UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Escola de Engenharia de Lorena – EEL PEDRO HENRIQUE DAMIÃO DALÓ Medicamentos Biológicos: Estudo da produção e comércio de hormônios e anticorpos monoclonais no Brasil Área de Concentração: Engenharia Química/ Produção de Fármacos Lorena - SP 2015
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
E s c o l a d e E n g e n h a r i a d e L o r e n a – E E L
PEDRO HENRIQUE DAMIÃO DALÓ
Medicamentos Biológicos: Estudo da produção e comércio de hormônios e
anticorpos monoclonais no Brasil
Área de Concentração: Engenharia Química/ Produção de Fármacos
Lorena - SP
2015
PEDRO HENRIQUE DAMIÃO DALÓ
Medicamentos Biológicos: Estudo da produção e comércio de hormônios e
anticorpos monoclonais no Brasil
Projeto de monografia apresentado à
Escola de Engenharia de Lorena –
Universidade de São Paulo como
requisito parcial para obtenção de título
de Engenheiro Industrial Químico.
Orientadora: Profª. Drª. Elisângela de Jesus Cândido Moraes
Lorena - SP
2015
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIOCONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Automatizadoda Escola de Engenharia de Lorena,
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
Daló, Pedro Henrique Damião Medicamentos Biológicos: Estudo da produção ecomércio de hormônios e anticorpos monoclonais noBrasil / Pedro Henrique Damião Daló; orientadorAElisângela de Jesus Cândido Moraes. - Lorena, 2015. 62 p.
Monografia apresentada como requisito parcialpara a conclusão de Graduação do Curso de EngenhariaIndustrial Química - Escola de Engenharia de Lorenada Universidade de São Paulo. 2015OrientadorA: Elisângela de Jesus Cândido Moraes
1. Engenharia química. 2. Produção de fármacos. 3.Medicamentos biológicos. 4. Hormônios. 5. Anticorposmonoclonais. I. Título. II. Moraes, Elisângela deJesus Cândido, orient.
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RESUMO
DALÓ, P. H. D. Medicamentos Biológicos: Estudo da produção e comércio
de hormônios e anticorpos monoclonais no Brasil. 2015. 62 f. Monografia
(Trabalho de Graduação em Engenharia Industrial Química) – Escola de
Engenharia de Lorena, Universidade de São Paulo, Lorena, 2015.
O mercado farmacêutico tem se modernizado a fim de suprir as necessidades
da população e oferecer melhor tratamento às doenças que atualmente são
fatais. Uma notável forma dessa modernização são os medicamentos
biológicos, produzidos a partir de biotecnologia, como os hormônios e
À minha família, Laércio, Ângela, Maria Fernanda, Ana Beatriz e Helena,
por serem a base da minha vida, por me incentivarem a ser melhor a cada dia
e pela eterna confiança depositada em mim.
Aos meus amigos da EEL, que caminharam comigo nessa jornada e que
compartilham da mesma luta e dos mesmos desafios.
À Profª. Dra. Elisângela de Jesus Cândido Moraes por ter gentilmente
aceitado me orientar nesse trabalho, e por tê-lo feito com maestria.
Às Srtas. Minji Kang (Daewoong Pharmaceutical) e Juliana Mazza Reis
(Eurofarma) pelos valiosos dados fornecidos, indispensáveis para o
enriquecimento do meu trabalho.
Aos colegas da Daewoong Pharmaceutical Co. Ltd., empresa onde
realizei o meu estágio e que contribuiu para a minha escolha do tema deste
trabalho, por todos os ensinamentos e companheirismo com que me
acolheram.
Aos professores da Escola de Engenharia de Lorena, em especial às
professoras Dra. Larissa de Freitas Teixeira e Dra. Patrícia Caroline Molgero da
Rós, por todos os conhecimentos transmitidos, essenciais para a minha
formação e crescimento.
E a todos que, de uma forma direta ou indireta, contribuíram para a
minha formação e realização deste trabalho.
7
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Estrutura de alguns aminoácidos encontrados em proteínas. ......... 18
Figura 2 – Conformações α-hélice e β-folhas. .................................................. 20
Figura 3 – Síntese de proteína. ........................................................................ 21
Figura 4 – Ação dos hormônios no fígado, músculo e tecido adiposo. ............ 23
Figura 5 – Diferenças entre anticorpos policlonais e monoclonais. .................. 29
Figura 6 – Método Hibridoma com células murinas. ........................................ 30
Figura 7 – Estrutura de um anticorpo. .............................................................. 32
Figura 8 – Classes de anticorpos monoclonais existentes hoje no mercado. .. 33
Figura 9 – Atuação da enzima de restrição no DNA e no plasmídeo. .............. 35
Figura 10 – Estrutura do plasmídeo. ................................................................ 36
Figura 11 – Esquema da Ultrafiltração. ............................................................ 40
Figura 12 – Cromatografia em coluna. ............................................................. 40
Figura 13 – Cromatografia por exclusão. ......................................................... 41
8
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Mercado de Hormônios e Anticorpos Monoclonais no Brasil. ........ 48 Gráfico 2 – Registros de Anticorpos Monoclonais no Brasil, EUA e Europa .... 49
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Pesos moleculares de moléculas sintéticas e biológicas. .............. 16 Tabela 2 – Hormônios registrados no Brasil..................................................... 43 Tabela 3 – Anticorpos Monoclonais registrados no Brasil. ............................... 44 Tabela 4 – Dados coletados do IMS Health. .................................................... 47 Tabela 5 – Requerimentos para registro. ......................................................... 53
10
LISTA DE SIGLAS
ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
BHK Rim de Hamster Bebê
CHO Ovário de Hamster Chinês
DDCM Dossiê de Desenvolvimento Clínico de Medicamento
DMCD Drogas Modificadoras do Curso da Doença
DNA Ácido Desoxirribonucleico
EU União Européia
EUA Estados Unidos da América
FDA Food and Drug Administration
FSH Hormônio Folículo Estimulante
GnRH Hormônio de Liberação das Gonadotropinas
hCG Gonadotropina Coriônica Humana
hGH Hormônio do Crescimento Humano
HIV Vírus da Imunodeficiência Humana
LH Hormônio Luteinizante
mRNA RNA Mensageiro
NPH Protamina Neutra Hagedorn
ORPC Organização Representativa de Pesquisa Clínica
insere-se o código de uma proteína de interesse no fago, que vai ‘exibir’ essa
proteína em seu exterior e ter o código genético dela no seu interior. Esses
fagos passam então por uma varredura em uma biblioteca de proteínas,
peptídeos e DNA, para detectar possíveis interações. Assim, pôde-se criar uma
biblioteca de fagos ‘exibindo’ anticorpos, que podem ser acessados para
coletar o anticorpo de interesse para a posterior síntese.41
Figura 8 – Classes de anticorpos monoclonais existentes hoje no mercado.
Fonte: Monoclonal antibody therapeutics: history and future, adaptado.39
34
3.3.2. Tratamentos com anticorpos monoclonais
3.3.2.1. Anticorpos monoclonais no tratamento de artrite reumatóide
A artrite reumatóide atinge aproximadamente 25 homens e 54 mulheres
a cada 100.000, e se apresenta entre os 30 e 50 anos de idade. É uma doença
sistêmica autoimune, inflamatória e crônica, que causa inflamação de tecidos e
órgãos, principalmente das juntas, causando dor e debilitando os movimentos.
A doença caracteriza-se por uma inflamação da membrana sinovial (membrana
que envolve as juntas), seguida de inchaço, secreção de altas quantidades de
fluidos sinoviais, e desenvolvimento de tecido fibroso. A patologia leva à
destruição da cartilagem envolvendo essas áreas e fusão das juntas.42
A falha na identificação de pacientes com artrite em estagio inicial pode
levar ao subseqüente desenvolvimento de artrite reumatóide. Pacientes
apresentando inchaço, dor e endurecimento poliarticular, em padrões
simétricos podem ser clinicamente diagnosticados com artrite reumatóide, o
que pode ser posteriormente confirmado com radiografias e exames
laboratoriais.43
Os anticorpos monoclonais que são comercializados atualmente para o
tratamento da artrite reumatóide são: adalimumabe, certolizumabe,
golimumabe e infliximabe. Esses medicamentos têm a função de bloquear o
fator de necrose tumoral (TNF), que é uma citocina inflamatória encontrada no
fluido sinovial de pacientes com artrite reumatóide, cuja inibição tem se
mostrado eficiente no tratamento dessa doença. Usualmente, o tratamento
demonstra resultados superiores se a droga for administrada em associação
com outras drogas modificadoras do curso da doença (DMCD).2
3.3.2.2. Anticorpos monoclonais em tratamentos oncológicos
Atualmente, alguns tipos de câncer estão sendo tratados com anticorpos
monoclonais, caso do câncer colorretal, câncer de mama e de pulmão. Como
um grande número de pacientes só tem a doença diagnosticada já em estágio
avançado, fazendo da cirurgia inviável, as drogas de ação neoplásica são o
único tratamento disponível, porém apresentam grande inconveniente por
comprometerem os tecidos saudáveis, além dos patológicos.2
35
Os anticorpos monoclonais são direcionados para células específicas,
aumentando assim a eficácia e diminuindo os efeitos adversos devidos à
destruição de células saudáveis. Medicamentos como bevacizumabe,
nimotuzumabe e cetuximabe já são comercializados no Brasil no tratamento de
câncer, apresentando melhor controle da doença, diminuindo a progressão e o
risco de morte.2
3.4. Técnica de DNA Recombinante
A técnica de DNA recombinante consiste basicamente em inserir, no
DNA de outro organismo, o gene da proteína humana de interesse, fazendo
com que esse organismo que recebeu o gene produza a proteína idêntica à
humana em cultivos laboratoriais ou industriais.16 Para os medicamentos
biológicos, os organismos que recebem o gene para produzir a proteína podem
ser Escherichia coli (bactéria), Saccharomyces cerevisiae (levedura), ou células
animais como células de ovário de hamster chinês (CHO), ou células de rim de
hamster bebê (BHK).1 As primeiras publicações descrevendo com sucesso a
replicação intracelular de DNA recombinante apareceram entre 1972 e 1973, e
nesses estudos foram utilizadas colônias de E. coli para a produção da
proteína recombinante.9, 44
Figura 9 – Atuação da enzima de restrição no DNA e no plasmídeo.
Fonte: Diagram of molecular cloning with bacteria and plasmids, disponível em http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a3/Gene_cloning.svg/3
20px-Gene_cloning.svg.png
O primeiro passo desse processo é identificar e isolar o código genético
da proteína de interesse. Isso ocorre pela utilização das enzimas de restrição
36
(usualmente endonucleases de restrição).45 Essas enzimas reconhecem e
cortam sequências de DNA definidas, normalmente deixando extremidades
coesivas (Sticky ends), as quais serão preenchidas ao se inserir esse
fragmento de DNA no vetor, conforme ilustrado na Figura 9. Atualmente, cerca
de 800 enzimas de restrição já foram identificadas, cada uma cortando o DNA
em um gene específico. Nesta etapa, um mRNA com o código da proteína
também pode ser um ponto de partida. Nesse caso, através de enzimas, o
código contido no mRNA é transcrito reversamente, gerando DNA
complementar (cDNA).1, 45
Em seguida, coletam-se os vetores, usualmente plasmídeos, que são
pequenos segmentos de DNA contendo código necessário para a replicação.
Na Figura 10 pode-se ver a estrutura de um plasmídeo, onde há um gene
denominado LacZ, que é responsável por sua cor azul. Dentro do LacZ, estão
os locais de clonagem, e os locais da restrição, que é onde atuará a mesma
endonuclease de restrição que atuou no DNA, abrindo a estrutura do
plasmídeo e deixando-o com extremidades coesivas. Como foi utilizada a
mesma enzima de restrição, as extremidades coesivas terão as mesmas bases
do gene de DNA previamente isolado, fazendo com que o gene de interesse
seja incluído nos plasmídeos. Alguns vetores, porém, se fecham logo após
serem abertos, não recebendo gene nenhum.45
Figura 10 – Estrutura do plasmídeo.
Fonte: Diagram of molecular cloning with bacteria and plasmids, disponível em http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a3/Gene_cloning.svg/3
20px-Gene_cloning.svg.png
Posteriormente os plasmídeos são introduzidos no meio junto com a
bactéria. Algumas bactérias são preenchidas com plasmídeo que foi
37
modificado, enquanto outras são preenchidas com plasmídeo sem o gene da
proteína de interesse, e outras não tomam plasmídeo nenhum. Como o gene
LacZ foi interrompido, no caso dos plasmídeos modificados, a bactéria mantém
sua cor original, enquanto que nos outros casos ela fica azul. A esse meio
introduz-se um antibiótico, fazendo com que as bactérias que não foram
introduzidas com plasmídeo nenhum não sobrevivam.1, 45
Em laboratórios, essas células são colocadas em placas de Petri de
ágar, e incubadas, a fim de começarem a formar colônias. Essas colônias
podem ser diferenciadas pela sua coloração, já que as bactérias com
plasmídeos sem o gene clonado formarão colônias azuis. As células contendo
o plasmídeo com o código da proteína recombinante de interesse são
coletadas e formam um banco de células de trabalho, o qual será multiplicado e
usado continuamente conforme as necessidades do fabricante. Em processos
industriais, devido ao alto nível de expressão heteróloga de proteínas que se
podem alcançar, essas células contendo o código da proteína humana
normalmente são células de S. cerevisiae ou E. coli. Elas passam então pelos
processos Upstream e Downstream, para a obtenção do produto final.1, 16
3.4.1. Processo Upstream
Um frasco é coletado do banco de células de trabalho, mantendo o
banco para produções futuras. As células desse frasco são utilizadas para
inocular um pequeno volume de meio de cultura estéril, gerando as culturas
iniciais em escalas de laboratório. Essa cultura inicial será então utilizada para
inocular o biorreator, para a produção dos lotes desejados, onde ocorrerá a
fermentação.1
O biorreator deve ser especificado para controlar os parâmetros do
processo a valores pré-determinados pelo fabricante. Parâmetros a serem
manipulados podem ser temperatura, pressão e volume, pH do meio, oxigênio
dissolvido, taxa de agitação, concentração celular, entre outros pertinentes ao
processo. As condições presentes no ambiente interno do reator dependem
não só da manipulação pelo operador, mas também das interações celulares
com o ambiente, e podem interferir no crescimento celular e na síntese de
proteínas.46
38
Dos parâmetros citados acima, a quantidade de oxigênio dissolvido
requer bastante atenção pois o oxigênio tem baixa solubilidade em água, o que
dificulta a sua transferência para a cultura celular. As culturas devem ser
aeradas de forma homogênea para evitar fermentação alcoólica ou ácida, e
isso faz com que os biorreatores sejam projetados para aumentar a taxa de
transferência de oxigênio.46
Adicionalmente, a operação do reator também pode influenciar o
ambiente interno. Processos em batelada, por exemplo, são utilizados para
aumentar a concentração celular, e o controle da concentração de nutrientes
pode aumentar a eficiência metabólica. Além disso, a estabilidade dos
plasmídeos também pode ser afetada pelo modo de operação do biorreator.
Em operações contínuas e em larga escala é comum a segregação dos
plasmídeos devido às várias gerações de culturas presentes. Um processo
para diminuir essa instabilidade dos plasmídeos poderia ser realizado em duas
etapas, uma para o crescimento celular e outra para a produção da proteína
recombinante.46
Além das culturas iniciais, nos biorreatores são também colocados os
nutrientes para o crescimento celular, além de água. A fermentação ocorre por
dias e durante esse processo ocorre acúmulo de biomassa. Essas células são
coletadas quando atingem o máximo rendimento de biomassa, e a partir daí
passam para o processo Downstream.47
3.4.2. Processo Downstream
Após a fermentação, o produto coletado da fermentação passa por uma
série de etapas, denominadas processo Downstream. O processo Downstream
compreende as etapas de coleta das células, subsequente separação,
concentração e purificação da proteína recombinante produzida, até a
formulação final do produto.
3.4.2.1. Recuperação
O início desse processo se dá com a recuperação da proteína de sua
fonte, o que depende se a proteína é produzida intra ou extracelular.1 Neste
39
trabalho, como a maioria dos medicamentos biológicos utiliza proteína
recombinante de culturas de E. coli ou S. cerevisiae, e nessas culturas a
proteína é produzida intracelular, o foco será dado às proteínas intracelulares.
Inicialmente coletam-se as células, através de centrifugação. Para a
coleta do produto intracelular, incluindo a proteína de interesse, as células
precisam ser rompidas, o que apresenta significante dificuldade devido à
parede celular.1 Alguns processos se mostraram efetivos nessa etapa como a
homogeneização e a agitação em moinho de esferas, com 65% e 50% das
células rompidas, respectivamente. Aumentar esse rendimento, sem
desnaturar as proteínas, tem sido um desafio do processo Downstream. Ao
final, detritos celulares e células não rompidas podem ser separados por
processos que não produzam uma alta força de cisalhamento, como a filtração,
processo mais utilizado em larga escala.48
3.4.2.2. Concentração
Nesta etapa, concentra-se o produto bruto em volumes menores, mais
convenientes para trabalhar e que podem ser processados a maior velocidade.
Um método comum é a precipitação por sais, como cloreto de lítio ou sulfato de
amônio. Nesse caso, o precipitado é coletado por centrifugação, o que irá para
a purificação.48
Outro método comumente usado nessa etapa é a ultrafiltração, que
remove células ou detritos celulares, mas deixam passar os componentes
macromoleculares, como as proteínas. Esses ultrafiltros, que tradicionalmente
eram construídos de materiais celulósicos, são construídos atualmente com
materiais poliméricos como polietilenoglicol ou policarbonato, devido à maior
estabilidade química e física, e baixa adsorção de proteínas.49
A Figura 11 ilustra como ocorre a ultrafiltração. Este processo apresenta
alta taxa de recuperação, e baixo tempo de processamento. A parte retida pode
ser reciclada e filtrada novamente para atingir maior rendimento.1, 49
40
Figura 11 – Esquema da Ultrafiltração.
Fonte: Pharmaceutical Biotechnology: Concepts and Applications, adaptado.1
3.4.2.3. Purificação
Com a proteína concentrada, ela deve ser purificada para que se remova
qualquer proteína que não seja de interesse, ou outros contaminantes. Esse
processo se dá normalmente por cromatografia em coluna, comumente
combinado em duas ou três variações da técnica.50 A Figura 12 ilustra,
sucintamente, a cromatografia em coluna, que baseia-se na separação das
proteínas pela sua adsorção nos grânulos da cromatografia.1
Figura 12 – Cromatografia em coluna.
Fonte: Pharmaceutical Biotechnology: Concepts and Applications, adaptado.1
41
Primeiramente aplica-se a amostra, contendo a proteína de interesse, na
coluna onde estão os grânulos. Estes grânulos adsorvem a proteína de
interesse, e a amostra é coletada na saída da coluna. Em seguida a coluna é
irrigada com outra fase móvel, apenas para remover qualquer impureza que
tenha ficado retida nos grânulos, mantendo a proteína de interesse ainda
adsorvida neles. Finalmente, passa-se outra irrigação na coluna, dessa vez
com propriedades que fazem com que a proteína adsorvida seja carregada,
sendo então coletada ao fim da coluna.51
Existem alguns tipos de cromatografia utilizados para os processos
Downstream em medicamentos biológicos, sendo a cromatografia por exclusão
e a cromatografia de troca iônica as duas técnicas mais utilizadas. A
cromatografia por exclusão baseia-se nas diferenças em massa molecular e na
forma para separar as proteínas, conforme Figura 13, enquanto a por troca
iônica é baseada na carga na superfície das proteínas a um determinado pH.
Proteínas diferentes apresentam cargas diferentes a um mesmo pH,
selecionando e separando a proteína de interesse.50
Figura 13 – Cromatografia por exclusão.
Fonte: Pharmaceutical Biotechnology: Concepts and Applications, adaptado.1
Como citado anteriormente, nos processos envolvendo medicamentos
biológicos, para garantir a máxima pureza e consequente segurança do
produto, é comum a combinação de duas ou mais técnicas de cromatografia.
42
Outras técnicas usadas são a cromatografia por afinidade, separando as
proteínas de acordo com suas interações bioespecífica com os grânulos;
cromatografia de interação hidrofóbica, que é baseada na superfície hidrofóbica
das proteínas; e a cromatofocagem, que separa as proteínas de acordo com
seus pontos isoelétricos.1
Após essas cromatografias, obtém-se uma proteína que é de 98 a 99%
pura. O próximo passo é a formulação do produto final, que envolve a adição
de excipientes, e a formulação na forma desejada do fabricante e que melhor
atenda às necessidades dos consumidores, que podem ser líquidos,
comprimidos, injetáveis, entre outros.1
3.5. Mercado Brasileiro
Segundo a Interfarma, Associação da Indústria Farmacêutica de
Pesquisa, o mercado de produtos biológicos no Brasil ainda é pequeno,
representando menos de 1% do mercado farmacêutico total. Porém, esse
mercado tem um crescimento muito acima do mercado farmacêutico total,
estimado para 80% até esse ano de 2015.2
Através do sítio eletrônico da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância
Sanitária), e da lista de medicamentos registrados disponibilizada nesse sítio
eletrônico, chegou-se aos anticorpos monoclonais e hormônios (Insulina e
Gonadotropinas), que até o ano de 2015 estão registrados no Brasil. O país
tem um total de vinte e sete anticorpos monoclonais no mercado, oito variações
de Insulina e oito produtos classificados dentro das Gonadotropinas, além do
hormônio do crescimento (Somatropina), que é comercializado por sete
diferentes empresas farmacêuticas. As Tabelas 2 e 3 apresentam a relação
desses produtos, além dos nomes comerciais e das empresas responsáveis
pelo registro e comércio de cada um no Brasil. A Tabela 3 também apresenta
as principais indicações dos anticorpos monoclonais.
43
Tabela 2 – Hormônios registrados no Brasil.
Hormônios Nome Comercial Empresa
Insulina Asparte Novorapid Novo Nordisk
Novomix 30 Novo Nordisk
Insulina Bifásica Humulin 70/30 Eli Lilly Insunorm 70/30 Aspen Pharma
Wosulin 70/30 UCB-Meizler Insulina Degludeca Tresiba Novo Nordisk Insulina Detemir Levemir Novo Nordisk
mercado de US$ 61.483.193,00 no ano de 2013. Além da deficiência desse
hormônio, que é indicação registrada na ANVISA para uso desse
medicamento, a Somatropina é mundialmente utilizada como anabolizante e
suplemento alimentar, indicando o crescimento de músculos e
rejuvenescimento da pele. Fisiculturistas e atletas abusam do uso desse
medicamento, seja por prescrição médica ou por compras em sítios eletrônicos
ilegais, de musculação e fisiculturismo, que oferecem o produto importado sem
registro na ANVISA. O abuso desse hormônio pode causar problemas graves,
como o crescimento acelerado de tumores que já possam haver no corpo do
usuário, ou mesmo Diabetes, devido ao pâncreas não conseguir produzir
insulina suficiente para controlar a alta taxa de glicose no sangue ocasionado
pela injeção de altas doses de somatropina.58
Gráfico 2 – Registros de Anticorpos Monoclonais no Brasil, EUA e Europa.
Fonte: Do autor
Em relação aos anticorpos monoclonais, pelo Gráfico 1 pode-se
observar que esses produtos apresentaram também um crescimento nos anos
de 2011 a 2013, com um mercado de US$ 27.452.989 em 2013, representando
um aumento de 35% em relação a 2011, maior aumento entre os produtos foco
0
5
10
15
20
25
30
35
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45
50
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94
19
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96
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19
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12
20
13
20
14
20
15
EUA UE Brasil
50
deste trabalho. Pelo Gráfico 2, pode-se observar o crescimento do número de
registros de anticorpos monoclonais no Brasil, Estados Unidos da América
(EUA), e União Europeia (UE). O primeiro dessa classe de produtos registrado
nessas três regiões foi o Muromonab-CD3, que não está incluído no Gráfico 2,
em 1986 nos Estados Unidos e UE, e em 1988 no Brasil. O Muromonab-CD3
era indicado para reversão de rejeição em transplantes de rim, porém foi
descontinuado. Outros anticorpos monoclonais que foram registrados, porém
descontinuados, e estão mostrados no Gráfico 2 são: Daclizumabe,
Efalizumabe, Gemtuzumabe e Alentuzumabe. O Alentuzumabe é um caso
diferente, pois foi registrado em 2006, indicado para Leucemia Mieloide Crônica
e descontinuado. Então, em 2014, foi novamente registrado, indicado para
pacientes com Esclerose Múltipla. O Brasil, até o ano de 2015, conta com 34
anticorpos monoclonais registrados no país, sendo que 4 desses foram citados
acima como descontinuados, e 30 encontram-se listados na Tabela 2. Um
desses produtos, o Remsima, aprovado em 2015, é o primeiro biossimilar de
anticorpo monoclonal aprovado no Brasil e no mundo. Apesar de o país
oferecer um número razoável de produtos nessa classe, fica atrás dos Estados
Unidos, com 43 anticorpos monoclonais aprovados até 2015, e da União
Européia, com 37.59
3.6. Ensaios Clínicos no Brasil
Para que um medicamento seja registrado no país, e possa ser
produzido e comercializado, ele deve ter sua eficácia e segurança confirmadas
através de ensaios clínicos. Esses ensaios são pesquisas realizadas em seres
humanos que, além de atestar a eficácia e segurança do produto, podem
também identificar quaisquer efeitos farmacológicos, farmacodinâmicos e
também as reações adversas que podem vir a ocorrer. Além disso, esses
ensaios também estudam como o medicamento é absorvido, metabolizado e
eliminado do organismo humano.
No Brasil, esses ensaios precisam ser registrados e autorizados pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), e devem ser
cuidadosamente planejados e acompanhados por profissional de saúde.
Mundialmente os testes clínicos são divididos em fases de I a IV, e há também
a fase pré-clínica, realizada antes da fase I, em animais.
51
Fase Pré-Clínica: Após o estudo de uma nova molécula, e de
resultados potencialmente positivos nos testes in vitro, procede-se à
fase pré-clínica onde a molécula é testada em animais. Nessa fase
usualmente são utilizadas altas doses do produto, e o principal objetivo é
testar a eficiência e toxicidade da molécula. Resultados positivos nessa
fase são indispensáveis para que a Fase I seja iniciada, e o resultado
negativo faz com que os estudos em determinada molécula sejam
descontinuados.
Fase I: Nessa fase os testes são realizados em humanos saudáveis,
com o objetivo principal de mensurar os intervalos de dosagem que são
seguros, e a partir de qual dosagem a substância se torna tóxica. É
avaliada também a farmacocinética do produto. Inicia-se normalmente
com uma baixa dose, o que vai aumentando gradativamente. A Fase I
utiliza um número pequeno de voluntários, que varia de vinte a cem
pessoas.
Fase II: Na Fase II são realizados testes em um número maior de
humanos, que varia de cem a trezentos. Ao invés de pessoas saudáveis,
realizam-se os testes em pessoas que apresentem a determinada
condição patológica para a qual a substância está sendo testada. O
objetivo é demonstrar a eficiência e eficácia do produto em curto prazo,
além de confirmar a segurança. Testes de biodisponibilidade e
bioequivalência também são realizados.
Fase III: Estudos na Fase III são normalmente realizados
internacionalmente, com diferentes populações, em larga escala. O
número de indivíduos pode variar de mil a dois mil, e devem apresentar
a condição patológica necessária. Nessa fase é estabelecido o perfil
terapêutico (indicações, posologia, efeitos adversos mais frequentes),
além de serem realizadas comparações com competidores no mercado.
O sucesso nessa fase pode levar ao registro e comércio do
medicamento no país.
Fase IV: Também chamada de Ensaio Clínico Pós-Comercialização,
essa fase é realizada depois que o produto já foi registrado e passa a
ser comercializado. Esse é um estudo de verificação, onde se avaliam
efeitos adversos menos frequentes e que podem se apresentar em
longo prazo, além de tratamentos para efeitos adversos mais
52
recorrentes, e a frequência com que se apresentam. Durante esse
estudo, caso um produto apresente um efeito adverso grave, o comércio
do medicamento pode ser proibido. Também podem ser realizados
testes em populações em condições diferentes das da Fase III
(mulheres grávidas, por exemplo), ou testes para avaliar a administração
da substância em conjunto com outros medicamentos.
No Brasil, foi publicada uma nova Resolução da Diretoria Colegiada
(RDC), em fevereiro de 2015, definindo os procedimentos para a realização
desses testes. A RDC Nº 9 de 20 de fevereiro de 2015 está disponível no site
da ANVISA.
Antes de iniciar um estudo clínico no Brasil, a empresa solicitante, ou
patrocinador, deve entregar à ANVISA um Dossiê de Desenvolvimento Clínico
de Medicamento (DDCM), apresentando o medicamento experimental e todos
os dados obtidos nas fases pré-clínicas, garantindo a segurança dos
participantes. Junto com o dossiê devem ser apresentados, devidamente
preenchidos, dois formulários que estão disponíveis no sítio eletrônico da
ANVISA, o formulário de petição e o formulário de apresentação de ensaio
clínico. A ANVISA, ao receber o DDCM, tem cento e oitenta dias (para
medicamentos biológicos, noventa dias para sintéticos), para avaliar o DDCM e
publicar seu parecer. O ensaio pode ser iniciado após aprovação da ANVISA.60
Mundialmente existem empresas que realizam os testes clínicos para as
empresas farmacêuticas. No Brasil, uma Organização Representativa de
Pesquisa Clínica (ORPC), deve estar instalada em território nacional. Uma
companhia farmacêutica que não tenha instalações no Brasil, ou mesmo uma
que não tenha instalações para realizar seus testes clínicos, pode recorrer aos
serviços de uma ORPC, que assume as atribuições do patrocinador, junto à
ANVISA, referentes aos ensaios clínicos.60
3.7. Registro de Medicamentos Biológicos no Brasil
No Brasil, a resolução vigente para o registro de medicamentos
biológicos junto à ANVISA é a RDC nº 55 de 16 de dezembro de 2010. Essa
RDC é a terceira resolução a tratar do registro dos produtos biológicos no país;
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as anteriores foram a RDC nº 80 de 2002 e a RDC nº 315 de 2005. O objetivo
principal da RDC nº 55 é regulamentar o registro de produtos biológicos no
Brasil, garantindo a eficácia e segurança destes medicamentos. O registro é
indispensável para a produção e comércio de qualquer medicamento no Brasil,
de acordo com a lei 6.360/76. O registro tem validade de cinco anos, e pode
ser revalidado por períodos iguais quando faltarem seis meses para expirar o
registro. Dentro da RDC nº 55de 2010 são considerados:
Produtos biológicos novos, que são produzidos a partir de molécula que
tenha atividade biológica conhecida, porém sem registro no Brasil;
Produtos biológicos (não novos), que são produzidos a partir de
molécula cuja atividade biológica é conhecida, e já registrada no Brasil.61
A Tabela 5 apresenta os requerimentos da ANVISA para registro dos
medicamentos biológicos novos e não novos, de acordo com a RDC nº
55/2010.
Tabela 5 – Requerimentos para registro.
Produtos Biológicos Novos
Produtos Biológicos (não novos)
Comparabilidade Individual
Manufatura e Qualidade Necessários Comparativos De acordo com padrões Estudos Pré-Clínicos Necessários Comparativos Podem ser reduzidos
Estudos Clínicos I e II Necessários Comparativos Podem não ser comparativos
Estudos Clínicos III Necessários Comparativos Comparativos com exceções
Estudos de Imunogenicidade Necessários Comparativos Necessários Mesmo comparador Não Sim Não especificado Plano de Farmacovigilância Necessário Necessário Necessário Extrapolação de Indicações Não se aplica Possível Não é possível
Fonte: Entendendo os Medicamentos Biológicos, adaptado.62
Para o desenvolvimento e subsequente registro dos produtos biológicos
não-novos, duas vias podem ser seguidas:
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Via de desenvolvimento individual, na qual devem ser apresentados
dados totais de desenvolvimento, produção, além de resultados de
testes clínicos e não clínicos que demonstrem a eficácia e segurança do
produto;
Via de desenvolvimento por comparabilidade, na qual um produto é
eleito como o produto biológico comparador (PBC), já registrado na
ANVISA, e então são realizados testes de comparabilidade entre o PBC
e o produto para o qual pretende-se pedir o registro, atestando a
segurança, eficácia e qualidade entre os dois produtos.61
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4. Conclusão
O mercado brasileiro farmacêutico é o maior da América Latina e um
dos maiores do mundo, apresentando um constante crescimento. Não
diferente, o segmento de medicamentos biológicos é o que mais cresce,
representando grande potencial tanto para empresas do ramo.
Produtos importados de grandes empresas multinacionais, com pequena
participação de empresas brasileiras na distribuição, e nenhuma em
relação à produção.
Empresas multinacionais têm em seu pipeline um grande número
desses medicamentos em pesquisa e desenvolvimento, principalmente
anticorpos monoclonais, o que ocasionalmente resulta na produção de
uma nova molécula e consequente exportação. Algumas empresas
brasileiras, de acordo com os pipelines fornecidos em seus sítios
eletrônicos, têm pouca ou nenhuma pesquisa nesse ramo, que tem alto
valor e um mercado em crescimento.
Predominância de pesquisas em medicamentos genéricos nas
empresas brasileiras.
Mercado em crescimento, e com potencial de crescer ainda mais com o
passar dos anos, porém é dominado por multinacionais. Participação
muito pequena de empresas brasileiras, cenário que tende a mudar com
a criação dos dois novos laboratórios brasileiros, com parcerias para
produção, em território nacional, de produtos que são produzidos no
exterior; e pesquisas em novas moléculas.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1ª ed. Inglaterra: John Wiley. 2009.
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3. FLICKINGER, M. C. Encyclopedia of Industrial Biotechnology:
Bioprocess, Bioseparation and Cell Technology. Nova Jersey, Estados
Unidos da América: John Wiley. 2010.
4. BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. Gerência de
Medicamentos Novos, Pesquisa e Ensaios Clínicos. Posicionamento da
Anvisa quanto ao registro de medicamentos novos considerados como
métodos.Disponível em:
<http://www.anvisa.gov.br/medicamentos/registro/metoos.htm> Acesso em 10
Set. 2014.
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Canadian Medical Association Journal 12: 141 – 146. 1922.
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hormone. J. Clin. Endocrinol. Metab. 18: 901–903. 1958.
7. WATSON, J. D.; CRICK, F. H. A structure for deoxyribose nucleic acids.
Nature 171 (4356): 737–738. 1953.
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Discovery and Clinical Applications. 1ª ed. Alemanha: John Wiley. 2004.
9. COHEN, S.; CHANG, A.; BOYER, H.; HELLING, R. Construction of
biologically functional bacterial plasmids in vitro. Proceedings of the
National Academy of Sciences of the United States of America 70 (11): 3240–
3244. 1973.
10. SEMERE, B. Agência Saúde – ASCOM/MS. Brasil vai produzir primeiro