UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA MESTRADO ACADÊMICO EM SOCIOLOGIA FILIPE PESSOA CAMELO “GASTRONOMIA” REGIONAL CRIATIVA: O CASO DO CENTRO DAS TAPIOQUEIRAS FORTALEZA – CEARÁ 2017
105
Embed
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE ESTUDOS …uece.br/politicasuece/dmdocuments/DISSERTAÇÃO_FILIPE_CAMELO… · com 105 folhas, acondicionado em caixa DVD Slim (19 x 14 cm
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
MESTRADO ACADÊMICO EM SOCIOLOGIA
FILIPE PESSOA CAMELO
“GASTRONOMIA” REGIONAL CRIATIVA: O
CASO DO CENTRO DAS TAPIOQUEIRAS
FORTALEZA – CEARÁ
2017
FILIPE PESSOA CAMELO
“GASTRONOMIA” REGIONAL CRIATIVA: O
CASO DO CENTRO DAS TAPIOQUEIRAS
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado Acadêmico em Sociologia do
Programa de Pós-Graduação em
Sociologia do Centro de Estudos Sociais
Aplicados da Universidade Estadual do
Ceará como requisito parcial à obtenção
do título de mestre em Sociologia. Área de
Concentração: Sociologia.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Kadma Marques
Rodrigues.
FORTALEZA – CEARÁ
2017
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará
Sistema de Bibliotecas
CAMELO, Filipe Pessoa.
“Gastronomia” Regional Cearense: O Caso do Centro das Tapioqueiras.
Enfim, a participação em determinada cultura alimentar manifesta realidades históricas,
territoriais, sociais, econômicas e políticas específicas, revelando que a alimentação humana é
inseparável da dimensão simbólica.
Neste sentido, a preferência pelo consumo de tapioca – comida cuja origem
encontra-se na alimentação de povos nativos do Brasil (CASCUDO, 2011) e que se acha
presente no cardápio de vários estados, inclusive no Ceará – leva muitos apreciadores a se
dirigirem ao Centro das Tapioqueiras e do Artesanato de Messejana (CETARME)1. Com a
finalidade explícita de comê-la, os consumidores não só acalmam o imperativo da fome, mas
também reforçam a potência de disposições sociais e culturais incorporadas. Neste lugar, pode
ser saboreada uma tapioca tradicional2, regada à receptividade das(os) tapioqueiras(os)
3, à
apreciação do próprio local, da escuta de histórias do dia a dia e da oposição entre a tradição no
modo de fazer esta comida e suas modificações ao longo do tempo.
Este cenário, entretanto, configura aspectos relacionados não somente às
especificidades da culinária tradicional-popular, mas a “diversificação” das tapiocas, do
atendimento, dos produtos e utensílios utilizados, dos discursos a respeito do valor desse espaço.
1 Localizado no Km 10 da CE-040. Bairro de Messejana, em Fortaleza, Ceará
2 Para a tapioqueira/permissionária N. (boxe Tapioqueira da Xuxa), a tapioca tradicional é aquela de origem
indígena: massa grossa, em formato redondo e com coco. Seu processo é explicado mais adiante. 3 O termo “tapioqueira” pode significar tanto o local quanto à função exercida pelas pessoas que preparam e
comercializam as tapiocas. Deste modo, de acordo com a tapioqueira N. (Boxe Tapioqueira da Xuxa) e o tapioqueiro
R. (Boxe Silvia Helena/Reginaldo), ser “tapioqueira(o)” é aquela pessoa que cuida de tudo no boxe e que tem o
ofício de fazer e de vender tapiocas há muito tempo. Portanto, a partir deste ponto de vista, quando esta palavra for
utilizada em um sentido geral, estar-se-á trabalhando com os sujeitos que são remanescentes das “antigas
tapioqueiras” e com aqueles que estão desde o início do CETARME.
16
Assim, por meio de informações colhidas durante minha observação participante
(CAVALCANTE; AZEVEDO, 2014), a articulação desta dupla tendência parece propiciar a
emergência de um elemento que atualmente tem adquirido notoriedade em âmbito mundial: a
criatividade como fator que agrega valor aos produtos. Além do mais, está inserido em um
contexto onde as escolhas turísticas não são feitas apenas pelos aspectos tangíveis
(infraestrutura, transporte, hospedagem e alimentação), mas também pelos elementos intangíveis
(lazer, entretenimento, novas experiências, conhecimento da cultura local, criatividade,
emoções, sabores etc.). Isto põe em evidência que a dimensão simbólica dos produtos
oferecidos, e especialmente o contato com a gastronomia regional de uma sociedade, tem sido
valorizada pelo consumo turístico (SAMPAIO, 2009).
Nesta perspectiva, apesar de esses sujeitos estarem inseridos em um contexto
mundial de massificação e de internacionalização da cultura, da industrialização dos alimentos,
da padronização das comidas (principalmente para atender ao consumidor turista), da
mercantilização dos serviços alimentares (formalização dos estabelecimentos informais),
entendo que eles têm elaborado “invenções alternativas e atuais dos modos humanos de estar no
mundo” (GONÇALVES, 2011, p.141). Ou seja, apesar da nostalgia evocada pelas(os)
tapioqueiras(os) – em relação ao antigo local de trabalho – muito daquilo que é feito por ela(es)
e suas(eus) funcionárias(os) ganhou outros formatos: a maneira de molhar a goma de mandioca;
a escolha dos insumos utilizados; o trabalho em família, organizado em consonância com as
normas estabelecidas pelo Governo do Estado do Ceará e pelo SEBRAE; e a racionalização do
próprio negócio, de maneira a atender às exigências sanitárias.
Diante desse contexto, indago-me: tentativas de distinção configuram-se por meio de
relações de cooperação e/ou de conflito entre esses sujeitos? Por quais modos se manifestaria a
criatividade como elemento de diferenciação? Seria a criatividade um recurso para atrair clientes
ou uma disposição incorporada e associada à gastronomia tradicional-popular em um contexto
de economia criativa?
Sendo assim, esta pesquisa tem como escopo principal analisar a relação entre
produção, criatividade e comercialização das tapiocas, a partir do Centro das Tapioqueiras e do
Artesanato de Messejana (CETARME), em Fortaleza/Ceará. Para tanto, objetivos
complementares foram traçados: a) identificar os diferentes papéis desempenhados pelos agentes
institucionais (STDS e SETUR – CE) envolvidos diretamente no processo de manutenção e
17
promoção do CETARME como produto turístico, especificamente o gastronômico; b) analisar
como o Turismo e a “Gastronomia” regional cearense são representados a partir de documentos
oficiais e por meio dos canais midiáticos em âmbito nacional e no Estado do Ceará (Planos
Nacionais e Estaduais de Turismo, Leis nacionais e estaduais, informações propagadas pela
mídia – impressa e/ou via internet – e entre outros); c) pesquisar os diversos aspectos do
trabalho das(os) tapioqueiras(os), a fim de apreender quais elementos colaboram para o
desenvolvimento de uma “gastronomia” regional criativa no Ceará.
Com uma abordagem aproximativa, tenho observado, ouvido e conversado com
alguns sujeitos que parecem ser fundamentais no entendimento do meu objetivo. Deste modo,
dentre os 26 boxes que compõem o Centro das Tapioqueiras, escolhi somente quatro. São eles:
Recanto do Sertão; Tia Neuma; Tapiocaria da Xuxa; e Silvia Helena/Reginaldo (estes dois
boxes são do mesmo permissionário).
O processo de seleção dos boxes se deu pela receptividade das(os)
permissionárias(os), pelo fato de um deles ser gerido pela presidente da Associação das
Tapioqueiras da Paupina (ATP) – tem uma relação mais próxima com as instituições privadas e
públicas –, pela boa quantidade de clientes e por se preocuparem, de alguma forma, com a
criação de novas estratégias para tornar seu trabalho mais atrativo para o cliente. Logo, sempre
que possível, inseri-me no cotidiano (com algumas interrupções) dessas(es) tapioqueiras(os)
para melhor apreender a produção e a comercialização das tapiocas e entender de que maneira a
criatividade é uma ferramenta utilizada por aqueles sujeitos.
Os principais lugares desta pesquisa são os boxes. Estes, observados de frente,
geralmente revelam a presença de chapa a gás – onde se fazem as tapiocas –, geladeira, freezer,
fogão, armário, e boa parte das paredes é revestida de cerâmicas. No local onde ficam os
clientes, há mesas e cadeiras, ambas de plástico e da cor branca. Sobre aquelas, um “pano” (na
verdade é de plástico) com o desenho de grãos de café em várias cores, o símbolo do
CETARME e da empresa Santa Clara, além dos utensílios utilizados pelos clientes (recipientes
de plásticos contendo talheres – facas, garfos e colheres de chá – e açúcar, porta-guardanapos,
garrafas de café na cor branca e xícaras na cor branca – estes três com a marca da Santa Clara –,
além de adoçante). As cadeiras, em parte, são revestidas por panos, com cores a depender do
boxe (verde “limão”, roxo, azul marinho, vermelho, verde), além do nome boxes e da marca
18
Santa Clara (empresa de café que é “parceria”4 do CETARME). Em sua maioria, as(os)
permissionárias(os) possuem em torno de quatro funcionárias(os) (duas ou dois atendentes,
um(a) que faz as tapiocas na chapa – chapista/cozinheira – e um(a) que faz a limpeza do local).
Nos finais de semana, acrescentam-se mais duas atendentes.
O presente trabalho está dividido em quatro capítulos. No primeiro, acham-se a
apresentação, o contexto histórico de constituição do CETARME e a fundamentação teórica-
metodológica da dissertação. Em seguida, no segundo, faço um panorama da alimentação no
âmbito globalizado e, mais propriamente, sua imbricação com a economia criativa. Já no
terceiro, analiso meu objeto de estudo com base naquilo que apreendi em trabalho de campo.
Por fim, destaco as relações estabelecidas entre permissionárias(os) e governo do Estado do
Ceará e SEBRAE.
4 De acordo com o tapioqueiro/permissionário R., esta empresa é uma parceira por entender as dificuldades
enfrentadas no Centro das Tapioqueiras. Assim, existe um contrato entre Associação das Tapioqueiras e Santa Clara.
19
2 O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DO “CENTRO DAS TAPIOQUEIRAS”:
SÍNTESE SÓCIO-HISTÓRICA
O Centro das Tapioqueiras e do Artesanato de Messejana (CETARME) pode ser
compreendido como consequência das políticas públicas do Governo do Estado do Ceará
voltadas para o desenvolvimento do setor turístico no final da década de 1990. Porém, interessa
apreender a elaboração desse lugar como fruto da relação entre agentes públicos e privados a
partir das reivindicações das(os) tapioqueiras(os) tomadas como fio condutor.
A fim de melhor entender como isto ocorreu é preciso saber como o turismo passou
a ser valorizado no âmbito das políticas governamentais, tanto no Brasil quanto no Ceará. Deste
modo, evidencio um período histórico específico, de 1930 ao início do século XXI, pois se trata
do pano de fundo para a constituição do CETARME. E, em seguida, explano a respeito dos
impactos atuais que o mercado do turismo tem causado sobre as práticas culinárias daqueles
produtores e vendedores de tapioca.
Desta sorte, no Brasil, o interesse do poder público pelo turismo emergiu a partir da
década de 1930. Naquele contexto, uma das primeiras ações governamentais foi a criação da
Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR), em 1966, com o objetivo de planejar ações para
este setor. Todavia, conforme assinala Carvalho (2000), naquele período, a agenda
governamental brasileira não incluía o turismo em suas políticas prioritárias. Apenas com a
Constituição Brasileira de 19885 é que esse setor passou a ser visto como elemento relevante na
economia do país.
Assim, durante o governo do ex-presidente Collor de Mello (1990-1992), houve a
reestruturação da EMBRATUR e, por meio do Decreto 448, de fevereiro de 1992, tentou-se
equacionar problemas relativos à renda nacional também a partir do desenvolvimento do
turismo. Para tanto, foram estabelecidas diretrizes para que isto ocorresse. Dentre estas, destaca-
se a prática do turismo como forma de valorização e preservação do patrimônio natural e
cultural do país (CARVALHO, 2000). Neste sentido, o turismo passou a ser percebido como
ferramenta necessária para manter e enaltecer os aspectos culturais e históricos brasileiros. Quer
dizer, este setor passou a integrar o engajamento governamental em divulgar, manter e elevar
5 Art. 180. Cap. I. Título VII: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios promoverão e incentivarão o
turismo como fator de desenvolvimento social e econômico” (BRASIL, 2012, p.110).
20
elementos simbólicos que fazem parte da vida de cada grupo social nacional (museus, prédios
históricos, “gastronomias” regionais entre outros), convertendo-os também em mercadoria.
A partir disto, pode-se perceber o entendimento dos representantes do Estado de que
as culturas (em suas diversas matrizes) podem contribuir para o desenvolvimento da economia
brasileira. Assim, as florestas, as praias, o mar, as montanhas, enfim, as “belezas” naturais não
são os únicos elementos disponíveis para se conhecer o Brasil. As comidas, as músicas, as
danças, os artesanatos, os prédios históricos, isto é, os aspectos construídos social e
culturalmente também são meios de imersão na realidade dos lugares visitados.
Portanto, o turismo passa a ser considerado como um dos caminhos de “proteção”,
propaganda, “valorização” e até mesmo de inovação das culturas regionais e populares6. Isto
parece ter reverberado, dez anos depois, na maneira como o governo cearense modelou o
processo de qualificação do ofício das(os) tapioqueiras(os), aproximando as práticas de preparo
da tapioca e o consumo alimentar dos turistas. Isto será explicado pormenorizadamente mais
adiante.
Devido à instabilidade política do referido momento histórico nacional, esses
objetivos não foram concretizados no tempo estabelecido. Foi o sucessor do Presidente
Fernando Collor de Melo, Itamar Franco (1992-1995), quem deu andamento às metas do
governo anterior. Para tanto, em seu mandato, foi elaborado o Plano Nacional de
Municipalização do Turismo (PNMT). A proposta deste era “fomentar o desenvolvimento
turístico sustentável nos municípios, com base na sustentabilidade econômica, social, ambiental,
cultural e política” (EMBRATUR apud BRUSADIN, 2005). Todavia, foi somente no governo
seguinte que esta seria executada.
Baseados em “pressupostos desenvolvimentistas” (BRUSADIN, 2005) – estabilizar
a economia, financiar o desenvolvimento e a reforma do Estado, tornar este mais competitivo,
moderno e eficaz, além de reduzir as desigualdades sociais e espaciais – e no escopo de
fortalecer social e economicamente o turismo brasileiro, foi nos dois mandatos de Fernando
Henrique Cardoso na Presidência da República (1994-1998/1999-2002) que se organizou e se
efetuou o Plano Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT)7 e o Plano Nacional de
6 Isto nos remete à construção do Centro das Tapioqueiras e do Artesanato de Messejana (CETARME), visto que se
trata de lugar de “ordenação” e “controle” de uma culinária tradicional de base popular, ou seja, mulheres e homens
de classe social pobre que preparavam tapiocas a partir de um conhecimento adquirido hereditariamente. 7 Por falta de comunicação entre governos Federal e Municipal, e também por oposições políticas, esse plano não
deu os frutos desejados.
21
Turismo (PNT). Ambos foram alicerçados na meta estratégica de descentralizar as ações
concernentes a esse setor, isto é, os governantes dos Estados, dos Municípios e do
Distrito Federal teriam “autonomia” para selecionar aquilo que seria atrativo turístico
concernente à sua localidade.
No Estado do Ceará, desde a década de 1970, alguns lugares despontaram como
destinos turísticos: ressalta-se a praia de Canoa Quebrada, na cidade de Aracati (IPETURIS,
2011). Todavia, pelo Brasil, a imagem que se tinha do território cearense estava relacionada à
seca e à miséria – por motivos tanto naturais quanto sociais. Em virtude disto, a partir da
segunda metade dos anos de 1980, ações governamentais tiveram como escopo mudar esta
representação. Dentre estas, ampla propaganda governamental, pelos meios de comunicação
(televisão, jornais impressos, guias turísticos), foi feita em prol desta alteração. Assim, a
primeira iniciativa foi eleger as praias cearenses como atrativos turísticos. O critério de escolha
se fundamenta no fato de que, no Ceará, os períodos chuvosos são curtos. Por conseguinte,
praticamente todas as atividades empreendidas pelo governo cearense, neste sentido, foram
direcionadas às regiões litorâneas.
Isso não se sucedeu de maneira isolada do que estava acontecendo no mundo. Pois,
com o advento da globalização, para que um lugar se converta em atrativo turístico competitivo,
os agentes públicos devem buscar, nas particularidades deste território, algo que estimule o
consumo dos turistas. Para tanto, o foco sobre as suas singularidades culturais, sociais e naturais
se torna a principal via. Partindo desta compreensão, a primeira tentativa de ressignificação do
Ceará, sob a perspectiva naturalística – de um lugar seco e miserável para belo e próspero –
destacou as singularidades das praias cearenses. Porém, esta conversão abriu o caminho para
que manifestações de cunho cultural e social pudessem ser valorizadas.
No âmbito desta mudança e em consonância com o que estava sendo feito na esfera
nacional, em meio ao terceiro mandato de Tasso Jereissati (1998-2002) como governador do
Estado do Ceará, o setor do turismo cearense deu um salto qualitativo em termos de
estruturação. Em conformidade com aquilo que estava sendo planejado pelo governo federal,
foram executadas três ações na década de 1990: a criação da Secretaria de Turismo do Ceará
(SETUR), o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Ceará (1995-1998)8 e o Programa de
8O Plano de Desenvolvimento Sustentável do Ceará, para tornar o turismo cearense mais atrativo, objetivou uma
ampla campanha publicitária que estimulasse a mudança do imaginário social construído que representava o Estado –
associado à seca e à miséria (LIMA, 2012).
22
Ação para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (PRODETUR-NE). Deste modo, a
articulação entre tais ações foi tornar o turismo cearense competitivo tanto entre os outros
Estados brasileiros como internacionalmente. Para tanto, algumas obras foram realizadas com
este fim: a construção do Aeroporto Internacional Pinto Martins, além de "rodovias
estruturantes" que facilitaram a ligação de Fortaleza (capital cearense) às cidades do litoral
Leste e Oeste (LIMA, 2012).
No mesmo período, especificamente no ano de 1999, em virtude do Programa
Rodoviário de Integração Social do Estado do Ceará II (Programa Ceará II)9, a malha rodoviária
estadual foi ampliada e reformulada, possibilitando, assim, a ligação entre todas as regiões do
Ceará e o aumento do fluxo da produção interna e das matérias-primas para o parque industrial
cearense. E, atendendo as demandas do turismo doméstico e internacional, a Rodovia CE-040
foi duplicada para facilitar o acesso às praias do litoral Leste. Desta maneira, as pessoas
interessadas em visitar esta região teriam duas alternativas saindo da capital do Estado: seguir
por este novo trajeto ou se deslocar pela Avenida Barão de Aquiraz (antiga rota)10
. Entretanto,
frente à intensificação do tráfego de automóveis no novo itinerário, ficou claro que esta
intervenção acarretou um impacto negativo sobre os rendimentos financeiros nos pequenos
comércios que ocupavam a antiga rota, incluindo as(os) tapioqueiras(os) que trabalhavam
naquela Avenida.
Sendo a produção e a comercialização de tapiocas tradicionais (formato redondo,
grossa em espessura e misturada com coco ralado) a principal fonte de renda de muitas(os)
tapioqueiras(os) há mais de 50 anos, estas(es) reivindicaram do Governo do Estado do Ceará
alguma solução para o problema do decréscimo nas vendas (BEZERRA, 2005). Porém,
enquanto não obtinham uma providência efetiva do poder público, elas(es) colocavam placas e
faixas na rodovia recém-ampliada (CE-040) indicando a existência de seus estabelecimentos à
beira da Avenida Barão de Aquiraz. Neste local, as(os) tapioqueiras(os) trabalhavam em casas
feitas com tijolos, ladeadas por fornos à lenha para a preparação das tapiocas.
Como resultado deste contexto de tensões, no ano de 2001, o governador Tasso
Jereissati autorizou a ordem de serviço para a elaboração de um espaço destinado a abrigar a
9 O “Programa Ceará II” teve financiamento externo (Banco Interamericano de Desenvolvimento-BID e Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social-BNDE) e interno (recursos públicos). Aliás, esse programa
esteve estruturado nos critérios exigidos por essas instituições privadas nos contratos de empréstimos (BEZERRA,
2005). 10
Localizada no bairro Paupina, subdistrito do Bairro de Messejana, em Fortaleza, Ceará.
23
atividade produtiva das(os) tapioqueiras(os). Essa ação culminou na construção do Centro das
Tapioqueiras e do Artesanato de Messejana (CETARME) e, consequentemente, na mudança
das(os) tapioqueiras(os) para este novo endereço, localizado no km 10 da CE-040. Apesar
disso, essa transferência não aconteceu do dia para a noite. De acordo com uma das
tapioqueiras dessa época,
foi um pouco difícil a gente conseguir isso aqui. Quando eu pensava que estava muito
bem lá, fizeram essa avenida CE-040. Ai nós tivemos que... interditô, interditô! Num
tinha mais nada! Entraram muita gente em depressão, desespero e eu disse ‘eu num
vou ficar calada não[...]. Aí comecei a botar faixa, placas aqui na avenida né?! Mas, o
pessoal do DERT arrancava. Fiz uma faixa bem grande. Chamei oito tapioqueiros,
porque lá era umas dez. Chamei umas donas de tapioqueira lá, umas oito. Inclusive até
esse meu filho tava também. Aí vamo colocar uma faixa. Aí na faixa eu coloquei:
‘Pedimos ao DERT retorno pras nossas tapioqueira”, [...]. Quando eu vim colocar essa
faixa aqui, o primeiro carro que vinha era do DERT. Aí eu digo ‘Vá-la meu Deus,
vamo fechar essa faixa dipressa’. Aí enrolei, eles: ‘o que é que tem nessa faixa?’. Aí
eu disse: ‘o jeito é abrir, vamo abrir essa faixa’. Quando ele viu, um olhou para o
outro... só que eu não sabia que aquela faixa tinha tanta utilidade. Não sabia. Pensei
que era só um aviso, pedindo compaixão [risos], né?! Mas, não! Não foi assim! Mas,
eu não sabia. Aí, com muita peleja, eles foram ir diretamente ao Governo do Estado e
lá disseram que a gente não ia ficar calado, né?! (Tapioqueira N.)
Foi um período de negociações políticas com a finalidade de solucionar o
decréscimo nas vendas de tapiocas. Mas, neste ínterim, fatos relevantes aconteceram para
modificar os comportamentos e as maneiras de pensar das(os) tapioqueiras(os) em relação à sua
prática culinária. Um, dentre os fatores mais proeminentes, foi a oferta de cursos de
qualificação profissional, ministrados pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do
Ceará (SEBRAE) e pelo Centro de Ensino Tecnológico (CENTEC), que passaram a ser pré-
requisitos para as(os) tapioqueiras(os) que quisessem ter a permissão do governo do estado para
utilizar os boxes nesse novo espaço.
Os conteúdos lecionados nos cursos referiam-se aos aspectos técnicos da culinária,
à eficiência energética em micro e pequenas empresas, ao empreendedorismo, ao
associativismo, ao cooperativismo, à qualidade no atendimento e à etiqueta. Estas matérias
reconfiguraram a forma como esses sujeitos praticavam e pensavam o próprio trabalho11
. De
acordo com Bezerra (2005), até mesmo o estilo de vida delas(es) foi alterado por consequência
da nova realidade: a intenção do poder público foi ajustá-los aos padrões do consumo turístico 11
Para Bezerra (2005), o que antes era resolvido no espaço privado da família, passou a levar em conta outros
sujeitos e tendo que prestar contas à ATP e ao Estado.
24
nacional e internacional.
Por conseguinte, o CETARME foi inaugurado em 9 de janeiro de 2002. Foi feita
uma solenidade, com a presença do então governador do Estado do Ceará – Tasso Jereissati – de
deputados e vereadores ligados à região da grande Messejana, das(os) permissionárias(os), além
de outras pessoas ligadas a estes. Assim, foi entregue uma estrutura física constituía de 26 boxes
(22 para as(os) tapioqueiras(os) e quatro para lanchonetes), um pequeno espaço para a venda de
artesanato (inaugurado pouco tempo depois), vagas para estacionamento de veículos (carros,
motos e ônibus), banheiros, sala de reunião, 22 “despensas” e um pequeno jardim12
.
Vale ressaltar que a divisão desses boxes foi feita pelos agentes da Secretaria do
Trabalho e Ação Social (SETAS), por meio de sorteio aleatório entre as(os) 26
permissionárias(os)13
. Mas, apenas algumas(uns) tapioqueiras(os) poderiam participar, ou seja,
somente aquelas(es) integrantes da Associação das Tapioqueiras da Paupina (ATP)14
que
participaram dos cursos de qualificação profissional. Durante uma entrevista informal com a
permissionária do boxe “Tapioca da Xuxa”, ela afirmou que essa etapa definiu não somente um
boxe para cada tapioqueira(o), mas também demarcou aquelas(es) que teriam mais facilidade
para receber os clientes – devido à própria estrutura física do local15
.
Com o passar dos anos, tanto o quadro do turismo, em âmbito internacional,
brasileiro e cearense, quanto o contexto do próprio CETARME se modificaram. No que tange
àquele, desde o ano de 2002 até o ano de 2016 – durante os dois mandatos de Luís Inácio Lula
da Silva e passando pelos mandados de Dilma Rousseff, ambos na presidência da República do
Brasil – o turismo foi se aproximando, de maneira intensiva, das manifestações culturais, em
especial das gastronômicas, consideradas potencialmente criativas.
No último ano do governo Lula, por meio do documento “Turismo Cultural:
Orientações Básicas” (MTUR, 2010), abordou-se o potencial que o “turismo gastronômico”
poderia ter. Entendido como um segmento do turismo que tem surgido com o papel de criar
12
A Empresa Municipal de Limpeza e Urbanização (EMLURB) da Prefeitura de Fortaleza-CE executou uma ação
para “revitalizar” o jardim deste espaço no ano de 2011. Foram colocadas plantas nativas, ornamentais, aromáticas
e medicinais. (Em: http://www.opovo.com.br/app/fortaleza/2011/02/28/noticiafortaleza,2108190/centro-das-
tapiocas-ganha-projeto-de-paisagismo.shtml). 13
Tapioqueiras(os) que conseguiram permissão para obter um boxe neste espaço. 14
Regimento elaborado por duas agentes da SETAS para direcionar aquilo que é permitido ou não às(os)
permissionárias(os) fazerem no interior do CETARME. 15
A questão da estrutura física do CETARME, como elemento gerador de conflitos, pode ser mais bem entendida
responsável pelo caixa; faxineiros; vigilantes; representantes comerciais; clientes; familiares;
funcionários do governo do Estado do Ceará e de empresas privadas – além dos fatores externos,
como economia, política, cultura, sociedade, meio ambiente, entre outros. Portanto, é na
apreensão de elementos coletivos que este trabalho busca apreender a valorização de processos
criativos como novidade no contexto analisado27
.
27
Essa posição metodológica parte das leituras de De Masi (2003), “Criatividade e grupos criativos”, e Howard
Becker (2010), “Mundos da Arte”.
51
O vocábulo criatividade é geralmente empregado para designar a feitura de algo
“original”, seja um objeto, uma técnica, uma estratégia ou um regimento interno. De todo modo,
os momentos de criação ou elaboração inovadora fizeram-se presentes ao longo de toda a
história da humanidade. E uma das formas de percebermos isto é na maneira como os seres
sociais lidam com a natureza a partir de suas culturas – estas mesmas podem ser consideradas
como criações humanas. Montanari (2004) exemplifica essa ação criadora com a agricultura: “A
perspectiva mental dos antigos colocou a agricultura como o momento de ruptura e inovação,
como o salto decisivo que constrói o homem “civil”, separando-o da natureza, ou seja, do
mundo dos animais e dos “homens selvagens” [...]” (idem, p.22).
O surgimento de novas técnicas de caça, de pesca e de plantação revolucionou a
maneira como tais sujeitos viviam, além de contribuir para o desenvolvimento dos grupos
sociais posteriores. Isso demonstra que o ato “criativo” é subjacente à história da humanidade.
Outro exemplo é a fabricação do pão:
Na região mediterrânea – a área do trigo –, é o pão que desenvolve essa fundamental
função simbólica [passagem do estado de natureza para a cultura], além de nutricional:
o pão não existe na natureza, e somente os homens sabem fazê-lo, tendo elaborado uma
sofisticada tecnologia que prevê (desde o cultivo do grão até a preparação do produto
final) uma série de operações complexas, fruto de longas experiências e reflexões.
(Idem, p.26)
E, apesar de o historiador italiano delegar a uma mulher específica a exclusividade
da criação do pão, é razoável considerar que sua ação somente foi possível graças ao
intercruzamento de vários outros atores: os plantadores, colhedores e distribuidores de trigo e da
cevada (provavelmente uma só pessoa fizesse estas três funções); os fabricantes dos utensílios
necessários para a preparação dessa comida; e a pessoa que lhe ensinara as técnicas e os
conhecimentos culinários. Sendo assim, tratou-se mais de uma criação coletiva do que
propriamente de uma única pessoa. Isso não quer dizer que inexistam as “genialidades”
individuais, porém, somente o trabalho de síntese feito por eles não seria suficiente para explicar
a perpetuação da novidade, sua difusão e sucessivas reconfigurações no tempo.
No caso da tapioca, ocorre um processo semelhante. Com base nos escritos
históricos acerca dessa comida (CASCUDO, 2011; DÓRIA, 2014), ela está incluída nas culturas
alimentares de quase todos os povos nativos do Brasil. No entanto, saber ao certo sua origem,
52
não é possível. É de conhecimento público que esses povos plantavam, colhiam e processavam a
mandioca (alimento utilizado para a feitura da tapioca), gerando, assim, a goma (farinha de cor
branca e de textura fina). Historicamente, diversos sujeitos concorriam para a feitura das
tapiocas, entre homens, mulheres e crianças. Comparando ao que ocorre no CETARME, trata-se
igualmente de uma atividade coletiva.
Com o passar dos anos e das transformações subsequentes, a tapioca passou a ser
preparada de maneira diferente. Com o advento da globalização alimentar, tornamo-nos muito
mais dependentes uns dos outros para podermos comer. E isto reverbera no Centro das
Tapioqueiras: a formulação de um novo modelo de tapioca ou de novas combinações está
conectada a uma “rede de cooperação” (BECKER, 2010).
Grande parte dos estudos acerca da criatividade, ou da inventividade, estão
vinculados à Psicologia e à Psicanálise. O foco recai sobre o indivíduo e sua personalidade e
capacidade neural. Contudo, no que tange à abordagem sociológica, o objetivo acha-se voltado
para as atividades praticadas por um grupo de pessoas e pela influência de fatores exógenos –
economia, cultura, sociabilidades, ambientes. Em conjunto, tais fatores conformam as “ações
criativas”.
De Masi (2003) fala em “criatividade social”, ou seja, algo que é criado para e pelos
indivíduos em sociedade. Ele dá exemplos: Constituições; Estatutos Municipais; Emendas,
Códigos e Regulamentos Urbanos; Leis; etc. Isso promove, de acordo com esse autor, a criação
de novas formas de sociabilidade e, a partir disso, pode ocorrer a “criatividade organizacional”:
formulação de relações sociais inventadas no negócio, na escola, no partido, no restaurante e,
neste caso, no Centro das Tapioqueiras.
A elaboração da Associação das Tapioqueiras da Paupina (ATP) pode ser
vislumbrada como a criação de uma nova forma de relação social. Sua constituição foi resultado
de ações empreendidas por vários atores sociais: funcionários do SEBRAE e do Governo do
Estado do Ceará; além das(os) tapioqueiras(os). Porém, neste caso, os primeiros impuseram aos
segundos a formulação e a participação nessa associação. Segundo a Tapioqueira N.: não
sabíamos de nada, foram os profissionais do SEBRAE que ensinaram tudo pra gente. Mas, de
acordo com os relatos que colhi de outros funcionários, esse período foi marcado por muitos
conflitos envolvendo esses agentes sociais, o que comprova a ideia de que se trata de um
processo de criação coletiva.
53
Não se pode descartar a possibilidade de essa situação ganhar uma versão oficial,
elaborada pelo poder público, que simboliza o “ponto de vista dos pontos de vista”
(BOURDIEU, 2014). A difusão desta versão ocorre, então, mediante um movimento de cima
para baixo, como uma imposição para quem se destinou a ser permissionária(o). Entretanto, esta
pesquisa também busca enfatizar o papel das(os) tapioqueiras(os) no estabelecimento das regras
e das normas que regem as atividades no CETARME. Consequentemente, os ditames dos
agentes oficiais caminham paralelamente aos discursos e práticas das(os) permissionárias(os) em
relação ao trabalho que fazem, havendo, assim, momentos tanto de convergência quanto de
tensão.
Esse regimento foi redigido levando em consideração as práticas relacionadas às
“Antigas Tapioqueiras”, tanto para legitimá-las por escrito quanto para transformá-las. Entre
elas, há a questão da vestimenta, do modo de atender o cliente, dos utensílios a serem utilizados,
do horário de funcionamento, do que poderia ou não ser vendido, da maneira de conservar a
tapiocaria etc. Ocorreram alterações cuja finalidade era o enquadramento das(os)
permissionárias(os) àquilo que o Governo do Estado e o SEBRAE afirmavam ser a maneira
correta de produzir e comercializar tapiocas. Portanto, a orientação que passa a prevalecer é que
cada um deve seguir o que for estabelecido pela Associação. As preferências individuais devem
estar em conformidade com o regulamento e com as decisões tomadas em grupo entre as(os)
permissionárias(os).
Mediante o que foi exposto, fica evidente que a ATP não vem seguindo à risca o
Regimento Interno. Diante disso, adaptações foram feitas ao longo dos anos em função do
arbítrio de cada permissionária(o): as vestimentas não são mais padronizadas; nos boxes das
tapiocarias, foram acrescentados vários equipamentos; não existem lanchonetes; não se tem o
controle da rotatividade dos automóveis nos dois estacionamentos; entre os horários de
funcionamento, 5h às 22h, cada boxe abre e fecha a depender do movimento de clientes. Estes
são alguns pontos que sofreram alterações. Porém, por mais que haja “curvas” nos
comportamentos das pessoas que trabalham no Centro das Tapioqueiras, a maneira como elas se
relacionam é diferente, ou mesmo nova, em comparação ao que era vivenciado pelas “Antigas
Tapioqueiras”.
Uma questão precisa ser esclarecida: neste contexto, o que pode ser entendido por
“criação” e por "inovação”? Domenico De Masi (2003) afirma que o primeiro termo é definido
54
como novo produto, algo que não existia, enquanto que o segundo remete à modificação, ao
aperfeiçoamento, à ressignificação de um produto já existente. Porém, é preciso salientar que
esse sociólogo trabalha em um contexto no qual há uma discrepância explícita entre o que é
“novo” e o que é “modificado”.
O “novo”, vocábulo ligado à noção de criatividade, refere-se ao que não existia, a
exemplo do sistema operacional Windows, do Modelo T da Ford, da Lei da Gravidade, de uma
sinfonia, de uma comida, de um aparelho celular etc. Além disso, promove uma ruptura com
modelos e padrões já estabelecidos. No âmbito da alimentação humana, a gastronomia francesa
pode ser encarada como uma criação de um novo modo de comer, de representar, de preparar,
de apresentar as comidas e a ligação entre arte, ciência e alimento (SAVARIN, 1995). Sendo
assim, ela estabeleceu um novo formato de cozinha na França, contribuindo até para a
construção da identidade francesa (POULAIN, 2013).
A “inovação” é uma mudança produzida em algo já existente. Desta maneira,
acompanhando o exemplo acima, adaptações têm sido introduzidas na própria gastronomia
francesa. Como mencionado anteriormente, a primeira delas foi após o século XIX, com a
incorporação dos produtos regionais/camponeses aos conhecimentos gastronômicos eruditos. E
a segunda, já no final do século XX, foi o estabelecimento de contatos mais intensos com
cozinhas de outros lugares, o que alterou significativamente essa gastronomia.
No que tange ao que foi e é produzido no Centro das Tapioqueiras, o limite entre o
novo e o modificado é tênue, pois ora posso compreender a feitura das tapiocas como algo
original, ora como algo adaptado à sistematização e à racionalização provindas das exigências
do mercado turístico internacional. Tomo a preparação das tapiocas finas com recheio, ela pode
ser encarada tanto como novidade como transformação. A preparação de uma tapioca fina,
contendo recheios dos mais variados tipos, foi algo “novo” para as(os) tapioqueiras(os) da
Paupina. Antes de 2002, trabalhavam com a tapioca “tradicional”.
Alguns tapioqueiros e tapioqueiras não quiseram participar dos cursos de culinária
promovidos pelo CENTEC, alegando que já sabiam fazer tapioca. Mesmo nesta perspectiva,
podemos dizer que a “tapioca fina com recheio” era uma situação nova para elas(es), ao mesmo
tempo em que se tratava da utilização diferente de uma comida já conhecida.
Discute-se se a criatividade é competência somente da habilidade de uma única
pessoa ou se ela é desenvolvida a partir de determinadas condições socioculturais. De Masi
55
(2003) trabalha com a noção de “ação coletiva”, isto é, uma criação é resultado da atividade de
vários atores sociais em cooperação. E, dentre estes, os “gênios” se inserem. Esse ponto de vista
pode ser complementado com a perspectiva de Becker (2010), no livro “Mundos da Arte”: os
atores sociais que participam do funcionamento de determinado mundo da arte (música, pintura,
artes plásticas etc.) concorrem para que a obra seja produzida, distribuída e comercializada.
Alguns fatores exógenos têm impactos sobre a constituição da criatividade nas
“sociedades pós-industriais”, são eles: o progresso científico e tecnológico, o desenvolvimento
das ciências organizacionais, a globalização, a difusão da cultura escolástica, a difusão dos
meios de comunicação de massa e dos meios de transporte, o crescimento demográfico, o
prolongamento do tempo médio de vida, as lutas de classe, as lutas de liberação, o
aperfeiçoamento das democracias e do respeito às diferenças sociais (DE MASI, 2003;
FLORIDA, 2011). Tais pontos têm influenciado na construção de novas dinâmicas sociais e
culturais, em especial, de acordo com os estudos dos dois referidos autores, nos países
desenvolvido, ricos.
O processo de criação é abordado nesta pesquisa como atividade advinda de um
grupo de pessoas, não rejeitando, no entanto, o ponto de vista psicológico e psicanalista em que
o escopo recai sobre o indivíduo. Porém, esta dissertação destaca o conjunto das
“personalidades criativas” (DE MASI, 2003). Sendo assim, corroboro com a ideia de que os
momentos de criação e de inovação no Centro das Tapioqueiras são o resultado da
interdependência entre os vários atores com compõem este espaço.
É preciso salientar que não há um único “mundo” onde ocorra, com exclusividade, a
criatividade. Apontada como advinda da ciência, da arte e da economia, pode ser apreendida em
todas as esferas da vida social. Na perspectiva sociológica, o caráter organizacional é destacado,
ou seja, a produção coletiva de novas sociabilidades, novos saberes e práticas.
A respeito do método empregado para o estudo sobre a criatividade social, De Masi
(2003) diz que
Meu estudo é voltado, sobretudo, a entender quais são as características
organizacionais dos grupos que demonstram grande genialidade criativa. Procurei
analisar a gênese, o percurso, a difusão e a concretização das ideias produzidas por
equipes organizacionais ad hoc para exprimir o máximo a sua própria criatividade.
Portanto, um subsídio precioso à compreensão desses processos pode ser fornecido
pela sociologia do trabalho e da organização. (Idem, p.540)
56
A partir disso, De Masi divide o processo criativo nas seguintes fases: a) pesquisa
pura, refere-se ao momento de liberdade criativa; b) pesquisa aplicada, apela para o
conhecimento de especialistas; c) tomada de decisão, é ligada aos dirigentes da empresa; d)
desenvolvimento, compete ao grupo de pessoas engajadas na elaboração de um planejamento
estratégico; e) produção, trata da divisão do trabalho; e f) colonização e uso, aborda a operação
de publicidade e de consumo. Tais etapas se referem ao mundo científico e empresarial,
podendo, segundo o autor, estarem relacionadas ao processo criativo no mundo artístico. Porém,
ele salienta a necessidade de contextualização para modelar cada percurso de pesquisa.
Esse ponto de vista ainda remete à noção de “impulso para inovar” (p.554). Esta
motivação pode advir de vários estímulos: acaso; insucesso; mercado; fornecedores; parceiros;
genialidade do empreendedor; necessidades; desejos incubados; e outros. Dependendo do
momento social, cultural, político e econômico de determinada sociedade ou grupo social,
podem emergir tais impulsos para ações inovadores.
No caso das(os) tapioqueiras(os) do Centro das Tapioqueiras, posso elencar alguns
fatores que podem provocar motivações inovadoras: exigências do turismo internacional; a
globalização da alimentação; a difusão dos preceitos da economia criativa; os saberes da
Gastronomia; necessidades surgidas pelo dia a dia; e conhecimentos ligados ao
empreendedorismo.
Acerca desses pontos, o primeiro diz respeito às políticas públicas voltadas para o
mercado do turismo e às exigências que este impõe às localidades que investem nesta área. No
Ceará, a construção e a ampliação de rodovias estaduais, bem como o marketing do litoral
cearense, interferem, sobremaneira, na dinâmica do CETARME, principalmente no que tange a
formulações de estratégias para atrair consumidores por meio da atualização dos cardápios, da
divulgação do boxe pela internet, da fabricação de cartões de visita.
O segundo refere-se à globalização entre diversas culturas e o turismo. E isto, no
âmbito deste estudo, da intensa e incessante troca de informações acerca das culturas
alimentares. Para Bueno (2013), graças ao “desenvolvimento de um sistema de comunicação-
mundo, responsável pela construção de uma nova base material da qual a vida – social,
econômica, cultural e política –, em diferentes regiões do planeta, passa a evoluir num
movimento de conexão crescente” (p.9). Deste modo, a fusão deste ponto com a difusão dos
preceitos da economia criativa, mediante a intensificação de trocas de bens e significados entre
57
diferentes sociedades, possibilita o aparecimento de práticas culturais inovadoras voltadas para a
alimentação. Aliás, as incessantes viagens pelo mundo de turistas que desejam conhecer outros
lugares, além do seu, influenciam no aumento dessa permutação sociocultural.
Os saberes da “gastronomia regional” constituem a terceira influência. Aprender a
preparar e apresentar as comidas locais, em articulação com as regras e valores gastronômicos,
tem propiciado atitudes que visam à criação de outros modos de fazer as tapiocas. Um dos
elementos mais evidentes disso é a preocupação com a estética (leia-se, montagem e aparência
do prato) e as combinações entre os diversos recheios que podem vir a compor a tapioca (fina ou
tradicional).
Necessidades que surgem cotidianamente, eu coloco como a quarta influência para
motivações criativas e inovadoras. Seja na parte estrutural, seja na organizacional ou
envolvendo as comidas e as bebidas, no Centro das Tapioqueiras, essas necessidades surgem
para atrair clientes. A formulação de estratégias, em sua maioria, parte das(os) permissionárias
(os), mas sempre levando em consideração a participação de seus familiares e funcionários que
trabalham em seus respectivos boxes.
Outro ponto que, de maneira consciente, tem relevância no “impulso criativo” ou
inovador é a ideia promovida pelo SEBRAE de as(os) tapioqueiras(os) do CETARME se
esforçarem para se tornarem “empreendedoras(res) individuais”. Para adquirir esta posição
social, ainda hoje esses profissionais participam de cursos profissionalizantes. Nestes cursos,
eles(elas) aprendem novos conhecimentos que podem contribuir na elaboração de estratégias
com a finalidade de melhorar tudo aquilo que se refere ao próprio negócio.
Em entrevista com E.T. (interlocutora do SEBRAE), ela disse o seguinte: fazer
destes sujeitos “empreendedores”, é colocá-los na formalidade comercial e social. É instruí-los
com novos conhecimentos voltados ao setor de serviços, garantindo, assim, linhas de crédito
junto aos bancos públicos e privados (ela enfatizou o Credamigo, do Banco do Nordeste), além
dos benefícios relativos à seguridade social advindos do pagamento de impostos, como a
aposentadoria.
A Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), por meio da
coordenadoria de empreendedorismo, iria promover um curso de qualificação, no ano de 2015,
para as(os) tapioqueiras(os) do CETARME. O objetivo seria aperfeiçoá-las(os) no que diz
respeito ao conhecimento para ser “um(a) empreendedor(a)”. Ele seria dividido em treze
58
módulos, dentre os quais destacamos os seguintes assuntos: “Empreendedorismo: o que é um
empreendedor, como ser um empreendedor, oportunidades e desafios”; “Inovação e
Oportunidades para os Microempreendedores”; e “Economia Criativa”. Estes iriam viabilizar o
gerenciamento de um pequeno negócio, de maneira sistemática e mais racionalizada,
incentivando a cooperação entre as pessoas e dando relevância às atitudes inovadoras e criativas.
Essa ação governamental não foi concretizada, pois as (os) tapioqueiras (os)
preferiram articular uma reforma estrutural no Centro. Porém, apesar de algumas reuniões entre
representantes da STDS, da ATP e das (os) artesãs (ãos) não houve acordo quanto aos três
projetos elaborados pela Secretaria. Portanto, o impasse permanece.
O módulo “Economia Criativa” se assemelha àquilo que De Masi (2003) expõe
acerca do processo criativo nas grandes empresas e como é analisado pelas pesquisas nesta área.
A criatividade é empregada em etapas: preparação; investigação, transformação, incubação,
iluminação, verificação e implementação (OSTERNE, 2013). Entretanto, a originalidade surge
no limiar deste percurso, mais precisamente na fase de “iluminação”, após o aprendizado de
novos conhecimentos.
O material acima foi tomado como exemplo já que não foi possível ter acesso aos
materiais utilizados nos cursos de qualificação destinados as(os) tapioqueiras(os) do
CETARME, com exceção de alguns documentos disponibilizados para fotografia por parte da
tapioqueira N..
O empreendedorismo, como atividade socioeconômica, está relacionado à
“impaciência contagiosa de enriquecer, substituir, modificar e inovar continuamente os
processos e produtos, a sua venda e o seu uso, é o próprio coração do capitalismo, com o seu
espírito empreendedor e sua competitividade, a sua opulência e a sua alienação” (DE MASI,
2003, p. 554). Os comportamentos e os discursos das pessoas observadas e contatadas não
apresentam estritamente esse modelo de ação empreendedora. Contudo, características como
“substituir”, “modificar” e “inovar” estão constantemente presentes, de uma maneira ou de
outra, no modo de gerenciar as relações sociais e a produção de comidas dentro dos boxes.
Desta maneira, encontra-se em cena o estabelecimento de relações entre práticas culinárias
tradicionais e práticas empreendedoras.
Destaco aqui que, desses contatos, emergem atitudes conscientes – sabendo o que se
faz – e/ou inconscientes daquilo que podemos denominar de uma “‘gastronomia’ regional
59
criativa” de base tradicional-popular. A confluência dos dois elementos descritos concorre para
o funcionamento do CETARME, diferente do que ocorria nas “antigas tapioqueiras”, e se
modifica a cada intervenção feita, tanto externa quanto interna.
60
4 OLHANDO, OUVINDO E COMENDO: PROCESSO DE PRODUÇÃO E
COMERCIALIZAÇÃO DAS TAPIOCAS
Durante minhas idas ao CETARME, pude apreender muito em relação ao processo28
e dinamismo29
que concorrem para produção e venda das tapiocas. Deste modo, utilizo a
perspectiva de Roberto Cardoso de Oliveira, em sua obra O trabalho do antropólogo (2000),
quando nos diz que a visão e a audição são elementos fundamentais em uma pesquisa de campo
de cunho etnográfico. Porém, acrescento outros fatores sinestésicos: o olfato e o paladar. Estes
se constituíram recursos chave de investigação, pois, de forma recorrente, fui introduzido no
campo pelo aroma e degustação das tapiocas nos boxes investigados.
Trabalhei in loco, simultaneamente, com um olhar de longe e um olhar de perto30
.
Aquele se refere ao esforço de captar os comportamentos das pessoas e o espaço físico de
maneira distante e com menor interferência do pesquisador. Quanto ao segundo, diz respeito à
atitude de estar mais próximo dos agentes sociais que constituem o CETARME, principalmente
aqueles que se interessaram pela pesquisa. Saliento que não abordo essas duas perspectivas em
momentos estanques, mas paralelamente e de modo complementar. Decisão esta tomada durante
as incursões em campo na medida em que aquilo que apreendia a distância se confirmava ou
divergia do que estava próximo.
Quanto ao ouvir, trato em uma abordagem mais aproximada. Oliveira (idem) define
este momento como aquele em que as vozes dos sujeitos pesquisados são captadas e levadas em
consideração, significando dizer que as categorias nativas são postas em destaque. Seguindo
este preceito, ouvi não somente as pessoas que foram selecionadas, mas também aqueles que
circulam no dia a dia do CETARME.
Já o “cheirar” e o “comer”, estes, sim, vivenciei exclusivamente nos boxes. Essa
ferramenta sensório-analítica possibilitou a apreensão de convergências e discrepâncias em
torno das tapiocas: os tipos de ingredientes, as texturas, os sabores (doce/salgado, quente/frio),
28
A noção de processo aqui utilizada advém de Howard Becker (2010), na medida em que “nada acontece de uma
vez, de que tudo acontece por etapas, primeiro isto, depois aquilo, e que isso nunca pára. [...]. A análise sociológica
consiste em descobrir, passo-a-passo, quem fez o quê, como é que coordenaram a actividade e quais os seus
resultados” (p.11). Partindo desta compreensão, as ações criativas dentro dos boxes são encaradas como
constitutivas de sucessivas etapas e por diferentes atores sociais agindo em conjunto. 29
Esse “dinamismo” corrobora com a ideia de processo social, pensando a sociedade como flexível em seu espaço e tempo (WISE, 1977). Portanto, as práticas e os discursos concernentes às tapiocas, no contexto do CETARME, têm sofrido mudanças provenientes da globalização e da indústria do turismo. 30
Referência ao trabalho “De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana” (MAGNANI, 2002).
61
as várias combinações, as maneiras de comê-las, os tipos de bebida que melhor acompanham
determinadas tapiocas (com recheio ou não) etc. Enfim, estes foram aspectos que me auxiliaram
na captação de informações acerca do processo de cocção e de serviço dessa comida.
Realizei aqui uma descrição do material coletado e não somente o relato puro e
simples do que foi observado, a fim de analisá-lo de maneira densa (GEERTZ, 1989). Desta
forma, segui as seguintes etapas: primeiramente, abordei a estrutura física e os comportamentos
das pessoas; em seguida, considerei conversas formais e informais; e, por último, descrevi
minhas observações acerca das tapiocas que comi. Para tanto, fiz uso dos diários de campo e de
fotografias produzidos ao longo do processo de pesquisa.
Meu percurso em direção ao CETARME era geralmente feito a pé, mas, quando eu
precisava sair mais cedo, ia de carro. Saia de casa às 6h30min, do bairro de Messejana, e seguia
pela CE-040 até o meu destino – Centro das Tapioqueiras. Nesse entremeio, observava
elementos que costuravam meu entendimento sobre os sujeitos pesquisados: o grande fluxo de
carros nos dois sentidos (Litoral Leste - Fortaleza/Fortaleza - Litoral Leste), duas placas de
indicação, um ponto de venda de tapiocas à beira da pista em uma rua paralela a CE-040, o
restaurante/churrascaria Tempero da Tia Lúcia e, ao redor do campo de pesquisa, terrenos
“desocupados” com vasta vegetação.
A logística de acesso ao espaço pesquisado foi executada para receber clientes com
seus respectivos meios de transporte motorizados (carro, moto, ônibus e vans de viagem), ou
seja, não há outras modalidades de chegada, como paradas de ônibus públicos ou passarelas. As
placas de indicação se referem ao “Centro das Tapioqueiras”, quer dizer, não fazem referência
ao artesanato. A pequena tapiocaria me faz lembrar a situação de algumas/alguns
tapioqueiras(os), anterior ao CETARME, e incita-me a pensar as criações e as ressignificações a
partir deste espaço. No que tange à churrascaria, atento para a dimensão da comida regional. E
quanto aos terrenos “abandonados”, este ponto emergiu durante as conversas com alguns
permissionários como uma das reclamações mais recorrentes entre esses sujeitos. Para eles, os
terrenos poderiam ter sido aproveitados durante a fase de construção para que houvesse um
estacionamento bem mais amplo.
Chegando ao CETARME, sentava em um dos boxes destinados ao artesanato. Deste
lugar, tinha uma visão panorâmica do que acontecia em cada tapiocaria. Anotava tudo o que me
parecia pertinente sobre: a fachada dos boxes; o fluxo de carros; a dimensão dos dois
62
estacionamentos; as divisões, as decorações e as cores dos estabelecimentos; os modos de agir
dos clientes, dos funcionários e das(os) tapioqueiras(os)/permissionárias(os); o tempo de
permanência no local, o horário de entrada e de saída dos consumidores; e a estrutura física
externa do CETARME (aquela que dá vistas para a CE-040).
Entendendo que nada é concretizado por intermédio de apenas um fator/ator
(BECKER, 2010), mas, ao contrário, relações de interdependência se estabelecem entre os
vários aspectos e pessoas para constituir a realidade desse referido lugar, cada informação se
tornou significativa para a compreensão dos processos que conduziram a essa elaboração
coletiva.
Em primeiro lugar, destaco uma indagação que me surgia de forma recorrente
quando avistava o lugar investigado: como se estabelece a relação entre as(os) tapioqueiras(os),
os agentes oficiais do Governo do Estado do Ceará e os funcionários da empresa Santa Clara?
Esta inquietação emergiu a partir da visão do totem que figura na fachada do CETARME:
Figura 2: Fachada do CETARME
(Fonte: Autor, 2016)
Por que os tamanhos das logomarcas são diferenciados? Quem definiu a ordem de
importância na qual elas aparecem (imaginando a sequência convencional de leitura de cima
para baixo)? Por que se privilegiou a marca Santa Clara (preenchendo mais de 2/3 da placa) em
detrimento daquela do CETARME? Feito deste modo, o totem interfere na decisão dos
consumidores de entrar neste lugar? E, sobretudo, o que esta hierarquia revela da dinâmica de
produção/comercialização de tapiocas neste local? Segundo “Tia Neuma”, uma das funcionárias
63
da Tapiocaria, a placa foi uma iniciativa da empresa Santa Clara, em acordo com a Associação
das Tapioqueiras da Paupina (ATP), para fazer a publicidade do local (17/02/2016). Sem que
os citados questionamentos devam, necessariamente, converter-se em respostas, sua formulação
conduziu-me à consideração da influência substancial destes dois atores sobre aquilo que
acontece no Centro a partir das falas das pessoas que integram este campo empírico.
De acordo com a tapioqueira N., a parceria31
com a empresa Santa Clara se
estabeleceu quando ela, como a primeira presidente da ATP, foi incumbida de encomendar as
placas e o nome de fantasia32
de todos os boxes:
Botei a mão na cabeça aí disse ‘agora, agora me pegou. Como é que eu vou fazer meu
Deus? Já todo mundo sem trabalhar, tudo sem dinheiro... E foi na época que a gente
tava parada viu?! Já tava parada! Tinham pessoas ali que só viviam daquilo ali, né?! Aí
eu digo ‘pronto, e agora?!’. Mas, assim mesmo eu fui atrás das placas! Num tinha
condição, muito cara! Eu queria uma coisa bonita e luminosa. Aí eu tive que pegar o
nome dessas pessoas pra colocar nas faixa, das placas. Aí eu digo: ‘E agora o quê que
eu faço?’. Quando eu tava pensando, chegou o carro com o nome Santa Clara. Eu digo:
‘é por aqui!’. Aí fui logo! Ele foi logo perguntando se eu queria fazer um contrato,
entrar em patrocínio, né?!, com eles. Eu digo ‘é agora!’. Ganhei as placa tudim! As
placas tudo luminosa, a coisa mais linda! Com o nome fantasia de todo mundo! Só o
que eu achei difícil aqui foi isso aí. Aí ficou muito bom, até hoje Santa Clara está com
a gente. Tem as festas que eles fazem: natal. Ajuda, faz aquelas festinha. Dá aquelas
lembrancinha. Né?! Café ele facilita! Tem um mês aí que eles trazem o café. [ENTÃO
ESSA RELAÇÃO COM A SANTA CLARA É DESDE O COMEÇO?] Antes da gente
vir pra cá! Antes de vir pra cá eu já tinha arranjado eles... (risos)... aí, lá mesmo eu
distribuindo garrafa de café, xícara pro povo. Era toalha de mesa. E até hoje, tá com 14
anos que a gente tá aqui. E lá, eu trabalhei mais de 15 anos. Lá era muito bom também!
(Tapioqueira N.)
Durante esse período de transição, a empresa Santa Clara surgiu como mais um ator
na configuração do CETARME. Sua marca, seus produtos e, sobretudo, seus interesses estão
presentes cotidianamente tanto na estrutura espacial quanto naquilo que as(os) tapioqueiras(os)
fazem e pensam sobre o próprio trabalho. Estes aspectos aparecem na decoração de todos os
boxes – placa de identificação, panos que cobrem as cadeiras, alguns enfeites –, nos utensílios
utilizados – pano de mesa, garrafa de café, porta guardanapos, xícaras, camisas dos
funcionários, cardápios – e no café servido aos clientes.
Essa “omnipresença” pode ser percebida, a partir da utilização de dois tipos de
xícaras:
31
A palavra “parceria” é empregada pelas pessoas pesquisadas para se referirem às articulações feitas com a
empresa Santa Clara e com o SEBRAE. Geralmente, quando fazem o uso desse vocábulo, usam-no: “parceiro
forte”. Isto é, auxilia na solução de problemas – principalmente estruturais – diante da ausência de intervenções do
Governo do Estado do Ceará. 32
O nome referente ao boxe.
64
Figura 3: Xícaras do CETARME
(Fonte: Autor, 2015) (Fonte: Autor, 2015)
A empresa Santa Clara passou a fabricar essas xícaras após acordo firmado com
a Associação das Tapioqueiras da Paupina (ATP). A primeira xícara é utilizada frequentemente
em detrimento da segunda, que não é mais produzida. O motivo, de acordo com algumas
pessoas que conversei, é que esta tinha um custo maior, tendo em vista que era distribuída
exclusivamente para o CETARME. Para o tapioqueiro R., a xícara que possui o desenho de duas
pessoas sentadas comendo tapioca e tomando café – subentende-se – “tinha mais serventia”
(Tapioqueiro R.), já que divulgava mais diretamente o local onde trabalha.
A partir disso, ponderei que há certa tensão na relação entre esses dois atores,
Empresa Santa Clara e Tapioqueiras(os) do CETAMRE. Aquele simboliza uma posição de
dominação a partir do momento em que, de certo modo, impõe a utilização exclusiva de seus
utensílios e produtos alimentares em todas as tapiocarias. Já as(os) permissionárias(os), em
virtude das necessidades que se apresentam no cotidiano, usam aquilo que está à disposição.
Vale ressaltar que a segunda xícara e as garrafas de café sem logomarcas ainda são usadas, no
entanto, a marca de café não tem sido alterada33
.
Outro ponto que interfere na dinâmica do lugar é aquele presente nos
estacionamentos.
33
É apresentado aqui o ponto de vista das(os) tapioqueiras(os) que tivemos mais contato. No que concerne à
empresa Santa Clara, não tivemos retorno quanto à possibilidade de possíveis entrevistas.
65
Figura 4: Primeiro e Segundo estacionamentos
(Fonte: autor, 2015) (Fonte: autor, 2015)
As duas fotos acima foram tiradas no horário da manhã, por volta de sete horas, por
isso há pouca quantidade de carros. No entanto, elas ilustram bem a estrutura do referido local,
que atende aos propósitos da pesquisa. O principal ponto a considerar é que a parte da frente
comporta duas vagas para a maioria dos boxes. Alguns não as possuem por uma questão
decorrente do projeto inicial. Já a parte de trás, foi construída para receber ônibus e veículos de
grande porte. Para as(os) permissionárias(os) e funcionárias(os) com os quais tive contato, esse
espaço destinado aos automóveis é insuficiente para a demanda dos consumidores.
Elas(eles) imputam então a “culpa” aos engenheiros e arquitetos que formularam e
executaram o projeto estrutural. Uma das permissionárias afirmou: “deviam ter nos ouvido. Lá
nas Tapioqueira Velha era muito ônibus, muito carro. Aqui, do jeito que tá, não cabe a metade
do que passava lá” (Tapioqueira N.). O projeto é apontado então como uma ação
governamental de “cima para baixo”, por ter sido formulado sem levar em conta a dinâmica
própria dessas(es) tapioqueiras(os) da Paupina. Em curto prazo, o Governo parecia ter
“resolvido” o problema do decréscimo nas vendas. Contudo, hoje elas(es) atribuem a baixa
frequência de clientes a uma limitação espacial permanente.
A partir da observação daquele lugar e de tudo o que ouvi, considero que a questão
do estacionamento me remete a outra indagação: o posicionamento de todos os boxes. Muitos
destes estabelecimentos não ficam tão visíveis para quem chega de automóvel. Estaciona-se e, a
partir desse local, escolhe-se em qual boxe entrar. Geralmente os clientes vão àqueles que ficam
de frente para a vaga onde estacionaram. Têm aqueles que já frequentam determinado lugar,
mas, mesmo assim, até estes tentam deixar o carro próximo do boxe de sua preferência.
66
Para enfrentar esse problema, cada tapioqueira(o) dá sua característica ao lugar que
administra. Sendo formado por 26 (vinte e seis) boxes, todos buscam se diferenciar uns dos
outros, seja no quesito comida, na decoração, nos utensílios utilizados, nos equipamentos, nos
comportamentos dos funcionários, nas vestimentas destes, além do modo como trabalham.
Essas particularidades são condicionadas por normas estabelecidas pela ATP e pelo
Governo do Estado do Ceará. Deste modo, surgem elementos novos em consonância com as
convenções34
que todo boxe deve seguir. Vejamos alguns pontos do regulamento da ATP35
:
Art. 5. – O horário de funcionamento do CETARME para entrada e saída dos
permissionários será o seguinte: - Entrada: a partir das 5 horas e 30 minutos - Saída: no
máximo às 22 horas;
Art. 7 – Durante as horas em que o CETARME esteja aberto ao acesso dos
permissionários e do público em geral, o ingresso, a permanência e a circulação em
suas dependências estarão sujeitas à fiscalização por parte da Comissão Disciplinar,
que deverá fazer cumprir as seguintes normas: [...]; h) Diligenciar pela preservação do
projeto arquitetônico original (fachada e pintura) dos boxes; Art. 9. – Os associados da
ATP e da Associação de Artesãos, na condição de permissionários do CETARME
deverão atender as seguintes normas de apresentação e uso dos boxes: [...]; c) O boxe
destinado a venda de tapioca poderá utilizar mesa de madeira para suporte do isopor
para acondicionamento das tapiocas; d) O boxe destinado a venda de tapioca poderá
conter no seu interior somente os seguintes equipamentos: fogão a gás e geladeira;
Art. 13. – Em relação aos produtos a serem produzidos e/ou revendidos nos boxes fica
assim estabelecido que: a) Em hipótese alguma será permitida a venda de qualquer tipo
de bebida alcoólica, a exceção de cerveja em lata; b) A comercialização da cerveja em
lata é restrita aos boxes de lanchonetes; c) Aos boxes de tapiocas serão permitidas a
produção e comercialização dos seguintes produtos: tapioca, bolos, cocadas, água de
coco, água mineral, refrigerante, café, petas, sequilhos; (CETARME. In: BEZERRA,
2005).
Esses elementos concorrem para a padronização do estabelecimento, das práticas e
dos discursos concernentes ao gerenciamento dos trabalhos. Essas exigências foram
estabelecidas no início do CETARME, porém, foram se reformulando ao longo dos anos, haja
vista a necessidade de obter um número crescente de clientes. Um exemplo de tais
reformulações foi uma alteração feita na estrutura física:
Fizeram isso aqui, uma barraquinha só daqui pra acolá. Não fizeram isso aqui
[cobertura com telha], deixou aberto aqui. Aí, os meus clientes, todos os meus clientes
34
“Convenção” é um termo empregado tendo como referência os estudos de Howard Becker em “Mundo das
Artes” (2010). 35
Em virtude de não ter tido acesso a esse documento, utilizo aqui o que está presente na dissertação de Celina
Bezerra (2005).
67
ficavam na chuva e no sol. E não tinha condições. Inventei de fazer um toldo bem
grande. Mas, eu quase apanhava! Porque eu fiz esse toldo. Porque os clientes vinha
procurar onde tava melhor. Na sombra, sem chuva. Mas, eu fiz pra que as pessoas
entendesse que não podíamos trabalhar daquela maneira. Aí chamaram o pessoal do
SEBRAE, até uma psicóloga venho no meio. Antes delas começarem o assunto, eu
comecei logo né?! Eu disse ‘gente eu fiz isso aqui talvez sem pensar, que se tivesse
feito isso aqui na hora do ar livre eu colocava, na hora né?! do sol e da chuva, tirava’
mas, nem todos aqui iam fazer. Não iam. Aí eu, contei minha história todinha que eu
não tinha feito só pra mim. Tinha feito para os clientes. Que não tinham acreditado
nisso aqui. Isso aqui era muito pequeno. Sei que me deram um cartão, se precisasse
podia ligar. Foi num instante, fizeram isso aqui todim. Botaram uns toldo que com
pouco tempo se rasgava. Chamei o pessoal da Santa Clara e disse ‘olha, vocês botem
de telha, porque se quebrar uma telha a gente coloca! Vocês tão tendo prejuízo’.
Pegaram e fizeram de telha. Tá aí, todo mundo na sombra. (Tapioqueira N.)
Tais alterações também ocorrem nas decorações dos boxes. De longe, notei as
diferenças: nas vestimentas dos funcionários, na utilização de brinquedos (pula-pula, o mais
comum) que existe em algumas tapiocarias; nas cores (nos panos das cadeiras, nos cardápios e
nos utensílios utilizados); e na maneira como cada funcionário tenta chamar atenção do cliente.
São alguns pontos que podem concorrer para novas práticas no que diz respeito à
comercialização das tapiocas, influenciando, assim, no seu consumo.
A respeito do último ponto, a abordagem feita aos clientes ocorre por meio das
expressões “seja bem-vindo, pode entrar!”, tendo sempre em mãos o cardápio. Todavia, este tipo
de atendimento padronizado acontece com algumas diferenças: o modo como se fala, como se
utiliza o corpo, como entrega o menu ao cliente, e como este é tratado enquanto espera o pedido.
Os cursos de qualificação tiveram o papel de enquadrar os serviços dos boxes a
determinadas regras, especificamente aquelas voltadas para o turismo internacional. Contudo,
trata-se de um local em que o modo de se produzir e servir tapiocas, provenientes das A.T.,
ainda predomina. Desse modo, a tradição culinária destes se entrecruza com as novas
informações, configurando, assim, uma “gastronomia” regional e tradicional própria e criativa.
Outro fator que classifica cada tapiocaria como única é o cardápio. Toda(o)
permissionária(o) estabelece a estética do seu menu – plastificação, cores, formato das letras,
ilustrações, fotos, informações adicionais – e a ordem das comidas e das bebidas. Seguem
abaixo dois exemplos:
68
Figura 5: Capa dos Cardápios “Recanto do Sertão” e “Silvia Helena”
(Fonte: autor, 2016) (Fonte: autor, 2016)
O cardápio da tapiocaria Recanto do Sertão apresenta elementos visuais de ligação
com a região nordestina: a cor amarela (relacionando-se com o sol e o calor); a cor verde (a
vegetação própria da caatinga); e a tapioca fina com carne de sol e queijo (representando a
comida característica do CETARME). No que concerne ao outro cardápio, da Silvia Helena,
esta faz uso de cores que remetem ao universo rústico (de palha ou de madeira, sendo queimado
em um forno a lenha, como eles faziam anteriormente). Tudo dá oportunidade à diferenciação,
inclusive as páginas seguintes:
Figura 6: Interior dos Cardápios
(Fonte: autor, 2016) (Fonte: autor, 2016)
69
Os dois se assemelham com relação aos preços e aos tipos de combinações feitas
com as tapiocas finas. Estas convenções são acordadas pelas(os) permissionárias(os) durante as
reuniões da ATP. Para o tapioqueiro R., na proporção em que os preços dos mantimentos sobem
também é elevado o preço das tapiocas (22/06/2016). Tudo é feito com o conhecimento de
todos. Pode haver uma pequena variação de preço em um mesmo tipo de prato, por exemplo, a
tapioca fina com creme de frango e catupiry, na figura 1, custa dez reais; na figura 2, já custa 12
reais. Todavia, não deve ser uma diferença exorbitante.
A padronização não encerra as peculiaridades. Aliás, estas podem advir tanto de
quem faz parte das tapiocarias quanto dos clientes. Cito dois casos: o primeiro se refere à
tapioca fina, com nutella e morango, produzida e comercializada no boxe Silvia Helena; e o
segundo da tapioca fina com alho e ovo, feita no boxe Tapiocaria da Xuxa. Naquele, a criação
não passou somente pelo crivo do permissionário, mas também teve influência de outros
sujeitos. E a decisão de inseri-la no cardápio passou por vários momentos. Quer dizer, sua ideia
foi sendo objetivada por etapas (apreensão de novas informações, experiências, demonstração
para os funcionários, para os clientes e, por fim, a implementação no cardápio) e por meio da
opinião dos vários atores que compõem o boxe que ele gerencia.
Diante das informações que o tapioqueiro R. me concedeu, sua trajetória de vida tem
possibilitado ações que objetivam a criação de estratégias para a produção e a comercialização
de tapiocas, bem como outros tipos de comida, além de estar apto para resolver problemas que
ocorrem no dia a dia. Deste modo, elenco alguns fatores que o auxiliam: as diversas
modalidades de trabalho pelos quais passou; os conhecimentos adquiridos durante os cursos
profissionalizantes ministrados pelo SEBRAE; aquilo que aprendeu durante os anos em que está
no CETARME; dentre outras experiências de vida.
O segundo caso, não foi ideia da tapioqueira N. Mas, de um cliente que pediu algo
de seu gosto e que não estava no cardápio. Por meio do público consumidor, houve a
formulação desse tipo de tapioca. Percebi, assim, que outros atores podem concorrer para a
criação de algo que não existia até então no cardápio (para além das comidas e bebidas
preestabelecidas).
Outro elemento que me chamou a atenção foi a cor de cada boxe. Elas qualificam
cada um: azul marinho (Silvia Helena); Roxo (Tia Neuma); Verde escuro (Recanto do Sertão);
Verde claro (Tapioqueira da Xuxa), entre outros. A procura pela distinção parece ter sido feita
70
pela escolha das(os) próprias(os) permissionárias(os), haja vista que as cores se repetem em
outros boxes, mas nada que cause discordâncias profundas. Na verdade, isso faz referência à
marca de cada lugar. Tanto é que, até nos cardápios e nos utensílios postos à mesa, tais cores são
utilizadas. As figuras, a seguir, ilustram isto:
Figura 7: Capa dos Cardápios “Tia Neuma e “Recanto do Sertão”
(Fonte: autor, 2016) (Fonte: autor, 2016)
Sendo assim, os aspectos apresentados se revelam como fruto de ações coletivas, ou
seja, vários fatores e atores sociais concorrem para a dinâmica “gastronômica” de diferenciação
no Centro das Tapioqueiras, principalmente para o surgimento de ações criativas ou inovadoras.
4.1 DENTRO DOS BOXES: UM PROCESSO COLETIVO
Sete horas da manhã, horário que costumava chegar ao Centro, adentrava no boxe
Tia Neuma. A atendente tinha o hábito de estar sentada em uma das mesas conversando com a
permissionária. Uma vez ou outra, encontrava as duas na mesa comendo pão com café. Chegava
nesse espaço não somente na posição de pesquisador, pois o papel de cliente me parecia facilitar
a formação de uma relação de confiança com a elas.
Dando “bom dia”, sentava em uma das mesas próximas ao local onde ficava a
tapioqueira e pedia tapioca tradicional com queijo. A escolha teve o objetivo de saber como
esse prato era preparado e servido, para fazer uma comparação entre este e os outros boxes
pesquisados. Além disso, apreender como a tapioca tem se modificado com o passar do tempo,
já que a permissionária remonta às Antigas Tapioqueiras.
71
Havia três pessoas trabalhando juntas na maior parte do dia:
tapioqueira/permissionária, a atendente – acrescenta mais uma ou duas, de acordo com as
necessidades – e a cozinheira. São mulheres, com idades diferentes e que se relacionam de
maneira muito próxima. Elas podem fazer as funções umas das outras, mesmo com pouca
técnica. É o caso da atendente fazendo tapioca ou outra comida, sendo esta função da
permissionária, que possui conhecimento e técnica referentes a esses papéis.
Da mesa, conseguia observar somente uma parte da preparação: o momento em que
o queijo coalho (ralado) é colocado sobre a tapioca36
. E pelo que pude apreender, a depender de
quem a fizesse, a quantidade e o modo como o queijo é disposto sobre a tapioca, bem como o
tempo necessário para que seja assado, modificam o sabor e a aparência da comida. Logo,
demandam habilidades que somente a permissionária e a cozinheira detêm com segurança.
Todas elas cooperam para que essa comida venha a ser preparada e servida, a
começar pela tapioqueira. Esta tem as seguintes incumbências: administra as finanças e o
funcionamento do boxe; seleciona e compra os produtos alimentícios necessários para feitura
das comidas; prepara e serve as tapiocas e outros tipos de comida e bebidas. O principal papel
da tapioqueira, no entanto, é administrar e organizar sua tapiocaria.
Quem deve estar diretamente ligada às comidas e às bebidas é a cozinheira. A
apreensão desta denominação surgiu durante uma conversa informal com a permissionária, que
me explicava o cotidiano de seu boxe. A cozinheira, por exemplo, tem as seguintes funções:
molhar e peneirar a goma de mandioca, fazer as tapiocas (tradicional e fina), ralar o queijo e
preparar o café (com e sem açúcar), preparar o cuscuz, limpar a cozinha37
etc.
Dentro do boxe, as comidas são preparadas em dois lugares distintos: o forno e a
cozinha. O forno ainda possui parte de sua estrutura, porém, as tapiocas são feitas numa chapa a
gás. A cozinha é utilizada para a feitura das outras comidas e bebidas, a partir de vários
utensílios: fogão a gás, liquidificador, panelas, garrafas e talheres. E, em cada tapiocaria do
Centro, esses dois espaços são utilizados de modo particular.
E quanto à atendente, sua tarefa específica é atender os clientes. Quando necessário,
também toma a posição de cozinheira. Embora, em alguns momentos, ela tenha preparado meus
36
Sem retomar o processo de produção, já descrito no primeiro capítulo, salientamos aqui a cooperação entre essas
mulheres para que esse prato seja servido aos clientes. 37
Esse vocábulo se refere a um determinado espaço dentro da tapiocaria. Essa explicação se faz necessária, pois,
durante o texto, iremos abordá-lo com outra conotação: conhecimento e técnica alimentar.
72
pedidos e demonstrasse conhecer os passos para a feitura das tapiocas, logo revelou pouca
perícia técnica na realização destas.
Em virtude dos poucos clientes, na maioria dos dias em que estive presente, elas
conversavam muito entre si e com os funcionários do boxe vizinho. Sempre com comentários a
respeito do que estavam vendo no facebook e/ou algo que acontecera no Centro no dia anterior.
Tudo parecia funcionar em ritmo lento, conforme as necessidades do momento.
No mesmo corredor do referido boxe, podia avistar o “Recanto do Sertão”. Este
boxe foi aquele em que eu menos estive presente. A razão para isto foi a atenção dada com mais
ênfase aos dois boxes que abordarei a seguir. As informações coletadas, ainda que divergentes
em termos de profundidade, foram de grande valia para as considerações acerca de meus
objetivos.
Nessa segunda tapiocaria, quem me atendeu foi a permissionária entregando-me o
cardápio e dando “bom dia”. Para fins de comparação, também pedi tapioca tradicional com
queijo. A tapioca foi retirada de uma caixa de isopor e passada ao chapista. Este é o sujeito
encarregado de preparar as tapiocas. No intervalo de cinco minutos, meu pedido foi posto diante
de mim: sobre a mesa, em um prato de vidro, ao lado de uma faca e de um garfo.
Enquanto comia, notei que se tratava do único boxe que ainda utilizava tanto o forno
a lenha quanto à chapa a gás. De acordo com a permissionária, a opção de manter o forno, tal
qual foi concebido, era de caráter estético e também para manter o sabor característico da
tapioca. A opção levou-me à seguinte pergunta: quais atores e fatores condicionam a
permanência de determinados elementos e o abandono de outros?
No CETARME, o forno a lenha tem sido representado tanto pela SETUR-CE quanto
pelos meios de comunicação como um elemento rústico e tradicional da “gastronomia regional”
cearense (O POVO, 2015; SEBRAE, 2015; SETUR, 2015). Ele tem as seguintes características:
feito de tijolo tipo branco, retangular; sua cor lembra a madeira; seu formato, no Centro,
assemelha-se à letra “L”; na parte horizontal há um compartimento no qual se coloca a lenha e,
acima dele, há dois suportes de metal que servem para preparar as tapiocas; e na parte vertical,
encontra-se a chaminé. Nos outros boxes, esta composição foi modificada ou completamente
retirada, sendo que a maioria das tapiocarias mantém apenas a parte horizontal.
Já a chapa a gás tem representado um contraponto ao modelo do forno a lenha. Nada
de rústico ou de algo que lembre o que era feito nas Antigas Tapioqueiras. Sua caracterização
73
geralmente parte dos seguintes aspectos: composto de alumínio e de ferro, de cor cinza; possui
forma retangular, tendo uma estrutura de metal para a produção das tapiocas – nesta tem
orifícios que são utilizados na retirada do excesso de goma de mandioca; e é ligado ao botijão de
gás por meio de um cano de plástico. Todos os boxes possuem esse mesmo modelo, tanto os que
têm somente uma chapa quanto àqueles que apresentam mais de uma.
As escolhas e as decisões concernentes à utilização de um ou de outro recurso
técnico são influenciadas por questões internas e externas. Creio que uma das tapioqueiras
manteve ambos em funcionamento por motivos estéticos e culinários. Outras usam a chapa,
deixando parte da estrutura do forno a lenha, a fim de manter vínculos com a imagem do lugar
tradicional. E há aquelas que não o destruíram, apenas mudaram a aparência do forno a lenha
por certo comodismo em relação ao projeto inicial. Além disso, por conta dos boxes serem
muito próximos uns dos outros, o fator segurança também motivou tais mudanças.
Ações exógenas de dimensões micro e macro concorreram, sobremaneira, para a
efetivação dessas transformações. Isso vai desde o pagamento de imposto sobre a lenha
utilizada38
até os impactos da industrialização e globalização da alimentação. Neste contexto, as
alterações de âmbito técnico nos serviços de alimentação fora de casa, priorizando uma
produção e um atendimento rápido e prático (POULAIN, 2013), podem ser encaradas como
propulsoras das referidas escolhas.
Deste modo, revela-se mais um aspecto da permanência de práticas culinárias
relacionadas às Antigas Tapioqueiras. São costumes que ainda sobrevivem às novas
informações, técnicas e conhecimentos culinários/gastronômicos, além do contato com outras
esferas da sociedade, a exemplo daquela mantida pelo Governo do Estado do Ceará. Esse
fenômeno contribui para a compreensão das possibilidades criativas subjacentes à produção e à
comercialização desse equipamento cultural.
Percebo que no Recanto do Sertão existem mais funcionários em comparação com o
boxe Tia Neuma. Segundo a permissionária, em uma entrevista informal (sem gravação em
áudio), isso se dá em virtude de maior movimentação de clientes. Dessa forma, além da
tapioqueira, há dois atendentes (um rapaz e uma moça), um chapista39
(responsável pela feitura
38
Os permissionários da tapiocaria “Silvia Helena” e da “Tia Neuma”, afirmaram-nos que agentes do IBAMA
foram até o CETARME alertar sobre essa imposição. 39
Função relacionada à pessoa que tem a responsabilidade de preparar as tapiocas na chapa a gás.
74
das tapiocas), uma cozinheira e outras pessoas que ajudam na manutenção do local. Sempre que
necessário, acrescentam-se mais funcionários em virtude da quantidade de consumidores.
O número de sujeitos influencia no maior ou menor estabelecimento de posto.
Assim, a relação pessoa/função se torna mais estreita. Além disso, cotidianamente, surgem
situações em que alguém atua sobre o papel de outrem. É o caso da permissionária que exerce
diversos encargos: gerenciamento, organização, preparação das comidas, limpeza e atendimento
aos clientes. Ela me disse: tem momentos que é preciso atender os clientes, limpar as mesas,
fazer tapioca... depende muito do movimento (Diário de Campo, 17/06/2016).
Saindo desse boxe, dirigi-me para a “Tapiocaria da Xuxa”. A situação se tornou bem
diferente, em termos de qualidade no contato com os sujeitos pesquisados. Consegui, no que
tange às entrevistas, maior abertura e apreensão de informações. A princípio, este
esclarecimento não atribuiu nada de negativo aos dois boxes acima descritos. É certo que
precisei de um tempo maior de contato com essas pessoas para que pudesse “ganhar” sua
confiança. Esse é um aspecto necessário quando se trata de uma pesquisa social em que o
objetivo do trabalho de campo é permitir a aproximação do pesquisador da realidade sobre a
qual investiga.
Assim como nos outros boxes, pedi tapioca tradicional com queijo. Notei que o
procedimento é o mesmo, a tapioca é retirada de um recipiente de isopor envolta em um saco
plástico transparente. Porém, a discrepância está na maneira como o queijo é utilizado. Este é
posto tanto na parte de cima como na de baixo, sendo a feitura atribuída à chapista/cozinheira.
A permissionária utilizou essas duas expressões se referindo à mulher que preparava a tapioca
solicitada.
Tomei a decisão de pedir o mesmo tipo de tapioca. O objetivo era notar como ela era
feita e se havia variação de técnicas e de sabor entre os boxes pesquisados; até mesmo em cada
um deles. Essa maneira de trabalhar foi escolhida a partir de minhas próprias experiências como
consumidor e dos argumentos expostos por clientes que consomem no Centro das Tapioqueiras.
Geralmente, participavam de meu pedido uma atendente e a chapista. Aquela pegava
a tapioca tradicional e entregava a esta que, por sua vez, retirava da geladeira uma bacia de
plástico contendo queijo coalho ralado. Uma das diferenças em relação aos outros boxes é que
este ingrediente é posto tanto na parte de cima quanto em baixo da tapioca, contribuindo para
realçar ainda mais o sabor do queijo.
75
O número de pessoas não é muito diferente do “Recanto do Sertão”. Tem-se a
permissionária, esta tem uma filha que também se encarrega do gerenciamento, uma
chapista/cozinheira, dois atendentes – uma moça e um rapaz – e mais uma ou duas pessoas que
ajudam na manutenção do local. Entretanto, saliento que, diferentemente dos anteriores, grande
parte dos funcionários tem a mesma origem familiar da tapioqueira.
A forma de organização me leva a refletir sobre a continuação de algumas práticas
oriundas da A.T.. Uma delas é a conjugação da vida familiar/doméstica com a produção e a
venda das tapiocas (BEZERRA, 2005). Pai, mãe, irmãs, irmãos, avós, avôs, tios, tias, entre
outros, cumpriam suas tarefas de acordo com aquilo que era estabelecido entre eles mesmos, ou
seja, baseado em conhecimentos e técnicas herdados de geração em geração e de maneira
autônoma. Desse ponto de vista, o funcionamento das tapiocarias se movimentava por normas e
valores tradicionais e populares.
Com o advento do CETARME, houve a mudança desse padrão organizacional.
Predominantemente privado, foi posto num processo de qualificação para ser modelado àquilo
que o poder público exigia dos serviços alimentares cujo objetivo era atender aos turistas
(estrangeiros ou domésticos). Assim, por meios dos mais variados cursos, a relação
casa/trabalho passou a dar lugar ao trabalho/negócio.
Desta sorte, na terceira tapiocaria estudada, percebi que houve assimilação das
regras estabelecidas por aqueles que conceberam o CETARME e da dinâmica do mercado
turístico. Todavia, a permissionária direciona todos os trabalhos de acordo com o cotidiano do
boxe: “Bom, aqui a gente abre cinco e meia da manhã até dez horas da noite. Nove, dependendo
do movimento. Só nas férias, na alta estação, que a gente tem uma venda melhor, uma renda
melhor - julho e janeiro. São 100% melhor. Porque vem muito turista! Tem muito turista.”
(Tapioqueira N.).
As prioridades, os modos de perceber e administrar a própria atividade, as práticas
culinárias, a vida privada, tudo isso foi alterado nas etapas de preparação para a inserção no
Centro. E as transformações ainda continuam, pois a cada intervenção externa modifica-se o
sistema de funcionamento das tapiocarias. No capítulo quatro, este tema será abordado, tomando
como exemplo as(os) tapioqueiras(os) na posição de empreendedores.
Já na tapiocaria Silvia Helena, encontrei uma situação peculiar em relação às
demais. Seu permissionário, assim como a do Recanto do Sertão, não tem uma trajetória de
76
vida ligada à A.T. Mas ele demonstra ter incorporado com mais vivacidade os ditames
provenientes dos cursos profissionalizantes. Suas ações e seus discursos são voltados para o
aperfeiçoamento da produção e do serviço do seu empreendimento.
Rapaz, a gente mora aqui! Eu costumo dizer que a gente vai em casa só passear.
Durante esses quase 15 anos, que a gente tá aqui, a gente tem o prazer de ir em casa.
Mas, não vai na casa toda. Sala, quarto, quarto, sala, entre no carro e vem trabalhar de
novo. E porque a gente tá aqui quase todo tempo, a gente tem a facilidade de tá vendo
as coisas. Hoje ainda nós estamos, AINDA, quase que tudo no natural, no manual.
AINDA! Mas, há muito tempo que já pede um programa, um acompanhamento direto
de fiscalização. Comigo e com os freezers dos recheios Há muito tempo que me pede
“quantas tapiocas tu faz com uma saca de goma?”, “quantas tapiocas tu faz com 100 kg
de carne de sol?”, e o fato é que as coisas vão acontecendo. A gente inicia ninguém
trabalhava com carteira assinada, hoje todo mundo tem sua carteira assinada. Hoje todo
mundo que vai sair tem seu aviso prévio. Hoje todo mundo que sai recebe sua
indenização com férias, 13º, fundo de garantia, com PIS, tudo que te direito. Hoje a
gente já tem um contador que trabalha pra gente, trazendo a burocracia dos órgãos de
serviço estadual, municipal ou federal. E hoje a gente é uma empresa que, que hoje a
gente pode dizer “conceituada”! [Então você enquadra como “empreendedor
individual, segundo o SEBRAE?] Não porque a gente subiu mais uns degrausim. Um
empreendedor individual, ele tem um limite para trabalhar até 60 mil anual e ele tem o
direito de assinar a carteira de um funcionário só. Micro, que é o nosso, a gente tem o
direito de assinar quantas carteiras houver necessidade. Hoje, nós temos 11 pessoas
com carteira assinada com a gente. E a gente tem um limite de 1 milhão e 600 mil reais
para trabalhar por ano. Então, existe uma diferença grande. E a margem de imposto
também é outra. Mas, já tamo enquadrado no simples. Desde 2008 ou 2009.
(Tapioqueiro R.)
O arranjo estabelecido para a divisão do trabalho é mais delimitado. Com
permissionário/tapioqueiro, caixa, atendentes, chapista, cozinheira e auxiliares de limpeza, seu
boxe funciona a partir da execução de cada uma destas funções, todas interconectadas e
realizadas pelo seu respectivo agente.
Para exemplificar, assim como nas outras tapiocarias pesquisadas, tomava a posição
de cliente e pedia tapioca tradicional com queijo. Primeiramente, uma atendente me
disponibilizava cardápio. Depois que fazia o pedido, ela se dirigia até o chapista e o informava
sobre aquilo que eu queria. Em seguida, este pegava uma tapioca grossa em um recipiente de
isopor ao lado do forno, tirava-a do saco plástico transparente e esquentava a comida na chapa.
Por fim, era-me entregue em um prato de vidro.
Sempre comia um tipo de tapioca tradicional diferente daquela que os outros boxes
servem. Normalmente, eram retangulares e continham queijo entre as duas porções de tapioca,
muito semelhante a um sanduíche. Somente depois descobri que eles também trabalhavam com
o formato redondo. Porém, não indaguei de pronto a respeito dessa discrepância, pois queria
77
entender, a priori, como as ações desses sujeitos eram desenvolvidas.
Durante minhas primeiras incursões, além do que observava a respeito da prática
culinária, as movimentações acerca da administração dos produtos alimentícios mostraram que
outros atores sociais coparticipavam do processo de produção e de comercialização das tapiocas.
A demonstração disso começa na compra do queijo, pois quem produz e comercializa esta
mercadoria influencia na cadeia de produção das tapiocas recheadas com queijo. De acordo com
o permissionário, a qualidade do queijo pode mudar substancialmente o sabor da tapioca. Ele
diz que tudo é feito para satisfação do cliente (Diário de campo, 21/06/2016).
A depender da trajetória de vida das(os) permissionárias(os), principalmente como
tapioqueiras(os), as dinâmicas e formas de organização serão sempre particulares nos seus
respectivos boxes. Pude notar que a velocidade com que as atividades são realizadas, por quem
é efetuada, o que é utilizado, como é feita a montagem dos cardápios, interfere, sobremaneira,
na qualidade dos produtos, principalmente naquilo que enxerguei como o motor de
possibilidades criativas: a interdependência entre os papéis que cada um exerce.
4.2 DOIS PERMISSIONÁRIOS E SUAS RELAÇÕES COM A CRIATIVIDADE
A cooperação entre os sujeitos contribui para a produção de tapiocas, isto é, as ações
realizadas durante as atividades dentro de seus respectivos boxes auxiliam na elaboração de
ideias sobre a produção de novas tapiocas. Sendo assim, os dois tipos de tapiocas, tradicional e
fina, ambas podendo levar recheio ou não, são colocadas por nós como principal fator de
possibilidades criativas no âmbito da alimentação.
O recheio é o ponto de partida para possíveis inovações ou criações. Mesmo
aparentando ser a tapioca o cerne do ato de comer, as escolhas produtivas e comerciais são
efetuadas a partir do que deve acompanhá-la, em razão da gama de recheios disponíveis. A
primeira vista, parece tratar-se de um elemento secundário, um simples acompanhamento da
tapioca. Contudo, no contexto do CETARME, ganha notoriedade por ter mais de 100 variações.
É o caso da tapioca fina com nutella e morango, elaborada pelo permissionário do
box Silvia Helena a partir de uma experiência com o acompanhamento:
Eu sou o tipo da pessoa assim: vou com a minha família pra pizzaria... eu não como só
tapioca, eu como pizza, como salgado, como tudo... quando vou com minha família pra
78
uma pizzaria, eu chego lá, eu fico namorando com o cardápio. E tem alguma coisa no
cardápio da pizza que me desperta pra trazer pra tapioca. Vou no supermercado,
compro o recheio e faço o teste. Eu mesmo sou o primeiro a degustar. Eu sou o cobaia.
E depois que passa no teste por mim e pelos funcionários que trabalham aqui comigo,
os colaboradores, ai bota no cardápio, vai pra mesa e é show! Como pro exemplo, o
último tchan, o último lançamento da gente aqui, nutella com morango... [pausa].
Então, o que eu vi na pizzaria, pizza de chocolate com morango. Eu trouxe pra cá, deu
certo! Ai, de repente, a nutella surgiu na televisão. Eu disse: opa! Corri no
supermercado, comprei um potinho de nutella. Ai eu fiz a comparação da de chocolate
e da nutella, têm sabores diferentes. Então, se existe sabores diferentes, bota no
cardápio também nutella com morango. A criançada caiu em cima, a juventude caiu em
cima, as pessoas de idade caíram em cima, e hoje ela é conhecida aqui como a “tapioca
do amor”. Dividida no meio, porque ela é uma tapioca diferenciada porque a pessoa
não pede pra comer sozinho. Pede e divide. Depois que come a salgada, queijo com
carne de sol, ai pede uma nutella com morango, divide no meio. Ai os dois vão
saborear. Eles já pedem que a gente já leve dividida. (Tapioqueiro R.)
Noto que o entrevistado acima teve como fundamento a apreensão de vários tipos de
informações e de conexões entre os sujeitos que compõem seu ambiente familiar e de trabalho.
Os conhecimentos dos cursos profissionalizantes, os meios de comunicação, a observação do
que produzem os outros locais, a atenção a opiniões pessoais, como da família, dos funcionários
e dos clientes, são aspectos que pude apreender desse processo de inovação/criação.
Partindo do que foi citado por este permissionário, elenco os seguintes elementos de
acordo com os objetivos da pesquisa: a) trajetória de vida familiar e profissional; b) participação
nos cursos profissionalizantes; c) formação como tapioqueiro, cotidianamente, no Centro; d)
apreensão de informações a partir de outras variantes; e) interdependência de outros sujeitos; e
f) o ponto de vista do cliente.
Proveniente do Estado do Piauí, Brasil, as experiências alimentares do tapioqueiro
R. eram somente na posição social de comensal. Ele me contou, durante entrevista, que Lidava
com tapioca somente com a boca (22/06/2016). Aliás, antes do CETARME, suas ocupações
profissionais envolviam tarefas totalmente distintas da dinâmica da cozinha.
Eu já conhecia tapioca desde quando eu nasci, que a gente [familiares] foi criado no
interior. A gente nasceu [leia-se criado] em casa de farinha. E lá se fazia, depois da
farinhada, as tapiocas. Aquela tapioca caseira, diferenciada dessa daqui. O “beiju”
chamado. Lá na nossa região, a gente conhece mais como beiju. E pra mim foi um
desafio muito grande, porque antes eu trabalhava como vendedor externo. Eu vendia
panela, de porta em porta. É a história do galego, chamado aqui no Ceará. E eu aceitar
trabalhar numa atividade que era desconhecida pra mim. Mas, eu fui pedindo ajuda!
Aqui são 26 boxes, e ai eu fazia amizade e chamava um, chamava outro, e perguntava
como era e ia me dizendo, me mostrando, outro fazia pra me ver... e eu terminei
aprendendo. (Tapioqueiro R.)
79
Saindo do âmbito da alimentação doméstica para aquela feita fora de casa, ele
adaptou aquilo que aprendera durante seus anos de trabalho autônomo à possibilidade de se
tornar “tapioqueiro”. O esforço de estar a todo o momento tentando ganhar a confiança de seus
clientes, promovendo a atratividade dos produtos que vendia, ainda influencia aquilo que ele
vem realizando em sua tapiocaria.
Isso demonstra que os processos de socialização são dinâmicos, intermitentes e
atuam por vários caminhos ao longo da trajetória de vida dos agentes sociais (DARMON,
2015). Os conhecimentos e as práticas aprendidas durante esse fenômeno têm possibilitado ao
permissionário estar municiado para possíveis transformações “gastronômicas” no seu boxe.
Esse ponto de vista só confirma o que evidenciei no segundo capítulo: a ação criativa ou
inovadora tem como um de seus aportes os percursos de vida pessoal e profissional dos agentes
sociais (DE MASI, 2003). Portanto, estar atento ao que os agentes viveram, onde e como
trabalhavam, auxilia na compreensão do que podem fazer hoje em dia.
No que diz respeito aos cursos profissionalizantes, ele afirma que:
Nós tivemos a felicidade de ser acompanhados por essa “luz divina” chamada
SEBRAE. Eu costumo dizer que tudo que ele toca vira ouro. Se assim vice quiser dar
continuidade. E nós tivemos a felicidade deles virem aqui no Centro das Tapioqueiras e
fazer cursos diversos com a gente. E um desses cursos que nos ajuda até hoje e vai nos
ajudar pro resto das nossas vidas, enquanto a gente trabalhar nesse segmento de
tapioca, foi trabalhar com tapioca recheada. Porque até então, a gente conhecia mais a
tapioca tradicional. Era só tradicional com queijo, com leite condensado, só a
tradicional no leite do coco. E ai o SEBRAE veio aqui e nos fascinou com essa ideia de
trabalhar com tapiocas finas e recheadas. E daí, então a tapioca tradicional se
distanciou. Ela vende, ainda é a tapioca mais vendida e mais pedida. [...] Curso de
atendimento, culinária, como manusear a fécula pra trabalhar com essa tapioca fina,
curso de manipulação... então, foi cursos diversos. A única pessoa que chegou leigo
aqui no assunto aqui, foi eu. A única pessoa que realmente não sabia trabalhar com
tapioca era eu. Eu só sabia trabalhar com ela na boca. E pra mim, foi de uma valia
muito grande. E pra quem já conhecia, pra quem já trabalhar com tapioca há muito
tempo, no início eles rejeitaram. No início o SEBRAE chegou dizendo “vamos ensinar
vocês a fazer tapioca”. Ora mais, teve muita gente que disse assim: “tem 80 anos que
trabalho com tapioca, tenho 30 anos, tenho 40 anos, tenho 25 anos que trabalho com
tapioca, eu aprender a fazer tapioca? Que conversa é essa?”. E muitos deles, dos 26
aqui, uns 8 a 9 num foi pro curso não. “Vou fazer o que lá, aprender a fazer tapioca? Eu
nasci em cima de tapioca!”. E ai, depois, no meio do curso, eles perceberam que tava
perdendo muita coisa que tem que ter um toque a mais. Tudo na vida, a cada dia de
passa, a gente aprende um pouco mais. Ai eles entenderam isso ai, e correram pra
dentro da sala e foram trabalhar junto com a gente. Aprender a fazer tapioca. Os
profissionais de tapioca foram aprender a fazer tapioca. E eu, que não sabia, tava lá
desde o início aprendendo tudo que me passavam e guardando até hoje, botando em
prática. (Tapioqueiro R.)
80
Fiz referência ao empreendedorismo como uma das características que se destaca
entre aqueles que estão envolvidas em projetos criativos (DE MASI, 2003). E no referido caso,
o enfoque recai sobre as atividades realizadas pelo SEBRAE. Tendo o intuito de tornar as(os)
permissionárias(os) do Centro em empreendedores individuais, a promoção dessa perspectiva
tem agenciado um modo de administrar a tapiocaria mais dinâmico e atento às mudanças.
Portanto, aquilo que foi passado por meio dessa perspectiva exige que o “empreendedor” se
renove intermitentemente (ESCARLATE, 2010), a fim de atrair clientes cada vez mais ansiosos
por novidades.
Ele aprendeu saberes e práticas culinárias tradicionais relativas às(aos)
tapioqueiras(os) da A.T. da Paupina de maneira informal,
Hoje eu solto um sorriso largo quando eu me lembro disso daí, mas no início foi
doloroso. A gente jogou muita goma no mato, a gente perdeu muito coco, a gente
perdeu muita tapioca, porque a gente molhava a goma e ia lá pra fazer a tapioca e num
dava certo. Tava molhada demais. Ai voltava pra cá [parte da cozinha], botava mais
goma, ficava seca demais. E ficava nesse impasse. Até que um dia eu alcancei o ponto
x de fazer o ponto da massa, de fazer a tapioca. Ai pronto, de lá pra cá num teve
sofrimento. Teve muito trabalho. (Tapioqueiro R.)
A incorporação dessa culinária tradicional redirecionou sua posição profissional, não
somente como permissionário, mas também como tapioqueiro. E isso não ocorreu de qualquer
maneira e num espaço de tempo curto. Ao longo dos anos ele aprendeu com as tapioqueiras
advindas da Avenida Barão de Aquiraz a preparar a goma de mandioca – ou seja, saber molhar,
peneirar, conservar, escolher o melhor tipo e ter indicação de quem deve comprar – e as
tapiocas.
Em meio às necessidades diárias, mesclam-se os conhecimentos adquiridos de
maneira formal (cursos de qualificação) e informal (saberes e práticas das(os) tapioqueiras(os)).
São momentos em que um se sobrepõe ao outro, mas que podem provocar o surgimento de
novas receitas, técnicas de cocção, de gerenciamento e de atendimento.
Aqui, retomo o exemplo da tapioca recheada com nutella e morango, descrita
anteriormente. Mas o que ressalto agora é a necessidade percebida pelo permissionário de
apresentar uma comida nova aos seus clientes. A forma de pensar está diretamente ligada à
81
satisfação deste diante do serviço e do que será consumido. Outras fontes também contribuem
significativamente para que esse modo de pensar seja aceito. Duas delas foram citadas pelo
permissionário: a propaganda de televisão e o cardápio de uma pizzaria. No entanto, a maneira
como ele manejou as informações passadas por estes meios é parte substancial no que tentamos
compreender. A confluência dos vários elementos que perpassam as atividades desse
tapioqueiro permitem fagulhas de ações inovadores e criativas.
As interferências de uma globalização alimentar, cada vez mais intensas e
incessantes, facilitam as trocas culturais pelos mais diversos meios de comunicação,
principalmente quando se trata do serviço de uma alimentação fora de casa calcada no
atendimento aos turistas. No entanto, esse serviço vem sofrendo transformações técnicas para
melhor suprir as novas necessidades da sociedade contemporânea (POULAIN, 2013). Assim, a
formulação de novas comidas ou variações destas sofre influência do que ocorre fora do espaço
sociocultural dos atores sociais que atuam diretamente para que isso aconteça.
Outro ponto que deve ser levado em consideração é aquele da cooperação
estabelecida entre os diversos sujeitos que compõem o boxe Silvia Helena. A opinião e o modo
como as(os) suas(seus) funcionárias(os) agem possibilita a concretização ou o descarte de ideias
formuladas pelo tapioqueiro. De acordo com ele, “hoje todas as pessoas que vem trabalhar
comigo aprendem comigo. E no decorrer do tempo eles vão passando para os outros. Mas, num
trabalho aqui com nenhum profissional. Eu gosto de trabalhar com pessoas que querem
aprender. Se torna mais fácil” (Tapioqueiro R.).
A articulação entre os funcionários remete-me à ideia de “rede de cooperação”
(BECKER, 2010). Segundo esta perspectiva, os vários atores que compõem dado mundo
contribuem, sobremaneira, para a produção e a distribuição de determinado produto. Longe de
ser uma relação sem conflitos, eles conseguem estabelecer as mais variadas intervenções, de
maneira flexível, dirigindo-as para um mesmo ponto.
Sob esta ótica, foi fundamental perceber, na minha análise, que a referida tapiocaria
busca a articulação do trabalho em grupo, nada é feito por uma única pessoa. Mesmo havendo
uma hierarquia estabelecida, tendo o tapioqueiro no topo, os demais atores são considerados
como peças importantes no funcionamento deste estabelecimento.
Justamente sob esse aspecto, posso inserir outro ator que influencia na produção e na
comercialização das tapiocas no boxe Silvia Helena: o cliente/comensal. Sobre isso, a visão do
82
permissionário é a seguinte:
Eu costumo dizer que o freguês ele primeiro come com os olhos. Aí, depois que ele
come com os olhos, é que ele vai perceber se o que ele tá comendo com os olhos tem
mesmo sabor com o paladar dele. Rapaz eu vivo de um aprendizado sem fim. Eu adoro
sugestão, eu adoro crítica. A crítica me ajuda a crescer e a sugestão me ajuda a criar.
Então, eu gosto tudo que vem do cliente. Tudo que vem do cliente é bem-vindo. É
porque é assim, hoje o atendente tá habituado a trabalhar com o paladar do cliente. O
que é o “paladar do cliente”? Eu tenho aqui uma tapioca de carne de sol com queijo, no
cardápio, aí o cliente chega e diz assim: “eu queria queijo, carne do sol, ovo e
requeijão, tem?”. Aí o quê que o atendente passa pra esse cliente: “Não tem no
cardápio, mas eu faço a sua tapioca agora!”. Aí vem no forneiro, diz como é que o
cliente tá querendo a tapioca dele, a tapioca é feita e o cliente sai daqui morto de
satisfeito. A gente costuma dizer que o cliente pegue ele [cardápio] vire ele, derrame
tudo que tem na mesa, tudo que é recheio na mesa e faça a montagem de sua tapioca. O
importante é ele sair daqui contente. (Tapioqueiro R.)
O Centro recebe uma diversidade de clientes – locais, regionais, nacionais e
internacionais. Não se tem controle das características desses visitantes, contudo, as(os)
tapioqueiras(os) estão em contato diário com diferentes gostos alimentares, e lidar com essa
variedade, exige um movimento duplo: manter a tradição da tapioca ao mesmo tempo em que se
pode ajustá-la as mais diferentes preferências gustativas.
A partir disso, entendo que, no boxe Silvia Helena, não existem “perdas” definitivas,
pois as tradições culinárias aprendidas sãos mescladas com novos ingredientes a fim de agradar
o paladar do cliente. Já no caso da Tapiocaria da Xuxa, por conta da trajetória profissional da
permissionária como tapioqueira, sua situação difere da do boxe Silvia Helena, pois questões
como a “criatividade” são apresentadas com outras conotações. Isso fica claro na afirmação
proferida pela permissionária: Criar pra quê? Eu tenho mais de cem sabores de tapioca
(Tapioqueira N.).
Durante minhas observações e entrevistas, apreendi que a presença da mudança é
distinta daquela encontrada no discurso do permissionário R.. Desse modo, analiso essa situação
sob vários aspectos: a) trajetória de vida; b) sua constituição como tapioqueira; c) participação
nos cursos profissionalizantes; d) maneira de apreender informações externas; e)
interdependência em relação aos seus funcionários; e f) seu ponto de vista sobre o cliente. São
pontos praticamente iguais que utilizo para constituir o entendimento do processo criativo no
boxe Silvia Helena.
A Tapioqueira N. nunca esteve diretamente ligada ao fazer do tapioqueiro. Seus
83
primeiros contatos com esse universo se deram na infância. Assim como o tapioqueiro R., de
modo indireto, antes como comensal. Entretanto, foi na família de seu primeiro marido que ela
se iniciou nessa profissão. Quer dizer, ela tomou a decisão de ingressar no trabalho de produzir e
de comercializar tapiocas:
Desde aquele momento, que eu comecei fazer tapioca, eu tinha uns 33 anos. Vendo a
minha sogra fazendo tapioca, eu achei que aquele fluxo de carro e aquela renda dava
muito. Meu marido, na época, trabalhava como gerente de uma construção, de material
de construção, e evitei de fazer uma tapioqueria né?! De montar uma tapioqueria pra
mim. Vixe, foi muito difícil. Muito difícil, porque ele não queria. Mas, aí eu consegui
dinheiro emprestado e montei minha tapioqueria. Quando ele viu que aquilo ali dava,
que aquilo ali dava bastante, era muito, tinha muito fluxo de carro vindo na litoral leste,
todos passavam na frente. Então, a gente tinha um movimento muito grande. Era
somente aquela tapioca tradicional redondinha com coco. (Tapioqueira N.)
Sua tapiocaria foi construída nas “Antigas Tapioqueiras”, estabelecimento edificado
a base de tijolo e cimento, muito próximo a casa dela. Predominava o trabalho em família, os
utensílios utilizados para preparação e consumo das tapiocas não levavam a sofisticação de uma
gastronomia erudita e a relação com os clientes tendia ao âmbito do privado (BEZERRA, 2005).
Por um período de 20 anos, ela aprendeu e ensinou essencialmente o ofício de
tapioqueira na família, como: escolher o melhor tipo de goma de mandioca; a quantidade ideal
de água tanto para molhar como para peneirar a goma; o modo de fazer as tapiocas; habilidades
para atender os clientes, enfim, saberes e fazeres transmitidos de maneira informal. Não havia
receita totalmente fixa ou prescrições por escrito.
O contexto acima se assemelha àquele que Montanari (2008) expõe para classificar
o que vem a ser uma cozinha oral. Esta é descrita como pertencente à classe camponesa
europeia nos tempos e nos lugares onde não havia a transcrição das receitas. Embora
representem situações díspares daquelas que acontecem nas classes aristocráticas do
mesocontinente, o autor define o registro gráfico de todos os procedimentos, desde a cocção ao
consumo das comidas, como elemento promotor da cozinha escrita, que posso dizer fundadora
da Gastronomia francesa.
No caso desta pesquisa, as mudanças que ocorriam estavam, fundamentalmente,
ligadas às necessidades diárias da própria tapiocaria. Uma delas, comumente praticada pelas
demais que compunham as Antigas Tapioqueiras da Paupina, foi a utilização do fundo da lata de
84
goiabada como forma de mediação para a feitura das tapiocas. A culinária tradicional e popular
praticada por aquelas mulheres não tinha a preocupação em relação às inovações.
O tratamento despendido neste trabalho sobre as noções de culinária, tradicional e
popular, refere-se principalmente àquelas práticas da A.T: as técnicas e os conhecimentos na
preparação de tapiocas pelas(os) tapioqueira (os) da Paupina há mais de 50 anos. E que estas(es)
comungavam uma situação financeira não abastada, pois moravam na periferia de Fortaleza em
que os preços das tapiocas eram baixos.
Sobre o termo culinária, não se tem uma definição científica concisa no âmbito da
sociologia da alimentação. Sendo assim, utilizo o que Poulain (2013) e Dória (2014) dizem a
respeito: conhecimento prático de preparar comidas. Desse modo, são as técnicas empregadas
para o processo de cocção das tapiocas. A respeito disto, o aspecto mais apontado e relevante
para os sujeitos entrevistados é o procedimento de “molhar a goma de mandioca”. Já que sem a
execução e o conhecimento adequados não se faz uma “boa tapioca”.
Já a noção de tradição, adoto-a na perspectiva de que as práticas e os saberes
considerados tradicionais são inventados (MONTANARI, 2008; HOBSBWAN; RANGER,
1997). Desse modo, são construtos sociais suscetíveis às mudanças do tempo e do espaço.
Sendo assim, no presente estudo, o Centro das Tapioqueiras tanto agrega uma carga tradicional
advinda das A.T.’s como é considerado – principalmente pelo governo do Estado do Ceará –
como espaço tradicional da gastronomia cearense.
E, por último, o vocábulo “popular” é abordado, neste caso, sob o ponto de vista
contrário ao vocábulo “erudito”. Distinção esta que causa controvérsia, pois se tende a
caracterizar aquele com base em tudo o que este não é (CHARTIER, 1992), e que se refere às
classes sociais pobres (SANTOS, 1994). Contudo, mesmo frágil, auxilia-me na análise do que
“é” feito no Centro das Tapioqueiras: uma “gastronomia” regional de base tradicional popular.
A participação das(os) tapioqueiras(os) nos cursos profissionalizantes modificou o
modelo tradicional de produção e comercialização das tapiocas (BEZERRA, 2005). Fazendo
parte desse grupo, a tapioqueira N., apesar de ter resistido no começo, por achar que estavam
tentando ensiná-la a fazer algo que ela própria já sabia, cedeu a esta condição de adaptação.
Seu modo de administrar e produzir as tapiocas mudou. Do mesmo modo que o
permissionário R., ela teve que acompanhar aquilo que os poderes público e privado entendiam
como setor de serviços alimentícios, como este devia proceder, a fim de melhor atender os
85
clientes, em especial, os turistas. Desse modo, tudo aquilo que aprendera ganhou uma nova
dimensão. Não posso afirmar que todas as suas características como tapioqueira continuam ou
que sua culinária se “perdeu”, porém, muito daquilo que era praticado e conhecido, hoje
coexiste com novos conteúdos.
Embora não tenha tido acesso às primeiras apostilas utilizadas, ela disponibilizou
para a pesquisa um dos últimos materiais trabalhados pelo SEBRAE no CETARME. A
finalidade do documento é conformar os participantes ao empreendedorismo:
Figura 8: Apostila “Apreender a empreender”
(Fonte: autor, 2016)
O estudo parte de um curso de qualificação a distância cujo objetivo é melhorar o
gerenciamento de uma empresa. Esse material ensina como o empreendedor deve administrar
seu processo de autoaprendizagem. Isto é, ele é ensinado e motivado a buscar e organizar novos
conhecimentos por conta própria, a fim de se adaptar às mudanças ocorridas no mercado. Posso
pensar, com base nos “grupos criativos” estudados por De Masi (2003), que investimentos na
aquisição desses conhecimentos também possibilitaram aos sujeitos de minha pesquisa
caminhos em direção às criações e às inovações.
Na Tapiocaria da Xuxa, isso acontece de maneira esporádica. Talvez pelo fato de
estar muito vinculada ao que realizava na A.T.. A permissionária não se preocupa em modificar
o serviço e as comidas do seu boxe. Aqui, faz-se um contraponto entre a Tapiocaria da Xuxa e o
86
que é realizado pelo tapioqueiro R., no boxe Silvia Helena, sempre inquieto, no desejo de atrair
a atenção dos clientes por meio de novidades.
Quanto à dinâmica entre os sujeitos que compõem a tapiocaria da Xuxa, esta se
diferencia da anterior pelo fato de ter menos funcionários e por alguns deles serem parentes da
permissionária. Esta segunda característica a vincula, mais fortemente, aos hábitos concernente
à A.T. Sendo assim, apesar do Centro ter propiciado uma formalização das relações sociais, com
a separação entre o local de trabalho e a casa (BEZERRA, 2005), ainda assim as relações de
parentesco ajudam a constituir o referido boxe.
No que se refere ao ponto de vista da permissionária em relação aos clientes, ela
afirma que são eles que contribuem para a elaboração de novas tapiocas. “A tapioca geleia de
pimenta foi criada por mim. Quer dizer, quando a pessoa vem de fora, que fala, aí eu já... Nunca
mais eu fiz, nunca mais veio ninguém pra me dar uma ideia. Aí essa de geleia de pimenta com
queijo. A tapioca da Xuxa foi eu mesma quem criei.” (Tapioqueira N.). Neste boxe, as
possibilidades criativas e inovadoras são geradas levando em conta o gosto alimentar destes
atores. Portanto, o foco principal se dá na contribuição dos próprios consumidores. Eles podem
pedir recheios que não estão no cardápio, como é o caso da tapioca Romeu e Julieta. Assim, se a
permissionária gostou do modelo elaborado por um de seus clientes, este é logo introduzido no
menu de sua tapiocaria.
A tapioca da Xuxa foi uma criação dessa permissionária. Esta contém inúmeros
ingredientes: carne de sol, queijo, bacon, calabresa, tomate e orégano. A concepção, segunda a
tapioqueira, não foi meticulosa e nem intencional. A criação surgiu de uma inspiração casual,
com o intento de colocar tudo aquilo que ela própria gosta em uma tapioca fina. Entretanto,
compreendo que se trata de uma prática culinária reformulada pelos cursos de qualificação.
Quer dizer, apropriou-se, mesmo que de maneira não consciente, de dois esquemas relacionados
à gastronomia: a estética e a reelaboração de comidas já conhecidas.
O único objetivo era preparar as tapiocas tradicionais e vendê-las. E tudo em
conformidade com aquilo que aprendera com a sua sogra. Todavia, a partir do CETARME, o
conhecimento que a tapioqueira N. possuía foi articulado a outros saberes: gastronômico,
empresarial, segurança alimentar, associativismo etc. Ou seja, com esse processo de
miscigenação cultural (POULAIN, 2013), originou-se algo inovador: uma “gastronomia”
regional criativa, de base tradicional e popular.
87
5 RELAÇÃO ENTRE PERMISSIONÁRIAS(OS) E GOVERNO DO ESTADO DO
CEARÁ
A pesquisa de campo subsidiou a compreensão de que os contatos estabelecidos
entre as(os) permissionárias(os) do CETARME com agentes do governo Estado do Ceará são
movidos por alternâncias entre tempos de conflito e de calmaria. Ou seja, ora aqueles
expressam publicamente, via jornais impressos e televisivos, sua indignação frente ao abandono
do Centro pelo poder público, ora parece tudo estar resolvido. Contudo, as queixas estão
latentes, parecendo aguardar as circunstâncias e as pessoas propícias para emergirem
novamente.
Assim, tentando entender como isso acontece e de que modo influencia na produção
e comercialização de tapiocas, este capítulo trata especificamente da relação entre as(os)
permissionárias(os) e as ações empreendidas ou não pela Secretaria do Trabalho e
Desenvolvimento Social (STDS) e a Secretaria de Turismo (SETUR), ambas do Estado do
Ceará. Para tanto, o capítulo estrutura-se em três momentos: a) condição de permissionárias(os);
b) estrutura física do Centro; e c) CETARME como ponto turístico da “gastronomia regional”
cearense.
Deste modo, aponto que minhas referências empíricas estão fundamentadas nas falas
do permissionário R. e da permissionária N.. Os demais discursos, tanto das(os) outras(os)
permissionárias(os) quanto do coordenador de empreendedorismo da STDS, serão expostos por
meio dos diários de campo40
. Aliás, ainda trabalho com aquilo que é dito pela Secretaria de
Turismo (SETUR) do Estado do Ceará a respeito do meu objeto de pesquisa por meio de sua
página na internet.
Já disse anteriormente que as(os) tapioqueiras(os) pesquisadas(os) são abordadas(os)
neste trabalho também como permissionárias(os), isto é, sujeitos que detêm a permissão de
utilizar um boxe no CETARME. E acrescento: tal condição é formalizada por um “termo de
comodato”41
, documento que oficializa essas pessoas a gerenciar uma tapiocaria neste espaço.
Portanto, o local onde trabalham “não é delas(es)”, mas trata-se de um equipamento turístico do
40
Algumas entrevistas não puderem ser gravadas por decisão dos próprios pesquisados, deixando-me como opção
anotar em papel seus discursos. Desta maneira, usando o recurso das anotações em blocos de nota e de memórias,
fiz as transcrições um turno depois. Portanto, coloco suas afirmações por meio dos meus diários de campo. 41
Não tive acesso a esse documento.
88
Estado do Ceará.
A maneira como isto ocorre é controversa desde os primeiros anos de
funcionamento do Centro. Após o ano de 2002, a prática de aluguel ou de venda de tapiocarias
para outras pessoas, até mesmo para as(os) permissionária (os) ao lado, tem sido recorrente. Na
maioria dos casos, o motivo da desistência é a dificuldade de manter financeiramente o
estabelecimento.
Diante dessas mudanças, elenco três tipos de permissionárias(os): as(os) que advêm
das Antigas Tapioqueiras; as(os) que entraram e aquelas que entram no Centro após sua
inauguração. Esta divisão tem sua relevância quando o assunto é a identidade de
“tapioqueira(o)”, a relação dos novatos com a ATP e como os agentes da Secretaria do Trabalho
e Desenvolvimento Social (STDS) do Estado do Ceará têm interpretado essa situação de
permuta.
Dentre os sujeitos provenientes das Tapioqueiras da Paupina, localizadas na
Avenida Barão de Aquiraz, que ganharam a permissão de ocupar um boxe no CETARME,
poucos são os que permanecem. Entre as 26 tapiocarias deste local, apenas oito são gerenciadas
por essas pessoas – ou por seus familiares. As demais são inseridas nos outros dois tipos de
permissionárias(os). As tapiocarias “Tia Neuma” e “da Xuxa” são dois exemplos desses
remanescentes. A primeira é administrada pela permissionária V., passando a esta posição em
virtude de problemas de saúde de sua mãe – Neuma, tapioqueira da Paupina. Já a segunda é
dirigida pela N. (já mencionada anteriormente).
A transição para o Centro das Tapioqueiras modificou o estilo de vida e a prática
culinária dessas pessoas (BEZERRA, 2005). De um ambiente que correlacionava casa/trabalho,
passaram para um lugar onde estes dois elementos andam “separados”. Quer dizer, as relações
familiares não preponderam na dinâmica de todo boxe. Contudo, de uma maneira ou de outra,
ainda persistem.
A lógica predominante não é mais do âmbito privado, das relações de vizinhança,
onde as decisões e a produção de tapioca eram executadas com base nas relações familiares. As
determinações passam agora pela esfera pública, ou seja, os crivos dos agentes do governo e de
empresas privadas que influenciam na organização das tapiocarias do CETARME.
Quanto aos que ingressaram no Centro das Tapioqueiras logo após a construção
deste, a posição de “permissionária(o)” ganha outra conotação. Trata-se agora de pessoas que
89
não tinham a prática de fazer e de vender tapiocas. Melhor dizendo, entre aqueles que
permanecem, houve na necessidade de aprender o ofício de tapioqueira(o) ao mesmo tempo em
que eram instruídos a obedecer às normas estabelecidas no Regimento da ATP.
Exponho aqui dois destes casos: o tapioqueiro R., no boxe Silvia Helena; e a
tapioqueira L., no boxe Recanto do Sertão. Apesar de terem trajetórias de vida distintas, ambos
se enquadram na condição acima. Ao longo dos anos, eles tiveram que aprender a fazer tapioca,
assim como se encaixar ao modelo de comercialização já estabelecido com as(os)
permissionárias(os) que tivessem mais acessibilidade. E, no período da pesquisa, observo que se
tratam dos dois estabelecimentos que mais recebem clientes.
Nesse caso, eles estão mais preocupados em inovar seus produtos e reformular o
modo de atendimento, diferentemente daqueles que ainda têm suas raízes nas Antigas
Tapioqueiras. Eles ainda não têm uma constante preocupação com a criação de outros modelos
de tapioca ou de outras maneiras de chamar a atenção dos consumidores.
No que diz respeito àqueles que têm adentrado no Centro recentemente, sua relação
com a ATP é em certa medida conflituosa. Com pouco tempo nesse espaço, as regras e os
costumes já estabelecidos entre os demais ainda não são conhecidos, e, se são, não foram
colocados em prática.
Quanto às condições físicas do CETARME, já apontei alguns elementos no capítulo
anterior, tais como: problemas na cobertura e nos estacionamentos. Esses dois fatores já
resultaram em reclamações pelos meios de comunicação – jornais impressos. A principal
palavra que expressa essa relação é “abandono”. Alguns sujeitos do Centro divergem sobre a
maneira de lidar com a situação, porém há consenso quanto à falta de auxílio por parte do poder
público.
Os agentes colocam a situação sobre dois pontos: por um lado, a construção e a
organização do CETARME foram grandes benefícios governamentais; por outro, aquilo que foi
realizado e que eventualmente se executa não está de acordo com as reais necessidades deste
local. Assim, são recorrentes as expressões de decepção em relação às intervenções dos últimos
governos estaduais do Ceará, já que são poucas ou inexistem.
A última informação que tive a respeito desse assunto foi a de que havia a
elaboração um projeto, pela coordenadoria de empreendedorismo da STDS, para a reforma do
Centro. Foram planejados dois modelos de intervenção, porém não houve consenso entre os
90
sujeitos – tapioqueiras(os), artesãs(ãos) e agentes públicos.
Os discursos desses atores sociais são marcados ora por consensos, ora por conflitos,
a depender das circunstâncias apresentadas. Quando a situação exprime possíveis vantagens
para outrem, lançam-se artifícios para que não haja perda daquilo que já é possuído. Por meio de
negociações, tenta-se chegar a um consenso, havendo benefícios para todas as partes.
Entretanto, nas etapas concernentes ao referido projeto, têm acontecido tensões entre
representantes das(os) tapioqueiras(os) e das(os) artesãs(ãos). Desse modo, diante dos impasses,
o projeto ainda não foi finalizado até o presente momento.
A Secretaria de Turismo do Estado do Ceará (SETUR) mantém uma relação com o
Centro das Tapioqueiras apenas de publicidade. A única ação investida é a exposição deste
espaço como atrativo turístico por meio de sua página na internet:
Figura 9: CETARME – forno a lenha
(Fonte: SETUR, 17/12/2015)
Apresenta-se esse espaço a partir do “rústico”, do “regional”, do “tradicional” e da
“diversidade”. Contudo, depois de 12 anos, após a publicação dessa fotografia, vários aspectos
foram modificados. Um deles é a utilização da chapa a gás em detrimento do forno a lenha e a
própria prática culinária desses sujeitos. Desse modo, a partir desse informativo, pode-se
conceber que o lugar e as pessoas ainda são os mesmos. Entretanto, sendo as(os)
tapioqueiras(os) seres socioculturais, suas práticas e discursos não são fixos como uma “atitude
imóvel” perpétua (PASQUIER, 2005). As alterações ocorrem, embora não seja do dia para a
noite, mas, certamente, a estrutura do CETARME e as pessoas que o compõem modificam-se de
acordo com as circunstâncias sociais que lhe são dadas.
91
Esse conteúdo sobre o Centro das Tapioqueiras está inserido no link “turismo
cultural”, especificamente relacionado à “Gastronomia”. Vejamos as representações da SETUR
em torno do primeiro ponto:
Movido pela busca de informações, o turista agrega os novos conhecimentos à
interação com outras pessoas, comunidades e lugares. Motivados pela curiosidade
sobre costumes e tradições, turistas do mundo inteiro procuram a identidade cultural de
cada lugar que visitam. No Ceará, o elo entre o passado e o presente, o contato e a
convivência com o legado cultural abrem perspectivas para a valorização e
revitalização do patrimônio, do revigoramento das tradições, da redescoberta de bens
culturais materiais e imateriais, muitas vezes abafadas pela concepção moderna. Todas
as regiões possuem um rico acervo cultural representado pela arte, tradição e memória.
(SETUR, 2015)
Antes de analisar este discurso e de que modo ele interfere na dinâmica do
CETARME, faz-se necessário retomar o entendimento daquilo que é definido como cultura.
Desse modo, alguns elementos são apontados: “costumes”, “tradições”, “identidade”,
“patrimônio”, “arte” e “memória”. Todos devidamente relacionados a um determinado lugar e
tempo. Logo, “cultura” mobiliza a compreensão de tudo aquilo que pode identificar uma
sociedade.
A intenção é fazer com que os turistas se sintam atraídos pelas diversas
manifestações culturais do Estado do Ceará. Nesse sentido, as “gastronomias” cearenses foram
postas como produtos turísticos. Esta concepção da SETUR-CE não está alheia àquilo que está
no âmbito nacional. A representação que o Ministério do Turismo brasileiro elaborou, no seu
último documento, promove a cultura como produto turístico:
Nos últimos anos, novos produtos turísticos culturais vêm ampliando a percepção das
possibilidades de interpretação e sentidos para os bens culturais do país, antes restrita
ao patrimônio edificado e a algumas festas tradicionais brasileiras. Assim, as diversas
combinações da cultura e do turismo configuram o segmento de Turismo Cultural, que
é marcado pela motivação do turista de se deslocar especialmente com a finalidade de
vivenciar os aspectos e situações que são peculiares da nossa cultura. (BRASIL, 2010)
O atual contexto do consumo turístico tem reivindicado novos atrativos. Para além
do patrimônio natural e “edificado” (prédios históricos), a inserção das “gastronomias”, das
músicas, das danças, das festas, dos artesanatos, entre outras manifestações culturais, tem como
objetivo atender à demanda de viajantes que têm reclamado por conhecer os aspectos sociais e
92
culturais dos lugares que visitam (idem, 2010).
Abrem-se as portas, assim, para o chamado “turismo gastronômico”. Termo
relativamente recente que tem sido definido da seguinte maneira: “a visita a produtores
primários ou secundários de alimentos, participação em festivais gastronômicos e busca de
restaurantes ou lugares específicos onde a degustação de pratos e/ou a experimentação dos
atributos de uma região especializada na produção de alimentos é a razão principal para a
realização de uma viagem” (HALL; SHARPLES, 2003. In: SCHLÜTER; ELLUL, 2008).
Porém, no âmbito cearense, essa área alimentar tem sido um assessório para a rede de hotelaria e
estabelecimentos de serviço que se encontram à beira-mar. Logo, não há, ainda, atividades
planejadas pela SETUR-CE no que diz respeito às “gastronomias” regionais do Ceará.
Quanto ao termo “gastronomia”, no material coletado ao longo da pesquisa, não há
uma definição clara para sua utilização. Porém, a partir das descrições acerca das
“gastronomias”42
cearenses, elenco elementos gerais para compreender o emprego desse
vocábulo pela SETUR. Vejamos a seguinte tabela:
Tabela 1: “Gastronomias” cearenses relacionadas à determinada região e cidade
Gastronomias/Localidade Comidas Principais características
Fortaleza (região praiana)
Peixes, caranguejo, lagosta,
camarão, pizza com
ingredientes locais e
sovertes de frutas regionais;
Mistura de ingredientes regionais e
internacionais; ênfase na tradição;
Serras de Aratanha e de Baturité
(região serrana)
Fondue de carne e queijo,
doces, crepes, aguardentes,
licores, café ecológico,
tapiocas, cuscuz com carne
de sol;
Apresenta pratos de outras
nacionalidades influenciando e
coexistindo no menu regional;
Cariri (região sertaneja) Comidas à base de pequi
(fruta local); Destaca o que é produzido na
região;
Polo Jericoacoara (Taíba,
Flecheiras e Jericoacoara) (região
praiana)
Peixes, frutos do mar e comidas regionais; Enfatiza a tradição, o “típico”, os
pratos nacionais e internacionais;
Polo Canoa Quebrada
(Pindoretama, Canoa Quebrada e
Centro das Tapioqueiras43
) (região
praiana)
Peixes, caranguejo,
camarão, lagostas,
rapadura, cachaça artesanal
e tapiocas.
Realça a variedade de comidas
regionais e internacionais.
(Fonte: Elaboração do autor)
42
A colocação no plural assinala os vários tipos de “gastronomias” descritos pela SETUR no território cearense. 43
É colocado, logo após o polo de Jericoacoara, como lugar que pode ser visitado na volta do litoral Leste. Não é
incluso, especificamente, em nenhum dessas “gastronomias” apresentadas. Colocamos juntamente com o último por
conta do trajeto de acima descrito.
93
As regiões praiana, sertaneja e serrana, a partir das respectivas cidades apresentadas,
são relacionadas com algumas comidas características de sua localidade. Mas, além disso,
apontam pratos tanto nacionais quanto internacionais. Neste quesito, a cidade de Fortaleza-CE é
descrita como o lugar que agrega esses três aspectos: estrangeiro, nacional e regional,
mesclando-os a depender do estabelecimento. Consequentemente, inclino-me a afirmar que os
vocábulos tradicional e regional, bem como “mistura” e “diversidade” contribuem para aquilo
que a SETUR-CE denomina de “gastronomia” cearense.
Os termos “tradicional” e “regional” são utilizados para caracterizar as comidas
produzidas e consumidas em território cearense e/ou brasileiro. E os vocábulos “diversidade” e
“mistura” são introduzidos a fim de ressaltar a variedade de opções alimentares tanto locais
quanto de outras sociedades; e a mesclagem realizada parte destes dois elementos, dando origem
a novos pratos.
A ideia de “processo de mesclagem cultural” (POULAIN, 2013) auxilia justamente
na construção temporária dessa definição. Assim, aplicada essa compreensão ao Centro das
Tapioqueiras, a partir dos boxes investigados, percebe-se imediatamente que há produção e
comercialização de comidas tradicionais, regionais e as que são fruto de mesclagens. Vejamos
as seguintes tabelas:
Tabela 2: Comidas apresentadas nas tapiocarias analisadas
Cardápio Tradicional/Regional Mesclagem
Tapiocas Tradicionais
Simples/tradicional: feita com
coco ralado;
Queijo; queijo assado; leite
condensado; ovo; chocolate; queijo e
chocolate; goiabada; doce de leite;
queijo e presunto; nata; manteiga;
carne de sol; frango; bacon; camarão;
Tapiocas Finas
Sem recheio
Ovos; queijo; presunto; carne do sol
com queijo; frango com catupiry;
bacon e requeijão; camarão e
catupiry; calabresa, queijo e ovos;
sardinha; carne moída, calabresa e
ovo; atum e queijo; bacalhau; carne de
caranguejo; coco e chocolate; banana e
canela; abacaxi, queijo e leite
condensado; nutella com morango;
maçã, leite condensado e canela etc.
Outras comidas
Cuscuz paulista;
panelada; feijoada;
caldo; canja; carneiro; paçoca; galinha caipira;
Cada uma das comidas descritas à
esquerda possuem suas Variações em cada cardápio;
94
Bebidas
Café; cajuína caseira; sucos e
vitaminas de frutas locais
(cajá, caju, goiaba, laranja,
abacaxi etc.).
O café é a bebida com maior
diversidade de opções.
(Fonte: Elaboração do autor)
A “gastronomia” cearense é utilizada como atrativo cultural para atender ao público
turístico. Não há políticas públicas específicas para o desenvolvimento dessa área, o que
acontece, pontualmente, são eventos de festivais gastronômicos com a intenção de tornar o lugar
atrativo para visitantes. Portanto, não existem planos específicos, por parte da SETUR, para esse
setor no Ceará.
5.1 PROMOVENDO O EMPREENDEDORISMO INDIVIDUAL: INTERVENÇÕES DO
SEBRAE NO CENTRO DAS TAPIOQUEIRAS
De antemão, afirmo que, neste último ponto do trabalho, a questão do
empreendedorismo é associada à ação que o SEBRAE tem direcionado às(aos)
permissionárias(os) do Centro das Tapioqueiras como agente formador de empreendedores
individuais. Deste modo, apresento alguns elementos que têm influenciado nesta ação e como
as(os) tapioqueiras(os) têm lidado com a implantação “não coercitiva” dessa disposição.
Começo com o entendimento do SEBRAE a respeito do empreendedorismo
individual:
O empreendedor individual é aquele pequeninho (camelô, pipoqueiro etc.) que não
pode emitir uma nota fiscal. Aquele pequeninho que quando vai comprar um produto,
às vezes, tem dificuldade de comprar numa quantidade maior ou de um fornecedor com
um preço melhor. Porque não tem o CNPJ. Cabeleireiro tem produto que só pode
comprar se tiver CNPJ. Aí o cabeleireiro que é informal, ele vai pedir a alguém que
pode emitir a nota; geralmente cai na mão de um intermediário. Compra mais caro.
Eles, geralmente, não pagam o INSS como autônomo. Então, se ficar doente, se
engravidar, não tem nenhum benefício social. E o empreendedor individual veio
justamente pra atender a essa demanda. Então, ele pode faturar até 60 mil por ano. Se
ele for comércio ou indústria ele vai pagar 1 real de imposto por mês fixo. Todos os
impostos vão ser 1 real. Se for serviço, todos os impostos dele por mês vão ser 5 reais.
Ele não precisa declarar imposto de renda. Ele não precisa emitir nota fiscal, exceto se
ele for vender para uma pessoa jurídica. Pode ter um funcionário de carteira assinada. E
vai ter os benefícios do INSS, pagando apenas 5% do valor do salário mínimo. Então,
ele vai ter a seguridade social, ele vai poder ir no banco fazer empréstimo – linha de
crédito específico como empreendedor individual. Ele vai poder emitir uma nota fiscal,
se assim o cliente pedir. E, no final do ano, ele vai fazer uma declaração, assinar de
próprio punho dizendo que faturou até 60 mil/ano. Ele tem uma série de vantagens, de
95
facilidades. Ele entra no site, preenche lá os campos, e na mesma hora sai o cartão do
CNPJ dele. É gratuito. E se ele for dar baixa, entra no site e dá baixa da empresa. O
empreendedor individual foi criado para facilitar, para estimular que esse pequenininho
se torne formalizado e ele possa crescer. E que no futuro ele possa se tornar um ME
(Microempresa) e assim por diante. (Interlocutora do SEBRAE, E.T.)
O objetivo, então, é formalizar o trabalhador autônomo para que este venha a pagar
impostos. A “facilidade” apresentada concerne a este sujeito a possibilidade de conseguir
empréstimos, aposentadoria e outros direitos trabalhistas. Contudo, foca-se no “pequeninho”,
sujeito que possui um negócio (comércio, indústria ou estabelecimento de serviço) de pequeno
porte. É promovido um discurso de “crescimento” econômico e de “segurança” social para que
esses pequenos empresários formalizem seu negócio.
No Centro das Tapioqueiras, essa intervenção se fez presente desde o processo de
adaptação das(os) tapioqueiras(os) até as novas condições de trabalho. Os cursos de capacitação
promovidos por essa empresa conduziram estes sujeitos a práticas e modos de pensar mais
sistemáticos e racionalizados. Quer dizer, apontaram um caminho para a formatação dessas
pessoas como empreendedores.
Vejamos como ocorreram essas primeiras ações no discurso do SEBRAE:
O SEBRAE fez uma intervenção com elas pra que elas já chegassem lá nos boxes de
uma maneira mais profissionalizada: a parte de atendimento, de higiene, de boas
práticas, de manipulação de alimentos... E na época nós fizemos alguns cursos com
elas. Palestras e tudo. Como administrar aquele negócio. Passado um tempo, o
SEBRAE sempre estava voltando e fazendo alguma intervenção na área de capacitação
com elas. Parou! Elas começaram a andar com suas próprias pernas. (Interlocutora do
SEBRAE, E.T.)
Dois pontos a serem ressaltados: a) o ensino de como administrar o próprio negócio;
e b) andar com as próprias pernas. O primeiro nos remete propriamente aos cursos, todavia
assinala a inserção de outra maneira de pensar. A partir do que foi apresentado, o conhecimento
das(os) tapioqueiras(os) era insuficiente ou inadequado para lidar com as novas circunstâncias
que passariam a enfrentar. Em um equipamento legitimamente definido como turístico e com as
exigências postuladas – um cardápio muito diversificado – o modo como essas pessoas
deveriam dirigir suas tapiocarias teriam que passar por mudanças.
Exemplo disso foi abordado no capítulo 3. O simples ato de pôr no papel todas as
etapas de produção da tapioca tradicional, como: estabelecer bons fornecedores; preocupar-se
96
com a qualidade e a quantidade dos produtos comprados; buscar a medição exata da preparação
da comida; fazer o cálculo para estabelecer os preços nos cardápios e para administrar as
finanças do boxe; saber o modo como gerenciar os comportamentos dos funcionários; e fazer,
de maneira correta, a abordagem aos clientes etc, não quer dizer que essas características
estivessem ausentes nas Antigas Tapioqueiras, mas uma lógica específica de como conduzir um
estabelecimento de serviço alimentar foi imposta.
Essa etapa da constituição das(os) tapioqueiras(os) como das(os)permissionárias(os)
do CETARME não teve a intenção direta de fomentar ações criativas e/ou inovadoras por parte
destes sujeitos, tampouco nos cursos realizados nos anos posteriores. Um dos motivos é a
inserção desses novos permissionários no Centro para orientá-los sobre a necessidade de serem
instruídos para aquilo que se espera deles. Logo, segundo E.T. (interlocutora do SEBRAE): “a
gente sempre trabalha com eles o ponto básico: importância da cooperação; o atendimento; e a
parte de higiene e manipulação de alimentos. Sempre trabalha, a princípio, isso: a gestão do
negócio. Não adianta a gente enxertar muita coisa. Tem que dar sempre o primeiro passo. Pra
depois, levar outras coisas pra eles” (28/06/2016).
Chego, agora, ao segundo ponto. A expressão “andar com as próprias pernas” pode
ser interpretada como a independência das(os) permissionárias(os) do Centro em relação às
ações tanto do SEBRAE quanto do Governo do Estado, principalmente no que diz respeito aos
cursos de capacitação.
Um último esforço direto, até então, para formalizá-las(os) à posição de
“empreendedoras(es) individuais” e ensiná-las(os) um modelo de gerenciamento do próprio
negócio a fim de melhor atender às demandas dos turistas estrangeiros, aconteceu no ano que
antecedeu a Copa do Mundo de 2014, em que o Centro das Tapioqueiras recebeu o Programa
SEBRAE 201444
.
O Sebrae no Ceará começou a realizar um trabalho de preparação das tapioqueiras,
com foco no ambiente do mundial da Fifa. A iniciativa faz parte do programa Sebrae
2014 e tem como objetivo aumentar a competitividade do polo gastronômico da tapioca
por meio da capacitação dos proprietários dos boxes para uma gestão mais profissional
do negócios, com a realização de consultorias e treinamentos abordando temas como
atendimento ao cliente, boas práticas na manipulação de alimentos, gestão de pessoas e
gestão financeira, entre outros. (DIÁRIO DO NORDESTE, 26/05/2015)
44
O Programa SEBRAE 2014 teve seis eixos de atuação, são eles: Turismo, Economia Criativa, Têxtil e Vestuário,
Comércio Varejista, Agronegócios e Serviços em geral. O Centro das Tapioqueiras foi inserido neste último ponto
como “polo gastronômico”.
97
E ainda,
O ponto de partida é o incentivo à formalização já que a grande maioria dos negócios
ainda é informal. Até hoje foram realizados dois encontros de sensibilização para a
apresentação da figura do Empreendedor Individual e as facilidades para legalizar o
negócio de quem fatura até R$ 60 mil por ano, bem como os benefícios previdenciários
e a possibilidade de contratar até um empregado com carteira assinada. Ainda este mês
está previsto um terceiro encontro, em que o Sebrae irá levar até o Centro das
Tapioqueiras toda a estrutura necessária para a formalização. (Idem.)
O escopo é torná-las(os) autônomas(os) na administração da tapiocaria, na produção
das comidas, bem como na resolução de conflitos e de problemas na estrutura física. Trata-se,
portanto, de uma relativa autonomia, ou seja, ao mesmo tempo em que essas pessoas têm a
possibilidade de criar estratégias e outros tipos de comida, elas estão – ou devem estar –
fundamentadas nas diretrizes estabelecidas durante essas aulas preparatórias.
98
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os processos de preparação e de comercialização das tapiocas no CETARME estão
ligados à criatividade, ainda que de modo incipiente. Poucos são os sujeitos observados e
analisados que colocam este elemento como fundamental no cotidiano de seus respectivos
boxes. Dentre as tapioqueiras N. e V., percebi mais semelhanças que discrepâncias.
Entendo que elas mantêm uma relação muito estreita com as práticas culinárias e
organizacionais características das Antigas Tapioqueiras da Paupina. Em virtude disto, a
dimensão criativa apenas tangencia seus trabalhos, pois não há preocupação constante em
apresentar uma comida e/ou tipo de atendimento novo.
No que diz respeito à tapioqueira Leonícia, por não advir das A.T’s., sua forma de
gerenciar seu boxe orienta-se muito mais para os conteúdos transmitidos nos cursos
profissionalizantes. As mudanças elaboradas na estrutura física do estabelecimento e nos
utensílios, tanto para decoração quanto para o uso dos clientes, indica que sua intenção é
diferenciar-se das demais tapiocarias a partir de algum elemento novo.
Já o tapioqueiro R., associo-o a uma posição “oposta” às outras. Não digo que ele se
desvencilha radicalmente das outras, mas sua trajetória no Centro das Tapioqueiras parece
mostrar que é o mais afeito às práticas e discurso voltado às elaborações inovadoras e criativas.
Durante o período de pesquisa, a informação que colhi a respeito do modo como organiza seu
boxe leva-me a considerar que os aspectos tradicionais e de cunho popular relacionado às
Antigas Tapioqueiras da Paupina não têm tanta influência em seu trabalho. O que prepondera,
no seu caso, é atrair o cliente por meio de algo que não esteja no cardápio de nenhum outro
boxe.
Em conjunto, esses sujeitos agem mediante relações de cooperação como de
competição entre si. E é neste momento que percebo a manifestação das criatividades. Elas se
revelam nos produtos alimentícios comprados, nos cardápios, nas comidas, nas bebidas, na
forma de administrar o estabelecimento, nas relações estabelecidas com os funcionários, na
decoração, nos utensílios, nas cores, nas roupas utilizadas, entre outros elementos. No entanto,
as práticas e as intervenções que cada permissionário faz têm que levar em consideração os
acordos estabelecidos nas reuniões da ATP, para serem fundamentados no Regulamento desta
associação.
99
A interpretação de que os elementos tradicionais se ligam ao que pode ser
considerado como novo desemboca na apreensão de que, no CETARME, se tem uma
“gastronomia” voltada para comidas regionais cearenses, como para outras localidades. Desse
modo, as aspas são para indicar que não faço comparação com a Gastronomia em seu sentido
clássico. O vocábulo somente possui elementos característicos desta, como por exemplo:
relaciono, na medida do possível, um permissionário ao chef de um restaurante. Ambos são
responsáveis por toda a dinâmica de seus estabelecimentos, desde a compra dos produtos
alimentares até o atendimento ao consumidor.
Sendo assim, inclino-me a considerar que, nesse local, ocorreu a agregação de vários
conhecimentos – alimentares e de cunho empreendedor – possibilitando a emergência de um
tipo específico e inovador de preparação alimentar. Hoje, ano de 2017, pode parecer que aquilo
que é elaborado no Centro das Tapioqueiras seja um modelo encontrado em qualquer lugar que
comercialize tapioca. Contudo, no momento de sua constituição – ano de 2002 – esse local foi
um dos primeiros do estado do Ceará a apresentar uma comida apreciada no repertório alimentar
dos cearenses, dos nordestinos e dos brasileiros, em nova roupagem, no intento de torná-la
atrativa, principalmente para o turista estrangeiro.
Por fim, considero que os elementos tradicionais concernentes à produção e à
comercialização das tapiocas persistem frente à suposta padronização imposta pelo mercado
turístico internacional e globalizado. Além disso, a formulação de práticas criativas configura
uma tensão entre aspectos do passado e construção de novos produtos e informações
provenientes do presente, porém, a finalidade é atrair clientes e “preservar” o significado da
culinária regional “autêntica” representada pelo Centro das Tapioqueiras no Ceará.
Entendo que este trabalho contribui para futuras reflexões acerca das mudanças que
ocorrem nas práticas culinárias e alimentares, sobretudo fora do âmbito doméstico. A incessante
globalização cultural, inclusive alimentar, e do turismo têm promovido modificações na forma
como produzimos e negociamos as comidas. Precisa-se pensar a respeito dos novos modelos
alimentares, frutos da mistura de práticas e de conhecimentos social e culturalmente distintos.
100
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin (Orgs.). Cultura, consumo e identidade. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2006.
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 1999.
BECKER, Howard. Mundos da Arte. Lisboa: Livros Horizonte, 2010.
BEZERRA, Celina Maria Torres Portugal. Dos passos de gazela de Iracema ao rastro da
capital: o cotidiano das (os) tapioqueiras (os) de Messejana-Fortaleza-CE. 2005. 257 f.
Dissertação (Mestrado Acadêmico em Geografia) – Curso de Mestrado Acadêmico em
Geografia, Centro de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2005.
BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
BRAGA, Vivian. Cultura alimentar: contribuição da antropologia da alimentação. Saúde em
Revista, Piracicaba, v. 6, n. 13, jul. 2004. p.37-44.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Câmara dos Deputados,
Edições Câmara, 2012.
. Turismo Cultural: Orientações Básicas. Brasília: Ministério do Turismo, 2010.
. Plano Nacional de Turismo: o turismo fazendo muito mais pelo Brasil 2013-2016.
Brasília: Ministério do Turismo, 2013.
BRUSADIN, Leandro Benedini. Estudo da avaliação do Programa Nacional de Municipalização
do Turismo – PNMT na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso. Revista
Hospitalidade, São Paulo, ano 2, n. 2, 2º semestre. 2005. p. 87-111.
101
BUENO, Maria Lucia. Gastronomia e Sociedade de Consumo. Tradições culturais brasileiras e
estilos de vida na globalização cultural. In: REINHEIMER, Patrícia; SANT'ANNA, Sabrina
Parracho (Orgs.). Reflexões sobre cultura material. Rio de Janeiro: Folha Sêca, 2013. p. 89-
110.
CANCLINI, N. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 1989.
CARVALHO, Alan Francisco de. Políticas Públicas em Turismo no Brasil. Sociedade e Cultura:
Revista de Ciências Sociais, Universidade Federal de Goiás, v. 3, n. 1/2, jan./dez. 2000. p. 97-
109.
CASCUDO, Luís da Câmara. História da alimentação no Brasil. São Paulo: Global, 2011.
CAVALCANTE, G. B.; AZEVEDO, M. R. C. Observação Participante: O olhar que aproxima e
revela. In: ALVES, Giovanni; SANTOS, J. B. F. (Orgs.). Métodos e Técnicas de Pesquisa
sobre o Mundo do Trabalho. Bauru: Canal 6, 2014.
CHARTIER, Roger. “Cultura Popular”: revisando um conceito historiográfico. Revista Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 16. 1995. p. 179-192.
DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 2001. DARMON,
Muriel. La Socialisation. Paris: Armand Colin, 2010.
DE MASI, Domenico. Criatividade e Grupos Criativos. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.
DÓRIA, Carlos Alberto. Formação da Culinária Brasileira: escritos sobre a cozinha izoneira.
São Paulo: Três Estrelas, 2014.
ESCARLATE, Luiz Felipe de Araújo. Aprendendo a empreender: serviço. Brasília:
SEBRAE, 2010.
FERNANDEZ, Rafael Saad; SERRA, Neusa. Economia Criativa e Políticas Públicas: uma
contribuição ao debate. In: CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM
SOCIAIS E HUMANIDADES. 1., 2012, Niterói, Anais... Rio de Janeiro: ANINTER-SH/
PPGSD-UFF, 2012. p.1-21.
102
FLORIDA, Richard. A ascensão da classe criativa. Porto Alegre: L&PM, 2011.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora UNESP, 1991.
_________________. Sociologia. Porto Alegre: Penso, 2012.
GONÇALVES, J.R.S. Culturas populares: patrimônio e autenticidade. In: BOTELHO, André;
SCHWARCZ, Lilia Moritz (Orgs.). Agenda Brasileira: temas de uma sociedade em mudança.
São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p.134-141.
Governo do Estado do Ceará. Gastronomia. Disponível em: