1 UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A AMPLITUDE DA LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA O AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA Por: Diogo Teixeira Schettini Orientador: Prof. Jean Alves de Almeida Rio de Janeiro 2010
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …1.6 Ação civil pública Ao lado da Ação Popular, a Ação Civil Pública, disciplinada pela Lei 7.347/85, é um dos mecanismos
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A AMPLITUDE DA LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA
PÚBLICA PARA O AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Por: Diogo Teixeira Schettini
Orientador:
Prof. Jean Alves de Almeida
Rio de Janeiro
2010
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “ LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A AMPLITUDE DA LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA
PÚBLICA PARA O AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
Apresentação de monografia à Universidade Cândido
Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Direito Processual Civil.
Por: Diogo Teixeira Schettini
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AGRADECIMENTOS
Ao professor Jean pelas aulas ministradas com toda dedicação
bem como pela compreensão em face dos problemas que tive para
poder entregar este projeto final.
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DEDICATÓRIA
À minha mulher Érika pela paciência e compreensão
durante esse sacrificante período de estudos e privações.
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RESUMO
A monografia pretende discutir a constitucionalidade da Lei nº 11.448/07
que alterou o art. 5o da Lei no 7.347/1985, que disciplina a ação civil pública,
introduzindo como legitimado para sua propositura a Defensoria Pública. O
ponto nefrálgico do presente trabalho é relativo à amplitude da legitimidade da
Defensoria Pública para o ajuizamento de ação civil pública, e da necessidade
da demonstração de pertinência com as suas funções institucionais, de
orientação jurídica e defesa dos necessitados; o que limitaria o seu âmbito de
atuação, principalmente na defesa dos direitos difusos e coletivos. Para tanto,
faz-se uma rápida digressão, analisando-se os direitos transindividuais e seu
disciplinamento no nosso ordenamento jurídico, com ênfase para as Ações
Civis Públicas e suas principais características. Após, partindo-se para análise
do tema específico do presente estudo, analisa-se a legitimidade ativa para
esta ação, com ênfase na inclusão da Defensoria Pública neste rol por
intermédio da Lei 11.448/07. Neste mister, discute-se se houve invasão das
funções constitucionais do Ministério Público a concessão, de forma ampla e
irrestrita, da legitimidade ativa da Defensoria Pública para proposição das
Ações Civis Públicas, discorrendo-se sobre a posição adotada pela CONAMP
(Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) na Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 3943) ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal.
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METODOLOGIA
A metodologia utilizada para a elaboração da presente monografia
foi a pesquisa bibliográfica, tendo como fonte para coleta de dados: a doutrina
atual, a legislação vigente, artigos jurídicos, jurisprudência atual, pesquisa na
internet, dentre outros materiais de cunho científico.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I - Visão Geral Da Tutela Dos Direitos Coletivos 10
CAPÍTULO II - A Defensoria Pública e as Ações Coletivas 20
CAPÍTULO III - Crítica a Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 3943 35
CAPÍTULO IV - Notas Jurisprudenciais 38
CONCLUSÃO 46
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 48
ÍNDICE 55
FOLHA DE AVALIAÇÃO 56
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INTRODUÇÃO
A Lei nº 11.448, de 15 de janeiro de 2007 incluiu, expressamente, a
Defensoria Pública entre os legitimados ativos para a propositura da ação civil
pública ao alterar o artigo 5º da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.
Essa modificação legislativa provocou discordâncias no mundo jurídico,
principalmente no seio do Ministério Público que através de sua Associação
Nacional ajuizou ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo
Tribunal Federal pleiteando a invalidade da norma. Isso, em grande parte
porque o Ministério Público se considera o único órgão constitucional
incumbido da defesa do interesses sociais e individuais indisponíveis, pautado
na redação do artigo 127 da Constituição da República, assim como aquele
que possui como precípua função institucional a promoção do inquérito civil e
da ação civil pública (art. 129, inc. III, CR).
Com base nos argumentos apresentados na ação de
inconstitucionalidade, o presente trabalho pretende desenvolver o tema da
legitimidade ativa para o processo coletivo, e relativamente à Defensoria
Pública propõe-se a analisar a amplitude de sua legitimidade para o
ajuizamento de demandas coletivas na proteção de interesses e direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos.
No estudo do caso será adotado como metodologia de pesquisa o
acesso a fontes legislativas, pesquisa da jurisprudência mais atual de nossos
Tribunais, revistas jurídicas, livros doutrinários e textos jurídicos publicados
pela internet.
Dessa forma, no empenho de demonstrar a constitucionalidade da Lei
11.448/2007 será necessário percorrer temas como morosidade e falta de
estrutura do nosso sistema judiciário, além da incessante busca no pleno
acesso à justiça.
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A pesquisa também analisará a importância do papel da Defensoria
Pública como órgão essencial à tutela jurisdicional para garantir aos
necessitados o seu direito de orientação e defesa, de forma a propiciar aos
cidadãos uma resolução mais equânime dos conflitos de interesses.
A idéia central do tema é mostrar com base no princípio da presunção
de constitucionalidade das leis e, principalmente, na efetivação da proteção dos
direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos que são juridicamente
pleiteados através da ação civil pública, que a legitimação dada pela Lei
11.448/07 a Defensoria Pública de forma ampla e irrestrita se coaduna com os
fundamentos de nossa constituição cidadã.
Dentro desse contexto, discorremos sobre o desenvolvimento da tutela
processual coletiva, que é muitas vezes meio mais adequado e eficaz que o
tradicional processo civil individual no atendimento das necessidades da
coletividade.
Assim sendo, trataremos da problemática do processo coletivo, com
enfoque na legitimidade ativa da Defensoria Pública com uma das soluções
práticas para as dificuldades de nosso sistema judiciário em garantir o efetivo
acesso à justiça e o cumprimento dos princípios fundamentais do Estado
Democrático de Direito.
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CAPÍTULO I
VISÃO GERAL DA TUTELA DOS DIREITOS COLETIVOS
1.1 Evolução na tutela dos direitos coletivos
O processo civil brasileiro sempre teve como ponto central o
disciplinamento das demandas individuais. Tal situação evidenciava uma
característica essencialmente privatista do sistema processual, atrelada à idéia
de lesão a determinado direito, sendo que o titular deste direito dirigia-se ao
Poder Judiciário para exercer sua pretensão individual oriunda da lesão
ocorrida.
Tal situação, segundo a doutrina, decorria da concepção liberal de
Estado, onde o ente soberano se afastava dos interesses particulares dos
cidadãos, originando uma liberdade quase que absoluta de ação para estes.
Tratava-se do período do Estado Liberal, ligado à idéia de um não – fazer
estatal em face das liberdades individuais.
Neste mister, não se tinha a visão de um direito que transcendesse às
esferas individuais das pessoas; direito de que fossem titulares, por sua
natureza, uma coletividade de pessoas, individualizáveis ou não.
Posteriormente, com a evolução do Estado Liberal para o denominado
Estado do Bem Estar Social, em que ente soberano passa a intervir
diretamente na esfera de liberdade dos cidadãos, de maneira a garantir a
existência de direitos sociais mínimos capazes de garantir uma existência
digna, começa a surgir demandas sociais para que o Estado tutele esses
direitos ditos “coletivos”, que passavam a afligir à sociedade daquele momento.
Dessa forma, passou-se a pensar em instrumentos processuais
adequados a estes “novos direitos”, como, por exemplo, o direito a condições
dignas de trabalho aos empregados das indústrias no período Pós- Revolução
Industrial. Tais empregados, como se sabe, eram submetidos a condições
extremas de trabalho, muitas vezes mortais, e o direito a um labor com
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condições dignas dizia respeito a todos estes trabalhadores genericamente
considerados.
1.2 Conceito de ação coletiva
O doutrinador Fredie Didier Junior conceitua a ação coletiva como
“aquele instaurado por ou em face de um legitimado autônomo, em que se
postula um direito coletivo latu sensu ou se afirma a existência de uma situação
jurídica coletiva passiva, com o fito de obter um provimento jurisdicional que
atingirá uma coletividade, um grupo ou um determinado grupo de pessoas”
O citado mestre em sua obra ainda apresenta a definição de Antônio
Gidi que conceitua a ação coletiva como aquela proposta por um legitimado
autônomo (legitimidade), em defesa de um direito coletivamente considerado
(objeto), cuja imutabilidade do comando da sentença atingirá uma comunidade
ou coletividade (coisa julgada)
1.3 Litisconsórcio x Ações coletivas
Importante se faz considerar que o exercício conjunto de uma ação por
diversas pessoas distintas não configura uma ação coletiva, e sim uma ação
individual com litisconsórcio.
Na forma do Código de Processo Civil, litisconsórcio representa a união
de litigantes, necessária ou facultativa, no pólo ativo ou passivo, para defesa de
direitos subjetivos individuais.
Por outro lado, a ação coletiva surge em razão de uma relação entre a
matéria litigiosa e a coletividade, onde o Direito apresenta mecanismos
processuais adequados e específicos para tutela destes direitos.
Neste ínterim, a diferença se baseia, essencialmente, na natureza da
matéria litigiosa discutida, e não na extrutura subjetiva da demanda.
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1.4 Ações coletivas no Brasil
Preliminarmente, insta ressaltar que a Constituição da República de
1988 prevê, no capítulo I do Título II “dos direitos e deveres individuais e
coletivos”, o que já evidencia, de plano, a preocupação do constituinte
originário com a tutela destes últimos. Dessa forma, o inciso XXXV da Carta
Magna deve ser interpretado a luz deste título de maneira que a lei não poderá
afastar da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça de lesão a direitos
individuais e coletivos.
Ademais, em diversas passagens a Carta de Outubro faz menção, direta
ou inndiretamente, aos direitos coletivos, como, por exemplo os incisos LXX e
LXXIII do artigo 5º, artigo 129 III dentre outros.
Não obstante, diversas leis esparsas tratam do tema, disciplinando
procedimentos para a efetivação da tutela coletiva, ou demonstrando a
preocupação do legislador com o tema, invocando a utilização de procedimento
já existente em outra norma para tutela destes direitos. Dessa forma, temos a
seguintes normas:
Lei 7347/85 – Disciplina a Ação Civil Pública.
Lei 4.717/65 – Disciplina a Ação Popular
Lei 7853/89 (art. 3o. – 7o.) - tutela dos direitos e interesses coletivos e
difusos das pessoas portadoras de deficiência
Lei 8069/90 (art. 208 a 224) - tutela dos direitos coletivos e difusos das
crianças e dos adolescentes
Lei 8078/90 (art. 81 a 104) - tutela dos direitos difusos e coletivos dos
consumidores; (art. 91 a 100)
Lei 10.741/2003 (art. 69 a 92) - tutela dos direitos coletivos e individuais
dos idosos
Lei 7913/89 - tutela os direitos individuais homogêneos dos investidores
no mercado de valores mobiliários
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1.5 Classificação dos direitos coletivos
Os direitos transindividuais, ou coletivos latu sensu, dividem-se em
direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, sendo a doutrina tranqüila
neste sentido. Tal classificação se origina do Código de Defesa do Consumidor
Lei 8.078/90 (artigo 81§ 1º). Insta destacar que o Código de Defesa do
Consumidor, a par de pretender tutelar apenas as relações de consumo, neste
ponto é aplicado de forma genérica para todo o sistema de proteção de direitos
transindividuais do ordenamento jurídico. É o entendimento quase que pacífico
da doutrina e jurisprudência.
Dessa forma, a conceituação de direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos fornecida pela citada Lei é aplicada indistintamente a todos os
demais procedimentos, formando-se um verdadeiro “microssistema” de tutela
destes direitos transindividuias.
Assim o artigo 81§1º conceitua direitos difusos como aqueles direitos
trannsindividuais, de natureza indivisível, e de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstância de fato.
Direitos Coletivos seriam aqueles transindividuais de natureza indivisível
de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas enntre si ou
com a parte contrária por uma relação jurídica base.
Direitos individuais homogêneos seriam aqueles decorrentes de origem
comum. Ressalta-se majoritariamente na doutrina não se consideram os
direitos individuais homogêneos como verdadeiros direitos metaindividuais.
Seriam direitos individuais que, por razão de economia processual e segurança
jurídica, seriam tutelados conjuntamente. Desta forma, são direitos
pertencentes a pessoas determinadas, divisíveis, porám unidas por um evento
comum.
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1.6 Ação civil pública
Ao lado da Ação Popular, a Ação Civil Pública, disciplinada pela Lei
7.347/85, é um dos mecanismos mais eficazes para tutela dos direitos
transindividuais no ordenamento jurídico nacional.
Visa a responsabilização por danos morais e patrimoniais causados ao
meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico, paisagístico, de ordenação urbana, bem como qualquer
outro interesse difuso ou coletivo.
Pode ter por objeto a condenação em dinheiro para o causador do dano
ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, podendo, a teor do
artigo 4º da Lei 7.347/85 ser ajuizada demanda cautelar com objetivo de
prevenir o dano.
Com relação à coisa julgada na ação civil pública, para as tutelas
referentes a direitos difusos e coletivos, a coisa julgada se dá secundum
eventum probationes na forma do artigo 16 da Lei; no caso da tutela de direitos
individuais homogêneos a coisa julgada será secundum eventum litis (a
procedência do pedido faz coisa julgada; já a improcedência não faz coisa
julgada para outros legitimados para ação, que podem renová-la possuindo
novas provas).
No que pertine à extensão subjetiva da coisa julgada, temos que está
será erga omnes nas tutelas de direitos difusos e individuais homogêneos
(neste último caso atinge todas as pessoas atingidas pelo evento); e ultra
partes nos casos de tutela de interesses coletivos.
A competência para julgamento da ação civil pública é determinada pelo
foro do local em que ocorreu o dano. Diverge, pois, da disciplina da Ação
Popular onde a competência é determinada pelo local de ocorrência do ato ou
fato danoso, que pode ou não coincidir com o local do dano.
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1.6.1 Legitimidade ativa para ação civil pública
O artigo 5º da Lei 7347/85 dispõe sobre a legitimação passiva para as
ações civis públicas nos seguintes termos:
“Art 5º: “Têm legitimidade para propor a ação principal e a
ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448,
de 2007).
II - a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448,
de 2007).
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
(Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade
de economia mista; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
V - a associação que, concomitantemente: (Incluído pela
Lei nº 11.448, de 2007).
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos
da lei civil; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção
ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à
livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico. (Incluído pela Lei nº
11.448, de 2007).
Dessa forma, pela análise do dispositivo citado, temos que as ações
civis públicas podem ser propostas pelos entes e órgãos ali previstos, sendo
que a legitimação é concorrente em caso de dano inerente as respectivas
áreas de atuação.
Dos órgão previstos na norma, destacam-se o ministério público e a
defensoria pública, dada a amplitude de atuação destes em face dos eventos
danosos ocorridos.
Com relação ao Ministério Público, este tem legitimidade para as ações
civis públicas prevista na própria Constituição da República, uma vez que a ele
cabe, como finalidade institucional, a tutela dos direitos transindividuais.
Destarte, prevê a constituição da República que:
Art. 127. “O Ministério Público é instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe
a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis.
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente
e de outros interesses difusos e coletivos”
Dessa forma, pela análise do dispositivo constitucional, ao Ministério
Público cabe a defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis, sendo
uma de suas funções a promoção das ações civis públicas para tutela de
interesses difusos e coletivos.
Há divergência doutrinária no que tange à abrangência da legitimação
do Ministério Público. Teria o Ministério Público legitimidade para propor ação
civil pública na defesa de direitos individuais homogêneos?
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Predomina o entendimento de que o Ministério Público só teria essa
legitimação no caso dos direitos lesionadodos possuírem repercussão social.
Para muitos doutrinadores seria necessário também tratar-se de direitos
indisponíveis
Importante se faz neste momento ressaltar a seguinte decisão do
Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:.
PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE
ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 129, III, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI 7.347/85. LEI 8.625/93.
DEFESA. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.
USUÁRIOS.SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE. MORTES DE
NEONATOS POR SEPTICEMIA.
1. É cediço na Corte que o Ministério Público tem legitimidade
ativa para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos
individuais homogêneos, desde que esteja configurado
interesse social relevante (Precedentes).
2. In casu, o Ministério Público do Estado de Roraima
propôs ação civil pública contra o Estado de Roraima para
condená-lo a indenizar os usuários do serviço público de
saúde prestado pelo Hospital-Materno Infantil Nossa
Senhora de Nazaré desde o ano de 1994, pelos prejuízos
de cunho material, consistentes nos danos emergentes e
lucros cessantes, e pelos danos morais, na conformidade
daquilo que cada um deles, individual e posteriormente,
vier a demonstrar em decorrência de que muitos usuários,
dentre eles vários nascituros, faleceram por deficiência de
assepsia material e/ou humana no referido hospital*.
3. Isto por que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico
'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos
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interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério
Público para o manejo dos mesmos.
4. O novel art. 129, III, da Constituição Federal habilitou o
Ministério Público à promoção de qualquer espécie de ação na
defesa de direitos difusos e coletivos não se limitando à ação
de reparação de danos.
5. Hodiernamente, após a constatação da importância e
dos inconvenientes da legitimação isolada do cidadão, não
há mais lugar para o veto da legitimatio ad causam do MP
para a Ação Popular, a Ação Civil Pública ou o Mandado de
Segurança coletivo.
6. Em conseqüência, legitima-se o Parquet a toda e
qualquer demanda que vise à defesa dos interesses
difusos e coletivos, sob o ângulo material (perdas e danos)
ou imaterial (lesão à moralidade).
7. Deveras, o Ministério Público está legitimado a defender os
interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos
e os individuais homogêneos.
8. Precedentes do STJ: AARESP 229226 / RS, Rel. Min.
Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 07/06/2004; RESP
183569/AL, deste relator, Primeira Turma, DJ de 22/09/2003;
RESP 404239 / PR; Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta
Turma, DJ de 19/12/2002; ERESP 141491 / SC; Rel Min.
Waldemar Zveiter, Corte Especial, DJ de 01/08/2000.
9. Nas ações que versam interesses individuais
homogêneos, esses participam da ideologia das ações
difusas, como sói ser a ação civil pública. A
despersonalização desses interesses está na medida em
que o Ministério Público não veicula pretensão pertencente
a quem quer que seja individualmente, mas pretensão de
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natureza genérica, que, por via de prejudicialidade, resta
por influir nas esferas individuais.
10. A assertiva decorre do fato de que a ação não se dirige
a interesses individuais, mas a coisa julgada in utilibus
poder ser aproveitada pelo titular do direito individual
homogêneo se não tiver promovido ação própria.
11. A ação civil pública, na sua essência, versa interesses
individuais homogêneos e não pode ser caracterizada
como uma ação gravitante em torno de direitos
disponíveis. O simples fato de o interesse ser supra-
individual, por si só já o torna indisponível, o que basta
para legitimar o Ministério Público para a propositura
dessas ações.
12. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte,
desprovido.
(REsp 637332/RR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 24/11/2004, DJ 13/12/2004 p. 242)
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CAPÍTULO II
A DEFENSORIA PÚBLICA E AS AÇÕES COLETIVAS
2.1 Ação direta de inconstitucionalidade nº 3943
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP
ajuizou ação direta de inconstitucionalidade do inciso II do artigo 5º da Lei nº
7.347, de 24 de julho de 1985, com redação dada pela Lei nº 11.448, de 15 de
janeiro de 2007.
A CONAMP alega que a lei impugnada ao conferir legitimidade à
Defensoria Pública para propositura de ação civil pública atinge diretamente a
atribuição que é do Ministério Público, o que impede o órgão de exercer
plenamente as suas atividades, conforme preceituado pela Constituição da
República.
A referida associação argumenta também que a norma atacada possui
vício material de inconstitucionalidade, tendo em vista que ao incluir a
Defensoria Pública no rol dos legitimados para a propositura da ação civil
pública teria violado os artigos 5º, inciso LXXIV, e 134, ambos da Constituição
da República que regulam a atividade da Defensoria Pública como instituição
criada para atender apenas os necessitados.
Explicita ainda que a Defensoria Pública somente deva atender àqueles
que comprovarem individualmente a carência financeira, pois seus assistidos
devem ser no mínimo identificáveis, não havendo possibilidade alguma de a
Defensoria Pública atuar na defesa de interesses difusos, coletivos ou
individuais homogêneos por afrontar aos citados mandamentos constitucionais.
A partir dos fundamentos apresentados a CONAMP requer a declaração
de inconstitucionalidade do inciso II do artigo 5º da Lei nº 7.347, de 24 de julho
de 1985, com redação dada pela Lei nº 11.448, de 15 de janeiro de 2007, por
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considerar que a legitimidade ampla auferida pela Defensoria Pública viola os
artigos 5º, inciso LXXIV, e 134 da Constituição da República.
2.2 Do acesso à justiça
Antes de comentarmos pontualmente os argumentos da ADI 3943 e os
motivos pelos quais acreditamos na constitucionalidade da norma impugnada,
ou seja, na legitimidade ativa da Defensoria Pública para o processo coletivo,
necessário se faz uma passagem sucinta pelos problemas estruturais
enfrentados pelo Judiciário brasileiro, assim como pelo tema do acesso à
justiça que pretende mostrar um caminho para minimizar todas essas
dificuldades à efetividade do processo.
Em relação aos problemas estruturais constata-se que o aumento do
contencioso e a judicialização das relações sociais, principalmente após a
abertura democrática, no caso brasileiro, geraram um grande aumento das
demandas jurídicas, eclodindo num número excessivo de processos, na falta e
insuficiência de juízes e na conseqüente morosidade da prestação jurisdicional.
A partir daí, teve início no Brasil um amplo processo de discussão e
reorganização do Poder Judiciário que deu relevância à celeridade, à economia
de recursos, à ampliação do acesso à justiça e ao uso técnicas que melhorem
a qualidade com que o Estado atue seu monopólio da jurisdição.
Dentre essas questões destacamos a problemática do acesso à justiça,
preocupação mundial na atualidade, que diz respeito ao efetivo exercício do
direito de ação, à formação cultural da população sobre a Justiça e à resolução
dos entraves relativos aos custos processuais.
Nessa seara, os renomados autores Mauro Cappelletti e Bryant Garth1
apresentam o que chamam de “soluções práticas para os problemas de acesso
à justiça”, dividindo o tema em três ondas renovatórias: a primeira onda trata da 1 CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça (tradução de Ellen Gracie Northfleet). Porto Alegre: S. A. Fabris Editor, 1988.
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assistência judiciária, que consiste em proporcionar serviços jurídicos aos
pobres para conscientizá-los de seus novos direitos e para que passem a ser
vistos como uma classe a fim de facilitar a promoção de tais direitos. A
segunda onda refere-se à representação dos interesses difusos, principalmente
quanto à legitimação ativa por indivíduos ou grupos, mudando o foco de uma
visão individualista de processo para uma concepção social e coletiva. E a
terceira onda cuida do novo enfoque dado ao acesso à justiça, através da
realização de reformas no sistema judiciário, que inclui: alterações
procedimentais; busca por soluções mais simples, acessíveis e céleres;
mudanças estruturais; modificação no direito substantivo destinada a evitar
litígios; promoção de uma justiça coexistencial2, baseada na conciliação e no
critério de equidade social distributiva e diminuição da burocracia, com
utilização de mecanismos privados ou informais.
Dentro dessa linha de pensamento, a Constituição da República prevê
em seu artigo 5º, inciso LXXIV que o Estado prestará assistência jurídica e
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos como garantia
individual do nosso regime democrático e, institui a Defensoria Pública como
órgão incumbido da orientação jurídica e a defesa dos necessitados3.
Ainda nesse diapasão, nossos legisladores introduziram e continuam a
implantar no ordenamento jurídico brasileiro importantes mecanismos de
proteção aos interesses difusos e coletivos, como por exemplo, o Código de
Defesa do Consumidor4, que conjuntamente a Lei de Ação Civil Pública5 e
demais normas afins formam o microssistema de proteção e defesa dos
interesses difusos e coletivos, que busca atenuar o problema da falta de uma
2 TAVARES, Marcelo Leonardo. Carentes de Justiça. Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, nº 17, p. 127/146. Ano 2001.
3 BRASIL. Constituição (1988), artigo 134. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 4 BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. “Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.” Disponível em <www.planalto.gov.br> Acesso em 20 de maio de 2009. 5 BRASIL. Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985. “Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagismo e dá outras providências.” Disponível em <www.planalto.gov.br> Acesso em 20 de maio de 2009.
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boa e célere prestação jurisdicional e resolver coletivamente inúmeras lides em
prol do efetivo acesso à justiça.
Verifica-se, dessa forma, que a inclusão da Defensoria Pública no rol de
legitimados ao ajuizamento da Ação Civil Pública, através da lei nº 11.448, de
15 de janeiro de 2007, segue os mandamentos há muito tempo delineados
pelos autores Cappelletti e Garth, o que nos permiti fazer uma inter-relação
entre as três ondas de acesso à justiça, e assim caminhar numa marcha
evolutiva de modernização e melhoria da efetiva entrega da tutela jurisdicional.
2.3 O papel da defensoria no acesso à ordem jurídica justa6
A instituição Defensoria Pública deve ser considerada no quadro
jurídico-político contemporâneo, dentre as funções essenciais à justiça, como
verdadeiro pilar do Estado Democrático de Direito a fim de assegurar dentro de
uma sociedade pluralista7 as garantias fundamentais de cada cidadão,
encetada no papel de promover aos necessitados o acesso à ordem jurídica,
orientando-lhes e defendendo seus interesses, tornando nesse ponto
específico mais factível a realização do valor constitucional da dignidade da
pessoa humana.
A Professora Maria Celina Bodin de Moraes desdobra juridicamente o
princípio da dignidade da pessoa humana em quatro postulados essenciais:
direito à igualdade, tutela da integridade psicofísica, direito à liberdade e a
solidariedade social.8
6 WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e Sociedade Moderna in Participação e Processo, coord. De Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe. São Paulo: RT, 1998, p. 135.
7 NETO, Diogo Figueiredo Moreira. A Defensoria Pública na construção do Estado de justiça. Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, nº 7, p. 15/41. Ano 1995.
8 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: Uma Leitura Civil-Constitucional dos danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
24
A defesa técnica foi erigida a dogma constitucional de forma que sempre
quando dois interesses forem postos à discussão em juízo, seja garantida
igualdade substancial a ambas as partes e um mínimo de competência técnica
profissional, conforme previsto nos artigos 5º, incisos LV e LXXIV, 133 e 134,
todos da Constituição da República.
A referida defesa técnica será exercida por órgãos que são essenciais à
realização da justiça, equiparados constitucionalmente aos órgãos de poder, e
que apesar de não formarem em si um quarto poder, devem ser entendidos
como um conjunto de órgãos que possuem funções imprescindíveis ao Estado
Democrático de Direito.
O professor Diogo Figueiredo Moreira Neto chama esses órgãos de
instituições de provedoria de justiça, que atuam a serviço de valores cívicos, da
cidadania, controlando a legalidade, a legitimidade e a moralidade da atuação
dos governantes, seja diretamente através da advocacia privada e da
advocacia dos necessitados, seja de forma indireta nas figuras do Ministério
Público e da advocacia do Estado9.
Eis daí que se destaca a Defensoria Pública como instituição essencial
para a efetivação da Justiça em nosso país, que possui uma grande
desigualdade social, com um contingente imenso de pessoas marginalizadas,
em situação de miséria e, dessa forma, a Defensoria com sua atividade de
atender aos necessitados e aos menos amparados, seja econômica, social ou
politicamente pretende realizar o princípio da igualdade material ao propiciar
aos carentes serviços eficientes e universalizados de assistência judiciária
gratuita.
Ao prestar este serviço para a população com maior dificuldade
financeira a Defensoria Pública atua como um verdadeiro agente de inclusão
social, provedor do acesso à justiça e conscientizador da sociedade sobre o
exercício pleno da cidadania.
9 NETO, Diogo Figueiredo Moreira. A Defensoria Pública na construção do Estado de justiça. Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, nº 7, p. 15/41. Ano 1995.
25
Ressalta-se ainda, que o papel da Defensoria Pública vai além de atuar
em favor dos necessitados econômicos, o que poderíamos chamar de sua
função típica, como também exerce diversas funções atípicas dentre as quais a
defesa e orientação dos hipossuficientes técnicos, informacionais ou jurídicos,
por exemplo, quando atua como curador especial dos incapazes.
A missão constitucional da Defensoria Pública não se restringe apenas
na defesa dos interesses individuais dos desfavorecidos, pois sua função se
enquadra perfeitamente na tutela dos interesses metaindividuais dos
necessitados, isso porque tal restrição seria uma verdadeira mácula aos
direitos e garantias fundamentais previstos como cláusulas pétreas pela
Constituição da República, na qual está incluído que o Estado prestará
assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, não se impondo
medida quanto ao tipo de tutela processual a ser adotada.
A essa garantia deve ser dada interpretação evolutiva e ampliativa,
sempre no sentido de melhor atender aos anseios dos que já sofrem com a
insuficiência de recursos, de modo que lhes seja assegurada a máxima
efetividade dos valores constitucionais inseridos nos serviços da Defensoria
Pública, conquanto imprescindíveis ao acesso à ordem jurídica justa e ao
fortalecimento do Estado Democrático de Direito.
2.4 A legitimidade ativa ad causam na tutela processual
coletiva
Uma maior instrumentalização da tutela processual coletiva tornou-se
cada vez mais pungente na atualidade, principalmente quando um grande
número de demandas da sociedade não é mais atendido de forma adequada
pela tutela processual civil individual, que em muitos casos se demonstra
ultrapassada.
26
Dentro desse contexto, surge a questão da legitimidade ativa para o
ajuizamento das ações coletivas que até hoje gera polêmica, com posições
divergentes quanto à natureza da legitimidade, bem como quanto aos
legitimados para sua propositura.
No tocante a natureza da legitimidade, a maioria da doutrina se prende a
forma de classificação do processo civil individual, dividindo-a em ordinária e
extraordinária, através da qual será ordinária quando for legitimado para atuar
em juízo tão-somente o titular do direito material deduzido na demanda e, por
outro lado, será extraordinária (artigo 6º do CPC) quando uma norma jurídica
autorizar que alguém vá a juízo, em nome próprio, na defesa de interesse
alheio10.
Em razão das mais diversas posturas adotadas por renomados autores
quanto à natureza da legitimidade ativa ad causam no processo coletivo,
abaixo decorreremos sobre alguns destes principais posicionamentos.
Inicialmente temos o professor Kazuo Watanabe que, inspirado na
doutrina italiana e alemã, ao se reportar à legitimidade das associações para
ajuizarem uma ação em juízo em defesa de seus associados e dos seus fins
consigna ser hipótese de legitimação ordinária, tendo em vista que estará
defendendo direito próprio, pois para o autor a defesa dos interesses de seus
associados e dos seus fins são suas próprias razões de existirem.11
Diversamente, ao analisar o caso da ação popular, subespécie de ação
civil pública12, o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro Alexandre Freitas Câmara entende que a legitimidade do cidadão é
extraordinária, uma vez que o interesse submetido à tutela jurisdicional é um
interesse supra-individual13.
10 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 107.
11 WATANABE, Kazuo. Tutela jurisdicional do interesses difusos: a legitimação para agir. A tutela dos interesses difusos. Ada Pellegrini Grinover (coord.). São Paulo, Max Limonad, 1984.
12 FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 159.
13 CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. Cit., p. 108.
27
Corroborando com o pensamento de que é caso de legitimidade
extraordinária o professor Aluisio Gonçalves de Castro Mendes diz que quando
a lei autoriza que alguém demande ou venha a ser demandado, em nome
próprio, para defender direito que supostamente, em parte ou no todo, não lhe
pertence, a legitimação será extraordinária.14 E mais longe ainda vai a doutrina
do professor Barbosa Moreira que defende a tese de ser a legitimidade
extraordinária em ações coletivas, independente de expressa autorização legal,
podendo ser depreendida do todo do sistema jurídico.15
Por outro lado, pautado em teoria oriunda do direito alemão e fugindo da
dicotomia clássica entre legitimação ordinária/extraordinária do processo civil
individual, Nelson Nery Júnior defende que a legitimidade para a defesa de
direitos transindividuais em juízo não é extraordinária (substituição processual),
mas sim legitimação autônoma para condução do processo16, uma espécie de
legitimação objetiva, não se vinculando à relação de direito material, surgindo
diretamente de uma norma de direito processual que determina quem possuirá
a discutida legitimidade ativa, pois os titulares do direito não podem
individualmente fazê-lo ou, em muitas das situações não podem sequer serem
identificados.
Essa terceira corrente vem ganhando cada vez mais adeptos no Brasil,
dentre os quais podemos citar um dos autores do Anteprojeto de Código
Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América e também do Código de
Processo Civil Coletivo: um modelo para países de direito escrito, o professor
14 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas no direito nacional e comparado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 159.
15 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados interesses difusos. Temas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 111.
16 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. São Paulo: RT, 2003, p. 1885.
28
Antônio Gidi17, e nessa linha de raciocínio segue a obra de Marcelo Abelha
Rodrigues18.
Ao analisarmos os três modelos de natureza da legitimidade ativa em
processo coletivo apresentados pelos ilustres juristas brasileiros constatamos
que o conceito de legitimidade autônoma para condução do processo por não
se preocupar com os detentores do direito material deduzido em juízo é o que
mais se aproxima da finalidade da tutela processual coletiva. Até porque,
muitas vezes, a titularidade do direito material não se mostra possível, por
exemplo, no caso dos direitos difusos que, segundo o Código de Defesa do
Consumidor são aqueles transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam
titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.
No caso da legitimação autônoma para a condução do processo não há
preocupação com a premissa clássica individualista de que ninguém poderá
pleitear em juízo um direito alheio, salvo exceção legal, o que demonstra um
rompimento de paradigma, no qual se abandona a idéia matriz de vinculação
entre a titularidade do direito material e a potencialidade de levá-lo a juízo, para
sedimentar-se na idéia de legitimação fundada na representação adequada
oriunda do class action do direito norte-americano, que seria aquela que está
pronta para garantir aos membros de um grupo, categoria ou classe de
pessoas a melhor defesa judicial possível.
É bem verdade que o legislador brasileiro não foi tão corajoso para
deixar a verificação da adequada representação à decisão dos órgãos
julgadores, modalidade ope judicis, nem mesmo deu direito de ação coletiva
aos cidadãos, conforme se verifica nas legislações alienígenas, preferindo o
sistema da prévia determinação legal do rol de legitimados para o ajuizamento
das demandas de cunho coletivo, o que reaproxima ortodoxicamente da noção
tradicional individualista de legitimação. Tal posicionamento nos leva a
classificá-la como hoje se encontra de legitimação autônoma adequada,
17 GIDI, Antônio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995.
18 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação civil pública e meio ambiente. São Paulo: Forense, 2003.
29
proposição intermediária entre a legitimação extraordinária (direito processual
individual) e a representação adequada (direito processual coletivo).
Dessa forma, temos a chamada legitimação autônoma adequada para a
condução do processo pelo qual foram selecionados determinados entes
públicos, privados e despersonalizados como adequados a legitimar em juízo a
condução de uma tutela coletiva, autonomamente do titular do direito material
discutido.
Quanto aos legitimados, expressamente previstos em lei, essa
legitimação também será classificada como concorrente e disjuntiva.
Concorrente porque a legislação pátria prevê a atuação de diversos sujeitos de
direito devidamente autorizados e com igualdade de instrumentos para
ajuizarem a demanda coletiva, em conjunto ou em separado, inclusive com a
possibilidade de qualquer deles aderir à ação ajuizada por outro, como
assistente litisconsorcial. E disjuntiva, em razão de que cada entidade
legitimada a exerce independentemente da vontade dos demais co-
legitimados19.
2.5 A legitimidade da defensoria pública
Dentre os legitimados para propositura de tutela jurisdicional coletiva o
que o presente trabalho se propõe a detalhar é a legitimidade ativa da
Defensoria Pública, pela qual insta consignar que o ajuizamento da Ação civil
pública pela propagada instituição tornou-se expresso com a sua inclusão pela
Lei 11.448/2007 no rol de legitimados previsto no artigo 5º da Lei nº 7.347/85.
Entretanto, muito antes da referida norma entrar em vigor diversos
órgãos da Defensoria Pública já ajuizavam ações coletivas através de seus
órgãos despersonalizados criados com finalidades especiais, como por
exemplo, o NUDECON – Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria 19 DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil – processo coletivo – v. 4. Salvador: Jus Podivm, 2009, p. 201.
30
Pública do Estado do Rio de Janeiro, com base no artigo 82, III da Lei 8.078/90
(Código de Defesa do Consumidor) que prevê que entidades e órgãos da
administração pública, direta ou indireta, mesmo sem personalidade jurídica
podem exercer em juízo a defesa dos interesses e direitos difusos dos
consumidores.
Por oportuno, destaca-se que a doutrina e a jurisprudência já vêm por
um longo período a admitir a ampliação do rol de legitimados para o
ajuizamento das demandas coletivas realizados pelo CDC, que é um dos
diplomas legais fundantes do microssistema de tutela processual coletiva, em
observância à inter-relação prevista nos artigos 21 da Lei nº 7.347/85 com o
artigo 90 da Lei 8.078/90, que prevêem a aplicação mútua de ambos os
ordenamentos legais.
Destarte, resta demonstrado que a legitimidade ativa da Defensoria
Pública para o direito processual coletivo advém de período anterior ao da
norma atacada pela ADIN nº 3943, que apenas confirmou os sopros oriundos
da doutrina e das decisões jurisprudenciais dos nossos mais diversos
Tribunais.
A regulação prevista na Lei nº 11.448/07 caminha num contexto
evolutivo de implantação do processo coletivo, no qual se busca dar maior
abrangência a este tipo de medida judicial, com a ampliação do rol de
legitimados para o ajuizamento das referidas tutelas, retomado na Constituição
Republicana de 1988 com a legitimação dada pela norma superior ao cidadão
para ajuizar ação popular20, assim como com a previsão expressa do mandado
de segurança coletivo21 no qual prevê a legitimidade para entidades de classe,
associações entre outros legitimados.
Não podemos nos esquecer de que se encontra em discussão projetos
de codificação processual civil coletiva22 que pretendem atender os anseios da
20 BRASIL. Constituição de 1988, art. 5º, inciso LXXIII. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 21 Ibid, art. 5º, inciso LXX. 22 Os projetos citados são: a) Código de Processo Coletivo Modelo para países de direito escrito – Projeto do Professor Antônio Gidi; b) Anteprojeto de Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-américa do Instituto Ibero-americano de Direito Processual - IIDP; c)
31
coletividade, bem como dar ênfase à proteção dos direitos fundamentais dos
indivíduos com uma maior efetividade da tutela coletiva, de forma a garantir o
acesso à ordem jurídica justa, com a inclusão no rol de legitimados até mesmo
do próprio cidadão. Ressaltamos ainda, que o Anteprojeto de Código Brasileiro
de Processos Coletivos do Instituto Brasileiro de Direito Processual e o
Anteprojeto da UERJ/UNESA já trazem a Defensoria Pública como legitimada
ativa para propositura de demandas coletivas, tendo em vista ser órgão
essencial à realização da justiça.
Na verdade, esses anteprojetos ao incluírem a Defensoria Pública no
elenco de legitimados estão apenas legislando e confirmando o que já é praxe
na jurisprudência de nossos Tribunais.
Contudo, apesar de atualmente a grande maioria da doutrina e
jurisprudência admitir a legitimidade da Defensoria em processo coletivo uma
nova discussão se inicia no que tange à amplitude dessa legitimidade. E os
questionamentos perpassam pela exigência ou não de a Defensoria Pública
comprovar que sua atuação é estritamente em benefício dos necessitados.
Não resta a menor dúvida que a função primordial da Defensoria Pública
é a orientação e defesa gratuita dos economicamente hipossuficientes, como
mola propulsora do acesso à justiça. Merece, portanto, interpretação
ampliativa, de modo a evitar a exclusão, a marginalização e, principalmente, a
reduzir a desigualdade social que assola nosso país.
Nesse desiderato, ao garantir o mínimo ético irredutível23, condição valor
intrínseco à condição humana, através da assistência judiciária universal e
gratuita, a Defensoria Pública está exercendo sua função essencial à justiça
brasileira e papel preponderamente garantidor dos direitos fundamentais dos
indivíduos.
Anteprojeto do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP; d) Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, coordenado pelo Professor Aluísio Gonçalves de Castro Mendes – UERJ/UNESA in DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil – processo coletivo – v. 4. Salvador: Jus Podivm, 2009.
23 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 16.
32
Então, seja na defesa de interesses e direitos difusos e coletivos, ambos
de natureza indivisível, que possuem como titulares pessoas indeterminadas
ou, um grupo, categoria ou classe de pessoas, respectivamente, como também
na proteção de interesses e direitos individuais homogêneos que são aqueles
apenas acidentalmente coletivos, pois decorrentes de origem comum, a
atuação da Defensoria Pública é pautada no valor dignidade humana.
Portanto, mesmo quando os titulares do interesses protegidos sejam
indeterminados, como no caso dos direitos difusos, a ação proposta pela
Defensoria terá fundamentação constitucional na busca por garantir no seio da
sociedade brasileira, na qual se inclui milhões de pessoas carentes, o exercício
dos seus direitos fundamentais e, por pressuposto, se a decisão propugnada
beneficiar além dos necessitados, outros mais abastados, não estará
configurado nenhum prejuízo. Na realidade, absolutamente prejudicial será
negativa aos mais desprovidos de recursos do acesso à justiça, apenas porque
seus interesses são difusos ou coletivos.
Qualquer restrição à utilização do direito processual coletivo pela
Defensoria Pública seria um atentado aos preceitos da nossa constituição e iria
contra as mais modernas orientações no sentido de ampliação do acesso à
ordem jurídica justa.
2.6 A Nova Lei Complementar nº 132/2009
A Lei Complementar 80/1994, Lei Orgânica Nacional da Defensoria
Pública, que Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos
Territórios e prescreve normas gerais para a organização da Defensoria
Pública dos Estados foi alterada recentemente pela Lei Complementar
132/2009.
Dentre as diversas alterações estabelecidas pela nova norma, foram
atualizadas as funções institucionais da Defensoria Pública, aplicando-se a
todas as Defensorias Públicas do país o novo disciplinamento.
33
Neste mister, o artigo 4º da Lei Complementar 80/94 com a alrteração que lhe
foi dada pela Lei Complementar 132/09 prevê o seguinte:
“Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública,
dentre outras:
VII – promover ação civil pública e todas as espécies de
ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos
difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o
resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas
hipossuficientes; (Redação dada pela Lei Complementar nº
132, de 2009).’
Neste ponto, a nova norma atualizou a Lei Orgânica Nacional, de
maneira a adequa-la à nova função das defensorias públicas no que tange à
tutela dos direitos coletivos dos cidadãos.
Não obstante, ao tratar do tema, o citado dispositivo prevê que a
atuação da defensoria pública deverá ocorrer nos casos em que “o resultado
da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes.”
Observa-se com tal previsão que o legislador perdeu grande
oportunidade de conferir às defensorias públicas uma aptidão genérica para
ingressar com as ações coletivas em todos os casos, independentemente da
presença de hipossuficientes como vítimas do evento danoso, assim como o
faz o Ministério Público.
Insta ressaltar que a constitucionalidade dessa limitação imposta pela
nova lei, no que tange à legitimação da defensoria pública para as ações
coletivas, vai sofrer influencia do julgamento que será proferido pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI proposta pela CONAMP, uma vez que se este Tribunal
entender que a legitimação das defensorias é ampla, sem a necessidade de