UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL RENATA CHIES PASCHOALI O HIBRIDISMO NOS ESQUETES DO CANAL BARBIXAS: PROGRAMA DE HUMOR NA INTERNET TAMBÉM INFORMA? Caxias do Sul 2016
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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL
RENATA CHIES PASCHOALI
O HIBRIDISMO NOS ESQUETES DO CANAL BARBIXAS: PROGRAMA DE
HUMOR NA INTERNET TAMBÉM INFORMA?
Caxias do Sul
2016
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RENATA CHIES PASCHOALI
O HIBRIDISMO NOS ESQUETES DO CANAL BARBIXAS: PROGRAMA DE
HUMOR NA INTERNET TAMBÉM INFORMA?
Trabalho de conclusão de curso para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, da Universidade de Caxias do Sul. Orientadora: Profª. Ma. Adriana dos Santos Schleder
Caxias do Sul
2016
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RENATA CHIES PASCHOALI
O HIBRIDISMO NOS ESQUETES DO CANAL BARBIXAS: PROGRAMA DE
HUMOR NA INTERNET TAMBÉM INFORMA?
Trabalho de conclusão de curso para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, da Universidade de Caxias do Sul. Aprovado em ___ /___ /2016.
Banca examinadora
___________________________________
Prof.ª Ma. Adriana dos Santos Schleder
Universidade de Caxias do Sul
___________________________________
Prof.ª Ma. Marliva Vanti Gonçalves
Universidade de Caxias do Sul
___________________________________
Prof. Me. Marcell Bocchese
Universidade de Caxias do Sul
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Dedico este trabalho à minha família, aos meus amigos, a quem acredita que o Jornalismo pode ser divertido e a todos que riem das minhas piadas.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, por ter me dado o dom da vida e guiar os meus caminhos.
Aos meus pais Renato e Rosane, obrigada por todo o amor e dedicação. Agradeço
ao meu irmão Rafael, por compreender meu modo de pensar e por ser fã, junto
comigo, da Companhia Barbixas de Humor. A toda minha família, que, quando
almoçava ou jantava lá em casa, surpreendia-se com a quantidade de livros em
cima da mesa.
Aos idealizadores da companhia e do canal Barbixas também devo meus
agradecimentos: Anderson Bizzocchi, Elidio Sanna e Daniel Nascimento, obrigada
por proporcionarem um objeto de estudo tão interessante e revelador. Obrigada,
também, por todas as vezes que me fizeram rir e refletir ao mesmo tempo.
Ao longo da minha vida acadêmica, agradeço pelos locais de trabalho que já
passei – Agência Experimental de Comunicação, Frispit TV, Frispit Rádio, Centro
Tecnológico, Câmara Municipal e RBS TV –, pela experiência e conhecimento
adquiridos, mas, antes disso, pela vivência e convivência com cada um dos colegas.
Afinal, quando se estuda comunicação, é com as pessoas que se aprende.
Agradeço, também, por poder ter chamado – e ainda chamar – a maioria destes
colegas de amigos.
Aos meus amigos, portanto, obrigada. A todos. Sem exceção. Não posso citar
todos os nomes aqui. Aquela história de que “os amigos verdadeiros são contados
nos dedos de uma mão” nunca fez sentido para mim.
Uma amiga, no entanto, é preciso citar nome e sobrenomes – apesar deles já
terem aparecido nesta monografia: Adriana dos Santos Schleder. À minha
orientadora neste estudo, que também já foi minha supervisora, professora e mestra,
que sempre foi e ainda é minha amiga, devo meus mais sinceros agradecimentos.
Obrigada, profe, pelo apoio, paciência e compreensão (muitas doses desta última).
E é difícil, aqui, não parecer bajuladora, mas gostaria de agradecer, também, aos
dois professores avaliadores da minha banca, pois escolhi convidar aqueles que
mais admiro e me identifico. Agradeço, enfim, a todos os professores, mestres e
doutores do curso de Jornalismo que, a cada aula, fizeram com que eu me
apaixonasse cada vez mais pela comunicação.
Sinto-me mais do que na obrigação de citar outra amiga que leu – com gosto,
carinho e atenção – as páginas desta pesquisa em menos de três dias: Vania Marta
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Espeiorin, obrigada por ser essa pessoa maravilhosa que tu és e me permitir ter sua
amizade em minha vida.
A todos os amigos que acompanharam este trabalho, de perto e de longe,
escutando minhas constantes reclamações e lamentos durante o ano – alguns até
me ouviram chorar; mas que foram ouvintes, também, de suspiros de alívio e
exclamações de alegria quando chegou ao fim. A vocês, que são meu porto seguro,
agradeço imensamente.
Aos amigos que nasceram pela fé: da ComMissão Jovem, por unirem
comunicação, crença e amizade num único grupo, e me convidarem para fazer parte
disso; aos do Nova Geração, por terem me apresentado Deus e me mostrado que
amizade verdadeira existe. Tenho muita sorte por tê-los em minha vida há mais de
oito anos; aos do Aldeia de Emaús, que começaram, aos poucos, a fazer parte da
minha história, e agora já não consigo escrever novos capítulos sem citá-los.
Aos amigos dos ensinos Fundamental e Médio: nunca imaginei que ainda os
teria por perto depois de tanto tempo. Obrigada por permanecerem na minha vida
quando seguimos caminhos totalmente diferentes. Aos amigos que fiz durante a
vivência acadêmica: obrigada por terem me ensinado que é possível continuar e
aprofundar o conteúdo da aula discutindo no bar, enquanto bebemos cerveja. E
dentre estes amigos, não estão só colegas, mas diretores, pedagogos, mestres,
doutores e professores.
Confesso que todos ouviram mais “eu teria a monografia para escrever, mas
vamos lá” em vez de “não posso ir, preciso escrever minha monografia”. Ainda bem
que cheguei até aqui mesmo assim. Agradeço por isso.
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“E falsa seja para nós toda a verdade que não tenha sido
acompanhada por uma risada!”
Friedrich Nietzsche
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RESUMO
Este trabalho analisa três esquetes de humor do canal Barbixas no YouTube, com o objetivo de investigar se a crítica à sociedade por meio do humor pode ser considerada informação. A pesquisa traz os conceitos de gêneros dos programas de TV nas categorias entretenimento e informação, e também do hibridismo, além de abordar o processo de produção audiovisual e a interatividade proporcionada pelo meio online como subsídio para a análise. Como metodologia, utilizou-se a Análise de Conteúdo como método, acompanhada das técnicas de revisão bibliográfica, entrevista e observação. Com o estudo, verificou-se que a informação pode aparecer no humor, sem o rigor jornalístico, mas com a ideia de fazer refletir sobre realidade e sociedade. Palavras-chave: Humor. Informação. Audiovisual. YouTube. Barbixas.
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ABSTRACT
This work analyzes three humorous sketches of the Barbixas channel on YouTube, with the aim of investigating a critique of society through humor can be seen information. The research brings the genre concepts of TV programs in the categories of entertainment and information, as well as hybridism, as well as addressing the audiovisual production process and interactivity provided by the online medium as a subsidy for an analysis. As a methodology, we used a Content Analysis as a method, followed techniques of bibliographic review, interview and observation. With the study, it was verified that the information can appear in the humor, without the journalistic rigor, but with an idea to make reflection on the reality and the society. Keywords: Humor. Information. Audio-visual. YouTube. Barbixas.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Categoria, gênero e formato ..................................................................... 20
Figura 2 - Fórmula da ação dramática ...................................................................... 37
Figura 3 - Esquema de análise .................................................................................. 69
Figura 4 - Logo da Companhia Barbixas de Humor .................................................. 72
Figura 5 - Preso em nome da lei ............................................................................... 74
Figura 6 - Descrição do vídeo Preso em nome da lei ................................................ 75
Figura 7 - Comentário 1 - Preso em nome da lei ....................................................... 83
Figura 8 - Comentário 2 - Preso em nome da lei ....................................................... 83
Figura 9 - Comentário 3 - Preso em nome da lei ....................................................... 83
Figura 10 - Comentário 4 - Preso em nome da lei ..................................................... 84
Figura 11 - Lei Áurea ................................................................................................. 84
Figura 12 - Descrição do vídeo Lei Áurea ................................................................. 85
Figura 13 - Comentário 1 - Lei Áurea ........................................................................ 88
Figura 14 - Comentário 2 - Lei Áurea ........................................................................ 89
Figura 15 - Dia Internacional da Mulher .................................................................... 89
Figura 16 - Descrição do vídeo Dia Internacional da Mulher ..................................... 90
Figura 17 - Comentário 1 - Dia Internacional da Mulher ............................................ 95
Figura 18 - Comentário 2 - Dia Internacional da Mulher ............................................ 96
Figura 19 - Comentário 3 - Dia Internacional da Mulher ............................................ 96
Figura 20 - Foto com a Companhia Barbixas de Humor ......................................... 100
Figura 21 - Jogo Brazil ............................................................................................ 106
Figura 22 - Delação premiada ................................................................................. 107
Figura 23 - Jornalista ............................................................................................... 108
Figura 24 - Relaxa ................................................................................................... 109
Figura 25 - Nenhum escravo trabalhando ............................................................... 110
Figura 26 - O Brasil vai parar .................................................................................. 111
Figura 27 - Desculpa o desabafo ............................................................................ 112
Figura 28 - Não entendo o porquê .......................................................................... 115
Figura 29 - Marianna Armelini ................................................................................. 116
Figura 30 - Assim que vocês fazem ........................................................................ 117
Figura 31 - Empreiteira ............................................................................................ 123
Figura 32 - É complicado jogar Brazil ...................................................................... 124
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Figura 33 - Pizza ..................................................................................................... 125
Figura 34 - Governo ................................................................................................ 127
Figura 35 - Eu sou um homem ................................................................................ 128
Figura 36 - Chocolate .............................................................................................. 129
Figura 37 - Cameraman .......................................................................................... 131
Figura 38 - Dia da Consciência Negra .................................................................... 131
Figura 39 - Comentário 1 - Preso em nome da lei ................................................... 143
Figura 40 - Comentário 2 - Preso em nome da lei ................................................... 144
Figura 41 - Comentário 3 - Preso em nome da lei ................................................... 145
Figura 42 - Comentário 4 - Preso em nome da lei ................................................... 145
Figura 43 - Comentário 1 - Lei Áurea ...................................................................... 147
Figura 44 - Comentário 2 - Lei Áurea ...................................................................... 148
Figura 45 - Comentário 1 - Dia Internacional da Mulher .......................................... 149
Figura 46 - Comentário 2 - Dia Internacional da Mulher .......................................... 151
Figura 47 - Comentário 3 - Dia Internacional da Mulher .......................................... 151
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Elementos de categorização de análise ................................................. 103
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 16
2 GÊNEROS E FORMATOS DO AUDIOVISUAL ........................................ 20
2.1 CATEGORIA ENTRETENIMENTO ........................................................... 21
2.1.1 Gênero humorístico ................................................................................ 22
2.2 CATEGORIA INFORMAÇÃO .................................................................... 25
2.2.1 Gênero debate ......................................................................................... 25
2.2.2 Gênero documentário ............................................................................. 26
2.2.3 Gênero entrevista .................................................................................... 26
2.2.4 Gênero telejornal ..................................................................................... 27
2.3 HIBRIDISMO ............................................................................................. 27
3 O AUDIOVISUAL NO ENTRETENIMENTO E NA INFORMAÇÃO .......... 31
3.1 PRODUÇÃO AUDIOVISUAL NO ENTRETENIMENTO ............................ 31
3.1.1 Ideia .......................................................................................................... 32
3.1.2 Conflito ..................................................................................................... 34
3.1.3 Personagens ............................................................................................ 34
3.1.4 Ação dramática ........................................................................................ 36
3.1.5 Tempo dramático ..................................................................................... 37
3.1.6 Unidade dramática .................................................................................. 38
3.2 PRODUÇÃO AUDIOVISUAL NA INFORMAÇÃO ..................................... 39
3.2.1 Pauta ......................................................................................................... 39
3.2.2 Produção .................................................................................................. 40
3.2.3 Gravação .................................................................................................. 40
3.2.4 Edição ....................................................................................................... 41
3.3 SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ............................................................ 41
4 CONVERGÊNCIA: HISTÓRIA E MIGRAÇÃO .......................................... 46
4.1 HISTÓRIA ................................................................................................. 46
4.2 MIGRAÇÃO ............................................................................................... 47
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5 O MEIO ONLINE E A OPORTUNIDADE .................................................. 55
5.1 O YOUTUBE ............................................................................................. 57
5.2 CRIADORES E PÚBLICO-ALVO .............................................................. 59
6 METODOLOGIA ....................................................................................... 63
6.1 MÉTODO ................................................................................................... 63
6.1.1 Pré-análise ............................................................................................... 63
6.1.2 Exploração do material ........................................................................... 65
6.1.2.1 Codificação ................................................................................................ 66
6.1.2.2 Categorização ........................................................................................... 66
6.1.3 Tratamento dos resultados obtidos e interpretação ............................ 67
6.2 TÉCNICAS ................................................................................................ 70
6.2.1 Revisão bibliográfica .............................................................................. 70
6.2.2 Observação .............................................................................................. 71
6.2.2.1 O canal Barbixas ....................................................................................... 72
6.2.2.2 Corpus da pesquisa................................................................................... 73
6.2.2.2.1 Preso em nome da lei ................................................................................ 74
6.2.2.2.2 Lei Áurea ................................................................................................... 84
6.2.2.2.3 Dia Internacional da Mulher ....................................................................... 89
6.2.3 Entrevista ................................................................................................. 96
6.2.3.1 Processo da entrevista .............................................................................. 97
6.2.3.2 Entrevista com Elidio Sanna .................................................................... 100
7 ANÁLISE: ESQUETES QUE FAZEM RIR E REFLETIR ........................ 103
7.1 INFORMAÇÃO ........................................................................................ 105
7.1.1 Informação no vídeo Preso em nome da lei ........................................ 105
7.1.2 Informação no vídeo Lei Áurea ............................................................ 110
7.1.3 Informação no vídeo Dia Internacional da Mulher .............................. 114
7.2 HUMOR E ENTRETENIMENTO ............................................................. 121
7.2.1 Humor e entretenimento no vídeo Preso em nome da lei .................. 122
7.2.2 Humor e entretenimento no vídeo Lei Áurea ...................................... 126
7.2.3 Humor e entretenimento no vídeo Dia Internacional da Mulher ........ 127
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7.3 HIBRIDISMO ........................................................................................... 132
7.3.1 Hibridismo entre informação e entretenimento .................................. 133
7.3.2 Hibridismo entre televisão e internet ................................................... 138
7.4 INTERATIVIDADE ................................................................................... 141
7.4.1 Interatividade no vídeo Preso em nome da lei .................................... 143
7.4.2 Interatividade no vídeo Lei Áurea ........................................................ 146
7.4.2 Interatividade no vídeo Dia Internacional da Mulher .......................... 149
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 153
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 158
ANEXOS ................................................................................................................. 162
APÊNDICES ........................................................................................................... 163
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1 INTRODUÇÃO
“Rirmos juntos é melhor do que falar a mesma língua. Ou talvez
o riso seja uma língua anterior que fomos perdendo à medida
que o mundo foi deixando de ser nosso.”
Mia Couto
Com a evolução do telejornalismo, parece que uma forma audiovisual padrão
de transmitir a informação foi determinada. A variação ocorre, no máximo, entre os
formatos revista1 e hard news2. Isso acontece, talvez, porque todas as emissoras
perceberam que esta é a melhor forma de comunicar, respeitando a ética e a
imparcialidade que o Jornalismo – de verdade – exige.
Seria, então, a única forma de obter informação – por meio do audiovisual –
assistindo a estes telejornais? Todos seguindo o padrão de um ou mais
apresentadores (em pé ou sentados atrás de uma bancada), dando notas (peladas –
sem qualquer imagem de ilustração – ou cobertas – com imagens), trazendo, por
vezes, comentaristas, reservando um espaço para a previsão do tempo e
introduzindo as reportagens? Nas matérias, o padrão é sempre o de imagens
cobrindo offs, com fontes expondo suas opiniões em sonoras e com o repórter
assinando a produção em sua aparição, na passagem. Todavia, sem manifestar
posicionamento ou expor suas ideias. Deste modo, o telespectador recebe a
informação limpa e direta e, então, desenvolve seus próprios pensamentos sobre o
assunto em questão.
Por mais que muitos veículos de comunicação e emissoras tentem fugir deste
padrão que se desenhou ao longo do tempo, poucos conseguem fazer algo
totalmente novo. O motivo é porque, simplesmente, esta forma foi entendida como
sendo a melhor para repassar a informação. E talvez seja redundante citar ‘forma’ e
1 O formato revista é componente do gênero entretenimento. A formatação é muito parecida com a
dos programas de Jornalismo e variedades, tendo como diferencial a postura mais comprometida com a categoria informativa do que com a de entretenimento. Nesse aspecto, o infortenimento – a informação unida ao entretenimento – passa a ser a linguagem utilizada para atrair a audiência. A notícia torna-se espetáculo e faz parte de uma espécie de show de informações (SOUZA, 2004). 2 Hard news (acontecimento inesperado), spot news, developing news (acontecimento em
desenvolvimento), continuing news (acontecimento em continuação), acontecimento predeterminado (TUCHMAN, 1980).
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‘modo’ em uma mesma frase, mas é exatamente isso: dentro do modo do Jornalismo
padrão e imparcial, essa é a melhor forma de comunicar. Contudo, e fora deste
Jornalismo padrão e imparcial? É possível transmitir alguma informação? Nos
programas de cunho humorístico, por exemplo, que existem na televisão e, também,
na internet? Este questionamento se mostra prospectivo por levar a outra questão:
de que maneira a informação chega ao indivíduo por meio do humor?
A possibilidade de que estes vídeos possuem um caráter híbrido é abordada
no desenvolvimento desta pesquisa. A partir dela, pretende-se responder à questão
norteadora: a crítica à sociedade por meio do humor pode ser considerada
informação?
O objetivo geral desta pesquisa, portanto, é investigar se a crítica à
sociedade por meio do humor pode ser considerada informação. Os objetivos
específicos são conceituar informação, Jornalismo e humor; caracterizar os gêneros
dos programas de TV; descrever as etapas para a construção de um programa de
entretenimento e de um programa jornalístico; contextualizar a evolução da TV
aberta e o processo de convergência digital, com o surgimento de uma nova
plataforma e nova linguagem; conhecer como se dá o processo de produção de
conteúdos audiovisuais nas mídias sociais, em especial no YouTube; analisar os
vídeos do canal Barbixas no YouTube especificados no corpus da pesquisa; analisar
os processos de interação realizados entre o canal Barbixas e seu público a partir
dos esquetes estudados na pesquisa; e entrevistar os idealizadores dos vídeos do
canal Barbixas no YouTube sobre o objetivo das produções: entreter ou informar.
A partir disso, são formuladas três hipóteses para nortear o projeto: o humor
pode ser tão informativo nos conteúdos audiovisuais quanto os gêneros de TV da
categoria informação; existem similaridades entre o entretenimento e a informação
ao retratar a sociedade, porém, o que os diferencia é o elemento humor, capaz de
neutralizar mesmo a crítica mais severa; e quando um programa de conteúdo
audiovisual, a exemplo do humor, assume um posicionamento ideológico, possibilita
ao espectador maior clareza da informação repassada e discernimento para
concordar ou não com as opiniões emitidas.
Esta pesquisa tem o intuito de analisar três vídeos de humor publicados no
canal do YouTube Barbixas, idealizado por Anderson Bizzocchi, Daniel Nascimento
e Elidio Sanna. Além de vídeos de show de improviso, o canal também apresenta
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esquetes humorísticos. Dentre eles, Preso em nome da lei, Lei Áurea e Dia
Internacional da Mulher, decupados e analisados nesta pesquisa.
Para realizar a pesquisa, o método adotado é a Análise de Conteúdo, e as
técnicas utilizadas, revisão bibliográfica, entrevista e observação. Para nortear a
pesquisa, é necessário abordar quatro temas, separados em quatro capítulos.
No capítulo dois, Gêneros e formatos do audiovisual, são conceituados os
gêneros e formatos de programas audiovisuais, dando ênfase àqueles pertencentes
às categorias informação e entretenimento, que referem-se ao tema desta pesquisa.
Também neste capítulo o hibridismo é explanado.
O terceiro capítulo, O audiovisual no entretenimento e na informação, aborda
os processos de produção necessários para a existência de um produto audiovisual,
uma vez que as etapas pelas quais o programa passa são fundamentais para
subsidiar a análise desta pesquisa. O capítulo foi subdividido em duas partes: os
processos de produção de um audiovisual pertencente à categoria entretenimento e,
após, os processos daquele pertencente à categoria informação. Semelhanças e
diferenças entre esses dois também são abordadas neste capítulo.
A convergência digital é tema do quarto capítulo, Convergência: história e
migração. Este assunto se faz necessário uma vez que os vídeos analisados estão
disponibilizados em uma plataforma digital. Os caminhos que o produto audiovisual
percorreu, desde a televisão aberta até o surgimento da internet são apontados
neste capítulo. Também foi abordado como um meio influenciou – e ainda influencia
– o outro.
No capítulo cinco, O meio online e a oportunidade, a plataforma digital é
assunto. A linguagem própria da internet, um meio democrático, é explanada, assim
como suas principais características: a interatividade nas mídias sociais e a
oportunidade desta plataforma. Os atributos do site de vídeos YouTube, seus
produtores e seu público-alvo também são evidenciados.
Além dos capítulos de revisão bibliográfica, também são apresentados
outros três capítulos. O capítulo seis traz a Metodologia desta pesquisa, na qual o
processo da Análise de Conteúdo foi explicado: a pré-análise, a exploração do
material – passando pela codificação e categorização – e o tratamento dos
resultados obtidos e interpretação. As técnicas utilizadas neste estudo foram a
revisão bibliográfica, a entrevista e a observação.
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O capítulo sete, Análise: esquetes que fazem rir e refletir, é a análise de
conteúdo desta pesquisa, na qual quatro principais categorias são elencadas: a
informação, o entretenimento e humor, o hibridismo e a interatividade. A questão
norteadora deste estudo é respondida nas considerações finais desta monografia,
que integra o oitavo capítulo. Ali, também, as hipóteses serão aceitas ou refutadas.
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2 GÊNEROS E FORMATOS DO AUDIOVISUAL
“Não há normas. Todos os homens são exceção a uma
regra que não existe.”
Fernando Pessoa
A primeira bibliografia a ser revisada nesta pesquisa leva em conta os
gêneros e os formatos dos programas de televisão. De acordo com José Carlos
Aronchi de Souza, no livro Gêneros e formatos na televisão brasileira (2004),
“costumamos ordenar tudo que existe em diferentes grupos ou categorias: animais,
vegetais, veículos automotores, eletrodomésticos etc., como se os colocássemos em
gavetas diferentes” (p. 37).
Sobre a televisão, o autor explica que esta ação de separar os programas em
categorias tem como objetivo atender a necessidade de classificá-los em gêneros
correspondentes. Para Souza (2004), qualquer que seja a categoria de um programa
de televisão, ele deve sempre entreter e pode também informar.
Conforme o autor, o gênero se encontra dentro de uma categoria. Dentro do
gênero, por sua vez, Souza (2004) apresenta o formato: uma forma de auxílio na
definição do gênero dos programas de TV. O autor afirma que o formato está
sempre associado a um gênero, e esse é diretamente ligado a uma categoria. Com
isso, um gênero pode ter vários formatos de programas, conforme ilustra a figura:
Figura 1 - Categoria, gênero e formato
Fonte: Souza (2004, p. 47).
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Souza (2004) apresenta a classificação dos programas da televisão brasileira
em cinco categorias – entretenimento, informação, educação, publicidade e outros.
O autor também expõe seus gêneros e a identificação dos formatos.
a) Entretenimento: auditório, colunismo social, culinário, desenho,
docudrama, esportivo, filme, game show (competição), humorístico,
infantil, interativo, musical, novela, quiz show (perguntas e respostas),
reality show (TV realidade), revista, série, série brasileira (minisséries),
sitcom (comédia de situações), talk show, teledramaturgia, variedades
western (faroeste);
b) Informação: debate, documentário, entrevista, telejornal;
c) Educação: educativo, instrutivo;
d) Publicidade: chamada de patrocínio, filme comercial, político, sorteio,
telecompra;
e) Outros: especial, evento, religioso.
Para responder à questão norteadora desta pesquisa – se a crítica à
sociedade por meio do humor pode ser considerada informação –, serão abordadas,
na sequência, duas categorias e cinco gêneros que contextualizam o tema. Dentro
da categoria entretenimento, será abordado o gênero humorístico. Na categoria
informação, os gêneros contextualizados serão debate, documentário, entrevista e
telejornal.
2.1 CATEGORIA ENTRETENIMENTO
O setor que mais investe em entretenimento no mundo é o das
comunicações, conforme Elizara Carolina Marin cita no artigo Entretenimento: uma
mercadoria com valor em alta (2006). Segundo a doutora em comunicação, a mídia
assume um papel central na produção de entretenimento e, consequentemente, na
apropriação do espaço e do tempo sobre uma vasta parcela da população humana.
É no espaço da comunicação e da mídia que o entretenimento é tratado não
somente como um setor, mas como uma categoria, que se subdivide em gêneros.
Para esta pesquisa, será explanado o gênero humorístico.
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2.1.1 Gênero humorístico
Souza (2004) observa que o gênero humorístico surgiu no rádio e veio para
televisão com uma expectativa de sucesso. Entretanto, o autor admite que a fórmula
dos programas deste gênero anda bastante desgastada. “A falta de redatores leva o
gênero a repetições contínuas de velhas fórmulas, com formatos que atravessaram
o século XX e, pelo jeito, terão lugar garantido na TV digital” (p. 113).
Segundo Souza (2004), os formatos aplicados ao humor na TV seguem vários
estilos, “de tradicionais, como os de auditório, aos mais ousados, como os
documentários ou entrevistas” (p. 113). Para ele,
o humorismo passa a ser o coringa da programação, pois já foi de horário nobre, com apresentação somente aos domingos, já esteve de segunda a sábado e, na grade de 1996, aparecia na hora do almoço. O gênero e o formato são bem adaptáveis à reação da audiência e suas reprises são incontáveis. Historicamente, fazer rir sempre deu resultado [...] (SOUZA, 2004, p. 114).
Outra informação abordada pelo autor, pertinente para esta pesquisa, é que,
durante o período da ditadura militar, os programas de humor “traziam mensagens
codificadas, que minimizavam a pressão política e econômica do país; era uma
crítica consentida” (p. 112). Essa questão é relevante, pois demonstra que, para
fazer uma crítica, mesmo que seja em forma de entretenimento, é necessário que o
telespectador entenda a informação.
Luiz Carlos Travaglia, no artigo Uma introdução ao estudo do humor pela
linguística (1990), complementa Souza (2004) ao apontar que “o humor permite a
crítica onde ela seria impossível de outro modo” (p. 68). Na obra Os humores da
língua: análises linguísticas de piadas (1998), Sírio Possenti vem ao encontro dos
dois autores por afirmar que “o que caracteriza o humor é muito provavelmente o
fato de que ele permite dizer alguma coisa mais ou menos proibida” (p. 49). Em sua
outra obra, intitulada Humor, língua e discurso (2010), Possenti destaca que o humor
tem suas regras, seu universo, suas funções. Haverá certamente alguma relação com a realidade, mas construída segundo as regras do humor, análogas às da ficção. Nem retrata, pois não tem pretensões sociológicas, nem prega diretrizes, pois não tem função educativa ou moralizante. Contudo, não deixa de ter algum papel, de retratar à sua maneira os fatos e as pessoas (exagerando-os, caricaturizando-os, ridicularizando-os) [...]. E os leitores ou ouvintes fazem com isso o que lhes der na telha – segundo seus valores e ideologias (POSSENTI, 2010, p.179).
23
Portanto, conforme os autores, uma das características do humor é esta:
poder dizer algo que não seria possível – se não fosse por meio do humor. Travaglia
(1990) vai mais além. Para ele,
o humor é uma atividade ou faculdade humana cuja importância se deduz de sua enorme presença e disseminação em todas as áreas da vida humana, com funções que ultrapassam o simples fazer rir. Ele é uma espécie de arma de denúncia, de instrumento de manutenção do equilíbrio social e psicológico; uma forma de revelar e de flagrar outras possibilidades de visão do mundo e das realidades naturais ou culturais que nos cercam e, assim, de desmontar falsos equilíbrios (TRAVAGLIA, 1990, p.55).
O autor ainda cita Freud (1905) para pontuar que o humor é uma forma das
pessoas se libertarem das repressões do cotidiano e “de descobrir prazeres
reprimidos pela autoridade social e autocensura, sendo, pois, uma forma de
rebelião, de reação, de revolta” (FREUD, 1905 apud TRAVAGLIA, 1990, p. 68). Para
Travaglia (1990), o humor possibilita que as pessoas sejam livres contra a repressão
da autoridade, liberando-se da pressão em todas as facetas da vida diária.
Gabriela Cocolo de Freitas, no artigo Entendendo a piada: uma análise
linguística (2011), comenta que “o humor é algo multifacetado, muito amplo e
abrangente, podendo ser minuciosamente abordado por várias áreas, como a
sociologia, antropologia, filosofia, psicologia, etc” (p. 12). Seguindo a ótica de
Travaglia (1990), que complementa neste ponto, os diferentes enfoques acabam
convergindo, ou “sendo contra-faces de algo multifacetado e que se torna difícil
trabalhar dentro de uma abordagem (visão de uma face) sem tocar, perceber ou
levantar elementos de outra” (p. 64).
Ser multifacetado e possibilitar a liberdade de expressão são, portanto,
características do humor. Outro atributo deste gênero do entretenimento está no
fator surpresa. De acordo com Alessandra Del Ré, no livro A criança e a magia da
linguagem: um estudo sobre o discurso humorístico (2011), “ri-se menos das
palavras que das coisas, mas elas podem se tornar mais engraçadas se surpreende-
se a expectativa do outro, ela espera que você diga uma coisa e você diz outra” (p.
36).
Neste mesmo pensamento segue, também, Possenti (2010). Para ele, o
humor exige a existência de uma “armadilha” (p. 111) para o leitor, fazendo com que
ele tenha sempre que decifrar um enigma. Para Freitas (2011), isso é uma
24
característica típica desse gênero, enquanto que, em outros, essa armadilha – um
desfecho incoerente, um duplo sentido, etc – seria considerada um problema.
Ainda sobre o fator surpresa, Any Lílian Maxemiuc Barcellos, no artigo O
humor como recurso linguístico: um estudo de ensaio jornalístico publicado em
revista semanal (2004) cita Janet Holmes (2000). Uma das estratégias comumente
utilizadas para provocar o humor, de acordo com Holmes (2000), “é estabelecer
relações incongruentes: o riso é desencadeado no ouvinte no momento em que ele
percebe que algo ocorreu de forma inesperada, não consonante com suas
expectativas” (HOLMES, 2000 apud BARCELLOS, 2004, p. 02 e 03).
Possenti (2010) ainda complementa que o fato de o leitor descobrir as
alternativas de interpretação possíveis na piada provoca grande dose de prazer.
Sobre isto, segue falando Freud (1905), que também é citado por Barcellos (2004),
quando sugere que as funções do humor sejam
a) fazer do ouvinte/leitor um aliado contra a pessoa de quem se deseja expressar julgamento hostil: o prazer provocado pelo riso faz com que ela nutra simpatia pela pessoa que o provocou; b) exteriorizar sentimentos que, do contrário, estariam reprimidos por coibições internas; e, c) obter prazer de forma socialmente aceita, através da exposição de outras pessoas ao ridículo (FREUD, 1905 apud BARCELLOS, 2004, p. 03).
Ao retomar Souza (2004) e suas mensagens de humor codificadas durante a
ditadura militar no Brasil, reitera-se a necessidade de um conhecimento prévio por
parte dos receptores para que as mensagens sejam, realmente, decodificadas.
Possenti (2010) traz novos apontamentos sobre este assunto ao explicar que
há piadas que supõem leitores específicos, que partilhem de saberes – de memórias – específicos. Além disso, exige-se uma capacidade de sacar trocadilhos, duplos sentidos, alusões etc. Nesse sentido, as piadas são um tipo de texto específico, porque, se é verdade que todos os textos supõem algum “conhecimento prévio” ou “enciclopédico”, a piada exige, além disso, uma precisão cirúrgica na leitura de certa passagem (POSSENTI, 2010, p.111).
Outra autora que compactua com a ideia da necessidade de se ter a
informação para que haja humor é Marta Helena Feitosa Silva. No artigo Quem ri por
último... não conhece o contexto (2013), ela trata da contribuição que o humor traz
às outras linguagens já existentes e não humorísticas. Para Silva (2013), “os
gêneros humorísticos vêm tão simplesmente somar-se aos demais numa busca,
25
entre outros objetivos, de ampliar a capacidade de leitura reflexiva e crítica do aluno”
(p. 183).
Para retomar essas características apresentadas e atribuídas ao humor – ser
multifacetado, possuir o fator surpresa, permitir uma maior liberdade de expressão,
provocar prazer e, principalmente, precisar de um conhecimento prévio para ser
compreendido – é conveniente citar o autor Celso Figueiredo Neto. No artigo Porque
Rimos: Um Estudo do Funcionamento do Humor na Publicidade (2011), ele traz
quase uma síntese deste gênero ao apontar que “a capacidade maravilhosa de tirar
a realidade do plano do concreto e tratá-la em suas múltiplas leituras, ambiguidades
e inesperadas diferenças é que constroe o universo do humor e, em última instância,
denotam a inteligência e a capacidade crítica do ser humano” (p. 02).
Já tendo evidenciado o entretenimento, a próxima categoria a ser abordada é
a da informação.
2.2 CATEGORIA INFORMAÇÃO
A notícia, como descreve Olga Curado em sua obra A Notícias na TV (2002),
é a informação que tem relevância para o público. Segundo a autora, “a informação
deve colaborar para produzir em nós um sentimento de inclusão social ou política,
aumentando a nossa consciência acerca do que se passa nas nossas cercanias ou
alhures” (p. 16).
Ainda de acordo com Curado (2002), a origem da informação é necessária
para haver precisão na notícia. Ela afirma que “a informação primária é a matéria-
prima do Jornalismo” (p. 21).
Dentro da categoria informação, conforme Souza (2004), existem quatro
gêneros: debate, documentário, entrevista e telejornal. Para esta pesquisa, todos
eles serão abordados a seguir.
2.2.1 Gênero debate
Souza (2004) escreve que a principal característica do gênero debate é a
quantidade de entrevistados e entrevistadores. “É o número de pessoas que cria o
debate” (p. 144). O autor aponta que os assuntos e convidados variam: pode se
26
debater um único tema, com vários convidados, ou vários temas, com menos
convidados, etc.
Para Souza (2004), o apresentador único caracteriza a maioria dos
programas de debate, e o formato mais frequente deste gênero é a mesa-redonda.
O autor ainda comenta que pode haver reportagens ilustrando o tema. A longa
duração, conforme Souza, também é característica do gênero em questão.
2.2.2 Gênero documentário
Para Souza (2004), os documentários são uma demonstração da qualidade
dos programas do departamento de telejornalismo. “O documentário é a antítese da
ficção, da fabricação de fantasia” (p. 145). Segundo o autor,
os temas abordados pelos documentários apresentam certa importância histórica, social, política, científica ou econômica e também aprofunda assuntos do cotidiano, vistos de uma perspectiva crítica [...]. O documentário pode apresentar muitos formatos dentro do próprio gênero, como videoclipes, entrevistas, debates, narração em off, com o objetivo de não torná-lo cansativo e apresentar de forma variada as informações colhidas de várias fontes (SOUZA, 2004, p. 114).
A finalidade deste gênero, conforme Souza (2004), é levar ao telespectador
uma visão do mundo, da realidade de outros países e de outras culturas. O autor
deixa claro que a pesquisa, um aprofundamento do tema e a produção de imagens
em diversos locais são necessidades de um documentário. “A proposta de um
documentário é buscar o máximo de informações sobre um tema” (p. 146).
2.2.3 Gênero entrevista
O gênero entrevista está ligado, segundo Souza (2004), aos programas
jornalísticos da emissora. “As entrevistas podem ter por assunto principal tanto a
vida do próprio entrevistado quanto uma ou mais informações de domínio dele” (p.
148).
Souza (2004) explica algumas diferenças básicas entre os gêneros entrevista,
da categoria informação, e talk show, da categoria entretenimento: na entrevista, o
foco é o entrevistado, e o apresentador não tem obrigação, por exemplo, de deixá-lo
27
à vontade, podendo questioná-lo sobre fatos polêmicos. No talk show, normalmente,
há a presença de uma plateia.
2.2.4 Gênero telejornal
Souza (2004) classifica o gênero telejornal como um programa que apresenta
características próprias e evidentes, com apresentador em estúdio chamando
matérias e reportagens sobre os fatos mais recentes.
Sobre a importância do telejornal, o autor explana que “as grades podem
deixar de apresentar um ou outro gênero, mas o telejornalismo ocupa espaço e
visibilidade fundamentais para o conceito de rede de televisão” (p. 151).
Apesar das específicas categorias, gêneros e formatos apresentados por
Souza (2004), nem todos os produtos audiovisuais existentes se encaixam
perfeitamente em uma única categoria, gênero ou formato. A estes produtos se
atribui uma característica denominada hibridismo, que será explanada no próximo
subtítulo.
2.3 HIBRIDISMO
No artigo Reflexões sobre os gêneros e formatos televisivos (2006), Elizabeth
Bastos Duarte apresenta um fenômeno definido por ela como hibridismo ou
hibridação. Um formato hibrido é consequência da necessidade atual dos programas
de oferecer conteúdo multifacetado, que consiga abranger diferentes públicos,
interesses e expressões culturais. Segundo a autora, com uma programação híbrida,
isto é, com componentes diversificados e combinados entre si, uma produção pode
concentrar múltiplas linguagens e formas de expressão, bem como uma variedade
de interesses, valores e conflitos.
Ainda conceituando o termo, para Leila Lima de Sousa, no artigo O processo
de hibridação cultural: prós e contras (2013), entende-se por hibridismo cultural o
processo de mistura, junção de diferentes matrizes culturais.
De acordo com Duarte (2006), a característica principal dos produtos
televisuais é a complexidade e a hibridização. Conforme ela, a redução dos gêneros
28
“apenas às receitas de fabricação ou a etiquetas de classificação” (p. 20) tem
impedido a compreensão de sua verdadeira função.
Ainda segundo a autora, “dizer de um programa que ele é informativo ou de
entretenimento é praticamente nada informar sobre ele. Afinal, que programa não
traz informações? Que programa não tem como meta o entretenimento?” (p. 21).
Conforme a pesquisadora e doutora em comunicação Nísia Martins do
Rosário, no artigo Formatos e gêneros nos corpos eletrônicos (2007), há
dificuldades, no âmbito do mercado e da academia, para ordenar, classificar e,
sobretudo, refletir sobre os gêneros audiovisuais. Ela observa que “as classes de
programas não partem, necessariamente, dessas duas espécies específicas (ficção
e não ficção), mas de estruturas intrincadas que se hibridizam e se multiplicam,
extrapolando os grandes conjuntos do cinema” (p. 02).
Na ótica de Rosário (2007), os gêneros compõem – tendo em vista as
hibridizações que sofrem – sintaxes que mesclam sentidos dos próprios gêneros,
evidenciando alguns e apagando outros.
A pesquisadora afirma que é preciso
desestabilizar a falsa ordem que organiza a linguagem e os gêneros televisivos, sempre em movimento e em processo dinâmico de transformação. Parece ser papel daqueles que se dedicam a estudar o audiovisual buscar alguns consensos, mas, igualmente, levantar questões, ponderar, debater (ROSÁRIO, 2007, p. 17).
O professor e pesquisador Adair Tesche, no artigo Gênero e regime escópico
na ficção seriada televisual (2006), aponta que os gêneros “são normas artificiais e
prescrições para o jogo que se entabula no campo midiático, e não descrições
essenciais da natureza intrínseca de seus produtos” (p. 77). Para ele, os gêneros
são convenções que criam suas próprias dinâmicas, suscetíveis de mudança e
substituição, e não codificações rígidas da maneira como as coisas devem ser.
Na obra A televisão levada a sério (2000), Arlindo Machado disserta que os
gêneros são categorias fundamentalmente mutáveis e heterogêneas, não apenas no
sentido que são diferentes entre si, mas também no sentido de que cada enunciado
pode estar replicando muitos gêneros ao mesmo tempo. Para o autor,
29
a riqueza e a diversidade dos gêneros discursivos são ilimitadas, porque as possibilidades de atividade humana são também inesgotáveis e porque cada esfera de atividade contém um repertório inteiro de gêneros discursivos que se diferenciam e se ampliam na mesma proporção que cada esfera particular se desenvolve e se torna cada vez mais complexa (MACHADO, 2000, p. 71).
Machado (2000) ainda argumenta que não compreender essa variedade pode
implicar numa concepção de gênero precária, desprovida de sentido, anacrônica e
irrelevante no contexto em que se vive. Segundo o autor, o gênero é e não é o
mesmo, sempre é novo e velho ao mesmo tempo. Ele pontua que “o gênero renasce
e se renova em cada nova etapa do desenvolvimento da literatura e em cada obra
individual de um dado gênero” (p. 69).
Na internet, o hibridismo é mais claro do que nos meios tradicionais de
comunicação, uma vez que esta plataforma foi uma das responsáveis por evidenciar
essa caraterística de mistura e junção de gêneros. Esta afirmação é fundamentada
nas palavras de Sousa (2013). Para ela, “nos dias atuais, marcados pela
instantaneidade das trocas de informação possibilitadas pela intensificação da
globalização e a propagação em escala global dos meios de comunicação de
massa, vivencia-se um forte processo de hibridização cultural” (p. 01).
Outro autor que pode subsidiar o fato do hibridismo estar mais evidente no
meio online é Djamar Campos. No artigo “Navegar é preciso”: interação e hibridismo
no gênero blogue (2014), ele explana que
a internet favoreceu o surgimento de novos escritos e de novas ações de leitura, visto que sua estrutura hipertextual articula novos gêneros [...], cuja interatividade entre autor-texto-imagem-som-leitor pode permitir réplicas imediatas, fato que pode não ocorrer com os livros ou com os impressos (CAMPOS, 2014, p. 01).
Campos (2014) ainda pontua que o intenso navegar pelas ondas do oceano
da internet é, com certeza, o futuro da escrita, da leitura, da imagem e do som,
frente às relações seculares entre o papel e o lápis, a mão e as novas relações entre
a tela e os olhos.
O hibridismo entre os gêneros é uma característica presente nos esquetes
que serão analisados nesta pesquisa. É por serem híbridos que estes vídeos têm a
liberdade para criticar fatos reais – utilizando-se de ironias e sátiras do humor – em
um programa ficcional.
30
Após compreender a concepção das categorias informação e entretenimento
– e de seus respectivos gêneros –, e entender que um produto pode ser híbrido, ou
seja, pertencer a mais de uma classificação, é preciso abordar os processos de
produção de um programa – seja ele informativo, de entretenimento ou híbrido. No
próximo capítulo, será aprofundado o modo como é construído o produto.
31
3 O AUDIOVISUAL NO ENTRETENIMENTO E NA INFORMAÇÃO
“São os passos que fazem os caminhos.”
Mario Quintana
Apesar de diferirem em muitos aspectos, todas as categorias – neste caso
específico, tanto o entretenimento quanto a informação – possuem uma mesma
etapa inicial: a ideia. Doc Comparato, no livro Da criação ao roteiro (1999), define
roteiro como “a forma de escrita de qualquer projeto audiovisual” (p.19). Portanto,
sendo para um telejornal ou para um programa de humor, o roteiro se faz
necessário. E a primeira etapa no processo que nos leva ao roteiro final, de acordo
com Comparato, é a ideia.
No livro Produção e direção para TV e vídeo (2007), Cathrine Kellinson
apresenta estágios da produção para a TV, sendo que o primeiro deles também é a
ideia – ou seja, a pauta, no Jornalismo.
Apesar de iniciarem na mesma etapa – ou estágio – e seguirem de forma
similar, os processos de produção possuem diferenças. Primeiramente, será
explanado como seguem as etapas no entretenimento. A seguir, serão apresentados
os próximos passos para a construção de um produto audiovisual da categoria
informação.
As etapas do entretenimento são: ideia, conflito, personagens, ação
dramática, tempo dramático e unidade dramática. Na informação, surgem os
estágios: pauta, produção, gravação e edição. Ao final do capítulo, quando as
diferenças e semelhanças entre as duas categorias serão elucidadas, será possível
perceber que, apesar dos nomes diferenciarem, essas etapas e estágios são
correspondentes.
3.1 PRODUÇÃO AUDIOVISUAL NO ENTRETENIMENTO
Antes de entrar nas etapas que levam ao roteiro final, Comparato (1999)
apresenta três aspectos fundamentais que um roteiro deve possuir: logos, pathos e
ethos. Logus é a palavra, o discurso; pathos é o drama, o dramático de uma história
32
humana, é o que afeta as pessoas; e ethos é a ética, a moral, aquilo que se quer
dizer, a razão pela qual se escreve.
Quanto à escrita do roteiro, o autor deixa claro que existe uma disciplina
específica. “Deve-se avançar por partes. É uma construção que obedece a uma
estrutura lógica” (p. 21). Syd Field, em sua obra Manual do Roteiro (1995),
complementa a linha de pensamento de Comparato (1999) ao afirmar que “escrever
é a habilidade de fazer perguntas e obter respostas” (p. 150).
Field (1995), contudo, diferencia o produto audiovisual do roteiro em si. Para
ele,
o filme é o meio visual que dramatiza o enredo básico; lida com fotografias, imagens, fragmentos e pedaços de filme: um relógio fazendo tique-taque, a abertura de uma janela, alguém espiando, duas pessoas rindo, um carro arrancando, um telefone que toca. O roteiro é uma história contada em imagens, diálogos e descrições, localizada no contexto da estrutura dramática (FIELD, 1995, p. 02).
Quanto à construção do roteiro, a lógica seguida por Comparato (1999) é
mais prática e útil para esta pesquisa. O autor descreve seis etapas para a
construção de um roteiro.
Assim como Comparato (1999), Kellinson (2007) apresenta estágios para a
criação de um roteiro que também são relevantes para este estudo. Ao contrário da
obra de Comparato (1999), contudo, a autora aborda mais a parte prática da
produção, enquanto Comparato (1999) aprofunda a parte teórica do roteiro.
Para Kellinson (2007), “não importa a duração ou o conteúdo, cada projeto
deve passar pelos estágios de produção” (p. 8). Comparato (1999) ressalta que “não
existem receitas magistrais: apenas talento e trabalho” (p. 22).
A seguir, serão apresentadas as etapas do entretenimento: ideia, conflito,
personagens, ação dramática, tempo dramático e unidade dramática.
3.1.1 Ideia
O autor introduz esta primeira etapa esclarecendo que a ideia é sempre o que
dá início ao roteiro. A introdução se dá por meio de “uma ideia, um fato, um
acontecimento que provoca no escritor a necessidade de relatar” (p. 22).
33
Contudo, Comparato (1999) não deixa oculto o fato de que a busca da ideia
ou a sua descoberta nem sempre são fáceis de encontrar. Para tentar facilitar, o
autor traz, em sua obra, um quadro de ideias, primeiramente elaborado por Lewis
Herman, no qual Comparato (1999) afirma ter realizado modificações. Neste quadro,
que “é de grande ajuda no nosso trabalho de ‘mineiro’ à procura do ouro” (p. 81),
são apresentados seis campos:
a) Ideia selecionada: ideia que provém da própria memória ou vivência.
Possui caráter absolutamente pessoal e é independente de outra pessoa
ou de fatores externos;
b) Ideia verbalizada: ideia que surge daquilo que alguém conta. Nasce de
algo captado do ambiente;
c) Ideia lida: também chamada de ‘ideia grátis’ é a ideia encontrada ao ler
algum material;
d) Ideia transformada: ideia que nasce de uma ficção, filme, livro, obra de
teatro, etc. Diferente de plágio, que é a transcrição de partes de uma
obra, a ideia transformada consiste em utilizar a mesma ideia, mas de
outra maneira;
e) Ideia proposta: ideia que é encomendada. Quando um produtor propõe o
assunto, e o roteirista, a partir disso, pensa no que irá escrever.
Comparato (1999) destaca, neste campo, que “todos preferimos escrever
sobre um assunto que nos apaixona, mas um bom roteirista deve ser
capaz de se apaixonar por uma boa sugestão” (p. 84);
f) Ideia procurada: ideia encontrada por meio de um estudo feito para saber
qual é o tipo de filme – ou produto audiovisual – que o mercado quer.
De acordo com Comparato (1999), ideias valem ouro. É assim que o autor
conclui esta primeira etapa para a elaboração de um roteiro: afirmando que
nenhuma ideia deve ser menosprezada, e atenta ao cuidado de registrá-las.
Kellinson (2007) ressalta que o processo de escrever pode ser doloroso, e
que transformar uma vaga ideia em um roteiro é uma tarefa incerta. “Você se
preocupa com a reação que as pessoas terão quando lerem o material, pois elas
podem rejeitar a ideia ou achá-la desinteressante” (p. 78). A autora (2007) admite
34
que a tarefa parece interminável, mas lembra que todos os produtos audiovisuais de
sucesso na TV passaram por esse primeiro estágio e sobreviveram.
3.1.2 Conflito
A primeira etapa – ideia – deve ser definida por meio de um conflito essencial,
e este conflito, de acordo com Comparato (1999) é a segunda etapa para a
construção de um roteiro.
O primeiro conflito, a base do trabalho de um roteiro, é chamado de conflito-
matriz. O autor aponta que, apesar da ideia ser algo abstrato, o conflito-matriz deve
ser concretizado por meio de palavras. É a chama story line. Sobre ela, o autor
ressalta que “não dedicaria à story line mais de cinco ou seis linhas, porque é
justamente a síntese da história” (p. 97).
De acordo com Comparato (1999), a story line deve englobar o principal da
história, isto é: a apresentação, o desenvolvimento e a solução do conflito. Em
outras palavras, ela deve conter os três pontos-chave da história: alguma coisa
acontece; alguma coisa deve ser feita; alguma coisa se faz.
Além disso, o autor também especifica o que não é uma story line: “não é
apenas uma declaração sobre a vida; não é apenas uma questão sobre a vida; não
é apenas uma moral da nossa história” (p. 99).
O conflito-matriz, segundo Comparato (1999), é essencial para o drama. Na
ótica dele, além da forma, o conteúdo e a ética também são importantes.
3.1.3 Personagens
Após definir o conflito, é chegado o momento de decidir quem vai vivê-lo, ou
seja, de criar as personagens. Conforme Comparato (1999), “as personagens
sustentam o peso da ação e são o ponto de atenção mais imediato para os
espectadores” (p. 24). O autor define personagem como “algo assim como
personalidade” (p. 111), e aplica às pessoas com um caráter definido que aparecem
na narração.
Segundo ele, “o nascimento da personagem que vai começar a desenvolver o
conflito é determinado no próprio instante em que se começa a escrever a sinopse”
(p. 112). A sinopse, ou argumento, é a story line desenvolvida em forma de texto.
35
Portanto, é a primeira forma textual de um roteiro. Para o autor, a sinopse é o reino
da personagem, e quanto mais desenvolvida ela estiver, mais possibilidade terá o
roteiro.
Para saber se a sinopse está corretamente escrita, Comparato (1999) traz
uma série de perguntas a serem respondidas: “o objetivo do protagonista fica
bastante claro? Qual o clímax? Possui impacto? Quais são as ações principais do
protagonista? O que pretendemos explicar com esta história? Vale a pena? O
problema levantado será suscetível de gerar conflito?” (p. 112 e 113).
O autor também apresenta dois tipos de sinopse: a pequena – de duas a
cinco folhas, contém as personagens principais e a respectiva história, de forma
resumida – e a grande – dez folhas para cada hora de audiovisual, pode conter até
fragmentos de diálogo.
Comparato (1999) também explica porque se faz uma sinopse: “com o
argumento, prepara-se a viabilidade de um projeto em todas as suas facetas:
produção, mercado, técnica artística e autoria” (p. 115).
Sobre o conteúdo deste reino das personagens, o autor apresenta a
temporalidade, a localização, o perfil das personagens e o decurso da ação
dramática. Para ele, assim como a story line representa o quê (o conflito-matriz
escolhido), a sinopse representa o quando (a temporalidade), o onde (a localização),
o quem (as personagens) e, finalmente, o qual (a história que vamos contar).
a) Quando? A função da temporalidade é informar a data em que a história
começa e também a do seu desenrolar com o passar do tempo (dias,
meses, anos, décadas, séculos);
b) Onde? A localização é indicar em que lugar decorre a história. Também é
preciso saber as características desse lugar, e o que tem de especial. “O
onde não contém apenas um componente geográfico, com oportunos
detalhes sobre o cenário, mas também implica um contexto social e
histórico” (p. 121);
c) Quem? O protagonista é a personagem básica do núcleo dramático
principal, é o herói da história. O ator secundário ou coadjuvante é a
personagem que está ao lado do protagonista. O componente dramático é
um elemento de união, explicação ou solução que não tem a
profundidade da personagem e cuja função é complementar;
36
d) Qual? A história que se quer contar, criada ou adaptada para
personagens concretas. Essa história, na dramaturgia, recebe o nome de
ação dramática. “A ação dramática é o conjunto de acontecimentos inter-
relacionados que se irão resolvendo através das personagens até o
desenlace final. Resumindo, a ação dramática é a ficção” (p. 146).
Comparato (1999) conclui esta terceira etapa destacando que sem
personagem, não há drama, e que “escrever bons argumentos é uma arte que
requer um talento especial para procurar personagens redondas que vivam histórias
inesquecíveis” (p. 155).
3.1.4 Ação dramática
Depois de ter definido o conflito e quem irá vivê-lo, é chegado o momento de
determinar como ele será contado. Este como, conforme Comparato (1999), é a
quarta etapa: a ação dramática. “Para trabalhar na ação dramática, somos obrigados
a construir uma estrutura. A estrutura é um dos fundamentos do roteiro e a tarefa
que maior criatividade exige do roteirista” (p. 25). Portanto, esta quarta etapa
consiste na construção da estrutura.
A estrutura é a fragmentação da história em momentos dramáticos, em situações dramáticas que mais adiante se irão converter em cenas. Esta fragmentação feita pelo roteirista segue uma ordem consequente com as necessidades dramáticas. É o como explicaremos nossa história ao público (COMPARATO, 1999, p. 163).
Segundo o autor, a estrutura é a engenharia do roteiro. O argumento, para
Comparato (1999), é um corpo único, enquanto a estrutura é a divisão deste corpo
compacto em grupos – ou seja, em cenas – montados conforme uma ordem
escolhida pelo roteirista, com o objetivo de manter o máximo nível de tensão
dramática.
Comparato (1999) ainda classifica a estrutura em dois tipos: a macroestrutura
– estrutura geral de um roteiro, esqueleto das cenas – e a microestrutura –
estruturação de cada cena. O autor também explana mecanismos clássicos que
impulsionam uma estrutura dramática, tais como antecipação, expectativa e
suspense.
37
Após apresentar e explicar estes recursos, o autor afirma que eles servem
como elementos destinados a dar uma direção dramática, cujo núcleo dramático são
as personagens. E para núcleo dramático, Comparato (1999) traz o conceito de “um
conjunto de personagens unidas entre si pela mesma ação dramática, que se
organiza num plot“ (p. 176).
Plot, na ótica do autor, é parte central da ação dramática, no qual todas as
personagens estão interligadas por conflitos. Ele explica, ainda, que um núcleo
dramático pode se desenvolver em vários plots. Para facilitar, Comparato (1999)
apresenta uma fórmula:
Figura 2 - Fórmula da ação dramática
Fonte: Comparato (1999, p. 176).
De acordo com o autor, após entender estes conceitos sobre a ação
dramática, é possível construir uma estrutura dramática. Comparato (1999)
apresenta a estrutura clássica em três momentos: o primeiro ato – no qual aparece o
conflito – o segundo ato – a crise aparece – e o terceiro ato – quando há uma
resolução.
Por fim, o autor conclui que a ação dramática nada mais é do que o
encadeamento de fatos e acontecimentos que formam a história. A estrutura, por
sua vez, é o esqueleto formado pela sequência de cenas.
3.1.5 Tempo dramático
A noção de tempo dramático, como o próprio Doc Comparato (1999) admite,
é muito complexa. O autor cita Paul Jackson (1990) para enfatizar que “o tempo é o
segredo, não só para uma boa comédia, mas também para qualquer bom texto”
dramático (JACKSON, 1990 apud COMPARATO, 1999, p. 26).
38
É nesta etapa que o quanto também é introduzido: quanto tempo cada cena
terá. De acordo com o autor, é na etapa do tempo dramático que o diálogo é
introduzido à estrutura. “É o primeiro rascunho do roteiro a que se juntarão revisões,
correções ou retoques” (p. 27).
3.1.6 Unidade dramática
Conforme Comparato (1999), nesta sexta etapa o roteiro já deve estar pronto
para ser filmado ou gravado. É o roteiro final, no qual são trabalhadas as unidades
dramáticas, ou seja, as cenas.
Nesta parte podem ser cometidos três tipos de erros: erro no roteiro, na
direção ou na montagem. O autor adota um conceito – a guerra do papel – para
descrever todo o processo que se inicia no primeiro roteiro e vai até o roteiro final
propriamente dito.
Comparato (1999) conclui que, “embora exista uma forma clássica de
apresentação do roteiro final, cada um deve encontrar sua própria forma de se
exprimir através deste” (p. 323).
As seis etapas apresentada por Comparato (1999) podem ser resumidas da
seguinte forma:
Construir a story line é determinar o conflito; escrever uma sinopse é descobrir as personagens; estruturar é organizar uma ação dramática; elaborar o primeiro roteiro é chegar aos diálogos e ao tempo dramático; trabalhar o roteiro final é manejar as cenas, isto é, a unidade dramática (COMPARATO, 1999, p. 29).
A análise de Comparato (1999), com apontamentos de Kellinson (2007),
tende mais para um roteiro ficcional e, portanto, de entretenimento. Contudo, neste
projeto, será feita uma comparação com o roteiro para produção audiovisual também
na informação.
39
3.2 PRODUÇÃO AUDIOVISUAL NA INFORMAÇÃO
O resumo apontado por Doc Comparato (1999), no subtítulo anterior, será a
base para uma breve e inicial comparação entre a estruturação de um roteiro no
entretenimento e na informação.
Portanto, a ideia e a story line do entretenimento que, construídas,
determinam um conflito, numa produção audiovisual na categoria informação
poderiam ser a pauta e a defesa de um repórter para determiná-la.
A sinopse, que faz as personagens serem descobertas, dá o rumo para
encontrar e decidir quem e quais serão as fontes – personagens reais da
reportagem.
A estrutura que organiza a ação dramática, no entretenimento, é equivalente
à reportagem, que compõe a ordem das sonoras, imagens, offs e passagem e que
determinará como aquela história será contada, na informação. Essa etapa do
entretenimento está diretamente relacionada a dois estágios da informação: a
gravação e a edição.
Os diálogos, que determinam o tempo dramático, são obtidos por meio das
falas das personagens, ou seja, por meio das sonoras proporcionadas pelas fontes,
que serão, depois, interligadas pelos offs e passagem do repórter (esses seriam os
nomes das unidades dramáticas da informação). Essa estrutura determinará o
tempo dramático da reportagem informativa. Esse tempo também será obtido na
gravação e na edição.
A seguir, serão apresentados cada um dos estágios de uma produção de
conteúdo na informação: pauta, produção, gravação e edição.
3.2.1 Pauta
A pauta – que seria a ideia, na ficção –, conforme Kellinson (2007), pode ser
apresentada como “um roteiro completo ou uma sinopse de um parágrafo” (p. 8).
Neste estágio, o material é avaliado, a proposta e a sinopse são apresentadas e o
desenvolvimento da pauta é supervisionado.
Olga Curado, em sua obra A Notícia na TV (2002), apresenta a pauta como
“um conjunto de dados que dão partida a uma reportagem” (p. 40). A autora reforça
que a pauta não é genérica ou evasiva, e que só existe se puder ser proposta em
40
três linhas. Para ela, “se não for assim, é um simples enunciado ou fragmento de
uma informação” (p. 40).
Curado (2002) segue enfatizando que a pauta mostra uma notícia completa,
mas que deverá ser desdobrada. Para a autora, ela “faz um pente-fino no material
divulgado e vasculha os seus detalhes” (p. 41). Curado (2002) ainda aconselha a
procurar pautas em pequenas notas, pois ali podem estar pistas para futuras
grandes reportagens.
3.2.2 Produção
O planejamento, ou produção, na ótica de Kellinson (2007), é a ideia que
tomou forma e pode ser usada como um projeto inicial para pesquisa e contratação
da equipe essencial, que levará, posteriormente, ao terceiro estágio.
Curado (2002) aponta que a produção de uma reportagem de televisão em
nada se assemelha às produções de matérias de jornal impresso, revista ou de
rádio. Segundo a autora, fica nas mãos da produção realizar as marcações, ou seja,
encontrar as fontes (os entrevistados), fazer o levantamento das imagens e
visualizar a matéria antes que a equipe vá para a rua.
Sobre o papel do produtor, Curado (2002) cita que ele é a espinha dorsal do
Jornalismo, oferecendo o eixo da matéria. O produtor “marca entrevistas, identifica
as fontes de imagens, reúne o arquivo sobre o assunto, roteiriza a pauta, propondo a
forma como a matéria deve ser estruturada” (p. 44).
Conforme a autora, a produção tem propostas realistas para a execução da
reportagem.
3.2.3 Gravação
Kellinson (2007) afirma que, neste estágio, a visão inicial da ideia pode ser
capturada em áudio e vídeo. Também nesta etapa, mudanças no roteiro podem
acontecer.
A autora ressalta que cada cena deve ser gravada com a pós-produção em
mente. Para ela, “não importa quão brilhante seja a cena em si, ela será editada com
a tomada que a precede e a segue” (p. 214). Kellinson (2007) também dá ênfase às
tomadas, que devem combinar visualmente, e ao áudio, que deve ter continuidade.
41
Segundo ela, juntas, as tomadas “se combinam para criar um fluxo narrativo ou uma
trama, independente do gênero do programa” (p. 214).
A autora admite que esta etapa pode ser estressante, por isso, deixa uma
dica: “encontre o equilíbrio e divirta-se durante o processo” (p. 213).
Para Curado (2002), o profissional responsável por esse estágio da gravação
– seja repórter cinematográfico ou cinegrafista – “é o olho do telespectador. Tem a
curiosidade do repórter e a sensibilidade do artista fotográfico” (p. 50).
Ainda de acordo com a autora, o bom cinegrafista não se limita a cumprir uma
pauta que designa cenas a serem filmadas, mas procura entender o contexto e o
enfoque da matéria.
3.2.4 Edição
Neste estágio, de acordo com Kellinson (2007), a imagem e o som já foram
capturados na gravação e as partes separadas devem ser encaixadas na ilha de
edição. A autora ressalta que a possibilidade de voltar e filmar novamente uma cena
ou criar novo conteúdo é improvável, mas pode acontecer.
De acordo com a autora, é nesta etapa que as cenas são assistidas e um
rascunho – ou seja, a decupagem – é elaborado; os problemas de continuidade e
corte são constatados; a parte gráfica é inserida; e pesquisas de opinião junto ao
público do produto audiovisual podem ser organizadas. Kellinson (2007) enfatiza
que, apesar de um produto tangível já existir neste estágio, o projeto ainda não está
finalizado.
As produções audiovisuais para entretenimento e informação foram
abordadas separadamente e interligadas em alguns momentos. Ainda se faz
necessário apontar semelhanças e diferenças entre as duas categorias.
3.3 SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS
Em suma, a ideia, para o entretenimento, tem muito mais a ver com a
criatividade. Na informação, é a pauta – a sugestão de algo real, mas que deve ser
relevante para o telespectador.
42
A produção, para a categoria informação, é tão essencial quanto a existência
de um conflito para a categoria entretenimento.
A parte de filmagem ou gravação normalmente é mais pensada e planejada
no entretenimento do que na informação, porque, no entretenimento, as
personagens são construídas pelo roteirista previamente, assim como os diálogos
também são escritos antes da gravação. Quando se trata de informação, muitas
vezes as fontes é que constroem – e podem até mudar – o rumo da reportagem. Os
diálogos são escritos durante as entrevistas.
Na edição, o produto final toma forma. Nas duas categorias, essa etapa une
as partes das filmagens – e ambas passam pelo processo de decupagem. No
entretenimento, cenas de transição e ação são intercaladas com as cenas de
diálogo das personagens. Na informação, offs, imagens, sonoras e passagens são
montados da melhor forma.
Tanto para o entretenimento quanto para a informação, uma citação de
Kellinson (2007) se faz pertinente: “os elementos envolvidos na produção para TV e
vídeo nunca acabam de verdade” (p. 276).
Apesar das etapas de uma produção de conteúdo terem sido explanadas em
ambas as categorias e aqui, de certa forma, relacionadas, ainda é preciso apontar
as principais diferenças entre o entretenimento e a informação.
Curado (2002) afirma que a notícia é a informação a serviço do público. Na
ficção, nem sempre há notícia, e, apesar do produto final também ser direcionado a
um público, não está necessariamente a serviço de informá-lo. A autora ainda cita
que “o telejornal, programa de notícia ou noticiário está no ar com a missão de
oferecer esclarecimentos sobre os fatos. O limite do Jornalismo é a verdade” (p. 17).
No entretenimento, por mais que alguns fatos sejam verdadeiros, eles normalmente
vêm acompanhados de opinião; portanto, não se trata de um esclarecimento sobre
os fatos. E esse limite da verdade, na ficção, também não existe.
O Texto na TV (1999), obra de Vera Íris Paternostro, permite identificar mais
diferenças entre a informação e o entretenimento. Na ótica da autora, “coloquial,
claro e preciso. Objetivo, direto. Informativo, simples e pausado. São características
de um texto jornalístico de televisão” (p. 61). Nem sempre um texto de ficção é claro,
preciso e direto. O humor, por vezes, está justamente nas ironias, no fato de não
entregar a informação logo nos primeiros momentos, na velocidade das falas.
43
Curado (2002) afirma também que a primeira regra a ser observada pelo
Jornalismo de televisão, do ponto de vista da comunicabilidade, é a clareza.
O jornalista não brinca com o texto e não tenta produzir efeitos ou criar alguma mística ao redor do fato; simplesmente apresenta a notícia. O público não tem tempo para decifrar charadas e se deleitar – ou não – com estilos da escrita de redatores de televisão. A maneira como a notícia é apresentada não pode despertar dúvidas quanto ao seu significado. Se o espectador precisa se perguntar se compreendeu o sentido do que ouviu, a notícia não foi dita com clareza (CURADO, 2002, p. 20).
O roteirista de um texto de humor não precisa seguir esta regra que a autora
predetermina para os jornalistas, porque a chave da comédia pode estar justamente
no fato do texto ficcional não ser claro, brincar com o místico, deixar que o público
tente decifrar as charadas.
Curado (2002) apresenta mais regras que devem ser cumpridas pelo
audiovisual e que pertencem à categoria informação. Para autora, “cabe ao jornalista
confrontar todos os lados de uma questão para esclarecer os pontos obscuros e não
para favorecer uma das partes” (p. 22). No entretenimento, nem sempre essa regra
da imparcialidade é cumprida; apenas um lado pode ser apresentado, criticado ou
favorecido.
No artigo Jornalismo e Construção Social da Realidade: Uma reflexão sobre
os desafios da produção jornalística contemporânea (2009), Nicoli Glória de Tassis
Guedes traz os conceitos de verdade, objetividade, responsabilidade social,
imparcialidade e credibilidade como “fundadores de uma certa maneira de entender
o Jornalismo e seu contínuo esforço de apreensão do real” (p. 01).
Outros autores que abrangem, em sua obra, as diferenças da informação e do
entretenimento são Heródoto Barbeiro e Paulo Rodolfo de Lima, no livro Manual de
Telejornalismo (2002). Conforme eles, “a busca constante da isenção jornalística é a
melhor forma de passar as informações para que o telespectador possa tirar suas
próprias conclusões do fato relatado” (p. 67). Um produto audiovisual do gênero
entretenimento, muitas vezes, já traz conclusões referentes a um fato: é a opinião do
roteirista – ou a ótica dele sobre o fato – passada com sátira, ironia, trocadilhos, etc.
Ainda de acordo com os autores, há quem afirme que, em algumas
circunstâncias, os jornalistas são atores. Contudo, na ótica de Barbeiro e Lima
(2002), existe uma clara divisão entre quem lida com a ficção e quem lida com a
realidade. Para eles,
44
os jornalistas têm compromisso com a notícia, buscam sistematicamente o que entendem ser verdade e desenvolvem suas investigações dentro dos parâmetros da isenção. O que dizem muitas vezes mexe com as emoções das pessoas, mas eles não representam qualquer personagem. Já os atores vivem da arte de representar. Fazem o melhor que podem para emocionar o público, mas no universo do entretenimento (BARBEIRO, LIMA, 2002, p. 282).
Portanto, tanto a informação quanto o entretenimento mexem com o
emocional das pessoas, mas no Jornalismo não há representação. Contudo, a
doutora em Comunicação e Informação Sara Alves Feitosa, no artigo
Intermidialidade e estetização da notícia no Jornalismo audiovisual (2016), aborda
uma ideia de que o Jornalismo e a ficção têm estado cada vez mais próximos. A
autora chama isso de intermidialidade, “ou seja, a capacidade de uma mídia de fazer
convergir outras mídias, ou características destas, para dentro de si e em seus
produtos” (p. 09).
Segundo Feitosa (2016), para capturar a audiência, “o Jornalismo audiovisual
digital tem cada vez mais utilizado elementos típicos de outras linguagens como a
ficção, por exemplo, para produção do discurso jornalístico produzido para as telas”
(p. 05).
A autora defende que, para estabelecer um vínculo com a audiência, o
Jornalismo se vale de elementos que compõem as competências e hábitos das
pessoas. Estes elementos estão vinculados às narrativas do mundo ficcional e
lúdico. Na ótica de Feitosa (2016), “a linguagem do Jornalismo audiovisual digital
renova-se buscando nos mundos lúdico e ficcional ferramentas para contar ‘estórias’
do mundo real” (p. 05).
O hibridismo, abordado no capítulo anterior, acabou estando presente,
também, de outra forma: ao abordar o híbrido existente entre informação e
entretenimento, surgiu outra união; desta vez, entre as plataformas que comportam
e divulgam os produtos audiovisuais: a televisão e a internet.
Uma vez que os processos de produção audiovisual do entretenimento e da
informação foram abordados e suas semelhanças e diferenças apresentadas, surge
a necessidade, portanto, de explanar o meio em que estes produtos são divulgados
ao público. Apesar dos vídeos que serão analisados neste estudo estarem
disponíveis na plataforma online, é preciso compreender como e por que o
audiovisual, antes presente somente na televisão, também migrou para a internet.
45
Portanto, a história da internet, suas influências na mídia audiovisual tradicional e a
convergência digital são temas do próximo capítulo.
46
4 CONVERGÊNCIA: HISTÓRIA E MIGRAÇÃO
“Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que
ter aquela velha opinião formada sobre tudo.”
Raul Seixas
A televisão sempre foi a principal plataforma para a exibição de produtos
audiovisuais, e, por um bom tempo, a única. Mas isso foi antes do surgimento da
internet.
No artigo Os Impactos da Internet no Telejornalismo: Uma Análise Sobre a
Participação do Público (2016), as pesquisadoras Paola Marcon e Cristiane Finger
explanam que, da mesma forma que a televisão provocou mudanças no rádio ou
jornais, ou a invenção do próprio rádio teve consequência nos meios de
comunicação dominantes até então, “estamos hoje diante de uma verdadeira
revolução que acontece em função de uma tecnologia relativamente nova: a
internet” (p. 01).
Para entender como esta – já não tão nova – mídia influencia no audiovisual,
é preciso explanar sua história.
4.1 HISTÓRIA
Antes da década de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial e no período
seguinte, surgiram as principais descobertas tecnológicas em eletrônica. Manuel
Castells, em sua obra A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura (2002),
aponta que foi nesta época que o primeiro computador programável surgiu,
juntamente com o transistor, “fonte da microeletrônica, o verdadeiro cerne da
revolução da tecnologia da informação no século XX” (p. 76).
De acordo com Castells (2002), o advento do microprocessador em 1971,
com a capacidade de incluir um computador em um chip, “pôs o mundo da eletrônica
e, sem dúvida, o próprio mundo, de pernas pro ar” (p. 79).
Todavia, o autor destaca que essa capacidade de desenvolvimento das redes
só foi possível graças aos importantes avanços tanto das telecomunicações quanto
das tecnologias de integração de computadores em rede.
47
Castells (2002) informa que a criação e o desenvolvimento da internet –
“talvez o mais revolucionário meio tecnológico da Era da Informação” (p.82) – nas
três últimas décadas do século XX foram consequência de uma fusão singular de
estratégia militar, grande cooperação científica, iniciativa tecnológica e inovação
contracultural.
Conforme o autor, a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada (ARPA) foi a
instituição que deu origem à internet e à primeira rede de computadores. Esta rede
entrou em funcionamento em 1º de setembro de 1969 e se chamava ARPANET.
Em 1983, ainda segundo Castells (2002), houve uma divisão: a ARPANET
era dedicada a fins científicos e a MILNET surgiu para aplicações militares. Ainda
havia a BITNET, para acadêmicos não científicos. Essa ‘rede de redes’ passou a se
chamar ARPA-INTERNET e, depois, INTERNET.
Para Lúcia Santaella, em sua obra Cultura das Mídias (2003), o crescimento
dos signos e das mídias é discutido em paralelo com a relação do homem e das
máquinas. A autora também traz, neste contexto, o computador – “personagem que
não poderia deixar de se fazer presente no cenário movediço de uma cultura das
mídias” (p. 21).
Dentre a série de transformações provenientes, portanto, do surgimento do
computador e da internet está a cibercultura e, com ela, a superação da barreira
espaço-temporal com o surgimento do ciberespaço.
Em sua obra Cibercultura (2000), Pierre Lévy chama a rede de ciberespaço, e
a conceitua como o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial
dos computadores, não apenas especificando a infraestrutura material da
comunicação digital, mas também o universo de informações que ela abriga.
O surgimento da internet foi, portanto, algo inovador, mas também interferiu
nas mídias tradicionais.
4.2 MIGRAÇÃO
Henry Jenkins, em sua obra Cultura da Convergência (2009), aponta que “se
o paradigma da revolução digital presumia que as novas mídias substituiriam as
antigas, o emergente paradigma da convergência presume que as novas e antigas
mídias irão interagir de formas cada vez mais complexas” (p. 32 e 33).
48
Jenkins cita o passado, no qual
cada meio de comunicação tinha suas próprias e distintas funções e seus mercados, e cada um era regulado por regimes específicos, dependendo de seu caráter: centralizado ou descentralizado, marcado por escassez ou abundância, dominado pela notícia ou pelo entretenimento, de propriedade do governo ou da iniciativa privada (JENKINS, 2009, p. 37 e 38).
Contudo, na ótica do escritor, diversas forças começaram a derrubar os
muros que separam esses diferentes meios de comunicação. Novas tecnologias
midiáticas permitiram que o mesmo conteúdo fluísse por vários canais diferentes e
assumisse formas distintas no ponto de recepção.
Entretanto, Jenkins (2009) argumenta que o conteúdo de um meio e seu
público podem mudar, seu status social pode subir ou cair, “mas uma vez que um
meio se estabelece, ao satisfazer alguma demanda humana essencial, ele continua
a funcionar dentro de um sistema maior de opções de comunicação” (p. 41). O autor
reforça que
desde que o som gravado se tornou uma possibilidade, continuamos a desenvolver novos e aprimorados meios de gravação e reprodução do som. Palavras impressas não eliminaram as palavras faladas. O cinema não eliminou o teatro. A televisão não eliminou o rádio. Cada meio antigo foi forçado a conviver com os meios emergentes (JENKINS, 2009, p. 41).
Segundo o escritor, é por isso que a convergência parece mais plausível
como uma forma de entender as transformações dos meios de comunicação do que
o paradigma da revolução digital. “Os velhos meios de comunicação não estão
sendo substituídos. Mais propriamente, suas funções e status estão sendo
transformados pela introdução de novas tecnologias” (p. 41 e 42).
Santaella (2003) corrobora esta ideia. Segundo ela, “a natureza mesma de
qualquer mídia, aquilo que a caracteriza como tal, é o fato de ser inter e multimídia”
(p. 43). A autora afirma que as mídias tendem a se engendrar como redes que se
interligam e, nessas redes, cada mídia tem uma função que lhe é específica. É por
isso que
49
o aparecimento de cada nova mídia, por si só, tende a redimensionar a função das outras. Quando uma nova mídia surge, geralmente provoca atritos, fricções, até que gradativamente as mídias anteriores vão, com o passar do tempo, redefinindo as prioridades de suas funções (SANTAELLA, 2003, p. 39 e 40).
Nesta pesquisa, o “velho meio de comunicação”, citado por Jenkins (2009, p.
41), seria a televisão, e a “nova tecnologia” (p. 42) seria a internet. Mesmo que uma
não substitua a outra, a mais recente provocou alteração nos processos de
produção de conteúdo e interação da mais tradicional.
Conforme Marcon e Finger (2016), a presença marcante da internet no
cotidiano das pessoas força a questionar e compreender quais seus possíveis
impactos em outras mídias, principalmente na televisão, por ser, conforme a
Pesquisa Brasileira de Mídia 20153, a mídia dominante. Para as autoras, “à medida
que a internet se consolida como meio de comunicação possibilitando a interação
entre pessoas e mídias, os formatos convencionais de programas televisivos
passam a se modificar” (p. 02).
As pesquisadoras ressaltam que a internet vem alcançando uma abrangência
cada vez maior no país, por ser uma plataforma capaz de reproduzir os textos e
fotografias das mídias impressas, o som dos rádios, os vídeos da televisão e
cinema. Santaella (2003) aponta que as novas mídias proliferam por meio do
reaproveitamento das mídias já existentes. Ainda segundo Marcon e Finger (2016),
essas mudanças causadas pela internet – que faz parte das novas mídias –
parecem exercer impacto frente ao molde padrão das mídias tradicionais e modificar
a relação da grande mídia com seus consumidores.
A pesquisadora Rafaela Bernardazzi, no artigo Youtubers e as relações com a
produção audiovisual (2016), pontua que “as mídias tradicionais de informação
audiovisual como televisão e cinema dividem espaço com os novos meios de
circulação de conteúdo” (p. 01). Na ótica da pesquisadora, a mídia está inserida em
um momento de questionamentos e um deles é quanto à produção e distribuição de
conteúdo audiovisual, motivada, também, pela mudança de consumo dos produtos
audiovisuais.
De acordo com Sara Alves Feitosa, no artigo Intermidialidade e estetização da
notícia no Jornalismo audiovisual (2016), a inovação tecnológica tem modificado não
3 Disponível em: <http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-
qualitativas-de-contratosatuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2015.pdf> Acesso em: 14 set. 2016.
50
apenas os processos de produção, recepção e consumo de notícias, mas também
tem apontado para importantes mudanças na linguagem do Jornalismo produzido
para suportes audiovisuais.
Para Castells (2002), o principal motivo para o audiovisual ter migrado
também para a internet foi a falta de espaço, na TV, para que a audiência se
manifestasse, ou seja, a falta de interatividade. Segundo ele,
a diversificação dos meios de comunicação, devido às condições de seu controle empresarial e institucional, não transformou a lógica unidirecional de sua mensagem nem realmente permitiu o feedback da audiência, exceto na forma mais primitiva de reação do mercado [...]. Era um mundo de comunicação de mão única, não de interação (CASTELLS, 2002, p. 427).
Na ótica do autor, o processamento das informações vai muito além da
comunicação de mão única. Ele observa que “a televisão precisou do computador
para se libertar da tela” (p. 427).
Marcon e Finger (2016) também veem na interatividade o principal motivo
para esta migração. Para elas, o que mais caracteriza a internet – embora ela seja a
tecnologia mais versátil em termos de variedade de formatos – é sua capacidade de
arquivo de conteúdo e de permitir que as pessoas pratiquem diferentes tipos de
interação. De acordo com as autoras, “esses níveis de interação e possibilidades de
diferentes tipos de participação dos públicos através da internet são novidades na
história dos meios de comunicação, e seu impacto nas mídias dominantes poderá
ser profundo e radical” (p. 07). Segundo elas, a tecnologia ao alcance de grande
parcela da população modificou a forma de ver e fazer televisão.
Lévy (2000) também traz a questão da interatividade. Segundo ele, os
usuários, ao interagiram no mundo virtual, o exploram e o atualizam
simultaneamente.
Quando as interações podem enriquecer ou modificar o modelo, o mundo virtual torna-se um vetor de inteligência e criação coletivas. Computadores e redes de computadores surgem, então, como a infraestrutura física do novo universo informacional da virtualidade. Quanto mais se disseminam, quanto maior sua potência de cálculo, capacidade de memória e de transmissão, mais os mundos virtuais irão multiplicar-se em quantidade e desenvolver-se em variedade (LÉVY, 2000, p. 75).
Bernardazzi (2016) explana que, em meio à imersão do usuário das mídias
digitais, em um ambiente no qual a circulação de informação provoca uma constante
51
necessidade de atualização e consumo de conteúdo, é possível observar uma série
de questões emergentes. Para a autora, forma-se, nesse meio, um cenário no qual o
usuário busca não somente informação, mas interação.
Esta interatividade na internet acontece, mais especificamente, nas redes
sociais. Raquel Recuero, na obra Redes Sociais na Internet (2010), aponta que este
local específico da internet, onde a interatividade acontece, foi criado para permitir
aos indivíduos que se comunicassem e para amplificar a capacidade de conexão.
Recuero (2010) traz dois elementos das redes sociais: os atores e as
conexões. Na ótica dela, os atores
são o primeiro elemento da rede social, representados pelos nós (ou nodos). Trata-se das pessoas envolvidas na rede que se analisa. Como partes do sistema, os atores atuam de forma a moldar as estruturas sociais, através da interação e da constituição de laços sociais (RECUERO, 2010, p. 25).
Enquanto os atores representam os nós da rede em questão, para Recuero
(2010), as conexões de uma rede social são constituídas dos laços sociais,
formados por meio da interação social entre os atores. “De um certo modo, são as
conexões o principal foco do estudo das redes sociais, pois é sua variação que
altera a estrutura desses grupos” (p. 30).
Os pesquisadores Marcelo Andrey Monteiro de Queiroz e Naiana Rodrigues
da Silva afirmam, no artigo Curta este post e eu te direi quem és: a busca da
identidade no discurso do outro (2016), que a identidade – uma representação do
sujeito social – anteriormente definida em campos sociais bem delimitados, sofreu
uma fragmentação ainda maior no ciberespaço. Para eles, a web acabou por
esgarçar o que se poderia caracterizar como um único contexto.
Queiroz e Silva (2016) ainda defendem que
a complexificação do real se constitui do jogo de interação entre os atores sociais visto em rede. Se antes se pensava na criação, afirmação e manutenção de relações e interações sociais – ou, por que não, de todos os fatos sociais existentes – apenas no plano físico ou material da sociedade, a cibercultura possibilitou a reconfiguração deles no ciberespaço a partir dos sites de redes sociais da internet (QUEIROZ E LIMA, 2016, p. 03).
Ainda neste contexto de redes e da interatividade por elas proporcionada,
Recuero (2010) aponta que as redes sociais da internet possibilitam a construção de
uma persona por meio de perfis pessoais, a interação por meio de comentários e a
52
exposição pública da rede social de cada ator. Portanto, ao abordar as colocações
de Recuero (2010) e de Queiroz e Lima (2016) em uma mesma linha de
pensamento, conclui-se que o ciberespaço pode atuar como um campo social para
os atores que o compõem. Ele é um campo social simbólico no qual formam-se e
efetuam-se representações.
O papel das redes sociais foi definido – inclusive um deles, talvez o principal,
está na identidade das pessoas. A televisão tradicional também interfere neste
quesito identidade e formação da personalidade do sujeito. Para Larissa Pamela de
Andrade e Antônio Francisco Magnoni, no artigo Preconceito e estereótipos na
teledramaturgia brasileira (2009), “a televisão tem o poder de inserir novos conceitos
na sociedade [...], desafia os tabus e aos poucos, os quebra, inserindo na sociedade
novos conceitos” (p. 09). E a internet, como já frisado anteriormente, interfere na
identidade e na formação da personalidade da televisão.
No artigo Redes Sociais: vilãs ou aliadas? Um estudo sobre os impactos da
audiência online nos programas televisivos (2016), as pesquisadoras Luiza de Mello
Stefano e Soraya Maria Ferreira Vieira citam a internet como uma extensão da
televisão. Segundo as autoras, “no novo contexto da convergência midiática, as
redes sociais atuam como amplificadores dos conteúdos gerados pelas mídias
tradicionais, que usam cada vez mais recursos para gerar interação e participação
por parte dos espectadores” (p.01).
Sobre o processo de convergência, as pesquisadoras corroboram as
afirmações de outros pesquisadores. Para elas, este processo forçou meios
tradicionais a se adaptarem ao novo contexto e deu origem a diferentes fenômenos.
A combinação do uso frequente da internet, redes sociais e de ambas possibilitando
uma expansão do conteúdo apresentado na televisão mudou as formas de consumir
e produzir informação. Stefano e Vieira (2016) caracterizam, especificamente, a
televisão nesse processo. Segundo elas,
a televisão é um dos meios que tem se movimentado na direção de encontrar saídas para se inserir no mercado que se abre diante deste ambiente, criando um ecossistema midiático compartilhado, difuso, fluído: hipermidiático. Alguns teóricos mais apocalípticos alertam para o fim da TV, entretanto outros usam o termo de maneira metafórica [...]. De qualquer forma, as transformações causadas pela convergência midiática provocaram grandes mudanças que já começam a ser percebidas. O público estático e passivo evoluiu para uma audiência ativa e participativa (STEFANO E VIEIRA, 2016, p. 01).
53
As autoras defendem que, com a internet, o conteúdo da televisão passou a
circular de forma mais rápida e interativa. Isso porque 88% dos internautas
brasileiros assistem TV e navegam na internet ao mesmo tempo. Desta
porcentagem, 72% acessam as redes sociais enquanto estão vendo TV4.
Apesar de defenderem a internet como uma amplificadora da televisão,
Stefano e Vieira (2016) também questionam:
O incentivo a participação da audiência nas redes sociais acaba impactando negativamente nos programas televisivos, ou eles devem servir como uma grande ferramenta para gerar mais audiência? Como a participação nas redes sociais está modificando as ações da mídia tradicional? (STEFANO E VIEIRA, 2016, p. 02)
Gleice Bernardini, no artigo Segunda tela ou Social TV: um debate entre as
diferenças e semelhança das tecnologias (2014), pontua que “com a popularização
dos dispositivos móveis, como os smartphones e tablets, houve uma reaproximação
das duas mídias, internet e televisão, criando uma experiência inovadora: a segunda
tela” (p. 02).
Contudo, apesar de complementares, a TV e a internet possuem
características divergentes. Para Stefano e Vieira, enquanto a primeira segue um
fluxo contínuo e independente da vontade do público, a segunda só funciona a partir
da interação do consumidor. A internet permite a personalização do conteúdo,
enquanto “a televisão continua sendo um meio de comunicação de massa, onde o
único poder que o telespectador possui é mudar de canal” (p. 05).
Essa personalização do conteúdo se dá conforme as escolhas tomadas pelos
consumidores. Também são eles – os internautas e os telespectadores – que
decidem se a televisão é prejudicada ou auxiliada pela internet.
Jenkins (2009) divide os consumidores em antigos e novos. Conforme ele,
se os antigos consumidores eram tidos como passivos, os novos consumidores são ativos. Se os antigos consumidores eram previsíveis e ficavam onde mandavam que ficassem, os novos consumidores são migratórios, demonstrando uma declinante lealdade a redes ou a meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente. Se o trabalho de consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores são agora barulhentos e públicos (JENKINS, 2009, p. 47).
4 Dados da pesquisa realizada pelo Ibope Nielson Online em julho de 2015. Disponível em:
<http://ibope.com.br/pt-br> Acesso em: 06 out. 2016
54
Não necessariamente os antigos consumidores são telespectadores e os
novos, internautas. A televisão, mesmo sendo um meio de massa, tem adaptado seu
formato para atender aos novos consumidores.
Arlindo Machado, na obra A Televisão levada a sério (2000), pontua que “tudo
é uma questão de mudança de enfoque. Em lugar de prestar atenção apenas às
formas mais baixas da televisão, a ideia é deslocar o foco para a diferença
iluminadora, aquela que faz expandir as possibilidades expressivas desse meio” (p.
10).
Na mesma linha, Stefano e Vieira (2016) apontam que “a convergência
midiática e todos os novos fenômenos e características que ela traz consigo são
uma realidade nos programas televisivos atuais” (p. 14). Conforme as autoras,
algumas mudanças e transformações são perceptíveis, mas há uma infinidade de
novas possibilidades sendo criadas a todo instante. Elas apontam que este é
“apenas o início de um momento incerto para a comunicação, mas que revela
caminhos para a nova televisão” (p. 14).
Bernardazzi (2016) colabora com as ideias trazidas por Stefano e Vieira. Ela
cita que “estamos debruçados sobre uma vivência no ambiente virtual e no universo
do audiovisual, seja no âmbito das inovações e atualizações da linguagem, seja na
efervescência de conceitos e formas de produção de sentido” (p. 01 e 02).
Quem também segue na mesma linha de pensamento é Santaella (2003).
Conforme a pesquisadora, é a partir dessa intercomplementaridade das mídias que
o interesse despertado pelas informações colhidas dentro da rede das mídias pode
levar o receptor a buscar um aprofundamento dessas informações num outro veículo
mais erudito. E este veículo, por sua vez, deve possuir conteúdo e linguagem
diferente daquele em que o receptor recebeu a informação por primeiro.
Como já explanado anteriormente neste capítulo, a televisão viu na internet
uma segunda tela. Contudo, a TV também viu, na internet, uma concorrente, pois
alguns conteúdos audiovisuais já são produzidos somente para a internet e com um
estilo bem diferente daquele da TV, exigido e adotado por esta plataforma. Este é o
caso dos vídeos que serão analisados nesta pesquisa, os quais foram produzidos
exclusivamente para a internet – mais especificamente, para o YouTube. O próximo
capítulo tratará deste assunto.
55
5 O MEIO ONLINE E A OPORTUNIDADE
“Se você está à procura de uma grande oportunidade,
descubra um grande problema.”
Martinho Lutero
O meio online já vem sendo classificado como uma das diferentes
plataformas de comunicação – as outras seriam o jornal impresso, o rádio e a
televisão. Assim como a linguagem utilizada para cada um desses três é única e
diferenciada, a internet também possui sua própria linguagem e características.
Ricardo Fotios, no artigo A Grande Reportagem no Ambiente Online: Estudo
de Caso do Produto Editorial UOL TAB (2015), ressalta que “a produção jornalística
na internet passa constantemente por revisões estéticas e de linguagem, como é de
se esperar da comunicação em novas mídias, que contam com plataformas diversas
para a distribuição do conteúdo” (p.01). De acordo com o pesquisador,
muitas técnicas contemporâneas orientam o repórter ou redator a otimizar seu material noticioso em textos curtos, vídeos de curta duração e divisões do tema em links relacionados para agilizar seu consumo e, adicionalmente, angariar alguns cliques com um assunto central e várias páginas e fotos a serem visitadas (FOTIOS, 2015, p. 01).
Desde a primeira fase do Jornalismo na plataforma online, em que o conteúdo
de jornais e revistas, segundo Fotios (2015), era apenas transportado para uma
plataforma com acesso pela internet, a linguagem e a estética mais adequadas para
a nova mídia vêm sendo estudadas.
Pollyana Ferrari, na obra Jornalismo digital (2004), segue na mesma linha de
pensamento que Fotios (2015) ao afirmar que não podemos encarar a internet
“apenas como uma mídia que surgiu para viabilizar a convergência entre rádio,
jornal e televisão. A internet é outra coisa, uma outra verdade e consequentemente
uma outra mídia, muito ligada à tecnologia e com particularidades únicas” (p. 45).
Ferrari (2004) destaca a originalidade e a ausência de linearidade presente
nessa linguagem própria da internet. Segundo a autora,
56
entender o poder da mídia é o primeiro passo para a construção de produtos inovadores e instigantes do ponto de visto editorial. Conteúdo original é necessário quando se busca uma audiência significativa para o produto e não simplesmente marcação de território na internet. Uma redação onde seus fundadores entendam a força da mídia e busquem, com uma redação digital, reforçar os princípios da hipermídia de informar não mais de maneira linear, com começar meio e fim da notícia, mas sim construir matérias múltiplas sobre o mesmo assunto (FERRARI, 2004, p. 52).
Ao citar o colunista Jerry Lanson (2004), Ferrari (2004) apresenta outra
característica do meio online: o poder nas mãos do usuário. “Na web, os visitantes
controlam praticamente tudo. Como internauta, cada leitor pode até transformar-se
em narrador. As histórias não começam e terminam simplesmente. Elas começam
onde o usuário quer começar e acabam onde ele termina de ler” (LANSON, 2004
apud FERRARI, 2004, p. 75).
Seguindo esta caracterização da linguagem online, surgem os organizadores
Elias Machado e Marcos Palacios, com o livro Modelos do Jornalismo Digital (2003).
Em um dos artigos desta obra, Ruptura, Continuidade e Potencialização no
Jornalismo Online: o lugar da memória (2003), escrito por Palacios, o autor
apresenta seis características fundamentais para o Jornalismo online:
multimidialidade, interatividade, hipertextualidade, personalização, memória e
instantaneidade.
a) Multimidialidade: refere-se à convergência dos formatos de mídias
tradicionais (imagem, texto e som) na narração do fato jornalístico;
b) Interatividade: a capacidade que a notícia online possui de fazer com que
o usuário se sinta mais diretamente parte do processo jornalístico;
c) Hipertextualidade: possibilita a interconexão de textos por meio de links;
d) Personalização: opção oferecida ao usuário para configurar seus
interesses individuais;
e) Memória: volume de informação anteriormente produzida e diretamente
disponível ao usuário e ao produtor da notícia;
f) Instantaneidade: rapidez do acesso, combinada com a facilidade de
produção e de disponibilização que permitem uma extrema agilidade de
atualização do material nos jornais da web.
57
Fotios (2015), contudo, contrapõe que estas características se dão em partes,
pois
na mesma velocidade com que os recursos para a produção, publicação e distribuição de notícias ganham novos aliados tecnológicos, aumenta a crença de que as novas mídias, pela natureza ágil que carregam, devem privilegiar conteúdos mais rasos, com menos toques, no caso de textos, e menos aprofundamento das temáticas sobre as quais se propõem a investigar e informar (FOTIOS, 2015, p. 02).
Helson de França Silva e Benedito Dielcio Moreira, no artigo A Prática
Jornalística e o Nomadismo Digital: Potencialidades e Possíveis Caminhos (2015),
por outro lado, seguem no pensamento otimista de Palacios (2003). Eles defendem
que “a popularização da internet e das tecnologias móveis aceleraram as mudanças
e possibilitaram novas oportunidades de atuação profissional, baseadas na
mobilidade” (p. 01). Para eles, a dinamicidade da web acabou afetando
consideravelmente o tradicional modo de produção jornalístico.
Segundo Silva e Moreira (2015), a internet pode se revelar uma plataforma
promissora para o meio jornalístico, no geral, e, principalmente, para os profissionais
que trabalham com a informação. Os autores defendem que a plataforma digital tem
sido um dos caminhos trilhados pelos profissionais do Jornalismo, pois eles ganham
ali “o suficiente para viverem de forma digna com a produção de conteúdo para a
web, como sites e blogs, ao passo em que viajam pelo mundo, esses jornalistas
acabam também descortinando uma nova e sedutora forma de se fazer Jornalismo”
(p. 03).
Já tendo apresentado a linguagem da plataforma digital como um todo, se
torna necessário, para esta pesquisa, a explanação da linguagem do YouTube mais
especificamente, uma vez que os vídeos a serem analisados estão disponibilizados
neste site.
5.1 O YOUTUBE
Antes de descrever a linguagem do YouTube, contudo, é preciso apresentar
um histórico do site. Na obra YouTube e a revolução digital: como o maior fenômeno
da cultura participativa transformou a mídia e a sociedade (2009), de Jean Burgess e
58
Joshua Green, consta que o YouTube foi lançado no ano de 2005 pelos ex-
funcionários do Paypal – Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim. Segundo os
autores, a popularização deste site de vídeos ocorreu a partir de sua venda para a
empresa Google pelo valor de 1,65 bilhão de dólares em 2006, sendo categorizado
como um dos sites mais acessados do mundo.
Segundo a descrição encontrada no próprio site de vídeos, o “YouTube
oferece um fórum para as pessoas se conectarem, se informarem e inspirarem umas
às outras por todo o mundo. Atua como plataforma de distribuição para criadores de
conteúdo original e anunciantes grandes e pequenos5”.
Para visualizar os vídeos publicados no site ou compartilhar os vídeos nas
mídias sociais cadastradas nele não é preciso estar registrado como usuário. No
entanto, é obrigatório o cadastro como usuário da Google para utilização dos
serviços de upload de material e comentar nos vídeos publicados.
Quanto às restrições referentes à produção de conteúdo no YouTube, essas
estão ligadas às limitações da legislação brasileira referente a direitos autorais e as
diretrizes da comunidade ditadas pelo site também relacionadas a legislação dos
direitos autorais e convivência no ambiente virtual do site. De acordo com instruções
disponíveis no próprio site, algumas das diretrizes envolvem restrições da
publicação de conteúdo sexual, violento, de incitação ao ódio, prejudicial, perigoso,
ameaças. Vídeos que sejam identificados com conteúdo relacionado a essas
temáticas podem ser removidos pela empresa ou sofrer restrição de idade no
momento de visualização. A própria comunidade do YouTube pode denunciar
conteúdo que infrinja as diretrizes do usuário.
Para Rafaela Bernardazzi, no artigo Youtubers e as relações com a produção
audiovisual (2016), esta é uma forma de fazer com que os próprios produtores e
consumidores do conteúdo possam intervir na convivência desse microuniverso,
ou seja, o próprio usuário participa da manutenção do seu ambiente de convivência comum, seja em forma de produtor ou consumidor do conteúdo [...]. A plataforma possibilita explorar diversas temáticas, gêneros e formatos, nos quais o produtor de conteúdo é o responsável pelas decisões do conteúdo, tempo de duração, formas de divulgação nas mídias sociais, colaboradores do canal, maneira de interagir com outros usuários (BERNARDAZZI, 2016, p.04).
5 Disponível em: < http://youtube.com>. Acesso em: 22 out. 2016.
59
Burgess e Green (2009) seguem na mesma linha de Bernardazzi (2016), de
que o produtor é o responsável por alimentar o site. Para eles, o YouTube, como
empresa de mídia, “é uma plataforma e um agregador de conteúdo, embora não
seja uma produtora do conteúdo em si” (p. 21).
Depois de o YouTube ter sido descrito quanto ao seu histórico e seu objetivo
como site ativo na plataforma online, é possível explanar o papel de quem produz
conteúdo para ele e também seu público-alvo.
5.2 CRIADORES E PÚBLICO-ALVO
Além de possuírem linguagens diferenciadas, os meios tradicional (televisão)
e digital (internet) também possuem públicos distintos. Portanto, os criadores que
navegam na plataforma online devem ter suas próprias características e modos de
transmitir a informação e o entretenimento.
Bernardazzi (2016) reflete que os criadores de conteúdo online têm controle
sobre o processo de produção e acesso a plataformas de distribuição de grande
alcance de audiência. Os criadores desta pesquisa em questão utilizam, dentro da
internet, a plataforma do YouTube; eles são, portanto, YouTubers.
A autora explica que ainda não existe uma definição específica para
conceituar o YouTuber. Segundo a autora, são chamadas de YouTubers pessoas
que possuem canais no site YouTube, que postam produtos audiovisuais e que, a
partir disso, podem acabar tendo retorno financeiro e transformando essa atividade
em carreira profissional. Ou seja, esse termo foi designado a partir da prática de um
fenômeno que surgiu de forma espontânea e se transformou em uma nova
possibilidade no mercado audiovisual e online.
Ainda de acordo com a autora, os YouTubers não têm obrigação de obter ou
já possuir uma formação na área audiovisual, podendo ter pouco conhecimento
técnico sobre o processo de trabalho dos profissionais envolvidos em produções de
vídeo; ou, em oposição a isso, eles podem já ser profissionais do meio audiovisual
que encontraram, no YouTube, um espaço para divulgação de seu trabalho ou para
desfrutarem de uma liberdade criativa.
Quanto ao perfil desse YouTuber, Bernardazzi (2016) conceitua como
60
diverso, dinâmico e mutável. Variáveis como faixa etária de quem produz o conteúdo e de quem o consome e as temáticas debatidas no canal vão definindo o perfil de cada YouTuber [...]. Esse produtor de conteúdo entende o mercado atual, a linguagem visual empregada nos vídeos publicados e, além disso, examina como se desenvolve o processo de trabalho e a relação do seu canal com a audiência. (BERNARDAZZI, 2016, p. 02).
Para a pesquisadora, o YouTuber reúne diversas dessas características da
cibercultura, refletindo tanto as mudanças do mercado de trabalho quanto das
formas de consumo e distribuição do conteúdo.
Burgess e Green (2009), entretanto, questionam para quem o conteúdo do
YouTube é criado. De acordo com os autores,
o YouTube é utilizado de várias maneiras diferentes por cidadãos-consumidores por meio de um modelo híbrido de envolvimento com a cultura popular – parte produção amadora, parte consumo criativo. Do ponto de vista da audiência, é uma plataforma que fornece acesso à cultura ou uma plataforma que permite aos seus consumidores atuar como produtores? (BURGESS E GREEN, 2009, p. 32)
Bernadazzi (2016) consegue responder ao questionamento dos autores ao
citar o principal diferencial do criador do YouTube: ele é, também, o seu próprio
público-alvo. A autora destaca que
os produtores/consumidores são, para esse fim, usuários das mídias sociais que consomem o conteúdo que transita pelas redes, mas que estão aptos a se tornarem produtores de conteúdo a qualquer momento. Podendo ser também o produtor de conteúdo que interage com outros produtores e nesse momento está como consumidor (BERNARDAZZI, 2016, p. 04).
Outro diferencial do criador de conteúdo para o YouTube é colocado por
Bernardazzi (2016). Segundo ela, diferente do mercado audiovisual tradicional,
como produtoras de vídeo, emissoras de televisão e produtoras de cinema, cuja
realização do produto audiovisual se divide entre diversos profissionais, cada um
desempenhando sua função – direção geral, fotografia, produção, edição,
cenografia, iluminação, entre outras –, no YouTube, um produtor de conteúdo por
vezes é parte única no processo de criação dos vídeos para a internet.
Assim, um único “profissional” é parte do processo de produção de conteúdo audiovisual. O mesmo produtor/consumidor é responsável pela criação do canal pelo qual irá se comunicar, pela roteirização do tema a ser abordado, captação das imagens, iluminação da cena, edição de imagem, edição de áudio, arte gráfica presente no canal e no vídeo, publicação do vídeo e gerenciamento das mídias sociais (BERNARDAZZI, 2016, p. 6 e 7).
61
Nesta questão, Burgess e Green (2009) complementam. Os autores afirmam
que, para entender a cultura popular do YouTube não basta tentar criar distinções
claras entre a produção profissional e a amadora ou entre práticas comerciais e de
comunidade. Segundo eles, “é mais útil mudar o pensamento sobre produção,
distribuição e consumo de mídia para um pensamento sobre o YouTube como um
processo contínuo de participação cultural” (p. 83).
Outra característica que pode ser atribuída ao YouTube, que foi conferida às
redes sociais e ao meio online como um todo, é a já tratada instantaneidade. Derrick
de Kerckhove, no livro A Pele da Cultura (1997), cita que “a instantaneidade, função
da globalização, impõe uma aceleração em todas as sociedades humanas” (p. 202).
Ainda conforme o autor, os principais efeitos dessa instantaneidade são o alcance e
o feedback instantâneos.
De acordo com a pesquisadora Deborah Susane Sampaio Sousa, no artigo A
Rede Social Youtube como Plataforma de Conexão e de Estabelecimento da
Estética do Fluxo (2015),
a sociedade envolve-se cada vez mais em uma cultura de redes fortemente marcada pela constituição de vínculos por meio de grupos de interação online diante das novas mídias. Sendo assim, falar em novas mídias – para além de uma análise acerca dos mecanismos tecnológicos – é abordar também algumas mudanças do impacto trazido pelos seus sistemas e pelos usos feitos no dia a dia das pessoas. É retratar como os usuários desses processos se comportam na formação de produtos por meio dos novos mecanismos [...] (SOUSA, 2015, p.01).
Portanto, está tudo nas mãos dos usuários (o público-alvo) e dos criadores (o
produtor), sendo que o usuário do YouTube pode se tornar, a qualquer momento,
um criador. Raquel Recuero, no livro A Conversação em Rede (2012), corrobora
Sousa (2015). Ela explana que a internet e as redes sociais – e, portanto, também o
YouTube – “tratam-se de um ambiente mediado, que, portanto, possui
características e limitações específicas, que serão apropriadas, subvertidas e
amplificadas pela conversação” (RECUERO, 2012, p. 40).
Como enfatiza Bernardazzi (2016), o usuário passa a ser responsável pela
produção de sentido nos vídeos produzidos e divulgados em seu canal no YouTube.
De acordo com ela,
62
além de gerar conteúdo para conversação entre usuários, o produtor ainda constrói a linguagem audiovisual nos vídeos produzidos. Linguagem essa que sofre influência direta do repertório desse criador e que é regida por teorias da imagem ligadas ao cinema, televisão e vídeos online (BERNARDAZZI, 2016, p. 11).
Na ótica da autora, o engajamento do usuário é chave importante na
formação de redes, conversação e conteúdo, assim como a relação entre os
produtores e consumidores.
Para esse engajamento existir, o usuário e produtor precisa se utilizar de
outras redes sociais para compartilhar o conteúdo dos canais do YouTube, criando
conexões e laços sociais – conceitos apresentados por Recuero (2010) no capítulo 4
desta pesquisa. É isso que, de alguma forma, traz o engajamento e a visibilidade ao
produtor de conteúdo e possibilita o trânsito desse produto entre as mídias digital e
tradicional e entre usuários da rede e espectadores.
A constante interatividade, proporcionada pelas redes sociais, mostrou ser a
principal diferença entre a televisão e a internet. Os atores e as conexões são os
elementos que possibilitam essa interação e, também, a migração do conteúdo para
outras plataformas. O principal diferencial do YouTube foi encontrado na relação
entre os criadores e seu público-alvo e a possibilidade deste último se tornar o
primeiro.
Esta pesquisa analisa vídeos de humor produzidos exclusivamente para a
internet e para o YouTube e verifica se eles podem ser considerados também
informação. Portanto, o histórico deste site, seus produtores e público-alvo foram
explanados, para subsidiar esta análise.
Após esta revisão bibliográfica, será possível apresentar outras etapas de
desenvolvimento da metodologia da pesquisa. Este é o conteúdo do próximo
capítulo da monografia.
63
6 METODOLOGIA
“Não se afobe, não, que nada é pra já.”
Chico Buarque
Para investigar se a crítica à sociedade por meio do humor pode ser
considerada informação, essa pesquisa utiliza como método a Análise de Conteúdo
e como técnicas a revisão bibliográfica, a entrevista e a observação.
O principal enfoque dos conteúdos transmitidos pelos vídeos do canal no
YouTube Barbixas – se é puro entretenimento ou se também transmite informação –
é determinado por meio desse processo metodológico.
6.1 MÉTODO
O método utilizado é a Análise de Conteúdo. Conforme a autora Laurence
Bardin, no livro Análise de Conteúdo (2011), este processo traz instrumentos
metodológicos aplicados a discursos diversificados, envolve técnicas de análise das
comunicações subjetivas e objetivas e pode se basear na indução e inferência.
Segundo Wilson Corrêa da Fonseca Junior, no artigo Análise de Conteúdo
(2005), esse método demonstra grande capacidade de adaptação para a área da
comunicação e não pode ser ignorado.
Bardin (2011) expõe o método em três etapas cronológicas que, de acordo
com a autora, são fundamentais para a organização de uma análise de conteúdo.
São elas: a pré-análise; a exploração do material; e o tratamento dos resultados
obtidos e interpretação.
6.1.1 Pré-análise
A pré-análise é a primeira etapa do método, conforme Bardin (2011). Para a
autora, esta
64
é a fase de organização propriamente dita. Corresponde a um período de intuições, mas, tem por objetivo tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais, de maneira a conduzir a um esquema preciso de desenvolvimento das operações sucessivas, num plano de análise (BARDIN, 2011, p. 125).
Bardin (2011) separa a pré-análise em cinco atividades que, apesar de não
estruturadas, possuem como objetivo a organização. São elas: a leitura flutuante, a
escolha dos documentos, a formulação das hipóteses e dos objetivos, a
referenciação dos índices e elaboração de indicadores e, por fim, a preparação do
material.
a) Leitura flutuante
A primeira das atividades da pré-análise, a leitura flutuante, conforme Bardin
(2011), “consiste em estabelecer contato com os documentos a analisar e em
conhecer o texto deixando-se invadir por impressões e orientações” (p. 126).
b) Escolha dos documentos
Como segunda atividade, Bardin (2011) elenca a escolha dos documentos.
Essa decisão pode ser determinada por um objetivo e pela seleção de documentos
que possam oferecer informações sobre o problema a ser analisado. A partir disso, é
orientado que se faça um “conjunto de documentos tidos em conta para serem
submetidos aos procedimentos analíticos” (p. 126), ou seja, um corpus da pesquisa.
Sobre o corpus, a autora implica algumas regras:
A regra da exaustividade é explicada por Bardin (2011) com a definição do
corpus: é preciso levar em conta todos os elementos que o compõe. Desta forma,
não se pode deixar de fora qualquer elemento que não possa ser justificado no
plano do rigor.
A regra da representatividade, por sua vez, pode ser feita numa amostra. Na
ótica de Bardin (2011), “a amostragem diz-se rigorosa se a amostra for uma parte
representativa do universo inicial. Neste caso, os resultados obtidos para a amostra
são generalizados ao todo” (p. 126). Além disso, é necessário descobrir a
distribuição dos caracteres dos elementos da amostra.
Na regra da homogeneidade, os documentos selecionados pelo aluno devem
obedecer a critérios precisos de escolha, com poucas diferenças. A regra é utilizada
para obter resultados globais ou comparar resultados individuais.
65
Já, na regra da pertinência, para Bardin (2011), os documentos escolhidos
precisam ser adequados conforme o objetivo que a análise pretenda alcançar.
c) Formulação das hipóteses e dos objetivos
A terceira atividade da pré-análise é a formulação das hipóteses e dos
objetivos. Segundo a autora, “uma hipótese é uma afirmação provisória que nos
propomos verificar (confirmar ou infirmar), recorrendo aos procedimentos de análise”
(p. 128). Bardin (2011) explica que se trata de uma suposição, cuja origem é a
intuição e que permanece em suspenso enquanto não for submetida à prova de
dados seguros. Para ela, nessa atividade, a finalidade geral é o objetivo.
d) Referenciação dos índices e elaboração de indicadores
A referenciação dos índices e elaboração de indicadores compõem a quarta
atividade. Segundo Bardin (2011), pretende-se considerar os textos como uma
manifestação que possui índices para a análise. A escolha desses índices, por sua
vez, depende das hipóteses da organização sistemática em indicadores.
e) Preparação do material
Como quinta e última atividade da pré-análise, Bardin (2011) apresenta a
preparação do material. Conforme a autora,
trata-se de uma preparação material e, eventualmente, de uma preparação formal (“edição”). Por exemplo: as entrevistas gravadas são transmitidas (na íntegra) e as gravações conservadas (para informação paralinguística), os artigos de imprensa são recortados, as respostas a questões abertas são anotadas em fichas, etc (BARDIN, 2011, p. 130).
Após estas cinco atividades da pré-análise, torna-se viável partir para a
segunda etapa do método. Bardin (2011) defende que, se as diferentes operações
da pré-análise forem convenientemente concluídas, a fase da análise propriamente
dita não é mais do que a aplicação sistemática das decisões tomadas.
6.1.2 Exploração do material
O segundo polo cronológico da Análise de Conteúdo, para Bardin (2011),
abrange a exploração do material criteriosamente selecionado. “Essa fase, longa e
66
fastidiosa, consiste essencialmente de operações de codificação, decomposição ou
enumeração, em função de regras previamente formuladas” (p. 131).
Na exploração do material ocorre a codificação e também a categorização.
6.1.2.1 Codificação
Após as atividades da pré-análise, “torna-se necessário saber a razão pela
qual se analisa, e explicitá-la de modo que se possa saber como analisar” (p. 133).
Para tanto, Bardin (2011) apresenta a codificação: fase pela qual se compreende o
porquê de realizar a análise e como fazê-la. A autora esclarece que tratar o material
é codificá-lo, o que corresponde a uma transformação com regras precisas de dados
brutos em recorte, agregação e enumeração. Isso permite atingir uma representação
do conteúdo.
Na codificação, a análise é definida como quantitativa ou qualitativa.
Conforme Bardin (2011), a análise quantitativa refere-se à frequência da aparição de
certos elementos da mensagem, enquanto a análise qualitativa é válida na
elaboração de deduções específicas sobre algum acontecimento ou inferências
gerais. “A análise qualitativa, que é maleável no seu funcionamento, deve ser
maleável também na utilização dos seus índices” (p. 145).
Bardin (2011) deixa claro, contudo, que a análise qualitativa não exclui
alguma forma de quantificação. A autora conclui que essa análise é caracterizada
pelo fato de que a inferência pode ser fundada na presença do índice, como, por
exemplo, o tema, palavra ou personagem, e não necessariamente na frequência da
sua aparição.
Esta pesquisa em questão é qualitativa.
6.1.2.2 Categorização
Conforme a autora, proporcionar, por condensação, uma representação
simplificada dos dados brutos é o objetivo da categorização. Apesar desta etapa não
ser obrigatória, a maioria dos procedimentos de análise é organizada por meio de
um processo de categorização.
Para Bardin (2011), a categorização “é uma operação de classificação de
elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, em seguida, por
67
reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente
definidos” (p. 147).
Uma boa categorização, segundo a autora, precisa ter as seguintes
qualidades:
a) Exclusão mútua: não deve haver ambiguidade. Cada elemento não pode
existir em mais de uma divisão;
b) Homogeneidade: um único princípio de classificação deve governar sua
organização. Só pode funcionar com um registro e com uma dimensão de
análise;
c) Pertinência: a categoria é considerada pertinente quando está adaptada
ao material de análise escolhido pelo aluno, e quando pertence ao quadro
teórico já definido;
d) Objetividade e fidelidade: as partes do material devem ser codificadas da
mesma maneira. O organizador precisa definir de forma clara as variáveis
que trata e precisar os índices que determinam a entrada de um elemento
numa categoria;
e) Produtividade: um conjunto de categorias é produtivo se fornecer
resultados férteis em índices de inferências, hipóteses novas e
inferências.
A partir da pré-análise e da exploração do material, o passo seguinte é inferir
os dados que serão usados na pesquisa.
6.1.3 Tratamento dos resultados obtidos e interpretação
A interpretação dos dados a partir das categorias, para que sejam
significativos e válidos, é a última fase da organização do processo de Análise de
Conteúdo, segundo Bardin (2011). “O analista, tendo à sua disposição resultados
significativos e fiéis, pode então propor inferências e adiantar interpretações a
propósito dos objetivos previstos, ou que digam respeito a outras descobertas
inesperadas” (p. 131).
68
Contudo, Bardin (2011) destaca que os resultados obtidos, a confrontação
sistemática com o material e o tipo de inferências alcançadas, por outro lado, podem
servir de base para outra análise disposta em torno de novas dimensões teóricas.
A autora expõe que esse processo acontece por meio de quatro polos de
atração:
a) O emissor ou produtor da mensagem é um indivíduo ou um grupo de
indivíduos emissores. Neste caso, é importante a função expressiva ou
representativa da comunicação, podendo avançar a hipótese de que a
mensagem exprime o emissor;
b) O receptor também pode ser um indivíduo ou um grupo ao qual são
direcionadas as mensagens. O estudo da mensagem pode fornecer
informações sobre o receptor e o público;
c) A mensagem como ponto de partida possui dois níveis de análise: o
código e a significação. Segundo Bardin (2011), o código é um indicativo
que revela realidades subjacentes. As questões precedentes, quando
resolvidas, devem ser seguidas de outras interrogações. Sobre a
significação, a autora diz ser uma passagem sistematizada pelo estudo
formal do código, pois a análise pode realizar-se a partir das significações
da mensagem;
d) O médium é o canal, o instrumento, o objeto técnico e o suporte material
do código. Segundo Bardin (2011), ele deve servir-se mais dos
procedimentos experimentais do que das análises de conteúdo.
Um esquema elaborado pela autora mostra o desenvolvimento de uma
análise, conforme a figura:
69
Figura 3 - Esquema de análise
Fonte: Bardin (2011, p. 102).
70
Após a descrição do método e da apresentação do esquema que esclarece o
processo de realização da pesquisa, são apresentadas algumas técnicas específicas
para auxiliar o processo metodológico.
6.2 TÉCNICAS
O método da Análise de Conteúdo permite que diferentes técnicas sejam
aplicadas, com o objetivo de alcançar o que é proposto. Nesta pesquisa, as técnicas
utilizadas para o desenvolvimento da análise são a revisão bibliográfica, a entrevista
e a observação.
6.2.1 Revisão bibliográfica
A técnica revisão bibliográfica se dá no planejamento inicial dos trabalhos de
pesquisa. De acordo com a autora Ida Regina Stumpf, no artigo Pesquisa
bibliográfica (2005), esse processo vai desde a identificação, localização e obtenção
da bibliografia sobre o assunto em questão, até a apresentação do texto que o aluno
examinou, evidenciando o pensamento dos autores.
Num sentido restrito, é um conjunto de procedimentos que visa identificar informações bibliográficas, selecionar os documentos pertinentes ao tema estudado e proceder à respectiva anotação ou fichamento das referências e dos dados dos documentos para que sejam posteriormente utilizados na redação de um trabalho acadêmico (STUMPF, 2005, p. 51).
O autor Antônio Carlos Gil, por sua vez, no livro Métodos e Técnicas de
Pesquisa Social (2011), ressalta que é preciso estar atento às fontes que serão
pesquisadas, porque, por apresentarem informações obtidas anteriormente, podem
possuir falhas.
A revisão bibliográfica deve ser feita a partir de publicações coerentes, com
uma análise meticulosa do assunto em questão. Stumpf (2005) divide essa fase em
quatro partes:
a) na identificação do tema e assuntos é preciso definir o tema de estudo
com precisão, elaborar um rol de palavras-chave relacionadas ao assunto
para direcionar as buscas sobre o tema, sendo impossível num só
71
trabalho abordá-lo sob todos os ângulos. Posteriormente, delimita-se o
tema dentro de espaço e tempo;
b) na seleção das fontes, o estudante realiza o levantamento bibliográfico,
identificando o material que lhe serve de suporte ao estudo, conforme
explica Stumpf (2005). A autora também diz que a primeira fonte para
apontar a bibliografia sobre o tema escolhido é o orientador. Ele deve
possuir conhecimento ou estar investigando o assunto de interesse do
aluno, pois “poderá indicar, com mais propriedade, o material básico ou
fundamental para a investigação” (p. 56);
c) na localização e obtenção do material, segundo Stumpf (2005), o
acadêmico deve localizar os documentos em bibliotecas, por meio da
internet ou diretamente com as editoras;
d) na leitura e transcrição dos dados, Stumpf (2005) explica que, com a
posse dos documentos, o estudante deve estabelecer a prioridade e o
interesse para cada parte do trabalho. A partir da leitura, a orientação é
anotar trechos relevantes para a pesquisa em fichas (fichamento do
material) contendo os principais dados de referência da publicação,
palavras-chave ou redigir um resumo sobre o que foi lido, inserindo as
palavras do autor.
A partir da revisão bibliográfica é que os quatro capítulos teóricos desta
pesquisa foram escritos: Gêneros e formatos do audiovisual, O audiovisual no
entretenimento e na informação, Convergência: história e migração e O meio online
e a oportunidade.
6.2.2 Observação
Conforme Gil (2011), a técnica da observação serve de base e é fundamental
para uma pesquisa. A formulação do problema, construção de hipóteses, coleta,
análise e interpretação de dados fazem parte deste processo. O autor afirma que,
por ser utilizada, exclusivamente, para a obtenção de dados em muitas pesquisas, e por estar presente também em outros momentos da pesquisa, a observação chega mesmo a ser considerada como método de investigação (GIL, 2011, p. 100).
72
Ainda conforme o autor, a observação é classificada em três diferentes
módulos: simples, participante ou sistemática.
De acordo com Gil (2011), a observação simples é aquela na qual o
pesquisador permanece alheio à situação, de maneira espontânea, sendo muito
mais um espectador do que um ator.
O autor explica que a segunda classificação, a participante, se trata de uma
observação ativa.
A observação participante pode assumir duas formas distintas: (a) natural, quando o observador pertence à mesma comunidade ou grupo que investiga; e (b) artificial, quando o observador se integra ao grupo com o objetivo de realizar uma investigação (GIL, 2011, p.103).
O terceiro e último módulo da observação, de acordo com o autor, é mais
usado em pesquisas que tem como intuito a descrição precisa dos fenômenos ou
teste de hipóteses. A observação sistemática exige que categorias para a análise
sejam estabelecidas. A realização de estudos exploratórios – ou especialmente
dirigidos à construção de instrumentos para registros de dados – deve ser coerente.
Para esta pesquisa, será feita a observação simples do canal Barbixas no
YouTube e a decupagem de três vídeos selecionados pela pesquisadora, que serão
o corpus da pesquisa.
6.2.2.1 O canal Barbixas
Figura 4 - Logo da Companhia Barbixas de Humor
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
73
O canal de vídeos Barbixas foi criado em 29 de novembro de 2007. Em maio
de 2016, já contava com 2.419.621 inscritos, mais de 603 milhões de visualizações e
possui uma média de quatro milhões de acessos por mês6. Barbixas é uma
companhia de humor formada pelos atores Anderson Bizzocchi, Daniel Nascimento
e Elidio Sanna. Criado em 2004, o grupo começou fazendo espetáculos
beneficentes no Teatro Jardim São Paulo (Zona Norte de São Paulo)7.
Além dos esquetes, a Companhia Barbixas de Humor também disponibiliza,
no canal, vídeos dos shows de improviso que os atores apresentam Brasil afora.
Tanto as peças improvisadas quanto os esquetes roteirizados e gravados mesclam
uma comédia inocente com ironias e sátiras aplicadas em contextos sociais,
políticos e históricos.
Os Barbixas realizaram, ainda, alguns programas de improviso na televisão
brasileira, tais como: Quinta Categoria (MTV), É Tudo Improviso (Band) e Tomara
Que Caia (Globo). O Quinta Categoria foi um programa de televisão que começou a
ser exibido em 2008 pela MTV8. É Tudo Improviso foi um programa de televisão
humorístico de improvisação exibido na TV Bandeirantes de 11 de janeiro de 2010 a
28 de fevereiro de 2012. Reprises do programa continuam sendo exibidas pelo canal
TBS, de 22 de novembro de 2012 até o presente9. Tomara Que Caia, por sua vez,
foi um programa humorístico exibido pela Rede Globo nas noites de domingo, entre
19 de julho e 1º de novembro de 201510. Na descrição do canal Barbixas no
YouTube consta a informação: “inscreveu-se em: 29 de nov de 2007”11.
Os vídeos são postados no canal todas as terças e quintas-feiras, sempre às
8h da manhã.
6.2.2.2 Corpus da pesquisa
Os três vídeos a serem decupados e analisados nesta pesquisa são
apresentados por ordem de postagem. A escolha dos mesmos deve-se aos temas
abordados nos esquetes, que trazem reflexões sobre a sociedade brasileira –
6 Disponível em <https://www.youtube.com/user/videosimprovaveis>. Acesso em: 15 mai. 2016.
7 Disponível em <http://www.barbixas.com.br>. Acesso em: 15 mai. 2016.
8 Disponível em: < http://mtv.com.br>. Acesso em: 22 out. 2016.
9 Disponível em: < http://band.uol.com.br/tv>. Acesso em: 22 out. 2016.
10 Disponível em: < http://gshow.globo.com/programas/tomara-que-caia>. Acesso em: 22 out. 2016.
11 Disponível em: < http://youtube.com/barbixas>. Acesso em: 22 out. 2016.
74
aspecto evidenciado na questão norteadora desse estudo. Os três esquetes são do
primeiro semestre de 2016 e estão disponíveis em DVD nos anexos dessa pesquisa.
O primeiro vídeo é intitulado Preso em nome da lei e faz uma crítica ao
sistema político e judiciário brasileiro. Lei Áurea é o segundo esquete analisado. A
crítica dele também remete à política, mas enquanto forma de pensar da sociedade.
O terceiro vídeo, Dia Internacional da Mulher, critica formas de preconceito
presentes na sociedade.
A seguir, serão apresentados os dados dos vídeos e suas decupagens.
6.2.2.2.1 Preso em nome da lei
Figura 5 - Preso em nome da lei
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
O esquete Preso em nome da lei, postado em 19 de janeiro de 2016, possuía
cerca de 660 mil visualizações em outubro de 2016. A duração é de 1 minuto e 32
segundos. Na descrição do vídeo, no YouTube, há uma breve sinopse e a ficha
técnica da produção audiovisual:
75
Figura 6 - Descrição do vídeo Preso em nome da lei
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
76
A decupagem integral do vídeo Preso em nome da lei encontra-se abaixo.
O esquete começa com um plano médio do ator Daniel Nascimento, que está com
os cotovelos apoiados sobre um móvel e segura, com as duas mãos, uma carta
virada para ele, na frente do rosto. Os olhos, contudo, não estão cobertos, e, apesar
de sua boca não estar visível, ele aparenta sorrir disfarçadamente. Não há trilha
sonora, apenas silêncio, com pequenos ruídos do ambiente. A cena muda para um
plano médio de outros dois atores que também seguram uma carta cada um. Um
deles é Anderson Bizzocchi e a outra é a atriz Luana Bizzocchi. Já é possível
perceber que o cenário se trata de uma cozinha de casa ou apartamento. Ao fundo,
é possível ver churrasqueira e área de serviço. Os três atores estão sentados em
volta de uma mesa redonda, e há mais pessoas.
Uma terceira cena é apresentada. No primeiro plano, estão dois outros atores
desfocados. Em segundo plano, no foco da câmera, está o ator Elidio Sanna. Todos
seguram uma carta cada um e olham para os lados, como que desconfiados. A cena
volta para Daniel Nascimento e, após, para a atriz Paulinha Vilhena, que também
segura uma carta nas mãos. Novamente, a cena muda para um enquadramento que
mostra o ator Felipe Castanhari em segundo plano, e, em primeiro plano, Anderson
Bizzocchi pisca o olho esquerdo para alguém que está à sua esquerda. A cena
muda repentinamente para Elidio Sanna.
Elidio Sanna: Preso em nome da lei!
A cena volta para Anderson Bizzocchi em primeiro plano e Castanhari em segundo,
depois mostra plano médio do ator Arthur Toyoshima.
Todos: Aaaaaaaaaah!
Anderson Bizzocchi: Saco!
A cena mostra o plano médio de Paulinha Vilhena.
Paulinha Vilhena: Foi ridículo!
77
Volta ao primeiro plano de Anderson Bizzocchi com Felipe Castanhari em segundo.
Felipe Castanhari: Tava meio óbvio, né? Disfarça!
Cena de Daniel Nascimento mexendo a cabeça em reprovação.
Alguém: Porra, cara!
Primeiro plano em Anderson Bizzocchi.
Anderson Bizzocchi: Tá bom, vamos mais uma, mais uma.
A câmera mostra, agora, a mesa filmada de cima. Há uma toalha xadrez, comes e
bebes, cartas viradas para baixo e as mãos de todos retirando uma carta cada um.
Cena muda para um plano médio de Daniel Nascimento, que está olhando o
conteúdo da sua carta.
Daniel Nascimento: É meu, peguei...
Plano médio de Elidio Sanna.
Elidio Sanna: Só olho, só olho!
A próxima cena mostra Anderson e Luana Bizzocchi olhando para os lados. A
seguir, Paulinha Vilhena aparece em primeiro plano, desfocada, e o ator Arthur
Toyoshima em segundo, no foco, piscando com o olho direito para Paulinha. A cena
muda para um plano médio de Paulinha.
Paulinha Vilhena: Morri!
Plano médio de Felipe Castanhari apontando para Arthur Toyoshima.
Felipe Castanhari: Preso em nome da lei!
78
A próxima cena mostra os atores Anderson Bizzocchi, Felipe Castanhari e Daniel
Nascimento.
Anderson Bizzocchi: Até eu vi!
Na cena seguinte, que mostra os atores Elidio Sanna e Arthur Toyoshima, Sanna
coloca a mão direita sobre o ombro esquerda de Toyoshima e mostra sua carta a
todos.
Elidio Sanna: Advogado! Recurso contra a pronúncia do réu.
Primeiro plano de Anderson Bizzocchi.
Anderson Bizzocchi: Ooooh...
Plano médio de Daniel Nascimento, que mostra sua carta a todos.
Daniel Nascimento: Promotoria! Eu chamo o delegado!
Daniel Nascimento aponta para o ator Felipe Castanhari, à sua direita. A câmera se
move para a direita e enquadra Felipe na cena.
Felipe Castanhari: O delegado viu ele piscando pra vítima em flagrante!
Plano médio de Elidio Sanna, que aparenta estar frustrado. A cena volta para Daniel
Nascimento e Felipe Castanhari, que estão comemorando.
Daniel Nascimento: Ah! Peço prisão preventiva!
Cena volta para plano médio de Elidio Sanna, que novamente mostra sua carta a
todos.
Elidio Sanna: Revogação da prisão preventiva!
79
A próxima cena mostra Anderson Bizzocchi em primeiro plano. Felipe Castanhari
está enquadrado em segundo. Bizzocchi mostra sua carta a todos.
Anderson Bizzocchi: Ah! Negado! Sou juiz, mantenho a prisão!
Plano médio de Daniel Nascimento.
Todos: Oooooooh!
Plano médio de Elidio Sanna.
Elidio Sanna: Julgamento em liberdade!
Plano médio de Daniel Nascimento.
Daniel Nascimento: Peço adiamento da sessão.
Plano médio de Elidio Sanna.
Elidio Sanna: Delação premiada!
Daniel Nascimento: Como?!
Elidio Sanna: Premiadinha!
Plano médio de Anderson Bizzocchi.
Anderson Bizzocchi: Ah! Aceito Suborno.
A cena seguinte mostra os atores Arthur Toyoshima e Elidio Sanna.
Elidio Sanna: Como é que você aceita suborno se ninguém tentou te subornar?
80
A próxima cena mostra os atores Luana e Anderson Bizzocchi. Luana mostra sua
carta a todos.
Luana Bizzocchi: Empreiteira!
Primeiro plano da atriz Paulinha Vilhena.
Todos: Aaaaaah!
Plano médio de Elidio Sanna, que demonstra indignação.
Elidio Sanna: Empreiteira do lado!
Plano médio de Daniel Nascimento, que mostra sua carta a todos e fala diretamente
para Luana Bizzocchi.
Daniel Nascimento: Notícia bombástica da sua empresa no jornal!
Daniel Nascimento beija sua carta. A cena seguinte mostra os atores Luana e
Anderson Bizzocchi.
Luana Bizzocchi: Direito de resposta!
Anderson Bizzocchi: Ah, eu vou ter que negar, querida.
Luana Bizzocchi: Como?
A próxima cena mostra Anderson Bizzocchi em primeiro plano e Felipe Castanhari
em segundo. Anderson aponta para sua carta.
Anderson Bizzocchi: Eu tô dormindo com a jornalista.
Felipe Castanhari: Ah, mas, peraí. Como assim você?
81
Felipe Castanhari olha para sua carta.
Anderson Bizzocchi: É, tá aqui.
Bizzocchi aponta para a sua carta.
Felipe Castanhari: Eu também tô dormindo, tem alguma coisa errada.
Anderson olha para a carta de Felipe.
Anderson Bizzocchi: Peraí...
O ator Daniel Nascimento, que estava ao lado esquerdo de Felipe Castanhari, é
enquadrado na cena. Nascimento olha para a sua carta e para a dos outros atores.
Daniel Nascimento: Ih, tem jornalista na minha carta também.
Primeiro plano de Paulinha Vilhena.
Paulinha Vilhena: Tem cartinha repetida!
A cena seguinte mostra os atores Anderson Bizzocchi, Felipe Castanhari e Daniel
Nascimento.
Anderson Bizzocchi: Alguém mais tá dormindo com a jornalista?
A próxima cena enquadra Luana e Anderson Bizzocchi. Luana ergue o braço. Na
cena seguinte, Arthur Toyoshima e Elidio Sanna são enquadrados. Eles também
erguem os braços.
Alguém: Eu...
Outro alguém: Eu...
82
A cena seguinte inicia em um plano médio de Paulinha Vilhena. A câmera, então,
desce e mostra que a atriz segura nas mãos a caixa do jogo.
Paulinha Vilhena: Ai, é muito complicado jogar Brazil!
Na caixa, estão estampados desenhos de personagens (juiz, advogado, promotor,
delegado, ladrão...). A cena muda para Arthur Toyoshima e Elidio Sanna. Os dois
cochicham entre si.
Arthur Toyoshima: E eu tô preso ou não?
Elidio Sanna: Não, já foi.
Arthur Toyoshima: Já foi?
Elidio Sanna: Relaxa.
A vinheta da Companhia Barbixas de Humor é exibida. A cena final, mais aberta,
mostra a mesa, Anderson Bizzocchi, Arthur Toyoshima, Daniel Nascimento e
Paulinha Vilhena. Ao fundo, o som da campainha tocando.
Anderson Bizzocchi: Opa! Pizza!
Ao final do vídeo, são exibidos os comentários dos internautas, que também
são pertinentes para a análise desta pesquisa. Alguns deles foram selecionados
pela pesquisadora:
83
Figura 7 - Comentário 1 - Preso em nome da lei
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
Figura 8 - Comentário 2 - Preso em nome da lei
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
Figura 9 - Comentário 3 - Preso em nome da lei
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
84
Figura 10 - Comentário 4 - Preso em nome da lei
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
6.2.2.2.2 Lei Áurea
Figura 11 - Lei Áurea
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
O esquete Lei Áurea, postado em 12 de fevereiro de 2016, possuía em torno
de 336 mil visualizações em outubro de 2016. A duração é de 1 minuto e 58
segundos. Na descrição do vídeo, no YouTube, há uma breve sinopse e a ficha
técnica da produção audiovisual:
85
Figura 12 - Descrição do vídeo Lei Áurea
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
86
A decupagem integral do vídeo Lei Áurea encontra-se abaixo.
O esquete inicia com uma imagem em sépia do ator Anderson Bizzocchi,
caracterizado com figurino e maquiagem de época. Ele veste uma camisa branca e
um colete cinza, usa um chapéu e possui uma barba espessa. O próprio ator segura
a câmera e se enquadra em um plano médio. Ao fundo, uma plantação de café. O
ator começa a falar olhando para a câmera, com um sotaque forte que puxa a letra
R.
Anderson Bizzocchi: Boa tarde, pessoal. Tudo bem com vocês? Comigo não tá,
não. Queria mandar um recado pra essa Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela
Gabriela Rafaela Gonzaga e esse bando de abolicionista que tá no poder que, da
noite pro dia, criaram uma bendita de uma Lei Áurea, e agora ó, vô mostrar ‘proceis’,
ó...
O ator olha para trás e, com uma das mãos – a que não está segurando a câmera –
aponta para a plantação de café no cenário ao fundo.
Anderson Bizzocchi: Não tem ninguém! Nenhum escravo trabalhando! Por quê?
Porque tudo eu tive que libertar! Tudo foi embora! Porque agora é livre! Porque
agora ficou libertário. Aí quem teve que cuidar do café? O trouxa aqui! Quem teve
que lavar roupa? O trouxa aqui! E o trouxa meteu a mão na enxada ó...
O ator levanta a palma da mão esquerda e olha para ela.
Anderson Bizzocchi: Tô até com umas bolhas, uns negócio aqui. O pessoal falou
que é calo. Nem sei se isso sai! Quer dizer, o governo fica se metendo onde nunca
se meteu! Esse Dom Pedro aí, que que fez? Não deu umas palmadas nessa Dona
Isabel aí! Que fez uma leizinha agora! E aí como é que agora eu vou produzir?
O ator começa a apontar o dedo indicador para a câmera, cada vez mais nervoso.
Anderson Bizzocchi: Gente, ouve o que eu tô falando! O Brasil vai parar! Escuta o
que eu tô falando! Tô fazendo um apelo aqui, porque o Brasil vai parar! Como é que
87
eu posso produzir se agora eu vou ter que pagar salário pro pessoal que trabalhar
aqui? Hã? Me responde essa, princesinha! Como é que eu vou fazer?
O ator parece se acalmar um pouco.
Anderson Bizzocchi: Faço aqui então um apelo aos amigos latifundiários, os
senhores que tão aí sabem do que eu tô falando, tá todo mundo sofrendo isso! Não
tem escravo mais pra ninguém! Faço um apelo ao pessoal pra gente tomar o poder
junto com os militares, ainda agora em 1889! Desculpa aí o nervosismo e o
desabafo, pessoal, e fica todos com Deus!
A vinheta da Companhia Barbixas de Humor é exibida. A cena volta a ser exibida.
Anderson Bizzocchi: E outra: tá vindo agora uns trabalhador aí de fora, uns
europeu, uns italiano, uns alemão, e eles eu não posso colocar no tronco! Esses eu
não posso botar na chibata! Que dizer aí... Ah! Que se exploda esse governo!
Ao final do vídeo, são exibidos os comentários dos internautas, que também
são pertinentes para a análise desta pesquisa. Alguns deles foram selecionados
pela pesquisadora:
88
Figura 13 - Comentário 1 - Lei Áurea
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
89
Figura 14 - Comentário 2 - Lei Áurea
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
6.2.2.2.3 Dia Internacional da Mulher
Figura 15 - Dia Internacional da Mulher
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
O esquete Dia Internacional da Mulher, postado em 7 de março de 2016,
possuía 437.086 mil visualizações em outubro de 2016. A duração é de 2 minutos.
Na descrição do vídeo, no YouTube, há uma breve sinopse e a ficha técnica da
produção audiovisual:
90
Figura 16 - Descrição do vídeo Dia Internacional da Mulher
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
91
A decupagem integral do vídeo Dia Internacional da Mulher encontra-se
abaixo.
O esquete começa com o plano aberto de um escritório. É possível ver cinco
homens. Um deles – interpretado pelo ator Elidio Sanna – está vestido de mulher.
Cada um está em um computador trabalhando. O plano de câmera muda para o
lado oposto da sala. Agora é possível ver a porta de entrada. Um homem negro –
interpretado pelo ator Marco Gonçalves – que estava de pé, senta na sua cadeira.
Outro homem – o chefe daquele escritório –, interpretado pelo ator Daniel
Nascimento, entra pela porta do escritório e começa a discursar.
Daniel Nascimento: Bom dia, pessoal!
A câmera mostra novamente o escritório do primeiro ângulo que foi exibido, com os
seis atores olhando na direção de Daniel Nascimento, que continua discursando.
Daniel Nascimento: Hoje é o Dia Internacional da Mulher, então um bom-dia
especial pra Joana, uma salva de palmas pra Joana.
É exibido um plano médio de Daniel Nascimento enquanto ele discursa. Após, a
cena muda para o ângulo do escritório em que Daniel fica de frente para a câmera.
Todos batem palmas para o ator Elidio Sanna, que está vestido de mulher. A
próxima cena mostra um plano médio de dois dos atores – Evandro Rodrigues e
Raphael Ximenes – que interpretam os trabalhadores do escritório. Eles estão
batendo palmas. A cena seguinte mostra o ator Elidio Sanna, que interpreta Joana,
levantando a mão, como quem pede a palavra. Novamente, o escritório é mostrado
do ângulo em que Daniel Nascimento fica de frente para a câmera.
Daniel Nascimento: Antes da gente começar eu queria... Opa, segura!
Plano médio de Daniel Nascimento.
Daniel Nascimento: Pode falar, Joana, pode falar, que é o teu dia.
92
A próxima cena enquadra o ator Elidio Sanna, que interpreta Joana, ao fundo, no
foco da câmera. É possível ver as costas dos colegas de trabalho, em primeiro
plano, desfocadas.
Elidio Sanna (Joana): É... Eu só queria... Realmente, hoje é o Dia da Mulher e eu
só queria lembrar vocês porque que hoje é o Dia da Mulher.
Plano médio de Daniel Nascimento, concordando com a cabeça. Plano médio de
Elidio Sanna (Joana).
Elidio Sanna (Joana): Porque na metade do século retrasado, um grupo de
mulheres realizou uma greve nos Estados Unidos reivindicando melhores condições
de trabalho...
Plano aberto do escritório. Plano médio de Elidio Sanna (Joana).
Elidio Sanna (Joana): ...e salários iguais aos dos homens, que ganhavam até três
vezes mais que do que elas.
Plano médio dos atores Evandro Rodrigues e Raphael Ximenes. Plano médio de
Elidio Sanna (Joana).
Elidio Sanna (Joana): E como forma de represália a essa greve, 130 mulheres
foram trancadas dentro de uma fábrica e queimadas vivas.
Plano aberto do escritório. Plano médio dos atores Evandro Rodrigues e Raphael
Ximenes. Todos estão em silêncio e se olham, sem saber o que dizer. Alguns olham
para baixo, um tanto constrangidos. Plano médio do ator Elidio Sanna (Joana), o
único com uma expressão mais natural. Plano médio do ator Daniel Nascimento,
que esboça um meio sorriso amarelo e olha para os lados. Plano médio do ator
Anderson Bizzocchi, que está no foco da câmera, em segundo plano. No primeiro
plano, está o ator Marco Gonçalves, de costas e desfocado. Novamente plano médio
do ator Daniel Nascimento, que ainda esboça o meio sorriso amarelo. Ele solta um
suspiro.
93
Daniel Nascimento: É que isso é século retrasado, já não é mais...
Plano médio do ator Elidio Sanna (Joana), que novamente está com a mão
levantada como quem pede a palavra. Ele começa a falar, interrompendo Daniel
Nascimento.
Elidio Sanna (Joana): É engraçado, chefe, porque estamos no século XXI e...
A cena agora exibe Marco Gonçalves desfocado, no primeiro plano, e Elidio Sanna
(Joana) em segundo plano, no foco.
Elidio Sanna (Joana): ...eu exerço a mesma função que o Ricardo...
Elidio Sanna (Joana) aponta para o seu lado esquerdo. A câmera enquadra o ator
Anderson Bizzocchi, que interpreta Ricardo.
Elidio Sanna (Joana): ...e ele ainda ganha mais do que eu.
Anderson Bizzocchi (Ricardo) aparenta estar em uma situação desconfortável. Plano
médio de Elidio Sanna (Joana).
Elidio Sanna (Joana): E eu não entendo muito o porquê.
Plano médio de Anderson Bizzocchi (Ricardo), que olha para baixo, sem saber o que
dizer ou fazer. Plano médio de Daniel Nascimento.
Daniel Nascimento: Eu comprei chocolate pra você...
Daniel Nascimento mostra a caixa de chocolate e a câmera desce para as mãos
dele, que seguram a caixa. Novamente, Elidio Sanna (Joana) interrompe Daniel
Nascimento. Plano médio do ator Elidio Sanna (Joana).
Elidio Sanna (Joana): Aliás, gente, eu sou um homem!
94
Elidio Sanna tira a peruca que usava para interpretar Joana.
Elidio Sanna: Por que colocam um homem pra fazer papel de mulher em comédia?
Por que não chama uma comediante? Tanta atriz boa que a gente conhece, que
trabalha com a gente, inclusive...
Elidio Sanna olha diretamente para a câmera e interrompe o seu discurso, pois
percebe alguma coisa atrás da câmera.
Elidio Sanna: É a Marianna ali?
Plano aberto dos bastidores do esquete. No canto esquerdo da tela, há um homem
que está segurando alguma coisa. Uma luz está no canto direito e, no centro, a atriz
Marianna Armelini, vestida de homem, opera a câmera que estaria gravando o
esquete. Ela olha para frente, surpresa.
Elidio Sanna: Marianna Armelini? Por que ela não tá aqui fazendo esse papel?
Plano médio de Elidio Sanna. Plano aberto dos bastidores do esquete. Marianna tira
o bigode que estava usando. Novamente, plano médio de Elidio Sanna.
Elidio Sanna: Você tá vestida de homem?
Plano aberto dos bastidores do esquete.
Marianna Armelini: É que é ‘cameraman’, né?
A vinheta da Companhia Barbixas de Humor é exibida. A cena final mostra a entrada
do escritório. Daniel Nascimento – interpretando o chefe – entra animado, batucando
um pandeiro.
Daniel Nascimento: Bom dia, pessoal! Hoje é dia da consciência negra! Ê! Ê!
95
Daniel Nascimento batuca novamente no pandeiro. Plano médio do ator Marco
Gonçalves, que é negro. Ele está sério e levanta a mão, como quem pede a palavra.
A cena volta mostrar Daniel Nascimento batucando na entrada do escritório.
Daniel Nascimento: Ê! Ê! Não é assim que vocês fazem lá, não?
Ao final do vídeo, são exibidos os comentários dos internautas, que também
são pertinentes para a análise desta pesquisa. Alguns deles foram selecionados
pela pesquisadora:
Figura 17 - Comentário 1 - Dia Internacional da Mulher
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
96
Figura 18 - Comentário 2 - Dia Internacional da Mulher
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
Figura 19 - Comentário 3 - Dia Internacional da Mulher
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
A técnica da observação – do canal Barbixas e dos três vídeos selecionados
– auxiliará no momento da análise e da resposta à questão norteadora.
6.2.3 Entrevista
Outra técnica a ser utilizada nesta pesquisa será a entrevista. Para Gil, a
técnica da entrevista se refere à formulação de perguntas do investigador para o
investigado. O objetivo, neste processo, é obter dados. A forma de diálogo desta
técnica é assimétrica, na qual uma das partes busca coletar dados e a outra se
apresenta como fonte de informação.
O autor ressalta que a entrevista pode ser mais ou menos estruturada.
Aquelas pertencentes à primeira classificação, segundo Gil (2011), predeterminam
as respostas a serem obtidas em maior grau. Já as do segundo tipo, as menos
97
estruturadas, “são desenvolvidas de forma mais espontânea, sem que estejam
sujeitas a um modelo preestabelecido de interrogação” (p. 111).
Gil explica que a entrevista pode ser classificada em diferentes tipos,
conforme sua estruturação:
a) Entrevista informal: é a menos estruturada possível, se distingue pela
simples conversação e tem como objetivo básico a coleta de dados;
b) Entrevista focalizada: enfoca um tema bem específico. O entrevistador
permite ao entrevistado falar livremente sobre o assunto;
c) Entrevista por pautas: é guiada por uma relação de pontos de interesse
que o entrevistador explora. As pautas são ordenadas e relacionadas
entre si e o entrevistador faz poucas perguntas, deixando o entrevistado
falar conforme os assuntos;
d) Entrevista estruturada: se desenvolve a partir de uma relação fixa de
perguntas. A ordem e a redação se mantêm as mesmas para todos os
entrevistados. As respostas obtidas são padronizadas e a lista de
perguntas é denominada questionário ou formulário.
Gil (2011) enfatiza que a maneira correta de conduzir uma entrevista é difícil
de ser determinada, pois depende muito dos objetivos e das circunstâncias. Para o
autor, a entrevista pode assumir diferentes formas, mas todas elas exigem que o
entrevistador tenha habilidade para conduzir.
Para esta pesquisa, uma entrevista estruturada com os produtores do canal
de vídeos Barbixas se mostrou necessária.
6.2.3.1 Processo da entrevista
Uma vez que a opinião dos idealizadores do objeto desta pesquisa corrobora
a análise deste estudo, uma entrevistada estruturada foi elaborada durante o projeto
desta monografia, com objetivo de melhor analisar se a crítica à sociedade por meio
do humor pode ser considerada informação.
As primeiras tentativas de contato com a Companhia Barbixas de Humor
foram feitas por telefone. O primeiro número tentado foi o da produtora contratada
98
pelo grupo no único show apresentado em Caxias do Sul, em 17 de agosto de 2013.
Contudo, a produtora já não possuía mais sede na cidade. A segunda tentativa por
número de telefone foi com o teatro onde a companhia se apresentou, que também
não soube como ajudar. No site do trio não há números de telefone, apenas e-mails
– e foi esta a forma de contato estabelecida.
O primeiro e-mail foi enviado em 30 de agosto deste ano, às 12h48min, da
conta universitária da pesquisadora ([email protected]), para quatro endereços:
O retorno foi muito breve: no mesmo dia, às 13h31min, do endereço
[email protected]. O e-mail foi respondido por alguém que assina como
Joca, cuja função não foi especificada. O e-mail da pesquisadora foi, então, copiado
para alguém chamado Bruno, que ficaria encarregado do assunto.
Como o questionário já estava elaborado desde o primeiro semestre de 2016
– e foi adaptado pela pesquisadora e orientadora nos primeiros meses do segundo
semestre –, já foi possível enviá-lo no mesmo dia, às 13h50min, conforme solicitado
por Joca no primeiro retorno. Como, agora, era Bruno quem estava encarregado do
assunto, o segundo e-mail enviado foi remetido a ele.
Na contramão do primeiro retorno, que foi breve, a resposta do questionário
chegou 10 dias depois: no dia 9 de setembro, às 18h15min. Conforme especificado
no e-mail, as perguntas foram respondidas somente por um dos três idealizadores
do canal, o ator Elidio Sanna. As respostas foram breves e bem sucintas.
Em 5 de outubro, a pesquisadora soube que a companhia iria trazer seu
espetáculo Improvável para Porto Alegre nos dias 5 e 6 de novembro, e adquiriu
ingressos para as duas seções do dia 6, um domingo. Devido a este novo fato, um
terceiro contato foi feito, desta vez, solicitando uma entrevista pessoalmente com os
três atores. O objetivo seria tentar aprofundar as respostas enviadas por e-mail.
Contudo, a orientadora desta pesquisa alertou que a data do espetáculo era tardia –
se a análise começasse a ser escrita somente depois deste encontro, haveria o risco
de não ser concluída a tempo. Mesmo assim, incentivou a ida da acadêmica para a
apresentação da companhia, levando em conta a possibilidade da entrevista ao vivo
99
acrescentar algumas informações à análise já desenvolvida. Sendo assim, o e-mail
foi enviado às 12h53min do dia 5 de outubro.
O retorno não foi imediato. No dia 14 de outubro, às 11h51min, o e-mail
chegou, desta vez, trazendo números de telefone na assinatura. Contudo, a
resposta foi negativa. Contudo, a pesquisadora foi orientada a procurar por Jefferson
no dia do espetáculo, caso ela fosse assistir a última sessão de domingo. Outro e-
mail foi, então, enviado pela acadêmica no mesmo dia, às 15h06min, confirmando
que a sessão conferia com a indicada e solicitando como entrar em contato com
Jefferson. A resposta chegou cinco dias depois, no dia 19 de outubro, às 15h47min,
explicando que o contato deveria ser feito pessoalmente, no dia da apresentação.
Apesar dos números de telefone terem sido disponibilizados no primeiro
retorno da entrevista ao vivo, a pesquisadora optou por não ligar, pois, como já
citado anteriormente, a entrevista principal, que serviria de subsídio para análise,
seria aquela enviada por já recebida por e-mail. Se a entrevista ao vivo fosse
indispensável para a pesquisa, um contato mais direto – por telefone – teria sido
feito.
No dia da apresentação, 6 de novembro, foi feito o contato pessoalmente com
Jefferson, conforme havia sido indicado por e-mail. O produtor, contudo, não
permitiu que as perguntas fossem feitas pessoalmente, devido ao tempo curto que a
equipe possuía. Apenas uma foto foi permitida:
100
Figura 20 - Foto com a Companhia Barbixas de Humor
Fonte: Acervo pessoal (2016).
Da esquerda para a direita, encontram-se: Renata Chies Paschoali
(pesquisadora); Anderson Bizzocchi (membro da companhia); Gustavo Miranda
(convidado da companhia naquela ocasião); Elidio Sanna (membro da companhia);
e Rafael Chies Paschoali (irmão da pesquisadora). Daniel Nascimento, o terceiro
membro da Companhia Barbixas de Humor, não pode estar presente no dia.
As respostas do questionário aplicado por e-mail serão mostradas no subtítulo
seguinte.
6.2.3.2 Entrevista com Elidio Sanna
a) Como surgiu a ideia inicial dos vídeos (esquetes)?
Os Barbixas surgiram fazendo humor escrito. Nossos primeiros vídeos, em 2004,
eram esquetes cômicos. A improvisação só virou uma marca do grupo em 2007.
b) Como o roteiro dos vídeos é estruturado?
Um dos três chega com uma ideia, a coloca no papel e depois há uma revisão de
texto a seis mãos para chegar ao melhor daquela premissa.
101
c) Como surge a inspiração para escrever os roteiros? No que se inspiram?
Tomam como referência algo ou alguém?
Não há regra de como nos inspiramos. Seja deitado na cama, treinando improviso,
conversando na van, aquecendo no palco ou em uma apresentação, a ideia pode
surgir.
d) Quais as principais dificuldades de todo o processo, desde a idealização
até a exibição na internet?
A captação é a parte mais complicada porque envolve uma equipe técnica e de
produção grande e um custo elevado. Qualquer peça fora do lugar num dia de
captação pode colocar em risco um vídeo.
e) Já houve alguma ameaça ou processo devido às críticas apresentadas?
Uma vez uma empresa pediu para que retirássemos um vídeo do ar, mas depois
tudo correu bem.
f) Qual o objetivo para com o público? Entreter ou informar?
Quanto mais camadas pudermos explorar num vídeo, melhor. Cabe ao espectador
interpretá-las.
g) O objetivo é criar um público diferente na internet ou atrair o público para
os shows de improviso?
O YouTube é nosso principal canal de produção de conteúdo. O objetivo é levar ao
nosso público nosso trabalho.
h) Vocês recebem retorno do público? O que eles dizem sobre os vídeos?
Nosso público, talvez por ser nosso, sempre nos dá um retorno positivo. A internet é
muito democrática nesse sentido, ninguém precisa assistir algo que não agrade.
i) O que pensam sobre utilizar a plataforma internet para fidelização do
público?
É a democratização da mídia. Antigamente os artistas estavam sujeitos aos diretores
de programação da TV, rádio ou teatro. Hoje qualquer um pode disponibilizar seu
trabalho ao público e isso é ótimo.
102
Após a aplicação do método, a análise do conteúdo será feita com o apoio de
três técnicas: a revisão bibliográfica levantada, a entrevista com os idealizadores do
canal Barbixas no YouTube e a observação dos três esquetes selecionados pela
pesquisadora. Esse é o assunto do próximo capítulo.
103
7 ANÁLISE: ESQUETES QUE FAZEM RIR E REFLETIR
“O riso é a mais antiga e mais terrível forma de crítica.”
Eça de Queirós
A análise do conteúdo desta pesquisa é construída a partir da observação e
decupagem de três vídeos do canal Barbixas, no YouTube – Preso em nome da lei,
Lei Áurea e Dia Internacional da Mulher –, por meio da entrevista com um dos três
produtores e atores da Companhia Barbixas de Humor, Elidio Sanna, e também por
revisão bibliográfica. Por intermédio da categorização foi possível estabelecer quatro
temas para análise, que servem de fio condutor para chegar à resposta da questão
norteadora. A pesquisa, portanto, está dividida em quatro categorias de análise:
informação, humor e entretenimento, hibridismo e interatividade.
A seguir, estas quatro categorias são ilustradas em uma tabela e, após, cada
uma será explanada em um subtítulo.
Tabela 1 - Elementos de categorização de análise
VÍDEOS CATEGORIAS
PRESO EM NOME DA LEI
LEI ÁUREA DIA INTERNACIONAL
DA MULHER
INFORMAÇÃO É preciso: - saber que existe um jogo tradicional e conhecer as regras dele, a fim de perceber as diferenças do jogo normal de detetive para o jogo Brazil, criado pela companhia; - conhecer as notícias do Brasil, para entender a maioria das referências à política e ao sistema judiciário brasileiro, assim
É preciso: - saber o que foi o fato histórico da Lei Áurea; - entender a ironia, que não se encontra presente no tom de voz da única personagem do vídeo (que fala muito seriamente), mas que é perceptível por meio do conteúdo do monólogo dela; - conhecer fatos atuais da política brasileira, para
É preciso: - saber que existe machismo e preconceito racial; - entender que há diferenças impostas pelas empresas entre funcionários do sexo masculino e funcionárias do sexo feminino. Informa: - a real origem do Dia Internacional da Mulher.
104
como as críticas feitas a eles;
saber que há uma comparação entre o fato histórico e a situação política brasileira dos últimos anos.
HUMOR E ENTRETENIMENTO
- A ironia que se encontra no fato de um jogo de tabuleiro saber representar o sistema político e judiciário do Brasil; - A confusão dos próprios jogadores com as regras do jogo; - A surpresa do nome do jogo – Brazil – só ser revelado no final do vídeo; - Trocadilhos e duplo sentido em várias expressões.
- O sotaque forçado da personagem; - O duplo sentido na fala da personagem, que se encaixa na história da época e no contexto atual.
- Um homem vestido de mulher e uma mulher vestida de homem; - As situações constrangedoras em que uma personagem coloca todas as outras; - O jeito irônico e “desentendido” da personagem ao criticar as diferenças que existem entre homens e mulheres; - Uma autocrítica do canal Barbixas. - A surpresa, no final, de também haver uma crítica ao preconceito racial.
HIBRIDISMO - Informação servindo de subsídio para o entretenimento; - Informação sendo pré-requisito para que a crítica possa ser entendida e, assim, para que o entretenimento exista; - Notícias reproduzidas e termos utilizados pela mídia tradicional (televisão) servindo de subsídio para uma crítica que foi exposta em um vídeo na internet.
INTERATIVIDADE Comentários do vídeo no YouTube: - de pessoas concordando e parabenizando os idealizadores, mas também de pessoas discordando e criticando; - mostrando que a crítica foi entendida por alguns e incompreendida por outros;
105
- de pessoas que relacionaram a crítica de um vídeo publicado há mais de um ano com fatos noticiados recentemente.
7.1 INFORMAÇÃO
Dizer que o fundamento do Jornalismo está em contar histórias é inspirador,
mas de nada serve narrar um fato se nada é transmitido por meio dele. Afirmar que
o jornalista conta histórias é uma forma mais humana de dizer que o profissional da
comunicação informa. A chave de tudo está no jeito que essa história é contada, ou
seja, no modo com que essa informação é transmitida.
Nos três esquetes do canal Barbixas no Youtube, apresentados e decupados
no capítulo 6 deste estudo e disponibilizados em arquivo nos anexos desta
pesquisa, há histórias contadas e informações transmitidas. A seguir, serão
abordados os fatos e as críticas em cada um dos vídeos.
7.1.1 Informação no vídeo Preso em nome da lei
No caso do vídeo Preso em nome da lei, o fato que está sendo criticado só se
torna claro no fim do esquete, que é a situação do Brasil nos últimos anos. Não há
informação sendo passada explicitamente no vídeo, contudo, é necessário
conhecimento prévio de informações para poder entender a crítica que está sendo
feita.
No capítulo 2 desta pesquisa, Sírio Possenti, em sua obra Humor, língua e
discurso (2010) trata deste argumento, ao explicar que
há piadas que supõem leitores específicos, que partilhem de saberes – de memórias – específicos. Além disso, exige-se uma capacidade de sacar trocadilhos, duplos sentidos, alusões etc. Nesse sentido, as piadas são um tipo de texto específico, porque, se é verdade que todos os textos supõem algum “conhecimento prévio” ou “enciclopédico”, a piada exige, além disso, uma precisão cirúrgica na leitura de certa passagem (POSSENTI, 2010, p.111).
No esquete em questão, é possível citar dois exemplos de informações que
são pré-requisitos para o entendimento da crítica (já citados na tabela desta análise):
saber que existe um jogo tradicional e conhecer as regras dele, a fim de perceber as
diferenças do jogo normal de detetive para o jogo Brazil, criado pela companhia; e
106
conhecer as notícias do Brasil, para entender a maioria das referências à política e
ao sistema judiciário brasileiro, assim como as críticas feitas a eles.
Figura 21 - Jogo Brazil
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
Na descrição do vídeo no YouTube, os produtores escreveram: “Você lembra
do jogo do detetive em que o assassino piscava para os outros jogadores? As regras
deveriam mudar pois não é tão fácil levar alguém pra cadeia” (CANAL BARBIXAS,
2016). Na primeira frase, há um indício de que é necessário conhecer o jogo para
entender a crítica. Na segunda frase, os atores da companhia deixam uma pista do
que é a crítica do vídeo. No capítulo 2, de acordo com José Carlos Aronchi de
Souza, no livro Gêneros e formatos na televisão brasileira (2004), os programas de
humor “traziam mensagens codificadas” (p. 112).
Como já foi citado, o esquete deste subtítulo faz críticas ao sistema político e
judiciário do Brasil, que podem ser identificadas em algumas falas da decupagem do
esquete. Em dado momento do vídeo, o ator Felipe Castanhari percebe que o ator
Arthur Toyoshima piscou para a atriz Paulinha Vilhena e grita: “Preso em nome da
lei!” (CANAL BARBIXAS, 2016). Elidio Sanna apresenta sua carta do jogo,
mostrando que ele é advogado, e entra com um recurso contra a pronúncia do réu.
Daniel Nascimento se apresenta como promotor, chama Felipe Castanhari, o
107
delegado, para testemunhar e pede prisão preventiva. Elidio Sanna, o advogado,
quer revogação. Anderson Bizzocchi, então, se apresenta como juiz e afirmar
manter a prisão. Elidio Sanna solicita julgamento em liberdade e Daniel Nascimento,
o promotor, pede adiamento da sessão.
Estas falas indicam que é preciso conhecer a situação brasileira de um
processo judiciário e, também, as tentativas de burlar esse sistema para poder
entender a crítica.
Quanto à produção de conteúdo para um produto audiovisual de informação,
o capítulo 3 desta pesquisa, Olga Curado, em sua obra A Notícia na TV (2002),
apresenta a pauta como “um conjunto de dados que dão partida a uma reportagem”
(p. 40). A autora segue enfatizando que a pauta mostra uma notícia completa, mas
que deverá ser desdobrada. Para a autora, ela “faz um pente-fino no material
divulgado e vasculha os seus detalhes” (p. 41).
Os produtores deste vídeo utilizaram um conjunto de dados para dar partida
ao roteiro do esquete. Essa produção audiovisual mostra uma notícia desdobrada
por meio do diálogo dos atores. Um pente-fino nas notícias da imprensa brasileira foi
feito e detalhes foram vasculhados para dar origem às falas deste vídeo. Há mais
cenas que evidenciam estes argumentos.
Figura 22 - Delação premiada
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
108
Após a cena evidenciada na figura acima, Anderson Bizzocchi, o juiz, afirma
que aceita suborno. Elidio Sanna, então, questiona como que ele aceitaria suborno,
se ninguém tentou suborná-lo. Eis que a atriz Luana Bizzocchi, se apresenta como
empreiteira. Daniel Nascimento diz a ela que há uma notícia bombástica da empresa
dela no jornal. Luana Bizzocchi pede direito de resposta, e Anderson Bizzocchi diz
que vai ter que negar, pois está dormindo com a jornalista. Neste momento, é
descoberto que quase todos do jogo estão dormindo com a jornalista.
Figura 23 - Jornalista
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
Paulinha Vilhena, então, encerra o esquete afirmando que é muito complicado
jogar Brazil. A ‘enrolação’ evidenciada por este diálogo, a demora para que algo, de
fato, aconteça, o chamado ‘jeitinho brasileiro’ são os alvos da crítica do vídeo. No
capítulo 2, Luiz Carlos Travaglia, no artigo Uma introdução ao estudo do humor pela
linguística (1990), aponta que “o humor permite a crítica onde ela seria impossível
de outro modo” (p. 68).
Na mesma linha, a obra Os humores da língua: análises linguísticas de piadas
(1998), de Sírio Possenti, descreve que “o que caracteriza o humor é muito
provavelmente o fato de que ele permite dizer alguma coisa mais ou menos proibida”
(p. 49). A exemplo disso, pode estar o recorte do esquete a seguir.
109
Figura 24 - Relaxa
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
A crítica, portanto, é que, no Brasil, os processos judiciários tramitam
interminavelmente, sobra tempo de desviar a acusação, e, no fim, nada acontece.
No capítulo 2 deste estudo, Travaglia (1990) pontua que
o humor é uma atividade ou faculdade humana cuja importância se deduz de sua enorme presença e disseminação em todas as áreas da vida humana, com funções que ultrapassam o simples fazer rir. Ele é uma espécie de arma de denúncia, de instrumento de manutenção do equilíbrio social e psicológico; uma forma de revelar e de flagrar outras possibilidades de visão do mundo e das realidades naturais ou culturais que nos cercam e, assim, de desmontar falsos equilíbrios (TRAVAGLIA, 1990, p.55).
O autor ainda cita Freud (1905) para apontar que o humor é uma forma das
pessoas se libertarem das repressões do cotidiano, um modo de manifestação do
reprimido, “de descobrir prazeres reprimidos pela autoridade social e autocensura,
sendo, pois, uma forma de rebelião, de reação, de revolta” (FREUD, 1905 apud
TRAVAGLIA, 1990, p. 68). É isso que o vídeo Preso em nome da lei faz: além de
causar o riso, ele denuncia e reage aos sistemas político e judiciário brasileiros.
110
7.1.2 Informação no vídeo Lei Áurea
O vídeo Lei Áurea, por sua vez, também tem sua crítica relacionada ao
sistema político brasileiro. É preciso conhecer a história do ano de 1888, quando a
lei foi assinada, e também ter entendimento do contexto político atual para poder
compreender a crítica.
Em um dos trechos do vídeo, o ator Anderson Bizzocchi aponta para o
cenário de fundo do esquete, onde há uma plantação de café, e reclama: “Não tem
ninguém! Nenhum escravo trabalhando! Por quê? Porque tudo eu tive que libertar!
Tudo foi embora! Porque agora é livre! Porque agora ficou libertário. Aí quem teve
que cuidar do café? O trouxa aqui! Quem teve que lavar roupa? O trouxa aqui!”
(CANAL BARBIXAS, 2016).
Figura 25 - Nenhum escravo trabalhando
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
A personagem reclama da decisão do governo da época, personificado na
Princesa Isabel, que libertou os escravos. Estas falas, proferidas e ouvidas em 2016,
soam de uma forma tragicômica. ‘Cuidar do café’ e ‘lavar a roupa’ são tarefas que
poderiam ser executadas por qualquer um que queira consumir produtos oriundos
do café ou usar roupas limpas.
111
Em outro trecho, Anderson Bizzocchi alerta: “Gente, ouve o que eu tô falando!
O Brasil vai parar! Escuta o que eu tô falando! [...] Como é que eu posso produzir se
agora eu vou ter que pagar salário pro pessoal que trabalhar aqui? Hã? Me
responde essa, princesinha! Como é que eu vou fazer?” (CANAL BARBIXAS, 2016).
Figura 26 - O Brasil vai parar
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
A personagem acredita ser impossível produzir sem escravos, ou seja, tendo
que pagar às pessoas para que trabalhem. Ela ainda enfatiza que o Brasil pode
parar se a escravidão terminar. Hoje, quase 130 anos depois, é perceptível que não
foi isso o que aconteceu.
O que já foi evidenciado no esquete Preso em nome da lei, sobre o humor
permitir críticas que seriam ‘proibidas’ de outro modo, se encaixa neste segundo
vídeo também. No capítulo 2, Possenti (2010) aponta: “se é verdade que todos os
textos supõem algum ‘conhecimento prévio’ ou ‘enciclopédico’, a piada exige, além
disso, uma precisão cirúrgica na leitura de certa passagem” (p.111).
Em outra, fala, Anderson Bizzocchi reclama: “E outra: tá vindo agora uns
trabalhador aí de fora, uns europeu, uns italiano, uns alemão, e eles eu não posso
colocar no tronco! Esses eu não posso botar na chibata! Que dizer aí... Ah! Que se
exploda esse governo!” (CANAL BARBIXAS, 2016).
112
A personagem, portanto, acha indignante o fato de não poder colocar
estrangeiros no tronco e chibata-los, torturando-os e castigando-os, apenas por
serem estrangeiros. Desde 2010, senegaleses e haitianos migram para o Brasil e
moram no país, no Rio Grande do Sul e Caxias do Sul. Neste ano, médicos cubanos
vieram ao Brasil. Todos esses imigrantes sofreram e ainda sofrem preconceito. Essa
reflexão só é possível porque há informações subliminares no roteiro deste esquete.
No capítulo 2, Marta Helena Feitosa Silva, no artigo Quem ri por último... não
conhece o contexto (2013), trata desta contribuição e amplitude que o humor traz às
outras linguagens já existentes. Para a autora, “os gêneros humorísticos vêm tão
simplesmente somar-se aos demais numa busca, entre outros objetivos, de ampliar
a capacidade de leitura reflexiva e crítica do aluno” (p. 183).
Em uma das últimas falas do vídeo, Anderson Bizzocchi afirma fazer um
apelo: “[...] aos amigos latifundiários, os senhores que tão aí sabem do que eu tô
falando, tá todo mundo sofrendo isso! Não tem escravo mais pra ninguém! Faço um
apelo ao pessoal pra gente tomar o poder junto com os militares, ainda agora em
1889! Desculpa aí o nervosismo e o desabafo, pessoal, e fica todos com Deus!
(CANAL BARBIXAS, 2016)”.
Figura 27 - Desculpa o desabafo
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
113
Se algum espectador, até agora, não havia entendido a crítica do vídeo, neste
trecho há um contexto que pode evidenciá-la: o apelo ao poder militar. Em 2016,
houve – e ainda há – protestos pedindo a mesma interferência.
Para quem possui a informação do contexto político brasileiro atual, a crítica
fica clara desde os primeiros trechos. Afinal, o que era a escravidão na época em
que a Lei Áurea se não a desigualdade – e a vontade de muitos de que ela
prevaleça – nos dias de hoje?
Dizer que o Brasil iria parar sem escravos é o mesmo que acreditar que o
país não pode ir para frente se os menos favorecidos continuarem sendo
beneficiados por programas do governo. Tanto o fim da escravidão quanto os
benefícios que o governo dá aos menos favorecidos são tentativas de igualdade.
E por que alguém dizer que o fim da escravidão não deveria ter acontecido é
um absurdo, mas outro alguém dizer que os menos favorecidos não merecem ajuda
do governo é totalmente aceitável? Esta é a principal crítica do vídeo: algo
retrógrado, antigo e ultrapassado poder ser comparado aos dias de hoje, quando
todos acreditam já serem mais evoluídos em sociedade e em pensamento, mas
nada mudou no quesito igualdade: ela continua não existindo.
Esta crítica também pode ser evidenciada na descrição do vídeo no YouTube,
escrita pelos próprios idealizadores: “Não é de hoje que muitas pessoas ficam
revoltadas com as decisões dos governantes. Algumas reclamações fazem sentido e
algumas são pura bobagem” (CANAL BARBIXAS, 2016).
No capítulo 3 desta pesquisa, Curado (2002) afirma que a notícia é a
informação a serviço do público. A autora ainda cita que “o telejornal, programa de
notícia ou noticiário está no ar com a missão de oferecer esclarecimentos sobre os
fatos. O limite do Jornalismo é a verdade” (p. 17).
Também segundo Curado (2002), “a informação deve colaborar para produzir
em nós um sentimento de inclusão social ou política, aumentando a nossa
consciência acerca do que se passa nas nossas cercanias ou alhures” (p. 16).
O esquete Lei Áurea cumpriu este papel: esclareceu fatos e trouxe não
somente informações, mas reflexões a serviço do público. Talvez, não tenha
produzido um sentimento de inclusão, mas deveria, e, assim, alertou para a
ausência desse tipo de sentimento na sociedade.
As críticas, neste episódio, vão além do óbvio. A escravidão, teoricamente,
não deveria mais existir, mas está presente em muitos locais de trabalho, por
114
exemplo. Atualmente, algumas profissões e funções são assumidas, em grande
parte, por homens ou mulheres, ou por determinada etnia. Mesmo depois de liberta,
a maioria das pessoas segue sendo escravizada pelo trabalho, pelas leis, pela
rotina, etc. As falas da personagem no vídeo podem representar argumentos dos
empregadores quando seus funcionários estão em greve, por exemplo.
A reflexão é bem mais ampla, e o humor é que possibilita essas inúmeras
reflexões, dependendo da bagagem do espectador e da compreensão dele a partir
do conteúdo ofertado. Alguma mensagem sempre é repassada. No Jornalismo,
também é assim. O nível de compreensão da informação depende do nível de
conhecimento do espectador e do meio onde ele está inserido.
Gabriela Cocolo de Freitas, no artigo Entendendo a piada: uma análise
linguística (2011), observa que “o humor é algo multifacetado, muito amplo e
abrangente, podendo ser minuciosamente abordado por várias áreas, como a
sociologia, antropologia, filosofia, psicologia, etc” (p. 12). Seguindo a ótica de
Travaglia (1990), que complementa neste ponto, as diferentes abordagens acabam
convergindo, ou “sendo contra-faces de algo multifacetado e que se torna difícil
trabalhar dentro de uma abordagem (visão de uma face) sem tocar, perceber ou
levantar elementos de outra” (p. 64).
Este segundo esquete evidencia que o humor não somente é capaz de
informar, como também de discutir e refletir sobre mais informações além daquelas
presentes no produto audiovisual em questão.
7.1.3 Informação no vídeo Dia Internacional da Mulher
O vídeo Dia Internacional da Mulher, diferente dos outros dois, que traziam
informações implícitas, traz, também, algumas informações explícitas, juntamente
com a crítica. A descrição do vídeo no YouTube, postada pelos idealizadores, é:
“Você sabe por que comemoramos o Dia Internacional da Mulher?” (CANAL
BARBIXAS, 2016). No próprio esquete, é possível encontrar a resposta para este
questionamento.
O ator Elidio Sanna interpreta a personagem Joana e, em dado momento do
vídeo, informa: “Realmente, hoje é o Dia da Mulher e eu só queria lembrar vocês
porque que hoje é o Dia da Mulher. Porque na metade do século retrasado, um
grupo de mulheres realizou uma greve nos Estados Unidos reivindicando melhores
115
condições de trabalho e salários iguais aos dos homens, que ganhavam até três
vezes mais que do que elas. E como forma de represália a essa greve, 130
mulheres foram trancadas dentro de uma fábrica e queimadas vivas” (CANAL
BARBIXAS, 2016).
A questão é: por que o vídeo pergunta se vai dar a resposta? Provavelmente,
porque a maior parte das respostas de quem somente leu a pergunta e ainda não
assistiu o vídeo não tem a ver com revolta e mortes. A palavra ‘comemoração’
confunde, e faz a maioria das pessoas pensarem que o motivo da celebração é algo
bom e positivo. No capítulo 2, Possenti (2010) afirma que o humor requer a
existência de uma “armadilha” (p. 111) para o leitor, fazendo com que ele tenha
sempre que decifrar um enigma.
A crítica do vídeo já começa a ser evidenciada. Contudo, está só por
começar. Na cena que segue, o ator Daniel Nascimento, que interpreta o chefe de
Joana, responde a personagem dizendo que essa informação trazida por ela é do
século retrasado. Então, Joana argumenta: “É engraçado, chefe, porque estamos no
século XXI e eu exerço a mesma função que o Ricardo e ele ainda ganha mais do
que eu. E eu não entendo muito o porquê” (CANAL BARBIXAS, 2016).
Figura 28 - Não entendo o porquê
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
116
Este é, provavelmente, o vídeo cuja crítica é a mais fácil de ser compreendida
dos três analisados nesta pesquisa. O fato criticado é o preconceito que ainda existe
com as mulheres atualmente. O machismo que faz com que elas ganhem menos
que os homens, sendo que ambos exercem a mesma função.
Nas cenas seguintes, Elidio Sanna se indigna: “Aliás, gente, eu sou um
homem!” (CANAL BARBIXAS, 2016) e tira a peruca que usava para interpretar
Joana. Ele questiona: “Por que colocam um homem pra fazer papel de mulher em
comédia? Por que não chama uma comediante? Tanta atriz boa que a gente
conhece, que trabalha com a gente, inclusive” (CANAL BARBIXAS, 2016). Elidio
Sanna olha diretamente para a câmera e interrompe o seu discurso, pois percebe,
atrás das câmeras, a atriz Marianna Armelini, vestida de homem e interpretando o
papel de cinegrafista. O ator questiona por que Marianna não está fazendo o papel
dele. A atriz, então, tira o bigode que estava usando. Elidio Sanna questiona por que
ela está vestida de homem, ao que Marianna responde: “É que é ‘cameraman’, né?”
(CANAL BARBIXAS, 2016).
Figura 29 - Marianna Armelini
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
117
No que diz respeito à informação, é possível ver que a crítica se amplia: não
somente nas empresas existe preconceito com mulheres, mas também no ramo
artístico e nos termos importados da língua inglesa.
No trecho final do vídeo, é demonstrado que a crítica do esquete não seria
somente com o machismo, mas também com outra forma de preconceito: o racial.
Daniel Nascimento, interpretando o chefe, entra animado, batucando um pandeiro.
Ele exclama: “Bom dia, pessoal! Hoje é dia da consciência negra!” (CANAL
BARBIXAS, 2016). O ator Marco Gonçalves, que é negro, aparece no vídeo, sério, e
levanta a mão, como quem pede a palavra. A cena volta mostrar Daniel Nascimento,
que está batucando o pandeiro e questiona: “Não é assim que vocês fazem lá, não?”
(CANAL BARBIXAS, 2016).
Figura 30 - Assim que vocês fazem
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
O estereótipo que algumas pessoas possuem sobre os negros é demonstrado
no trecho do vídeo acima.
No Jornalismo, talvez, as críticas trazidas por este esquete não seriam tão
explícitas, apareceriam de forma subliminar; já, no humor, os atores podem adotar
um posicionamento mais crítico, de forma direta, ou usar do próprio gênero
humorístico para criticar.
118
Ao tratar das semelhanças e diferenças entre as produções audiovisuais na
informação e no entretenimento, no capítulo 3 desta monografia, Heródoto Barbeiro
e Paulo Rodolfo de Lima, no livro Manual de Telejornalismo (2002), apontam que “a
busca constante da isenção jornalística é a melhor forma de passar as informações
para que o telespectador possa tirar suas próprias conclusões do fato relatado” (p.
67). Aqui, fica evidenciado que, no Jornalismo, a crítica apareceria de forma
subliminar.
De acordo com Barbeiro e Lima (2002), existe uma clara divisão entre quem
lida com a ficção e quem lida com a realidade. Para eles,
os jornalistas têm compromisso com a notícia, buscam sistematicamente o que entendem ser verdade e desenvolvem suas investigações dentro dos parâmetros da isenção. O que dizem muitas vezes mexe com as emoções das pessoas, mas eles não representam qualquer personagem. Já os atores vivem da arte de representar. Fazem o melhor que podem para emocionar o público, mas no universo do entretenimento (BARBEIRO, LIMA, 2002, p. 282).
Os atores, portanto, podem fazer uma crítica mais direta e explícita. Os
jornalistas, por sua vez, estão ‘presos’ a determinadas normas da comunicação
profissional.
Ainda no capítulo 3, conforme Vera Íris Paternostro, no livro O Texto na TV
(1999), um texto jornalístico de televisão precisar ser coloquial, claro, preciso,
objetivo, direto, informativo, simples e pausado. Curado (2002) segue na mesma
linha ao afirmar que
o jornalista não brinca com o texto e não tenta produzir efeitos ou criar alguma mística ao redor do fato; simplesmente apresenta a notícia. O público não tem tempo para decifrar charadas e se deleitar – ou não – com estilos da escrita de redatores de televisão. A maneira como a notícia é apresentada não pode despertar dúvidas quanto ao seu significado. Se o espectador precisa se perguntar se compreendeu o sentido do que ouviu, a notícia não foi dita com clareza (CURADO, 2002, p. 20).
Todavia, no vídeo Lei Áurea, por exemplo, o espectador pode ficar com
muitas dúvidas ao terminar de assistir. Ele pode demorar a fazer todas as reflexões
que são permitidas pelo esquete. Mas isso não é algo ruim.
Se o texto for coloquial e simples, é provável que não existam tantos
questionamentos por parte dos espectadores. Mas quando uma crítica é feita por
meio de um gênero como o humorístico, é comum haver dúvidas e incertezas. As
119
pessoas precisam se perguntar se concordam com aquilo ou não, se querem fazer
parte do grupo que critica ou do grupo que apoia – o que a imparcialidade gera são
somente pessoas fazendo parte de um terceiro grupo: aquele que não critica nem
apoia – apenas assiste, que recebe a informação – coloquial, clara, precisa, objetiva,
direta, simples e pausada – e não faz nada com ela.
Conforme matéria do Jornal Estadão, no dia 23 de novembro de 2005, um
grupo de professores da USP visitou a TV Globo para acompanhar a produção do
Jornal Nacional e, em dado momento, o apresentador e editor do jornal, William
Bonner, definiu o espectador médio do noticiário como Homer Simpson, alguém com
dificuldade para entender siglas e coisas mais complexas12.
Esse é o terceiro grupo citado anteriormente – aquele se apenas assiste, não
critica nem apoia –, formado por vários ‘Homers Simpsons’. A resposta desse grupo
de pessoas a uma notícia, normalmente, é o silêncio e a passividade. Este é o
retorno dado a uma notícia que não tem crítica. Para uma informação com crítica,
faz-se barulho.
No capítulo 4 deste estudo, Arlindo Machado, na obra A Televisão levada a
sério (2000), pontua que “tudo é uma questão de mudança de enfoque. Em lugar de
prestar atenção apenas às formas mais baixas da televisão, a ideia é deslocar o foco
para a diferença iluminadora, aquela que faz expandir as possibilidades expressivas
desse meio” (p. 10).
Na entrevista respondida para esta monografia, o ator e produtor da
Companhia Barbixas de Humor, Elidio Sanna (2016), afirma que “uma vez uma
empresa pediu para que retirássemos um vídeo do ar”. Este fato evidencia que havia
crítica no vídeo em questão, pois, se não houvesse, não incomodaria ninguém.
Ainda analisando as funções da categoria informação, de acordo com Curado
(2002), no capítulo 3, confrontar todos os lados de uma questão para esclarecer os
pontos obscuros e não para favorecer uma das partes é papel fundamental do
jornalista. No artigo Jornalismo e Construção Social da Realidade: Uma reflexão
sobre os desafios da produção jornalística contemporânea (2009), Nicoli Glória de
Tassis Guedes traz os conceitos de verdade e imparcialidade como fundadores de
uma certa maneira de entender o Jornalismo.
12
Disponível em <http://cultura.estadao.com.br>. Acesso em 08 out. 2016.
120
O Jornalismo precisa ser imparcial. Contudo, e se a informação for transmitida
deixando absolutamente claro que uma posição está sendo tomada, e que o
espectador pode escolher se concorda ou não com aquele posicionamento?
No esquete Dia Internacional da Mulher, os atores assumem um
posicionamento: eles não concordam com o fato de que mulheres recebam menos
que homens, sendo que ambos exercem a mesma função. É melhor assumir
determinada opinião do que exibir uma notícia dita como imparcial, sendo que ela
não é – fato também conhecido como “manipulação da mídia”. A parcialidade só é
ruim quando não assumida.
A informação, portanto, está presente nos três vídeos – objetos de estudo
desta pesquisa. Contudo, diferente do texto puramente informativo – cuja
imparcialidade é uma das características –, há uma posição assumida em cada um
deles.
No vídeo Preso em nome da lei, os sistemas político e judiciário do Brasil são
criticados, e não admirados. Em Lei Áurea, há uma clara posição política e
ideológica de inclusão social sendo assumida, uma vez que a desigualdade é
fortemente criticada. No esquete Dia Internacional da Mulher, por sua vez, o
machismo e o racismo são desprezados e há uma proximidade com as ideologias de
igualdade feministas.
Na televisão aberta, em um programa de televisão jornalístico, é raro ver
posições sendo assumidas assim de forma tão explícita, e, quando acontece, os
espectadores não recebem de forma positiva, pois entendem que estariam sendo
vítimas de uma tentativa de manipulação.
Na internet é diferente (mais sobre isso será abordado na terceira categoria
desta análise, que tratará do hibridismo): ao final dos vídeos, o espectador poderá
decidir se concorda ou não com os posicionamentos apresentados. Se alguém
assistir e achar que o conteúdo dos esquetes não está coerente e justo com os fatos
ocorridos, é possível discordar. Como já abordado no capítulo 2 desta pesquisa,
Possenti (2010), afirma que “os leitores ou ouvintes fazem com isso o que lhes der
na telha – segundo seus valores e ideologias” (p.179). Ainda neste sentido, Sanna
(2016), na entrevista concedida para este estudo, lembra também que “a internet é
muito democrática nesse sentido, ninguém precisa assistir algo que não agrade”
(CANAL BARBIXAS, 2016).
121
A próxima categoria de análise explana sobre humor e entretenimento. A
categoria informação ter sido abordada primeiramente não foi por acaso, pois a
informação é pré-requisito para o entretenimento, e o humor é complementado por
ambas as categorias. Na próxima categoria de análise, o gênero humor e a
categoria entretenimento serão abordados.
7.2 HUMOR E ENTRETENIMENTO
Esta categoria de análise foi o principal motivo da escolha do tema desta
monografia pela pesquisadora. A leveza e, ao mesmo tempo, a ironia que podem ser
encaixadas neste gênero e nesta categoria, respectivamente, foram decisivas para
que objetos de estudos humorísticos e de entretenimento fossem os escolhidos para
esta análise.
O humor e o entretenimento tem a capacidade de distrair dos problemas reais
ao mesmo tempo em que faz refletir sobre esses mesmos problemas. Uma
linguagem totalmente ambígua e cheia de trocadilhos, que conquistou a
pesquisadora e conquista, também, muitos dos que assistem um produto audiovisual
pertencente a esta linguagem.
Como já foi explanado na categoria de análise anterior – informação –, os
vídeos, objetos de estudo desta pesquisa, não são imparciais, pois assumem um
posicionamento. Também já foi dito que, se isso acontecesse na televisão aberta,
provavelmente não seria bem aceito. Isso acontece por conta da internet ser mais
democrática do que a televisão. Contudo, nesta segunda categoria de análise, é
possível perceber que isso pode ocorrer por outro motivo: porque, nos vídeos em
questão, há humor.
No capítulo 2 desta pesquisa, conforme Possenti (2010), “o humor [...] tem
suas regras, seu universo, suas funções. Haverá certamente alguma relação com a
realidade, mas construída segundo as regras do humor, análogas às da ficção” (p.
179). Ou seja, há realidade nos vídeos de entretenimento, mas ditada conforme as
características do humor. Algumas delas são: o fator surpresa, trocadilhos, duplos
sentidos, alusões, camuflar uma realidade que não poderia ser dita em um texto
puramente informativo e denunciar os problemas da sociedade.
A seguir, será explicado como, em cada vídeo, o humor, o entretenimento e
suas características estão presentes e a função delas nos esquetes.
122
7.2.1 Humor e entretenimento no vídeo Preso em nome da lei
O humor neste vídeo já começa com o fato de uma situação real e séria ser
criticada por meio de um jogo simples e voltado para a diversão das pessoas. A
ironia, uma das características do humor, encontra-se neste fato: um jogo de
tabuleiro saber representar o sistema político e judiciário do Brasil. Inicialmente,
entretanto, não é revelado que é isto o que o jogo retrata. A princípio ele parece ser
apenas um jogo de detetive normal, como pode ser observado nas falas iniciais do
esquete.
O vídeo começa com Elidio Sanna exclamando: “Preso em nome da lei!”
(CANAL BARBIXAS, 2016), e Anderson Bizzocchi, que foi o assassino ‘pego em
flagrante’, reclamando. Felipe Castanhari comenta que estava óbvio, e mandou
Anderson Bizzocchi disfarçar melhor. A seguir, os jogadores iniciam uma nova
partida.
Nesta segunda rodada do jogo, contudo, personagens inusitadas e que não
costumam aparecer em jogo de detetive comum começam a surgir, tais como
advogado, réu, delegado, juiz, empreiteira e jornalista. O contexto em que vão
surgindo estas personagens é muito similar aos processos políticos e judiciários
brasileiros. Os jogadores parecem continuar a jogar normalmente, apesar da
inserção dessas novas personagens.
O jogo dá indícios de confusão quando surge uma destas personagens
estranhas ao jogo comum: uma empreiteira, que tenta subornar o juiz.
123
Figura 31 - Empreiteira
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
A seguir, surge um fato que parece ser totalmente inventado pela
personagem promotor, mas aparentemente, está nas cartas também: uma notícia
que possivelmente suja a imagem da empreiteira está em um jornal. Referente a
este acontecimento, a empreiteira solicita direito de resposta, ao que o juiz nega, por
afirmar estar dormindo com a jornalista.
Surge outro fato que, dificilmente, estaria nas cartas de um jogo: o juiz está
dormindo com a jornalista que publicou a notícia da empreiteira. É difícil estar em um
jogo, mas não é difícil de acontecer na vida real e na burocracia brasileira.
Nas cenas seguintes, todos percebem que a maioria dos jogadores também
estava dormindo com a jornalista. O humor, que estava presente durante toda a
ironia do vídeo e também nas similaridades com a realidade, aqui, fica mais evidente
com outra característica: a confusão dos próprios jogadores com as regras do jogo.
Em uma das últimas cenas, a crítica é, então, explicitada.
124
Figura 32 - É complicado jogar Brazil
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
Toda a confusão do jogo se deve ao fato de que ele é baseado em um país
confuso, cujos sistemas político e judiciário não são levados a sério e a ‘enrolação’ é
a principal característica.
Nesta fala final, outro atributo do humor é evidenciado: o fator surpresa. Ainda
não se sabia, durante todo o esquete, que o jogo que estava sendo discutido era
sobre o Brasil. Apenas no final este fato é revelado.
Como já explanado no capítulo 2, por Alessandra Del Ré, no livro A criança e
a magia da linguagem: um estudo sobre o discurso humorístico (2011), “ri-se menos
das palavras que das coisas, mas elas podem se tornar mais engraçadas se
surpreende-se a expectativa do outro, ela espera que você diga uma coisa e você
diz outra” (p. 36). Para Possenti (2010), o humor requer que exista uma espécie de
‘armadilha’ para o receptor, tendo, este, que sempre que decifrar um enigma.
Outros atributos do humor, também segundo Possenti (2010), são os
trocadilhos e os duplos sentidos, e eles encontram-se, no esquete, no fato de Brazil
– o nome o jogo – estar escrito com Z. Isso demonstra uma falta de identidade
patriótica: o Brasil com S é uma nação legítima, que conhece a sua história e não se
deixa influenciar e manipular por interesses externos e internos. Já o Brazil com Z é
125
o país da corrupção, do ‘jeitinho brasileiro’, do ‘faz e nada acontece’, onde ‘tudo
acaba em pizza’.
Em um dos últimos diálogos do vídeo, o ator Arthur Toyoshima pergunta para
Elidio Sanna, que interpretava seu advogado: “E eu tô preso ou não?” (CANAL
BARBIXAS, 2016), ao que Elidio Sanna responde que não, já foi, e que era para ele
relaxar.
Nestas últimas falas, há a principal crítica de todo o vídeo: toda a confusão e
‘enrolação’ que, no fim, não serviram para absolutamente nada, pois o assassino
continua solto, como, geralmente – e infelizmente – acontece no Brasil.
Após o encerramento do jogo, ainda há outra fala que traz, consigo,
características do humor. Uma campainha toca ao fundo e o ator Anderson
Bizzocchi exclama: “Opa! Pizza!” (CANAL BARBIXAS, 2016).
Figura 33 - Pizza
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
Esta fala é um trocadilho com duplo sentido para a expressão ‘e tudo acaba
em pizza’, normalmente utilizada, no Brasil, quando ninguém é preso, ou quando
algum processo não resulta em nada. Aqui, além das características de duplo
sentido e trocadilho, também há funções do humor sendo evidenciadas: camuflar
126
uma realidade que não poderia ser dita em um texto puramente informativo e
denunciar os problemas da sociedade.
7.2.2 Humor e entretenimento no vídeo Lei Áurea
Este vídeo é constituído apenas de uma personagem que conversa em um
monólogo com a câmera. O gênero e a categoria estão presentes no esquete como
um todo, nas falas da personagem, que podem se encaixar nas características e nas
funções do humor.
A surpresa, que é um desses atributos, aparece a cada momento, pois o teor
do diálogo proferido pela personagem surpreende o espectador. O esquete se torna
cômico, pois a expectativa das pessoas é surpreendida: elas esperam ouvir uma
coisa, mas outra é dita no lugar.
Em determinada cena, Anderson Bizzocchi questiona: “Como é que eu posso
produzir se agora eu vou ter que pagar salário pro pessoal que trabalhar aqui? Hã?
Me responde essa, princesinha! Como é que eu vou fazer?” (CANAL BARBIXAS,
2016).
Neste trecho, por exemplo, o espectador não espera que alguém critique a
Abolição da Escravatura, afinal, no século XXI, a escravidão é crime. Contudo, a
personagem surpreende, não atende às expectativas. Os espectadores acabam
caindo em um ‘armadilha’ do vídeo.
O sotaque forçado da personagem também é uma das características do
humor. No capítulo 2 desta pesquisa, Freud (1905), quando citado por Barcellos
(2004), afirma que as funções do humor são
fazer do ouvinte/leitor um aliado contra a pessoa de quem se deseja expressar julgamento hostil: o prazer provocado pelo riso faz com que ela nutra simpatia pela pessoa que o provocou; b) exteriorizar sentimentos que, do contrário, estariam reprimidos por coibições internas; e, c) obter prazer de forma socialmente aceita, através da exposição de outras pessoas ao ridículo (FREUD, 1905 apud BARCELLOS, 2004, p. 03).
O sotaque da personagem, de certa forma, não deixa de ser uma exposição
ao ridículo. A principal característica do humor, neste vídeo em questão, contudo,
está no duplo sentido da fala da personagem, que se encaixa na história da época e
no contexto atual. Esta, também, é a principal crítica do vídeo.
127
A última fala da personagem de Anderson Bizzocchi no esquete é a seguinte:
“E outra: tá vindo agora uns trabalhador aí de fora, uns europeu, uns italiano, uns
alemão, e eles eu não posso colocar no tronco! Esses eu não posso botar na
chibata! Que dizer aí... Ah! Que se exploda esse governo!” (CANAL BARBIXAS,
2016).
Figura 34 - Governo
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
Quando o ator recita esta fala, por exemplo, é possível perceber que existe
uma correspondência com discursos xenofóbicos proferidos no século atual. O
descaso e o ódio com as medidas tomadas pelo governo também são
‘coincidências’ da época em que a Lei Áurea foi assinada com os dias de hoje.
Essas ‘coincidências’ que, na verdade, não são nada ao acaso, também são
características do humor.
7.2.3 Humor e entretenimento no vídeo Dia Internacional da Mulher
Este esquete traz várias características do entretenimento que não
apareceram nos outros vídeos. O humor, neste vídeo, apresenta atributos mais
128
conhecidos pelas pessoas e, talvez, por isso, pareça ser o mais engraçado – ou o
mais apelativo e clichê, dependendo do ponto de vista.
Um homem aparecer vestido de mulher é a primeira característica do humor
identificada – aí estaria a apelação, recém citada. Como já abordado, um dos papéis
do humor, conforme Freud (1905), ao ser citado por Barcellos (2004), seria obter
prazer de forma socialmente aceita, por meio da exposição de outras pessoas ao
ridículo. Vestir um homem de mulher, neste caso, seria expô-lo ao ridículo, uma vez
que, na fala da personagem, fica claro que ela não gostaria de estar caracterizada
desta forma.
Figura 35 - Eu sou um homem
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
Outras características mais clichês do humor e inéditas entre os três vídeos
analisados nesta pesquisa são as situações constrangedoras em que uma
personagem coloca todas as outras – e, consequentemente, os segundos de
silêncio do vídeo causados pelo constrangimento destas personagens.
Quando Elidio Sanna, interpretando Joana, conta a história de como surgiu o
Dia Internacional da Mulher, ele conclui dizendo que “[...] como forma de represália a
essa greve, 130 mulheres foram trancadas dentro de uma fábrica e queimadas
vivas” (CANAL BARBIXAS, 2016). Neste momento, há vários segundos de silêncio,
129
nos quais são mostrados os rostos constrangidos dos colegas de trabalho. Daniel
Nascimento, que interpreta o chefe, chega a desviar o assunto, dizendo que
comprou chocolate, na tentativa de acabar com aquele momento de tensão.
Figura 36 - Chocolate
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
Nestes trechos, as situações constrangedoras foram causadas pela
personagem de Elidio Sanna, que tenta questionar o preconceito existente com as
mulheres. O modo como as coisas são ditas por esta personagem também é uma
característica do humor, pois ela utiliza muito da ironia e de um pretexto
desentendimento ao proferir suas falas.
No capítulo 2 deste estudo, conforme Possenti (2010), o humor exige “uma
capacidade de sacar trocadilhos, duplos sentidos, alusões” (p. 111). Esta ironia
também está presente na seguinte fala de Elidio Sanna, como Joana: “É engraçado,
chefe, porque estamos no século XXI e eu exerço a mesma função que o Ricardo e
ele ainda ganha mais do que eu” (CANAL BARBIXAS, 2016).
É evidente que a personagem não acha aquele fato engraçado. Mesmo
assim, ela começa a sentença dizendo que ‘é engraçado’, pois está sendo irônica e
se fazendo de desentendida.
130
Outra característica do humor que aparece somente neste terceiro vídeo entre
os três analisados é a autocrítica que o canal Barbixas faz. Os bastidores do vídeo
se tornam parte do esquete, e o suposto cinegrafista se torna uma personagem,
para que a autocrítica seja feita.
No capítulo 2, Any Lílian Maxemiuc Barcellos, no artigo O humor como
recurso linguístico: um estudo de ensaio jornalístico publicado em revista semanal
(2004) cita Janet Holmes (2000). Uma das estratégias comumente utilizadas para
provocar o humor, de acordo com Holmes (2000), “é estabelecer relações
incongruentes: o riso é desencadeado no ouvinte no momento em que ele percebe
que algo ocorreu de forma inesperada, não consonante com suas expectativas”
(HOLMES, 2000 apud BARCELLOS, 2004, p. 02 e 03).
O fato de o canal repudiar o fato dele mesmo ter escolhido um ator do sexo
masculino para interpretar uma mulher é inesperado. O ator Elidio Sanna, neste
momento, deixa de interpretar a personagem Joana e atua como sendo ele próprio.
Neste diálogo, surge a personagem interpretada pela comediante Marianna
Armelini, que atua como cinegrafista do esquete. O humor se faz presente, aqui,
com o fator surpresa: os espectadores não esperavam que Elidio Sanna tirasse a
peruca e começasse a conversar com alguém nos bastidores do vídeo. Quem
assiste o vídeo também não imagina que uma atriz vestida de homem, interpretando
o cinegrafista do próprio esquete, vai aparecer.
Outra característica do humor também aparece neste trecho: o trocadilho com
o termo importado da língua inglesa ‘cameraman’. Traduzida literalmente, esta
expressão significa ‘homem da câmera’, mas mulheres também poderiam exercer a
profissão. Contudo, não deixa de ser uma forma de preconceito, que é ironizada no
vídeo. A atriz acredita que não pode exercer a função sendo mulher e, portanto, se
veste de homem.
131
Figura 37 - Cameraman
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
A característica do humor de surpreender o espectador ainda surge nas
cenas finais do esquete, quando Daniel Nascimento, interpretando o chefe, exclama:
“Bom dia, pessoal! Hoje é dia da consciência negra!” (CANAL BARBIXAS, 2016).
Figura 38 - Dia da Consciência Negra
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
132
O ator Marco Gonçalves, que é negro, aparece no vídeo, sério, e levanta a
mão, como quem pede a palavra. A cena volta mostrar Daniel Nascimento, que está
batucando um pandeiro e questiona: “Não é assim que vocês fazem lá, não?”
(CANAL BARBIXAS, 2016).
O espectador não esperava que uma nova forma de preconceito – o racial –
também fosse criticada no vídeo. Outro fator do humor presente neste trecho está no
estereótipo tecido pela personagem chefe quanto ao funcionário negro. O fato de ela
acreditar que, só porque a pessoa é negra, costuma batucar pandeiros, é algo
tragicômico. A tentativa de imitação, então, remete novamente à exposição do
ridículo – também papel do humor.
Assim como os outros vídeos, este também não deixou de camuflar uma
realidade que não poderia ser dita em um texto jornalístico. Os três esquetes
também denunciaram problemas da sociedade.
As categorias informação e o entretenimento – com seu gênero humor –
foram analisadas neste capítulo. Apesar de elas já terem sido relacionadas nestes
dois primeiros subtítulos, no próximo, será explicado como as duas podem estar
juntas dentro da categoria de análise hibridismo.
7.3 HIBRIDISMO
O hibridismo, como já citado no capítulo 2 desta monografia, é consequência
da necessidade atual dos programas de oferecer conteúdo multifacetado, que
consiga abranger diferentes públicos, interesses e expressões culturais. Com uma
programação híbrida, isto é, com componentes diversificados e combinados entre si,
uma produção pode concentrar múltiplas linguagens e formas de expressão, bem
como uma variedade de interesses, valores e conflitos. Estes conceitos são trazidos
por Elizabeth Bastos Duarte, no artigo Reflexões sobre os gêneros e formatos
televisivos (2006).
No mesmo capítulo, Leila Lima de Sousa, no artigo O processo de hibridação
cultural: prós e contras (2013), entende o hibridismo como o processo de mistura,
junção de diferentes matrizes culturais.
Portanto, nesta análise, podem ser abordadas duas formas de hibridismo: das
categorias entretenimento e informação e, também, das linguagens da televisão
aberta com a da internet.
133
A seguir, estas duas formas híbridas encontradas nos vídeos, objetos de
estudo desta pesquisa, serão explanadas em dois subtítulos.
7.3.1 Hibridismo entre informação e entretenimento
Quando questionado sobre o objetivo dos vídeos do canal Barbixas – entreter
ou informar – Elidio Sanna (2016), na entrevista concedida para esta pesquisa,
respondeu que “quanto mais camadas pudermos explorar num vídeo, melhor. Cabe
ao espectador interpretá-las” (SANNA, 2016).
Nesta resposta, é evidenciado que os vídeos não são produzidos pensando
somente em uma determinada categoria. Para Sanna (2016), se o esquete puder
entreter e informar ao mesmo tempo, melhor.
No capítulo 2 desta pesquisa, Duarte (2006) foi citada por apresentar que a
redução dos gêneros “apenas às receitas de fabricação ou a etiquetas de
classificação” (p. 20) tem impedido a compreensão de sua verdadeira função.
Segundo ela, “dizer de um programa que ele é informativo ou de entretenimento é
praticamente nada informar sobre ele. Afinal, que programa não traz informações?
Que programa não tem como meta o entretenimento?” (p. 21).
O que Sanna (2016) respondeu na entrevista, portanto, vai ao encontro do
que Duarte (2006) explana em sua obra: é possível entreter e informar ao mesmo
tempo e em um mesmo produto, e tentar separar as duas categorias faz
menosprezar o espectador.
Sanna (2016) também comenta que não existe uma regra de como surge a
inspiração para os vídeos. “Seja deitado na cama, treinando improviso, conversando
na van, aquecendo no palco ou em uma apresentação, a ideia pode surgir” (SANNA,
2016).
A resposta de Sanna (2016) vai ao encontro do que foi apresentado no
capítulo 3 desta pesquisa. Doc Comparato, no livro Da criação ao roteiro (1999),
apresenta seis tipos de ideia: a ideia selecionada, que provém da própria memória
ou vivência e possui caráter absolutamente pessoal, independente de outra pessoa
ou de fatores externos; a ideia verbalizada, que surge daquilo que alguém conta,
nasce de algo captado do ambiente; a ideia lida, encontrada ao ler algum material; a
ideia transformada, que nasce de uma ficção, filme, livro, obra de teatro, etc; a ideia
proposta, que é encomendada; e a ideia procurada, encontrada por meio de um
134
estudo feito pra se saber qual é o tipo de filme – ou produto audiovisual – que o
mercado quer.
O vídeo Preso em nome da lei, por exemplo, pode ter sido originado por meio
de uma ideia verbalizada, ao ouvir uma notícia na televisão sobre outro trâmite que
‘acabou em pizza’. No caso do esquete Lei Áurea, a ideia pode ter sido selecionada,
assim como em Dia Internacional da Mulher.
O que Sanna (2016) respondeu na entrevista confere com estas categorias de
ideias apresentadas por Comparato (1999), quando o autor ensina a escrever um
roteiro de ficção, evidenciando que os vídeos são produtos audiovisuais de ficção,
pertencentes à categoria entretenimento.
No mesmo capítulo desta monografia, mas em um subtítulo diferente, Olga
Curado, em sua obra A Notícia na TV (2002), apresenta a pauta – conceito utilizado
no Jornalismo e na informação – como “um conjunto de dados que dão partida a
uma reportagem” (p. 40); e que se compara à ideia no entretenimento e na ficção. A
autora ainda aconselha a procurar pautas em pequenas notas, pois ali podem estar
pistas para futuras grandes reportagens.
Da mesma forma que os idealizadores do canal Barbixas têm uma ideia para
um vídeo de ficção, eles também podem ter descoberto uma pauta informativa.
Portanto, os vídeos, objetos de estudo desta pesquisa, são produtos ficcionais, da
categoria entretenimento, porém podem ser informativos. O híbrido encontra-se,
aqui, nesta mistura de formatos que dá certo e está cada vez mais presente nos
conteúdos do audiovisual.
Outra etapa necessária para a produção de um roteiro de ficção, trazida por
Comparato (1999), já explicada no capítulo 2 desta pesquisa, é o conflito. O autor
aponta que, apesar da ideia ser algo abstrato, o conflito-matriz deve ser
concretizado por meio de palavras. É a chamada story line.
A story line do vídeo Preso em nome da lei poderia ser: um jogo de detetive
diferente do normal, com personagens inusitadas e situações inacabadas.
Tentativas de suborno, delação premiada e até chantagem sexual fazem parte desta
trama. No fim, tudo resulta em absolutamente nada – isto por um único motivo: o
nome do jogo em questão é Brazil.
No caso do vídeo Lei Áurea, a story line seria: um homem rico e livre
indignado com a liberdade dos escravos pobres. Em 1888, quando a Lei Áurea foi
assinada, muitos ficaram descontentes com as medidas do governo. A igualdade
135
incomoda a personagem, que fica indignada com o fato de que os outros podem ter
o que ela sempre teve. O quão diferente é o modo de pensar desta personagem das
ideologias de alguns cidadãos que vivem no século XXI?
Para o vídeo Dia Internacional da Mulher, a story line seria: um escritório onde
uma mulher é parabenizada pelo seu dia, mas seus direitos não são exercidos. A
indignação desta personagem é expressa a seus colegas, e uma reviravolta traz os
bastidores do esquete à tona, quando a cultura do machismo é evidenciada de
outras formas. Por fim, o preconceito racial também ganha uma cena.
A terceira etapa apresentada por Comparato (1999) são as personagens. No
vídeo Preso em nome da lei, existem sete jogadores, que conforme as cartas,
interpretam as seguintes personagens: juiz, advogado, promotor, delegado, vítima,
assassino e empreiteira. Em Lei Áurea, há apenas uma personagem, que não
possui nome ou profissão, mas é um homem rico e livre, que, antes da Abolição da
Escravatura, era dono de escravos. No esquete Dia Internacional da Mulher há oito
personagens: Joana, Ricardo, o chefe, quatro funcionários e a cinegrafista.
Conforme Comparato (1999), são as personagens que “sustentam o peso da ação e
são o ponto de atenção mais imediato para os espectadores” (p. 24).
A quarta etapa de um produto audiovisual de entretenimento e ficção, como já
abordado no capítulo 3 desta pesquisa, é a ação dramática, que, segundo
Comparato (1999), nada mais é do que a estrutura do vídeo. Para o autor, uma
estrutura deve conter o primeiro ato – no qual aparece o conflito – o segundo ato – a
crise aparece – e o terceiro ato – quando há uma resolução.
No vídeo Preso em nome da lei, o primeiro ato seria o jogo, o segundo ato
seria o suposto julgamento do assassino e o terceiro ato é que, no fim, ninguém
acaba sendo preso. Em Lei Áurea, o primeiro ato é o diálogo da personagem
principal, que está preocupada com o fato de que não há mais ninguém para plantar
café e lavar roupas. O segundo ato seria a crise da personagem com a Abolição da
Escravatura e o terceiro é a decisão da personagem de ‘que se exploda esse
governo’. No terceiro vídeo, Dia Internacional da Mulher, o primeiro ato são as
congratulações dadas à personagem mulher pelo seu dia. Como segundo ato, há as
inúmeras formas de preconceito evidenciadas por esta personagem, inclusive com
uma reviravolta que mostra os bastidores do esquete. O terceiro ato é a forma final
de machismo contida na expressão ‘cameraman’. A cena extra, que traz o racismo,
136
seria um epílogo – cena que revela fatos posteriores à ação, complementando o
sentido.
O tempo dramático é a quinta etapa, de acordo com Comparato (1999). O
vídeo Preso em nome da lei possui 2 minutos e 30 segundos. Lei Áurea tem 1
minuto e 58 segundos. O tempo de duração do esquete Dia Internacional da Mulher,
por sua vez, é de 2 minutos.
A sexta e última etapa apresentada por Comparato (1999) é a unidade
dramática. Conforme o autor, nesta sexta etapa, podem ser cometidos três tipos de
erros: erro no roteiro, na direção ou na montagem. Na entrevista, Sanna (2016)
evidencia que, realmente, os erros podem acontecer nesta fase ao pontuar que “a
captação é a parte mais complicada porque envolve uma equipe técnica e de
produção grande e um custo elevado. Qualquer peça fora do lugar num dia de
captação pode colocar em risco um vídeo” (SANNA, 2016).
Todas estas etapas se referem a um produto audiovisual de ficção,
pertencente à categoria entretenimento. Contudo, no capítulo 3 desta pesquisa,
também foram abordados os processos para um produto audiovisual informativo,
para observar semelhanças e diferenças em produtos audiovisuais destas
categorias visando o hibridismo.
Como já citado anteriormente nesta categoria de análise, a pauta, na
informação, corresponde à ideia, no entretenimento. No próprio capítulo 3 desta
monografia foi feita uma relação entre as etapas de ambas as categorias. Reiterar
essa relação se faz necessário neste momento.
Quanto à relação dos vídeos com as fases de uma produção audiovisual
informativa, já foi dissertada a primeira etapa: a pauta. A segunda, como já abordado
no capítulo 3, é a produção. No vídeo Preso em nome da lei, a produção se deu por
meio da apuração dos fatos apresentados em telejornais, por exemplo, e, talvez,
também em outros meios de comunicação. Foi assim que os idealizadores
souberam que os processos judiciários e políticos brasileiros se dão da forma que
foram exibidos no esquete. Lei Áurea provavelmente exigiu uma produção que
precisou pesquisar em livros de história, além de analisar o contexto atual, do senso
comum e da bagagem cultural de cada pessoa. No esquete Dia Internacional da
Mulher, a produção pode ter pesquisado como é o dia a dia de um escritório, por
meio do senso comum. Os produtores provavelmente também precisaram entender
como as pessoas compreendem a cultura do preconceito, para poder transmiti-la no
137
vídeo. Isso sem falar nos figurinos, caracterização, iluminação, cenário e trilha
sonora dos três vídeos, detalhes que também fazem parte de uma pré-produção.
A terceira fase de um vídeo pertencente à categoria informação é gravação. A
resposta de Sanna (2016), que já foi utilizada, nesta categoria de análise, na etapa
de unidade dramática, no entretenimento, se encaixa, também, nesta fase da
informação. Para o ator e idealizador do canal, a captação é a parte mais
complicada porque envolve uma equipe técnica e de produção grande e um custo
elevado. Sanna afirma que qualquer peça fora do lugar num dia de captação pode
colocar em risco um vídeo.
Como já citado no capítulo 3, Catherine Kellinson, em sua obra Produção e
direção para TV e vídeo (2007), afirma que, nesta etapa, mudanças no roteiro
podem acontecer. Kellinson (2007) ressalta que cada cena deve ser gravada com a
pós-produção em mente. “Não importa quão brilhante seja a cena em si, ela será
editada com a tomada que a precede e a segue” (p. 214). A autora também dá
ênfase às tomadas, que devem combinar visualmente, e ao áudio, que deve ter
continuidade. Segundo Kellinson (2007), “juntas, elas se combinam para criar um
fluxo narrativo ou uma trama, independente do gênero do programa” (p. 214).
Os três vídeos aqui analisados foram gravados e possuem fluxo narrativo,
coerência e continuidade entre os diálogos e cenas, o que evidencia uma boa
captação.
Edição é a quarta etapa de um produto audiovisual da categoria informação.
Neste estágio, conforme já abordado no capítulo 3, de acordo com Kellinson (2007),
a imagem e o som já foram capturados na gravação e as partes separadas devem
ser encaixadas na ilha de edição. A autora ressalta que a possibilidade de voltar e
filmar novamente uma cena ou criar novo conteúdo é improvável, mas pode
acontecer. É nesta fase que as cenas são assistidas e um rascunho é elaborado; os
problemas de continuidade e corte são constatados; a parte gráfica é inserida. Os
três vídeos analisados nesta pesquisa também tiveram suas cenas separadas e
encaixadas, ou seja, foram editadas.
Portanto, torna-se perceptível, nesta categoria de análise, que os vídeos em
questão passaram tanto por etapas da categoria entretenimento quanto por fases da
categoria informação. Reitera-se, portanto, o hibridismo, e a possibilidade das
linguagens humorística e informativa estarem juntas em um mesmo produto
audiovisual. Na primeira categoria de análise desta pesquisa foi citado que a
138
informação é pré-requisito para o entretenimento e o humor e também é
complementada por eles. O que é isto, se não hibridismo?
No capítulo 3 desta pesquisa, ao mostrar semelhanças e diferenças entre os
processos de cada categoria, Sara Alves Feitosa, no artigo Intermidialidade e
estetização da notícia no Jornalismo audiovisual (2016), aborda uma ideia de que o
Jornalismo e a ficção têm estado cada vez mais próximos.
A autora defende que “a linguagem do Jornalismo audiovisual digital renova-
se buscando nos mundos lúdico e ficcional ferramentas para contar ‘estórias’ do
mundo real” (p. 05).
Os três vídeos objetos de estudo desta pesquisa são exemplo de que
Jornalismo e ficção – ou seja, informação e entretenimento – têm estado cada vez
mais próximos. Da mesma forma que o Jornalismo conta ‘estórias’ do mundo real,
conforme Feitosa (2016), os esquetes do canal Barbixas contam histórias reais no
mundo da ficção.
Este é o hibridismo entre as categorias entretenimento e informação presente
nos esquetes analisados. No subtítulo a seguir, será abordado o hibridismo entre as
plataformas internet e televisão.
7.3.2 Hibridismo entre televisão e internet
O conceito de hibridismo já foi abordado como sendo um processo de mistura
no capítulo 2 desta pesquisa e também nesta categoria de análise. No capítulo 4
deste estudo, é citado que a televisão sempre foi a principal plataforma para a
exibição de produtos audiovisuais, e, por um bom tempo, a única. Mas isso foi antes
do surgimento da internet. Para que haja o hibridismo, contudo, é preciso encontrar
em que pontos as duas plataformas se dialogam e se relacionam.
É possível iniciar esta parte da análise com uma resposta do ator e
idealizador Elidio Sanna. Quando questionado sobre a utilização da plataforma
internet para fidelização do público, ele responde que “é a democratização da mídia.
Antigamente os artistas estavam sujeitos aos diretores de programação da TV, rádio
ou teatro. Hoje qualquer um pode disponibilizar seu trabalho ao público e isso é
ótimo” (SANNA, 2016).
Como foi abordado no capítulo 5 desta pesquisa, Helson de França Silva e
Benedito Dielcio Moreira, no artigo A Prática Jornalística e o Nomadismo Digital:
139
Potencialidades e Possíveis Caminhos (2015), defendem que “a popularização da
internet e das tecnologias móveis aceleraram as mudanças e possibilitaram novas
oportunidades de atuação profissional, baseadas na mobilidade” (p. 01).
Essas citações dos autores conversam com o que Sanna (2016) respondeu
na entrevista concedida para esta pesquisa, e reforçam que a internet é um meio
mais democrático do que a televisão.
No capítulo 4 desta pesquisa, Gleice Bernardini, no artigo Segunda tela ou
Social TV: um debate entre as diferenças e semelhança das tecnologias (2014). A
autora pontua que “com a popularização dos dispositivos móveis, como os
smartphones e tablets, houve uma reaproximação das duas mídias, internet e
televisão, criando uma experiência inovadora: a segunda tela” (p. 02). Contudo,
apesar de complementares, a TV e a internet possuem características divergentes.
Neste mesmo capítulo, no artigo Redes Sociais: vilãs ou aliadas? Um estudo
sobre os impactos da audiência online nos programas televisivos (2016), as
pesquisadoras Luiza de Mello Stefano e Soraya Maria Ferreira Vieira Para Stefano e
Vieira afirmam que, enquanto a televisão segue um fluxo contínuo e independente
da vontade do público, a internet só funciona a partir da interação do consumidor.
Esta última permite a personalização do conteúdo, enquanto a primeira “continua
sendo um meio de comunicação de massa, onde o único poder que o telespectador
possui é mudar de canal” (p. 05).
Se os vídeos do canal Barbixas fossem exibidos na televisão aberta, eles
poderiam até ser aceitos, mas perderiam características atribuídas somente a
linguagem da internet. Se o espectador desejar voltar em algum trecho específico de
algum dos esquetes, por exemplo, ou rever algum deles, ou assistir na ordem que
ele desejar? A televisão não permitiria isto. O público destas duas plataformas não é
o mesmo ou, pelo menos, não busca o mesmo conteúdo. Quem liga a televisão não
esperar encontrar características do meio online – apresentadas por Marcos
Palacios (2003) no artigo Ruptura, Continuidade e Potencialização no Jornalismo
Online: o lugar da memória, no capítulo 5 deste estudo – como memória,
hipertextualidade e personalização. Da mesma forma, quem acessa a internet não
quer deparar-se com intervalos comerciais que não podem ser ‘pulados’ após cinco
segundos. Os internautas não desejam, também, esperar que determinada
programação termine para outra iniciar.
140
No capítulo 5 desta monografia, Pollyana Ferrari, em sua obra Jornalismo
digital (2004), cita Jerry Lanson (2004): “Na web, os visitantes controlam
praticamente tudo. Como internauta, cada leitor pode até transformar-se em
narrador. As histórias não começam e terminam simplesmente. Elas começam onde
o usuário quer começar e acabam onde ele termina de ler” (LANSON, 2004, apud
FERRARI, 2004, p. 76).
Por permitir que o espectador decida se quer ou não continuar recebendo
determinado conteúdo – e, aqui, se encaixa novamente a frase de Sanna (2016),
quando ele diz que a internet é democrática, e que ninguém precisa assistir algo que
não agrade –, mas, também, por permitir aos idealizadores que tenham uma
plataforma para exibir seu trabalho, é que a internet foi escolhida pela Companhia
Barbixas de Humor como sua plataforma de divulgação.
Contudo, na técnica de observação desta pesquisa, foi evidenciado que a
Companhia Barbixas de Humor realiza, ainda, alguns programas de improviso na
televisão brasileira, tais como: Quinta Categoria (MTV), É Tudo Improviso (Band) e
Tomara Que Caia (Globo). O Quinta Categoria foi um programa de televisão que
começou a ser exibido em 2008 pela MTV13. É Tudo Improviso foi um programa de
televisão humorístico de improvisação exibido na TV Bandeirantes de 11 de janeiro
de 2010 a 28 de fevereiro de 2012. Reprises do programa continuam sendo exibidas
pelo canal TBS, desde 22 de novembro de 201214. Tomara Que Caia, por sua vez,
foi um programa humorístico exibido pela Rede Globo nas noites de domingo, entre
19 de julho e 1º de novembro de 201515.
Portanto, a oportunidade surgiu no meio online, mas houve uma migração
para a plataforma mais tradicional que é a televisão. O caminho inverso também
acontece. As informações que serviram de inspiração para os vídeos do canal
Barbixas, na internet, podem ter sido exibidas, primeiramente, pela televisão – não
por meio do gênero humorístico, mas talvez por entrevistas, debates,
documentários, telejornais.
No vídeo Preso em nome da lei, termos como ‘pizza’ e ‘delação premiada’
foram retirados da mídia. Em Lei Áurea, as medidas do governo criticadas pela
personagem chegam ao conhecimento da população também por meio da imprensa.
13
Disponível em: < http://mtv.com.br>. Acesso em: 22 out. 2016. 14
Disponível em: < http://band.uol.com.br/tv>. Acesso em: 22 out. 2016. 15
Disponível em: < http://gshow.globo.com/programas/tomara-que-caia>. Acesso em: 22 out. 2016.
141
No esquete Dia Internacional da Mulher, muitas das formas de preconceito são
evidenciadas também na televisão e em outras mídias – ou, por vezes, cometidas
por elas, infelizmente.
O hibridismo entre televisão e internet se encontra neste fato: uma plataforma
utilizando os produtos e formatos umas das outras e ambas se beneficiando desta
mistura. Não só a internet é uma segunda tela da televisão, como a televisão
também pode ser uma segunda tela para a internet. No capítulo 4, Bernardini (2014)
conceituou que a reaproximação das duas mídias, internet e televisão, criou “uma
experiência inovadora: a segunda tela” (p. 02).
No capítulo 5 desta pesquisa, as seis características fundamentais da internet
foram apresentadas por Palacios (2003): multimidialidade, interatividade,
hipertextualidade, personalização, memória e instantaneidade.
A interatividade será tema da próxima categoria de análise.
7.4 INTERATIVIDADE
No capítulo 5 desta pesquisa, Palacios (2003) traz a interatividade como uma
das características fundamentais do meio online. Conforme ele, a interatividade é a
capacidade que a notícia online possui de fazer com que o usuário se sinta mais
diretamente parte do processo jornalístico.
No capítulo 4, a interatividade já havia sido definida como o diferencial
fundamental da internet. Para Castells, em sua obra A Era da Informação:
Economia, Sociedade e Cultura (2002), o principal motivo para o audiovisual ter
migrado também para a internet foi a falta de espaço, na TV, para que a audiência
se manifestasse, a falta de interatividade. Conforme ele,
a diversificação dos meios de comunicação, devido às condições de seu controle empresarial e institucional, não transformou a lógica unidirecional de sua mensagem nem realmente permitiu o feedback da audiência, exceto na forma mais primitiva de reação do mercado [...]. Era um mundo de comunicação de mão única, não de interação (CASTELLS, 2002, p. 427).
Na ótica do autor, o processamento das informações vai muito além da
comunicação de mão única. De acordo com ele, “a televisão precisou do
computador para se libertar da tela” (p. 427).
142
Os vídeos do canal Barbixas, como explicitado no subtítulo anterior,
escolheram a internet como plataforma, por causa da democracia deste meio.
Contudo, a interatividade com o público acabou sendo uma consequência desta
escolha – uma consequência que, conforme Sanna (2016), foi benéfica. Na
entrevista cedida para este estudo, o ator comenta que “nosso público, talvez por ser
nosso, sempre nos dá um retorno positivo” (SANNA, 2016). Aqui, o ator evidencia
um aspecto do YouTube: o poder de escolha do público online, pois é ele que decide
se vai inscrever-se ou não nos canais do site. Isso determina a fidelização do
público, e também é uma forma de interatividade.
A autora Raquel Recuero, em sua obra Redes Sociais na Internet (2010),
aponta que este local específico da internet – as redes sociais –, onde acontece
interatividade, foi criado para permitir que os indivíduos se comunicassem e
amplificassem suas capacidades de conexão. Recuero (2010) traz dois elementos
das redes sociais: os atores e as conexões. Segundo ela, os atores
são o primeiro elemento da rede social, representados pelos nós (ou nodos). Trata-se das pessoas envolvidas na rede que se analisa. Como partes do sistema, os atores atuam de forma a moldar as estruturas sociais, através da interação e da constituição de laços sociais (RECUERO, 2010, p. 25).
Enquanto os atores representam os nós da rede em questão, para Recuero
(2010), as conexões de uma rede social são constituídas dos laços sociais,
formados por meio da interação social entre os atores (sociais). Para a autora, as
conexões são “o principal foco do estudo das redes socais, pois é sua variação que
altera a estrutura desses grupos” (p. 30).
Os vídeos do canal Barbixas estabeleceram laços sociais por meio da
interação social entre os atores e idealizadores da companhia. A seguir, isto será
evidenciado. A interatividade será analisada utilizando, também, comentários dos
internautas nos três esquetes, que são o objeto de estudo desta pesquisa. Afinal,
como já abordado no capítulo 5 desta pesquisa, Rafaela Bernardazzi, no artigo
Youtubers e as relações com a produção audiovisual (2016), os próprios produtores
e consumidores do conteúdo podem intervir na convivência desse microuniverso,
143
ou seja, o próprio usuário participa da manutenção do seu ambiente de convivência comum, seja em forma de produtor ou consumidor do conteúdo [...]. A plataforma possibilita explorar diversas temáticas, gêneros e formatos, nos quais o produtor de conteúdo é o responsável pelas decisões do conteúdo, tempo de duração, formas de divulgação nas mídias sociais, colaboradores do canal, maneira de interagir com outros usuários (BERNARDAZZI, 2016, p.04).
Características evidenciadas nas categorias de análise anteriores aparecem
nos comentários dos internautas nos três esquetes.
7.4.1 Interatividade no vídeo Preso em nome da lei
No vídeo Preso em nome da lei, alguns comentários evidenciam um fato
analisado na primeira categoria deste capítulo: o de que a informação é pré-requisito
para o humor. Conforme Possenti (2010), “se é verdade que todos os textos supõem
algum ‘conhecimento prévio’ ou ‘enciclopédico’, a piada exige, além disso, uma
precisão cirúrgica na leitura de certa passagem” (p.111).
No comentário a seguir, um dos internautas possuía esse conhecimento
prévio necessário para entender tanto o humor do vídeo quanto a crítica. Outro,
contudo, não compreendeu.
Figura 39 - Comentário 1 - Preso em nome da lei
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
144
O espectador Caio Camargo tentou explicar para o internauta que utiliza o
codinome ‘Youtubson Nunes’ a crítica feita pelos humoristas do canal Barbixas no
vídeo Preso em nome da lei, mas Camargo continuou sem compreender.
Em outro comentário deste mesmo esquete, o espectador que utiliza o nome
‘levy barbosa’ afirma assistir os vídeos do canal Barbixas não pelo humor, mas sim,
pela crítica. Ele está o buscando informação em um vídeo de entretenimento.
Figura 40 - Comentário 2 - Preso em nome da lei
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
No capítulo 3 desta monografia, a doutora em Comunicação e Informação
Sara Alves Feitosa, no artigo Intermidialidade e estetização da notícia no Jornalismo
audiovisual (2016), aborda uma ideia de que o Jornalismo e a ficção têm estado
cada vez mais próximos. A autora chama isso de intermidialidade, ou seja, “a
capacidade de uma mídia de fazer convergir outras mídias, ou características
destas, para dentro de si e em seus produtos” (p. 09).
É essa intermidialidade que permitiu ao internauta ‘levy barbosa’ encontrar
críticas informativas em um vídeo de humor.
Nos comentários, também é possível perceber a amplitude das discussões e
reflexões possibilitadas pelo gênero humorístico. Na figura abaixo, o espectador
Davyson Oliveira repete um trecho do esquete, e pergunta se está preso ou não.
Nisto, outra internauta, Larissa Caldas, responde que “isso depende se você for rico
ou pobre”.
145
Figura 41 - Comentário 3 - Preso em nome da lei
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
Neste comentário, a espectadora Larissa Caldas vai além e, a partir da crítica
do vídeo, faz uma nova crítica – esta que não estava presente no esquete. No
capítulo 2 desta pesquisa, Silva (2013) observa que os gêneros humorísticos
buscam, entre outros objetivos, “ampliar a capacidade de leitura reflexiva e crítica do
aluno” (p. 183). O aluno, neste caso, é o espectador, o internauta. O aluno, que
ampliou sua capacidade de leitura reflexiva e crítica, neste caso, foi Larissa Caldas.
Em um próximo comentário, o internauta Rodrigo Appendino faz como Larissa
Caldas e também vai além. O vídeo Preso em nome da lei é de janeiro de 2016, mas
este espectador relaciona as críticas nele apresentadas com fatos que aconteceram
em agosto de 2016, demonstrando que compreendeu claramente o que os atores
tentaram passar. Infelizmente, isto também demonstra que o problema ainda não foi
resolvido, pois a crítica ainda é válida.
Figura 42 - Comentário 4 - Preso em nome da lei
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
Ao trazer questões atuais nos comentários, o espectador Rodrigo Appendino
faz o que os vídeos Lei Áurea e Dia Internacional da Mulher também fizeram:
146
compara um contexto antigo com um atual, para realizar uma crítica e, assim,
surpreende. O fator surpresa é uma atribuição do humor, como já visto e ressaltado
no capítulo 2 deste estudo por Del Ré (2011). De acordo com a autora, as coisas
podem se tornar mais engraçadas se surpreendem a expectativa do outro.
7.4.2 Interatividade no vídeo Lei Áurea
A interatividade já se mostra presente neste vídeo em seu formato de
monólogo: uma personagem conversando com uma câmera. Formato, este,
inspirado em outros vídeos do mesmo site, o YouTube, onde jovens, idealizadores
de outros canais, criticam determinado assunto deste modo: conversando com uma
câmera.
No capítulo 5 desta monografia, segundo a descrição encontrada no próprio
site de vídeos, o “YouTube oferece um fórum para as pessoas se conectarem, se
informarem e inspirarem umas às outras por todo o mundo16”.
Em um dos comentários deste vídeo, ilustrado na próxima figura, um
internauta que utiliza o codinome ‘Se eu fosse um queijo iria me chamar Mussarela’
observa que a crítica do vídeo também pode caber aos YouTubers que fazem
vídeos políticos sem argumento lógico nenhum, sempre culpando o governo.
Segundo ele, a personagem de Anderson Bizzocchi faz o vídeo em forma de vlog,
pois se altera e se expressa por xingamentos. Além disso, este espectador afirma
que a personagem do vídeo do canal Barbixas se assemelha muito a outro
YouTuber.
No capítulo 5, Bernardazzi (2016), explica que ainda não existe uma definição
específica para conceituar o YouTuber. Segundo a autora, são chamadas de
YouTubers pessoas que possuem canais no site YouTube, que postam produtos
audiovisuais e que, a partir disso, podem acabar tendo retorno financeiro e
transformando essa atividade em carreira profissional.
16
Disponível em: < http://youtube.com>. Acesso em: 22 out. 2016.
147
Figura 43 - Comentário 1 - Lei Áurea
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
Nos comentários acima, é possível perceber que os espectadores Renan
Castro, ‘Yukiler’ e ‘Se eu fosse um queijo iria me chamar Mussarela’ entenderam a
crítica feita pelos atores e concordam com ela. Os espectadores Reinaldo
Nascimento e Helcio Chaves, por sua vez, discordam com o posicionamento
assumido no esquete. Contudo, como já citado anteriormente, a democratização,
assim como a interatividade, também é uma característica da internet. O
148
posicionamento é claro, não há manipulação tentando afirmar que este vídeo é
imparcial e ninguém é obrigado a concordar.
Aqui, convém retomar o que Sanna (2016) respondeu na entrevista, sobre o
público do canal sempre dar um retorno positivo. Até esta última figura, todos os
comentários concordavam, de certa forma, com o conteúdo dos vídeos. Contudo,
estas últimas interatividades trouxeram discórdia, o que contradiria a citação de
Sanna (2016) na entrevista. Porém o idealizador do canal deixa claro que o público
que dá retorno positivo é o deles, portanto, os que se inscreveram no canal. Não é
possível determinar se os internautas que criticaram o vídeo negativamente estão ou
não inscritos no canal Barbixas, mas, se estão, é uma forma de mostrar fidelidade a
um conteúdo com o qual eles não concordam.
O espaço de comentários do canal acabou se tornando, também, um local de
discussão política, de jogos de interesse e de busca de visibilidade por parte de
alguns usuários.
Na próxima figura, assim como aconteceu com os comentários do vídeo
Preso em nome da lei, um espectador – ‘Gabriel Chv’ – foi além e relacionou a
crítica do esquete com o contexto do ano atual. O usuário ‘MasterCtrl’, contudo,
discordou dele e também da crítica feita pelo esquete.
Figura 44 - Comentário 2 - Lei Áurea
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
149
Jair Bolsonaro é deputado federal e possível pré-candidato, em 2018, para
presidência do país. As discussões em torno desta informação ganharam força
depois do vídeo Lei Áurea ter sido postado em fevereiro de 2016. Atualmente, o
debate em torno deste político continua, porque ele assume posicionamentos um
tanto radicais. Da mesma forma, em 1888, havia discussões em torno da Abolição
da Escravatura. Esta ampla reflexão é possibilitada pelo humor e pode acontecer
entre os internautas graças à interatividade.
7.4.2 Interatividade no vídeo Dia Internacional da Mulher
O vídeo Dia Internacional da Mulher, como já comentando nas outras
categorias desta análise, possui um humor mais fácil de ser compreendido. Talvez
por isso o espectador Gustavo Pachecco, no comentário abaixo, evidencia
explicitamente uma das características do humor: o fator surpresa. Mateus
Figueiredo e Alexandre Rezende compreenderam a crítica e elogiaram o trabalho
dos idealizadores da Companhia Barbixas de Humor.
Figura 45 - Comentário 1 - Dia Internacional da Mulher
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
150
Em outro comentário, contudo, há uma discordância. O espectador que utiliza
‘Eu, Kryptoniano’ como codinome acredita que os humoristas do esquete assumem
determinado posicionamento e não concorda com ele. Além disso, ele contesta uma
informação trazida no vídeo.
Essa é uma consequência da democracia trazida pela internet e sua
interatividade. No capítulo 5, Jean Burgess e Joshua Green, na obra YouTube e a
revolução digital: como o maior fenômeno da cultura participativa transformou a
mídia e a sociedade (2009), questionam para quem o conteúdo do YouTube é
criado. De acordo com os autores,
o YouTube é utilizado de várias maneiras diferentes por cidadãos-consumidores por meio de um modelo híbrido de envolvimento com a cultura popular – parte produção amadora, parte consumo criativo. Do ponto de vista da audiência, é uma plataforma que fornece acesso à cultura ou uma plataforma que permite aos seus consumidores atuar como produtores? (BURGESS E GREEN, 2009, p. 32).
Portanto, ao permitir que seus consumidores sejam, também, produtores, o
YouTube consente que os usuários contestem informações. Neste caso, ninguém do
canal Barbixas respondeu ao comentário de ‘Eu, Kryptoniano’, ou porque não
julgaram necessário, ou porque não quiseram, ou, ainda, porque nem viram. A
discussão, deste modo, corre solta, e cabe aos outros internautas decidirem em qual
informação irão confiar. O mais coerente, uma vez que o meio online permite, seria
verificar os fatos.
Burgess e Green (2009) afirmam que, para entender a cultura popular do
YouTube não basta tentar criar distinções claras entre a produção profissional e a
amadora ou entre práticas comerciais e de comunidade. Segundo eles, “é mais útil
mudar o pensamento sobre produção, distribuição e consumo de mídia para um
pensamento sobre o YouTube como um processo contínuo de participação cultural”
(p. 83).
A usuária Camila Moroli responde ao comentário de ‘Eu, Kryptoniano’ e, ao
contrário dele, defende a crítica feita pelos atores do esquete.
151
Figura 46 - Comentário 2 - Dia Internacional da Mulher
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
Em outro comentário, há outro usuário que não concorda com a crítica do
esquete. Mais uma vez, o que é levado em conta é que a internet é democrática. O
posicionamento é assumido e ninguém tenta ser imparcial. Contudo, na internet, é
mais fácil assumir ou contestar uma opinião, pois há codinomes por trás, os nomes e
identificações são ‘camuflados’ por meio de um cadastro na plataforma digital.
No capítulo 5 desta monografia, Bernardazzi (2016) conceitua o perfil de um
YouTube como “diverso, dinâmico e mutável” (p. 02). Se essa discussão
acontecesse em outro meio ou no mundo real, não é possível determinar ao certo se
o usuário Erri Soares, do comentário abaixo, por exemplo, continuaria defendendo
este mesmo argumento, mas é válido lembrar que, diferente da internet, o seu rosto
estaria sendo mostrado.
Figura 47 - Comentário 3 - Dia Internacional da Mulher
Fonte: Canal Barbixas/YouTube (2016).
152
De acordo com a pesquisadora Deborah Susane Sampaio Sousa, no artigo A
Rede Social Youtube como Plataforma de Conexão e de Estabelecimento da
Estética do Fluxo (2015),
a sociedade envolve-se cada vez mais em uma cultura de redes fortemente marcada pela constituição de vínculos por meio de grupos de interação online diante das novas mídias. Sendo assim, falar em novas mídias – para além de uma análise acerca dos mecanismos tecnológicos – é abordar também algumas mudanças do impacto trazido pelos seus sistemas e pelos usos feitos no dia a dia das pessoas. É retratar como os usuários desses processos se comportam na formação de produtos por meio dos novos mecanismos [...] (SOUSA, 2015, p.01).
Nos vídeos do canal Barbixas, como foi evidenciado, os internautas têm voz.
Essa interatividade trouxe mudanças e impactos, e mostrou como os usuários
podem se comportar de modo diferente nesta plataforma.
Após a análise do conteúdo do presente estudo, torna-se possível avaliar as
hipóteses desta pesquisa e responder à questão norteadora. Este é o conteúdo que
será explanado a seguir, nas considerações finais.
153
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Livrai-me de tudo que me trava o riso.”
Caio Fernando Abreu
Informação e humor. Linguagens diferentes. Propostas diversas. Apesar
disso, esta categoria e este gênero podem acabar chegando num mesmo objetivo. A
diferença entre a informação e o humor não está no fato de que um informa e o
outro apenas entretém. O diferencial se encontra no modo com que a informação é
transmitida e chega ao receptor.
A análise de conteúdo desta pesquisa identificou diversos elementos dos
esquetes estudados que fazem uma crítica à sociedade. Esse apontamento foi
possível devido à base de informações construída com a revisão bibliográfica. O
conteúdo coletado dos autores forneceu à pesquisadora conhecimento e olhar
atento para identificar as características do gênero humor e as críticas presentes nos
vídeos do canal Barbixas. Também foi possível perceber como a ficção dos
esquetes se inspira em histórias e fatos reais.
Por meio da análise, houve a observação do case desta pesquisa: a
Companhia Barbixas de Humor. A decupagem de cada um dos três vídeos – o
corpus deste estudo – também fez parte da técnica da observação, assim como a
seleção de comentários dos usuários do YouTube que assistiram aos esquetes,
possibilitados pela interatividade que o meio digital disponibiliza.
A entrevista com um dos três atores e idealizadores do canal Barbixas, Elidio
Sanna, ainda integra as técnicas da metodologia desta pesquisa. Por meio da
aplicação do método da Análise de Conteúdo, torna-se possível responder à
questão norteadora e confirmar ou não as hipóteses, elementos estabelecidos no
projeto desta monografia.
A questão norteadora, apresentada na introdução, faz a seguinte pergunta: a
crítica à sociedade por meio do humor pode ser considerada informação? Os
esquetes do canal Barbixas, analisados na pesquisa, que são produtos audiovisuais
de humor, fazem críticas à sociedade. Os diálogos das personagens fazem
referência a histórias reais do contexto atual. Elementos como ironia,
154
constrangimento, surpresa, trocadilho e duplo sentido pertencem ao gênero humor,
e é por meio deles que a crítica à sociedade é feita.
A informação se faz presente no momento em que ela se torna pré-requisito
para que os vídeos sejam compreendidos e o humor aconteça. Ela vai além quando
o espectador que não identificou os contextos dos esquetes busca dados para poder
compreendê-los. Portanto, uma vez que as informações não somente são
necessárias para que crítica humorística aconteça, como também são ampliadas na
busca do espectador por mais detalhes, a crítica à sociedade por meio do humor
pode ser considerada informação
Com a revisão da análise, outros aspectos podem ser considerados. O
hibridismo foi apresentado como a possibilidade das linguagens humorística e
informativa estarem juntas em um mesmo produto audiovisual. Conforme Elizabeth
Bastos Duarte, no artigo Reflexões sobre os gêneros e formatos televisivos (2006),
“dizer de um programa que ele é informativo ou de entretenimento é praticamente
nada informar sobre ele. Afinal, que programa não traz informações? Que programa
não tem como meta o entretenimento?” (p. 21).
A interatividade na internet, mais especificamente no YouTube, é um
diferencial deste meio online para a plataforma audiovisual tradicional – a televisão.
Ela surgiu por uma necessidade dos espectadores, que queriam ter voz. Esta
interação trouxe mudanças e impactos, e mostrou como os usuários podem se
comportar de modo diferente nesta plataforma.
Uma vez respondido o questionamento principal, é possível analisar as
hipóteses apresentadas na introdução e que auxiliaram na condução deste trabalho.
A primeira delas afirma que o humor pode ser tão informativo nos conteúdos
audiovisuais quanto os gêneros de TV da categoria informação. Com a análise dos
esquetes estudados, esta hipótese pode ser parcialmente confirmada, pois tanto a
categoria entretenimento quanto a categoria informação retratam de certa forma, a
sociedade – ambos contam histórias. Todavia, a informação conta histórias do
mundo real por meio do olhar das fontes e da reportagem jornalística. O
entretenimento, por sua vez, cria novas estórias de ficção para contar histórias reais,
o que dá certa liberdade de criação, algo que é restrito no Jornalismo por critérios
éticos e de fidelidade aos fatos apurados. Na ficção, em vez de fontes, existem as
personagens. Em ambos os casos, são elas que contam e dão vida às histórias.
155
Apesar de o humor ser um gênero da categoria entretenimento, ele pode ser
informativo, assim como os gêneros da categoria informação no Jornalismo.
Entretanto, no Jornalismo, a crítica não é feita diretamente. E aí está um dos
diferenciais entre as categorias: quando uma crítica é feita por meio do humor, ela
tende a ser mais aceita pela sociedade do que quando ela é feita em um telejornal
dito como imparcial. O humor, de certa forma, neutraliza a crítica – mas nem por isso
a torna menos severa. Este fato ratifica a segunda hipótese desta pesquisa: existem
similaridades entre o entretenimento e a informação ao retratar a sociedade; porém,
o que os diferencia é o elemento humor, capaz de neutralizar mesmo a crítica mais
severa.
Para fazer uma crítica direta, porém, é necessário que se assuma, por vezes,
um posicionamento, ou seja, deixar de ser imparcial. Contudo, alguns programas de
humor não se dizem imparciais. Os vídeos do canal Barbixas, ao menos, não
vendem a ideia de que precisam mostrar, sempre, os dois lados de uma situação.
Portanto, eles não são obrigados a ser imparciais. Os telejornais, contudo, precisam
dar voz a todas as partes envolvidas de uma história para que a reportagem seja
justa e ética (o que não quer dizer que isso sempre aconteça). Essa parcialidade do
humor, de certa forma, beneficia a mesma sociedade que é criticada, pois as
pessoas podem compreender melhor esta crítica mais direta por meio do gênero
humorístico. Assim, torna-se possível uma autocrítica dos integrantes da sociedade,
sobre seus papéis enquanto cidadãos.
Pode haver, de um lado, entretenimento que assume uma posição e deixa
isto claro, e, do outro, um programa jornalístico e informativo que se diz imparcial,
mas acaba, por vezes, tendendo para um dos lados de determinada situação.
E, por mais que o produto audiovisual de entretenimento esteja expressando
determinada opinião, o espectador não é obrigado a concordar. Ele pode assistir,
refletir sobre, concordar ou discordar – ou, ainda, permanecer isento. Aqui foi
confirmada a terceira hipótese: quando um programa de conteúdo audiovisual, a
exemplo do humor, assume um posicionamento ideológico, possibilita ao espectador
maior clareza da informação repassada e discernimento para concordar ou não com
as opiniões emitidas.
Além de concordar, discordar ou permanecer isento, o espectador pode,
talvez, querer ir atrás de mais informações para entender o contexto. É exigido, das
reportagens jornalísticas, que não deixem dúvidas no espectador no momento em
156
que ele termina de assisti-las. Ele precisa ter compreendido a história, a mensagem
que ela quer passar e seus objetivos por completo. O humor, todavia, pode deixar o
espectador se questionando no sentido de discutir e refletir. Dessa forma, cada
espectador pode chegar a uma conclusão diferente, mesmo tendo assistido ao
mesmo produto audiovisual – o que também não deve ser considerado ruim, pelo
contrário: quanto mais pensamentos, ideias e discussões diferentes um mesmo
vídeo for capaz de gerar, mais amplitude ele traz.
Afinal, como já foi evidenciado na resposta da questão norteadora, a
informação é um pré-requisito para o entretenimento: as pessoas só acham graça
quando entendem a piada, e quem não entendeu, precisa se inteirar do contexto
para poder rir, ou seja, para o humor poder acontecer.
Além das hipóteses, também foram traçados o objetivo geral e os sete
específicos que delinearam a pesquisa. O objetivo geral propôs investigar se a
crítica à sociedade por meio do humor pode ser considerada informação. De forma
específica, os objetivos eram conceituar informação, Jornalismo e humor;
caracterizar os gêneros dos programas de TV; descrever as etapas para a
construção de um programa de entretenimento e de um programa jornalístico;
contextualizar a evolução da TV aberta e o processo de convergência digital, com o
surgimento de uma nova plataforma e nova linguagem; conhecer como se dá o
processo de produção de conteúdos audiovisuais nas mídias sociais, em especial no
YouTube; analisar os vídeos do canal Barbixas no YouTube especificados no corpus
da pesquisa; analisar os processos de interação realizados entre o canal Barbixas e
seu público a partir dos esquetes estudados na pesquisa; e entrevistar os
idealizadores dos vídeos do canal Barbixas no YouTube sobre o objetivo das
produções: entreter ou informar. Com a análise e a resposta ao problema da
pesquisa, pode-se concluir que os objetivos, tanto geral quanto específicos, foram
atingidos.
Em suma, com este estudo foi possível concluir que, além de serem similares
e possuírem diferenciais na questão da imparcialidade, o humor e informação são
complementares, uma vez que esta última é necessária para que o primeiro
aconteça.
A crítica à sociedade por meio do humor, assim, pode ser considerada
informação. Talvez não de forma imparcial. Talvez, também, não sem deixar dúvidas
e questionamentos. Mas informando e permitindo que o espectador concorde ou
157
discorde, discuta com o conteúdo transmitido e o instigando, também, a se informar
mais e melhor.
O estudo também fez com que a pesquisadora se informasse mais e melhor,
crescendo em conhecimento nesta área da comunicação. Além de defender, ampliar
e trazer mais significado para o humor – gênero de preferência pessoal da
pesquisadora, esta monografia evidenciou mais uma possibilidade de transmitir a
informação e de contar histórias, que, como visto na análise, são a essência do
Jornalismo.
Para futuras pesquisas, poderia ser investigado o modo como a informação
chega no espectador de acordo com a linguagem utilizada para transmiti-la. Uma
vez tendo concluído, nesta pesquisa, que a informação também pode ser passada
por meio do humor, seria interessante averiguar as diferenças de uma mesma
mensagem sendo transmitida em diferentes gêneros – por meio do humor, do
debate, do documentário, da entrevista, do telejornal... – e, principalmente, como o
espectador recebe esta informação, dependendo do gênero.
Caio Fernando Abreu, escritor que, por acaso, também foi jornalista, na
citação que abriu estas considerações finais, pede, sem especificar a quem, para
livrar-lhe de tudo que lhe trava o riso. Com a conclusão deste estudo, é possível ir
além, e a pesquisadora ousa, aqui, parafrasear Abreu, pedindo para que esteja livre
de tudo que lhe trave o riso e, consequentemente, de tudo que lhe impeça a
informação.
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162
ANEXOS
ANEXO A – GRAVAÇÃO DOS TRÊS ESQUETES DO CANAL BARBIXAS
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APÊNDICES
APÊNDICE A – PROJETO DE PESQUISA
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APÊNDICE B – CONTATO COM A COMPANHIA BARBIXAS DE HUMOR POR
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