UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
Programa de Ps-Graduao em Educao
Dissertao
ESTRATGIAS PARA A PRESERVAO DO
GERMANISMO (DEUTSCHTUM): GNESE E TRAJETRIA DE UM COLLEGIO
TEUTO-BRASILEIRO URBANO EM PELOTAS (1898-1942)
Maria Angela Peter da Fonseca
Pelotas, 2007
Maria Angela Peter da Fonseca
ESTRATGIAS PARA A PRESERVAO DO GERMANISMO (DEUTSCHTUM):
GNESE E TRAJETRIA DE UM COLLEGIO TEUTO-BRASILEIRO URBANO EM PELOTAS
(1898-1942)
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Educao.
Orientador: Prof. Dr. Elomar Tambara
Pelotas, 2007
Dados de catalogao na fonte:
Ayd Andrade de Oliveira CRB - 10/864
Reviso Lingstica: Profa. Eleonora Jaime
Reviso Abstract: Profa. Mrcia Krger Citaes em Lngua Alem:
vertidas pela Profa. Maria Angela Peter da Fonseca Alemo Gtico: colaborao de Mauro Francisco Buss Filho
F676e Fonseca, Maria Angela Peter da
Estratgias para a preservao do germanismo (Deutschtum) : gnese e trajetria de um collegio teuto-brasileiro urbano em Pelotas (1898-1942) / Maria Angela Peter da Fonseca. - Pelotas, 2007.
158f.
Dissertao (Mestrado em Educao) Faculdade de Educao. Universidade Federal de Pelotas.
1. Histria da educao teuto-brasileira urbana. 2.
Collegio Allemo de Pelotas. 3. Germanismo. 4. Lngua Alem. I. Tambara, Elomar orient. II. Ttulo.
CDD 370.196
BANCA EXAMINADORA
____________________________ Professor Doutor Elomar Tambara
______________________________ Professor Doutor Gomercindo Ghiggi
___________________________ Professor Doutor Jandir Zanotelli
_________________________ Professor Doutor Lcio Kreutz
Dedico esta Dissertao a meus pais: Ren Motta da Fonseca (in memoriam) e Lair Lecy Peter da Fonseca, pelos exemplos de amor e f. E a meu filho Mauro Francisco Buss Filho pela alegria e determinao na caminhada.
AGRADECIMENTOS
Agradeo ao Professor Doutor Elomar Tambara, por ter aceito a tarefa de
orientar-me nesta Dissertao de Mestrado. Agradeo-lhe, tambm, pelo convite
para participar do Centro de Estudos e Investigaes em Histria da Educao, da
Faculdade de Educao, da Universidade Federal de Pelotas. Muito obrigada pelos
exemplos de sabedoria, dedicao e perseverana em prol da educao!
Agradeo ao Professor Arno Ristow e s ex-alunas Johanna Ruge Ritter
Hofmeister, Adlia Berndsen, Irene Hbner Spinelli, Annemarie Rilling da Nova Cruz,
meus ilustres entrevistados. Agradeo, tambm, Aldinha Hadler, a Ingo Hadler,
Leci Bonat Faustini, a Rudi Tessmann, Hilda Hbner Viola, ao Pastor Nilo Kolling e
Yolanda Fiss pelas preciosas colaboraes. Muito obrigada!
Agradeo Biblioteca Pblica de Pelotas, ao Ncleo de Estudos e
Investigaes Teuto-Brasileiras, da Unisinos de So Leopoldo e ao Arquivo Histrico
da Igreja de Confisso Luterana no Brasil de So Leopoldo. Estendo meus
agradecimentos ao arquivista Pastor Wilfried Hasenack, ao Professor Willy Fuchs,
ao Professor Doutor Lcio Kreutz, ao Professor Doutor Martin Dreher, ao Professor
Doutor Jorge Luiz da Cunha e ao Professor Doutorando Eduardo Arriada, pelas
colaboraes ao longo do trajeto desta pesquisa.
Agradeo ao Professor Doutor Gomercindo Ghiggi, pelo incentivo durante o
processo de realizao desta investigao e, a todos que, direta ou indiretamente,
colaboraram! Muito obrigada!
Aos meus amados, minha famlia, Mauro Francisco, Maria Conceio, Maria
Inez e Lair, pela pacincia, compreenso e apoio.
Pela emoo e pela energia que ainda pairam no ar...
Ao Senhor! Por todos os motivos!
Meu tempo est em Tuas mos! Salmo 31,16.
(Meine Zeit steht in Deinen Hnden. Psalm 31,16).
Maria Angela Peter da Fonseca
RESUMO
A Dissertao denominada Estratgias para a Preservao do Germanismo (Deutschtum): Gnese e Trajetria de um Collegio Teuto-Brasileiro Urbano em Pelotas (1898-1942) foi desenvolvida no Curso de Mestrado em Educao, na linha de Histria da Educao, da Faculdade de Educao de Pelotas, da Universidade Federal de Pelotas. No que diz respeito metodologia, esta investigao foi realizada de forma quanti-qualitativa, atravs de pesquisa bibliogrfica, documental e por meio de entrevistas, privilegiando um aspecto descritivo. O Collegio Allemo de Pelotas era um collegio urbano, particular, de ensino primrio e secundrio para meninos e meninas. Foi fundado em 1898, por uma sociedade escolar cujos membros eram imigrantes alemes e teuto-brasileiros, industriais e comerciantes que formavam uma pequena burguesia, que, em sua maioria, pertenciam Comunidade Evanglica Alem de Pelotas, tendo o apoio do Snodo Rio-Grandense. No entanto, este perfil foi alterado com vistas expanso do germanismo total. Apesar de ser uma instituio predominantemente tnica, no se caracterizava como um collegio evanglico e recebia alunos brasileiros e de outras nacionalidades e denominaes religiosas. Esta investigao responde questo: por que e para que o Collegio Allemo foi fundado na cidade de Pelotas, a partir de duas hipteses: o Collegio Allemo estabeleceu-se na cidade de Pelotas com vistas conservao do germanismo, por uma razo poltica e econmica; e a conservao do germanismo somente alcanaria seu objetivo se ele tivesse continuidade. O objetivo especfico desta pesquisa foi analisar o logos, constitudo pelo germanismo, transmitido atravs da lngua alem, veculo de circulao de um ethos, em um locus que a instituio educativa. Este ethos foi transmitido na relao de ensino e aprendizagem por meio da lngua alem, e visava formatao de um perfil discente, a partir de uma viso de mundo especfica evidenciada por um logos denominado germanismo, tendo como locus a escola teuto-brasileira urbana: Collegio Allemo de Pelotas. Isso evidenciado atravs da anlise do currculo e do contedo programtico apresentados em dois Relatrios Escolares do Collegio Allemo de 1913 e 1923. Nesse perodo, o collegio foi atendido por um corpo docente de grande erudio, com autores de livros didticos publicados em nvel regional. A lngua alem foi hegemnica em 1913. Dez anos depois, em 1923, a lngua alem continuava dominante, mas j se percebiam os reflexos da Nacionalizao do Ensino com a conquista do espao da lngua portuguesa no currculo desta instituio. O Collegio Allemo de Pelotas existiu na cidade de Pelotas durante 44 anos e representou o esforo realizado por um grupo de imigrantes alemes e teuto-brasileiros para conservar a memria cultural de suas razes tnicas. Palavras-Chave: Histria da Educao Teuto-Brasileira Urbana; Collegio Allemo de Pelotas; Germanismo; Lngua Alem.
ABSTRACT The dissertation entitled Strategies for Preservation of the Germanism (Deutschtum): Genesis and Trajectory of one Urban German-Brazilian School of Pelotas (1898-1942) was developed at the mastership course in Education, in line of History of the Education, of Education Faculty of Pelotas, of the Federal University of Pelotas. Regarding to the methodology, this investigation was developed in a quantum-qualitative way, through bibliographic and documental researches, as well as interviews, focusing on a descriptive aspect. The German School of Pelotas was urban, private, of primary and secondary education, for boys and girls. It was founded in 1898, by a scholastic society, whose members were German immigrants and German-Brazilian, industry owners and traders who formed a small bourgeoisie, of which, most belonged to the German Evangelic Community of Pelotas, being supported by the Rio-Grandense Synod. However, this profile was changed in order to expand the total germanism. Despite being an overwhelmingly ethnic institution, it was not characterized as an evangelic school and accepted Brazilian students as well as of other nationalities and religious denominations. This investigation answers the following question why and what for was the German School founded in Pelotas?, starting from two hypothesis: the German School was established in Pelotas having in view the conservation of the germanism, for a political and economical reason; and the conservation of the germanism would only reach its objetctive if it had continuity. The specific objective of this research was to analyse the logus, constituted by the germanism, passed on through the German language, circulation vehicle of an ethos, in a locus, that is the educative institution. This ethos was transmitted in the teaching and learning relation through the German language, and aimed at the development of a student profile from the specific world view evidenced by a logus denominated germanism, having the urban German-Brazilian School German School of Pelotas - as locus. This is evidenced through the analyses of the curriculum and the syllabus presented by two School Reports of the German School of 1913 and 1923. In that period, the school was formed by a teaching body of high erudition level, with authors of regionally published school books. The German language was predominant in 1913. Ten years later, in 1923, the German language continued being dominant, but the reflex of the nationalization of the Education were noticed with the consolidation of the Portuguese language in the curriculum of this institution. The German School of Pelotas existed in Pelotas for 44 years and represented the effort made by a group of German immigrants and German-Brazilians to enshrine the cultural memory of their ethnic roots. Key-Words: History of the Urban German-Brazilian Education; German School of Pelotas; Germanism; German Language.
LISTA DE ILUSTRAES
Foto de 1909..............................................................................................................86
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Statistische Mitteilungen-1913 (Comunicado Estatstico-1913).....................................................................................................90
Tabela 2 Stundenplan 1913 (Plano de Horas Horrio Currculo 1913)...93 Tabela 3 bersicht ber die Stundenverteilung auf die einszelnen Lehrkrfte
1923 (Vista Geral da Diviso de Horas de cada um dos Professores
1923)...................................................................................................118
Tabela 4 bersicht ber die Schlerzahl in den einzelnen Klassen am 1.Juli1923.
(Vista Geral sobre o Nmero de Alunos nas Classes nicas em 1 de
julho de 1923)...............................................................................121
Tabela 5 bersicht ber die Staatsangehrgkeit am 1 Juli 1923 (Vista Geral sobre a Nacionalidade em 1 de Julho de
1923)...................................................................................................122
Tabela 6 bersicht ber die Bewegung der Schlerzahl innerhalb der letzten
Jahre. (1911-1923) (Vista Geral sobre o movimento do nmero total de
alunos dentro dos ltimos anos 1911-
1923)...................................................................................................122
Tabela 7 bersicht der Wochenstunden auf die einzelnen Lehrgegensatnd-1923
(Vista Geral do Horrio Semanal, nos seus pormenores, sobre a carga
horria semanal de cada disciplina
1923)...................................................................................................125
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Tabela 8 Trajetria do Collegio Allemo de Pelotas 1898-1942........................142
SUMRIO
INTRODUO.......................................................................................................13 1 EMIGRANTES, IMIGRANTES E A EDUCAO .....................................23 1.1 DE ONDE VOCS VM ? (Woher kommen Sie ?)............................................25 1.2 PARA ONDE VOCS VO ? (Wohin gehen Sie ?) ..........................................30 1.3 A QUESTO DA EDUCAO ...........................................................................35 1.3.1 LUTERO E A EDUCAO ..............................................................................37
2 ESCOLAS TEUTO-BRASILEIRAS NO RIO GRANDE DO SUL .........42 2.1 A PROVNCIA DE SO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL ...........................42 2.2 EVOLUO DA ESCOLA TEUTO-BRASILEIRA NO RIO GRANDE DO SUL.44 2.2.1 O Snodo Rio-Grandense e as Escolas Teuto-Brasileiras...........................48 2.3 A EDUCAO TEUTO-BRASILEIRA NO RIO GRANDE DO SUL....................50 2.4 A EDUCAO TEUTO-BRASILEIRA URBANA NA CAPITAL DA PROVNCIA................................................................................................................51 2.4.1 Sociedade de Beneficncia Alem e a Escola da Sociedade de Beneficncia Alem de Porto Alegre (Deutscher Hilfsverein e Deutsche Hilfsvereinschule de Porto Alegre) ........................................................................52 2.5 NS VAMOS PARA O SUL, PARA PELOTAS... (Wir gehen nach Sd, nach Pelotas...)...................................................................................................................54 2.5.1 A cidade de Pelotas.........................................................................................54 2.5.2 Escolas Teuto-Brasileiras Rurais em Pelotas..............................................60 2.5.3 Escolas Teuto-Brasileiras Urbanas em Pelotas ..........................................65 2.5.3.1 Collegio Allemo de Pelotas.......................................................................66 2.5.3.2 Escola Brasileira Allem..............................................................................66 2.5.3.3 Escola Teuto-Brasileira de Trs Vendas....................................................67
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3 BOM DIA! DESEJO UMA BOA AULA PARA NS! ..............................68 (Guten Tag! Ich hoffe dass wir einen guten Unterricht haben!)
3.1 GNESE ..............................................................................................................68 3.1.1 Presena Alem em Pelotas ..........................................................................69
3.1.1.1 A Imprensa ...................................................................................................71 3.1.1.2 Indstria e Comrcio....................................................................................73 3.1.1.3 Sociedades Diversas e o Jardim Ritter .....................................................74 3.1.2 Professor Eduardo Wilhelmy - Um pioneiro de mltiplas funes ...........75 3.1.2.1 Collegio Commercial 1879 .......................................................................77 3.1.2.2 Collegio Ozorio - 1880 ..............................................................................77 3.1.2.3 Elementarschule fr Mdchen 1886 (Escola Elementar para Meninas - 1886) .........................................................................................................................78 3.1.2.4 Curso Commercial 1887 ..............................................................................78 3.1.2.5 Lyceu Rio-Grandense de Agronomia e Veterinria ..................................79 3.1.2.6 Deutsche Schule de 1889 (Escola Alem de 1889) ..................................79 3.1.3 Comunidade Evanglica Alem (Deutsche Evangelische Gemeinde) ......80 3.1.4 Fundao do Collegio Allemo de Pelotas e a Sociedade Escolar ...........82 3.2 FOTO DE 1909 UMA IMAGEM ........................................................................84 3.3 RELATRIO ESCOLAR DE 1913 ......................................................................87 3.3.1 Sociedade Escolar ..........................................................................................87 3.3.2 Corpo Docente ................................................................................................87 3.3.3 Corpo Discente ...............................................................................................88 3.3.4 Currculo ..........................................................................................................91 3.3.4.1 O que currculo? .......................................................................................91 3.3.4.2 Currculo do Collegio Allemo de Pelotas 1913 ....................................92 3.3.5 Contedo Programtico .................................................................................95 3.3.6 Lngua Alem e Germanismo ......................................................................101 3.3.7 Livros Didticos ............................................................................................105 3.4 ESTATUTOS DO COLLEGIO ALLEMO DE PELOTAS 1915 ....................107 3.5 JOHANNA NA ESCOLA 1916 (Johanna in die Schule 1916) .................110 3.6 LIVROS DO PROFESSOR HEINHARD HEUER - 1916 ..................................112 3.7 RELATRIO ESCOLAR DE 1923 ....................................................................114 3.7.1 Sociedade Escolar ........................................................................................115
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3.7.2 Corpo Docente...............................................................................................115 3.7.3 Corpo Discente..............................................................................................119 3.7.4 Currculo do Collegio Allemo de Pelotas 1923......................................123 3.7.5 Lngua Alem.................................................................................................126 3.8 COLLEGIO ALLEMO DE PELOTAS NA DCADA DE 1930........................128 3.8.1 Trs Boletins..................................................................................................128 3.8.2 Trs ex-alunas...............................................................................................130 3.8.3 Cinco Livros...................................................................................................132 3.9 PROFESSOR ARNO RISTOW UM PROFESSOR CONVIDADO..................133 3.9.1 A viagem ao Rio de Janeiro..........................................................................133 3.9.2 Professor Willy Fuchs em So Leopoldo....................................................135
4 METAMORPHOSE & METAMORFOSE...................................................137 4.1 Trajetria do Collegio Allemo de Pelotas 1898-1942..................................137 4.2 Metamorfhose & Metamorfose........................................................................143 4.3 Palavras Finais.................................................................................................145
REFERNCIAS...................................................................................................148
INTRODUO
A apresentao da Dissertao denominada: Collegio Allemo1 de Pelotas - Gnese e Trajetria 1898 - 1942, que foi desenvolvida no Curso de Mestrado em Educao, na linha de Histria da Educao2, da Faculdade de Educao, da
Universidade Federal de Pelotas, sob a orientao do Professor Doutor Elomar
Tambara, tem a finalidade de cumprir as exigncias institucionais referentes ao
requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Educao.
A idia de realizar uma investigao que contemplasse a histria de
instituies escolares teuto-brasileiras na rea urbana de Pelotas, mais
especificamente do Collegio Allemo de Pelotas, no perodo de 1898 a 1942,
fundamentou-se na ausncia de estudos referentes a essa temtica nesta regio.
Sabe-se que a presena de imigrantes alemes na cidade de Pelotas foi expressiva
nas primeiras quatro dcadas do sculo XX, o que considero relevante para a
compreenso da Histria da Educao, especificamente nesta comunidade.
Em segundo lugar, meu interesse em nvel tnico, cultural, artstico,
confessional e bilnge, ligado a minha origem materna teuto-brasileira, vinculou-se
minha Dissertao de Mestrado com a finalidade de compor uma verso da
gnese de escolas teuto-brasileiras urbanas em Pelotas. O grupo de imigrantes
(entre os quais se encontravam muitos de meus antepassados, das famlias Peter3 e
Krger), que chegou a esta regio a partir de meados do sculo XIX, fundou
escolas, igrejas e fbricas e contribuiu significativamente para o desenvolvimento
econmico, social e cultural da regio sul do Rio Grande do Sul, tanto na zona
urbana como na zona rural. 1 Ao referir-me ao Collegio Allemo de Pelotas, estarei usando a palavra Collegio durante todo o texto, retomando grafia da poca de sua fundao em 1898. 2 Esta pesquisa faz parte de um projeto maior que vem sendo desenvolvido no Centro de Estudo e Investigaes em Histria da Educao (CEIHE), da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Pelotas, denominado Gnese e Consolidao de Escolas Teuto-Brasileiras Urbanas em Pelotas 1898 1942, sob a orientao do Professor Doutor Elomar Tambara. 3 Em 1872, meus trisavs Carl Peter (46 a) e Bertha (47a), juntamente com seus cinco filhos: Emilie (21a), Carl (16a), Heinrich (13a), Alberto (11 a) e Johanna (09 a), saram da Alemanha, do porto de Hamburgo, no veleiro Sal, no dia 03/04/1872, chegando ao Brasil no dia 07/07/1872. (ARQUIVO DOS MRMONS, microfilme A-219). Meu av, Guilherme Peter, lembrava que o seu pai, Alberto Peter,
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As escolas teuto-brasileiras urbanas, devido a sua importncia, mereceram a ateno de pesquisadores alemes, ainda no final do sculo XIX. Essas escolas
foram mapeadas abrangendo a extenso dos estados litorneos desde o Esprito
Santo at o Rio Grande do Sul. Giesebrecht (1899, p.17), ao redigir seu relatrio de
pesquisa sobre o territrio rio-grandense, fez meno s escolas de Pelotas e de Rio
Grande (Deutsche Schule - Escola Alem), descrevendo sucintamente a escola da
Sociedade de Beneficncia Alem de Porto Alegre, hoje Colgio Farroupilha,
fundada em 1886: Tambm no Rio Grande do Sul, h grande nmero de escolas alems. As quatro classes de meninos de Porto Alegre, com cem mil habitantes, sendo vinte mil alemes, tm cinco professores e 110 alunos. [...] A primeira classe ensina o A-B-C em alemo e portugus; a segunda, Geografia e Conhecimento da Terra; a terceira, Histria da Reforma e a quarta, Matemtica. Os trabalhos estavam excelentes. Cada classe tem duas divises; portanto, o curso completo tem oito anos. A escola da Sociedade de Beneficncia Alem de Porto Alegre e recebe subveno do Reino Alemo.4 [Texto vertido pela autora.]
Pelotas, centenria cidade gacha, viveu dias de glria ainda no perodo
imperial, chegando a ser definida como a capital cultural da provncia de So Pedro
do Rio Grande do Sul. Detinha o brilho das luzes da Frana, o que admirava e
encantava os ricos senhores e senhoras que por aqui circulavam. Companhias de
teatro e de pera apresentavam-se primeiro em Pelotas, para depois se dirigirem
capital da provncia, quando o faziam (OSRIO,1962).
Neste rico contexto cultural, emergiram as primeiras escolas teuto-brasileiras em Pelotas. Inicialmente fomentadas pelos Brummer5, oficiais alemes que, aps
integrarem o exrcito do imprio brasileiro na guerra contra Rosas na Argentina,
preferiram estabelecer-se na provncia de So Pedro do Rio Grande do Sul, ao invs
de retornarem Europa (1852). A maioria tinha boa formao acadmica. Sendo
detentores de idias liberais, influenciaram os imigrantes, assumindo a docncia em
contava terem sido trs meses de viagem, desde Hamburgo at o porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul. 4 Auch Rio Grande do Sul hat deutsche Schulen in grosser Zahl. Die vierklassige Knabenschule zu Porto Alegre, das unter 100.000 Einwohnern an 20.000 Deutsche zhlt, hat fnf Lehrer und 110 Schler. [...] Die erste Klasse, in der sich die A-B-C Schtzen befinden, hatte Deutsch und Portugisisch, die zweite Geographie und Landeskunde, die dritte Geschichte der Reformationszeit und die vierte Mathematik. Die Leistungen waren ausgezeichnet. Jede Klasse hat zwei Abteilungen; der ganze Kursus ist also achtjhrig. Die Schule ist vom deutschen Hilfsverein ein Porto Alegre begrndet worden und hat vielfach Subventionen vom Deutschen Reich erhalten (GIESEBRECHT,1899, p.17). 5 Segundo Kreutz (1994, p.22), compreende-se Brummer: literalmente, como o que causa zunido, barulho. No caso em questo, o significado era de contestador, aquele que questiona a ordem que vem se estabelecendo.
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muitas escolas teuto-brasileiras em solo rio-grandense (TAMBARA, 1991, KREUTZ ,
1994).
A presena de professores envolvidos com o bem cultural germnico - o
Deutschtum - entre brasileiros, j se fazia notar no cenrio educacional de Pelotas,
nas dcadas de 1850 a 1870. o caso dos Professores Karl von Koseritz, Jos Luiz
Kremer e Eduardo Wilhelmy que se destacaram em atividades docentes em Pelotas,
neste perodo (SIMON, 1938).
A partir da segunda metade do sculo XIX, algumas escolas teuto-brasileiras
estabeleceram-se na cidade de Pelotas. o caso da Elementar Schule fr Mdchen
de 1886 (Escolas para Meninas), da Deutsche Schule (Escola Alem) de 1889, e do
Collegio Allemo de 1898. No incio do sculo XIX, foram fundadas mais duas
escolas: a Escola Brasileira Allem (1911) e a Escola Teuto-Brasileira de Trs
Vendas (1914).
Essas escolas eram de naturezas distintas. A Elementar Schule fr Mdchen,
a Deutsche Schule e a Escola Brasileira Allem foram fundadas pelo Professor
Eduardo Wilhelmy. No caso da Escola Brasileira Allem, esta era dirigida pela
Professora Ceclia Wilhelmy, filha do Professor Eduardo Wilhelmy.
No entanto, o Collegio Allemo de Pelotas de 1898, objeto de estudo desta Dissertao, originou-se de uma sociedade escolar composta, em sua maioria, por
membros da Comunidade Evanglica Alem, fundada dez anos antes, tendo entre
seus fundadores, o Professor Eduardo Wilhelmy. A Escola Teuto-Brasileira de Trs Vendas foi fundada juntamente com a
Comunidade de Trs Vendas, em 1914, sendo mantida pela Sociedade Escolar
Alem de Trs Vendas (Deutscher Schulverein in Trs Vendas). Tanto a
Comunidade Evanglica Alem como a Comunidade de Trs Vendas foram
fundadas por um grupo de imigrantes alemes e teuto-brasileiros, protestantes
luteranos.
Como j anunciei anteriormente, o estudo da educao do grupo teuto-
brasileiro urbano, na zona sul do Rio Grande do Sul, at o presente momento, no
foi contemplado por pesquisas sistemticas. Porm, a educao rural em Pelotas foi
recentemente abordada por Kolling (2000). Estendendo-se em nvel de estado,
Kreutz (1991) enfoca a questo do magistrio catlico na imigrao alem, na regio
rural, e tambm a pesquisa de Rambo (1994) analisa a escola comunitria teuto-
brasileira catlica.
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De acordo com Bastos (2002), investigaes realizadas em relao s
colnias evanglicas alems so em menor nmero, como os trabalhos de Dreher
(1984), que contempla a questo educacional analisada a partir da Igreja
Evanglica; o de Hoppen (s/d), que estuda a formao de professores evanglicos
no Rio Grande do Sul (1900-1939) e o de Meyer (2000), que investiga a cultura e a
docncia teuto-brasileira-evanglica no Rio Grande do Sul.
No entanto, por que, e para que o Collegio Allemo (1898) estabeleceu-se na cidade de Pelotas, abrangendo uma elite intelectual, econmica e cultural ao lado de outras escolas, uma vez que havia timas escolas na cidade, como o caso do Gymnasio Gonzaga (1895), o Collegio So Francisco (1893) e o Gymnasio Pelotense (1902) ?
A resposta a essa problematizao foi desenvolvida no decorrer desta
investigao. Neste sentido, duas hipteses direcionaram este trabalho.
1 O Collegio Allemo estabeleceu-se em Pelotas, cumprindo as expectativas de uma poltica de emigrao, para a conservao do bem cultural germnico,
germanismo (Deutschtum), com vistas criao de um mercado consumidor dos
produtos das indstrias alems. Era imperativo conservar a memria por uma razo
poltica e econmica, vinculada a um pertencimento tnico e cultural.
2 A transmisso efetiva do bem cultural germnico, o germanismo (Deutschtum), atravs da escola, era responsvel pela formao de uma viso de
mundo especfica: ver o mundo atravs dos princpios norteadores do germanismo.
Esses princpios eram transmitidos na escola atravs da lngua alem, presente no
currculo, nos contedos programticos, nos livros didticos e na relao ensino-
aprendizagem entre professores e alunos. Portanto, a conservao da memria
somente alcanaria seu objetivo se ela tivesse continuidade.
Elegi trs categorias de anlise: o locus, a escola, como instituio
educativa; o ethos, transmitido atravs da lngua alem; e o logos, como
manifestao do corpus terico do germanismo.
Nesta pesquisa, utilizo a definio da categoria instituio educativa - a escola
- segundo Magalhes (1998) e Nvoa (1992). Para Magalhes (1998, p. 2), compreender e explicar a existncia histrica de uma instituio educativa , sem deixar de integr-la na realidade mais ampla que o sistema educativo, contextualiz-la, implicando-a no quadro de evoluo de uma comunidade e de uma regio, por fim sistematizar e (re)escrever-lhe o itinerrio de vida na sua multidimensionalidade, conferindo um sentido histrico. [...] Envolve uma hermenutica subtil de aprofundamento e de
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descoberta. Uma hermenutica que, em ltima instncia, medeia entre a memria e o arquivo.
Conforme Nvoa (1992, p. 16, 20)
as escolas so instituies de um tipo muito particular, que no podem ser pensadas como uma fbrica ou oficina: a educao no tolera a simplificao do humano e das suas experincias, relaes e valores, que a cultura da racionalidade empresarial sempre transporta. [...] A escola encarada como uma instituio dotada de uma autonomia relativa, como um territrio intermdio de deciso no domnio educativo, que no se limita a reproduzir as normas e os valores do macro-sistema, mas que tambm no pode ser exclusivamente investida como um micro- universo, dependente do jogo dos actores sociais em presena.
A escola, como objeto de estudo das cincias da educao, mais
especificamente da histria da educao, segundo Nvoa (1992, p. 17), um
fenmeno relativamente recente. Trata-se de um domnio de saber que se encontra
em fase de estruturao.
Em relao segunda categoria, a lngua alem, refiro-me lngua alem
padro, consolidadora de um ethos, de acordo com Rambo (1994), Seyfert (1989),
Grtzmann (1999), Herder (1950) e Elias (1994). E a compreendo como um idioma
oficialmente aprendido na escola, em oposio linguagem dialetal apreendida nas
famlias, conforme Prade (2003) e Willems (1946). Este idioma, o alemo padro,
estava inserido no currculo do Collegio Allemo de Pelotas desde o primeiro ano do
ensino primrio.
De acordo com Rambo (1994, p.178), a lngua alem representava o veculo
transmissor, por excelncia, dos valores e da tradio cultural. Para Seyfert (1989,
p. 141), a sobrevivncia da lngua alem considerada essencial prpria
sobrevivncia do Deutschtum [Germanismo], e do prprio grupo tnico teuto-
brasileiro.
guisa de esclarecimento, o termo teuto-brasileiro Deutschbrasilianer
uma denominao que surgiu na segunda metade do sculo XIX, para definir o
duplo pertencimento do grupo tnico teuto-brasileiro etnia alem e ao Estado
brasileiro na qualidade de cidado (SEYFERT, 1994, p. 15).
Segundo Grtzmann (1999, p. 79, 80), a lngua alem o espelho e a transmissora da essncia alem, sendo vista como um autntico repositrio do carter nacional. [...] Ao estabelecer a lngua nacional como um fator determinante da nacionalidade e a guardi do carter nacional, o germanismo ancora essa noo na premissa romntica, defendida por Herder, de que o idioma corporifica a alma de um povo.
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Para Herder (1950, p.35), cada nacin posee como una casa particular donde almacenan semejantes pensamientos convertidos en signo y sta es su lengua nacional; un acopio al qual h contribudo durante siglos enteros, que h sufrido crescimiento y mengua cual la luz lunar, que h experimentado ms revoluciones y cambios que un tesoro real a manos de diversos sucesores [...] Mas en realidad corresponde tal como es a la nacin que lo posee, la nica capaz de aprovecharlo; es un tesoro de pensamientos propios a un pueblo entero.
De acordo com Elias (1994, p. 119), a consolidao da lngua alem, deu-se
no sculo XVII, a partir da parceria entre a Chancelaria Imperial e as universidades
alems, no atravs das conversas, mas do documento, das cartas, e dos livros.
Para ele, a lngua uma das manifestaes mais acessveis do que consideramos
como carter nacional.
No entanto, em relao s variantes dialetais, de acordo com Prade (2003,
83), a lngua alem, falada em regies de colonizao alem no Rio Grande do Sul, no uma lngua homognea, oriunda de uma s regio da Alemanha, pois os primeiros imigrantes vieram das mais diferentes regies, cada um com sua peculiaridade lingstica. Dessa maneira, temos imigrantes que vieram do Reino da Prssia (Norte da Alemanha), outros do Reino da Baviera (Sul da Alemanha), e outros que vieram da regio do Palatinado, da Bomia e da ustria. Todos eles possuindo dialetos prprios. [...] Por esse motivo, no poderia haver unidade lingstica nem homogeneidade de expresso.
Segundo Willems (1946, p. 274), na Alemanha,
a criao de uma lngua-padro no fez desaparecer os dialetos, apesar dos esforos da escola pblica empenhada em transmitir o idioma oficial. Na Alemanha, na Suia e na ustria esses esforos tiveram menos resultados ainda do que na Inglaterra ou em Frana. A autonomia cultural das diversas regies mostrou-se suficientemente forte para que se cultivassem, ao lado do padro coloquial, os padres provinciais e os dialetos propriamente ditos.
Portanto, ao lado da aprendizagem de uma lngua alem padro, na escola,
havia o uso de diversas variantes dialetais, cultivadas nas famlias e nos grupos de
manifestaes sociais e culturais. No entanto, os dialetos representavam
manifestaes de grupos isolados, e a circulao do carter nacional deu-se atravs
da lngua alem padro.
Em relao terceira categoria, o germanismo, constitudo por um logos, uso
como referencial terico, os seguintes autores: Willems (1940), Grtzmann (1999) e
Seyfert (1982).
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Segundo Willems (1940, p. 141), germanismo envolve a idia de
conservao de caracteres culturais, raciais e sociais dos grupos de origem
germnica. A conservao destes caracteres estava diretamente relacionada a um
conhecimento que deveria ser transmitido de gerao em gerao.
Para Grtzmann (2003, p. 66, 67), os pressupostos, as diretrizes e as imagens orientadoras do germanismo, responsveis pela articulao e construo de seu arcabouo terico, procedem do nacionalismo alemo, principalmente da vertente tnica [...] que surge, na Alemanha, no incio do sculo XIX. [...] trata-se de um conjunto de idias eclticas cuja articulao terica origina-se de diferentes pensadores e filsofos alemes. A contribuio decisiva para a construo do nacionalismo alemo e do pensamento tnico procede de Herder (1744-1802). Os postulados referentes a povo, nao e poesia popular, fundamentais para a consolidao do Romantismo, foram relidos e reinterpretados pelas geraes posteriores, servindo de constante fonte de inspirao do autenticamente alemo.
Segundo Seyfert (1982, p. 45, 46), para definir germanismo Deutschtum -
necessrio compreender o conceito de Volkstum. Volkstum expressa a etnia de um indivduo e no diz respeito ao seu local de nascimento. a ascendncia (sangue), a cultura e a lngua de um indivduo. a essncia de um povo ou raa. Deutschtum a Volkstum alem, germanismo ou germanidade, a essncia da Alemanha, representando o mundo teutnico. Deutschtum engloba a lngua, a cultura, o Geist (o esprito), a lealdade Alemanha, enfim, tudo que est relacionado com ela, mas como nao e no como estado. Representa a solidariedade cultural e racial do povo alemo. [...] o Deutschtum traz consigo a idia de que a nacionalidade herdada, produto de um desenvolvimento fsico, espiritual e moral: um alemo sempre alemo, ainda que tenha nascido em outro pas. Nesse sentido a nacionalidade e a cidadania no se misturam e no se completam. A nao considerada fenmeno tnico-cultural e, por essa razo, no depende de fronteiras; a nacionalidade significa a vinculao a um povo ou raa e no a um estado. A cidadania, sim, liga o indivduo a um estado e, portanto, expressa a sua identidade poltica. Mas a cidadania no alem em nada impede que um descendente de alemes seja fiel nacionalidade que herdou dos seus antepassados.
Portanto, o germanismo, incluia tudo o que poderia ser entendido como tnico
por referncia idia de origem comum ancestralidade - unidos por um passado
pioneiro comum que, simbolicamente representava a unidade tnica (SEYFERT,
1982, p.3).
O objetivo especfico desta Dissertao analisar o logos, constitudo pelo
germanismo, transmitido pela lngua alem, veculo de circulao de um ethos, em
um locus que a instituio educativa. Este ethos, transmitido na relao de
ensino e aprendizagem, atravs da lngua alem, visava a formatao de um perfil
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discente, a partir da formao de uma viso de mundo (Weltanschauung) especfica
por meio de um logos, o germanismo, tendo como locus, a escola urbana.
A Dissertao est dividida em quatro captulos. O primeiro, EMIGRANTES, IMIGRANTES E A EDUCAO, aborda o tema da emigrao e da imigrao em relao educao, desde sua sada da Alemanha, em direo ao Brasil, a partir do
incio do sculo XIX, enfocando a viso do Lutero sobre a educao, que
preconizava a responsabilidade do Estado na oferta de escolas para o povo.
O segundo captulo enfoca a questo da EVOLUO DAS ESCOLAS TEUTO-BRASILEIRAS NO RIO GRANDE DO SUL, destacando o grupo de imigrantes protestantes luteranos, filiados ao Snodo Rio-Grandense, em relao
fundao de escolas teuto-brasileiras, tanto rurais como urbanas, no Rio Grande do
Sul, mais especificamente em Pelotas.
No terceiro captulo, BOM DIA! DESEJO UMA BOA AULA PARA NS!
(GUTEN TAG! ICH HOFFE DASS WIR EINEN GUTEN UNTERRICHT HABEN!)6, apresento os achados da pesquisa compondo uma verso para a gnese e a
trajetria do Collegio Allemo de Pelotas, uma instituio escolar com uma clientela
preferencialmente tnica. Analiso, problematizo e interpreto o material coletado
sobre a Collegio Allemo de Pelotas, dando nfase aos Relatrios Escolares dos
anos de 1913 e 1923, em sua singularidade e especificidade, em relao lngua
alem e ao germanismo.
Finalmente, no quarto captulo: METAMORPHOSE & METAMORFOSE, apresento uma viso geral da trajetria do Collegio Allemo de Pelotas, tecendo
consideraes sobre a metamorfose da instituio educativa, em funo do
germanismo preservado pela lngua alem.
Realizar pesquisa sobre o Collegio Allemo de Pelotas - Gnese e Trajetria
1898 - 1942, foi um processo que demandou pacincia e perseverana.
Inicialmente, a informao da quase inexistncia das fontes gerou uma grande
angstia na pesquisadora. Mas, aos poucos, foram emergindo algumas pistas que
me conduziram s fontes impressas e s fontes orais.
6 Bom dia! Desejo uma boa aula para ns! Aluso saudao usada no ncio da aula do Collegio Allemo de Pelotas. Ver FONSECA, Maria Angela Peter da. Guten Tag! Ich Hoffe dass wir einen guten unterricht haben! Uma Escola Teuto-Brasileira Urbana em Pelotas. Anais do IX Encontro Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em Histria da Educao. Porto Alegre, 2003. Pelotas: Seiva, 2003. p.305-313.
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No que diz respeito metodologia, esta investigao foi realizada de forma
quanti-qualitativa, atravs de pesquisa bibliogrfica, documental e por meio de
entrevistas, privilegiando um aspecto descritivo. A questo da originalidade faz-se
presente com um certo carter de pioneirismo em relao educao teuto-
brasileira, especificamente urbana, em Pelotas.
Entre as fontes impressas que se transformaram nos documentos da
pesquisa, citam-se as seguintes: Relatrios da Intendncia Municipal de Pelotas de
1910-1917,1920,1924,1925, estatutos do Collegio Allemo de 1915, Relatrios
Escolares do Collegio Allemo, como Jahres=Bericht der Deutschen Schule zu
Pelotas ber das 14. Schuljahr 1913 (Relatrio Anual da Escola Alem de Pelotas de
1914. Ano Escolar 1913) e Zum 25jhrigen Bestehen der Deutschen Schule zu
Pelotas 1898-1923 (Dos 25 anos de xito da Escola Alem de Pelotas 1898-1923)
ata, uma foto no Jornal Dirio da Manh, trs boletins, cinco livros didticos, notcias
em jornais locais, como o Correio Mercantil, o Dirio da Manh, o Dirio Popular, a
Opinio Pblica e o Rebate; e o Allgemeine Lehrerzeitung vom Deutschen
Evangelische Lehrerverein von Rio Grande do Sul, Porto Alegre (Jornal da
Associao dos Professores Evanglicos do Rio Grande do Sul, Porto Alegre).
Em relao aos boletins e livros didticos, estes foram localizados atravs das
entrevistas com as ex-alunas do Collegio Allemo de Pelotas. Outras fontes, como
os livros didticos prefaciados em Pelotas pelo Professor Heinhard Heuer, jornais,
em lngua alem e em alemo gtico, foram localizados em So Leopoldo, por
intermdio do Professor Doutor Lcio Kreutz, no Ncleo de Estudos Teuto-
Brasileiros da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (NETB da UNISINOS). Os
Relatrios Escolares de 1913 e 1923 fazem parte do acervo do Arquivo Histrico da
Igreja Evanglica de Confisso Luterana no Brasil (IECLB), junto biblioteca da
Escola Superior de Teologia (EST) em So Leopoldo.
Entre as fontes orais, destaco a entrevista que realizei com o Professor Arno
Ristow no Rio de Janeiro, quando tive acesso a importantes informaes. Considero
relevante acrescentar que o professor entrevistado lecionou Portugus, como
professor convidado, no Collegio Allemo de Pelotas, na dcada de 1930. Tambm
realizei uma entrevista com o Professor Willy Fuchs, que foi diretor do Departamento
de Ensino do Snodo Rio-Grandense na dcada de 1930. Alm disso, foram feitas
entrevistas, com quatro ex-alunas do Collegio Allemo de Pelotas das dcadas de
1920 e 1930.
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Fundamento em Marx (apud NETTO, 2000, p. 52-57) a compreenso da
relao entre a experincia direta e a experincia indireta, como um processo
objetivo e contraditrio, trabalhando no eixo das sucessividades e das
simultaneidades. Marx parte sempre de um dado emprico, de um dado de factualidade. O procedimento dele agarrar um fato emprico, um elemento efetivo. Ele opera em dois nveis de anlise. O primeiro tipo de anlise a observao direta. O segundo tipo de anlise a observao indireta. Lana mo no s do documento oficial, como a ata, por exemplo, mas de todo um recurso heurstico, que trata de regras que conduzem descoberta. A categoria de prxis, ocupa lugar central nos fundamentos tericos de Marx. Faz com o objeto de pesquisa uma unidade, mas no mantm com ele uma relao de identidade. Marx opera numa concepo de verdade objetiva, instalada por Aristteles no pensamento ocidental. Marx atrela o mtodo a um objeto preciso. A relao do sujeito que apreende a dinmica do objeto, no pode ser ao acaso. A questo do mtodo uma questo reflexiva que permite ao sujeito apropriar-se da dinmica do objeto. Marx trabalha no eixo das simultaneidades e das sucessividades
Ao mergulhar na tarefa de pesquisadora, vivenciei, durante o processo da
investigao, algumas leis da dialtica. A primeira, a de que tudo se relaciona; a
segunda, a de que tudo se transforma, e a terceira, a da relao necessria
entre mudanas quantitativas e qualitativas (RIBEIRO, 1978, p. 30-33).
A viso da totalidade, da contradio e da mediao estiveram presentes
durante todo o tempo da pesquisa, que ainda continua... Conforme Lefrebve (1975,
p. 212), o devir concreto jamais avana com passo regular. Atravessa crises
(psicolgicas, biolgicas, sociais). Processa-se por saltos.
Desejo que a leitura deste texto de Dissertao seja agradvel para quem
ousar faz-lo, assim como foi desafiante e aprazvel para mim confeccion-lo e
realiz-lo. Atravs deste trabalho, pude conhecer um pouco mais de mim, ao ver o
outro, representado pelo imigrante alemo, que veio a se transformar em teuto-
brasileiro, mais especificamente o teuto-rio-grandense, que tambm sou!
Preencher uma lacuna existente na Histria da Educao em Pelotas,
referente a esta instituio escolar - o Collegio Allemo de Pelotas - e contribuir para
o desenvolvimento e o avano da pesquisa em Histria da Educao, focalizando a
questo escolar teuto-brasileira urbana em Pelotas, foram objetivos que se
pretenderam alcanar ao longo da realizao desta Dissertao. Finalmente, almejo
que este estudo sirva de inspirao para outras investigaes!
1 EMIGRANTES, IMIGRANTES E A EDUCAO Este captulo tem o objetivo de abordar o tema da emigrao e da imigrao,
mais especificamente, dos evanglicos protestantes, desde sua sada da Alemanha,
em direo ao Brasil, Provncia de So Pedro do Rio Grande do Sul, no incio do
sculo XIX, enfocando a viso de Lutero sobre a educao que enfatizava a
responsabilidade do Estado na oferta de escolas para o povo.
Os imigrantes alemes que se radicaram na cidade de Pelotas, a contar da
dcada de 1840, exerciam profisses ligadas, principalmente, ao comrcio e
indstria. Sendo detentores de um capital econmico, formaram uma pequena
burguesia que se reuniu em torno de sociedades culturais e de lazer, cultivando as
razes de uma cultura genuinamente tnica.
Em relao histria da educao teuto-brasileira urbana, foco deste estudo,
curiosamente estes imigrantes alemes e teuto-brasileiros, no final do sculo XIX,
apesar de disporem de timas escolas na cidade, atravs de uma sociedade escolar,
fundaram o Collegio Allemo de Pelotas, para a educao de seus descendentes.
Era um collegio que ministrava ensino de excelente qualidade, evidenciado pela
qualificao do corpo docente.
Na distncia entre o tempo e o espao percorridos pelos emigrantes e
imigrantes, no que diz respeito educao, em seu carter institucional, este
collegio apresentou e representou especificidades, principalmente em relao ao
germanismo e lngua alem.
Especificamente neste captulo, trabalho com o conceito de migrao, o qual
contm em si dois significados que so faces complementares de uma mesma
questo: emigrao e imigrao.
Para Willems (1946, p. 54), as migraes nos pases europeus no sculo XIX
- espordicas em sculos anteriores - adquiriram um aspecto de preveno e/ou de
modificao de situaes econmicas inconvenientes. Entre as mltiplas tcnicas de controlar as foras naturais e sociais, a migrao afigura-se como uma das mais relevantes. Como as demais, tambm esta tcnica existe em certas culturas e pocas e no existe em
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outras. bvio que estamos aludindo, no ao xodo forado por motivos polticos ou religiosos, mas migrao espontnea como meio de resolver dificuldades sobretudo econmicas. neste sentido que a migrao pode ser considerada como padro integrante de uma cultura.
Portanto, o conceito de migrao define-se a partir de dois momentos.
Primeiramente, a migrao apresenta uma fase emigratria, que est diretamente
relacionada sada de grupos humanos de sua ptria de origem. Depois, o ciclo do
processo migratrio se completa, atravs de sua etapa imigratria, a qual se refere
entrada de grupos humanos em um outro pas, com vistas permanncia.
Aps os esclarecimentos iniciais, questiono: para onde iam os emigrantes
alemes? Segundo Fouquet (1974, p.18), depois dos Estados Unidos, foi o Brasil o
pas que admitiu o maior contingente de imigrantes alemes, [...] para cada alemo
vindo para o Brasil havia vinte que rumaram para o pas irmo do norte. No entanto,
esta pesquisa trata dos emigrantes que deixaram a Alemanha em direo ao Brasil.
No que diz respeito educao entre os emigrantes e os imigrantes, esta
apresentou caractersticas distintas. Os emigrantes deixaram, na Alemanha, escolas
mantidas pelo Estado. Ao chegarem ao sul do Brasil, na condio de imigrantes,
pela carncia de escolas pblicas, necessitaram erigir suas prprias escolas.
Nesta passagem, de um continente para o outro, do aspecto pblico para o
privado, a educao entre os imigrantes passou por um processo de transformao.
Administrada pelas famlias, atravs das sociedades escolares, a educao assumiu
a face de educao privada, tendo a escola como local privilegiado de circulao de
um conhecimento modelado, de certa forma por seus ancestrais, vinculados
Reforma Protestante.
A educao uma arte, cuja prtica necessita ser aperfeioada por vrias geraes. Cada gerao de posse dos conhecimentos das geraes precedentes, est sempre melhor aparelhada para exercer uma educao que desenvolva [...] as disposies naturais na justa proporo e de conformidade com a finalidade daquelas (KANT, 1996, p. 19).
Na perspectiva de que a educao se aperfeioa atravs das geraes pela
posse dos conhecimentos transmitidos, concordo com Magalhes (1998, p. 22, 23)
no sentido em que a educao um constructo antropolgico progressivo, sociolgica e historicamente referenciado, substantivado na e pela(s) cultura(s), (in)formativo, (inter)activo. [...] A educao como processo continuado, progressivo e racional desenvolve-se por uma dialtica complexa de relaes auto-hetero; passado-presente; permanncia-mudana, constituindo um permanente jogo entre institudo e instituinte.
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Como j anunciei, neste primeiro captulo, estarei dissertando sobre a vinda
dos imigrantes alemes evanglicos protestantes, no incio do sculo XIX, para o
Brasil, para a Provncia de So Pedro do Rio Grande do Sul e as concepes sobre
a educao, fundamentadas em Lutero, que se manifestaram nas instituies
escolares teuto-brasileiras. sob a forma de escolas particulares.
0.0 DE ONDE VOCS VM ? (Woher kommen Sie ?) Deutschland, Deutschland ber alles, ber alles in der Welt7
Os emigrantes auswander, em lngua alem - que deixaram as terras
alems em direo ao Brasil, a partir do incio do sculo XIX, metaforicamente,
traziam uma cano em suas mentes e em seus coraes. Esta msica os
acompanhou na nova terra e permaneceu sendo, durante muito tempo, o smbolo da
ptria de suas lembranas, qual estiveram vinculados, enquanto foi cultivada a sua
cultura atravs da lngua alem. A melodia do hino alemo, representada por um
verso na epgrafe, incita-me a problematizar a causa emigrante.
Seria imperioso para eles conquistarem outras terras? A busca de outras
terras, da terra prometida, de onde mana leite e mel, onde h ouro como areia8,
semelhana da esperana do povo hebreu, preenchia o imaginrio do povo
alemo. Povoar (e quem sabe conquistar) o Novo Mundo fazia parte do esprito da
poca.
De acordo com Willems (1946, p. 587), o contingente populacional que
emigrou da Alemanha, no sculo XIX, dirigiu-se para muitos pases do Velho
Continente, dentre eles: Polnia, Hungria, Tchecoeslovquia e Rssia imperial. Na
Amrica espanhola, aportaram alemes na Argentina, no Chile e no Paraguai. Na
Amrica do Norte, os Estados Unidos, no perodo colonial, acolheu maior nmero
de alemes do que o Brasil em toda a sua histria.
No caso do Brasil, a populao de origem lusitana no dava conta de
preencher as imensas lacunas geogrficas com suas reservas populacionais. Neste
sentido, os governos do Brasil e da Alemanha, mediante acordos, selaram
7 Alemanha, Alemanha sobre tudo, sobre todos no mundo. Verso do Hino Alemo composto por Fallersleben. 8 Verso de uma poesia de W. Fugmann (apud WILLEMS, 1946, p. 104).
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interesses polticos e econmicos entre os dois imprios. Portanto, uma parcela do
excedente populacional da Alemanha dirigiu-se para o Brasil, que necessitava de
mo-de-obra para povoar e cultivar grandes extenses de terra.
O fato de deixarem sua ptria, na Europa, em busca de melhores condies
de vida, com a esperana de ascenderem socialmente, atravs do trabalho, que
escasseara na Alemanha, devido industrializao emergente, foi um dos principais
motivos que trouxe imigrantes para o Brasil.
De acordo com Lando e Barros (1992, p. 11), estava em questo a
transformao da sociedade brasileira. Tratava-se de duas faces de uma mesma
moeda. De um lado, a abolio da escravido; de outro, a vinda de imigrantes
europeus. A questo da imigrao europia para o Brasil no sculo XIX estava intimamente ligada ao problema da escravido. [...] Na realidade, a existncia do regime de escravido impedia o crescimento do fluxo imigratrio, sendo a decadncia do primeiro a condio para a expanso do segundo.
No entanto, a sociedade alem tambm passava por profundas
transformaes, com a emergncia de uma burquesia detentora de um capital
intelectual e, posteriormente, econmico e poltico. Para Lando e Barros (1992, p.
15), num primeiro momento, a emigrao se fez frente ao atraso em que se encontrava a Alemanha com relao Revoluo Industrial, e numa segunda fase ela foi propiciada pelo excedente populacional advindo do desenvolvimento industrial, do crescimento demogrfico e das crises da conjuntura econmica.
Gethe (sculo XVIII), filsofo e poeta alemo, enfoca a questo da
emigrao, atravs da seguinte poesia: Ficar, ir; ir, ficar. Seja agora igual para o homem capaz, onde produzirmos algo de til, esse o lugar que melhor nos serve...No lugar onde as terras arveis so entregues com fartura ao forasteiro, l nos fixemos, unamo-nos l, apressai-vos, apressai-vos em emigrar. (apud FOUQUET, 1974, p.85)
A partir dos versos do poeta, o qual influenciou profundamente a formao do
carter e do comportamento social do povo alemo, evidencia-se a condio de
emigrao para o homem capaz. O lugar, o destino, aquele que melhor serve para
produzir algo til. Percebe-se a nfase na questo do trabalho, vinculada
capacidade de produo. Sua poesia funcionou como um lema para que
emigrassem e se unissem l, no estrangeiro, alicerados em suas prprias
capacidades de trabalho e de produo.
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De acordo com Weber (1985), a capacidade de trabalho e o conseqente
acmulo de capital, vinculados a uma religiosidade, caracterizaram o surgimento do
esprito do capitalismo, primeiramente, entre as populaes protestantes
provenientes das classes mdias e superiores da sociedade europia. Para Willems
(1946, p. 358), a doutrina de Lutero e, mais ainda, a de Calvino revolucionaram as
concepes medievais do trabalho profissional. A formao desta concepo, que
vinculava, inicialmente, trabalho a um princpio religioso, veio a constituir-se na
mentalidade capitalista.
Considero necessrio fazer referncia classe social a que pertenciam os
emigrantes alemes. A grande maioria dos emigrantes alemes que vieram para o
Brasil eram camponeses provenientes do norte e do sul da Alemanha e,
preferencialmente, instalaram-se no sul do Brasil. Estes imigrantes dirigiram-se para
a zona rural tendo, como objetivo principal, o cultivo da terra. No entanto, uma
porcentagem relativamente menor estabeleceu-se nas cidades.
Para Willems (1946, p.53 e 54), o emigrante citadino representa classes sociais bem diversas. No so apenas proletrios, mas tambm pequenos e mdios burgueses que fogem proletarizao iminente, representantes da burguesia intelectualizada e liberal que se envolveram em lutas polticas; enfim quase todas as classes sociais, ainda que em propores desiguais, fornecem seus contingentes de emigrantes, contribuindo assim para a heterogeneidade cultural daqueles que tencionam radicar-se no Brasil.
O entendimento das causas da emigrao alem para o Brasil, no sculo XIX,
mais especificamente para Pelotas, no Rio Grande do Sul, necessariamente
perpassa pela compreenso da estrutura social alem. Esta estrutura social
absolutista, inatingvel ao povo, viu emergir uma classe mdia detentora de uma
intelligentsia, proveniente de alguns intelectuais alemes, guardies da cultura. A
cultura, para os alemes, segundo Elias (1994), estava representada pela
intelectualidade, pelas artes e pela religio. Diferentemente de outros povos, o
capital cultural alemo, no sculo XVIII, no estava vinculado ao capital econmico e
conseqente atuao poltica. A trajetria desta transformao deu-se no momento
em que a produo vinculou-se ao capital por uma razo religiosa, mais
especificamente ao protestantismo.
Conforme Elias (1994, p.43), o que legitima a seus prprios olhos a intelligentsia de classe mdia do sculo XVIII, o que fornece alicerces sua auto-imagem e orgulho, situa-se alm da economia e da poltica. Reside no que, exatamente por esta razo
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chamado de das rein Geistige (o puramente espiritual) em livros, trabalhos de erudio, religio, arte, filosofia, no enriquecimento do interno, na formao intelectual (Bildung) do indivduo, principalmente atravs de livros na personalidade.
Neste perodo, sculo XVIII, o meio de comunicao mais importante era o
livro. Atravs dele, circulavam as idias e se consolidava a lngua escrita unificada,
desenvolvida por essa classe intelectual que, posteriormente, tardiamente, em
relao a outras naes, culminou com o movimento para a unificao alem.
Representantes de um povo sem uma unidade lingistica, territorial e poltica,
com uma economia emergente no setor industrial e comercial, necessitando de
insumos em relao a uma poltica mercantilista, encontravam-se em desvantagem
diante de outras naes que j haviam atingido estes patamares.
Para Elias (1994, p.33), a situao desta classe tinha seu anlogo em quase todos os maiores Estados alemes e em muitos menores. No sculo XVIII, no topo por quase toda a Alemanha, situavam-se indivduos ou grupos que falavam francs e decidiam a poltica. No outro lado, havia uma intelligentsia de fala alem que de modo geral nenhuma influncia exercia sobre os fatos polticos. De suas fileiras saram basicamente os homens por conta dos quais a Alemanha foi chamada de terra de poetas e pensadores.
De uma classe de segunda categoria, conforme Elias (1994, p.47), a
burguesia alem ascendeu ao status de depositria da conscincia nacional, e
posteriormente de classe governante. Este processo de ascenso exigiu um esforo
de reflexo profundo de ver a si mesmo, vendo o outro, o outro que era a
impermevel classe aristocrtica de corte. No processo de formao da identidade
do povo alemo, encontram-se numerosas caractersticas sociais originrias da
classe mdia.
Segundo Elias (1994, p. 63), A intelligentsia alem de classe mdia, de todo impotente na esfera poltica, embora intelectualmente radical, forjou uma tradio prpria puramente burguesa, divergindo radicalmente da tradio da aristocracia de corte e de seus modelos. O carter nacional alemo, que aos poucos despontou no sculo XIX, no era, para sermos exatos inteiramente destitudo de elementos aristocrticos assimilados pela burguesia. No obstante, no tocante a grandes reas da tradio cultural e do comportamento, as caractersticas especificamente de classe mdia predominaram, sobretudo na diviso ntida entre os crculos burgus e aristocrtico e, com ela, uma heterogeneidade relativa nos costumes alemes sobreviveu muito depois do sculo XVIII.
A transformao da Alemanha em uma nao foi decorrncia de uma
trajetria complexa, e intrincada, das inter-relaes sociais e individuais. Neste
trajeto, de cidado do mundo - anunciado por Kant, no sculo XVIII, (apud Elias,
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1994, p. 47) - para cidado nacional, ento, efetivou-se, um sculo aps, em 1871,
a unificao alem.
A unificao alem abrangeu, tambm, a questo emigratria. O grande
interesse dos Estados alemes, sobre as populaes emigradas para o Sul do
Brasil, no sculo XIX, justificava-se porque estas populaes preservaram seu
idioma, em variedades dialetais, e, atravs dele, seus hbitos culturais.
Segundo Cunha (2003, p. 17 e 18), enquanto, nos anos 1820, a questo emigratria ainda era vista como uma questo socio-poltica interna de cada Estado, a partir dos anos 1840 a emigrao passou a ser encarada como pertinente e de grande significado para o conjunto da nao alem. [...] A constatao de que os emigrantes alemes, com tudo o que tinham e o que eram, emigrassem para os Estados Unidos, Canad, Rssia ou Austrlia, rompiam seus laos com a ptria, e uma vez dela separados, transformavam-se em produtores e consumidores para naes estrangeiras, muitas vezes concorrentes e inimigas (Roscher & Jannasch, 1856, p.357), provocou a formulao de uma nova idia sobre emigrao. Baseava-se no desejo de que os imigrantes mantivessem e desenvolvessem suas ligaes culturais e econmicas com a Alemanha.
Em 1845, Sturz, cnsul-geral da Alemanha no Brasil, atravs de publicaes,
incentivou a fundao de uma associao de promoo da emigrao para as
provncias do sul do Brasil, propondo inclusive a criao de uma frota comercial
alem. Sturz defendia a tese da urgncia da utilizao da emigrao, para
impulsionar o progresso econmico do Sul do Brasil e a regio dos rios da Prata e
Paran, vinculados aos interesses econmicos nacionais alemes (CUNHA, 2003,
p. 19).
A poltica econmica alem considerou a emigrao como um fator vital para
o estabelecimento de novos mercados. A estratgia da preservao de uma
identidade nacional entre os alemes emigrados, atravs da manuteno dos laos
culturais, alavancou a inteno da continuidade das polticas de emigrao com
vistas expanso de um mercado consumidor.
Em 1895, Krauel, representante diplomtico alemo no Brasil, em sua viagem
aos estados do sul, entre outras cidades, visitou Pelotas. Em seu relatrio sobre o
Rio Grande do Sul, escreveu que cerca de 80% do total das importaes do Estado,
procediam da indstria alem, uma vez que produtos de outras naes
praticamente no circulavam mais no mercado. A hegemonia da indstria e do
comrcio alemes, no Rio Grande do Sul, era decorrente dos esforos de
30
negociantes alemes e seus representantes tanto no Brasil como na Alemanha
(CUNHA, 2003, p. 37).
Krauel (1895) acreditava que, alm da consolidao das relaes
econmicas, era necessrio o fortalecimento e o continuado apoio igreja, s
escolas, imprensa e s associaes alems (CUNHA, 2003, p. 38).
A partir de 1896, com a suspenso do Rescrito von der Heydt - que, desde
1859, restringia a emigrao na Prssia foi desenvolvida uma poltica germanista
relacionada aos alemes j emigrados, principalmente para o sul do Brasil. Esta poltica assumiu um carter sistemtico, organizando-se a partir de uma legislao que procurava direcionar a emigrao para regies de interesse do Reich; do apoio criao e manuteno de escolas alems no exterior; do apoio organizao da igreja evanglica alem; da articulao das representaes diplomticas da Alemanha; e do fomento s organizaes e associaes que, na Alemanha, dedicavam-se aos alemes e seus descendentes que viviam no estrangeiro (CUNHA, 2003, p.30).
Entre outras funes, o governo imperial alemo financiava escolas e igrejas,
apoiando, de forma contnua, os emigrantes no exterior. Estas aes faziam parte de
uma poltica governamental que visavam assegurar vantagens econmicas, uma
vez que os alemes no estrangeiro, em virtude do fortalecimento de seu sentimento
nacional, consumiriam naturalmente os produtos da indstria alem (CUNHA, 2003,
p.36).
1.2 PARA ONDE VOCS VO ? (Wohin gehen Sie ?)
...E o sol da liberdade em raios flgidos Brilhou no cu da ptria neste instante...9
Em busca do sol da liberdade em raios flgidos, que brilhou no cu da
ptria, os imigrantes alemes chegaram ao sul do Brasil, Provncia de So Pedro
do Rio Grande do Sul. Seus coraes abriram-se para entoar uma nova cano,
com uma nova letra, neste instante. Suas canes, credos, crenas, costumes,
cultura, comearam a ser conjugadas com os elementos de uma nova cultura, de um
novo povo, do qual foram sujeitos importantes na trajetria da conquista de sua
prpria cidadania brasileira.
9 Excerto da letra do Hino Nacional Brasileiro. Letra de Osrio Duque Estrada. Msica de Francisco Manoel da Silva.
31
Com a Proclamao da Independncia do Brasil, em 1822, e a elevao
condio de Imprio, a nao brasileira tornou-se um local atraente aos imigrantes
que vinham com a inteno de refazer suas vidas e/ou com o ideal de ascenso
social.
Aos moldes das naes europias, o Brasil encontrava-se num processo de
industrializao, no entanto, ainda incipiente, e precisava de mo-de-obra para a
formao de uma classe operria, que vinha tambm para substituir, inicialmente, a
mo de obra escrava nas lavouras de caf no sudeste do pas.
Revendo a trajetria da nao brasileira relacionada educao em um pas
de propores continentais, nos quatrocentos anos que se seguiram descoberta
do Brasil, evidencia-se a influncia dos jesutas no lanamento das bases
educacionais nos primrdios da colonizao.
Nos prximos pargrafos, estarei utilizando a diviso dos perodos de tempo
relacionando aspectos polticos, econmicos e sociais que, sob o ponto de vista
educacional, so bastante significativos dada a efervescncia das idias que
apontam para as deficincias existentes, bem como propagam novas formas de
organizao escolar (RIBEIRO, 1990, p.17,18).
No sculo XVI, perodo das grandes navegaes, o Brasil foi ocupado por
Portugal e transformado em colnia. Durante trs sculos, permaneceu nessa
condio, sendo povoado por contingente lusitano, mantendo relaes comerciais, a
partir de um modelo agrrio e extrativista-exportador, exclusivamente dependente do
mercado comercial da metrpole portuguesa (RIBEIRO,1990, p.18).
Em relao educao, o perodo colonial foi fortemente marcado pela
presena dos padres jesutas, que foram hegemnicos no campo educacional por
mais de dois sculos. Os colgios jesuticos formavam a elite colonial brasileira de
acordo com um modelo religioso, no caso, o catlico, voltado para a conservao de
um modelo mercantilista, que financiava a nascente indstria portuguesa. No
entanto, os jesutas foram expulsos do Brasil na fase pombalina. Semelhantemente,
esse fato tambm aconteceu em territrios da Amrica espanhola.
Com a expulso dos jesutas, a educao foi pautada pela emergncia do
ensino pblico, patrocinado pelo e para o Estado. Foi fortemente influenciada pelos
iluministas portugueses, que, apesar do retrocesso pedaggico, incentivavam a
formulao de novos mtodos e, conseqentemente, de novos livros.
32
Portugal, de forma similar Inglaterra, pretendia transformar-se numa
metrpole capitalista e, para que isso acontecesse, o Brasil necessitava adequar-se
s modificaes para melhor servir aos interesses portugueses.
Exceo regra foram os ltimos 12 anos (1808-1821) que precederam a
proclamao da independncia do Brasil, quando a Corte de Portugal instalou-se no
Rio de Janeiro, por motivo das invases napolenicas na Europa. A presena da
Corte ampliou expressivamente os horizontes econmicos, educacionais, culturais e
polticos do Brasil.
Apesar da abertura dos portos, da instalao de indstrias, do
desenvolvimento da agricultura e da pecuria, da criao do Banco do Brasil, os
tratados de Aliana e Amizade e Comrcio e Navegao assinados com a
Inglaterra, em 1810, formalizaram desvantagens econmicas para a nascente
indstria brasileira.
Na rea educacional, alm dos ensinos primrio e secundrio, foram
fundadas escolas superiores. Na rea cultural, a criao da Biblioteca Pblica, do
Jardim Botnico, da Imprensa Rgia e do Museu Nacional marcaram
significativamente a presena da corte portuguesa no Rio de Janeiro. Cientistas e
artistas estrangeiros realizaram muitos estudos sobre o Brasil.
No ano seguinte, aps o retorno da Corte a Portugal, foi proclamada a
independncia do Brasil que, como Imprio, vigorou por mais de sessenta anos.
Em relao ao territrio do Imprio do Brasil, este definiu-se paulatinamente, a partir
de polticas internas e externas, caracterizadas por muitos conflitos. O territrio
imperial, de enormes propores, estava organizado em provncias. E a economia
se baseava num modelo agrrio-comercial exportador dependente (RIBEIRO, 1990,
p.18).
A emergncia da nao brasileira, decorrente da autonomia poltica, requeria
uma organizao educacional. A Constituio do Imprio, de 1824, promulgava, em
seu artigo 32, a gratuidade da instruo primria a todos (RIBEIRO, 1990, p.44).
No entanto, a instalao de uma rede escolar que atendesse a todos em
idade escolar, ficou restrita aos documentos e esbarrou na instabilidade poltica, na
escassez de recursos e nos regionalismos provinciais. A materializao das escolas
deu-se em nmero reduzido, enfrentando extremas dificuldades para o provimento
do pessoal docente, com objetivos, contedos e metodologias reduzidos.
33
O imperador D. Pedro I governou o Brasil durante nove anos. Com o intuito de
atrair mo-de-obra livre para o trabalho do cultivo da terra, principalmente nas
lavouras de caf do Centro e Sudeste, o governo brasileiro foi receptivo imigrao
de diversas etnias. Dentre os imigrantes que chegaram ao Brasil no sculo XIX,
elencavam-se alemes, italianos, poloneses, judeus, entre outros. Muitos vinham
para trabalhar nas lavouras e outros, para exercer profisses urbanas,
principalmente no comrcio e nas indstrias.
Aps a abdicao de D.Pedro I, o Brasil passou pelo Perodo Regencial,
durante nove anos de muitas lutas e discrdias. Pode-se citar a Revoluo
Farroupilha, na provncia de So Pedro do Rio Grande do Sul, que teve seu incio
durante a regncia una do padre Feij.
Neste nterim, foi criado o Colgio Pedro II (1838) com o objetivo de servir de
modelo ao ensino nacional (RIBEIRO, 1990, p.56). Mas, somente em 1840, D.Pedro
II ocupou o trono brasileiro, permanecendo nele at a Proclamao da Repblica,
em 1889.
A educao, no perodo do segundo reinado, foi bastante incentivada. No
entanto, restringiu-se principalmente ao municpio da Corte. A criao da Inspetoria
Geral da Instruo Primria e Secundria estabelecia normas para o exerccio da
liberdade de ensino e formao do professor primrio. Exerceu um papel fiscalizador
e orientador dos ensinos pblico e particular. Em nvel nacional, os ensinos primrio,
secundrio e superior abrangiam uma parcela mnima da populao. Os cursos
tcnicos, comerciais e industriais eram ocorrncias isoladas, uma vez que a
sociedade brasileira, timidamente, passava de um modelo econmico agrrio
exportador, para uma economia exportadora-urbano-comercial (RIBEIRO, 1990,
p.23).
Segundo Ribeiro (1990, p. 56), nas ltimas dcadas do Imprio, a incipiente
classe mdia, num movimento de expanso, pressionava e clamava pela abertura
de escolas. Isto demonstra que para a monarquia brasileira, ao contrrio das monarquias europias a que ela procurava moldar-se, nem a instruo primria tornou-se necessria a toda a populao. [...] A educao no contou com verbas suficientes que possibilitassem, ao final do sculo XIX, um atendimento pelo menos elementar da populao em idade escolar.
34
Com o trmino do trfico de escravos (1850), a sociedade brasileira passou por
um processo acelerado de transformaes, como a abertura de bancos, instalao
do telgrafo e meios de transportes, como os trens.
Para Reis Filho (1974 apud RIBEIRO, 1990, p. 61), o fortalecimento do setor econmico se deu pelo contato mais intenso com a Europa, fonte fornecedora de maquinrios e instrumentos, importados pelo Brasil bem como de novas idias, que passaram a circular no acanhado meio intelectual dos meados do sculo XIX brasileiro. [...] Inspirando-se em autores (populares) do sculo XIX europeu, as crenas bsicas do liberalismo e do cientificismo tornam-se os pilares do esforo para elevar o Brasil ao nvel do sculo. Isto pelas novas idias a inteligncia brasileira pretende realizar a atualizao histrica considerada ingenuamente como a forma de nossa realizao nacional. A prpria maneira de perceber e analisar nossa realidade scio-cultural reflexo das ltimas teorias importadas. [...] uma fase rica de propostas de reformas de quase todas as instituies existentes. Mas de reformas que no partem da realidade mas de um modelo importado.
De acordo com Ribeiro (1990, p.62), liberais e cientificistas (positivistas)
estabeleceram pontos comuns em seus programas de ao, dentre eles: abolio dos privilgios aristocrticos, separao da Igreja do Estado, instituio do casamento e registro civil, secularizao dos cemitrios, abolio da escravido, libertao da mulher para, atravs da instruo, desempenhar seu papel de esposa e me e a crena na educao enquanto chave dos problemas fundamentais do pas.
Nesta conjuntura, a organizao escolar brasileira foi alvo de muitas crticas
em relao s deficincias constatadas bem como pela proposio e at decretao
da reforma. Um exemplo de proposio a ser imitado est na difuso das idias a respeito do ensino alemo, visto por intelectuais brasileiros como Tobias Barreto, Vieira da Silva e Teixeira Macedo como causa da vitria nas lutas de unificao do pas, conseguida em 1870. Despertava especial ateno a organizao do ensino superior (RIBEIRO, 1990, p. 62).
Segundo Reis Filho (1974 apud RIBEIRO, 1990, p. 63),
para muitos liberais, a universidade alem sintetiza a frmula da realizao de suas teses pedaggicas. Voltada para a formao de uma elite intelectual de alto nvel, na Universidade Alem h plena liberdade de ensinar, e aprender.[...]. O Estado cria e mantm as universidades mas no lhes impe doutrina, no intervm na administrao, inteiramente autnoma.
Evidencia-se, na reforma Lencio de Carvalho de 1879, a presena de ideais
germnicos, preconizando, principalmente, a liberdade de ensino, a
incompatibilidade do exerccio do magistrio com o exerccio de cargos pblicos e
administrativos, liberdade de freqncia para os alunos dos cursos secundrios e
superior. Como conseqncia, observam-se a liberdade de credo religioso dos
35
alunos e a abertura e, ou organizao de colgios com outras tendncias
pedaggicas, como a positivista.
Para Tambara (1991) em relao liberdade do ensino, no Rio Grande do
Sul, sob influncia do discurso republicano castilhista, observa-se a mxima:
ensina quem sabe e aprende quem quer (1991, p.182). Em termos de competncia para gerenciar o ensino, a bancada gacha foi ardorosa defensora do ensino livre. A questo do ensino deveria depender da iniciativa particular. O importante era que fosse oportunizado a todos, sem discriminao de forma alguma, o direito de estruturar estabelecimentos de ensino da maneira como melhor aprouvesse a cada um (op.cit.p.184).
Como se pode perceber, a educao brasileira passava por grandes
deficincias, principalmente em relao escola pblica. Mas, no Rio Grande do
Sul, sob a influncia positivista, defendia-se o ensino livre a cargo da iniciativa
privada. Uma vez que a oferta de escolas pblicas era em nmero reduzido, abriu-se
um campo frtil para a ecloso de inmeras escolas particulares, com vistas a suprir
a grande procura de crianas e jovens por educao.
Entre essas escolas, encontravam-se as escolas teuto-brasileiras, tanto
urbanas como rurais. Neste sentido, os imigrantes alemes evanglicos protestantes
foram hbeis na elaborao de projetos escolares para a transmisso do bem
cultural tnico Deutschtum alicerados na fidelidade aos princpios da Reforma,
atravs da lngua alem.
1.3 A Questo da Educao Os imigrantes que chegaram ao Rio Grande do Sul, traziam, em suas bagagens culturais, a idia de uma instituio escolar pblica, fortemente vinculada
ao motivo religioso. Esta era a escola que os emigrantes deixaram na Alemanha. No
entanto, no Brasil imperial, especificamente no Rio Grande do Sul, havia um
pequeno nmero de escolas pblicas na provncia. Todavia a liberdade em relao
ao ensino, no perodo republicano, foi preconizada pela poltica republicana
castilhista, fazendo valer a mxima: ensina quem sabe e aprende quem quer.
Para compreender a idia de escola que os imigrantes esperavam encontrar
no Brasil, necessrio entender a gnese da escola pblica, na Alemanha,
vinculada aos ideais religiosos, especificamente relacionados com a Reforma
36
Protestante. Pois o grupo de imigrantes alemes e teuto-brasileiros que fundou o
Collegio Allemo de Pelotas, em 1898, em sua maioria, pertencia Comunidade
Alem Evanglica que professava a f protestante.
A partir do sculo XV, a viso de mundo pautada pelo teocentrismo deslocou-
se para o homem que, a partir de ento, ocupou o centro do universo. De acordo
com Gaarder (1999), a nova imagem do homem levou a uma concepo de vida absolutamente nova. O conhecimento, at ento, guardado nos mosteiros, passou a
circular nas universidades, e descobertas cientficas vieram a pblico. Isso alterou
profundamente as relaes culturais, sociais, econmicas e religiosas entre os
homens. O homem renascentista lanou-se no mundo como centro de sua prpria
vida, inicialmente representado por uma elite intelectual, dentre eles cientistas,
telogos e filsofos.
A ttulo de uma breve retrospectiva histrica, o Imprio da Alemanha, no
sculo XV, localizado na Europa central, designava-se Sacro Imprio Romano
Germnico e era resultante de conquistas militares iniciadas na Idade Mdia. O
imperador, que no tinha uma capital como sede de seu imprio, governava
itinerantemente, atravs da fora militar e de hbeis alianas polticas com os
duques das diversas etnias.
O povo germnico, composto por diversas etnias, entre elas os saxes, os
francnios, os bvaros e os subicos, caracterizava-se por um multiculturalismo.
Cada etnia tinha o seu dialeto prprio, e a inexistncia de uma unidade lingstica
dificultava enormemente a unidade poltica, territorial e social.
No sculo VIII, a palavra alemo denominava apenas um idioma falado pelos
habitantes da parte oriental do imprio franco. Todavia, o Hoch Deutsch (alto-
alemo), aps a Reforma, transformou-se no alemo clssico, tendo suas origens no
bvaro e no alemnico, falados no sul da Alemanha. A elaborao da lngua escrita
foi resultado de um processo de quase mil anos. Os primeiros documentos escritos
datavam do sculo VIII.
A conquista de territrios por via terrestre foi parte relevante na composio
do imprio alemo. Mas, no que diz respeito s grandes navegaes dos sculos XV
e XVI, os alemes envolveram-se de uma forma indireta, atravs do trabalho
intelectual de investigaes cientficas nas reas nutica e astronmica. Cartgrafos,
gegrafos e topgrafos alemes integravam tripulaes que vinham para a Amrica
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e para o Brasil, refletindo o alto nvel cientfico das escolas reais e das universidades
alems.
Concomitantemente, no sculo XVI, a questo religiosa de Lutero com a
Igreja Catlica culminou com a Reforma Protestante. A ciso entre catlicos e
protestantes pautou a vida econmica, social e religiosa do povo alemo. Para
grande parte deste povo, Lutero personificou um ideal de liberdade fundamentado
na Bblia Sagrada. Metaforicamente, ele retirou a autoridade papal, e canalizou-a
aos prncipes, representando a quebra de paradigmas medievais referentes
hegemonia catlica.
Lutero, a partir da tica poltico-social, enfatizava a responsabilidade do
Estado na criao de escolas. A educao do povo passou a ser entendida como
condio sine qua non para o progresso de um povo. A educao, na perspectiva de promover o progresso de um povo, tambm
foi defendida por Frederico Guilherme II, rei da Prssia. Influenciado pelos ideais
iluministas do Aufklrung Esclarecimento - acreditava que a prosperidade e a
estabilidade nacional dependiam da educao geral do povo, e, em 1765, publicou
os Regulamentos Escolares. Atravs destes Regulamentos, normatizou a questo
escolar, tornando obrigatria a freqncia, a adequada preparao e remunerao
dos professores, a organizao dos livros didticos, o aperfeioamento dos mtodos,
o estabelecimento da inspeo escolar e a tolerncia religiosa na educao
(KREUTZ, 1991, p. 36).
A educao sob a chancela do Estado passou a incentivar o conhecimento
intelectual que, anteriormente, sob a hegemonia da Igreja, visava apenas
formao de bons cristos. Desenvolvimento intelectual e moral para todos
tornaram-se condies indispensveis para a formao da cidadania, visando a
construo de uma nova sociedade, impulsionada pelos ideais nacionalistas que
culminaram com a Unificao Alem, em 1871.
1.3.1 Lutero e a Educao
Lutero (1483-1546) nasceu na Saxnia e estudou num mosteiro agostiniano.
Em 1510, ao fazer uma viagem a Roma, decepcionou-se profundamente com a
corrupo da igreja catlica. Sete anos aps, publicou as 95 Teses sobre os abusos
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e as pretenses da Igreja oficial. Isso assinalou o incio de uma tormentosa relao
com Roma, que culminou com a ruptura definitiva.
Segundo Cambi (1999, p. 248), o movimento da reforma religiosa e cultural, iniciado por Lutero na Alemanha, que tem importantes conseqncias na histria da cultura europia, assumiu desde seus incios um importante significado educativo. Seja Lutero ou Melanchton, os dois maiores representantes da Alemanha reformada tambm no que diz respeito ao campo pedaggico, embora com nfases em partes diferentes, voltam sempre a enfrentar o problema educativo. Se de fato a Reforma pe como seu fundamento um contato mais estreito e pessoal entre o crente e as Escrituras e, por conseguinte, valoriza uma religiosidade interior e o princpio do livre exame do texto sagrado, resulta essencial para todo cristo a posse dos instrumentos elementares da cultura (em particular a capacidade de leitura) e, de maneira geral, para as comunidades religiosas, a necessidade de difundir essa posse em nvel popular, por meio de instituies escolares pblicas mantidas a expensas dos municpios. Pode-se dizer que, com o protestantismo, afirmam-se em pedagogia o princpio do direito-dever de todo cidado em relao ao estudo, pelo menos no seu grau elementar, e o princpio da obrigao e da gratuidade da instruo, lanando-se as bases para a afirmao de um conceito autnomo e responsvel de formao, no estando mais o indivduo condicionado por uma relao mediata de qualquer autoridade com a verdade e com Deus.
Lutero preocupava-se com um lugar para a educao. Seu interesse pelos
problemas da educao e da escola est contido numa srie de discursos e de
apelos dirigidos aos homens polticos alemes. Pode-se citar: a Carta aos
Conselheiros Comunais de Todas as Cidades da Alemanha de 1524; o Sermo
sobre a necessidade de mandar os filhos escola, de 1530 alm de alguns escritos
de carter religioso: como o Grande e Pequeno Catecismo, de 1529 (apud CAMBI,
1999, p. 249).
Lutero exortava, s cidades do Imprio, educao a todas as crianas de
ambos os sexos, com mtodos fceis, visando ao estudo com prazer em escolas
universais. O mestre deveria possuir, em justo equilbrio, severidade e amor, j que
com o amor obtm-se muito mais que com o medo servil e a coero. Na escola,
no deveria haver ento espao para as punies excessivas e para o estudo que
no tivesse finalidade e uma motivao precisa. Comungava com os mesmos ideais
de seu contemporneo Comnius, sobre a escola como uma oficina de homens.
Tratava-se de produzir um modo de viver nas cidades e, por outro lado, fomentar as
relaes comerciais.
A sua concepo pedaggica baseava-se num apelo fundamental validade
universal da instruo, a fim de que todo homem pudesse cumprir os prprios
deveres sociais. Para Lutero:
39
se no existissem nem a alma nem o Paraso nem o Inferno, e ainda se no se deve levar em considerao apenas as questes temporais, haveria igualmente necessidade de boas escolas masculinas e femininas, e isso para poder dispor de homens capazes de governar bem e mulheres em condies de conduzir bem as suas casas (apud CAMBI, 1999, p. 250).
A educao era, portanto, uma obrigao para os cidados e um dever para
os administradores das cidades. Os primeiros tinham tal obrigao porque a lei de
Deus no poderia ser mantida com os punhos e com as armas, mas apenas com a
cabea e com os livros. E se, de algum modo, relutassem, dever-se-ia recorrer
coao, do mesmo modo como so impostas as taxas para a construo de obras
de utilidade pblica. Para Lutero: era dever da autoridade temporal obrigar os
sditos a manter os filhos na escola, especialmente os mais promissores (in CAMBI,
1999, p. 251).
O dever para as autoridades municipais de instituir e manter a prprias
expensas as instituies escolares derivava da convico de que estas se
configuravam como verdadeiros e legtimos recursos para toda a comunidade: a
formao de cidados cultos e respeitadores da lei favoreceria a paz social e uma
grande economia de dinheiro. Portanto, a ignorncia deveria ser combatida em
todas as comunidades reformadas, sendo ela um instrumento com o qual o diabo se
empenhava em ofender cidades e Estados. Por isso, a educao deveria apoiar-se
sobretudo no estudo das lnguas, as antigas e a nacional, porque as lnguas eram a
bainha na qual estava guardada a espada do Esprito, o meio para chegar a
compreender a verdade do Evangelho (in CAMBI, 1999, p. 252).
Graas estreita colaborao entre a nova Igreja reformada e as autoridades
civis, sobretudo as da Saxnia, efetuou-se primeiro uma reorganizao das escolas
municipais e, sucessivamente, chegou-se a fundar algumas escolas secundrias
f