Top Banner
Ilhéus, 3 a 5 de outubro de 2012 Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural VII SOBER Nordeste 1 Uma análise regional das estratégias pluriativas dos agricultores familiares de Mato Grosso em 2006 Grupo de Pesquisa: Agricultura familiar e ruralidade RESUMO Este trabalho tem por finalidade identificar as estratégias de reprodução econômica da agricultura familiar no Estado de Mato Grosso, de acordo com os tipos de atividades desempenhadas pelo estabelecimento. Foram consideradas as atividades: Agricultura, Criação de Animais, Produção de Fertilizantes, Prestação de Serviços, Extração de Minerais e Agroindústria. Foi utilizado o conceito de Pluriatividade para analisar o comportamento das famílias agrícolas e dados do Censo Agropecuário do IBGE referentes às receitas das atividades em questão. A metodologia adotada foi o cálculo do Índice de Concentração Normalizada que resultou na localização dos municípios especializados. Foi verificado que a Agricultura é a atividade mais difundida entre os municípios especializados, além de ser a que mais se relaciona com as demais atividades. A Criação de animais também está difundida no estado. Por fim, a atividade que se mostrou menos relevante foi a Produção de Fertilizantes, pois nenhum município se apresentou especializado exclusivamente nesta atividade, estando essa atrelada a outras atividades, como a Agricultura. Palavras-chaves: Pluriatividade, Mato Grosso, Agricultura Familiar. A regional analysis of the strategies pluriactivity family farmers in Mato Grosso in 2006 ABSTRACT This study aims at identifying strategies for economic reproduction of family farming in the State of Mato Grosso, according to the types of activities performed by the establishment. We considered all activities: Agriculture, Animal Husbandry, Fertilizer Production, Service Delivery, Mineral Extraction and Agribusiness. We used the concept of Pluriactivity to analyze the behavior of agricultural households and Census data from IBGE regarding revenue activities in question. The methodology adopted was to calculate the Normalized Concentration Index which resulted in the location of specialized municipalities. It was found that Agriculture is the most widespread activity among municipalities specialist, and is the one most associated with the other activities. The Livestock is also widespread in the state. Finally, the activity that was less relevant was the Fertilizer Production, since no municipality is presented solely specialized in this activity, this being linked to other activities, such as agriculture. Key Words: Pluriactivity, Mato Grosso, Family farm.
14

Uma análise regional das estratégias pluriativas dos agricultores familiares de Mato Grosso em 2006

Mar 29, 2023

Download

Documents

Fabio Nunes
Welcome message from author
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
Page 1: Uma análise regional das estratégias pluriativas dos agricultores familiares de Mato Grosso em 2006

Ilhéus, 3 a 5 de outubro de 2012

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural – VII SOBER Nordeste

1

Uma análise regional das estratégias pluriativas dos agricultores

familiares de Mato Grosso em 2006

Grupo de Pesquisa: Agricultura familiar e ruralidade

RESUMO

Este trabalho tem por finalidade identificar as estratégias de reprodução econômica da

agricultura familiar no Estado de Mato Grosso, de acordo com os tipos de atividades

desempenhadas pelo estabelecimento. Foram consideradas as atividades: Agricultura,

Criação de Animais, Produção de Fertilizantes, Prestação de Serviços, Extração de

Minerais e Agroindústria. Foi utilizado o conceito de Pluriatividade para analisar o

comportamento das famílias agrícolas e dados do Censo Agropecuário do IBGE referentes

às receitas das atividades em questão. A metodologia adotada foi o cálculo do Índice de

Concentração Normalizada que resultou na localização dos municípios especializados. Foi

verificado que a Agricultura é a atividade mais difundida entre os municípios

especializados, além de ser a que mais se relaciona com as demais atividades. A Criação de

animais também está difundida no estado. Por fim, a atividade que se mostrou menos

relevante foi a Produção de Fertilizantes, pois nenhum município se apresentou

especializado exclusivamente nesta atividade, estando essa atrelada a outras atividades,

como a Agricultura.

Palavras-chaves: Pluriatividade, Mato Grosso, Agricultura Familiar.

A regional analysis of the strategies pluriactivity family farmers in Mato

Grosso in 2006

ABSTRACT

This study aims at identifying strategies for economic reproduction of family farming in

the State of Mato Grosso, according to the types of activities performed by the

establishment. We considered all activities: Agriculture, Animal Husbandry, Fertilizer

Production, Service Delivery, Mineral Extraction and Agribusiness. We used the concept

of Pluriactivity to analyze the behavior of agricultural households and Census data from

IBGE regarding revenue activities in question. The methodology adopted was to calculate

the Normalized Concentration Index which resulted in the location of specialized

municipalities. It was found that Agriculture is the most widespread activity among

municipalities specialist, and is the one most associated with the other activities. The

Livestock is also widespread in the state. Finally, the activity that was less relevant was the

Fertilizer Production, since no municipality is presented solely specialized in this activity,

this being linked to other activities, such as agriculture.

Key Words: Pluriactivity, Mato Grosso, Family farm.

Page 2: Uma análise regional das estratégias pluriativas dos agricultores familiares de Mato Grosso em 2006

Ilhéus, 3 a 5 de outubro de 2012

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural – VII SOBER Nordeste

2

1. INTRODUÇÃO

A agricultura familiar no Brasil, bem como no estado de Mato Grosso vem

sofrendo grandes transformações, cujas discussões tem grande peso nas áreas social,

política e acadêmica. Recentemente o governo federal lançou o programa “Brasil sem

Miséria”, que visa a tender as necessidades do homem do campo, aumentar a autoestima

deles para produzir para consumo e venda, obter renda, gerar emprego e garantir a

qualidade de vida a fim de evitar o êxodo rural. As circunstâncias vividas no meio rural em

relação a incentivos aos financiamentos, principais atividades realizadas dentro ou fora da

propriedade e questões voltadas ao fortalecimento da agricultura familiar visam contribuir

para dinamizar o crescimento econômico e desenvolvimento desse setor.

Dentro dessa realidade Schneider (2009) busca entender o fenômeno da

pluriatividade na agricultura como uma nova estratégia da reprodução social das unidades

familiares agrícolas. Uma combinação permanente de atividades agrícolas e não agrícolas,

em uma mesma família, caracteriza e define a pluriatividade, que tanto pode ser um

recurso ao qual a família faz uso como representar uma estratégia individual dos membros

que consistem a unidade doméstica.

O uso da força de trabalho familiar em diversas atividades pode minimizar os riscos

inerentes ao ambiente rural ao qual a agricultura familiar está inserida. Os indivíduos

buscam não somente diversificar as atividades econômicas dentro da propriedade rural,

mas também buscam executar tarefas fora de âmbito. Acredita-se que a pluriatividade seria

uma forma de se especializar em diversas outras atividades da agricultura e que as decisões

são baseadas de acordo com estratégias adotadas entre os membros das famílias.

O objetivo desse trabalho é identificar em quais regiões do Estado de Mato Grosso

a agricultura familiar adota estratégias pluriativas considerando a sua especialização nas

atividades de Agricultura, Criação de Animais, Produção de Fertilizantes, Prestação de

Serviços, Extração de Minerais e Agroindústria. Para isso, será utilizado o método do

Índice de Concentração Normalizada.

Serão apresentados neste trabalho os aspectos da agricultura familiar no estado, os

aspectos metodológicos calculados a partir do ICN, a discussão dos resultados e em

seguida as considerações finais.

2. METODOLOGIA

Os dados considerados neste trabalho são do Censo Agropecuário do IBGE de

2006, correspondente ao valor das receitas obtidas nas atividades desempenhadas pela

Agricultura Familiar durante o ano de 2006. As atividades consideradas são: Agricultura,

Criação de Animais, Produção de Fertilizantes, Prestação de Serviços, Extração de

Minerais e Agroindústria.

A especialização em uma atividade é compreendida como monoatividade, porém,

neste pesquisa quando a especialização ocorre em várias atividades, a unidade agrícola será

considerada pluriativa. Pelo fato dos dados serem municipais, a análise deste trabalho se

Page 3: Uma análise regional das estratégias pluriativas dos agricultores familiares de Mato Grosso em 2006

Ilhéus, 3 a 5 de outubro de 2012

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural – VII SOBER Nordeste

3

dará no âmbito municipal e não na unidade agrícola. Dessa forma, busca-se evidenciar os

municípios que possuem agricultores familiares especializados em diversas atividades, que

poderiam ser considerados pluriativos.

Será utilizado o método estatístico denominado Índice de Concentração

Normalizado (ICN) para se estimar a especialização. Este método tem como referência os

autores Croco (2011) e Simões (2004), e consiste num indicador composto por outros três:

o Quociente Locacional (QL); o Hirschman-Herfindahl (IHH); e a Participação Relativa

(PR).

O primeiro indicador QL serve para determinar se um município em particular

possui especialização em dada atividade ou setor específico e é calculado com base na

razão entre duas estruturas econômicas, sendo a “economia local” apresentada no

numerador e a “economia de referência”, no denominador.

(1)

Onde:

= Receita da atividade i no município j (economia local);

= Receita da atividade i em Mato Grosso (economia de referência);

= Receita Total Municipal;

= Receita Total de Mato Grosso.

Os valores obtidos pelo QL permitem a interpretação da seguinte maneira, quando

QL = 1 a especialização da economia local no setor i é idêntica a da economia de

referência, quando QL < 1 a especialização da economia local no setor i é inferior a da

economia de referência, e, por fim, quando QL > 1 a especialização da economia local no

setor i é superior a da economia de referência.

Além do QL, os autores propõem ainda o cálculo de dois outros índices que são o

Hirschman-Herfindahl (IHH), que busca captar o real peso do setor i na economia local na

estrutura produtiva da economia de referência. Este é obtido da seguinte forma (Crocco et

al, 2003):

(2)

O IHH permite comparar o peso da atividade ou setor i do município j no setor i do

Estado em relação ao peso da estrutura produtiva do município j na estrutura do Estado

como um todo. Um valor positivo indica que a atividade ou setor i do município j no Mato

Grosso está, ali, mais concentrado e, portanto, com maior poder de atração econômica,

dada sua especialização em tal atividade ou setor.

Page 4: Uma análise regional das estratégias pluriativas dos agricultores familiares de Mato Grosso em 2006

Ilhéus, 3 a 5 de outubro de 2012

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural – VII SOBER Nordeste

4

O terceiro indicador foi utilizado para captar a importância da atividade ou setor i

do município j diante do total de emprego na referida atividade para a agricultura familiar

em Mato Grosso, isto é, a participação relativa da atividade ou setor no PIB total da

respectiva atividade ou setor no estado. A fórmula é dada por:

(3)

O indicador varia entre zero e um. Quanto mais próximo de um maior a

importância da atividade ou setor i do município j no estado.

3.1 Índice de Concentração Normalizada

Os três indicadores descritos fornecem os insumos básicos para a construção de um

indicador mais geral e consistente de concentração empresarial ligado a uma atividade ou

setor econômico em um município, denominado de Índice de Concentração Normalizado

(ICN). A constituição do ICN seguiu parte do procedimento de Crocco et al. (2003),

mediante a combinação linear dos três indicadores especificados na equação 4.

(4)

3. REFERENCIAL TEÓRICO

3.2 Atividades econômicas

Os setores da economia podem ser classificados em três categorias distintas, setor

primário, secundário e terciário. O setor primário compreende as atividades que extraem ou

produzem matéria-prima, como por exemplo, a agricultura, a pesca, a pecuária e o

extrativismo. Já o setor secundário transforma a matéria-prima extraída ou produzida pelo

setor primário em bens de consumo ou de capital. E por fim, o setor terciário compreende a

comercialização, seja atacadista ou varejista, e a prestação de serviços de forma geral.

Com isso, as atividades econômicas geram riqueza mediantes os processos de

extração, transformação e comercialização que tem como finalidade a satisfação das

necessidades humanas. Essas necessidades podem ser familiares ou individuais, sendo que

esta em conjunto pode constituir aquela. Dessa forma, a agricultura familiar pode empregar

sua força de trabalho em atividades que atinjam a satisfação das necessidades familiares.

As atividades consideradas nesta pesquisa são a agricultura, criação de animal,

produção de fertilizantes, extração mineral, prestação de serviço e agroindústria. A escolha

Page 5: Uma análise regional das estratégias pluriativas dos agricultores familiares de Mato Grosso em 2006

Ilhéus, 3 a 5 de outubro de 2012

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural – VII SOBER Nordeste

5

dessas atividades deve-se ao fato de resultarem em rendas para a família e que, portanto,

podem garantir a reprodução economia familiar.

A agricultura pertence ao setor primário e se dedica a produção vegetal que pode

ser destinada tanto para a alimentação familiar ou para o mercado. A criação de animal se

refere principalmente à pecuária, que se divide em animais de grande porte e de pequeno

porte. A produção de fertilizantes entende-se como um processo orgânico de produção de

húmus e esterco. A extração mineral engloba todo tipo de exploração de areia, ouro, argila

e a agroindústria compreende pequenas atividades de processamento ocorridas na

agricultura familiar, como a produção de doces, polpas de frutas, entre outras. Essas

atividades podem estar conectadas sendo interdependetes, como por exemplo, a pecuária e

a produção de fertilizantes, ou então, a agricultura e a agroindústria.

3.2 Estratégia e Pluriatividade na agricultura familiar

A reprodução social familiar está inserida dentro de um contexto em que se tem de

um lado as necessidades de consumo familiar e de outro a força de trabalho ou a

capacidade de produção dessa unidade. O equilíbrio ocorre de forma subjetiva, ou seja,

cada família irá satisfazer as suas necessidades de acordo com as suas limitações e

ambições (ABRAMOVAY, 1992). Diversos modelos foram elaborados para compreender

esses mecanismos, tais como, o modelo de Chayanov (1975), Tepich (1973), Lamarche

(1999) e Gasson e Errington (1993, apud SCHNEIDER, 2009).

Segundo Costa (1994), ao contrário da análise marxista que parte do sistema

econômico para compreender a relação campesinato/capitalismo, a abordagem neoclássica

inicia sua perspectiva no âmbito microeconômico da unidade camponesa. Para Chayanov

(1999), a unidade camponesa difere por não apresentar grandezas socialmente

estabelecidas, como o lucro, o salário e a renda da terra.

Com isso, a variável mensurável é a produção, que é determinada pelo tamanho da

família, que também possui influencia da composição e disposição dos membros

(CHAYANOV, 1999). Segundo Faria (2001), no modelo chayanoviano existem dois

limites estabelecidos na produção, sendo primeiro o volume máximo que é obtido pela

utilização total do trabalho, e o segundo é o volume mínimo que é estabelecido de acordo

com o consumo familiar, ou seja, é o mínimo necessário que deve ser produzido para

manter a reprodução social da família.

Com isso, o equilíbrio chayanoviano é obtido quando é igualada a satisfação da

demanda familiar com a penosidade do trabalho (FARIA, 2001). Este equilíbrio possui

caráter subjetivo e é determinado pela força de trabalho (penosidade), pelos meios de

produção e pela situação do mercado (preço). Com isso, a família irá minimizar a

penosidade e maximizar a satisfação com o consumo. Pelo fato de não possuir a mesma

racionalidade do sistema capitalista, o aumento do preço das mercadorias proporciona a

oportunidade de acumulação de capital, porém surge a possibilidade de diminuir a sua

penosidade com o trabalho (FARIA, 2001).

Page 6: Uma análise regional das estratégias pluriativas dos agricultores familiares de Mato Grosso em 2006

Ilhéus, 3 a 5 de outubro de 2012

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural – VII SOBER Nordeste

6

A produção camponesa sem a geração de excedente não irá lhe proporcionar um

relativo grau de liberdade, fazendo com que a família dependa cada vez mais de

institucionalidades como os preços mínimos, os créditos e os subsídios ofertados pelo

Estado (CHAYANOV, 1999).

Jerzy Tepicht (apud FARIA, 2001) considerou um modo de produção camponês

articulado com outros modos de produção, adaptando-o às leis econômicas destes e ao

mesmo tempo imprimindo neles suas marcas. Segundo Faria (2001), o objetivo de Tepicht

era explicar a sobrevivência do camponês, abordando o seu relacionamento com diversos

modos de produção cuja lógica de funcionamento se diferem.

Segundo Campos (1994), os traços principais do campesinato segundo a visão de

Tepicht são:

1. Caráter familiar, que provoca a simbiose entre a produção e o consumo;

2. Relação entre os fatores de produção trabalho, capital e terra, sendo que ocorre um

aumento na substituição do trabalho pelo capital;

3. Relação entre a economia camponesa e a de mercado;

4. Trabalho e renda camponesa diferentes da lógica de funcionamento capitalista.

Outra questão abordada por Tepicht é a interação entre camponês, mercado e

Estado, que se baseia num jogo dialético de pressão-resposta, na busca de soluções que

geram problemas contínuos (FARIA, 2001). Nesse sentido surgem duas formas de

adaptação do camponês em relação às pressões do “mundo externo”. É a Intensificação do

Tipo I e a do Tipo II. A primeira consiste no camponês se adaptar utilizando técnicas e

recursos que eles conhecem, evitando recorrer ao mercado. Na segunda, há uma adaptação

radical onde buscam as soluções de reposta no mercado, com o objetivo de adquirir novas

técnicas e recursos externos (FARIA, 2001).

As conclusões de Tepicht foram que os sistemas produtivos intensivos em mão-de-

obra deveriam ser realizados pelos camponeses, pois tornaria a produção mais barata e a

produção intensiva em capital deveria ser feita pelas empresas capitalistas. Além disso, a

formação dos oligopólios deriva das trocas desiguais entre camponeses e empresas

capitalistas (FARIA, 2001).

Segundo Schneider (2009), na economia existem as Formas Familiares de

Produção, que consiste na combinação de três fatores: a propriedade jurídica, a atividade

econômica e a unidade familiar. O que caracteriza a agricultura familiar, é que esta pratica

a atividade econômica agrícola, residindo numa propriedade rural. Dessa forma, para

Schneider (2009), a agricultura familiar é aquela que combina a propriedade rural, com

uma atividade agrícola e cuja administração é realizada por uma unidade familiar.

Esta família pode produzir tanto para o autoconsumo quanto para o mercado, ou

para as duas finalidades, sendo que quanto mais aberta ao mercado for, maiores serão as

características capitalistas da produção (SCHNEIDER, 2009). Dentro da agricultura

familiar, existem diversas categorias diferenciadas, como o colono, o ribeirinho, o morador

ou sitiante e o assentado.

Page 7: Uma análise regional das estratégias pluriativas dos agricultores familiares de Mato Grosso em 2006

Ilhéus, 3 a 5 de outubro de 2012

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural – VII SOBER Nordeste

7

Apesar dessa definição simples de agricultura familiar, surgiram diversos modelos

de análise dessa forma de produção. Um desses é o modelo de Lamarche (1999), que

compreende o funcionamento agrícola evidenciando as diferenças lógicas em função das

quais o agricultor determina suas escolhas. Com isso, ele adotou duas extremidades de

análise, a primeira é o modelo original e a segunda é o modelo ideal. O primeiro seria

aquele tipo de unidade familiar que caracterizava a família no passado, e o segundo é o

tipo de unidade familiar que a família possui a intenção de ser. Dessa forma, as decisões

são tomadas visando atingir o modelo ideal de agricultura familiar.

Outro modelo de agricultura familiar foi elaborado por Gasson e Errington (1993

apud SCHNEIDER, 2003, p. 71), tendo como pressuposto de que as unidades produtivas

agrícolas modernas possuem tanto características familiares quanto empresariais. Com

isso, segundo Schneider (2003) os autores buscam evidenciar a relação entre a propriedade

e o grupo doméstico, considerando seis características essenciais:

1. O chefe da família realiza o controle gerencial da propriedade do empreendimento;

2. Existem as relações de parentesco ou matrimoniais com o chefe.

3. Os membros familiares alocam capital para a produção;

4. O trabalho incorporado na produção da propriedade é familiar;

5. A propriedade e o controle gerencial são transferidos pelas gerações;

6. A família vive na unidade produtiva.

Em meio às discussões de agricultura familiar, surgiram no debate dois conceitos

que inicialmente se confundiam, mas que com a evolução dos estudos acabaram sendo

diferenciados. São os conceitos de part-time farming (agricultura em tempo parcial) e

pluriactivité (pluriatividade). Segundo Schneider (2009), na década de 1980 esses termos

se confundiam, sendo que a única diferença era que os ingleses utilizam mais a primeira

conotação e os franceses utilizam a segunda.

Esses conceitos surgiram a partir de um fenômeno já detectado na década 1970, que

era as diversas origens das rendas nas famílias agrícolas (SCHNEIDER, 2009). A

agricultura em tempo parcial se refere ao tempo utilizado pelo trabalhador no campo, e a

pluriatividade é entendida como as combinações de uma ou mais formas de rendas

auferidas pelas famílias que possibilitam a reprodução social dessas (SCHNEIDER, 2009).

Existem termos antônimos a estes, que são o full-time farming (agricultura em

tempo integral) e a monoactivité (monoatividade), que possuem certa semelhança, tendo

em vista que uma unidade familiar que trabalha com apenas uma atividade ocupa todo o

seu tempo de trabalho nesta mesma atividade (SCHNEIDER, 2009). Entretanto, os seus

opostos possuem diferenças relevantes.

Segundo Fuller (apud SCHNEIDER, 2009,p. 81), o termo “agricultura em tempo

parcial” foi desenvolvido por Rozman para diferenciar os agricultores que produzem para

subsistência dos que produzem para a venda. Além disso, foi com as contribuições desde

Page 8: Uma análise regional das estratégias pluriativas dos agricultores familiares de Mato Grosso em 2006

Ilhéus, 3 a 5 de outubro de 2012

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural – VII SOBER Nordeste

8

autor junto com Brun (1988, apud SCHENEIDER, 2009, p.82) que as definições entre

part-time farming e pluriatividade foram exaltadas.

O primeiro termo se refere a situação em que a unidade produtiva opera com o

tempo de trabalho menor do que um ano, devido ao tamanho da propriedade ou por opção

da gestão (FULLER e BRUN, 1988 apud SCHNEIDER, 2009, p. 83). E o segundo focaliza

as diversas atividades e interesses dos indivíduos e das famílias que vivem na unidade

produtiva, além de preocupar-se com a reprodução social, com a participação no mercado

de trabalho rural, com a terra e com as questões agrícolas (FULLER e BRUN, 1988 apud

SCHNEIDER, 2009, p. 83).

Nesse contexto a atividade agrícola pode ser menos relevante na composição da

renda familiar e a pluriatividade pode assumir um caráter permanente nas estratégias de

reprodução social das famílias.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A agricultura familiar, em tese, tem como principal atividade econômica a

agricultura, pois é dela que se produz o alimento e também produtos para serem

comercializados no mercado, para obtenção de recurso financeiro para satisfação das

demais necessidades familiares. Porém, nem sempre a agricultura é a atividade exclusiva

na agricultura familiar, pois cada família se adapta ao ambiente em que se está inserida, e

por isso, pode flexibilizar o uso de sua força de trabalho alocando-a em outras atividades.

Dependendo das condições sócio-econômicas e ambientais de cada região, as famílias

adotam estratégias de reprodução econômica, podendo se dedicar a mais de uma atividade,

além da agricultura.

O Censo Agropecuário do IBGE de 2006 considerou seis atividades principais na

qual a agricultura familiar obtém as suas rendas monetárias. Para esta análise foram

utilizadas as seis atividades econômicas consideradas pelo IBGE nessa pesquisa. São elas:

agricultura, criação de animal, produção de fertilizantes, extração mineral, prestação de

serviço e agroindústria. Essas atividades foram analisadas separadamente e de forma

conjunta no intuito de verificar as estratégias de reprodução econômica da agricultura

familiar no Mato Grosso.

A média do ICN é indicada para verificar os municípios especializados, ou seja, os

municípios com indicador superior à média do Estado de Mato Grosso são considerados

especializados. Entretanto, há municípios com diferentes graus de especialização, por isso

o grupo dos especializados pode ser subdividido em: especializados e altamente

especializados. Porém, o conceito de altamente especializados não é possível de se

determinar de forma universal para todos os casos. Cada conjunto de dados possui suas

especificidades para que seja determinado um limite de separação entre os grupos

especializados e altamente especializados. Para simplificar a análise deste trabalho, serão

considerados municípios altamente especializados aqueles que apresentarem ICN superior

a 5.

Page 9: Uma análise regional das estratégias pluriativas dos agricultores familiares de Mato Grosso em 2006

Ilhéus, 3 a 5 de outubro de 2012

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural – VII SOBER Nordeste

9

O menor índice médio foi da Prestação de Serviços de 0,65 ICN, enquanto que a

maior média está na atividade da Agroindustria de 1,10 ICN.

Tabela 1. Média do ICN entre os municípios do Mato Grosso na agricultura familiar em

2006.

Atividades Média do ICN no Mato Grosso

Agricultura 0,70

Criação de animais 0,97

Produção de Fertilizantes 0,86

Prestação de Serviços 0,65

Extração Mineral 0,94

Agroindustria 1,10 Fonte: Elaborado no SPSS 17.0 e Excel (2007), com base em dados do IBGE (2011).

Os municípios que se mostraram especializados na Agroindustria estão localizados

nas regiões Sul e Nordeste do estado, enquanto que na Agricultura, os municípios

especializados se concentram nas regiões Sul, Centro e Noroeste. Na Agroindústria

destaca-se o município de Acorizal (5,43 ICN), Jangada (46,04 ICN), Itanhangá (16,22

ICN), Barão de Melgaço (12,07 ICN), Carlina (6,64 ICN) e na Agricultura destacam-se os

municípios Lambari d’Oeste (22,69 ICN), Itanhangá (8,61 ICN) e Ipiranga do Norte (5,92

ICN).

Fonte: Elaborado no SPSS 17.0, Tabwin e Excel (2007), com base em dados do IBGE (2011).

Figura 1. Municípios de Mato Grosso especializados na Agroindustria e na Agricultura da

agricultura familiar em 2006.

A Criação de Animais está difundida no estado, ou seja, não se concentra em

apenas uma região. Já a Produção de Fertilizantes está concentrada em alguns municípios

do Centro-sul e do Norte. Destacam-se na Criação de Animais os municípios de Vale de

São Domingos (11,54 ICN), Reserva do Cabaçal (6,43 ICN) e São José do Povo (5,11

ICN). Na atividade de Produção de Fertilizantes, os municípios com maior grau de

especialização foram Nova Bandeirantes (81,00 ICN) e Nova Marilândia (21,70 ICN).

Page 10: Uma análise regional das estratégias pluriativas dos agricultores familiares de Mato Grosso em 2006

Ilhéus, 3 a 5 de outubro de 2012

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural – VII SOBER Nordeste

10

Fonte: Elaborado no SPSS 17.0, Tabwin e Excel (2007), com base em dados do IBGE (2011).

Figura 2. Municípios de Mato Grosso especializados na Criação de Animais e na Produção

de Fertilizantes da agricultura familiar em 2006.

A Extração Mineral não apresenta concentração especifica no território estadual de

Mato Grosso, já a atividade de Prestação de Serviços se distribui numa faixa que vai desde

o Sudoeste até o Nordeste do estado. Destacam-se na Extração Mineral os municípios de

Alto Paraguai (68,77 ICN), Matupá (33,77 ICN) e Serra Nova Dourada (7,68 ICN). Na

Prestação de Serviço os principais municípios especializados foram Reserva do Cabaçal

(21,81 ICN), Nova Marilândia (8,17 ICN) e Glória d’Oeste (7,67 ICN).

Fonte: Elaborado no SPSS 17.0, Tabwin e Excel (2007), com base em dados do IBGE (2011).

Figura 3. Municípios de Mato Grosso especializados na Extração de Minerais e na

Prestação de Serviços da agricultura familiar em 2006.

Considerando a distribuição dos municípios do Estado de Mato Grosso em relação

à quantidade de atividades especializadas, verificou-se que nenhum município se

especializou em todas as atividades, nem em cinco nem em seis delas. O máximo de

especialização foi de quatro atividades em nove municípios, que estão localizados na

região Sul do estado. Isso indica um grau elevado de pluriatividade na região Sul enquanto

que na região Norte grande parcela dos municípios se mostraram especializados em duas

atividades.

Page 11: Uma análise regional das estratégias pluriativas dos agricultores familiares de Mato Grosso em 2006

Ilhéus, 3 a 5 de outubro de 2012

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural – VII SOBER Nordeste

11

Fonte: Elaborado no SPSS 17.0, Tabwin e Excel (2007), com base em dados do IBGE (2011).

Figura 4. Municípios de Mato Grosso especializados segundo o número de atividades

especializadas na agricultura familiar em 2006.

Os dados demonstraram que os municípios estão especializados principalmente na

Agricultura, na Criação de animais e na Prestação de Serviços, e altamente especializados

na Agroindustria.

Tabela 2. Divisão dos municípios do Mato Grosso em Não-especializados, Especializados

e Altamente Especializados, segundo as atividades na agricultura familiar em 2006.

Atividades Não-especializados Especializados Altamente

Especializados

Agricultura 112 26 3

Criação de animais 96 42 3

Produção de Fertilizantes 132 7 2

Prestação de Serviços 113 25 3

Extração Mineral 130 8 3

Agroindustria 117 19 5

Fonte: Elaborado no SPSS 17.0 e Excel (2007), com base em dados do IBGE (2011).

Analisando as atividades de forma separada, verifica-se um elevado número de

municípios não-especializados, porém se analisar de forma generalizada esse número é

reduzido. Muitos municípios se especializam em várias atividades ao mesmo tempo,

indicando que as famílias possam estar adotando estratégias pluriativas de reprodução

econômica. Dos 141 municípios em Mato Grosso, cerca de 24 municípios não

apresentaram especialização em nenhuma das atividades, e 55 municípios apresentaram

especialização em um tipo de atividade revelando o caráter monoativo da agricultura

familiar nesses municípios. Entretanto, 62 municípios apresentaram especialização em

mais de uma atividade, sendo 36 em duas, 17 em três e 9 em quatro.

Page 12: Uma análise regional das estratégias pluriativas dos agricultores familiares de Mato Grosso em 2006

Ilhéus, 3 a 5 de outubro de 2012

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural – VII SOBER Nordeste

12

Tabela 3. Número de municípios de Mato Grosso segundo quantidade de atividades

especializadas na agricultura familiar em 2006.

N° de atividades especializadas N° de municípios

0 24

1 55

2 36

3 17

4 9

Total 141

Fonte: Elaborado no SPSS 17.0 e Excel (2007), com base em dados do IBGE (2011).

É possível notar a partir do quadro 1, que a agricultura é a atividade mais

especializada entre os agricultores familiares presente em 48 municípios do estado . E em

18 municípios a atividade é realizada em conjunto com a criação de animais. São

realizados em 16 municípios a atividade agrícola em conjunto com mais duas outras

atividades e em 8 municípios ligada a mais 3 atividades. Sendo que a criação de animais é

especializada em mais municípios quando relacionada com mais atividades. Já a produção

de fertilizantes sozinha não está presente em nenhum município, tal atividade só apresenta

certo nível de especialização quando relacionada a duas ou mais atividades.

Atividades

2 atividades 3

atividades

4

Atividades Agricultura Criação de

Animais

Produção de

Fertilizantes

Prestação de

Serviços

Extração

Mineral Agroindústria

Agricultura 43 18 2 2 3 5 16 8

Criação de Animais

18 6 0 2 1 2 8 8

Produção de

Fertilizantes 2 0 0 1 0 0 3 3

Prestação de serviços

2 2 1 2 0 0 12 9

Extração

Mineral 3 1 0 0 2 0 3 2

Agroindústria 5 2 0 0 0 2 9 6

Fonte: Elaborado pelos autores no SPSS 17.0 e Excel (2007), com base nos dados do IBGE (2011).

*Dados da diagonal indicam a quantidade dos municípios especializados em uma atividade.

Quadro 1. Relação entre as atividades especializadas na agricultura familiar dos municípios

de Mato Grosso em 2006.

A especialização de prestação de serviços está fortemente relacionada a duas ou

mais atividades, representando a grande inteiração do setor com as demais atividades. A

extração mineral como atividade especializada está presente em apenas dois municípios,

tem relação com a agricultura em três municípios. A especialização da agroindústria

apresenta uma relação com mais duas atividades em nove municípios e relação com três

atividades em seis municípios.

Page 13: Uma análise regional das estratégias pluriativas dos agricultores familiares de Mato Grosso em 2006

Ilhéus, 3 a 5 de outubro de 2012

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural – VII SOBER Nordeste

13

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A agricultura familiar é um sistema onde a economia está sujeita às necessidades

familiares. Com isso, as decisões tomadas internamente podem alocar a força de trabalho

em atividades agrícolas ou não-agrícolas. Isso irá depender dos interesses familiares e das

condições sócio-econômicas e ambientais em que estão inseridos. Nesse sentido, as

atividades estudadas podem estar de alguma forma relacionada, pois no ambiente familiar

as atividades nem sempre estão isoladas, mas sim compartilham de um mesmo espaço, e às

vezes, da mesma força de trabalho. No caso da Agricultura e da Criação de Animais, estas

atividades podem estar correlacionadas no sentido de fornecimento de insumos. Ou então,

entre Agricultura e a Produção de Fertilizante, onde os fertilizantes podem ser produzidos

com resíduos da agricultura, seguindo uma racionalidade agroecológica.

6. BIBLIOGRAFIA

ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo:

HUCITEC, 1992.

CAMPOS, Índio. Pequena Produção Familiar e Capitalismo: um debate em aberto. Belém,

Paper do NAEA, n.º 16, Março de 1994.

CHAYANOV, Alexander. Sobre la teoriade los sistemas económicos no capitalistas.

México, Cuadernos políticos, nº 5, jul-set 1975, 15-31 p.

CROCCO, M.A.; GALINARI, R.; SANTOS, F.; LEMOS, M.B.; SIMÕES, R.

Metodologia de identificação de arranjos produtivos locais potenciais. Belo Horizonte:

UFMG/Cedeplar, 2003. (Texto para discussão, 212). Disponível em:

<http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD%20212.pdf>. Acessado em 20 de out

2011.

FARIA, Alexandre Magno de Melo. A não consolidação das previsões clássicas do fim

do campesinato sob o capitalismo: uma resenha. Revista Estudos Sociais, ano 3, nº 6,

2001, p. 45-58.

IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censo Agropecuário 2006 da

Agricultura Familiar – Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação: Primeiros

Resultados. Disponível em

<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/agri_familiar_

2006/default.shtm>. Acessado em 17 de out. de 2011.

LAMARCHE, Huges. A agricultura familiar II: do mito à realidade. Campinas: Ed.

UNICAMP, 1999.

Page 14: Uma análise regional das estratégias pluriativas dos agricultores familiares de Mato Grosso em 2006

Ilhéus, 3 a 5 de outubro de 2012

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural – VII SOBER Nordeste

14

SCHNEIDER, Sérgio. A Pluriatividade na Agricultura Familiar. Porto Alegre: UFRGS, 2°

ed, 2009, p.260.

SIMÕES, Rodrigo. Métodos de análise regional: diagnóstico para o planejamento

regional. Relatório de projeto de pesquisa: Diretrizes para formulação de políticas públicas

de desenvolvimento regional e de orientação do território brasileiro. CEDEPLAR/UFMG,

mar de 2004.

TEPICHT, Jerzy. Marxisme et agricultura: Le paysans poloniais. Paris: Libraire

Armand Colin, 1973.