UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS ALESSANDRA NUNES LOUREIRO PREZOTTI INDUÇÃO DE IMUNOTOLERÂNCIA EM PACIENTES ADULTOS COM HEMOFILIA A E INIBIDOR CAMPINAS 2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS
ALESSANDRA NUNES LOUREIRO PREZOTTI
INDUÇÃO DE IMUNOTOLERÂNCIA EM PACIENTES ADULTOS COM
HEMOFILIA A E INIBIDOR
CAMPINAS
2016
ALESSANDRA NUNES LOUREIRO PREZOTTI
INDUÇÃO DE IMUNOTOLERÂNCIA EM PACIENTES ADULTOS COM
HEMOFILIA A E INIBIDOR
Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências
Médicas da Universidade de Campinas como parte
dos requisitos exigidos para a obtenção do título de
Mestra em Ciências, área de concentração em Clínica
Médica.
ORIENTADORA: PROFA. DRA. MARGARETH CASTRO OZELO
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO
FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA
ALUNA ALESSANDRA NUNES LOUREIRO PREZOTTI,
E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. MARGARETH CASTRO OZELO.
CAMPINAS
2016
BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO
ALESSANDRA NUNES LOUREIRO PREZOTTI
ORIENTADOR: PROFA. DRA. MARGARETH CASTRO OZELO
MEMBROS:
1. PROFA. DRA. MARGARETH CASTRO OZELO
2. PROFA. DRA. LUCIANA CORREA OLIVEIRA DE OLIVEIRA
3. PROFA. DRA. MARINA PEREIRA COLELLA
Programa de Pós-Graduação em Clínica Médica da Faculdade de Ciências
Médicas da Universidade Estadual de Campinas.
A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca
examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.
DATA DA DEFESA: 18/07/2016
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu esposo, José Antônio Prezotti, e aos meus filhos,
Pedro e André, que estiveram sempre ao meu lado, dando-me o apoio incondicional
em sua conclusão.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela inspiração e força, mesmo nos momentos mais difíceis, e pela
oportunidade de ter concluído este trabalho.
Ao meu marido, José Antônio Prezotti, que está presente em minha vida desde a
faculdade e sempre incentivou os meus sonhos e desafios.
Aos meus filhos, Pedro e André, que souberam conviver com a minha ausência em
muitos momentos importantes de suas vidas, compreendendo que o que eu estava
fazendo era um passo necessário para a minha vida acadêmica.
Aos meus pais, Diuzete e Aladim, que, apesar do pouco estudo de que dispunham,
mostraram a mim que o caminho para conseguir ter um futuro melhor era através do
estudo.
À minha irmã Dida e ao meu cunhado Carlos Alberto, que, através do meu primeiro
livro de história “Óculos para Luzia”, aos quatro anos de idade, mostraram-me o
mundo mágico da leitura e as suas possibilidades.
À minha irmã Rosa e ao meu cunhado João Antônio, que me abriram as portas de sua
casa, aos oito anos de idade, permitindo-memudar para a capital e continuar os meus
estudos.
Ao meu irmão Tony, por ter me dado os meus primeiros livros quando ingressei na
faculdade de medicina.
À toda minha família, em especial as minhas sobrinhas Beatriz e Tatiana, que foram
as motoristas dos meus filhos nesses anos de estudo em Campinas.
À minha sogra, Mara Penedo Prezotti, quetenho como segunda mãe, por todo o
suporte oferecido a mim durante esses anos de estudo.
À Dr.a Paula Ribeiro Villaça e ao Dr. Élbio D’Amico, meus eternos mestres, a quem
devo muito da minha formação na área de hemostasia.
Aos amigos do Hemocentro, pela ajuda nesse período de estudo, cuidando dos meus
pacientes nas minhas ausências quando estava em Campinas.
Aos amigos da Medquimheo, minha segunda família, que tanto me apoiaram nesta
jornada, cuidando também dos meus pacientes.
Aos amigos da Unicamp, do laboratório de hemostasia e da Unidade de Hemofilia,
pelo apoio nesses anos. Agradeço em especial ao Samuel de Souza Medina, que não
mediu esforços para me ajudar sempre que precisei.
Agradeço especialmente à Maria Orletti e ao seu esposo, Del Rey, por tantas idas e
vindas à sua casa para organização desta dissertação.
Agradeço à Claudia Fallabella, minha professora de inglês, companheira muito
importante nesta jornada acadêmica.
Aos meus amigos colaboradores deste trabalho, pela ajuda inestimável na coleta de
dados: Cláudia Lorenzato, Paula Ribeiro Villaça, Érika Okazaki, Andrea Oliveira
Gonçalves, Maria do Rosário Robertti, Luiz Ivando Pires, Samuel de Souza Medina e
Silmara Montalvão.
À minha orientadora, Prof.a Dr.a Margareth Castro Ozelo, pela confiança e pelos
incentivos frequentes em todos esses anos de trabalho. A sua dedicação extrema e
disponibilidade foram fundamentais para a construção de uma excelente parceria de
trabalho e uma amizade que espero perdurar por toda a vida.
RESUMO
Introdução: Uma das principais complicações associadas ao tratamento da hemofilia
A consiste no desenvolvimento de inibidores, que são anticorpos direcionados contra
o fator VIII infundido. O tratamento de eleição para pacientes com hemofilia e inibidor
é a imunotolerância (IT), que consiste na infusão do concentrado de fator deficiente,
na tentativa de dessensibilizar o paciente, com taxas de sucesso de aproximadamente
70%. A presença de inibidores de longa duração na população adulta tem sido
associada a uma menor chance de resposta à IT. No Brasil, a IT tornou-se disponível
apenas em 2011. Dessa forma, quase todos os pacientes com inibidores
permaneceram com essa complicação por muito tempo. Objetivos: a) descrever a
resposta ao tratamento de imunotolerância em pacientes adultos, com Hemofilia A e
inibidor nos diferentes centros de hemofilia no Brasil; b) determinar o custo-efetividade
da IT; c) analisar os episódios de sangramentos pré, durante e após a IT. Métodos:
estudo multicêntrico, observacional, retrospectivo e prospectivo, realizado entre maio
e novembro de 2015, em pacientes adultos, com hemofilia A e inibidor de alta resposta
(>5UB/mL), submetidos ao tratamento de IT pela primeira vez. Os dados demográficos
e clínicos foram coletados a partir dos prontuários e da avaliação clínica. O protocolo
de baixas doses foi inicialmente utilizado para todos (25-50UI/kg, 3 vezes por
semana), com diferentes concentrados de fator VIII derivados de plasma, contendo
ou não fator de von Willebrand, ou concentrado de Fator VIII recombinante.
Resultados: 56 pacientes adultos foram submetidos à IT no Brasil e, destes, 30 foram
incluídos neste estudo. Foram analisados a frequência de episódios de sangramento,
o consumo total de fatores de coagulação, incluindo concentrados de fator VIII e
agentes de bypass, nos 12 meses pré-IT, durante a IT e durante cada ano de
acompanhamento após a IT, bem como o custo desses produtos. A mediana de idade
ao início da IT foi de 33 anos (19-51), e a mediana do título de inibidor foi de 6,1UB/mL
(0,9-20,8). A mediana do pico histórico foi de 48UB/mL (5-590), com mediana de
tempo de presença de inibidor de 13 anos (5-22). Apresentaram sucesso completo à
IT 14 pacientes (46,6%) e sucesso parcial 9 (30%), com título de inibidor < 5UB/mL,
que não usam mais agentes de bypass. Do total, 23 pacientes (76,6%) interromperam
o uso de agentes de bypass em um período mediano de 2 meses (0 - 18 meses) após
o início da IT. Houve redução
significativa tanto da taxa anual de sangramento total (ABR) quanto da taxa anual de
sangramentos articulares (AJBR) entre todos pacientes, quando comparamos 12
meses pré-IT e durante a IT. Conclusão: O tratamento de IT em pacientes adultos é
viável para erradicação do inibidor, mesmo naqueles pacientes que apresentem
fatores de pior prognóstico. Observou-se uma redução significativa na mediana de
custo com fatores de coagulação, o que é importante, mesmo em países
desenvolvidos. Nossa análise apresenta uma contribuição para encorajar os
tratadores a indicar, sempre que possível, este tratamento aos pacientes adultos, com
hemofilia A e inibidor de alta resposta.
Palavras-chaves: hemofilia A; inibidor; imunotolerância
ABSTRACT
Introduction: Inhibitor to factor VIII (FVIII) development is the most important
complication of hemophilia A (HA) treatment, and consist in antibodies directed against
factor VIII infused. Immune tolerance induction (ITI) is the choice therapy to eradicate
these antibodies, with success rates of ~70%. The presence of long-lasting inhibitors
in adult HA population has been associated with poor ITI outcome. In Brazil, ITI
became available only in 2011. Thus, almost all inhibitors patients remained with this
complication for long time. Objectives: a) describe the response to treatment of
immune tolerance in adult patients with hemophilia A and inhibitors in different
hemophilia centers in Brazil. b) determine the cost effectiveness of ITI c) analyze the
episodes of bleeding pre, during and after it. Methods: multicenter, observational,
retrospective and prospective study conducted from May to November / 2015 in adult
patients with hemophilia A and inhibitor of high response (> 5BU.mL-1) submitted to
this treatment for the first time. Demographic and clinical data were collected from
medical records and clinical evaluation. The low dose protocol was initially used for all
(25-50UI / kg 3 times / week) with different plasma derived factor VIII concentrates,
containing or not von Willebrand containing factor or recombinant factor VIII
concentrate. Results: 56 patients underwent to ITI in Brazil, and among these patients,
30 were included in this study. We analyzed the frequency of bleeding episodes, the
total consumption of coagulation factors, including factor VIII concentrate and
bypassing agents in the 12 months pre ITI, during ITI and each year of follow-up after
IT and the cost of these products. The median age of ITI onset was 33 years (19-51),
and median inhibitor titer was 6.1BU.mL-1 (0.9-20.8). The median historical peak titre
was 48BU.mL-1 (5.5-590), with median history of inhibitor for 13 years (5-22). Fourteen
patients (46.6%) achieved complete response to ITI with median of 5.5 months (0.5-
27). Nine patients achieved partial success to ITI, with inhibitor titre
Collectively, these data support the indication of ITI to poor risk group defined by age and duration of inhibitor. This study indicated that ITI treatment in adult HA patients is clinically effective and cost-effective.
Key words: hemophilia A; inhibitor; Immune tolerance induction
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Classificação dos inibidores em hemofilia. 1 UB/mL é a quantidade de
anticorpo que neutraliza 50% da atividade coagulante do fator VIII ou fator IX
em 1mL de plasma normal. ................................................................................ 20
Figura 2: Mecanismo de desenvolvimento de inibidor a proteína FVIII. ................... 21
Figura 3: Representação esquemática da indução de tolerância imunológica. ........ 27
Figura 4: Avaliação das medianas das taxas anuais de sangramento (ABR e AJBR)
dos 30 pacientes submetidos à IT, conforme os períodos de tratamento (12
meses pré-IT, durante a IT e após a IT). ............................................................ 46
Figura 5: Avaliação das medianas das taxas anuais de sangramento (ABR e AJBR)
dos 14 pacientes que atingiram sucesso completo, conforme os períodos de
tratamento (12 meses pré-IT, durante a IT e após a IT). ................................... 47
Figura 6: Consumo dos fatores de coagulação, conforme os períodos de tratamento
(12 meses pré-IT, durante a IT e após IT). ......................................................... 48
Figura 7: Custo dos fatores de coagulação em cada período do tratamento, 12
meses pré-IT, durante a IT e após a IT nos 14 pacientes que atingiram sucesso
completo. ............................................................................................................ 49
Figura 8: Custo dos fatores de coagulação 12 meses pré-IT, durante a IT e após a
IT nos pacientes que atingiram sucesso completo e parcial até o momento do
fechamento do estudo. ....................................................................................... 50
Figura 9: Custo dos fatores de coagulação 12 meses pré-IT, durante a IT nos
pacientes que atingiram sucesso parcial até o momento do fechamento do
estudo. ............................................................................................................... 50
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Distribuição do número de pacientes estudados por Centro de Tratamento
de Hemofilia. ...................................................................................................... 38
Tabela 2: Dados demográficos dos 30 pacientes adultos com hemofilia A e
inibidores submetidos ao tratamento de IT pela primeira vez, incluídos neste
estudo. ............................................................................................................... 39
Tabela 3: Dados clínicos e laboratoriais dos 30 pacientes adultos com hemofilia A e
inibidores submetidos ao tratamento de IT pela primeira vez, incluídos neste
estudo. ............................................................................................................... 40
Tabela 4: Protocolo inicial e ajuste de dose do tratamento durante a IT .................. 41
Tabela 5: Avaliação da resposta ao tratamento de IT dos 30 pacientes incluídos ... 42
Tabela 6: Dados clínicos dos pacientes submetidos à IT de acordo com a resposta
ao tratamento ..................................................................................................... 44
Tabela 7: Fatores de risco de pior resposta ao tratamento de IT entre os pacientes
incluídos no estudo ............................................................................................ 45
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABR: Annualized Bleeding Rate
AJBR: Annualized Joint Bleeding Rate
CAA: célula apresentadora de antígeno
CCP: concentrado de complexo protrombínico
CCPa: concentrado de complexo protrombínico ativado
CTLA4: antígeno associado ao linfócito T citotóxico
BDD-rFVIII: concentrado de fator VIII recombinante depletado do domínio B
F8: gene do fator VIII
FVIII: fator VIII da coagulação
FIX: fator IX da coagulação
HCV: Vírus da Hepatite C
HIV: Vírus da Imunodeficiência adquirida
HBV: Vírus da Hepatite B
IgG: Imunoglobulina G
IT: tratamento de imunotolerância
I-ITI Study: Estudo Internacional de Indução da Imunotolerância
IITR: Registro Internacional de Indução de Imunotolerância
IL: interleucinas
INV1: inversão do íntron 1 do gene do fator VIII
INV22: inversão do íntron 22 do gene do fator VIII
MHC classe II: Complexo de Histocompatibilidade Maior classe II
NAITR: Registro Norte Americano de Indução de Imunotolerância
PUP: pacientes previamente não tratados
rFVIIa: fator VII recombinante ativado
SIDA: Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
SIPPET: Survey of Inhibitors in Plasma-Products Exposed Toddlers
TNF-α: fator de necrose tumoral α
UB/mL: Unidade Bethesda por mililitro
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 17
1.1 A hemofilia......................................................................................................17
1.1.1 Avaliação clínica da hemofilia................................................................18
1.1.2 Complicações associadas à hemofilia....................................................18
1.2 Anticorpos inibitórios ao fator VIIII (inibidores)................................................19
1.2.1 Mecanismo de desenvolvimento de inibidor ao fator VIII ..................... 20
1.2.2 Fatores de risco para o desenvolvimento de inibidores ....................... 22
1.3 Tratamento e prevenção dos episódios hemorrágicos em pacientes com
hemofilia A e inibidor......................................................................................24
1.4 Tratamento de indução de imunotolerância (IT) ao fator VIII ....................... 26
1.4.1 Evolução dos registros de IT e preditores de
sucesso......................................................................................................27
1.4.2 Protocolos de Indução de Imunotolerância .......................................... 29
1.4.3 Imunotolerância em pacientes adultos com hemofilia A e inibidores de
alta resposta...............................................................................................31
2. OBJETIVOS ........................................................................................................ 33
2.1 Objetivo Geral ............................................................................................... 33
2.2 Objetivos específicos .................................................................................... 33
3. CASUÍSTICA E MÉTODOS ................................................................................ 34
3.1 Desenho do estudo ....................................................................................... 34
3.1.1 Considerações éticas ........................................................................... 34
3.2 Casuística ..................................................................................................... 34
3.3 Coleta e análise de dados ............................................................................. 35
3.4 Protocolo de imunotolerância utilizado e definições de resultado ................. 36
3.5 Análise estatística ......................................................................................... 36
4. RESULTADOS ................................................................................................... 38
4.1 Características da amostra ........................................................................... 38
4.2 Protocolo de IT e tratamentos com agentes de bypass ............................... 40
4.3 Resposta ao tratamento de IT ....................................................................... 40
4.4 Avaliação da ocorrência dos episódios hemorrágicos em cada fase do
tratamento ..................................................................................................... 46
4.4.1 Consumo de fatores de agentes de bypass e concentrado FVIII......... 47
4.4.2 Custo do tratamento de IT ................................................................... 48
5. DISCUSSÃO ....................................................................................................... 50
6. CONCLUSÃO ..................................................................................................... 59
7. REFERÊNCIAS .................................................................................................. 60
8. ANEXOS ............................................................................................................. 65
17
1. INTRODUÇÃO
1.1 A hemofilia
A hemofilia é uma doença hemorrágica hereditária ligada ao cromossomo X
caracterizada pela deficiência ou anormalidade da atividade coagulante dos fatores
VIII (hemofilia A) ou IX (hemofilia B). As hemofilias A e B ocorrem em cerca de
1:10.000 e 1:40.000 nascimentos de crianças do sexo masculino, respectivamente,
não apresentando variação racial ou étnica. A hemofilia A é mais frequente e
representa cerca de 80% dos casos (1).
Do ponto de vista clínico, as hemofilias A e B são semelhantes e dependem
diretamente da atividade coagulante residual do fator, sendo caracterizadas por
sangramentos intra-articulares (hermatroses), hemorragias musculares ou em outros
tecidos ou cavidades. A gravidade da hemofilia é definida pelo nível residual de
atividade coagulante no plasma do fator VIII (FVIII:C) ou fator IX (FIX:C), em que
indivíduos com hemofilia grave têm < 0,01 UI/dL (< 1% do valor da normalidade),
moderada 0,01 a 0,05 UI/dL (1% a 5% do valor da normalidade) e leve >0,05 e 5% e
18
1.1.1 Avaliação clínica da hemofilia
Atualmente é frequente a utilização na avaliação clínica das hemofilias as taxas anuais
de sangramentos totais (em inglês, conhecida como Annualized Bleeding Rate, ABR)
e taxas anuais de sangramentos articulares (em inglês, conhecida como Annualized
Joint Bleeding Rate, AJBR) como medidas para mensurar a quantidade de
sangramentos que esses pacientes apresentam em um intervalo de 12 meses.São
utilizadas amplamente para refletir a frequência dos episódios hemorrágicos e como
marcadores de eficácia na avaliação de tratamentos ou gravidade do fenótipo clínico
(4).
A taxa anual de sangramentos totais (ABR) é calculada a partir do número de
sangramentos observados, divididos pelo número de dias da observação (ou dias de
seguimento do paciente) multiplicado por 365. No caso da taxa anual de
sangramentos articulares (AJBR), o cálculo é o mesmo, masconsideram-se apenas
os sangramentos articulares (5).
Devido à variação de tempo para o desenvolvimento de artropatia e a limitação do
diagnóstico precoce do dano articular, ABR e AJBR são considerados importantes
parâmetros clínicos para ajustar os regimes de tratamento (6).
1.1.2 Complicações associadas à hemofilia
Além das complicações hemorrágicas agudas, os pacientes com hemofilia sofrem
especialmente de três tipos de complicações crônicas: a) as artropatias em
decorrência dos sangramentos intra-articulares recorrentes com desenvolvimento de
articulação alvo (três sangramentos numa mesma articulação em um intervalo de seis
meses); b) as doenças infecciosas transmitidas por derivados do sangue, incluindo
SIDA e hepatite C; c) o desenvolvimento de anticorpos capazes de inibir a função
coagulante do FVIII ou FIX (inibidores) (1).
Devido às frequentes transfusões de sangue e hemocomponentes, muitos dos
pacientes com hemofilia foram contaminados com o vírus das hepatites B (HBV), o
19
vírus da hepatite C (HCV) e o vírus da imunodeficiência humana (HIV), entre as
décadas de 1970 e 1990. Os concentrados de fatores derivados de plasma humano,
submetidos a processos de inativação viral, e os produtos obtidos por recombinação
genética, disponibilizados a partir do início da década de 90, reestabeleceram um
significativo aumento na expectativa de vida desses pacientes. Sendo assim, os
pacientes com hemofilia que não foram infectados pelo HIV apresentam hoje uma
expectativa de vida próxima à normal (7).
Atualmente grande parte dos países desenvolvidos utiliza exclusivamente produtos
recombinantes para o tratamento da hemofilia, considerados mais seguros. No
entanto, essa terapia está associada a altos custos, tornando sua utilização ainda
bastante limitada em países em desenvolvimento (1).
Apesar do grande avanço do tratamento para a hemofilia, mesmo os pacientes que
recebem tratamento padrão ouro estão sob risco de uma das principais complicações
associadas à terapia de reposição, que consiste no desenvolvimento de inibidores.
Esses são anticorpos da classe IgG direcionados contra os fatores VIII e IX infundidos
(aloanticorpos). Neste caso, os pacientes acometidos passam a não responder à
infusão do fator deficiente e apresentam episódios hemorrágicos de difícil controle,
com aumento da morbidade e mortalidade (8).
1.2 Anticorpos inibitórios ao fator VIIII (inibidores)
Uma das maiores limitações da terapia de reposição na hemofilia é o desenvolvimento
de anticorpos inibitórios da atividade coagulante do fator VIII ou fator IX, denominados
inibidores. Os pacientes que desenvolvem inibidor apresentam uma resposta
hemostática ineficaz à terapia de reposição com os concentrados de fator deficientes.
De acordo com dados epidemiológicos internacionais, os inibidores apresentam uma
incidência cumulativa de aproximadamente 20% a 35% dos pacientes com hemofilia
A grave, sendo a prevalência de cerca de 10% a 12%. Entre os casos de hemofilia B
grave a incidência é de cerca de 5% a 7,5% e a prevalência de 1% a 3% (9).
Os inibidores são classificados em inibidores de baixa resposta, quando o título do
inibidor permanece abaixo de 5 UB/mL (unidades Bethesda por mililitro de plasma),
20
mesmo após a exposição ao concentrado de fator VIII. Os inibidores de alta resposta
são aqueles que atingem níveis superiores a 5 UB/mL, de forma persistente ou quando
são expostos novamente ao concentrado do fator VIII (10-12). A figura 1 representa o
resultado dos inibidores em relação ao estímulo antigênico ao concentrado de fator
VIII.
Figura 1. Classificação dos inibidores em hemofilia. 1 UB/mL é a quantidade de anticorpo que
neutraliza 50% do da atividade coagulante do fator VIII ou fator IX em 1mL de plasma normal.
= infusão.
1.2.1 Mecanismo de desenvolvimento de inibidor ao fator FVIII
A resposta imune primária ao fator VIII em seres humanos ocorre no baço e no fígado.
No baço, a zona marginal esplênica possui grande quantidade de célula dendríticas
que têm a capacidade de reconhecer o antígeno, ou seja, células apresentadoras de
antígenos (CAA). A proteína do fator VIII sofre endocitose pelas células dendríticas e
então é processada em peptídeos de 9-14 aminoácidos. As células dendríticas, aqui
CAA, apresentam esses peptídeos aos linfócitos T CD4+ via complexo maior de
histocompatibilidade classe II (MHC classe II). O reconhecimento do peptídeo pelas
células T requer a interação dos receptores específicos de células T (TCR) e de sinais
co-estimulatórios (CD40 e CD40 ligante), CD80/86 e CD28. Em resposta ao antígeno,
os linfócitos T ativados liberam citocinas e expressam moléculas de superfície (CD30,
21
CD28, CD40L), que interagem com as moléculas de superfície correspondentes
(CD30L, CD80/86, CD40) dos linfócitos B. Isso faz com que ocorra a ativação e
diferenciação dos linfócitos B em plasmócitos produtoresde anticorpos antifatorVIII e
em células B de memória (13). A figura 2 ilustra o mecanismo de desenvolvimento do
inibidor.
Cerca de 74% de todos os inibidores desenvolvem-se antes dos 10 anos de idade, e
53% destessão de alto título (ou alta resposta), ou seja, título ≥ 5 UB/mL. Os pacientes
com inibidores de alto título necessitam de tratamento com agentes de bypass para o
controle das hemorragias e o uso desses produtos acarreta um aumento considerável
no custo final do tratamento em cerca de três até cinco vezes mais. Além disso, os
produtos são menos eficazes no controle da hemostasia, aumentando a morbidade e
mortalidade dos pacientes com inibidores (14).
Figura 2: Mecanismo de desenvolvimento de inibidor a proteína FVIII. Mecanismo de ativação de células B mediadas por células T auxiliares para a produção de anticorpos: a proteína do Fator VIII é endocitada pelas células apresentadoras de antígenos (CAA cor laranja), que processa em peptídios e apresenta aos linfócitos TCD4+ via MHC de classe II. O reconhecimento do peptídeo pelas células T requer a interação dos receptores específicos das células T (TCR) e de sinais co-estimulatórios (CD40 e CD40 ligante), (CD80/86 e CD28). Em resposta ao antígeno, os linfócitos T ativados liberam citocinas e expressam moléculas de superfície (CD30, CD28, CD40L) que interagem com as proteínas de superfície correspondentes (CD30 ligante, CD80/86, CD40) dos linfócitos B. Isso faz com que haja ativação e diferenciação dos linfócitos B em plasmócitos produtores de anticorpos anti-FVIII e em células B de memória. Fonte: Adaptado de J. OLDENBURG and A. PAVLOVA, 2006.
22
1.2.2 Fatores de risco para o desenvolvimento de inibidores
O desenvolvimento dos inibidores é um processo complexo e envolve fatores
extrinsicos, fatores genéticos e relacionados ao tratamento.
Entre os fatores extrínsicos, a intensidade do tratamento parece ser o fator que tem
maior impacto no desenvolvimento de inibidor. A vacinação e infecção foram
analisadas como fatores de risco, porém as evidências encontradas foram fracas e
parecem não ter papel relevante (18).
Entre os fatores genéticos, são descritos a etinicidade, história familiar de inibidor e o
tipo de mutação do gene do fator VIII. De fato, no caso da hemofilia A, pacientes com
mutações consideradas de alto risco para o desenvolvimento de inibidores
apresentam de 7 a 10 vezes maior risco de desenvolverem inibidor, quando
comparados com pacientes com mutações consideradas de baixo risco. As mutações
consideradas de alto risco são as inversões do íntron 22 (INV22) e íntron 1 (INV1) do
gene do fator VIII, grandes deleções, mutações nonsense, pequenas inserções ou
deleções fora de regiões com repetição de nucleotídeos A e mutações de ponto nos
domínios A2, C1 e C2 (15). As mutações com baixo risco são as do tipo splice
alternativo, pequenas inserções ou deleções em regiões de repetições A e mutações
de ponto nos demais domínios do gene do fator VIII (13, 16).
Entretanto, discordâncias para o desenvolvimento de inibidor em pacientes com e sem
INV22 do gene do fator VIII, forneceram evidências que outros fatores genéticos e não
genéticos podem estar envolvidos (10). Estudos sugerem que polimorfismos em
genes imunorregulatórios como de algumas interleucinas (IL) e outras proteínas
envolvidas na resposta imune, como antígeno associado ao linfócito T citotóxico
(CTLA4) e fator de necrose tumoral α (TNF-α), podem estar associados com riscos
alterados para o desenvolvimento ou não de inibidores (17-23). Mais recentemente foi
descrito que não apenas as mutações, mas a presença de determinados
polimorfismos e os haplótipos relacionados no gene do fator VIII podem estar
relacionados ao maior risco de inibidor em negros norte-americanos (24). No entanto,
23
em nossa avaliação de 148 pacientes brasileiros com hemofilia A grave, embora a
presença de inibidor fosse maior entre negros, isso não estava relacionado aos
mesmos haplótipos descritos entre norte-americanos (25).
Entre os fatores relacionados ao tratamento, estão relacionados a idade ao primeiro
tratamento, o número de dias de exposição e o tipo de concentrado de fator utilizado
no tratamento. A idade ao primeiro tratamento quando comparados os grupos de
pacientes com
24
Com relação à troca de um produto contendo fator VIII por outro, foi publicado um
estudo realizado com dados de registros de 574 pacientes com hemofilia A grave que
mostrou que a troca entre diferentes produtos contendo fator VIII não foi associada
com o risco de desenvolvimento de inibidor (30).
Recentemente, o estudo SIPPET (Survey of Inhibitors in Plasma-Products Exposed
Toddlers), incluindo 303 pacientes com hemofilia A evidenciou um aumento do risco
do desenvolvimento de inibidores nos pacientes previamente não tratados (PUP) que
utilizaram concentrado de fator VIII recombinante, quando comparados aos que
utilizaram concentrado de fator VIII derivado de plasma (incidência cumulativa de
44,5% vs. 26,7%, respectivamente) (31). Uma publicação do grupo holandês em uma
coorte de 926 pacientes evidenciou que houve aumento no diagnóstico de inibidores
nos últimos 20 anos de seguimento desses pacientes (19,5% na década de 1990,
quando comparados com 30,9% na década de 2000), porém às custas de inibidores
de baixo título e não houve correlação com o tipo de concentrado de fator utilizado
(32).
1.3 Tratamento e prevenção dos episódios hemorrágicos em pacientes
com hemofilia A e inibidor
Nos pacientes com inibidores de baixa resposta (o tit́ulo de inibidor mantém niv́eis
persistentemente ≤ 5 UB/mL, apesar de constantes/repetidos estiḿulos com o fator
deficiente), o tratamento dos sangramentos é feito com o próprio fator deficiente,
usando uma dose maior, suficiente para neutralizar os inibidores circulantes e para
controlar o episódio hemorrágico (1).
Para os pacientes com inibidores de alto título (≥ 5 UB/mL), devido à uma resposta
hemostática ineficaz à terapia de reposição com os concentrados do fator deficiente,
faz-se necessário o uso de agentes de bypass para controlar os episódios
hemorrágicos (1, 8).
Os agentes de bypass disponíveis para o tratamento são o concentrado de complexo
protrombínico parcialmente ativado (CCPa) e o concentrado de fator VII ativado
25
recombinante (rFVIIa). O uso desses produtos acarreta um aumento considerável no
custo final do tratamento em cerca de três a cinco vezes. Além disso, os produtos são
menos eficazes no controle da hemostasia (taxa de eficácia similar de 80% em ambos
os produtos), aumentando a morbidade e mortalidade dos pacientes com inibidores
(14).
Dois grandes desafios em tratar pacientes com inibidor de alta resposta são: a)
predizer a qual agente de bypass o paciente vai responder; b) o tratamento do
paciente que tem uma resposta hemostática insatisfatória a ambos os produtos (8,
33).
Não há disponível nenhum teste laboratorial para predizer a resposta ao agente de
bypass que possa ser utilizado para orientar o tratamento em caso de sangramentos.
O quadro clínico é o único parâmetro utilizado para definir se será necessário um
aumento da dose do agente usado ou a troca do produto, em caso de uma resposta
hemostática ineficaz (8).
A prevenção dos episódios hemorrágicos na hemofilia pode ser obtida por meio do
tratamento profilático. A profilaxia em pacientes com hemofilia sem inibidor é capaz
de reduzir sangramentos, mesmo na presença de dano articular preexistente; tem se
aumentado, então, o interesse em relação à profilaxia com agentes de bypass para
prevenir sangramentos em pacientes com inibidor (34).
Embora a profilaxia com agentes de bypass possa reduzir a frequência de
sangramentos e melhorar a qualidade de vida, os pacientes com inibidor continuam
apresentando sangramentos com maior frequência do que aqueles pacientes que
estão em profilaxia e não apresentam inibidor. O sucesso limitado da profilaxia em
pacientes com hemofilia e inibidor de alta resposta evidencia a necessidade de novas
abordagens terapêuticas para prevenir episódios de sangramento, que sejam efetivas
e fáceis de administrar.
26
1.4 Tratamento de indução de imunotolerância (IT) ao fator VIII
O tratamento de eleição para pacientes com hemofilia A e inibidor de alta resposta é
a imunotolerância (IT), que consiste na infusão diária ou em dias alternados do
concentrado de fator deficiente, na tentativa de dessensibilizar o paciente. De acordo
com estudos de vários grupos, a IT é capaz de erradicar os inibidores na hemofilia A
em 60% a 80% dos casos tratados (35).
A primeira descrição a respeito do tratamento de IT data do ano de 1976, quando foi
utilizado o concentrado de fator VIII associado ao concentrado de complexo
protrombínico (CCP) para controle da hemorragia em uma criança de umano e meio
de idade, com títulos de inibidores acima de 500 UB/mL, com um sangramento de
difícil controle em ombro, braço e hemitórax à direita (36). Devido à gravidade do
sangramento, esse regime foi utilizado duas vezes ao dia e o quadro clínico foi
controlado. Após três semanas, o paciente teve alta hospitalar e o título do inibidor
havia caído para cerca de 40 UB/mL. Foi decidido então manter o protocolo que estava
sendo utilizado, com negativação do inibidor e posterior normalização da meia vida do
fator VIII. Baseado nessa experiência acidental, esse procedimento passou a ser
avaliado em outros pacientes também com inibidores de alto título, que decresceram
após algumas semanas de tratamento. A definição do esquema de doses para o
tratamento de IT demorou cerca de dois anos para ser estabelecido a partir desse
evento inicial (Protocolo de Bonn) e ainda é utilizado nos dias de hoje em diversos
serviços(36, 37).
O tratamento de IT consiste na infusão regular do concentrado de fator deficiente, na
tentativa de induzir a tolerância imune periférica, porém seu mecanismo de ação ainda
não é totalmente elucidado. Em modelo animal doses elevadas de fator VIII levaram
à diminuição da diferenciação das células B de memória em plasmócitos produtores
de anticorpos inibidores, independente da ação do linfócito T (38).
O racional do tratamento de IT é que a exposição ininterrupta ao concentrado de fator
VIII por longos períodos de tempo pode levar ao desaparecimento dos aloanticorpos
neutralizadores (inibidores). Com as infusões frequentes do concentrado de fator VIII
27
na IT, apesar dos níveis do antígeno do fator VIII estarem elevados, não se observa a
atividade dele, que é neutralizado pelos inibidores. A partir do momento em que ocorre
a queda do título do inibidor, a atividade do fator VIII aumenta. Quando é atingido o
sucesso completo ou parcial à IT, as infusões são espaçadas e a dose da infusão do
concentrado de fator VIII é reduzida para a dose do regime de profilaxia. (Figura 3)
Figura 3: Representação esquemática da indução de tolerância imunológica.Com as infusões
frequentes do concentrado de fator VIII na IT, apesar do nível do antígeno do FVIII estar elevado, não
se observa a atividade dele, que é neutralizado pelos inibidores. A partir do momento em que ocorre a
queda do título do inibidor, aumenta a atividade do FVIII. Quando é atingido o sucesso completo ou
parcial à IT, as infusões são espaçadas e as doses reduzidas para o regime de profilaxia. Adaptado de
Arruda, JTH, 2016.
1.4.1 Evolução dos registros de Indução de Imunotolerância e preditores de
sucesso
Desde a primeira descrição do sucesso da erradicação do inibidor em pacientes com
hemofilia A com protocolo que associava altas doses de fator VIII ao complexo
protrombínico ativado, diversos protocolos para a indução da IT foram publicados (39).
No Registro Internacional de Indução de Imunotolerância (IITR), do qual participaram
50 centros de hemofilia em todo o mundo, foram analisados dados retrospectivos de
314 pacientes. Foi feita uma análise dos preditores de sucesso para a IT e foram
identificados o pico do inibidor pré-IT 200 UI/kg/dia durante a IT. A idade ao inicio da IT, o pico histórico do inibidor
e o intervalo entre o diagnóstico do inibidor e o início da IT foram considerados
preditores de sucesso apenas na análise univariada. Embora, na análise multivariada,
o tempo entre o diagnóstico do inibidor e o início da IT não tenha sido significativo, os
28
pacientes que iniciaram a IT com menos de cinco anos do diagnóstico apresentaram
taxa de sucesso superior a 70% (40).
O Registro Norte Americano (NAITR) foi desenvolvido em 1992 para analisar os
pacientes submetidos à IT nos Estados Unidos e Canadá com o objetivo de identificar
os regimes de tratamentos utilizados, resultados do tratamento, potenciais preditores
de sucesso e complicações da terapia. Foram analisados 188 pacientes que foram
submetidos ao tratamento de IT. Como preditores de sucesso foram encontrados o
pico pré-IT
29
Tradicionalmente, a presença de um inibidor de longa data na população adulta tem
sido associada auma menor chance de resposta à IT (45). Existem estudos que
descrevem que a IT tem melhor taxa de sucesso quando realizada na infância e em
até cinco anos após a detecção de inibidor, entretanto o tempo de permanência do
inibidor (acima de cincoanos no IITR e doisanos no I-ITI Study) é controverso em
relação a ser critério de pior prognóstico de resposta à IT (40, 44).
O tratamento de IT pode durar vários meses, ou até anos, e as limitações estão
relacionadas ao alto custo e a necessidade de infusões endovenosas frequentes, o
que pode representar um problema, sobretudo para as crianças. Além disso, não há
garantia de sucesso para todos os casos (8, 44-46).
Entretanto, após a erradicação do inibidor, o paciente pode retomar o tratamento com
o concentrado de fator deficiente, que é mais eficaz no controle das hemorragias do
que os agentes de bypass, reduzindo dessa forma a morbidade e mortalidade
relacionadas à presença do inibidor.
No Brasil, à semelhança de outros países com recursos limitados, existe
acessibilidade restrita ao concentrado de fator, e isso reduz a possibilidade de
realização da IT. Consequentemente, quase todos os pacientes que desenvolveram
inibidores permaneceram com essa complicação por um longo tempo. Somente a
partir de 2011, com o aumento da quantidade de concentrados de fator disponível no
país, tem sido possível assegurar tanto a profilaxia a longo prazo, como a IT.
1.4.2 Protocolos de Indução de Imunotolerância
Os protocolos de IT podem ser divididos em protocolos de altas doses (Protocolo de
Bonn e Protocolo de Mälmo) e os protocolos de baixas doses (Protocolo Holandês).
O protocolo de Bonn atual utiliza doses diárias de concentrado de fator VIII de 100 a
150 UI/kg/dose,duas vezes ao dia, tendo como uma das principais limitações, além
30
de seu alto custo, a necessidade de acesso venoso que suporte duas administrações
intravenosas diárias(36).
O protocolo de Mälmo (protocolo Sueco) inclui a imunoadsorção, ciclofosfamida, uso
de concentrado de fator VIII em altas doses e imunoglobulina endovenosa. Apresenta
altas taxas de sucesso em pacientes com títulos intermediários e altos, geralmente
dentro de um mês de tratamento(47). Pela necessidade de internação hospitalar e à
utilização de imunossupressores, esse protocolo não é mais utilizado nos dias atuais.
O protocolo de imunotolerância com uso de concentrado de fator VIII em baixas doses
(25 UI/kg em dias alternados) foi iniciado na Holanda em 1981. Os pacientes que
apresentavam inibidores contra o fator VIII confirmados eram imediatamente
submetidos à IT, bem como àqueles que já apresentavam inibidor contra o fator VIII e
não puderam ser tratados anteriormente. A dose utilizada foi de 25 UI/Kg em dias
alternados ou três vezes por semana, e, quando a recuperação do fator VIII se
normalizava, a dose do concentrado de fator VIII era reduzida gradativamente para
10-15 UI/Kg em regime de profilaxia. A definição de sucesso nesse protocolo era
títulos de inibidor < 2 UB/mL, com uma recuperação do fator VIII acima de 50%, meia
vida do fator VIII > 6 horas e ausência de resposta anamnéstica após a infusão do
concentrado de FVIII (48). A taxa de sucesso foi de 87% e a mediana de tempo para
atingi-lo foi de 1 ano (0,5 a 28 meses). Em todos os pacientes houve redução dos
episódios de sangramentos. Os pacientes com título de inibidor menor que 40 UB/mL
e que desenvolveram inibidor em idades mais precoces (< 2,5 anos de idade)
responderam mais rápido (48, 49). Os resultados desse protocolo de baixas doses foi
similar aos encontrados em diversos estudos utilizando protocolo de altas doses, com
significativa redução de custo com o tratamento (custo estimado de US$ 5.000,00 por
kg/ano) (48).
O protocolo de IT adotado no Brasil foi implantado em 2011 pelo Ministério da Saúde,
utilizando o regime de baixas doses de concentrado de fator VIII (50 UI/kg/3x semana),
por um período máximo de 33 meses. Inicialmente, o concentrado de fator utilizado
para a realização da IT foi o concentrado de fator VIII contendo fator de von
Willebrand, já que os nossos pacientes apresentavam menor chance de resposta à
IT. Desde a introdução do concentrado de fator VIII recombinante no nosso país, para
31
ser usado em pacientes com menos de 30 anos de idade, a IT passou a ser realizada
com o fator que o paciente vinha usando. A definição de sucesso completo nesse
protocolo é inibidor < 0,6 UB/mL, por 2 vezes consecutivas, com recuperação do fator
VIII > 66%, meia vida do fator VIII > 6 horas e ausência de resposta anamnéstica após
a infusão do concentrado de fator VIII. O sucesso parcial foi definido como título do
inibidor
32
Existem poucos relatos na literatura a respeito da IT nesse grupo de pacientes e o
custo efetividade desse tratamento. Devido ao aumento da expectativa de vida, a
necessidade de realização de procedimentos ortopédicos e comorbidades que
aumentam o risco hemorrágico, cada vez mais esse assunto tem sido debatido na
comunidade envolvida com o tratamento de pacientes com hemofilia, já que a
erradicação dos inibidores facilita o manejo do risco de sangramento e os desafios
relacionados à idade.
33
2. OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
Descrever a resposta ao tratamento de imunotolerância em pacientes adultos (com
18 anos ou mais) com hemofilia A e inibidor de alta resposta nos diferentes centros
de hemofilia no Brasil.
2.2 Objetivos específicos
a) Determinar o custo-efetividade desse tratamento, considerando a
necessidade de profilaxia com agentes de bypass, pré-IT e durante a IT, e o
custo do concentrado de fator VIII utilizado para a realização da IT em pacientes
adultos com hemofilia A e inibidor de alta resposta.
b) Analisar a frequência dos episódios hemorrágicos ocorridos nos
períodos pré, durante e após a IT nesse grupo de pacientes.
34
3. CASUÍSTICA E MÉTODOS
3.1 Desenho do estudo
Trata-se de um estudo multicêntrico, observacional, com uma análise retrospectiva e
prospectiva de dados sóciodemográficos, clínicos e laboratoriais dos pacientes
adultos (18 anos ou mais) com hemofilia A e inibidores de alta resposta, submetidos
ao tratamento de IT pela primeira vez.
Foram convidados via email diversos centros de tratamento de hemofilia do Brasil.
Participaram deste estudo sete centros: Hemocentro da Unicamp, Campinas, SP
(centro coordenador); Centro de Hemoterapia e Hematologia do Espírito Santo
(Hemoes), Vitória, ES; Hemocentro do Paraná (Hemepar), Curitiba, PR; Hemocentro
de Belo Horizonte, Fundação Hemominas, Belo Horizonte, MG; Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da USP-SP, São Paulo, SP; Centro de Hematologia e
Hemoterapia do Ceará (Hemoce), Forataleza, CE; Hemocentro de Goiás (Hemogo),
Goiania, GO.
3.1.1 Considerações éticas
Esta pesquisa foi realizada de acordo com as recomendações da Resolução nº 196,
de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde para pesquisa científica
em seres humanos, aprovada pelos Conselhos de Ética em Pesquisa dos centros
participantes. Aprovado por meiodo Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)
da Unicamp número 1.072.058 de 14/05/2015 (ANEXO A). Foi solicitada a assinatura
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de todos os pacientes
incluídos no estudo (ANEXO B).
3.2 Casuística
Foram considerados critérios de inclusão para este estudo pacientes adultos (≥ 18
anos de idade) com hemofilia A grave com inibidor de alta reposta (título do inibidor ≥
5 UB/mL e resposta anamnéstica ao fator VIII), com necessidade do uso de agentes
35
de bypass para o controle de sangramentos, submetidos ao tratamento de IT pela
primeira vez.
3.3 Coleta e análise de dados
Os dados dos pacientes foram coletados entre maio e novembro de 2015, a partir de
prontuários e da avaliação clínica. Esses dados foram enviados pelos pesquisadores
responsáveis de cada centro em formato de tabela, via email. Os dados demográficos
e clínicos incluíram: etnia, data de nascimento, a gravidade da hemofilia A, o genótipo
do fator VIII (F8) disponível, fatores de risco para o desenvolvimento do inibidor,
história familiar de inibidor, idade à detecção do primeiro inibidor, pico histórico do
inibidor antes da IT, título do inibidor pré-IT e durante a IT, idade em que a IT foi
iniciada, tempo entre a detecção do primeiro inibidor e o início da IT.
Os exames de dosagem de fator VIII e quantificação do inibidor foram realizados nos
laboratórios dos respectivos centros, enquanto que os exames de genotipagem foram
realizados na Unicamp, quando as amostras estavam disponíveis, após
consentimento do mesmo.
Foi incluída para avaliação clínica a frequência de episódios de sangramento baseada
na taxa anual de sangramentos totais (ABR) e na taxa anual de sangramento articular
(AJBR), considerando-se os dados observados nos 12 meses anteriores ao início da
IT, durante o período de tratamento da IT e durante cada ano de acompanhamento
após a IT.
Considerando-se os períodos 12 meses pré-IT, durante a IT e cada ano de seguimento
após a IT, foi realizado o levantamento do consumo total de fatores de coagulação,
incluindo concentrados de fator VIII e agentes de bypass.
Baseado nos dados de consumo de cada um dos produtos pró-coagulantes
considerando cada período do tratamento, estimou-se o custo do tratamento referente
aos fatores de coagulação, com base no preço pago pelo Ministério da Saúde na
última compra em 2015: US$ 0,1799 por UI (unidade internacional) de fator VIII
36
derivado do plasma contendo fator de von Willebrand (Octavi® SDOptimum;
Octapharma, Viena, Áustria); US$ 0,35 por UI de concentrado de fator VIII
recombinante (Advate®, Baxalta, Deerfield, IL, EUA); US$ 0,707 por UI de
concentrado de complexo protrombínico ativado (CCPa) (FEIBA®, Baxalta, Deerfield,
IL, EUA), e US$ 0,639 por micrograma de fator VII recombinante ativado (rFVIIa)
(NovoSeven, Novo Nordisk, Bagsvaerd, Dinamarca).
3.4 Protocolo de imunotolerância utilizado e definições de resultado
Todos os pacientes utilizaram como protocolo inicial de IT, um regime de baixa dose
de concentrado de fator VIII (25 a 50 UI/kg, três vezes por semana), com diferentes
concentrados de fator VIII derivados de plasma, contendo ou não fator de von
Willebrand, ou concentrado de fator VIII recombinante somente. Após 2011 todos os
pacientes incluidos neste estudo utilizaram o protocolo brasileiro de IT. Os critérios de
aumento de dose foram definidos com base neste protocolo, descritos previamente.
Os resultados da IT foram definidos de acordo com os critérios apresentados no
Consenso Internacional de ITI (45) e no protocolo brasileiro de IT, como se segue: (i)
sucesso completo, definido como inibidor não detectável (título < 0,6 UB/mL),
recuperação do fator VIII > 66% dos valores esperados, uma meia-vida do fator VIII >
6 horas e ausência de resposta anamnéstica após a exposição ao fator VIII; (ii)
sucesso parcial: título do inibidor < 5 UB/mL e/ ou recuperação de fator VIII < 66% dos
valores esperados e/ou meia vida do fator VIII < 6 horas, com resposta clínica a
infusões do fator VIII sem aumento do título de inibidor > 5 UB/mL; (iii) falha: a falta
de critérios para o sucesso total ou parcial no prazo de 33 meses de tratamento.
3.5 Análise estatística
Foram realizadas análises descritivas das variáveis qualitativas, utilizando frequências
absolutas e relativas e medidas de centralização e de dispersão para as variáveis
quantitativas. As análises das taxas de sangramento (ABR e AJBR) e custos pré-IT,
durante IT e nos anos seguintes após alcançar o sucesso ao tratamento de IT foram
feitas usando medianas e intervalos interquartis comparadas pelo teste de Wilcoxon
37
(não paramétrico). Valores de p ≤ 0,05 foram interpretados como estatisticamente
significativo.
A análise estatística dos resultados foi realizada utilizando o software R versão 3.2.2,
2015 The R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria. Para a confecção
dos gráficos foi usado o software GraphPad Prism® versão 6.
38
4. RESULTADOS
4.1 Características da amostra
Foram incluídos neste estudo 30 pacientes maiores de 18 anos, com hemofilia A e
inibidor de alta resposta que iniciaram o tratamento desde a implantação do protocolo
de IT no Brasil. Esses pacientes foram atendidos em sete centros de tratamento de
hemofilia, situados em diferentes regiões do Brasil, conforme apresentado na Tabela
1.
Durante o período do estudo 56 pacientes no Brasil com as mesmas características
foram submetidos ao protocolo de IT, de acordo com informações fornecidas pela
Coordenação Geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde. Portanto,
os 30 casos incluídos neste estudo representam 54% de todos os casos que
preenchiam os critérios de inclusão no Brasil.
Tabela 1.Distribuição do número de pacientes estudados por Centro de Tratamento
de Hemofilia.
Centro de Tratamento Nº de pacientes
incluídos
Centro de Hemoterapia e Hematologia do Espírito Santo
(Hemoes), Vitória, ES 6
Hemocentro do Paraná (Hemepar), Curitiba, PR 5
Hemocentro de Minas Gerais, Fundação Hemominas, Belo
Horizonte, MG 7
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP-SP,
São Paulo, SP 3
Hemocentro da Unicamp, Campinas, SP 4
Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce),
Forataleza, CE 2
Hemocentro de Goiás (Hemogo), Goiania, GO 3
39
Os 30 pacientes incluídos, todos com hemofilia A grave e inibidor de alta resposta,
faziam parte de 29 famílias distintas, sendo que dois pacientes eram irmãos. Entre os
demais 28 pacientes, oitoeram casos de novo na família (sem outros casos de
hemofilia relacionados). Na avaliação de história familiar para inibidor, foram
observados que seiscasos entreos 22 pacientes (27,3%) possuíam casos de
pacientes com hemofilia e inibidor na família. A maioria dos casos era de raça negra
(63,3%), considerando as últimas três gerações. Os dados demográficos dos 30
pacientes estudados estão apresentados na Tabela 2. Os dados completos dos 30
casos estão descritos no Anexo C.
Tabela 2.Dados demográficos dos 30 pacientes adultos com hemofilia A e inibidores
submetidos ao tratamento de IT pela primeira vez, incluídos neste estudo.
Variáveis Nº (%)
Hemofilia A grave 30 (100%)
Número de famílias 29
Inibidor de alta resposta 30 (100%)
História familiar de inibidor 6/22 (27,3%)
Pacientes de novo 8 (26,7%)
Raça/cor:
Negra
Branca
Indígena
19 (63,3%)
10 (33,4%)
1 (3,3%)
Mutações do gene do FVIII
Inv22 / Inv1
Mutação nonsense
Splice site
Não determinado
13 (43,3%)
9 (30%)
2 (6,7%)
6 (20%)
Na análise dos 30 pacientes incluídos neste estudo, foi observada a idade média de
33,5 anos (desvio padrão, DP ± 9,5 anos) e mediana de 33 anos (intervalo entre 19 e
51 anos) para idade do início do protocolo de IT. Embora muitos casos provavelmente
já apresentassem inibidor antes da primeira detecção reportada, a idade média dessa
detecção foi de 20,7 anos (DP ± 10,4) e mediana de 22,5 anos (intervalo de 0,7 a 37
anos). Isso resulta uma média entre o intervalo da primeira detecção do inibidor e o
início da IT de 13,3 anos (DP ± 5,1) e mediana de 13 anos (intervalo 5 a 22 anos). A
40
média do pico histórico do inibidor foi de 89,4 UB/mL (DP ± 117,4) e mediana de 48
UB/mL (intervalo de 5,5 a 590). A média do título do inibidor ao início da IT foi de 7,3
UB/mL (DP ± 6,1) e mediana de 6,1 (intervalo de 6 a 20,8). A Tabela 3 resume os
dados clínicos e laboratoriais dos 30 pacientes da amostra, submetidos ao tratamento
de IT pela primeira vez.
Tabela 3. Dados clínicos e laboratoriais dos 30 pacientes adultos com hemofilia A e
inibidores submetidos ao tratamento de IT pela primeira vez, incluídos neste estudo.
Variáveis (N = 30) Média (DP) Mediana
(Intervalo)
Idade no início da IT (anos) 33,5 (DP ± 9,5) 33 (19-51)
Idade a primeira detecção do Inibidor (anos)
20,7 (DP ± 10,4) 22,5 (0,7 -37)
Intervalo de tempo entre a 1ª detecção do Inibidor e o Início da IT (anos)
13,3 (DP ± 5,1) 13 (5-22)
Pico histórico do Inibidor (UB/mL) 89,4 (DP ±
117,4) 48 (5,5-590)
Título do inibidor ao início da IT (UB/mL) 7,3 (DP ± 6,1) 6,10 (6-20,8)
DP- desvio padrão.
4.2 Protocolo de IT e tratamentos com agentes de bypass
O protocolo inicialmente utilizado para todos os pacientes foi o vigente no Brasil, que
preconiza baixas doses de concentrado de fator VIII (25 a 50 UI/kg, três vezes por
semana). No entanto, seis pacientes que não apresentaram resposta satisfatória,
tiveram a dose aumentada durante o tratamento de IT (100 UI/kg, de três a sete vezes
por semana), na tentativa de atingir a resposta clínica. Até o momento, essa medida
foi eficaz em três pacientes, sendo um com sucesso parcial, dois com sucesso
completo e os outros três pacientes ainda estão em curso no tratamento de IT e, por
ora, não alcançaram sucesso completo ou parcial (Tabela 4).
Entre os concentrados de fatores VIII de coagulação utilizados durante o tratamento
de IT, 26 fizeram uso de produtos derivados de plasma, sendo que 20 pacientes
receberam um único produto contendo fator de von Willebrand (Octavi® SDOptimum;
Octapharma, Viena, Áustria) e seis usaram vários concentrados de fator VIII derivados
41
de plasma, com e sem fatorde von Willebrand. Apenas quatro pacientes receberam
exclusivamente concentrado de fator VIII recombinante (Advate®, Baxalta, Viena,
Áustria).
Visando o controle dos episódios de sangramentos, 14 pacientes iniciaram a profilaxia
com agentes de bypass, no período mediano de 6,5 meses (intervalo de 1 a 36 meses)
antes da inclusão no protocolo de tratamento da IT. Durante o tratamento de IT, além
desses pacientes, outros quatro necessitaram de profilaxia com agentes de bypass,
totalizando 18 dos 30 pacientes (60%), devido à frequência dos episódios de
sangramentos.
Tabela 4.Protocolo inicial e ajuste de dose do tratamento durante a IT.
Esquema de dose de fator VIII ao início da IT N=30 (%)
50 UI/kg/ 3x/semana 30 (100%)
Alteração do esquema de tratamento durante a IT 6 (20%)
100UI/kg 3x/semana 3 (10%)
100UI/kg diário 3 (10%)
4.3 Resposta ao tratamento de IT
De acordo com os critérios adotados para definição de desfecho clínico em resposta
ao tratamento de IT, foram definidos quatro grupos (Tabela 5):
Catorze dos 30 pacientes (46,6%) já alcançaram os critérios de sucesso
completo (título do inibidor < 0,6 UB/mL, recuperação do fator VIII ≥ 66%, e
meia-vida do fator VIII ≥ 6 h).
Nove dos 30 pacientes (30%) já alcançaram sucesso parcial (título de inibidor
< 5 UB/mL e não estão mais usando agentes de bypass). Desses, oito ainda
permanecem em IT, com período médio de 14,9 meses (DP ± 5,5; mediana de
14 meses, intervalo de 5 a 22 meses).
Cinco dos 30 pacientes (16,7%) ainda não atingiram critérios de sucesso
parcial ou completo, porém ainda estão em IT.
42
Dois pacientes (6,7%) abandonaram a IT, após 24 meses de tratamento
irregular, devido à baixa adesão.
Portanto, 23 dos 30 pacientes (76,6%) deixaram de utilizar os agentes de bypass em
um período mediano de dois meses (intervalo de 0 a 18 meses, média de 4,8 meses
(DP ± 5,8) após o início da IT.
Tabela 5. Avaliação da resposta ao tratamento de IT dos 30 pacientes incluídos.
Pacientes que deixaram de necessitar de agentes de
bypass 23 (76,6%)
Sucesso completo 14 (46,6%)
Sucesso parcial 9 (30%)
Pacientes que mantêm necessidade de agentes de bypass 7 (23,4%)
Em andamento 5 (16,7%)
Abandono do tratamento 2 (6,7%)
Na Tabela 6 estão resumidos os dados clínicos dos 30 pacientes incluídos, de acordo
com o desfecho no momento do término da observação do estudo. Entre os 14
pacientes que atingiram sucesso completo, a idade média, ao primeiro relato de
inibidor, foi de 17,1 anos (DP ± 11,2 e mediana de 15,5 anos, intervalo de 0,7 a 37
anos). Contudo, esses pacientes iniciaram o tratamento de IT com idade média de 32
anos (DP ± 10,5; mediana de 28 anos, intervalo de 19 a 47 anos). Dessa forma, o
tempo médio desde o primeiro inibidor detectado até o início da IT foi de 15 anos (DP
± 4,9; mediana de 16 anos; intevalo de 7 a 22 anos). Nesses pacientes, a média do
pico histórico de inibidor foi de 49,1 UB/mL (DP ± 47,4, mediana 34,2 UB/mL, intervalo
de 5,5 a 163) e a média do título do inibidor ao início da IT foi de 6,2 UB/mL (DP ± 5,3;
mediana de 5,6 UB/mL, intervalo de 0,6 a 20,8). Nesses 14 pacientes o tempo médio
para atingir o título do inibidor < 0,6 UB/mL foi de 8,7 meses (DP ± 8,1; mediana de
5,5 meses, intervalo de 0,5 a 27).
Vários problemas implicaram em atrasos no acompanhamento para avaliação
adequada da recuperação de fator VIII e meia-vida, na maioria dos pacientes. Pode-
43
se destacar, entre eles, fatores sociais, logísticos e de infraestrutura de alguns centros
de tratamento.
Após alcançado o sucesso completo à IT, os pacientes seguem em tratamento
profilático, com concentrado de fator VIII recombinante ou derivado de plasma com
doses de 13 a 25 UI/kg, trêsvezes por semana, sendo que um está recebendo 7
UI/kg/dia.
Até o momento, não foram observadas recidiva dos inibidores em um período médio
de 15,5 meses (DP ± 13,6 e mediana de 13 meses, intervalo de 1 a 54 meses) de
seguimento.
44
Tabela 6. Dados clínicos dos pacientes submetidos à IT de acordo com a resposta ao tratamento.
Variáveis Sucesso completo N=14
Sucesso parcial N= 9
Em tratamento N=5
Abandono IT N=2
Idade média à detecção do inibidor (anos) 17,1 (0,7 a 37) DP ±11.2
23,3 (5 a 36) DP ± 11,2
23.6 (20 a 31) DP ±4.6
27,5 (26 a 29) DP ± 2,1
Idade média ao início da IT (anos) 32 (19 a 47) DP ± 10,6
36,3 (22 a 47) DP ± 7,8
33 (19 a 51) DP ±11,7
33 (32 a 34) DP ± 1,4
Média de tempo da 1ª detecção do inibidor ao início da IT (anos)
15,0 (7 a 22) DP ± 4,9
13 (5 a 23) DP ± 5,6
12,2 (9 a 14) DP ± 1,9
5,5 (5 a 6) DP ± 0,7
Mediana do pico histórico (UB/mL) 34,2 (5,5 a 163) 88 (10,8 a 232) 160 (38,4 a 590) 6,5 (6,5 a 8,2)
Mediana do título do inibidor ao início da IT (UB/mL)¶
5,6 (0,6 a 20,8) 6.9 (0.6 a 24) 9,6 (4,4 a 12) 2,4 (1,3 a 3,5)
Mediana do pico durante a IT (UB/mL)§ 7,3 (0,9 a 346) 53,3 (18,9 a 169) 108,8 (62 a 397) 6 (6 a 8,2)
Mediana de tempo do início da IT até a última dose de bypass (meses)
2 (0 a 7) 8 (0 a 18) * ND ND
Mediana de tempo para inibidor negativo (meses)
5,5 (0,5 a 27) ND ND ND
Mutações do gene do fator VIII
INV22/ INV1 (N = 13)
Mutação nonsense (N = 9)
Mutação splice (N = 2)
Não determinada (N = 6)
3 (23,1 %) 6 (66,7 %)
0 5 (83,3 %)
8 (61,5 %)
0 1 (50 %)
0
1 (7,7 %) 3 (33,3 %)
0 1 (16,7 %)
1 (7,7 %)
0 1 (50%)
0
* O tempo médio e intervalo refere aos oitopacientes que continuam em tratamento de IT e que já altingiram pelo menos sucesso parcial. Um paciente completou o período máximo de 33 meses e atingiu sucesso parcial. ¶ Mediana do pico histórico: sucesso completo vs. em tratamento, p = 0,026 § Mediana do pico durante a IT: sucesso completo vs. sucesso parcial, p< 0,001; sucesso completo vs. em tratamento, p = 0,002 Demais variáveis foram não significativas. INV22 / INV1, inversão do intron 22 ou intron 1 do gene do fator VIII. DP, desvio padrão. ND, não disponível.
45
Em relação aos fatores preditores de sucesso, foram analisados entre os pacientes
incluídos neste estudo, os fatores de risco relacionados a uma pior resposta ao
tratamento de IT descritos na literatura: idade superior a oitoanos ao início da IT, pico
histórico >200 UB/mL, tempo de inibidor > 5 anos, pico pré-IT > 10 UB/mL e pico
durante a IT > 100 UB/mL (Tabela 7).
Tabela 7. Fatores de risco de pior resposta ao tratamento de IT entre os pacientes
incluídos no estudo.
Fatores preditores de insucesso Pacientes (N=30)
Idade superior a oito anos ao início da IT 30 (100%)
Pico histórico do inibidor > 200 UB/mL 3 (10%)
Tempo de inibidor > 5 anos 30 (100%)
Título do inibidor ao início da IT >10 UB/mL 7 ( 23,3%)
Pico do inibidor durante a IT > 100UB/mL 7( 23,3%)
Quando avaliamos esses fatores preditores de sucesso entre os diferentes grupos de
resposta, apenas obtivemos diferença estatisticamente significante com o pico
histórico do inibidor e o pico do inibidor durante a IT. A mediana do pico histórico do
inibidor foi estatisticamente significativa, quando comparamos o grupo que atingiu
sucesso completo (mediana 34,2 UB/mL; intervalo de 5,5 a 163) com o grupo que está
em tratamento e que ainda não atingiu sucesso completo ou parcial (mediana 160
UB/mL; intervalo de 38,4 a 590) (p = 0,026). Vale lembrar que o grupo em tratamento
contava com período mediano de 16 meses de IT, comparados com a mediana de 5,5
meses que o outro grupo levou para negativar o inibidor.
A mediana do pico do inibidor durante a IT foi estatisticamente significativa, quando
comparados o grupo que apresentou sucesso completo e o grupo com sucesso parcial
(7,3 UB/mL, intervalo de 0,9 a 346 vs. 53,3 UB/mL, intervalo de 18,9 a 169) (p< 0,001).
A mediana do pico durante a IT também foi estatisticamente significativa, quando
comparados o grupo que apresentou sucesso completo e o grupo que está em
tratamento (7,3 UB/mL, intervalo de 0,9 a 346 vs. 108,8 UB/mL, intervalo de 62 a 397)
(p = 0,002).
46
Em relação às mutações do gene do fator VIII e o desfecho, os dados não foram
analisados, uma vez que um número significativo de pacientes não concluiu a IT, para
atingir o desfecho de sucesso ou de falha após 33 meses de tratamento.
4.4 Avaliação da ocorrência dos episódios hemorrágicos em cada fase
do tratamento
Em relação à evolução clínica, foi observada uma redução significativa nas taxas
anuais de sangramento (ABR e AJBR), em todos os 30 pacientes, quando
comparados 12 meses antes e durante a IT. A mediana da ABR foi de 11
sangramentos (intervalo de 0 a 30) vs. 3,1 (intervalo de 0 a 15) antes e durante a IT,
respectivamente (p
47
para ABR, quanto para AJBR, quando comparamos os 12 meses pré-IT e após a IT e
durante e após a IT. A mediana da ABR foi de 12,5 (intervalo de 0 a 22) vs. 0,3
(intervalo de 0 a 6) pré e após a IT, respectivamente (p=0,002). A mediana da AJBR
foi de 9,5 (intervalo de 0 a 22) vs. 0 (intervalo de 0 a 4.7), pré e após a IT,
respectivamente (p=0,002). A mediana da ABR foi de 3,2 (intervalo de 0 a 15) vs. 0,3
(intervalo de 0 a 6) durante e após a IT, respectivamente (p=0,007). A mediana da
AJBR foi de 3 (intervalo de 0 a 4.7) vs. 0 (intervalo de 0 a 15) durante e após a IT,
respectivamente (p=0,005) (Figura 5).
Figura 5. Avaliação das medianas das taxas anuais de sangramento (ABR e AJBR) dos 14
pacientes que atingiram sucesso completo, conforme os períodos de tratamento (12 meses pré-
IT, durante a IT e após a IT). ABR: Annualized Bleeding Rate; AJBR: Annualized Joint Bleeding Rate.
4.4.1 Consumo de fatores de agentes de bypass e concentrado FVIII
Os dados de consumo dos agentes de bypass dos 23 pacientes com sucesso
completo ou parcial à IT, mostraram que o consumo médio de CCPa e rFVIIa foi maior
comparando 12 meses pré-IT e durante a IT, correspondendo a um período médio de
12,5 meses (DP ± 10,8). O consumo médio de CCPa foi de 194.500UI (intervalo de 0
a 982.500 UI) pré-IT vs. 60.000UI (intervalo de 0 a 943.500UI) durante a IT (p=0,097).
A mediana de consumo do rFVIIa foi de 30,6 mg (intervalo de 0 a 1.636,8 mg) pré-IT
vs. 0 mg (intervalo de 0 a 657 mg) durante IT (p=0,006).
Ao analisarmos apenas os 14 pacientes com sucesso completo, a mediana do
consumo de CCPa foi de 173.000UI (intervalo de 0 a 982.500UI) pré-IT vs. 24.500UI
(intervalo de 0 a 292.000UI) durante a IT (p=0,005). A mediana de consumo do rFVIIa
48
foi de 33,3 mg (intervalo de 0 a 1636,8 mg) pré-IT vs. 0 mg (intervalo de 0 a 657 mg)
durante IT (p=0,004).
A mediana do consumo de concentrado do fator VIII durante a IT entre os 23 pacientes
que já atingiram o sucesso completo ou parcial foi 468.000UI (intervalo de 22.000 a
3.435.350UI). Entre os 14 pacientes com sucesso completo, a mediana de consumo
do concentrado de fator VIII durante a IT (tempo médio de 8,7 meses DP ± 8,1) foi de
246.375UI (intervalo de 22.000 a 2.367.000UI). Os anos seguintes após o tratamento
da IT apresentaram média de consumo do concentrado de fator VIII de 343.312,5UI
para o primeiro ano (14 pacientes); 258.800UI, no segundo ano de seguimento (sete
pacientes); 180.750UI, no terceiro ano de seguimento (dois pacientes) e 182.500UI,
no quarto ano de seguimento (um paciente) (Figura 6).
Figura 6. Mediana de consumo dos fatores de coagulação, conforme os períodos de tratamento
(12 meses pré-IT, durante a IT e após IT). No período de 12 meses pré-IT: CCPa: 194.500UI (0 a
982.500UI); rFVIIa: 30,6 mg (0 a 1.636,8 mg); FVIII: 0 (0 a 92.500UI). Durante IT (mediana de tempo
11,5 meses): CPPa: 60.000UI (0 a 943.500UI); rFVIIa: 0 mg (0 a 657 mg); FVIII: 468.000UI (22.000 a
3.435.350UI). 1º ano pós IT: FVIII: 343.312,5 UI (309.750 a 506.250 UI). 2º ano pós IT: 258.800 UI
(182.500 a 404.000UI). 3º ano pós IT: FVIII 180.750UI (156.000 a 205.500UI).4º ano pós IT: FVIII
182.500UI.
4.4.2 Custo do tratamento de IT
Os dados mostraram que, em relação à análise econômica, observou-se uma redução
significativa na mediana do custo referente aos concentrados de fator de coagulação,
entre os 14 pacientes com sucesso completo, comparando 12 meses pré- IT, durante
49
a IT, e nos anos seguintes após o sucesso alcançado. A mediana de custo da IT foi
de US$ 101.946,50 (intervalo de 3.938,00 a 894.675,60), e foi significativamente
menor, quando comparado com os 12 meses anteriores à IT (US$ 173.521,45;
intervalo de 0 a 1.291.244,20) (p=0,035), o que pode ser explicado, em parte, pelo
curto período para negativar o inibidor nesse grupo de pacientes (média de 8,7 meses;
DP ± 8,1) (Figura 7).
Figura 7. Mediana de custo dos fatores de coagulação em cada período do tratamento, 12 meses
pré-IT, durante a IT e após a IT nos 14 pacientes que atingiram sucesso completo.
No entanto, não foi observada diferença significativa entre a mediana de custo de 12
meses antes (US$ 175.241,90; intervalo de 0 a 1.291.244,20) e durante o período de
IT (US$ 122.436,00; intervalo de 3.938,00 a 894.675,60) (p=1), quando foram
considerados os 23 pacientes com sucesso completo e parcial em conjunto, sendo o
período médio de IT nesse grupo de pacientes de 12,5 meses (DP ± 10,8) (Figura 8).
Isto se deve ao fato de 3 dos 9 pacientes com sucesso parcial terem iniciado a
profilaxia secundária com agentes de bypass simultaneamente à IT, aumentando o
custo do tratamento neste período.
50
Figura 8. Mediana de custo dos fatores de coagulação 12 meses pré-IT, durante a IT e após a IT
nos pacientes que atingiram sucesso completo e parcial até o momento do fechamento do
estudo.
De fato, a análise do grupo com nove pacientes com sucesso parcial mostrou um
maior custo significativo durante o período da IT (US$ 389.521,00; intervalo de
112.233,00 a 842.581,65) quando comparado aos 12 meses pré-IT (US$ 177.082,30;
intervalo de 16.002,00 a 648.469,50) (p=0,027) (Figura 9).
Figura 9. Mediana de custo dos fatores de coagulação 12 meses pré-IT, durante a IT nos
pacientes que atingiram sucesso parcial até o momento do fechamento do estudo.
12 meses pré IT
IT 1ºano após IT
2ºano após IT
3ºano após IT
4ºano após IT
0
200,000
400,000
US
$
N= 23
N= 23N= 14
N= 7N= 2 N= 1
FVIII
CCPa
rFVIIa
p< 0,0001
p=0,016
p=0,016
12 meses pré IT
IT
0
150,000
300,000
450,000
600,000
750,000
US
$
N= 9
N= 9
FVIII
CCPa
rFVIIa
51
5. DISCUSSÃO
Nossos resultados mostraram uma convincente relação custo-efetividade do
tratamento de IT em pacientes adultos, apesar dos dados anteriores apresentados na
literatura mostrando que esses pacientes têm menor chance de resposta, devido à
idade superior a oito anos de idade (44, 45, 52) e à presença dos inibidores por tempo
superior a cinco anos (40, 45).
Atualmente, estão registrados no Brasil 9.616 pacientes com hemofilia A, sendo que
698 (7,25%) desses pacientes têm inibidor e 398 apresentam idade superior a 18 anos
de idade (53).
O protocolo de IT no Brasil foi oficialmente iniciado em 2011, como critério de inclusão,
a princípio, apenas de pacientes com idade inferior a 10 anos de idade e,
posteriormente, foi estendido a todos os pacientes pediátricos. Apenas em 2013 não
houve mais limite de idade para inclusão de pacientes, e os adultos puderam ser
incluídos no tratamento deIT. Portanto, esses pacientes, assim como todos os casos
incluídos neste estudo, apenas recentemente tiveram a oportunidade de serem
submetidos ao tratamento de IT pela primeira vez, a despeito do mau prognóstico de
sucesso que apresentavam em relação à idade e tempo de história de inibidor.
O manejo do sangramento em pacientes com inibidor é sempre um grande desafio.
Em pacientes adultos isso pode ser ainda mais difícil, devido a presença de
comorbidades que estão relacionadas com o avanço da idade e podem agravar o
quadro hemorrágico, como hipertensão arterial, e por apresentarem um aumento do
risco de trombose devido ao envelhecimento, o que pode se elevar ainda mais com o
uso de agentes de bypass (54).
Em nosso estudo, 14 dos 30 pacientes incluídos (46,6%) estavam em profilaxia no
momento do início do estudo para controle dos episódios hemorrágicos. Essa foi
considerada, pelos médicos que acompanhavam os pacientes, uma das principais
razões para se realizar a IT, devido à menor eficácia da profilaxia com agentes de
bypass, além dos elevados custos desse tipo de tratamento.
52
Todos os pacientes incluídos neste estudo tiveram pelo menos um fator de risco para
pior resposta ao tratamento de IT (idade ≥ 8 anos, pico histórico ≥ 200 UB/mL e > 5
anos entre o diagnóstico de inibidor e início da IT).
No Registro Internacional de Imunotolerância (IITR), cerca de 40% dos pacientes com
fatores de pior prognóstico atingiram a tolerância, mesmo apresentando uma das
seguintes características: idade > 20 anos, pico histórico superior à 500 UB/mL, ou
título do inibidor pré-IT > 20 UB/mL (40).
A dose do concentrado de fator VIII e o esquema ideal para a realização do tratamento
de IT são temasainda não definidos pela comunidade envolvida com o tratamento
desses pacientes. O protocolo de baixas doses (50 UI/kg/dia) foi associado à uma
taxa de sucesso de 83% no Registro Nacional Americano de Imunotolerância (NAITR)
(41). O protocolo holandês com doses de 25-50 UI/kg de concentrado de fator VIII,
três vezes por semana ou em dias alternados, evidenciou uma taxa de 86% de
sucesso (49). O protocolo de altas doses (200 UI/kg/dia) evidenciou taxas de sucesso
semelhantes ao regime de baixas doses no estudo I-ITI, em torno de 69,7%, nos 66
pacientes analisados, sem diferença estatística entre os grupos (p=0,909). No
entanto, foi observado um tempo menor para atingir resposta no grupo de altas doses
em comparação ao de baixas doses (4,6 meses vs. 9,2 meses, respectivamente,
p=0,017). Por outro lado, foi a observação de uma significativa maior frequência de
sangramentos no grupo de baixas doses (na primeira fase do estudo, até a
negativação do inibidor) que chamou a atenção e resultou na interrupção precoce do
estudo (taxa de sangramentos de 0,282 sangramentos/mês vs. 0,623
sangramentos/mês entre o grupo de altas doses e baixas doses respectivamente,
p=0,00024) (44).
Embora o estudo I-ITI tenha demostrado uma menor taxa de resposta à IT, comparado
com os registros prévios de imunotolerância, a análise dos critérios de resposta foi
mais criteriosa, baseada nos resultados dos testes de farmacocinética (recuperação
e meia-vida do FVIII), em vez de somente a negativação do inibidor. No Registro Norte
Americano de Imunotolerância (NAITR), 87% dos pacientes que atingiram sucesso
completo foram analisados somente por meio da negativação do inibidor (44).
53
Em pacientes com pior prognóstico de resposta, há uma evidência limitada da
recomendação de um regime em detrimento do outro, mas a escolha do protocolo de
baixas doses em países com recursos financeiros restritos poderia implicar em menor
impacto econômico e permitir, dessa forma, que mais pacientes possam ser incluídos
nesse tratamento.
O protocolo de baixas doses foi inicialmente utilizado em todos os pacientes deste
estudo (25 a 50 UI/kg, três vezes por semana). No entanto, seis pacientes tiveram a
dose aumentada durante o tratamento da IT (100 UI/kg, de três a sete vezes por
semana), incluindo dois pacientes que atingiram sucesso completo, um paciente com
sucesso parcial, e outros três pacientes que ainda estão em tratamento de IT e ainda
não atingiram sucesso completo ou parcial.
Em relação à escolha do tipo de concentrado de fator VIII recomendado para ser
utilizado no tratamento de IT, há uma discussão para alguns autores sobre o potencial
benefício do uso de concentrados de fator VIII contendo fator de von Willebrand. Isso
aconteceu desde a observação, por centros de tratamento alemães, de que a taxa de
sucesso da IT declinou após a mudança de concentrado de fator VIII derivado de
plasma contendo fator de von Willebrand, para concentrado de fator VIII de alta pureza
purificado por meio de anticorpo ou FVIII recombinante, mas esses relatos são
limitados pela falta de controle de outros fatores de confusão na avaliação inicialmente
reportada(55). Na análise de uma subpopulação de 20 pacientes adultos de um
estudo de IT da Grifols (G-ITI), 90% deles atingiram resposta (13/20 sucesso completo
e 05/20 sucesso parcial), sendo o produto utilizado o concentrado de fator VIII
derivado de plasma contendo fator de von Willebrand (56). No entanto, uma meta-
análise de 13 estudos envolvendo 382 pacientes não demonstrou uma associação
entre o tipo de produto e os resultados da IT (57).
Portanto, embora haja uma controvérsia sobre o tipo de concentrado de fator VIII
recomendado para ser utilizado no tratamento de IT, a recomendação atual é utilizar
o produto com o qual o paciente desenvolveu o inibidor (8).
54
No Brasil, ao início da implantação do protocolo de IT, em 2011, o Ministério da Saúde
optou por utilizar em seu protocolo o fator VIII derivado do plasma contendo fator de
von Willebrand (Octavi® SDOptimum; Octapharma, Viena, Áustria). Na ocasião, uma
das considerações para essa resolução, foi o fato de que os pacientes potencialmente
possuíam pior prognóstico, uma vez que, como o protocolo ainda não havia sido
iniciado anteriormente no país, grande parte dos pacientes possuía inibidores de longa
permanência. Entretanto, desde 2013, quando o concentrado de fator VIII
recombinante passou a ser utilizado para pacientes com hemofilia A e idade inferior a
30 anos, houve uma mudança no protocolo de IT. No protocolo atual, caso o paciente
desenvolva inibidor, o concentrado de fator a ser utilizado para o tratamento de IT será
o que o paciente estiver utilizando no momento do desenvolvimento do inibidor.
Nesse estudo, 20 dos 30 pacientes utilizaram apenas concentrado de fator VIII
contendo fator de von Willebrand durante o tratamento de IT (Octavi® SDOptimum;
Octapharma, Viena, Áustria) e seis pacientes utilizaram vários concentrados de fator
VIII derivados de plasma, com e sem fator de von Willebrand, por terem iniciado a IT
antes do protocolo brasileiro de IT ser implantado. Somente 4 dos 30 pacientes
utilizaram apenas concentrado de fator VIII recombinante (Advate®, Baxalta, Viena,
Áustria) durante o tratamento de IT, por terem menos de 30 anos de idade ao início
da IT. Não houve diferença de resposta quando comparamos o concentrado de fator
VIII plasmático com o concentrado de fator VIII recombinante. Entre os 6 pacientes
com diversos concentrados de fator VIII derivados de plasma: 4 (66,6%) atingiram
sucesso completo, 1 atingiu sucesso parcial e 1 (16,7%) ainda em tratamento. Entre
os 20 pacientes que utilizaram concentrado de fator VIII derivado de plasma contendo
fator de von WIllebrand, 8 (40%) pacientes atingiram sucesso completo, 7 (35%)
pacientes atingiram até o momento sucesso parcial, 3 (15%) pacientes estão ainda
em tratamento e 2 (10%) pacientes que abandonaram o tratamento após ter atingido
sucesso parcial. Entre os 4 pacientes que utilizaram concentrado de fator VIII
recombinante, 2 (50%) atingiram sucesso completo, 1 (25%) atingiu até o momento,
sucesso parcial e 1 (25%) ainda está em tratamento.
Em relação ao tempo para atingir resposta na IT, 14 dos 30 pacientes (46,6 %) já
alcançaram critérios de sucesso completo, com uma mediana de tempo de 5,5 meses
(média de 8,7 meses; DP ± 8,1). Outros nove pacientes (30%) já haviam alcançado
55
sucesso parcial no momento do final da observação desse estudo, com título de
inibidor < 5 UB/mL, e não estão utilizando mais agentes de bypass. Comparando com
o tempo de resposta obtido no estudo I-ITI, no braço de baixas doses, em que os
pacientes tinham idade média de 15,6 meses (intervalo de 10,7 a 23,2 meses), a
mediana de tempo para negativar o inibidor foi de 9,2 meses (intervalo de 4,9 a 17
meses)(44). Entre os 14 pacientes que atingiram sucesso completo neste estudo, a
mediana de tempo para a negativação do inibidor foi inferior, a despeito do inibidor de
longa permanência e da idade adulta dos pacientes. Evidentemente, isso não
representa o grupo completo, pois os demais casos ainda estavam em tratamento
durante o período de interrupção da observação do estudo. No entanto, esses
pacientes representam 46,6% do grupo de 30 pacientes incluídos no estudo.
A incapacidade de atingir uma boa hemostasia com os agentes de bypass pode
comprometer o tratamento dos