<> UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE <> <> <> <> <> < PARA UMA NOVA LÓGICA MUNDIAL, UM NOVO PROFESSOR – VISÕES ATUAIS DA AUTOCONSTRUÇÃO ACADÊMICA > <> <> Por: Sônia Regina Girelli Bezerra<> <> <> Orientador Prof. Fabiane Muniz Rio de Janeiro 2010 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · bibliográfica de autores como Paulo Freire, Maurice Tardif, Pedro Demo e Juan Pozo, passando por Jean Piaget, Lèvy Vygotsky
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
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< PARA UMA NOVA LÓGICA MUNDIAL, UM NOVO PROFESSOR
– VISÕES ATUAIS DA AUTOCONSTRUÇÃO ACADÊMICA
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Por: Sônia Regina Girelli Bezerra<>
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Orientador
Prof. Fabiane Muniz
Rio de Janeiro
2010
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
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PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
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PARA UMA NOVA LÓGICA MUNDIAL, UM NOVO PROFESSOR
– VISÕES ATUAIS DA AUTOCONSTRUÇÃO ACADÊMICA
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Apresentação de monografia à Universidade
Cândido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Docência do
Ensino Superior – Lato sensu
Por: Sônia Regina Girelli Bezerra
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AGRADECIMENTOS
A Deus, aos professores verdadeiros que me
ajudaram a construir o que sou, ao marido e filhos
pela paciência, aos amigos pela compreensão da
ausência, aos professores Vilson Carvalho pelas
dicas, Fabiane Muniz pela orientação e Lindomar
Adelino pela inspiração e, especialmente, aos meus
alunos, que a cada dia me dão certeza de estar no
caminho certo.
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus filhos João Matheus e
Raísa, ao meu marido Luiz Sérgio, à minha família e a
todos que apoiaram e incentivaram na caminhada.
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RESUMO
Para que possa enfrentar os desafios de uma nova lógica mundial que
se apresenta hoje, o docente universitário precisa ter uma formação
diferenciada, agregando valores essenciais à sua prática, além de desenvolver
novas habilidades e competências que deem conta de momentos de crise e
saiba lidar com uma complexa realidade empírica que a globalização impõe às
sociedades contemporâneas.
Para tanto, esse novo professor precisa considerar aspectos relevantes
na aquisição do conhecimento, como formas interpessoais de interação,
inteligência emocional, inovações tecnológicas e comunicacionais, estímulos
ambientais, além de estar aberto às mudanças necessárias e, acima de tudo,
ter uma visão crítica do currículo ideal para a formação de um profissional ético
e consciente de seu papel social, em qualquer área de atuação.
Partindo dessa premissa, o presente estudo procura resgatar a evolução
do olhar sobre o professor universitário e a sua formação (Capítulo 1),
passando pela investigação dos processos cognitivos e seus reflexos em sala
de aula (Capítulo 2), terminando por discutir as novas tecnologias e sua
relevância política, histórica e social em relação à construção da aprendizagem
autônoma, inclusive a EAD (Capítulo 3).
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METODOLOGIA
O presente trabalho tem por objetivo apresentar uma proposta de
reflexão sobre a prática docente universitária voltada para a formação da
autonomia profissional e social do indivíduo e, para tanto, se pautará na
reflexão pessoal e na fundamentação teórica a partir de uma pesquisa
bibliográfica de autores como Paulo Freire, Maurice Tardif, Pedro Demo e Juan
Pozo, passando por Jean Piaget, Lèvy Vygotsky e outros, além de leituras de
artigos e publicações em fontes diversas como jornais, revistas e Internet.
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SUMÁRIO
Cap. I – “A epistemologia da prática” – um novo significado para a
docência.
1.1 - O paradigma do professor reflexivo 11
1.2 - O currículo crítico e a pesquisa – bases da autoconstrução acadêmica 14
Cap. II – As teorias cognitivas da aprendizagem e a sala de aula
2.1 - O cérebro – conhecendo alguns mistérios, mitos e realidades 19
2.2 - O processamento de informação e a interação com o outro –
aprender para conviver melhor 21
Cap. III – Novas formas de ensinar e aprender – Sociedade da Tecnologia
e Sociedade do Conhecimento
3.1 - A sociedade da informação e o saber volátil –
o bem e o mal da mídia 26
3.2 - As novas tecnologias, a EAD e a construção social da autonomia 30
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objeto de estudo as atuais formas de
intervenção do professor no processo ensino/aprendizagem, especialmente no
ensino superior, baseando-se na aquisição da aprendizagem como forma de
autonomia.
A idéia do tema para este trabalho surgiu a partir do curso Acreditando
na Aprendizagem, com o professor Pedro Demo, da UnB, quando este veio ao
Rio de Janeiro em 2003. O curso foi promovido pela Secretaria Estadual de
Educação – SEE RJ - com objetivo de formar um Grupo Base, do qual fiz
parte, que multiplicaria os conhecimentos adquiridos, suscitando idéias e
reflexões sobre a questão da Aprendizagem e formando outros grupos de
professores pertencentes ao quadro da educação estadual.
Passados alguns anos, percebe-se que o tema da aprendizagem ainda
suscita grandes debates, e não poderia ser diferente, já que o conhecimento
se transforma na proporção da evolução tecnológica e social, gerando
constantes desafios para educadores, universitários, teóricos da educação e
toda a sociedade brasileira.
As sociedades contemporâneas apresentam novos paradigmas e
exigem cada vez mais de seus atores a produção e a apropriação do
“verdadeiro” conhecimento que se produz no mundo. Então, será esse o
grande desafio que a profissão docente enfrenta hoje? Como podemos
identificar o que deve ser selecionado, no universo de informações que
circulam nos meios comunicacionais, aquilo que de verdade importa à
formação dos alunos? Mais que isso, como “formar” aprendizes – futuros
profissionais – que se apropriem dessa dinâmica, ou seja, que, através de uma
postura e ação críticas, aprendam a aprender? Por outro lado, como se dá
esse processo diante de uma clientela tão diversificada, que reflete toda a
complexa conjuntura sócio-política e cultural? Que saberes precisa ter o
docente universitário para mediar o processo ensino-aprendizagem em cenário
tão desfavorável, imprevisível, vulnerável e precário como o atual
contexto/ambiente das salas de aula brasileiras? Qual a contribuição que
teóricos clássicos e modernos podem trazer, municiando o educador
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universitário de reflexões inerentes ao seu trabalho? Este trabalho não tem a
pretensão de dar respostas a todas essas perguntas... Entretanto, parece que
chegamos, no final desta primeira década do segundo milênio, a um momento
em que é cada vez mais necessário refletir sobre o valor e a prática da
Educação na formação de novas consciências.
Para que possa enfrentar os desafios que se apresentam hoje, o
docente universitário precisa ter uma formação diferenciada, que lhe permita
desenvolver novas habilidades e competências que deem conta do momento
atual e globalizado, onde as novas tecnologias produzem e informam
conhecimento quase simultaneamente ao resultado da pesquisa.
Por outro lado, esse profissional não pode abrir mão de seu papel
político, quando se assume formador não apenas de novos profissionais, mas
de seres humanos preparados para um novo mundo, no qual terão um papel
fundamental de constante resgate e renovação de valores humanos.
E é justamente esse “arquiteto social” – que transforma a sociedade e
constrói essa nova dimensão do ser humano que, muitas vezes, revestido
dessa grande responsabilidade, ora é visto como herói, ora como vilão, no
cenário de mais fracassos que sucessos da educação brasileira,
especialmente a pública. A sociedade espera tanto dos professores, muitas
vezes sem lhes dar a devida contrapartida e o respeito merecidos nesse
contexto social extremamente conflituoso, injusto e complexo... Professores
são seres humanos, com suas subjetividades, dificuldades e questionamentos
como qualquer outro profissional comprometido com seu trabalho.
Como objetivo geral, pretende-se apresentar um estudo sobre a
atividade docente de ensino superior, levando em consideração o atual
contexto sócio-cultural e político-filosófico brasileiro, analisando suas
competências no que tange à formação do aluno para o mundo de hoje, ou
seja, com toda a atual complexidade de avanços tecnológicos.
Como objetivos específicos buscar-se-á, ao longo dos capítulos a
seguir: lançar um olhar para o passado recente e o presente dos professores,
identificando os sentidos atuais do trabalho educativo; conhecer um pouco
mais o funcionamento das estruturas cerebrais no que tange aos processos de
aprendizagem, relacionando algumas teorias com a realidade das salas de
aula; ampliar a visão do mundo externo sobre o ambiente acadêmico,
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redefinindo a função social da universidade; identificar as possíveis
dificuldades encontradas pelo corpo docente diante do corpo discente que
chega à universidade atualmente (e vice-versa); auxiliar o docente universitário
com dados interessantes sobre as condições pesquisadas em universidades
cariocas, conhecendo melhor o pensamento e o trabalho de seus colegas em
outros contextos (universidades privadas, públicas etc.).
Partindo dessa premissa básica e dos questionamentos citados,
justifica-se esse estudo, propondo uma reflexão sobre as condições e
expectativas impostas ao trabalho do profissional docente no ensino superior,
revendo e questionando suas atribuições pedagógicas no atual cenário social,
político, cultural e, por que não, na própria dimensão humana. Enfim, trata-se
de discutir sua atuação e as dificuldades encontradas enquanto mediador do
processo de aprender a aprender num ambiente tão complexo e imediatista,
buscando formar/construir um educando/profissional autônomo, competente,
ético e, acima de tudo, um ser humano melhor.
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CAPÍTULO I
Capítulo I – “A epistemologia da prática” – Um novo significado para a
docência
1.1 - O paradigma do professor reflexivo
Segundo Tardif, toda pesquisa sobre o ensino tem o dever de registrar o
ponto de vista, a subjetividade dos professores, assim como os conhecimentos
e o saber-fazer mobilizados por eles na ação cotidiana. (1991)
Acolhendo a ideia de que os professores são sujeitos do conhecimento,
do ponto de vista de sua subjetividade é considerar que esses profissionais
assumem sua prática a partir do sentido que eles próprios lhe dão; que
possuem um know-how advindo de suas vivências e que utilizam esse
repertório pessoal para estruturar e orientar sua performance diária de
trabalho.
Para Freire, especificamente humana a educação é gnosiológica, é
diretiva, por isso política, é artística e moral e exige do professor uma
competência geral, um saber de sua natureza e saberes especiais, ligados à
atividade docente. (1996)
Diante disso, indaga-se: Que profissional é esse? Que saberes são
necessários à sua formação?
A discussão sobre formação dos professores surge nas décadas de
1980 e 1990, partindo do movimento de profissionalização do ensino, quando
os professores buscam um repertório de conhecimentos para legitimar sua
profissão, ampliando os estudos nessa área. (TARDIF, 2000, apud NUNES,
2001).
Esses estudos mostram a importância de observar a prática pedagógica
como algo relevante, contrapondo-se às abordagens que procuram dividir a
formação acadêmica da prática cotidiana. Desse modo, as investigações sobre
os saberes docentes e sua formação ganharam marcas internacionais,
privilegiando o docente a partir de uma abordagem metodológica e teórica,
analisando seu contexto histórico e social. No Brasil, no início da década de
12
90, houve novos enfoques para a compreensão sobre a prática e os saberes
pedagógicos e epistemológicos relativos ao que deveria ser ensinado nas
escolas. Neste viés, o papel do professor é resgatado e leva-se em
consideração, além da formação acadêmica, o desenvolvimento pessoal,
profissional e organizacional da profissão docente. (NUNES, 2001 - p.2)
Para Nóvoa (1995 apud Nunes, 2001), esta nova abordagem contrapõe-
se aos estudos que antes reduziam o trabalho docente a um conjunto de
competências e técnicas, separando o eu profissional do eu pessoal (p.2).
Nunes declara:
Nessa perspectiva de analisar a formação de
professores a partir da valorização destes, é que os
estudos sobre os Saberes Docentes ganham impulso e
começam a aparecer na literatura, numa busca de se
identificarem os diferentes saberes implícitos na prática
docente. (p.2).
Embora a década de 90 tenha sido marcada pela busca de novos
paradigmas sobre a temática dos saberes docentes, esta é, ainda hoje,
desvalorizada nos programas de formação de professores .
Pimenta (1999), também refletindo a formação docente baseada na
análise da prática pedagógica, identifica nos saberes docentes a sua
identidade profissional, a partir da premissa de que:
“essa construção de identidade eleva-se na
partida da significação social da profissão; da revisão das
tradições. Mas também na reafirmação das práticas
consagradas culturalmente e que permanecem
significativas. Práticas que resistem a inovações porque
prenhes de saberes válidos às necessidades da
realidade. Do confronto entre as teorias e as práticas, da
análise sistemática das práticas à luz das teorias
existentes da construção de novas teorias.” (p.19)
Percebe-se, então, que a necessidade de construção de uma nova
identidade do professor esclarece-se pela falta de sistemas de ensino que
proponham um resultado formativo de qualidade, adequado às exigências da
população envolvida e que correspondam às demandas sociais. Dessa forma,
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os saberes docentes vão se constituindo a partir de uma reflexão na e sobre a
prática.
Nesse sentido, diz Paulo Freire:
Por isso é que, na formação permanente dos
professores, o momento fundamental é o da reflexão
crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática
de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima
prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão
crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se
confunda com a prática. O seu “distanciamento”
epistemológico de prática enquanto objeto de análise,
deve dela aproximá-lo ao máximo. (1996)
Conforme Freire, toda prática educativa demanda a existência de
sujeitos, um que, ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina, daí o
seu cunho gnosiológico. Não se trata de, como professor, pensar-se igual ao
educando, mas saber pensar uma prática na qual ele perceba o papel
fundamental de contribuir positivamente para que o educando vá sendo o
artífice de sua formação com a ajuda necessária do educador (1996).
Ao se modificar a visão técnica, simplista e reducionista sobre a
formação dos professores, identifica-se nos saberes que o docente possui a
forma e o modo como o professor irá atuar no contexto da aprendizagem, pois
aqueles irão fundamentar suas ações.
Portanto, a reflexão sobre formação docente e seus paradigmas tem
destacado a importância do desenvolvimento de pesquisas que busquem
privilegiar os saberes docentes, apontando para políticas públicas
educacionais que fortaleçam e aprimorem esses saberes.
Esse professor reflexivo, que possui uma postura progressista e que
conhece as diferentes dimensões que caracterizam a essência da prática,
entende que a capacidade de aprender serve não apenas para se adaptar a
um status quo, mas, sobretudo, para transformar a realidade para nela intervir,
recriando-a. (Freire, 1996)
Com essa postura, o professor universitário, aquele que forma
profissionais das mais diversas carreiras, faz-se o grande mediador do
processo de autoconstrução acadêmica do conhecimento, formando indivíduos
14
que aprenderão como se auto-formar ao longo da sua história profissional e,
por que não dizer, da sua vida pessoal também.
1.2 - O currículo crítico e a pesquisa – bases da autoconstrução
acadêmica
Para Durkheim, a educação é a ação exercida pelas gerações adultas
sobre as que ainda não estão amadurecidas para a vida social. Tem como
função suscitar e desenvolver certos estados físicos, intelectuais e morais que
tanto a sociedade política em seu todo quanto o meio social ao qual está
particularmente ligada exigem dela. (Apud Meirieu p.35).
Desse modo tem-se a noção de professor profissional da educação que,
ao se formar, forma também a escola e produz a profissão docente. ( Nóvoa –
1991)
Nesse sentido, percebe-se que o professor constrói sua história
paulatina e concomitantemente ao processo de formação da identidade da
instituição onde desenvolve seu trabalho, pois é ao longo do tempo que ambos
– professor e escola – vão elaborando sua identidade junto à comunidade
onde estão inseridos.
Sobre a relação entre educação e sociedade, Meirieu conclui:
O sujeito recebe de fora sua identidade; de que é
a inserção em uma comunidade humana, sua cultura e
seu modo de funcionamento que conferem a ele sua
existência real, concreta; de que o papel do educador é
“suscitar e desenvolver” competências identificadas em
função de sua utilidade social; de que a educação não é
então a admiração beata das aptidões que despertam,
mas o fato de fornecer instrumentos precisos que
permitem que os indivíduos se integrem em um grupo
social determinado, que nele encontrem um lugar, o seu
lugar. (1998)
15
Entretanto, esse educador, que se insere e é inserido, que se constrói
numa e para uma sociedade, por ser reflexivo e crítico, identifica as
desigualdades, as tensões sociais, as relações de poder e autoritarismo,
tomando para si a co-responsabilidade de transformação dessa realidade.
Freire acrescenta:
“Com relação a meus alunos, diminuo a distância que me separa de
suas condições negativas de vida na medida em que os ajudo a aprender um
saber (...) fundado na ética de que nada legitima a exploração dos homens e
das mulheres pelos homens mesmos ou pelas mulheres.” (1996, p.156)
É preciso, então, buscar um currículo que dê conta de uma formação
comprometida com a compreensão da diversidade cultural, social e política e,
ao mesmo tempo, que traga propostas de democratização das oportunidades
de ascensão social e humana.
Algumas teorias críticas de currículo surgiram no início dos anos 1970,
quando um grupo de educadores propõe uma reconceitualização de currículo,
mostrando como “as formas de seleção, organização e distribuição do
conhecimento escolar favorecem a opressão das classes e grupos
subordinados.” (Santos e Moreira – 1992, p.50) Desse grupo, destacaram-se
Henry Giroux e Michael Apple, que buscaram compreender as relações entre
currículo e as relações de poder na sociedade.
Giroux preocupa-se com a cultura popular relacionada com a questão
curricular. Vê o professor como intelectual transformador, e vê através da voz
uma forma de manifestação do aluno. (Silva, 2003 – p.54).
Paulo Freire trabalha com o conceito de desenvolvimento e, em seguida,
o de revolução, sintetizando sua crítica ao currículo existente no conceito de
educação bancária e sugerindo uma educação problematizadora.
Trata-se de compreender como a humanidade veio a ser dividida de um
determinado modo – culturas, histórias, tradições, etnias e nações – o que é
indispensável para se apreciar, criticar e desvelar o jogo político da identidade
no mundo contemporâneo. (Moita, 2003)
As transformações sociais atuais fazem emergir a sociedade
globalizada. Junto com ela, surge também o multiculturalismo, que mostra as
diferenças sociais, culturais e educativas, as desigualdades quanto aos direitos
humanos, ao acesso às tecnologias de informação etc.
16
No Brasil, nos últimos anos, o acesso à universidade a partir de políticas
afirmativas como sistema de cotas, programas de financiamento estudantil e
outras propostas inclusivas vem refletindo e expondo toda essa diversidade,
impondo-se como desafio supremo à atividade docente em tempos atuais.
Esse quadro demonstra a necessidade de se produzir uma proposta
educacional que contemple esse “caldeirão” de demandas sociais, intelectuais,
políticas e culturais; que repense uma universidade para todos, comprometida
com novas formas de comunidade democrática.
“Elaborar um currículo nesses moldes é criar
ambiente acadêmico que reflita a plena convivência de
seus atores, formados a partir de e para uma pluralidade
de sujeitos sociais, onde formação profissional e
socialização caminham juntas no acesso ao mundo do
trabalho e à própria vida.” (Silva, 2003)
No bojo das propostas de concepção de um currículo crítico e
transformador encontra-se um dos vértices do triângulo acadêmico: a
pesquisa.
Demo tem como definição mínima de pesquisa “questionamento
reconstrutivo”, atitude crítica diante da realidade, de tendência desconstrutiva e
analítica, preocupada com desvendar os fenômenos para além da superfície,
proposta dotada de alguma autonomia, pois “toda pesquisa implica atividade
sistemática e é, no fundo, sempre exercício acurado de argumentação própria.”
(Demo, 2000 - p.93)
Para Demo, é importante distinguir entre pesquisa como princípio
científico e como princípio educativo. No segundo sentido, propõe a pesquisa
como estratégia fundamental de aprendizagem reconstrutiva e de gestação da
autonomia do sujeito, para que possa produzir conhecimento do qual seja a
referência central. (2000 – p.94)
Uma universidade que possui professores reflexivos, comprometidos
politicamente com a formação de profissionais éticos e autônomos e, para isso,
pensa um currículo crítico que contemple uma educação transformadora, com
relação à pesquisa sempre buscará respostas aos grandes questionamentos
científicos para servir à sociedade, e não ao mercado.
Nesse sentido, Demo faz a seguinte crítica:
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É triste ver a universidade a reboque das
inovações capitaneadas pelo mercado. Precisamos
definitivamente entender que é fundamental aprender
para a vida individual e sobretudo coletiva, não para
apenas competir. Trata-se, em primeiro lugar, de gestar
aquela cidadania que sabe manejar conhecimento com
qualidade formal e política, diferente, por isso, de outras
cidadanias que a sociedade propicia e motiva. Saber
pesquisar deve ajudar também a inserir-se no mercado,
mas sobretudo a saber confrontar-se com ele, para que o
bem comum seja referência principal. (2000 – p.96)
O Brasil é um país de incomensuráveis demandas sociais e, para
transparecer a citada “utilidade social”, é necessário diminuir a distância entre
o saber acadêmico e a sociedade, pois só assim a universidade alcançará um
de seus mais nobres fins, que é o de colocar o conhecimento a serviço do bem
comum.
Essa “tensão” social construtiva e transformadora que advém da relação
integrante entre professor, instituição e comunidade precisa estar presente em
todos os níveis, inclusive na Universidade, pois é cada vez mais premente a
interação entre esta instituição educacional e seu entorno, como vem
acontecendo não só nas pequenas, mas também em grandes cidades
brasileiras.
Algumas iniciativas nesse sentido podem ser vistas acontecendo no
estado do Rio de Janeiro, tanto em universidades públicas quanto nas
particulares. A Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, possui um
Programa de Inclusão Digital para a terceira idade, onde promove cursos e
oficinas para idosos das comunidades de seu entorno.
Universidades como PUC-RIO, Gama Filho, Estácio de Sá, UERJ e
UNIGRANRIO, entre outras, oferecem diversos atendimentos gratuitos em
áreas como Odontologia, Psicologia, Fisioterapia, Jurídica e outras, levando à
sociedade fluminense tão carente de serviços públicos de qualidade opções de
tratamento e novos caminhos em busca de uma melhor condição de vida.
(Jornal Extra – 21.03.2010, p.31 cad. Economia)
Essas propostas, além de promover o desenvolvimento da cidadania,
aproximam o formando da sua realidade social, assim como também faz a
18
interação das comunidades com a universidade, trazendo um novo olhar da
sociedade sobre a produção do conhecimento acadêmico.
Independentemente se ensino universitário público ou privado, é
necessário reconfigurar valores, “para que se estabeleça um contrato de
trabalho formativo, com responsabilidades claramente assumidas por alunos,
professores e instituição”. (Pimenta, 2006)
Considerações finais
Enfim, é importante que todos os atores educacionais assumam uma
postura comprometida com o processo formativo na graduação e sobre a
própria vida, estimulando um reposicionamento do eu do aluno diante do
social, postura e ação essencial à construção de um possível processo
crescente de cidadania”, produzindo, assim, um exercício profissional
comprometido com a melhoria da qualidade de vida humana em geral.
19
CAPÍTULO II
Capítulo II – As teorias cognitivas de aprendizagem e a sala de aula
2.1 - O cérebro e o processo de aprendizagem – conhecendo alguns
mistérios, mitos e realidades
Atualmente, é fundamental que educadores e pais compreendam que o
processo de aprendizagem considera aspectos biológicos, psicológicos e
sociais do indivíduo. E a sala de aula é o ambiente onde essa especificidade
se realiza. Entretanto, “este espaço está sendo dessacralizado pela relevância
das novas tecnologias no desenvolvimento dos aprendentes.” (Relvas, 2008 -
p.9)
Segundo Relvas, é necessário reconfigurar o espaço da sala de aula de
forma a promover maior convergência dessas tecnologias como interfaces
possíveis de manutenção das aprendizagens. Além disso, é importante
perceber que, neurofisiologicamente, os alunos têm os órgãos dos sentidos
estimulados, gerando um movimento de conexões nervosas que promovem o
desenvolvimento das diversas inteligências. (2008 – p. 9)
Portanto, é fundamental que o educador conheça e compreenda as
estruturas cerebrais e seu funcionamento, visando a estabelecer caminhos
para a aquisição da aprendizagem.
Nesse sentido, os estudos da biologia cerebral vêm contribuindo para a
práxis em sala de aula, buscando entender as dimensões cognitivas, motoras,
sociais e afetivas do sujeito “aprendente” e suas formas interativas nos
ambientes onde se insere.
Observando a estrutura e funcionamento do sistema nervoso, percebe-
se que há partes situadas no cérebro, na coluna vertical e outras distribuídas
ao longo de todo o corpo humano. Mas é no sistema nervoso central –
localizado no cérebro – que se encontra a maioria das células responsáveis
pelo processamento de informações. É onde ocorrem as “transmissões
sinápticas”, químicas ou elétricas, através de neurotransmissores. (Relvas,
2008 - p.13)
20
Segundo Relvas, uma das melhores maneiras de perceber a influência
dos neurotransmissores na cognição é observando a realização de jogos e
dinâmicas de grupo, onde o pressuposto básico seja a solução de um
problema pelos alunos. Ao professor caberá um posicionamento de mediador,
incentivador e orientador das discussões e diretrizes a serem enfocadas.
(2008 - p.13)
Assim, estimulam-se as células motoras e sensitivas, produzindo-se a
energia celular, característica que a célula possui para se manter viva e ativa,
assegurando, assim, maior qualidade e durabilidade das informações
acessadas.
Essa capacidade do sistema nervoso alterar o funcionamento do
sistema motor e perceptivo a partir de estímulos ambientais externos, através
de conexão e reconexão das sinopses nervosas chama-se “plasticidade
cerebral”. Estudos comprovam a hipótese sobre o desenvolvimento neural e a
aprendizagem, na qual funções específicas de processamento de informação
são controladas por grupos especiais de neurônios, mas, se uma dessas
funções cessa, esses neurônios passam a controlar outra função. (Relvas,
2008)
Por isso, no processo educativo, é fundamental propor exercícios cuja
cognição seja bem estimulada tanto para a repaginação do movimento
cerebral de aprender quanto na recuperação de alunos aparentemente
desestimulados.
É angustiante para todo educador brasileiro ouvir constantes queixas de
colegas que lecionam em universidades sobre dificuldades de aprendizagem,
como: “os alunos não conseguem aprender tal conceito” ou “por mais que eu
me esforce não adianta, pois os alunos não se interessam por nada”.
Se, por um lado, o professor ignora muitas vezes a noção de obstáculo
pedagógico, quando não entende que alguém não compreenda (Bachelard
apud Meirieu, p.18), por outro lado, ele considera que se pode fazer com que
uma demonstração seja compreendida repetindo-a ponto a ponto.
Relvas coloca:
O professor, antes de ser um especialista no
domínio dos conteúdos que busca ensinar, necessita ser
um estimulador de aprendizagem e um verdadeiro
21
“jardineiro” de memórias, despertando em seus alunos as
estratégias para seu uso coerente. O professor deve
atuar diferenciando as memorizações automáticas ( que
apenas “entulham” o cérebro de saberes anárquicos), da
memorização consciente, verdadeira ferramenta para se
aprender, para se pensar sobre como se pensa. (2008 –
p.57)
Ao conhecimento de plasticidade cerebral junta-se o objetivo de
revigorar as relações de ensino-aprendizagem em sala de aula, pois é provado
que, utilizando-se estratégias didáticas diferenciadas, estabelece-se a
recontextualização dos indivíduos, mesmo que vagarosamente. (Relvas –
2008)
Hoje, sabe-se que o cérebro muda durante toda a vida, e essa
plasticidade induz o cérebro a aprender a se sentir melhor, ou a se auto-
reparar. Assim, em condições favoráveis aos estímulos aplicados, os alunos
têm maior possibilidade de desenvolver competências e habilidades nas várias
inteligências, além de atingir o equilíbrio psicológico ao controlar emoções,
realizando movimentos afetivos com o corpo sem se desapropriar da razão.
2.2 – O processamento de informação e a interação com o outro –
aprender para conviver melhor
Um dos maiores desafios das sociedades contemporâneas no mundo
da informação é como entendê-la, como organizá-la e em que momento aplicá-
la, na evolução das conquistas humanas.
Apesar do crescente desenvolvimento da psicologia cognitiva, cuja
representação mais clara é o processamento de informação, baseada numa
analogia entre o funcionamento da mente humana e os computadores digitais,
até há pouco tempo o estudo da aprendizagem era dominado pelo enfoque
condutual (behaviorista) nos últimos anos.
Entretanto, os psicólogos cognitivos demonstraram interesse pelos
processos através dos quais as pessoas adquirem conhecimento. Isso decorre
não apenas de necessidades técnicas, mas especialmente das demandas
tecnológicas derivadas do desenvolvimento de sistemas artificiais e das
22
exigências práticas de intervenção em contextos de aprendizagem e instrução
cada vez mais complexos.
Ainda que o conceito de psicologia cognitiva constitua um caso a mais
de categoria natural definida nas escolas psicológicas, a tarefa de definir seu
núcleo conceitual vê-se neste caso facilitada pela existência de um programa
dominante, como é o processamento de informação. (Rivière apud Pozo -
p.40)
O conceito mais geral e comum que podemos dizer da Psicologia
Cognitiva, segundo Rivière, “é o que remete à explicação da conduta, a
estados ou a processos e disposições de natureza mental, para os quais
reclama um nível de discurso próprio”. Para Pozo, nesta definição de
psicologia cognitiva caberia não só o processamento de informação, mas
também autores como Piaget, Vygotsky ou a moderna psicologia animal, pois
todos eles concordam que a ação do sujeito está determinada por suas
representações, como veremos adiante. (2002 – p.41),
Sem dúvida, o processamento de informação constitui o paradigma
dominante dentro do enfoque cognitivo atual e aumentam os esforços para
elaborar teorias da aprendizagem baseadas nos pressupostos computacionais.
Pozo argumenta:
A concepção do ser humano como processo de
informação baseia-se na aceitação da analogia entre a
mente humana e o funcionamento de um computador
(...); adotam-se os programas computacionais como
metáfora do funcionamento cognitivo humano.” (p. 41)
Cientistas do laboratório de Neuroengenharia da Universidade da
Geórgia, nos Estados Unidos, construíram um pequeno robô que se move
utilizando sinais de células do cérebro de um rato, cultivadas “in vitro”. O
objetivo do pesquisador Steve Potter e sua equipe é a criação de sistemas de
computação que funcionem da mesma forma que o cérebro humano, ou seja,
uma rede neural artificial que aprende como o cérebro humano. (Relvas, p. 50)
Entretanto, Demo lembra que o computador é ainda máquina
“excessivamente linear, muito longe de poder ‘imitar’ o funcionamento do
cérebro, embora, dados os avanços persistentes, um dia se possa imaginar
23
computador que saiba pensar”. Já o cérebro, sendo em si mera matéria
orgânica, “pode produzir coisas tão diferentes de sua base, como consciência,
esperança, amor...” (p.138) e acrescenta:
Penrose postula que o cérebro deverá ser explicado
possivelmente por outras teorias ainda não disponíveis,
provavelmente quânticas. Rejeita que o computador possa
aprender, porque não está, pelo menos até o momento, dotado
da capacidade interpretativa emergencial. (Apud Demo p.137 )
Pozo diz que:
O processamento de informação afirma que os
sujeitos construíam seu próprio conhecimento a partir de
suas estruturas e processos iniciais. Assim, o
processamento de informação pode explicar como atua o
sujeito diante de uma tarefa de decisão léxica, atribuindo-
lhe determinadas estruturas de memória semântica,
porém não pode explicar como foram readquiridos os
conhecimentos armazenados na memória semântica.
(1998 - p.47)
Neste ponto, a ciência cognitiva adota uma “estética explicativa” de
acordo com os tempos em que vivemos. Em plena era da pós-modernidade, a
simulação converte-se em explicação. Assim, entende-se que “o homem veja
em uma de suas obras seu próprio modelo, acontecendo o paradoxo do
computador, em que um produto da inteligência humana converte-se em
espelho dessa mesma inteligência.” (Bruner apud Pozo, p.47)
Segundo Pozo, de uma forma geral, pode-se dizer que as teorias
organicistas/estruturalistas assumem uma postura construtivista, na qual o
sujeito possui uma organização própria, onde interpreta a realidade, projetando
sobre ela os significados que vai construindo. (p. 55). Há, no bojo de suas
proposições, uma rejeição explícita do princípio de correspondência ou
isomorfismo das representações com a realidade. Ou seja, tais teorias não
acreditam que o conhecimento seja simplesmente reprodutivo, mas que o
sujeito é ativo, pois modifica a realidade ao conhecê-la, ou, ao estilo freireano,
ao confrontá-la com curiosidade epistemológica.
Mas, como passar do não saber ao conhecimento?
24
Conforme Meirieu, Jean Piaget recusa tanto a qualidade inata das
estruturas cognitivas quanto a sua emergência contingente; recusa a idéia de
que a inteligência humana seja inata, tanto quanto ela seja imposta do exterior;
não nega, entretanto, nem um “já” existente, quanto um “adquirido”. Ele mostra
que é no diálogo permanente entre o inato e o adquirido que se opera o
conhecimento. Ou seja, graças ao que se é, é possível adquirir, assimilar
novos fenômenos, enriquecer e modificar o que se é. (1998 – p.39)
Todo educador se depara com situações em que o aluno parece
estranho ou refratário ao saber que o professor quer fazer com que ele resolva
um certo problema... Opções como “faça como você quiser”, que invoca o
caráter pessoal e voluntário da aprendizagem, ou o “faça como eu quero”,
considerando o que é importante para o aluno (e não o que interessa a ele, e
que o professor sabe melhor do que ele), são posições corretas e, no entanto,
são contraditórias. Sim, porque, como em toda interação humana, a prática
pedagógica é tensão, é história, é conflito...
Segundo Relvas, uma das idéias defendidas por Vygotsky é a de que as
características tipicamente humanas (funções psicológicas superiores) não são
hereditárias, nem são adquiridas passivamente pelas pressões do ambiente
externo, mas são resultado da interação do indivíduo e seu meio sócio-cultural.
Ou seja, nesta concepção, o homem é concebido como alguém que transforma
e ao mesmo tempo é transformado nas relações produzidas em uma
determinada cultura, numa interação dialética que se perfaz ao longo da
história da espécie e do desenvolvimento individual. (2008 – p.107)
Pensar aprendizagem é, portanto, pensar história, pois é na prática
cotidiana que os sujeitos ativos, professor e aluno, elaboram suas
aprendizagens, colocando-se numa tensão permanente e fecunda, num
caminho onde as duas forças podem querer construir juntas. Onde se busca
formar um elo entre um sujeito que pode aprender e um sujeito que quer
ensinar.
Para a educação, essas descobertas de Vygotsky representam um
grande avanço, uma vez que o conceito de zona proximal – aquilo que é zona
de desenvolvimento potencial hoje, com assistência, será desenvolvimento real
25
amanhã, com autonomia - possibilita, por exemplo, compreender a dinâmica
interna do desenvolvimento individual.
Essa base teórica vem corroborar a linha precípua do pensamento
exposto no presente trabalho, quando aponta para a busca de um ensino
universitário que proponha uma dinâmica interativa entre professor e aluno,
onde o formando atue como sujeito ativo na relação com o seu meio,
redimensionando contínua e incessantemente o mundo e a si próprio, num
processo de autoconstrução tanto no aspecto profissional quanto pessoal.
Considerações finais
Em tempos atuais, o educador precisa compreender cada vez mais as
relações entre biologia, psicologia e informática, com objetivo de desenvolver
contextos em que seus alunos aprendam de um modo cada vez mais eficiente.
A compreensão do funcionamento do cérebro humano, destacando-se
conceitos como o da plasticidade cerebral, aliada à contribuição dos estudos
da psicologia cognitiva, permite compreender melhor a dinâmica interna do
desenvolvimento individual, além de vislumbrar novas reflexões sobre os
processos de aquisição da aprendizagem, auxiliando o docente na sua prática
educativa.
26
CAPÍTULO III
Capítulo III – Novas formas de ensinar e aprender – Sociedade da
Tecnologia e Sociedade do Conhecimento
3.1 – A sociedade da informação e o saber volátil – o bem e o mal da
mídia
Sabe-se que as sociedades hoje dependem cada vez mais dos meios
cibernéticos em suas estruturas organizacionais. Até os países minimamente
desenvolvidos necessitam de instrumentos de informática para controle de
seus diversos setores de produção e de serviços.
No Brasil, nas recentes décadas, vimos crescer a demanda pelo Ensino
à Distância – as instituições de EAD – o que era previsível, já que o país tem
dimensões continentais e esse modelo vem atendendo às necessidades de
uma clientela que surgiu após melhoria social e econômica observada nos
últimos tempos.
Na sociedade do conhecimento, a “teleducação” comparecerá
provavelmente em todos os espaços educacionais, para melhor e por vezes
para pior. Apesar de sua extraordinária potencialidade, um dos pontos
negativos é a tendência ao instrucionismo, ou seja, a prática de processar
informação e repassá-la para frente. (Demo - 2000, p.137)
Essa tendência instrucionista, que de certa forma provém da discussão
em torno da inteligência artificial, tem como desafio descobrir a “aprendizagem
de teor reconstrutivo político”, fazendo aparecer em seu espaço, além da
informação, a formação. (Demo, p.137)
Embora pareça claro que o avanço tecnológico atinge inexoravelmente
os diversos setores educacionais, observa-se nas escolas brasileiras,
principalmente no ensino médio público, um processo de informatização
alienado do processo pedagógico. Muitas vezes servindo a objetivos político-
partidários, os programas governamentais são dispendiosos e visam a dar
popularidade aos seus mentores sem nenhum retorno qualitativo em relação à
aprendizagem de fato.
27
Ou seja, os programas são caros, não atendem integralmente aos
anseios da comunidade e não surtem efeitos relevantes em termos de avanços
na questão da qualidade da educação. Isso se deve, em parte, pelo
despreparo e/ou desinteresse dos profissionais da instituição em lidar com
essa nova linguagem no ambiente escolar; por outro lado, há uma
descontinuidade dos programas, já que sua manutenção muitas vezes
depende da permanência de seus gestores-mentores nas estruturas de poder.
Ainda que esse quadro se mostre em outros segmentos, seus reflexos
acabam atingindo a universidade, pois o aluno que vivenciou esse contexto
chega despreparado ao ambiente acadêmico, não que desconheça a
tecnologia, pois, mesmo fazendo parte de classe menos favorecida, o
interesse e acesso são grandes, seja em casa, em lan houses ou outros. A
grande questão é que muitos jovens não se instrumentalizaram da informática
enquanto ferramenta de aprendizagem, seja como pesquisa científica ou
educativa.
Demo explicita:
Seja como for, a pesquisa, tanto em sua versão
de princípio científico quanto na de princípio educativo,
não prescindirá dos meios cibernéticos. Tendência
relevante em marcha é apontada por Tapscott, ao
estudar a geração digital e seu gosto pela aprendizagem
em rede. Embora os críticos questionem este
entusiasmo, porque o computador serve, para a
juventude, mais de entretenimento do que ferramenta de
estudo, é possível vislumbrar que a aprendizagem em
rede poderá explodir as salas de aula. Não vai eliminar
as escolas, mas as vai transformar em laboratórios de
aprendizagem. (2000, p138)
Segundo Demo, essas “escolas-laboratórios” terão duas inovações
cruciais: quanto ao professor, passará a orientador, já que a missão de
reproduzir conhecimento será assumida pela instrumentação eletrônica;
quanto ao aluno, rejeitará o instrucionismo, exigindo condições efetivas de
aprendizagem autêntica, voltada para a habilidade inequívoca de reconstruir
conhecimento. (2000)
28
Demo aponta ainda série de inovações previsíveis, muitas delas já
realidade hoje: aprendizagem virtual, com orientação do professor tanto mais
necessária, porém feita à distância; pós-graduações organizadas sob forma de
teleducação e teses de mestrado e doutorado compostas em vídeo, filme, CD-
ROM ou qualquer outro veículo eletrônico; trabalho de equipes, com tendência
interdisciplinar em rede, de reconstrução sistemática de conhecimento,
propondo aprendizagem permanente, ampliando a oportunidade e o direito de
estudar, entre outras. Na sociedade do conhecimento, abusos como
espoliação indevida serão questionados, muitas vezes pelo próprio
mercado.(2000)
Em termos educacionais, a globalização atinge em cheio a
aprendizagem, com seus lados pertinentes e perversos: de um lado, a luta por
monopólios de software e hardware, dificultando a democratização da
informação; de outro, a comunicação corre solta pelo mundo, em redes como a
Internet.
Enquanto caminhamos para a sociedade do verdadeiro conhecimento, o
que temos hoje é o acesso irrestrito à informação, pelo menos como
disponibilidade. O problema é justamente a sobrecarga de informação, sua
baixa qualidade, sobretudo formativa, o que gera um “saber volátil”, de rápido
consumo, e ainda abusos em termos de intervenção e tendenciosidade.
No meio dessa profusão de informações produzidas pela sociedade
globalizada, que leva o aluno ao consumo de uma cultura visual em detrimento
de um saber formal necessário à sua formação acadêmica, o grande desafio
do professor é “filtrar” essas informações, desconstruindo esse falso saber,
sistematizando o conhecimento ideal e levando o aluno a refletir sobre a
realidade onde está inserido e o seu papel na sociedade.
O estudante universitário, assim como todo educando, enfrenta hoje
dois desafios cibernéticos: como não sucumbir ao entupimento da informação,
em particular daquela feita para desinformar. E como aprender de verdade,
sem ser o joguete de esquemas alheios que reduzem à reprodução. Diante
disso, “o currículo atual se tornará cada vez mais caduco, particularmente em
seu aspecto reprodutivo.” (Demo - 2000)
29
O que distingue os povos em desenvolvidos e subdesenvolvidos é,
sobretudo, esta relação muito desigual: uns poucos são os “donos” do
conhecimento, enquanto a grande maioria o reproduz.
Em 2000, Demo apontava:
Teremos acesso ao mundo da informação e do
conhecimento, como usuários, podendo participar
relativamente de seus avanços e disponibilidade, em
sentido global. (...) podemos seguir os passo das
inovações com grande detalhe. Esta é, entretanto, a
perspectiva de como somos influenciados, de como
recebemos a informação, de como podemos socializar
conhecimento. Trata-se de participar da dinâmica de
gestação do conhecimento e da informação, para que
nos seja possível manter a condição de sujeito.
Entretanto, essa condição de sujeito depende, a priori, de uma
consciência formada numa base crítica, comprometida com uma visão
transformadora e reconstrutiva, onde importa o ser, e não o ter. Não se trata de
assistir ao mundo da telinha do computador, mas contribuir de alguma forma
para a revisão e o resgate de valores, humanos e universais.
Para Demo:
O discurso cibernético da democracia facilmente
propaga o mesmo engodo da globalização, quando, sob
a cantilena de chances globalizadas, melhor repartidas,
sem fronteiras, esconde-se outra forma, tanto mais
severa, de discriminação. Na realidade, somente os
Estados Unidos são globalizados, porque globalizantes,
enquanto os outros países estão mais propriamente
“acuados”. (...). Em vez de olhar apenas de longe e se
contentar com os restos, (...) cabe ocupar os espaços
possíveis, pois para humanizar o mundo cibernético, é
preciso ocupá-lo. (Demo, 2000)
Embora as novas tecnologias midiáticas tragam uma aura de
democratização do conhecimento, o discurso da igualdade de oportunidades
precisa ser tomado com extrema cautela crítica. Mesmo com tudo mais prático,
30
mais barato e mais acessível, é fundamental observar que esta abertura é
direcionada pelo mercado, não pela cidadania. (Demo – 2000)
Considerações finais
Portanto, é possível incorporar as novas tecnologias a propostas
educacionais, desde que se as vejam como parceiras no processo de
desenvolvimento de projetos, ou ferramentas de produção e socialização de
pesquisa e conhecimento. Afinal, como já sinalizou Freire (2000), não se trata
de demonizar as tecnologias de ponta, nem tampouco nos deixar seduzir por
elas, mas nos aproximarmos com curiosidade epistemológica...
3.2 – As novas tecnologias, a EAD e a construção social da
cidadania
Formar para as novas tecnologias é formar o julgamento, o
senso crítico, o pensamento hipotético e dedutivo, as faculdades de
observação e de pesquisa, a imaginação, a capacidade de memorizar
e classificar, a leitura e a análise de textos e de imagens, a
representação de redes, de procedimentos e de estratégias de
comunicação (PERRENOUD, 2000).
Nas últimas décadas, as mudanças decorrentes da sociedade do
conhecimento se refletem em muitas áreas, destacando-se a inovação
tecnológica, os setores econômicos e produtivos e, também, os novos
paradigmas relacionados ao setor educacional.
As sociedades contemporâneas necessitam incorporar às instituições de
formação importantes componentes de sua cultura cotidiana. Quanto mais as
novas tecnologias de informação e comunicação se tornam um elemento
constante de nosso dia-a-dia, tanto na atividade profissional como nos
momentos de lazer, tanto mais elas têm, obviamente, que ser incluídas nos
processos escolares de aprendizado... O que importa é a questão: como e
quando as novas tecnologias devem ser incorporadas nas escolas.
(BAETHGE, 1989, apud Galvão 2008).
31
Mas essa apropriação das novas tecnologias na educação deve
fundamentalmente apontar para a formação de um indivíduo capaz de pensar
por si próprio e de produzir conhecimento. Essas tecnologias devem ser vistas
como ferramentas que estimulem o indivíduo a pensar de forma independente,
a pensar sobre sua forma de pensar e a aprender a aprender.
Baethge alerta que “só quem utiliza o computador como um meio
auxiliar para a formação independente de juízos, emprega-o corretamente e
com sucesso.” (1989 - ibdem)
É notório que o acesso a essas novas tecnologias ainda não é
majoritário no caso da realidade brasileira; entretanto, por outro lado, tudo leva
a crer que, assim como ocorreu com outras tecnologias (TV, vídeo etc.), este
acesso tende a se popularizar e massificar-se rapidamente. Esse raciocínio é
confirmado também por diversas políticas oficiais que visam ao barateamento
e o acesso de populações menos favorecidas às novas tecnologias, tanto na
educação como em outros setores da sociedade brasileira.
As novas TIC - Tecnologias de Informação e Comunicação - podem
ser aliadas poderosas na construção de ambientes de aprendizagem ricos, que
favoreçam o pensamento livre e autônomo do aluno. Dependendo da forma
como sejam utilizadas, podem ajudar a gerar as mudanças necessárias na
Educação e a construir um aluno consciente e eficaz no seu processo de
aprendizado.
Por isso, o domínio das TIC não deve ser um privilégio, mas sim um
direito daquele que se prepara para viver no futuro; e que ainda não perdeu a
ludicidade, o prazer e a alegria de penetrar no desconhecido em busca de
respostas. De acordo com Freire (1996, p. 52) um “saber inicialmente
apontado como necessário à formação docente” [...] é “saber que ensinar não
é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua própria
produção ou a sua construção”. Portanto, o professor precisa ser um elemento
do grupo que tenha uma visão crítica, libertadora da realidade. Visão esta que
permitirá organizar as práticas escolares, produzindo aprendizagem não
apenas intelectual, mas igualmente afetiva, ética, social, política; lembrando-se
que a mesma é decorrente das relações sociais que se estabelecem nela,
32
pois, como declara Freire (1996, p.67), “saber que devo respeito à autonomia e
à identidade do educando exige de mim uma prática em tudo coerente com
este saber”.
.
Entretanto, um aspecto levantado pelos críticos das TIC coloca-as como
fator de exclusão social, ao ressaltar que essas tecnologias, colocadas a
serviço do modelo econômico neoliberal e hegemônico, têm ampliado os
efeitos nefastos do capitalismo, causando um aumento significativo do
desemprego. (Galvão, 2008)
Mas, como faz notar Jane Kenway, “parece evidente que os poderes
hegemônicos conservadores sempre farão uso das novas descobertas e
tecnologias para o benefício dos seus interesses, segundo sua lógica injusta e
desigual.” Sempre fizeram isto em relação a outras tecnologias na história e
continuarão sempre tentando fazê-lo, também hoje. A grande novidade hoje é
que essas TIC possuem características particulares e especiais que
possibilitam utilizá-las, de forma eficiente, também contra esses poderes
hegemônicos, em oposição frontal a eles. (Kenway apud Galvão, 2008)
E isto já tem sido feito, mesmo que de forma tímida, em diferentes
frentes de ação: seja através da Educação, quando esta toma posse das
tecnologias para a formação de um cidadão crítico, com um pensamento livre e
criativo; seja através do caráter "anárquico" da Internet, onde as minorias e
maiorias oprimidas podem expressar livremente seus valores e necessidades,
o que lhes é barrado na grande mídia; ou ainda através das redes virtuais de
cooperação, informação, denúncia, fóruns, ou de outros espaços.
Mas, em relação à educação, coloca Perrenoud:
A verdadeira incógnita é saber se os professores
irão apossar-se das tecnologias como um auxílio ao
ensino, para dar aulas cada vez mais bem ilustradas por
apresentações multimídia, ou para mudar de paradigma
e concentrar-se na criação, na gestão e na regulação de
situações de aprendizagem (PERRENOUD, 2000).
33
Na verdade, não basta mudar o instrumento, sem mudar o movimento;
ou seja, é preciso que os atores sociais, e aí se coloca a universidade, que
deve estar na vanguarda das propostas, promovam uma verdadeira revolução
nas formas de interação das redes sociais, que passariam a integrar as redes
acadêmicas, na troca não só de informações, mas de conhecimento científico
com “utilidade social”.
E essa mudança significa tornar o aluno, cada vez mais, sujeito de seus
próprios processos. Mas não é possível restringir a reflexão e os processos
apenas ao nível da educação escolar. É necessário ampliar os
questionamentos em todos os setores a sociedade, com suas contradições e
complexidades. Por exemplo, mesmo com os avanços alcançados nos últimos
tempos na sociedade brasileira, com a utilização das TIC para com a
construção de paradigmas mais pluralistas e permeáveis à diversidade, ainda
fica como uma das grandes contradições internas e como um grande desafio
para o capitalismo hegemônico, esta imensa dívida social: a conquista do