhares de outros adjetivos, potencializa a concepção de
estagnação e de imutabilidade. Vivenciamos uma “era dos transtornos” (GIUSTI, 2016, p.
42), na qual a medicalização psicofarmacológica do mal-estar ganha um papel central nas
teorias biológicas sobre as disfunções orgânicas do cérebro, considerando que a melhor forma
de revelar as origens e os motivos de determinadas dificuldades no âmbito escolar seria
através de um diagnóstico, o que como já foi amplamente discutido neste trabalho, não
corresponde à realidade.
Também foi questionado se o laudo médico era importante e se tinha função no
delineamento das atividades no âmbito escolar. As respostas foram:
Tudo a partir do laudo se encaminha melhor, porque aí a gente tem como
direcionar acompanhamentos médicos e o trabalho específico com aquela
criança é bem melhor! (BIANCA – Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 07/10/2016).
A importância do laudo é que ele te dá esse parâmetro de trabalho com a
criança. Ele te indica a deficiência, a necessidade especial daquele aluno e em cima dessa necessidade, como que eu vou trabalhar, o que eu vou usar
com ele. Então ele é muito importante (CLÁUDIA – Entrevista concedida a
Luana Leal Ribeiro em 07/10/2016).
Claro! O laudo é necessário pra você saber qual é o problema da criança. A
gente quer saber como reagir diante de determinada situação (JOANA – Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 23/09/2016).
Ele tem função porque a gente precisa mostrar pra alguém que a criança tem
o laudo. Tem que mostrar. [...] Ajuda? Ajuda! Eu não estou dizendo que não ajuda, mas, até o momento eu não tenho visto a necessidade de seguir o
laudo pra conseguir atender o meu aluno especial não (LAURA – Entrevista
concedida a Luana Leal Ribeiro em 13/09/2016).
Ele comprova pra gente saber o que a criança tem e se ela realmente precisa
da sala de recursos, porque quando a gente sabe que a criança tem um
problema, mas ela não tem laudo, nem nada que comprove aquilo, a gente
137
sabe, porque a gente vê! É visível na criança. E a gente lida com ela pra saber como que é o cognitivo dela, mas não tem nada que comprove
(DALVA – Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 25/10/2016).
O foco mesmo é trabalhar em cima da dificuldade da criança. Geralmente, de acordo com laudo. Dali tira a dificuldade dela. A gente trabalha com o
que ele tem dificuldade. Eu vou muito na parte cognitiva, pra ajudar o
professor na sala de aula (LUZIA – Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 25/10/2016).
Nunca vi, nem um! Quando eu quero saber, eu pergunto pra professora da sala de recursos. Pergunto se o aluno tem laudo e ela me diz (MARIA –
Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 13/09/2016).
Em mais de uma fala, encontramos a palavra “problema”, atribuída aos alunos. Essa
ideia reforçou o estereótipo de que o único responsável pela falta de desenvolvimento na
escola é o aluno que possui um “problema” inerente, ratificando a transformação de uma
questão que poderia ser pedagógica, em dificuldade individual.
É compreensível a defesa do uso do laudo como parâmetro para estabelecer os alunos
que serão públicos-alvo da educação especial, pois se não houver critérios, todos os alunos
que apresentem algum distúrbio no processo de ensino aprendizagem, serão considerados
como sujeitos com disfunções biológicas. Porém, o uso do laudo como parâmetro para
organização do trabalho pedagógico é nocivo à aprendizagem do aluno, pois o instrumento
não aponta possibilidades e sim questões biológicas que comprometem de alguma forma essa
aprendizagem. Assim, deve-se considerar que a existência não é o maior problema que
permeia o laudo e sim a grande influência que este exerce no contexto educacional. Por mais
que em algumas falas o laudo não tenha se apresentado como primordial, considerando
prioritariamente as necessidades individuais, em outras, os professores não excluíram o
condicionamento da sua prática docente ao laudo clínico.
Segundo a maioria das entrevistadas, o laudo tinha função de orientar a prática
pedagógica. No entanto, contraditoriamente, quando indagadas da articulação entre o
instrumento e as ações desenvolvidas nas salas, as docentes afirmaram que o laudo servia
apenas para determinar a limitação do aluno, ou seja, o parecer médico acabou se tornando
condição negativa e não positiva para o desenvolvimento, criando incapacidades e não as
desconstruindo.
Ao serem questionadas se no laudo continha alguma informação de como o professor
teria que lidar ou desenvolver as atividades com os alunos, todas afirmaram que não, mas que
pesquisavam a melhor forma de lidar com esse aluno.
138
Eu peço ajuda a professora da sala de recurso e entro pesquisando também, quais são as atividades que eu posso trabalhar com aquela criança, entendeu?
[...] Então, a gente tem o laudo e cabe o meu papel de professor pesquisar,
pra saber como lidar com ele (BIANCA – Entrevista concedida a Luana Leal
Ribeiro em 07/10/2016).
A gente que já tem uma experiência começa a pesquisar, assiste muita coisa.
A gente vai vendo o que essa criança precisa, o que ela é capaz de fazer (CLÁUDIA – Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 07/10/2016).
Uma professora afirmou que em uma dessas pesquisas descobriu um curso na
modalidade a distância que chamou sua atenção.
Agora vou fazer um na parte de neurociência, porque a minha angústia é saber por que essa criança não aprende. O que acontece nessa cabeça deles.
E assim eu vou procurando fazer esses cursos de capacitação (CLÁUDIA –
Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 07/10/2016).
Nesse ponto, percebeu-se que parece ser mais importante a justificativa do baixo
rendimento escolar, o que acaba por isentar a instituição educacional da responsabilidade de
lidar com esse problema. Conforme apontou Teixeira (2007) o resultado dessa prática é a
difusão acrítica e crescente das “patologias” que são consideradas como causadoras do
„fracasso escolar‟. Com isso, a difusão de “patologias” mal definidas, descritas em
diagnósticos vagos e imprecisos, rotulam sujeitos que não possuem qualquer disfunção
biológica que interfira em seu aprendizado.
Mendoza (2014) afirmou que é nítida a subjugação do saber e da autoridade do
professor ao conhecimento e à autoridade médica. A criança que foge à regra e apresenta
comportamento diferenciado, desperta na escola um incômodo e faz com que os profissionais
busquem soluções para justificar tais comportamentos. Ao perceberem esses comportamentos
diferenciados, os profissionais da educação buscam a partir de olhares patologizantes, meios
para justificar e sanar os problemas identificados no contexto escolar (CAMIZÃO, 2016).
Ao serem perguntadas sobre a possibilidade de o diagnóstico estar errado, as
entrevistadas responderam que:
Mas aí...aí eu não posso...aí...eu tenho que me basear no que o laudo vem,
porque eu vou, pedagogicamente até aqui (CLÁUDIA – Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 07/10/2016).
A moda agora é autista, né!? É igual qualquer é virose. Eu já vi caso de
mudar o CID. O médico disse que mudou! Eu nunca vi isso! Mudou na adolescência, porque geralmente nessa fase, eles sofrem transformações. Era
esquizofrênico, agora tem outra síndrome (JOANA – Entrevista concedida a
Luana Leal Ribeiro em 23/09/2016).
139
Tem uns que vem só com a sigla. Tem muitos laudos de autista, mas estão equivocados também. Você lembra da hiperatividade? Mau comportamento
era hiperatividade. Falta de limite, era hiperatividade (LUZIA – Entrevista
concedida a Luana Leal Ribeiro em 25/10/2016).
Para compreender especificamente a influência do diagnóstico em sua prática
profissional foi questionado se elas utilizavam o laudo médico e de que forma na criação de
ações e estratégias para o público-alvo da educação especial. Segundo as profissionais:
Não. Eu vou em cima da necessidade dele Eu olho a necessidade dele. A
gente vê né. Você tá todo dia com a criança. É impossível você não ver.
Então, a gente trabalha em cima disso, na necessidade dele (LAURA – Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 13/09/2016).
Tem casos que é você lidar com a criança. Primeira vez que você trabalha com a criança, vai ver qual é a necessidade. Eu mesmo tenho duas crianças
com transtorno opositor desafiador, que elas são diferentes uma da outra.
Tenho alunos com o mesmo diagnóstico, mas trabalho com cada um de uma
forma diferente. Agente acompanha o laudo? Sim, a gente tenta acompanhar o laudo, mas primeiramente, agente vê qual é a necessidade dessa criança
(DALVA – Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 25/10/2016).
O laudo é um documento que a gente tem se a supervisora chegar tem o
laudo. Na prática é pra ter a documentação pra dizer qual é o problema da
criança (JOANA – Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em
23/09/2016).
Eu olho o laudo, mas eu abro o leque com ele. Começo a investigar a
criança. Porque por exemplo, CID 10 e vem especificando. O laudo em si é burocrático. Eu, pelos anos que tenho, sinto assim: é uma maneira de colocar
na sala de recursos, mas sendo que tem laudo que não dá muita abertura pra
gente. Tem que conhecer o aluno e vê o que vai trabalhar com o aluno (LUZIA – Entrevista concedida a Luana Leal Ribeiro em 25/10/2016).
Diante dessas e de outras falas já citadas é possível responder o segundo objetivo
específico que consistia em apreender se há e como se efetiva a função pedagógica do laudo
médico na articulação dos professores do AEE com os professores da modalidade regular, na
delimitação das atividades a serem propostas junto aos alunos com necessidades educacionais
especiais. As respostas deixaram claro que, na prática, o laudo médico configurou-se muito
mais como uma questão burocrática do que um instrumento que norteia a prática profissional.
A maioria dos professores, mesmo ressaltando a importância do laudo para identificar o
“problema” do aluno, não conseguiu expressar com clareza a utilização do documento no
trabalho pedagógico. Durante as entrevistas, apesar de indagadas por mais de uma vez, elas
não expuseram em momento algum uma estratégia criada de acordo com a descrição da
deficiência. Nesse sentido, pode-se dizer que a exigência do laudo, portanto, acabou se
configurando um instrumento que na prática, além de limitar a oferta do AEE, não garantiu
140
que ações inclusivas sejam efetivadas. Em se tratando da articulação entre os professores das
modalidades regular e especial foi possível identificar que essa acontece de forma tangencial,
no qual os primeiros buscam os profissionais do AEE quando identificam dificuldades de
aprendizagem nos alunos e solicitam uma avaliação e consequentemente, encaminhamento
para os profissionais da saúde. Quando os alunos já frequentam o AEE, esse contato limita-se
no repasse do conteúdo a ser trabalhado em sala regular, não podendo ser identificado nas
falas o uso do laudo médico para criação em conjunto de ações, estratégias e atividades a
serem propostas pelos profissionais que atuam nas modalidades citadas.
Assim, ao considerar o diagnóstico como primordial para nortear as ações
desenvolvidas no AEE, os professores continuam sem elementos plausíveis para sua atuação.
Isto porque, não há, junto ao laudo, prescrições no modo de atuar junto à criança com
deficiência na educação especial. Portanto, observou-se que existe um “não saber” o que fazer
com os alunos público-alvo da educação especial. A partir da categorização dos discentes a
partir do laudo, esperou-se que a avaliação médica possibilitasse o direcionamento do tipo de
“ajuda” que deveriam receber. Porém, “a definição e a conceituação do tipo de deficiência
não são dinâmicas, não interferem no atendimento dessa criança, estigmatizam como incapaz
e não têm modificado a forma de atendimento na escola” (TARTUCI et al, 2014, p. 78). Até
mesmo, porque de acordo com o discurso dos professores, nem sempre há descrição da
deficiência, sendo indicado somente o código de acordo com a CID. A partir disso, constatou-
se que os profissionais do âmbito escolar podem passar a utilizar o laudo médico como
respaldo pelo baixo ou não aprendizado esperado dos alunos com deficiência, prevalecendo as
práticas de integração escolar em detrimento das de inclusão (FRANCO, 2012).
Camizão (2016) ressaltou que o professor não precisa do laudo para conhecer a criança,
pois se fosse necessário, em casos de alunos sem deficiência, deveria ser exigida uma ficha
técnica no momento em que esse profissional iniciasse seu trabalho com novos alunos. Nesse
sentido, a viabilização da educação acontece na construção das relações que esses sujeitos
estabelecem à medida que vão consolidando essas relações.
Tornou-se frequente deparamo-nos com educadores que afirmam ser incapazes de
trabalhar com alunos público-alvo da educação especial. Ressaltou-se que seria preciso algum
conhecimento de uma determinada área do campo da saúde, sob o argumento de que sem esse
conhecimento, não seria possível escolarizar a crescente parcela de alunos com algum
diagnóstico (ANGELUCCI, 2014).
A responsabilização dos educadores da modalidade especial no que diz respeito ao
ingresso no AEE, através do enfoque na avaliação pedagógica, fortaleceria a responsabilidade
141
que esses atores teriam no processo de diagnóstico inicial para acesso à sala de recursos
(BAPTISTA, 2011). Porém, ficou claro que os profissionais não sentem que são os
responsáveis por esse encaminhamento aos serviços da educação especial. Há de se concordar
que, talvez esses atores realmente não estejam preparados para construção dessa prática, em
vistas do histórico da vinculação dessa modalidade educacional aos serviços médicos.
Portanto, a autonomia dos professores deverá constituir-se em um processo objetivando que
sejam ressaltados os aspectos pedagógicos na construção de uma avaliação inicial
contextualizada e pautada nos cenários em que esse aluno se insere.
Bridi (2011) ressaltou que o parecer pedagógico do professor especializado pode fazer
com que o aluno seja identificado como público-alvo da educação especial, fazendo-o
ingressar no AEE e ser inserido no Censo Escolar. Assim, esse parecer, se elaborado mediante
avaliação inicial, pode se configurar um potente instrumento para se “pensar, propor, construir
os processos de escolarização junto com os alunos” (BRIDI, 2011, p. 163). Nesse sentido, a
construção de um processo descritivo, com riqueza de detalhes, assim como de informações,
delimitados a partir de possíveis objetivos a serem trabalhados com o aluno, pode oferecer
elementos para criação e construção de estratégias no âmbito educacional.
Contudo, a articulação entre os professores da modalidade especial e regular, assim
como o trabalho vinculado com as famílias, antes do repasse imediato ao âmbito clínico,
poderia ser considerada uma alternativa que visaria à construção de olhares sobre o aluno
desvinculado de estigmas, geralmente ocasionados nos primeiros sinais de desvio. A
identificação do público-alvo que terá acesso ao AEE, principalmente os alunos com
deficiências não sensoriais, como a intelectual, não pode ser pautada no que ele apresenta
como ausência e em suas dificuldades. Deve ser ressaltado que nesse processo, o professor
não pode ser o único responsabilizado pela falta de autoridade pedagógica no que tange aos
alunos da educação especial, justamente pela sua submissão ao conhecimento médico. A
formação dos profissionais da educação deveria ser voltada com o objetivo de prepará-los
para ensinar os alunos, considerando suas particularidades, potencialidades e subjetividades,
compreendendo os discentes como sujeitos capazes de aprender, apesar de suas dificuldades.
Portanto, cabem ações que vão desmistificar essa subordinação e dar mais autonomia a esses
profissionais através da qualificação, reflexão e trabalho conjunto com os demais atores que
permeiam os contextos vivenciados pelos alunos.
Após a explanação e problematização dos dados supracitados, apreendeu-se que os
laudos têm sido confeccionados de forma fragilizada, descontextualizados da realidade social
a que pertencem os alunos, sendo fechados e não explicativos. Este vem se configurando
142
como um documento que tende a profetizar um processo de ensino-aprendizagem negativo,
devido à presença da disfunção inata ao aluno. Portanto, o uso do laudo no ambiente escolar
tem se demonstrado como uma barreira que impede o acesso dos discentes ao AEE. Deste
modo, não pôde ser identificado nas falas das profissionais subsídios pensados a partir do
laudo no desenvolvimento de práticas e estratégias de intervenção na oferta de escolarização
desses sujeitos. Assim, a ênfase no diagnóstico pode trilhar percursos que serão determinantes
no histórico escolar dos alunos público-alvo da educação especial, que pautados nessa
perspectiva, tendem a permanecer na escola, estigmatizados e sem grandes perspectivas de
aprendizagem, tolhendo assim, suas potencialidades de desenvolvimento no âmbito escolar.
143
CONCLUSÃO
O presente trabalho possibilitou que fosse conhecida, mesmo que o tema não tenha se
esgotado, a realidade da oferta da modalidade de educação especial no município de Campos
dos Goytacazes/RJ. Também pôde ser observada a presença do modelo médico de
compreensão da deficiência, no que diz respeito ao encaminhamento do público-alvo dessa
modalidade ao serviço do AEE baseando-se no discurso dos profissionais da rede municipal
de educação. Ressalta-se que a fundamentação teórica pesquisada antes da análise das
entrevistas foi de grande valia, uma vez que possibilitou à autora o conhecimento dos
principais conceitos que permeiam o cenário educacional, como visto, ainda vinculado ao
saber soberano da medicina, principalmente em relação aos alunos que apresentam
especificidades em seu processo de ensino-aprendizagem.
O histórico repasse da responsabilização pela oferta de serviços para pessoas com
deficiência ao âmbito privado ainda pode ser encontrado, inclusive em lei federais e
normativas expedidas pelo MEC que ressaltam a parceria com instituições privadas que atuam
exclusivamente com a educação especial. Mesmo com a evolução da oferta de escolarização
na esfera pública nos últimos anos, as instituições, principalmente as filantrópicas, ainda
possuem protagonismo na concessão de serviços para os usuários da educação especial.
Assim sendo, pode-se compreender que, possivelmente, esse fato denotou a recusa da escola
em reivindicar para si a responsabilidade de oferta dessa modalidade. Vê-se ainda, que há um
julgamento em relação às instituições privadas, considerando-as mais qualificadas para
oferecer o AEE. Foi possível identificar através das falas que os alunos que frequentam a
modalidade especial são, na maioria das vezes, identificados como atribuição quase que
exclusiva do professor do AEE, demonstrando que a escola, como instituição, ainda não se
apropriou desses alunos.
Esse fato também comprovou que os professores do AEE, mesmo alguns tendo indicado
parceria com os da sala regular, trabalham em uma perspectiva individualizada e são
geralmente contatados somente quando os alunos não atendem às expectativas esperadas em
seu processo de desenvolvimento escolar naquele primeiro ambiente. Assim, contemplou-se o
objetivo específico que visava apreender se havia e como se efetivava a função do laudo
médico na articulação dos professores na delimitação das práticas a serem desenvolvidas.
Diante dos dados coletados, pôde-se identificar que o laudo não exercia influência na
delimitação das atividades e nem que havia efetiva articulação entre os profissionais que
atuam nas modalidades regular e especial no que tange a criação de ações e estratégias que
144
visassem o melhor desenvolvimento do aluno que frequenta as duas modalidades. Assim,
quando ocorria a identificação por parte do professor regular da dificuldade de aprendizagem,
quase que imediatamente, a defasagem era caracterizada como fruto de uma possível
anomalia decorrente de questões biológicas do aluno, sendo este encaminhado aos serviços de
saúde para que fosse produzido um diagnóstico de sua condição.
Do mesmo modo, identificou-se que, no município estudado, o diagnóstico inicial, que
deveria ser conferido por uma equipe interdisciplinar composta por profissionais que atuam
no âmbito escolar em interlocução com as famílias, e recorrendo apenas em último caso a um
veredito médico, não era realizado. Portanto, o encaminhamento de alunos aos médicos
revelou-se uma prática recorrente por parte das escolas, que buscam em diagnósticos
fechados, a explicação para a limitação do discente no ambiente escolar.
A narrativa acima abre precedente para que não sejam esgotadas as possibilidades de
desenvolvimento desse público por vias pedagógicas, pois o diagnóstico médico poderia ser
compreendido como atestado de incapacidade, de forma que o professor construísse a falsa
ideia que o aluno não poderia ir além da deficiência que lhe foi imputada, sendo comum nas
práticas escolares, conforme as falas dos entrevistados.
Cabe destaque ainda a modificação da forma de avaliação desses alunos a partir do ano
de 2016, sendo atribuída a eles a chamada terminalidade específica – TE no lugar de uma
nota, como é feito com os alunos que frequentam somente a modalidade regular de ensino.
Nesse sentido, ressaltado pelas profissionais entrevistadas e de acordo com a análise da
autora, a atribuição da TE aos alunos que apresentem laudo clínico reforçou a soberania do
saber médico em detrimento da autonomia escolar, que a partir do diagnóstico, rotulou o
aluno como possivelmente incapaz de alcançar resultados, obter uma nota satisfatória, e
consequentemente, ser aprovado e avançar nas fases escolares. Como dissertado pelas
entrevistadas, os que recebem a sigla têm suas potencialidades camufladas, podendo fazer
com que os profissionais que lidem com eles não se esforcem para ofertar uma escolarização
de qualidade, com diversas atividades que impulsionem o máximo de desenvolvimento dos
discentes. Isto pelo fato de já ser delimitado que ele será automaticamente aprovado,
independentemente de suas aptidões na sala de aula.
A redução do quantitativo das salas de recursos multifuncionais também foi um ponto
bastante problematizado nas falas das profissionais da rede municipal. Mesmo com essa
redução, que consequentemente aumentou o número de alunos por atendimento, já que os que
frequentavam as extintas foram remanejados para as remanescentes, os professores que em
sua maioria, trabalhavam somente no AEE, passaram a atuar como professores
145
complementadores para terem direito à regência escolar. Isso ocorreu mediante o
desenvolvimento de oficinas e para substituir os da sala regular em horário de planejamento.
Todas as profissionais que mencionaram essa questão mostraram-se insatisfeitas com essa
forma de atuação. Além da sobrecarga de trabalho, estas reconhecem que a execução das
atividades no âmbito da educação especial tinham falhas, principalmente pela impossibilidade
de realização do atendimento individualizado no caso de alunos com maiores dificuldades.
Apesar de se ter conhecimento da crise financeira enfrentada pelo município, assim
como o restante do país, pôde-se apreender que a educação especial foi uma modalidade que
sofreu drasticamente com o corte de salas e profissionais, reduzindo a qualidade dos serviços
prestados pelo município aos alunos público-alvo, como destacado pelas profissionais
entrevistadas.
Especificamente sobre o laudo médico, tema central da pesquisa apresentada, constatou-
se prioritariamente por meio de análise documental que o instrumento é solicitado para a
matrícula, sendo inclusive descrito em portarias publicadas em diário oficial, para os alunos
que necessitam de atendimento educacional especializado. Cabe advertir, que essa não é uma
realidade somente do município de Campos dos Goytacazes, no qual a autora tem
conhecimento que a solicitação do laudo, mesmo após a divulgação da prescindibilidade do
mesmo, é realizada em outros municípios, inclusive no estado do Rio de Janeiro. A
problematização seria sobre a real aplicabilidade que o instrumento confere às práticas
desenvolvidas no âmbito escolar do município.
As entrevistadas apontaram que até o ano de 2016, este documento era solicitado aos
responsáveis pelos alunos que frequentavam o AEE, mas que não possuíam o diagnóstico. A
presença desse instrumento servia como respaldo para que o discente continuasse
frequentando as atividades. A partir disso, foram narradas passagens em que alunos sem laudo
foram impedidos de continuar o atendimento nas salas de recursos multifuncionais.
Ao serem questionadas acerca da importância do laudo médico na escola, as
profissionais argumentaram que precisavam saber o que a criança tinha, pois, já que não
dispunham de conhecimento médico, não tinham capacidade para tal. Como foi demonstrado
ao longo do trabalho, segundo alguns autores, esse discurso é recorrente entre os profissionais
da educação, que não se percebem autônomos no tratamento, mesmo que pela vertente
pedagógica, dos alunos que possivelmente possuem alguma anomalia. Aqui foi utilizada a
palavra “possivelmente”, porque a elaboração do laudo clínico por um médico, pela visão da
autora, com base nas descrições das entrevistas, pode não estar correta, visto que muitas vezes
a patologia é identificada e descrita por meio da CID, em um primeiro contato com o
146
paciente. Por meio de leituras realizadas, verificou-se que esse processo não se configura
como uma ação fácil em razão da vasta gama de patologias atribuídas às pessoas que
apresentem especificidades comparados com os ditos “normais”.
Assim, mesmo a partir das falas das docentes descrevendo a importância do laudo
médico, algumas entrevistadas ressaltaram que em sua prática pedagógica, o foco era o que o
aluno apresentava como necessidade no seu processo de ensino-aprendizagem. Esse fato
deixou nítido que, na verdade, o laudo médico não é indispensável no âmbito pedagógico para
a delimitação de ações a serem desenvolvidas com alunos da educação especial, tanto no
AEE, quanto na sala de aula regular. Portanto, deve-se problematizar que, mesmo o laudo não
contendo diretrizes educacionais, a submissão dos professores diante desse saber ficou muito
clara no discurso das entrevistadas. Destarte, foi possível apreender que efetivamente, o laudo
médico não é utilizado para o direcionamento das ações e práticas pedagógicas desenvolvidas
tanto no ensino regular, quanto no AEE para os alunos que frequentam respectivamente, os
dois espaços na Rede Municipal de Educação de Campos dos Goytacazes/RJ, sendo assim,
possível responder, com base das narrativas das profissionais, o objetivo geral proposto no
presente trabalho. O laudo médico foi utilizado como instrumento que possibilitaria o
professor de realizar pesquisas com base na descrição e para que fosse conhecida a possível
causa das questões apresentadas pelos alunos que destoam dos ditos “normais”.
Cabe destacar que mesmo com a exigência do curso de Pedagogia, foram encontradas
profissionais que não possuem essa graduação, demonstrando, portanto, que a especialização
não garantiu uma capacitação real para atuação na modalidade especial. Os cursos de
formação continuada que eram ofertados pela secretaria de educação do município foram
citados como superficiais e que, de fato, não conseguiam transmitir com efetividade
conteúdos teóricos para que fossem melhoradas as práticas profissionais. Os cursos realizados
na modalidade a distância também devem ser problematizados, pois sem o devido tratamento
das questões que seriam importantes para a melhoria das práticas pedagógicas, a aquisição de
certificados não configura sólido conhecimento acerca do tema estudado.
A solicitação de esclarecimentos pelo INEP dos documentos que serviriam de
comprovação da efetivação da matrícula dos estudantes no AEE veio confirmar o que já
estava descrito na nota técnica nº 4 (BRASIL, 2014b). A criação do Plano de AEE em
detrimento da solicitação do laudo médico poderia possibilitar que em articulação com demais
atores, o professor do AEE tivesse a possibilidade da criação de um planejamento que
exaltasse as potencialidades dos alunos e não somente as limitações que o instrumento do
laudo tende a ter. Contudo, apesar da confirmação da criação do plano pelos professores da
147
rede municipal de educação de Campos, respondendo um dos objetivos específicos propostos
pela pesquisa, pôde ser percebido com clareza que os professores não tem conhecimento da
possibilidade de efetivação da matrícula dos alunos no AEE sem a imprescindibilidade do
laudo médico. Assim, os mesmos acabam reproduzindo narrativas e práticas que já estão
perpetuadas na educação especial, como “a necessidade do instrumento médico para conhecer
o problema do aluno”. Portanto, ratificou-se a hipótese inicial de que o laudo acabava sendo
utilizado como um documento que comprovaria a limitação inerente ao aluno, podendo nesse
sentido, ser utilizado para justificar o baixo ou nulo desenvolvimento, isentando os atores
educacionais da responsabilidade de reverem e problematizarem suas práticas e ações
pensadas e desenvolvidas no ambiente escolar.
Porém, é preciso ressaltar que não é intenção da autora e do presente trabalho,
culpabilizar o profissional que atua na educação especial, principalmente mediante a figura do
professor. Tem-se clareza de que os conhecimentos advindos tanto da formação inicial,
quanto da continuada, muitas vezes, não se configuram como suficientes no desenvolvimento
de um trabalho qualificado na modalidade. Mesmo não sendo os conhecimentos acadêmicos
considerados como os únicos responsáveis por uma adequada prática pedagógica, é necessária
a discussão da fragilidade na aquisição das teorias. Estas possibilitariam uma melhor
mediação no processo educacional, sendo esse cenário fragilizado, na medida em que não
conseguem ter como base estudos teóricos de qualidade produzidos especialmente para o
campo da educação especial. Esse fato também denotou a escassa possibilidade de
desenvolvimento crítico pelos profissionais em sua prática, pois somente esta não
possibilitaria que os docentes confrontem suas ações pela falta de uma base teórica que possa
iluminar sua prática no âmbito educacional. É preciso, portanto, que a teoria especializada e a
prática docente convirjam para uma oferta educacional de qualidade, além das melhores
condições de trabalho para que se efetive a inclusão.
Destarte, a medicalização e a patologização, enquanto conceitos que permeiam o âmbito
médico foram explicitamente demonstrados no trabalho apresentado, principalmente por meio
do discurso das entrevistadas. Para que haja uma tentativa de modificação desse panorama é
necessário discutir e divulgar a temática com os profissionais que atuam na educação e não
somente na modalidade especial. Busca-se, assim, reforçar a autonomia pedagógica desses
sujeitos no processo de ensino-aprendizagem de alunos que apresentem diferenças em relação
aos demais, sem que haja imediato encaminhamento aos médicos para elaboração de um
diagnóstico clínico.
148
Por fim, destacou-se que uma das possibilidades a ser utilizada nesse processo de
repensar as práticas docentes seria reposicionar o plano de atendimento educacional
especializado (ou individualizado) para um lugar de maior destaque, conferindo ao mesmo a
importância prática que lhe deveria ser dada, uma vez que não se observou na realidade da
vivência profissional das entrevistadas um olhar mais consciente sobre ele.
149
REFERÊNCIAS
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Alegre, 2008.
159
APÊNDICES
160
APÊNDICE – A: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO – UENF
CENTRO DE CIÊNCIAS DO HOMEM – CCH
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS SOCIAIS- PPGPS
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado (a) para participar, como voluntário (a), de uma pesquisa.
Meu nome é Luana Leal Ribeiro, sou a pesquisadora responsável e minha área de pesquisa é
vinculada à área de concentração “EDUCAÇÃO, CULTURA, POLÍTICA E
CIDADANIA” do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF. A pesquisa é sobre a Educação
Especial no município de Campos dos Goytacazes/RJ sob a orientação da Professora Drª.
Renata Maldonado da Silva. Após receber os esclarecimentos e as informações a seguir, no
caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias.
Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa, você não será
penalizado (a) de forma alguma. A participação nesse estudo é voluntária e se você decidir
não participar ou quiser desistir de continuar em qualquer momento, tem absoluta liberdade
de fazê-lo. Na publicação dos resultados desta pesquisa, sua identidade será mantida no mais
rigoroso sigilo. Serão omitidas todas as informações que permitam identificá-lo (a). Mesmo
não tendo benefícios diretos em participar, indiretamente você estará contribuindo para a
compreensão do fenômeno estudado e para a produção de conhecimento científico.
CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO DA
PESQUISA
Estou ciente que os dados coletados por meio de entrevista serão utilizados com
finalidade de pesquisa, respeitando todos os preceitos da área e que minha identidade será
preservada. Os dados coletados somente serão utilizados na pesquisa e os resultados serão
veiculados através da dissertação apresentada no programa da UENF e posteriormente em
artigos científicos em revistas especializadas e/ou em encontros científicos e congressos. A
161
acadêmica Luana Leal Ribeiro consequentemente fica autorizada a utilizar, divulgar e
publicar para fins de pesquisa, o mencionado depoimento no todo ou em parte, editado ou
não, bem como permite a terceiros o acesso para fins idênticos.
Quaisquer dúvidas relativas à pesquisa poderão ser esclarecidas pela pesquisadora
Luana Leal Ribeiro, por meio do email: [email protected] ou pela orientadora