UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS GRADUAÇÃO LATU SENSU IAVM PRISÃO PREVENTIVA Constituição e Mídia Por: Havine Santos Muri Rodrigues Orientador Prof. Francis Rajzman Rio de Janeiro 2011
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS GRADUAÇÃO LATU SENSU
IAVM
PRISÃO PREVENTIVA
Constituição e Mídia
Por: Havine Santos Muri Rodrigues
Orientador Prof. Francis Rajzman
Rio de Janeiro
2011
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS - GRADUAÇÃO LATU SENSU
IAVM
PRISÃO PREVENTIVA
Constituição e Mídia
Apresentação de monografia ao instituto A Vez do Mestre – Universidade Candido Mendes como requisito parcial para a obtenção do grau de especialista em Direito e Processo Penal.
Rio de Janeiro 2011
RESUMO
O presente trabalho se propõe a demonstrar a excepcionalidade da decretação da prisão
preventiva, esta será analisada sob dois aspectos: aplicação da prisão preventiva nos
limites constitucionais que a permite e a influência da mídia nos momentos de decretação
e revogação da mesma.
A escolha do tema tem como motivação não só os dados estáticos de que no Brasil, para
cada 3 (três) presos 1 (um) é preso provisório, mas a necessidade de exaltar a liberdade
como nosso bem maior e que para restringi-la, deve-se observar atentamente os limites
expressos na Constituição.
Para chegar a essa compreensão, o trabalho vem desencadeando, desde tempos passados
o papel da prisão preventiva, para melhor explicar sua função nos dias de hoje, tendo em
vista a Constituição de 1988 e o papel da mídia neste cenário, que é, como será
demonstrado ao longo do IV capítulo, o quarto poder do nosso Estado.
Palavras-chave: Prisão Preventiva, Constituição, Mídia e Liberdade.
RESUMO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
The present work considers to demonstrate the excepcionality of the decreement of the
preventive custody, this will be analyzed under two aspects: application of the preventive
custody in the constitutional limits that allow it and the influence of the media at the
decreement moments and revocation of the same.
The choice of the subject has as motivation not only the static data that in Brazil, for each
3 (three) imprisoned 1 (one) is imprisoned provisory, but the necessity to demonstrate
freedom as our biggest conquest and for restrict it, it must intently be observed the
expressed limits in the Constitution.
To obtain this understanding, this work is unchaining, since last times the paper of the
preventive custody, to better explain its function nowadays, in view of the Constitution of
1988 and the paper of the media in this scene, that is, as it will be demonstrated
throughout chapter IV, the fourth power of our State.
Key words: P reventive Custody, Constitution, Media and Freedom.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 1
1. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PRISÃO PREVENTIVA ................................. 4
1.1. ORIGEM DA PRISÃO PREVENTIVA ................................................................ 4
1.2. HISTÓRICO NO SISTEMA JURÍDICO PÁTRIO ............................................... 5
2. A PRISÃO PREVENTIVA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ................... 9
2.1. ESTADO E CONSTITUIÇÃO ........................................................................... 9
2.2. PRÍNCIPIOS CONSTITUCIONAIS LIGADOS AO DIREITO PROCESSUAL PENAL.................................................10
2.2.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA..............................10
2.2.2 PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE...................................................12
2.2.3 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL...........................................13
2.2.4 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA..........................14
2.2.5 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA........................................15
2.2.6 PRINCÍPIO DA FUNDAMENTAÇÃO.........................................................16
2.3 DIREITOS DO INDICIADO PRESO...............................................................17
3. PRISÃO PREVENTIVA............................................................................................20
3.1 FUNDAMENTO.................................................................................................21
3.2 MOMENTO PARA A DECRETAÇÃO..............................................................21
3.3 PRESSUPOSTOS.................................................................................................23
3.4 LEGITIMIDADE PARA REQUERER E DECRETAR
A MEDIDA CAUTELAR....................................................................................24
3.5 CIRCUNSTÂNCIAS QUE AUTORIZAM A PREVENTIVA.......................... 24
3.6 HIPÓTESES LEGAIS.........................................................................................27
3.7 PROBIÇÃO DA DECRETAÇÃO...................................................................29
3.8 FUNDAMENTAÇÃO E RECURSO...............................................................29
4. A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES JUDICIAIS
DE DECRETAÇÃO E REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA........31
4.1 A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO PODER JUDICIÁRIO.............................31
4.2 A PRISÃO PREVENTIVA E A MÍDIA........................................................ 33
4.3 MÍDIA, PRISÃO E ESTIGMATIZAÇÃO.....................................................36
4.4 A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NOS PRINCIPAIS ATORES
DO PROCESSO..............................................................................................38
4.5 MÍDIA E DEMOCRACIA.............................................................................40
5. CONCLUSÃO.....................................................................................................42
INTRODUÇÃO
A liberdade é um dos direitos fundamentais do homem, natural que a Constituição
a proteja. Mas a liberdade não é o direito de alguém fazer o que bem entende, mas sim o
de fazer o que a lei não proíbe, pois nos parece claro que a liberdade não pode ser
desenfreada, uma anarquia, pois dessa forma chegaríamos ao caos.
Existem pelo menos quatro tipos de prisões em nosso sistema jurídico: flagrante,
temporária, definitiva e preventiva. Atentaremos-nos ao último tipo, pois ela conduzirá o
presente trabalho.
Em rigor toda prisão que anteceda a uma condenação definitiva é preventiva,
porém falaremos sobre a modalidade de prisão cautelar que visa restringir a liberdade
determinada pelo Juiz, ou seja, a prisão preventiva, que está regulada no Código de
Processo Penal, nos artigos 311 a 316.
De certo existem muitas críticas à prisão que antecede à condenação, mas ainda
assim todas as legislações a admitem como um "mal necessário". E a nossa legislação
não é diferente, tanto é que nossa Lei Maior a reconhece como uma necessidade para
assegurar o império efetivo do Direito Penal, mas impõe limites.
Quando falamos em ser humano, em individualidade e em sociedade, não
podemos deixar de falar, também, no lema Liberdade, Igualdade e Fraternidade usado na
Revolução Francesa, em 1784, o qual retratava que os homens nascem e permanecem
livres e iguais nos direitos. A liberdade é considerada um direito natural. Depois da vida,
é a liberdade nosso maior bem. Esta é a regra: liberdade do ser humano. O Estado tem
como dever garanti-la, dessa forma, os atores do processo criminal devem respeitar
integralmente os preceitos constitucionais para vir a requerer ou decretar a prisão
preventiva.
Este trabalho monográfico compõe-se por quatro capítulos: O primeiro capítulo
cujo título é “Evolução Histórica da Prisão Preventiva”, se subdivide em dois sub-
capítulos: “Origem da Prisão Preventiva” e “Histórico no Sistema Jurídico Pátrio”. O
primeiro vem apresentar uma ligeira, mas informativa história da prisão preventiva no
mundo, onde pudemos constatar que a prisão preventiva é muito antiga, mais até que a
prisão como forma de pena. No segundo tópico, abordei a história dentro do sistema
jurídico pátrio, onde se pode constatar oscilações entre progressões e regressões do
instituto em relação aos direitos fundamentais. O segundo capítulo, intitulado como
“Prisão Preventiva na Constituição Federal de 1988”, se divide três sub-capítulos:
“Estado e Constituição” e “Princípios Constitucionais ligados ao Direito Processual
Penal” e “Direitos do indiciado Preso”. O primeiro aborda de forma geral, o papel do
Estado em garantir e proteger os direitos dos cidadãos previstos na Constituição. O
segundo vem detalhando quais são os principais direitos que o Estado deve garantir aos
cidadãos, levantando os mais importantes princípios do artigo 5º da Constituição de 1988
relacionados ao tema. Os incisos abordam dentre outros, os Princípios da Dignidade da
Pessoa Humana, da Proporcionalidade, do Devido Processo legal, do Contraditório e
Ampla Defesa, da Presunção de inocência etc. Após a apresentação dos referidos incisos,
se torna claro que a Magna Carta permite restrições à liberdade, mas dentro dos limites
do indispensável. Já o terceiro da um enfoque aos direitos, também contidos no artigo 5º,
dos indiciados presos, seja por prisão em flagrante, temporária ou preventiva, o fato é que
o desrespeito a esses direitos conseqüentemente acarretará no desrespeito aos princípios
citados. O terceiro capítulo vem tratar da Prisão Preventiva em si, se divide em vários
tópicos, são eles: fundamentos, pressupostos, quem pode requerer e decretá-la, hipóteses
legais, fundamentação e recurso. Esse capítulo se mostra de forma bem descritiva, pois
apenas apresenta a prisão preventiva sem problematizá-la, ficando essa questão para o
último e quarto capítulo que tem como título, “A influência da Mídia nas Decisões
Judiciais de Decretação e Revogação da Prisão Preventiva”. Esse último capítulo se
divide em quatro tópicos, que são: “A Influência da Mídia no Poder Judiciário”, “Mídia,
Prisão e Estigmatização”, “A Influência da Mídia nos Principais Atores do Processo” e
“Mídia e Democracia”. O primeiro tópico vem demonstrar que a mídia através de seu
discurso político manipula e distorce a realidade se mostrando, praticamente, como um
quarto poder do Estado. Além de explicitar de que maneira todo esse poder recai sobre o
poder judiciário. O segundo tópico, traz à tona uma das piores conseqüências do poder
arbitrário da imprensa, que sem dúvida é a estigmatização causada ao acusado, pois ainda
que este venha a ser absolvido, os danos do encarceramento provisório se tornam
irreparáveis na maior parte das vezes. O terceiro tópico pode ser considerado
conseqüência dos fatos ocorridos no primeiro tópico, pois quando se afirma a influência
da mídia no poder judiciário, se afirma que os atores do processo, promotores, juizes,
desembargadores, estão cedendo a opinião pública ao invés de zelar pelos direitos
fundamentais e o terceiro tópico mostra também de que maneira isso afeta a sociedade. O
quarto e último tópico salienta a relevância dos meios de comunicação no Estado
Democrático de Direito, mas também exalta a necessidade de uma imprensa livre
comprometida com os valores democráticos, passando informações verdadeiras sem que
para isso forme opiniões.
1. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PRISÃO PREVENTIVA
1.1. ORIGEM DA PRISÃO PREVENTIVA
Desde os tempos mais remotos da humanidade, o que encontramos na nossa
trajetória histórica são grupos humanos, e não indivíduos isolados e, dentro desses
grupos, desde logo, regras de comportamento social. A vigência das regras resultava do
hábito e a sua obrigatoriedade estava assentada no temor religioso ou mágico. Nessas
formas primárias de comunidade, por óbvio, não existia um órgão que exercesse a
autoridade coletiva. Os grupos sociais se formavam e se regravam com total ausência do
Estado.
Sabe-se, como afirma João Mendes de Almeida Jr.1, que há notícia da existência
da prisão cautelar na legislação ática, que na legislação mosaica, não havia prisão
preventiva, salvo nos casos de flagrante, que na Grécia, existia a prisão preventiva
cabendo até liberdade provisória e em Roma, o acusado para responder em liberdade,
deveria prestar fiança com indicação de fiadores idôneos.
As primeiras leis que surgiram nas sociedades primitivas foram leis penais
embora a idéia de prisão como pena criminal não existisse no pensamento dos homens.
Como afirma Maria Ignez Baldez Kato2:
Não havia, até então, a pena privativa de liberdade como sanção principal. Consta que a privação da liberdade surgiu como função cautelar no Direito Romano, sendo a pena definitiva voltada para o exílio-segregação e para a escravização-acorrentamento.
É como observa Tornaghi3, citado por Maria Ignez, acerca da utilidade do cárcere
como providência cautelar:
1 ALMEIDA JR.,João Mendes de. O Processo Penal Brasileiro. Volume I, ed. Laennert, 1901. 2 BALDEZ Kato., Maria Ignez Lanzellotti. A (Des)Razão da Prisão Provisória. ed. Lumen Júris, 2005. 3 TORNAGHI. Manual de Processo Penal. Prisão e Liberdade. 1º Volume. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1963, p. 194.
...destinado a assegurar a presença do acusado, evitar-lhe o conluio com outros acusados e impedir que ele destruísse os vestígios do crime, corrompesse ou intimidasse testemunhas, peritos juízes ou perturbasse a ordem.
No final do século XVIII a pena corporal chega ao seu fim, surgindo à idéia de
prisão como pena. Nascem, então, os chamados sistemas penitenciários, baseados na
segregação e no silêncio, com o objetivo de regenerar o indivíduo. Marcando uma época
mais “racional e humanista”.
Como afirmado anteriormente, a prisão como forma de apenamento é
relativamente recente, porém é bem verdade que a prisão preventiva é tão antiga quanto à
humanidade, tinha como fim especial manter os acusados no distrito da culpa para,
posteriormente, processá-los e aplicar-lhes as punições, que quase sempre eram
desumanas, como a morte, o açoite, mutilações, o arrastamento e outras.
Conclui-se, destarte, que, na sua origem mais remota, a prisão tinha apenas um
caráter provisório e instrumental, conforme esclarece Basileu Garcia, citado em Fernando
da Costa Tourinho Filho, Processo penal, volume 3:
Outrora, o aprisionamento só era usado para evitar a fuga dos réus. Não passava, pois, de medida processual, equivalente à atual prisão preventiva4.
1.2. HISTÓRICO NO SISTEMA JURÍDICO PÁTRIO
O instituto da prisão preventiva passou por diversas transformações ao longo dos
anos no sistema jurídico pátrio. Na época do Brasil colonial, era permitido ao magistrado
decretar a prisão preventiva do cidadão nos casos mais graves, e se houvesse necessidade
para segurança da instrução ou eventual execução da pena.
Com o passar dos anos, influenciado pelas idéias revolucionárias advindas da
França, a liberdade consolidou-se como fundamento basilar de salvaguarda dos direitos 4 Basileu GARCIA.Preservação da liberdade no anteprojeto do Código Penal. Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, 4/77.
do cidadão perante possíveis arbitrariedades do Estado. Assim, no Brasil imperial,
influenciado pela revolução francesa, a decretação da prisão preventiva consolidou-se
frente ao seu caráter prioritariamente cautelar, harmonizando-se com os princípios da
Legalidade, Ampla Defesa, Devido Processo Legal entre outros. A Declaração dos
Direitos do Homem e Cidadão, diploma que marcou essa nova fase da ingerência estatal
na vida dos cidadãos, estabeleceu em seu artigo 9º que:
Artigo 9º - Todo homem, sendo presumido inocente, até que seja declarado culpado, se for decidido que é indispensável prendê-lo, todo rigor que não seja necessário para a segurança de sua pessoa deve ser severamente reprimido pela lei.
Seguindo influências internacionais, a Constituição Imperial de 1824 dispôs nos
parágrafos 9º e 10 do artigo 179 as possibilidades dos casos de restrição da liberdade
individual, restringindo este a poucos casos. Tal entendimento foi seguido pelo legislador
ordinário que, no Código de Processo Criminal atribuiu ao juiz o poder de julgar sobre a
conveniência ou não da excepcional medida.
Com a proclamação da República e a promulgação da Constituição em 1891
outorgaram-se aos Estados - Membros a competência para legislarem sobre matéria
processual, ou seja, permitiu-se que cada Estado elaborasse seu próprio código de
processo, perdendo, assim, a uniformidade da matéria processual no território brasileiro.
Dentre os Códigos que surgiram o que se destacou foi o Gaúcho. Assim ditava o
artigo 194 desse diploma:
Artigo 94 - A ordem de prisão preventiva deve ser expedida: a) no caso de homicídio e lesão corporal gravíssima, salvo se estes fatos são justificáveis ou cometidos casualmente; b) nos atentados à propriedade quando as penas excedam de quatro anos de prisão celular; c) o indiciado, durante a formação da culpa, pratica novo delito, ameaça a parte ofendida ou tenta corromper ou intimidar as testemunhas.
A medida foi logo declarada inconstitucional, pois não se conciliava com a
legislação federal no assunto das restrições à liberdade individual. Desde então o direito
brasileiro vem respeitando o princípio de que a prisão preventiva é um mal necessário e
deve ser decretada, exclusivamente, em casos excepcionais.
Por volta de 1930 surgiu o Código de processo penal italiano trazendo entre outras
novidades a prisão preventiva compulsória para os delitos contra a personalidade do
Estado, homicídio consumado ou tentado e etc.
A Constituição brasileira de 1934 aboliu a competência dos Estados-Membros
para legislarem sobre matéria processual, e tratou de elaborar um novo diploma
processual penal que veio em 1941 (atual código de processo penal). E como explica
Fernando da Costa Tourinho Filho5:
Manifesta foi a influência que, o diploma peninsular exerceu sobre seus elaboradores. E a tal ponto chegou essa influência que, desprezando todo um passado de repúdio à prisão preventiva compulsória, foi ela introduzida no Direito pátrio, para não se perder o velho hábito de trazer para o terceiro mundo as novidades da Velha Europa...
O fundamento desta prisão preventiva compulsória, de certo não foi com receio de
burla à instrução criminal nem por garantia de ordem pública, mas sim ante o receio de
subtração da execução de um possível decreto condenatório. Logo seu fundamento era o
periculum in mora, ou seja, o perigo da insatisfação da pena. E todas às vezes em que
estavam satisfeitos os pressupostos da prisão preventiva compulsória, o juiz era obrigado
a decreta-la.
Ressalta-se que o legislador não fez distinção em relação a periculosidade do
acusado, perigoso ou não, praticando um delito com reclusão por tempo, no máximo,
igual ou superior a dez anos, o cidadão seria preso preventivamente, se houvesse prova da
existência do crime e indícios da autoria.
Desde então, até 1967 havia no direito brasileiro duas espécies de prisão
preventiva strictu senso: a obrigatória (compulsória) e a facultativa. A obrigatória era
aquela imposta pela lei, desde que satisfeitos os pressupostos genéricos específicos. Onde
os pressupostos genéricos eram fundados na prova da existência do crime e indícios
suficientes de autoria e já o específico, era a pena cominada ao crime que fosse de
reclusão por tempo, no máximo, igual ou superior a 10 anos. Assim, preenchendo os
5 TOURINHO, Fernando da Costa. Processo Penal. V. 3º. ed. Saraiva, 2005.
requisitos o juiz era obrigado a decretar a prisão, a linguagem da lei dispensava qualquer
interpretação, dizia o artigo:
Artigo 312 - A prisão preventiva será decretada nos crimes a que for cominada a pena de reclusão por tempo igual ou superior a dez anos.
Havia também outra modalidade de prisão preventiva, a denominada facultativa
criada em oposição à preventiva compulsória ou obrigatória. Com o desaparecimento
dessa última não houve necessidade da manutenção do nome, até porque “facultativa” dá
a falsa idéia de que esta modalidade ficaria subordinada exclusivamente à vontade do
Juiz, o que não é verdade.
Logo, não se pode, hoje falar em obrigatória nem facultativa. Não é obrigatória
porque a lei não impõe ao Juiz o dever de decretá-la e não é facultativa porque não fica
condicionada à vontade do Magistrado.
E foram as leis 5.349 de 3/11/1967 e 8.884 de 11/06/1994 que vieram dar nova
fisionomia ao instituto, acabando com essa distinção e transformando o artigo 312 para o
que é hoje, como veremos no texto legal apresentado em Capítulo específico sobre a
prisão preventiva.
2. A PRISÃO PREVENTIVA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
2.1. ESTADO E CONSTITUIÇÃO
O devido processo penal justo é a garantia constitucional que todo e qualquer
indivíduo, tem de que, só em casos excepcionais, será privado de sua liberdade de
locomoção. O fracasso do Direito Penal, com suas normas proibitivas, buscando impedir
a agressão do indivíduo à sociedade, bem como, a impossibilidade do Estado-
administrador de auto-executar suas normas de conduta, exercendo seu poder de polícia,
impedindo a lesão de bens jurídicos penalmente protegidos, faz nascer à pretensão
processual penal com o escopo não só de aplicar as sanções descritas nas normas penais
violadas, mas, primordialmente, assegurar ao indivíduo-acusado os direitos previstos na
Constituição de seu País.
O Estado tem o dever de recompor a ordem jurídica violada, mas ao mesmo
tempo, o dever de conceder ao agressor da norma os direitos previstos na Lei
Fundamental que lhe serve de garantia contra os possíveis abusos do poder estatal.
Claus Roxin, assegura:
“com a aparição de um direito de persecução penal estatal, surgiu também, a sua vez, a necessidade de erigir barreiras contra a possibilidade de abuso do poder estatal. O alcance desses limites é, por certo, uma questão da respectiva Constituição do Estado”6.
O processo penal assim tem uma função garantista dada ao cidadão de que todos
os direitos previstos na Constituição lhe serão assegurados, pois de nada adianta,
assegurar-lhe o direito de ampla defesa como todos os meios e recursos a ela inerentes
(artigo 5º, inciso LV, Constituição Federal de 1988) se a sanção penal lhe foi aplicada de
forma abusiva e inconstitucional.
6 ROXIN, Claus. Introdução ao Direito Penal e ao Processo Penal, ed. Del Rey internacional, 2007.
Ocorre que, em muitos casos, a prisão preventiva tem se tornado um instrumento
de terror, restringindo a liberdade dos indivíduos sem que se assegure princípios
constitucionais basilares do Estado Democrático de Direito, fazendo da exceção a regra.
Para que isto não ocorra, faz-se necessário repensá-la, para que o Estado não se torne um
agente meramente punitivo.
Desta forma, a prisão preventiva deve ser decretada apenas quando estiverem
preenchidos os seus requisitos básicos, fazendo com que esteja em harmonia com o
previsto na Lei Maior, respeitando os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.
2.2. PRÍNCIPIOS CONSTITUCIONAIS LIGADOS AO DIREITO PROCESSUAL
PENAL
A Magna Carta permite restrições à liberdade, dentro dos limites do
indispensável, cercadas de reais garantias para que se evitem extralimitações do Pode
Público, daí os direitos consagrados no artigo 5º, nos incisos: III, XLIX, LVII, LIV, LV,
LXI, LXII, LXIII, LXV e LXVI.
Os Princípios Constitucionais processuais possuem forte elo que os une, de forma
que se afigura difícil identificar especificamente a que garantia processual se refere,
porém, por uma opção metodológica, os dividiremos em tópicos. como será demonstrado
adiante.
2.2.1. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
inciso III - Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento
desumano ou degradante;
inciso XLIX - E é assegurado aos presos o respeito à integridade
física e moral.
Os referidos incisos, III e XLIX, tratam do Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana, que com o iluminismo ganhou uma dimensão mais racional e passou a irradiar
efeitos jurídicos, sobretudo sob influência do pensamento de Immanuel Kant. O homem
passou a ser compreendido por sua natureza racional e com capacidade de
autodeterminação.
A Constituição Federal de 1988 elevou o referido princípio a um dos fundamentos
da República e, não, como direito fundamental previsto no artigo 5º. Neste sentido,
leciona o doutrinador Luis Gustavo Grandinetti Castanho e Carvalho7:
Isso não quer dizer que, segundo a óptica orgânica, o princípio não seja um direito fundamental: ele é um direito fundamental, mas, além disso, é um dos fundamentos do Estado.
Devido a sua extrema importância, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
reflete-se tanto na esfera penal como na esfera processual. O desenvolvimento histórico
do direito processual demonstra a existência de três sistemas de processo bastante
distintos: o acusatório, o inquisitivo e o misto.
O sistema acusatório inicialmente vigorou até o século XII, foi objeto de críticas
por dificultar a apuração da verdade. E a partir do século XII, o sistema acusatório
começou a ceder lugar ao sistema inquisitivo, que por sua vez obteve fortes críticas, pela
tortura comumente usada, as provas de águas ferventes, de ferro em brasa, práticas
intoleráveis que demonstravam o absoluto descompromisso com a verdade e a justiça.
Por volta do século XVIII, começaram a surgir os primeiros sinais de revolta a
esse estado de coisas e a personalidade do indivíduo passa a ser compreendida, no dizer
de Mezger8, citado em Luis Gustavo Grandinetti, como: “um valor próprio com própria
independência”.
Mas a evolução do direito processual não ficou restrita a esse período, no século
XIX, se iniciou a teorização da concepção do processo como relação jurídica em que o
acusado, tanto quanto o autor da ação passa a ser reconhecido como sujeito de direitos.
Ou seja, foi o reconhecimento de que o acusado deixou definitivamente de ser objeto do
processo para ser sujeito da relação processual, em igualdade de condições em relação ao
7 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo Penal e (em face) Constituição. Ed.Lumen Juris, Rio de Janeiro:2004. 8 Derecho Penal, vol. 2, Editorial Revista de Derecho Privdo, 1993, p. 387.
autor da demanda.
Logo, está assegurado constitucionalmente pelo princípio da dignidade, um direito
processual que confira ao acusado o direito a ser julgado de forma legal e justa, um
direito a provar, contraprovar, alegar e defender-se de forma ampla.
Hoje, diante da Constituição Federal de 1988, seria inconstitucional a adoção de
um sistema processual em que o pólo passivo da relação voltasse a ser um mero
expectador da instrução processual e do próprio julgamento.
2.2.2. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
O princípio da proporcionalidade é um princípio geral do direito, que em sentido
amplo obriga o operador do direito a alcançar o justo equilíbrio entre os interesses em
conflito.
É de se destacar o fato de que o princípio da proporcionalidade não encontra
guarida expressa na Constituição Federal brasileira, apesar de que esta circunstância não
impede seu reconhecimento, pois assim dispõe o parágrafo 2º do artigo 5º:
Artigo 5º, §2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Entretanto, para melhor explicá-lo e aplicá-lo, a doutrina e jurisprudência
estabeleceram alguns requisitos e pressupostos de aplicabilidade, como afirma o
professor Luis Gustavo Grandinetti:
Para obviar as críticas de que o princípio era por demais vago, a doutrina e a jurisprudência estabeleceram-lhe nítidos contornos, identificando-lhes os pressupostos e requisitos.
Os pressupostos são: a legalidade e a justificação teleológica. Leciona o professor
supracitado acerca dos pressupostos:
Pelo pressuposto da legalidade decorre que não pode existir restrição processual sem que esteja previsto em lei. E o pressuposto o da justificação teleológica limita a aplicação de qualquer restrição aos
fins objetivados pela lei que a instituiu, ou seja, a restrição deve estar vinculada à proteção de outro interesse jurídico, fim primeiro de qualquer atividade legislativa.
Os requisitos subdividem-se em duas modalidades: os extrínsecos e os intrínsecos.
O primeiro requisito refere-se a judicialidade (requisito subjetivo) e a motivação
(requisito formal).
A judicialidade consiste na idéia que somente um órgão investido na função
jurisdicional pode determinar restrições processuais aos direitos fundamentais. E a
motivação que significa basicamente mencionar o dispositivo legal aplicável ao caso
concreto e relacionar os fatos que concretamente levaram à aplicação daquele dispositivo
legal. Vale ressaltar que sem a motivação não há devido processo legal, pois a
fundamentação surge como meio interpretativo da decisão para que esta possa ser
impugnada.
Os requisitos intrínsecos são constituídos por subprincípios, sendo eles, a
adequação, a necessidade e a proporcionalidade em estrito, dispostos abaixo:
§ Princípio da adequação: Consoante este princípio, a atividade do poder público deve ser apropriada para a consecução dos objetivos pretendidos pela Constituição Federal.
• Princípio da exigibilidade ou da necessidade: Este princípio determina que o Estado deve sempre escolher o meio igualmente eficaz e menos oneroso para o cidadão.
• Princípio da proporcionalidade em sentido estrito: Exige que o Estado procure sopesar as vantagens e desvantagens da medida tomada, e, assim, decidir pela tomada ou não do ato. Este princípio só deverá ser analisado após a observância dos dois outros anteriormente mencionados, pois, as vezes, apesar de a medida ser adequada e exigível, poderá não ser proporcional em sentido estrito.
Conforme destaca Gilmar Ferreira Mendes9, apontando decisão do Tribunal Constitucional Alemão:
Os meios utilizados pelo legislador devem ser adequados e exigíveis à consecução dos fins visados. O meio é adequado se, com a sua utilização, o evento pretendido pode ser alcançado; é exigível se o legislador não dispõe de outro meio eficaz, menos restritivo aos direitos fundamentais.
Logo, este princípio é de suma importância na medida em que existem ocasiões em que há conflito entre princípios, ou entre eles e regras, e o princípio da proporcionalidade pode ser usado como critério para solucionar da forma mais conveniente tal conflito, ao balancear a medida em que se aceita prioritariamente um e desatende o mínimo possível o outro princípio.
2.2.3. DEVIDO PROCESSO LEGAL
Inciso LVI - Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
O inciso LIV do artigo 5° da Constituição Federal consagra o Princípio do Devido
Processo Legal, que por sua largueza de significados pode englobar vários outros
princípios e que, explica melhor o professor Barbosa Moreira10, citado em Luis Gustavo
Grandinetti:
Seria como uma norma de encerramento, se porventura os demais princípios não forem suficientes para resguardar determina garantia processual não prevista de modo expresso na lei. Assim, os princípios do contraditório, da ampla defesa, da publicidade, da motivação, do juiz natural constituem aspectos complementares do devido processo legal.
A importância da aplicação prática do devido processo legal está em se discutir, à
luz da proporcionalidade, a conveniência das custódias cautelares, como as prisões,
temporária, preventiva, provisória, decorrentes de flagrantes e de sentença condenatória.
9 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: Aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva 1990. p.41. 10 MOREIRA LIMA NETO, Jose Henrique Barbosa. A Inconstitucionalidade da Lei de Comunicações Telefônicas, in Internet, vol. 2, nº 15, novembro de 1996.
A manutenção dessas formas de prisão só se admite no limite exato do devido processo
legal (princípio da proporcionalidade).
2.2.4. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA
Inciso LV - Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes.
O inciso LV do artigo 5° da Constituição Federal trata dos Princípios do
Contraditório e da Ampla Defesa, que perfazem uma mesma garantia processual, pois
não pode existir ampla defesa sem contraditório e vice-versa. O réu tem o direito de
exercer a defesa, em processo criminal, por meio de profissional habilitado, e por defesa
entende-se, possibilidade de contraditar as provas produzidas, tomar conhecimento das
alegações da parte contrária, contra-alegar e tomar ciência dos atos e decisões judiciais
para poder impugná-los.
Torna-se claro com estes princípios, que, se há direito de ação, para o autor, há
também direito à defesa para o réu. Considerando que o processo é hoje entendido como
instrumento de garantia constitucional, e a garantia de defesa importa em garantia ao
processo, ou seja, garantia da regularidade do processo, de seus atos e de seus prazos.
2.2.5. PRESUNÇÃO DE INOCENCIA
Inciso LVII - Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
O inciso LVII do referido artigo preceitua o Princípio da Presunção da Inocência.
Dessa forma, Constituição Federal proibiu que o acusado fosse considerado culpado antes
de sentença judicial transitada em julgado, mas de outro lado previu e manteve as
medidas cautelares de prisão, como o flagrante e a prisão preventiva.
Assim, só pode existir prisão, além das hipóteses de flagrantes expressamente
admitidas na Constituição, naqueles casos em que o juiz para decretá-la tendo de buscar
fundamento no fumus boni iuris e no periculum in mora, residentes no artigo 312 do
CPP. Então, prisão decorrente da sentença condenatória recorrível e decorrente de
sentença de pronuncia não são constitucionalmente admitidas.
O Princípio da Presunção de Inocência pode ser utilizado para reforçar a idéia de
ampla defesa e sustentar a derrogação dos artigos 393, 408, § 1º e 594 do Código de
Processo Penal, todos que autorizam o recolhimento do réu obrigatoriamente ao cárcere
para que possa recorrer.
Em relação ao inciso I do artigo 393 do CPP, há uma revogação pelo princípio da
presunção de inocência, que reclama o trânsito em julgado, quanto a ser o réu conservado
na prisão não há qualquer alteração, pois se o réu está preso, aqueles motivos que
determinaram sua prisão ficam mais reforçados com a prolação de sentença condenatória
mesmo recorrível.
O § 1º do artigo 408 permite que na sentença de pronúncia, o juiz determine a
captura do réu, mas como visto antes, os títulos que legitimam a prisão são a
cautelaridade e a pena.
O artigo 594 proíbe ao réu apelar sem recolher-se à prisão, salvo primário e de
bons antecedentes, ou se puder prestar fiança ou livrar-se solto.
Ada Pellegrini Grinover11 tem em seu raciocínio, particularidades interessantes
sobre a revogação deste artigo, ela entende que:
a prisão decorrente de sentença penal condenatória recorrível é uma prisão sem motivação, pois não encontra apoio nos pressupostos da prisão cautelar e nem mesmo está o Magistrado obrigado a fundamentá-la. E sem motivação, prisão acaba por contrariar o devido processo legal, já que a presunção de inocência estaria sendo mitigada sem a cognição judicial acerca da sua necessidade e sem possibilidade alguma do réu demonstrar sua necessidade.
2.2.6 – PRINCÍPIO DA FUNDAMENTAÇÃO
Inciso LXI - Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.
O disposto no inciso LXI do artigo 5° da CF nos traz a exigência de ordem escrita 11 Simpósio de Direito Penal e Processual Penal, 1990, RJ, promovido pelo instituto de Estudos Jurídicos, palestra não publicada.
e fundamentada de autoridade competente, o que é uma garantia ao cidadão, evitando,
desse modo, o arbítrio e os excessos dos órgãos agentes do Estado.
No caso da prisão em flagrante, a Constituição emprega a expressão no sentido
tradicional, ou seja, “é aquele delito que se vê praticar”. Se quem cometeu o delito não
consegue afastar de si as circunstâncias imediatas que importem convicção de ter sido o
autor, se encontra em estado de flagrância.
Sobre prisão em flagrante, afirma Tourinho Filho12, se justifica como salutar
providência acautelatória da prova da materialidade do fato e da respectiva autoria, por
tanto, de natureza cautelar.
Numa perspectiva mais progressista e crítica, leciona a professora Maria Ignez
Baldez Kato13:
A prisão em flagrante é um instrumento da prisão preventiva, razão pela qual possui natureza pré-cautelar, sendo considerada precária pela ausência de motivação judicial.
A maior parte da doutrina, assim como o ilustre Tourinho Filho, entende a prisão
em flagrante como cautelar, mas, junto à grande professora Maria Ignez, encontram-se
outros professores e doutrinadores defendendo a idéia da pré-cautelaridade dessa
modalidade de prisão.
Cumpre ressaltar que a questão dos artigos 393, 408 §1º e 594 do CPP, o texto dos
referidos artigos, vai contra não apenas a este inciso do artigo 5º, como também contra os
incisos que falam dos princípios do contraditório e presunção de inocência, como já
explicado acima.
Vale lembrar que as hipóteses de prisão apresentadas nos artigos acima, podem
12 Obra citada 13 Obra citada.
ser vistas como um caso de prisão automática, sem fundamentação pertinente, uma vez
que para apelar de sentença de primeira instância o acusado teria que recolher-se à prisão,
por exemplo. Aceitar este artigo seria “criar” um pré-requisito para que o acusado
exercesse seu direito ao contraditório, coisa que a Constituição não determina. Assim, os
referidos artigos encontram-se irremediavelmente revogados pela Constituição.
2.3 -DIREITOS DO INDICIADO PRESO
Inciso LXII - A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.
No inciso LXII, a obrigação de comunicar qualquer pessoa é formalidade
essencial ao auto de prisão em flagrante, ou seja, não havendo a comunicação ao juiz, à
família do preso ou a pessoa por ele indicada é nulo, a prisão é ilegal e deve ser relaxada.
Importante inovação consiste na norma do artigo 7º, número 5 da Convenção
Americana sobre direitos humanos, que determina a apresentação do preso, sem demora,
à presença do juiz. A falta de previsão nesse mesmo sentido em norma de direito interno
não é óbice para a plena aplicabilidade da medida. Assim, quando da decretação da prisão
temporária, por exemplo, por 30 ou 60 dias, o juiz deve determinar a apresentação e a
oitiva do preso sobre a sua prisão.
Inciso LXIII - O preso será informado de seus direitos, entre os quais
o de permanecer calado, sendo lhe assegurado à assistência da família
e do advogado.
Consagrou a Constituição no inciso LXIII o direito ao silêncio do preso, e este
silêncio não pode nunca gerar condenação penal, pois se a confissão do réu precisa ser
confirmada por outras provas, o mesmo deve ocorrer com o silêncio. Como afirma
Tourinho Filho14:
E ninguém pode impedir-lhe o exercício desse direito e muito menos
14 Obra citada
ameaçá-lo, sob a alegação e que seu silêncio poderá prejudicar-lhe a
defesa. Do contrário a defesa não estaria sendo ampla.
Vale ressaltar que Supremo Tribunal Federal decidiu que a inobservância da
advertência quanto aos direitos constitucionais do preso só o nulifica se houver prejuízo.
Inciso LXV - A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela
autoridade judiciária.
O inciso LXV estabelece o dever do juiz relaxar a prisão ilegal, logo que receba
sua comunicação, finalidade prática do LXII, estabelecendo estrito controle judicial sobre
a prisão em flagrante.
Há uma diferença fundamental entre relaxamento de prisão e liberdade provisória,
a primeira ocorre quando a prisão é ilegal por não reunir as formalidades necessárias ou
por não se inserir nas hipóteses. Na outra, a prisão é legal, apenas a lei não considera
necessária a sua manutenção.
Inciso LXVI - Ninguém será levado à prisão ou nela será mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.
O inciso LXVI complementa o anterior prevendo o desdobramento da liberdade
provisória com ou sem fiança. Essa norma faz perceber a preocupação do constituinte em
só manter a prisão efetivamente necessária.
Os incisos levantados aqui foram citados para ressaltar que a liberdade é um
direito natural e a prisão, embora por vezes necessária, tem que ser considerada uma
medida excepcional e para ser legítima, deve preencher os requisitos legais, dentre os
quais a necessidade e a fundamentação. A leitura da Constituição permite entrever uma
política legislativa de absoluto respeito à liberdade e de nítida excepcionalidade da
prisão.
Abordei princípios e direitos que devem ser respeitados em casos de restrições à
liberdade, estes devem ser observados pelos magistrados no momento de analise dos
casos concretos, levando em consideração sempre o Estado Democrático de Direito e a
liberdade com um bem maior e não sucumbindo as pressões da mídia em suas decisões.
3 - PRISÃO PREVENTIVA
A prisão preventiva, não está associada à natureza do crime e nem a gravidade do
delito, mas tão somente aos pressupostos e condições dos artigos 312 do Código de
Processo Penal. Esta conclusão se deve ao fato de que a medida cautelar não está
vinculada ao juízo de culpa.
Para se decretar a prisão preventiva, o Juiz não deve constatar apenas a existência
dos pressupostos do artigo 312, deve conjuga-lós com uma de suas condições imposta, o
artigo 312, assim dita:
Artigo 312 – A prisão preventiva poderá ser decretada como, garantia
da ordem pública, garantia da ordem econômica, por conveniência da
instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando
houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.
O dispositivo legal supracitado deixa clara a necessidade de existência de dois
pressupostos indispensáveis para que seja possível a decretação da prisão preventiva,
quais sejam, a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. Também é
fundamental que o juiz observe a presença de pelo menos uma das circunstâncias iniciais,
quais sejam: garantia da ordem pública; garantia da ordem econômica; conveniência da
instrução criminal ou asseguração da aplicação da lei penal.
Vale lembrar que, além de observar as condições acima exposta, deve o juiz
também ater-se as hipóteses legais elencadas no artigo 313 do Código de Processo Penal,
in verbis.
Artigo 313 – Em qualquer das circunstâncias previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos:
I- punidos com reclusão;
II- punidos com detenção quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la;
III- se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo 46 do Código Penal.
Portanto, constando os dois pressupostos do artigo 312 com ao menos uma das
quatros circunstâncias apresentadas e estando dentro de uma das hipóteses legais do
artigo 313, poderá o juiz decretar a prisão preventiva.
Como afirmado no capítulo anterior, cabe ao Juiz adaptar a norma processual
penal ao texto da Lei Maior, ou seja, somente decretar a medida extrema quando ela tiver
caráter cautelar, quando necessárias aos fins do processo e jamais por fins
extraprocessuais.
Logo a finalidade da Prisão Preventiva é tão somente impedir que o réu em
liberdade perturbe a prova que o juiz vai recolher para a reconstrução do fato a ser
julgado e prevenir quanto ao perigo de fuga, burlando assim eventual condenação.
3.1. FUNDAMENTO
A prisão preventiva somente pode ser decretada dentro daquele mínimo
indispensável, conforme já demonstrado, evitando assim o comprometimento do direito
de liberdade que o próprio ordenamento jurídico tutela e ampara.
Logo, como afirma o Ilustríssimo Doutrinador Tourinho Filho, “inconstratável
necessidade, eis seu fundamento”15.
3.2. MOMENTO PARA A DECRETAÇÃO
15 Obra citada
De acordo com os ensinamenos de Tourinho Filho, a prisão preventiva pode ser
decretada em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal. Dispõe o artigo
311 do Código de Processo Penal, in verbis:
Art. 311 - Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial.
No entanto, ao meu ver, este artigo deveria ser considerado inconstitucional por
diversos motivos. Pois, caso ocorresse a decretação da prisão preventiva durante o
inquérito criminal, seria caso de prisão temporária, não de prisão preventiva, o
fundamento dessa afirmativa está em que, se há indícios de materialidade e autoria
suficientes que fundamente a prisão preventiva, de certo haverá informações suficientes
para o oferecimento da denúncia. Logo, ao contrário do que diz o referido artigo, a prisão
preventiva deveria ser decretada apenas durante o período de instrução criminal.
Sendo assim, não poderia se admitir que a autoridade policial pudesse, mediante
representação, requerer a medida, uma vez que não se justifica a decretação da Preventiva
durante o inquérito criminal. Se assim se der, a prisão preventiva estaria sendo uma
prisão para averiguações, ou seja, caso de prisão temporária. E apesar de não ser objeto
de nosso trabalho, cabe ressaltar que a prisão temporária viola o princípio da inocência
pois não tem natureza cautelar, qual seja a de assegurar no processo o procedimento do
devido processo legal, mas sim para assegurar a investigação criminal.
Conclui-se então, que se houver decretação da prisão preventiva durante o
inquérito, esta não terá natureza cautelar, pois sua finalidade seria assegurar a
investigação policial, o que não se admite em nossa Constituição.
Um outro ponto a ser levantado quanto este artigo, é a possibilidade do juiz
decretar a medida de ofício, uma vez que desse forma estaria violando o princípio da
imparcialidade do juiz e apesar do Código de Processo Penal admitir, essa medida
deveria ser considerada inconstitucional diante do Sistema Acusatório.
De acordo com o art. 10 do Código de Processo Penal, que dispõe:
Artigo 10 - O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o
indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso
preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em
que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando
estiver solto, mediante fiança ou sem ela.
De acordo com este artigo, depois da decretação da prisão preventiva, a
autoridade policial ainda dispõe de 10 dias para concluir o inquérito. Entretanto, a
jurisprudência vem insurgindo contra essa pratica maléfica, pois havendo base para
decretação da prisão preventiva deveria haver também para a denuncia o que não justifica
a devolução dos autos à autoridade policial.
A jurisprudência vem confirmando a idéia levantada acima, a de que não cabe
decretação da prisão preventiva durante o inquérito policial, apenas durante a ação penal.
Tal reconhecimento, “acaba”com outra afirmativa da artigo 311, a de que a autoridade
policial pode requerer a medida, o que corrobora para que não só este artigo, mas todos
os que afirmam esta possibilidade sejam considerados inconstitucionais.
O artigo 316 do CPP permite ao juiz revogar e decretar novamente a prisão, in
verbis:
Artigo 316 - se no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la se sobrevierem razões que a justifiquem.
Interpretando este artigo de uma forma mais garantista, entende-se que pode
ocorrer a decretação da prisão preventiva apenas durante a instrução criminal, que vai do
oferecimento da denúncia, até o momento da apresentação das alegações finais.
3.3. PRESSUPOSTOS
Os pressupostos da prisão preventiva são aqueles do artigo 312 do CPP: “prova da
existência do crime e indícios suficientes de autoria”. Em hipótese alguma poder-se-á
decretá-la se ausente alguns deles.
Não basta prova da existência do crime, mera suspeita, é preciso que haja
materialidade delitiva, e ao lado desta indícios suficientes de autoria. Não se trata de
certeza, mas daquela probabilidade que convença o Magistrado. Como explica Jose
Frederico Marques16:
A expressão indícios suficientes tem o sentido de probabilidade suficiente e não de simples possibilidade de autoria. Logo, indícios de autoria, refere-se àqueles capazes de tranqüilizar a consciência do Juiz.
3.4. LEGITIMIDADE PARA REQUERER E PARA A DECRETAR A MEIDA
CAUTELAR
De acordo com o artigo 311 do CPP, têm atribuições para requerer a medida,
Ministério Público, o querelante e a autoridade policial. Os dois primeiros, sob a forma
de requerimento (solicitação) e autoridade policial sob forma de representação (exposição
escrita de motivos). É certo, porém que se, se admitir a representação pela autoridade
policial, admitir-se-á, a medida em sede de inquérito criminal, o que ao meu ver não
procede, por motivo já mencionado acima.
A autoridade competente para decretar é o juiz e em se tratando de processo de
competência dos tribunais, é o Relator, porque este é o juiz da instrução. De acordo com
o texto da Lei, não há necessidade de provocação do juiz ou relator para decretarem a
medida, estes poderão fazer de ofício. Mas, cabe ressaltar que caso decretem de ofício
estariam no mínimo violando o princípio da imparcialidade, logo, apesar do Código de
Processo Penal admitir a decretação da medida cautelar de ofício, tal medida é
insustentável diante do Sistema acusatório.
Se o órgão do Ministério Público ou querelante requererem a decretação da
medida ao juiz e esta for indeferida, caberá recurso em sentido estrito.
16 MARQUES. Jose Frederico. Curso de Direito Penal. Vol.4, ed. Millennium,2003.
3.5. CIRCUNSTÂNCIAS QUE AUTORIZAM A PREVENTIVA
A prisão preventiva subordina-se a pressupostos, que são dois, e circunstâncias,
que são quatro, e ao menos uma deve coexistir com aqueles dois pressupostos.
As circunstâncias são: garantia da ordem pública, conveniência da instrução
criminal, garantia da ordem econômica e a asseguração de eventual pena ser imposta.
Convém lembrar que a nossa lei fundamental em seu artigo 5º LVII, dispõe que:
ninguém será considerado culpado ate o trânsito em julgado de
sentença condenatória.
Assim, em face desse interesse social versus presunção de inocência, chega-se à
conclusão de que somente exigências processuais de natureza cautelar podem justificar
uma limitação, total ou parcial à liberdade das pessoas.
Dessa forma, a medida cautelar visa assegurar os meios para que os efeitos da
decisão definitiva não se tornem ilusórios. Daí o ensinamento de Vélez Maricondi:
Toda privação da liberdade determinada antes do ato jurisdicional legítimo para impo-lá a título de sanção, só pode ocorrer ante a necessidade atual e concreta de remover o temor de um dano jurídico, que se traduz no perigo de que o imputado, em liberdade, oculte a verdade dos fatos ou determine a inaplicabilidade da lei penal.17
Em face do exposto, chega-se a conclusão de que a prisão preventiva, só se
justifica quando presente uma dessas circunstâncias, conveniência da instrução criminal e
asseguramento da aplicação da lei penal. Logo toda e qualquer prisão cautelar que supere
esse limite é ilegítima visto que contraria ao princípio da presunção de inocência.
É verdade que o artigo 312 do CPP alude, além dessas a que nos referimos, mais
duas, garantia da ordem pública e garantia da ordem econômica. Mas não se pode perder
17 Estúdios de Derecho Procesal Penal, Córdoba, Ed. Universidad de Córdoba, 1956, t. II, p.249.
de vista que o nosso diploma processual é de 1942 e foi elaborado durante um regime
ditatorial e aquela época, o nosso ordenamento não conhecia o princípio da presunção da
inocência. É nítido que os fins dessas duas últimas circunstâncias são inegavelmente
extra processuais não tendo caráter cautelar, elas representam uma antecipação de pena.
Ordem pública seria a paz, a tranqüilidade no meio social, poderia ser traduzida
em várias situações, tamanha a vaguidade da expressão. Ordem Pública é fundamento
geralmente invocado sobre diversos pretextos para se decretar a prisão preventiva,
fazendo-se total abstração de que ela é uma coação cautelar e sem cautelaridade não se
admite, à luz da Constituição, prisão preventiva.
A expressão é tão genérica que absolutamente tudo se ajusta a ela, como por
exemplo os espalhafatos da mídia “perigosidade do réu”, “crime perverso”,
“insensibilidade moral” e etc. Essas reiteradas divulgações pelos rádios, jornais e
televisão que levam o réu a ser condenado antes de julgado, não passa de uma execução
sumária.
A prisão preventiva pode também ser decretada se for conveniente para a
instrução criminal, ou seja, a fase procedimental em que o Juiz procura com as colheitas
das provas reconstruir o fato ocorrido para poder melhor julgar. Se, entretanto, o réu lhe
cria obstáculos, como por exemplo, ameaçando testemunhas, seu encarceramento torna-
se necessário por conveniência da instrução.
A Magna Carta presume a inocência daquele que não foi condenado, não podendo
assim o Juiz presumir que vá escapar à ação da justiça, de que esta prejudicando a
instrução é preciso um mínimo de prova, e ao decretar a medida extrema, deverá
fundamentar sua decisão, deverá fazer referência à fatos devidamente apurados.
A lei nº. 8.884 de 1984, em seu artigo 86 alterou a redação do artigo 312 para
incluir, como circunstância autorizadora da prisão preventiva a garantia da ordem
econômica.
Ora, se a prisão preventiva deve ter uma finalidade eminentemente cautelar no
sentido de instrumento para realização do processo ou para garantir o cumprimento da
decisão, parece um não senso decretar a prisão preventiva para a garantia da ordem
econômica.
Pode-se até dizer, ter sido desnecessária essa alteração do artigo 312, uma vez
que, se a providência tem como objetivo perseguir a ganância, o lucro fácil, a safadeza de
industriais e comerciantes desonestos que se estabeleçam sansões em relação a pessoa
jurídica, assim como fechamento por prazo determinado a impossibilidade durante um
bom tempo fazer empréstimos e não a decretação da referida medida preventiva.
3.6 – HIPÓTESES LEGAIS
De acordo com o artigo 313 do Código de Processo Penal, já explicitado acima, a
prisão preventiva somente poderá ser decretada nos crimes dolosos que forem:
• punidos com reclusão, onde a pena é mais severa de todas e por isso
mesmo são reservadas para delitos mais graves, Assim, nos crimes de
furto, estelionato, apropriação indébita, roubo, estupro, por exemplo, é
possível a decretação da medida extrema;
• punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio, ou,
havendo dúvida sobre sua identidade, não fornecer ou não indicar
elementos para esclarecê-la. Os crimes apenados com detenção são
aqueles mais brandos, menos expressivos, porém, se ficar constatado que o
acusado é vadio, lhe caberá a prisão preventiva. Essa afirmativa pode ser
criticada na medida em que o conceito de “vadio” apresenta enorme
vaguidade. Não parece razoável que alguém seja preso provisoriamente
por estar desempregado, por exemplo, pois esta é condição atual de grande
parte dos brasileiros, no entanto é o que nossa lei processual preceitua;
• se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença
transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I, do artigo 64 do
Código Penal. É o caso de reincidentes em crimes dolosos, neste inciso III,
pouco importa a natureza da infração. O dispositivo em apreço ressalva o
inciso I, artigo 64 do Código Penal, que diz:
Artigo 64 - Para efeito de reincidência:
I – Não prevalece a condenação anterior, se entre a data do
cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver
decorrido período de tempo superior a cinco anos, computado o
período de prova da suspensão ou livramento condicional, se não
ocorrer revogação.
Logo, para o juiz decretar a medida preventa, deve procurar ver se no caso
concreto a lei permite, permitindo-a, cumpre-lhe constatar se estão presentes os
pressupostos ( prova da existência de crime e indícios suficientes de autoria), e por fim,
analisando elementos constantes nos autos, verificar a existência de alguma das
circunstâncias de admissibilidade ( garantia da ordem pública, garantia da ordem
econômica, conveniência da instrução criminal ou perigo de insatisfação da pena).
Conclui-se, que a prisão preventiva é medida excepcional e que se justifica em
face a Constituição, apenas para preservar a instrução criminal. Não justifica a prisão
cautelar fundada na tutela da ordem pública e da ordem econômica, uma vez que não
servem para a tutela do processo, mas sim para atender um interesse de “ segurança
pública”. Não se admite ainda a cautelar fundada na garantia da aplicação da lei penal,
pois nesta hipótese, se estaria violando o princípio da presunção de inocência
equiparando o acusado ao condenado, além de não se ter dessa maneira, uma caráter
cautelar, uma vez que seu fim é extra processual (assegurar a execução da pena). Logo,
garantia da instrução criminal seria a única medida de natureza eminentemente cautelar.
3.7 – PROIBIÇÃO DA DECRETAÇÃO
A prisão preventiva não poderá ser decretada se ocorrer a hipótese do artigo 314
do Código de Processo Penal, in verbis:
A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o Juiz verificar
pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas
condições do artigo 23, I, II e III, do Código Penal.
Assim, se o juiz encontrar, nos autos, provas que o convençam de que o réu agiu
em legítima defesa, em estado de necessidade, em estrito cumprimento do dever legal ou
exercício regular de um direito, não pode decretar a medida provisória.
Mas, essa decisão não vincula, nada o impede que mais tarde venha decretá-la, ou
até mesmo proferir sentença condenatória.
3.8 – FUNDAMENTAÇÃO E RECURSO
A decisão que decreta ou denega a prisão preventiva terá que ser sempre
fundamentada, terá o juiz que demonstrar com elementos do processo ou do inquérito
(para os que concordam com essa hipótese), a sua necessidade. Não basta que o juiz diga
simplesmente, que decretou por conveniência da instrução criminal, é preciso que
demonstre com fatos.
Em relação a recursos cabíveis, preceitua o inciso V artigo 581 do Código de
Processo Penal:
Artigo 581 – Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho
ou sentença:
V – que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança,
indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder
liberdade provisória ou relaxar prisão em flagrante.
Dessa forma, se o Ministério Público ou querelante requererem a decretação da medida
excepcional e for negada, oponível será o recurso no sentido estrito.
A autoridade policial não pode requer a medida, esta apenas expõe ao magistrado a
conveniência da ordenação da preventiva, e sempre que isso ocorre, o juiz ouve o ministério
público. Mas como já explicitado isso não caberia, uma vez que se estaria decretando a prisão
preventiva durante o inquérito, o que não tem fundamento, pois se ainda se faz necessário
investigação policial para o caso, conclui-se que, não se tem base suficiente para a decretação da
medida cautelar.
E se o juiz vier a decretá-la seja ex officio, seja por requerimento, cabe ao preso ou a
qualquer pessoa impetrar ordem de habeas corpus, nos termos do artigo 648, I, do Código de
Processo Penal.
4. A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES JUDICIAIS DE DECRETAÇÃO
E REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA
4.1. A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO PODER JUDICIÁRIO
A influência da mídia não se limita ao poder judiciário, mas abarca a compreensão
que a própria sociedade tem de si e das diversas instituições que a cercam.
Eventualmente, a mídia extrapola as suas funções e assume tarefas que não lhe diz
respeito, uma vez que são reservadas a outras instituições.
A distancia entra os mundos do “homem comum” e do poder judiciário é
inegável, parte disso é a conseqüência da generalizada falta de cultura jurídica da
sociedade brasileira. Aproveitando-se desta lacuna, a mídia vem assumindo tarefas
inerentes exclusivamente à função judiciária.
Com isso, a um só tempo a mídia se legitima frente à sociedade e enfraquece a
imagem que ela tem do poder judiciário e para isso, tendem a exaltar as mazelas do poder
judiciário e destacar as qualidades da atuação do profissional jornalística.
Em estudo de alguns pontos do poder judiciário os meios de comunicação e
opinião pública, a juíza federal Salete Maccalóz escreve que:
A atuação da imprensa também obedece à pressão do capital financeiro internacional, sua interferência e objetivo nos paises emergentes.18
Poucos são os que enfrentam essa poderosa máquina, o único setor da economia
que conseguiu a proibição constitucional de estrangeiros como proprietários de jornais,
radiodifusão e canais de televisão (artigo 222, da CF/88). Ao que parece, são os
proprietários do meio de comunicação os verdadeiros donos do poder, intervindo
diretamente na estrutura dos poderes menores, como o judiciário.
Neste cenário, quando os meios de comunicação analisam um caso quase sempre
limitam-se a informar os fatos, com algumas pitadas de sensacionalismo para render
índice ainda maior de vendagem. Os meios de comunicação só cumprem o papel de
informar, distorcendo os fatos ou omitindo dados importantes.
A respeito das mazelas relacionadas à atividade desempenhada pelos jornalistas,
destacam-se, o abuso, excesso e irresponsabilidade com a qual os profissionais divulgam
noticias envolvendo crimes, criminosos e processos penais. Através da divulgação parcial
e interessada a mídia acaba com reputações construídas durante anos em troca apenas de
18 Maccoléz, Salete, O poder Judiciário, os Meios e Comunicação e opinião Pública, pp. 65-66
um pouco mais de lucro. Além disso, constrói no imaginário social o estereotipo do
criminoso, esculpindo nesta moldura a imagem dos integrantes das camadas populares da
nossa sociedade.
A mídia desloca o debate para questões menores e superficiais, inclusive
estigmatizando pseudo valores que não passam de meros clichês, que repetidos por varias
vezes, passam a gerar consenso e unanimidade a seu respeito.
Através de seu discurso político a mídia manipula e distorce os dados da realidade
divulgando em seu lugar noticias que elegem como verdadeiro. Exemplo disso, pode ser
percebido através da idéia de pena difundida como capaz do solucionar conflitos, do
incomodo gerado pelos procedimentos legais, e da idéia de criminalização provedora.
A mídia se autolegitima como um prestador de serviço para a sociedade
assegurando o seu lugar de autoridade. Para isso revela o que lhe convém e oculta o que
não interessa divulgar. Sua atuação política explora a divulgação de notícias sobre crimes
formando uma opinião favorável a políticas repressivas, que insistem na aplicação
rigorosa de um direito penal emergencial e fracassado. Enfim, a mídia constrói a
subjetividade dos sujeitos e dos operadores do direito.
À luz de tudo isso, afirma José Flávio Braga Nascimento19:
O paradoxo de que um Estado social mínimo corresponda um Estado penal máximo conduz às conseqüências concomitantes de despolitização dos conflitos sociais e politização da questão criminal.
4.2. A PRISÃO PREVENTIVA E A MÍDIA
Inicialmente, o clamor público não está previsto expressamente na legislação
processual como fundamento da prisão preventiva. O Código de Processo Penal somente
cogita do clamor público como requisito legal à denegação da liberdade provisória com
fiança. Alguns doutrinadores e alguns seguimentos dos Tribunais Superiores transmudam
o clamor público previsto apenas como requisito para a denegação de fiança, em 19 Maccoléz, Salete, O poder Judiciário, os Meios e Comunicação e opinião Pública, pp. 65-66
fundamento da prisão preventiva, enquadrando no conceito indeterminado da garantia de
ordem pública.
Diversos acórdãos reconhecem o clamor público como fundamento válido a
legitimar a prisão preventiva sob justificativas vagas, tais como: repercussão do crime na
comunidade, satisfação da opinião pública, a proteção à paz pública e a comoção social.
Desdobram ainda a analise da comoção social em desassossego, temor geral, espanto,
abalo social, revolta na comunidade, gravidade do crime, periculosidade etc.
Em contra posição outra parte da jurisprudência acredita que esta corrente de
pensamento expressado nestes enunciados mencionados acima não servem de motivo
suficiente para a prisão preventiva do acusado, e neste cenário o Superior Tribunal de
Justiça vem restringindo o conceito de clamor público.
Neste sentido o clamor público deve ser erradicado como fundamento para a
prisão preventiva ou para denegar a liberdade provisória porque a privação da liberdade
teria a finalidade de antecipar a pena, o que resulta inconstitucional à luz dos direitos
fundamentais da presunção de inocência, proporcionalidade e devido processo legal.
É verdade que clamor público, é o mais vago dos requisitos da prisão preventiva,
apesar disso, o certo é que o alarme social se medira pela maior ou menor atenção que o
fato haja produzido na imprensa.
Em trecho de sua dissertação, Roberto Delmanto Júnior:
Difícil é a tarefa do Magistrado em distinguir se a revolta da sociedade
é decorrência do choque que o crime causou no meio social, por si só,
ou se a mencionada vingança do inconsciente popular é conseqüência
da exploração e da distorção dos fatos pela mídia.20
Cabe aqui para criar um paralelo e melhor ilustrar diferenciar a prisão preventiva
da prisão definitiva:
20 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de Decretação. São Paulo: Renovar, 1998.
• Na prisão definitiva, o fato caracterizador é somente a punição por um
crime, que já fora processado e julgado, e de cuja sentença não caiba
recurso com efeito suspensivo. Conclui-se então que podem ser presas
definitivamente e em caráter punitivo as pessoas que forem condenadas
por prática de crimes, sendo impossível este tipo de prisão até que haja o
julgamento e a condenação.
• Já o fato que caracteriza a prisão preventiva é a existência de requisitos
previstos em Lei, mais precisamente no art. 312 do Código de Processo
Penal – CPP, que autorizam a execução de uma medida cautelar
excepcional. Aqui não há que se falar em punição, apenas em medida
cautelar preventiva.
Ocorre que a imprensa, convive, hoje, como atividade industrial, com uma
contradição intrínseca à sua promessa histórica, a de dizer a verdade em “primeira mão”.
O que traz frequentemente a divulgação de informações falsas ou parcialmente
verdadeiras, com conseqüências as vezes catastróficas.
E em razão do que é equivocadamente divulgado por autoridades competentes, e
reforçado irresponsavelmente por meios de comunicação, a opinião pública é afetada e
confundida quanto essas duas modalidades de prisão.
Leva-se a crer que o fato caracterizador da prisão preventiva é a punição por
crime cometido, ou seja, o criminoso estaria, antes mesmo de seu julgamento, “pagando
pelo crime que cometeu”.
As matérias não apresentam ângulos diferenciados de abordagem capazes de
provocar questionamentos no público, e sim influencia, forma opinião e causa clamor
público. Aliás, essa é uma das funções sociais fundamentais dos meios de comunicação.
Apresentadores de programas, jornalistas, revistas e outros diversos meios de
comunicação enfatizavam a irresponsabilidade e a incongruência das autoridades que,
cumprindo seu dever, decreta a soltura dos que devem ser postos em liberdade por
direito, direito este garantido em nossa própria Constituição Federal que preceitua a
respeito do princípio da inocência, tipificado no artigo 5°, LVII:
Artigo 5ºNinguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.
O simples fato de haver indícios da autoria não justifica a manutenção ou
decretação da prisão preventiva, já que, antes do trânsito em julgado da sentença
irrecorrível, pelo que dispõe a atual ordem constitucional, somente são permitidas prisões
cautelares, em casos excepcionais em que tal medida se mostre necessária a instrução.
Aqueles que não sucumbem ao simples fato de se sentirem pressionados e
revogam a prisão preventiva que não possui fundamentos para subsistir, agem com a
seriedade que lhe é necessária nesta profissão, mesmo havendo a divulgação errônea
sobre este tipo de prisão e o ato da soltura.
4.3 - MÍDIA, PRISÃO E ESTIGMATIZAÇÃO
Muitos são os motivos levantados pelos especialistas na questão penitenciária
para obstar a prisão preventiva, como afirma Muñoz Conde21:
A prisão provisória não permite levar a cabo uma atividade
ressocializadora, já que juridicamente está vedada qualquer
intervenção sobre o condenado; a prisão preventiva é tão
estigmatizadora socialmente quanto a própria pena; a prisão preventiva
submete os indivíduos ao regime de vida dos estabelecimentos
fechados, em principio, se reservam aos delinqüentes mais perigosos,
tornando-os mais sociais; a prisão preventiva aumenta a população
21 MUÑOZ CONDE, Francisco. De Nuevo el Derecho Penal del Enimigo. Ed.hamurabi:2005.
reclusa, com as suas conseqüências desastrosas, além dos custos
tradicionais e com o pessoal de vigilância.
A principal conseqüência sofrida pelo acusado é a redução de oportunidades
legítimas, em virtude da desconfiança da sociedade, como também o surgimento de um
verdadeiro abismo entre ele e a comunidade em que vive, decorrente do estigma. O
indivíduo passa a ser o um cidadão de última categoria até chegar ao cumulo de sua
humanização.
No caso dos presos preventivos salienta Cezar Bittencourt22:
É comum produzir-se um quadro clinico denominado “furor dos
encarcerados”, similar ao que Seelig chama reação explosiva à prisão,
que ocorre imediatamente após o ingresso na prisão. Trata-se de um
quadro de agitação, uma verdadeira “tempestade de movimentos” que
pode prolongar-se durante horas, podendo ocorrer com freqüência as
autos heteroagressões.
Em uma outra época era o estigma decorrente da marca física que afetava o
sujeito passivo, hoje, o preso provisório é destroçado na sua moralidade que gera sérias
prevenções na vida social.
Esse é o modelo das sociedades dependentes, quanto mais injusta e autoritária a
sociedade, mais ela precisa das prisões provisórias e punições antecipadas, como meio de
controle social.
É como afirma Alessandro Barata:
Quanto mais uma sociedade é desigual, tanto mais ela tem necessidade
de um sistema de controle social do desvio de tipo repressivo, como o
que é realizado através do aparato penal Burguês. As relações sociais e
de poder da subcultura carcerária não são mais do que a ampliação, em
forma menos mistificada e mais pura, das características típicas da
sociedade capitalista: são relações sociais baseadas no egoísmo e na
22 MUÑOZ CONDE, Francisco. De Nuevo el Derecho Penal del Enimigo. Ed.hamurabi:2005
violência ilegal, no interior das quais os indivíduos socialmente mais
débeis são constrangidos a papéis de submissão e de exploração.23
Constata-se o afirmado por Alessandro Barata na medida que se observa que a
maior parte dos decretos de prisão provisória serve para encarcerar os setores mais fracos,
que deveriam ser protegidos num sistema garantista.
O poder da imprensa é arbitrário e seus danos irreparáveis, pois o desmentido
nunca tem a força do mentido. Na justiça, há um código para dizer o que é crime, na
imprensa não há norma para estabelecer o que é notícia e a diferença é que no julgamento
da imprensa as pessoas são culpadas até a prova em contrário.
Levar ao público a verdade é papel da mídia, mas o que ela não pode fazer é
julgar os supostos autores de crimes, nem lhes impor rótulos, de forma a estigmatiza-los.
É fato que só respeitamos o outro se o percebemos como igual, ocorre que os
meios de comunicação no sentido de demonização de determinadas condutas e
determinados atores sociais estigmatiza e rotula como inimigos da sociedade. Assim, a
prisão preventiva de indivíduos serve para aplacar a vontade da massa, alargando a
distância entre o desviante e os cidadãos.
4.4 - A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NOS PRINCIPAIS ATORES DO PROCESSO
A pressão da mídia, como sendo a opinião pública, acaba por afetar a ceara
jurídica. E a cada dia, mais e mais, a pressão da mídia faz com que Promotores e Juizes
cedam à opinião pública e acabam por cercear a liberdade individual e desrespeitar a
presunção de inocência a fim de assegurar a integridade das instituições estatais.
Os atores do processo ao invés de preservar a Constituição e zelar pelos direitos
individuais, não se atentam para preservação da instrução processual e da garantia da
aplicação da lei penal, mas para preconceitos contra os setores mais necessitados que 23 BARATTA, Alessandro. “Por un Concepto Critico de Reintegración Social del Condenado”, in: OLIVEIRA, E. (Coord), Criminologia Crítica – Fórum Internacional de Criminologia Crítica. Belém: Cejup, 1990, p.145.
compõe a clientela criminal. Uma prova disso são os dados do Departamento
Penitenciário Nacional, vejamos:
Sistema Penitenciário no Brasil – Dados Consolidados L DEZEMBRO 2008 Regime Fechado Regime Semi-Aberto Regime Aberto Provisorio Homens: 157.089 Homens: 60.183 Homens: 18.911 Homens:132.404 Mulheres: 9.299 Mulheres: 3.626 Mulheres: 1.631 Mulheres:6.535 Total: 166.388 Total: 63.809 Total: 20.542 Total:138.939 DEZEMBRO 2009 Regime Fechado Regime Semi-Aberto Regime Aberto Provisório Homens: 164.685 Homens: 62.822 Homens:17.910 Homens:143.941 Mulheres: 9.687 Mulheres: 3.848 Mulheres:1.548 Mulheres:8.671 Total: 174.372 Total: 66.670 Total: 19.458 Total:152.612
A mídia, sempre acaba afetando a comunidade em geral com a sua parcialidade,
como refere Silvia Leser Mello:
Os meios de comunicação não se limitam a informar. Tomam
partido, julgam e condenam. Ao assim fazerem aprofundam o temor e
a ignorância do esteriotipados. O preconceito alimentam-se dos
esteriótipos e gera os estigmas. Na verdade, os meios de comunicação
contribuem para aprofundar e ampliar os estigmas, dando escassa
divulgação às vozes contrárias. Trata-se de caracterizar toda uma
população como perigosa, indigna de confiança.24
A influência da mídia é tanta que chega até mesmo influenciar Desembargadores,
Juízes, Promotores e Defensores Públicos. Digo isso na medida em que percebo que
Defensores começam a temer em pedir benefícios de liberdades para seus assistidos e
Promotores em concordar com esta, se tornando quase "inimigos pessoais" dos acusados,
cumprindo o papel de justiceiros que a sociedade lhes impõe de certa forma.
24 MELLO, Silvia Leser de. A cidade , a Violência e a Mídia. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 21, pp. 189-195, jan-mar. 1998.
Sem falar nos Juizes que cada vez mais negam liberdade aos acusados que
preenchem os requisitos legais para tal, por temerem as críticas e pressões vindas dos
meios de comunicação. Juizes estes que agem como agentes da segurança publica.
Um bom exemplo disso pode ser a nota da coluna de Augusto Nunes publicada no
jornal do Brasil em 2/09/2007, atacando a atuação da Defensoria, assim dizia:
"O libertador dos bandidos”
“Em julho, graças aos esforços do defensor público Eduardo Quintanilha, Elizeu,
um dos matadores do jornalista Tim Lopes, foi autorizado pela Justiça a matar saudade da
família. Preso havia cinco anos e vinte e cinco dias, o bandido resolveu cair no mundo e
enforcar o resto da pena (25 anos de reclusão). Deveria, (o defensor), ter convidado
Elizeu para jantar em sua casa."
Nesse caso trata-se de liberdade em prisão definitiva, mas de toda forma, aqui o
réu foi libertado legalmente, detinha esse direito, e a mídia leva aos cidadãos a sensação
de que essa atitude do judiciário seria desprezível e ilegal, pretendendo imputar aos
defensores públicos o errôneo título de "libertadores de bandido".
O que constatamos, infelizmente, é que os preceitos legais e constitucionais da
prisão preventiva e da prisão em geral são observados apenas em casos de políticos
famosos e da parcela economicamente favorecida da sociedade.
4.5 - MÍDIA E DEMOCRACIA
Em verdade, deve-se salientar a relevância dos meios de comunicação no cenário
democrático, a fim de que eles próprios se conscientizem de que seu papel é dar a
informação correta, verdadeira e não sensacionalista sobre os eventos do cotidiano,
proporcionando a pluralidade de conceitos sobre o fenômeno da violência e da
criminalidade. É preciso que a mídia tome consciência da necessidade de um agir ético.
Como refere Luiz Guilherme Vieira:
Clama-se por uma imprensa ética e fundamentalmente, pela ética na
imprensa, pois, caso contrário, os direitos individuais da dignidade da
pessoa humana e da integridade física e moral, também conquistados
com sangue e sacrifício, ver-se-ão cada vez mais afetados.25
Dessa forma será possível a construção de uma visão democrática comprometida
com um Estado garantista. O que se precisa é de uma imprensa livre comprometida com
os valores democráticos, que compreenda a poderosa influencia que exerce no meio
social capaz de decidir até sobre a liberdade dos cidadãos.
Assim, poderemos diminuir um foco de pressão para a adoção de punições
antecipadas ofensivas ao princípio da presunção de inocência e altamente
estigmatizadoras.
5. CONCLUSÃO
Escolhi esse tema por ter grande interesse sobre o assunto. Apesar de ser um tema
já bastante discutido, causa até hoje divergências entre os doutrinadores e críticos do
Direito. O tema apresenta grande relevância prática no sentido em que busca diminuir o
número de prisões cautelares, e social porque versa sobre ser humano, individualidade,
liberdade e sociedade.
O que me motivou a escrever essas modestas linhas é o fato de autoridades
propagarem, equivocadamente, a idéia de que a prisão preventiva possui caráter punitivo
e de os meios de comunicação difundirem ao público opiniões ainda mais equivocadas a
este respeito. O que influência e muito, a tornar esse instituto não uma exceção, mas sim
uma prática comum no judiciário.
Reclamo por tratamento diferenciado do que se da hoje à medida cautelar da
prisão preventiva, de modo que os operadores do direito, principalmente os juizes, que é
quem tem o poder de decretação da medida, garantam ao máximo a efetivação dos 25 VIEIRA, Luiz Guilherme.O fenômeno opressivo da mídia: uma abordagem acerca das provas ilícitas. In: Discursos Sediciosos, Crime, Direito e Sociedade, ano 3, nº 5,6,pp 249-257, 1998. P.256.
princípios e garantias fundamentais constantes em nossa Constituição. E que interprete os
artigos de nosso Código de Processo Penal à luz desta, pois sempre é válido lembrar que
nosso código é de 1941, época de ditadura militar, de regime fascista e injusto.
O intuito do trabalho é alertar os cidadãos em não se deixarem levar pelas notícias
fornecidas pela imprensa que muitas das vezes são distorcidas ou até mesmo falsas.
Alertar também aos operadores do direito quanto à excepcionalidade da prisão preventiva
e que estes não podem se deixar influenciar pela opinião pública para requerer ou
decretar esta desastrosa medida.
Demonstro que a medida deve ser uma exceção e não uma regra, e que a única
circunstância que a permiti é a garantia da instrução criminal, que realmente apresenta
caráter cautelar.
Mas, uma das piores conseqüências de todo esse processo, ao meu ver, é a
questão da estigmatização do sujeito, os efeitos que a prisão preventiva causa no acusado,
que são cruéis e irreversíveis.
Dessa forma, chega-se a conclusão de que devemos repensar o instituto da prisão
preventiva, sanando os equívocos para que não mais haja a banalização da medida
cautelar e para que esta não continue a ser instrumento principal de uma política criminal
repressiva, desumana injusta.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA JR.,João Mendes de. O Processo Penal Brasileiro. Volume I, ed. Laennert, 1901. BALDEZ Kato., Maria Ignez Lanzellotti. A (Des)Razão da Prisão Provisória. ed. Lumen Júris, 2005. BARATTA, Alessandro. “Por un Concepto Critico de Reintegración Social del Condenado”, in: OLIVEIRA, E. (Coord), Criminologia Crítica – Fórum Internacional de Criminologia Crítica. Belém: Cejup, 1990, p.145. BASILEU, garcia.Preservação da liberdade no anteprojeto do Código Penal. Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, 4/77.
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal – parte geral. 6ª edição rev., vol.01., São Paulo:Saraiva, 2001.
CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo Penal e (em face) Constituição. Ed.Lumen Juris, Rio de Janeiro:2004.
CARVALHO, Amilton e Salo de. Aplicação da Pena e Garantismo. 1 edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2001.
DELMANTO JUNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de Decretação. São Paulo: Renovar, 1998. MACCOLEZ, Salete, O poder Judiciário, os Meios e Comunicação e opinião Pública, pp. 65-66 MOREIRA LIMA NETO, Jose Henrique Barbosa. A Inconstitucionalidade da Lei de Comunicações Telefônicas, in Internet, vol. 2, nº 15, novembro de 1996. MUÑOZ CONDE, Francisco. De Nuevo el Derecho Penal del Enimigo. Ed.hamurabi:2005 ROXIN, Claus. Introdução ao Direito Penal e ao Processo Penal, ed. Del Rey internacional, 2007.
TORNAGHI.Manual de Processo Penal. Prisão e Liberdade. 1º Volume. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1963, p. 194
TOURINHO, Filho. Processo Penal – 27ª edição ver e atual., vol 3., São Paulo: Saraiva, 2005.
VIEIRA, Luiz Guilherme.O fenômeno opressivo da mídia: uma abordagem acerca das provas ilícitas. In: Discursos Sediciosos, Crime, Direito e Sociedade, ano 3, nº 5,6,pp 249-257, 1998. P.256.
• Artigo Virtual:
InfoPen estatística em :
<http: // www.portal.mj.gov.br/> Acesso em 15.Julho.2011.
• Artigo Jornalístico:
NUNES, Augusto. Libertadores de Banidos. Jornal do Brasil, Opinião, p.11, Rio
de Janeiro, 2/09/2007.