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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ANA CAROLINA CENTEIO DOS SANTOS O DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE EM CONCORRÊNCIA COM OS DESCENDENTES São José 2010
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Apr 30, 2020

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

ANA CAROLINA CENTEIO DOS SANTOS

O DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE EM CONCORRÊNCIA COM OS DESCENDENTES

São José 2010

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ANA CAROLINA CENTEIO DOS SANTOS

O DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE EM CONCORRÊNCIA COM OS DESCENDENTES

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Renato Heusi Almeida

São José 2010

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ANA CAROLINA CENTEIO DOS SANTOS

O DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE EM CONCORRÊNCIA COM OS DESCENDENTES

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Civil

Local, dia de mês de ano.

Prof. MSc. Renato Heusi Almeida UNIVALI – Campus de

São José

Prof. MSc. Nome Instituição Membro

Prof. MSc. Nome Instituição Membro

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Dedico este trabalho ao meu marido Elton Altair Manske

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por me capacitar e me dar sabedoria.

Ao meu marido por estar sempre ao lado, me ajudando e dando

suporte para que eu pudesse concluir este trabalho.

Aos meus pais (Mario e Adélia) e irmãs (Magda e Raquel) pela

formação, força, incentivo e, principalmente, pela ajuda nos momentos finais desta

monografia.

Aos amigos sempre presentes, em especial o Samuel, o Marcos e a

Thayse, que me ajudaram com a tradução e a formatação deste trabalho.

As minhas gatas pela companhia carinhosa e silenciosa quando eu

precisava escrever.

E ao meu orientador pela paciência e dedicação.

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Seja sobre nós a graça do Senhor, nosso Deus: e confirma sobre nós a obra das

nossas mãos

Salmos 90:17 (Bíblia Sagrada)

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• TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 22 de novembro de 2010.

Ana Carolina Centeio dos Santos

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RESUMO

O presente trabalho aborda o direito sucessório do cônjuge salientando os pontos

mais relevantes desse direito. A importância no estudo deste tema se encontra em

fomentar a discussão e chamar as atenções para a posição do cônjuge sobrevivente

no direito sucessório como herdeiro necessário e, especificamente, na concorrência

com os descendentes do autor da herança. O Código Civil de 2002 favoreceu a

posição do cônjuge na ordem de vocação hereditária, porém os artigos do Código

Civil que tratam do direito sucessório do cônjuge, em particular na concorrência com

os descendentes, são falhos e obscuros, deixam lacunas e não tutelam o direito de

forma adequada. Este é o objeto de discussão que se quer trazer para esta

monografia. Será possível que se aplique adequadamente ao caso concreto o que o

legislador quis regrar no artigo 1.830 do Código Civil de 2002? Pode-se colher uma

correta interpretação do direito sucessório do cônjuge em concorrência com os

descendentes tutelado pelos artigos 1.829, I, e 1.832, ambos do Código Civil de

2002? Para responder a essas questões utilizou-se o método dedutivo, partindo do

geral para o particular, abordando-se conceitos e fundamentos gerais do direito

sucessório no primeiro capítulo do trabalho para se chegar à compreensão do direito

específico, o direito de herança do cônjuge sobrevivente em concorrência com os

descendentes no último capítulo. E, no segundo capítulo, foi preciso destacar alguns

aspectos do direito de família, como o casamento e os regimes de bens. Logo,

relacionaram-se posicionamentos doutrinários diferentes para, ao final, se chegar a

uma conclusão, que não teve a pretensão de esgotar os estudos sobre o tema.

Palavra-chave:

Sucessão: Transferência da herança, ou do legado, por morte de alguém, ao

herdeiro ou legatário, seja por força de lei, ou em virtude de testamento.1

Herança: Conjunto de bens, direitos e deveres patrimoniais, ou seja, a

universalidade das relações jurídicas de caráter patrimonial em que o falecido era

sujeito ativo ou passivo.2

1 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 34. ed. rev. e atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 1.

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Cônjuge: A pessoa com a qual contraiu casamento, e que continua vivendo.3

Descendente: Descendentes são todos os parentes de sucessivas gerações a partir

dos filhos biológicos ou adotivos.4

Concorrência sucessória: [É a exceção] que a regra da proximidade de classe

sofre [...] diante da nova posição sucessória do cônjuge sobrevivente, que ocupa a

terceira classe na ordem da vocação hereditária, e é chamado para suceder com os

descendentes – sucessíveis da primeira classe – e com os ascendentes –

sucessíveis da segunda classe.5

2 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 2.

3 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 174.

4 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 188. 5 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das sucessões. 25. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002, v.

7, p. 95.

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ABSTRACT

This paper discusses the law of succession of spouse highlighting the most relevant

points of law. The importance in studying this subject is to foster discussion and call

attention to the position of the surviving spouse the right of succession as heir

necessary and, specifically, in competition with the descendants of the deceased.

The Civil Code of 2002 favored the position of the spouse in order hereditary

vocation, but the articles of the Civil Code that deal with the inheritance rights of

spouses, especially in competition with the offspring, are flawed and unclear, leaving

gaps and do not protect the right appropriately. This is the subject of discussion you

want to bring this monograph. Is it possible to properly apply the case that the

legislature intended to rule in article 1830 of the Civil Code of 2002? You can pick a

correct interpretation of the law of succession of spouse in competition with the

children protected by Articles 1829, I, and 1832, both the Civil Code of 2002? To

answer these questions we used the deductive method, starting from general to

particular by addressing general concepts and fundamentals of inheritance law in the

first chapter of the work to arrive at an understanding of the specific duty, the right of

inheritance of the surviving spouse compete with the descendants in the last chapter.

And in the second chapter, it was necessary to highlight certain aspects of family law

such as marriage and property regimes. Therefore, related to different doctrinal

positions in the end arrive at a conclusion that did not intend to exhaust the studies

on the subject.

Keywords:

Succession: Transfer of inheritance or legacy, for someone's death, the heir or

legatee, whether by operation of law, or under a will.

Inheritance: A set of assets, rights and duties of property, namely the universality of

legal relations are proprietary in nature in which the deceased was a subject asset or

liability.

Spouse: The person with whom he contracted marriage, and who are still living.

Descending: Descendants are all relatives of successive generations from the

biological or adoptive children.

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Competition of succession: [It is the exception] that the rule of proximity class

suffers [...] new position before the succession of the surviving spouse, which

occupies the third class in the order of hereditary vocation, and are called to succeed

with descending - successors of the first class - and the upside - successors of the

second class.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................13

1 O DIREITO SUCESSÓRIO ....................................................................................18

1.1 CONCEITO .........................................................................................................18

1.2 FORMAS E ESPÉCIES DE SUCESSÃO............................................................19

1.3 TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS ..................................................................21

1.4 CÓDIGO CIVIL DE 1916.....................................................................................26

1.4.1 Sucessão dos Descendentes ........................................................................27

1.4.2 Sucessão dos Ascendentes ..........................................................................30

1.4.3 Sucessão do Cônjuge ....................................................................................31

1.4.4 Sucessão dos Colaterais ...............................................................................32

1.4.5 Sucessão do Estado ......................................................................................33

1.5 DIREITO CONSTITUCIONAL .............................................................................33

1.6 CÓDIGO CIVIL DE 2002.....................................................................................36

2 O CÔNJUGE NO DIREITO DE FAMÍLIA...............................................................41

2.1 O CASAMENTO..................................................................................................41

2.1.1 Conceituação..................................................................................................42

2.1.2 Aspectos Históricos.......................................................................................44

2.1.3 Finalidade........................................................................................................50

2.2 OS REGIMES DE BENS.....................................................................................51

2.2.1 Aspectos Gerais .............................................................................................52

2.2.2 Regime de Comunhão Parcial.......................................................................57

2.2.3 Regime de Comunhão Universal ..................................................................59

2.2.4 Regime de Participação Final nos Aquestos ...............................................60

2.2.5 Regime de Separação de Bens .....................................................................62

3 O DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE ...........................................................65

3.1 ASPECTOS GERAIS DO DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE...................65

3.2 AS CONDIÇÕES IMPOSTAS PELO ARTIGO 1.830 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002..................................................................................................................................67

3.3 O DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE EM CONCORRÊNCIA COM OS DESCENDENTES.......................................................71

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3.3.1 A concorrência entre o cônjuge e os descendentes do autor da herança, condicionado a cada um dos regimes de bens ....................................................73

3.3.2 As formas de partilha da herança quando da concorrência entre o cônjuge e os descendentes do autor da herança ................................................83

CONCLUSÃO ...........................................................................................................90

REFERÊNCIAS.........................................................................................................93

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INTRODUÇÃO

Esta monografia pretende abordar o direito sucessório do cônjuge

sobrevivente e, mais especificamente, este direito em concorrência com os

descendentes. A escolha deste tema se deu a partir do interesse e identificação com

a disciplina Direito das Sucessões. Através das aulas ministradas na graduação foi

despertada a atenção para o direito sucessório do cônjuge sobrevivente ao mesmo

tempo em que se observou ser um assunto com algumas problemáticas, devido à

má redação dos artigos referentes a este direito no Código Civil de 2002. Em

consequência disto, surgem contradições e divergências doutrinárias e

jurisprudenciais.

A importância no estudo deste tema se encontra em fomentar a

discussão e chamar a atenção para a posição do cônjuge sobrevivente como

herdeiro necessário no direito sucessório e, também, na concorrência em igualdade

com os descendentes do autor da herança.

É preciso que a comunidade jurídica se conscientize da posição que

ocupa o cônjuge no casamento para então entender o direito de herança que detêm

[ou deveria deter] o cônjuge. O casamento é a união entre o homem e a mulher, e

quando este fenômeno jurídico ocorre é porque o casal está disposto a compartilhar

a vida um do outro, como as alegrias e os sucessos, as dificuldades e os obstáculos,

os filhos e os laços de parentesco. E, também, está disposto a compartilhar do

patrimônio, em maior ou menor grau, dependendo do regime de bens escolhido.

Quando um dos cônjuges morre, os laços que uniam a vida em comum

ainda existem nas lembranças do que viveram e, também, nas consequências

jurídicas advindas do casamento, portanto, nada mais justo, que o cônjuge

sobrevivente seja amparado com parcela do patrimônio do de cujus, mesmo porque,

até aquele momento o cônjuge já vinha desfrutando desse patrimônio.

O Código Civil de 2002 consagrou a posição do cônjuge sobrevivente

como herdeiro necessário e ocupando a primeira classe em concorrência com os

descendentes. No entanto, observa-se certo receio do legislador em dividir com o

viúvo parte dos bens que seriam destinados aos descendentes, já, que, para tanto

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ele impõe condições, como o regime de bens adotado no casamento.6

Apesar de tudo, acredita-se que houve uma mudança na legislação

visando proteger o cônjuge para que não ficasse desamparado com o falecimento

do de cujus. Entretanto, o texto legal referente ao direito sucessório do cônjuge se

encontra cheio de lacunas e obscuridades.

O objetivo deste trabalho é analisar quais as possibilidades de se dar

uma aplicação adequada ao caso concreto do que o legislador quis regrar no art.

1.830 do Código Civil de 2002. E, analisar se é possível uma correta interpretação

do direito sucessório do cônjuge em concorrência com os descendentes,

dependendo do regime de bens adotado no casamento, conforme artigo 1.829, I, e

no que diz respeito à partilha da herança entre eles, de acordo com o artigo 1.832,

ambos do Código Civil de 2002.

O primeiro capítulo deste trabalho abordará o direito sucessório de

forma geral, começando pela conceituação de direito sucessório e destacando a sua

posição no campo do direito civil brasileiro. Diferenciar-se-á, também, as formas de

sucessão, que pode ocorrer a título universal e a título singular, e, ainda, as

espécies de sucessão legítima e testamentária. Igualmente importante para se

chegar ao direito sucessório existente hoje no ordenamento jurídico brasileiro é

acompanhar as transformações históricas referentes a este direito.

Abordar-se-á, também, o direito sucessório regulado pelo Código Civil

de 1916, destacando-se a ordem de vocação hereditária na sucessão legítima, a

qual foi alterada, posteriormente, pelo Código Civil de 2002 que trouxe o cônjuge

sobrevivente para a primeira classe na sucessão em concorrência com os

descendentes, além de tornar o cônjuge herdeiro necessário. O Código Civil de

1916, inicialmente, fazia distinção entre os descendentes no tocante a sua origem,

diferenciando-os para o recebimento da herança, entretanto a Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988 veio igualar a situação dos descendentes.

O segundo capítulo desta monografia apontará a forte relação do

direito sucessório com o direito de família, estudando o casamento, suas definições

e sua finalidade. Além disso, discorrer-se-á sobre os aspectos históricos que

6 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 6.

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mostram as transformações ocorridas no casamento e os tipos de casamento

existentes.

Neste mesmo capítulo, tratar-se-á dos regimes de bens, responsáveis

por regular os efeitos patrimoniais do casamento. Discorrer-se-á sobre os aspectos

gerais dos regimes de bens, salientando a liberdade de escolha dos cônjuges entre

eles e a necessidade do pacto antenupcial quando escolherem regime diverso do

legal. Por fim, descrever-se-á detalhadamente sobre os regimes de bens trazidos

pelo Código Civil de 2002, que são: regime de comunhão parcial de bens, regime de

comunhão universal de bens, regime de participação final nos aquestos e regime de

separação de bens; tratando de suas peculiaridades e sua importância na sucessão.

No terceiro e último capítulo discutir-se-á especificamente sobre o

direito sucessório do cônjuge sobrevivente na posição de herdeiro legítimo e

necessário, diferenciando a sua condição de meeiro e de herdeiro. Explorar-se-á as

condições impostas pelo art. 1.830, do Código Civil de 2002, as quais o cônjuge

precisa se enquadrar para ter direito a herança do de cujus. O cônjuge não pode

estar separado judicialmente do falecido ou separado de fato a mais de dois anos,

salvo se a separação tiver ocorrido sem culpa do cônjuge sobrevivente.

Abordar-se-á, também no terceiro capítulo, o direito sucessório do

cônjuge em concorrência com os descendentes: Primeiramente no que tange ao

preceituado no artigo 1.829, I, do Código Civil de 2002 que condiciona o direito

sucessório do cônjuge ao regime de bens adotado no casamento e, se o casamento

for pela comunhão parcial, depende da existência, ou não, de bens particulares

deixados pelo cônjuge falecido. E, posteriormente, tratar-se-á da partilha da

herança, conforme regula o artigo 1.832 do Código Civil de 2002, o qual diferencia a

partilha ocorrida entre filhos comuns e o cônjuge e entre filhos somente do falecido e

o cônjuge e, também, dispõe sobre a quota não inferior à quarta parte da herança

que deve ser entregue ao cônjuge sobrevivente.

Um dos problemas apresentados neste trabalho, concernente ao direito

sucessório do cônjuge sobrevivente, diz respeito à possibilidade, ou não, de se dar

uma aplicação adequada ao caso concreto do que o legislador quis regrar no artigo

1.830 do Código Civil de 2002. O outro problema questiona se é possível uma

correta interpretação do direito sucessório do cônjuge em concorrência com os

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descendentes sob a tutela dos artigos 1.829, I, e 1.832, ambos do Código Civil de

2002.

As hipóteses levantadas para responder as indagações feitas concluem

que existem formas diferentes de se aplicar ao caso concreto o que foi regrado pelo

legislador no artigo 1.830 do Código Civil de 2002, tendo em vista os diversos

posicionamentos da doutrina referentes ao tema. Isto ocorre porque o legislador,

além de silenciar quanto à possibilidade da ocorrência de uma união estável no

período de dois anos, foi tendencioso ao estipular as condições com base na culpa e

apresentação de provas contra o cônjuge já falecido.

E, também, conclui-se que existem várias interpretações divergentes

dos dispositivos legais referentes ao direito sucessório do cônjuge em concorrência

com os descendentes, visto que o legislador, por meio dos artigos 1.829, I, e 1.832,

ambos do Código Civil de 2002, regrou apenas parte do referido direito sucessório e,

em outras oportunidades, silenciou, obrigando a doutrina a fechar as lacunas

deixadas por ele. Ocorre que ao condicionar o direito sucessório do cônjuge em

concorrência com os descendentes aos regimes de bens o legislador deu margem a

inúmeras possibilidades por ele não abordadas e, quanto à partilha entre eles,

deixou dúvidas no que se refere à ocorrência da prole mista e a garantia da quarta

parte para o cônjuge sobrevivente.

Os fatores que interferem nesta temática e, consequentemente, na

pesquisa realizada são de ordem social e também cultural.

A maneira como o legislador trata o cônjuge sobrevivente é um reflexo

de como a sociedade trata o viúvo quando o assunto é a herança deixada pelo de

cujus. A desconfiança em se deixar os bens do falecido, tirando-se parte que seria

partilhada somente entre os descendentes, direcionando-os ao cônjuge

sobrevivente. A discussão que levanta o art. 1.830 do Código Civil quanto à culpa do

cônjuge em relação ao rompimento do casamento antes do falecimento do de cujus.

A forma como a sociedade vê o casamento e a sua ruptura foi

transparecida nas legislações que vieram progredindo a posição do cônjuge

sobrevivente em relação ao seu direito sucessório.

O método utilizado no estudo do tema apresentado é o método

dedutivo que parte do geral para o particular ao abordar conceitos e fundamentos

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gerais do direito sucessório, como a conceituação da sucessão legítima e do

cônjuge como herdeiro necessário. Essa abordagem de conceitos gerais possibilita

a compreensão do direito específico do cônjuge sobrevivente em concorrência com

os descendentes.

Utilizar-se-á, para a realização deste trabalho, a técnica de

documentação indireta. Far-se-á a pesquisa documental da Lei 10.406/2002 (o

Código Civil de 2002) que disciplina o direito sucessório do cônjuge sobrevivente em

concorrência com os descendentes e da Constituição da República Federativa do

Brasil que fundamenta o direito sucessório do cônjuge em seu art. 5º. Realizar-se-á,

também, pesquisa bibliográfica em livros que versam sobre o direito sucessório e o

direito de família. A adoção de tais técnicas de pesquisa tem a finalidade de analisar

a possibilidade de se dar uma aplicação adequada ao caso concreto do artigo 1.830

do Código Civil de 2002 e se é possível uma correta interpretação dos artigos

referentes ao direito sucessório do cônjuge em concorrência com os descendentes.

Ressalta-se, entretanto, que este trabalho não visa esgotar o tema

abordado, visto que existe muito mais a se estudar e pesquisar a cerca do direito

sucessório do cônjuge sobrevivente.

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1 O DIREITO SUCESSÓRIO

O direito sucessório compõe a parte especial do direito civil e é matéria

de suma importância no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista que sempre

que ocorre a morte de alguém se abre uma sucessão.

1.1 CONCEITO

Na conceituação do direito sucessório, os doutrinadores brasileiros

abrangem alguns aspectos diferentes, entretanto divergem muito pouco uns dos

outros, quanto ao seu conteúdo.

Washington de Barros Monteiro conceituou o direito das sucessões de

forma sucinta ao explicar o significado do vocábulo sucessão num sentido mais

estrito: “[a sucessão significa] a transferência da herança, ou do legado, por morte

de alguém, ao herdeiro ou legatário, seja por força de lei, ou em virtude de

testamento”.7

Arnoldo Wald, antes de conceituar direito sucessório, destaca o

conceito de herança como sendo “o conjunto de bens, direitos e deveres

patrimoniais, ou seja, a universalidade das relações jurídicas de caráter patrimonial

em que o falecido era sujeito ativo ou passivo”.8

Clóvis Beviláqua entendia que:

[...] a sucessão é um modo de adquirir direitos reais e obrigacionais, a que o patrimônio é noção especial do direito das coisas, mas a sua transmissão mortis causa se acha intimamente ligada a êsse mesmo direito das coisas, ao da família, ao das obrigações e ao das pessoas consideradas isoladamente [...] Direito hereditário ou das sucessões é o complexo dos princípios, segundo os quais se realiza a transmissão do patrimônio de alguém, que deixa de existir. Essa transmissão constitui a sucessão; o

7 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2000, p. 1. 8 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2002, p. 2.

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patrimônio transmitido denomina-se herança; e quem o recebe se diz herdeiro.9

Falando do direito das sucessões como ciência jurídica, Silvio de Salvo

Venosa enquadra o direito sucessório no campo do direito civil e o conceitua como a

“transmissão de bens, direitos e obrigações em razão da morte”10 que é o direito

hereditário. E o diferencia do direito sucessório em sentido amplo que abrange

também a sucessão entre vivos.11

Arnoldo Wald descreve o conceito de direito sucessório tentando

diferenciar herança de sucessão.

Os conceitos de herança e de sucessão têm sido obscurecidos pela sinonímia que entre ambos quiseram estabelecer. Na realidade, a sucessão é o modo de transmitir direitos, sendo a sucessão geralmente entendida como sucessão hereditária, ou seja, mortis causa. Mas por sucessão também se entende, em sentido subjetivo, o direito que cabe ao sucessor de exigir os bens do sucedido, e, assim, cogitamos do direito do herdeiro à sucessão do de cujus [...] podemos dizer que a sucessão é o modo de transmissão, enquanto a herança é o conjunto de bens, direitos e obrigações, que se transmitem aos herdeiros e legatários. Assim, a herança transmite-se em virtude de sucessão mortis causa; a sucessão mortis causa é o modo de transmitir a herança.12

Arnaldo Rizzardo, por sua vez, afirma existir um conceito natural de

sucessão, “pelo qual uma pessoa toma o lugar de outra e assume os direitos que a

esta tocavam”.13

1.2 FORMAS E ESPÉCIES DE SUCESSÃO

Orlando Gomes afirmou que a sucessão, mais especificamente a

sucessão mortis causa, pode ocorrer a título universal e a título singular:

A primeira caracteriza-se pela transmissão do patrimônio do defunto, ou de quota-parte deste; a segunda, pela transferência de bens determinados [...] Na sucessão a título universal, as relações jurídicas constituídas do patrimônio do defunto transmitem-se como um todo orgânico, compreendido ativo e passivo, isto é, direitos, créditos, obrigações, débitos. A sucessão a

9 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das sucessões. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1978, p. 14. 10 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, v. 7,

p. 17-18. 11 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2005, v. 7. 12 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2002, p. 7. 13 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2006, p. 1.

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título singular deriva unicamente de testamento, limitando-se a objeto determinado que pode compreender um conjuto de bens, contanto que não formem unidade na qual percam sua individualidade [...] Quem sucede a título universal é herdeiro. Quem sucede a título singular, legatário.14

Ainda sobre sucessão a título universal e sucessão a título singular,

Arnoldo Wald explica que a sucessão:

É a título universal quando se transfere ao sucessor a totalidade do patrimônio do de cujus ou uma fração determinada dele, abrangendo tanto o seu ativo como o seu passivo. Neste caso, o sucessor é denominado herdeiro. Essa sucessão só é concebível nos casos de morte, pois a ninguém é lícito transferir todos os seus bens em vida. [...] Há sucessão a título singular quando o sucessor recebe [...] apenas um bem específico e determinado. Diferentemente da sucessão a título universal, ela pode ocorrer em virtude de ato inter vivos ou de falecimento. Seu beneficiário, neste caso, é chamado de legatário.15

Além disso, Orlando Gomes descreveu o que ele classificou como as

espécies de sucessão, a sucessão legítima e a sucessão testamentária.

A sucessão mortis causa é deferida por lei ou testamento.

Quando se dá em virtude de lei, diz-se legítima ou legal.

A sucessão legal é legitimaria quando não pode ser afastada pela vontade de quem lhe dá causa [...] É testamentária a sucessão que deriva de ato de última vontade praticado pela forma e nas condições estabelecidas na lei.

A sucessão testamentária resulta ordinariamente de testamento.16

Clóvis Beviláqua, seguindo o mesmo raciocínio, também classificou as

espécies de sucessão em legítima e testamentária. “A vocação hereditária resulta da

disposição da lei ou da vontade humana. No primeiro caso, temos a sucessão

legítima, e, no segundo, a testamentária.”17

Arnoldo Wald entende que:

A sucessão pode ocorrer de acordo com a declaração de vontade do de cujus, e, então, será uma sucessão testamentária, ou pode decorrer de normas legais, sem que o falecido tenha determinado o modo de divisão dos bens, denominando-se, neste caso, sucessão legítima.18

Verifica-se, portanto, que, tanto a sucessão legítima, quanto a

sucessão testamentária, são formas de transmitir a herança.

14 GOMES, Orlando. Sucessões. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 5-6. 15 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2002, p. 2-3. 16 GOMES, Orlando. Sucessões. 2002, p. 7. 17 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das sucessões. 1978, p. 24. 18 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2002, p. 12-13.

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1.3 TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS

O direito sucessório, afirmou Washington de Barros Monteiro, remonta

à antiguidade. No entanto, hoje, ele é muito diferente de sua forma primitiva. Pois,

de todos os ramos do direito civil, o direito sucessório foi o que mais se

transformou.19

Francisco José Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka

acreditam que:

No início da socialização dos indivíduos, em tempos remotos, não existindo a propriedade individual, mas coletiva, em que grupos ou núcleos sociais eram titulares de bens, esvaziava-se o conteúdo do direito sucessório, na medida em que a morte de uma pessoa não alterava a situação jurídica do patrimônio.

Com a individualização da propriedade, passando o sujeito, e não mais a coletividade, a ser titular do patrimônio, ganhou espaço o instituto da sucessão hereditária, iniciando-se a discussão filosófica e jurídica a respeito de seu fundamento.20

Falando dos elementos históricos, Arnaldo Rizzardo destaca que:

Em Roma, numa primeira fase, dizia-se que o herdeiro continuava a personalidade do defunto. [Ocorria] mais uma transmissão do ser espiritual do parente falecido [...] Numa estrutura rígida da família, o pater era o soberano. Por testamento, escolhia ele o herdeiro mais habilitado para exercer o comando da família, e realizar as práticas religiosas domésticas, em favor do defunto, além de administrar o patrimônio existente.21

Sílvio de Salvo Venosa explica que “a situação assim se apresentava

porque o direito de propriedade estabeleceu-se para a efetivação de um culto

hereditário”.22

Washington de Barros Monteiro afirmou que, em Roma, existia um

benefício exclusivamente em favor dos filhos varões, pois as filhas não herdavam.

As mulheres se submetiam a receber apenas um dote.23 De acordo com Silvio

Rodrigues, “como o filho é o sacerdote da religião doméstica, é ele, e não sua irmã,

quem recebe o patrimônio da família”.24

19 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2000. 20 CAHALI, Francisco José; HIRONAKE, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de

direito civil: Direito das sucessões. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, v. 6, p. 25. 21 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2006, p. 2-3. 22 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2005, v. 7, p. 18. 23 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2000. 24 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das sucessões. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 4.

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A sucessão, portanto, só se operava na linha masculina, como diz

Sílvio de Salvo Venosa, “porque a filha não continuaria o culto, já que com seu

casamento renunciaria à religião de sua família para assumir a do marido”.25 Figura-

se, dessa maneira, uma injustiça social.

A Lei Sálica, que [excluía as mulheres do trono francês e foi introduzida na Espanha pela dinastia dos Bourbons], apenas contemplava os varões na distribuição da propriedade imobiliária [...] também a Lei Vocônia, inspirada por Catão, no intento de colocar um freio à dissipação e a independência das mulheres e que vigorou em certo período do direito romano, as privava de capacidade testamentária passiva; mas, essa lei, que contrariava a equidade e a própria natureza, logo foi revogada.26

Devido a “necessidade de o romano ter sempre, após sua morte, quem

continuasse o culto familiar”27, o instituto da adoção tinha grande importância

quando não existiam herdeiros homens para quem deixar a herança.

Conforme diz Arnaldo Rizzardo “herdavam os filhos varões, e o

primogênito de preferência aos demais”.28 Verificando-se, com o direito à

primogenitura, uma injustiça na distribuição da herança, até mesmo entre os

homens, “como se depreende do episódio de Esaú e Jacó”.29

[O direito à primogenitura] encontrou no direito feudal a mais forte expressão [...] De acordo com o mesmo, recolhia o primogênito a totalidade da herança, permanecendo na opulência, enquanto os demais filhos jaziam na pobreza, subordinados assim, social e economicamente, à autoridade do irmão mais velho, que herdara toda a fortuna [...] O direito de primogenitura só tem aplicação, presentemente, na Escócia, em contraste com outros costumes de certas regiões da Inglaterra, aliás, revogados, em que os bens eram recolhidos pelo mais jovem (tenures of socage). De modo geral, porém, os privilégios resultantes da varonia e da primogenitura pertencem ao passado, definitivamente expungidos do direito civil.30

No entanto, Silvio Rodrigues afirmou que o direito à primogenitura e a

varonia ainda permaneceram em muitas civilizações, porém “inspirado em outras

razões de ordem política e social de considerável relevância. A primeira e principal

delas é o propósito de manter poderosa a família, impedindo a divisão de sua

fortuna entre vários filhos.”31

Não obstante esses privilégios hereditários vigorarem, hoje, em alguns

países, de maneira geral eles foram perdendo espaço e sendo substituídos pela

25 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2005, v. 7, p. 19. 26 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2000, p. 2. 27 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2005, v. 7, p. 19. 28 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2006, p. 3. 29 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2000, p. 2. 30 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2000, p. 2-3. 31 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das sucessões. 1995, p. 5.

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absoluta liberdade de se dispor dos bens para depois da morte. Concomitantemente

o uso do testamento foi se tornando expressivo e se expandiu na época da Lei das

XII Tábuas.32

Os romanos, assim como os gregos, admitiam as duas formas de sucessão, com ou sem testamento. O direito grego, contudo, só admitia a sucessão por testamento na falta de filhos.

No Direito Romano, a sucessão testamentária era a regra, daí a grande importância do testamento na época.33

Em contrapartida, Washington de Barros Monteiro fez referência ao

antigo direito germânico que desconhecia a sucessão testamentária, pois “nele

predominava a concepção de que os herdeiros são feitos por Deus. Só os herdeiros

pelo vínculo de sangue são verdadeiros e únicos”.34

Orlando Gomes esclareceu sobre a sucessão romana dizendo que: “No

direito das XII Tábuas, o “pater famílias” tinha absoluta liberdade de dispor dos seus

bens para depois da morte, mas, se falecesse sem testamento, a sucessão se

devolvia, seguidamente, a três classes de herdeiros.”35

Arnaldo Rizzardo descreve as três classes de herdeiros preferenciais,

que eram chamados a suceder quando o pater famílias não deixava testamento, na

seguinte ordem:

a) Os sui, ou heredes sui et necessarii, isto é, os filhos sob o pátrio poder, a mulher com filhos e demais parentes sujeitos ao de cujus [...] os escravos libertados no testamento e concomitantemente herdeiros.

b) Os agnati, ou as pessoas sob o então chamado pátrio poder, ou que se subordinavam ao pater famílias, sendo contemplado o agnado mais próximo.

c) Os gentiles – ou pessoas que pertenciam aos membros da mesma gens, ou da estirpe.36

Mais tarde esse sistema foi substituído, conforme ensinou Orlando

Gomes:

O sistema foi substituído pelo direito pretoriano, que admitiu quatro ordens de sucessíveis: liberi, legitimi, cognati e cônjuge sobrevivente [...] A primeira classe compreendia os “sui heredes” e os “emancipati”. A segunda, os “consanguinei” e os “agnati”. A terceira, todos os parentes até o sexto grau. A quarta, o marido, ou a mulher.37

32 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2006. 33 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2005, v. 7, p. 19. 34 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2000, p. 4. 35 GOMES, Orlando. Sucessões. 2002, p. 3. 36 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2006, p. 4. 37 GOMES, Orlando. Sucessões. 2002, p. 4.

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Mas veio a prevalecer, no tempo dos pretores, em Roma, unicamente o

parentesco natural, “quando houve reformas contemplando-se classes de

sucessores, evoluindo o Direito até se consolidar com Justiniano, [através das

Novelas], num sistema bastante igual ao hoje vigente”.38

A ordem da vocação hereditária era: [1. descendentes; 2. ascendentes e irmãos bilaterais; 3. irmãos consangüíneos e 4. colaterais.] Os parentes mais próximos excluíam os mais remotos. A viúva pobre [...] recolhia a herança se faltassem todos os herdeiros. A “lex” Julia et Papia Poppea prescrevera o direito do Estado à sucessão, quando ocorresse a “vacantia”.

No direito germânico primitivo, a sucessão baseava-se na compropriedade familiar, vindo em primeiro lugar, os filhos varões e, em seguida, os irmãos do defunto, tios paternos e maternos.

No direito pátrio, a ordem de vocação hereditária foi, até 1907, a seguinte: 1. descendentes; 2. ascendentes; 3. colaterais até o décimo grau; 4. cônjuge sobrevivo; 5. Fisco.39

Percebe-se que o direito de herdar, na Europa, se estendia por vários

graus, no entanto isso foi mudando no decorrer da história, como esclareceu

Washington de Barros Monteiro:

A própria ordem de vocação hereditária retrai-se com o tempo. No antigo direito, inexistia qualquer limitação. Por mais afastado que fosse o grau de parentesco, o parente, o familiar, tinha direito de suceder, na falta de outros mais próximos. O Código Napoleônico começou, no entanto, a restringir o círculo dos sucessíveis, fixando no 12º graus (art.755). O Código Italiano de 1865 baixou-o para o 10º grau (art. 742). Os Códigos posteriormente promulgados delimitaram-no ainda mais, havendo alguns, como os da România, Bélgica e Países Escandinavos, que o situaram no 4º grau, para não se mencionar a Rússia, que só admite à sucessão parentes até o 3º grau.40

Francisco José Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes afirmam

que, no Brasil, no direito pré-codificado os descendentes colaterais até o décimo

grau preferiam ao cônjuge. Somente com a Lei 1.839/1907, Lei Feliciano Pena, que

o cônjuge passou a ser chamado em terceiro lugar, antes dos colaterais e o

parentesco transversal foi limitado até o sexto grau.41 O código civil de 1916

observou esta lei, “mas a sucessão dos parentes colaterais foi reduzida, [pelo

Decreto-lei nº 9.461, de 15 de julho de 1946], ao quarto grau”.42

Verifica-se que o direito sucessório era aplicado conforme a cultura e

hábitos de cada país. Alguns adotavam a sucessão testamentária como forma de

38 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2006, p. 4. 39 GOMES, Orlando. Sucessões. 2002, p. 4. 40 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2000, p. 3. 41 CAHALI, Francisco José; HIRONAKE, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de

direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6. 42 GOMES, Orlando. Sucessões. 2002, p. 5.

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transmitir a herança, outros adotavam a sucessão legítima, que de forma geral

abrangia os parentes ligados pelos laços de sangue. Sobre o tema Sílvio de Salvo

Venosa afirma que: “Ao contrário do que ocorre modernamente, a sucessão por

testamento não podia conviver com a sucessão por força da lei. Ou era nomeado um

herdeiro pelo ato de última vontade do autor da herança, ou era, na falta de

testamento, a lei quem indicava o herdeiro.”43

Washington de Barros Monteiro veio esclarecer o assunto:

Da luta entre as duas mentalidades resultou afinal sua fusão, de modo que o direito sucessório contemporâneo se acha igualmente impregnado por ambas as concepções: os parentes, herdeiros pelo sangue, são os sucessores legítimos, se não houver testamento, ou se este não prevalecer.

Por outras palavras, se houver testamento, acatar-se-á a vontade do de cujus; mas, se tem este herdeiros necessários (art. 1.721), só poderá dispor da metade de seus bens (quota disponível), por que a outra metade (legítima), de direito, pertence aos aludidos herdeiros. Eis aí as duas espécies de sucessão, a legítima e a testamentária.44

Hoje, o direito brasileiro aceita as duas formas de sucessão, a

testamentária e a legítima, simultaneamente, conforme esclareceu Clóvis Beviláqua:

O direito moderno liberado já de um princípio fossilizado na história e desaparecido da consciência dos povos, permite que o testador disponha, somente de uma parte de seu patrimônio, ou que o distribua todo em legados. É mesmo um dos pontos característicos do direito civil atual prover à sucessão de certos herdeiros, deixando, ao mesmo tempo, inteira liberdade ao indivíduo para dispor como entender da porção restante de seu patrimônio.45

Percebe-se que, com o passar do tempo, o direito sucessório sofreu

grandes transformações para chegar a ser o que é hoje, como exprime Washington

de Barros Monteiro:

Tudo isso se acha fundamentalmente inovado, ao influxo de novas idéias, mais generosas e justas. O direito moderno procura igualar e uniformizar a transmissão hereditária. Desapareceram, assim, paulatinamente, as restrições feudais e os privilégios sucessórios. O direito das sucessões converte-se num só para todo o país.46

A mudança do direito sucessório através da história foi realmente

significativa, antes a transmissão da herança estava impregnada por uma injustiça

na divisão dos bens que ocorria apenas para os homens e os primogênitos. Hoje o

que se vê é uma distribuição igualitária e mais homogênea da herança entre todos

os herdeiros, filhos ou filhas, marido ou esposa, companheiros e colaterais.

43 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2005, v. 7, p. 20. 44 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2000, p. 4. 45 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das sucessões. 1978, p. 26. 46 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2000, p. 3.

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1.4 CÓDIGO CIVIL DE 1916

O estudo do direito sucessório regulado pelo Código Civil de 1916

ainda tem importância, na medida em que tendo o de cujus falecido durante a

vigência do Código anterior, este regulará a sucessão, mesmo que a partilha só

ocorra na vigência do Código Civil de 2002. Isso “equivale a dizer que a lei de 1916,

embora tendo perdido sua vigência com o fim da vacatio legis do novo Código, não

perdeu sua eficácia”.47

Francisco José Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka

explicam:

Seguindo a tradição do nosso Direito, o novo Código Civil tem aplicação apenas às sucessões abertas após a sua vigência, nos expressos termos do art. 1.787: “Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela”. Daí também a previsão de que “legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão” (art. 1.798) [...] a data do falecimento é o indicativo para se saber qual a legislação a ser aplicada. Ocorrido o óbito na vigência do Código e legislação revogada, a sucessão terá seu curso pelas regras ali ditadas [...] e considerando, inclusive, que, num futuro próximo, ainda existirá um maior número de sucessões agasalhadas pelas normas anteriores ao Código de 2002, mostra-se indispensável que se apresentem as distinções existentes entre o sistema atual e o anterior [...]48

Washington de Barros Monteiro descreveu a ordem de vocação

hereditária, na sucessão legítima, regulada pelo Código Civil de 1916.

De acordo com o disposto no art. 1.603, do Código Civil, a sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I) aos descendentes; II) aos ascendentes; III) ao cônjuge sobrevivente; IV) aos colaterais; V) aos Municípios, ao Distrito Federal ou à União.

Referida ordo succedendi, nos quatro primeiros itens, tem por base as relações de família e de sangue [...] A solidariedade que deve reinar entre os seus membros e o amparo que esses membros mutuamente se devem constituem o alicerce e o fundamento da sucessão legítima, com referência à vocação hereditária.49

O objetivo do legislador, ao estabelecer tal ordem de vocação

hereditária, foi respeitar a vontade do de cujus. Como disse Washington de Barros

Monteiro: “o amor pelos descendentes é mais intenso e mais vivo. Devem eles

47 CAHALI, Francisco José; HIRONAKE, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6, p. 268.

48 CAHALI, Francisco José; HIRONAKE, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6, p. 33-34.

49 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2000, p. 68.

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herdar, por conseguinte, em primeiro lugar, porque [é] essa a vontade presumida do

de cujus.”50 Silvio Rodrigues também falou do propósito do legislador:

[...] o legislador se funda na vontade presumida do falecido. Realmente, presume o propósito do finado de deixar seus bens aos seus descendentes; na falta destes, aos ascendentes; não havendo descendentes, nem ascendentes, ao cônjuge sobrevivente; e na falta de todas essas pessoas, aos seus colaterais.51

No que se refere à sucessão legítima, o Código Civil de 1916 já

resguardava o direito dos herdeiros necessários por meio do artigo 1.721. O referido

artigo apontava como herdeiros necessários somente os descendentes e os

ascendentes. Para estes estava destinada a legítima, que corresponde a metade da

herança do de cujus. Consequentemente, o autor da herança só estava autorizado a

dispor, em testamento, da outra metade dos seus bens.52

O Código Civil de 1916 estabeleceu o chamamento dos herdeiros por

classes, conforme explicou Orlando Gomes:

Os herdeiros de cada classe preferem aos das classes imediatas. Assim, os ascendentes somente são chamados à sucessão, não havendo herdeiros da classe dos descendentes; o cônjuge, se faltarem ascendentes; os parentes colaterais, se não houver cônjuge; o Estado, finalmente, não havendo colaterais sucessíveis.

Dentro da ordem dos parentes, que compreende os descendentes e os colaterais, a preferência se estabelece pelo grau de parentesco. Os parentes de grau mais afastado são excluídos pelos de grau mais próximo.53

Estudar-se-á, portanto, o chamamento dos herdeiros em cada classe

sucessível.

1.4.1 Sucessão dos Descendentes

Ao chamar para a sucessão a primeira classe de herdeiros, os

descendentes, o Código Civil de 1916, inicialmente, fazia distinção entre eles. De

acordo com a explicação de Sílvio de Salvo Venosa:

50 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2000, p. 71. 51 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das sucessões. 1995, p. 62. 52 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2000. 53 GOMES, Orlando. Sucessões. 2002, p. 42.

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[O] Código Civil anterior fez distinção na sucessão dos descendentes legítimos, de um lado, sempre com todos os direitos, e os filhos naturais e adotivos de outro [...] os filhos adulterinos e os incestuosos, não podendo ser reconhecidos (art. 358), não tinham direito sucessório algum. Os filhos naturais, portanto, os concebidos antes do casamento, tinham direito à metade do que coubesse ao filho legítimo.54

No código anterior os filhos legítimos eram equiparados aos

legitimados, pois, conforme posicionamento de Washington de Barros Monteiro, o

casamento posterior dos pais apagava qualquer irregularidade no nascimento do

filho legitimado.55

Sílvio de Salvo Venosa explica os motivos e, ao mesmo tempo, critica

essa diferenciação entre os filhos.

[...] o Código anterior, apesar de surgir com a abertura do século XX muito cedo se mostrou anacrônico, fazendo uma restrição odiosa entre as várias categorias de filhos. A discriminação absoluta com relação aos adulterinos e incestuosos colocava-os como se tivessem alguma responsabilidade por terem assim sido concebidos; eram indivíduos absolutamente à margem da família. Só poderiam ser beneficiados hereditariamente por testamento. [Entendeu o legislador] que a introdução de um descendente espúrio, ou simplesmente estranho, no ceio da família, ainda que concebido antes do matrimônio, no estado de solteiro do marido (hipótese para a qual se dirigia a lei) traria um fator de desconforto ao casal e ao corpo familiar, um ponto de dissensões e desavenças. Daí porque o filho natural, como um ser intruso não tinha o mesmo direito hereditário. Na origem do Código nem havia que se pensar em algum direito sucessório ao filho adulterino ou ao incestuoso, que recebiam verdadeira pena sem delito.56

Silvio Rodrigues lecionou que o Código Civil de 1916 equiparava o filho

natural, reconhecido antes do casamento, e o filho adotivo, de casais sem outros

filhos, ao filho legítimo. Herdavam todos igualitariamente, conforme artigo 1.605.

“Tratando-se, todavia, de filho natural reconhecido após o casamento de seu

progenitor, recebia ele apenas a metade do que coubesse a seu irmão legítimo ou

legitimado (art. 1.605, § 1º).”57

Entretanto, “o parágrafo 1º do art. 1.605 foi expressamente revogado

pela Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, art. 54. Consequentemente, em

qualquer circunstância, os direitos do filho natural são os mesmos do filho legítimo

ou legitimado, no campo sucessório.”58

54 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2005, v. 7, p. 128. 55 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2000. 56 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2005, v. 7, p. 128. 57 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das sucessões. 1995, p. 69. 58 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2000, p.73.

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É interessante mencionar que antes da Lei 6.515/77, Lei do Divórcio, a

Constituição da República Federativa do Brasil de 1937, no artigo 126, já igualava os

direitos entre os filhos naturais e legítimos. “Discutiu-se na época, como ocorreu com

muitos dispositivos da Constituição atual, se essa disposição era auto-aplicável,

revogando ou não o art. 1.605, § 1º, do Código Civil.”59

O progresso na igualdade de direitos do filho espúrio adulterino teve

início com a Lei 883, de 21 de outubro de 1949, que autorizava, facultativamente, o

reconhecimento de filiação deste filho. Por isso Silvio Rodrigues descreveu que “até

a promulgação da Lei do Divórcio, se concorresse a sucessão, com irmão legítimo

ou legitimado, recebia ele só a metade do que coubesse àquele; hoje, entretanto,

por força da modificação trazida por aquela lei, herda quinhão igual a seu irmão”.60

O filho incestuoso, no entanto, não foi beneficiado com as leis 883/49 e

6.515/77. Como preceitua Sílvio de Salvo Venosa:

Mesmo perante a peremptoriedade da nova redação do art. 2º da Lei nº 883, “qualquer que seja a natureza da filiação, o direito à herança será reconhecido em igualdade de condições”, autores continuaram entendendo que a igualdade de direitos beneficiava tão só os adulterinos, ficando de fora os incestuosos. Entendeu-se que tal redação se inseria em lei que alterara o art. 358 do Código Civil, impossibilitando-se reconhecimento do incestuoso. Não parece ter sido essa, contudo, a intenção do legislador da Lei do Divórcio.61

O filho adotivo, conforme artigo 1.605 do Código Civil de 1916, foi

equiparado ao filho legítimo, no que se refere ao direito sucessório, entretanto,

explicou Silvio Rodrigues que:

[...] o § 2º desse dispositivo discriminava contra ele, pois determinava que, se concorresse com filhos supervenientes do adotante, receberia só a metade do que a estes coubesse [...] Não havendo outros descendentes, o adotado herdava todo o espólio do adotante. Mas, se após a adoção, sobreviessem filhos ao adotante, o adotado só haveria a metade do que herdasse o descendente consangüíneo.62

Ainda sobre a classe dos descendentes, explica Arnoldo Wald:

Com o novo texto constitucional de 1988 desapareceram as últimas restrições e passou o Direito pátrio a adotar a igualdade de todos os descendentes do mesmo grau, para fins hereditários. No que concerne especificamente aos adotivos, a Lei n. 8.069, de 13-7-1990 (Estatuto da Criança), reiterou o princípio constitucional referente ao direito de família e hereditário, ao estabelecer, no seu art. 41, que: “A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive

59 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2005, v. 7, p. 129. 60 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das sucessões. 1995, p. 72. 61 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2005, v. 7, p. 130. 62 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das sucessões. 1995, p. 73.

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sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”.63

Na classe dos descendentes, se não houver filhos herdam os netos, se

não houver netos herdam os bisnetos, e assim por diante. No entanto, conforme

regulava o artigo 1.604 do Código Civil de 1916, se houver filhos e netos de um filho

pré-morto aplica-se o instituto da representação. Conforme explicou Silvio

Rodrigues:

Quando todos os descendentes estão no mesmo grau, a sucessão se processa por cabeça [...] se o finado deixou três filhos, a herança se divide em três partes iguais, cabendo uma a cada filho. Se deixou apenas netos, por haverem os filhos pré-morrido, a herança se divide pelo número de netos [...] Se à herança concorrerem descendentes de graus diversos, a sucessão se processa por estirpe [...] se o de cujus, ao morrer, tinha dois filhos vivos e netos havidos de um filho pré-morto, a herança se divide em três partes, referentes às três estirpes: as duas primeiras cabem, respectivamente, aos dois filhos vivos do de cujus, que herdam por direito próprio; a terceira pertence aos netos, filhos do filho pré-morto que dividem o referido quinhão entre si, e que sucedem representando seu pai falecido.64

O instituto da representação, por conseguinte, ocorre quando um

descendente representa seu ascendente para o recebimento da herança.

1.4.2 Sucessão dos Ascendentes

Não havendo descendentes eram chamados para suceder os herdeiros

da segunda classe, os ascendentes. A sucessão dos ascendentes obedecia ao

preceituado nos artigos 1.607 e 1.608 do Código Civil de 1916.65

Arnoldo Wald explica como se dava a aplicação desses dois artigos:

[...] o parente de grau mais próximo exclui o mais remoto, não sendo, todavia, admitida a representação [...] Se houver diversos herdeiros do mesmo grau, mas de linha diversa, a sucessão bipartir-se-á por linhas, cabendo a metade aos ascendentes do lado materno e a outra aos ascendentes pelo lado paterno [...] em vez de repartir a herança por cabeça, atender-se-á às linhas, bipartindo-se a herança, para que os herdeiros de

63 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2002, p. 61. 64 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das sucessões. 1995, p. 67. 65 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2000.

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cada linha, conjuntamente, recebam a metade e a dividam entre si por cabeça.66

Podiam herdar, na segunda classe de herdeiros, ascendentes de

primeiro grau que seriam os pais do de cujus, bem como ascendentes de segundo

grau que seriam os avôs do falecido.

1.4.3 Sucessão do Cônjuge

Na falta de descendentes e ascendentes, seria chamado à sucessão o

cônjuge sobrevivente, respeitada a restrição do artigo 1.611 do Código Civil de 1916,

conforme explicou Silvio Rodrigues:

[...] nos termos do art. 1.611 do Código Civil, o cônjuge só terá a condição de herdeiro se ao tempo da morte do outro não estava dissolvida a sociedade conjugal da qual participava [...] A lei exige, para afastar o cônjuge da sucessão, esteja o casal desquitado ou divorciado. Assim, a despeito de separados de fato, cada qual vivendo em concubinato com terceiro, a mulher herda do marido e este dela se morrerem sem testamento e sem deixarem herdeiros necessários.67

Chega-se a conclusão de que o autor da herança, para deixar o

cônjuge de fora da sucessão, bastava dispor de forma diversa em testamento, já que

o cônjuge não era herdeiro necessário.

O cônjuge, além de ser herdeiro da terceira classe de preferência, tinha

resguardado um direito sucessório específico, como diz Francisco José Cahali e

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:

[Paralelamente o cônjuge tinha um direito] diverso da destinação da herança, consistente do usufruto vidual e direito real de habitação [...] Institutos com peculiaridades próprias, objetivavam minimizar os efeitos da quebra da assistência material mútua existente na constância do matrimônio, em conseqüência da morte do cônjuge.68

Verifica-se que todos os herdeiros, a partir da terceira classe da

vocação hereditária, podiam ser afastados da herança se o de cujus, por meio de

testamento, elegesse outros herdeiros.

66 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2002, p. 63. 67 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das sucessões. 1995, p. 76. 68 CAHALI, Francisco José; HIRONAKE, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de

direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6, p. 237.

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1.4.4 Sucessão dos Colaterais

Na ausência de descendentes, ascendentes e cônjuge, e se

o falecido não dispusesse de forma contrária em testamento, eram

chamados à sucessão os parentes colaterais. Sílvio de Salvo Venosa

caracteriza os herdeiros colaterais como sendo “parentes que

descendem de um só tronco, sem descenderem uns dos outros”69.

Silvio Rodrigues lecionou sobre a classe dos colaterais

dizendo que “os mais próximos excluem os mais remotos. [E,] afora

uma hipótese referida na lei, na sucessão dos colaterais não há direito

de representação. De fato, só se dá o direito de representação em

favor de f i lhos de irmãos que concorrem com seus tios.”70

Outro ponto importante na sucessão dos colaterais se

encontra na herança transmitida aos irmãos, herdeiros em 2º grau, que

se dava de forma desigual:

[ . . . ] a part i lha efetua-se des igualmente, segundo sejam eles b i la tera is [ também chamados germanos] ou uni la tera is . Estabelece realmente o art . 1 .614 que, “concorrendo à herança do fa lec ido irmãos b i la tera is com i rmãos uni la tera is, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar [ . . . ] Não concorrendo à herança irmãos germanos, herdarão, em par tes iguais entre s i , os uni laterais (ar t . 1.616) .71

Esta distinção para o recebimento da herança entre irmãos

unilaterais e bilaterais ainda existe na atual legislação brasileira,

conforme artigo 1.841 do Código Civi l de 2002.

69 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2005, v. 7, p. 160. 70 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das sucessões. 1995, p. 81-82. 71 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2000, p. 80.

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1.4.5 Sucessão do Estado

Por fim, o último a ser chamado à sucessão era o Estado, conforme

esclareceu Orlando Gomes:

Não sobrevivendo parente sucessível, ou tendo ele repudiado a herança, devolve-se esta ao Estado [art. 1.619] [...] a devolução se dá para pessoa jurídica estadual, se o “de cujus” tiver sido domiciliado no respectivo território, e, para a União, no caso de ter tido por domicílio o Distrito Federal, ou os territórios da federação.

O Estado, também sucede, quando, não obstante a existência de parente sucessível, deixa este transcorrer cinco anos da abertura da sucessão, sem se habilitar, passando os bens arrecadados, nesse caso, ao domínio da pessoa jurídica de direito público à qual cabe recolher a herança [art. 1.594].72

Rui Ribeiro de Magalhães acrescenta que: “A Lei n. 8.049, de 20 de

junho de 1990, alterou a ordem sucessória, excluindo o Estado, unidade federada, e

incluindo no seu lugar o Município. Hoje a União não mais arrecada a herança

vacante, pois todos os Territórios foram transformados em Estados federados.”73

A herança era, então, arrecadada como jacente, iniciando-se o

processo para proclamá-la vacante. E, tendo transitado em julgado a sentença que

declarava a vacância, os bens eram incorporados ao patrimônio do Município.74

1.5 DIREITO CONSTITUCIONAL

O direito de herança é assegurado pela Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXX:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

72 GOMES, Orlando. Sucessões. 2002, p. 74. 73 MAGALHÃES, Rui Ribeiro. Direito das sucessões no novo código civil brasileiro. São Paulo:

Juarez de Oliveira, 2003, p. 104. 74 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das sucessões. 1995.

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XXX - é garantido o direito de herança; 75

Silvio Rodrigues explicou a importância de se ter assegurado pela

Constituição da República Federativa do Brasil o direito de herança, bem como os

motivos que levam o Poder Público a resguardar tal direito:

Parece fora de dúvida ser de interesse da sociedade conservar o direito hereditário como um corolário do direito de propriedade. Partindo do ponto de vista de que o interesse individual constitui a melhor espécie de mola para o progresso, deve o Poder Público assegurar ao indivíduo a possibilidade de transmitir seus bens a seus sucessores, pois, assim fazendo, estimula-o a produzir cada vez mais, o que coincide com o interesse da sociedade (cf. Constituição de 5-10-1988, art. 5º, XXII e XXX).76

A Constituição da República Federativa do Brasil vigente veio garantir,

de forma geral e abstrata, o direito de herança aos indivíduos. Deixou aos cuidados

do Código Civil regrar de maneira específica, por exemplo, o momento em que

ocorre a transferência dos bens, quem são os herdeiros que devem herdar por força

de lei, qual a ordem de vocação hereditária e o quanto do seu patrimônio pode uma

pessoa dispor em testamento.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, entretanto,

veio resguardar o direito dos filhos no seio da família e da sociedade e, neste ponto,

interessa ao direito sucessório, pois legitima os descendentes para o recebimento da

herança, como se verifica no artigo 227, § 6º:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Vedou, portanto, a Constituição da República Federativa do Brasil de

1988 qualquer diferenciação entre os filhos, colocando-os em situação de igualdade,

inclusive para o recebimento da herança. Conforme se deduz do texto de Sílvio de

Salvo Venosa:

Como foi a Constituição de 1988 que igualou todos os direitos dos filhos, a partir de sua vigência não se distingue mais o direito sucessório de qualquer

75 Artigo 5º, inciso III, da Constituição Federal de 1988. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil, Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 4. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008.

76 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das sucessões. 1995, p. 6.

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um deles . As le is que sucedem a Car ta Maior nada mais fazem do que regulamentar os pr incíp ios a l i f ixados.

Destar te, a p lena igualdade sucessór ia dos descendentes só ocorre a part ir da v igênc ia da Const i tu ição de 1988. As sucessões abertas a par t ir de sua v igência seguem esses pr inc íp ios de igualdade. O caminho para at ing ir o atual estágio, de 1917 até 1988, fo i longo, nem sempre acompanhando as a lterações de nossa sociedade ocorr idas nesse período.77

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

também trouxe em seu bojo outro diferencial que importa ao direito

sucessório. Ela definiu como sendo família a união estável, que não

mais se chama de concubinato. O artigo 226, § 3º, diz que: “Para efeito

da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e

a mulher como entidade familiar, devendo a lei faci l itar sua conversão

em casamento.”78

A união estável vista como entidade familiar, garantiu aos

companheiros alguns direitos, entre eles o direito sucessório do

companheiro sobrevivente.

Até a promulgação da Const i tu ição de 1988, dúvidas não havia de que o companheiro ou companheira não eram herdeiros [ . . . ] Esse patamar de d ire i tos re lat ivos à convivênc ia sem casamento fo i to talmente modif icado com os dois d ip lomas legais aqui refer idos. No que tange à sucessão, a Lei nº 8.971/94 inser iu o companheiro na ordem de vocação hereditár ia [ar t . 2º] . [ . . . ] Atualmente, por força da segunda le i [Le i nº 9.278/96], o companheiro sobrevivente, independentemente do prazo de duração da união es tável ou de exis tênc ia de pro le, é meeiro em re lação aos bens adquir idos onerosamente na respect iva convivênc ia.

Poder ia o legis lador ter optado em fazer a união es tável equivalente ao casamento em matér ia sucessór ia, mas não o fez. Prefer iu estabelecer um sistema sucessór io iso lado, no qual o companheiro supérs t i te nem é equiparado ao cônjuge nem se estabelecem regras c laras para sua sucessão.79

Mais tarde, o Código Civil de 2002 veio regulamentar o

direito sucessório do companheiro sobrevivente.

77 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2005, v. 7, p. 131-132. 78 Artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição Federal de 1988. BRASIL. Código Civil, Código de

Processo Civil, Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008. 79 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2005, v. 7, p. 148-150.

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1.6 CÓDIGO CIVIL DE 2002

O direito sucessório se encontra regulamentado no Livro V da Parte

Especial do Código Civil de 2002 (Livro IV da Parte Especial do Código anterior) e

vai do artigo 1.784 ao artigo 2.02780, sendo que, referido direito, está fracionado em

quatro partes, como explicam Francisco José Cahali e Giselda Maria Fernandes

Novaes Hironaka:

Sucessão em geral (Título I) – esta parte abrange normas tanto a respeito da sucessão legítima quanto da sucessão testamentária, referentes à transmissão, à aceitação, à renúncia da herança e à indignidade. Também [...] apresenta-se a sucessão decorrente da união estável.

Sucessão legítima (Título II) – refere-se à sucessão que se opera por lei, tratando da transmissão da herança às pessoas constantes da ordem de vocação hereditária [...]

Sucessão testamentária (Título III) – contém regras relativas à transmissão de bens, causa mortis, por ato praticado em vida pelo falecido [...] através de testamento [...]

Inventário e partilha (Título IV) – refere-se a normas sobre o processo judicial, não-contencioso, por meio do qual se efetua a divisão dos bens entre herdeiros, além de normas sobre colações e sonegados, pagamento das dívidas, garantia dos quinhões hereditários e anulação da partilha.81

A vocação hereditária encontra sua regulamentação dividida, parte dela

está localizada no Título I, da Sucessão em geral, e a outra parte no Título II, da

Sucessão legítima. Isso se justifica por causa de suas peculiaridades, já que existem

“duas espécies de sucessão, a legítima e a testamentária, e a vocação hereditária é

comum a ambas, enquanto que a ordem de vocação hereditária é restrita à

sucessão legítima”82.

Há, no direito sucessório, os herdeiros legítimos e os testamentários. Os primeiros são aqueles sucessores estabelecidos na lei, vindo enumerados na ordem da vocação hereditária. Já os segundos correspondem aos instituídos em disposição de última vontade, isto é, em testamento.

Dentre os legítimos, ou na sucessão legítima, existem os herdeiros necessários. São aqueles herdeiros que a lei protege e obriga a reserva a eles da metade do patrimônio que a pessoa tinha ao falecer. Denominam-se também herdeiros obrigatórios, legitimários, forçados, reservatórios,

80 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2006. 81 CAHALI, Francisco José; HIRONAKE, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de

direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6, p. 28. 82 MAGALHÃES, Rui Ribeiro. Direito das sucessões no novo código civil brasileiro. 2003, p. 37.

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impostos, sendo sempre contemplados em qualquer sucessão, desde que existentes.83

O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.845, determina que “são

herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”84.

Diferentemente do que apresentava o Código Civil de 1916, o cônjuge, agora, faz

parte dos herdeiros necessários. E essa é uma das principais mudanças trazidas

pelo Código em vigor.

Dentre, pois, os herdeiros legítimos, que constituem aqueles nomeados pela lei, ou os que a lei elege para receberem a herança, seguindo uma ordem de preferência, existem três classes que impõem o limite para testar em até cinqüenta por cento do acervo deixado: os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Os demais, que são os colaterais, consideram-se facultativos, pois não está a pessoa, quando testar, obrigada a reservar uma parte do patrimônio para eles. Embora legítimos, não são herdeiros necessários. Para excluí-los, basta que disponha a totalidade do patrimônio, sem qualquer justificação [...]85

Falecendo, portanto, o autor da herança sem deixar testamento, ou,

deixando-o, mas respeitando a legítima dos herdeiros necessários, a lei determinará

a ordem de vocação hereditária, conforme artigo 1.829, do Código Civil de 2002:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.86

Francisco José Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka

explicam a ordem de vocação hereditária, que tem por base o artigo 1.829, citado à

cima:

As pessoas indicadas são classificadas em classes, sendo que a existência de um herdeiro em determinada classe exclui da herança os integrantes das demais. Entre as pessoas da mesma classe, quando parentes entre si, os mais próximos em grau de parentesco excluem os mais remotos, ressalvado eventual direito de representação entre os descendentes e filhos de irmãos

83 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2006, p. 54. 84 Artigo 1.845 do Código Civil de 2002. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil,

Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 4. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008.

85 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2006, p. 54. 86 Artigo 1.829 do Código Civil de 2002. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil,

Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008.

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do autor da herança [considerando a possibilidade de recebimento da herança por cabeça ou por estirpe].87

O direito sucessório dos descendentes, propriamente dito, no Código

Civil atual, não sofreu alterações que a Constituição Federal já não houvesse trazido

para regulamentar o Código Civil de 1916. A novidade foi a possibilidade de inclusão

do cônjuge como concorrente da herança na primeira classe de sucessíveis.

É [o cônjuge], portanto, herdeiro, recebendo, em princípio, a mesma quota destacada para os descendentes [...] Divide-se, pois, o montante hereditário pelo número de herdeiros descendentes mais o cônjuge, desde que não caiba a este quota inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos descendentes [...] Todavia, se o cônjuge sobrevivente não for ascendente dos filhos, far-se-á a divisão por cabeça, incluído o cônjuge.88

O segundo lugar na ordem de vocação hereditária, dada aos

ascendentes, também se manteve o mesmo do Código Civil anterior. No entanto,

tem-se a inclusão do cônjuge, na mesma classe, para concorrer ao direito

sucessório, independentemente do regime de bens do casamento.

No tocante ao cônjuge, sua herança será de um terço da universalidade se concorrer com ascendente de primeiro grau, sendo a metade se concorrer com um só ascendente, ou se maior for o grau (art. 1.837). Assim, de acordo com o atual Código, a herança será dividida em três partes iguais se o cônjuge sobrevivente concorrer com sogro ou sogra. Se houver apenas o sogro ou a sogra vivo ou se os herdeiros ascendentes forem de grau mais distante, o cônjuge receberá sempre a metade da herança.89

É deferida a totalidade da herança ao cônjuge sobrevivente se não

houver descendentes ou ascendentes vivos. Nesta condição de integrante da

terceira classe da sucessão legítima, o cônjuge recebe a herança em sua

integralidade, independentemente do regime de bens adotado no casamento.90

E, aos colaterais, como herdeiros facultativos, é destinada a herança,

mantendo-se a restrição para o recebimento até o quarto grau.

A condição do Estado na ordem sucessória, no entanto, foi alterada,

como leciona Rui Ribeiro de Magalhães:

No Código Civil anterior [o Estado] integrava o rol dos herdeiros legítimos (art. 1.603), apesar disso não se pode considerá-lo como tal por lhe faltar legitimação para ingressar por direito próprio no domínio e na posse dos bens (saisine). Igualmente, não lhe assiste o direito de aceitar ou renunciar a herança. O Código Civil atual relocou a posição do Estado na vocação

87 CAHALI, Francisco José; HIRONAKE, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6, p. 158-159.

88 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2006, p. 178-179. 89 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2005, v. 7, p. 137. 90 CAHALI, Francisco José; HIRONAKE, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de

direito civil: Direito das sucessões. 2003.

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hereditária, situando-a no art. 1.844, acentuando, portanto, a ausência da qualidade de herdeiro.

A arrecadação dos bens pelo Estado subordina-se à declaração judicial de vacância da herança, o que se dá em face da ausência de herdeiros ou da renúncia destes.91

Por fim, o Código Civil de 2002 amparou o companheiro sobrevivente,

tornando-o herdeiro, nas condições do artigo 1.790:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.92

Note-se que o direito sucessório do companheiro, no Código Civil de

2002, não está regulamentado no Título II, Capítulo I, que trata da ordem de

vocação hereditária, ele está inserido nas disposições gerais, da sucessão em geral.

Cuida-se de dispositivo isolado.93

A impressão que o dispositivo transmite é de que o legislador teve rebuços em classificar a companheira ou companheiro como herdeiros, procurando evitar percalços e críticas sociais, não os colocando definitivamente na disciplina da ordem de vocação hereditária. Desse modo, afirma eufemisticamente que o consorte da união estável “participará” da sucessão, como se pudesse haver um meio-termo entre herdeiro e mero “participante” da herança. Que figura híbrida seria essa senão a de herdeiro!94

O companheiro sobrevivente não é herdeiro necessário, pois não

consta do artigo 1.845 do Código Civil de 2002, como acontece com o cônjuge

sobrevivente, portanto não tem direito à legitima. No entanto, como afirma Maria

Helena Diniz, o companheiro participa da sucessão do de cujus na condição de

sucessor regular, sendo herdeiro sui generis, conforme preceitua o artigo 1.790 do

Código Civil de 2002.95

91 MAGALHÃES, Rui Ribeiro. Direito das sucessões no novo código civil brasileiro. 2003, p. 103. 92 Artigo 1.790 do Código Civil de 2002. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil,

Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008. 93 WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. 94 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, v. 7,

p. 133. 95 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2005, v. 6.

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Neste capítulo buscou-se conceituar o direito sucessório em seus

diversos aspectos, abrangendo desde o significado do vocábulo ao seu conceito

como ciência jurídica. Após foram analisados aspectos concernentes a sua evolução

histórica, iniciando com o direito hereditário dos povos primitivos até alcançar os dias

atuais. Explorou-se, também, o direito à sucessão, estabelecido pelo Código Civil de

1916, devido a sua importância em ainda regular as sucessões abertas durante a

sua vigência. Posteriormente, abordou-se o direito sucessório garantido pela

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a qual trouxe uma

igualdade na distribuição da herança entre os herdeiros descendentes ou da mesma

classe. A pesquisa culminou com a abordagem do direito sucessório estabelecido no

Código Civil de 2002 (Lei 10.406/2002), em relação aos direitos sucessórios do

cônjuge sobrevivente, que será melhor estudado no capítulo três do presente

trabalho.

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2 O CÔNJUGE NO DIREITO DE FAMÍLIA

O capítulo a seguir abordará o direito de família no que se refere a

conceituação e afirmação da importância do casamento. Transcorrerá sobre os

aspectos históricos do casamento. E discorrerá sobre a sua finalidade.

Posteriormente, tratará dos vários aspectos gerais dos regimes de bens. E, após,

explanará sobre os diversos regimes de bens existentes no ordenamento jurídico

brasileiro, conceituando e tratando dos seus diferentes aspectos.

2.1 O CASAMENTO

O cônjuge tem direito a herança do de cujus, daí advém a importância

do casamento. Estar casado legitima o cônjuge sobrevivo a receber a herança nos

moldes do artigo 1.829 do Código Civil vigente.

Sílvio de Salvo Venosa descreve bem o casamento, tanto do ponto de

vista jurídico, quanto do ponto de vista social:

O casamento, negócio jurídico que dá margem à família legítima, é ato pessoal e solene. É pessoal, pois cabe unicamente aos nubentes manifestar sua vontade, embora se admita casamento por procuração. Não é admitido, como ainda em muitas sociedades, que os pais escolham os noivos e obriguem o casamento. Ato sob essa óptica, no direito brasileiro, padece de vício. Tratando-se igualmente de negócio puro e simples, não admite termo ou condição.

Trata-se, também, ao lado do testamento, do ato mais solene do direito brasileiro e assim é na maioria das legislações. A lei o reveste de uma série de formalidades perante autoridade do Estado que são de sua própria essência para garantir a publicidade, outorgando com isso garantia de validade ao ato. A solenidade inicia-se com os editais, desenvolve-se na própria cerimônia de realização e prossegue em sua inscrição no registro público.96

O casamento é, portanto, instituto do direito de família que possui forte

ligação com o direito sucessório do cônjuge.

96 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, v. 6, p. 26.

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2.1.1 Conceituação

As definições para casamento são muitas, algumas abrangem a sua

natureza jurídica, outras procuram descrever a sua finalidade e, existem ainda, as

que dão ao casamento um conceito que vai além da materialidade, pois dizem que

para ser casamento precisa haver amor.

Euclides de Oliveira e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka

extraem o conceito de casamento dos artigos 1.511 e 1.565 do Código Civil de 2002

dizendo que casamento, pelo efeito que se lhe reconhece, é “estabelecer comunhão

plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges” e por

meio dele “homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes,

companheiros e responsáveis pelos encargos da família”.97

O conceito dado por Sílvio de Salvo Venosa posiciona o casamento no

direito de família e é manifesto da seguinte forma:

O casamento é o centro do direito de família. Dele irradiam suas normas fundamentais. Sua importância, como negócio jurídico formal, vai desde as formalidades que antecedem sua celebração, passando pelo ato material de conclusão até os efeitos do negócio que deságuam nas relações entre os cônjuges, os deveres recíprocos, a criação e assistência material e espiritual recíproca e da prole, etc.98

Pontes de Miranda, por sua vez, apontou uma diversidade de conceitos

para o casamento, dentre eles afirmou que o casamento é uma “regulamentação

social do instinto de reprodução”99. E afirmou, também, que “juridicamente, isto é,

sob o ponto de vista legal, técnico, o casamento é a proteção, pelo direito, das

uniões efetuadas conforme certas normas e formalidades fixadas nos Códigos

Civis”100.

Acelino Pedro Guimarães vai além, ao acrescentar o amor no conceito

de casamento, afirmando que “casamento é um ato solene celebrado entre um

homem e uma mulher que se amam, cujo objetivo primordial e comum é viverem

97 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de família e o novo código civil. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

98 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6, p. 25. 99 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito de família. Campinas: Bookseller, 2001, v. 1, p. 85. 100 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito de família. 2001, v. 1, p. 85.

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juntos e constituírem a mais conhecida, a mais útil, a mais divina das sociedades

humanas: a família”101.

Outra importante definição do casamento é dada por Arnaldo Rizzardo

que diz: “o casamento vem a ser um contrato solene pelo qual duas pessoas de

sexo diferente se unem para constituir família e viver em plena comunhão de

vida.”102

Jônatas Milhomens e Geraldo Magela Alves explicam melhor a visão

do casamento como um contrato:

O casamento é um contrato. Não contrato vulgar, sim contrato sui generis, visto que envolve duas pessoas num pacto destinado a durar para sempre, criando obrigações e deveres recíprocos e perpétuos [...] Sujeita, durante longos anos, à influência da religião, da Igreja, discutiu-se longamente se a instituição é um sacramento ou um contrato.103

O casamento, visto como um contrato, merece a observação de Rolf

Madaleno ao dizer que “a nova topografia familista do Código Civil ocupa-se

fundamentalmente da idéia de sua privatização, inspirada na concepção

contratualista do matrimônio”.104

Verifica-se que o conceito de casamento foi modificado ao transcorrer

do tempo, principalmente após a Lei do Divórcio, quando se retirou dele o caráter de

perpetuidade, apesar de não se retirar o tom de seriedade que o casamento

merece.105 No tocante a isto, afirma-se que o conceito de casamento não pode ser

imutável, como diz Sílvio de Salvo Venosa:

No passado, por exemplo, quando inexistente o divórcio entre nós, cabível nas definições a referência à indissolubilidade do vínculo. Destarte, a noção de casamento não pode ser imutável, como sói acontecer com a compreensão de todos os fenômenos sociais que se modificam no tempo e no espaço.106

Percebe-se que o conceito de casamento pode mudar no transcorrer

do tempo, assim como o casamento em si, por isso é pertinente estudar os aspectos

históricos do casamento.

101 GUIMARÃES, Acelino Pedro. Ações e recurso, petições: Casamento e regime de bens. 5. ed. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1998, p. 4.

102 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 17.

103 MILHOMENS, Jônatas; ALVES, Geraldo Magela. Manual prático de direito de família. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 57.

104 MADALENO, Rolf. Repensando o direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 66.

105 GUIMARÃES, Acelino Pedro. Ações e recurso, petições: Casamento e regime de bens. 1998. 106 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6, p. 25.

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2.1.2 Aspectos Históricos

No decorrer do tempo o casamento sofreu transformações, mudando

conforme a sociedade mudava também. Pontes de Miranda afirmou isso ao falar do

casamento.

[O casamento] varia, como todas as instituições sociais, como os povos e com os tempos. Mas é preciso distinguirem-se a união legal (casamento, no sentido jurídico) e a forma atual [...] Socialmente, a união tolerada não é apenas a união legalizada [...] O casamento não partiu de forma única; nem tende, tampouco, a isso.107

A origem do casamento é ressaltada por Arnaldo Rizzardo, quando diz

que:

De uma forma ou de outra, sempre existiu o casamento, desde os primórdios da vida humana. Como fato natural, a família precedeu o casamento, formada que foi pelo impulso biológico que originariamente uniam o homem e a mulher [...] A idéia de legalização das uniões surgiu na medida em que preponderava ou passou a dominar a exclusividade das uniões, ou sua consumação por força da afeição mútua, formando-se, assim, o casamento.108

Do casamento, na antiguidade, se extrai vários aspectos importantes,

dentre eles, a forte ligação que existia entre a religião e o casamento. A religião da

raça indo-européia, por exemplo, influenciava, inclusive, as suas relações

matrimoniais.

[A religião] ensina ao homem que a união conjugal é algo mais que uma relação de sexos e uma afeição passageira, unindo os cônjuges pelo laço poderoso do mesmo culto e das mesmas crenças. Por sua vez, a cerimônia das núpcias eram tão solenes, e produzia efeitos tão graves, que não nos devemos surpreender se aquêles homens a julgavam permitida e possível com uma só mulher em cada casa. Tal religião não podia admitir a poligamia.109

Os aspectos históricos do casamento na antiguidade, inclusive a

influência religiosa, interessam mais, para o presente estudo, a partir do casamento

romano, tendo em vista que o Direito Civil brasileiro teve origem no direito

romano.110

107 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito de família. 2001, v. 1, p. 85. 108 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2004, p. 17-18. 109 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: A marcha das civilizações. São Paulo: Editora das

Américas, 1961, v. 1, p. 78. 110 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6.

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O fundamento da família e da sociedade romana foi, sem dúvida, o casamento (iustae nuptiae), embora tenham os romanos admitido efeitos jurídicos de caráter pessoal e patrimonial, semelhantes aos do matrimônio, também ao concubinato [...] Desse modo, o casamento romano exteriorizava-se, à vista dos parentes, dos amigos e da sociedade, como verdadeiro fato, do conhecimento público e com a durabilidade convivencial dos esposos, animada pela recíproca afeição de serem marido e mulher.111

Na família romana imperava a religião doméstica que acabava por

intervir no casamento. Isso fica comprovado nos dizeres de Fustel de Coulanges:

A primeira instituição que a religião doméstica estabeleceu foi, na verdade, o casamento [...] Sòmente por isso se pode avaliar o caráter essencial da união conjugal entre os antigos. Duas famílias vivem uma ao lado da outra, mas possuem deuses diversos. Em uma delas, a jovem participa, desde a infância, da religião do pai [...] Se um jovem de outra família a pede em casamento, para ela isso significa muito mais do que passar de uma casa para outra [...] Trata-se de mudar de religião. [E] o rapaz, [por sua vez,] vai introduzir em seu lar uma estranha [...] Não seria, portanto, necessário, para que a jovem fosse iniciada no culto que iria seguir, uma cerimônia sagrada de iniciação? [...] O casamento era a cerimônia sagrada que deveria produzir esses grandes efeitos.112

Neste contexto, “o matrimônio solene era o laço sagrado por

excelência”113, realizado em casa, diante do deus doméstico. Posteriormente,

quando a religião dos deuses do céu se tornou preponderante, adotou-se a prática

de ir antes aos templos realizar os prelúdios do casamento.114

A confarreatio, que era o procedimento matrimonial reservado ao patriciado, consistia na oferta a Júpiter Farreus de um pão de farinha de trigo (panis farreus), em ritual religioso, perante dez testemunhas, acompanhado de palavras solenes do sacerdote de Júpiter (flamen Dialis).115

Além da existência da confarreatio, a lei das Doze Tábuas incorporou

em seu bojo a coemptio, que transformava a união do casal em um negócio jurídico

formal. Esse negócio chamava-se de mancipatio e era “utilizado para vasto número

de negócios, a começar pela compra e venda. Consistia em uma venda da mulher

por quem exercia o pátrio poder. Essa alienação era real a princípio, passando a ser

ficta posteriormente.”116

[...] as famílias plebéias não observavam o casamento religioso, e podemos acreditar que para elas a união conjugal repousava ùnicamente sôbre a convenção mútua das partes (mutuus consensus) e sobre o afeto que se haviam prometido (affectio maritalis). Não se realizava nenhuma formalidade civil ou religiosa. Êsse casamento plebeu acabou por

111 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2001, p. 40-42.

112 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: A marcha das civilizações. 1961, v. 1, p. 71-73. 113 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6, p. 23. 114 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: A marcha das civilizações. 1961, v. 1. 115 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. 2001, p. 48-49. 116 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6, p. 23.

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prevalecer, com o tempo, nos costumes e no direito; mas a princípio as leis da cidade patrícia não lhe reconheciam nenhum valor [...] Imaginou-se, portanto, um processo para uso do plebeu, e que, para as relações civis, produzisse os mesmos efeitos que o casamento religioso. Recorreu-se, como para o testamento, a uma venda fictícia. A mulher era comprada pelo marido (coemptio) [...]117

Assim como a coemptio, originou-se entre os casais outra prática

chamada de usus. Arnaldo Rizzardo explica que:

Havia uma modalidade muito especial, e de certo modo presente, embora por outras razões, nos tempos atuais, e que era chamada de usus. Por esta espécie, acontecia a união íntima entre o homem e a mulher durante um ano. Nada mais representava que uma experiência para aferir a combinação dos cônjuges para a vida conjugal. A separação por três noites consecutivas impedia a consolidação do casamento.118

A coemptio e o usus não eram formas de casamento, apenas serviam

para estabelecer um vínculo de direito119, eram maneiras de aquisição proprietária

por alienação ou posse. Contudo, “nunca foi a mulher romana considerada como

objeto; tanto que o casamento cum manu dependia da conventio, da concordância

do marido e da mulher, por si ou por seus representantes”120.

Esses matrimônios denominados cum manum faziam com que a mulher perdesse toda relação e parentesco da família do pai, submetendo-se a família do marido [...] Posteriormente, para assegurar herança que proviesse da família originária à mulher, buscou-se uma modalidade de convivência que não produzisse o efeito cum manum. Para isso, evitava-se a coemptio e impedia-se que o usus se completasse. A Lei das XII Tábuas dispunha que para isso a mulher poderia ausentar-se do lar conjugal por três noites consecutivas em cada ano (usurpatio trinoctii) [...] Na época clássica, os casamentos cum manum passam a ser excepcionais, abolindo-se definitivamente o usus. A confarreatio ficou limitada a um reduzido número de pessoas [...]121

Em substituição ao casamento cum manu, no período da República, a

sociedade romana adota o casamento sine manu que não impõe nenhum tipo de

exigência para o seu acontecimento. Álvaro Villaça Azevedo discorre sobre isso:

Assim, o casamento sine manu, em fins do século III d.C., era utilizado normalmente, sendo o modo usual de enlace no período do Baixo Império.

À época justinianea, só era reconhecida a existência desse casamento livre, isento de formalidades; contudo, quando se tratasse de uniões de pessoas conceituadas, ilustres, como de senadores, por exemplo, eram precedidas pelo cumprimento de certos requisitos, [imposição feita pelas Novelas,] dado que não podiam existir sem instrumentos de dotes [...] Atente-se,

117 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: A marcha das civilizações. São Paulo: Editora das Américas, 1961, v. 2, p. 103-104.

118 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2004, p. 19. 119 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: A marcha das civilizações. 1961, v. 2. 120 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. 2001, p. 50. 121 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6, p. 23-24.

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ainda, ao fato de que o casamento cum manu coexistiu com o casamento livre ou sine manu desde os tempos mais remotos.122

Percebe-se que o direito romano, já na época da Lei das Doze Tábuas,

se afasta consideravelmente do direito primitivo. Ocorre uma transformação na

legislação romana, acompanhada de mudanças no âmbito do governo e do Estado

social. Essas mudanças iniciam com o casamento, que passa a ser permitido entre

patrícios e plebeus. Surge, então, um direito que não é inspirado pela religião, e que

cada vez mais se aproxima do direito natural.123

Entretanto, “a natureza do vínculo do casamento romano desgarrado

do sentido religioso original o aproxima do concubinato. Somente o cristianismo

transforma essa noção, ao considerar o matrimônio um sacramento.”124

Existia, também, entre os romanos a possibilidade de dissolução

matrimonial. É o que afirma Álvaro Villaça Azevedo:

[...] na realidade, três são essas causas de dissolução matrimonial: a morte, a incapacidade superveniente e o divórcio, sendo as duas primeiras involuntárias e a última voluntária [...] Como fato, o casamento, embora produzindo efeitos jurídicos, continuava sempre fato, que poderia vir a desaparecer, dissolvendo-se, pela simples vontade de um ou de ambos os cônjuges, independentemente da atuação de qualquer órgão judiciário oficial.125

O direito romano cada vez mais se separa da religião para aproximar-

se da equidade e da natureza. Essa separação consolida-se definitivamente com o

triunfo do cristianismo que apregoa que a fé é independente do direito.126 Surge,

neste momento, um casamento desvinculado do direito civil e das leis do Estado. “O

cristianismo, desde sua fundação, chamou a si o casamento, tornando-o

sacramento.”127

O cristianismo foi, então, espalhado pela Europa, e dela para os países

do novo mundo. Consequentemente, o casamento no Brasil é herança de Portugal.

“À época do descobrimento do Brasil, vigorava em Portugal o casamento religioso,

celebrado sob os moldes da religião católica. O matrimônio, portanto, era regulado

pelo Direito Canônico.”128 E as ordenações portuguesas: Afonsinas, Manoelinas e

122 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. 2001, p. 51. 123 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: A marcha das civilizações. 1961, v. 2. 124 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6, p. 24. 125 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. 2001, p. 56-57. 126 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: A marcha das civilizações. 1961, v. 2. 127 LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 79. 128 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. 2001, p. 135.

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Filipinas asseguravam a competência da Igreja para a realização desse

casamento.129

[No Brasil, após a independência, no período do Império,] um decreto de 3 de novembro 1827 oficializou o casamento segundo as diretrizes do Concílio de Trento. Com isso, reconheceu e adotou a jurisdição canônica sobre o casamento e sua dissolução, o que significa afirmar que não se admitia a validade do casamento sem a intervenção da Igreja.130

No Brasil, a princípio, só era reconhecido o casamento católico, por ser

essa a religião oficial do Estado. No entanto, Sílvio de Salvo Venosa diz que:

Com a presença crescente da imigração e de pessoas que professavam religiões diversas, instituiu-se, ao lado do casamento eclesiástico, o de natureza civil, permitindo a união de casais de seitas dissidentes, por lei de 1861. A partir de então, passou-se a permitir, além do casamento religioso católico oficial do Estado, o casamento misto entre católicos e não católicos, realizado também sob disciplina canônica, e o casamento de pessoas de outras religiões, em obediência às respectivas seitas.131

Já no início da República, o Estado chamou para si a responsabilidade

de realizar os casamentos e proibiu o casamento religioso realizado com o intuito de

produzir efeitos no direito civil.

O Decreto n. 181, de 1890, do Governo Provisório regulou o casamento civil, expressando a separação entre Estado e Igreja postulada pela República, e negando qualquer efeito ao casamento religioso. O Decreto n. 181 chegou ao extremo de proibir a celebração religiosa do casamento, punindo com prisão de seis meses o ministro de confissão religiosa que o fizesse. Somente a autoridade civil estava autorizada a celebrar o casamento. Assim dispôs o art. 72, § 4º, da Constituição de 1891: “A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita”.132

O casamento no Brasil foi, então, secularizado. A competência para

regulá-lo não era mais da religião oficial. Entretanto, “considerou-se o casamento

civil como ponto de oposição à Igreja”133, o que do ponto de vista de Pontes de

Miranda foi um erro, visto que o casamento civil não é anticristão.

Tempos depois, no entanto, a Constituição Federativa do Brasil de

1934 veio mudar esse quadro, conforme leciona Paulo Lôbo:

Os extremos foram atenuados a partir da Constituição de 1934 (art. 146), que manteve a regra da primeira Constituição republicana, mas admitiu a celebração perante ministro de qualquer confissão religiosa, desde que tivesse havido habilitação perante a autoridade civil competente e fosse inscrito no registro público. O modelo de casamento religioso, inaugurado com essa norma, não retomou a extensão do antigo direito canônico, pois

129 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. 2001. 130 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2004, p. 19. 131 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6, p. 30. 132 LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 2009, 79. 133 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito de família. 2001, v. 1, p. 93.

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se ateve apenas à celebração, continuando a natureza civil do casamento. A habilitação e o registro permaneceram civis.134

O casamento religioso e o casamento civil foram mantidos nas

constituições seguintes, além da afirmação de reconhecimento do casamento

religioso com efeitos civis.

Nas constituições que se seguiram, veio mantida a instituição, com a proteção, inclusive, do casamento religioso com efeitos civis – o que se nota na de 1934, art. 146; na de 1946, art. 163. §§ 1º e 2º; na de 1969 (Emenda Constitucional nº 1), art. 175, §§ 2º e 3º; e na Constituição vigente, art. 226, § 1º: “O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.” E, no § 6º, no pertinente a dissolução: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada a separação de fato por mais de dois anos.”135

Considerando a sociedade brasileira, a modalidade do casamento

religioso com efeitos civis não caiu “na preferência de nosso povo, cujo costume de

duplo casamento mostra-se enraizado e persistente”.136 Mas, de qualquer forma,

“três tipos de casamento são, entre nós, adotados: o civil, o religioso com efeitos

civis e o religioso sem efeitos civis. O último não é reconhecido pelo Estado, ficando

equiparado ao concubinato137”138.

Por fim, o Código Civil de 2002 vem regular a matéria:

Mantendo a mesma idéia e seguindo a trilha já apontada, o Código de 2002 estabelece no art. 1.515 a validade do casamento religioso que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equiparando-se a este, desde que registrado, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.139

Vale ressaltar, também, que o Código Civil de 2002, em concordância

com o artigo 226, § 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

veio acabar com as diferenças e discriminações que existiam entre marido e mulher

no casamento e na família.

A tônica do Código em vigor é a igualdade de direitos e deveres entre marido e mulher, por isso que o art. 1.567 estabelece que compete a ambos a direção da sociedade conjugal, em mútua colaboração, sempre no interesse do casal e dos filhos. Em caso de eventual divergência, não mais

134 LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 2009, p. 79-80. 135 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2004, p. 20. 136 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6, p. 31. 137 Vale ressaltar que a citação utilizada, do autor Orlando Gomes, é de 1998, percebe-se que o

autor ao dizer concubinato quis se referir ao atual instituto da união estável, regulado pelo Código Civil de 2002. Hoje, a caracterização do concubinato é a descrita pelo art. 1.727 do Código Civil de 2002.

138 GOMES, Orlando. Direito de família. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 63. 139 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6, p. 31.

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prevalece a vontade do homem, sendo facultado a qualquer dos cônjuges recorrer à solução judicial.140

Além dos aspectos destacados, o Código Civil de 2002 regula outras

particularidades do casamento.

2.1.3 Finalidade

Expor a finalidade do casamento é importante, pois como disse

Orlando Gomes: “A determinação dos fins do casamento interessa à compreensão

do instituto, uma vez que explica a política legislativa observada na sua

disciplina.”141

Silvio Rodrigues, falando dos fins do casamento, disse que existem três

finalidades para qual o casamento se propõe: “a) disciplinação das relações sexuais

entre os cônjuges; b) proteção à prole; c) mútua assistência.”142

Arnaldo Rizzardo diz que:

A finalidade propulsora está, é certo, no instituto ou impulso sexual, segundo a lei da natureza. Mas este sublima-se quando envolto em uma profunda afeição, ou atração mútua, que se converte no amor, procurando, então, os futuros cônjuges dirigir a vida de modo a satisfazer os ideais e interesses comuns.143

Na visão de Sílvio de Salvo Venosa as finalidades do casamento

fogem, de certa forma, do enfoque jurídico e são destinadas a regular o ambiente

social da família, o que ele chama de plano sociológico.144

Orlando Gomes também expressa sua opinião acerca da finalidade do

casamento:

Verdadeiramente, porém, o fim principal do casamento é dignificar as relações sexuais, estabilizando-as numa sociedade única e indissolúvel, ostensivamente aprovada e independentemente dos fins da geração para

140 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de família e o novo código civil. 2006, p. 12.

141 GOMES, Orlando. Direito de família. 1998, p. 64. 142 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito de família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 6, p. 22. 143 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2004, p. 25. 144 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6.

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torná-lo compatível com a eminente dignidade da pessoa humana. Juridicamente, o fim essencial do casamento é a constituição da família legítima, fim que jamais pode faltar.145

O casamento pode, ou não, alcançar a sua finalidade, mas

independente disto ele sempre produz efeitos no mundo jurídico e um desses efeitos

é o direito sucessório do cônjuge.

2.2 OS REGIMES DE BENS

O casamento apresenta efeitos pessoais e sociais, mas juntamente

com esses efeitos encontram-se os efeitos patrimoniais, que são regulados pelos

regimes de bens.146

O regime de bens no casamento faz parte do Título II do Livro IV, destinado a disciplinar o direito patrimonial no direito de família, e abrangendo os regimes de bens, o pacto antenupcial, o usufruto e a administração dos bens de filhos menores, os alimentos, e o bem de família.147

Paulo Lôbo expõe a definição de regime de bens e a função que eles

exercem no casamento:

O regime de bens tem por fito regulamentar as relações patrimoniais entre os cônjuges, nomeadamente quanto ao domínio e a administração de ambos ou de cada um sobre os bens trazidos ao casamento e os adquiridos durante a união conjugal. O regime aplicável a cada união conjugal depende de escolha ou escolhas feitas pelos nubentes, podendo ser um conjunto de estipulações convencionais e de normas cogentes, ou apenas de normas legais, quando não for exercida a escolha.148

A responsabilidade de administrar o patrimônio conjugal vai muito além

de simplesmente usufruir de bens amealhados durante a sociedade conjugal ou dos

bens trazidos pelos nubentes. Rolf Madaleno leciona sobre isso:

Segundo tradição da codificação civil brasileira pretérita (arts. 233 e 240, do CC de 1916) e da vigente (art. 1.565 do atual CC), com o casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e, assim, responsáveis pelos encargos da família. Responsabilidade solidária que não fica limitada ao matrimônio, mas que se estende à união estável [...] O sustento da família fica a cargo da entidade

145 GOMES, Orlando. Direito de família. 1998, p. 65. 146 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito de família. 2004, v. 6. 147 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2004, p. 617. 148 LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 2009, p. 295.

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conjugal, que deve satisfazer suas requisições econômicas com os rendimentos de seus componentes, na proporção do esforço de cada um [...] Por todos esses motivos e porque não há casamento sem regime de bens que o regulamente, cuidam os códigos de regulamentar uma série de normas encarregadas de aclarar a origem, a titularidade e o destino dos bens conjugais [...]149

Essa organização conjugal econômica, de que trata Rolf Madaleno,

acaba por definir os tipos de regimes de bens, já que está alicerçada em dois

pilares:

[...] o de separação e o de comunidade de bens, neste último existindo duas variantes que incluem ou excluem bens com origem anterior ao casamento. A sociedade conjugal constitui uma unidade jurídica que se faz titular do domínio dos bens que compõem o seu patrimônio, assim compreendida a massa dos bens conjugais ou da união estável, que não se confunde com os bens particulares e individuais dos sócios conjugais ou dos conviventes.150

Logo, todo casamento possui um regime de bens que estipula regras

para o uso e disposição do patrimônio do casal.

2.2.1 Aspectos Gerais

O regime de bens é o regulamento dos interesses patrimoniais dos

cônjuges ou companheiros. “Em nosso sistema anterior eram quatro os regimes

disciplinados: comunhão universal, comunhão parcial, separação e dotal.”151

O regime dotal, que não mais existe no nosso ordenamento,

permaneceu até a entrada em vigor do Código Civil de 2002.

Regime dotal é aquele em que um conjunto de bens, chamado dote, é transferido ao marido, para que este utilize os frutos e rendimentos produzidos por esse patrimônio, para ocorrer aos encargos da vida conjugal. Tal patrimônio é incomunicável, devendo os bens que o compõe, ou seu valor, ser devolvidos ao ensejo da dissolução da sociedade conjugal.152

149 MADALENO, Rolf. Direito de família e o novo código civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado 2006, p. 163-164.

150 MADALENO, Rolf. Repensando o direito de família. 2007, p. 39. 151 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6, p. 130. 152 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito de família. 2004, v. 6, p. 199.

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Hoje, porém, regulados pelo Código Civil de 2002, permanecem: o

regime da comunhão universal de bens, o regime da comunhão parcial de bens, o

regime da separação de bens; e, exclui-se o regime dotal, incluindo-se dentre os

regimes de bens o regime da participação final nos aquestos.153 Os cônjuges, em

regra geral, antes de contraírem matrimônio, podem escolher entre eles.

A liberdade de estruturação do regime de bens, para os nubentes, é total. Não impôs a lei a contenção da escolha apenas a um dos tipos previstos. Podem fundir tipos, com elementos ou partes de cada um; podem modificar ou repelir normas dispositivas de determinado tipo escolhido, restringindo ou ampliando seus efeitos; podem até criar outro regime não previsto na lei, desde que não constitua expropriação disfarçada de bens por um contra outro, ou ameaça a crédito de terceiro, ou fraude à lei, ou contrariedade aos bons costumes.154

O regime da comunhão parcial de bens é também chamado de regime

legal, isso devido ao tratamento que recebe do Código Civil em vigor, como explicou

Orlando Gomes:

Embora os Códigos em geral acolham o princípio da variedade dos regimes matrimoniais e assegurem aos nubentes a faculdade de estipularem, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver, dão preferência a determinado tipo, estatuindo que, se não foi exercida a faculdade de escolha ou se for usada defeituosamente, vigorará o regime que indica. Daí a denominação de regime legal ao que prevalece, quando não há convenção entre os cônjuges ou é nulo o pacto antenupcial. Entre nós, o regime legal é o da comunhão parcial [...]155

O Código Civil anterior, porém, até a Lei do Divórcio, em 1977, trazia

como regime legal o regime da comunhão universal de bens:

A alteração do regime legal da comunhão universal para a comunhão parcial decorre de fortes razões históricas e da evolução dos direitos da mulher. Realmente, dada a posição de soberania sempre desfrutada pelo marido, não raramente desbaratava o mesmo os bens advindos do casamento com mulher mais abastada que ele. Isto de modo acentuado na iminência das separações [...] Tendo em conta o caráter um tanto contratual que vai preponderando nos últimos tempos, é conveniente seja preservado o patrimônio de cada cônjuge, existente antes de casar.156

Portanto, “o regime legal da comunhão parcial atualmente vigente no

sistema resulta da vontade tácita dos nubentes (art. 1.640). A escolha de regime

diverso do legal, porém, deve ser formalizada por escritura pública antecedente ao

153 Código Civil de 2002. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil, Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008.

154 LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 2009, p. 295. 155 GOMES, Orlando. Direito de família. 1998, p. 174-175. 156 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2004, p. 631-632.

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casamento.”157 Os cônjuges, quando escolherem um dos regimes de bens que não

seja o regime legal, precisam fazer uso do pacto antenupcial.

Assim, o pacto antenupcial é o contrato solene, realizado antes do casamento, por meio do qual as partes dispõem sobre o regime de bens que vigorará entre elas, durante o matrimônio [...] se trata de negócio solene porque o Código Civil nega validade a tais ajustes, quando feitos por outra forma que não a escritura pública (art. 1.653).158

Arnaldo Rizzardo dispõe sobre o conteúdo do pacto antenupcial:

Dois os conteúdos que terão os pactos antenupciais: o regime de bens quando diverso do de comunhão parcial, o qual dispensa a adoção por pacto; e as estipulações especiais, não incluídas no regime eleito, ou mesmo a combinação dos outros regimes. Os nubentes estabelecem algumas cláusulas especiais no tocante aos bens, ou fazem doações mútuas, ou acertam que o produto do respectivo trabalho entra nos bens comuns.

Há, em verdade, uma série de disposições relativas ao casamento que não podem ser modificadas por força da vontade dos cônjuges, especialmente aquelas que tratam da organização da família, dos direitos e deveres conjugais e de mútua assistência [...]159

O pacto antenupcial, para ter sua eficácia garantida, precisa ser

seguido pelo casamento, caso contrário será ineficaz. “O casamento é condição

suspensiva do pacto antenupcial; os efeitos do pacto começam realmente, com a

sua celebração e não se produzem se os nubentes não se casam.”160

Ainda a lei condiciona a eficácia do pacto antenupcial realizado por menor de idade entre 16 e 18 anos à aprovação de seu representante legal [...] Porém, nos casos em que se impuser o regime de separação obrigatória [...] impede-se a convenção, sendo irrelevante a concordância dos genitores (CC, art. 1.654).161

Encontra-se, também, no Código Civil em vigor uma imposição da lei

aos nubentes para que se casem sob o regime da separação de bens quando da

ocorrência de determinadas circunstâncias. Trata-se do regime obrigatório.162

Do regime legal deve distinguir-se o regime obrigatório, imposto no casamento de certas pessoas [...] Entre nós, o regime obrigatório é o da separação de bens. Este regime é normalmente facultativo, pelo que depende de convenção antenupcial válida, mas se torna necessário em casos excepcionais, quanto aos nubentes se retira a liberdade de escolha. É nula de pleno direito, neste caso, a convenção em contrário, prevalecendo a determinação legal, por ser imperativa. Nada impede, porém, que o casal adquira em comum quaisquer bens.163

157 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6, p. 311. 158 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito de família. 2004, v. 6, p. 137. 159 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2004, p. 627. 160 GOMES, Orlando. Direito de família. 1998, p. 178. 161 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito de família. 2004, v. 6, p. 137-138. 162 LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 2009. 163 GOMES, Orlando. Direito de família. 1998, p. 175.

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O artigo 1.641 do Código Civil de 2002 trás a imposição do regime

obrigatório e elenca as circunstâncias em que ele ocorre:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II - da pessoa maior de sessenta anos;

III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.164

O regime obrigatório é uma exceção a autonomia de escolha dos

cônjuges. Nas situações elencadas no artigo 1.641 os nubentes não podem escolher

o regime de bens que melhor lhes aprouver, eles precisam, necessariamente, casar-

se sob o regime da separação obrigatória de bens.165

A grande novidade trazida pelo Código Civil de 2002, comparado a

legislação anterior, é a possibilidade de mudança do regime de bens depois do

casamento. Antes da lei nova, um dos princípios a que se subordinava a

organização do regime matrimonial, segundo Orlando Gomes, era a “imutabilidade

do regime adotado”, apesar do autor não concordar com tal situação.166

Paulo Lôbo leciona sobre a mudança do regime de bens após o

casamento:

O Código Civil de 2002 ampliou o espaço de escolha para os cônjuges, permitida antes do casamento e após este. A tradição do direito brasileiro foi a da irrevogabilidade e inalterabilidade do regime escolhido. A autonomia da vontade estava adstrita à estruturação do regime, sem poder modificá-lo posteriormente. A opção do legislador foi correta, a nosso ver, ainda que respeitáveis vozes alertem para os riscos, tanto em face do cônjuge desinformado quanto em relação a terceiros [...] Por outro lado, a lei está mais contemporânea com a realidade social atual, da emancipação feminina e sua inserção [...] no mercado de trabalho, além do fato de a mulher, a principal destinatária da rígida tutela legal anterior [a lei visava proteger a mulher, crendo que ela não era capacitada para as finanças], não se encontrar mais submetida ao chefe da família, cujo último resquício desapareceu com o princípio da igualdade jurídica integral entre os cônjuges, assegurado pelo art. 226 da Constituição.167

Portanto, “agora os nubentes podem mudar de regime ou modificar

algumas de suas cláusulas contratadas, desde que as suas alterações não

prejudiquem os direitos de terceiros, como estabelece o § 2º do art. 1.639 do Código

164 Artigo 1.641 do Código Civil de 2002. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil, Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008.

165 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6. 166 GOMES, Orlando. Direito de família. 1998. 167 LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 2009, p. 297.

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Civil.”168 A mudança também está condicionada a autorização judicial acatando a

pedido conjunto dos cônjuges, e, este pedido deve ser motivado em razões de muita

importância para a entidade conjugal.169

Considerando as mudanças ocorridas, a “organização do regime

matrimonial de bens obedece, na atualidade, a três princípios fundamentais: 1º)

variedade dos regimes; 2º) liberdade dos pactos antenupciais; 3º) imutabilidade do

regime adotado, exceto na hipótese de autorização judicial, a pedido dos

cônjuges.”170

A possibilidade de posterior alteração do regime de bens, no entanto,

não abrange os cônjuges que se casaram sob a imposição legal do artigo 1.641.

Estes devem permanecer casados sob o regime da separação de bens.171

Observa-se, também, considerando que a união estável foi

reconhecida pela Constituição da República Federativa do Brasil como entidade

familiar, o artigo 1.725 do Código Civil de 2002: “Na união estável, salvo contrato

escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o

regime da comunhão parcial de bens.”172

O Código Civil de 2002 não unificou os regimes patrimoniais dos cônjuges e dos companheiros da união estável, mas os aproximou, à medida que estabeleceu, para os segundos, a incidência do regime legal, ou seja, da comunhão parcial, de acordo com o modelo do casamento (art. 1.725). Os companheiros podem regular como quiserem, mediante contrato, suas relações patrimoniais; se não o fizerem, aplicar-se-á “no que couber, o regime de comunhão parcial de bens”, encerrando, definitivamente, a controvérsia jurisprudencial acerca da necessidade ou não de participação dos dois na aquisição desses bens [...] Os companheiros têm mais liberdade que os cônjuges para definir o regime de bens, pois não necessitam observar qualquer tipo legal.173

Sílvio de Salvo Venosa, ainda sobre o regime de bens na união

estável, leciona que os companheiros podem elaborar vários pactos antenupciais e

isto torna a situação instável para o casal e para terceiros.174

168 MADALENO, Rolf. Repensando o direito de família. 2007, p. 67. 169 LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 2009. 170 MILHOMENS, Jônatas; ALVES, Geraldo Magela. Manual prático de direito de família. 2007, p.

59. 171 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2004. 172 Artigo 1.725 do Código Civil de 2002. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil,

Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008. 173 LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 2009, p. 299-300. 174 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6.

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2.2.2 Regime de Comunhão Parcial

O regime de comunhão parcial era chamado por alguns autores mais

antigos de regime de separação parcial, o Código Civil de 1916 chamava-o de

regime de comunhão limitada. Hoje ele é, também, chamado de regime de

comunhão dos aquestos.175 Este é o regime adotado pela maioria dos casais após o

ano de 1977, já que são raros os pactos antenupciais.176

Regime de comunhão parcial é aquele em que basicamente se excluem da comunhão os bens que os cônjuges possuem ao casar ou que venham a adquirir por causa anterior e alheia ao casamento, como as doações e sucessões; e em que entram na comunhão os bens adquiridos posteriormente, em regra, a título oneroso. Trata-se de um regime de separação quanto ao passado e de comunhão quanto ao futuro. Aliás, o art. 1.661 do novo Código Civil acentua esse aspecto do regime.177

Rolf Madaleno esclarece dizendo que, “nesse regime, formam-se três

massas de bens: os do marido, os da mulher e os comuns. Com as núpcias,

comunica-se a massa dos bens comuns”178.

O artigo 1.659 do Código Civil de 2002 vem aclarar dizendo quais os

bens que são excluídos da comunhão:

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III - as obrigações anteriores ao casamento;

IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;

V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.179

175 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2004. 176 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6. 177 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito de família. 2004, v. 6, p. 178. 178 MADALENO, Rolf. Direito de família e o novo código civil. 2006, p. 180. 179 Artigo 1.641 do Código Civil de 2002. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil,

Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008.

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O Código Civil de 2002 ainda afirma, no artigo 1.661, que “são

incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao

casamento”180.

Silvio Rodrigues ressaltou que “mesmo excluídos da comunhão, a

legislação autoriza a compra e venda destes bens entre os cônjuges (art. 499),

inexistindo restrição específica, também, para a doação”181.

Estes bens que não se comunicam são os bens particulares de cada

cônjuge. Ressalta-se, ainda, que as dívidas, ou obrigações, diferentemente do que

ocorre no regime da comunhão universal, não se comunicam, mesmo que sejam

para proveito do casal.182

Informando os bens que entram na comunhão, o artigo 1.660 do

Código Civil de 2002 diz:

Art. 1.660. Entram na comunhão:

I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;

III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;

IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.183

O artigo 1.662 do mesmo dispositivo legal trás, ainda, uma regra

importante sobre a comunhão dos bens:

O Código Civil estabelece presunção legal, salvo prova em contrário, de que os bens móveis foram adquiridos na constância do casamento [...] [Os bens móveis] podem significar a parte essencial e fundamental do patrimônio dos cônjuges, particular ou comum [, no entanto] houve uma preocupação mais detida sobre a comunicabilidade ou não dos bens imóveis, justificada pela facilidade de identificação da data de aquisição, em virtude da exigência de escritura pública e de registro público.184

180 Artigo 1.661 do Código Civil de 2002. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil, Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008.

181 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito de família. 2004, v. 6, p. 179. 182 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6. 183 Artigo 1.660 do Código Civil de 2002. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil,

Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008. 184 LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 2009, p. 323.

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A administração dos bens comuns cabe a qualquer dos cônjuges e a

administração dos bens particulares cabe aos seus respectivos proprietários, salvo

convenção diversa em pacto antenupcial.185

Sílvio de Salvo Venosa esclarece que sobrevindo a dissolução do

casamento, regulamentado pelo regime de comunhão parcial, “cada cônjuge retirará

seus bens particulares, e serão divididos os bens comuns”186.

2.2.3 Regime de Comunhão Universal

O regime da comunhão universal, que também é chamado de regime

da comunhão total187, consiste na comunicação de todos os bens, inclusive das

dívidas, anteriores e posteriores ao casamento.188 Assim, “os patrimônios dos

cônjuges se fundem em um só, passando, marido e mulher, a figurar como

condôminos daquele patrimônio”189.

[...] Não importa a natureza, sejam móveis ou imóveis, direitos ou ações, apreciáveis ou não economicamente [...] Os bens que o cônjuge leva para o matrimônio se fundem com os trazidos pelo outro cônjuge, formando uma única massa [...] Há, praticamente, uma despersonalização do patrimônio individual, surgindo um patrimônio indivisível e comum, sem definir, especificar, ou localizar a propriedade nos bens [...] Da mesma forma, integram-na os bens adquiridos pelos cônjuges durante a vida em comum. A totalidade assim constituída é de ambos [...] mesmo que nada tenha trazido ou adquirido um dos cônjuges.190

Apesar de o regime ser de comunhão total dos bens, existe algumas

exceções, bens que não se comunicam. O artigo 1.668 do Código Civil de 2002 trás

essas hipóteses:

Art. 1.668. São excluídos da comunhão:

I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;

185 Código Civil de 2002. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil, Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008.

186 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6, p. 314. 187 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito de família. 2004, v. 6. 188 MADALENO, Rolf. Direito de família e o novo código civil. 2006. 189 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito de família. 2004, v. 6, p. 185. 190 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2004, p. 643.

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II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;

III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum;

IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;

V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.191

Cabe ressaltar: as dividas contraídas, por qualquer dos cônjuges,

proveniente de atos ilícitos, não comprometem o patrimônio comum; o bem imóvel,

para ser alienado, precisará da autorização do outro cônjuge, a menos que se tenha

o suprimento judicial no caso de haver recusa injustificável; se comunicam os frutos,

que advierem durante o casamento, relativos aos bens particulares com cláusula de

incomunicabilidade.192

A administração dos bens, conforme artigo 1.670 do Código Civil de

2002, segue as mesmas regras aplicadas ao regime de comunhão parcial de

bens.193

A dissolução da sociedade conjugal regrada pelo regime de comunhão

universal faz com que o patrimônio, que antes era comum, seja dividido em duas

meações, e, cada cônjuge recebe o que é correspondente à sua meação, além dos

bens particulares que eram seus.194

2.2.4 Regime de Participação Final nos Aquestos

O regime de participação final nos aquestos é a grande novidade do

Código Civil de 2002 no que se refere aos regimes de bens. “Trata-se de um regime

híbrido no qual se aplicam regras da separação de bens quando da convivência e da

191 Artigo 1.668 do Código Civil de 2002. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil, Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008.

192 LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 2009. 193 Artigo 1.670 do Código Civil de 2002. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil,

Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008. 194 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2004.

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comunhão de aqüestos, quando do desfazimento da sociedade conjugal. A noção

geral está estampada no art. 1.672.”195

De modo geral, os bens adquiridos antes ou após o casamento constituem patrimônios particulares dos cônjuges, da mesma forma que as dívidas que cada um contrai, mas, na dissolução da sociedade conjugal, os bens são considerados segundo o modelo da comunhão parcial.196

Dessa forma, nasce “com a dissolução conjugal uma massa

comunicável dos bens aqüestos, como acontece na comunhão parcial”197.

O regime produz seus efeitos no momento da dissolução da sociedade conjugal. A parte dos patrimônios próprios de cada cônjuge, relativa ao que adquiriram após o casamento, de modo oneroso, soma-se à do outro para formar o patrimônio comum para apuração das respectivas meações [...] Mas a apuração do montante dos aquestos não leva em conta apenas o que se encontra nesse momento, pois retroage para levantar todos os bens que foram adquiridos desde o casamento ou seus respectivos valores, se foram alienados e não houve sub-rogação de outros em seu lugar [...] Os bens são considerados em seus valores, na data da dissolução da sociedade conjugal [...] Se a alienação não foi seguida da aquisição de novo bem, considera-se o valor do dia da alienação, devendo ser atualizado monetariamente até à data da dissolução.198

O artigo 1.674 do Código Civil de 2002 diz quais os bens serão

excluídos da comunhão quando da dissolução da sociedade conjugal.

Art. 1.674. Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-se-á o montante dos aqüestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios:

I - os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram;

II - os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade;

III - as dívidas relativas a esses bens.

Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos durante o casamento os bens móveis.199

Neste regime, embora cada um dos cônjuges possa administrar

livremente os seus bens, os bens imóveis só podem ser vendidos com a autorização

do outro cônjuge, a menos que tenham convencionado, dispensando a anuência, no

pacto antenupcial.200

No caso dos bens adquiridos pelo trabalho conjunto, terá cada um dos cônjuges, em função do art. 1.679, uma quota igual no condomínio, ou no crédito por aquele modo estabelecido. O problema é o ônus da prova da

195 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6, p. 323. 196 LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 2009, p. 334. 197 MADALENO, Rolf. Direito de família e o novo código civil. 2006, p. 184. 198 LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 2009, p. 337. 199 Artigo 1.674 do Código Civil de 2002. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil,

Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008. 200 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito de família. 2004, v. 6.

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proveniência do trabalho conjunto, que fica ao encargo de quem alega a titularidade [...]201

No regime da participação final dos aquestos “o direito à meação não é

renunciável, cessível ou penhorável na vigência do regime matrimonial”202, conforme

artigo 1.682 do Código Civil de 2002.

Outra norma importante neste regime está posta no artigo 1.686 do

Código Civil de 2002 que diz: “As dívidas de um dos cônjuges, quando superiores à

sua meação, não obrigam ao outro, ou a seus herdeiros.”203

2.2.5 Regime de Separação de Bens

O regime de separação de bens, também chamado de regime da

separação absoluta de bens204, caracteriza-se pela completa separação entre os

laços afetivos do casamento e a esfera patrimonial dos cônjuges.205 Nele, os bens

adquiridos antes e depois do casamento não se comunicam, nada se torna “comum,

inclusive aquilo que advém do esforço conjunto”206.

[Neste regime] os bens de cada cônjuge, independentemente de sua origem ou da data de sua aquisição, compõem patrimônios particulares e separados, com respectivos ativos e passivos. Não há convivência com patrimônio comum nem participação nos aquestos. Caracteriza-se, justamente, pela ausência de massa comum. O Código Civil de 2002 ampliou o alcance do regime, ao estabelecer que o cônjuge poderá alienar qualquer de seus bens particulares, [inclusive os bens imóveis,] sem autorização do outro.207

O Código Civil de 2002 estabeleceu, realmente, um regime de

separação total dos patrimônios, “pois no Código de 1916, mesmo no regime de

201 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2004, p. 655. 202 Artigo 1.682 do Código Civil de 2002. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil,

Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008. 203 Artigo 1.686 do Código Civil de 2002. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil,

Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008. 204 LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 2009. 205 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito de família. 2004, v. 6. 206 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2004, p. 656. 207 LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 2009, p. 330-331.

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separação absoluta, havia necessidade de outorga conjugal para a alienação de

imóveis”208.

O artigo 1.687 do Código Civil de 2002 afirma que cada cônjuge é

responsável pela administração dos seus bens, considerando que neste regime não

existem bens comuns.209 E, Silvio Rodrigues também afirmou que “não se

comunicam as dívidas por cada qual contraídas (exceto as que o forem para compra

das coisas necessárias à economia doméstica – CC, arts. 1.643 e 1.644)”210.

Estabelece o Código, no art. 1.688, uma regra específica sobre a proporção na participação para as despesas do casal: “Ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial”. Há, assim, uma distribuição em assumir os encargos de acordo com a capacidade econômica [...]211

Sílvio de Salvo Venosa, após descrever o regime de separação de

bens, faz uma crítica: “Esse regime isola totalmente o patrimônio dos cônjuges e não

se coaduna perfeitamente com as finalidades da união pelo casamento. De qualquer

modo, afora o regime dotal, letra morta em nosso ordenamento no passado, não é

muito utilizado entre nós.”212

Neste capítulo buscou-se conceituar o casamento em suas diversas

nuances, o posicionando no ordenamento jurídico brasileiro. Após foram analisados

aspectos concernentes a sua evolução histórica, falando de suas transformações

relacionadas às mudanças da sociedade, principalmente da sociedade romana, que

é a grande influência do direito civil brasileiro, abrangendo a forte ligação do

casamento com a religião até os dias de hoje. Objetivou-se, também, expor a

finalidade do casamento. Depois se procurou abranger os efeitos patrimoniais do

casamento falando dos aspectos gerais dos regimes de bens. Apontou-se, então, os

regimes de bens que existiram no ordenamento jurídico brasileiro e os que

predominam atualmente regulados pelo Código Civil de 2002. Por fim, a pesquisa

explorou mais detalhadamente os regimes de comunhão parcial, de comunhão

208 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6, p. 328. 209 Código Civil de 2002. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil, Constituição Federal

(1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008. 210 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito de família. 2004, v. 6, p. 191. 211 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2004, p. 658. 212 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2007, v. 6, p. 329.

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universal, de participação final nos aquestos e de separação de bens, que são os

regimes, hoje, existentes.

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3 O DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE

O capítulo a seguir abordará aspectos atinentes ao direito sucessório

do cônjuge sobrevivente, mais especificamente nos casos em que houver

concorrência com os descendentes. Inicialmente procura-se esclarecer os pontos

importantes que norteiam o direito sucessório do cônjuge na legislação brasileira e

em seguida busca-se discorrer sobre as condições impostas para o cônjuge herdar

pelo artigo 1.830 do Código Civil de 2002. Após a analise destes aspectos tratar-se-

á do direito sucessório do cônjuge sobrevivente em concorrência com os

descendentes, condicionado a cada um dos regimes de bens adotados no

casamento e a existência ou não de bens particulares no espólio do cônjuge

falecido, tudo isso preceituado no artigo 1.829, inciso I, do Código Civil de 2002. E,

por fim, discutir-se-á o direito sucessório do cônjuge sobrevivente quando concorrer

com descendentes comuns dele e do de cujus, ou com descendentes somente do

de cujus, ou se ocorrerem simultaneamente ambas as situações, no que diz respeito

a distribuição da herança e a garantia da quarta parte em favor do cônjuge

sobrevivente, conforme artigo 1.832 do Código Civil de 2002.

3.1 ASPECTOS GERAIS DO DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE

A posição do cônjuge na ordem de vocação hereditária, seguindo a

tendência do direito contemporâneo, foi aperfeiçoada pelo Código Civil Brasileiro de

2002, embora sob condições.213 O cônjuge, além de permanecer na legislação

brasileira como herdeiro legítimo, passou a ser classificado como herdeiro

necessário, juntamente com os descendentes e os ascendentes.

[...] herdeiro necessário vem a ser o descendente, ascendente ou cônjuge sucessível (art.1.845). Sua compreensão difere bastante da de herdeiro legítimo, indicada no art. 1.829 do Código Civil. Todo herdeiro necessário é

213 WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. 2007.

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legítimo, mas nem todo herdeiro legítimo é necessário, também designado como legitimário, reservatário, obrigatório ou forçado.214

O herdeiro necessário não pode ser excluído da herança pelo de cujus,

se, por exemplo, quisesse este dispor de forma diversa em testamento. Aos

herdeiros necessários está garantida a legítima que é a parte indisponível da

herança, ou seja, 50% do patrimônio deixado pelo de cujus tem que ser destinado,

obrigatoriamente, aos herdeiros necessários e o autor da herança só poderá dispor

em testamento dos outros 50% disponíveis.215

Carlos Roberto Gonçalves diz que:

A meação do falecido, havendo herdeiros necessários, é dividida em legítima e metade disponível. A primeira, nesse caso, corresponde a um quarto do patrimônio do casal, ou à metade da meação do testador. Dela o herdeiro necessário não pode ser privado, pois é herdeiro forçado, imposto pela lei. A legítima, ou reserva, vem a ser, pois, a porção de bens que a lei assegura a ele. Por outro lado, porção, ou quota disponível, constitui a parte dos bens de que o testador pode dispor livremente, ainda que tenha herdeiros necessários.216

Existem autores, contudo, que não concordam com a classificação de

herdeiro necessário dada ao cônjuge pelo Código Civil de 2002. É o caso de

Euclides Benedito de Oliveira e Maria Berenice Dias que defendem a declaração de

inconstitucionalidade dos artigos 1.829 e 1.845 (que situa o cônjuge como herdeiro

necessário), ambos do Código Civil de 2002.217

Apesar da citação de Carlos Roberto Gonçalves mencionar a meação,

não há que se confundir meação com herança, pois a meação é a divisão do

patrimônio aquesto do casal em 50% para cada um quando termina a relação

conjugal, tanto quando um dos cônjuges morre, quanto da ocorrência da separação

judicial ou divórcio. A meação é dada ao cônjuge não como forma de herança do de

cujus, e sim, porque esta parte do patrimônio já lhe pertencia. Já a herança nada

mais é do que a parte correspondente a meação do cônjuge falecido, e é esta parte

214 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 35. ed. rev. e atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 6, p. 107-108.

215 Conforme artigos 1.845 e 1.846 do Código Civil de 2002. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil, Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008.

216 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Direito das sucessões. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 7, p. 185-186.

217 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de herança: A nova ordem da sucessão. São Paulo: Saraiva, 2005.

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que será dividida entre os herdeiros necessários, inclusive o cônjuge

sobrevivente.218

[...] o cônjuge, em qualquer hipótese, mesmo concorrendo com descendentes ou ascendentes, receberia metade do patrimônio familiar a título de meação, como se sempre lhe tivesse pertencido, constituindo a corporificação e a concretização daquela fração ideal a que tinha direito na comunhão existente durante a vigência da sociedade conjugal. Daí dizer-se que o cônjuge supérstite é meeiro e não necessariamente herdeiro.219

A despeito de o cônjuge ser meeiro, o legislador, à medida que se

afasta o regime comunitário pleno, se viu compelido a “fortalecer a posição

sucessória do cônjuge, a fim de evitar um verdadeiro enriquecimento sem causa por

parte de terceiros.”220 Trata-se de dar mais valor à família no seu núcleo mais

importante.

Ao referir-se as mudanças ocorridas no direito das sucessões quando

do início da vigência do atual Código Civil, Sílvio de Salvo Venosa assim se

expressa:

De qualquer modo, era mesmo tempo de se colocar o cônjuge como herdeiro necessário. O presente Código assim o faz, embora em redação canhestra, concorrendo o cônjuge com descendentes e ascendentes, em porcentagens diversas, dependendo do grau e do número de herdeiros, o que, talvez, ainda não seja a fórmula ideal.221

O Código Civil de 2002, apesar de melhorar a condição do cônjuge

sobrevivente no direito sucessório, apresenta diversas falhas e lacunas e, por isso, é

alvo de muitas críticas por parte de doutrinadores como Maria Helena Diniz, Sílvio

de Salvo Venosa, Caio Mário da Silva Pereira, Francisco José Cahali e outros.

3.2 AS CONDIÇÕES IMPOSTAS PELO ARTIGO 1.830 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

Arnoldo Wald, ao esclarecer a condição do cônjuge como meeiro, diz

que ele não é necessariamente herdeiro.222 O autor se expressa dessa forma, tendo

218 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2005, v. 6. 219 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2002, p. 66. 220 WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. 2007, p. 79. 221 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2007, v. 7, p. 119. 222 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2002.

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em vista que, o cônjuge sobrevivente, para ser herdeiro, precisa se enquadrar nas

condições impostas pelo artigo 1.830 do Código Civil de 2002:

Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.223

Portanto, nem sempre o cônjuge será herdeiro, pois a lei precisa lhe

dar legitimidade para tanto. E, o artigo 1.830 do Código Civil de 2002 narra de

maneira fática que o cônjuge sobrevivente não é herdeiro se o casal, ao tempo da

morte do outro, estiver separado judicialmente. Tal fato é objetivo e demonstrado

com prova documental. No entanto, também não haverá direito sucessório se o

casal estava separado de fato há mais de dois anos. E neste ponto abre-se margem

para discussões:224

Com isso se pretendeu dar solução a antigo questionamento do direito sucessório do cônjuge que, embora ainda conservasse o vínculo do casamento, estivesse de há muito separado de fato e, não raro, já convivendo com terceira pessoa [...] em tais situações, mantinha-se o cônjuge sobrevivente com direito à sucessão [...] A solução trazida pelo novo Código resolve em parte o problema [, pois também] não faz sentido a exigência legal de dois longos anos de factual separação (art. 1.830 do Código Civil), para só depois desse lapso de tempo afastar-se da sucessão o cônjuge sobrevivente [...] [Portanto,] uma vez suprimida a vida em comum, este seja o marco da incomunicabilidade dos bens e da exclusão da vocação hereditária do cônjuge que ficou viúvo tão-somente no plano formal.225

A opção do legislador em manter o direito sucessório do cônjuge,

quando já separado de fato do falecido, tem a possibilidade de gerar sérios conflitos,

como aponta Maria Helena Diniz:

[...] não está descartada a hipótese de um separado de fato vir a constituir, antes do lapso temporal de dois anos, uma união estável e com seu óbito dar origem a um conflito sucessório, possibilitando, se amealhou bem durante o estado convivencial, a concorrência entre cônjuge e convivente com descendentes do de cujus.226

Na prática, o artigo 1.830, da maneira como se encontra escrito no

Código Civil de 2002, dá margem à inúmeros questionamentos. Inácio de Carvalho

Neto e Érica Harumi Fugie levantam a possibilidade de ocorrerem situações fáticas

não previstas pelo legislador:

223 BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil, Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008.

224 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2005, v. 7. 225 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de herança: A nova ordem da sucessão. 2005. p. 127-

129. 226 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2005, v. 6, p. 119.

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[...] pode se dar perfeitamente de o de cujus ter cônjuge separado de fato e não culpado há menos de dois anos e ter companheiro. Haveria concorrência entre o cônjuge e o companheiro na sucessão? Em que proporção se daria tal concorrência? Imagine-se a confusão se houver também descendentes do de cujus, comuns e não comuns ao cônjuge e ao companheiro? Como calcular tal sucessão?227

Francisco José Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka se

posicionam dizendo que “haver-se-ia de retirar do cônjuge o direito sucessório em

razão da separação de fato”.228

A lei presume, portanto, que, rompido o casamento pela separação de

fato a mais de dois anos, o cônjuge sobrevivente não tem mais direito a herança do

cônjuge falecido, porém essa presunção é relativa, tendo em vista que o cônjuge

sobrevivente pode herdar se provar que a culpa da separação foi exclusiva do de

cujus.229

No tocante a isto, se manifesta Sílvio de Salvo Venosa:

[...] pode o cônjuge sobrevivente provar que a separação ocorreu porque a convivência se tornara impossível sem sua culpa. Neste ponto, poderão se abrir discussões muito mais profundas que o legislador poderia ter evitado. Aliás, esse dispositivo, em sua totalidade, será um pomo de discórdias, e terá muita importância o trabalho jurisprudencial. 230

A questão da culpa trazida pelo legislador gera dúvidas, como leciona

Maria Helena Diniz:

[A] prova [da culpa] será difícil de se obter, ante o fato de que um dos cônjuges já faleceu. Como perquirir a causa daquela separação, provando inocência do viúvo, se o autor da herança não mais está presente para defender-se das acusações que lhe serão feitas? Será preciso demonstrar que a ruptura fática da convivência conjugal não foi provocada, culposamente, pelo viúvo [...]231

Euclides Benedito de Oliveira aponta mais questionamentos e dúvidas

sobre a inquirição da culpa na separação de fato:

A quem caberia provar que a separação de fato se deu por culpa do cônjuge sobrevivente? Não a este, certamente, pois basta que se habilite como viúvo, comprovando o casamento com o autor da herança. Aos terceiros interessados, então, que seriam os herdeiros em concorrência (descendentes ou ascendentes), ou os colaterais, como também eventual ex-companheiro do falecido, é que pesará o encargo de provar que a

227 CARVALHO NETO, Inacio de; FUGIE, Érica Harumi. Novo código civil: Direito das sucessões. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, v. 7, p. 76.

228 CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6, p. 221.

229 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil: Parte especial: Do direito das sucessões. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 20.

230 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2005, v. 7, p. 147. 231 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2005, v. 6, p. 119.

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ruptura da vida conjugal se deu por culpa do cônjuge, mediante a exibição de documentos hábeis ou por meio de ação própria.

Teria sido melhor que o legislador afastasse o direito à sucessão tão-só pela comprovada separação de fato, sem perquirição de sua causa [...]232

Arnoldo Wald lamenta o questionamento da culpa inserido no artigo

1.830 do Código Civil de 2002, considerando que o critério da culpa esteve presente

no sistema jurídico anterior, até a Lei do Divórcio, e foi “ressuscitado” para fins de

direito sucessório pelo Código Civil vigente, sem nenhuma justificativa plausível. Por

fim, o autor se manifesta no sentido de se excluir a questão da culpa no que diz

respeito ao direito sucessório do cônjuge.233

Ainda sobre a questão da culpa, Francisco José Cahali e Giselda Maria

Fernandes Novaes Hironaka fazem severas críticas:

No caminhar da busca pela separação judicial com base no princípio da ruptura, como existente na legislação estrangeira, vislumbrando a sociedade libertar-se da culpa no rompimento afetivo, já facilitado o fundamento para a ação de separação (CC, art. 1.573, parágrafo único), e permitido o divórcio direto sem questionamento do motivo da ruptura, mostra-se retrógrada a previsão.

A verificação desta circunstância ensejará revolver fatos do passado [...] apenas para a busca de benefício patrimonial [...] E tumultuaria a previsão, pois traz ao direito sucessório matéria totalmente estranha a este instituto, consistente na causa da separação do casal [...] [Aliás,] por ampliar a controvérsia para além dos limites do inventário, necessário será a utilização de ação própria, discutindo-se a culpa do falecido entre seu cônjuge e seus herdeiros.234

A averiguação de existência da culpa “oportunizará longas discussões

incidentais, com a paralisação do próprio inventário”235. Essa questão terá de ser

resolvida, como citado por Francisco José Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes

Hironaka, por meio de ação própria.

Caio Mário da Silva Pereira, ao tratar dos incidentes gerados pela

possibilidade do cônjuge herdar mesmo quando separado de fato do de cujus, diz

que “os autores nem sempre enfrentam a questão, mesmo quando a identificam”236.

E propõe:

232 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de herança: A nova ordem da sucessão. 2005. p. 130-131.

233 WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. 2007. 234 CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de

direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6, p. 221-222. 235 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2006, p. 189. 236 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: Direito das sucessões. 17. ed. rev. e

atual. por Carlos Roberto Barbosa Moreira. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, v. 6, p. 145.

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[...] que o problema deva ser resolvido mediante a aplicação, em cada período de aquisição patrimonial, das regras sucessórias que lhe são próprias, como se se tratasse de duas sucessões distintas: assim, considerar-se-ão, em primeiro lugar, os bens adquiridos até a separação de fato e, quanto a eles, se fará a partilha segundo o art. 1.829, assegurada aí a participação do cônjuge (em concorrência ou não com parentes do falecido); em seguida, proceder-se-á à partilha dos bens posteriormente adquiridos, de acordo com o art. 1.790, recebendo o companheiro o quinhão que, nas circunstâncias, lhe couber.237

Portanto, as condições previstas pelo artigo 1.830 do Código Civil de

2002 não são possíveis de serem aplicadas sem que haja contradições e/ou

interferência na vida íntima dos cônjuges [falecido e sobrevivente].

Por esse motivo foi encaminhado ao Congresso Nacional uma

sugestão aprovada no IV Congresso do Instituto Brasileiro de Direito de Família

(IBDFAM), para alteração do artigo 1.830 do Código Civil de 2002. Propõe-se alterar

o referido artigo fazendo com que desapareçam os direitos sucessórios dos

cônjuges, se o casal já estiver separado de fato, independente do tempo, ou seja,

sem fazer referência a prazos mínimos, bem como, ainda, deixar de se questionar

de quem foi a culpa da separação.238

3.3 O DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE EM

CONCORRÊNCIA COM OS DESCENDENTES

A sucessão legítima segue uma ordem de vocação, de acordo com o

artigo 1.829 do Código Civil de 2002. O cônjuge sobrevivente se encontra em

terceiro lugar e recolhe integralmente o acervo hereditário quando não houver

descendentes e nem ascendentes do de cujus. Entretanto, segundo Sílvio de Salvo

Venosa, o atual Código Civil atribuiu posição mais favorável ao cônjuge, pois, “além

de ser herdeiro necessário, poderá ser ele herdeiro concorrente, em propriedade,

237 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: Direito das sucessões. 2009, v. 6, p. 146.

238 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2007, v. 7.

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dependendo do regime de bens, com os descendentes e com os ascendentes, na

forma do art. 1.829, I e II”239.

Sobre isso se manifesta Arnaldo Rizzardo:

Muitas eram as críticas ao tempo do Código antigo, por constar o cônjuge supérstite em terceiro lugar, na ordem da sucessão. Na verdade, parecia e ainda mostra-se coerente pensar que, embora a atenuação do atual Código que inclui o cônjuge entre os herdeiros necessários, ao lado dos descendentes e dos ascendentes, seria mais consentâneo com a realidade colocar o cônjuge depois dos descendentes, em vista dos laços matrimoniais que envolvem duas existências entrelaçadas pelo afeto, pela união, pelos esforços comuns, pelas lutas na aquisição do patrimônio, com toda sorte de esforços e sacrifícios.240

Não obstante o Código Civil de 2002 atribuir ao cônjuge posição mais

favorável, fazendo-o concorrer com os descendentes na primeira classe de

herdeiros, a insatisfação de parte da doutrina é manifestada por Francisco José

Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:

Assim o fez mal, porém, o novo Código: falho na técnica, confuso na apresentação, tumultuado na variada casuística de identificação da convocação, de acordo com elementos jurídicos (regime de bens) ou situações fáticas (existência de bens particulares, separação de fato por culpa do falecido, existência de filhos comuns, etc.) e até injusto por, conforme a circunstância, deixar a união estável mais atraente do que o casamento, para efeito sucessório em favor do viúvo.241

Euclides Benedito de Oliveira também faz crítica ao artigo 1.829, em

especial ao inciso I: “Trata-se de disposição manifestamente confusa nos seus

termos e sem uma precisa linha de fundamento, além de omissiva.”242

Encontra-se, também, por parte de Sílvio de Salvo Venosa, uma severa

crítica aos dispositivos do Código Civil de 2002 que tratam do direito sucessório do

cônjuge sobrevivente, em especial, na concorrência com os descendentes.

Em matéria de direito hereditário do cônjuge e também do companheiro, o Código Civil brasileiro de 2002 representa verdadeira tragédia, um desprestígio e um desrespeito para nosso meio jurídico e para a sociedade, tamanhas são as impropriedades que desembocam em perplexidades interpretativas. Melhor seria que fosse, nesse aspecto, totalmente reescrito e que se apagasse o que foi feito, como uma mancha na cultura jurídica nacional. É incrível que pessoas presumidamente cultas como os legisladores pudessem praticar tamanhas falhas estruturais no texto legal. Mas o mal está feito e a lei está vigente. Que se apliquem de forma mais justa possível nossos tribunais!243

239 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2007, v. 7. 240 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2006, p. 187. 241 CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de

direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6, p. 212. 242 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de herança: A nova ordem da sucessão. 2005. p. 85. 243 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2007, v. 7, p. 120.

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Constata-se que os dispositivos legais do Código Civil de 2002,

referentes ao direito sucessório do cônjuge sobrevivente em concorrência com os

descendentes, encontram-se de forma mal redigida e com obscuridades que geram

divergências doutrinárias.

3.3.1 A concorrência entre o cônjuge e os descendentes do autor da herança,

condicionado a cada um dos regimes de bens

O artigo 1.829, inciso I, do Código Civil de 2002 serve de

embasamento ao direito sucessório do cônjuge sobrevivente em concorrência com

os descendentes. Verifica-se por meio da sua transcrição que:244

[A herança entrega-se] aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (Art. 1.640, parágrafo único245); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;246

Na primeira classe de preferência, o cônjuge será chamado à ordem

sucessória, em concorrência com os descendentes, dependendo do regime de bens

adotado no casamento e, se o casamento for pela comunhão parcial, depende da

existência, ou não, de bens particulares247 deixados pelo de cujus.248

Percebe-se, por meio do artigo 1.641 do Código Civil de 2002 que

regula o regime de separação obrigatória de bens, que o propósito deste regime é

proteger o cônjuge que se casou ainda menor com outorga judicial, ou com alguma

causa suspensiva, ou por ter mais de 60 anos, preservando o seu patrimônio. No

que diz respeito ao direito sucessório a situação se mantém. O cônjuge sobrevivente

244 Artigo 1.829 do Código Civil de 2002. BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil, Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008.

245 Observa-se que o legislador cometeu um erro na referência que fez ao artigo 1.640, parágrafo único querendo correlacioná-lo com o regime da separação obrigatória de bens, tendo em vista que o dispositivo legal que tutela este regime é o artigo 1.641 do Código Civil de 2002.

246 BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil, Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008.

247 Bens particulares: são os bens excluídos, por dispositivo legal, da comunhão entre o casal. 248 CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de

direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6.

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não herda quando casado no regime de separação obrigatória de bens, “pois

haveria, em tese, fraude a esse regime imposto por lei”249.

Caio Mário da Silva Pereira explica que: “como a própria lei impõe o

regime da separação, não faria sentido permitir ao cônjuge eventualmente receber, a

título de herança, os mesmos bens que não podiam comunicar-se no momento da

constituição do vínculo matrimonial.”250

Arnaldo Rizzardo afirma que o cônjuge sobrevivente não deve herdar

quando casado sob o regime de separação obrigatória de bens, pois isto

“desnaturaria o próprio regime se viesse a receber parcela da herança, ou repudia a

divisão daquilo que nunca foi comum”251.

À mesma corrente doutrinária pertence Washington de Barros

Monteiro, o qual acreditava que o cônjuge deixa de herdar em concorrência com os

descendentes se casado pelo regime da separação obrigatória de bens.252

Em oposição aos doutrinadores citados, Euclides Benedito de Oliveira

acredita que o cônjuge sobrevivente deveria herdar quando casado em regime de

separação obrigatória de bens pelos seguintes motivos:

[...] tal regime, já por si questionável por implicar cerceio ao direito de livre estipulação dos bens por pessoas capazes, no caso dos maiores de 60 anos [...] não havendo comunicação de bens no regime de separação obrigatória, por equivalência com o regime da separação convencional de bens, desaparece fundamento para que se exclua o cônjuge sobrevivente, casado naquele regime matrimonial imposto por lei, de participar da herança em concurso com os descendentes. A permanecer como está o dispositivo do art. 1.829, I, do Código Civil, patente será o prejuízo da pessoa casada que, além de perda do direito de meação em razão do regime da separação obrigatória, ainda se verá afastada do direito de herança concorrente, pondo-se em situação de incompreensível inferioridade perante quem tenha se casado no regime da separação convencional [...] Sem falar que, muitas vezes, o cônjuge situado na posição de merecer aquela espécie de proteção pode ser o menos economicamente forte, de modo que, em tais casos, o regime ditado pela norma legal acabará favorecendo o outro, que não estava dela precisando.253

Excetuando o regime de separação obrigatória de bens, ao que parece,

a intenção do legislador foi a de “tornar o cônjuge sobrevivente herdeiro quando não

249 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2007, v. 7, p. 121. 250 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: Direito das sucessões. 2009, v. 6, p.

132. 251 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2006, p. 180. 252 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2003, v.6. 253 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de herança: A nova ordem da sucessão. 2005. p. 98-

101.

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existir bens decorrentes de meação”254, como no caso de ser casado em separação

de bens ou em comunhão parcial de bens, quando o cônjuge recebe meação

apenas dos bens comuns, excluindo-se os bens particulares.

Essa intenção do legislador é aprovada por Euclides Benedito de

Oliveira:

Adotou-se, como critério norteador, o fato de o cônjuge ser meeiro, por isso afastando seu direito de concorrer na herança com os descendentes, quando o casamento fosse no regime da comunhão universal ou, se no regime da comunhão parcial, o falecido não deixasse bens particulares.255

Seguindo esta lógica, justifica-se o fato de o cônjuge sobrevivente não

herdar quando casado no regime da comunhão universal, já que neste regime de

bens ele recebe a meação, e, também, quando casado no regime da comunhão

parcial de bens e o de cujus não deixar nenhum bem particular.

O cônjuge herda, em concorrência com descendentes do de cujus, a totalidade da herança, na proporção estipulada por lei, salvo se: a) casado sob o regime de comunhão universal, pois nele há comunicação de bens adquiridos antes e durante o casamento, logo meação do sobrevivente é considerável; [...]256

Caio Mário da Silva Pereira se manifesta dizendo que “cabendo ao

cônjuge sua meação sobre o patrimônio comum, a lei presume não haver

necessidade de recebimento de uma quota na herança”257.

É o mesmo posicionamento de Arnaldo Rizzardo por acreditar que “já

fica mais amparado o cônjuge sobrevivente se a meação envolve a totalidade do

patrimônio”258.

Washington de Barros Monteiro também se posicionou dizendo que o

cônjuge sobrevivente deixa de herdar “se casado pelo regime de comunhão

universal de bens”259.

Maria Helena Diniz, assim como Francisco José Cahali, consideram a

hipótese de o legislador ter tido a intenção de fazer o cônjuge herdar sobre os bens

nos quais não receberá meação, no entanto acreditam que o cônjuge, quando

254 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2005, v. 7. 255 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de herança: A nova ordem da sucessão. 2005. p. 97. 256 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2005, v. 6, p. 125. 257 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: Direito das sucessões. 2009, v. 6, p.

132. 258 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2006, p. 180. 259 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2003, v.6, p.

97.

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convocado, terá direito sucessório em concorrência com os descentes sobre toda a

herança, bens comuns e bens particulares, inclusive sobre os bens que já recebeu a

meação.260

[...] como apresentado no texto [legal, art. 1.829, I], sem referência a esta incidência da herança apenas sobre o acervo individual, temos para nós que a regra estabelece um critério de convocação, se preenchidos os seus requisitos, para concorrer na universalidade do acervo. Aliás, entendimento diverso levaria a uma significativa vantagem à sucessão decorrente da união estável, pois nesta se defere ao viúvo o quinhão sobre bens já integrantes de eventual meação. E, na maioria das vezes, a parcela significativa do acervo hereditário forma-se exatamente na constância do casamento ou da união.261

Essa questão está, também, vinculada ao regime da comunhão parcial.

Seguindo o entendimento de que o cônjuge deve herdar quando não recebe

meação, se o cônjuge sobrevivente for casado em comunhão parcial de bens, e o de

cujus não possuir bens particulares, não haverá convocação para o recebimento da

herança, porém se o de cujus deixar bens particulares o cônjuge sobrevivente será

convocado para o recebimento da herança.262

Esse é o mesmo posicionamento de Washington de Barros Monteiro

que lecionou no sentido de o cônjuge ser afastado do recebimento da herança “se,

casado pelo regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado

bens particulares”263.

Seguindo posicionamento semelhante, no sentido de afastar o cônjuge

do recebimento da herança quando casado no regime de comunhão parcial sem a

existência de bens particulares, Caio Mário da Silva Pereira explica que “a ausência

de patrimônio particular do de cujus importa em serem comuns todos os seus bens:

por uma circunstância fática, essa última situação se equipara à primeira (de

comunhão universal) e, portanto, deve merecer igual tratamento.”264

Entretanto o legislador deixou a dúvida: No caso de convocação do

cônjuge, herdará este sobre todo o acervo ou somente sobre os bens particulares?

260 CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6.

261 CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6, p. 213.

262 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2006. 263 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2003, v.6, p.

97. 264 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: Direito das sucessões. 2009, v. 6, p.

132.

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Evidenciado está que o legislador silenciou deixando de informar sobre que bens

recaem o direito de herança do cônjuge.

Por causa dessa dúvida deixada, Euclides Benedito de Oliveira faz

crítica ao dispositivo legal dizendo que tudo é “por causa da confusa redação do

comentado art. 1.829, I”265.

Essa omissão do legislador tem gerado grandes divergências entre a

doutrina. Como explica e se posiciona Sílvio de Salvo Venosa:

[A conclusão mais lógica é:] somente haverá concorrência do cônjuge nessa situação nos bens particulares [...] Mas essa conclusão a qual aderimos está longe de ser pacífica, pois existe ponderável corrente doutrinária que entende que a concorrência na herança se dará nos bens particulares e nos bens comuns.266

Na mesma corrente doutrinária se encontra Carlos Roberto Gonçalves

que, a seguir, fundamenta seu posicionamento:

[...] na interpretação teleológica do dispositivo em apreço, especialmente na circunstância de que a ratio essendi da proteção sucessória do cônjuge foi exatamente privilegiar aqueles desprotegidos de meação. Os que a têm, nos bens comuns adquiridos na constância do casamento, não necessitam, e por isso não devem, participar da que foi transmitida, como herança, aos descendentes, devendo a concorrência limitar-se aos bens particulares deixados pelo de cujus.267

Com semelhante raciocínio, Euclides Benedito de Oliveira leciona

dizendo que:

Também aqui há de imperar a lógica do sistema. Não teria sentido atribuir ao cônjuge aquinhoado com a meação participação na herança sobre todos os bens, pois então receberia mais do que se tivesse sido casado no regime da comunhão universal. Por isso o entendimento que, predominante na doutrina, beneficia o cônjuge tão-somente sobre os bens particulares [...]268

Pertencente a mesma corrente doutrinária, Giselda Maria Fernandes

Novaes Hironaka explica seu posicionamento:

Pode-se concluir, então, no que respeita ao regime de bens reitor da vida patrimonial do casal, que o cônjuge supérstite participa por direito próprio dos bens comuns do casal, adquirindo a meação que já lhe cabia, mas que se encontrava em propriedade condominial dissolvida pela morte do outro componente do casal e herda, enquanto herdeiro preferencial e necessário de primeira classe, uma quota-parte dos bens exclusivos do cônjuge falecido [...]269

265 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de herança: A nova ordem da sucessão. 2005. p. 106. 266 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2005, v. 7, p. 144. 267 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2007, v. 7, p. 153. 268 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de herança: A nova ordem da sucessão. 2005. p. 108. 269 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil: Parte especial: Do

direito das sucessões. 2003, v. 20, p. 220.

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À outra corrente doutrinária pertence Maria Helena Diniz que discorda

por achar que o cônjuge sobrevivente deve herdar sobre todo acervo do de cujus, já

que a lei não faz referência de que ele deva herdar apenas sobre os bem

particulares e, também, para respeitar o princípio da operabilidade tornando mais

fácil o cálculo da partilha entre os herdeiros.270 Sendo assim:

A existência de tais bens é mera condição ou requisito legal para que o viúvo, casado sob o regime de comunhão parcial, tenha capacidade para herdar, concorrendo, como herdeiro, com o descendente, pois a lei o convoca à sucessão legítima. Além disso: a) a herança é indivisível, deferindo-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros (CC, art. 1.791 e parágrafo único) [...] Relativamente à concorrência, na primeira, ou na segunda classe, é preciso tratar igualmente os iguais (herdeiros necessários) no que atina, inclusive, à reserva legitimária [...] como poderia o cônjuge sobrevivente, na qualidade de herdeiro necessário, ser tratado de forma diferenciada, concorrendo com os descendentes, apenas nos bens particulares [...]271

No mesmo pensamento de Maria Helena Diniz, relativamente ao

cônjuge, quando casado sob o regime da comunhão parcial de bens com a

existência de bens particulares, Arnoldo Wald acredita que o cônjuge sobrevivente

deve herdar sobre todos os bens do de cujus.

A melhor interpretação, a respeito da previsão contida no art. 1.829, I [...] deve ser no sentido de reconhecer o direito à sucessão [...] sobre todo o acervo hereditário – e não apenas sobre os bens particulares [...] Tal conclusão decorre do próprio sistema jurídico que se instaurou com o Código Civil de 2002, em que houve a supressão do usufruto vidual para, no seu lugar, se reconhecer a posição de herdeiro legítimo necessário concorrente com os descendentes. O próprio regime sucessório instituído em favor do companheiro sobrevivente, de acordo com o art. 1.790 do Código Civil de 2002, expressamente admite a posição jurídica de herdeiro do companheiro sobre os bens particulares adquiridos durante a união estável, admitindo, assim, a concomitância da meação e da sucessão sobre a mesma porção patrimonial. A corrente doutrinária que afasta os bens comuns [...] esbarra na ausência de qualquer restrição imposta pelo legislador a esse respeito.272

Diversamente a esta conclusão, considerando que o cônjuge deva

herdar apenas sobre os bens particulares, Francisco José Cahali e Giselda Maria

Fernandes Novaes Hironaka fazem a seguinte consideração:

[...] diante desta hipótese, haverá de se questionar se terá o viúvo direito sucessório, quando casado no regime da comunhão universal, ou em qualquer outro regime convencional, e o falecido possuir apenas bens particulares (p. ex., gravados com incomunicabilidade na doação ou por

270 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2005, v. 6. 271 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2005, v. 6, p. 123-

124; 136. 272 WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. 2007, p. 81.

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testamento). A coerência recomenda seja deferida a sucessão ao cônjuge sobre os bens particulares, se a estes for restrita a herança do viúvo [...]273

Fica evidenciado, pela divergência doutrinária, que o legislador não foi

claro quanto a sua real intenção e objetivo ao inserir no artigo 1.829, I, do Código

Civil de 2002 o regime de comunhão parcial, com ou sem bens particulares, como

parâmetro para o cônjuge sobrevivente herdar.

Outra obscuridade presente no artigo 1.829, I, do Código Civil de 2002,

ou talvez omissão do legislador, diz respeito ao cônjuge poder herdar quando

casado sob os regimes de separação convencional de bens e de participação final

dos aquestos. Sobre isso se manifesta Euclides Benedito de Oliveira:

Exatamente por essa falha na legislação, tem prevalecido a interpretação doutrinária e jurisprudencial de que a literalidade do texto do art. 1.829, I, do Código Civil estabelece, com clareza, a regra geral da concorrência do cônjuge com os descendentes e somente como exceção a não concorrência, nas hipóteses expressamente mencionadas de certos regimes de bens, sem abranger o regime da separação de bens decorrente de pacto antenupcial, feita por convenção das partes.274

Carlos Roberto Gonçalves, seguindo a mesma linha de raciocínio,

leciona que o cônjuge deve herdar quando casado sob o regime da separação

convencional de bens:

Já foi dito que a regra estabelecida no art. 1.829 do Código Civil de 2002 a respeito da ordem de vocação hereditária é a da concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes, optando o dispositivo por enumerar as exceções. Ora, o regime da separação convencional de bens não foi excepcionado ou ressalvado, sendo lícito ao intérprete concluir que, nessa hipótese, haverá a aludida concorrência [...]275

Na mesma corrente doutrinária se encontra Caio Mário da Silva Pereira

que se posiciona da seguinte maneira:

Diante de tais exceções à regra da concorrência entre descendentes e cônjuge, ao último caberá participar da sucessão [...] se o regime de bens do casal era o da separação convencional, isto é, aquele livremente adotado pelos cônjuges mediante pacto antenupcial válido (novo Código Civil, art. 1.687) [...]276

273 CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6, p. 214.

274 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de herança: A nova ordem da sucessão. 2005. p. 105. 275 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2007, v. 7, p. 154. 276 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: Direito das sucessões. 2009, v. 6, p.

132.

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Francisco José Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironake

também acreditam que o viúvo deve receber a herança quando casado em regime

de separação convencional de bens.277

Segue jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo entendendo

que se extrai do artigo 1.829, inciso I, o direito de o cônjuge concorrer com os

descendentes quando casado no regime da separação convencional de bens:

Viúva casada com o autor da herança no regime de separação convencional de bens - Direito à sucessão legítima em concorrência com a filha do falecido - Inteligência do art. 1829, I, do Código Civil - Vedação que somente ocorre, entre outras causas, se o regime de casamento for o de separação obrigatória de bens - Recurso improvido.278

Não obstante grande parte da doutrina interpretar o artigo 1.829, I, do

código civil de 2002, no sentido de o cônjuge ter direito a herança quando casado

sob o regime de separação convencional de bens, Euclides Benedito de Oliveira faz

crítica a regra instituída pelo legislador:

[...] se o regime escolhido foi o da separação convencional de bens, era porque os cônjuges pretendiam manter incomunicáveis os patrimônios de cada um, não se justificando, portanto, que, por ocasião da morte de um deles, o outro fique, obrigatoriamente, como sucessor, seja concorrente (com descendentes e ascendentes), seja universal (na falta daqueles herdeiros).279

Considerando a crítica feita por Euclides Benedito de Oliveira,

encontram-se posicionamentos no sentido de que o cônjuge sobrevivente não deve

herdar quando casado em regime de separação de bens. Vincula-se a esse

entendimento o julgado do Superior Tribunal de Justiça, proferido pela Ministra

Nancy Andrighi, do qual se extrai trecho da ementa:

[...] não deve o intérprete da lei alçar o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes, sob pena de clara violação ao regime de bens pactuado.

- Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do regime matrimonial de bens post mortem, ou seja, com o fim do casamento pela morte de um dos cônjuges, seria alterado o regime de separação convencional de bens pactuado em vida, permitindo ao cônjuge sobrevivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade do autor da

277 CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6.

278 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de instrumentos nº 313.414-4/1-00, da 3ª Câmara de Direito Privado, Relator. Flavio Pinheiro, j. 4 de nov de 2003. Disponível em: <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/resultadoSimples.do>. Acesso em: 24 ago 2009.

279 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de herança: A nova ordem da sucessão. 2005. p. 93.

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herança, patrimônio ao qual recusou, quando do pacto antenupcial, por vontade própria [...] Recurso especial provido.280

Outra crítica ao artigo 1.829, I, do Código Civil de 2002, é feita por

Maria Helena Diniz ao dizer que a separação convencional pode ser absoluta ou

relativa, e cada uma delas tem suas particularidades, e para isto, no entanto, o

legislador não atentou.281

Euclides Benedito de Oliveira compartilha do mesmo entendimento da

autora citada e se expressa da seguinte maneira:

[...] a respeito do regime da separação de bens, cabe anotar que sua estipulação por escritura de pacto antenupcial pode levar à separação total e absoluta ou à separação limitada, restrita a certos bens da herança. Nessa última situação, de separação de certos bens, mas não de todos, como fica a concorrência do cônjuge na herança atribuída a descendentes do autor da herança? À letra da lei, como não há ressalva no art. 1.829, I, do Código Civil, o concurso se estende a todos os bens, beneficiando duplamente o cônjuge sobrevivo, que terá direitos de meação sobre os bens não abrangidos no regime da separação e, também, sobre eles e os demais, direitos sucessórios concorrentes com os herdeiros.282

No que se refere ao regime da participação final nos aquestos, Carlos

Roberto Gonçalves acredita que o artigo 1.829, I, do Código Civil de 2002, estipula

como regra a concorrência sucessória do cônjuge com os descendentes, portanto

deve herdar quando casado sob este regime de bens.283

Caio Mário da Silva Pereira acredita que “se o regime de bens era o da

participação final nos aquestos (novo Código Civil, art. 1.672). Também aqui haverá

herança e meação (art. 1.685).”284

No entanto, não são todos os doutrinadores que estão plenamente

convencidos de que o cônjuge sobrevivente deve herdar quando casado sob o

regime da participação final dos aquestos. Francisco José Cahali e Giselda Maria

Fernandes Novaes Hironake questionam:

E se o regime de bens for da participação final dos aquestos? Pela literalidade das hipóteses de exclusão contidas no texto, haverá direito sucessório recíproco entre os cônjuges assim casados. Aliás, inadequada a situação, pois o regime da participação final dos aquestos tem

280 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 992.749/MS, da 3ª Turma, Relatora. Nancy Andrighi, j. 1 de dez de 2009. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200702295979&dt_publicacao=05/02/2010>. Acesso em: 1 nov 2010.

281 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2005, v. 6. 282 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de herança: A nova ordem da sucessão. 2005. p. 105. 283 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2007, v. 7. 284 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: Direito das sucessões. 2009, v. 6, p.

132.

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características similares às do regime da comunhão parcial, no que se refere a ter direito o cônjuge sobre o acervo adquirido durante o casamento, diferenciando-se um do outro, praticamente, apenas na forma como se faz a liquidação dos direitos.285

Euclides Benedito de Oliveira segue na mesma linha de pensamento,

pois ao aceitar como fator determinante para o cônjuge herdar a condição de não

ser meeiro, questiona porque no regime de participação final nos aquestos o cônjuge

acumulará a condição de meeiro e herdeiro:286

[...] então por que teria o legislador deixado de incluir o regime da participação final nos aqüestos em que também não houvesse bens particulares? Mostra-se plausível imaginar omissão involuntária, por causa da novidade, mas é certo que os efeitos desse novo regime matrimonial em muito se assemelham, à hora da partição dos bens, ao da comunhão parcial.287

Carlos Roberto Gonçalves acredita que devido a natureza híbrida do

regime da participação final nos aquestos, ou seja, separação na constância do

casamento, e comunhão parcial após a sua dissolução, o cônjuge deve herdar,

apenas, se houver bens particulares.288

Dessa forma, sem maiores explicações quanto ao regime da

participação final nos aquestos, o legislador deu margem para o surgimento de

dúvidas quanto ao direito sucessório do cônjuge sobrevivente se tiver sido casado

sob a condição deste regime de bens.

Existe outro fator a se considerar quanto ao direto sucessório do

cônjuge, em concorrência com os descendentes, condicionado aos regimes de bens.

E se o regime de bens adotado no casamento for um regime misto?

Francisco José Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironake

afirmam que “tratando-se de regime misto, da mesma forma haverá convocação do

viúvo, salvo se o modelo proposto na convenção for idêntico àqueles em que o

direito sucessório é excluído (p. ex., misto entre comunhão universal e parcial, sem

bens particulares)”289.

O direito sucessório do cônjuge sobrevivente em concorrência com os

descendentes está preceituado no artigo 1.829, I, do Código Civil de 2002 com

285 CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6, p. 215.

286 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de herança: A nova ordem da sucessão. 2005. 287 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de herança: A nova ordem da sucessão. 2005. p. 98. 288 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2007, v. 7. 289 CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de

direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6, p. 215.

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lacunas, omissões e obscuridades, assim sendo, torna-se impossível saber a real

intenção do legislador e interpretar corretamente a lei.

O papel dos doutrinadores, neste aspecto, passa a ser muito

importante, contudo as suas posições ainda são altamente divergentes em questões

fundamentais para a determinação do cônjuge como herdeiro, tornando impossível,

por meio deles, saber o que realmente o legislador quis regrar para o cônjuge

sobrevivente.

3.3.2 As formas de partilha da herança quando da concorrência entre o

cônjuge e os descendentes do autor da herança

Depois da convocação do cônjuge sobrevivente e dos descendentes,

prossegue-se com a partilha da herança entre eles, de acordo com o artigo 1.832 do

Código Civil de 2002: “Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I)

caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a

sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros

com que concorrer.”290

Arnaldo Rizzardo explica a situação abrangida pelo legislador, quando

o cônjuge é ascendente dos demais herdeiros:

Se o cônjuge sobrevivente for ascendente (progenitor, avô) dos descendentes do autor da herança, o mínimo que lhe está reservado, além da meação, é uma quarta parte da herança. Nesta previsão, havendo três herdeiros, opera-se a divisão em quatro porções, cabendo uma a cada herdeiro e ao cônjuge. Se existirem quatro descendentes, retira-se a quarta parte da herança, que é reservada ao cônjuge que ficou. As restantes três porções são divididas entre os herdeiros [...] a regra especial assenta-se no fato de ficarem mais de quatro filhos. Até três filhos, a divisão, incluindo-se o cônjuge, se faz por quatro. A partir do quarto filho acontece a mudança da regra. Procede-se novamente a divisão por quatro, para destacar a porção que toca ao cônjuge. O que sobrar se partilha entre os filhos, em porções iguais.291

Silvio Rodrigues exemplificou a questão:

290 BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil, Constituição Federal (1988), Estatuto da OAB e Legislação Complementar. 2008.

291 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2006, p. 179.

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Se, por exemplo, o casal tinha três filhos, e falece o marido, a herança será dividida, em partes iguais, entre a viúva e os filhos. Porém, se o falecido deixou quatro filhos, e tendo de ser reservado um quarto da herança para o cônjuge sobrevivente, os três quartos restantes serão repartidos entre os quatro filhos.292

O artigo 1.832 do Código Civil de 2002 ainda considera outra hipótese

na concorrência sucessória do cônjuge: pode este não ser ascendente dos demais

herdeiros e neste caso a partilha da herança se dá de maneira distinta, ou seja, “a lei

faz distinção se essa concorrência é com filhos comuns293 ou com filhos somente do

cônjuge falecido”294. Arnaldo Rizzardo explica a questão dizendo:

[...] se o cônjuge sobrevivente não for ascendente dos filhos, far-se-á a divisão por cabeça, incluindo o cônjuge. Ou seja, não figurando como ascendente – pai ou mãe, ou avô ou avó -, opera-se a divisão pelo número de herdeiros com o acréscimo do cônjuge. É a situação de os filhos terem progenitor ou progenitora, ou avô ou avó, pessoa diferente que o cônjuge do de cujus.295

Portanto, “se à sucessão concorrerem descendentes apenas do de

cujus, então a reserva da quarta parte ao sobrevivo não prevalecerá, e a herança

dividir-se-á em tantas partes quantos forem os descendentes, mais uma a ser

entregue ao cônjuge”296.

Maria Helena Diniz esclarece as duas questões abordadas pelo artigo

1.832 do Código Civil de 2002:

Se o de cujus, p. ex., tiver quatro filhos, que não são do supérstite, a herança será dividida em cinco partes iguais, cada um receberá 1/5. Se tais filhos também forem do cônjuge sobrevivo, a participação deles ficará reduzida diante do limite da quota mínima estabelecida legalmente, pois, se a parte do cônjuge não pode ser inferior a 1/4, eles concorrerão a 3/4 da herança.297

Essa divisão da herança entre o cônjuge e os filhos se fará por cabeça,

bem como se o cônjuge concorrer apenas com netos, descendentes de filhos pré-

mortos.298 Se, porém, houver filhos e netos concorrendo juntamente com o cônjuge,

292 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das sucessões. 25. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 7, p. 99.

293 Filhos comuns são os filhos do de cujus com o cônjuge sobrevivente. 294 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2007, v. 7, p. 122. 295 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2006, p. 179. 296 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil: Parte especial: Do

direito das sucessões. 2003, v. 20, p. 225. 297 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2005, v. 6, p. 126. 298 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2007, v. 7.

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os netos receberão apenas o que caberia a seu pai, ou mãe, se ainda fosse

vivo(a).299 Conforme explica Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:

A sucessão que se resolva na vocação da primeira classe, isto é, a dos descendentes, verá o acervo hereditário ser dividido em tantas partes quantos forem os sucessíveis desta classe, mais uma parte atribuível ao cônjuge supérstite. Essa regra aplica-se a todos os herdeiros de primeira classe que recebam por direito próprio (ou filhos, ou netos, ou bisnetos) ou que recebam por força do direito de representação (por estirpe), concorrendo com os sucessíveis de grau imediatamente anterior.300

O artigo 1.832 do Código Civil de 2002, no entanto, deixa uma dúvida:

“E se houver filhos comuns e filhos só do falecido”301, como se dividirá a herança?

Será resguardada a quarta parte para o cônjuge sobrevivente? E, neste caso, os

filhos comuns poderiam herdar uma fração menor do que os filhos que são só do

falecido?

Essas indagações são feitas por doutrinadores como Euclides Benedito

de Oliveira:

O comentado art. 1.832 não prevê a hipótese de origem híbrida, isto é, alguns que sejam filhos do falecido e do cônjuge sobrevivente e outros tidos pelo autor da herança em decorrência de outra união. Paira dúvida se ficaria protegida ou não a quarta parte da herança do cônjuge sobrevivente, no que toca à parte atribuída aos filhos de que seja também ascendente. Esse direito somente seria cabível na concorrência com os filhos comuns, não com os outros, exclusivos do autor da herança, de modo que ficam as relevantes questões, a saber, primeiro, se cabível, ou não, a reserva da quarta parte da herança ao cônjuge e, na resposta positiva, como se procede ao complexo cálculo proporcional para apuração dos quinhões de cada um dos herdeiros e do cônjuge em concurso com eles.302

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka também leciona:

O legislador do Código Civil de 2002, embora inovador na construção legislativa de hipótese de concorrência do cônjuge com herdeiros de convocação anterior à sua própria, infelizmente não fez a previsão da hipótese agora em apreço, de chamada de descendentes dos dois grupos, quer dizer, os descendentes comuns e os descendentes exclusivos. E é bastante curioso, até, observar essa lacuna deixada pela nova Lei Civil, uma vez que em nosso país a situação descrita é comuníssima, envolvendo famílias constituídas por pessoas que já foram unidas a outras, anteriormente, por casamento ou não, resultando, dessas uniões, filhos (descendentes, enfim) de origens diversas.

Por essa lacuna deixada pelo legislador é que a doutrina faz críticas ao

dispositivo em questão. Como assevera Sílvio de Salvo Venosa:

299 CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6.

300 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil: Parte especial: Do direito das sucessões. 2003, v. 20, p. 224.

301 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2005, v. 6, p. 126. 302 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de herança: A nova ordem da sucessão. 2005. p. 113-

114.

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[...] o pior em matéria de dúvida está [no artigo 1.832] [...] A doutrina está longe de chegar a um acordo [...] O que é mais lamentável é que a situação deixada em branco pelo legislador é comuníssima, pois são muitíssimas as sucessões que se abrem com filhos comuns e filhos somente do de cujus. Essa omissão legislativa é absolutamente imperdoável.303

Caio Mário da Silva Pereira também reprova o texto legal trazido pelo

artigo 1.832 do Código Civil de 2002 e recomenda “que o legislador se ocupe da

matéria, resolvendo a controvérsia em termos expressos e inequívocos”304.

Maria Helena Diniz acredita que esta lacuna normativa deve ser

preenchida da seguinte forma:

[Adotando-se o] critério apontado no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, que é o princípio da igualdade jurídica de todos os filhos (CF, art. 227, § 6º; CC, arts. 1.596 a 1.629), consagrado pelo nosso direito positivo. Se assim é, só importa, para fins sucessórios, a relação de filiação com o de cujus (autor da herança) e não a existente com o cônjuge supérstite. Por isso, para que não haja quotas diferentes entre os filhos do falecido, diante da omissão legal, parece-nos, que este deveria receber quinhão igual ao dos filhos exclusivos, que herdam por cabeça, não se aplicando a quota hereditária mínima de 1/4 [...] mais justo seria que o viúvo recebesse quinhão igual ao [dos descendentes], para que não haja discriminação entre eles [...] aplicar-se-ia o princípio geral de direito constitucional da igualdade jurídica dos filhos (LICC, art. 4º) e o critério do justum (LICC, art. 5º).305

Arnoldo Wald, seguindo a mesma linha de raciocínio, acredita que a

solução interpretativa adequada é a que preserva o princípio da igualdade na

partilha:

[...] o art. 1.832 do Código Civil de 2002 mantém o critério da igualdade na partilha por cabeça na hipótese de concorrência de descendentes com o cônjuge sobrevivente, ressalvando tal critério na eventualidade de somente existirem quatro ou mais filhos comuns. Do contrário, havendo descendentes exclusivos do falecido – independente da presença de descendentes comuns -, a regra será a da absoluta igualdade na divisão do acervo hereditário, não havendo reserva da quarta parte para o cônjuge sobrevivente.306

Em concordância com Maria Helena Diniz e Arnoldo Wald, Washington

de Barros Monteiro lecionou que o cônjuge “receberá apenas quinhão equivalente

ao dos que herdarem por cabeça”307.

À mesma corrente doutrinária pertence Caio Mário da Silva Pereira que

se posiciona da seguinte forma:

303 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2007, v. 7, p. 122. 304 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: Direito das sucessões. 2009, v. 6, p.

106. 305 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2005, v. 6, p. 126-

129. 306 WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. 2007, p. 83. 307 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões. 2003, v.6, p.

97.

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[Deve-se ponderar quanto ao cônjuge] que a regra que o consagra tem natureza excepcional, merecendo, portanto, interpretação restritiva. Se o art. 1.832 reserva a quota mínima em proveito do cônjuge apenas quando este “for ascendente dos herdeiros com que concorrer”, segue-se que, concorrendo não somente com seus próprios descendentes, bem assim com descendentes apenas do falecido, o cônjuge não estará na situação peculiar (a que a lei condiciona o deferimento da fração mínima) de ser ascendente dos demais herdeiros.308

Pertencente a mesma corrente doutrinária, Euclides Benedito de

Oliveira interpreta o artigo 1.832 do Código Civil de 2002 de maneira restritiva:

[...] o cônjuge somente terá assegurada a quarta parte da herança se for ascendente de todos os herdeiros com quem concorrer. Sempre que haja outros herdeiros em concurso, dos quais o cônjuge não seja ascendente, as quotas da herança serão partilhadas sem distinção de valor, entre todos os descendentes e o cônjuge, por cabeça, com manifesta simplificação da partilha e fiel observância do princípio isonômico com relação às quotas de herança dos filhos.309

Entretanto, existe outra corrente doutrinária que discorda dos autores

citados à cima. A esta outra linha de pensamento se vincula Sílvio de Salvo Venosa,

que vai contra a divisão da herança em partes iguais, sem garantir a quarta parte ao

cônjuge sobrevivente.

Não me parece a melhor solução. De outra forma, não teria o legislador protegido o cônjuge com a existência somente de filhos comuns. Por que a existência de filhos de outro leito prejudicaria o sobrevivente, nesse caso? [...] essa interpretação sistemática cai por terra perante a interpretação histórica, por tudo que se fez no passado para proteger o cônjuge supérstite e perante a estrutura ética que o código de 2002 adotou.310

Arnaldo Rizzardo segue no mesmo entendimento acrescentando ao

conceito de garantia da quarta parte ao cônjuge a existência de pelo menos um

descendente comum. “O objetivo assentar-se-ia na garantia de certa porção ao

cônjuge que teve filhos com o falecido.”311

Francisco José Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironake

seguem o mesmo raciocínio de Arnaldo Rizzardo. Eles acreditam que se o cônjuge

sobrevivente for “ascendente de qualquer dos herdeiros com quem concorrer, não

importando o grau (mãe-pai, avô-avó etc.), a participação do viúvo se faz por

cabeça, respeitando o limite mínimo de 1/4 da herança em seu favor”312. Quer dizer

308 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: Direito das sucessões. 2009, v. 6, p. 105.

309 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de herança: A nova ordem da sucessão. 2005. p. 121. 310 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2007, v. 7, p. 123. 311 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 2006, p. 179. 312 CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de

direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6, p. 216.

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que se houverem descendentes comuns e, também, descendentes apenas do

falecido o cônjuge, de qualquer forma, terá a sua quarta parte garantida.

Maria Helena Diniz critica esse posicionamento dizendo não ser justo

“por lesar os descendentes exclusivos do falecido, que nenhum liame de parentesco

consangüíneo têm com o viúvo, que receberia 1/4 do monte partível”313.

No entanto, Francisco José Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes

Hironake assim se posicionam, interpretando o texto legal no sentido de que:

[...] sendo a prole só do falecido, a participação é uma; mas, se o sobrevivente for ascendente dos herdeiros com que concorrer, está abrangida a situação híbrida, devendo, pois, ser reservada sua parcela mínima de 1/4 na herança, pois não fala a lei em ascendente de todos os herdeiros com quem disputar, ou único ascendente dos sucessores.314

Sílvio de Salvo Venosa ressalta, ainda, que não fazendo a lei

“distinção, não cabe ao interprete distinguir”315. Por isso ele julga ser mais sensato e

acredita que garantir, em qualquer situação de prole mista, a quarta parte da

herança ao cônjuge sobrevivente é estar de acordo com a interpretação finalística e

ética do Código Civil de 2002. Tendo em vista que “o legislador não fez restrição a

esse respeito e procurou proteger o cônjuge sobrevivente com esta quota

mínima”316.

Ainda existe, com relação à lacuna deixada pelo legislador no artigo

1.832 do Código Civil de 2002, uma terceira corrente doutrinária que também visa

garantir a quarta parte do cônjuge sobrevivente, porém de forma diferenciada.

Esta corrente doutrinária pretende dividir a herança em duas partes

para fazer a distribuição do quinhão pertencente a cada um da seguinte forma: em

separado, divide-se a herança entre os descendentes comuns deixando a quarta

parte para o cônjuge sobrevivente e, paralelamente, divide-se a herança por igual

entre o cônjuge e os descendentes exclusivos do de cujus.317

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka se filia a esta linha de

pensamento, a qual chama de “composição pela solução híbrida”. Ela também

313 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2005, v. 6, p. 129. 314 CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de

direito civil: Direito das sucessões. 2003, v. 6, p. 216. 315 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2007, v. 7, p. 122. 316 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2007, v. 7, p. 123. 317 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2005, v. 6.

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assevera que qualquer solução que pretendesse afastar a quarta parte do cônjuge

teria que estar “consignada em lei”.318

Contudo, Sílvio de Salvo Venosa reprova a composição pela solução

híbrida dizendo “que essa situação é absolutamente indesejável e atingiria um

resultado matemático complexo não pretendido pela lei”319.

Maria Helena Diniz também critica o difícil cálculo matemático que teria

de ser feito para se chegar ao resultado. Além do que os descendentes receberiam

quotas diferentes da herança, infringindo, assim, o artigo 227, § 6º, da Constituição

da República Federativa do Brasil.320

Constata-se, portanto, que a falta do legislador, tanto em dedicação,

quanto em clareza, ao escrever o artigo 1.832 do Código Civil de 2002, “trouxe

insegurança social, que poderia ter sido facilmente evitada”321. Neste ponto a

doutrina é altamente divergente e pouco ajudará o magistrado, no sentido de saber

qual foi a real intenção do legislador, nas decisões envolvendo a distribuição da

herança entre o cônjuge sobrevivente e os descendentes. Não se descarta a

possibilidade de ocorrerem decisões disparatadas que prejudicarão os herdeiros.

318 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil: Parte especial: Do direito das sucessões. 2003, v. 20.

319 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2007, v. 7, p. 123. 320 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das sucessões. 2005, v. 6. 321 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 2007, v. 7, p. 123.

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CONCLUSÃO

Esta monografia teve como área de atuação e linha de pesquisa o

direito civil e o direito das sucessões. O tema adotado fomentou a discussão em

torno do direito sucessório do cônjuge sobrevivente e delimitou-se na concorrência

com os descendentes, legitimado pela Constituição da República Federativa do

Brasil em seu artigo 5º, inciso XXX, e pelo Código Civil de 2002 nos artigos 1.784 e

seguintes, 1.829 e seguintes, e, 1.845 e seguintes.

Por meio do primeiro capítulo deste trabalho chegou-se a conclusão de

que o cônjuge é herdeiro legítimo, pois participa da sucessão legítima. Na vocação

hereditária, regulada pelo Código Civil de 1916, ele estava na terceira classe de

herdeiros, porém o Código Civil vigente melhorou a condição do cônjuge trazendo-o

para a primeira e segunda classe em concorrência, respectivamente, com os

descendentes e os ascendentes. Paralelamente a isto, o Código Civil de 1916,

inicialmente, fazia distinção entre os descendentes no tocante a sua origem,

diferenciando-os para o recebimento da herança, entretanto a Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988 veio igualar a situação dos descendentes.

Outro resultado favorável ao cônjuge foi o fato do Código Civil de 2002 torná-lo

herdeiro necessário, portanto resguardada está a sua parte na legítima.

O segundo capítulo do presente trabalho mostrou a importância do

casamento, no sentido de que estar casado legitima o cônjuge sobrevivo a receber a

herança. Foi necessário, ainda, estudar os regimes de bens que regulam os efeitos

patrimoniais do casamento, pois o cônjuge sobrevivente herda em concorrência com

os descendentes, conforme artigo 1.829, I, do Código Civil de 2002, dependendo do

regime de bens que adotou ao se casar.

O terceiro capítulo desta monografia tentou responder aos problemas

levantados no transcorrer do trabalho. As indagações foram se seria possível que se

desse uma aplicação adequada ao caso concreto do que o legislador quis regrar no

artigo 1.830 do Código Civil de 2002 e se poderia se chegar a uma interpretação

correta do direito sucessório do cônjuge em concorrência com os descendentes

tutelado pelos artigos 1.829, I, e 1.832, ambos do Código Civil de 2002.

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Confirma-se, então, que existem formas diferentes de se aplicar ao

caso concreto o que foi regrado pelo legislador no artigo 1.830 do Código Civil de

2002, tendo em vista os diversos posicionamentos da doutrina referentes ao tema.

Isto se dá porque o legislador não previu que antes de completado dois anos da

separação de fato o de cujus poderia estar vivendo em união estável com outra

pessoa e neste caso quem teria direito a herança, o cônjuge ou o companheiro? O

legislador, portanto, segundo a doutrina majoritária, errou ao estipular um prazo

estendendo o direito sucessório depois de já haver ocorrido a ruptura do casamento.

Assim como errou ao permitir que o cônjuge sobrevivente, depois de separado de

fato a mais de dois anos do cônjuge falecido, receba a herança, se conseguir provar

que a culpa pela separação foi exclusiva do de cujus. A doutrina entende que não

cabe ao direito sucessório levantar questão já superada pelo direito de família no

que se refere aos processos de separação e divórcio.

Ratifica-se, também, que existem várias interpretações divergentes,

suscitadas pela doutrina, dos dispositivos legais (artigos 1.829, I, e 1.832 do Código

Civil de 2002) referentes ao direito sucessório do cônjuge em concorrência com os

descendentes.

A afirmativa, referente ao artigo 1.829, I, ocorre, pois o legislador, ao

condicionar ao regime de bens adotado no casamento o recebimento da herança

pelo cônjuge na primeira classe da vocação hereditária, dá margem a inúmeras

situações possíveis, sem ser claro e específico sobre nenhuma delas. Será que a

sua intenção foi afastar o cônjuge da sucessão quando casado sob um determinado

regime de bens que já lhe garante a meação? E se for isso, o cônjuge quando

chamado a sucessão deve herdar só sobre os bens particulares ou sobre todo o

acervo? E porque o cônjuge não pode herdar quando casado em regime de

comunhão parcial sem a presença de bens particulares e se casado em participação

final dos aquestos pode herdar, independente de haver ou não esses bens? A

redação dada ao artigo 1.829, I, segundo se pode constatar pela pesquisa

doutrinária realizada, deixa lacunas e dúvidas, não é clara, e precisa ser refeita.

No que diz respeito à partilha da herança entre o cônjuge e os

descendentes, de acordo com o artigo 1.832, também há divergência na

interpretação. Segundo parte dos doutrinadores, o legislador procurou resguardar a

quarta parte da herança para o cônjuge sobrevivente se este for ascendente dos

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herdeiros com que concorrer, porém se estes não forem seus descendentes, mas

apenas do de cujus, o cônjuge não terá direito a quarta parte da herança. Só que o

legislador se omitiu ao deixar de falar sobre a prole mista, fato que ocorre com

freqüência. Como, então, a partilha deve ocorrer nesses casos? A redação deste

artigo possibilita decisões muito diferentes umas das outras, gerando uma

insegurança jurídica. Este artigo, com certeza, deve ser reescrito pelo legislador.

O método utilizado neste trabalho foi o método dedutivo. Partindo do

geral para o particular, abordou-se conceitos e fundamentos gerais do direito

sucessório para se chegar a compreensão do direito específico, o direito de herança

do cônjuge sobrevivente em concorrência com os descendentes.

Utilizou-se, para se chegar à confirmação das hipóteses, a técnica de

documentação indireta, pesquisando documentos como a Lei 10.406/2002 (o Código

Civil de 2002), a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e, também,

bibliografias de livros que versam sobre o direito sucessório e o direito de família.

Foi possível, por meio do estudo feito sobre o direito sucessório do

cônjuge sobrevivente, ao fazer uso do método dedutivo e da técnica de

documentação indireta, se chegar a confirmação das hipóteses que respondiam aos

problemas apresentados, concluindo-se pela existência de diferentes formas de

aplicação ao caso concreto do que foi regrado pelo legislador no artigo 1.830 do

Código Civil de 2002 e pela existência de várias interpretações divergentes,

suscitadas pela doutrina, dos dispositivos 1.829, I, e 1.832 do Código Civil de 2002,

referentes ao direito sucessório do cônjuge em concorrência com os descendentes.

No entanto, para um maior aprofundamento no tema e para que se

dêem alternativas ao legislador de como reescrever os artigos que se encontram

redigidos de forma confusa e obscura no Código Civil de 2002 se faz necessário

mais estudo e pesquisa sobre o direito sucessório do cônjuge sobrevivente em

concorrência com os descendentes.

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