UNICURITIBA – CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA NEUSA MARIA CARTA WINTER POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE CRÉDITO ÀS EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A EFETIVIDADE DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA POSSIBILITY OF CONCESSION OF CREDIT COMPANIES IN RECOVERY AND EFFECTIVENESS OF JUDICIAL FUNCTION PRINCIPLE OF SOCIAL ENTERPRISE CURITIBA 2014
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UNICURITIBA – CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA · empresarial, em consonância com a Constituição Federal. Nesse tópico, será analisada a sustentabilidade e as crises na empresa,
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UNICURITIBA – CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA
NEUSA MARIA CARTA WINTER
POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE CRÉDITO ÀS EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A EFETIVIDADE
DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA
POSSIBILITY OF CONCESSION OF CREDIT COMPANIES IN RECOVERY AND EFFECTIVENESS OF JUDICIAL FUNCTION
PRINCIPLE OF SOCIAL ENTERPRISE
CURITIBA 2014
NEUSA MARIA CARTA WINTER
POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE CRÉDITO ÀS EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A EFETIVIDADE
DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA
POSSIBILITY OF CONCESSION OF CREDIT COMPANIES IN RECOVERY AND EFFECTIVENESS OF JUDICIAL FUNCTION
PRINCIPLE OF SOCIAL ENTERPRISE
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba, como requisito parcial para a obtenção de título de Mestre em Direito.
Orientador: Professor Doutor Francisco Cardozo Oliveira.
CURITIBA 2014
NEUSA MARIA CARTA WINTER
POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE CRÉDITO ÀS EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A EFETIVIDADE
DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito pelo Centro Universitário Curitiba.
_______________________________________
Presidente: Doutor Francisco Cardozo Oliveira
_______________________________________
Doutora Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr
_______________________________________
Doutor Clayton Reis
Curitiba, 12 de Maio de 2014.
A minha filha, ANDRESSA HELENA, razão da minha caminhada.
A meus pais, NEUMAR e EDGAR, meu porto seguro.
A minha irmã, TERESA CRISTINA, o meu carinho.
Ao ABRÃO, meu marido, pela compreensão.
AGRADECIMENTOS
Ao eminente professor, Dr. Francisco Cardozo Oliveira, orientador atento e
presente, cujos conhecimentos e elucidações conduziram-me ao aprofundamento da
pesquisa científica necessária para tornar efetivo este trabalho, os mais profundos
agradecimentos.
RESUMO
Esta dissertação analisa o instituto de recuperação judicial, com base na lei de falência e recuperação (Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005). O Texto analisa o princípio da função social da empresa, que prevê a oportunidade de uma sociedade empresária que passou ou esteja passando por uma crise econômico-financeira, poder vir a se recuperar e voltar a competir no mercado. Por meio do tema desenvolvido, pretende-se averiguar se a concessão de crédito para empresas em recuperação é um instrumento para a efetiva função social e sustentabilidade, fazendo com que ela permaneça com o seu negócio propriamente dito. Com efeito, quer no âmbito judicial, quer no âmbito extrajudicial, a lei, com arrimo na Constituição Federal, busca conceder mecanismos jurídico-econômicos para a tentativa de soerguimento da empresa em crise que merece, por assim dizer, os remédios previstos no diploma legal em análise. Será abordado, também, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e o novo modelo de mercado adotado pela nova lei de recuperação judicial.
Palavras-chave: Recuperação Judicial. Sustentabilidade. Função Social da Empresa.
ABSTRACT
This dissertation analyzes the institute bankruptcy, based on the law of insolvency and recovery (Law 11.101, of February 9, 2005). The text analyze the principle of the social function of the company, which provides the opportunity for an entrepreneurial company that has or is going through an economic and financial crisis, can recover and return to compete in the market. Through the theme developed, is intended to determine whether the granting of credit to businesses is a recovery tool for effective social function and sustainability, making remain the same with your business itself. Indeed, whether in the judicial or extrajudicial under the law, with breadwinner in the Federal Constitution, seeks to grant legal and economic mechanisms to attempt to uplift the company's crisis deserves, so to speak, the remedies provided for in statute analyzed. It will be also addressed the constitutional principle of human dignity and the new market model adopted by the new bankruptcy law.
Keywords: Judicial Restructuring. Sustainability. Social function of the company.
Na economia contemporânea, é inegável o papel de destaque mundial
alcançado pelas empresas. Isso se deve especialmente por força da adoção maciça
do regime capitalista, com seu modelo econômico de livre mercado, pelo surgimento
de novas práticas comerciais, assim como por força do avanço tecnológico e do
advento do fenômeno globalizante.
Diante dessa conjuntura, houve a necessidade, no ordenamento jurídico
brasileiro, de revisão de conceitos, institutos e teorias, o que culminou na valorização
da atividade empresarial, na atual estrutura econômico-jurídica, por meio da adoção
da teoria da empresa, colocando-a como foco do Direito Comercial Brasileiro e no
Código Civil Brasileiro. Assim, reconhece-se o papel da empresa como mola
propulsora da economia dos Estados, já que promove a circulação de riquezas,
oportuniza empregos e pagamento de tributos, oferece mercadorias e serviços à
população, além de proporcionar a concorrência, gerando conveniências aos
consumidores, à sociedade e ao Estado, seja de forma direta ou não, fomentando,
demais disso, a inovação tecnológica.
Surge, enfim, a ideia de função social da empresa, em decorrência do
princípio da dignidade humana. Nesse sentido, deve-se entender por função social a
obtenção de um resultado das atividades humanas em prol da coletividade. A ideia
de atividade empresária transcende a expectativa de lucro e passa, agora, a se
justificar à medida que, também, traz retornos positivos à sociedade.
Essas conclusões são facilmente extraídas do texto constitucional em
diversas passagens, como, por exemplo, no inciso XXIII do art. 5º, da CF/1988, que
fixa o dever do empresário de observar a função social; no art. 170 da CF/1988, que
coloca a valorização do trabalho humano como fundamento e a dignidade como
finalidade da ordem econômica, a qual deverá atender aos ditames da justiça social.
Portanto, nessa dissertação, serão abordados temas, a partir da função do
sistema de crédito na economia de mercado, o instituto da recuperação judicial e a
regulação dos direitos dos credores e a importância da manutenção do crédito na
recuperação judicial: função social da empresa e sustentabilidade empresarial.
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A presente dissertação está dividida em quatro capítulos, além da introdução
e conclusão, tratando, o primeiro capítulo, dos fundamentos institucionais da
empresa. Nesse capítulo, será feita uma abordagem do histórico da empresa, além
da evolução do conceito de empresa. Em seguida, será analisada a empresa na
atualidade, de acordo com os novos paradigmas da empresa, em face do novo
Código Civil.
No segundo capítulo, será abordada a função do sistema de crédito na
economia de mercado. Nesse capítulo, analisa-se a ordem econômico-
constitucional, onde se rompe o modelo positivista, em que o direito era visto como
um mero reprodutor da realidade, para dar lugar a uma Constituição marcadamente
principiológica, compromissada com a transformação social. Em seguida, embasado
na principiologia de índole democrática, marcada pela primazia da dignidade
humana, será analisado o art.170 e seguintes da Constituição Federal, que trata da
ordem econômica e financeira, disciplinando os princípios gerais da atividade
econômica. Ainda, será analisada a importância do crédito para a economia de
mercado e suas garantias de crédito.
No terceiro capítulo, será abordado o instituto da recuperação judicial da
empresa e a regulação dos direitos dos credores, com as alterações dadas pela Lei
11.105/2005, desde a sua formação até o momento da crise e dos problemas
estruturais relacionados às empresas e aos sócios ou acionistas. A presente
dissertação fará uma incursão no direito comparado, através da análise do
Bankruptcy Code, que trata da reorganização judicial nos Estados Unidos da
América, apresentando um histórico da origem da lei de recuperação judicial, com
base na legislação norte-americana e a mudança de paradigma da lei de
recuperação judicial, com ênfase na manutenção da atividade empresarial e os
aspectos jurisprudenciais da referida lei.
No quarto e último capítulo, será abordada a importância da manutenção do
crédito na recuperação judicial como função social da empresa e sustentabilidade
empresarial, em consonância com a Constituição Federal. Nesse tópico, será
analisada a sustentabilidade e as crises na empresa, bem como a função social da
empresa, propriamente dita. Em seguida, será analisada a dignidade da pessoa
humana, preservada pela manutenção do crédito da empresa e, finalmente, quais os
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reflexos da recuperação judicial de empresas no mercado e no sistema de crédito e
as tendências jurisprudenciais, em face da recuperação judicial.
A presente dissertação analisa a atividade empresarial, com enfoque no texto
constitucional: inclusão e sustentabilidade, apontando, ao mesmo tempo, a
fragilidade da Lei 11.101/2005 e um caminho para que a empresa supere a crise.
Por fim, o trabalho pauta-se no método dialético de pesquisa, por meio do
qual pretende-se discutir e debater o tema proposto por uma moldura analítico-
crítica.
O desenvolvimento da pesquisa será realizado por meio da técnica de
utilização de pesquisa bibliográfica em doutrina, legislação e jurisprudência. Por fim,
o método de procedimento a ser adotado será a exploração dos itens acima
referidos, sobretudo trançando-se comparativos científicos, doutrinários e possíveis
casos judiciais atinentes à problemática.
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2 FUNDAMENTOS INSTITUCIONAIS DA EMPRESA
2.1 HISTÓRICO DA EMPRESA
Para falar de empresa, é necessário fazer uma análise de alguns aspectos
relacionados à história do próprio direito comercial, para que se delineie o contexto
em que aquela passou a ter um sentido jurídico.
As primeiras manifestações de regras de cunho comercial datam de 1850 e
1750 a.C., com o Código de Manu, na Índia, e o Código de Hamurabi, na Babilônia.
Nos séculos XVI e XV a.C., os fenícios eram os responsáveis pela intermediação de
produtos entre a Ásia e o Mediterrâneo, onde estavam os gregos, denominados
“empório do comércio europeu ocidental” por Waldemar Ferreira1, pela intensidade
de sua atividade comercial.
Em razão desse comércio, surgem as normas costumeiras marítimas de
índole internacional.
Os romanos, embora não possuíssem uma legislação comercial específica,
contribuíram com o direito comercial, através do costume da escrituração doméstica
difundido em todas as casas, o que deu origem aos livros comerciais; as regras
sobre contratos e obrigações, que deram alicerce às transações mercantis; os
institutos da falência e da ação pauliana; o comércio sendo realizado pelos escravos
em nome de seus senhores, o que deu origem à representação comercial.
No século IX, já Idade Média, com o domínio muçulmano nos mares, a
Europa se vê isolada e o comércio passa a ser feito internamente, em terra, para
garantir sua segurança. Surgem as grandes feiras. É a partir desse momento que o
direito comercial começa a se formar. Na Idade Média, surgem as corporações de
ofício, entre elas, as de mercadores. Esses profissionais criaram um direito ágil, vivo
e sagaz em suas corporações, que foi o contraponto do direito romano-canônico,
1FERREIRA, Waldemar Martins. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1960, p. 33, v.1.
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formal e solene, absoluto, até então.2
As pendências entre eles eram solucionadas internamente, por cônsules
eleitos, que utilizavam, nas suas decisões, os usos e costumes, a equidade e o
contido em seus estatutos, sem grandes formalidades. Foram os ancestrais dos
Tribunais de Comércio.
Os cônsules acabavam por atuar, também, legislativamente, criando normas
com seus julgados. Como estas normas eram mais favoráveis aos mercadores, por
atentarem para a natureza específica de sua profissão, necessário foi estabelecer e
determinar quem realmente seria profissional do comércio. O critério utilizado era a
matrícula na corporação. Se o indivíduo estava nela matriculado, poderia ter suas
questões apreciadas, conforme as regras especiais. É o chamado período subjetivo
do direito comercial (séculos XII a XVIII).
Com o enfraquecimento das corporações de ofício em França, no século XVI,
que foram perdendo espaço de decisão para os tribunais do Estado, os usos e
costumes ainda continuaram a ser aplicados na solução de conflitos atinentes aos
comerciantes.
Quando as corporações se extinguiram, o direito comercial já estava
sedimentado. Sendo, contudo, um direito especial, deveria continuar a ter seu
alcance limitado aos profissionais da área. Nesta fase, era perceptível que nem toda
a atividade comercial era praticada por profissionais do comércio, já que alguns
institutos, originalmente comerciais, tiveram seu uso generalizado, como a letra de
câmbio, por exemplo. Como o critério subjetivo já não mais poderia ser utilizado,
surgiu a teoria dos atos de comércio, mais objetiva, atendendo ao princípio da
igualdade, um dos característicos da Revolução Francesa, como critério de
caracterização dos destinatários das normas reguladoras da atividade mercantil.
Pela teoria dos atos de comércio, surgida em 1807, com o Código
Napoleônico, “o direito comercial deixou de ser apenas o direito de uma certa
categoria de profissionais, organizados em corporações próprias, para se tornar a
disciplina de um conjunto de atos que, em princípio, poderiam ser praticados por
2BULGARELLI, Waldirio. Tratado de Direito Empresarial. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 14.
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qualquer cidadão.”3
É o período objetivo dos atos de comércio, no qual floresceram legislações
importantes, como o já citado Código Comercial da França (1807) e suas derivações
na Espanha (1829), Portugal (1833), Brasil (1850) e Itália (1865). A Alemanha e os
países da common law não se perfilharam a ela.
O Código Comercial Brasileiro, como derivação do Código Comercial
Francês, centrou sua regulamentação nos atos de comércio – embora não
mencionasse esta expressão – para delimitar a matéria de sua competência, a ser
conhecida pelos Tribunais do Comércio.
Mesmo com a extinção da jurisdição especial no Brasil, em 1875, a
caracterização do comerciante continuou sendo importante para a aplicação de
dispositivos específicos, em razão da especialidade da atividade, como as falências
e concordatas, a locação comercial, a validade probatória da escrituração comercial
regular.
Todavia, como evidente, a atividade econômica é dinâmica e inovadora. A
classificação de um ato como de comércio decorre da lei, ou seja, tem um caráter
positivista, e a lei, como visto, não conseguiu acompanhar as inovações surgidas, ao
longo do tempo.
Assim sendo, a teoria dos atos de comércio foi se tornando obsoleta para
determinar a qualidade de comerciante, já que não houve uma conceituação
genérica de ato de comércio.
O comércio tem sido uma das atividades humanas mais dinâmicas de que se
tem notícia. Seus modos, costumes e legislação vão se modificando, para
acompanhar as inovações tecnológicas e as necessidades da sociedade.
O comércio, no sentido jurídico, então, deixou de ser considerado de modo
estrito, ou seja, apenas como o ato de intermediar a compra e venda, entre produtor
e consumidor – atacado e varejo.
3COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 12, v. 3.
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A teoria dos atos de comércio, não se mostrando capaz de atender ao
dinamismo social, outro critério de qualificação do comerciante teve que ser
introduzido.
Este novo critério foi denominado teoria da empresa e surgiu na Itália, em
1942, com seu novo Código Civil, que unificou a regulamentação da atividade
privada.
Subjetivo, porque é impossível separar a atividade de seu agente. Tanto
assim que o Código Civil italiano, como salientado, bem como o novo Código Civil
pátrio, não conceituam a empresa, mas o empresário. As regras serão aplicadas ao
sujeito de direito: esse sujeito é o empresário ou a sociedade empresária.
Mesmo antes da aprovação do Código Civil, o direito brasileiro, através da
doutrina e da jurisprudência, vinha atualizando o direito comercial, para aproximá-lo
da teoria da empresa.4 Este pensamento chegou a influenciar, mais recentemente,
também, alguns diplomas legais, como o Código de Defesa do Consumidor, art. 3º,
que igualou, na figura de fornecedor, qualquer empresa, mesmo que a atividade
fosse civil. Bem assim, a lei de locação (Lei 8.245/92) estendeu às indústrias e às
sociedades civis com fins lucrativos o benefício da renovação compulsória que era
reconhecido aos comerciantes (art. 51, § 4º).
2.2 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE EMPRESA
O estudo das empresas, no Brasil, recentemente, converteu-se em foco de
atenção para os historiadores. Observa-se a emergência das empresas como objeto
de estudos primeiramente entre sociólogos, antropólogos, psicólogos e economistas.
Para os historiadores brasileiros, a empresa ainda é objeto novo. A distância
em relação ao objeto pode ser motivado por preconceito, por dificuldade de acesso
às fontes ou em razão de eventuais restrições a sua exploração.
4Apenas a citada lei 4.137/62 havia se ocupado de precisar o que se consideraria empresa, para os
seus fins. A lei 8.934/94, do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, já utilizou a expressão empresa em sua denominação.
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A questão da conservação das fontes é outro ponto importante. Inclusive, por
uma característica do próprio empreendedor, a conservação de documentos e a
preocupação em organizar a memória institucional do negócio não ocupam sua
atenção voltada para a busca de resultados práticos de sua empresa. A questão da
memória vai surgindo à medida que algumas empresas atingem um determinado
porte em seus negócios, instalações e número de empregados, e passam a
estabelecer uma maior interlocução com a comunidade, na qual estão inseridas. A
conservação e a divulgação da memória empresarial representam, também, um
processo de diálogo da empresa com sua comunidade.
Em termos de Brasil, abordar a história de empresas apresenta duas
dificuldades fundamentais. Em primeiro lugar, a própria ausência de empresas: em
meados do século XIX, contavam-se uma dezena. Em segundo, a tradição colonial
de um patrimonialismo rentista, sob o qual os senhores do Brasil buscavam para si
uma posição sob as rendas da coroa. Numa visão panorâmica, a partir da qual a
monocultura exportadora e o regime escravista representavam a atividade
econômica, nos tempos da colônia e do império, observar a atividade empresarial
requer atenção.
Numa época em que não existiam empresas, as famílias eram as unidades
produtivas; por conseguinte, de suas práticas e costumes dependia a atividade
econômica.
Casamentos estabeleciam novos núcleos produtivos, o dote da noiva poderia
representar um adiantamento de recursos para o início de um novo negócio e,
naturalmente, a noção contratual subjacente ao matrimônio representava também o
compromisso assumido, em perspectiva econômica. Parcelamento de terras e o
adiantamento de mercadorias representavam o capital inicial, para um novo negócio.
Em relação às novas gerações, eram favorecidos aqueles que se dispunham
a ampliar as propriedades da família, buscando novas terras, na fronteira selvagem.
Esses eram favorecidos, em detrimento de outros que optassem por uma vida mais
confortável, na localidade onde a família já estava instalada.
Nesta colônia de grandes proprietários senhores de escravos, viviam, em
grande número, homens livres. Dedicavam-se à pecuária, ao comércio e à
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agricultura.
Em termos de evolução empresarial, convém destacar que em se tratando de
produção mercantil agroexportadora, o Brasil não só supera largamente Portugal,
como se equipara aos Estados Unidos. O problema reside na transição para a era
industrial.
Se, na transição para o século XIX, o Brasil podia equiparar-se aos Estados
Unidos, e talvez fosse a maior economia das Américas, já, na passagem para o
século XX, o Brasil apresenta uma economia quinze vezes menor do que a norte-
americana.
Segundo Caldeira “foi justamente na transição do capitalismo mercantil para o
capitalismo industrial que o Brasil falhou”5. Paradoxalmente, mesmo sob o regime
escravista e um governo imperial, a constituição de 1824 criava espaço para o setor
privado da economia. Essa nova etapa do desenvolvimento econômico necessitava
de uma realidade contratual estável e de um sistema de crédito que permitisse uma
circulação de moeda mais rápida e em maiores volumes. A acumulação de capital já
havia ocorrido, na economia mercantil da ex-colônia. Contudo, o governo imperial,
absoluto, endividou o país com as reparações oriundas da independência, gerou
sucessivos déficits governamentais que, como consequência, o levaram a aviltar a
moeda, gerar inflação e modificar contratos. D. Pedro I manteve a tradição familiar
de celebrar tratados comerciais que prejudicavam o país, reduzindo, ainda mais,
suas rendas.
No período em que os Estados Unidos assumem o posto de primeira
economia industrial do mundo, na segunda metade do século XIX, surge uma nova
oportunidade para a economia brasileira. O fim do tráfico de escravos deixou livre
uma grande soma de capitais a serem reinvestidos na economia. É nesse momento
que surge o empreendedor, Irineu Evangelista de Souza. Ele refunda o Banco do
Brasil, o primeiro levado à falência por D. Pedro I, constrói ferrovias, fundições,
companhias de navegação e estaleiros. Capta recursos tanto no mercado nacional
quanto estrangeiro. Seu patrão e mestre nos negócios e depois correspondente na
Inglaterra, o escocês Richard Carruthers, lhe garantia acesso à city londrina e à
5CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com empreendedores. São Paulo: Mameluco, 2009, p. 46.
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capitais disponíveis para investimentos industriais e em infraestrutura.
O que faltava ao Barão de Mauá era um ambiente institucional, ou, como
referimos anteriormente, uma ética empreendedora produtiva. Por volta de 1853, o
Partido Conservador, tendo à frente o Visconde de Itaboraí, inicia intenso movimento
para estatizar o novo Banco do Brasil. Daí em diante, os negócios de Mauá declinam
e de forma dramática passam a depender de favores e da discricionariedade do
Imperador.
A modernização, ainda que conservadora, só viria com a República. E o
impulso definitivo à industrialização teria de esperar até 1930. Esses 80 anos de
paralisia conservadora dimensionam a distância que pode ser observada,
comparando-se as páginas de Morris com as de Caldeira. E, justificadamente,
explicam o encantamento de Nabuco com os vizinhos do norte. Iniciada, nos anos
30 do século XX, a industrialização brasileira e seus pioneiros merecem alguma
qualificação. Em virtude do vínculo da industrialização com a lavoura cafeeira, à
época principal fonte de receita do país, alguns pesquisadores buscaram identificar
vínculos mais profundos, em relação à origem dos empresários e dos capitais que
deram origem às indústrias, nesta época.
Bresser Pereira6 dedica-se a pesquisar sobre essas origens, também fazendo
referência às pesquisas de Fernando Henrique Cardoso e Wilson Suzigan,
concluindo que os empresários responsáveis pelo início da industrialização brasileira
eram, em sua maioria, os imigrantes e seus descendentes. Além disso, sua extração
social era, predominantemente, de classe média e os fundos utilizados para o
investimento inicial nas empresas eram fruto de poupança pessoal e/ou familiar.
Considerando que a ordem imperial fora um empecilho ao florescimento
industrial brasileiro ainda no século XIX, devemos, consequentemente, ponderar
sobre a reorganização republicana brasileira que ensejou o desenvolvimento da
indústria nacional.
De que forma essa nova ordem política se relaciona com o empresariado?
6BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Empresário, suas origens e as interpretações do Brasil. In:
MARANHÃO, Ricardo. História de empresas e desenvolvimento econômico. São Paulo, SP:
Hucitec, 2002, p. 98.
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Importante destacar preliminarmente que a crise dos anos 30 do século XX
coloca em xeque à ordem primário-exportadora das oligarquias. Por consequência
as restrições ao comércio internacional e a escassez de divisas também
impulsionam o país no sentido da substituição de importações, via o
desenvolvimento da indústria nacional. Este modelo, denominado Plano de
Substituição de Importações, será coordenado pelo Estado, sob a orientação do
próprio executivo.
Ao analisar a relação entre Estado e empresariado, é importante estabelecer
quais são os principais paradigmas explicativos que permitem entender tal relação.
O paradigma pluralista é o que estabelece que o Estado não é um ator em si
mesmo. Reage, em resposta às pressões do mercado. Aqui, os empresários tendem
a expressar suas demandas, a partir de grupos de interesse dotados de recursos de
poder diferenciados.
A perspectiva marxista estabelece que à burguesia, pelo seu papel
protagônico no sistema capitalista, caberia um papel decisivo, na sua ascendência
sobre o Estado. No caso brasileiro, particularmente, a burguesia foi tratada como um
ator passivo, fraco e incapaz de fazer prevalecer um projeto hegemônico. Por essa
característica, ter-se-iam fortalecido as tendências autoritárias pela ação dos
militares. Dessa forma, o Estado, mesmo na ausência de um empresariado forte e
politicamente ativo, teria tido êxito na instauração de uma ordem burguesa. A
instrumentalidade do Estado é levada ao extremo à medida que o mesmo é
submetido à lógica do capital.
A vertente elitista toma algumas manifestações de caráter populista, nas
relações da sociedade civil. O poder seria controlado por um círculo restrito que teria
substituído, após a Revolução de 30, o monopólio das elites agrárias.
Em relação a esses três paradigmas, Diniz refere que:
[...] configurando de fato um modelo híbrido que combina traços dos padrões clientelistas, pluralista e corporativista e até mesmo práticas de rent seeking, tornam-se claras as deficiências de cada um dos paradigmas referidos, tomados isoladamente, em dar conta dessa complexidade. Se nenhum deles esgota as diferentes modalidades de acesso ao Estado, isso não invalida, porém, o fato de que cada uma das matrizes teóricas discutidas aponte para dimensões da realidade que efetivamente vieram a
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coexistir ao longo das últimas décadas.7
Conforme a evolução da industrialização e do projeto de desenvolvimento
nacional, observou-se que, no contexto das reformas político-institucionais da
década de 30, abriram-se canais para a representação dos interesses empresariais
de segmentos variados, no interior do aparelho do Estado.
Em momento posterior, na década de 50, com o amadurecimento das
propostas do empresariado, um projeto industrializante veio a compor a matriz
ideológica do governo JK. A criação de diversos grupos executivos reforçou a
tendência da representação empresarial, no interior do Estado.
A instauração do regime militar aprofundou o capitalismo brasileiro, contando
com substancial apoio do empresariado. O primeiro momento, marcado por uma
forte representação política e ajustes econômicos de viés ortodoxo com efeitos
recessivos sobre a atividade industrial, foi sucedido pelo dito “milagre econômico”.
Esse momento representa um avanço na capacidade organizacional do
empresariado brasileiro e oportunizou o surgimento de um segmento moderno e
bem articulado com esferas decisórias governamentais, na área de política
econômica.
O fim do milagre, uma nova etapa de centralização político-econômica, no
executivo e um estatismo revigorado, marcaram o governo Geisel. Segundo Diniz, “a
insatisfação crescente do empresariado manifestou-se por meio da campanha contra
estatização da economia, culminando com a retirada de apoio, por parte das elites
industriais, ao regime autoritário.”8
Com a redemocratização, o Congresso volta a ter seu papel institucional
revalorizado. É no seu âmbito, que, através do lobby, o empresariado passará a
buscar representação, na defesa dos seus interesses. Tanto pela eleição direta de
empresários, quanto pela eleição de políticos, em defesa de seus interesses, e da
utilização de lobistas profissionais, faz-se a atuação política do empresariado.
7DINIZ, Eli. Boschi, Renato. Empresários, interesses e mercado: dilemas do desenvolvimento no
Brasil. Belo Horizonte: ed. UFMG, 2004, p. 49. 8Ibid., 2004, p. 50.
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No breve período do governo Collor, observa-se uma retração do espaço para
a interlocução junto ao executivo. Posteriormente, esse espaço também volta a ser
recuperado.
Com a redemocratização, a abertura econômica e a globalização, fica
estabelecida a proeminência das forças de mercado. E diante delas, o empresariado
é um ator mais hábil do que o Estado. O processo de privatizações e de retração da
máquina estatal gera espaços e oportunidades para a ampliação das atividades
empresariais e consolidação da sua participação no debate político-econômico sobre
os caminhos e estratégias e serem seguidas pelo país.
Também neste momento se estabelece, sob o enfoque da globalização, um
debate paradoxal, em relação a oportunidades e ameaças. Fusões e aquisições
redefinem o perfil de diversos setores da economia nacional. Neste processo de
abertura, a própria reintegração do país ao fluxo internacional de capitais é um
elemento que fortalece a burguesia nacional. A abertura do mercado internacional
também gera a oportunidade para as empresas brasileiras buscarem no exterior a
ampliação de suas atividades.
2.3 A EMPRESA NA ATUALIDADE: OS NOVOS PARADIGMAS DA EMPRESA
EM FACE DO NOVO CÓDIGO CIVIL
Com a nova ordem instalada a partir da vigência do novo Código Civil (Lei
10.406/02), algumas mudanças foram introduzidas no cenário jurídico nacional.
A par disso, uma porção significativa da legislação comercial foi levada para o
bojo do Código Civil, sob o título “Direito de Empresa”, revogando-se a parte primeira
do Código Comercial.
Tal inovação se desdobra em várias outras, subsequentes: a limitação parcial
da autonomia legislativa do direito comercial, a unificação de obrigações civis e
empresariais, a adoção da teoria da empresa, a aplicação da diretriz filosófica do
novo código a questões de direito comercial, entre outras.
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A preocupação central refere-se ao tratamento jurídico-judicial que se dará às
obrigações tipicamente comerciais, a partir de agora. Assim, as obrigações
assumidas pelos empresários devem, pelo comando axiológico do novo código, ser
tratadas da mesma forma que as obrigações civis. Esta é a conclusão a que se
chega, pela simples interpretação jurídica, que é o supedâneo para se chegar à
norma de decisão9 no caso concreto.
Porém, na aplicação da norma, há que se levar em consideração,
obviamente, como premissa menor, o fato e sua consequência jurídica. O que se
mostra alarmante, então, é tratar igualmente fatos de natureza civil e fatos de
natureza empresarial.
Faz-se necessário conhecer o tripé axiológico do novo código e discorrer
sobre a natureza do direito de empresa.
Com o novo Código Civil, pretendeu-se introduzir uma nova ordem valorativa,
norteada por novos princípios axiológicos. Dentre eles, o princípio da socialidade, o
princípio da eticidade e o princípio da operabilidade.
O princípio da socialidade se revela como a prevalência dos valores coletivos
sobre o individual. Ademais, a própria Lei de Introdução ao Código Civil, datada de
1942, é clara em determinar que, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais
a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Desse modo, a orientação para
a socialidade já estava presente entre nós.
A Constituição Federal conduz também a uma conclusão semelhante: todos
os atores sociais devem dar sua contribuição para o atingimento dos objetivos da
República.
Entretanto, não há que se confundir a busca da construção de uma sociedade
mais justa com os superados valores do socialismo ortodoxo, alimentando ódios
entre classes. Socialidade não significa igualdade.
O princípio da eticidade, referindo-se aos valores éticos, por se prestarem à
9GRAU, Eros Roberto. Equidade, Razoabilidade e Proporcionalidade. Revista do Advogado. São
Paulo: AASP, ano XXIV, n. 78, p. 27-30, set. 2004.
23
apreciação da conduta humana estabelecendo o que é bom, reforça-se na boa-fé.
Este o veio da eticidade no novo código. Segundo Jacy de Souza Mendonça:
[...] o negócio jurídico só se aperfeiçoa e só é legalmente protegido se resultar não apenas de uma vontade isenta dos vícios do consentimento, que já conhecíamos do código anterior, mas se, além disso, estiver motivada, movida, impulsionada pela boa-fé. Caso contrário, haverá sempre uma sanção, uma punição para quem procedeu de má-fé.
10
A operabilidade é o princípio que tem por missão possibilitar o largo exercício
de ambos os outros princípios, porque, para atingir-se o comando da socialidade e
da eticidade, o juiz poderá lançar mão de maior discricionariedade, na intenção de
conferir efetividade ou concretude à decisão.
Assim, há dois sistemas utilizados para decidir-se um conflito de interesse.
Num, a decisão judicial se condiciona à prévia dicção do dispositivo legal, ou seja, o
texto legal condiciona a resolução judicial. No outro, se permite a livre edição do
direito pelo juiz, ou seja, o juiz pode livremente declarar qual é o direito.
Para abordar direito de empresa, é preciso, antes de tudo, definir-se o que
seja empresa. A doutrina, por sua vez, busca um conceito unitário, que alie os
aspectos econômico e jurídico.
Sob o ponto de vista econômico, a empresa é considerada como uma
combinação de fatores produtivos, elementos pessoais e reais, voltados para um
resultado econômico, encadeada por uma ação organizadora, ou seja, toda
organização econômica destinada à produção ou venda de mercadorias ou serviços,
tendo, como objetivo, o lucro.
Como visto, com o advento do novo Código Civil, cuja intenção foi unificar o
direito das obrigações, muitas das questões relativas ao direito comercial foram
reguladas neste novo diploma legal, revogando-se a Parte I do Código Comercial
Brasileiro, para abranger todo tipo de atividade negocial e não apenas a mercantil.
Tanto, que, o livro II, originalmente intitulado “da atividade negocial” no projeto do
Código, trata do “direito de empresa”.
10
MENDONÇA, Jacy de Souza. Princípios e Diretrizes do Novo Código Civil. In: Malheiros, Antonio Carlos. et al. Inovações do Novo Código Civil. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 17.
24
O Código Civil regula, agora, parte das matérias abrangidas pelo direito
empresarial, mas não inseriu um conceito de empresa. Baseia-se na definição do
empresário, para a aplicação da tutela jurídica apropriada. Adotando o Código,
formalmente, a teoria da empresa, pelo conceito de empresário, chega-se ao que a
lei considera empresa: a atividade econômica organizada para a produção ou a
circulação de bens ou serviços. A lei, considerando a empresa como atividade,
harmoniza-se com a visão do atual estágio da doutrina, em relação ao assunto.
Embora muito do direito empresarial esteja regulado pelo Código Civil, ele
não esgota a matéria. Ficam excluídas, as falências e recuperação de empresas,
que é objeto desta dissertação, as sociedades anônimas, marcas e patentes,
concorrência, títulos de crédito, comércio marítimo, entre outros assuntos, o que dá
espaço a uma autonomia legislativa, ainda que não absoluta.
Se se elabora um código inteiramente novo e nele não se esgotam os
assuntos relativos a uma disciplina, percebe-se, logo, que não é a intenção do
legislador retirar sua autonomia. No nosso sistema atual, veja-se, ainda, a situação
dos títulos de crédito: o Código novo ocupou-se do assunto, sem esgotá-lo e, mais,
ressalvando a aplicação da legislação especial, quando em conflito com o Código
(art. 903).
O que ocorreu entre o direito civil e o empresarial foi a união do direito das
obrigações, num mesmo diploma legal.
Com a adoção da teoria da empresa, o direito comercial se amplia, para tratar
de toda atividade empresarial, abrangendo, também, a indústria, os transportes, os
seguros, os bancos, as bolsas de valores, os serviços.
A atividade empresarial se caracteriza pela reunião de três fatores:
habitualidade no exercício de negócio dedicado à produção ou circulação de bens
ou serviços; o objetivo do lucro e a organização ou estrutura organizacional da
atividade. Podem ficar de fora as atividades rurais, do setor extrativo (mineral,
vegetal ou animal), a agricultura e a pecuária, desde que não exploradas na forma
de empresas, o que é facultativo.
Enfim, como bem coloca Waldírio Bulgarelli,
25
“Parece ter ficado claro e suficientemente demonstrado, durante todas as discussões que há tantos anos se travam, em relação à autonomia do Direito Comercial, que a unificação das obrigações não abalou [...],”
11 a
existência independente deste ramo do direito. De outro modo, com similar modificação legislativa ocorrida na Itália de 1942, já não mais subsistiria o diritto commercialle
12.
E isso não se deu em razão do respeito à natureza das obrigações
comerciais.
Assim, pode-se conceituar empresa como sendo atividade, cuja marca
essencial é a obtenção de lucros com o oferecimento ao mercado de bens ou
serviços, gerados estes mediante a organização dos fatores de produção (força de
trabalho, matéria-prima, capital e tecnologia).
Assim, se houver continuidade de negócios, há, indubitavelmente, operação
de um negócio, embora não exista empresa (no sentido de atividade, tal como se
pode extrair da concepção adotada pelo Código Civil).
Finalmente, observa-se, conforme se extrai da leitura do art. 966 do Código
Civil, que a lei civil brasileira não define a empresa, mas sim o empresário. Por
conseguinte, optou-se por uma sistematização do direito de empresa que coloca em
evidência a figura do empresário, ao tomá-lo como elemento definidor do exercício
da atividade econômica organizada.
2.4 O NOVO CÓDIGO CIVIL: OS BENS DA EMPRESA E DO EMPRESÁRIO
O Código Civil de 2002 traz a definição de estabelecimento comercial, em seu
art. 1.142, da seguinte maneira: “Considera-se estabelecimento todo complexo de
11
BULGARELLI, Waldirio. Tratado de Direito Empresarial. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 15. 12
“A demonstração inequívoca de que não se confunde, senão por desinformação ou má-fé, as autonomias legislativa e didática do direito comercial encontra-se numa breve pesquisa à questão na Itália e Suíça. Como sabido, são estes os dois países de tradição jurídica romana cujo direito privado, antes do Brasil, foi legislativamente unificado. Em nenhum deles, o Direito Comercial deixou de existir como disciplina universitária independente [...] Pois bem, transcorridos já cerca de 60 anos, o direito comercial continua a ser ministrado, nas Universidades da Itália, por docentes especializados e de forma autônoma. A ninguém ocorre a descabida ideia de que os civilistas poderiam ou deveriam ampliar seus estudos, tão só em razão da alternativa adotada pela lei em 1942..” In: COELHO, Fábio Ulhoa. A Lei e o Ensino..., p. 4-5.
26
bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade
empresária”.
Apesar das diversas correntes doutrinárias sobre a natureza jurídica do
estabelecimento, o entendimento doutrinário preponderante é de que o
estabelecimento consiste em um conjunto de bens heterogêneos (móveis, imóveis,
materiais ou imateriais), organizados para o exercício produtivo de determinada
atividade.13A interação dessa coletividade de bens, aplicados na atividade
empresarial, caracteriza o estabelecimento, que adquire um valor próprio,
necessariamente maior do que meramente os bens individualmente considerados.
Esse sobrevalor é característica essencial do estabelecimento (aviamento).
De sua natureza jurídica, de acordo com a doutrina majoritária, pode-se
resumir que: (i) o estabelecimento comercial não é sujeito de direitos; (ii) o
estabelecimento comercial é uma coisa; (iii) o estabelecimento integra o patrimônio
da pessoa (física ou jurídica) que o detém.14
Em outras palavras, o estabelecimento, entendido como um conjunto de bens
e direitos (passivos e obrigações também, conforme veremos posteriormente), pode
ser objeto de contratos autônomos, como se o conjunto de bens e direitos fosse uma
coisa só, um único bem.
No entanto, nada impede que uma parte dos bens que compõem essa
universalidade possa sofrer alterações em sua composição, sem que o conjunto
deixe necessariamente de caracterizar o estabelecimento. Isso porque o
estabelecimento é ainda entendido como uma universalidade de fato, nos termos do
Artigo 90 do Código Civil15, permitindo, dessa forma, que os bens que o compõem
sejam separados do todo, passando a fazer parte de relações jurídicas
independentes.
O importante a ser considerado nessa eventual separação de bens é que a
13
CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código de Processo Civil: Parte Especial do Direito da
Empresa. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 13, p. 616. 14
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1, p. 66. 15
Art. 90 do Código Civil. “Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária. Parágrafo único. Os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de relações jurídicas próprias”.
27
retirada de alguns desses bens não irá necessariamente descaracterizar o
estabelecimento como tal, dependendo do que podemos chamar de “grau de
essencialidade” de determinados bens (e direitos) que compõem cada tipo de
estabelecimento.
As particularidades que envolvem a atividade empresarial demonstram os
inconvenientes da regulação do direito de empresa pelo Código Civil, ainda que seja
uma técnica possível, devido à unificação do sistema das obrigações, já que, muitas
vezes, não atenta para as características que revestem as obrigações mercantis16 e
pode, com isso, trazer desvantagens econômicas que terão reflexos negativos para
a sociedade.
O direito empresarial vem sendo construído ao longo do tempo, de acordo
com os ditames dos fatos que se propõe a regular17, como qualquer outro ramo do
Direito. Embora o Direito seja uno, acaba se subdividindo em vários ramos
autônomos, como ressaltado, em especial, pelas especificidades de cada campo da
vida humana e social. Daí, a importância do critério científico de autonomia de uma
área do direito.
O método utilizado pelo direito empresarial é o indutivo, ou seja, aquele que
observa as partes para construir o todo; aquele que se constrói observando-se
objetos de uma mesma classe. Isso se explica pela necessidade de regular atos que
sofrem constante e rápida evolução, como afirma Waldírio Bulgarelli:
Destinado a reger relações econômicas decorrentes do mercado, tendo um substrato econômico acentuado, o direito comercial se apresenta com características que o distanciam do direito civil, que é o ramo que com ele comparte o âmbito das relações do direito privado. [...] apresenta-se o direito comercial com um método próprio e característico, ou seja, o método indutivo, que parte da observação da realidade (fatos econômicos), chegando por via dela aos princípios gerais. Portanto, acompanha a vida econômica, surpreendendo-lhe a dinâmica, e daí configurando as categorias
16
Tanto não podem ser tratadas de maneira única as obrigações civis e as empresariais, que o regime de insolvência é distinto dependendo da natureza da atividade ou ato do devedor. No caso do empresário, aplica-se-lhe o regime de falências. 17
“As normas do direito comercial sempre foram criadas (em quase sua totalidade) a partir dos costumes, razão pela qual observamos um desenvolvimento célere e bem mais próximo da realidade no direito empresarial. A Lex Mercatoria é exemplo típico da influência decisiva dos usos e costumes oriundos dos mais diversos setores do comércio e que se tornam uma prática geral e constante na grande maioria dos mercados.”
28
Jurídicas correspondentes.18
Por isso, o direito empresarial tem características marcantes, as quais não
podem ser desconsideradas pelos agentes do direito. Senão, vejamos: o dinamismo
e a agilidade, para acompanhar o movimento das relações econômicas, já que os
atos empresariais não podem ficar à mercê de avanços jurídicos para se concretizar;
o internacionalismo e a inovação, pois sofre influências dos mercados e se realiza
entre povos, adota institutos e convenções internacionais, para não ver a economia
nacional suplantada por outras e para uniformizar seus padrões de realização,
acompanhando os progressos tecnológicos que estimulam sua continuada
renovação; a onerosidade, pois o objeto do direito empresarial é a atividade que
sempre busca lucro; a massificação, pois seus atos se realizam, potencialmente, em
larga e ampla escala, em nível de mercado e não dirigidos a indivíduos
determinados; a instrumentalidade, pois o direito empresarial se presta a dar forma
jurídica à realização de negócios e relações comerciais, o que deve se concretizar,
por sua natureza, sem excesso de formalismos.
Assim, os elementos identificadores justificam a prudência criteriosa da
aplicação dos princípios da lei civil às obrigações mercantis, posto que o direito de
empresa tem, ele mesmo, princípios a serem observados e que, ao lado das
características já elencadas, reforçam sua autonomia. A propriedade, no direito
empresarial, tem sentido diverso do que o consagrado pelo direito civil. Aqui, a
propriedade é vista de modo dinâmico, com caráter empresarial, já que controla
instrumentos de produção e geração de riquezas. Para o direito empresarial, a
propriedade é um meio, um instrumento de geração de riquezas e não uma
finalidade em si mesma, para os seus detentores.
Existe, também, no direito empresarial, uma preocupação em proteger a
aparência, com a finalidade de se garantir e assegurar a atividade mercantil e a
higidez do mercado, abrigando a boa-fé. Por conta do princípio da aparência, a
solidariedade passiva entre os sócios é regra, desenvolvendo-se teorias como a
desconsideração da personalidade jurídica, ultra vires societatis e insider trading.
Percebe-se que tal princípio tenciona dar segurança às relações comerciais.
18
BULGARELLI, Waldírio. Tratado de Direito Empresarial. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 16.
29
Reforçando a segurança jurídica e procurando simplificar o relacionamento
econômico, surge a uniformização das normas comerciais, devido ao seu caráter
internacionalista.
Também as fontes que alimentam o direito empresarial lhe são peculiares,
dividindo-se em históricas, materiais e formais.
As fontes materiais são os elementos que concorrem para a criação das leis
de cunho empresarial, que determinam as especificidades deste ramo jurídico.
Podemos citar os usos e a prática da atividade empresarial, que são a matéria a ser
regulada por esse ramo do direito, em todas as suas nuanças. Em suma: o fato
econômico.
As fontes formais são a manifestação positiva da norma jurídica empresarial.
São as leis e as convenções entre as partes. Assim, hierarquicamente, vem, em
primeiro lugar, a Constituição, seguida pelos Códigos Civil e Comercial e de toda a
legislação esparsa que regula a matéria (lei das sociedades anônimas, lei de
falências, lei do cheque, Lei Uniforme de Genebra, a lei civil em relação aos
contratos e obrigações, os contratos mercantis, marcas e patentes etc.) São as
chamadas fontes primárias.
Integram as fontes secundárias os usos e costumes, as leis civis, penais,
administrativas etc., aplicadas subsidiariamente, a jurisprudência, a doutrina, a
analogia, a equidade, os princípios gerais de direito. Ressalve-se que há
entendimentos que não consideram a jurisprudência e a doutrina como fontes de
direito nos sistemas de civil law.19
Sobre os usos e costumes comerciais, é bom frisar que são práticas de uso
público, reiterado em matéria comercial, que acabam sendo acatadas como lei, entre
os participantes dos negócios. Caracterizam-se pela prática repetida e contínua e
19
“A enumeração legal exclui assim outras fontes apontadas pelos autores, como a doutrina e a jurisprudência. Em relação à doutrina, que serve como elemento valioso para o estudo, portanto, para a própria evolução do direito, não constitui, evidentemente, uma fonte formal do direito. Já em relação à jurisprudência, tendo J.X. Carvalho de Mendonça sustentado que ela constitui fonte subsidiária do direito, tem-se criticado essa posição, pela demonstração de que, sendo a jurisprudência mera reiteração dos julgados num sentido determinado, a função do juiz não é criar, mas, sim, aplicar a norma jurídica nos casos concretos.” BULGARELLI, Waldírio, Direito..., p. 80-81. Ricardo Negrão, em sua obra Manual de Direito Comercial e de Empresa, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 11-20, sequer menciona a doutrina e jurisprudência, quando trata das fontes do direito comercial.
30
pela compreensão uniforme entre os comerciantes, não contrariando a lei, podendo
ser assentados pelo Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins.
Não se pode olvidar, ainda, da Lex Mercatoria20, e suas diretrizes lançadas no
comércio internacional e com as quais o Brasil deve estar em sintonia, se desejar
participar deste tipo de relação econômica.
Pelas exigências dos fatos econômicos, que deram ao direito de empresa
suas características próprias, erigindo princípios e elegendo o método indutivo é que
o direito comercial pode evoluir para o que, hoje, pode-se chamar de direito
empresarial. Essa evolução natural reflete, claramente, suas características de
dinamismo, flexibilidade e instrumentalidade. Sua autonomia não resulta, portanto, à
evidência, de simples razões históricas e, sim, da necessária adequação do fato
social.
Percebe-se que o favorecimento da exploração empresarial se justifica nos
mesmos motivos que legitimam o princípio da preservação da empresa, posto que,
do contrário, os riscos da atividade empresarial21 seriam insuportáveis para todos
quantos se aventurassem a empresariar.
20
“O comércio internacional tem uma série de regras jurídicas próprias, que são comumente chamadas de lex mercatoria. Essas regras não são regras oriundas do direito interno dos vários países [...] A lex mercatoria não tem sido considerada como um ordenamento supranacional, a derrogar o direito interno dos países. [...] A lex mercatoria, assim, nada mais é do que um conjunto de regras específicas a regular os contratos comerciais. Essas regras estão baseadas, em certa medida, nas próprias cláusulas dos contratos, ou seja, no princípio da autonomia da vontade como fonte criadora de direitos e obrigações. Portanto, [...] pode ser considerada uma aglomeração coerente de normas, dotadas de juridicidade para resolver questões jurídicas decorrentes de casos concretos, no âmbito do comércio internacional, com eficácia e coercitividade.” SILVA, Bruno Mattos e. Conflito Entre Leis e Tratados Internacionais no Direito Privado e no Direito Tributário. Disponível em:<http://www.brunosilva.adv.br/dir-int32.html>.Acesso em 6 jan. 2014. 21
Os riscos da atividade empresarial podem ser divididos em dois tipos: os decorrentes do exercício da atividade e os relativos ao comprometimento do patrimônio de seus titulares. Toda atividade empresarial é uma atividade de risco. Tanto isso é verdade, que todos os sistemas jurídicos do mundo têm algum tipo de regulação falimentar. Quando alguém pretende iniciar uma empresa, necessita de meios materiais mais ou menos vultosos, dependendo do ramo de atividade a ser desenvolvido e do porte do empreendimento. O risco está no insucesso da empresa e na perda do investimento, de toda ordem, feito.
3 A FUNÇÃO DO SISTEMA DE CRÉDITO NA ECONOMIA DE MERCADO
Este capítulo tratará de questões relacionadas à ordem econômica
estabelecida pela Constituição, analisando também alguns aspectos inerentes ao
papel da empresa e os sistemas de crédito na economia de mercado.
O consumo e o crédito são tratados de forma sistemática por Cláudia Lima
Marques, a qual tomamos, neste momento, como marco regulatório. Para a
Professora, o consumo e o crédito são duas faces da mesma moeda, pois, havendo
crédito, há consumo, aumentando a produção e gerando mais emprego, aquecendo
o mercado para o consumo. Com isso, o endividamento, embora seja um fato
individual, traz consequências sociais e sistêmicas, uma vez que a economia de
mercado é, por natureza, uma economia de endividamento, ao invés de uma
economia de poupança.
Deste modo, a autora salienta o desequilíbrio instaurado:
O consumidor não paga o crédito, não consome mais, cai no inadimplemento individual (ou insolvência civil), seu nome vai para os bancos de dados negativos [...] aqui a dívida vira um problema dele e de sua família, sua culpa ou fracasso [...]. Então, a soma de diversos consumidores endividados desencadeia parte da crise social, fazendo com que as taxas de inadimplemento subam, juntamente com os juros, os preços, a insolvência, além da falta de confiança, gerando uma reação em cadeia.
22
Segundo a autora, “o maior instrumento de prevenção do superendividamento
dos consumidores é a informação, haja vista a falta de esclarecimento ao leigo sobre
os riscos do crédito e o comprometimento de sua renda”.
Isso se deve à instauração de uma política educacional que condiciona as
pessoas, desde crianças, a serem grandes consumidoras em potencial, pois, como
explica Sérgio Campos Gonçalves, trata-se do conceito de “capital humano”, que
prescreve que cada pessoa é um trabalhador e consumidor em potencial, sendo, em
função destas qualidades, que é projetado o sistema da produção. “O mesmo ocorre
22
MARQUES, Claudia Lima. Algumas perguntas e respostas sobre prevenção e tratamento do superendividamento dos consumidores pessoas físicas. Revista de Direito do Consumidor, São
Paulo, a. 19, n. 75, p. 13-17, 28 e 29.
32
com as políticas educacionais: a formação do indivíduo é direcionada para formar
um trabalhador-consumidor em potencial.”23
Sobre a sociedade de consumo, David Orr indica as causas determinantes do
surgimento da sociedade de consumo:
O surgimento da sociedade de consumo resultou da convergência de quatro forças: um conjunto de ideias que afirmam que a Terra existe para o nosso usufruto; a ascensão do capitalismo moderno; a aptidão tecnológica; e o extraordinário acúmulo de riquezas pela América do Norte, onde o modelo de consumo massificado lançou raízes pela primeira vez.
24
Com isso, nosso comportamento consumista também resulta da propaganda sedutora e do aprisionamento pelo crédito fácil, assim como pela ignorância sobre as substâncias perigosas do que consumimos, desintegração da comunidade, indiferença pelo futuro, corrupção política e atrofia de meios alternativos de subsistência.
25
Neste sentido, explica Annie Leonard que:
O consumo representa o ato de adquirir e utilizar bens e serviços com a finalidade de atender as necessidades, mas o consumismo se refere à tentativa de satisfazer carências emocionais e sociais através das compras e da atribuição do valor pessoal pelo que se possui. Há ainda o que a autora chama de superconsumismo, sendo este a utilização de recursos além do que o planeta pode suprir.
26
Uma pesquisa realizada pela Global Footprint Network (CFN) revelou que atualmente o mundo consome os recursos produzidos pelo equivalente a 1,4 Terra por ano. Isto significa anualmente que o planeta precisaria de um ano e quatro meses para se recuperar do que é anualmente consumido, ou seja, corresponde a um planeta 40% maior do que o planeta Terra. Estes fatores dizem respeito ao superconsumismo praticado pelos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, Canadá e os países da União Europeia. Entretanto, os países em desenvolvimento tendem a praticá-lo na medida em que a classe consumidora aumenta, tornando a situação mais grave.
27
23
GONÇALVES, Sérgio Campos. Cultura e sociedade de consumo: um olhar em retrospecto. 2008, p. 20-21. Disponível em:<http://unesp.academia.edu/scg/Papers/449511/Cultura_e_Sociedade_de_ _Consumo_um_olhar_em_retrospecto>. Acesso em 4 fev. 2014. 24
ORR, David W. The ecology of giving and consuming. In: Rosenblatt, Roger (org.). Consuming desires: consumption, culture and the pursuit of happiness. Washington D. C.: Island Press, 1999, p. 141 apud Leonard, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 169. 25
Ibid., 2011, p. 169 26
LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que consumimos. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p.159-169. 27
Id., 2011, p. 166-167.
33
Este fenômeno demonstra o consumo sendo praticado sem a devida
responsabilidade social, colocando em prática a lógica capitalista que, para gerar
maior movimento e circulação de riquezas, promove a exclusão de todos para que,
em seguida, haja a inclusão.
3.1 A ORDEM ECONÔMICO-CONSTITUCIONAL
A Constituição Federal de 1988, que inaugurou o Estado brasileiro
contemporâneo, rompeu com a realidade pátria até então vigente. Em seu interior,
trouxe um vasto catálogo de direitos individuais e sociais, alvejando realizar o
princípio da dignidade humana, detentor de caráter normativo e vinculador da
atividade do Estado e das relações jurídicas privadas. Diz-se que este diploma,
configurador de um novo paradigma nacional, tem caráter prospectivo, já que se
preocupa não apenas em disciplinar os até e fatos presentes, mas também em
construir um futuro melhor para os que vivem sob sua égide.
Rompe-se com o modelo positivista até então reinante, em que o direito era
encarado como um mero reprodutor da realidade que o cercava, para dar lugar a
uma Constituição marcadamente principiológica, compromissada com a
transformação social, e com potencial para tanto.
Surgem, neste sentido, discussões sobre o papel do Poder Judiciário e da
justiça constitucional, em relação ao novo trato conferido aos direitos e princípios,
após o advento da Constituição de 1988, uma vez que, a partir de então,
compromissos ético-comunitários passaram a ser cobrados de modo incisivo. Isso
porque a compreensão de um Estado Democrático de Direito não pode estar
desarticulada da noção de efetivação de direitos fundamentais, tais como justiça
social e igualdade, proclamados desde a modernidade. No entanto, a partir do
momento em que os princípios ganham uma forma privilegiada no texto
constitucional, passando a ser reconhecido seu caráter normativo, começam a ser
interpretados como instrumentos de ação estatal, conferindo, deste modo, conteúdo
material às Constituições.
34
A presença do ideal de Estado Social evidencia-se pela positivação dos
direitos fundamentais, especialmente os de cunho valorativo – assentado na
valorização do trabalho humano – cultural e econômico. Assim, surge um novo papel
para o Poder Judiciário, que passa a fazer parte da arena política, no momento em
que se torna alternativa para a efetivação destes direitos básicos e essenciais à
concretização da dignidade humana. Neste contexto, é imperioso o desenvolvimento
de uma consciência a respeito dos fundamentos, valores e objetivos que compõem a
essência da Constituição, traduzidos na forma de regras e princípios.
Distante da configuração do paradigma do Estado Democrático de Direito,
ventilado no início do texto constitucional, surge a necessidade de uma nova
hermenêutica, adequada a trabalhar com o ideário que o compõe, a fim de
concretizar o referido modelo pretendido pelo texto constitucional, que pressupõe a
capacidade de compreensão do ser humano, em face de sua complexidade. Isso,
porquantotraz ele um novo conceito e novos recursos de hermenêutica que
colaboram com uma visão interpretativa, na edificação de uma teoria constitucional
que reafirma e renova o valor da Constituição, enquanto congregadora dos valores
fundamentais da convivência humana.
Por sua vez, o novo Código Civil busca se adequar ao que preconiza a
Constituição, em que pese o caráter estritamente patrimonialista que sempre teve o
direito privado. Desta forma, conceitos como socialidade, coletividade, eticidade e
dignidade passam a ser evidentemente reconhecidos pela legislação civil, para,
enfim, seguir os ditames recomendados pela lei magna.
Como pontifica Gilmar Ferreira Mendes:
A regulação constitucional da atividade econômica é um acontecimento histórico relativamente recente, associado que está à passagem do Estado Liberal ao Estado Social, como fenômeno da socialização do sistema capitalista de produção, nos albores do século vinte, marcando a transição do liberalismo ao intervencionismo estatal.
28
Com o advento da Constituição brasileira de 1988, símbolo do processo de
redemocratização político-social brasileira, a ordem econômica passou a merecer
28
FERREIRA FILHO, M.G. Curso de Direito Constitucional. 32. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva,
2006, p. 42.
35
um novo tratamento, mais consentâneo com a reafirmação dos direitos fundamentais
dos cidadãos.
Como bem refere José Afonso da Silva:
As normas integrantes da ordem constitucional econômica adquiriram grande importância, buscando atribuir fins ao Estado, esvaziado pelo liberalismo econômico. Essa característica teleológica conferiu-lhes relevância e função de princípios gerais de toda a ordem jurídica, tendente a instaurar um regime de democracia substancial, ao determinarem a realização de fins sociais, através da atuação de programas de intervenção na ordem econômica, com vistas à realização da justiça social.
29
Certamente, o papel do Estado brasileiro na ordem econômica da
Constituição Federal vigente não pode ser compreendido sem a interpretação lógico-
sistemática de outros relevantes comandos constitucionais, tais como o art. 1º, que
estabelece constituir-se a República Federativa do Brasil em Estado Democrático de
Direito, tendo, como fundamentos, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, bem como o art. 3º, que arrola, dentre
os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a
erradicação da pobreza e a marginalização, bem como a redução das desigualdades
sociais e regionais.
De todos esses princípios fundamentais, sobreleva a dignidade da pessoa
humana, pois, como ressalta André Ramos Tavares:
A ordem econômica pode ser vislumbrada como a projeção dessa relevante norma constitucional, já que a dignidade da pessoa humana ou a existência digna tem, por óbvio, implicações econômicas, pelo que a liberdade e a igualdade caminham com a dignidade, resguardando-se a todos agentes sociais as condições materiais mínimas de subsistência.
30
Embasado nessa principiologia de índole democrática, marcada pela primazia
da dignidade da pessoa humana, previu o Legislador Constituinte de 1988, no Título
VII, arts. 170 a 192, a ordem econômica e financeira, disciplinando os princípios
29
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros,
2005, p. 82. 30
TAVARES, A. R. Curso de Direito Constitucional: de acordo com a Emenda Constitucional n.
52/2006. 4. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 43.
36
gerais da atividade econômica, a política urbana, a política agrícola, fundiária e a
reforma agrária, bem como as normas que regem o sistema financeiro nacional.
Como inovações da Constituição Federal de 1988 no campo da principiologia
da ordem constitucional econômica, merecem destaque, pela estreita conexão com
a tutela da dignidade da pessoa humana, a defesa do consumidor, a defesa do meio
ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno
emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, princípios
esses não mencionados expressamente na Constituição brasileira de 1946.
De outro lado, no art. 172, a Carta Magna de 1988, estabelece que a lei
disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro,
incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros, assim como, no art.
173, ressalva-se que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só
será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a
relevante interesse coletivo, não podendo as empresas públicas e as sociedades de
economia mista gozarem de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado,
prevendo-se, ainda, que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à
dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos
lucros.
Como bem salienta Alexandre de Moraes:
Apesar de o texto constitucional de 1988 ter consagrado uma economia descentralizada de mercado, autorizou o Estado a intervir no domínio econômico como agente normativo e regulador, com a finalidade de exercer as funções de fiscalização, incentivo e planejamento indicativo ao setor privado, sempre com observância aos princípios constitucionais da ordem econômica.
31
Com efeito, o princípio da dignidade da pessoa humana exprime, por outro
lado, a primazia da pessoa humana sobre o Estado. A consagração do princípio
importa no reconhecimento de que a pessoa é o fim, e o Estado não mais do que um
meio para a garantia e promoção dos seus direitos fundamentais.
Ingo Sarlet, com relação à “dignidade da pessoa humana”, entende o
31
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 32.
37
seguinte:
Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana “a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram à pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.
32
Transportando o princípio da dignidade da pessoa humana para o ambiente
específico da recuperação judicial, deve-se observar o art. 54 e seu § único, da Lei
11.101/2005, que estabelece que cabe ao ente recuperando (empresa ou
empresário) elaborar seu plano de soerguimento, e que não poderá prever prazo
superior a um ano para liquidação dos créditos trabalhistas ou mesmo os
decorrentes de acidentes de trabalho, vencidos até a data do pleito da recuperação
judicial. Ainda, o plano não poderá prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o
pagamento, até o teto de cinco salários mínimos por trabalhador, dos créditos de
natureza salarial, vencidos nos três meses imediatamente (anteriores ao pedido de
recuperação em juízo).
Analisa-se um caso de recuperação judicial no Brasil, que não observou o art.
54 da lei, trazendo grande repercussão: o da VARIG – Viação Aérea Rio-Grandense,
que sofreu várias crises financeiras, em virtude de planos econômicos editados pelo
governo federal, por exemplo, em 1986, tendo, em seguida, prejuízos financeiros
diretos, em virtude da alta do preço do petróleo, que decorreu justamente da Guerra
do Golfo, em 1991, e, finalmente, no ano de 1993, ingressou em um primeiro
processo de reestruturação, passando, inclusive, a ter compartilhamento de vôos
com uma de suas concorrentes diretas, a TAM (Transporte Aéreos Marília).
Em 17 de junho de 2005, logo após a vigência da Lei 11.101/2005, a empresa
aérea pediu a recuperação judicial, sendo que deixou de cumprir o art. 54 do mesmo
diploma legal. Alguns executivos de alto escalão, receberam, a título de
adiantamento de verbas rescisórias, mais de um milhão de reais, sendo que mais de
32
SARLET, I. W. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais: na Constituição Federal
de 1988. 4. ed., ver. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 72.
38
oito mil funcionários não tiveram igual regalia, benesse essa totalmente ao arrepio
da lei.
Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana, analisando sob a égide
do artigo 54, poderá ser violado, caso inexista o cumprimento das obrigações
assumidas pela entidade recuperanda.
A respeito ainda do princípio fundamental, Eros Roberto Grau esclarece que
“embora assuma correção como direito individual, a dignidade da pessoa humana,
enquanto princípio, constitui, ao lado do direito à vida, o núcleo essencial dos
direitos humanos”.33 Assim, mesmo na seara da atividade econômica, aí incluído o
processo de reorganização judicial previsto na Lei 11.101/2005, verifica-se que,
antes mesmo da necessidade de buscar a preservação da empresa, caberá ao
hermeneuta perceber que o princípio está no topo de toda a hierarquia dos
princípios fundamentais.
Ao examinar o art. 170 da Carta Magna, sustenta Eros Grau:
Que se trata de uma proposta principiológica de conciliação dialética entre diversos elementos sócioideológicos, ora sinalizando para o capitalismo e a configuração de um Estado liberal, ora apontando uma opção pelo socialismo e pela organização de um Estado intervencionista, a revelar um compromisso entre as forças políticas liberais e as reivindicações populares de justiça social no mercado capitalista.
34
Ainda, o texto constitucional, ao consagrar a dignidade da pessoa humana,
tanto no art. 1º, quanto no art. 170, caput, está a demonstrar a relevância sobre os
demais princípios.
Segundo Ingo Sarlet:
A dignidade da pessoa humana é tarefa do Estado, cabendo a este criar condições mínimas necessárias a fim de que possam as pessoas viver com bem-estar, direito esse ínsito a todo ser humano Cabe a ele, esse mesmo Estado, a implementação de mecanismos próprios a fim de que sejam concretizados os direitos sociais estampados na Constituição Federal de 1988, que carece de efetividade. Tais aspectos, sem dúvida, refletem
33
Grau, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 11. ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 59. 34
Idem, p. 60.
39
também na recuperação judicial, que tenha a presença do Estado-juiz.35
De fato, estando a dignidade humana em patamar superior em relação aos
demais princípios constantes da Constituição Federal, também deve ser observada
na seara do processo de recuperação judicial, onde existem credores trabalhistas e
há interesse da sociedade quanto à resolução da crise vivenciada pela empresa ou
empresário.
3.2 SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA DA ATIVIDADE EMPRESARIAL E O
MERCADO DE CRÉDITO
Após a segunda revolução industrial (1870 – 1914), as relações de produção
de bens, serviços e de comércio se profissionalizaram, passando a ser organizados
e praticados em grande escala por entes (empresas) de grande porte. Segundo
Fábio Ulhoa Coelho “os bens e serviços que homens e mulheres necessitam ou
desejam para viver (isto é, vestir, alimentar-se, dormir, divertir-se etc.) são
produzidos em organizações econômicas especializadas.”36
Percebe-se, examinando-se a doutrina, que a teoria de atos de comércio,
carece de conceitos e, consequentemente, era insuficiente para servir de base para
as normas, cujo escopo é regular essas importantes atividades econômicas. Por
isso, surgiu, em 1942, na Itália, a teoria da empresa. Segundo essa teoria, o âmbito
de incidência do Direito Comercial é alargado, abarcando aquelas atividades antes
excluídas da regulação comercial, a saber, a prestação de serviços e as atividades
ligadas à terra. Segundo Gladston Mamede:
O desafio teórico passou a ser a definição do que seja a empresa. O legislador brasileiro não se ocupou minuciosamente disso, resumindo-se a afirmar que empresários e sociedades empresárias são aqueles que exercem profissionalmente atividade econômica organizada para a
35
SARLET, I. W. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais: na Constituição Federal
de 1988, 4. ed. ver. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 115. 36
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: direito de empresa. São Paulo: Saraiva,
2013, p. 71.
40
produção ou circulação de bens ou de serviços.37
Da definição de empresário, adotada pelo art. 966 do Código Civil, extraem-se
os elementos vitais para sua caracterização jurídica, a saber: profissionalismo,
atividade, fim econômico, organização e produção de bens e serviços.
O profissionalismo se desdobra em três elementos: habitualidade (não
eventualidade), pessoalidade (atividade é exercida pelo empresário ou por prepostos
ou funcionários) e monopólio das informações sobre o produto ou serviços (domínio
da tecnologia utilizada).
A atividade consiste na produção ou circulação de bens e serviços; portanto,
ao contrário do que se ouve no cotidiano, a empresa é essa atividade, não se
confundindo com o empresário. Este, por sua vez, é o que explora a atividade; o fim
econômico aponta no sentido de ser a atividade econômica aquela que objetiva a
obtenção de lucro; a organização é a estrutura, a constituição que dá suporte à
atividade econômica; assim, empresa é atividade organizada pelo empresário, pois
este administra os fatores de produção, a saber, capital, mão de obra, insumos e
tecnologia, dominando o monopólio das informações sobre os bens ou serviços,
objetos de sua atividade econômica.
Por fim, a produção de bens e serviços consiste na atividade industrial
(fabricação de produtos ou mercadorias) e na prestação de serviços. E a circulação
de bens e serviços é a atividade de intermediação no escoamento de mercadorias,
ou seja, o comércio em si. Os bens ou serviços, excluindo-se as discussões acerca
do comércio eletrônico, consistem em dizer que bens são corpóreos, enquanto
serviços implicam na obrigação de fazer.
No entanto, é importante ressaltar que o art. 966 do Código Civil Brasileiro, no
seu parágrafo único, não considera como empresários aqueles que exercem
atividades econômicas civis, como, por exemplo, advogados, engenheiros, médicos,
arquitetos, escritores, artistas plásticos, entre outros, mesmo que para tanto conte
com ajuda de empregados, prepostos ou colaboradores.
Assim, tem-se que, apenas, constituem empresárias as atividades
econômicas organizadas que dependem de fatores de produção. Dessa forma,
37
MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 51.
41
conforme leciona Ricardo Negrão:
Empresário é aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços, excluída a profissão intelectual de natureza científica, literária ou artística (conceito baseado no art. 966 do Código Civil de 2002).
38
Destarte, o principal objetivo do surgimento da empresa consiste na
necessidade que se viu em fazer uma separação entre os bens do empresário que
explora a atividade econômica e os bens do empreendedor, pois a confusão
patrimonial gerava problemas de gerenciamento, além de que trazia insegurança
jurídica para o empreendedor, inibindo-o de assumir os riscos de empreender, pois
no caso de sucumbir o novo negócio, teria atingido seu patrimônio de forma injusta,
afrontando a sua dignidade e de sua família.
Além disso, é importante destacar o conceito de estabelecimento comercial,
ou, como diria Fran Martins, “fundo de comércio, consistindo em todo complexo de
bens organizado, para que o empresário ou a sociedade empresária possam exercer
sua atividade econômica”39. O estabelecimento empresarial é formado por bens
corpóreos e incorpóreos, Ainda segundo os ensinamentos de Fábio Ulhoa “o
estabelecimento empresarial é composto por bens corpóreos – como as
mercadorias, instalações, equipamentos, utensílios, veículos etc. – e por bens
incorpóreos – assim as marcas, patentes, direitos, ponto etc.”40
Assim, conclui-se que, empresa é atividade econômica organizada para
produção ou circulação de bens ou serviços; não se confunde, portanto, com
empresário, estabelecimento e empreendedor, pois, empresário é o sujeito de direito
que explora a atividade em questão, estabelecimento empresarial é o conjunto de
bens corpóreos e incorpóreos usados para praticar empresa, já o empreendedor é
aquela pessoa que é proprietária da empresa, que faz o empreendimento.
Sociedade empresária, por sua vez, é a pessoa jurídica que explora uma
empresa. A própria sociedade é titular da atividade econômica. O termo é diferente
de sociedade empresarial, que designa uma sociedade de empresários. No caso em
questão, a pessoa jurídica é o agente econômico organizador da empresa. É
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 34. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 46. 40
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3, p. 82.
42
incorreto considerar os integrantes da sociedade empresária como os titulares da
empresa, porque essa qualidade é a da pessoa jurídica, e não de seus membros,
como se infere das letras de Fran Martins:
Denomina-se sociedade empresária a organização proveniente do acordo de duas ou mais pessoas, que pactuam a reunião de capitais e trabalho para um fim lucrativo. A sociedade pode advir de contrato ou de ato correspondente; uma vez criada, e adquirindo personalidade jurídica, a sociedade se autonomiza, separando-se das pessoas que a constituíram.
41
Diante de tal observação deste ilustre doutrinador, fica claro que a intenção
da personificação da sociedade como pessoa jurídica é justamente separar os bens
dos sócios dos bens da sociedade empresária. Além disso, sociedade empresária é
um conceito mais amplo que sociedade comercial, pois abarca uma das maneiras de
organizar, a partir de investimentos comuns de mais de um agente, a atividade
econômica de produção ou circulação de bens e serviços. Sociedade empresária é,
por sua vez, segundo Fábio Ulhoa:
Assentadas essas premissas, a sociedade empresária pode ser conceituada como a pessoa jurídica de Direito Privado não estatal, que explora empresarialmente seu objetivo social ou a forma de sociedade por ações.
42
Vale dizer que, em se tratando de sociedade empresária, aduz a existência de
um contrato social, no qualencontram-se o fim econômico da sociedade e seu
objetivo; nesse sentido, preceitua Mamede:
É próprio do contrato de sociedade o seu fim econômico, seu objetivo de produzir vantagens que, partilhadas entre os contratantes, serão por eles apropriadas; é distinto, portanto, da associação, pois nessa se visa à produção de riqueza partilhável e apropriável. Essa finalidade – ou objetivo genérico – da contratação pode concretizar-se com qualquer objeto específico, desde que lícito e moral.
43
A sociedade empresária representa a aglutinação de esforços dos agentes
sociais, ao lado do estado e da sociedade civil, interessados nos lucros que uma
atividade econômica complexa, de grande porte, que exige muitos investimentos e
41
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 34. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 47. 42
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 83. 43
MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 53.
43
diferentes capacitações, promete propiciar. É a sociedade empresária que explora
uma empresa, ou seja, desenvolve atividade econômica de produção ou circulação
de bens e serviços, normalmente sob a forma de sociedade limitada ou sociedade
anônima, existindo principalmente para que haja separação patrimonial da
sociedade empresária, em relação ao patrimônio particular dos sócios.
Dessa forma, as crises empresariais podem decorrer de vários fatores, desde
problemas de gestão, questões relacionadas à inserção no mercado, até os efeitos
de crises econômicas, que atingem todo o sistema da economia de mercado. Não é
incomum que esses fatores interligados contribuam para conduzir a empresa à crise.
Na realidade brasileira, dominada por pequenas e médias empresas, também não é
incomum que as crises empresariais ocorram, em razão de uma espécie de
subcapitalização e do correspondente excesso de financiamento da atividade
empresarial, por meio de linhas de crédito de custo elevado.
A necessidade de financiamento da atividade empresarial pode desempenhar
papel relevante, na prevenção e no desencadeamento de crises empresariais. Na
economia capitalista, o papel do sistema de crédito é o de fornecer recursos
financeiros para alavancar a atividade empresarial. Para o desenvolvimento da
atividade empresarial, podem ser utilizadas diferentes fontes de crédito, com
variados graus de risco. Em determinado contexto, pode revelar-se interessante o
financiamento junto a fornecedores de matérias-primas e serviços. A aquisição de
produtos e serviços no mercado, com prazos condizentes ao ciclo de produção ou
de comercialização, constitui uma fonte de financiamento de risco e custos
reduzidos.
Uma outra fonte de financiamento de custo relativamente baixo é o mercado
de ações. Para aquelas empresas capazes de articular um sistema de governança e
de transparência, lançar ações no mercado pode se revelar interessante para o
financiamento de projetos empresariais de longo prazo que exigem uma soma
considerável de capital. Por fim, a busca de financiamento junto ao sistema de
crédito pode ser vantajosa, desde que obtidos os recursos, mediante taxas de juros
reduzidas, o que somente acaba sendo possível, em empréstimos de longo prazo. O
risco de endividamento aumenta, à medida que a empresa necessita de
financiamento de curto prazo, direcionado para o complemento de fluxo de caixa e
não para o desenvolvimento de projetos ou da própria atividade industrial ou
44
mercantil.
Ao longo do desenvolvimento histórico da economia de mercado, o
pressuposto do funcionamento do sistema de crédito foi de dar suporte à atividade
empresarial de produção de bens e serviços. Contudo, com a consolidação do
neoliberalismo e da globalização financeira, o fluxo de financeirização da economia
se sobrepôs à atividade empresarial propriamente dita. A crise de 2008/2009, que
ainda produz efeitos e que atingiu os mercados da Europa e dos Estados Unidos,
com reflexos na economia brasileira, resulta, de certo modo, desse paradoxo de
prevalência da financeirização sobre produção de bens e serviços que, de certo
modo, reorienta o capitalismo. Pode-se dizer, inclusive, que a atual crise econômica
mundial se origina do modo como articulado o sistema de crédito. Sobre essa
questão Luiz Gonzaga Belluzo afirma que,
Na esteira da liberalização das constas de capital e da desregulamentação, as grandes instituições construíram uma teia de relações “internacionalizadas” de débito-crédito entre bancos de depósito, bancos de investimento e investidores institucionais. O avanço dessas inter-relações foi respaldado pela expansão do mercado interbancário global e pelo aperfeiçoamento dos sistemas de pagamento. Os bancos de investimento e os demais bancos sombra aproximaram-se das funções monetárias dos bancos comerciais, abastecendo seus passivos no “mercados atacadistas de dinheiro” (wholesale Money markets), amparados nas aplicações de curto prazo de empresas e famílias. Não por acaso, nos anos 2000, a dívida intrafinanceira como proporção do PIB norte-americano cresceu mais rapidamente que o endividamento das famílias e das empresas. A “endogeinização” da criação monetária mediante a expansão do crédito chegou à perfeição em suas relações com o crescimento do estoque de quase-moedas abrigado nos Money markets funds. Esses fenômenos correspondem ao que Marx designou “controle privado da riqueza social”, fenômeno que se realiza no movimento de expansão do sistema capitalista. Eliminada a separação de funções entre os bancos comerciais, de investimento, seguradoras e associações encarregadas de empréstimos hipotecários, os grandes conglomerados financeiros buscaram escapar das regras prudenciais, promovendo o processo de originar e distribuir, impulsionando a securitização dos créditos e a alavancagem das posições financiada pelos mercados monetários. Foi esse sistema financeiro norte-americanizado que promoveu a ampliação do crédito ao consumo e a consequente “liberação” desse componente do gasto das restrições impostas às famílias pela evolução da renda corrente. Esse fenômeno aproximou a dinâmica do consumo da forma de financiamento do gasto que sustenta a expansão do investimento, adicionando combustível à instabilidade financeira.
44
Como se observa, a desregulamentação dos mercados financeiros e a
44
BELLUZZO, Luiz Gonzaga. O capital e suas metamorfoses. São Paulo: Editora UNESP, 2013,
p.141.
45
ampliação do crédito ao consumo não se mostrou sustentável ao longo do tempo e a
instabilidade resultante exigiu a inversão de fundos públicos para salvar o sistema
de crédito do colapso, com resultados imprevisíveis para o conjunto da economia de
mercado mundializada. O resultado da crise é a queda de investimentos na atividade
empresarial que dificulta a retomada do crescimento econômico nos países
desenvolvidos e nas economias periféricas como no caso do Brasil.
A redução de investimentos repercute de forma direta na atividade
empresarial e pode impedir o incremento de produção ou, na pior das hipóteses,
conduzir a crises que podem desaguar na recuperação judicial.
As crises empresariais também podem decorrer do modo como configurada a
inserção no mercado, em um determinado contexto.
3.3 A IMPORTÂNCIA DO CRÉDITO PARA A ECONOMIA DE MERCADO
O maior instrumento de prevenção do superendividamento dos consumidores
é a informação, haja vista a falta de esclarecimento ao leigo sobre os riscos do
crédito e o comprometimento de sua renda. Mediante esta consideração, podemos
perceber, na sociedade de consumo, uma sociedade formada por pessoas, em sua
maioria, leigas, pouco informadas e conscientes de seus atos, se tratando de atos
mais impulsionados pela emoção do que frutos de um planejamento. Isto se deve à
instauração de uma política educacional que condiciona as pessoas, desde crianças,
a serem grandes consumidores em potencial, pois, como explica Sérgio Campos
Gonçalves, trata-se do conceito de “capitalismo humano”, que prescreve que cada
pessoa é um trabalhador e consumidor em potencial, sendo em função destas
qualidades que é projetado o sistema da produção.
O consumo representa o ato de adquirir e utilizar bens e serviços com a
finalidade de atender às necessidades, mas o consumismo se refere à tentativa de
satisfazer carências emocionais e sociais, mediante as compras e a atribuição do
valor pessoal pelo que se possui.
Dessa forma, o Brasil gira em função do “crédito”. Constantemente, periódicos
46
apontam que um dos grandes problemas da economia é a excessiva oferta de
crédito e a impossibilidade de pagar por ele, o que gera um grande desfalque
financeiro.
Se fosse realizada uma pesquisa acerca de como são efetuados os
pagamentos das compras dos produtos e serviços de todo o tipo, certamente o
resultado apontaria que eles são feitos, em sua maioria, a crédito.
Nesse ponto entra a figura dos “juros”, que é o percentual cobrado pelo banco
que emprestou dinheiro, pelo empréstimo e pelo tempo em que o indivíduo
permaneceu com o dinheiro.
É evidente o caráter contraditório nas situações em que os créditos são
solicitados na instituição financeira da qual a pessoa é cliente e na qual deposita seu
dinheiro.
Ademais, a impossibilidade de iniciar uma atividade em razão da ausência de
capital faz com que os empresários busquem a solução de seus problemas em
empréstimos e no pagamento de títulos de crédito, o que, em um primeiro momento,
resolve o conflito, mas que na realidade apenas posterga o cumprimento de uma
obrigação, que acaba se tornando cada vez mais onerosa.
Gastaldi conceitua que “crédito significa confiança e constitui um alargamento
da troca; a troca e o crédito, por sua vez, constituem as partes essenciais da
circulação de riquezas” 45 e completa, ensinando que:
Temos, assim, que o crédito é uma modalidade de troca pelo qual um dos contratantes aceita ceder um bem por uma contraprestação correspondente ao seu valor no futuro. A definição do crédito pode repousar em ponto de vista da relação econômica que o fenômeno envolve (definição objetiva) ou,
então, do ponto de vista das pessoas contratantes (definição subjetiva).46
O crédito pode ser analisado tanto do ponto de vista econômico da relação
que envolve quanto pelo ponto de vista subjetivo, que avalia as pessoas que estão
envolvidas em tal relação.
45
GASTALDI, J. P. Elementos da economia política. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 281. 46
Ibid., 1999, p. 282.
47
Ademais, constata-se que a parte que concede o crédito cumpre sua parte no
contrato e só receberá a contraprestação no futuro e não concomitantemente, como
lembra novamente o J. P. Gastaldi:
Na troca de mercadoria por mercadoria (economia natural) e na troca de mercadoria por moeda (compra e venda), a prestação e a contraprestação são simultâneas, tendo por objeto bens presentes. Na venda a crédito, ao contrário, existe um determinado lapso de tempo, que se intercala entre o início ou a formação do contrato e o seu término ou cumprimento. Um dos contratantes se priva, temporariamente, de certa quantidade de dinheiro ou de bens de troca de uma promessa de reembolso ou recebimento do equivalente em época aprazada. Realiza-se, assim, a troca de um valor presente, contra a promessa de um valor futuro.
47
A última parte do parágrafo citado revela a essência do contrato de venda a
crédito, que se caracteriza por uma contraprestação em momento posterior ao da
prestação. Para compensar a demora em receber a contraprestação, são cobrados
os juros, que aumentam os valores devidos.
De um lado, o crédito permite maior movimentação na economia, sem que
haja um aumento significativo da moeda em circulação. De outro, se concedido de
forma muito aberta, enseja o aumento do poder aquisitivo, que caracteriza maior
procura pelos produtos, e, portanto, aumento de preço. E, ainda de outro lado,
embora o poder aquisitivo tenha sido aumentado, a ausência de dinheiro em espécie
em circulação torna restrita a aquisição de determinados produtos, o que
desequilibra a lei da oferta e da procura, uma vez que diminui a procura e, para
facilitar a venda, baixa-se o preço.
Assim, o crédito se faz importante, tanto na fase pré-recuperação, em que
ainda não há aquela preocupação de cumprimento necessário das obrigações,
quanto na pós-recuperação, tendo em vista que, se a atividade empresarial for
mantida, serão necessárias, ainda que com restrições, as vendas a crédito.
Uma das maiores preocupações, portanto, demonstradas pela Lei de
Falências e Recuperação de Empresas é procurar manter a oferta do crédito e a
confiança dos credores naquela atividade, a fim de que acreditem em sua
recuperação e voltem a fornecer seus produtos e serviços para seu regular
47
GASTALDI, J. P. Elementos da economia política. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 282.
48
desenvolver.
Desse modo, a função social da empresa revela essencial importância à
recuperação das grandes empresas, visto que, se for entendida como um valor a ser
buscado por todos, justifica o esforço comum em auxiliar a manutenção da atividade
e, em algumas vezes, até mesmo, abdicar de exercer seu direito de crédito em sua
totalidade, mas sobrepor o interesse geral ao interesse de um indivíduo.
Ora, se de um lado se busca efetivamente o lucro, consequência natural
daqueles que se reúnem em sociedade mercantil e que ingressam no mercado
competitivo, por intermédio da empresa, por exemplo, por outro, é de se valorizar o
trabalho daquele que colabora de forma decisiva para o bom desempenho daquela
da qual faz parte. Nessa linha de pensamento, somente haverá renovação da
empresa, desde que se valorize o trabalho humano, Nelson Abrão esclarece que
“essa renovação da empresa precisa ocorrer da forma mais ampla possível,
abrangendo todos aqueles que estão atrelados à entidade recuperanda”.
3.4 AS GARANTIAS DE CRÉDITO
A garantia surge sempre ligada à concessão de crédito e constitui um
instrumento de tutela do direito do credor à realização da prestação.
Segundo Sousa Franco, o crédito “faculta a expansão da economia, ajudando
a realizar o pleno emprego [...] e o desenvolvimento econômico”.48
Não basta, no entanto, que sejam admitidas as garantias; é necessário que
aquelas que o ordenamento tipifica e aquelas cuja citação permita por via da
autonomia privada possam ser de fácil constituição e funcionem de forma rápida,
eficaz e pouco onerosa.
O que significa que não se devem impor processos longos e dispendiosos
para a sua realização, para além do indispensável à proteção do interesse do
48
FRANCO, Antônio Sousa. Crédito – Econ., in Verbo, Enciclopédia Luso-brasileira de cultura, v.
6, p. 304.
49
garante, na eventualidade de incumprimento. Além disso, o credor terá que estar
tutelado do principal risco contra o qual a garantia o deve pôr a coberto: a
insolvência do devedor. É que, se assim for, criam-se os riscos adicionais, a ter em
conta na concessão (ou não) do crédito, ou custos suplementares, que serão
também adicionados ao custo do próprio crédito, ou, de uma forma mais clara, à
taxa de juros cobrada.
A existência de garantias que propiciem, em caso do não cumprimento, e
principalmente na insolvência, a rápida e menos onerosa obtenção pelo credor do
montante da dívida, permitem a maior obtenção de crédito, a um custo menor.
Traçando um paralelo com o direito das garantias, de Portugal, Luiz Miguel
Pestana de Vasconcelos divide as garantias especiais em dois grupos: garantias
pessoais e garantias reais.
As primeiras proporcionam um alargamento quantitativo da massa de bens
sobre a qual o credor poderá satisfazer o seu crédito, através da responsabilização
de um patrimônio pertencente a outrem (o garante), que se obriga face ao credor. É
o caso típico da fiança. As garantias podem ser típicas ou atípicas e podem ainda
ser acessórias ou autônomas, de acordo com a sua dependência ou não do crédito
garantido.
O segundo grupo consistiria num reforço qualitativo sobre um ou algum dos
bens do próprio devedor, que se traduz numa preferência concedida ao credor
beneficiário, na satisfação pelo valor deles.
A doutrina de Portugal identifica estes casos de reforço qualitativo como os
direitos reais de garantia, ou então com figuras que, não sendo direitos reais,
proporcionam uma preferência a certos créditos, por alguns bens integrados no
patrimônio do devedor. Exemplos do primeiro caso são a hipoteca, o penhor, o
direito de retenção, os privilégios creditórios especiais; no segundo grupo, temos os
privilégios creditórios gerais.
Frise-se que uma garantia especial pode, ao mesmo tempo, proporcionar um
alargamento quantitativo e qualitativo do conjunto de bens responsáveis. Tal
acontece sempre que um terceiro constituir uma garantia real sobre um bem
50
integrado no seu patrimônio.
A doutrina tradicional sujeita-se a três criticas: é incompleta, mesmo dentro
dos quadros estritos; não inclui dentre as garantias outras figuras que
desempenhem esse papel com grande relevância no tráfego comercial; e,
acantonada numa perspectiva civilista, não leva em conta, quer o regime da ação
executiva, quer o que é mais relevante, a disciplina insolvencial das figuras que
identifica como garantias especiais e das que não identifica como tal.
Assim, o estudo das garantias não se pode limitar ao seu regime civil, mas
deve englobar, também, segundo Luiz Miguel Pestana de Vasconcelos, as
disciplinas executivas e insolvências de cada uma das figuras.
No Brasil, a partir da metade do século XX, algumas inovações abriram
margem para se criar uma classificação dual das garantias. Pela visão de Fábio
Ulhoa Coelho, estas se dividem em “direitos reais de garantia” e em “direitos reais
em garantia”.49
No primeiro tipo, enquadram-se as tradicionais hipoteca, penhor e anticrese,
em que o bem ofertado em garantia da dívida permanece no patrimônio do devedor.
Nessas três situações, o credor detém apenas um privilégio sobre um ou mais bens
específicos do devedor. Essa preferência se traduz, via de regra, no pagamento da
dívida, conforme as forças da garantia, independentemente da existência de créditos
dotados de garantia genérica, baseada na variabilidade do patrimônio do devedor.
Diferentemente, a segundo categoria vai além de uma simples preferência,
eis que o credor se eleva à categoria de proprietário, decorrendo daí a possibilidade
do exercício de ações, tais como a busca e apreensão, para se alcançar a eficácia
da garantia. A sua efetivação não se dá por meio da expropriação judicial, como
acontece no primeiro tipo, mas pela consolidação da propriedade no patrimônio do
credor, o que viabiliza até mesmo a venda extrajudicial do bem para satisfação do
crédito. Podem ser enquadrados nesta classe o arrendamento mercantil e a
alienação fiduciária.
49
COELHO, Fábio Ulhoa. A Trava Bancária. Revista do Advogado, n. 105. São Paulo: AASP, 2009,
p. 62.
51
Quanto a este último tipo de garantia, cabe ressaltar ainda que a Lei
10.931/2004 passou a permitir a alienação fiduciária de bens móveis fungíveis.
Diante da nova disposição legal, passou a ser comum a cessão fiduciária de créditos
ou de recebíveis, conforme a terminologia empregada na rotina dos negócios
bancários. No entanto, vale lembrar que a lei determinou o registro do contrato no
cartório de títulos e documentos do domicílio do devedor.50
Para a jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça de São Paulo, o
registro trata-se de requisito constitutivo da garantia, não sendo apenas um requisito
de eficácia perante terceiros.51
Com a edição da Lei 11.101/2005, o ordenamento brasileiro testemunhou a
revogação da concordata do Decreto-Lei 7.661/1945. Por esse instrumento, o
comerciante que cumprisse determinados requisitos poderia impor uma moratória de
até dois anos aos credores quirografários. O legislador assumia que o alívio
proporcionado pelo adiamento automático das dívidas criaria as condições para
afastar a crise comercial. No entanto, a postergação forçada do vencimento tendia a
ressentir os parceiros comerciais e, muitas vezes, servia apenas como instrumento
protelatório da falência. Destaca-se, ainda, que o remédio não abrigava o
comerciante contra a cobrança de créditos trabalhistas, nem de créditos abarcados
por garantias reais.
Entrando em vigor as normas de recuperação judicial, verificou-se certa
reviravolta no regime de proteção ao empresário em crise. Em primeiro lugar, a
moratória impositiva teve seu período reduzido para 180 dias. Essa redução se deve
ao fato de que o legislador não observou nessa ferramenta uma efetiva resposta
para a crise do devedor. Conforme o desenho normativo da recuperação judicial, a
proteção temporária de curto prazo serve à constituição de um ambiente favorável à
negociação coletiva com os credores. Por um lado, o patrimônio do devedor comum
50
CARVALHO, Ernesto Antunes de. Cessão Fiduciária de Direitos e Títulos de Crédito (Recebíveis). Revista do Advogado, n. 105. São Paulo: AASP, 2009, p. 56. 51
No caso em exame, verifica-se que o contrato de cessão fiduciária de crédito não foi levado ao Registro de Títulos e Documentos, conforme exige o parágrafo 1º do art. 1.361, do Código Civil para a constituição da propriedade fiduciária. Neste sentido, há diversos precedentes da câmara especializada que não consideram constituída a cessão fiduciária de crédito ou recebíveis, quando o respectivo instrumento do contrato não é registrado na forma do Código Civil. (TJSP, Câmara Reservada à Falência e Recuperação, Agravo de Instrumento nº 994.09.275945-8, Rel. Des. Pereira Calças, julgado em 04/05/2010).
52
fica protegido de iniciativas individuais de execução e, por outro, a extensão
temporal da blindagem não se caracteriza como excesso de favorecimento.
Formado o ambiente de negociação, o próximo passo seria a aprovação pela
assembleia geral de credores de um plano confiável de reestruturação das dívidas,
podendo até mesmo abranger vencimentos de longo prazo. Nesse sentido, o
adiamento forçado tem função intermediária, sendo o plano de recuperação e sua
efetiva execução o objetivo final do processo. É de se notar, portanto, que, uma vez
expirada a blindagem de 180 dias, a tábua de salvação do devedor será a
reformulação do passivo alcançada por meio da negociação com a assembleia geral
de credores. E essa tábua só será efetivamente salvadora se contiver condições
renegociadas que se aproximem da capacidade de pagamento do devedor. Se o
plano não alterar as condições de exigibilidade de certo crédito, vale lembrar, sua
execução pode prosseguir do ponto em que parou no processamento da
recuperação judicial.52
Cabe destacar, como segunda diferença em relação à concordata, que a
recuperação judicial passou a proteger o empresário contra a execução dos créditos
trabalhistas e dos créditos com garantia real. No entanto, com relação a estes
últimos, o art. 49, § 3º, da Lei 11.101/2005 excepcionou os créditos derivados de
alienação fiduciária e arrendamento mercantil, criando uma categoria privilegiada de
credores. É nessa dimensão que se torna clara a importância da distinção
trabalhada por Fábio Ulhoa Coelho entre “direitos reais de garantia” e “direitos reais
em garantia”.
Destaca-se que as entidades financeiras não têm à sua disposição apenas a
hipoteca e o penhor como instrumentos de garantia. O proprietário fiduciário, por
exemplo, pode lançar mão da medida de busca e apreensão do bem alienado em
garantia, independentemente de ter sido constituída a blindagem de 180 dias. A
essa regra, contudo, o legislador resguardou aquelas situações em que o bem dado
em garantia se trata de elemento essencial para continuidade da empresa. Durante
a vigência da proteção temporária, os bens considerados essenciais não podem ser
retirados dos estabelecimentos do devedor em recuperação judicial. Frise-se que a
52
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 5.
ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 38-39.
53
ressalva dura apenas pelo período da proteção inicial.
Afora tais considerações sobre os “direitos reais em garantia”, ainda é de se
acrescentar que a concessão da recuperação judicial, após a aprovação do plano
em assembleia geral de credores, não afasta, por si só, as condições aventadas
originalmente num contrato de alienação fiduciária ou de arrendamento mercantil.
Em outras palavras, o devedor alcança a preservação dos bens essenciais à
atividade produtiva no primeiro estágio da recuperação judicial, mas esse efeito não
se prolonga. Para que houvesse a extensão da blindagem no caso particular, seria
necessária uma negociação individual com o credor fiduciário.
Em realidade, trata-se de praxe e necessidade no mercado a obtenção de
crédito por empresas e empresários junto a instituições financeiras, durante o
desempenho da atividade empresarial, fato que não está necessariamente ligado a
uma situação de instabilidade.
A garantia pode estar associada ao maior risco de crédito. Antes de conceder
crédito, as instituições financeiras analisam a capacidade de pagamento do
solicitante, levando-se em conta seu fluxo de caixa, suas experiências de crédito
anteriores, de sua situação cadastral, sua capacidade de gerar receitas para cumprir
seus compromissos financeiros, entre outras variáveis.
Adicionalmente, essas instituições também solicitam, na maioria dos tipos de
empréstimos, garantias suplementares aos solicitantes de crédito, visando se
garantir para uma futura perda da capacidade de pagamento dos mesmos.
Esse procedimento cria mecanismos de proteção da liquidez da instituição,
uma vez que somente os recursos próprios não seriam suficientes para atender às
necessidades de crédito dos futuros solicitantes.
Via de regra, para financiar a aquisição de bens, o próprio bem financiado é
dado em garantia, porém, se este não possuir boa liquidez, as instituições solicitam
garantias complementares.
Convém salientar que toda garantia é acessória de uma obrigação principal e
que, portanto, com a extinção da obrigação principal a garantia deixa de existir. Por
outro lado, a garantia se prende somente à obrigação garantida, não podendo, por
54
ato unilateral do credor, se estender a outra obrigação, ainda que as partes sejam as
mesmas. A garantia pode ser pessoal ou fidejussória (aval ou fiança) ou real (letra
de câmbio, nota promissória, penhor mercantil, penhor cedular, caução de títulos de
crédito).
Dentre tais garantias encontra-se o aval, espécie de declaração cambiária,
sendo usual, quando se trata de sociedade empresária tomadora de empréstimo, a
prestação dessa garantia pelos próprios sócios da empresa.
Diante de uma situação de crise, as empresas veem, na recuperação judicial,
a possibilidade de equacionar as dívidas, impulsionar a atividade e pagar seus
credores, especialmente as instituições financeiras, tendo em vista que, geralmente,
sobre os contratos com elas firmados incidem encargos maiores do que outras
dívidas.
É possível vislumbrar na recuperação a obtenção de descontos significativos,
bem como prazos maiores de pagamento (configurando as duas mais usuais
propostas do plano de recuperação, conforme artigo 50, da Lei 11.101/2005). Além
disso, com a recuperação, é possível promover a organização de todas as dívidas
ou parte delas e obter uma discussão aberta e conjunta com todos esses credores.
Contudo, mesmo diante do adequado processamento da recuperação judicial
e aprovação do plano de recuperação pelos credores, as instituições financeiras têm
buscado outros meios para persecução de seus créditos, vez que, na maioria das
vezes, o plano implica em redução de valores e dilação de prazos. Na busca desse
objetivo, tais instituições têm se utilizado da execução singular face ao avalista.
Essa situação tem gerado inúmeros conflitos, pois na visão das instituições
financeiras nada obsta a persecução do crédito face ao avalista, tendo em vista que
este seria um coobrigado solidário. Em contrapartida, os avalistas argumentam que,
com a aprovação do plano de recuperação, a dívida principal sofreria novação
(artigo 59, da Lei 11.101/2005), cujos efeitos devem ser estendidos aos coobrigados.
No Superior Tribunal de Justiça ainda não é possível identificar uma
tendência, mas sim um equilíbrio em ambos os posicionamentos.
No caso abaixo, por exemplo, identifica-se o argumento da autonomia do aval
55
para justificar a não extensão dos efeitos da novação ao avalista:
RECURSO ESPECIAL - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - NÃO OCORRÊNCIA - QUESTÃO DA COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO FALIMENTAR - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ - PROCESSAMENTO DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL - DEFERIMENTO - SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO EXCLUSIVAMENTE EM FACE DA EMPRESA COEXECUTADA - POSSIBILIDADE - OBRIGAÇÃO CAMBIÁRIA -AUTONOMIA - PROSSEGUIMENTO - EXECUÇÃO - AVALISTAS - RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTECONHECIDO E IMPROVIDO. I - Não há omissão no aresto a quo, no qual se examinou os temas relevantes para deslinde da controvérsia, ainda que o resultado não tenha sido favorável à parte recorrente. II - O tema atinente à competência absoluta do Juízo Falimentar não foi objeto de deliberação, sequer implícita, na Instância a quo, o que convoca o óbice da Súmula n. 211/STJ. III - O deferimento do pedido de processamento de recuperação judicial à empresa co-executada, à luz do art. 6º, da Lei de Falências, não autoriza a suspensão da execução em relação a seus avalistas, por força da autonomia da obrigação cambiária. IV - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido. (REsp 1095352/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/11/2010, DJe 25/11/2010).
De outro lado, tem-se um julgado contrário, no qual é entendido pela
impossibilidade de persecução do crédito face ao avalista, sob o argumento de que
esse procedimento não seria consentâneo com a Recuperação Judicial
(impossibilidade de se ajuizar execuções individuais). Veja-se:
COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. POSSIBILIDADE. PRETENSÃO DE REEXAME DE MATÉRIADE MÉRITO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXECUÇÃO INDIVIDUAL. SUSPENSÃO. I. Há entendimento nesta Corte de que não se mostra consentâneo coma recuperação judicial o prosseguimento de execuções individuais, devendo estas ser suspensas e pagos os créditos de acordo com o plano de recuperação homologado em juízo. II. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 1297876/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR,QUARTA TURMA, julgado em 18/11/2010, Dje 29/11/2010).
Por conta disso, verifica-se que a controvérsia está ainda distante de
encontrar um posicionamento pacífico acerca da possibilidade ou não de
persecução do crédito diante do avalista, contudo já é possível vislumbrar uma
tendência relevante para a primeira hipótese.
Algumas empresas, a fim de evitar qualquer discussão quanto isso, passaram
56
a adotar a cautela de prever a exclusão da garantia no Plano de Recuperação,
circunstância que vem encontrando respaldo na jurisprudência:
Ementa: Recuperação judicial. Agravo de instrumento. Plano de recuperação judicial aprovado que contém cláusula que estende os efeitos da novação aos coobrigados, devedores solidários, fiadores e avalistas. A novação prevista como efeito da recuperação judicial não tem a mesma natureza jurídica da novação disciplinada pelo Código Civil. Pretensão da recuperanda de validade e eficácia da cláusula ato dos avalistas, fiadores e coobrigados. Validade e eficácia da cláusula em face dos credores que expressamente aprovaram o plano, por se tratar de direito disponível, que ao assim votarem, renunciam ao direito de executar fiadores/avalistas durante o prazo bienal da "supervisão judicial". Ineficácia da cláusula extensiva da novação aos coobrigados pessoais (fiadores/avalistas) em relação aos credores presentes à Assembleia-Geral que se abstiveram de votar, bem como aos ausentes do conclave assemblear. Evidente ineficácia da cláusula no que se refere aos credores que votaram contra o plano e, "a fortiori", aos credores que formularam objeção relacionada com a ilegalidade da cláusula extensiva da novação. Decisão mantida. Agravo desprovido. (Agravo 0196402-74.2011.8.26.0000 - Câmara Reservada à Falência e Recuperação – Des. Relator Pereira Calças – Julgado em 20.09.2011).
Sabidamente, a Recuperação Judicial tem por objetivo equalizar as dívidas da
Recuperanda, mediante a possibilidade de propostas diferenciadas de pagamento
em relação a valores e a prazo. Portanto, na Recuperação Judicial, dá-se à
Recuperanda a possibilidade de renegociar suas dívidas diante de seus credores,
porém obrigatoriamente preservando certa isonomia entre eles. Isso tem por
finalidade preservar a empresa, uma entidade geradora de empregos e cumpridora
de sua função social.
Para alguns, o pagamento da dívida pelo avalista teria como efeito a sub-
rogação, contudo este termo é bastante criticado em razão da independência e
autonomia do aval.
Segundo Pontes de Miranda:53
O avalista que paga adquire direito cambiário próprio e autônomo. O avalista, que paga, torna-se possuidor, e como possuidor vai contra os outros coobrigados. Passa-se o mesmo com o endossante que paga ou com o sacador. Os direitos, pretensões, ações e exceções que o avalista adquire são os direitos, pretensões, ações e exceções que teria o avalizado. [...] O avalista, pagando, faz-se credor. Não tem contra qualquer dos
53
CANUTO, Elza Maria Alves. Alienação Fiduciária de bem móvel: responsabilidade do avalista.
Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 58.
57
obrigados cambiários ações que não sejam cambiárias. (apud CANUTO 2003,75).
De qualquer modo, o avalista terá direito de buscar os valores despendidos
contra a avalizada, no caso uma empresa em Recuperação Judicial.
Como observado neste capítulo, as instituições financeiras contemplam
garantias suficientes para restringir os efeitos do inadimplemento. Cabe frisar, ainda,
que a solução para os problemas, decorrentes da recuperação judicial, podem ser
minorados pela engenharia de garantias quando da celebração dos contratos
bancários.
58
4 O INSTITUTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A REGULAÇÃO DOS
DIREITOS DOS CREDORES
A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de
crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte
produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores,
promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à
atividade econômica.
No Direito brasileiro, a Lei 11.101/2005 modificou expressivamente o enfoque
do tratamento do empresário em crise, dando destaque, efetivamente, ao tratamento
da crise das empresas e levando em consideração o centro múltiplo de interesses
que esta representa: “do empresário, dos empregados, dos sócios capitalistas, dos
credores, do fisco, da região, do mercado em geral.”54
Essa percepção provocou inegável deslocamento da análise do Direito da
crise das empresas, que passou de uma feição meramente privada para um caráter
publicístico, trazendo a empresa, centro da atividade produtiva, para o cerne de
tutela do ordenamento jurídico, ao se buscar disciplina para a manutenção da
atividade produtiva, dos postos de trabalho e da preservação da concorrência
saudável do mercado.
4.1 MUDANÇA DE PARADIGMA DA LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL:
MANUTENÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL
Os Estados Unidos da América foi o primeiro país a tratar de falência, ainda
no ano de 1800. Assim, o texto normativo brasileiro que trata da falência e da
recuperação de empresas e empresários, tem sua base teórica respaldada na
legislação americana.
54
COMPARATO, Fábio Konder. Aspectos jurídicos da macroempresa. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1970, p. 102.
59
No direito norte-americano, o sistema falimentar é regulamentado, quanto ao
direito substantivo, pelo Bankruptcy Code, que é um diploma de lei federal,
composto por quinze capítulos, onde nele se mantém a aplicação de determinadas
regras estaduais, pertinentes às relações de crédito entre o devedor e seus
credores.55
Quanto ao procedimento, são utilizadas as regras editadas pelo Bankruptcy
Rulles promulgadas pela United States Supreme Court, e não aquelas do Federal
Rules of Civil Procedure. As regras procedimentais aplicáveis ao direito concursal
são divididas em dez partes, sendo cada uma delas relativa a um estágio específico
do procedimento.
As soluções propostas pelo direito norte-americano para a crise do devedor
são: liquidação (liquidation) ou reorganização (reorganization),56 e são aplicáveis a
todos os devedores, indivíduos e sociedades, empresárias ou não, elencadas nos
capítulos 7 (Chapter 7) e capítulo 11 (Chapter 11), respectivamente. Os demais
capítulos disciplinam métodos de reabilitação.
Com o ajuizamento de qualquer procedimento concursal, forma-se,
automaticamente, o “bankrupt estate”57, que compreende todos os direitos e bens do
devedor existentes até o momento do ajuizamento, exceto aqueles que, por lei,
sejam considerados impenhoráveis. Esse é um conceito de grande importância no
direito concursal norte-americano, pois o property of the estate passa a sujeitar-se a
regras de supervisão e limitações de administração pelo devedor, nos
55
Os Estados Unidos possuem um sistema federativo de governo, conforme previsto pela Constituição que outorga poderes específicos de organização ao Governo Federal. Entretanto, os poderes não delegados ao Governo Federal ficam, residualmente, sob a autoridade de cada Estado. Assim, cada um dos cinquenta estados do país tem sua própria constituição, estrutura de governo, códigos legais e sistema judiciário próprios. As relações ordinárias de cobrança entre credor e devedor são regidas por lei estadual (MARTIN, Nathalie, TAMA, Ocean. Inside Bankruptcy law:
what matters and why. New York: Wolthers Kluwer, Aspen Publishers, 2008, p. 11). 56
EPSTEIN, David G. Bankruptcy and related law in a nutshell. 7th
ed. Dallas: Thomson West,
2005, p. 124. 57
“The bankrupt estate is a new legal entity, separated from de debtor”. (BLUM, Brian A. Bankruptcy and debtor/creditor. 4
th ed. New York: Aspen Publishers, 2006, p. 281). Em tradução livre: A massa
constitui uma nova personalidade, que é distinta da do devedor. Tanto assim que no Chapter 7, os bens que venham a ser adquiridos depois do ajuizamento do procedimento concursal de uma pessoa física não integram a massa; já nos procedimentos de Chapters 12 e 13, dada a própria natureza de tais procedimentos, as receitas posteriores ao ajuizamento integrarão a massa até a conclusão do processo. (BLUM, Brian A. Bankruptcy and debtor/creditor. 4
th ed. New York: Aspen Publishers,
2006, p. 281-283).
60
procedimentos reorganizatórios e, na liquidação, será arrecadado e alienado para
pagamento dos credores.
Assim, na liquidação (Chapter 7 – liquidation), nomeia-se um trustee58, cuja
atuação é obrigatória neste procedimento, que tem como deveres localizar e tomar
posse dos bens e ativos que integram a massa falida, convertê-los em dinheiro e
efetuar o pagamento aos credores, na ordem de preferência definida no Bankruptcy
Code. Todos os bens penhoráveis do devedor ficarão sujeitos aos efeitos do
procedimento e, em determinadas hipóteses, o devedor pessoa física poderá, ao
final do procedimento, ser beneficiado pela discharge, ou seja, pela liberação dos
débitos preexistentes.
Este procedimento é utilizado tanto para pessoas físicas, que resulta da
liberação dos débitos preexistentes (discharge) quanto para pessoas jurídicas, mas,
nesse caso, com finalidade estritamente liquidatória, ou seja, de venda do patrimônio
ativo para pagamento dos credores com o produto resultante.
O sistema norte-americano também prestigia, como no Direito brasileiro, a
solução de afastamento do devedor e alienação do estabelecimento. Por sua vez, a
fase de liquidação (Chapter 7) é reservada, residualmente, para as hipóteses em
que nem o saneamento do devedor nem a cessão do estabelecimento para terceiros
seja possível ou conveniente.
A reabilitação ou reorganização do devedor, dar-se-á no Chapter 11, e, por
essa razão, os credores geralmente vislumbram a possibilidade e capacidade de
ganhos futuros do negócio. Por isso, o devedor, em regra, mantém a posse e a
administração de seus bens, em um procedimento no qual se perfaz o pagamento
dos credores, por meio de um plano aprovado em juízo.
Assim, o plano é o principal foco do procedimento, pois determinará como os
credores serão pagos e qual será o tratamento que receberão. No plano, eles são
58
O trustee é o representante nomeado para defender e representar os interesses da property of the state (section 323, BC). Pode ser pessoa física ou jurídica e, necessariamente, deve ser pessoa desinteressada (desinterested person), o que exclui: (i) credores, sócios ou pessoas relacionadas ao devedor (“insiders”); (ii) diretores, gerentes ou empregados do devedor nos últimos dois anos anteriores ao início do procedimento concursal, (iii) investment bankers ou seus empregados, ou (iv) qualquer pessoa que possua algum interesse material conflitantes com a massa, alguns credores ou sócios da devedores, conforme Bankruptcy Code § 101(14).
61
divididos em diferentes classes, de acordo com a similaridade do direito que
ostentem. O plano poderá ser apresentado pelo devedor, que possui legitimidade
exclusiva para fazê-lo, no prazo de 120 dias. Para tanto, e após esse período inicial,
os credores passam a ter legitimidade de apresentar planos. Em seguida, o plano é
apresentado, e antes da votação, os credores deverão receber o “disclosure
statement”, que consiste em um resumo das condições da proposta, contendo a
“adequate information”59, para que possam votar.
Contudo, na hipótese de rejeição do plano por uma das classes de credores,
o Direito norte-americano prevê a possibildiade de cram-down60, desde que não seja
outorgado tratamento discriminatório (unfair discrimination) à classe dissidente.
Assim, “o sistema concursal norte-americano conta com variados
instrumentos voltados a estabelecer equilíbrio entre as partes interessadas na
solução da crise empresarial”. Logo, ainda que o Direito norte-americano tenha
adotado um sistema dualista, que individualiza os procedimentos liquidatórios e
reorganizatórios, difere do sistema brasileiro, onde a solução de alienação dos
estabelecimentos em bloco ou do negócio em marcha como um todo consiste em
uma modalidade reorganizatória.
A Lei 11.101/2005 foi promulgada numa conjuntura social e econômica na
qual já se mostrava urgente a substituição do Decreto Lei 7661/1945. De fato, a
antiga lei falimentar pertencia ao contexto pós-II Guerra Mundial, em que a economia
brasileira ainda se encontrava em uma fase embrionária de industrialização e as
relações empresariais e creditícias se mostravam bem mais simplificadas que nos
dias atuais.
Com o decorrer dos anos e a crescente modernização da atividade industrial
no País, os arranjos contratuais e empresariais tornaram-se mais arrojados e as
garantias tradicionais, como a hipoteca e o penhor, foram substituídas por
contrapartidas como a alienação fiduciária em garantia e a securitização de
59
CEREZETTI, Sheila Cristina Neder. O papel dos credores no Bankruptcy Code. Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro. v. 151-152, p. 164-186, jan-dez 2009. 60
Essa voltada às relações horizontais entre os credores. Essa regra prevê o nível mínimo de tratamento que deve ser outorgado aos credores. (BLUM, Brian A. Bankruptcy and debtor/creditor. 4
th
ed. New York: Aspen Publishers, 2006, p. 513).
62
recebíveis, mais condizentes com o porte das operações financeiras que passaram a
ser realizadas e com a intangibilidade de ativos que começou a caracterizar certas
atividades.
Nesse contexto, a Lei 11.101/2005 criou a recuperação judicial de empresas
e, em conjunto com ela, trouxe duas características marcantes em relação à antiga
concordata, as quais deixam claro o intuito de fazer com que as empresas viáveis
realmente sejam recuperadas através de instituto adequado à complexidade que
permeia a atividade empresarial e ao contexto econômico e social em que está
inserida.
A primeira das características é que a recuperação judicial inclui todos os
créditos existentes contra o devedor na data do pedido, exceto os que são excluídos
pela própria Lei 11.101/2005, e permite que o empresário utilize os mais diversos
meios de recuperação que forem lícitos, como a venda de ativos, a mudança no
quadro de administradores, a alteração do controle societário, o trespasse ou
arrendamento de estabelecimentos e até mesmo a permissão para que os credores
tenham direito a eleger administradores separadamente e vetar matérias
relacionadas ao plano de recuperação. A concordata, em contrapartida, somente
incluía os credores quirografários e apenas permitia um prolongamento no prazo de
pagamento dos débitos.
A segunda característica é que o plano de recuperação apresentado será
aprovado ou rejeitado pelo conjunto de credores a ele submetidos. Essa
peculiaridade da Lei 11.101/2005 demonstra que, não obstante se tenha elaborado
um arcabouço legal amplo e condizente com a complexidade das relações
empresariais modernas para proporcionar uma possibilidade concreta de que a
atividade empresária em crise se recupere, não são parâmetros jurídicos que
determinarão a viabilidade da recuperação, e sim o próprio mercado. Na concordata,
ao contrário, era o juiz que decidia se esta seria ou não concedida, com base em
parâmetros jurídicos preestabelecidos.
As características atribuídas ao instituto da recuperação judicial nos permitem
elaborar duas premissas. A primeira delas é que o direito brasileiro concede amplas
possibilidades para que as atividades em crise se recuperem, não cabendo à lei
63
estabelecer limites para os meios de reestruturação a ser utilizados. A segunda é
que apenas as empresas viáveis devem ser recuperadas, e também não é o direito
que determina os parâmetros desta viabilidade, mas sim o conjunto de credores.
A partir da última premissa, tem-se que a Lei 11.101/2005, no que diz respeito
à recuperação judicial, pretende conferir segurança ao mercado de crédito,
excluindo do concurso certos créditos – por serem dotados de características que
não aderem a um regime falimentar, ainda que vise a reestruturação da empresa – e
determinando que são os credores que decidirão acerca da viabilidade ou
inviabilidade da atividade empresária, ainda que tenha permitido que seus créditos
se submetessem ao plano de recuperação.
É importante ter em mente que a aplicação eficiente da Lei 11.101/2005 não
diz respeito à efetiva reestruturação de uma empresa submetida à recuperação
judicial enquanto unidade de produção isolada, mas ao respeito dos valores contidos
no diploma legal, que visam à manutenção do mercado de crédito como um todo.
A Lei de Falências, que permaneceu em vigor por quase sessenta anos,
revogada pela Lei 11.101/2005, sempre foi considerada exemplo de ordem, no que
tange à distribuição sistemática dos assuntos nela tratados. Esta ordem quase
perfeita das ideias não foi repetida na nova legislação.
Nesse diapasão, sai a concordata preventiva e suspensiva. Renova-se a
falência, pondo de lado velhos defeitos, e adequando-se às necessidades
econômicas dos tempos de hoje. Atualiza-se a disciplina jurídica das empresas em
crise, com a recuperação judicial e a extrajudicial. O legislador, logo no art. 1º da Lei
de Recuperação de Empresas (LRE), enumera os institutos, introduzindo-os no
ordenamento jurídico brasileiro.
A nova Lei 11.101/2005 apresenta três fases no processo de recuperação
judicial bem distintas.
Na primeira, que se pode chamar de “fase postulatória”, o empresário
individual ou a sociedade empresária em crise apresenta seu requerimento do
benefício. Ela se inicia com a petição inicial da recuperação judicial e se encerra com
o despacho judicial mandando processar o pedido (art. 52).
64
Na segunda fase, a que se pode referir como “deliberativa”, após a verificação
do crédito (arts. 7º a 20), discute-se e aprova-se um plano de reorganização (art.
53). Tem início com o despacho, que manda processar a recuperação judicial, e se
conclui com a decisão concessiva do benefício (art. 58).
A terceira e última etapa do processo, chamada de “fase de execução”,
compreende a fiscalização do cumprimento do plano aprovado. Começa com a
decisão concessiva da recuperação judicial e termina com a sentença de
encerramento do processo (art. 63).
A recuperação judicial, diz expressamente o art. 47, da LRE, “tem por objetivo
viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor”61. Ou
seja, dá o respaldo jurídico para que a empresa em dificuldade, se puder ser
recuperada, volte a participar ativamente do mercado. O sistema é flexível e permite
o encontro de solução própria para cada caso.
Poderá o devedor, no entanto, preferir negociações diretas com seus
credores, independentemente das regras processuais e materiais aplicáveis à opção
acima referida, desde que também preencha os requisitos legais exigíveis para
impetrar aquela medida. Fica-lhe aberto o caminho para propor aos credores o plano
de recuperação extrajudicial, com a possibilidade de vir a requerer sua homologação
judicial. Essa espécie de recuperação não impedirá, ainda, a “realização de outras
modalidades de acordo privado entre o devedor e seus credores”.
E, finalmente, a falência. Uma falência renovada, com a meta de ser mais ágil
e eficaz. Pode ser a solução para as empresas economicamente inviáveis. Ainda
assim, no entanto, o objetivo, por expressa previsão legal, é “preservar e otimizar a
utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis”,
atendendo-se “aos princípios da celeridade e da economia processual”.
Desse modo, os ativos serão alienados desde logo, e se irá dar, na alienação,
preferência à venda dos bens em conjunto (a começar pela transferência dos
estabelecimentos em bloco), sendo vendidos individualmente apenas como última
alternativa.
61
LRE – Lei de Recuperação de Empresas. Lei nº 11.101/2005 de 09 de Fevereiro de 2005.
65
É necessário observar que a Lei de Recuperação e Falências tem natureza
tanto adjetiva quanto substantiva. Embora se aplique o Código de Processo Civil, no
que couber (art. 189 da Lei 11.101/2005), o Código Penal no que se refere à
prescrição (art. 182) e o Código de Processo Penal, para os procedimentos penais
(art. 185), traz ela uma série de determinações de natureza processual. Por outro
lado, traz também diversas normas de natureza substantiva, de direito material.
Trata-se, assim, de lei de natureza mista, processual e material ao mesmo tempo.
A Lei 11.101/05, abstraídas as questões que envolvem o modo como foi
elaborada e a quem, de fato, foi direcionada, veio apresentar um certo avanço no
que diz ao tratamento da crise da empresa e do empresário no país, representando
um avanço legislativo.
Ainda se ressente o país de um valor bem maior, que é justamente o valor
ético, a ética da empresa, que deve se sobrepor, sem qualquer dúvida, aos
interesses pessoais dos proprietários de empresas. Enquanto as empresas visarem
somente o lucro, sem olhar para outros aspectos que envolvem a atividade
organizada, e correndo riscos para que o faturamento só aumente, certamente que
inexistirá lei no ordenamento jurídico capaz de dar sustentação a uma empresa em
crise, não raramente irremediável.
Toda a atividade empresarial presume uma série de microssistemas que, por
sua vez, são formados por diversos mecanismos indispensáveis para o perfeito
funcionamento da atividade.
Assim, a empresa começa a demonstrar sinais de insolvência, quando
algumas de suas áreas não vão tão bem quanto antes e surgem as causas de uma
possível insolvência.
Desse modo, o aspecto mais importante da recuperação da empresa, para
que ela seja eficaz, é saber como recuperá-la e manter a fonte produtora em
exercício.
A Lei de Falências e Recuperação Judicial possibilita os meios que devem ser
utilizados para que a crise em que se encontra a empresa seja sanada.
Nesse sentido, o art. 50, da Lei 11.101/2005 traz um texto inovador e de suma
66
importância para a realização do objetivo: ele elenca alguns meios de recuperação
judicial, o que retrata que a Lei não apenas se preocupa com a recuperação da
empresa, mas dá exemplos de o que pode ser feito para que a recuperação, de fato,
seja alcançada.
Este artigo contempla lista exemplificativa dos meios de recuperação da
atividade econômica. Nela, encontram-se instrumentos financeiros, administrativos e
jurídicos que normalmente são empregados na superação de crises em empresas. O
empresário individual ou os administradores da sociedade empresária interessada
em pleitear o benefício em juízo devem analisar se, entre os meios indicados, há um
ou mais que possam mostrar-se eficazes, no reerguimento da atividade econômica.
A lista legal compreende a dilação do prazo ou revisão das condições de
pagamento. Nela, o devedor tem a oportunidade de se reestruturar, porque disporá,
por algum tempo, de mais recursos em caixa. Entre as hipóteses da revisão das
condições de pagamento como meio de recuperação, inclui-se a substituição de
garantias, como modalidade específica de renegociação de crédito.
Por sua vez, as operações societárias (cisão, incorporação, fusão,
transformação), além da constituição de subsidiária integral e venda de quotas ou
ações, representam instrumentos jurídicos que, por si sós, não estão aptos a
propiciar a recuperação da empresa em crise. É necessário contextualizá-las num
plano econômico que mostre como sua efetivação poderá acarretar as condições
para o reerguimento da atividade.
A alteração do controle societário pode ser total ou parcial: no primeiro caso,
opera-se a venda do poder de controle, enquanto no segundo, a admissão de novo
sócio no bloco controlador; reestruturação da administração, através da substituição
de alguns ou todos os administradores, como medida necessária em qualquer
recuperação de empresa; concessão de direitos societários extrapatrimoniais aos
credores, com o intuito de admitir um grau mínimo de ingerência aos credores na
administração da sociedade empresária em recuperação, visando garantir-lhes que
se tentarão realizar os objetivos explicitados no plano de reorganização.
No mesmo art. 50, há a possibilidade de reestruturação do capital, como
forma de ingresso de recursos, possibilitando ampliar a competitividade da
67
sociedade devedora, contornando a crise econômica.
Outro meio de recuperação judicial tratado neste capítulo é a transferência ou
arrendamento do estabelecimento, importando a mudança na titularidade ou na
direção do estabelecimento empresarial da sociedade empresária em crise.
A renegociação das obrigações ou do passivo trabalhista, onde, por meio do
contrato coletivo de trabalho, podem fazer constar inclusive a redução de salários e
mudanças na jornada de trabalho dos empregados da sociedade empresária em
crise.
Dentre outros meios de recuperação judicial tratados no art. 50, da Lei
11.101/2005, são: a dação em pagamento ou novação, onde um ou mais credores
concordam em receber bem diverso do contratado, como meio de solução da
obrigação ativa que titularizam; a constituição de sociedade de credores,
entendendo ser medida apta a recuperar a empresa; a realização parcial do ativo,
com a venda de bens do patrimônio da sociedade devedora, como medida
importante na obtenção dos recursos necessários ao patrocínio da recuperação
judicial; a equalização de encargos financeiros, onde bancos e empresas de fomento
mercantil padronizam os encargos financeiros de seus créditos, ajustando-se ao
menor dos praticados no mercado.
Por fim, o usufruto de empresa, como medida destinada a transferir a direção
da atividade econômica em crise; a administração compartilhada; a emissão de
valores mobiliários, através da emissão de debêntures ou outros valores mobiliários,
instrumentos de captação de recursos que podem ser admitidos na negociação no
mercado de capitais; a adjudicação de bens, cujo objeto é adjudicar em pagamento
dos créditos titularizados perante a sociedade empresária devedora, bens do ativo
dessa, os quais lhe devem ter sido previamente transferidos, a título de
integralização de capital social ou venda; os financiamentos garantidos por caução
de títulos, onde a lei estabelece um mecanismo destinado a viabilizar a continuidade
da circulação do crédito, e a alienação de bem gravado, como medida de
recuperação da empresa.
Evidencie-se que o rol enumerado é exemplificativo. O legislador demonstrou
sua intenção de auxiliar toda a equipe envolvida, na recuperação a encontrar uma
68
ou mais formas de se chegar ao objetivo final, não que seja efetivamente necessário
que se utilize um dos meios propostos por lei. Assim, como se trata de lista
exemplificativa, outros meios de recuperação da empresa em crise podem ser
examinados e considerados, no plano de recuperação. Normalmente, os planos
deverão combinar dois ou mais meios, tendo em vista a complexidade que cerca as
recuperações empresariais.
Alguns dos meios de recuperação da empresa são de caráter não financeiro,
os quais representam mudança no quadro societário e na administração da
sociedade, como as operações societárias, a alteração de controle societário, a
reestrutura da administração, a concessão de direitos societários extrapatrimoniais
aos credores, a transferência ou arrendamento do estabelecimento, a constituição
de sociedade de credores, usufruto de empresa e administração compartilhada.
Outros demonstram características essencialmente relacionadas ao capital,
como dilação de prazo ou revisão das condições de pagamentos, reestruturação do
capital, renegociação das obrigações ou do passivo trabalhista, dação em
pagamento ou novação, realização parcial do ativo, equalização de encargos
financeiros, emissão de valores mobiliários e financiamentos garantidos por caução
de títulos.
A exemplo do que ocorre na falência, também no processo de recuperação
judicial é necessário proceder-se à verificação dos créditos. Mas o objetivo dessa
medida é limitado à legitimação para participar da Assembleia de Credores, diverso
do da falência que era condição para a apuração do passivo a ser satisfeito na
execução concursal.
O plano de recuperação apresentado pelo devedor, no prazo de 60 (sessenta)
dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial,
conforme prevê o art. 53, é que dará as diretrizes acerca dos caminhos que serão
utilizados para recuperar a empresa. Nesse sentido, é imprescindível que apresente
propostas concretas, passíveis de realização.
Fábio Ulhoa Coelho entende que o plano é “a peça mais importante do
processo” e que “depende exclusivamente dele a realização ou não dos objetivos
associados ao instituto, quais sejam, a preservação da atividade econômica e o
69
cumprimento de sua função social.”62
Em princípio, todos os credores anteriores ao pedido de recuperação judicial
estão sujeitos aos efeitos do plano de recuperação aprovado em juízo. Não pode,
porém, a lei ignorar a hipótese de revisão do plano de recuperação, sempre que a
condição econômico-financeira do devedor passar por considerável mudança.
O art. 73 da Lei 11.101/2005 enumera as hipóteses em que o juiz decretará a
falência, durante o processo de recuperação judicial. Assim, no direito brasileiro,
abstraída a hipótese de desistência, não há terceira alternativa: quem requer o
benefício da recuperação judicial ou o obtém e cumpre ou terá sua falência
decretada.
Pressupõe-se que o devedor, ao solicitar a recuperação judicial, está
admitindo sua crise econômica, financeira ou patrimonial. Está, a rigor, assumindo
sua condição pré-falimentar. Se assim é, se não obtiver a recuperação judicial ou
não a cumprir, deve-se instaurar a execução concursal, em atenção aos direitos dos
seus credores.
4.2 ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E A CORRELAÇÃO COM A LEI
11.101/2005 E A PROTEÇÃO DO MERCADO DE CRÉDITO
A análise econômica da legislação deriva da escola denominada Law and
Economics, desenvolvida na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, tendo
ganhado força na década de 1960.
Surgem então um debate entre Direito e Economia, o qual foi iniciado por
Ronald Harry Coase, a partir da publicação do artigo The Nature of the Firm em
193763. Foi com a publicação de The Problem of Social Cost, do mesmo autor, no
entanto, em 1960, que as discussões ganharam impulso. Além de Coase, Richard
Posner, com Economic Analysis of Law, e Guido Calabresi, com The Cost of
62
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas. 9. ed.
São Paulo: Saraiva, 2013, p. 219. 63
COASE, Ronald. The firm, the market and the law. Chicago: The University of Chicago Press,
1988, p.113.
70
Accidents contribuíram para o início do movimento Law and Economics.64
Chamada de Direito e Economia ou Análise Econômica do Direito no Brasil,
esta escola examina a ciência jurídica, a partir da utilização de conceitos
emprestados da ciência econômica, que passa a utilizar institutos jurídicos, no
estudo do comportamento dos agentes econômicos.65
A interdisciplinaridade entre Direito e Economia permite ao jurista enxergar a
lei não apenas no seu aspecto de alcançar a justiça, mas como incentivo para
buscar novos comportamentos.66 Essa é a força das modernas técnicas de
hermenêutica que permitem, inclusive, a mudança da lei sem necessidade de
modificação da lei.
Estudar a eficiência legislativa consiste em analisar quais são os incentivos
trazidos por determinada lei e verificar se estão sendo obtidos os comportamentos
pretendidos, necessários para que se alcance um determinado objetivo,
constituindo, portanto, importante elemento, uma vez que o arcabouço legal pode
facilitar ou dificultar investimentos empresariais e influenciar os preços e as
variações de taxas de juros.
Guiomar Theresinha Estrella Faria remete ao entendimento de eficiência, nos
moldes do pensamento de Richard Posner, ao conceituá-la como:
Resultado da maximização do valor, obtido na exploração dos recursos necessários à satisfação das necessidades econômicas do homem, medido (o valor) pela agregada intenção do consumidor de pagar pelos mesmos bens. Ou seja, há eficiência quando se atinge o valor máximo proposto pelo vendedor, comparado ao valor máximo que se tem intenção de pagar – havendo, portanto, ganhos para ambas as partes.
67
Ainda, Phillip Gil França destaca que a:
Eficiência transforma-se em valor social máximo, equivalendo-se ao sentido
64
SZTAJN, Rachel. Law and Economics. In: ZYLBERSZTAJN, Decio. SZTAJN, Rachel (org.). Direito e Economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 74. 65
ZYLBERSZTAJN, Decio. SZTAJN, Rachel (org.). Direito e Economia. Rio de Janeiro: Elsevier,
2005, p. 3. 66
COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & economia. Tradução: Luis Marcos Sander, Francisco
Araújo Costa. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p.33. 67
FARIA, Guiomar Theresinha Estrella. Interpretação econômica do Direito. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 1994, p. 37.
71
de justiça. Baseia esta conclusão, claramente, em Posner que, em toda sua obra, propugna pela reforma do ordenamento jurídico com vistas à obtenção da eficiência econômica e mostra-se convicto de que a teoria econômica pode explicar um vasto número de fenômenos não necessariamente mercadológicos, trazendo, deste modo, contribuições à ciência jurídica na composição dos problemas alocativo e normativo.
68
Ainda, Phillip Gil França ressalta:
Os precursores destes raciocínios propõem a aplicação do instrumental da microeconomia clássica na formulação de políticas legislativas, na avaliação do custo do Direito e no seu impacto sobre os indivíduos, e, principalmente, na busca da exegese mais eficiente da lei, a fim de orientar sua aplicação jurisprudencial tendo por norte a eficiência. Neste sentido, mais do que uma retórica jurídica utilitarista, esta forma de interpretação estabelece uma concepção sobre a natureza das normas jurídicas, bem como de seu papel no meio social, enfocando a eficiência econômica como método de obtenção da justiça.
69
Para Flávio Galdino:
A eficiência econômica é obtida ou verificada através da aplicação do critério de Pareto (também chamada “otimalidade de Pareto”). Segundo este critério, uma distribuição de recursos é eficiente se for impossível aumentar a utilidade de uma pessoa sem reduzir a utilidade de alguma outra pessoa. Nesta última assertiva, a expressão utilidade pode ser tomada no sentido de bem-estar (daí falar-se também em welfarismo – welfarism).
70
Assim sendo, a compreensão do ótimo de Pareto e a transcendência de suas
possíveis limitações podem levar, por fim, a demonstrar as similaridades da
Economia e do Direito.
Alguns autores entendem que a Economia tem procurado instrumentos que
permitam responder a estas questões sem que os valores pessoais de quem aprecia
a situação interfiram no julgamento.
Para Amartya Sen:
A expressão “eficiência econômica” não é, por completo, apropriada para denominar a otimalidade, pois esta concerne exclusivamente à eficiência no
68
FRANÇA, Phillip Gil. Breves reflexões sobre o Direito, a Economia e a atividade regulatória do Estado. Revista Zênite de Direito Administrativo e LRF. Curitiba: Zênite, a. 4, n. 71, p. 99, jun. 2007. 69
Id., 2007, p. 998. 70
GALDINO, Flavio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: direitos não nascem em árvores.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p. 242.
72
espaço das utilidades, deixando-se de lado as considerações distributivas relativas à utilidade. Percebe-se aqui, então, um legado da tradição utilitarista.
71
Revela-se importante também considerar se os critérios de justiça no contrato
podem ser substituídos por critérios de eficiência e racionalidade na alocação de
recursos. Ou, por outro lado, se a questão da justiça do contrato poderia deslocar
para o âmbito econômico a necessidade de a atividade econômica ela própria
perseguir, para além de critérios de eficiência, finalidades ou valores, por exemplo,
de justiça social. Indagação dessa ordem colocaria em causa uma premissa básica,
para uma visão analítica do direito que, de certo modo, aproxima-se do pensamento
da análise econômica do direito, que é a da separação entre fatos e valores e que
resulta fundamental para o problema em torno da funcionalização dos contratos.
Conforme escreve Ulrich Beck:
Um outro aspecto a considerar é o de que a análise econômica do direito, que se articula em torno da premissa de eficiência na alocação de recursos, tem em perspectiva uma noção de risco empresarial ou de mercado que incumbiria ao direito minimizar; o problema, contudo, pode ser o de o risco não se situar apenas no âmbito da empresa ou do mercado, mas de caracterizar a própria configuração da sociedade, de tal modo que uma racionalização em torno da eliminação de riscos poderia colocar em xeque a própria racionalidade socioeconômica.
72
Tem-se então que a questão do alcance da análise econômica do direito, para
o efeito de fundamentação dogmática da função social do contrato, deve considerar
pelo menos duas variáveis: no campo econômico, a possibilidade de assegurar
eficiência ou, pelo menos, garantir a regulação dos mercados e, no campo jurídico,
dar conta da relação entre fato e valor para o efeito de viabilizar a atividade
econômica.
Fazendo uma análise econômica do instituto jurídico de recuperação judicial,
a introdução da Lei 11.101/2005, revogou o antigo Decreto-Lei 7.661/1945, voltando-
se a aspectos outros do que o antigo regulamento, sobretudo retirando o foco do
processo falimentar da figura do devedor, passando a analisar, com mais
71
SEN, Amartya Kumar. Sobre Ética e Economia. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 47-48. 72
BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo: hacia una nueva modernidade. Barcelona: Paidós, 1998.
73
profundidade, a atividade econômica desenvolvida pelo empresário em crise e sua
possibilidade ou não de recuperação, objetivando propiciar um mercado de crédito
ativo a custos baixos.
Assim, para que a atividade empresarial se desenvolvesse, passando a ser
uma economia moderna, a partir da revolução industrial do final do século XIX e do
desenvolvimento do capitalismo financeiro, tornaram-se necessários grandes
volumes de capital, conforme afirma Tullio Ascarelli, a ser “uma economia creditória,
essencialmente baseada no crédito”.73
Considerando que a própria existência da empresa e do empresário depende
do crédito, pode-se afirmar, então, que “é sobre a tutela do crédito, da sua
circulação, que se estruturam as leis que dispõem sobre a permanência, ou não, do
comerciante ou empresário, em face da crise da atividade”.74 O objetivo final de uma
lei falimentar, portanto, é proteger o mercado de crédito.
Desde a fase legislativa – em sua exposição de motivos –, o projeto de lei que
culminou por dar origem à mencionada Lei 11.101/2005 já trazia, como princípios
norteadores do diploma legal a preservação da empresa, a recuperação apenas das
sociedades e empresários economicamente viáveis, a redução do custo do crédito
no Brasil, a celeridade e a eficiência dos processos judiciais, a segurança jurídica e a
participação ativa dos credores, na falência e na recuperação judicial.
O relatório que ficou conhecido como exposição de motivos da Lei
11.101/2005 deixa claro, ainda, que sua elaboração foi contextualizada com a
complexidade que as atividades empresariais e as relações contratuais adquiriram,
ao longo do tempo. O Decreto-Lei 7661/1945 havia sido editado em fase de
estabilidade e forte regulação na economia brasileira.
De um ponto de vista macroeconômico, as moedas passaram a apresentar
flutuações consideráveis, em curtos interregnos temporais, a movimentação de
capitais, a nível internacional, passou a ser significativa e o FMI, embora ainda
exista, teve sua importância diminuída.
73
ASCARELLI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. Campinas: Mizuno, 2003, p. 32. 74
FRANCO, Vera Helena de Mello; SZTAJN, Rachel. Falência e recuperação da empresa em crise:
comparação com as posições do direito europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 1.
74
Por sua vez, em relação a aspectos microeconômicos, os arranjos societários
tornaram-se cada vez mais complexos, com a formação de aglomerados
decorrentes de sucessivas fusões e aquisições, os ativos tangíveis passaram ser
dispensados em certas atividades, que podem ser caracterizadas apenas como
centros de decisões de negócios ou de desenvolvimento de tecnologia, e relações
contratuais mais fluidas que o direito de propriedade começaram a florescer, o que
ocasionou a proliferação de diferentes formas de garantia.
Assim, uma única atuação do Poder Judiciário destoante dos objetivos da Lei
11.101/2005, ainda que supostamente fundada na redistribuição, pode servir de
precedente para que agentes, envolvidos na recuperação judicial, se comportem de
modo a desvirtuar o instituto, buscando a satisfação de interesses individuais.
Cooter e Ullen explicam que:
Os economistas são especialistas em dois valores relacionados à definição de políticas públicas – a eficiência e a distribuição. A resolução da maioria das disputas jurídicas – como, por exemplo, se o réu precisa pagar ressarcimento de danos ou se ele tem de desistir de uma atividade específica - tem valor monetário. O valor monetário que está em jogo é o risco na disputa. Decidir um litígio jurídico quase sempre implica alocar o risco entre as partes. A decisão a respeito de quanto do risco cada parte recebe cria um incentivo para o comportamento futuro, não só das partes específicas envolvidas nessa disputa, mas de todas as outras que estiverem numa situação semelhante.
75
Os autores fizeram a ressalva no final, uma vez que utilizaram como dado de
pesquisa o relatório "Doing business in 2005", também do Banco Mundial, em
coautoria com a Corporação Financeira Internacional e a Oxford University Press.
4.3 PRESSUPOSTOS E OBJETIVOS FORMAIS DA NOVA LEI DE
RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Segundo o artigo 48 da Lei 11.101/2005, estão credenciados a requerer a
recuperação judicial aqueles que estão expostos a ter sua falência decretada, ou
75
COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & economia. Tradução: Luis Marcos Sander, Francisco
Araújo Costa. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 30.
75
seja, sociedades empresárias e o próprio empresário. Frise-que que no artigo 1º da
lei o legislador deixa explícito que sociedades empresárias e empresário individual
em dificuldades financeiras ou insolventes serão tratados por “devedor” em todo
diploma legal.
Com relação aos legitimados Fábio Ulhoa Coelho afirma:
[...] a recuperação judicial tem lugar apensar se o titular da empresa quiser. Se credores, trabalhadores, sindicatos ou órgão governamental tiverem um plano para a reorganização da atividade econômica em estado pré-falencial, não poderão dar inicio ao processo de recuperação judicial.[...].
76
Além do rol de legitimados para pleitear recuperação judicial, existem certos
requisitos para tal feito. O art. 48 da Lei e a doutrina nacional dividem os requisitos
em quatro pontos.
Dessa forma, o primeiro requisito pressupõe que a empresa não pode estar
falida, à medida que a recuperação judicial é instrumento utilizado para os
devedores que se encontram em situação ainda passível de reestruturação de seu
status quo ante; o segundo requisito se refere ao tempo mínimo da exploração
comercial, ou seja, pode-se requerer recuperação somente aquelas empresas ou
empresários registrados na junta comercial (art. 967, CC) a pelo menos dois anos.
O terceiro requisito trata-se de um critério temporal. De acordo com ele, não
se concede recuperação judicial a devedores que tenham conseguido a mesma
recuperação há menos de cinco anos. Por fim, o último requisito trata dos crimes
falimentares. Segundo ele, nenhum dos sócios ou administradores da empresa
podem ter sido condenado pela prática de crime falimentar.
A Lei 11.101/2005 contém alguns dispositivos que entram em conflito com os
ditames da Constituição Federal de 1988. Podemos citar alguns dispositivos legais,
reputados unilateralmente como relevantes, para demonstrar a referida colidência
frontal com o que expressa a Carta Política.
O hermeneuta ainda se vê atrelado ao conteúdo do texto normativo ditado
76
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 9. ed.
São Paulo: Saraiva, 2013, p. 168.
76
pelo Estado, como se a lei fosse a única fonte absoluta do direito posto. O direito
está acima da lei e do próprio Estado, sendo pura linguagem e produz sentido.
Portanto, o hermeneuta deve perceber, que a Lei 11.101/05 contém falhas e
inconstitucionalidades, não cabendo, principalmente ao intérprete autêntico
simplesmente aplicar a lei ao caso concreto.
Paulo Roberto Nalin salienta que “a Constituição Federal ocupa,
invariavelmente, a posição maior em relação ao Código Civil, por exemplo”77. A
mesma posição é adotada, em relação a todas as leis infraconstitucionais, inclusive
a Lei 11.101/2005.
Porém, o art. 1º da Lei 11.101/2005 afasta totalmente a aplicabilidade do novo
modelo legal (sociedade simples), apenas se referindo a empresário e sociedade
empresária. A sociedade simples, portanto, não poderia, a princípio, se valer do
favor legal – recuperação judicial de empresa, conforme lei de 2005. Segundo esta
mesma lei, somente o agente econômico está sujeito aos ditames legais em foco,
sendo certo que, se a sociedade simples não consta daquele rol que estabelece
quais entidades poder-se-ão valer da lei, e, por outro lado, também não consta
daquele excludente, nota-se, sem muito esforço, que o legislador optou por não
permitir que a simples se valha da Lei 11.101/2005. As entidades não previstas na
lei, como a simples, deverão, assim, observar o regramento específico do Código de
Processo Civil (insolvência, conforme art. 748), sendo que o art. 786 de tal diploma
faz expressa referência às sociedades civis, qualquer que seja sua forma.
Frise-se que tal regramento quase nunca é aplicável, na prática. Por outro
lado, as instituições financeiras estão sujeitas ao regramento previsto na Lei
6.024/74, a princípio, e poderá a liquidação extrajudicial ser transformada de forma
efetiva em processo falimentar, bastando que o liquidante entenda que caso é de
pedir judicialmente a decretação da falência e assim proceder. Então, poder-se-ia
chegar a uma primeira conclusão: às sociedades simples não seria dado o direito de
requerer a recuperação judicial, por expressa vedação do art. 1º da nova lei. Logo,
não se vê como dar tratamento diferenciado à sociedade simples, quando o tema é
77
NALIN, Paulo Roberto R. (Org.). Introdução à problemática dos princípios gerais do direito e os contratos. In: NALIN, P. R. R. (Org.). Contrato & Sociedade: princípios de direito contratual. 1. ed. 2.
tir. Curitiba: Juruá, 2006. v. 1, p. 11-24.
77
recuperação judicial.
Todavia, acima da Lei 11.101/2005 está a Constituição da República, a qual
contém princípios constitucionais importantes, devendo ser observados pelo
exegeta. Por exemplo, os princípios da proporcionalidade (art. 5º, §2º); da
preservação da empresa e da função social, dentre outros de igual relevância para o
exame da matéria.
Ressalte-se, que a ideia primordial da Lei 11.101/2005 é, em conformidade
com o art. 47, viabilizar a superação da crise, a princípio, momentânea. Caso os
meios colocados à disposição do devedor não surtam os efeitos almejados, aí, sim,
poder-se-á falar em falência, aí, sim, haverá a retirada compulsória do mercado.
Este é o norte. Mais uma vez insiste-se que primeiro tenta-se a recuperação e
depois se observa o regramento próprio da falência, bem mais célere.
Argumenta-se, para fins específicos de aplicação da Lei de 11.101/2005, se
haveria distinção entre sociedade empresária e sociedade simples. Não se entende
o porquê de somente aquela estar protegida pelo novo texto legal. E mais ainda:
tendo a sociedade simples relevância no âmbito do direito empresarial, muito
embora não desempenhe atividade econômica organizada, não poderá ser tratada
de forma diversa. A sociedade simples, muito embora tenha seus atos constitutivos
registrados no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, mas de fato tenha algum dos
atributos elencados no art. 966 do Código Civil, a habitualidade, por exemplo, não
poderia se valer da Lei 11.101/2005.
Outro dispositivo legal inquinado de inconstitucionalidade é o art. 192, §1º da
Lei de 2005. Em linhas gerais, estabelece que fica vedada a possibilidade de
concessão de concordata suspensiva nos processos falimentares que tramitam sob
a égide da lei falencial de 1945, podendo o Síndico promover a alienação dos bens
da massa falida, assim que concluída a arrecadação, independentemente da
formação do quadro geral de credores e a conclusão do inquérito judicial.
A lei falimentar de 2005 tratou universos jurídicos complemente diferentes de
forma igual, a exemplo do instituto da concordata suspensiva. Além disso,
estabeleceu, nesses mesmos processos iniciados antes de junho de 2005, que
poderá ser promovida a alienação imediata de ativos, independentemente da
78
formação de quadro geral de credores.
Considerando os novos ditames legais, o regramento jurídico começa por
alterar a nomenclatura dos institutos falenciais. Sai do sistema jurídico, a princípio, a
concordata (suspensiva da falência, ou preventiva) e entra a recuperação (judicial,
extrajudicial ou aquela destinada às microempresas ou empresas de pequeno
porte), para os que buscarem a tutela estatal para a tentativa do soerguimento e
para aqueles que são retirados do mercado, a contar de junho de 2005, quando
entrou em vigência a Lei 11.105/200578. Pela lei falimentar, inexiste a possibilidade
de se conceder a concordata suspensiva na seara falimentar que tem como trilho
justamente a antiga lei de 1945. Tal instituto, também, não foi recepcionado pela Lei
11.101/2005.
Fábio Ulhoa Coelho, bem esclarece:
Um bom plano de recuperação não é, por si só, garantia absoluta de reerguimento da empresa em crise. Fatores macroeconômicos globais ou nacionais, acirramento da concorrência no segmento de mercado em causa ou mesmo imperícia na sua execução podem compreender a reorganização pretendida. Mas um plano ruim é garantia absoluta de fracasso da recuperação judicial.
79
A condição fundamental para que a nova medida de recuperação da empresa
seja efetiva e atinja os objetivos pretendidos – inclusive a contribuição na luta contra
o aumento do desemprego – é a seriedade e consistência do plano de
reorganização.
O crédito, na sociedade atual, representa a efetiva possibilidade de os
variados atores sociais participarem do processo econômico, porque se permite o
fomento da produção e do consumo, ou seja, dá vida à circulação econômica de
bens e serviços.
A recuperação judicial deve ser compreendida como um efetivo mecanismo
de tutela de preservação da atividade empresarial, permitindo que a sua função
econômico-social seja assegurada e mantida. Por outro lado, os bancos podem
78
BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Dispõe sobre a lei de falência e recuperação judicial e extrajudicial. Coletânea de Legislação. São Paulo: Saraiva, 2007. 79
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas:
(Lei nº 11.101, de 09.02.2005). São Paulo: Saraiva, 2005, p. 220.
79
encontrar mecanismos eficientes para a recuperação de seus créditos. Assim, por
exemplo, é o caso da propriedade fiduciária, resultante da alienação fiduciária em
garantia, que consiste na transferência feita pelo devedor ao credor da propriedade
resolúvel, em se tratando de bens móveis infungíveis (art. 1361, do Código Civil –
CC), ou de bens imóveis (art. 22 e ss., da Lei 9514/97, Lei da Propriedade Fiduciária
– LPF). Ditos créditos, hoje, não se submetem à recuperação (art. 49, § 2°, da LRF),
para se proteger de forma mais eficiente a recuperação pelos bancos de seus
créditos. Essa medida visa ampliar as possibilidades de o agente financeiro reaver
seu crédito.
A ordem econômica deve estar atenta para um capitalismo que preza, sim,
pela elevada capacidade de criar, dominar e transformar a natureza e que, por
conseguinte, desperta para uma diversidade de desejos do empreendedor e do
consumidor. No entanto, a escassez do crédito, promove a rediscussão de variados
assuntos, tais como, a estabilidade do sistema financeiro, a proteção do devedor, a
importância de mecanismos eficientes, para que ele seja recuperado, diante das
situações de inadimplência, entre outras circunstâncias.
As restrições ao crédito para operações comerciais e para o consumo devem
ser sopesadas. Se por um lado, a empresa produz riquezas materiais, por outro
lado, o banco promove a estabilidade, a confiança, a fim de que o desenvolvimento
econômico ocorra. Estes aspectos devem ser considerados, no momento de uma
análise jurídica para a realização e a recuperação do crédito, num ambiente de crise.
Ainda, sustentabilidade e crise são vocábulos conflitantes, paralelas que
jamais encontrar-se-ão, em se tratando do exame detido e coerente da Lei
11.105/2005. Impende destacar que a empresa deve ser socialmente responsável,
contribuindo para o crescimento da economia, mas também zelando pela qualidade
de vida da comunidade na qual se insere.
4.4 ASPECTOS JURISPRUDENCIAIS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Como já visto, a recuperação judicial trata da possibilidade de reestruturação
80
das empresas economicamente viáveis que passem por dificuldades momentâneas,
mantendo os empregos e os pagamentos aos credores.
Um dos méritos apontados nessa legislação falimentar é a prioridade dada à
manutenção da empresa e dos seus recursos produtivos. Ao acabar com a
concordata e criar as figuras da recuperação judicial e extrajudicial, a nova lei
aumenta a abrangência e a flexibilidade nos processos de recuperação de
empresas, mediante o desenho de alternativas para o enfrentamento das
dificuldades econômicas e financeiras da empresa devedora.
Pela Lei 11.101/2005, o envolvimento direto do Judiciário é precedido de uma
tentativa de negociação informal entre devedor e credores, por meio de uma
proposta de recuperação apresentada pelo devedor a uma assembleia de credores.
É o que a lei define como negociação extrajudicial.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), última instância da
Justiça brasileira para as causas infraconstitucionais, vem julgando vários
processos, estabelecendo a correta interpretação sobre questões que tratam do
processo de recuperação judicial, propriamente dito, e, inclusive, a possibilidade de
ser requerida a desconsideração da personalidade jurídica.
Para o STJ, o juízo responsável pela recuperação judicial detém a
competência para dirimir todas as questões relacionadas, direta ou indiretamente,
com tal procedimento, inclusive aquelas que digam respeito à alienação judicial
conjunta ou separada de ativos da empresa recuperanda, diante do que estabelece
a Lei 11.101/2005.
Segundo o ministro João Otávio de Noronha, com a edição da Lei
11.101/2005, respeitadas as especificidades da falência e da recuperação judicial, “é
competente o respectivo juízo para prosseguimento dos atos de execução, tais como
alienação de ativos e pagamentos de credores, que envolvam créditos apurados em
outros órgãos judiciais, inclusive trabalhistas, ainda que tenha ocorrido a constrição
de bens do devedor”.
Assim, após a apuração do montante devido, processar-se-á no juízo da
recuperação judicial a correspondente habilitação, de modo a não transgredir os
81
princípios norteadores do instituto e as formalidades legais do procedimento, nem
desvirtuar o propósito contido no art. 47 da Lei 11.101/2005.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido,
reiteradamente, a incompatibilidade da adoção de atos de execução de julgados em
outros juízos, notadamente na esfera trabalhista, de forma simultânea ao curso de
processo de reorganização judicial da empresa devedora.
Em recente julgamento de recurso especial, o STJ aplicou o entendimento de
que a desconsideração da personalidade jurídica é técnica consistente, não na
ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela empresa, mas na
ineficácia relativa da própria pessoa jurídica – ineficácia do contrato ou estatuto
social da empresa –, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos.
A decisão levou em conta diferenças essenciais entre a desconsideração e
dois outros institutos, a ação revocatória falencial e a ação pauliana. A primeira visa
ao reconhecimento de ineficácia de determinado negócio jurídico tido como suspeito,
e a segunda, à invalidação de ato praticado em fraude a credores, servindo ambos
os instrumentos como espécies de interditos restitutórios, com o objetivo de devolver
à massa falida ou insolvente os bens necessários ao adimplemento dos credores.
Segundo João Otávio de Noronha, no processo falimentar, “não há como a
desconsideração da personalidade jurídica atingir somente as obrigações contraídas
pela sociedade antes da saída dos sócios”.
E acrescentou:
Reconhecendo [...] que os atos fraudulentos, praticados quando os recorrentes ainda faziam parte da sociedade, foram causadores do estado de insolvência e esvaziamento patrimonial por que passa a massa falida, a superação da pessoa jurídica tem o condão de estender aos sócios a responsabilidade pelos créditos habilitados, de forma a solvê-los de acordo com os princípios próprios do direito falimentar, sobretudo aquele que impõe igualdade de condição entre os credores, na ordem de preferência imposta pela lei.
80
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a última
80
NORONHA, João Otávio de. Sala de Notícias: STJ e a Lei de Falências: como o tribunal vem decidindo questões de empresas em estado de crise econômico-financeira, 18/12/2011.
82
palavra em processo sobre blindagem de empresa em recuperação judicial é do
Superior Tribunal de Justiça (STJ). A questão foi analisada pela 1ª Turma que, por
unanimidade, negou provimento a um recurso contra decisão da 2ª Seção do STJ,
de dezembro de 2011. Na ocasião, os ministros decidiram que a suspensão de
ações e execuções contra uma companhia em recuperação deve valer a partir da
data em que o juiz deferiu o pedido, e não do dia em que foi ajuizado o processo.
Por entender que o processo não envolve questões constitucionais, os
ministros da 1ª Turma do STF rejeitaram recurso (agravo regimental) da
Agropecuária Vale do Araguaia, que pertence ao empresário Wagner Canhedo, e
não entraram no mérito. O relator foi o ministro Dias Toffoli. O ex-controlador da
Vasp tentava novamente reverter a perda da Fazenda Piratininga para os ex-
funcionários da companhia aérea.
Na época da decisão do STJ, os advogados que atuam em recuperação
judicial ressaltaram que esse entendimento, predominante na Corte, seria prejudicial
às empresas. Apesar de os artigos 6 e 52 da Lei 11.101/2005, que trata da
Recuperação Judicial, estabelecerem a suspensão das execuções e cobranças, a
partir da aceitação do pedido pelo juiz, o art. 49 da mesma lei dá margem a outra
interpretação. Nesse último dispositivo, a norma diz que estão sujeitos à
recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não
vencidos.
Em outro caso examinado pela 28ª Câmara de Direito Privado do mesmo
tribunal, os magistrados contrastam a noção de essencialidade com a de utilidade.81
Relata-se sobre arrendamento mercantil de caminhão, em favor de sociedade
empresária, cujo objeto social abarca indústria, comércio, importação e exportação
de lubrificantes, estabilizantes, desmoldantes, estearatos e ceras em geral. A
manutenção do caminhão configura-se em aspecto da organização administrativa da
empresa, permitindo-se a realização de entregas a clientes ou transporte de insumos
entre as unidades produtivas. Nenhuma dessas atividades se enquadra diretamente
no objeto social da empresa. Nesse sentido, considera a Câmara que o bem
arrendado é apenas útil às atividades finalísticas da recuperanda, não incidindo a
81
TJSP, 28ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 990.10.031940-0, Rel. Des. Eduardo Sá Pinto Sandeville, julgado em 27/04/2010.
83
ressalva final do art. 49, § 3º, da Lei 11.101/2005.
No Agravo de Instrumento nº 990.09.325897-8, discute-se um caso em que
sociedade empresária do ramo de turismo e fretamento, a despeito de estar sob o
manto da blindagem conferida pelo processamento da recuperação judicial, teve um
dos seus veículos apreendidos por decisão de primeira instância82. A busca e
apreensão se deram, em razão do inadimplemento de dívida garantida por alienação
fiduciária. Conforme visto, as ações do proprietário fiduciário não se submetem à
blindagem recuperacional, mas o mesmo dispositivo que privilegia esse tipo de
credor subtrai a ele a prerrogativa de retirar bens essenciais à atividade da empresa
em recuperação, pelo prazo da própria blindagem (180 dias). Nesse sentido, verifica-
se que o credor proprietário apenas pode se servir do seu privilégio, se não houver
essencialidade do bem.
O relator do agravo, Desembargador Fernando Melo Bueno Filho, concluiu
que o veículo automotor apreendido se tratava de um instrumento relevante para a
continuidade da atividade da recuperanda (fretamento e turismo), o que evidencia o
erro cometido pela primeira instância, na expedição da ordem de busca e
apreensão.
Até esse ponto, o voto não traz nenhuma polêmica, mas interessa a
observação adicional que acompanhou o provimento do recurso. Mesmo não sendo
objeto direto do agravo, o relator verifica que houve o decurso do prazo de 180 dias
da blindagem, no caso concreto. Já que a lei assegura ao devedor a permanência
dos bens essenciais somente no referido período protetivo, resolveu-se cassar a
liminar dada em segunda instância, permitindo que o agravado prosseguisse com a
busca e apreensão.
Em combate à observação, o voto vencido do Desembargador Manoel Justino
Bezerra Filho aduz que, no momento do julgamento, não se conhecia o estado do
processo, “pois nada comprova nestes autos que não tenha sido já deferida a
recuperação ou eventualmente os autos estejam em situação totalmente diversa,
considerando que em 10.02.2010 terminaria o prazo de 180 dias”. Tendo em vista
82
TJSP, 35ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 990.09.325897-8, Rel. Des. Melo Bueno, julgado em 24/05/2010.
84
que a lei não estende a blindagem do devedor para além do prazo, mesmo que haja
a concessão da recuperação, o argumento dissidente tende a perder sua força.
Quando se concede judicialmente a recuperação, pressupõe-se que houve a
aprovação de um plano de reestruturação de dívidas negociado no prazo da
blindagem, extinguindo-se total ou parcialmente os créditos habilitados no processo.
No entanto, como o crédito garantido por alienação fiduciária está excepcionado
desse efeito (art. 49, § 3º, da Lei 11.101/2005), a princípio, não se poderia admitir
que houvesse alguma relevância no fato de haver, ou não, a concessão da
recuperação. Para que fosse obstado o prosseguimento da ação, o crédito garantido
em alienação fiduciária deveria ser extinto por outra forma (pagamento ou novação
individualmente negociados, por exemplo), o que poderia ser analisado em primeira
instância, mediante provocação da parte interessada.
Nota-se que outro acórdão recente do Tribunal de Justiça de São Paulo, por
unanimidade, reafirma a irrelevância da concessão da recuperação judicial como
elemento que possa estender a proteção contra a busca e apreensão de bem
alienado fiduciariamente.83
Por fim, é interessante notar a crítica do Desembargador Manoel Justino
Bezerra Filho à disposição legal, que favorece o capital financeiro, em detrimento da
viabilidade de eventual plano de recuperação84. No Agravo de Instrumento nº
990.10.081618-7, o colegiado debruçou-se sobre decisão de primeira instância que
indeferia busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente, ainda que já
houvesse transcorrido o prazo de 180 dias.
Embora o voto condutor tenha se direcionado para a reforma da decisão
recorrida, observa-se, da parte do relator, a manifestação de contrariedade às
83
A agravante tinha, pois (como se estabeleceu na decisão de fl. 134 que concedeu a suspensividade requerida), direito de permanecer com os bens alienados fiduciariamente, enquanto durasse o prazo de 180 de suspensão, a que se refere o § 4º do artigo 6º da Lei nº 11.101/2005. Esse prazo já escoou. O direito da agravante foi preservado. Diante do exposto, dou provimento ao recurso para ratificar a decisão de fl. 134, que permitiu à agravante permanecer com os bens alienados fiduciariamente enquanto durasse o prazo de 180 dias, previsto no § 4º do artigo 6º da Lei nº 11.101/2005. Esclareço que esse prazo já terminou e que, portanto, os efeitos da medida concedida por este relator, à fl. 134, já cessaram (TJSP, 29ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 992.09.079719-0, Rel. Des. Luís de Carvalho, julgado em 17/03/2010). 84
TJSP, 35ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 990.10.081618-7, Rel. Des. Manoel Justino de Bezerra Filho, julgado em 24/05/2010.
85
disposições legais, como se houvesse uma espécie de incoerência interna na lei de
recuperação85. De um lado, a lei sujeita credores quirografários e trabalhistas a
participar dos custos da recuperação empresarial, alavancada pelo princípio da
preservação da empresa. Por outro lado, fornece um atalho para credores de
financiamentos bancários passarem ao largo da turbulência sob o fundamento da
política econômica de redução dos juros, o que vem sendo questionado por alguns
autores.86
No Agravo de Instrumento nº 990.09.363923-8, o colegiado examina a
validade de alienação fiduciária de sacas de milho, dadas por sociedade avícola, no
intuito de assegurar crédito, no valor de R$ 960.000,00. Em especial, a devedora
encontra-se em recuperação judicial e a discussão gira em torno da validade do
negócio que alienou bens em garantia, perpassando pela noção de essencialidade.87
No entendimento do relator vencido, Desembargador Carlos Alberto Garbi, o
problema se resolve, sem se recorrer aos dispositivos da Lei 11.101/2005. Para ele,
trata-se de invalidade da alienação fiduciária, tendo em vista que o objeto da
garantia cuidava-se “de coisa móvel fungível, de utilização e consumo do devedor”,
sendo “forçoso reconhecer que o credor não tem de fato uma garantia ou direito real
sobre a coisa a legitimar a busca e apreensão, limitando-se o seu direito a um
crédito de sacas de milho”.
Complementa o raciocínio, afirmando que o caso não se trata de execução de
garantia, mas sim de uma simples dívida. Observa, enfim, que o credor não teria “as
prerrogativas do direito real, especialmente a sequela”.
Apesar de reconhecer que a alienação fiduciária pode recair sobre bens
fungíveis, sobretudo após a edição da Lei 10.931/2004, o relator recusa a validade
do negócio, quando o objeto da garantia incide sobre bens de “utilização e consumo
do devedor”, o que acaba descaracterizando o direito de propriedade e seus
85
Pode-se – e deve-se – criticar a disposição legal, que ao que parece preocupou-se mais com o favorecimento ao capital financeiro do que propriamente com a possibilidade de recuperação da sociedade empresarial; no entanto, a lei está posta e, pelo menos por ora e nestes autos, não se vislumbra possibilidade de decisão diversa. 86
KATUDJIAN, Elias. Pela (re)inclusão dos créditos excluídos da recuperação. Revista do Advogado, n. 105. São Paulo: AASP, 2009, p. 50. 87
TJSP, 26ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 990.09.363923-8, Rel. Des. Viana Cotrim, julgado em 28/04/2010.
86
pressupostos, como o direito de sequela. Por essa visão, se o milho se constitui em
insumo na atividade de criação de aves, não se pode conceber que possa ser
alienado em garantia, uma vez que será usado no ciclo produtivo do devedor.88
Em sentido contrário, o relator designado, Desembargador Vianna Cotrim,
pondera pela validade do negócio. Conforme evidenciado pelo voto vencedor, a
sociedade devedora subscreveu documento em que os sócios declaravam a
intenção de alienar as sacas de milho, afirmando que “os bens dados em garantia
estão dentro do prazo de validade e não estão incorporados ao ativo permanente da
empresa”.
É interessante notar que bens do ativo circulante são destinados ao consumo
ou à comercialização, não sendo compatíveis com a preservação no estoque, sob
pena de se criar entraves inviabilizadores da atividade empresarial. Dessa maneira,
soa incoerente a afirmação de um direito de propriedade sobre um bem que pode
ser consumido ou negociado com terceiros, sem haver o direito de sequela,
conforme destacou o voto vencido.
Por outro lado, o entendimento prevalecente observa a necessidade de se
aplicar o princípio da boa-fé objetiva no cumprimento dos contratos, destacando que
o recurso “quer principalmente, que se aplique o prazo suspensivo de 180 dias das
ações e execuções previsto no art. 6º, § 4º, da Lei 11.101/2005”. Ao fazê-lo, o
devedor reconhece a validade do negócio de alienação fiduciária, reforçando o teor
da cláusula contratual de alienação fiduciária.
Contra esse entendimento, a divergência expõe que o desequilíbrio entre
instituições financeiras e tomadores de crédito é um traço evidente das relações de
mercado modernas. Diante do caráter adesivo das disposições contratuais, a boa-fé
objetiva não poderia ser usada em favor do credor bancário.
88
É de se destacar os seguintes trechos do voto ora referido: Para a validade da garantia, é imprescindível que o bem não tenha destinação específica e prioritária no desenvolvimento e na manutenção da empresa. O bem não pode ter afetação, ou seja, não pode estar vinculado de maneira direta e imediata à atividade essencial da empresa, como acontece no caso dos autos. [...] O defeito, portanto, não está propriamente na fungibilidade dos bens, mas na sua essencialidade ao negócio desenvolvido, pois a garantia nesses casos passa a recair sobre a própria pessoa do devedor, uma vez que a busca e apreensão importa na extinção do devedor. Cuida-se do que Teresa Negreiros chamou de “paradigma da essencialidade” (Teoria do Contrato, ed. Renovar, 2002), aplicado à pessoa jurídica. O credor, ao ter em garantia bem essencial, passa a ter o poder de vida e morte sobre o devedor.
87
Como se pode notar do debate empreendido neste agravo, verifica-se que o
tema da essencialidade pode extrapolar os contornos da recuperação judicial. Se o
entendimento esposado pelo voto vencido pudesse se converter em jurisprudência
dominante algum dia, os bancos, em qualquer caso, não poderiam contar com bens
essenciais à atividade empresarial como fonte de garantia.
Por outro lado, o próprio Ministério Público paulista reconhece a validade da
oferta de garantia pactuada sob condições semelhantes às relatadas no acórdão
examinado. O voto vencedor no Agravo de Instrumento nº 990.10.005043-5 acolheu
integralmente o parecer ministerial que ressaltava que a recuperanda “ofereceu bens
de sua fabricação (jogos de jantar, chá e café, açucareiros, bules, cafeteiras, leiteira,
xícaras de café – fls. 241), como garantia da dívida a que se obrigou”. Na visão do
parquet, o argumento de que esses bens integram os estoques, afastando a
validade da garantia, seria uma forma da devedora alegar sua própria torpeza, o que
é defeso pelo ordenamento jurídico.89
89
TJSP, Câmara Reservada à Falência e Recuperação, Agravo de Instrumento nº 990.10.005043-5, Rel. Des. Romeu Ricupero, julgado em 01/06/2010.
88
5 A IMPORTÂNCIA DA MANUTENÇÃO DO CRÉDITO NA RECUPERAÇÃO
JUDICIAL: FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E SUSTENTABILIDADE
EMPRESARIAL
Neste capítulo, será analisado o papel da Lei de Recuperação de Empresas
(Lei 11.101/2005), a sustentabilidade, a função social e a segurança jurídica, em
relação à empresa em crise, bem como as crises nas quais tal entidade poderá estar
mergulhada.
A recuperação judicial objetiva a superação da crise empresarial, permitindo a
continuidade da atividade econômica para evitar a falência, tendo por finalidade, nos
termos do art. 47 da Lei 11.101/2005, a manutenção da fonte produtora, do emprego
dos trabalhadores e do interesse dos credores no intuito de promover a preservação
da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
A Lei 11.101/2005 apresenta dispositivos legais que exigem a aplicação
ajustada pela doutrina e pela jurisprudência para o efetivo atendimento à finalidade
prevista em seu art. 47, de forma a assegurar os fins previstos para a recuperação
judicial, em especial a preservação da empresa e os seus fins sociais. Nesse
contexto, o direito do credor deve ser compreendido no âmbito da recuperação
judicial, analisando-se os demais fatores envolvidos, não parecendo adequada a
interpretação literal e isolada de qualquer dispositivo da Lei 11.101/2005.
5.1 A SUSTENTABILIDADE E AS CRISES NA EMPRESA
Com o objetivo de evitar a crise definitiva irreversível e que só terá como
caminho a falência, o proprietário deve se precaver, e observar se se fazem
presentes alguns indícios de crise que podem ocorrer. O empresário, segundo J.
Lobo:
[…] pode e deve, a partir dos primeiros sinais de perigo, preparar-se para ajuizar a ação de recuperação judicial e propô-la a tempo e hora, evitando
89
que se aproxime célere o estado pré-falimentar ou falir de seus negócios e a debacle de sua empresa.
90
Há alguns sinais de alerta para o empresário (controlador, diretor,
administrador, sócio ou acionista) e também para os seus credores, em relação à
eventual crise da empresa que está por acontecer. Primeiramente, cabe pôr em
relevo o fato de que os proprietários devem ter ampla visão a respeito da crise. A
efetiva resolução dos problemas pode ser caseira, estando as medidas a serem
tomadas ao efetivo alcance da mão do proprietário. Assim, Jorge Queiroz adverte:
[...] é inquestionável a necessidade de agir preventivamente e estar atento aos sinais de alerta, pedindo ajuda em tempo hábil, uma vez que é a alternativa mais eficaz e econômica. Um dos maiores pecados capitais dos empresários é pedir ajuda quando já é tarde demais.
91
A experiência brasileira demonstra que recuperações na esfera judicial não
são muito animadoras. Apesar dos avanços introduzidos com a Lei 11.101/2005 esta
corresponde a um instrumento jurídico de intenções; sua eficácia irá depender dos
operadores da justiça e do direito, além das partes envolvidas. Sua eficácia
demandará, sem dúvida, uma mudança cultural, na linha até aqui exposta.
O empresário precisa ter uma posição, por assim dizer, eminentemente
preventiva, cercando-se de profissionais habilidosos, a fim de detectar eventual crise
e não permitir que tome proporções irremediáveis, fato que, inexoravelmente, ocorre,
em relação às empresas nacionais. Com efeito, uma boa gestão da empresa é
imprescindível para evitar a crise e, sendo o caso, pedir a tutela estatal a tempo de
acudir a atividade desenvolvida. Caso a empresa não tenha uma visão estratégica,
certamente deixará de adotar a palavra aperfeiçoamento. Os proprietários, desde o
momento em que assumem as responsabilidades inerentes ao negócio, também
devem ter em mente o princípio da escassez e da necessidade; devem ter ciência de
que crises poderão surgir ao longo do percurso e somente serão mantidos no
mercado concorrente, caso se utilizem de estratégias comerciais, não raras vezes
preventivas.
90
LOBO, J. A Empresa: Novo Instituto Jurídico. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 795, a. 91, jan. 2002, p. 81-93. 91
QUEIROZ, J. Prevenção de Crises e Recuperação de Empresas. In: OLIVEIRA, F.B. de (Org.). Recuperação de Empresa: uma múltipla visão da nova lei. São Paulo: Pearson Education do Brasil,
2006, p. 8-20.
90
Grande parte das empresas tem um momento de inequívoca subida no
mercado, e permanecem em tal situação por um determinado momento, e tal lapso
temporal dependerá muito da habilidade dos empresários.
Faz-se necessário a busca por estratégias positivas e éticas, a fim de manter
a empresa no mercado, não olvidando do princípio da dignidade humana,
valorizando, também, o trabalho humano, não deixando de produzir com qualidade e
prestar serviços que estejam com os padrões exigidos.
Por outro lado, caso a crise apareça, deverá o administrador ter uma ampla e
completa visão a respeito da situação econômico-financeira da entidade, para
buscar, ainda quando há tempo, sair dessa crise.
Ao perceber, por exemplo, que seus ativos não obtêm razoável preço no
mercado, ou que a clientela se afasta, poderá o devedor tomar medidas enérgicas, a
fim de mitigar os prejuízos advindos. Ainda, verificando que a empresa está se
descapitalizando, sendo obrigada a vender bens do ativo permanente, ou mesmo
sendo obrigada a, reiteradamente, solicitar empréstimos bancários, a juros elevados,
também é um efetivo sinal de crise.
Em todas as situações que possam afetar o regular andamento da atividade
econômica, o empresário deverá agir com ética, ter uma conduta reta e pensar que
todas as empresas, de uma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde, prestarão
suas contas à sociedade organizada, se estiver, efetivamente, instalada em um
regime democrático. Há crises anunciadas, previsíveis (e o exemplo concreto é a
crise internacional, que acaba chegando ao país) e também há crises imprevisíveis
(até anos atrás, poder-se-ia argumentar em torno da estabilidade da moeda norte-
americana em relação à brasileira, mas não mais se permite pensar desta forma),
como a quebra de importante maquinário, imprescindível à realização de
determinada atividade.
Para tanto, a empresa deve estar minimamente preparada para enfrentar os
problemas. Prever a crise e montar planos de administração e reestruturação são
medidas que se impõem àqueles que se aventuram como empreendedores, no
mercado globalizado e competitivo.
91
Quanto ao universo de credores, estes também poderão detectar a crise, e
alertar o devedor quanto aos rumos dos negócios. Quando este, por exemplo, aliena
ativos e ainda mantém a plena posse; quando existem sucessivas entradas e saídas
de sócios do contrato social, sem que se confira o efetivo pagamento das quotas
sociais; quando a empresa devedora contrai sucessivos empréstimos bancários, ou
mesmo quando entrega valores aos administradores também a título de empréstimo;
quando os credores detectam que os balanços contábeis do devedor não expressam
a realidade da empresa; quando os próprios credores começam a questionar a
postura da empresa, dentre outras hipóteses. Nesses casos, a empresa poderá
estar em crise, propriamente dita, competindo ao próprio mercado auxiliá-la, quando
possível.
A solução de mercado, portanto, poderá ser a mais correta e consentânea
com a realidade, especialmente quando o credor detectar a crise do devedor, na
justa medida em que o favor legal não pode ser requerido, senão pela própria
empresa ou empresário.
Portanto, a crise da empresa, importa, e muito, a toda a sociedade brasileira,
pois os reflexos de tal crise trazem efeitos bastante deletérios a todas as pessoas,
inclusive aos cidadãos consumidores e aos trabalhadores. Mas também existe
preocupação, quando a entidade atravessa momento delicado e sua crise ainda tem
alguma salvação, via Estado.
Em ocorrendo o pedido de recuperação judicial, certamente, é porque a
empresa passa por uma determinada crise financeira, por exemplo, e não dispõe de
recursos financeiros suficientes para honrar dívidas livres e anteriormente assumidas
pelo devedor. A crise financeira pode decorrer da ausência de liquidez da empresa
deficitária para honrar os compromissos.
Em resumo, o fato de a empresa não dispor de numerário suficiente para
depositar em juízo, quando se tratava de pedido de falência formulado pelo
legitimado, era sinal de que a crise financeira estava mais do que patente. Esta crise
levava o devedor a ter intransponíveis dificuldades de honrar as obrigações
livremente assumidas, criando risco, efetivo, de ser decreta a falência, ainda mais
92
quando inexistia qualquer limitador numérico, quando se tratava de dívida líquida e
impaga a tempo e modo devidos.
Mas, analisando a situação de forma bastante prática, dificilmente uma
empresa em crise conseguirá honrar as dívidas pré-existentes, e, entregando ao
banco duplicatas para cobrança, certamente que sofrerá efeitos talvez deletérios.
Caso ingresse em processo de recuperação judicial, dificilmente o banco entregará
em juízo qualquer título de crédito e continuará descontando normalmente as
cártulas. Aliás, no mundo da tecnologia, não mais se fala em duplicata física.
As operações bancárias, quase que na sua totalidade, são online e inexistem
papéis para desconto, considerando a dinâmica do mercado financeiro.
Pior ainda, será o caso quando tratar de empresa em crise que assume
financiamento bancário, entregando ao banco determinado bem móvel para
garantia.
Nesse passo, dificilmente poder-se-á falar na implantação de mecanismos
jurídico-econômicos, em sede de reorganização judicial da empresa, se
determinados credores são, a bem da verdade, deixados de lado, e trafegam em via
livre para a busca dos bens que lhes foram entregues, em garantia, pelo devedor. Já
aí é possível vislumbrar um certo desequilíbrio entre tais credores e outros que não
detêm, muitas vezes, qualquer garantia fiduciária em mãos, bastando citar como
mero, mas efetivo exemplo, o caso do trabalhador de chão de fábrica.
A queda de faturamento da empresa pode ocorrer em consequência da
retração de vendas ou prestação de serviços, considerando até e principalmente a
concorrência, inclusive com produtos chineses. No âmbito das grandes corporações,
também pode ocorrer a diminuição de pedidos relativos a produtos que o mercado
não mais deseja consumir, e isso também gera a crise econômica.
Novamente, segundo Francisco Cardozo Oliveira, as crises econômicas e
sociais:
No modelo de economia capitalista, resultam antes do descontrole das decisões tomadas no âmbito da atividade empresarial, do que propriamente de uma política essencialmente estatal, tomada a ideia de estatal na forma de interesse do Estado ou da sociedade globalmente considerada, até
93
porque a dinâmica de acumulação de capital praticamente não deixa esfera social autônoma. A tendência é a de reduzir a socialidade à forma mercadoria.
92
Entende-se que, dificilmente, uma empresa, que atravessa crise, terá
condições de manter-se no mercado, cumprindo fielmente com suas obrigações,
observando o plano de recuperação judicial e ainda com sustentabilidade.
Crê-se que uma empresa em crise, esteja ou não sob o processo de
recuperação judicial, previsto na Lei 11.101/2005, dificilmente conseguirá reunir
forças econômico-financeiras para se manter no mercado de forma sustentável, e
certamente alguém pagará a conta pela mantença de tal empresa em tal mercado,
mantença essa que será levada a efeito de forma deficitária.
A Lei 11.101/2005 se tornou mais rigorosa em relação aos requisitos para que
o devedor possa requerer os benefícios da recuperação judicial. Além de tais
requisitos, devidamente expressos nos artigos 48 e 51, poderão ainda ser
considerados outros, que aqui são rotulados como éticos, e caso o intérprete
considere como válidos, todos aqueles elencados, no decorrer da presente
dissertação. Então, percebe-se que não será toda e qualquer empresa em crise que
poderá valer-se da recuperação judicial, caso se observe não somente a lei, mas
toda a atividade econômica exercitada pela entidade.
O fato é que a lei impõe sérias obrigações ao devedor em crise, e agora já
ultrapassando, por assim dizer, a fase pré-reorganizacional. Caso o juiz determine o
processamento da recuperação judicial, o devedor estará compelido a cumprir
determinadas obrigações, e dificilmente terá fôlego para observar todas as demais
que giram em sua contabilidade.
O plano de recuperação, caso seja sério, consistente e devidamente
consentâneo com a realidade, é o mais importante documento pós-reorganização.
Dele constará quais são as pretensões da empresa para fins de reorganização. A
empresa terá um olho na sua atividade diária e outro naquilo que se comprometeu
perante o juiz da causa. Há um detalhe deveras importante, e que cabe ser aqui
92
OLIVEIRA. F. C. Uma nova racionalidade administrativa empresarial. In: GEVAERD, J.; TONIN, M.M. (Coord.). Direito Empresarial & Cidadania: questões contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2004,
p. 113-126.
94
ressaltado. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, não poderá o
devedor, de forma alguma (em tese) alienar ou onerar seu patrimônio, ou mesmo
direitos de seu ativo permanente, sob pena de falência (também em tese).
Evidente que a interpretação sistemática do artigo 66 da lei leva a uma
conclusão indelével: pode ocorrer a venda de ativos, caso o comitê de credores
fique a par e concorde, isso quando houver o comitê. Em caso negativo, o fato deve
ser considerado pelo administrador judicial e decidido pelo juiz. Isso, sem dúvida
alguma, se resume em problema para a empresa em crise, que não poderá valer-se
do patrimônio existente, já que nada mais é do que a garantia de todos os credores.
Não se concebe, assim, a ideia de que a empresa em crise terá condições
salutares de cumprir suas obrigações diárias; honrar os compromissos assumidos
com credores posteriores ao favor legal; cumprir com todas as obrigações
assumidas no plano e ainda ter sustentabilidade. São situações que dificilmente
chegarão a um mesmo ponto, de modo que a empresa tem o poder-dever de evitar a
crise, buscando manter-se no mercado competitivo de uma forma tendente a cumprir
seu objeto social.
Denota-se que as empresas que concedem créditos para sociedades
empresárias em recuperação judicial possuem crédito extraconcursal, ou seja, caso
a sociedade empresária em recuperação judicial venha a falir, por desrespeito às
exigências legais, quem concedeu crédito para sociedade empresária em
recuperação judicial será credor extraconcursal. A maioria das instituições
financeiras não sabe desta disposição legal e outros, que sabem, negam-se a
conceder crédito da mesma forma, em face dos aspectos acima citados, como o
risco mercantil e o medo de não ter seu crédito satisfeito por circunstâncias adversas
aos requisitos legais.
O mercado, apesar de toda a estrutura que o reveste, ainda não se
sensibilizou pelo instituto da recuperação judicial, vendo neste a ideia antiga da
concordata, onde a fraude era visível e degenerativa, cominando em uma desilusão
hipotética empregada ao novo instituto.
Deve-se amplamente divulgar o instituto da recuperação judicial no Brasil às
inúmeras sociedades empresárias que vêm a encerrar suas atividades empresárias,
95
ou por não conhecerem o instituto em tela, ou por respaldo à nova Lei 11.101/2005 e
seus objetivos.
5.2 FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA
A Constituição Federal de 1988 não pode ser considerada como o primeiro
texto a tratar da função social. De fato, consoante adverte Gustavo Tepedino, “o art.
147 da Carta Política de 1946 já estabelecia que o uso da propriedade seria
condicionado ao bem-estar social”93. E o mesmo autor ainda assevera que: “a
Emenda Constitucional de 1969, em seu art. 160, III, também dispunha que a ordem
econômica e social tinha por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça
social, com base em princípios, dentre os quais o da função social da propriedade”.94
De fato, consoante bem esclarece Tepedino:
A rigor, foi a norma constitucional de 1946 que expressou, pela primeira vez, a preocupação com a função social da propriedade, na esteira de copiosa legislação intervencionista que caracterizou os primeiros passos do Estado assistencialista e da socialização do direito civil.
95
A Constituição Federal de 1988, de fato, enfatizou ainda mais o aspecto
relativo à função social da propriedade. Ainda, o Código Civil de 2002 também
dispôs a respeito da função social da empresa, especialmente em seu artigo 1228.
Prevendo que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as
suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade com o que estabelece a lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada
a poluição do ar e das águas.
Diante de tais aspectos, cabem algumas ponderações a respeito dos
palpitantes temas condizentes com a sustentabilidade e a função social da
propriedade.
93
TEPEDINO, G. Tema de Direito Civil. 3. ed. ver. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 306. 94
Ibid., 2004, p. 323. 95
Id., 2004, p. 324.
96
O desenvolvimento sustentável de uma empresa tem ligação direta com uma
postura séria, ética e moral, perante a coletividade, o meio ambiente e o próprio
Estado, em última instância. E nesse passo, adverte Francisco Cardozo Oliveira:
Existe, portanto, um compromisso ético-social da empresa com a comunidade que precisa ser mensurado pela contabilidade e traduzido nas taxas de lucros esperados pelos investidores. Este compromisso ético-social, na linha dos interesses não proprietários envolve diretamente consumidores e trabalhadores e, de forma mais ampla, os membros da comunidade em geral.
96
Contudo, para falar em sustentabilidade da empresa se torna necessário,
antes, verificar se está ela cumprindo suas obrigações de forma ética e moral,
contribuindo para o crescimento e desenvolvimento da sociedade de pessoas na
qual se insere. A sustentabilidade tem, pois, relação direta e visceral com o
cumprimento do objeto social da empresa, que, procurando manter-se no mercado,
também busca reproduzir-se com responsabilidade social.
Contanto que a empresa cumpra, na medida do possível, com sua
responsabilidade social, buscando, por exemplo, a verdadeira inclusão social dos
menos favorecidos, contribuindo para a erradicação senão total pelo menos de
forma parcial, da pobreza e da marginalização do ser humano, a teor do art. 3º,
inciso III da Constituição Federal; não aguilhoe o ecossistema e ainda contribua para
o crescimento da nação, certamente que obterá sucesso nos seus negócios e ao
mesmo tempo contribuirá para o desenvolvimento social-econômico do Brasil.
O tema condizente com a função social não é uníssono, pelo menos na
doutrina nacional. De um lado, os pensadores esposam o entendimento de que
existe a função social da empresa, embasando seus assertos justamente na
Constituição Federal, quando trata da função social da propriedade; e de outro lado,
há pensadores que entendem que em função social da empresa não se pode falar,
no rigor da terminologia adotada. O presente escrito se presta a apresentar, mesmo
que de forma resumida, as linhas de argumentação, sem estabelecer qualquer
diretriz quanto a um posicionamento preciso, em relação à função social da
96
OLIVEIRA. F. C. Uma nova racionalidade administrativa empresarial. In: GEVAERD, J.; TONIN, M.M. (Coord.). Direito Empresarial & Cidadania: questões contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2004,
p. 113-126.
97
empresa.
Para Francisco Cardozo Oliveira:
Ainda que seja controvertida a possibilidade de se pensar a funcionalização da atividade empresarial, não deixa de ser viável, do ponto de vista jurídico, conceber a ideia de que a empresa, que é forma de exercício do direito de propriedade, carrega da propriedade elementos de função social. Esta funcionalização se manifesta através da responsabilidade social da empresa pela redução das desigualdades.
Acrescenta, ainda:
A ideia de função social contempla uma atividade por parte do proprietário tendente a concretizar, na realidade social e histórica, determinando objetivo homogeinizador, integrado à ordem jurídica, que qualifica o modo de apropriação de bens, notadamente, de bens de produção. A função social, todavia, é mais ampla que a função econômica. A funcionalização inscreve na concretude das relações sociais e de produção uma dinâmica que busca realizar objetivos de justiça social. O conteúdo finalístico do direito de propriedade e da posse obriga o proprietário e o possuidor na relação social e jurídica concreta com os não proprietários e os não possuidores.
97
Muito embora não exista consenso a respeito da função social da empresa, e
independente do rótulo que se queria apresentar, entende-se que ela, por ser
fundamental à economia e à própria sociedade como um todo, tem papel relevante
no seio da comunidade na qual se insere e sua atividade produtiva interessa ao
país. Logo, afastar pura e simplesmente tal fato, aí sim é fechar os olhos a uma
realidade mais palpitante. Não obstante o fato que o mundo vive, em pleno século
XXI, uma era de economia globalizada, é imperioso destacar que a empresa
capitalista deve procurar, sim, o lucro, pois é ínsito à atividade econômica, mas
também deve procurar se reproduzir, buscando a perenidade, mas também com um
olhar no princípio da dignidade humana.
Desta forma, a empresa passará não só a ser uma entidade importante como
também desenvolverá uma atividade compatível com o que é buscado pela própria
Constituição Brasileira, ou seja, terá um enfoque também em relação ao social.
Ressalta-se que as finalidades de função social do contrato, não dizem
97
OLIVEIRA. F. C. Hermenêutica e Tutela da Posse e da Propriedade. Rio de Janeiro: Forense,
2006, p. 243-244.
98
respeito a simples minimização de riscos empresariais e de mercado; a associação
entre finalidades de função social e variáveis de riscos precisa considerar que,
conforme assinala Ulrich Beck, “nas sociedades industrializadas os riscos são
produzidos e o problema está no modo como são repartidos os problemas e os
conflitos disso derivados”. Nesse contexto, o papel do direito acaba sendo o de
encontrar meios para enfrentar os problemas decorrentes do risco produzido, o que
não significa, obviamente, assumir o risco como paradigma para a concretização de
ideais de justiça; neste aspecto, ao invés do risco, o elemento determinante deve ser
o solidarismo, nos termos do que está disposto na Constituição da República.
Para Francisco Cardozo Oliveira e Ligia Neves da Silva:
O alcance do princípio da função social do contrato deve ser objetivamente mensurado em torno de duas finalidades: a de assegurar acesso a posições proprietárias, tendo em conta a redução de desigualdades sociais que está na base do princípio de solidariedade inscrito no texto da Constituição, e o de resgatar o papel do trabalho na construção da socialidade.
98
Assim, no plano jurídico, pela tutela das finalidades de função social do
contrato, será possível resgatar o valor e a valorização do trabalho, em
conformidade com o disposto no inc. IV do art. 1º e do art. 170, caput, da
Constituição da República.
5.2.1 A Dignidade da Pessoa Humana Preservada pela Manutenção do Crédito da
Empresa
A expressão dignidade da pessoa humana está relacionada com valores
humanos, que levam em consideração um tratamento de igualdade, humanitário,
visando a erradicação de desigualdades sociais. Nos dizeres de Luiz Roberto
Barroso, no prefácio da obra de Ana Paula de Barcellos:
A dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um
98
SILVA, Ligia Neves e OLIVEIRA, Francisco Cardozo. Possibilidades de uma análise econômica do princípio da função social do contrato: trocas, acesso às posições proprietárias e ao trabalho. Direitos Fundamentais & Justiça. Rio Grande do Sul: HS. Editora, a. 5, n. 16, p. 182-203, jul./set 2011.
99
respeito à criação, independente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência. O desrespeito a este princípio terá sido um dos estigmas do século que se encerrou e a luta por sua afirmação um símbolo do novo tempo. Ela representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar.
99
A previsão está no art. 1º da Constituição Federal100, que prevê que a
República Federativa do Brasil “constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa
humana.” A disposição é expressa e efetivamente demonstra a preocupação do
legislador em cuidar da matéria, colocando a questão como um dos fundamentos do
Estado Democrático de Direito, sem se olvidar que, quando da promulgação da
Constituição Federal de 1988, o país passava a respirar ares democráticos, após
mais de duas décadas vivendo sob a égide do regime ditatorial.
Segundo Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr:
A dignidade da pessoa humana é considerada base de nosso regime jurídico, tendo o legislador constitucional conferido o status de fundamento do Estado brasileiro. Disso decorre que a sua observância deve ser geral e irrestrita. Associada à dignidade da pessoa humana está o respeito aos direitos subjetivos do indivíduo, que permeia valores que representam os sentimentos mais internos, os direitos fundamentais, direitos estes que se espalham em nossa legislação. A própria Constituição Federal tutela diversos direitos, com princípios que devem ser observados.
Para analisar o princípio da dignidade da pessoa humana, considerado como
o princípio mais importante da Constituição Federal de 1988, faz-se necessário
traçar um paralelo entre valor, princípio e regra constitucional.
Assim, Ronald Dworkin divide a norma em duas espécies: regras e princípios.
Entende os princípios como espécies de normas que não expressam diretamente a
direção a ser tomada e que se aplicam, conforme uma dimensão de peso ou
relevância – em caso de conflito – sendo o preponderante aplicado, ao contrário das
99
BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. São Paulo: ed. Renovar, 2002, prefácio. 100
SÉLLOS-KNOERR, Viviane Coêlho de; OLIVEIRA, Eloete Camilli (Coord.). Dignidade humana e organização social: coletânea 4. Título independente. 1. ed. Curitiba: Clássica Editora, 2013. ISBN
978-85-99651-71-1, p. 305.
100
regras, que são aplicadas disjuntivamente, na base do tudo ou nada.
Assim, para Dworkin, há duas distinções básicas. A primeira é lógica.
Segundo ele:
Rules are applicable in an all-or-nothing fashion. If the facts a rule stipulates are given, then either the rule is valid, in which case the answer it supplies must be accepted, or it is not, in which case it contributes nothing to the decision.
101
Isto quer dizer que, se duas regras entram em conflito, uma delas não será
válida. Elas se aplicam na base do tudo ou nada, e a definição de qual a regra a ser
aplicada não se encontra nela, mas sim no próprio sistema jurídico (hierarquia,
especialidade ou posteridade da regra prevalecente).
De outro lado, em casos difíceis, nos quais não há regra para solucionar a
questão ou, havendo, conflitam entre si, o juiz não pode decidir com base em sua
discricionariedade, como queriam os positivistas (incluindo Kelsen), mas sim nos
princípios. E estes funcionam de maneira diferente. Primeiramente, não se prevê
uma consequência específica quando de sua aplicação, mas serão o fundamento
para a decisão judicial em concreto que se tomar, seja ela qual for, especificamente.
E possuem uma dimensão de peso que as regras não possuem.
Assim, quando dois princípios colidem, ambos são levados em consideração,
como válidos, para se chegar ao preponderante, conforme o peso de cada um
naquela situação.
Robert Alexy concorda com Dworkin em que, tanto as regras, quanto os
princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser. Porém, enquanto
Dworkin afirma que os princípios são, no caso concreto, levados em conta apenas
como razão que se inclina a uma ou outra direção, para ele os princípios:
Son normas que ordenan que algo sea realizado em la mayor medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los princípios son mandatos de optimizacion, que están
101
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978, p. 24.
Tradução livre: “As regras são aplicáveis de uma maneira tudo ou nada. Se a situação estipulada na regra se der, então essa regra é válida, e neste caso a resposta fornecida precisa ser aceita, ou não, e neste caso não contribuiria em nada para a decisão”.
101
caracterizados poel hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de sucumplimiento no sólo depende de las possibilidades reales sino también de las jurídicas. El ámbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos.
102
Assim, os princípios, como mandados de otimização, se aplicariam da melhor
maneira possível, ainda que em diferentes graus.
Já a diferença entre regra e princípio é qualitativa, e não de grau (maior ou
menor generalidade).
A solução em um conflito de regras pode ser estabelecida de duas maneiras:
a) declarando inválida uma das regras ou b) introduzindo, em uma das regras, uma
cláusula de exceção, que elimina o conflito. Ou seja, o conflito de regras se dá na
dimensão da validade; o conflito de princípios se resolve com base no valor
preponderante.
Ambos os institutos se complementam, no sistema do Direito. Os princípios,
porque – em razão de sua maior abertura – conferem uma plasticidade maior ao
sistema jurídico e à Constituição, como topos normativos, facilitando-lhe a adaptação
às mudanças sociais. Ademais, porque trazem forte carga valorativa, nutrem o
ordenamento com conteúdos éticos – reconhecidamente, hoje, essenciais. Por outro
lado, as regras asseguram maior segurança e estabilidade à ordem jurídica,
principalmente em uma sociedade de riscos, onde o que é verdade hoje já não se
garante mais amanhã, numa curva geométrica de aceleração dos acontecimentos.
Princípios sem regras geram insegurança e incerteza. Regras sem princípios
ocasionam um inaceitável engessamento diante da realidade social.
Alexy explica que existem três grupos de conceitos práticos: deontológicos,
axiológicos e antropológicos. Os deontológicos são mandados de proibição ou
atribuição de um direito a alguém (um dever-ser). Os conceitos axiológicos se
102
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madri: Centro de estúdios
constitucionales, 1997, p. 83. “São normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização, que se caracterizam pelo fato de poderem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais senão das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostos” (Op. cit., p. 86).
102
caracterizam não por expressar o que deve ser, mas sim o que é bom. Assim,
utilizam-se os conceitos axiológicos quando se considera algo sob o prisma do belo,
do democrático, do social ou do Estado de Direito, por exemplo. Já os conceitos
antropológicos são os de vontade, interesse, necessidade, decisão e ação.
Os princípios são ordens de um determinado tipo, mandados de otimização,
pertencendo ao mundo deontológico. Já os valores constituem uma relação entre
um ou vários critérios, estabelecendo, tão somente, o preferível. Assim, o que é, no
modelo dos valores, bom, é o no modelo dos princípios, devido. Portanto, o primeiro
enunciado é deontológico; o segundo, axiológico; e o terceiro, antropológico.
À vista de Jügen Habermas:
As normas possuem um sentido deontológico (que comportamento se deve adotar). Os valores, teleológico (o que melhor de se buscar) e axiológico (o que é bom). As normas, quando válidas, obrigam seus destinatários, sem exceção. Os valores devem ser vistos como preferências compartilhadas intersubjetivamente. Os valores expressam preferências tidas como dignas de serem desejadas, podendo ser realizadas ou não. As normas são binárias, válidas ou inválidas que, em via geral, só aceitam uma resposta sim ou não, ou uma abstenção.
103
Por fim, podemos concluir que, no Direito, os princípios podem conter valores;
mas o inverso não ocorre, visto que os princípios possuem um plus, que é a
dimensão prática do dever-ser, e é exatamente esta que se leva em consideração,
no estudo das normas jurídicas.
O ministro Gilmar Mendes também dispõe sobre princípios e regras de direito
ao afirmar:
Das mais relevantes para a prática do Direito, sobretudo em âmbito constitucional, essa distinção tem como base a estrutura normativo-material dos preceitos que integram a parte dogmática das constituições, com enormes reflexos na sua interpretação e aplicação. [...] Se, por outro lado, adotarmos o critério de Ronald Dworkin, diremos que a diferença entre regras e princípios é de natureza lógica e que decorre dos respectivos modos de aplicação.
104
Os princípios transcendem o viés eminentemente ideológico, objetivam a sua
103
HABERMAS, Jügen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v. 1, p. 316-317. 104
MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional, 2010, p. 125.
103
aplicação no mundo real, ou seja, correspondem a uma necessidade e a uma
possibilidade, os quais permitem ao operador do direito a correta integração da
norma jurídica com a realidade.
Assim, dentre os postulados basilares e considerado o princípio mais
importante da Constituição Federal de 1988, o Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana, responsável pela valorização do homem, pode ser definido, como delimitou
Carlyle Popp como:
Toda a razão da existência da sociedade, da organização do Estado, das preocupações com toda a gama de direitos e deveres, inclusive nos chamados direitos difusos, com a proteção do meio ambiente, resume-se na pessoa humana. É por causa dela que todas estas relações têm alguma razão de ser.
105
O princípio da dignidade da pessoa humana deve nortear o operador do
direito na formulação da legislação constitucional ou infraconstitucional. O bem-estar
do homem, como defende Popp, é base hermenêutica para todo o ordenamento
jurídico e para todas as ações estatais:
Dignidade da pessoa humana não indica somente um dever do Estado, um conteúdo social-programático, mas sim, um norte interpretativo de todo o sistema jurídico, constitucional ou infraconstitucional. Em resumo, não é suficiente para um Estado Democrático de Direito somente ratificar o direito do homem de ser humanidade.
106
Com efeito, as atividades do Estado justificam-se e são legitimadas na
medida em que beneficiam a pessoa humana. O Direito Econômico, os Direitos
Sociais, Políticos, Empresariais, dentre outras vertentes do Direito Positivo, existem,
como explica Jose Afonso da Silva, com a finalidade de proporcionar ao homem e
consequentemente a coletividade, o seu bem-estar.
Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos a existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo
105
POPP, Carlyle. Liberdade Negocial e Dignidade da Pessoa Humana; Aspectos Relevantes. In: Nalin, P. R. R.; VIANA, G. B. (Coord.). Direito em Movimento: por Popp & Nalin Advogados. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007, p. 62. 106
POPP, C. Liberdade Negocial e Dignidade da Pessoa humana; Aspectos Relevantes. In: Nalin, P. R. R.; VIANA, G. B. (Coord.). Direito em Movimento: por Popp & Nalin Advogados. 2. ed. Curitiba:
Juruá, 2007, p. 64.
104
para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.
107
Materialmente, a eficácia do Princípio da Dignidade do Homem é o melhor
indicador de justiça.
Diante deste norte principiológico, a Lei 11.101.2005, visando o estímulo à
economia, a manutenção da fonte produtora, a manutenção do pleno emprego (art.
47), apresenta à sociedade uma alternativa à falência empresarial, a recuperação
judicial das empresas.
5.3 REFLEXOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS NO MERCADO
E NO SISTEMA DE CRÉDITO
Reerguer uma sociedade empresária que vem enfrentando dificuldades
financeiras, e que ainda não conseguiu aplicar os seus reais objetivos, que ensejam
a função social da empresa, o bem social coletivo e adequada concorrência
mercantil, mesmo tendo conhecimento de que a Lei 11.101/2005 apresenta muitas
falhas quanto ao instituto da recuperação judicial, onde, por diversas razões, não
tem chamado a atenção do mercado e demais empresas, gera, como consequência,
a retração do mercado em negar crédito para empresas, em benefício deste instituto.
A empresa que enfrenta dificuldades financeiras pode-se restabelecer, se
houver uma solução de mercado, ou seja, as empresas tendem a recuperar-se por
iniciativa de investidores e empreendedores, que identifiquem nelas, apesar do
estado crítico, uma alternativa de investimento que seja atrativo.
Para que se possa identificar uma empresa viável, faz-se mister diagnosticar
a viabilidade da empresa, por meio de pressupostos, indagando-se: existe um plano
de recuperação? Quais os critérios que devem ser eleitos para sua avaliação? Essa
avaliação autoriza a expectativa de êxito do plano? Como custodiar sua
107
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. Edição. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 105.
105
concretização?
Há parâmetros objetivos para aferição da viabilidade de recuperação
empresarial. São os verdadeiros pressupostos, embora não declarados
expressamente na ação de recuperação judicial, mas são fatores que necessitam
estar presentes, para que a recuperação seja vista como recomendável.
Portanto, somente as empresas viáveis devem ser objeto de recuperação
judicial, Assim, a empresa deve demonstrar que reúne condições de observar os
planos de reorganização e estas condições serão aferidas, no decorrer do processo
de recuperação judicial.
Como exemplo, temos o processo de recuperação judicial da VARIG, em
trâmite, perante à 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, onde em junho/2005 a
justiça brasileira deferiu o pedido de recuperação judicial. Com essa decisão, a
empresa teve seus bens protegidos de ações judiciais por 180 dias, dispondo de um
prazo de 60 dias para apresentar um plano de viabilidade e de recuperação a seus
credores. Em dezembro/2005, foi concedida a recuperação judicial, cumpridas as
exigências legais, conforme decisão do Juiz Luiz Roberto Ayoub, nos termos do art.
58, da Lei 11.101/2005.
5.4 AS TENDÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS EM FACE DA RECUPERAÇÃO
JUDICIAL
Com o advento da Lei 11.101/2005, as inovações já trazidas pela legislação
pátria enfrentam inúmeras polêmicas.
Verificam-se, principalmente, na jurisprudência de alguns Tribunais,
confusões acerca do instituto da cessão fiduciária com a do credor de crédito
pignoratício.
Neste capítulo, serão analisadas algumas decisões divergentes dos nossos
tribunais acerca da matéria, com alguns desdobramentos e implicações da não
submissão dos créditos oriundos de cessão ou alienação fiduciária aos efeitos da
106
recuperação judicial.
Assim, mostra-se fundamental, primeiramente, a distinção dos institutos de
direito, ou seja, não se deve confundir a cessão fiduciária com qualquer outro, a
exemplo de um crédito pignoratício. Com esses elementos, as premissas
necessárias para a conclusão do julgador o levarão a conclusões seguras ao
enfrentar a matéria.
Outra polêmica que merece destaque foi a inovação que opinou pela exclusão
da recuperação judicial dos créditos cedidos fiduciariamente pelo recuperando, por
força do disposto no art. 49, § 3º da Lei 11.101/2005.
A esse respeito, a partir desse entendimento destoante, posicionou-se o
Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
Direito empresarial. Recuperação judicial de empresa. Credor que se apresenta como proprietário fiduciário mas, na verdade, é credor pignoratício. Sujeição dos créditos garantidos por penhor ao processo de recuperação. Legitimidade da decisão judicial que autoriza o levantamento de metade dos recebíveis, liberando tais verbas do mecanismo conhecido como "trava bancária". Aplicação dos princípios da preservação da empresa e da função social do contrato. Recurso a que se nega provimento. (RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento nº 2009.002.01890 – Relator(a): Exmo. Des. Alexandre Câmara – Data do Julgamento 18/02/2009).
Portanto, a postura de sujeitar parte do crédito cedido fiduciariamente aos
efeitos da recuperação judicial revela ser essa decisão conflitante aos anseios
colocados pela Lei 11.101/2005 pois, ao contrário, busca a dita lei fomentar o
crédito, propiciar melhores condições e negociações calcadas na segurança jurídica,
para a verdadeira viabilização do mercado de crédito, bem como da empresa – não
apenas o da recuperanda mas de todas aquelas, mesmo não estando em processo
de recuperação judicial.
Referida decisão, via de regra, pode inviabilizar o soerguimento de uma
sociedade empresária, propósito precípuo da nova lei de recuperação judicial.
A Lei 11.101/2005 foi inserida no nosso ordenamento, em substituição à Lei
de Falências e Concordatas (Decreto-Lei 7.661/1945). Com o seu advento, observa-
se a nítida intenção do legislador em oferecer ao ordenamento jurídico resposta
107
efetiva e eficaz, não apenas ao adimplemento dos créditos das empresas em
dificuldades financeiras, como também à viabilidade do prosseguimento da
atividade, empresarial em momentos de dificuldades.
Mostra-se evidente objetivo do legislador em buscar novas possibilidades
para as empresas em dificuldade econômica. E nisso buscou a Lei 11.101/2005, em
diversos de seus dispositivos, dentre os quais se podem exemplificar: a instituição
da recuperação extrajudicial e da judicial; a alteração da classificação dos créditos
na falência; e, por fim, a não sujeição à recuperação judicial dos créditos existentes
na data do pedido, tratando-se o credor titular da posição de proprietário fiduciário
de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente
vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de
irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de
proprietário em contrato de venda com reserva de domínio.
Assim, verifica-se que, com o não atingimento dos efeitos da recuperação dos
créditos decorrentes de cessão ou alienação fiduciária, abrem-se à empresa
recuperanda novas possibilidades de negócios para viabilizar a realização da sua
atividade fim, além de respeitar a disposição da propriedade fiduciária, uma vez que
os créditos cedidos fiduciariamente representarão um elemento a mais de garantia,
no oferecimento ao mercado para o financiamento da atividade empresarial.
Ademais, revela-se claro o intuito da lei que traz consigo o princípio da
segurança jurídica ao trazer à recuperação judicial tão somente os bens da empresa
devedora, daí a necessidade de se excluir os créditos e bens cedidos
fiduciariamente. Talvez, por essa razão, de modo a não reconhecer referida
distinção, é que também existem opiniões destoantes acerca da disposição contida
no art. 49, § 3º da Lei 11.101/2005, conforme Bezerra Filho:
[...] ponto que mais diretamente contribuiu para que a Lei deixasse de ser conhecida como "lei de recuperação de empresas" e passasse a ser conhecida como "lei de recuperação do crédito bancário" ou "crédito financeiro", ao estabelecer que tais bens não são atingidos pelos efeitos da recuperação judicial.
108
108
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 9. ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 145.
108
Também, atente-se ao fato de que a recuperação judicial não deve atingir
propriedade de terceiro, inclusive aquela cedida fiduciariamente.
Em consonância com referido entendimento, verifica-se que o Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná vem adotando entendimento diferente do
julgado acima, transcrito do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no
sentido de reconhecer a exclusão dos créditos oriundos de cessão fiduciária aos
efeitos da recuperação judicial, em função do reconhecimento da propriedade
fiduciária – ademais, espera ser esse o entendimento a ser pacificado pelos
Tribunais Superiores:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECUPERAÇÃO JUDICIAL - CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS - RECEBÍVEIS DE CARTÃO DE CRÉDITO - PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO REPELIDA - CRÉDITO QUE NÃO SE SUBMETE AO PROCEDIMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL - INTELIGÊNCIA DO ART. 49, § 3º DA LEI Nº 11.101/2005 - RETENÇÃO DOS VALORES PELO CESSIONÁRIO NO PERCENTUAL PACTUADO - POSSIBILIDADE - DECISÃO REFORMADA. 1. [...]. 2. O crédito garantido por negócio fiduciário, especificamente, cessão fiduciária de direitos creditórios não se submete ao procedimento de recuperação judicial da empresa devedora, por expressa previsão legal (art. 49, § 3º da Lei nº 11.101/05). 3. Recurso conhecido e provido." (PARANÁ. Tribunal de Justiça do Paraná. Agravo de Instrumento nº 0472508-8 – Relator(a) Exmo. Dês. Ruy Muggiati – Data do Julgamento 27/08/2008).
Portanto, por força de disposição legal, o crédito de terceiro não deverá
submeter-se aos efeitos da recuperação judicial e, considerando o crédito cedido
fiduciariamente ser de propriedade do cessionário fiduciário, os créditos objeto de
cessão fiduciária não se submeterão aos efeitos da recuperação judicial, por força
do art. 49, § 3º da Lei 11.101/2005, podendo, novamente, invialibizar o soerguimento
de uma sociedade empresária.
O Superior Tribunal de Justiça entendeu que o crédito garantido por cessão
fiduciária não se submete ao processo de recuperação judicial, conforme abaixo:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO GARANTIDO POR CESSÃO FIDUCIÁRIA. NÃO SUBMISSÃO AO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRECEDENTES. 1. Conforme a jurisprudência das Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte o crédito garantido por cessão fiduciária não se submete ao processo de recuperação judicial, uma vez que possui a mesma natureza de
109
propriedade fiduciária, podendo o credor valer-se da chamada trava bancária. 2. Agravo Regimental improvido. (STJ - AgRg no REsp: 1326851 MT 2012/0115252-5, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 19/11/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/12/2013, undefined).
Outra decisão, a seguir, do Superior Tribunal de Justiça, referente ao
arrendamento mercantil, relacionado à recuperação judicial:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITOS RESULTANTES DE ARRENDAMENTO MERCANTIL E COM GARANTIA FIDUCIÁRIA. NÃO SUBMISSÃO À RECUPERAÇÃO. 1. Interpretando o art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, a jurisprudência entende que os créditos decorrentes de arrendamento mercantil ou com garantia fiduciária - inclusive os resultantes de cessão fiduciária - não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1181533/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2013, DJe 10/12/2013).
Com essa decisão, o Ministro Luis Felipe Salomão entendeu que crédito
garantido por alienação fiduciária não deve fazer parte do Plano de Recuperação
Judicial, mas sua liquidação deverá ser sindicada pelo Juízo da Recuperação.
Isso porque se deve harmonizar a situação da empresa em crise e as
garantias do credor fiduciário, de modo que os valores recebíveis mediante o
instrumento de cessão fiduciária não sejam simplesmente diluídos para o pagamento
dos outros credores submetidos ao plano, tampouco liquidados extrajudicialmente
pelo credor fiduciário, na satisfação do próprio crédito, sem a interferência judicial.
Assim, os valores deverão ser depositados em conta vinculada ao Juízo da
Recuperação, os quais não serão rateados para o pagamento dos demais credores
e o credor fiduciário deverá pleitear ao Juízo o levantamento dos valores, ocasião
em que será decidida, de forma fundamentada, sua essencialidade ou não, no todo
ou em parte, ao funcionamento da empresa. No caso de os valores depositados não
se mostrarem essenciais ao funcionamento da empresa, deverá ser deferido o
levantamento em benefício do credor fiduciário.
Por fim, outra decisão que merece apontamento com relação aos efeitos da
recuperação judicial e os créditos representados por títulos cedidos fiduciariamente
110
como garantia de contrato de abertura de crédito, na forma do art. 66-B, § 3º, da Lei
4.728/1965, é analisada pela Ministra Maria Isabel Gallotti, em REsp 1.263.500-ES.
A Lei 11.101/2005 estabelece, como regra geral, que estão sujeitos à
recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não
vencidos (art. 49, caput).
Todavia, há alguns créditos que, embora anteriores ao pedido de recuperação
judicial, não se sujeitam aos seus efeitos. Segundo o § 3º do art. 49 da Lei
11.101/2005, o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis
não se submete aos efeitos da recuperação judicial. Ademais, de acordo com o art.
83 do CC/2002, consideram-se móveis, para os efeitos legais, os direitos pessoais
de caráter patrimonial e as respectivas ações.
O § 3º do art. 49 da Lei 11.101/2005, após estabelecer a regra de que o
credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis “não se
submeterá aos efeitos da recuperação judicial”, estabelece que “prevalecerão os
direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a
legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a
que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do
devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”. Isso, contudo,
não permite inferir que, não sendo o título de crédito “coisa corpórea”, à respectiva
cessão fiduciária não se aplicaria a regra da exclusão do titular de direito fiduciário
do regime de recuperação.
Com efeito, a explicitação contida na oração “prevalecerão os direitos de
propriedade sobre a coisa” tem como escopo deixar claro que, no caso de bens
corpóreos, estes poderão ser retomados pelo credor para a execução da garantia,
salvo em se tratando de bens de capital essenciais à atividade empresarial, hipótese
em que a lei concede o prazo de cento e oitenta dias durante o qual é vedada a sua
retirada do estabelecimento do devedor.
Assim, tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de
bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente
vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusulas de
irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de
proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se
submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de
propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação
respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se
refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do
devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
Portanto, em face da regra do art. 49, § 3º, da Lei 11.101/2005, devem ser
excluídos dos efeitos da recuperação judicial os créditos que possuem garantia de
cessão fiduciária.
Conforme anteriormente observado, os Tribunais de Justiça do Estado de São
Paulo e do Paraná se posicionam no sentido de que os créditos previstos no § 3º, do
artigo 49 da Lei 11.101/2005, estão excluídos dos efeitos da recuperação judicial.
Não obstante os entendimentos, o Superior Tribunal de Justiça, em
julgamento inédito, reconheceu a existência de interesse público na preservação da
atividade empresarial, limitando, ainda que provisoriamente, os direitos e garantias
previstos no § 3º do artigo 49 da nova lei de recuperação judicial.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. IMISSÃO DE POSSE NO JUÍZO CÍVEL. ARRESTO DE IMÓVEL NO JUÍZO TRABALHISTA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM CURSO. CREDOR TITULAR DA POSIÇÃO DE PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO. BEM NA POSSE DO DEVEDOR. PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO. 1. Em regra, o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bem imóvel (Lei federal n. 9.514/97) não se submete aos efeitos da recuperação judicial, consoante disciplina o art. 49, §3º, da Lei 11.101/05. 2. Na hipótese, porém, há peculiaridade que recomenda excepcionar a regra. É que o imóvel alienado fiduciariamente, objeto da ação de imissão de posse movida pelo credor ou proprietário fiduciário, é aquele em que situada a própria planta industrial da sociedade empresária sob recuperação judicial, mostrando-se indispensável à preservação da atividade econômica da devedora, sob pena de inviabilização da empresa e dos empregos ali gerados. 3. Em casos que se pode ter como assemelhados, em ação de busca e apreensão de bem móvel referente à alienação fiduciária, a jurisprudência desta Corte admite flexibilização à regra, permitindo que permaneça com o devedor fiduciante " bem necessário à atividade produtiva do réu" (v. REsp 250.190-SP, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, QUARTA TURMA, DJ 02/12/2002). 4. Esse tratamento especial, que leva em conta o fato de o bem estar sendo empregado em benefício da coletividade, cumprindo sua função social (CF, artigos. 5º, XXIV, e 170, III), não significa, porém, que o imóvel não possa ser entregue oportunamente ao credor fiduciário, mas sim que, em
112
atendimento ao princípio da preservação da empresa (art. 47 da Lei 11.101/05), caberá ao Juízo da Recuperação Judicial processar e julgar a ação de imissão de posse, segundo prudente avaliação própria dessa instância ordinária. 5. Em exame de conflito de competência pode este Superior Tribunal de Justiça declarar a competência de outro Juízo ou Tribunal que não o suscitante e o suscitado. Precedentes. 6. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 2ª Vara Cível de Itaquaquecetuba - SP, onde é processada a recuperação judicial da sociedade empresária.– sem destaques no original.
Analisando os julgados trazidos nesse estudo, infere-se que a tendência
manifestada pela jurisprudência é no sentido de aplicar literalmente o artigo 49, §3º,
da LRF, de modo que o bem essencial à atividade empresarial ofertado como
garantia de suas dívidas deve permanecer na posse da recuperanda apenas no
período de 180 (cento e oitenta) dias, como estabelece o artigo 6º, § 4º, da LRF.
No entanto, não deve ser descartada a possibilidade de afastamento da regra
de exclusão prevista no artigo 49 da LRF, para fins de prevalecer os princípios da
preservação da empresa e função social da propriedade, haja vista a relevância da
atividade empresarial na manutenção da produção e circulação de bens e serviços,
na criação de empregos, na geração de tributos e na contribuição para o
desenvolvimento econômico e social do país.
113
6 CONCLUSÃO
Este trabalho pretendeu averiguar se a concessão de crédito para empresas
em recuperação é um instrumento para a efetiva função social e sustentabilidade,
permitindo-lhe permanecer em atividade.
A regulação constitucional da atividade econômica é um acontecimento
histórico relativamente recente, associado que está à passagem do Estado Liberal
ao Estado Social, como fenômeno da socialização do sistema capitalista de
produção, nos albores do século vinte, marcando a transição do liberalismo ao
intervencionismo estatal.
Tem-se, então, que a questão do alcance da análise econômica do direito,
para o efeito de fundamentação dogmática da função social do contrato, deve
considerar pelo menos duas variáveis: no campo econômico, a possibilidade de
assegurar eficiência ou, pelo menos, garantir a regulação dos mercados e, no campo
jurídico, dar conta da relação entre fato e valor para o efeito de viabilizar a atividade
econômica.
Diante do que foi analisado no presente estudo, o desenvolvimento
sustentável de uma empresa tem ligação direta com uma postura séria, ética e
moral, perante a coletividade, o meio ambiente e o próprio Estado, em última
instância.
Da mesma forma, o alcance do princípio da função social do contrato deve
ser mensurado em torno de duas finalidades: a de assegurar acesso a posições
proprietárias, face à redução de desigualdades sociais, e o de resgatar o papel do
trabalho, na construção da sociabilidade.
Uma das maiores preocupações demonstradas pela Lei 11.101/2005 foi
procurar manter a oferta do crédito e a confiança dos credores naquela atividade, a
fim de que acreditem em sua recuperação e voltem a fornecer seus produtos e
serviços para seu regular desenvolver.
Sabidamente, a Recuperação Judicial teve por objetivo equalizar as dívidas
114
da Recuperanda, mediante a possibilidade de propostas diferenciadas de
pagamento, em relação a valores e a prazo.
Portanto, na Recuperação Judicial, dá-se à Recuperanda a possibilidade de
renegociar suas dívidas diante de seus credores, porém, obrigatoriamente,
preservando certa isonomia entre eles. Isso tem por finalidade preservar a empresa,
uma entidade geradora de empregos e cumpridora de sua função social.
No direito norte-americano, primeiro país a tratar de falência, o sistema
falimentar foi regulamentado, quanto ao direito substantivo, pelo Bankruptcy Code,
que é um diploma de lei federal, composto por quinze capítulos, onde nele se
mantém a aplicação de determinadas regras estaduais, pertinentes às relações de
crédito entre o devedor e seus credores.
Assim, o sistema concursal norte-americano conta com variados instrumentos
voltados a estabelecer equilíbrio entre as partes interessadas na solução da crise
empresarial.
Por sua vez, o texto normativo brasileiro que trata da falência e da
recuperação de empresas e empresários, tem sua base teórica respaldada na
legislação americana. Contudo, ainda que o Direito norte-americano tenha adotado
um sistema dualista, que individualiza os procedimentos liquidatórios e
reorganizatórios, difere do sistema brasileiro, onde a solução de alienação dos
estabelecimentos em bloco ou do negócio em marcha como um todo consiste em
uma modalidade reorganizatória.
Um dos grandes obstáculos enfrentados no mercado econômico-financeiro
acerca da recuperação judicial refere-se ao paradigma da antiga concordata, entrave
da recuperação judicial de sociedades empresárias que possuem amplas condições
de ressurgirem no mercado; porém, a falsa ideia do risco de mercado, ou seja, a
insegurança de não recebimento dos créditos, em face da instabilidade do mercado
econômico, faz com que dificulte ainda mais a recuperação judicial de uma
sociedade empresária em recuperação judicial.
Convém ressaltar, ainda, que este conceito advém da falta de conhecimento
da Lei de Recuperação de Empresas e seus objetivos e também da obscuridade de
115
muitos pontos não esclarecidos pela Lei 11.101/2005.
Com relação ao instituto da recuperação judicial, é notável que muitas
sociedades empresárias ainda não assimilaram os objetivos almejados pela Lei
11.101/2005, sendo que muitas dessas desconhecem o referido instituto de maneira
ampla. Insta salientar, ainda, que o mercado se nega a conceder crédito para uma
sociedade empresária em recuperação judicial, alegando o risco de mercado, risco
em não ter seu crédito satisfeito, medo que a empresa em recuperação judicial
possa vir a falir e não ter a satisfação de seu crédito realizada.
Ressalta-se que as empresas que concedem créditos para sociedades
empresárias em recuperação judicial possuem crédito extraconcursal, ou seja, caso
a sociedade empresária em recuperação judicial venha a falir, por desrespeito às
exigências legais, quem concedeu crédito para sociedade empresária em
recuperação judicial será credor extraconcursal. A maioria das empresas não sabe
desta disposição legal e outras, que sabem, negam-se a conceder crédito da mesma
forma, em face dos aspectos acima citados, como o risco mercantil e o receio de não
ter seu crédito satisfeito, por circunstâncias adversas aos requisitos legais.
Esta monografia teve por objetivo estudar a eficiência da recuperação judicial,
sob o ponto de vista da segurança jurídica, que a Lei 11.101/2005 objetivou
conceder às relações de crédito, a partir da criação deste instituto.
Do ponto de vista teórico, a recuperação judicial é capaz de gerar os
incentivos adequados, para que se alcancem os objetivos da legislação falimentar.
Do ponto de vista empírico, contudo, a aplicação da Lei 11.101/2005, por parte do
Poder Judiciário, nem sempre se mostrou eficiente.
O parâmetro que a lei utiliza, na regra geral, para descobrir se uma atividade
empresária é viável ou inviável, é verificar se os credores submetidos à recuperação
judicial acreditam no sucesso do plano de reestruturação do empresário.
Como os credores submetidos ao regime da recuperação judicial encontram-
se em situação de incerteza, durante a tramitação do processo, já que o empresário
pode propor qualquer tipo de mudança lícita ao pagamento dos créditos, e o plano
não será aprovado mediante a concordância individual de cada credor submetido,
116
mas sim com a aceitação da maioria, estabelecer um prazo certo e improrrogável
para que a prescrição, ações e execuções fiquem suspensas é uma garantia mínima
de segurança concedida aos credores de que a tramitação da recuperação judicial
tem data para acabar.
A prorrogação do prazo de suspensão da prescrição, ações e execuções abre
uma porta para que o processamento da recuperação judicial não tenha fim. Este
instituto, no entanto, foi elaborado para ter tramitação de curta duração, sob pena de
seus objetivos se esvaírem. As obrigações assumidas, no plano de recuperação,
podem durar por anos, se os credores assim concordarem, mas a tramitação do
processo não foi feita para demorar.
Pode-se falar que a Lei 11.101/2005 trouxe os incentivos necessários para
que se atinja o objetivo de preservar a empresa, ao mesmo tempo que se confere
uma segurança jurídica mínima ao mercado de crédito.
Por fim, a recuperação judicial foi criada com o objetivo de viabilizar a
superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a
manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos
credores promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o
estímulo à atividade econômica.
117
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