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UM—13.—illO M

May 07, 2023

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Khang Minh
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167a CONFERÊNCIA EB 12 DE MARCO DE 1816

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Pelo Conselheiro ZWsíSo rfe J/we..- _4/v/r//j-

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Senhores, —Venho hoje discutir um ponto da nossa histo-ria pátria, que por pertencer a um dos mais gloriosos perio-dos, se não O mais illustre, dos fastos naeionaes, merecerá

por certo a vossa benigna attenção, como amigos de tudo

quanto é nobre e generoso.Nenhum brazileiro pôde ser mdifferente aos autores do

grande acto, que deu-nos pátria, instituições livres, e todos oselementos de prosperidade; aos magnânimos varões, queconsagrarão a sua actividade, e esforçár&Q-se pela realizaçãoda causa d*este império americano, devemos respeito e grati-dão ; e fallar d'elles é tocar em assumpto do máximo interesse

para os brazileiros, e dar testemunho da nossa admiração porsuas virtudes.

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CONFERÊNCIAS POPULARES

ri-

.-.. .'-.

A vossa benevolência escusará as imperfeições, e a insuf-

ficiencia do meu discurso.As grandes causas têm os seus protogonistas; a causa da

independência do Brazil foi certamente uma causa nobre e

generosa, e teve illustres e egrégios protogonistas; a estes

denomino eu - palriarchas da independência, denominação

que o vulgo iniciou, e que a historia já tem consagrado.

A primeira questão, que cumpre-nos agora ventilar, é

saber se ha um ou mais patriarchas da independência do

Brazil.Para resolver esta questão, cumpre primeiro que tudo exa-

minar como surgio, e realizou-se a idéa da nossa emancipa-

ção politica.Poderíamos dizer, que havia um patriarcha da indepen-

dencia nacional, si entre nós houvesse porventura appare-

cido um homem que por uma iniciativa antecipada e poderosativesse propagado, e dado impulso por seus actos e opiniões

ao pensamento libertador.

Poderíamos dizer, que havia um patriarcha da indepen-

dencia nacional, se no meio da luta se houvera erguido um

homem de tal preponderância de forças, que elle por si só

trouxesse a effectiva realização do facto emancipador.

Mas, senhores, o imparcial exame dos factos da nossa m-

dependência, e a averiguação das circumstancias do paizclaramente nos dizem, que nem houve iniciativa individual

por tal fôrma pronunciada e propagada, que se lhe possaattribuir autor certo e conhecido, nem na oceasião da luta

appareceu um homem, que por si tivesse forças, meios e

recursos para fazer a independência do Brazil.

O Brazil, extenso e vasto, não possuia em seu seio umcidadão, que resumisse em si todos os seus elementos de força :o Brazil-não resumia-se em estreito âmbito, onde um homem

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pudesse assumir essa influencia, de que gozou, por exemplo,um*Rodrigues Francia, e um Solano Lopes no Paraguay.

Só em populações ignorantes e estreitadas, em regiões de

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PATRIARCHAS DA [NDEPfíNDENCÍA õ

pequena extensão pode um homem resumir um povo, pensar,e obrar por elle.

0 Brazil, é certo, não possuía [ilustração em 1822; todaviatinha algumas luzes espalhadas pelo clero clentüo, única classedotada de letras, que penetrava e influía no paiz, e sobretudo era extensissimo, e nao comportava o domínio exclusivode qualquer individualidade.

Adiííieuldade das relações das diversas capitanias entre siinhibia a formação de interesses communs, e a concentraçãode uma só direcção nesses interesses ; por isso a ninguém ca-bia influencia geral: tudo localisava-se. porque tudo estavasegregado.

Não havia pois uma vontade, que pudesse dominar o paiz.Quando não ha o domínio das pessoas, ha o dominio das

idéas, o unico eílieaz e poderoso para decidir das revoluções,ou reformas sociaes.

Foi o que succedeu no Brazil erh 1822; a idéa de inde-

pendência surgio espontânea no animo de todos os Brazileiros;ella foi simultânea em diversos pontos do par/, de maneira

que ao primeiro brado ella generalizou-se, não podendo quasidizer-se com certeza omkíesse brado primeiro levantou-se.

Um varão distinctissimo, cuja perda o paiz e as letras de-

plorão, e cuja benemerencia todos nós reconhecemos, já porseu patriotismo, e já por suas luzes, o (inado marquez de Sa-

pucahy, fallando do modo unisono, porque o paiz erguera o

grito emancipador dizia em 1833 :« Sabido éjá, que ninguém pôde arrogar-se a gloria, não

digo só de ter leito, mas dt- ter apressado a declaração daemancipação política du Brazil: este acto operou-se tàoaccele-radamente, e por tal unanimidade de votos de todos os Bra-zileiros, que pôde dizer-se com verdade, que os factos enca-minhárão os homens, e não os homens os tactos.

" O grito da independência repercutio em todos os ângulosda terra de Santa-Cruz com geral espontaneidade, e poucadifierença de tempo, sem que precedesse seducção; porque osânimos estavão preparados, e muito mais quando se vio quo

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6 CONFERÊNCIAS POPULARES

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as cortes de Lisboa por seus actos hostis tendiãoa recolonisar

o Brazil. «Eis o juízo de um homem competentissimo por sua illustra-

ção, e por sua assistência ao grande drama da independência

nacional.Com efíeito, senhores, a idéa da emancipação política do

Brazil achava-se desenvolvida e enraizada no paiz, desde queo Brazil passara de colônia á categoria- dc reino em 1815, e

desde que em 1817 uma revolução patriótica tentara essa enian-

cipação, levantando o estandarte da independência nas pro-vincias de Pernambuco, Parahyba, Kio-Grande do Norte e

Ceará.Desde'que o rei D. João Vi resolvera regressar á antiga

metrópole, deixando as terras americanas, a independência foinma opinião assentada no animo dos Brazileiros.

A vóz popular, a nascente imprensa, e todos em geralsenti ao a força da opinião.

Era ella tão manifesta, que o próprio' rei não duvidava doseu próximo êxito.

Por isso ao embarcar para Portugal dirigio a seu filho, o

príncipe regente, as terminantes palavras que este consagrouem carta de 19 de Junho de 1822, quando recordava a seu naihaver-lhe dito: «Pedro, se o Brazil se separar, antes seja parati, que me has de respeitar do que para algum aventureiro. »

Nas palavras do velho rei é impossível não ver a profundaconvicção, que elle tinha, de que, deixando o Brazil, deixavafeita a independência da nossa pátria.

' O rei tardio em suas concepções, mas atilado nas perspe-ctivas do futuro ; indifferente ao exercício do poder, mas ciosoda sua posse, jamais suscitaria no animo do príncipe a idéada desmembração do seu império, se porventura se lhe nãoafigurasse a realidade da separação, que já não podia impedir.

. Mas elle a suscitou, e na sua despedida para a Europa,instruia o filho para fundar na America o império, de queelle, ora constrangido, ora voluntário, apartava-se com a dor,

que afílige-nos nas grandes perdas.

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PATRIARCHAS DA INDEPENDÊNCIA

Da vontade do paiz nâo era licito duvidar : o rei e o prin-cipe a eonhccião, e se lhe não derão logo livre curso, 6 porqueo rei não podia de boa mente resolver-se a perder a melhor

porção dos seus domínios, e o príncipe não queria, sem mos-

trar-se impellido por causa forçosa, ser instrumento dos pa-ternos prejuízos.

Um hesitava em abrir mão da herança avoenga, que repu-

tava deposito inviolável; o outro escrupulisava antecipar-sena posse d Vila ? para (pie o nào arguissem de violador do res-

peito íilía!.

O pensamento do principe retrata-se claramente nas ex-

pressões com que justiíicou-se perante o rei, quando decidiu-se a abraçar a causa do lirazil.

Elle dizia então : « Foi chegado o momento da quasi se-

paração, e estribado eu nus eloqüentes e singelas palavras ex-

pressadas por Vossa Magestade, 6 que tenho marchado adian-te do Brazil. »

Aqui o principe revela-se : elle reconhece a vontade na-cional, e aproveita a autorisação paterna para pôr sobre a suacabeça uma coroa gloriosa, e fundar um povo.

Anenas a idéa do ingresso do rei a Portugal foi sancciona-da pela sua effectiva retirada do Brazil, o pensamento eman-cipador irrompeu por-todos os poros da nossa sociedade.

A musa popular apoderou-se do patriótico assumpto, e ovate nacional procurou vulgarisal-o : assim a tradição e a bis-turiaconservaoaniemoria.de uma pequena poesia, na qualtranspira o sentimento vivaz tia nossa nacionalidade.

Assim ainda os homens políticos incubavSo a idéa, quandoella no meio do povo manifestava-se vigorosa nos seguintesversos allusivos ao príncipe:

« lnda que não fosse herdeiroSeja já Pedro Primeiro ;Seja nosso ImperadorCom governo liberalDe cortes tranco e leal. »

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CONFERÊNCIAS POPULARES

Aqui todos vemos a idéa independente surgir com tal ener-

gia, que fica de parte o principio hereditário para attender-se

unicamente ao principio emancipador.Se o vate popular assim exprimia-se, o publicista na im-

prensa não protestava com menor vigor em prol da indepen-

dencia nacional.O Reverbero, gazeta que começou a publicar-se em Se-

tembro de 1821, e cuja epigraphe « Redire sit nefas » assásinculcava o espirito com que sustentava a causa do Brazil,

proclamava em altos brados :*—<• O Brazil já entrou no periododa sua virilidade ; já não precisa de tutella; a emancipaçãodas colônias segue uma marcha natural, e irresistível, que já-mais forças humanas podem fazer retrogradar. »

Assim, senhores, tudo no paiz transpirava independência,

sem que aliás houvesse um autor certo e conhecido que pu-desse ser apontado como originário propagador do generoso

pensamento, cujo êxito era a formação autonomica de um povoOrei, o príncipe, a população, todos em summa sentião a

íorçae o desenvolvimento da idéa emancipadora; todos previãoe esperavão os effeitos da explosão ; mas ninguém via o pro-motor d'essa idéa, que parecia mais uma insurreição dos espi-

ritos do que uma combinação de vontades.

Se não houve um iniciador da idéa da independência, e

como iniciador d'ella ninguém pôde arrogar a si o titulo de

patriarcha da independência, vejamos como a idéa chegou á

sua realização pratica.Apenas chegado o rei a Portugal, as cortes geraes e ex~

traordinarias da nação, estabelecidas em Lisboa, quizerão so-

pitar os justos desejos dos Brazileiros, que tentando ainda aunião dos dominios europeus com os dominios americanos pelovinculo commum da mesma coroa, pretendiâo ser árbitros dasua própria fortuna.

A retirada do príncipe de entre os Brazileiros, e a suppres-são dos tribunaes superiores, necessários á administração de um

povo que tem vida própria, forão determinações que não dei-

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vit

PATRIARCHAS DA INDEPENDÊNCIA 9

xárão ao Brazil duvidas de que a união não podia operar-sesem o completo anniquilamento da sua categoria de nação, esem a conseqüente perda dos foros já adqueridos.

O Brazil, pois, levantou-se, e dentro de poucos dias o gritode emancipação soava em todos os ângulos do paiz, partindode todos os sentidos.

As forças portuguezas existentes no Brazil tentarão resis-tir na corte e erguerão-se ufanas na Bahia, no Piauhy, e emMontevidéo, então território brazileiro.

A tentativa da corte, ensaiada pelo general Jorge d'Avilez,passou rápida como sombra fugitiva ; na Bahia o brigadeiroMadeira de Mello, e no Piauhy o coronel Cunha Fidiò porpouco mais de seis mezes hostilizarão a causa brazilica, e sóem Montevidéo por mais algum tempo prolongou-se a oceu-pação inimiga.

Assim o tentamen portuguez desvaneceu-se, achando obs-taculo em todo o paiz.

Este obstáculo levantava-se no próprio solo, onde a resis-tencia á idéa da independência buscava apparecer.

O principe não tinha meios para levantar grande exercito,nem fazer despezas custosas; mas por toda a parte o paiz of-ferecia-se voluntário.

Na Bahia os cidadãos armárSo-sè, e com a força ida dacorte expellirão o seu oppressor.

O Ceará formou um exercito de mais de seis mil homens,

perseguio o resoluto opugnador da causa nacional no Piauhy,e levou-o a Caxias, onde o fez depor as armas.

Nem o norte nem o sul prestárão-so recíprocos soecorros, eno meio da luta da independência nenhum individuo ergueu-se

para dominar, e dirigir a sorte da mesma luta. O triumphoda causa do Brazil foi devido ao accordo unanime dos Brazi-leiros e aos auxílios locaes, sem acção alguma geral, partidade um centro activo que tudo resumisse. O principe apenasconstituia o alvo das esperanças, que desenvolvia as forças, edava-lhes energia.

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K) CONFERÊNCIAS POPULARES

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Sendo assim, eonclue-se que ninguém — aconte

cimentes, e Pinguem, pôde attnbmr a s, o ex, d U.

A luta terminou rap.damente em favor do P .ud, po .

todos os Braseiros auxiliarão a causa emancvpadora.

P ,_t„ se não houve uma individualidade, a quem cn-

a conseqüência é que ninguém tem,^ tofc -^

parte precipua, proeminente e decisu a

deu-nos a independência patna.<* fica resolvido que não appareceu imciadoi da idéa

louve Ptotolista eminente que arengasse aos seuse que nao houve proto porventura

que nãoeslorços o exito da contenda, seguir se ha P

possamos dar a alguém o glorioso titulo de p_«

independência todaTnnin-n niip se não appareceu um vulto, que*__Tdo P_. brLileiro n'esses dias de abnegação e do

" ' larecWo com certeza caracteres nobres e gene-

civismo, appareceiao cum .tin_?uirão-se pela

rosos, que nos serviços á causa da patna distingui! I

relevância d*elles.Nos factos humanos a Providencia assignala os instru-

mentos dos seus desígnios. w«,rí.*itosNa causa brazilica tivemos muitos homens^taau:ers

muitos denodados campeões; mas a ^^\T

fiança publroa, e o amor dos seus conerdadaosera.algum- „ ooiíontPQ mie cumpre nao aescomittbi.

^ranTiacrpris oosiçoes salientes, que ouin^npersonagens py* ninares lidadores da causa do

Entendo que entre todos os illust es íiciaao

Rr_7Íl tres vultos realção-se acima dos demais, e que a estes

Sa denominação honrosa e patriótica de ,_«»* _

_Iq*fe-_Estes tres vultos suo : o príncipe u. rtu.

José Clemente Pereira e José Bonifácio de Andrada.

Cada um dtelles representou um papel proeminente n

drama nacional, que iniciado em 9 de Janeiro acabou em 7

Setembro de 1822.O príncipe D. Pedro de Alcântara, que dentro de poucos

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PATR1ARCRAS DA INDEPENDÊNCIA \[

dias seria D. Pedro 1, governava o paiz por autoridade dele-gada por seu augusto pai.

Estando elle á frente do governo, dispondo da força pu-blica, e dos cofres nacionaes, é patente quanto importava osou concurso cm prol da causa da independência.

Este concurso trazia á causa do Brazil tros grandes van-tagens: dava-lhe logo em começo um centro de poder, grandeforça moral, e recursos materiaes indispensáveis.

A collocação do príncipe á frente da causa nacional era desuprema vantagem ; era o mais poderoso elemento de triutn-pho que ella poderia então contar.

Se o principo contrariasse a independência pátria não sótaes vantagens se nào ob terião, mas também graves malesscguir-se-hiào. Os elementos que elle punha em auxilio d'essacausa serião meios de impugnal-a.

O príncipe não podia ser indifferente na luta : a sua reso-lue.ào pró ou contra a causa do Brazil, assim como grande-mente a auxiliava, assim também poderosamente a contra-ri ária.

Basta a mínima reflexão para alcançar esta verdade, epara d'este modo conhecer o serviço relevantissimo que opríncipe prestou ã sua pátria adoptiva.

As suas circumstancias especiaes faxião que o seu auxiliofosse o mais eficaz e importante entre todos os auxílios pres-tados á causa da independência, e por isso e elle o mais proe-minente dos propgonistas dVlla.

No Brazil ninguém tinha nem mais nem tanto poder comoelle; portanto, ninguém prestou maior nem igual serviço doque elle prestou á causa emaneipadora.

Elle, po;s, em attenção á importância do auxilio, é tambémo primeiro que deve ser enumerado entre os propugnadoresda independência.

Sem o seu concurso a independência do Brazil se não hou-vera feito nem tão cedo, nem tão isenta das calamidades daguerra fratricida.

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12 CONFERÊNCIAS POPULARES

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Para avaliarmos do serviço prestado á causa nacional pelo

príncipe basta recordar que se elle combatesse essa causa,

todas as forças portuguezas existentes no Brazil terião empu-

nhado armas para contestal-a; e se a Bahia precisou de soe-

corro estranho; e se o Piauhy necessitou de forças do Ceara,

derramando-se sangue brazileiro, veja-se o que suecedena

se em todas as capitanias as torças portuguezas nos contra-

riassem, insurgindo-se contra nós.

A luta armada seria geral; a força moral da direcção de

um governo regular daria impulso á resistência, e os Brazi-

leiros serião por certo reprimidos nos primeiros tentamens

para só mais tarde reerguerem-se, e conquistarem a indepen-

dencia que aliás intallivelménte viria.

A aceitação da causa do Brazil por parte de José Cie-

mente foi tambem de máximo proveito para essa mesma

causa.Homem activo e enérgico, elle trabalhou com empenho

pela idéa nacional, mas a proficuidade do seu concurso nasceu

de outro motivo.Grande parte da população do Brazil em 1822 era de

nascimento portuguez ; e quando agitou-se a questão da mde-

pendência da nossa pátria, essa população dividio-se: parte

queria a independência, porque já considerava o Brazil idôneo

para tratar da sua própria ventura ; parte a impugnava, por-

que na estreiteza das suas idéas reputava crime o querer o

Brazil a própria liberdade.Na parte da população portugueza favorável á indepen-

dencia estavão os cargos públicos, a riqueza e a illustração :

José Clemente era alma e direcção d'essa importante massa.

ft.!i, Adherindo elle á causa do Brazil não era um simples voto.'Ai.

que pronunciava-se por essa causa ; era um partido poderoso,

que por ella vinha combater.D'ahi pois mostra-se quão valioso foi o concurso d'esse

homem para a causa da independência.Elle não trazia simplesmente um nome, nem uma indivi-

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PATRIARCHAS DA INDEPENDÊNCIA 13

dualidade: trazia após si um partido, e uma força conside-ravel.

José Clemente era magistrado, e n'èsta qualidade presidiaa corporação municipal d'esta corte : gozava portanto, além da

consideração pessoal, da importância de um cargo publico,assás notável para dar-lhe valor, e conseguir-lhe estima.

Chegamos agora a José Bonifácio, o patriota illustre, a

quem o paiz tem tributado justas homenagens.O grande mérito de José Bonifácio na obra da indepen-

dencia nacional consiste em haver, como ministro, sabido

lixar e dirigir as idéas do príncipe, no momento em quedevia este resolver a grande questão nacional.

Irresoluto entre o dever de manter a união des reinos eu-

ropeu e americano, como lhe recommendára seu pai, e entre o

desejo de satisfazer o voto dos Braziléiros tão manifestamente

pronunciado, o príncipe hesitava, quando o seu patriótico mi-

nistro o convenceu da necessidade de optar pela nova pátria,rompendo com os antigos laços da pátria transatlântica.

Então o príncipe e o ministro entrarão na via franca e deci-

dida da independência nacional, e o brado do Ypirangaecoou

do leste a oeste e do sul ao norte, dissipando todas as duvidas,

e collocando o Brazil em frente ás imprudentes cortes portu-

guezas, que nos provocavão.Não era mais possivel tergiversar: a obra do patriotismo

brazileiro estava annunciada, e ninguém podia mais duvidar da

vontade do BraziLElle proclamava-se livre de qualquer vinculo com a antiga

mãi-patria, e ostentava a sua autonomia.Com o grito do Ypiranga os Braziléiros entravão em novo

caminho relativamente á sua existência política.Até alli a obediência á mãi-patria era um dever; de então ,

por diante o dever era resistir-lhe.Portugal não unha forças para revogar a resolução tomada •

pelo BraziLCom população talvez igual á do Brazil, não possuía os

nossos elementos de riqueza.

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14 CONFERÊNCIAS POPULARES

Portugal era um povo que decahia, o Brazil era unianação que levantava-se.

Podia Portugal contrariar a causa do Brazil, demorar o seuêxito, e ensangüentar a nossa vietoria, não poderia porémjamais annullal-a.

Na serie dos acontecimentos notamos tres factos principaesque derão em resultado a independência brazilica.

Esses factos são : a ficada do príncipe no Brazil comformal desobediência ás ordens das cortes portuguezas ; a con-vocação da constituinte brazileira ; a proclamação da nossa au-tonomia em 7 de Setembro de 1822.'

Em todos estes factos tiverão parte os tres personagens a

quem attribuimos o titulo de patriarchas da independência.Em todos elles o principe foi principal protogonista, porque

sem a sua explicita vontade elles se não praticarião ; bastavaa sua recusa para serem impedidos : o mérito do principe narealização da nossa independência é portanto da mais patentee incontestável verdade.

Emquanto a José Clemente, elle concorreu para a ficadado principe, já com a sua influencia de homem politico, e jácom a autoridade do cargo publico, que exercitava rfesta

grande cidade.José Clemente, pode dizer-se, foi o motor principal d^sse

facto; assim como participante do acto da convocação da eons-tituinte, e do brado do Ypiranga, porque estes dous últimosfactos não só forão corollarios d'aqtielle primeiro acto, comotambem receberão o influxo dos constantes e repetidos esforçosd'esse benemérito varão em pró da causa do Brazil, queesposara como pátria.

•José Bonifácio cooperou para a (içada do principe por meiod'essa tão celebrada representação da junta governativa deS. Paulo, em que pedia-se ao principe que não abandonasse oBrazil.

Se José Bonifácio não teve a iniciativa d'esse acto, teve to-davia o merecimento de pratical-o com suprema vantagem dacausa nacional.

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PATRIARCHAS DA INDEPENDÊNCIA \z

Quando em 1844 cursava os estudos na Faculdade de Direi-to de S. Paulo tive oceasião de ler a carta original do banirá,mor José Joaquim da Rocha, escripta desta corte, na qual dizia-se a José Bonifácio que os patriotas daqui, animados por elle,por José Clemente, por Joaquim Ledo eoutros, havião resol-vido promover por todos os meios a conservação do príncipeno Brazil, e que um dos meios lembrados era conseguir repre-sentações em favor d'essa idéa; pelo que cumpria que elle emS. Paulo conseguisse que a junta governativa, de que eramembro, se dirigisse ao príncipe, pedindo-lhe que não sahissedo Brazil.

Foi então que o patriota paulista escreveu, e fez assigiiáresse documento, que,

"embora não (aliasse claramente da in-

dependência do Brazil, tão poderosa e immediata influenciaexerceu sobre ella.

Se n'essa representação não houve da parte de José Boni-facio o mérito da iniciativa, houve o mérito mais importanteda influencia dVlla em bem da causa commum.

Nos dous actos subsequentes, isto é, convocação da consti-tuinte e proclamação formal da nossa separação de Portugal nasmargens do Ypiranga, é intuitiva a parte que n'elles teveJosé Bonifácio, porque era o ministro conselheiro do príncipe,e o seu iramediato cooperador na obra da libertação da pátria.'A nomeação de José Bonifácio como ministro em tão nota-vel oceasião foi um lance de alta politica.

Brazileiro nato, reconhecido no mundo como homem il-lustrado, reverenciado no paiz como patriota, a sua exaltaçãoao ministério fortificou o espirito nacional, inspirou confiançano príncipe, e deu ao fundador do império um collaboradorsincero, hábil e dedicado.

Quando o Brazil vio .pie um filho seu de reconhecido me-*recimento e saber era chamado aos conselhos do príncipe,mnguem mais duvidou de que este queria sinceramente a

independência nacional ; e então o amor «ao príncipe, e a con-fiança n'elle depositada derão novas forças á causa da pátria.

Assim o distinetissimo paulista prestou poderoso concurso

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CONFERÊNCIAS POPULARES

á obra da independência, aceitando o lugar de ministro para

cooperar com o príncipe, cuja situação assim delima-se ante

o Brazil, que dentão por diante via no seu defensor perpetuo

a sincera e efficaz vontade de realizar a grandiosa empreza da

emancipação brazileira.Era preciso que o. príncipe desse penhores d'essa sua sin-

ceridade, pois estava viva na memória dos Brazileiros os seus

recentes protestos de fidelidade a seu pai, fidelidade que so

podia manter-se com sacrifício da causa do Brazil.

O príncipe que havia declarado aos Brazileiros que nao

contassem com elle, se pretendessem fazer a independência,

e que havia escripto a seu pai assegurando que essa indepen-

dencia tão somente se faria depois que os Brazileiros pisassem

por sobre o seu cadáver, tinha forçosa necessidade nüo so de

dizer, como depois disse: ¦ De Portugal nada, nada; nao

queremos nada, * mas também de tornar participante dos

seus conselhos, e dos seus actos um brazileiro insuspeito, e

merecedor da confiança nacional por titulo tão forte e legitimo

como era o manifesto e conhecido amor do solo da pátria.Foi o que o príncipe com prudência e sabedoria fez, eha-

mando José Bonifácio ao lugar de seu prifneiro ministro.

Sei, senhores, que muitos varões beneméritos distinguirão-se

na obra da nossa emancipação politica.Joaquim Ledo, Januário Barbosa, José Joaquim da Rocha,

Luiz da Nobrega, Fr. Francisco de Sampaio, e outros consagra-

rão os seus esforços em bem da causa do Brazil: foi um

incessante labor, a que a posteridade deve gratidão ; todavia

não tiverão os serviços d'esses egrégios patriotas a mesma ,

decisiva influencia que sobre o êxito da causa nacional tiverão

os feitos dos protogonistas, que consideramos principaes acto-

res no drama glorioso que o paiz presenciou em 1822.

A Providencia destina a certos homens a sorte que lhes

quadra nos acontecimentos políticos do mundo.

Muitas vezes a condição social, e as circumstancias do

momento dão a um personagem influencia soberana nos acon-

tecimentos, e o tornão indispensável ao êxito de uma causa.

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PATRIARCHAS DA INDEPENDÊNCIA 17.

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Sobrou em todos os Brazileiros o sentimento do mais acri-solado patriotismo ; mas nem a todos foi dado influir igual-mente por seus actos sobre a causa pátria.

D'aqui vem que para a própria gloria, se necessitamos dotalento, da capacidade, e das virtudes, dependemos constan-temente do influxo soberano, arbitro da sorte das cousas,,humanas.

Só da condição intima dispõe o homem pela virtude própria;no mais elle está ligado a circumstancias externas sobre quenão domina.

Rendamos nossos preitos de reconhecimento e veneraçãoa todos os patriotas que lidarão pela nobre causa da indepen-dencia; não podemos, porém, sem injustiça, deixar de aqui-latar em maior conta o valor das acções que o patriotismodictou com maior proveito do bem commum.

Por isso em nossos preitos e homenagens é devido maior

quinhão aquelles concidadãos cujas acções maior influencia

tiverão na suprema decisão da causa da pátria.D. Pedro de Alcântara, José Clemente e José Bonifácio

estão na primeira ordem do mérito ; por isso a elles qualificoI como patriarchas da independência do Brazil.

As suas acções políticas concorrerão para a solução da

causa da pátria com maior efficacia do que as acções de

outros muitos, cujos esforços e sacrifícios aliás nâo forão per-didos, nem são indeílerentes á posteridade.

' Não me é estranha a opinião que tende a singularisar essa

qualificação, applicando-a exclusivamente ao nome do illustre

paulista, cuja gloria não desconhecemos, nem queremos di-

minuir.A historia, porém, é inflexível, e deve a todos verdade

e justiça.Dizer que a outros cidadãos igualmente beneméritos da

pátria cabe a qualificação honrosa conferida a um, não é dirai-nuir-lhe a gloria, porém sim dar-lhe sócios na benemerencia.

Quando colloquei o nome de José Bonifácio em terceiro4

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18! CONFERÊNCIAS POPULARES

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lugar, não quiz embaçar-lhe o brilho ; quiz apenas observar a

ordem chronologica e suecessiva das idéas e dos factos.

O illustre paulista achava-se em sua provincia sem haver

ainda tomado papel activo na questão emancipado.a, quandoJosé Clemente já ostensivamente lidava por ella; por isso

apresentando o nome dos egrégios protagonistas da indepen-

dencia, enunciei primeiro o seu nome, pospondo o de José

Bonifácio.Não leveis a mal, senhores, que aqui vos represente o

curso das idéas do patriota paulista em relação á independêncianacional.

Em 1821 o pensamento tese illustre brazileiro era a con-servação da união dos dous reinos; e eu deduzo esse pensa-mento das instrucçoes por elle escriptas para os deputados doBrazil nas cortes portuguezas.

Elle entendia que a nossa união politica com Portugalnão podia ainda romper-se; por isso n'essas instrucçoes par-ticularmente dadas aos deputados paulistas, estabelecia oseguinte ponto para o qual devião tender os esforços dosnossos representantes: « Que se determine constitucional-mente a categoria do reino do Brazil; o que lhe competecomo reino a parte, e o que como reino unido. »

As memórias contemporâneas conservão de José Bonifácioexpressões que, sem importarem a significação de instinetossanguinários, tão alheios ás virtudes d'esse illustre varão,significão todavia a prevenção com que elle então recebia comdesgosto os aetos de manifesta tendência á realização da in-dependência nacional.

Julgava elle que a causa da independência perigaria anteo açodamento com que procedião muitos patriotas, que aber-tamente a promovião por factos directos v de hostilidade áordem legalmente estabelecida no paiz.

D'ahi nasceu, que em certa oceasião esquecido das consi-derações do cargo de ministro, que exercia, mas irritado porum zelo, que elle reputava serio perigo da pátria, chegara a

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PATR1ARCHA8 DA INDEPENDÊNCIA 19

dizer: « Hei de enforcar esses constifucionaes na praça daConstituição. "

Já se vê que no principio do movimento emancipador JoséBonifácio não considerava chegada a oceasião de obrar, erealizar a independência definitiva do Brazil; elle previa, sim,que a idéa marchava, e que os acontecimentos precipitarão aépoca da emancipação, cumprindo por isso pensar no êxitodos acontecimentos,

Não contava elle então com o príncipe, e assim cogitavade uma constituição republicana para o Brazil.

Persuadia-se elle, por certo, que o príncipe seguiria após orei para a Europa, e que só então a necessidade da indepen-dencia irromperia, e buscaria realizar-se.

Dominado d'esse pensamento, José Bonifácio ensaiouformar um esboço de constituição, cujo projecto original deletra do próprio punho do autor li, consignando os seguintesartigos:

« 1.° Os poderes políticos do Estado estão divididos:1°, pela assembléa geral dos deputados; 2o, pelo senado;3°, pelo syndieado ; 1°, pelo archonte, e quatro cônsulescom os ministros de Estado.

« 2.0 O archontado secomporá do Archonte-rei vitalício, equatro cônsules por quatro annos, eleitos pelos collegioseleitoraes. »?

Estas idéas depositadas em projectos Íntimos denunciãoque o animo de José Bonifácio vagava incerto, e nada tinhadefinitivamente resolvido sobre a causa do seu paiz.

A idéa da immediata realização da independência do Brazil,José Bonifácio só aceitou depois da sua chegada á corte emJaneiro de 1822, e posteriormente á sua nomeação de ministro.

D'aqui pois se conhece, que quando muitos outros Brazi-leiros tinhão em seu animo a idéa assentada da emancipaçãopátria, e por ella já laboravão, o espirito de José Bonifácioainda vacillava.

Tratando de vultos tão proeminentes da nossa historia

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20 CONFERÊNCIAS POPULARES

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politica, não é licito preterir a consideração de parallelismopntre elles

José Bonifácio era brazileiro por nascimento, e José Cie-

mente o era por adopção.Em um pode dizer-se que o pensamento emancipador nas-

cia do sentimento do amor do solo natal: em outro dir-se-ha

que esse pensamento brotava do egoísmo que lhe accendia no

animo a perspectiva de brilhante carreira politica com a exal-

tação do novo império.Se o espirito investigador das causas deliberativas das nos-

sas acções pôde no filho da America encontrar maior pureza

de motivos, ninguém poderá desconhecer da parte do cidadão

adoptivo antecipação na idéa libertadora.Assim pois, se a José Bonifácio concedermos mais nobreza

no sentimento,'a José Clemente não negaremos maior mérito

na prioridade da fé pela causa do Brazil.Da circumstancia do nascimento parece-me haver resulta-

do a grande differença com que os contemporâneos ajuizarão

de José Bonifácio e de José Clemente.O orgulho nacional quiz dar tudo a um, pondo em silencio

os méritos do outro.A luta da independência era contra Portuguezes ; natural

era pois que o espirito de nacionalidade se indispuzesse e exa-cerbasse contra tudo quanto recordava a origem e a causa dos

males actuaes dos Brazileiros que se debatião pela pátria.Esse espirito de nacionalidade prejudicou a fama de José

Clemente, omittindo-lhe o valor politico; aproveitou, porém,ao nome de José Bonifácio, exaltando-lhe os louvores.

Eis porque a um os contemporâneos conferirão logo o ti-tulo honorífico e glorioso de patriarcha da independência, queao outro só a justiça dos posteros outorgará.

Se assignalamos a causa motriz dos dous caracteres, queficão comparados, não calaremos o incentivo propulsor do prin-cipe.

Oriundo de plagas européas, nem por isso " o demoverão

motivos estranhos á sua nova pátria,

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PATRIARCHAS OA INDEPENDÊNCIA 21

Elle perdia unia coroa na Europa para erguer em terras daAmerica um império, que bem podia mal lograr-se.

Nào era pois a simples ambição de reinar quem o guiava ;era sim o enthusiasmo de uma alma ardente, que deleitava-secom a creaçáo de uma nacionalidade, que, sob a base dos no-vos princípios das sociedades modernas, pudesse desenvolver-se, e constituir perpetuo monumento da sua memória, e dasua generosidade ante um povo que o acclamava por seu Iun-dador.

Se justo é o sentimento que podemos attribuir ao patriotaque no Brazil vio a luz do dia, não é licito reprovar o motivo

que dirigio os outros dous cooperadores da grande causa na-cional; porque se íTaquelle operou o ingenito amor da terranatal, n'estes a ambição nobre de bem servir a sua nova pa-tria não desmerece os applausos e us encomios do philosophoe do historiador.

Em todos o mesmo impulso moveu, e agitou a deliberaçãodo agente : esse impulso foi o de bem fazer á pátria a queservido.

Senhores, o Brazil já pagou o tributo devido ao príncipe cao ministro, consagrando-lhes a memória em monumentos du-radouros, que, attestando os seus importantíssimos serviços,manifestão a magnanimidade do povo brazileiro ; mas paracom o activo e efficaz eooperador de ambos a nossa dividaainda não está satisfeita.

D. Pedro 1 e José Bonifácio já tiverão estatuas; JoséClemente, o cidadão prestante, e o philantropo emento, não

tardará por certo em ter semelhante galardão.Assim, senhores, esses tres egrégios patriotas viverão na

memória da posteridade como já vivem na gratidão dos Bra-zileiros. (Applausos geraes do auditório.)

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arawiaQ^açB^-^-^

conferência m g de março de im

Pelo Conselheiro Mama Francisco Corrm

A admiração mais completa, o respeito mais profundo aadoração mais intima, eis o que sente o homem quando, reco-«acto no sanctuano da consciência, ou concentrado nas pro-undezas do raciocínio, contempla absorto as obras maravilho-ws daquella suprema autoridade que povoou o céo dos mun-os lnnume iS| qiu. ^ eQj perpetua iminutab.)idade ^TO traçada pela mão omnipotento do Creador.strellas, soes, planetas, marchão com seguro passo porntios sempre desembaraçados, onde não ha receio nem de

% os aquilões raivosos dobrem os madeiros da margem, nemque as torrentes impetuosas separem e despenhem das alturas* montanhas as terras movediças.

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CONFERÊNCIAS POPULARES24

N'essa immensa grandeza tudo é ordem e harmonia; e sua

silenciosa e imponente magestade ao mes.no tempo exalta e

confunde. Confunde o átomo, que ás vezes desvairado e insano

não quer ver o sol que rutila por sobre o sol que allumia. Exalta

o homem que, em sua microscópica eminência, pôde conhecer

e apreciar todas essas maravilhas.Mas eu me vou desusando e deixando arrebatar para as

regiões mais inaccessiveis do entendimento.

Não trouxe o propósito de excitar vosso fervente enthusias-

mo diante de obras de tanto esplendor ; e se proferi estas pa-

lavras foi para mostrar quanto ha de sorprendente nVssa mal-

teraveí sabedoria, que conserva e conservará sempre com o

mesmo brilho da primitiva creação os astros luzentes que pre-

sidirão ao nascimento da primeira geração e hão dc assistir ao

funeral da ultima.Sabedoria é essa tão superior a todos os cálculos, que nem

á mais fogosa imaginação é licito demarcar-lhe os limites por

mais que queira estender seu vôo pelo mar incommensuravel

da fantasia,Se na composição do universo são deslumbrantes os raios

da divina magestade, não os achamos menos pasmosos quan-do, respigando em campo mais próprio para nossas explora-

ções, estudamos a nós mesmos.O homem, enigma a seus próprios olhos, procura em vão

os títulos em virtude dos quaes é elle o rei da terra, e apenas

pôde agradecer os motivos pelos quaes lhe toi dada a supre-

macia.Mas elle comprehende e sente que a seu serviço estão pos-

tos os mineraes, os vegetaes, e ainda os outros animaes queelle domestica, avassalla ou persegue.

Porque lhe não são adversos os mares'? Porque ha de elle,

único dos animaes que nao tem sua morada nos abysmos do

oceano, atravessal-o rápido, e percorrel-o em todas as direc-

ções? Porque, não contente de fazel-o supportar os mastaréosaltivos de suas náos e de suas galeras, busca insaciável dis-

putar ao gelo a pequena conquista das frias regiões dos pólos!

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RIQUEZA 1NTELLECTUAL 25

Porque lhe nao servem de obstáculo as elevadíssimas mon-tanhas que segredão com as nuvens os mysterios da creação lElle as transpõe ; e, se é mui persistente o embaraço que offe-recém, o homem as perfura.

Porque só elle, entre os animaes terrestres, não ha desentir detidos os passos ante os rios caudalosos! Elle os

percorre em barcos ligeiros, quando nào caminha ovante sobre

pontes que se íirmão no fundo dos mesmos rios, ou quando,como no Tâmisa, nào zomba do peso enorme de suas águas, eem arrojado tunnel não passa nas azas do vapor para amargem opposta.

Diante de seu esforço curvào-se as arvores seculares, rom-

pe-se a consistência dos rochedos ; seu tiro certeiro abate asaves que se equilibrào nas alturas, e faz cahir inanimada afera bravia das matlas ; as malhas de suas redes trazem sus-

pensos os povoadores dos mares para os quaes não é perigo arevolta das ondas.

Porque foi assim constituído o homem arbitro da naturezaterrestre? Ah! senhores, curvemo-nos ainda ante o poderinfinito, pois que para tamanha predilecção não se descobreoutra razão alem da impenetrável vontade do Altíssimo.

Para preenchimento de seu destino percebe o homem queseu ser é completo.

Quão admirável é a sua organisaçâo ! Como todas as

partes de seu corpo estão bem dispostas, como se harmonisãoe se completão para que elle possa mover-se, deliberar, lutare vencer! Ah ! não estrague elle as molas engenhosas sobre

que gira!g—tm*

Mas, perguntar-me-heis, a que vêm essas observações

quando nos convidastes para ouvir-vos sobre assumpto tãolimitado qual o da riqueza intellectual'?

Attendei e julgai.No desenvolvimento em que vou entrar do promettido

assumpto, haveis de reconhecer como tudo está sabiamentecombinado para conseguimento do destino do homem, pararealização dos fins providenciaes da humanidade. ;

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26 ' CONFERÊNCIAS POPULARESM|| -i.jj •> »__h_hihp wiipi.iii wwiiip.i'i> „

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Meu empenho será demonstrar que a mesma superior har-

monia que nos commove em presença das grandes obras da

natureza, que notamos na organisação do homem, não é alte-

rada em pontos de manifesta inferioridade relativa.

Sempre a mesma sabedoria, a mesma previdência, a

mesma inflexível exactidão, os mesmos inabaláveis desígnios.

Parte integrante da humanidade, o homem tem de tra-

balhar para o bem da grande família humana; é elle o ope-

rario da civilisação.Se tem de cuidar em si para libertar-se de dous flagellos,

a miséria e o embrutecimento, tem de attender á harmonia do

todo para escorar os dous poderosos esteios da humanidade,¦ a virtude e o saber. Diversos fins, meios diversos.

Dahi as assignaladas diferenças entre a riqueza material

e a intellectual.A riqueza material é para o homem ; a riqueza intel-

lectual é para a humanidade.A riqueza material o homem a adquire e consome ; a in-

tellectual o homem adquire e não consome.

Os herdeiros da riqueza material são os filhos , os da

riqueza intellectual não somente os filhos, mas todos os

homens.A riqueza material partilha-se entre poucos herdeiros ; a

riqueza intellectual, derramada pela imprensa, conserva-seindivisa para patrimônio commum da humanidade.

Quantas salientes distineções, e como ellas estão indicando

o papel diííerente que a cada uma compete, desenhando-se

sempre a mesma extraordinária previdência que tudo acau-

télou!O frueto do trabalho material não pode ser commum ; por-

que, se o fora, o resultado seria a geral inércia. A ninguémconviria ser produetor; quererião todos ser consumidores.D'ahi a desordem, o desequilíbrio, o anniquilamento.

O frueto do trabalho intellectual é um beneficio geral =

todos podem d'elle aproveitar-se, e, aproveitando-o, nem porisso diminue a somma de riqueza d'aquelle que o produz.

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RIQUEZA INTELECTUAL 27

É que todos os que estão na altura de trabalhar paraconsecução dos destinos humanos devem deixar recolhidos oselementos para que outros em idênticas circumstancias, seja

qual fôr sua patna ou sua família, os ampliem e desenvolvão,

lançando cada século uma pedra no edifício monumental dacivilisação.

Pretendeu um dia o homem erguer nas margens do Eu-

phrates uma torre que fosse disputar ao céo o conhecimentodo espaço. Louca tentativa que a confusão das linguas fezabortar cm Babel. Se pudesse haver meio de construcção

para elevar o homem ao céo, esso meio seria o de levantar atorre invisível das idéas eom uma escada mysteriosa e impai-

pavel como a de Jaeob, cujos degráos se formassem com os

produetos intellectUaes accutmtlaâos pelos séculos que se fos-sem sumindo na escuridão dos tempos. Só assim, a ser

possivel, terminaria o supplicio de Promefheu, eternamenteac-rilhoado ao Caucaso com as renascentes entranhas sempredevoradas pelo abutiv vingador do ousado commettimento dearrebatar ao céo o fogo divino. t

A riqueza intelleetual não se perde. A riqueza matériaestá sujeita a todos os riscos da incapacidade, da má íé, dosaccidentes naturaes.

Diz-se com razão que o saber não occupã lugar; d'elle

goza-se tranquillamente. A riqueza mattM*ial inquieta, sobre--** i.

salta, e ás vezes gera o crime. K que a riqueza intelleetualestá dentro om nós, e não pôde ser arrancada, e a riquezamaterial consiste em objectos estranhos que podem ser ar-rebatados. Conta-se do um illustre príncipe que, perseguidopelos vai-vens da política, encontrou no thesouro do sua intel-ligencia os recursos de que necessitava om terra estranha.

A riqueza intelleetual, quanto maior o mais esplendida, selança os raios mais scmtülantes, não embaraça o modestocultor das letras.

A grande riqueza material, iman attrahente de torça pro-digiosa, cresce como os grandes rios, absorvendo as águas dos

pequenos regatos.

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28 CONFERÊNCIAS POPULARES

Ainda uma ultima notável differença.A riqueza material, se favorece o desenvolvimento da in-

tellectual, não pode produzil-a. O millionario pôde viver eer-

cado das mais luxuosas livrarias, deleitar a vista com livros

raros de custosa encadernação ; mas sua intelligencia não daráum passo sem força própria.

O deposito das riquezas materiaes são pesadas massas de

ferro preparadas para resistir aos estragos do fogo, e que seoceultão no ponto mais seguro de grandes habitações. O dc-

posito das riquezas intellectuaes são as bibliothecas, que seostentão aos olhos de todos sem provocar cobiça ; que pedemeinstão para que as freqüentem, para que aproveitem seus

thesouros. A um livro suecede-se outro, e todos na mais

plácida união pedem que os folheiem, sem nunca reclamaremrepouso, sem nunca exigirem recompensa.

Multiplicai as bibliothecas ; fazei com que ellas appareçãoainda nas povoações mais remotas: eis o brado ingente queos pensadores do século dirigem incessantemente aos povos eaos governos. A despeza é pequena: uma sala, um biblio-thecario, luz, pois que são mais benéficas as que tambem seabrem á noite.

Junte-se ao livro o jornal, e muitos dos que hoje consomemingratamente tempo precioso correrão para o lugar serenoonde podem simultaneamente instruir e deleitar o espirito.

Radique-se no paiz o habito profícuo da leitura; procurem-se cautelosamente os livros úteis; e antes do século que pediaLeibnitz para, por meio da instrucção, mudar a face do mun-do, terá sensivelmente melhorado a situação de nossa pátria.

Sendo tão proveitosas as bibliothecas, essas exposições dariqueza intellectual, como pôde o homem lançar mão sacrilegasobre o grande empório da sciencia antiga, a famosa biblio-theca de Alexandria, fundada por Ptolomeu Philadelpho, quechegou a reunir 700,000 manuscriptos ? Tambem as recorda-ções da posteridade ferem com justa condemnaçâo essa fati-dica sentença de Ornar, executada por seu terrível lugar-te-nente Amrou, que, apezar de sua brutalidade, não ousou to-

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RIQUEZA INTELLECTUAL 29

mar sobre si tamanha responsabilidade; fatídica sentença quefez consumir pelas chammas ifum momento o fructo pacientede longos séculos de fadiga. As labaredas cTesse, o mais des-truidor dos incêndios, lanção ainda, luz sinistra sobre uma pa-o-ina luctuosa da historia, sem que seu hujuhre clarão servisseo

ao menos, como pretendia o arrogante califa, para allumiar ocaminho pnr onde devessem passar triumphantes as doutrinasdopropheta, empenhadas na conquista dn mundo.

Quo atrocidade! Novo Herodes, decretou Ornar a degolla-

çâo dos irmoeêntes. Caligula, Nôro? Híliogobalõ, fizerão mon-toes de victimas humanas; Ornar enfeixou, em suas mais es-plendidas rhaniíestaçoes, todos os gênios sublimes até entãoconhecidos, e os suppliciou n'esse medonho auto de fé que foia grande hecatombe das robustas intelligencias da antigüidade.

Deus, porém, não eonsentio que se apagassem todos os lu-zeiros das remotas eras. Da sanha islanuta escaparão algumasvictimas illustros. Outras, embora com dolorosas mutilações,vierão ainda illuminar o mundo moderno.

Se as que se puderiío salvar contribuirão tanto para o re-nascimento das letras, quanto não teríamos avançado se mui-tos dos manusciiptos, que servirão para aquecer os banhos lu-bricos da cidade egypeia, tivessem podido atravessar asidades!

Felizmente nos tempos que correm não tia que receiar sce-nas de tamanho vandalismo. João Guttemberg vingou nobre-mente as gloriosas victimas do califa sarraceno.

Podemos empenhar-nos sem temor na fundação de biblio-thecas; e quando ellas abundarem no Brazil, e se contarempor milhares as escolas e os cursos nocturnos, e por dezenasas academias eas universidades, representaremos na republicadas letras o brilhante papel d'aquelles que accumulão a nque-za mtelleciual. Que contraste então com o tempo presente !

Sei quaes asdiíliculdades com que, ao constituir-nos naçãoindenondente, tivemos de lutar, á vista dos obstáculos oppos-tos pelo governo da metrópole á disseminação das luzes nacolônia ; e reconheço que se depois não temos feito mais na

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30 CONFERÊNCIAS POPULARES

applicação dos remédios convenientes, é porque não conhe-

ciamos o mal em toda a extensão.Hoje, porém, estão dissipadas as trevas. Os recentes tra-

balhos estatisticos descarnão a triste situação em que se acha

em nosso paiz a riqueza intellectual.Sem querer cansar vossa benevola attenção com a repeti-

ção fastidiosa de algarismos, peço entretanto licença paraapresentar ligeiramente os dados que sobre tão interessante

ponto estão colligidos. Poucos são, mas bastão.

No municipio da corte o total da população livre c de

926,033 pessoas, das quaes sabem ler 99,156, e vivem em

completa ignorância 126,877. Ha o excesso de 27,721 anal-

phabetos.A população escolar eleva-se a 41,514 crianças, das quaes

somente vão á escola 10,056, e deixão de frequental-a31,468, havendo em detrimento da instrucção o contristadoraccrescimo de 21,422.

Não posso repetir sem um sentimento especial, facilmenteexplicável, os dados que se referem á provincia do Paraná,minha provincia natal, por cujo engrandecimento faço osmais ardentes e constantes votos, e a cuja prosperidade con-sagro os meus fracos esforços.

Alli a população livre eleva-se a 116,162. Sabem ler33,816. São analphabetos 84,346. A diflerença contra ainstrucção é de 50,530.

A população escolar é de 24.852. Frequentao as escolas4,424. Não frequentao 20,428. E desoladora a diiferença de16,004 em favor da ignorância.

Na provincia de Santa Catharina, sobre uma populaçãolivre de 141,818 pessoas, sabem ler somente 21,92(5. Ha,contra a instrucção o deplorável excesso de 100,96(1, pois quevivem sepultadas na ignorância 122,892.

A população escolar é de 36,363 crianças, das quaes só-mente vão á escola 5,214. Deixão de ir 31,149. A diflerençade 25,935 entre um e outro numero 6 bem pouco lisongeirapara a causa da instrucção,

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RIQUEZA INTELLECTCAL 31

A provincia do Rio-Grande do Norte, a ultima de quetemos dados completos, não apresenta aspecto mais ani-'mador.

A população livre sobe a 220,959; Adquirirão a instrucçãoprimaria 39,822, Mão sabem ler 181,137. Differença 141,315 !

Na população escolar o mesmo lastimável desequilíbrio. Ototal é de 43,220. A matricula nas escolas só comprehende4,701. Não se matricularão 38,519. Differença 33,818 !

Deduzido no total da população que não sabe ler nem es-crever o numero de crianças de tenra idade, que não podemfreqüentar as escolas, ainda assim não é possível desconhecero atrazo em que nos achamos, e que mais se manifesta quandose comparão os algarismos relativos à população escolar. Ahinão ha desconto algum a fazer, e a desproporção entre osmeninos que frequentão as escolas e os que não as frequentãoprovoca os mais solicites cuidados do governo geral e dos pro-vinciaes para esta magna questão social. Estarião mui longede comprehender a importância e responsabilidade de seuscargos os administradoras públicos que, depois das revelaçõesda estatística, não considerassem entre os primeiros, senão oprimeiro de seus devem, o de fazer cessar tão lastimoso es-tado de cousas.

Quando sabemos quanto em outros Estados cultos estágenerahsado o ensino primário, não podemos fazer sem dôra comparação com o nosso paiz. Como são raros lá os quenão frequentão as escolas ! Como são raros aqui os (jue asfrequentão ! Que esperanças podemos nutrir de caminhar de-sembaraçadamente para o futuro se não tiver extraordinárioincremento a distribuição do ensino elementar.

Não são poucos os que entre nós considerão a instrucçãoprimaria isolada como cousa de medíocre valia. Entendem queuesue que não se tem de cursar as aulas secundarias e as su-periores inútil é perder tempo na freqüência das escolas pri-roarias. Deplorável erro que nunca combateremos assás.& por isso que pode dizer-se grande o numero dos que fre-

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32 CONFERÊNCIAS POPULARES

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quentão as nossas aulas secundarias e cursos superiores, com-

parando-o com o dos que se matriculão nas aulas primarias.Empenhemo-nos todos em modificar profundamente uma

situação que não pôde manter-se sem alguma quebra na digni-

dade de nossa pátria. E vós o alcançareis, senhores, se fôr

essa a vossa firme resolução.Para exacta apreciação de meu pensamento devo uma ex-

plicação.O que tenho dito poderia induzir-vos ao erro de suppôr que

não dou o devido apreço á riqueza material.

Para remover de vosso espirito essa supposição, bastaria a

consideração decisiva de que uma nação pobre não pode ser

verdadeiramente grande ; e eu ambiciono para o Brazil tudo

o que contribue para dar-lhe politicamente a grandeza com

que no mundo physico o dotou a Providencia. Quero-o forte e

poderoso, não para calcar o direito, mas para ser respeitadono exterior, e poder, á sombra da paz, cuidar tranquillamenteno interior dos melhoramentos complexos que constituem afelicidade publica.

Não posso combater a riqueza material desde que, na pro-porção d'ella, arrecadão-se os impostos.

É com o produeto dos impostos que se erguem os templosem que o homem prostra-se diante do Creador, e que semantêm os exércitos e as esquadras que defendem e garan-tem a segurança do território nacional.

É com o produeto dos impostos que se construem essesmuseus, essas universidades, essas academias, essas escolas,

que são os grandes focos de luz que esclarecem o povo.É com o produeto dos impostos que abrem-se canaes e fa-

zem-se estradas que, facilitando aspermutas, excitão o homemao trabalho.

Não é possivel condemnar a riqueza material sem lavrarsentença de immobilidade para o desenvolvimento nacional. O

que convém proscrever do modo mais vivo e enérgico são os

meios ignóbeis de adquiril- a,

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RIQUEZA INTELLFCTUAL 33

Lemos, é verdade, no capitulo XIX do Evangelho deS. Matheus, que é difficil entrar o rico no reino dos céos.Diflicil, de certo, quando a riqueza gera o orgulho no espirito,a sobranceria no animo, a dureza no coração.

Esse rico, para quem dificilmente se abriráõ as portas docéo, é o avarento, alma estéril, que não se apraz senão diantedo ouro que aferrolha ; é sobretudo esse taciturno e sombriousurario, alma enregelada, que exhaure as presas que cahemsob suas garras vorazes; reduz á miséria famílias inteiras, semque lhe estremeça a consciência ; e atira sem compaixão nasruas da amargura as victimas de sua insaciável cobiça.

Não é assim, tratando-se do rico que accumulou capitãescom o esforço constante do mais honesto trabalho, nem doque os herdou de pais que limpamente os adquirirão, quandoestão sempre dispostos a empregal-os em proveito da pátria,que é a mãi commum, ou em suavisar as magoas dos infelizesem quem a sorte adversa não mirrou as flores d'alma, e soe-correr os míseros enfermos que, prostrados no leito da dor,não podem pedir ao suor do rosto o pão quotidiano.

Vede Peabody, esse honrado banqueiro bafejado pela fbr-tuna, que consumio grande parte de seus avultados cabedaesem dotar a pátria de muitos melhoramentos, levantando mo-numentos á instrucção popular, e habilitando-os com o patri-monio necessário para a sua manutenção. Podemos condem-nar a riqueza que produzio tão benéficos fruetos .

Para as almas d'esses beneméritos da humanidade muitodevemos confiar nos dons inexhauriveis da misericórdia divina.

Accumulemos a maior somma possível da verdadeira ri-queza intellectual; reunamos a riqueza material que puderser honradamente alcançada ; e preparemos nosso paiz para abrilhante jornada do vigésimo século.

Esse século, que tão próximo está, tem de representar omais importante papel para os destinos futuros da humanida-de, a julgarmos pelos trabalhos preparatórios do século actual,agitando, em busca de solução, as mais complicadas questõesde organisácão politica, social e theocratica,

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CONFERÊNCIAS POPULARES3 ~z=zz:—=~~

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As machina* aperfeiçoadas, o vapor, o telegrapho eleetri-

c„, i^Uall extraordinário movimento, e as rdeas es-

pantosa velocidade. .r, • '^M recessos que abalão uma parte do mun-Os importantes successos,q ^

a* vonprrutem sem demora nos pomub mado, repercutem interesse em todo o seulogo apreciados em todo o seu interesse,

calor. ,Está dado o primeiro passo para a fratemisação dos povos,

pia, ÍodiLaÇões têm de soffrer as re.aifoes mternacio-

STo. acontecimentos seguem nma lógica inexorável.

Nem P6de ser de outra sorte desde que elementos novos .

de elfeitos os mais transcendentes, entrão na composição da

¦l*ti começar. Os resultados de sua acção benéfica nuo

se farão esperar.Aproveitemos sem descanso o tempo que veloz corre ; se

esban armos esse precioso capital, que não volta o seeu.o vm-

dou" pôde sorprender-nos nos mofies braços da indolência

Recuaremos, e os povos que recuão, caro pagão sna pusd a-

mmidade. Ficão atrazados no caminho, abatidos, cabisbaixos.

Nem ousão fitar o sol que desponta.

Não, essa não ha de ser a nossa sorte. Os brazileiros sa-

bemos que não é licito morrer para a pátria pela mdifferença;

que para o serviço do Estado o cidadão só perece quando a

luz se lhe apaga nos olhos, quando a lagem fria cobre-lhe o

sepulchro.A As resoluções varonis, que nestes últimos tempos o Brazil

tem tomado com a mais perfeita seguridade e a mais robusta

fé, alentão-me as esperanças risonhas, não me deixão fraquear

o animo envolto em preoecupações do bem publico.

Tenho confiança em meus concidadãos, em sua energia, em

sua virilidade, e, apoiado n'essa confiança, busco nas visões de

meu espirito devassar por entre as nevoas do porvir a sorte

reservada á minha pátria no próximo século; e capacito-me

de que, pelo indefesso trabalho de seus filhos, o Brazil ha

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RIQUEZA 1NTELLECTUAL 35

de então sentar-se entre as mais prosperas e respeitadasnações.

Porfiemos; e Deus que, do alto do firrnamento, vela sobrea sorte da humanidade, coroará com suas apetecidas bênçãosos nossos patrióticos esforços.

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DAUTE __1ISSIS?J E LUÍS DE CAMÕES

CONFERÊNCIA EM 4 DE OUTUBRO DE 187.

Pelo Conselheiro /. ü/. Pereira da Silva.

Senhor, minhas senhoras e senhores.—Havião apenas de-corrido alguns séculos, e já o Império Romano desapparecêra.

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3g . CONFERÊNCIAS POPULARES«n»

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Constantino, transferindo a capital dos seus Estados para Cons-

tantinopla, deixara Ruma subordinada comoproveraexpôs a

ás invasões de hordas barbaras sahidas do Norte, e que ja

ameaçavão de ha muito a bella terra de ltaha.

Os bárbaros forão derribando o domínio romano na Ger-

mania, na Gallia, nas Hespanhas, na Itália, e sobre rumas e

destroços plantando novas sociedades e governos, indepen-

dentes da acção do César de Bysancio. As trevas começavão

a cobrir o mundo occidental; os restos de sciencias e letras

encontrava» apenas abrigo nos conventos. Ainda que Carlos

Magno instituisse o Pontificado como po** civil para Roma

e alguns Estados italianos, guardando para si o titulo hono-

rifico de rei a civilisação romana se sumira nas desgraças

repetidas qne alli cansarão os Atilas, Gensericos, e outros

chefes do Norte. Nova éra começava no meio da escuridão;

a theologia se apoderara de todos os conhecimentos humanos,

sciencias e letras abafárão-se sob a escolastica.

Novos Estados se tinhão creado pelo mundo occidental,

barbarisados todos pelas invasões e influencia dos homens do

Norte, que emigrando de longiquos paizes, fundavão ahi seus

novos estabelecimentos.Forão os árabes os verdadeiros successores dos romanos

nas letras, nas sciencias e nas artes. Levantaia-se na Asia

esta nova raça, imbuida de crenças religiosas inspiradas pelo

propheta Mahomet. De Bagdad e Damasco, estendera-se

pelo Egypto, a África do Mediterrâneo, d'ahi se passara para

Hespanha, e ousara penetrar na França até Lyon e o rio

Loire. Mas Carlos Martel os fez recuar para os Pyreneos,

e salvou assim sua pátria do jugo musulmão.

Os soberanos árabes desenvolverão, propagarão o cultivo

das letras, sciencias e artes, e tornarão o seu povo o mais

civilisado do mundo durante quatro a cinco séculos. Os

árabes inventarão a pólvora, o papel, a bússola, e outros pro-

duetos; innumeras universidades, escolas, bibliothecas se

espalharão pelos seus domínios»

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POESIA ÉPICA

De Hespanha partiu o movimento para a França Meri-dional, Sicilia e Itália.

Tal era a situação da Europa, quando nasceu Dante

Ali(Thieri, no anno de 1266, na cidade de Florença. Itália

retalhada, estava em vários Estados com o titulo de republicas

uns e outros sujeitos ao absolutismo de príncipes. Pesavão

sobre Itália duas influencias riváes, pretendendo ambas o

exelüsivismo do poder, o papa, e o imperador germânico.Os Estados italianos dividiao-se, uns subordinados ao

pontífice romano, o outros ao império Allemão.

Dante unio^-se ao partido guelfo, que era o do papa. Foi

guerreiro, á^pareeeu com brilho em vários combates. Foi diplo-

mata, mostrou-se hábil om negociações variadas. Foi um

dos magistrados supremos de Florença, e desenvolveu tino

administrativo o político.Infelizmente no próprio partido guelfo de Florença appa-

recêrão dissensoes. Dividio-se em dous grupos, brancos e ne-

gros. Dante sustentava os brancos; o papa protegia os ne-

grós, c mandou ir cm sou soecorro a Florença o principe fran-

eez (lírios de Valois com força militar. Dante foi apeado do

poder, condemhado a. desterro, e á morte quando se encon-

trasse' em território da Republica, seus bens confiscados, seu

nome riscado dos livros dos cidadãos e magistrados de Flo-

rença.Isto suecedeu no anno de 1300.

Éil-o, pois, proscripto, mendigando asylo na Itália Sep-

tentrional: eil-o, pois, obrigado, na sua phrase enérgica, a

provar quanto é duro o pão do desterro, e quão diffiçil subir

e descer escadas alheias !De caracter orgulhoso, de espirito violento, de gênio iras-

eivei, e basta olhar para o retrato que dVlle possuímos para,nos traços, nas linhas da physionomia, no scintillar dos olhos,

reconhecer-se-lhe essas qualidades. Cante tratou logo de vin-

gar-se. Mudou de partido. De guelfo tornou-se gibelino. De

adherente á influencia e poderio cios papas, converteu-se em

sectário do imperador da Allomanha. Entrou em combates

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40 CONFERÊNCIAS POPULARES

contra seus antigos amigos; foi, todavia, desgraçado; não

conseguio derrotal-os.Vagou muito tempo pela Itália do Norte; veio até Pariz,

e sustentou brilhante e victoriosamente theses theologicas con-

tra os doutores mais afamados da Sorbonna. Regressando á

Itália, corria Turim; Milão, Mantua, Verona, Pavia e lVIode-

na, nada o satisfazia, desterrado como se achava da pátria,

para a qual constantemente dirigia seus olhares saudosos.Já que não podia vingar-se pelas armas, resolveu vingar-

se pelas letras. Imaginou escrever e publicar um poema, quefosse o seu grito de guerra, o instrumento de vingança contraseus inimigos e perseguidores.

Mas em que lingua o deveria redigir! Aqui appareceu-lhe a primeira duvida. A latina era a única ainda usada eempregada ofíieial, litteraria e sçientificamente.não só na Ita-lia, como na Europa. O latim fora o idioma empregado pelospadres da igreja desde a morte de Je sus- Christo ; tornára-seuniversal na Europa, que sendo toda christã, via em seus ri-tos, rezas, orações, a lingua latina como a única civilisada.

Entretanto os povos íállavão já outros idiomas, formadossobre o latim e os dos bárbaros dò Norte, approximando-semais uns d'estes e outros d'aquelle. Na própria Itália vários

< erão os dialectós, em França dous mais geraes, o provençal eo wallon ; nas Hespanhas o catalão, o castelhano, o gallego?e vasconso, além do árabe para a raça asiática ainda alli do-minadora de vastos territórios ; além dos que mais puros se'.,.... ->.

conservavao entre os germanos e outras nações da Europa.A lingua provençal fora a primeira moderna litteraria, pela

visinhança dos árabes, que lhe communicavão suas scienciase conhecimentos. Havia poetas, romancistas, chronistas, e ostrovadores da Langue d'Oc se tinhão celebrisado pelo mundo.

A denominada hoje italiana, começada na corte da Sicilia,com o titulo de csrtezã, era differente da lingua empregadaem geral pelo povo. Da Sicilia passara para vários Estadosda Itália, e particularmente para Florença, onde era geral-mente fallada. Tinha seus poetas ligeiros, amorosos, elegíacos,

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POESIA ÉPICA, 4\

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descriptivos, satyricos, cujos cantares se guardavfio tradicio-nalinente. Mas monuinento serio, litterario nem um possuia,porque o idioma latino era o preferido pelos sábios e litteratos,que entendião que era elle a língua geralmente conhecida eque única poderia transmittir obras á posteridade.

Dante meditou escrever o seu poema em latim, e começoua escrevel-o nesta lingua. Mas depois, pensando melhor,disse eomsigo : •• quero que o povo todo de Itália me entenda,e não os ânimos cultos somente. « Rèdigio-ò, portanto, nalingua italiana. E assim o poema de Dante, o primeiro poemade importância eseripto em idioma moderno, e ria lingua ita~liana. Foi o creador da lingua como litteratura, e adaptou-aa. obras de fôlego e futuro.

Denominou-o comedia, porque, diz elle, a comedia prin-cipia por desgraças e acaba em felicidades. O seu poema co-meçava pelo inferno, referia o purgatório e terminava no céo.

Foi povo que, admirando-o e repetindo-lhe as estrophes

por toda a parte, cha!nou-o~"6'o;)/^//a Divina. Foi este titulohonroso que sariccionpu-o a posteridade.

É a Divina Comedia um poema épico, na intelligencia quedamos a este gênero de poesia'(

Primeiro ponto, que desejo tratarPara mim nenhuma duvida ha que o é, e verdadeira

epopéa. DilTere, é verdade, na formula, que é rimada e nãosolta, como as obras de Virgílio e Homero, mas porque osárabes que tinbào creado a rima para tornar o verso maisharmonioso e musical a tinhão cominunicado á lingua pro-vençal, á italiana, ás hespanholas e á wallon. Differe, ainda,na serie de episódios variados e multiplices, seguidos uns apósoutros. Differe mais na admissão de todos os gêneros de

poesia, empregando ora o lyrieo, ora o satyrico, ora o ele-

giaco, ora mesmo o trágico. Mas a Divina Comedia compre-hende todas as condições da epopéa.

É um poema grandioso no fundo, descreve não só um,.

mas vários factos históricos, emprega o maravilhoso com sin-

guiar descripção, sustenta o interesse e tem unidade de acção6

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42 CONFERÊNCIAS POPULARES,»iii ¦>"»'¦ i*»» m*

e de pensamento. A acção é uma viagem do poeta pelo in-

ferno purgatório e para.se, cheia de peripécias e perigo»

„ue desperta» a attenção e commôvem o leitor. O pensamento

é a pintura da Itália com todos os seus homens, costumes,

usos crenças, legendas, tradições, historia, lutas ovis e es-

tran as, e paixões exaltadas. A Divina Comedia e um estudo

encyclopedico da sua época, e dispõe da mudado na mune,,-

sidàde do próprio assumpto. Que mais requisitos exige a

epopéa? A divergência entre elle e os outros poetas consiste

na diversidade dos caracteres dos autores, na differença dos

objectos que celebrão e cántâo.

Antes tfelle não merecião o titulo de poemas épicos, posto

que tenhão seu merecimento, os romances rimados dos árabes

e provençaes, nem a obra dos mebelungens, em lingua tento-

nica cantando as victorias de Atila rei dos hunos contra os

burgonbezes, nem os cantores de rei Arthur na língua wailon.

O que é certo, é que á proporção que Dante foi escrevendo

seu poema ia dando cópias de cantos, e estas espalhando-se

pela Itália, lidas por todo o povo, tornarão o poema populans-

simo. Dante era apontado nas ruas de Verona quando pas-

sava, e conta-se que uma vez em um grupo de mulheres

pobres do povo disse uma : - Aquelle homem vai ao inferno

quando quer e volta quando lhe parece. - E as outras respon-

dêrão: « Deve ser verdade, porque seus cabellos e barbas estão

chamuscados de fogo. » [Hilandade prolongada no aua}-

torio)O effeito que a Divina Comedia produzio em Itália, e na

própria Florença foi tão poderoso, que o povo fugia de tres

magistrados que Dante col.locára no inferno, dizendo que jaestavão mortos, e condemnados ás penas eternas, posto que

seus corpos existissem ainda em Florença, e só se mostrayão

vivos porque erão animados pelo demônio. [Risadas ) Admi-

ravel é ainda mais que os próprios tres magistrados, inimigos

de Dante, e que o havião condemnado a desterro, quasi que

se convencerão de que era possível ser verdade o que annun-

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POESIA ÉPICA 43

ciava o poeta, c tremião de si próprios. {Continua a hiíari-dade.)

Estremecerão se os ânimos dos florentinos de modo quer§voprão as sentenças contra Dante. e permittirâo-lhe a voltapara sua pátria, com a cláusula, porém, de pagar uma multa

pecuniária, porá o que ficava habilitado, com a restituição deseus bens e propriedades- confiscadas,

Mas Dante nào sabia humilhar-se. Proclamou qne voltaria

para Florença declarado tnnocente, e que pagar uma multaeqüivalia a confessar-se culpado. Preferio vagar ainda emdesterro, e morreu por fim em 132!, em Ravena, onde foienterrado, e se conservão ainda seus ossos, apezar de instantesrecla.nia.coes do Florença para conseguil-os.

Apreciemos agora este poema extraordinário, singularoriginal, profundo, digno do toda a nossa admiração. Não ofaremos minuciosamente, porque serião precisas muitas con-ferencias, tantas sao as faces porque se o pode encarar, masem traços largos, geraes, tanto quanto se possa comprehen-del-o no seu todo. Dante aproveitou todas as crenças, esuperstições populares religiosas do seu tempo, da theologiaescolastica quo então dominava a intelligencia ; servio-se doscontos e lendas da época para pintar a outra vida do homem,

quando a alma. se destaca da carne e passa á eternidade areceber o premio ou o castigo dos seus feitos na terra.

Dante amara em Florença uma donzélla, que morrera emverdes annos. Chamava-se Beatriz. Parece que exaltado erao amor, e séria a àffeiçãO, toda espiritual, que o poeta lheconsagrava. Colloea-a, pois, no céo, e d'ella recebe o auxilio

para percorrer livremente o inferno, o purgatório e o paraizo,seguido por Virgílio, que Beatriz obtém de Deus seja seu

guia e companheiro.Burila-se a entrada do inferno com versos tão enérgicos,

que todos quantos conhecem o italiano os sabem de cor.Letras de fogo tirão a esperança dos que alli penetrão; nume-rosissimas almas alli expiâo em turbilhão suas culpas e pecca-dos no mundo. A primeira vista é|a dos sábios, Jphilosophos,

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44 CONFERÊNCIAS POPULARES "ffi.

historiadores, artistas, poetas, oradores e vultos celebres da

antigüidade, conhecidos pelos seus serviços e virtudes. Não

softrem penas physicas, mas lamentão se sem cessar de não

terem conhecido a verdadeira luz, a religião christã, sendoassim original o seupeccado. Á frente d'elles marcha Homero,

a quem Dante honra como altíssimo poeta, appellida soberano

gênio, e compara á águia que plaina no espaço mais elevado,

acima de todos os outros companheiros.Descobre-se logo após o sitio em que se punem os pecca-

dores do amor. (Risadas).Quantos no mundo se deixarão arrebatar pelas paixões

amorosas, e esquecerão seus deveres severos, págão alli suasfaltas. Dido, Semiramis, Helena, CÍeopatra, Achiles, e outrosamantes soffrem ao lado de Francisca de Rimini, que o poetaconhecera, casada com Lanceloto, e que o marido assassinara

por descobrir relações intimas com Paulo Malatesti. E esteum dos mais suaves e admirados episódios do poema. As

queixas de Francisca, confessando o amor a que não puderaresistir, arrancão lagrimas ; a poesia de Dante manifestou-se

> esplendida, e n'ella muitos poetas posteriores de todas as na~çoes do mundo têm ido buscar inspirações para dramas, ro-mances e canta tas de Francisca de .Rimini. Uma tempestadefria, gelada, solta no espaço, açouta essas almas dos peccado-res do amor, não os deixando parar e nem descansar na ra-pida carreira, em que sempre estão a girar como castigo dofogo amoroso, que lhes queimara os corações e transviára osespiritos. (Muito bem!)

Passa depois o poeta a pintar os fossos onde se junta o asalmas dos coléricos, dos invejosos, dos heresiarchas, dos per-juros, dos suicidas, dos ambiciosos, dos aváros, dos traidores ápátria e aos amigos, dos calumniadores, dos atheus, e dosinais peccadores, e a cada espécie d'elles reserva condignocastigo.

Aos papas simoniacos e culpados não perdoa, e vários dossunimos pontifices soffrem penas no inferno pelos seus crimese peccados na terra. Ao clero corrompido distribue castigos

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POESIA ÉPICA 45

horrorosos, nomeando de uns e outros os nomes, muitos con-A ¦ *

temporaneos, sem o menor receio de compromettimento. Aosladrões annexa serpentes sibillantes, que se lhes agarrão aoscorpos, e que assim ligados, as serpentes se vão convertendo

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em homens, e os homens em serpentes, trocando-se as figurasa cada instante (Muito bem! Ilícito bem!) Aos assassinos etyrannos, mergulhados em lagos de sangue ardente, arrancagritos de dôr, que horrorisão.

Entre elles lá está o bispo de Pizza, Ruggieri, que Danteconhecera, e que apanhando em combate o conde Ugolinocom seus seis filhos, os encerrara em uma torre, e os mataratodos á fome.

Este episódio faz estremecer pela energia das phrases, pelograndioso do pensamento. Um pai que vê morrer um a um e áfome os filhos, sem lhes poder valer, e que após fenece igual-mente, torna-se, de certo, assumpto de um horrível sublime,tratado por um gênio exaltado e esplendido como o de Dante,

que colloca no inferno o conde Ugolino agarrado ao hispo, e amorder-lhe o eraneo com os dentes enraivecido. (Sensação.)

Já declarei que não podia senão esboçar em traços ligeirosos admiráveis episódios da Divina Comedia, que aliás se pres-tárão logo ao principio, a commentarios dos próprios contem-

poraneos. Apenas morrera I ante, dous professores forãonomeados, um em Milão e outro em Florença, para explicarseu poema, onde as allusões, o sentido, a intenção se mos.

travão mais obscuras. Lembrarei ainda como primores da

poesia as historias de Farinata, chefe dos gibelmos de Fio-rença, de Bruneto Latino, mestre de Dante, de Bruoso e deBruneleschi. Não se queixem, portanto, os meus auditores,se procuro ser conciso, correr rápido sobre particulares, eoccupar-me só com observações largas. Do inferno passaDante ao purgatório. Aqui punem-se coma no inferno os cul-

pados e peccadores, não com penas eternas, mas temporárias.Criminosos idênticos se encontrão, mas servio-lhes para sai-

vação o arrependimento na vida.Catholico como era Dante, aceitando as tradições da igreja

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46 CONFERÊNCIAS POPULARES

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sobre o inferno, o purgatório e o paraiso, adopta também o

principio de que o arrependimento, sério e efficaz antes da

morte, salva do inferno, e pode levar ao paraiso as almas, de-

pois de expurgadas no purgatório. O império dos mortos, dos

poetas antigos era obscuro, confuso, inintelligivel. O de Dant

que se desenha com âs cores do cathol cismo, é regular, ma-

gestoso, claro, e conforme as idéas e superstições da sua

época.No purgatório quantas almas conhecidas de seus contem-

poraneos! O musico Casella, o poeta provençal Sordello, e

áquelle famoso Manfredo, reida Sècilia, que o papa e os padres

perseguirão, precipitarão do throno, excommungárão, condem-

nárão a não se enterrar quando morto, e cujo cadáver fizerão

arrancar do sepulchro dado pelos fieis contra suas determi-

nações, para exporem aos animaes vorazes e carnívoros, ás

bordas de um rio. Deus, porém, que se não decide pelas sen-

tenças dos que na terra o representai) como cheios de sua

religião; Deus que julga por si e por sua só justiça, desprezou as

excommunhões e condemnou ao purgatório, não ao inferno, o

infeliz Manfredo, provando assim que são sujeitos a paixÕetambém e a injustiças os summos pontífices. [Muito bem i

Muito bem!) Ahi, e nas invectivas que Dante dirige aos

papas pela sua corrupção, adivinha-se Luthero antecipado de

tres séculos, para alçar sobre as superstições o império da

razão, e para reduzir os representantes da igreja a se conten-

tarem com a direeção das consciências, deixando de pretenderao governo temporal da sociedade. [Muito bem ! muito bem /]

Do purgatório transíere-se o poeta para o paraiso. Virgílioretira-se. Beatriz o recebe e conduz á visita do Éden reser-

vado ás virtudes e á felicidade eterna.No meio de inintelligiveis allusões, de questões escolásticas

e theologicas, ouvem-se hymnos primorosos e dedicatórias á

Itália, que o poeta deseja ver unida e não retalhada em Es-

tados, que se combatem constantemente, dilacerada como.se

acha por guerras civis e extranhas, humilhada e atormentada

por tyrannos, e a Florença, particularmente Florença., sua

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POESIA ÉPICA 47

pátria dilecta, que Dante nunca esquece, e a quem lamentan-do, do seu desterro cruel, envia desejos ardentes, votos sin-ceros de venturas e fortunas ! As idéas theologicas do tempo,professadas por S. Bernardo e S. Boaventura, são embelle-zadas pelo poeta, e divimzadas cm seus cânticos.

lal é, minhas senhoras e senhores, esse ooema, o-loria daItália e admiração do mundo. Vasto, enérgico, esplendidomonumento do genio e do saber, grito de vingança de umaalma desesperada e irascivel!

Se se destaca da essência e fórmulas do poema épico, cum-pre todavia as principaes condições da epopéa, e, posto queaceusações graves se tenhâo levantado particularmente a res-peito da obscuridade dos cânticos do paraíso, não são ellasimputav. is senão ás idéas da época, daquelles séculos, XIII eXIV, om que predominava a escolastica dos padres da igreja,em que todas as seiencias devião irella concentrar-se, comosciencia mãi, e tambem á instrucção de Dante, que passavapor profundo theologo, tanto (pie esse titulo de gloria se lhegravou no tuniulo, em Ravena.

Portugal tem a gloria minhas senhoras e senhores, de haverproduzido um grande poeta épico, um dos seis grandes vultosda epopéa: posto que paiz pequeno, de população diminuta, deseis gênios sublimes em poesia, que produzio o mundo antigoe moderno, um foi seu, um foi portuguez, um nasceu emLisboa, Luiz de Camões, no anno de 1524.

De família nobre, ainda que pobre, estava-lhe ás armasreservada a sorte, como era uso do tempo. Começou, todavia,cursando as aulas da universidade de Coimbra, que de Lisboahavia sido ha poucos annos transferida por D. João 111. Poetoulogo no verdor dos annos, não houve divertimento em Coimbra,justa de estudantes, em que Camões não recitasse odes, can-tatas, sonetos, terminados seus estudos, foi para Lisboa, eobteve entrada no paço.

A corte de I). João ili timbrava em esplendor e elegância,posto que já inferior á dos seus últimos antecessores. Portugal

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48 CONFERÊNCIAS POPULARES

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ganhara nomeada e importância na Europa, desde queD. João II na África e D. Manoel com seus descobrimentos

na Asiá, America e África, havião espantado o mundo, que

nunca julgará a nação lusitana capaz e habilitada para tão

portentosas emprezas. A idéa de estender domínios e espalhar

a religião catholica, predominava no animo dos príncipes, in-

citava os nobres, exaltava o povo, e sorria ao clero. Onde se

levantava o pendão das quinas portuguezas, na Ásia, na Afn-

ça e na America, a cruz de Jesus-Christo radiava, apparecendo

ao lado do guerreiro audaz o missionário incumbido da propa-

gação da fé.De um pequeno condado ou feudo se convertera em pe-

queno reino, sob Aflbnso Henriques. Ganhando sobre mouros

terrenos para o sul até encontrar os mares, foi a pouco e poucoformando-se a monarchia. Possessora de uma estreita zona

banhada pelo,oceano, posto que encravada em territórios

alheios, passou á África, devassou-lhe as costas, plantou-lhecolônias. Descobrio depois a Ásia, mundo de riquezas esplen-

didas, de commercio importantíssimo, e ahi se devia fundar o

theatro dos feitos heróicos de guerreiros e navegantes portu-

guezes. E eil-aque, por um acaso, encontra e domina a mais

bella parte da America Meridional, favorecendo-a ainda a for-

tuna, para que a Hespanha-, que se assenhoreára primeiro de

territórios americanos, não fosse a única possuidora d'estas

plagas destinadas á successão da Europa em todos os elementosda civilisaçâo.

Pouco tempo se demorou, comtudo Camões, no serviço ou

exercicio de fidalgo a que se empregara. Posto que admiradoe estimado pelas suas poesias, que por toda a parte se lião,

quasi todas versando sobre amores, que são sempre as inspira-

ções da mocidade, recebeu, de repente, intimação para sahirdo paço e de Lisboa, e conservar-se retirado em Riba-Tejo.

Este incidente teve lugar em 1550.Para o seu desterro, como Camões chamava, partio o

poeta, e alli comparava-se a üvidio, e dava a entender queamores havião sido causa de sua desventura, nos versos que

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POESIA EPTCA 49

compunha e remettia para Lisboa; como nome de Naterciapintava a donzella que dizia haver-lhe captivado o coração, edominado o espirito.

Os biographos curiosos se tem dado a trabalhos insanospara descobrir quem era essa Natercia. Sem minuciar quantasNatercias ou Catharinns, que aquelle nome não passa de um"angramama, a mais provável e fundada opinião é que Camões .se ennamorára de uma dama da corte, chamada Catharina deAthayde. da familia mais nobre e aristocrática, que era essaa Natercia que ello por todos os íeitios cantou e divinisou em"suas poesias, e que o irmão da donzella, D. Antônio de Athay-de, não levando a bem esses amores apaixonados, correspon-didos ou nâo- quem pode saber? nada o prova: mas que po-derião ter conséquenàas desàirosas á. sua casa, obteve d'el-reia ordem para. o afasta mento do poeta, quer da corte, quer

, mesmo de Lisbof!... Certo é que Camões, aborrecido em seu exílio, em Santa-

rem ou qualquer outro lugar de Riba-Tejo, conseguio vêl-opor fim levantado, mas pinico tempo se demorou em Lisboa,e seguio logo para Ceuta, alistado entre os jovens fidalgos,que devião batalhar contra mouros, e habilitar-se no exercidodas armas.

Nào o favorecião somente as musas, inspirando-lhe versosadmiráveis; correspondiao-lhe ao gênio os dotes de valentiae.coragem, e provas deu immediafcamente em Ceuta, tomandoparte em vários combates contra mouros. Ou em um naval,como pensão certos biographos, ou em terra e perto de Ceuta,como acreditão outros, perdeu Êàmões o olho direito, traspas-sado de uma setta, alem de receber varias outras feridas, pou-co graves, em diversas partes do corpo.

Mas não se pôde afazer á vida na Aírica ; voltou em 1552para Lisboa.

Viria requerer prêmios pelos seus feitos de guerra? Nadaconseguio da corte, senão desprezos e desdens. Viria tornar aver aqueila donzella que não pudera esquecer nem no dester-ro, nem nas lides da guerra . É facto verificado que encon-

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trára morta Catharina de Athayde, porque o próprio poeta

escreveu a celebre e ternissima canção, em que lamenta o fa!-

lecimento de Natercia; e porque não se quiz Camões demorar

em Lisboa, e no anno de 1553 seguio para a Índia a procurar

lortuna, ou ventura?Parece que a Providencia Divina protegia o poeta para

não desapparecer do mundo antes de levantar á gloria do seu

paiz e das lettras portuguezas o mais justamente admirado

monumento. De quatro náos que juntas seguirão para a In.

dia, tres forão devoradas pelos mares, a única que se salvou

foi a São Bento, e era ella que levava a seu bordo Luiz de

Camões.Empregou-se em Gôa, no serviço militar, por algum tem-

po. Posto que a titulo de provedor de deíuntos mandado paraMacáo, é tradição razoável que o vice-rei Barreto o desterra-

ra, para deferir a queixas de altos funccionarios que em úma .

satyra de Camões, acerca da corrupção dos costumes na Índia,

se considerarão comprehendidos.Correu a costa da Índia e da China. Estabeleceu-se Ca-

mões em Macáo. Ahi emprehendeu, talvez já anteriormenteimaginado, ahi escreveu o seu poema dos Lusiadas. Mostra-

se ainda uma gruta, onde se diz costumava o poeta isolar-see inspirar-se. Passados annos, de volta para Gôa, naufragouo navio na embocadura do Rio-Mokon, o poeta salvou-se anado, sustentando na mão o seu poema, e abandonando tudoo mais que possuia. Assim o próprio Camões o reconía emuma das estrophes dos Lusiadas. Se alguma fortuna ajuntáràem Macáo tudo perdera com o infausto naufrágio.

Andou ainda errante pelos portos da Índia, onde figurouem vários combates contra os indígenas ; sofíreu prisão em.Gôa por causa de denuncias falsas sobre seu proceiimentoem Macáo e por dividas de dinheiro ; foi depois para Moçam-bique, e, por fim, conseguio regressar para Lisboa e ahichegar em 1570, pobre de meios, maltratado da fortuna, es-tragado da saude, cortido de desgostos e cheio de cicatrizes dehonrosas feridas recebidas em combates e guerras.

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POESIA ÉPICA. 51' '4

Publicou em 1572 o seu poema, geralmente applaudido,admirado pelos seus contemporam os e compatriotas. Con-|eguio que em premio dos seus serviços lhe mandasse el-reiD. Sebastião, que suceedêra a D. João 111, dar uma pensãode quinze mil réis animaes, com obrigação ainda de residir nacorte e de renovar o provimento de tres em tres annos. [Sen-sacuo.) E essa mesma pensão não lhe era paga, queixava-se

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o poeta, quo muito d'ella necessitava.Cahio na miséria. Foi morar em um pobre casebre. Tinha-

em sua companhia um índio, Jáu, que na Índia fôra seu

escravo e viera para Portugal como seu amigo. Antônio, as-

sim se chamava elle, pedia esmolas pelas ruas de Lisboa, parasustentar seu nmo.

No entanto o imprudrente e moço reilá fôra á África ganharnovos louros, e terras, apregoando cavalheirismo em defesa deum contra outro rei mouro. Lá deixou a vida, nos areaes do

Alcacer-Kibir, lá morreu com elle a melhor e mais guerreirao-ente de Portugal, lá morreu com elle a independência do seu

paiz ! Portugal passou para o governo de um cardeal decrépito,

com o prelúdio do um soberano estrangeiro, Felippe II de

Hespanha.Como poderia, o coração patriota de Camões supportar o

golpe lutai da derrota portugueza de Alcacer-Kibir . Que do-

lorosas e desesperadas impressões receberia \ De certo, por-

que uo mesmo anuo em que a batalha se ferira, Portugal foi

vencido apenas chegarão a Lisboa, as noticias do infaustissimo

e fatalissimo evento, Camões não sobreviveu á pátria !

Morreu em 1579. Foi miseravelmente o seu enterramento

om uma sepultura da igreja de SanfAnna. Algum tempo

depois reconhecido o lugar em que repousavão seus ossos, gra-vou-lhe na campa um dístico um nobre admirador da poesia.Mas o terremoto do século XV1U destruio a igreja de Santa

Anna, e ignora-se bojo onde párão os restos do maior poeta

portuguez !Quando Camões escreveu o seu poema, começava a brotar

a htteratura portugueza. A lingua se havia formado, usado e

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52 CONFERÊNCIAS POPULARES

empregado officialmente pouco tempo depois da elevação deAffonso Henriques ao throno que elie fundara em territóriosaté então pertencentes ao rei de Lyão, e que elle devera a seu

gênio e á sua victoria em Ourique. O gallego em uma daslínguas da península Ibérica, nascido como as outras hesTpanholas, do latim, do godo e do árabe O idioma gallego foa base do idioma portuguez, adoçando-se mais a pronuncia,latinisando-se melhor a grammatica e particularmente a syn-taxe.e robustecendo-se com vocábulos novos, bebidos na línguade Roma, de modo a approximar-se mais da origem latina.Alguns espíritos cultos a manejavão já, antes do século XVI,mas n'esta época é que ella se fixou litterariamente, e abri-Ihantou-se com obras memoráveis.

O approximar-se ella mais do latim, foi obra dos litteratos,que assim a forão depurando e organisando, e a íizerão accli-matar-se e difíundir-se pelo povo.

Gil Vicente dedicara-te ao gênero dramático, BernardimRibeiro e Vasco da Lobeira polirão a prosa com os romancesde Menina e Moça, Palmeirim de Inglaterra. Alguns outrosvultos poéticos traduzirão em versos suas inspirações. MasCamões, póde-se dizer, ornamentou, augmentou, civilisou alíngua portugueza, que precisava ainda de um gênio como oseu, para tomar assento solido e lugar distineto. Mostrou queella se prestava perfeitamente a todos os gêneros de poesia,o lyrico, o bucólico, o elegíaco, o amoroso, o pastoril, o dra-matico, e até o épico.

No seu poema, é um poeta artista como Virgílio o foraentre os romanos. A phrase, a palavra, a rima, tudo é admi-ravehnente apropriado. O pensamento assim traduzido emum idioma harmonioso e musical, revestia-se de novo brilho,de fulgor mais resplendente. A verificação de Camões aindahoje não foi excedida, e nem modificada na fórmula, no torneio,na expressão, na melodia. Notão-se differenças entre o por-tuguez puro de Luiz de üouza, João de Barros, Antônio Vieira,e D. Francisco Manoel de Mello, porque as línguas modifi-cão-se, transformão-se de alguma sorte com o andar dos

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POESIA ÉPICA 53

tempos. Creador da lingua é o povo, é a nação. As línguashumanas sào como vastos monumentos, em que cada geraçãotrabalha a seu turno, e cuja construcção prosegue indefinida-mente através dos séculos, sem que a ninguém se permittacollocar a pupola sobre o edifício.

Entretanto, que diíferença, se percebe entre a poesia deCamões do século XVI e a. de Diniz do século XVlll! Quasique nenhuma, porque Camões com sua imaginação poderosa,e sua arte consümmada, soube estabelecer a linguagem doverso de modo a soffref depois muito pequenas modificações,

graças á superioridade do seu engenho.Houve quem puzesse em duvida entre os litteratos se era

assumpto propriamente épico o que escolhera Camões para oseu poema. Tudo se pode emumeiar, e sustentar. Custa,porem, acreditar-se que se pudesse recusar a qualidade deepopéa ao assumpto dos Lusíadas, Qual o superior. O dalliada é grandioso para o pequeno mundo da Grécia, é gran-dioso pelo gemo de Homero, é grandioso ainda porque ó oúnico monumento (Taquellas eras distantes, de que quasi naopossuímos noticia.

A Odisséa compoe-se de incidentes domésticos, bastanteÍntimos, romanescos, interessantes ao coração. A Eneidanasce de uma tradição vara, senão fabulosa, da vinda deEnáas á Itália, e de seu estabelecimento no paiz de Turno.A Divina Comedia encontrou assumpto mágestoso nas legen-das, e tradições, e doutrinas da igreja christã, que nos íazcrer na outra vida do homem, e nos castigos e prêmios queahi o esperào pelos seus feitos na torra. O Paraíso Perdido

pinta a creação do homem, e pode considerar-se o poema dahumanidade no seu berço e origem. O assumpto escolhido

por Torquato Tasso parece-me o mais épico de todos, menostodavia que o dos Lusíadas. É, de certo, um grande factohistórico e glorioso a luta das Cruzadas, porque é a luta deduas raças, a européa e a asiática, e de duas religiões, aChristã e a de Mafoma.

Mas de que se trata nos Lusíadas' Da empreza portentosa

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54 CONFERÊNCIAS POPULARES

de executar-se uma viagem, através de mares desconhecidos,•* nunca d'antes navegados, » em busca de mundos de que setinha apenas noções vagas ; de conseguir-se ligar a Ásia coma Europa, enriquecer-se, civilisar-se esta á eu4a d.iqueHa;de estender-se todos os conhecimentos humanos; de propagar-se ainda a religião catholica por innumeraveis nações e povosindiaticos, que a não'conhecião ; de tomar einfim a Europaem dominadora do mundo. •

Nãoé, portanto, só um assumpto portuguez, deve ser con»siderado europeu; posto que a empreza fosse Io concebida, e

praticada por portuguezes, que constituião, entretanto, riaépo-ca, a mais pequena nação da Europa, seus e Hei tos, seus resül-tados forão geraes, importantíssimos, valiosissimos, de presentee do futuro para a Europa. Seus fins muito mais difíiceisep.sjrigosos que os dos Cruzados. Estes sabiâo o caminho de Jerusa-lem, atravessavão paizes amigos, recolhião i^elles forças erecursos, e batalhavâo em territórios conhecidos, como erãoos da Terra-Santa. Vasco da Gama e seus companheiros,entretanto, devassavâo mares nunca drantes navegados, sup~portarão furacões, tempestades, fomes e sede, e atacarãopovos muito mais numerosos, e reis possantes e guerreiros.

Porventura a empreza de salvar a cidade de Jerusalém,e o túmulo de Jesus-Christo, pode ser considerada iraisassumpto de poesia épica do que o descobrimento das índias,inteiramente ignoradas, povoadas por multidão copiosa degente, rica de uma civilisação particular, e ahi levar-se areligião do verdadeiro Deus, ahi propa,gar-se a fé do Cliris-tiamsmo .

O assumpto dos Lusíadas não, não é inferior ao da Jeru-salém,sob nenhum ponto de vista. Maior gloria paia o mundo,maior desenvolvimento moral e material da humanidade, maiorconquista de luzes e illustração scientifica, maiores recursospara a riqueza e prosperidade da Europa, eis o resultado daconquista das índias pelos portuguezes.

Além de que onde se descobre em Tasso ou em qualquer

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POESIA ÉPICA c ¦*"DO

outro poeta esse enthusiasmo patriótico, que é um doscaracte-risticos mais distinctos de Camões 1 [Muitos Applausos.)

O mais puro patriotismo revela-sé em cada canto, em cadaestrophe, em cada verso dos Lusíadas. '[Muito

bem.) Não éVasco da Gama o herde &enão nominal por dirigir a emprezaportentosa : é Portugal quo predomina como figura principalno poema. [Muito bem ) E a nação portugueza com suas ga-las, triumphos o g.orias que se canta nus Lusíadas. A pátriaé que inspira ao poeta essas oitavas adurraveis, queencantão,éxtasião, slectris-ão [muitos applausos], que legão á posteridadeo nome de Portugal e de Portuguezes para, eterna reminiscen-cia. [Muito bem.)

Vasco ela. Gama parte do Lisboa, atravessa mares desço-nhecídos, dobra o cabo Tormentorio, vaga pelas costas daÀfnca Oriental e descobre a índia. Às aventuras dos portu-guezes sào reconíadas abi de modo admirável. A descripçâoda Ásia mostra conhecimentos geograph cos e históricos, deque se não possuía a menor noção na Europa. Ao Çamorimconta Vasco da Gama a historia o grandeza de Portugal parao arrastar a curvar-se ao jugo de D. Manoel. Com a volta de"Vasco

da Gama a Dhboa termina o poema.Vias que variedade de quadros da natureza! Como 6

rico, até pródigo o poeta nas descripçoes da Ásia, dos seuspovos, dos costumes e lendas que lhes pertencião?

Como sabe pintar ao vivo os phenomenos do mar, astrombas marinhas, as temp stades horrorosas, o clesencadea-mento dos ventos, a impetuosidade das correntes, os perigosque correm os navios, os naufrágios que elles supportão!

E o poeta mais a Imiravel dos mares e das tempestades !Sente-se ao lêí-o, sibillar o vento, enraivecer-se o tufão,toldarem-se as ondas, encapellar-se o oceano, escurecer ohorizonte, ranger o navio, quebrarem-se os mastros, despe-daçar-se as vergas, rasgar se as velas. [Muito bem!) Assiste-se a todas as scenas horrorosas da natureza em luta e anarchiade elementos contrários e furiosos.

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56 CONFERÊNCIAS POPULARES

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Mim.sa brandura de affectos, propriedade de colorido,

vida, emfim, animão alguns dos episódios maravilhosos com

que entretem a attenção do leitor, e suscita-lhe o enthu-

siasmo. Ou sejão elles históricos como o de Ignez de Castro,em que cada uma estrophe, cada um verso, cada uma palavra,cada uma rima, tudo é conforme ao sentimento, tudo exprimea paixão, tudo descreve a idéa, tudo é harmônico com o pen-samento ; como o do Condestavel, em que o espirito guerreiro,o animo cavalheiroso e leal, os caracteres, não encontrão su-

periores. em poema nenhum do mundo ; ou como a lenda dosDoze de Inglaterra, toda heróica e amorosa,; ou como essascena admirável da Bainha de Castella, vi mio ao rei dePortugal pedir auxilio contra os Mouros, que apertão e per-seguem seu esposo, exclamando:

Açode e corre, pai, que se nao corresPode ser que não aches quem soecorres,

ou finalmente nos dous soberbos, esplendidos, magníficos epi-sodios cie Adamastor e da Ilha dos Amores, fructos daimaginação portentosa e possante do poeta !

Como não extasiar-se diante d'esse gigante ou Titan dalegenda mithologica, que se converte em penedo, e assusta osnavegantes que ousão approximar-se e tentâo dobral-o para sepassarem de uns para outros mares 1

Como não deliciar-se a descripçâo voluptuosa da Ilha dosAmores, arrancada do seio do oceano, povoada de nymphasformosas, que acolhem benignamente os descobridores daÁsia no seu regresso a pátria, e lhes pagão com os mais ex-quisitos prazeres os trabalhos e perigos que supportárão'?

E quanta melancolia derramada em todo esse poema aqual prova a sensibilidade do coração do vate guerreiro ealtanado que nunca soube curvar-se, e marchou sempre defronte erguida e sobranceira \

Abandonara a pátria pela Ásia, dizendo como Scipiâo: —não quero que meus ossos descansem em teu seio.— Mas par-

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POESIA ÉPICA 57

tido que foi, passados os Ímpetos da irritação pelas injustiçasquesoffrêra, eil-o patriota como ninguém, lançando os olhospara as terras de Cmtra que desapparècem a pouco é poucoda vista, ahi deixando saudades immorredouras.!

..^J^aiioca-que.-amaras^.xoino tora Camões, de Catharinamorta ella para o mundo, na pátria concentrou todos os seusamores, o exclusivismo de to los os seus sentimentos apâixo-nados!'*

E o que se não encontra nVsse poema de axi-unas e maxi-mas políticas, de conselhos aos reis e governantes, de idéasadiantadas até da liberdade, de conhecimentos de administra-ção publica 1

Colhem-se nos seus versos epigraphes apropriadas a todasas obras e livros sobre sciencias, artes, letras, legislação, go-verno ; suaphrase ésempre nobre, adaptada com exacção, co-piosa sem profusão, brilh mte sem deslumbrar pelaexhuberan-cia de esplendor, corrente, sonora, discreta : sua imaginação érica de cores vivas que íllummão ; seu pensamento elevado ; equando trata de si, o que varias vezes e muito a propósitofaz durante a marcha Jo poema, é sempre como homem avi-sado, posto que queixoso da sorte infeliz que o persegue, dofado que o martvnsa, das desgraças e miséria- que o opprimem!

Se ganhou gloria, e gloria eterna e immorredoura paraseu nome na posteridade, fundou tambem a gloria, a reputaçãode seu paiz, que, tão pequeno, produzioum dos maiores épicosdo mundo, cercado de nações poderosissimas. A lingua portu-gueza íoi sempre, e épouco conhecida na Europa ; igualmentea sua litteratura, aliás tão variada, tão rica em todos os gene-ros; mas Camões é apreciado geralmente, seu poema estátraduzido em todas as línguas falladas da terra. Conhece-sePortugal por Camões, e por causa de Camões muitos povos selembrão do Portugal Muito bem!

Portuguezeso Brazileiros, temos a mesma origem, a mesmaascendência, o mesmo berço, somos da mesma raça : medosformamos a mesma nação ; separados, cada • m d. nós cons-titue uni povo independente; mas somos irmãos, participamos

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58 CONFERÊNCIAS POPULARES

do mesmo passado, mutuas são as venturas pretéritas, mutuas

as venturas e glorias antes da emancipação do Brazil. (Muitobem !)

Camões é o grande poeta, o maior gênio da nossa lingua.Pertence tanto sua memória aos portuguezes como aos brazilei-ros. (Muito bem!) Camões é de nós todos, a mais esplendidae pura gloria litteraria.

[Numerosos e repetidos applausos e felicitações dá o audi-torio todo ao orador.)

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GRÃOS SCIENTIFICOS OU LITTERARIOS CONCEDIDOS EM• VIRTUDE DE LEIS PROVINCIAES

.64' GWmERGI.4 EM 20 DE FEVEREIRO DE .8.11

Pelo Conselheiro Manoel Francisco Correia

Na conferência anterior dei como provado que as assem-bléas provinciaes podem decretar leis conferindo gráos litte-rarios ou scientiíicos aos que concluírem os estudos em estabe-licimentos de instrucção secundaria ou superior por ellas cria-dos. Este ponto não é, porém, isento de duvida; e tem sidodiscutido entre nós.

Vou apreciar a discussão havida com o sentimento em

que busco sempre inspirar-me, o amor da verdade.Duas assembléas legislativas provinciaes, a da Bahia em

1842, e a do Ceará em 1813, decretarão que se conferisse o

gráo de bacharel em letras aos alumnos dos lyceus que creárão,uma vez que fossem approvados em todas as matérias n'ellesensinadas.

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V

60 - CONFERÊNCIAS POPULARES

Os presidentes procederão diferentemente , o da provinciada Bahia sanccionou a lei, o do Ceará negou a sancção porentender que faltava competência" á assembléa provincial paratal decretação.'

O senado teve de deliberar sobre a lei provincial da Bahia,

que só podia ser revogada por lei geral, se se considerasse

que offendia á constituição ; e o governo sobre a do t eará,

visto que, na ausência das câmaras, cabe-lhe a attribuição de

mandar que as leis provinciaès. não sanccionadas pelo motivo

allegado, sejão provisoriamente executadas se julgar que éimprocedente o fundamento da denegação de sancção. (Art. 17

do Acto Addicional.)O senado e o governo deliberarão tambem de modo di-

verso. O senado coníormou-se com o acto do presidente daBahia, e o governo com o do presidenle do Ceará: aquelleentendeu que a lei provincial da Bahia não estava no caso deser revogada, e este que o presidente do eará procedera comocumpria, negando sancção ao projecto que lhe enviou a as-sembléa provincial.

O acto do governo foi posterior ao do senado.

Vejamos as razoes allegadas pró % contra.Sobre a lei provincial da Bahia deu parecer no senado em

3 de Junho de 1843, a commissão de assembléas provinciaès,e pfôpõís üma resolução révogatoria d?esisa lei. \ ^

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- tf ... TA commissão compunha-se então dos 'Srs Marquez de iOlinda, Visconde de Congonhas e Luiz José de Oliveira.

Baseou-se a commissão em que a constituição e o actol*t"**.\ •"*-•• J*l »t 4- »- (P ^í ..*...'. t" a? \+ \

addicional não concedem senão aos poderes geraes* faculdade-para crear universidades, onde somente se podem conceder

gráos acadêmicos.Ambas as proposições não são verdadeiras.Não me parece exacto nem que a legislação constitucional

somente autorise os poderes geraes para a creação de umver-sidades, nem que estas unicamente possão conceder gráosacadêmicos.

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INSTRUCÇÃO nCBÜCÁ' s,> Qtjfl

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-Pfíltièirbp nto.—t\ constituição garante o estabelecimento'*'de^uíiivèl-áidariese de' collegiós em' que se ensinem' os èleinèft-*-tos das seiencias, bellas-letras eartes, assim como a instrucção1'primaria, e gratuita, a todos ds cidadãos. Mas",""^arantihdftainstrução primaria; de nenhum modo impediò que óscidadãospor süa"parte, trabalhassem no mesmo sentido,' nem"óbst(iu,ta cpiíTàs "daYfiaríis' municipaes mfidassem' tàteuem escofe»'-como as que mantém a d*esta corte. a f iV^>*

Creada* em 1831 as assembléas provinciaes, a estás con-ferio o acto alldicional a attribuição de legislar sobre a iiis-

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trucção' publica e estabelecimentos próprios para promovel-a ;e o fez de modo tão amplo que a sua competência esUnüe-se1a todos os ramos e grãos do ensino, feita, uuanto ao ensino ^

profissional, a limitação que justifiquei na ultima conferência.Não ha, portanto, impedimento legal a que ás assembléas

provinciaes, se virem que ha n isso vantagem, e dispuseremdos precisos recursos,financeiros, crêem universidades, comojá em outra oceasião procurei demonstrar mais desenvol-vidamente.

" f•5 — <*» - km *. i-, ...... - ',; * i»

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Segundo jwnto.r-^ilo sej, seü^ores, onde a.commiss4ohdodseiuulq, colheu o principio de que .só ás imiyersidades cabeconferir gráos acadêmicos. Se o principio ípsse ver4a4eÂro/;não haveria como conceder entre nós taes gráos,,porque iúu-

gugirç ignora,que nap possuímos universidade alguma. A, cons-tituição tanto garante a .existência de universidades, ;como.3Lde çollegios em que se ensinem os elementos tias scjiencja.s,bellas-letras e artes, e não diz que só aquellas;, e nàp estes^?podem conferir gráos scientincos ou litterario^,,?tNem^e dçs-cobre fundamento racional para semelhante declaração,,;u -,.

Não é a denoitunação que a lei dá ap estabelecimento de rsinstrucção que confere ou tira o direito de conceder gráosesse direito prende-se ao modo de organisar o ensino, á ex-tenção que se lhe dá, A questão não é de nomes, é de

princípios; e estes não obstão a que se conceda, por exemplo,ás escolas polytechmcas, ás academias de direito, e de medicina

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62 CONFERÊNCIAS POPULARES

perfeitamente organisadas, a faculdade de conferir diplomas

scientificos com valor social, mediante a satisfação de con-

diçôes legaes estabelecidas para garantia da sufficiencia eefficacia do ensino e da applicação.

O parecer, que acabo de apreciar ligeiramente, motivou adiscussão havida no senado na sessão de 13, e na de 14 deJunho de 1843, na qual foi rejeitada a resolução proposta pelacommissão.

Dar-vos-hei noticia d'essa discussão.Fallárão a favor do parecer os Srs. Marquez de Olinda?

Mello Mattos e Maia, que exercia então o cargo de ministrodo Império. Fallárão contra, os"; Srs. Paula Souza, AlvesBranco, Vergueiro e Castro e Silva.

O Sr. Marquez de Olinda disse : « Se se mostrar que amatéria é privativa da assembléa geral, claro fica que a assem-bléa da Bahia excedeu de seus poderes. Ora, que legislarsobre universidades e academias creadas por lei pertenceassembléa geral é expresso na lei que reformou a constituição.Os gráos acadêmicos estão marcados nas leis geraes; como

pois podia a assembléa da Bahia estabelecer um d'esses gráosacadêmicos \ Encontrão-se as duas legislações.

« Acho a legislação geral offendida n'este artigo que—éprivativo da assembléa geral legislar sobre universidades eacademias estabelecidas por leis geraes.

« Diz-se, porém, que isto é só para a provineia. Emboraassim seja; mas podia a assembléa geral dar estes honoríficosNão; excede também á sua alçada. Offendeu, portanto, alei provincial á lei geral. »¦

Como o illustre senador, observarei que se se mostrar quea matéria não é privativa da assembléa geral, claro fica que aassembléa da Bahia não excedeu de seus poderes.

Diz elle que legislar sobre universidades e academiascreadas por lei pertence á assembléa geral, como é expressona lei que reformou a constituição.

O illustre senador não apresentou a questão como deviaser apresentada. Seguramente que legislar a assembléa pro-

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INSTRUCÇÃO PUBLICA (53

vincial sobre universidades ou academias creadas por lei geralé acto exorbitante das suas attribuiçoes.

Mas assim não é, tratando-se de estabelecimento de ins-trucção superior creado por lei provincial. Convém fazeresta distincçâo. À questão é se a lei provincial que crear esseestabelecimento de instrucção pode determinar que aos quesatisfizerem todos os requisitos exigidos se confirão gráos.

Pensa o illustrado senador que não, porque os gráos aca-demicos estão marcados nas leis geraes. Mas isso que impor-,ta? As leis geraes podem crear estabelecimentos de instruc-ção secundaria. Nada porém impede que as leis provinciaestambem os crêem. A disposição constitucional autorisa paraisso tanto a assembléa geral, como as assembléas provinciaes.A lei geral creou o collegio de Pedro II, e conferio aos quenelle concluem os estudos o diploma de bacharel em letras. Alei provincial crea um estabelecimento semelhante; este podernão se disputa; a commissão do senado nada achou que no-tar na creação do Lyceu da Bahia. Mas pretende-se que odireito da assembléa geral 6 mais extenso que o da assembléaprovincial. Foi isto o que se deixou de provar.

A lei constitucional não faz a distincçâo que se invoca. Enão ha em que se estnbe a pretendida desigualdade. O funda-mento constitucional 6 idêntico ; as conseqüências não podemser diversas. Porque as leis geraes dispõem sobre gráos aca-demicos não se segue que só ellas o possão fazer.

O nobre senador deixa tambem perceber que a questãocomplica-se com a da concessão das honras de que trata oart. 102 § 11° da constituição.

Servindo-se porém de expressões pouco explicitas, reservoo exame d'esse ponto para quando analysar o parecer do con-selho d'Estado acerca da lei provincial do Ceará, no qual oargumento é exposto com toda a clareza.

O Sr. Mello Mattos exprimio-se assim :

« O acto addicional marca especialmente os objectos sobre

que as assembléas provinciaes podem legislar; toda a legis-

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d-

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64 CONFERÊNCIAS POPULARES

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lação provincial que não versar sobre os objectos ahi marca-

dos não pode ser approvada.

A constituição e o acto addicional muito expressamente

declarão que as assembléas provinciaes não podem legislaT

sobre as faculdades, cursos e academias éxisténtes;-Tra sobre;§| ique:parai o futuroifoTem creadas por lei geral-*; portanto,

essa lei provincial * cfei Bahia não pode ser approvada¦ de^ma-

,(n^ra^guma siUví^v ,m i,u\ii---:;mú • --— n|,u-¦ ">M

i»i afartfe o illustre senador do principio' verdadeiro e incites-- itavel' d® (que: as assembléas provinciaes não > podem «legislar

n genãtf t-Bbre asimaterial especaficidas no[ acto -addièi-oiíál? quetraça aesp-heraide-iSèacómpeteneia. ' • '•¦ ¦* ,s''"' ,v-;l,,s:

iC ^^RècófreWdÒ^àlãó solido prihcipio, não'ciíegá entretanto a"conclusão íèx&fcíia, porque ò raciocínio éImperfeito.' xu ""'

'¦ ' ií I ->"" Oíiobre senadordisse apenas que as, assembléas provinciaes"não1 podem legislar sobre as faculdades de medicina, cursos

jurídicos e academias existentes na época da promulgação doacto addicional,' ou sobre os. estabelecimentos , de instrucçào

que no futuro fossem creados.por lei geral. Esqueceu-sj^de re-cordarque ellas têm competência para legislar acerca de esta-belecimentos próprios para promover a mstrucção na província ;equeessacompetenciaestende-seaoensi.no superior, porqued'ella só forão excluídos os estabelecimentos já creadps, ou queo fossem no futuro por lei geral. Se, referindo-se a.estabele-cimentos de instrucção superior, o art. 10 § 2o do acto addi-Í}?'^JÍU «q>í A'Jr íV^-tfv'}»*'; k i>/»»í ,*» ¦». íoív v^-.'.-*V. »-r,> • r J ».

cional não . fizesse a ^imitação contida nas palavras actual-mente existentes, e nas que se lhes seguem,.então o nobre se-

penor. Confirma este pensamento o b 7Ó ao mesmo art. luque, m ícando os ô™™*™° °*Vc*=«*â^ *** ^^^'M Hn"ríÓ- \>ií empregos existentes nas províncias sobreque as repectivas assémbleàs riãõ podem legislar, nao mencionasimplesmente os das faculdades'^'"meml-ma^cufsos jurídicos

•><é academias, mas*acrescenta* estas-rsijgnific^iâvst^TYíalavras —em emfòrfoidadeidú do^Wií&i^ 0* legis-

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•¦1:

INSTRUCÇÃO PUBLICA

lador constituinte caprichou em tornai- clara a idéa de que nãose tratava de unia proposição absoluta.

Demais, á vista do § 2o do art. 7", pôde a assembléa ge-ral crear nas provincias quaesquer estabelecimentos de ins-trucção, e portanto escolas primarias, sobre as quaes não seestende a acção das assembléas provinciaes. Mas porqueexiste esta limitação, ficarão acaso as assembléas das provin-cias tolhidas de crear escolas primarias?

Ora, se podem as assembléas provinciaes legislar sobre es-tabelecimentos de ensino superior, que é o ponto contestadopelo illustre senador, c em que elle baseia a conclusão a quechegou, segue-se que tal conclusão não é verdadeira. E, aindaquando procedesse a argumentação do Sr. Mello Mattos, aquestão não ficava resolvida porque, ainda reduzida no pontonão contestado da creação pelas assembléas provinciaes de es-tabelecimentos de instrucção secundaria., cumpria averiguar secilas podem determinar que se coníirão gráos cios que n'essesestabelecimentos concluírem os estudos.

O Sr. Maia exprimio-se d'este modo:« Entendo que a assembléa provincial da Bahia não tinha

direito, nem nenhuma outra o tem, de dar estes gráos. Con-ceder um gráo a qualquer individuo é, no meu entender, con-ceder-lhe verdadeiramente uma distineção honorífica; enten-do mesmo que, em geral, quando se dá uma graduação qual-quer, eleva-se o indivíduo a quem se dá a uma posição supe-rior á de outros indivíduos. Embora este gráo seja dado naprovincia elle vai pôr certos cidadãos em posição superior á deoutros. »

Occupar-me-hei mais tarde com o argumento principaldeduzido da falta de competência das assembléas provinciaespara a concessão de distinecoes honoríficas.

A consideração de que aquelle que possue uma graduaçãoqualquer fica em posição superior á de outros, prova de mais.Levada á ultima conseqüência, nào poderião as assembléasprovinciaes dar graduações, posição maior ou menor, nos

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CONFERÊNCIAS POPULARES

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corpos policiaes que mantêm. E esta questão de superior-

dade e toda relativa, depende da apreciação de cada um.

Estranho modo de decidir sobre competência da assembléa

geral ou das assembléas provinciaes é o de a enl-a pela po-

sição que por ventura o acto por ellas praticado possa dar ao

cidadão na sociedade. Em tal matéria, o apreço que a opiniao

liga ás graduações scientificas não pôde servir de bitola.

Creio ter demonstrado que os argumentos apresentados

pelos sustentadores do parecer da commissão de assembléas

provinciaes eleita pelo senado em 1843 não têm o valor que lhes

pretenderão dar'os dignos senadores que os formularão.

Combaterão o parecer os Srs. Paula Souza, Alves Branco,

Vergueiro e Castro e Silva.

Antes de referir as razoes em que elles se fundarão, devo

declarar que se me conformo com a opinião que sustentarão,

não assumo responsabilidade pela procedência de todos os

argumentos com que a justificarão.Disse o Sr. Paula Souza, que foi o primeiro que impugnou

o parecer:u As assembléas provinciaes não ficão inhibidas de mandar

dar o gráo de bacharel aos individuos que fizerem taes e taes

exames. Não vejo probibição alguma a isto.

.. Ora, o que embaraça que as assembléas provinciaes esta-

beleção certos cursos de estudos, e digão que aquelles que

tiverem esses cursos terão o gráo de bacharel ou qualqueroutro? Em que oftende isto á constituição e ás leis geraes,em que prejudica a união l Em nada. Se os bacharéis creados

por essa lei tivessem certos direitos que estivessem em con-

tradicção com a legislação geral a este respeito; se a lei

dissesse, por exemplo, que estes bacharéis ficão aptos paraempregos de magistratura, então era abusiva, porque a leio-eral já disse que só são aptos para esses cargos os que fre-

quentarem taes e taes cursos. Mas não ha mais do que o

simples titulo de bacharel, e não vejo que isso obste á legis-

lação geral.

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INSTRUCÇÃO PUBLICA 57

.. As assembléas provinciaes podem estabelecer certasregras para o bom regimen de suas províncias ; por exemplo,

« que certos empregados provinciaes não o possão ser sem serbacharéis ; e podem estes bacharéis servir para estes fins aueellas talvez tiverão em vista ; podem determinar que não sejuoprofessores de taes e taes matérias senão homens formadosnos cursos por ellas estabelecidos; estão no seu direito, por-que não devem querer para professores de seus cursos senãohomens que estudarão taes c taes matérias ; e a estes homensé que chamão bacharéis em letras.

u Se pois isto em nada prejudica a união, nem as leisgeraes, como é que se pode dizer que a lei que tal estabeleceexcede as attribuições das assembléas provinciaes?

» Esta derogação vai até fazer esfriar o zelo das assembléasprovinciaes quando queimo promover a instrucção publica;e assim como os poderes geraes devem ter toda a cautela paraque os provinciaes não exorbitem, é preciso também ter cau-tela em não lhes cercear as attribuiçoes que lhes competem,.»

Fallando outra vez na mesma sessão o distineto senadorassim se exprimio —

« Debaixo da permissão de legislarem sobre estabeleci-mentos públicos concernentes á instrucção publica, ficão asassembléas provinciaes investidas do poder de fazerem tudo oque quizerem fazer a bem da instrucção, salva a excepçãodeclarada (quanto aos estabelecimentos geraes).

« Ora, se nos estabelecimentos públicos de instrucção se dão

v gráos, tendo o direito de crear taes estabelecimentos têm ode dar semelhantes gráos. »

O Sr. Alves Branco, que, no conselho de Estado manteveo voto que dera no senado, disse :

» A çommissão não contesta ás assembléas provinciaes odireito de estabelecer cursos do instrucção, e se não contestaeste direito, que é o essencial, poderá contestar que se dêmdenominações ás pessoas habilitadas nVstes cursos? Não: eunão vejo razão alguma para isso. se ellas podem crear cursos

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CONFERÊNCIAS POPULARES68 ________«__«g»_'_aMWWMMMB**a»'*****»*****'*'1* ,.. i i i — «• .«"—'

de instrucção, se podem mandar que n'elles se habilitem quaes-

quer pessoas, podem dar um nome a essas pessoas para as

distinguir das outras não habilitadas.., Mas essa faculdade de dar nomes é limitada pela consi-

deraçâo de que já a assemblea gera) usou do nome em soas

leis, e os dá a pessoas que fazem objecto d'ellas \ fes aqui a

questão. „a Por minha parte entendo que a simples consideração de

iá estar um nome usado pela assemblea geral em suas leis,'

não inhibe as assembléas provinciaes de usarem também d'el-

le, porque do contrario ficanâo inhibidas de fallar até a nossa

lingua.' ,i Os actos da assemblea geral chamão-sc leis e resoluções.

Estarão por isso inhibidas as assembléas provinciaes de dar

aos seus também o nome de leis e resoluções %

si Diz-se, porém: é um gráo. E o que é um gráo senão

um nome que distingue uma pessoa da outra como todos os

nomes % Não é, porém, uma distincção honorífica como Be

quer suppôr, que dá o governo em recompensa de serviços, e

que as assembléas provinciaes não podem dar sem íerir a cons-

tituição.<« Talvez isto preste alguma animação aos estudos na pro-

vincia, e é o lado de utilidade que lhe vejo e porque o sus-

tento.« Não vejo, pois, motivo para ser revogado o artigo, qual-

quer que seja o lado por onde encare a questão. Uma vez quea assemblea provincial não se ingerio nos cursos e academiascreadas por lei geral, que é o que o acto addicional lhe veda,não sei em que o infringio. »

* Voltando á tribuna, o illustrado senador accrescentou :.< Os gráos são meros nomes, são meros distinctivos de

pessoas mais ou menos habilitadas em certos ramos de scien-cias para consultarem ou ensinarem, mas a que ninguem éobrigado a consultar. Eis aqui o que é um bacharel ou umdoutor; taes nomes não importão comsigo honras algumas,como continências, tratamentos; não tem outra consideração

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INSTRUCÇÃO PUBLICA 69

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senão aquella que lhe dão seus talentos e virtudes, senão aque pode dar a qualquer a qualidade de sábio. São gráos oudistincções meramente «cientificas ou industriaes, e nada mais-são meros attestados de habilitação, attestados que mostrãoque a pessoa que os tem estudou e pôde íallar, consultor ouensinar tal ou tal sciencia.

' « Não tenho idéas de ter jamais ouvido a alguém que istoimportasse o mesmo que distincções honoríficas a que estãounidos certos direitos ; e tanto é assim, que não me constaque alguma vez se inhibisse a nenhum cidadão brazileiro irtomar o gráo de doutor cm qualquer academia.

« Se taes gráos fossem distincções honoríficas ninguém ospodia tomar nas academias estrangeiras sem licença do Impe-rador, e não me consta, qne alguém a tenha pedido. »

O Sr. Vergueiro fallou como se seerue :o« No art. 10 § 2o do acto addicional se concede geralmente

ás assembiéas provinciaes o direito de legislar sobre instrucçãopublica, com a única excepção de não se ingerirem nos esto-beleeimentos já eivados por lei geral, ou que de futuro seorçarem ; ora, este estabelecimento nao está creado por leigeral; logo é claro que podem legislar sobre elle, e sendoassim, parece indispensável que se conheça por algum nomeaquelle que estudar em tal estabelecimento. De que se trataé dos efiei tos.

m Se a assembléa provincial da Bahia ligasse a este tituloefieitos que não estivessem em suas attribuiçoes, bem. Sehabilitasse a estes indivíduos para empregos geraes, entãodiria que tinha exorbitado ; mas ella não os habilita parataes empregos , chama-os simplesmente bacharéis emletras. »

Já fiz a reserva de (jue não me conformo com tudo quantodisserão os esforçados impugnadores do parecer; e haveis derecordar-vos, senhores, de ter eu declarado na anterior con-ferencia (jue não são competentes as assembiéas provinciaespara legislarem sobre o ensino profissional na parte que serefere ao exercito e a armada.

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70 CONFERÊNCIAS POPULARES

AS palavras em seguida proferidas pelo Sr. Vergueiro são

muito dignas de especial attenção :

Enlido que devemos mais animar do que esnar o^

das assembléa! provinciaes pela instrucção, nem devem

pmhareal-as em uma cousa que certamente cabe em suasembargai as em resulte oattribuições, tanto mais que nao vejo 4

menor inconveniente. Não resulta senão benehcio, senão

Z 1 devemos estorvar os *$**£££»£mostra de promover a instrucção publica. Cuido que é um

Tamo a Íue taes ^mbléas devião necessariamente applicar*; a que desenvolvimento material

seus cuidados. Instrucção publica e ciesenvo

do paiz são dous ramos que devemos animar muito para que

se desenvolvão quanto fôr possível. »

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O Sr. Vergueiro fallou segunda vez para responder ao

- " Sr. Maia, e disse:

«. Entende-se que a assembléa provincial da Bahia con-

cedeuuma graduaçãohonorifica. Euquizera que me dissessem

quaes são as honras inherentes a tal graduação. Creio que o

bacharel em letras gozará de alguma distincção na sociedade,

não pelo titulo, mas pelos estudos que fez, pelo provimento

que teve, e esta distincção é admittida em toda parte. -

. Resta-me citar as palavras que proferio o Sr. Castro e

Silva, e que, por serem poucas, não deixão de ter importan-

cia, pois o nobre senador agitou uma questão digna de exame.

São as seguintes:,, Se porventura a assembléa da Bahia, nos estabeleci-

\ mentes creados por lei geral, tosse dar gráos, entendo queexorbitava; mas, dando-os nos estabelecimentos que por lei

" f,'.. " está autorisada a crear, creio que está no seu direito. »

A questão suscitada é se podem asassembléas provinciaesconceder gráos aos que terminarem o curso de estudos em es-

tabelecimentos de instrucção mantidos nas provincias pelaautoridade geral.O illustre senador opinou muito bem pela negativa.

O direito de conceder gráos não vai tão longe que possa a

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INSTRUCÇAO PUBLICA rj-s

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lei provincial concedel-os aos que são approvados em todasas matérias leccionadas em estabelecimentos, existentes naprovíncia por forçada legislação geral, e sobre os quaes nãotem autoridade a assembléa provincial. Com a mesma com-petencia poderia a assembléa de uma província conceder taesgráos aos habilitados em estabelecimentos de instrucçao re°-u-larmente creados pela assembléa de outra; e nào creio quehaja quem sustente que, por exemplo, a assembléa provincialdo Amazonas pode constitucionalmentc approvaruma lei con-cedendo o gráo de bacharel em letras aos que concluírem osestudos em algum estabelecimento de instrucçao secundariafundado pela assembléa da provineia de S. Pedro do Rio-Grande do Sul.

Portanto, o digno senador pelo Ceará resolveu perfeita-mente a questão que suas palavras encerrão.

Passo agora o oecupar-me com o parecer da secção dosnegócios do Império do conselho de Estado, dado em 6 de No-vembro de 18-13, acerca do acto tia assembléa legislativa daprovineia do Ceará.

Eis a parte da consulta que mais interessa ;au ponto quês-tionado :

« A assembléa legislativa da província do Ceará no art. 9"do projeeto n. 12 decretou o seguinte :

•• Os estudantes quo fizerem exames públicos e foremapprovados nas aulas, de que se compõe o lyeeu, receberãoo gráo de bacharel em letras, e serão preferidos em igualdadede circumstancias nos provimentos ou nomeações para empre-gos provinciaes. »

" O presidente d'aquella provineia negou saneçáo ao pro-jecto n. 12, por conter, entre os demais artigos, o que ficatranscripto, cujo objecto entende o mesmo presidente que estáfora das attribuiçoes dos poderes provinciaes, e a secção estáde accordo n*esta intelligencia.

u O gráo de bacharel em letras contém um titulo, que con-fere ao titulado certa consideração não commum a todos osmembros da sociedade; mas note-se que as assembléas pro-

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72- CONFERÊNCIAS POPULARES

ciaes com quanto estejão autorisadas pelo art. 10 § 2» da eli

r _ 2 Zsto de 1834 para legislar sobre instrucção publica,

eeder quaesquer t^ honras ^neç^ ^ ^

dopoder executivo com infracção do art. 102 § 11 da

tuicão do Império. »

O governo julgo» nao dever deliberar sem reunir o conse^,

,le Estado que, em consulta de . de Janeiro de 1811 conta

1-71 o parecer da secção dos negócios do Impeno.

V ta o "este

slido os conselheiros de Estado José Joaquim

I Lima e Silva, Visconde de ;____. Alegre, Visconde de

Abrantes Visconde de Olinda, Caetano Mario. Lopes Gama,

«Cesario de Miranda Ribeiro, Bispo de Anemurm e Fran-

cisco Corderro da Silva Torres. O unico volo divergente 1.»

o do Sr. Manoel Alves Branco.

O art 9o do projecto n. 12, adoptado pela assembléa

legislativa do Ceará no anno de 1813, contém duas idéas,

ambas aceitáveis.A primeira versa pura e simplesmente sobre a concessão

do gráo nas condições em que tenho procurado demonstrar qne

as assembléas provinciaes podem íazel-a, sem ligar-lhe ei cito

algum dependente da autoridade do poder legislativo geral.

A segunda idéa, a preferencia em igualdade dc circum-

stancias no provimento de empregos provinciaes, não soflreu

contestação.Com effeito, se as assembléas das províncias sao as que

legislão sobre taes empregos, não se lhes pode contestar a

attribuição de regular as condições do provimento. gMas toda a consulta é insustentável. Ella se explica pelo

espirito de reacção contra a extensão que se dera ás attri-

buições das assembléas provinciaes logo depois da promulgaçãodo acto addicional. .

Não é motivo para se contestar a competência com que

deliberou a assembléa do Ceará o dizer-se que o gráo confe-*''- .'"*•,---&,.' V'~ $''$ -..•.•....'. '-' 1 -* T ' i'<'" "'_-"'.,'¦.'¦" "¦' .' . ¦v"- .AA

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INSTRUCÇÃO PUBLICA

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rido da ao que o obtém .certa consideração não commum atodos os membros da sociedade. Se valesse, a conseqüênciairia muito alénj do pensamento d'aquelles que o invocarão eteríamos de restringir em outros pontos as attribuições dasassembléas. Nem a constituição se occupa com a conside'ração maior ou menor de que possão gozar na sociedade osque estudão nos collegios ou lyceus provinciaes, conceda-se-ll.es ou não o gráo de bacharel em letras. É uma razãoque se introduz estranhamente na apreciação (Teste ponto dedoutrina constitucional.

Chegou o momento de entrar no exame da questãolevantada desde o começo, o quo reservei para agora.Entendeu o conselho de Estado que a concessão por lei

provincial de titulo ou gráõ scientifico ou ütterario importainfracçâo do art, 102 § ü da constituição, que declara serattribuiçâo do poder executivo conceder titules, honras,ordens militares e distincções em recompensa de serviçosfeitos ao Estado.

Este argumento que andou mais ou menos encoberto, queappareeeu cem maior ou menor hesitação na discussão dosenado, deixou todos os artificies ao penetrar na sala doconselho de Estado, e apresentou-se desassombrado. Trouxe-se intrepidamente para o terreno da queslão o § 11 do art. 102da constituição.

Para aquilatar devidamente o valor d'este argumentotendes, senhores, suficientes elementos nas palavras querepeti de alguns illustres senadores.

Maá perniittii-me-heis que acerescente outras conside-rações reelamaoas pela importância do assumpto. Persuado-me de que nâo as levareis a mal, se entenderdes que houvevantagem em reunir n estas onferencias o que sobre a ma-'ia se tem dito e escrípto uo Império.

Cumpre que a opinião se lixe definitivamente sobre se o ,'grão acadêmico está comprehendido nas distincções a que serefere o citado art. iblS II.

"ara indicar de que espécie são essas distincções, a consti-10

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74 COtíFEREÍÍCIÃS POPULARES

tuição declara que são as destinadas a recompensar serviços

feitos ao Estado.Ainda : querendo dar extraordinária amplitude a estas

palavras, não se pôde razoavelmente incluir entre taes ser-

viços o facto de procurar adquirir a instruecão primaria, a

secundaria, e mesmo a superior. Ninguém dirá de certo queaquelle que cursa as aulas de um estabelecimento publico de

instruecão, como o collegio de Pedro II, está prestando ao

Estado um dos serviços que o poder executivo deve remunerarem observância do art. 102 § 11 da constituição. Não é. pois,uma d'essas remunerações o gráo que, em virtude da lei, se

confere ao que alli termina satisfactoriamente os estudos.Mas não é só isto. O Sr. senador Alves Branco ponderou

bem que se o titulo acadêmico tivesse o caracter que se lhe

pretendia dar, então não poderia o cidadão brazileiro aceitar,sem prévia licença do Imperador, o conferido por academiadependente de governo estrangeiro, salvo se quizesse sujei-tar-se ás graves conseqüências do seu acto. Com effeito, otj 2o do art. 7o da constituição diz que perde os direitos decidadão brazileiro o que, sem licença do Imperador, aceitarcondecoração de qualquer governo estrangeiro.

Ha ainda uma razão capital para combater o parecer doconselho de Estado.

Não é ao poder executivo, mas ao legislativo, que cabedecretar a concessão de gráos acadêmicos e os requisitos in-dispensáveis para a collação. Em nenhuma parte julgou-secomprehendida na attribuição de conceder titulos, honras edistineções a de conferir diplomas scientificos. Se estivessecomprehendida, seguir-se-hia que a resolução emanada dopoder legislativo que dispuzesse sobre a concessão d'esses di-plomas seria inconstitucional, e attentatoria das prerogativasde outro poder politico. O argumento deduzido do art. 102§ 11 da constituição pôde ser allegado com igual força tantocontra as assembleas provinciaes, como contra a assembléageral, pois que alli trata-se de uma das attribuições do poderexecutivo. A improcedencia de tal argumento é manifesta.

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INSTRUCÇÃO PUBLICA 75

Não será porém demais dizer que a doutrina sustentadapelo conselho de Estado autorisaria o facto sorprendente depoder o governo, quando espontaneamente apreciou com maisbenevolência do que justiça os pequenos serviços que tenhopodido prestar ao Estado, conferir-me, para recompensai-os,em vez do diploma de cavalleiro da ordem de Christo, o dedoutor em mathematiças!

O conselho de Estado allegou também uma razão de conve-niencia para não terem as assembléas provinciaes a faculdadede conceder gráos acadêmicos. Observou que, ficando a arbi-trio de cada assembléa as condições para a concessão, o gráópode representar na mesma sociedade maior ou menor sommade conhecimentos.

Ponderarei que, ainda quando o gráo não fosse concedidosenão pelo poder geral, só muito excepcionalmente repre-sentaria n'aquelles a quem fosse conferido igual somma deconhecimentos. Entre os que se formão nas mesmas universi-dades ou academias ha muitas gradações quanto ao saber. Oconselho de Estado referio-se sem duvida ás condições do en-sino, e é seguramente reflexão de peso a de que seria paralastimar que se abaixasse o nivel da instrucção, concedendodiplomas scientificos ou litterarios a quem não tivesse os pre-cisos estudos.

Mas porque o abuso pode dar-se não se segue que a com-petencia deva ser desconhecida ou desrespeitada. Também aassembléa geral pôde proceder de modo desacertado; tambémas congregações podem ser fáceis na concessão dos diplomas.O que convém é envidar esforços para que o abuso não se dê.As resoluções das assembléas provinciaes dependem de sancção.Os presidentes das províncias muito podem concorrer para quenão se barateiem os gráos acadêmicos. E as assembléas devemter o maior escrúpulo no exercicio da sua attribuição. Se*erra-rem, se fraquearem, trarão o descrédito aos seus estabeleci-mentos de instrucção, e os gráos que conferirem não serãoambicionados, nem gozarão na sociedade de conceito e deapreço, que é só o que pode tornal-os apetecidos e duradouros.

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76 CONFERÊNCIAS POPULARES

De certo que está longe de mim o desejo de ver bacharéis oudoutores formados no Brazil, que só sirvão para augmentar onumero dos ignorantes pretenciosos.

Vem aqui a propósito recordar que de attribuiçoes demaior alcance têm as assembléas usado inconvenientemente,sem que por isso seja contestado o seu direito. E o facto é queda faculdade de que tratamos não têm ellas abusado. O a&ísoservirá para robustecer a geral opinião de que deve haver omaior cuidado na escolha dos membros d'essas assembléas.Para o que não pode servir é para justificar outro.

Qualquer, porém, que seja o valor dos argumentos deconveniência não basta para invalidar uma attribuição consti-tucional das assembléas provinciaes, deduzida, como a da as-sembléa geral do direito que lhes assiste de legislar sobre ainstrucção publica.

N'esta matéria a opinião que tenho por verdadeira é a quemanifesta o Sr. Visconde do Uruguay nos Estudos práticossobre a administração das provincias.

Peço licença para rematar a conferência lendo as palavraspor elle escriptascom referencia a resolução, não sanccionada,da assembléa legislativa do Ceará:

« Que illegalidade, que inconveniência ha na lei provin-ciai 1 Um diploma de bacharel em letras em tal caso é apenasuma certidão mais solemne, que faz certo que o indivíduo deque resa estudou taes e taes matérias. Não é das honras deque falia a constituição. Somente pôde ser habilitação pararepartições geraesse o poder geral a mandar admittir comotal. Somente pôde ser admittida em outras provincias se asrespectivas assembléas o determinarem.

« De modo que as assembléas provinciaes podem dar ins-trucção, mas não podem certificar que a derão, e marcar umadenominação para differençar os que a tiverão dos que a nãotêm.

.« Mas é um titulo que dá consideração. E quem pôde epara que embaraçar que a opinião, que somente a pôde dar,dê consideração a quem a merecer ?

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¦tr*« Pode esse titulo habilitar para os empregos provinciaes

| Se compete exclusivamente ás assembléas provinciaes lemslarsobre os empregados provinciaes, é conclusão necessária quepodem regular as suas habilitações. »

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SOS EUROPEUS UOS PAEES ÇÜEHXES''*<>.,

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CONFERÊNCIA Eli 2 DE ABRIL DE 1876

Pelo Dr. Nuno de Andrade

Minhas senhoras, meus senhores.-Todas as vezes que setrata de um problema como este que faz matéria da presenteconferência, e de cuja solução se pode tirar alguma indicaçãopratica, ou que se pode constituir em fonte de preceitos posi-tivos, luta-se com uma difficuldade extraordinária, e que nas-ce sempre da conjunctura em que se vê o orador de ou con-cordar com a maioria, e n'este caso limitar-se á affirmação decousas banaes e já sobremodo sabidas, ou apresentar franca-mente as suas opiniões individuaes.

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"Pi-80 CONFERÊNCIAS POPULÂBES

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Vejo-me obrigado a seguir o ultimo expediente; mas, n'este

caso, como se attendé sempre â humildade da procedência,minhas opiniões não serão acatadas, e não frutifícaráõ de modo

algum. Isto, entretanto, tem acontecido com muitos outros, e

procura-se explicar o facto pela já confessada omnisciencia go-vernamental que entre nós existe, e que faz com que todas as

intelligencias facilmente se amoldem aos mais variados estu- *

dos, ainda mesmo aquelles que mais alheios são ás aptidões

profissionaes.Clama-se, com effeito, de todos os pontos do Império que

o governo tem sido indifferente ao grande problema da immi-

gração; e ainda que eu negue com muito empenho o factointencional, reservo-me. comtudo, o direito de contestar ou af-firmar o facto real.

Sabe-se perfeitamente, que os esforços envidados tem sidomuitos, e que elles não têm dado os fructos que se esperavão.Esta insuficiência de êxito bem se explica pelos poucos estu-dos que têm merecido as nossas condições especiaes para at-trahir a immigração do estrangeiro., E quando se trata do ac-climamento dfcs europeus, problema que deve de merecer amaior attenção, e ser objecto dos mais estremecidos cuidados,os nossos homens, que têm o dever de tornar effectiva a gran-de idéa da ímmigração, limitão-se a dizer que, desde que asleis sejão modificadas n'«ste ou n'aquelle sentido, com certascondições de liberalidáde, desde que as instituições sejão re-formadas segundo um novo plano, a immigração, e, o que emais, a immigração expontânea não tardará a se estabelecer.E. entretanto, senhores, se esquecem de consultar, para a des-truição das duvidas que todtte apresentão, a corporação quepelos seus estudos especiaes, pelos seus trabalhos próprios, epor força da profissão que exerce, acha-se inteiramente inte-ressada na resolução de todos estes problemas, e pode semduvida alguma favorecer ao governo meios de acção. promptae regular; refiro-me á corporação medica.

\ Todos sabemos perfeitamente o que vale entre nós a opiniãodos médicos; ella é unicamente considerada profícua quando

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ACCLIMAMENTO DOS EUROPEUS NOS PAIZES QUENTES 81

se trata de obviar difficulda.des hygiehicis actuaes mas nunr*.quando se trata da construeção de um plano que possa trazervantagens futuras.

E com relação á questão do acelimamento dos europeus nospaizes quentes, a medicina muito tem feito, resultando deseus trabalhos, estudos e investigações que poderão servir degrande auxilio aos legisladores.

Não está inteiramente resolvida a questão, senhores eesta falta de solução depende em grande parte das theoriasque até agora têm remado em relação ao acelimamento doseuropeus nos paizes quentes, theorias estas que partindo todasde um systema preconcebido não podem ter uma aceitaçãoabsoluta.

Tem-se dito que a elevação de temperatura trazendo ararefaçâo do ar atmospherico, e por conseguinte diminuindo-lhe a pressão e tornando relativamente menor a quantidadede oxigeneo respiravel, deve naturalmente influir sobre estran-geiros que, vindos de paizes menos quentes, e portanto dotadosde uma constituição forte e de temperamento sangüíneo, nãoencontrão condições necessárias para a ventilação franca epara as accentuadas exigências dos pulmões. D'ahi pretendemalguns inferir a predisposição que o clima incute para grandenumero de moléstias do apparelho pulmonar como uma dasprincipaes causas da escassez da immigração para os paizes-quentes.

Isto porém, senhores, de modo algum pode ser consideradocomo exacto. Em primeiro lugar, seja dito para felicidadenossa, estas affecções nos paizes quentes nunca assumem aorma grave e a marcha lenta que na Europa costumãoanectar; a pneumo.ua, que entre nós póde-se resolver em seis

ou sete dias, em alguns lugares da Europa resolve-se de modoui as vezes funesto no fim de um anno, dezeseis e vinte

mezes.Pondo de parte a phtysica pulmonar, que pôde existir em

os paizes, e que reconhece quasi sempre como causaoccasional a hereditariedade, as moléstias do apparelho res-

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g2 CONFERÊNCIAS POPULARES

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piratorio jamais poderão servir de argumento para impedir os

emigrantes de procurarem um paiz quente, quando muito

freqüentemente em sua procedência, na terra natal, encontrão

condições para o apparecimento de lesões do apparelho pul-

monar de muito mais difficil cura.

Tem-se considerado tambem a extrema hunndade como

um inconveniente serio dos paizes intertropicaes, e diz-se que

todas as vezes que a elevação de temperatura coincide com o

excesso de água na atmosphera, o ar naturalmente se vicia, e

como conseqüência d'este facto meteorológico apparecem o

rheumatismo, as escrophulas, o escorbuto, certas lesões

caracterisadas por um estado de fraqueza geral, pela adyna-

mia; e que no correr do tempo este estado se vai acentuando

mais e mais, de modo que no fim de alguns annos o europeu

nao apresenta mais os caracteres primitivos de sua raça, e

acha-se inteiramente modificado.Gra, isto é ainda absolutamente improducente; porque,

se é verdade que a elevação da temperatura com o excesso de

humidade predispõe para grande numero de moléstias, não é

menos verdade que essas mesmas condições podem tambem

servir de preservativo de outras moléstias muito mais gra-ves ainda.

E demais, quando se trata do excesso da humidade não se

deve considerar tal facto como se manifestando com as pro-porções das chuvas ou do orvalho ; e os inconvenientes queelle occasiona podem ser combatidos com o trabalho e com osrecursos hygienicos.

Tem-se denominado paiz quente, senhores, a zona da

terra comprehendida entre 30 graus de latitude Norte e 30

gráos de latitude Sul D'essa igualdade de coud ções t ermo-métricas é que se tem const tuido o que se costuma chamarnm clima quente.

Nfeste particular nada existe de absoluto.Todos sabemos que os climas variâo segundo a proximi-

dade do mar, segundo a altura em que se acha collocado o

pai„, segundo o afastamento de um certo numero de gráos para

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ACCLIMAMENTO ÜOS EUROPEUS NOS PAIZES QUENfES 83rrir-r i imi.ii m mmn | ^—^ ""

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o Norte ou para o Sul; de sorte que se dissermos que umclima quente rema nas proximidades do equador tambempoderemos dizer que existe elle a 28 gráos de latitude Sul ouNorte.

Com.iietteriaii.os um erro crasso, que de modo algum pôdeser aceito hoje pela sciencia-, se suppuzessemos unicamentecomo de cjimas quentes a zona comprehendida soba acção dostrópicos; assim incorreríamos no erro grave de confundircondições thermdmetricas diversas.

Não podemos pois considerar a situação do território emrelação ao equador como positivo critério dos climas.Na zona denominada de f./mte encontramos em diversos

pontos condiçõ -s não só de temperatura diíferente, mas de sa-nidade inteiramente diversa ; e isto, senhores, até certo pontomostra que não teve razão Boudin quando affirmou que a sa-lubridade dos paizes quentes ia diminuindo segundo uma linhaideal que partindo de 30" de latitude austral e começando noPacifico, fosse acabar no atlântico, a 30° de latitude boreal.Pretendia o sábio hygienista franeez justificar sua opiniãoaffirmando ainda que o excesso de pântanos que existem nohemispherio boreal determinava condições de impaludismo, quenão erão tão freqüentes no hemispherio austral. Citava ellecomo exemplo o R.o do Janeiro, incontestavelmente muito maissalubreè. que cortas regiões do hemispherio boreal, como,por exemplo, o Egypioa e Arábia, considerados universalmentecomo as terras mais insalubres do mundo para os emigranteseuropeus

Ue modo que tira Boudin d'ahi a conclusão que para seaquilatar da sanidade dos paizes quentes devemos respeitaressa hnha ideal, na certeza de que, á proporção que a immi-gração caminhar para o Norte ella encontrará sempre crescen-tes elementos de" destruição.

Ora, senhores, a critica que se applica a algumas theoriasapresentadas, e que já vos expuz, pode igualmente ser referidaá theoria de Boudin.

Em matéria de hygiene, e sobretudo quando se trata da

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84 CONFERÊNCIAS POPULARES

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resolução de certos problemas, não se pode formular principioalgum absoluto; e se é verdade que encontramos no hemis-

pherio boreal, o Fgypto e a Arábia, que são verdadeiramente

os paizes mais insalubres do mundo, é tambem incontestado

que a nesga de terra que ligou esses dous paizes, e que se

chamou Isthmo de Suez, íoi uma das localidades mais saúda-

veis; tanto que, apezar das grandes escavações e reviramen-

tos do solo a que ultimamente esteve sujeito, em 55.830 indi-

genas e em 1,250 europeus que trabalharão na abertura do

Canal, notou-se apenas uma mortal! <ade geral de dezeseis

por mil, segundo diz Aubert Roche, que foi o medico encarre-

gado pela Companhia de prestar os seus cuidados a esses tra-

balhadores.Segundo affirma esse medico, nem uma só febre perniciosa

se manifestou !Vedes, pois, que a proximidade de lugares extremamente

insalubres não indica que as terras que immediatamente selhes seguem devão ser tambem insalubres; e portanto, atheo-ria de Boudin já encontraria, n'este exemplo, uma excepção aoseu caracter de absolutismo.

É sabido que San ta-Maria. Madagascar e Mayotte são lu-

gares em que se verificão todas as condições de insalubridadenos pontos baixos, ao passo que, nas regiões mais elevadas seencontrão elementos mais favoráveis para a emigração aptospara consentir o desenvolvimento dos europeus. Na Oceaniatemos os mesmosinconvenientes, e a despeito cVelles em Nova-Caledonia os colonos prosperão, ao passo que nas suas proxi-midades existem as Novas-Hebridas que têm sido sepulchrode todos os immigrantes.

E geralmente conhecida a lethalidade do clima de Java,e na própria Austrália, ao lado de costas que apresentão con-diçoes de sanidade invejáveis, encontra-se a Victoria, queteve de ser abandonada pelos Inglezes por virtude de seuclima mortífero.

Sobre a mesma linha isothermica encontrão-se condições detemperatura e clima muito differentes, e portanto o medico

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ACCLIMAMENTO DOS EUROPEUS NOS, PAIZES QUENTES 85

fryg.en.sta não pôde affirmar que se o europeu fôr para talpaiz, ahi encontrará condições de prosperidade para si e suadescendência; e que se pelo contrario fôr oecupar uma outra"localidade, so achara a msalubridade e o infortúnioNada de exacto, se pôde dizer de antemão. Só a hyrienebaseada na observação e experiência de todos os dias conse-

guira affirmar alguma eousa de positivo em relação aos diffe-rentes paizes pelo estudo que tiver de suas condições thermo-métricas, e da influencia dos meios sobre o organismoDizem os hygienistas que todas as vezes que um indivi,duo, transportado de nm lugar para outro, vai encontrar nmclima muito diferente d'aquelle d'onde partio, seu organismo

pouco a pouco se vai affeiçoando ao clima, se a resistênciavital e considerável, isto se manifesta sempre que se tem deapreciar dous termos tão importantes como vêm a ser o orffanrsmo humano capaz de resistência e as circumstancias meso-lógicas capazes da annular essa resistência.Comprehende-se perfeitamente que d'aqui deve nascer na-turalmente um dilemma pratico; ou o immigrante se amolda aochma, as condições que encontra, ou elle é completamentecombatido por estes meios. No primeiro caso temos realizado oacchmamento; no segundo , a sua impossibilidade se ve-

Na primeira hypothese, porém, a influencia do clima de-termina sempre, dizem alguns, a diminuição da natalidadeentre os emigrantes e o augmento da mortalidade; porque afaculdade procreativa fenece sob a influencia de condiçõescósmicas tao differentes dos que erão peculiares na terra dond^partirão.

isto, senhores, ainda não pode ser figurado como principioabsoluto; e para comproval-o peço-vos permissão para tirarum exemplo do que aconteceu com os hespanhoes em Alger.Em 1856, em 42 394 hespanhoes que emigrarão paraAlger notou-se um excesso de natalidade de 16 sobre a mor-tahdade de mil, cujo coefíiciente foi 30; o que significa que

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86 CONFERÊNCIAS POPULARES

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no fim de um anno encontrou-se de mais - 46 — e de menos—30—por mil.

Isto quer dizer que em Alger a colônia hespanhola en-controu condições de desenvolvimento como em seu própriopaiz não teria possuido; porquanto na Hespanha o coeffi-ciente de natalidade é 37.1000 e o cie mortalidade ó 30.1000,Com a emigração italiana facto análogo se deu: em 9.287italianos, no mesmo anno de 1856 o coeficiente de nata-lidade foi 39 e o de mortalidade 23:1000; de modo que se

prova perfeitamente que os italianos que forão para Algerencontrarão condições de progresso qu:< não terião na Itália.

Ora, o clima de Alger é bastante diferente do clima donorte de Itália e principalmente do Oeste de Hespanha.

Já vedes, pois, que quando se trata da resolução de quaes-quer d'estes difficeis problemas não se pode ter o espirito

prevenido e nem tão pouco se pode dizer de ante-mâo qual adoutrina exacta. Só a observação minuciosa dos lugares querecebem a emigração e de suas condições telluricas eatmosphericas, só o conhecimento inteiro de sua pathologaespecial, poderão auxiliar o estabelecimento das grandes cor-rentes de colonisação.

Senhores, como critério dos paizes quentes è como syn-these das condições que impedem a livre emigração paraelles, apresenta Simonot o elemento pálustre; e com eífeitopoder-se-hia estabelecer como geral que todos os paizes emque as condições de temperatura e de hygrometria foremnotáveis devem apresentar pântanos inais ou menos activos.Não me parece, porém, que a opinião de Simonnt deva deser acceita sem restricçoes. Já vos citei, a propósito da lei deBoudin, exemplos de paizes, cujas condições geraes favorecemclaramente o acclimamento dos europeus Ahi os pântanosexistem; entretanto sua influencia carece de energia bastantepara impossibilitar a adaptação dos organismos exocticos aosmeios especiaes que encontrao.

Parece, portanto determinado que, mesmo reconhecido o

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_J^™METCTO DOS EUROPA N0S _---:::::::=^^ XA1^S QUENTES 87caracter qne dá Simonot aos paizes querteTZl?7~"

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Esta ultima consideração indica n..b _-^ciente para eonstítiúrle m cr ter

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»?**«*»?mundo-Egypto 9 Arabla_e ^ffiTTf^'*s»ta invejáveis condições de saibre " ^ ^

Tratemos agora esnepialmor-f,. ,0 5 e&Peciaimente do nosso paizoenhores, entre nós m»í_ ri~. , '

mais do que a indolenc a d!, ^ ° e'eraent° ^»stK<i « iiiuuienua cios homens, que seia /.it-, rU.em, í notável, mais do que a ihdHW^,*, T""a pobreza dos ),»,,„,,,,, „3 h-, ,

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affastará a imnri-nST a'" esPan'aH'o que affasta e

,, 'mrnigraçao em quanto não fôr suffnrnrl.. -Jebre amarella. Nos noizo- n„fl suííocado; e a1,, p e° gentes onde o mias,™ n_lustre se apresenta de uma moLv, _¦ P^nict maneira pavorosa fW-r.r..^ *.^os annos nnumpr-ia »_..,..• ' -uioba iazendo todos

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viduo nTo ** ^ CaUSaS qiK actUi'° s*e ° indi-

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' P 'a hU!n"lade : * é o Pa^ano que allia ha que pode exercer uma influencia sobro „ immigrante.

*em as principaes causas de moléstias

e deAaS''eamatília ' """* co'lse'*'*™™ dessas causas geraes

grave^f f0 ad0marOÜ "* tm —teria un.ve r o fle observação e de doutrina; porque esse mal pa- -

fm.aa s heo,.r,trana';' *>'" * 'narel,i m?™'^ « mais

irromno Z°***bar daS maÍS Prudente medidas, ora«mpendo em terra, ora fazendo suas primeiras victímas no

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gg CONFERÊNCIAS POPULARES

mar O que, em relação a essa mabstia se sabe, é que ella é

eminentemente infecto-contagiosa, notando-se, em sua esphe-

ra de actividade, as mesmas leis que regem e dommão a ener-

gia de irradiação do miasma palustre.No propósito de vos convencer d'esta verdade, senhores,

peço-vos licença para vos narrar dous factos, que me parecem

de grande alcance.Em 1857 chegou a Fort- de-France uma balieira franceza

_ a Pallas.- A febre amarella grassava na cidade com uma

intensidade mediocre e emquanto a tripolação da Pallas não

communicou com o littoral, isto é, durante 15 dias, nem um

só caso de febre amarella se manifestou a bordo. Depois, po-rém, que a communicação se estabeleceu, por intermédio de

outro navio-a Celestina-que attracou á Pallas para receber-

lhe o carregamento, os casos a bordo da balieira forão tantos

que houve necessidade de engajar-se tripolação, para o navio

poder seguir viagem.Observando que os casos de febre amarella tinhão appa-

recido no primeiro navio depois que houve communicação com

a terra, o almirante Gueydon que commandava então a divi-

são franceza, mandou suspender ancora, e fez-se ao largo.

A febre amarella continuou a fazer devastações no littoral

a attacar os navios que vinhão de fora e que communicavãocom a terra ; entretanto que a divisão conservou-se durante

toda a estação epidêmica inteiramente livre, enem um só factoáppareceu que pudesse explicar este miasma marítimo.

Este facto seria suíficiente para affirmar que a opinião da, procedência marítima do miasma não pôde ser acceita por ser

extremamente absoluta.O outro facto, senhores, não diz respeito á febre amarella;

mas a febres palustres. Eu vol-o cito para que possais julgarda similitude de condições que se nota na irradiação de ambasas moléstias.

Em Dezembro de 1842 a canhoneira La Malouine partiade Goréa, com uma equipagem válida de 72 homens, ha dousannos residentes na Colônia. As exigências do serviço obri»

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ACCLIMAMENTQ DOS EUROPEUS NOS PAIZES QUENTES 89

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gárão o navio a penetrar no rio Nunes, do qual sahio tão in-feccionado que quinze dias depois de sua partida entrava emGoréa com sete homens de menos e com a tripolação em taiestado que já não havia pessoal válido para as manobrasEm Fevereiro de 1843, na mesma estação, portanto, o na-,10 Vigie teve que emprehender a mesma viagem. Houvecuidado de impedir a demora dos tripolantes em terra e de-siníectal-os quando chegados a bordo.Nem um só accesso se manifestou.Cotejai este facto com o precedente, e vossa conclusão seráfavorável á minha opinião, espero.Parece-me, pois, dever inferir, do que vos tenho exposto

que tinha razão Cornilhac quando affirmava que a atmos-phera marítima não era bom vehiculo dos miasmas da febreamarella; mas que concorria para a duração do mal, porque oprincipio iníeccioso dessa moléstia é dependente das relaçõesque existem entre o miasma palustre e os meios geraes.Ha ainda um facto muito frisante a esse respeito. A cidadede New-York, antes de emprehender os grandes trabalhos queefíectuou para o saneamento de seu solo, era infestada annual-mente pela febre amarella, que fazia numerosas victimas.

Conservando-se em um certo estádio de pujança durantetodo o verão, á proporção que o inverno ia se aproximando, afebre amarella ia recrudescendo ; mas todas as vezes que' oinverno se confirmava, a febre amarella deixava de existir in-teiramente, desapparecia de todo, para no próximo verão, in-dependente de qualquer importação, fazer novos e maiores es-tragos. Isto significa que os miasmas se conservavão no gelocom toda a sua energia latente, e que quando estes miasmasencontravão fácil sahida, condições aptas para sua nova ex-plosão, elles se revelavão independente de qualquer impor-taça o.

1 arece-me que todos estes factos bem claramente demons-trão que não são as condições do local unicamente que origi-nao a epidemia da febre amarella; mas que deve ser consi-derada esta epidemia como resultado pathologico do concurso

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90 CONFERÊNCIAS POPULARES

de causas múltiplas que actuão em direcções differentes, mas

que todas levão ao mesmo resultado.

Já se ve, portanto, que teremos sempre como condição ad-

versa ao acclimamento dos europeus nos paizes quentes o ele-

mento palustre, quer considerado em si determinando febres

intermittentes, perniciosas, dysenterias graves, um estado de

anemia, etc, quer considerado em suas relações com os meios

communs determinando moléstias infecto-contagiosas.

O que devemos, portanto, fazer quando se trata de atrahir

a immigração em grande escala? Tratar de reformar as con-

dições hygienicas, cuidar em modificar as condições de insa-

lubridade. Não é preciso reformar ou modificar uma institui-

ção qualquer, nem crear novas leis. Estas, é verdade, servem

de muito ; mas o principal é c mbater as influencias naturaes

porque a verdadeira causa que impede a immigração para o

Brazil é a febre amarella, é o miasma palustre que imprime

no immigrante um cunho especial de anemia, e que, se consente

no acclimamento individual, se permitte que o indivíduo zom-

be, até certo ponto, de sua influencia, não lhe concede o poderdegarantir a sua descendência da fraqueza, do depauperamento

e do abastardamento da raça.Vêm a ser as influencias geraes que impedem a immigração;

não é o espirito das leis; e se o fosse em todos os paizes em que

não existisse uma legislação harmônica com a das nações

d'onde procede a immigratão esta não existiria; entretanto

que, por exemplo, para os Estados-Unidos a immigração corre

sempre, e as leis de lá são muito differentes das leis da Eu-

ropa!Quereis um exemplo nosso? Vede os Allemães no Rio-

Grande do Sul.Senhores, é necessário matar-se os pântanos, é necessário

impedir-se a todo o transe que o miasma palustre continue a

fazer devastações; é necessário que os morros que existemno centro da cidade sejão arrasados, porque de suas vertentesdirivao-se sempre águas que determinão pântanos; é neces-sario. que a cidade seja perfeitamente irrigada, que as ruas

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ACCLMAMENTQ DOSEüBQPEüS NOS PAIZES QUENTES^^__ 91.não sejão estreitas, que não haja cortiços em tão grande quantidade, e que os que existem sejão melhorados, já que nãopodemos acabar com os cortiços, porque quando o immigrante chega ao Brazil, tem dous inimigos a combater: a pobrezaque traz e o miasma que encontra. O cortiço deve e ha deexistir.

Querer-se que a pobresa possa habitar casas dotadas detodas as condições de conforto é querer um impossível Nãopodemos acabar com os cortiços, o que podemos é melhoral-ose fazer com que elles sejão construídos sob novos planos emque se respeitem as condições hygiemeas ; e se me fosse per-• mittido apresentar uma opinião, eu diria que era necessárioqne a junta de hygiene se encarregasse exclusivameate d'isto,e não tivesse de consultar ninguém, ninguém, absolutamente'ninguém; porque se é verdade que o executivo não podeinvadir as attribuições das municipalidades, é tambem verdadeque ambos, executivo e municipalidade, podem ser fracos.

A saúde publica precisa de um íVrgUs, e este não pdde sermyope.

Não sei como ainda ninguém se lembrou de pedir aoscommandantes de navios que trazem paracánnmigrantes, quedepois da leitura do Evangelho, fizessem tambem a le'iturade certos preceitos hygienicos que o immigrante devia respei-tar. Isto seria uma cousa innocente, eque poderia fazer muitobem ; pois que os immigrantes ordinariamente desconhecemas precauções (pie devem de ter, e querem continuar aqui comos hábitos da Europa. Freqüentemente esses indivíduos,soffrendo ainda a fadiga da ^viagem, e ainda não accommo-'dados ás nossas condições naturaes, praticão todos os excessopossíveis, tendo de um lado Venus e do outro Baccho.

D'este modo, hão-de naturalmente apresentar os emigran-tes todas as condições necessárias para contrahir a febre ama-rella, ainda mesmo que a febre amarella fosse uma damamuito bem educada, e que recebesse cortezmente os seushospedes.

Debaixo do ponto de vista hygienico é necessário que nos ¦

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92 CONFERÊNCIAS POPULARES

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convençamos serem precisos muitos sacrifícios, de dinheiro e

de tempo, e uma dedicação extraordinária. Não se hesite;

porqne um paiz novo que vacillár no emprego dos meios ne-

cessarios para garantir a sua própria existência não pôde ter

esperança alguma em seu desenvolvimento futuro. E neces-

sario também que os médicos intervenhão na resolução dos

poblemas da immigração e colonisação.Senhores, ha uma corporação muito distincta entre nós, que

tem concentrado em si todas as attribuições das outras classes.

É muito distincta é verdade, é muito illustrada, é ella que tem

dado os nossos legisladores, os nossos homens de Estado em

maior copia, mas é necessário que conheção que - non omnes

omnia possumus.[Pausa).Senhores, havia na antigüidade um principio escripto em

um templo, que aconselhava ao homem o conhecimento de si.

Elle trabalhou no cultivo da sua intiligencia, e o conseguioaté certo ponto. Depois reconheceu que precisava empregar

a sua actividade; e pondo em jogo todas as forças que Deuslhe deu obteve abreviar as distancias.

Assim como pôde abreviar as distancias, que são, talvez,a cousa mais fixa do mundo, não poderá também modificar oclima ?

E nós somos um paiz novo, podemos perfeitamente seguiros exemplos dos Estados-Unidos que sanearão New-York;dos Inglezes que sanearão a Escossia, estabelecendo o systemade canalisação subterrânea, a drainagem. Trabalhemos, e nadade desanimar.

Bem sei que não se pode transformar um paiz de um mo-mento para outro, que tudo isto exige tempo, muitos sacrifícios,muita coragem ; mas quando o amor acrisolado da pátria ins-

pira as boas intenções e guia as decididas vontades, no fim deum tempo mais ou menos longo, resultados satisfactorios vêmsempre coroar os esforços e aperseverança. [A.pplausos geraes.

[O orador ê felicitado)..___,

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EM MATÉRIA DA CORAÇÃO DE ffiEAOS

171' CONRUNGU Eli 9 m ABRIL BE 1876

Pelo Conselheiro Manoel Francisco Correia

Nas anteriores conferências foi meu empenho demonstrarque tanto o poder publico geral e o provincial, como o povo,podião curar da fundação cie estabelecimentos de instruecãosuperior, e que nos creados pela autoridade geral, ou pelaautoridade provincial, podião ser conferidos diplomas e gráosaos que concluíssem o curso de estudos.

E meu propósito examinar agora se nas universidades ounas faculdades livres, n'aquellas que forem porventura fun-dadas por particulares ou por associações, podem ser igual-mente conferidos esses gráos e com que effeitos.

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94 CONFERÊNCIAS POPULARES

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Creio, senhores, que, em principio, a questão pôde serassim formulada: o direito de conferir diplomas scientificosou litterarios é annexo ao de ensinar, ou é corolário do direitode legislar sobre a instrucçao publicai

Antes de tudo observarei que não se pôde obstar a que asuniversidades ou as faculdades livres passem ans alumnos do.cumentos que valhão como attestadòs ou certidões, de alcance

puramente litterario, sem que a elles se ligue direito algum.Mas se se trata de diplomas que tenhão os mesmos eífeitos

públicos ligados aos que os estabelec mentos do Estado con-ferem, e foi isso o que a assembléa das juntas catholicasrequereu quando ultimamente se descutio em França a lei dareforma do ensino, não podem os estabelecimentos particularesde instrucçao superior conferil-os.

Acaso a solução que apresento offende de alguma sorte o

principio da liberdade do ensino superior e secundário . Não.O direito de ensinar não softre, em si mesmo, porque a

elle se reúne ou deixa de reunir o de expedir diplomas. Oensino dá-se da mesma maneira. Quem foi applicado e apro-veitou fica com a sciencia, ainda que sem diploma, assimcomo, ainda que com diploma, o que freqüentou o estabeleci-mento do Estado pode não ter a sciencia.

Ha, como diz Rémusat, diversos modos de apprender, masuma só maneira de saber.

O direito de conferir diplomas scientificos ou litterariosnão é, pois, inseparável do de ensinar, ü diploma, regular-

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mente obtido, depende do estudo aturado e proveitoso ; maspôde ser conferido por quem não tenha a seu cargo o ensino,e sim somente a attribuiçâo de verificar as habilitações dosque aspirão aos gráos. Entre nós, a corporação encarregadado ensino no estabelecimento do Estado é, pôde dizer-se, aque confere os gráos ; mas a lei podia ter tomado providenciadiferente. Nem em todos os paizes se procede a este respeitode modo semelhante.

Como vedes, a questão depende essencialmente da autori-dade do legislador. Não entra na classe dos direitos indi-

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DA COMPETÊNCIA EM màtpdta tv„____=_____===^^ 95

viduaes ou das associações paTti^^TT^ 7 •scientificos a que sejão inherentes eíleitos ouhll • grá0Sdo de legislar sobre a instrucção, ; " C°rola™

Existe algum paiz em nno ^r • fetemente a doutrina' q„eIT.SZÍf

*. ""os eííeitos colhidos da liberdade na ,,,11,

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eX1St6' qUaes¦ • Nos Estados-Umdos está fi™ 2

"^ d°S grâos!^o»afedeomaTCz^atribS;rrarfe

vido encarecimento do svstcmo d° C°m ° de"rio, e profissional ^£^5***se trata dos altos estudos, devo modfiear mth!

^ °para, sem offensa do respeito nJ mgmgmde um grande povo 2__T "'" *° adÍaMamento

- queville quediz. 'lC°'npdnhai ° )nsl*sPe>to A. de Toe-

" & mister reconhecer mio _w«sos dias, poucos ha ,^t

"í™***** "e4UL clb ai tas sciencias tpnhnn ív,;^

, "-os progressos do oue nos Estados-Unid lifncontre menor numero de grandes artistas, d ,ZIiutres e de escriptores celebres. P

A ampla liberdade da coilação de grãos trouxe nos Estados-Umdos funestas conseqüência ,« „ . ,vvxioc^uencias, ate o ponto de nprmí+iíressa extravagante classe de presumidos nnP I Tmas m-ro P-esumiaos que comprao diplo-"Ire 1 T °marem CÜ,n üm VS 6 »«* <•— -

fef , T m,°e com °d,nWro'mas cora ° ^»d°- q« -í _____ nC'enC,a- A ap(,arencia os satisfaz- G°*e o e «t n^r™":ser d»tores'aínda ^a* —•- os Estados-Umdos ahmentao o doctor in absentia<antiÍe _!T. \ "7^ * ^'^ a «**¦*antiga e celebre dos Estados-Unidos, lê-se:

___ n»rfdat° deíe eSCreVer e ^fen^r publicamente uma'se perante a congregação, salvo se estiver do outro lado

sela ,r.' !. J*. l""8'" "" 'ntenor da Amerlca ^ a via?emf

mu.to diffic"- N'este caso enviará uma these, por elleann ! T

SCJa dig"a' '""' S6U "lerit0' de ^e a faculdade aPprove. O asp.rante receberá então o gráo de doutor, e ath^e será impressa á sua custa. „

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9g CONFERÊNCIAS POPULARES

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É inexplicável a ingenuidade de suppor que a these, sobre

que a faculdade tem de deliberar, ha de, em regra, ser escripta

pelo próprio candidato ausente.A facilidade que assim ha na obtenção de gráos deu

origem a uma industria das mais singulares. D'ella temos de-

senvolvida noticia no rehtorio apresentado á faculdade de

medicina de Pariz por um dos professores, o Dr. Léon Le

Fort. A faculdade encarregou-o de estudar o assumpto, avista

do grande numero de doutores formados em paiz estrangeiro,

e cujos diplomas não lhe erão presentes.Referio o Dr. Léon Le Fort que, no mez de Dezembro de

1871, um de seus eollegas, o Dr. Duvivier, lhe entregara uma

carta dirigida a seu guarda-portão nestes termos :

« Senhor. -- Se deseja obter de uma universidade celebreda America o gráo e o diploma de doutor em medicina, tenha

. a bondade de avisar-me, que eu lhe declararei as condições.Medicus,, 4.6, King street, ern Jersey. »

A esta carta acompanhava o annuncio inserto em um dos

jornaes de Jersey, que dizia :

.< Promoção aos gráos universitários sem comparecimento.Oceasião unica.

« As pessoas que desejarem obter os titulos de doutor, ba-charel e mestre nas difíerentes faculdades que fazem parte doensino superior podem dirigir-se a Medicus, rua do Rei, n. 46,em Jersey, o qual dará gratuitamente todas as informaçõesnecessárias. »

O Dr. Léon Le Fort suppoz que era isto uma mystifica-ção; mas, entrando em maiores indagações, verificou que setratava de um trafico real. Deu então noticia do facto na Ga-teta hebdomadária. Chegando essa noticia aos Estados-Unirdos, intentou-se processo contra a universidade de Philadel-

phia; mas, referindo-se a noticias que encontrara nos jornaes?diz Jules Ferry, em um dos dous notáveis discursos que pro-

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DA COMPETÊNCIA EMjMgBAM «„,.„ ,„ ^,.., ^

ferio na assembléa franceza nas sessões de 11 e 12 h t udo anno passado, que o jury, entendendo que assim 7 ,oSender a fiberdade do ensino, pronuncio^e?££**versidadc. ua uni*

Pelo relatório do Dr. Léon Le Fort wh* í*co1,ega,oB,Decfiambre,fezcomr:;crr;arvesse correspondência com Medicus, que era „ Dr. Van Co qual se dizia delegado da universidade de Philadefoh aOfeecia este o dip.oma de doutor por „ma ^^de certo „ao eT proprja para ^ ^0 francos! O criado objectou, e consegmo Ueçao „„pitço.

Ora, senhores, isto realmente é para entristecer. Qae con-fiança podem inspirar semelhantes gráos? Por isso muitosnorte-americanos, qne se prcpdem a exercer a profissão me-dica, vão formar-se nas escolas de Paris ou de Berlim.A doutrina aceita nos Estados-Unidos foi talvez um alar-

gamento da seguida na Inglaterra. N'esse caso foi uma amphação infeliz. Na Inglaterra nunca vigorou o principio da liber-dade da collação de gráos. O systema inglez écomplicado. Nãotratarei de todo elle, mas peço licença para occupar-me coma parte relativa á concessão dos diplomas de doutor em me-decina. Estes diplomas erão e ainda são conferidos por deze-nove differentes corporações ; mas o espirito publico caminha

para maior concentração, ejá muito se tem feito n^esse sentidoProvocava a adopção das medidas tomadas o resultado colhidodo systema em vigor, acerca do qual d.z um documento damaior valia, fornecido pela commissão executiva do conselhogeral medico:

'< Cada uma das corporações autorisadas para conceder li-cenças de exercício decretava seus próprios regulamentos,tinha seu curriculum de estudos Quando alguma d'ellas faziaestorçospara levantar o nível dos exames, esta tendência mallo-grava-se diante das facilidades por outras offerecidas aos can-dwatos, e, em vez de um regulamento uniforme e bem organi-

N

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98 CONFERÊNCIAS POPULARES

'• ' .

sado para os estudos, não se encontrava senão diversidade econfusão. » (*)

Os Inglezes, que costumão aproveitar as lições da experi.encia, tratarão de remover os inconvenientes notados nosystema estabelecido para a concessão dos diplomas quepermittem o exercício da profissão medica; e, por acto doparlamento de 1858, foi creado o conselho geral medico, com-posto de membros eleitos pelas dezenove corporações a que omesmo acto ainda reconheceu o direito de expedir aquellesdiplomas. Este conselho, exercendo autoridade a que tem desujeitar-se as corporações, conseguiu, por suas providencias,a uniformidade do ensino e a possível igualdade no valor dosdiplomas. Chegou-se ao fim pretendido por um meio indirecto.

As medidas tornadas já não são tidas por sufficientes.Considera-se demasiado o numero das corporações que podemconferir gráos de doutor em medicina ; e foi o próprio conselhogeral medico que solicitou o. bill, pendente de discussão,

indo a tres as corporações para tal fim habilitadas, umana Inglaterra, outra na Escossia e outra na Irlanda. N'esteponto acha-se presentemente a questão, sendo certo que, comodisse, na Grã-Bretanha nunca esteve em voga o principio daliberdade na collação dos gráos. Esse principio, que n|> eraaceito na França, antes da recente reforma, que ha de custara manter-se, (**) não o é na Allemanha, onde recorreu-se aomeio rigoroso do exame do Estado contra a classe funestados doutores in absentia, nem na Itália, onde as faculdadeslivres não podem conferir gráos, nem na Bélgica onde, exis-tindo duas universidades officiaes, as de Gand e Liège, e duaslivres, as de Bruxellas e Louvain, ha o jury mixtô que écreação do Estado. ,

. Com effeito, ninguém pôde ter mais que o poder publicoo sincero empenho de velar em que não se abaixe o nivel dosi

^Í^U^^^ the —e Committee of the general

conferir os gS P JC t0 de lei restltuilld° ao Estado o direito de

reduz

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DA COMPETÊNCIA EM M<TERU DA collAçio DE ^ 99

estudos: superiores, como tanto importa á illustraçao „acio„a,Elle nao se deixa dominar pelas suggesfe do i t "

visa a lucros, nao tem que converter a instrucção em vertaespecia de receita, nem encarrega os estabelecimento „funda de dedicarem tambem sens cuidados á p,-„c„ra Zmeios de conservação. piwura dos

Por outro lado entregar á industria ou ao arbítrio parti-çular

a capacidade de habilitar para o exercício da mediei™da advocacia, da magistratura, e entregar aos azares da boáou ma fortuna os interesses estáveis que se prendem á saúpublica e a administração da justiça.

A faculdade preventiva de examinar se os qoe aspirão aesse exercício reúnem as precisas condições, 1 importa atutella da autoridade sobre o cidadão. A autoridade faz oque, em geral, os cidadãos não podem fazer; dá, em presençade provas publicamente apreciadas, seu juízo áceroa laptidão dos que se apresentarão disputando os gráos. Com oacto garantidor da concessão do diploma scientifico, fornecebase ao cidadão para suas deliberações quando nec ssita

correra medicina.ou de defender nos tribunaes o seu direito!mas nao diz ao litigante que procure este advogado de pre-ferenca aquelle nem ao enfermo que se entregue aos cuidadosd este e nao d aquelle medico. A escolha depende da con-nança do interessado, e a preferencia é completamente livre

_ O melhor modo de exercer a faculdade preventiva, de quenao deve ser privado o poder publico, é questão de adminis-tração, que pode ser resolvida, ou pela fgrma porque nós aresolvemos, ou adoptando o jury mixto como na Bélgica, ou oexame do Estado, como na Allemanha. É questão para serapreciada separadamente.

Penso que podemos manter o nosso systema. Emquantoas corporações docentes forem escrupulosas no juizo acerca doaproveitamento dos alumnos, emquanto o favor e o empenhocomo o ódio e a malquerença forem banidos nas approvaçõesou reprovações, podem ser cilas as depositárias da superioraunbmção de resolver definitivamente sobre a concessão de

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100 CONFERÊNCIAS POPULARES

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diplomas a que a lei confira direitos e privilégios. Mas se

procederem diversamente, se o patronato afrouxar o salutarrigor que deve presidir á collação dos gráos para que se con-siga o fim social, a que o legislador se propõe, de que odiploma seja uma presumpção de saber, dar-se-ha então ocaso de recorrer ao meio final do exame do Estado.

Sei que o systema allemão provoca sérias objecções; e voucitar a opinião contra elle manifestada por trez homens il-

«

lustres.Saint-Marc-Girardin diz:» Porque tanta desconfiança no Estado faculdade, quando

se deposita tanta confiança no Estado administração?«« Ha no Estado faculdade garantias especiaes de indepen-

dencia, de capacidade, de fixidez, de espirito de corporação,

que o tornão superior ao Estado administração.« Devemos preferir, em assumpto todo scientifico, as ga-

rantias da collação dos gráos pelas faculdades á intervençãoda administração, tão movei e tão sujeita aos vai-vens da po-litica e ao espirito de partido. »

Rémusat, outro espirito eminentemente culto, observa :« As faculdades serão mais imparciaes que o jury do Es-

tado. As faculdades são o Estado em sua melhor forma. Ellasofferecem mais garantias de rectidão e de estabilidade que os

jurys transitórios immediatamente dependentes do governo,compostos sob a inspiração dos sentimentos moveis de umaadministração tambem movei, e accessiveis ás influencias po-Hticas e ás paixõefc do dia. »

O Duque de Broglie resume o seu pensamento nesta phra-i

se expressiva:« O que se ganhará substituindo um tribunal inamovivel

por uma commissão administrativa amovivel \ »De certo que, postos em confronto os dous systemas, o

de ser o gráo [conferido pela corporação docente, ou, como dizSaint-Marc-Girardin, pelo Estado-faculdade, e o de ser elleconferido por uma commissão dependente do governo eaccès-sivel á influencia politica, ou pelo Estado-administração»

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DA COMPETÊNCIA EM MATÉRIA DA COLLAÇÃO DE GRÃOS 101

muitas razões de peso occorrem para se hesitar na preferem-cia. Mas havieis de ter notado, senhores, que a minha idéa édiversa. Eu não entrei no exame da questão de preferencia,nem me inclinei antes por um que por outro systema; o quedisse foi que se as corporações docentes, esquecidas do seudever, deixassem de corresponder á confiança do legislador,n'ellas depositada a bem da sociedade ; se, por indesculpávelcondescendência, conferissem diplomas a quem não os mere-cesse, haveria ainda, como recurso para atalhar o prosegui-mento e aggravação do mal, o meio final do exame do Es-tado

Seria mais uma prova, reclamada pelas circumstancias, noempenho, sempre justificado para a autoridade, de manter ele-vado o nivel dos estudos superiores. N'estemodo de proceder,se vier a ser aconselhado pelo zelo vigilante do poder legisla-tivo em prol de um grave interesse social, nem o governo nema faculdade resolve por si. Sem o voto da faculdade paralysa-se a acção do governo. Mas, vencida a primeira dificuldade,suspende-se ainda o direito a collação do gráo, até que venhafirmai-o o triumpho em nova prova perante um jury especialnomeado pela autoridade administraiva. Seria este um meiode realçar os gráos scientiíicos quando enfraquecidos. O di-ploma deve, como a moeda metallica, ter valor intrínseco; Setiver simplesmente o valor fiduciario da moeda-papel, muitoreduzido ficará o seu prestimo.

Somente esse valor fiduciario tem os diplomas conferidosnos Estados-Unidos, onde a negação do direito do Estadoacerca da collação dos gráos acompanha a liberdade do ensino.

« Esta concepção anarchica da liberdade do ensino, dizJules Ferry no discurso de 11 de Junho de 1875, não existeem nenhuma parte da Europa.

« Não existe na Allemanha, onde o Estado procede, peloque toca á collação dos gráos, do modo mais rigoroso, podeaté dizer-se mais despotico, sob a forma dos exames do Estado.

« Essa liberdade não existe na Itália, onde entretantodá-se a liberdade do> ensino dentro de certos limites: alli só-

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102 CONFERÊNCIAS POPULARES

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mente as universidades do Estado conferem gráos; não podemfazel-o as faculdades livres.

« Não existe na Bélgica, porque n'este paiz o jury mixto,o jury combinado que substituio em* 1849 o jury do Estado,que existira de 1835 a 1849, é órgão do Estado, instituiçãodo Estado. É o Estado que confere os gráos, por meio dojury mixto, acreditando ter *n'elle encontrado o melhor meiode exercer sua inspecção, quando não conseguio senão abai-xar os estudos e aviltar os gráos.

« Não se conhece senão um paiz onde a liberdade da col-lação dos'gráos existe, os Estados-Unidos. » .

Deveremos acaso, contra o que a experiência tem aconse-lhado a povos que tanto pezão os altos estudos, imitar n'estaparte o exemplo, embora respeitável, dos Estados-Unidos ?Deveremos tentar a já abalada experiência da França l Creioque não. (*)

(*) Na conferência do Sr. Conselheiro Correia, publicada no vol. 1°,pag. 20, linh. 8a, em vez de — desolução — deve ler-se — desolação; — napublicada no vol. 2o, pag. 8a, linh. 4a, em vez de — conveniente organisaçao—deve ler-se — adequada organisaçao; — e na publicada no mesmo volumepag. 14a, linh. 7a, em vez de — magnificência, — deve ler-se — munificencia.

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a& sa^^cí.

Eli EELAÇlo COM & ---ffc-SBS

t» CONFERÊNCIA EM 16 DE ABRIL DE 1876

Pelo Dr. Antônio Felicio dos Santos

Minhas senhoras, meus senhores, -O assumpto de que2Sè 3£ ' VaSt° e * ^ da -P^ade

Tratar da moda em relação com a hygiene, é nada menosdo que analysar todos os nossos hábitos, todo o nosso viverpubhco e privado comparando-o com os princípios da scienciahygiotemca. porquanto se o homem, como disse um philosopho,Çpmmal de hcéitos, o homem civilisado é particularmenteungido por leis convencionaes, por praticas fixadas pelo ca-pneno do dia, é forçosamente o homem ala moda.

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CONFERÊNCIAS POPULARES

i^,w n'este leito de Procusto deJá vedes que comprehender n este lei

uma conferência matéria tão vasta é. temerária empreza.

Zo BIsaparar todos os detalhes, conter-me em digressões,Devo, pois, apara ^ outro p(mto queresumir-me emhm para naudxr srrs^e -. *, * s.."^

pC^rnão accuse de «cesso de preoe^o

perdendo o tempo emquanto lamento sua escassez, entro ja

m SÍ. Um característico de nossa idade é o caminhar

dei, a agitado fehri, e imputaraa —^

natureza e satisfação de nossas ambições, de envo tajono

s„zo de todas as sensualidade*. Andando com toda a forca das

liras, procuramos obter damachina humana o max.mo da

producção sem attendermos ás leis da sua conservação, Entre-

tanto o organismo repara-se e poderia ter uma dura çao q a >

indefinida: se a vossa existência social náo fosse uma conspr-

ração systematica contra a hygiene. _

E nunca talvez se tenha faltado tanto na scienca benefi-

ca da conservação do homem. Nunca a hygiene foi tao um

versalmente apregoada e officialmente reconhecida. E ainda

um característico do nosso século que tanto le e tao pouco

estuda.Essa sciencia estéril, sem applicação pratica, chamava-a o

divino Platão-ignorancia da peior espécie.-» Com etteito,

dizia elle, conhecer o verdadeiro e o bello e regeital-o na pra-

tica é viver o homem em antithese eomsigo mesmo. Os que

assim procedem devenão ser arredados da direcção dos pu-

blicos negócios, ainda quando tossem substituídos pelos anal-

phabetosde bom senso, porque como poderá dirigir a repu-

blica quem está em contradição com sua própria mdividuali-

dade? n Conceituosas palavras 1 Fellas se acha a condemna-

ção toes ambiciosos scepticos, d'esses políticos sem escola,

chefes de partido que no poder esquecem os principies da

bandeira que os elevou na opinião. (Apoiados:

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^^mm^O COM A HYGIENE m

So uma cousa, senhores, ha superior á vida, é a saude O¦ypeiuan-aco * Ge"ebra- * *• Rousseau, r conhecTeJaverdade dizendo que a hygiene é mais do que uma 1^e uma virtude individual o social A mesma 17»^'testamento de um dos pontífices «JSSSKdierno, nas Cònfasões do Dr. Strauss O vi ? ,documentos biplicos, antes de Zr 1 eT ^—nea com o naturismo, e 'ogicam^££

££*oxou-lfie, porém, um l„„,te -a hygieno. N-eSsa constiSethca reconhece-se a legitnmdade de dous tyrannos-Suf

Os discípulos de A. Comte, esses, comprehendendo a moral

tao e da hygiene que tornou-se um ramo da sociologiacomo divisão da biologia geral. yDeixando de lado taes e.xagerações, basta para firmar emiportancia da scíencia liygica a seguinte consideração: contra

tatal disso so restão-nos as incertezas da medicina, os estou-vamentos da cega therapeuticá.A hygiene não émais como na sociedade antiga um simplesaggregado de preceitos de uso particular.O que serião sem a hygiene publica as formigueiras huma-nas as grandes cidades, onde, a par de tantas condições densalubnda, e, concorrem para abastardar a raça humana duascausas de effe.tos igualmente desastrosos~a miséria e o luxo-doloroso contraste, terrível epigramma da civilisação!A sociedade traz comsigo o bem estar e o melhoramentodo homem. Infelizmente essas vantagens eus tão-nos sacrifíciose a civilisação tem aberrações que destroem sua própria obra.Alguns dos inconvenientes do progresso são irremediáveis eacceitamos a sociedade porque a somma dos seus bens é supe-nor a dos seus males. Outros porém são accindentaes e

podem ser removidos. É necessária não mettel-os em linhade conta quando julgamos a civilisação para não chegarmosa conclusão errônea da escola de Rousseau.Í4

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106 CONFERÊNCIAS POPULARES

""

tj_ desses i a moda, verdadeiro mdium da civilisaçâo.

A moda na verdade impera despoticamente no mundo -

vilisado. N&o é só nas tutilidades que se «sua»-

fluencia, as artes, as sciencias, os costuma a poUuca e ate a

relkião tudo soffre suas metamorphoses brutaes. E ai de

nÍSnutibtrahir-se á suatyrannia! Ridícula por essência

eltapune-o com o ridículo, o mais doloroso dos stygmas.

pToutro lado aos seus pupillos todos os accessos sío

fáceis e a porta dos successos abre-se-lhes de par em par.

Debalde, senhores, trabalharei* com o braço ou com a

inXncia debalde sereis um homem de bem, no rigor da

pato cimentando todos os vossos actos com a mais escru-

Í a consciência, se »o fordes um Ismm * moda ficareis

„a penumbra, senão na mais completa obscundade.

Quantos oradores, advogados, naturalistas, médicos,

artisL, profissionaes de todo o gênero só devem sua impor-

Liia á moda que os sagrou notabilidades I Eis a sua.unica

legitimidade. Como esses gigantescos cogumelos que erguem-se

da terra depois de uma noite de chuva, adimra-se a rap.dez de

sua elevação e pergunta-se donde sahirão, como crear&o-se

essas reputações l {Muito bem.)

Ha, senhores, na sociedade duas realezas, a do mento real

e a do capricho, a da ratóo e a da moda. E esse Taicum e esse

Mikado quasi nunca estão de acordo. E mister escolher

O mérito real eleva-se lentamente, superando tantas dito-

culdades, arrostando o ridículo, tropeçando em mrl obstáculos,

mtando com o desanimo que lhe incute a injustiça e a*

^gestões dos próprios amigos que sua exaltação é um ver-

dadeiro martyrologio. Por isso os charlatães de todo o gênero

preferem elevar-se pela moda que em um momento atira-os

attonitos nos fastigios da opinião, embora no dia seguinte os

sepulte no mais completo olvido .Sim, que o único correctivo da moda é a sua própria m-

constância. Seus Ídolos hoje são tudo, presidem a tudo,

amanhã são pobres crinolinas que pendem em uma loja do

adélo, fosseis dignos de um Museu!

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DA MODA EM RELAÇÃO COM A HYGIENE 107

Não se podem elles queixar; assignárão um pacto mais ter-rivel do que o do Mephistopheles do Fausto, porque a inexo-ravel moda nem espera-lhes a morte: atira-os no limbomesmo em vida. Quantas celebridades nossas não tendesvisto assim despenharem-se da rocha Tarpéa t

E a eterna historia do ostracismo atheniense.Essa lei da inconstância é geral. O theatro, a litteratura,

a linguagem, a giria, a pilhéria de hoje, tudo passa. D'aqui adez annos ninguém entenderá as chocarrices que nos desoppi-lão o baço actualmente. Também a Moda é um thermometrodo mérito: o que resiste a ella, pôde-se affirmal-o, é de bomquilate, e para julgar uma época basta analysar-lhe as modasdominantes. Assim, uma idade, uma sociedade que prefereOífenbach o Mayerbeer, Ponson du Terraii a Vietor Hugo,que lê os Dumas Pai e Filho em vez de Proudhom, está julgada.

E todavia é no nosso século que os mais terriveis proble-mas avanção a passo de carga, Epicuristas modernos deitamo-nos na relva, coroados de flores euntados de nardo, bebendo oFalerno emquanto o espiritismo assoma ao norte e o Darwi-nismo ao sul, o ultramontanismo avulta no oceidente extin-guindo o livre exame e achando em frente apenas o Cesarismoque marcha do Oriente ! As meias soluções, os regimens con-cordatarios, as federações germânicas, o statu quo, os contra-pesos internacionaes, as monarchias constitucionaes, todos osequilibrios instáveis, todas as geringonças provisórias estalãodenunciando o caruncho e exigindo construcções definitivas emnome da lógica.

Sabeis, senhores, o que faz a moda? Converte as questõestremendas em comédias, os duellos terriveis do progresso comos interesses oppressores em jogo de esgrima de floretes abo-toados; e, segundo um dos nossos politicos mais da moda,procura apenas ganhar tempo. Em vez da emancipação do es-cravo, liberta-se o ventre da escrava, em vez da liberdade deconsciência oscilla-se entre a opa e a trôlha !

Quereis agora ver o que é a influencia da Moda nas scien-cias t

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108 CONFERÊNCIAS POPULARES

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Para hão affastar-me muito do meu principal objeetivo vouapenas desenhál-a na medicina. Com effeito um olhar de re-lance na historia da sciencia medica mostra-nos as escolasóriginando-se, sustentando-se e cahindo com um homem no-

tavel, de prestigio e fascinação entre os contemporâneos, e cujainfluencia pouco se estende á posteridade, em vez de assenta-reín se sobre as grandes conquistas do espirito humano. Ga-leno, Paracelso, Van Helmont, Stahl, Barthez, Haller, BrównThomazini, Rasori, Broussais, Raspail, Hahnemann, etc, e -

je Litré, Wirchow, Darwin, Spencer e tantos outros maisinfluirão e influem por suas theorias gratuitas e quasi mysti-cas do que pelas observações e descobertas importantes com

que enriquecerão a sciencia.As theorias dominantes têm sempre o cunho da Moda, em

vez de serem deduções rigorosas de princípios novos eexactos.Ás verdadeiras acquisições da sciencia, essas tiverão muita

vez de vencer as resistências tenazes dos homens da moda,dos idolos da opinião. Recordai o que aconteceu á bélla des-coberta de Harvey. Os Riolan, os Guy Patin com um troca-dilho insulso condemnão a circulação do sangue : appellidandoos sectários de Harvey circulatores (charlatães), e Th. Bar-tholin com o epitaphio epigrammatico do fígado detêm nasfronteiras da França por muitos annos as idéas do celebre

physiologista inglez. Na therapeutica, que tem sido um pai-lido reflexo da sciencia medica, é que a influencia maligna damoda mais se tem feito sentir: e já de longa data. Em Romao medico Musa cura com banhos frios o imperial pimpolhoCesariào Augusto; e ninguém quiz mais outro medico nemoutro systema. Pouco tempo depois morre o sympathico Mar-cello com o mesmo tratamento, e o medico e a hydrotherapiacahem esmagados pelo ridiculo.

Conheces a guerra civil provocada na sciencia pelo anti-monio. Nem o talento de um Paracelso, e de seus suecessores

puderão defendel-o contra o anathema da Faculdade de Pariz,atê que em 1658 o rei Luiz XIV adoece de uma febre typhoi-de e o Cardeal Mazarino desempata uma conferência medica}

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DA MODA EM RELAÇÃO COM A HYGIENE 109-.r. f

incumbindo do tratamento do rei, o celebre Guenaut, queadministra o vinho stibiado. O rei cura se com elle ou apezard'elle,e d'ahi em diante o carro triumphal do antimonio nãoacha mais obstáculos.

Como médicos e remédios da moda ha tambem moléstias damoda. Quando o espintuoso medico de Napoleão, Corvizartpublicou o tratado de moléstias cardíacas todos os pariziensesqueixavão-se de palpitações : depois dos cumprimentos usuaesesse era o assumpto obrigatório da conversação. Era a moda.

Actualmente só se falia em anemias geraes e locaes. Hauma d'essas, a grande anemia cerebral, que decididamente édominante hoje, e infelizmente o ferro, os tônicos, as duchas ea carne crua não bastão para cural-â. Não vos lembrarei odentista e o ocülistâ pesados tributos desconhecidos dos nossosmaiores. (Risadas.)

A origem da moda, senhores,-é a imitação servil das ex-centricidades dos grandes, que muitas vezes não passão degrandes insensatos. Ora, a imitação é uma faculdade baixa.

« Basta saber até que ponto um povo é imitador, diz Fleu-ry, para tirar-lhe o horóscopo e determinar a sua parte noprogresso. »

« Um povo imitador, diz Rousseau, é um povo menino. »A única imitação digna de cultivo é a da Natureza e essa

mesma precisa de ser fecundada pelo gênio e inspirada peloideal para crear os prodígios da esculptura e da pintura.

A imitação inconsciente, pueril, é uma concepção ele-mentar, rudimentaria.

O celebre Darwin, nos últimos desenvolvimentos da theoriaevolutiva, estabelecendo a descendência do homem por tfans-morphismos de typos animaes extinctos, dá-nos um ascen-dente próximo c*Mmum com os siwios. Em um dos seusúltimos livros, a Expressão das Emoções, mostra engenhosa-mente o nosso parentesco com o nosso primo o macaco actual,menos pela igualdade de conformação orgânica do que pelaanalogia das funcções cerebraes, e sobretudo pela imitação.Sem fazer-me cargo de defender semelhante theoria, não posso

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110 CONFERÊNCIAS POPULARES

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deixar de concordar que esse é um dos argumentos mais espe-

ciosos em prol da hypothese do Simio Anthropoide de Haeckel.

A imitação é uma degradação no sentido scientifico da

palavra. _ Ella é peculiar á ignorância e incuriosidade, digno

travesseiro em que repousão as cabeças bem penteadas, disse-o

Montaigne. *

A todo individuo, a todo coliectivo social é necessária a

originalidade, sem a qual não ha autonomia nem verdadeiranacionalidade. Como ha de um povo imitador concorrer parao progresso e melhoramento da espécie humana .

Essas reflexões applicão-se, senhores, perfeitamente ao

nosso paiz, imitador pueril, sem critério, das velhas sociedades

da Europa. Em uma discussão politiea eu disse e tive a feli-

cidade de ser applaudido, ao menos fora do paiz, que o Brazilencarado por seu systema administrativo e ethico parece umterritório europeu destacado por um cataclysmo e adaptadoá força no continente americano. Em paiz como este nãoadmira que as modas francezas tenhão tão caloroso acolhi-mento.

Nenhum critério, porém, preside a essa transplantação:viajantes ülustrados o tem dito e não podemos desconhecel-o.Em 1871 reinou entre nós o gosto dos vestuários negros, dosvidrilhos pretos, dos azeviches e arrebiques de borracha \ulca~rasada. Adereços, collares, broches, pulseiras, cintas, e atéas medalhas das cadêas de relógio dos homens, tudo era negro.Impressionado com esse gosto funerário, busquei-lhe a origeme descobri-a. Conheceis as grandes catastrophes da Françan'esse anno de guerra e invasão germânica: os francezes commuito bom senso escolherão o luto para moda, luto pelas des-

graças da pátria e pelas victimas da defesa do paiz. Haviasobretudo uma idéa politiea, oceultar d'essa arte o numero demortos que o luto das respectivas famílias denunc ária. Poisbem, senhores, nós irreflectidamente adoptámos o luto daFrança: chorámos sem sermos da freguezia, [Hilaridade) E o

que é peíor: chorámos sem saber o que fazíamos, {Hilaridade.)

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DA MODA EM RELAÇÃO COM A HYGIENE IH

N'esse tempo tambem era de uso geral entre as senhorasuma capa ou cousa que o valha denominada peplon : sabeis oque era ? Achei-o em um jornal de modas do tempo. Era opeplum dos romanos adoptado em um momento de enthusiasmohistórico, como a primeira republicana os tivera quandointroduzio as modas gregas e romanas. Nós, não satisfeitos emestropiar a lingua com os neologismos francezes da moda, pro-nunciavamos o latim em francez ! [Hilaridade.

Isso é apenas ridículo. O que porém é altamente incom-pativel com as leis hygienicas, além de ridículo, é trajarem-seas nossas elegantes segundo as modas do verão no inverno evice-versa.

A facilidade e rapidez das communicações transatlânticastrouxe-nos essa inconveniência. A differença de hemispheriosdá-nos desgraçadamente estações oppostas ás da França : osindiscretos paquetes trazem-nos as modas e os elegantes figu-rinos vivos em opposição com a atmosphera. Em Junhochegão-nos os vestuários de gases e filós, as cambraias e cas-sas, e as nossas mulheres ahi estão tiritando de frio, hirtas,geladas, contrahindo bronchites, pneumonias e anginas, mascertas de estarem vestidas conforme a ultima moda de Parizque a baroneza de tal trouxe no ultimo paquete ! (Hilaridade.\Em Janeiro o mundo elegante muda de aspecto : as infelizessenhoras suão e tressuão, arquejao, debilitão se em profusatranspiração, ganhão anemias, vertigens, e tuberculoses sobas pellucias, cachemiras, arminhos e paletós de inverno: masestão no rigor da moda e isso compensa tudo. [Risadas }

Ah ! senhores, se eu tivera algum valor na sociedade ele-

gante, pediria ás suas autocratas que decretem um adiamentode seis mezes para cada moda nova.

Quereis agora procurar commigo a pátria das modas 1O immortal cantor do Hyssope diz comicamente:

Nos vastos intermundios de EpicuroO gran paiz se entende das chimérasQue habita immenso povo differenteNos costumes, no gosto e na linguagem,

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112 CONFERÊNCIAS POPULARES

<( Aqui nasceu a moda e d'aqui manda« Aos vaidosos mortaes as varias formas(c De seges, de vestidos, de toucados,<( D*3 jogos, de banquetes, de palavras;« Único emprego de cabeças ocas.

Tal paiz não é, senhores, um território fixo; a historia

mostra-o acompanhando as caravanas migratórias do progresso.As metrópoles da moda são os centros fataes da civilisação,onde á par da espuma brilhante do progresso deparão-se

as fezes da humanidade. Esses focos de luz e ao mesmo tempocryptas infectas, cérebros e intestinos dos povos, chamarão-sesuccessivamente Ninive, Babylonia, Suza e Persepolis, Athe-nas, Roma, Veneza, e hoje Pariz.

Deixemos os mythos orientaes, partamos da Grécia cujahistoria mais conhecemos.

Os antigos gregos erão sóbrios, severos e simplices noscostumes. Depois de Salamina e Marathonia os Persas ven-cidos vingarão-se deixando aos vencedores o luxo e as modasorientaes, como um icheumon damninho deixa sob a epider-ma da lagarta processionaria o germen que ha de devoral-a.

O mesmo aconteceu em Roma.Depois da conquista da Syria, os rudes vencedores de

Annibal converterão-se em histrioes ridículos, crapulosos, in-fames, escravos do luxo, origem de todos os crimes.

Ouvi o que dizia Juvenal:

Peregrina ignotaque nobisAd scelus atque nefas quodcumque estPurpura ducit....

\

Ssevior armisLuxuiia incubuit, victümque ulcisoitur orbemNullum crimen abest facmusque libidiais ex quoPaupertas Romana perit.

O illustre Erasmo, senhores, attribue com razão á loucurao furor das modas. Da mesma opinião é o nosso padre Vieiraquando descreve essa náo de alto bordo, esquipada e empave-

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DA MODA EM RELAÇÃO COM A HYGIENE H3

sada, de que é tributário o mundo inteiro, e que chama-se amulher da moda.

O assumpto que nos occupa tem duas faces distinctase ambas importantes—o lado econômico e o lado hygienico.Quanto ao primeiro declaro-me já incompetente.

Assim apenas lembrarei que, no inquérito ultimamentefeito em Londres acerca das periódicas crises commerciaes,indigitou-se como uma das causas prineipaes do mal o luxodasjmulheres, as condescendencias dos pais e maridos, e a ig-norancia em que vivem ellas da exacta situação econômicad'estes.

A causa primordial, porém, é evidentemente a má educa-ção da mulher.

Com eífeito, senhores, parece que o homem, para mais.assegurar a submissão da mulher e evitar a sua emancipa-

ção intellectual, embriaga-a com o luxo e a moda. (*)Nenhum regimen colonial é na verdade mais detestável

do que o estado de degradação social da mulher.Fazemos d'ella apenas o jogral do homem, para distrahil-o

das preoecupaçoes da existência. Em vez da companheira dostrabalhos ella é um traste de luxo e de divertimento ocioso.

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Ha outra idéa mais natural, porém nao menos odiosa. E ovelho Montaigne quem vai expol-a :

« Nós apparelhamos a mulher desde a infância para as tra-mas do amor; as graças, os ademanes, a sciencia, a palavra,toda a instrucção d'ella cifra-se n'isso. »

Eis como ella é criada, senhores, sua existência rola sobredous eixos, enfeitar-se e scismar vagamente.

Nenhum trabalho muscular, nenhuma preoecupação seria

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(*) É o systema da Companhia de Jesus. Com as festas idolatras^China e índia, com os caníombeu, reinados do Rosário (congados), marajá-dai , etc , mantinhão o domínio espiritual sobre os povos bárbaros do

O-Unte, os indígenas da America, e os africanos escravos, que n'essas bu-

gigangas esquecião a servidão a elles imposta.

(Nota do Orador.)15

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114 CONFERÊNCIAS POPULARES

da intelligencia. Em vez de elevar-lhe o espirito ás altas co-

gitações da sciencia, deixa-se-lhe sem pêas a imaginação que, ha de tender por força para onde leva-a a educação viciosa.

Um filho é uma esperança risonha, um collaborador donosso edifício social, um prolongamento de nós mesmos nofuturo; unia filha é um parasita encommodo, um fardo de

que procuramos nos libertar o mais depressa possível.É a nossa sociedade. O Korão em lugar do Evangelho !O homem suppõe na mulher uma inferioridade intellectual,

uma debilidade tal que só incute-lhe no animo frivolidades evaidade. Ora, n'essas mesmas ninharias ella mostra sua ca-

pacidade. Deixárão-lhe a moda e a mulher elevou-a ao maisalto gráo de desenvolvimento , transformando-a em uma artecom que nos domina por sua vez. Lembrais-vos do naturalistaLatreille'? Passou annos em um [cárcere, e convertendo aslongas horas de tédio no estudo de um ünico insecto, des-cobrio as mais curiosas leis da ontologia.

Eis o que íaz a mulher. Qual de nós entende ao menos ovocabulário da sua sciencia das bugigangas da moda \

Se essa actividade fosse dirigida para cousas úteis, se essetempo fosse empregado no estudo de qualquer sciencia ou arte,quanto ganharia a sociedade! Faça-se essa reforma e teremoslogo milhares de braços productivos, de intelligencias activas,-para transformar-se um paiz que ainda não resolveu o pro-blema da colonisação.

Fora do culto da moda a mulher pode ser uma Mme deStaêl, uma Sevigné, uma Mlle Royer Collard, uma GeorgeSand. Todas as virtudes varonis podem ser igualmentepostas em pratica por essas naturezas sensíveis, enthusiastas,que possuídas de uma idéa tornão-se uma Arria, uma Porciano meio das dissoluções de Roma. Lucrecia, Valentina deMilão, Izabel de Castella, Maria Thereza, M™ Rolland,contrapésão bem uma Cleopatra ou uma Lolia Paulina, e umaAspasia reunindo os dous typos é quasi capaz de tornar admi-ravel a mulher perdida*

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DA MODA EM RELAÇÃO COM A HYG1ENE H5

A moda hoje, senhores, não tem razão de ser. Pelo ladodo luxo não se poderá jamais attingir á opulencia do impérioromano. Se o tempo penmttisse eu vos ieria algumas notasque aqui tenho sobre isso. Verieis que as memoráveis cêasde Crasso e l^ucullo não valião o leque," véo e espelho deCleopatra, os anneis de Faustina e Domicia, os braceletes deCesonia, os brincos e o vaso nocturno de Poppéa e Calpurnia,os espelhos e diademas de Sabina e Lolia Paulina; só essamulher de Caligula tinha quarenta milhões de jóias, herança deseu avô Lolio, o celebre governador do Oriente, que accumulárathesouros fabulosos com as mais escandalosas rapinas. Cadaum d'aquelles objectos de luxo custou milhões, como os ves-tidos, em que trabalharão gerações de operárias, denominadopor Seneca, Plmio e Varrão, vestidos de vidro e de vento,para significarem a sua delicada textura.

Cesses autores, nas obras de Junio Paulino e dos satyricosatinos, podereis ler a desciipçuo da vida intima de umapatricia romana. Vendo a legião de escravas, artistas emodistas que servião a cada uma, os officios extravagantesd'ellas, as* peças do vestuário, os perfumes, cosméticos, etc,nâo nos parecem exageradas as ímpreeaçoes de S. JoãoChrysostomo e S. Clemente de Alexandria contra essas ter-riveis damas romanas e galo-romanas.

] Debalde a lei Oppia quiz refrear o luxo, debalde clamouSeneca que todas as pensões das viuvas de generaes mortosem defesa do paiz nào montavuo á cifra de uma só das jóiasde uma patricia !

Pelo lado da variedade tambem pode-se dizer que todas ascombinações estão esgotadas.

Pretendia provar-vos essa proposição com uma rápida re-senha da historia da moda em França, a partir dos reinadosde Felippe Augusto e dos Luizes Vil e Vlli, quando come-Çou, até nossos dias. Queria mostrar-vos que já S. Luiz foiobrigado a restringir o luxo ; que no tempo de Felippe-o-Bel-lo, Felippe de Valois e Carlos VI a moda fazia furor, e os

penteados monstruosos d'esse tempo excitavão as iras dos pré-

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116 CONFERÊNCIAS POPULARES

garres, emquanto os cornos de enfeite, as caudas e os bonets

ponteagudos erão fulminados pelo Vaticano; que as modas

itálicas de Francisco I, Henrique II trouxerão osvertuga-

dins |saias-balão] as colmèas, as anquinhas e logo após, no rei-

nadode Henrique IV, a quasi nudez das mulheres com os

decotados e saias curtas que determinarão bullas de Innocen-

cio XI, mandando que as mulheres se vestissem ; que tudo

sso foi reproduzido, e augmentado nos reinados dos últimos

Luizes, e sobretudo no de Luiz XVI, em que a moda alterava-

se ao menor capricho da bella e faceira Maria Antonieta.

Com particularidade lamento a falta do tempo para mos-

trar-vos P enorme beneficio da Revolução de 1789 passandocomo uma Corrente sobre todas as futilidades das modas do

ultimo reinado, e estabelecendo os mais hygienicos vestuários

para ambos os sexos. Na verdade os largos, commodos e ele-

gantes vestidos gregos do século de Pericles e da republicaromana supmrimp ão as extravagâncias de Maria Antonieta, e

M™ de Talien reformou a moda sob os mesmos princípiosâmplices, sensatos que a Convenção adoptou na adminis-

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Passemos a outra matéria. A Moda, senhores, é um dosmadres inimigos da hygiene. Cambiante por natureza, obe-decendo só ao capricho, não pôde harmonisar-se com asciencia cujos princípios são fixos. Pode ella uma ou outravez na sua estonteada carreira coincidir com a hygiene, mas é

para mudar logo. E suas mudanças infelizmente fazem-se porsaltos e contrastes, de sorte que o organismo não pode gra-dualmente a ellas affazer-se. Parece mesmo que são as anti-théses o chie a essência da Moda.

Nesgados, depois dos baldes> e em seguida as couraças, an-quinhasepoufs.

Depois das cinturas apertadas, as túnicas amplas.Deppis da mulher maribondo, a mulher comprida e chata

cpmo a espada de Carlos Magno. [Risadas.)Póde-se prever sempre que a moda subsequente será p

negativo da aetual. Assim, estes penteados de hoje, capazes

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DA MODA EM RELAÇÃO COM A HYGIENE H?

de esconder o colchão do soneto de Tolentino, serão talvezsubstituídos pela completa calvicie.

Preparem-se as elegantes.Deveria merecer attenção dos sectários das modas a se-

guinte consideração :

Todas ellas tiverão origem ridícula ou forão inventadas porpessoas que tinhão defeitos physicos a occultar ou vantagens

plásticas a ostentar.Uma senhora de bom gosto sabe tirar partido de taes

vantagens ou encobrir com arte um senão. Vêm depois outrase desastradamente imitão-a ; mas, não podendo copiar o mo-dello, tornão-se horríveis caricaturas. Assim um vestido de-Cotado e conchegado ao corpo realça um tronco e membrosartísticos; mas quem poderia sem a cegueira da moda tolerai-oem uma pobre senhora de peito descarnado, de espaduascavalgadas e cadeiras bovinas \ [Risadas.) Maria, segundamulher de Felippe lll, de França, tinha um verdadeiro pes-coco de avestruz, adoptou os collarinhos.

Outras mais tarde encobrirão igual defeito com a gravataque tomarão de um regimento de Croatas então acampados emPariz.

Margarida, mulher de Luiz X, dotada de um collo divino ede costumes licenciosos, introduzio o uso dos decotados.

Anna de Bretanha rasgou as mangas e encurtou o vestido

para mostrar os mais bellos braços e pernas da França.A celebre Catharina de Medicis degollou o corpinho do

vestido, fazendo-lhe uma larga chanfradura por detraz, parafazer realçar as magníficas espaduas que tinha.

Os períugadins (depois renascidos cpmo crinolines) forãousados por fidalgas da corte de Luiz XIV até á Regência paraencobrirem a gravidez.

Os fidalgos obesos do tempo de Francisco II i.nven-tárão os ventres postiços, e as anquinhas.

Na corte de Henrique II havia algumas princezas escro-

phulosas.... (apezar do condão que têm os Bourbons de eu-

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118 CONFERÊNCIAS POPÜLAÈES

rarem as alporcas pela simples imposição das mãos), inven-tárão os tuyotés, renascidos mais tarde com o nome de Ruy-Blas.

Os braços fusiformes creárão as mangas de fofos, comoos Cupidos velhos o cabello empoado, as mulheres pequenasos saltos grandes e as achatadas as anquinhas e pouffs.

Maria Antonieta adoptou a touca por ter perdido os ca-: bellos etc, etc. Ora, nessa difficuldade de conciliar a varie-

dade plástica com a uniformidade da moda, seria melhorseguir os preceitos da hygiene.

Os antigos exigião a belleza para a saude perfeita. Nãosomos hoje tão rigoristas, mas, cumpre reconhecel-o, a saudeé um attributo da belleza, e pois a melhor moda deveria sera hygiene. A verdadeira belleza não pode ser essa cachexiadas suppliciadas pelos vestuários e praticas do chamado mundoelegante.

A moda com effeito desculpa todas as excentrici-dades com prejuízo da plástica natural e da saude. É ella queestrangula o pé, o peito e o ventre, arriscando até a sorte dasgeraçõesputuras, arranca os cabellos com os penteados, ames-quinha as fôrmas, e torna a mulher um martyr digno demelhor causa.

Sinto, senhores, que a escassez do tempo não permitta-meentrar em algumas considerações acerca de varias praticasanti-hygienicas impostas pela moda : deixo de parte os incon-venientes das nossas habitações, 'da falta de exercício, os'. abusos da vectação, da troca da noite pelo dia quanto a diverti-mentos, da falta de insolação, etc. Devo porém dizer depreferencia alguma cousa sobre o vestuário especialmente.

Uma questão, senhores, de difficil solução, como todas asque se prendem á origem do homem, é determinar se o ves-

; tuario foi inventado com o fim de resguardar das intempéries,ou para encobrir a nudez conforme a Bíblia-, ou para finsde simples ostentação. Foi a vaidade ou a necessidade ! •

E curiosoío aecordo do velho Montaigne com os Darwi-

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DA MODA EM RELAÇÃO COM A HYGIENE 119 wm

nistas em admittirem a vaidade como único movei na adopçãodos vestidos, aquelle baseado em argumentos theologicos, eestes na theoria evolutiva.

A controvérsia hoje pouco vale: o homem civilisado já seconstituio uma crucifera amollecida, incapaz de lutar pelaexistência sem os conchegos da sociedade. A mulher, essaentão é uma bombyx serica que morreria desde que a tirassemda estufa actual.

O vestuário é, portanto, uma necessidade hygienica parapreservar-nos de acção directa de certos modificadores cos-micos. Regel-o pelo capricho é desnatural-o com grave detri-mento da saude.

O vestuário do homem hoje é mais hygienico: apartecertas exageraçoes e excentricidades, pouco haveria a cen-surar.... se habitássemos um clima frio. Essas vestes pesadas enegras trajadas as mesmas no verão e inverno são um dislateinqualificável.

O chapéo alto de nosso uso é uma calamidade. Os hy-gienistas da Europa têm-o como cousa detestável: dizem queelle não abriga nem do frio, nem do calor, nem da luz, nemdo sol, nem da chuva, e alem disso aquece sobremodo umaparte do craneo, a comprime e embaraça a circulação de re-torno, produzindo perigosas stases sanguineas na cabeça.Os autores europeus dizem que nos climas quentes tal chapéonão poderia ser supportado.,.. elles ignorão até que pontosomos macacos. (Risadas,)

Senhores, as menores causas, com a diuturnidade de suaacção, podem produzir effeitos gravíssimos. Quem sabequantas exaltações cerebraes, quantas loucuras de nossa idadenão terá causado esse desastroso chapéo tubular? (Risadas.)Por precaução seria conveniente que ao menos os nossoshomens políticos usassem dos chapéos de palha que os Bec-querei e os Fleury suppoem adoptados pelos habitantes dosclimas quentes.

Não preciso assignalar mais os inconvenientes de um

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CONFERÊNCIAS POPULARES120 ^===================^-,. ¦¦'¦ ¦"¦¦' " ' '" ¦ '¦ ' ¦"•"*'"

>, ehapéo que não satisfaz a nenhuma das condições requeridas.

Nos paizes quentes accresce a transpiração exagerada da

cabeça com todos os perigos da sua suppressão. Da mesma

critica são passíveis os gorros, e outros semelhantes apetrechos

de cobrir a cabeça em casa.O chapéo quasi desappareceu já do vestuário feminino.

Resta um caramujo quatro vezes menor do que a cabeça e

uma attadura para conter os enormes postiços, fazendo renas-

eer as monstruosas fontanges do reinado de Luiz XV.

Os penteados actuaes ainda são mais inconvenientes do

que o chapéo redondo dos homens. Conta-se que El-rey

Luiz XIV, na sua adolescência, tivera uma febre cerebral em

um acampamento. Um medico de provincia, ignorante da

etiqueta, chamado em conferência, apenas approximou-se do

doente arrancou-lhe a cabelleira dizendo: «Senhores, a causa

da moléstia d'este rapaz são estas quatro libras de cabello. »

O certo é que a febre desappareceu como por encanto ! O quediria esse collega se visse as nossas mulheres com dous a tres

kilos de cabellos postiços, afora os naturaes, flores, chapéo,

grampas, e o mais accessorio? [Risadas.)Quando os postiços são de cabello natural, que a miséria

de umas cede á vaidade de outras, ainda ha outro perigo serio :

a transmissão de moléstias contagiosas. Eis um caso:

Fui consultado por uma senhora acerca de uma pelladuraque lhe apparecêra na cabeça, sendo o cabello natural substi-tuido por delgados e curtos fios de lã branca. Sabeis o queera! Nada menos do que um caso de farpes tonsurans, moles-tia cuja terminação fatal é a completa queda de todos os pellosdo corpo, nem ficando ao menos a lã branca que os substitue

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no primeiro periodo. E uma tinha excessivamente contagiosa

pela disseminação dos espórulos do tricophyton parasita vege-tal que a determina. Tal moléstia é rara entre nós, mascommum na Europa. Suspeitei logo uma trança postiça everifiquei que não me enganara, porque uma amiga da minhadoente, que usava da mesma trança, tinha já quatorze pella-duras iguaés!

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DA MODA. EM RELAÇÃO COM A HYGIENE Í21

Quereis saber o que tive de fazer \ Depois de ouvir o meuamigo Dr. Silvino, aqui presente, cortei as bellas trancasnaturaes das doentes, mandei raspar-lhes as cabeças, e sub-metti-as repetidas vezes ao supplicio da epillação, o arranca-mento dos cabellos um por um, ao redor das pelladuras, atédestruir o formidável prasita !

Justo castigo de uma pratica anti-hygienica !O uso da ílanella sobre a pelle, como o dos cache-nez

mantas, etc, é tambem prejudicial. Excitando transpiraçõeslocaes, expõe-nos a graves moléstias resultantes de sua sup-pressão. Felizmente a propagação da hydrotherapia tem feitoreconhecer que nada preserva mais a pelle do que as loções deágua Iria. As ílanellas são tão úteis aos doentes como preju-diciaes aos sãos.

As senhoras ora trazem o pescoço e peito muito cobertos,ora os expõem sem recato aos olhos, e sem prudência ao arfrio.

Nada á, senhores, mais prejudicial do que os taes decota-dos. Essa moda, diz um autor, por si só tem produzido maisanginas, bronchites, pleurites e pneumonias do que todas asvicissitudes athmosphericas. E é justamente nas mais peri-gosas occasiões, nos bailes e theatros que se ostentão os collosnús das senhoras ! Os chalés e mantas usados na entrada esahida ainda são peiores : exagerão a transpiração de umaparte que vai ser logo descoberta. Os movimentos da dansa,aatmosphera quente dos salões, tudo concorre para o augmen-to do suor : basta um golpe de ar frio sobre o peito nú parase produzirem accidentes graves.

Por isso, e por outras infracções da hygiene, calculo, esem medo de exagerar, em 40% o numero das senhoras queadoecem logo depois de um grande baile.

Não podendo proseguir na analyse de outras peças dovestuário, sobre que aliás ha muito a notar, passarei a dizeralguma cousa sobre a constricção dos vestidos.

Senhores, nada ha mais prejudicial, a meu ver, do que astorturas impostas ao homem e á mulher civilisados pelo aperto

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de varias partes do corpo. Desde a cabeça até os pés quasinenhuma região escapa a elle. Os inconvenientes de tal abuso

são immensos, engorgitamento e inflammações de órgãos in-

ternos, cachexias, edemas, inchações, hypetrophias e atro-

phias consecutivas, contusões, degenerescencias, varizes, re-

flexões sympathicas do systema nervoso, paralysias, pertur-bações diversas deinervação, e até psychicas. Quasi todas as

moléstias podem ter origem na constricção exagerada e aturada.

O espartilho é o typo das torniquetes da moda. Os nossos

vindouros, descobrindo um collete de barbatanas em alguma

ruma, supporão antes ter sido um instrumento de supplicio do

que um arreio feminino da moda....Tambem o espartilho é, de todas as bugigangas da moda,

a que mais e mais illustres imprecações ha merecido. Platner,

Winslow, Van-Swieten, Camper, Soemmering, Buffon, Rous-

seau, Ambrosio Pare, Castro, Spigel, Cuvier, Serres, etc, medi-

cos, naturalistas, philosophos, todos têm clamado em vão contra

essa camisola de força das nossas elegantes. O que poderiaaccrescentar ás reflexões, d'esses sábios e ás de todos os hy-

gienistas modernos ?Esse estojo em que vive a maior parte do tempo a mulher

não tem uma única vantagem. Prolongar a mocidade, fin-

gindo elasticidade e rigidez de certos órgãos . Baldado intento !

Pelo lado da plástica o collete é um verdadeiro desaso.

Elle destróe essas curvas tão graciosas lateraes e anterior da

mulher convertendo-a em ridicula ampulheta. [Hilaridade.)Vede as estatuas gregas, os quadros dos pintores celebres,

as Venus, a Niobe, as Graças, a Eva, as Virgens: todasas curvas naturaes desenhão-se suaves, bellas, sem as defor-mações do tronco produzidas pelo collete. Figurai-as com ascinturas apertadas actuaes e transformareis em caricaturasas obras primas dos grandes mestres do bello, do ideal.

As Circassianas, as Abyssinias, as Albanezas, as mais bel-Ias mulheres do mundo, ainda.não adoptárão o espartilho.A celebre M™ de Tallien, a Venus da Republica de 1792,

dizia aos que admiravão a sua belleza e vigor em idade ma-

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DA MODA EM RELAÇÃO COM A HYGIENE 123

dura que o seu segredo era nunca ter usado de collete debarbatanas.

Só a grande revolução franceza pôde abolir o collete, queíôra generalisado em França e na Europa inteira por Catha-rina de Medicis; infelizmente desde o Consulado começou avoltar a brutal moda, a despeito dasimprecaçoesdeNapoleão.

Os fidalgos fosseis de Luiz XVIII'tentarão renovar osvestuários do tempo da monarchia absoluta. Nao o consegui-rão ; não puderão resistir ás vaias com que os receberão,mas o espartilho foi restaurado e exagerado por tal forma, queno beato reinado de Carlos X calcula-se terem morrido, sóno anno de 1828, 40,000 mulheres na França victimas dahorrível cintura de maribondo.

Já Galleno clamava contra as fachas com que as raparigasromanas constringião a base do peito. Com effeito, se assenhoras elegantes estudassem o esqueleto do thorax, verião

que elle é uma pyramide trancada da base inferior e ápice su-

perior. Assim o fez a natureza e só a cegueira da moda poderádesconhecer os evidentes perigos de invertel-o de maneira a

o

ficar o vértice da pyramide para baixo.Esses inconvenientes quem vai apontal-os é um dos raros

hygienistas indulgentes para com o collete, e que pede apenasmodificações. Como se, pondera Fleury, fosse melhor evitar oabuso de um instrumento perigoso e inútil em vez de süppri-mil-o de todo, e quando tantas são as tendências para oabuso. Pela minha parte acho difficil tornar inteiramenteinoffensivo um collete de barbatanas.

Eis a lista dos perigos do espartilho segundo Bouvier,cujas condescendencias ao bello sexo são patentes:

« Eschoriaçoes nas axillas, perturbações da circulaçãovenosa dos membros superiores, accidentes por compressão do

plexo brachial, achatamento e contusão dos seios, moléstiasdos gânglios lymphaticos e das mamas até o cancro, disfor-midades e moléstias dos mameíloes, difficuldade de movimen-tos, atrophias de muscnlos comprimidos e inactivos, abaixamen-to e approximaçoes forçadas das costellas, estreitamento ere-

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CONFERÊNCIAS POPULARES

Sucções das cavidades do thorax e abdômen, recalcamento do

diaphragma, compressões dos pulmões, coração, estômago,

fígado e intestinos, sobretudo depois de comer (tambem muitas

não comem quando põem o collete no máximo), difficuldade de

respirar e fallar, aggravação dos soffrimentos pulmonares e

cardíacos, hemoptyses, palpitações, syncopes por embaraço

de circulação de retorno do tronco, pernas e cabeça, conges-

toes, lesões das íuncções digestivas, gastralgias, náuseas,

vômitos, reducção do estômago, interrupções e lentidão no

curso das matérias intestinaes, constipação de ventre, defor-

inação e deslocamento do fígado augmentado no diâmetro ver-

tial e depreciado nos outros, recalcado para a fossa iliaca

além de moldarem-se sobre elle as costellas, abaixamento e

outras deslocações do utero, perturbações de suas funcções, não

fallando nos perigos intuitivos para a gestação e para o feto. ••

Por muito longa que seja essa lista, senhores, ainda não

está completa. Falta, por exemplo, o seguinte :

Pouco depois de formado em Medicina, vi uma senhora

que tinha no ventre um tumor fluctuante cuja natureza vários

médicos desconhecerão: cada um formulando uma hypothesesubmettia a doente a tratamentos variados e alguns mesmobárbaros. Tive a fortuna de reconhecer que o enigmático tu-mor era simplesmente o rim direito deslocado pelo abuso docollete! O fígado comprimido é quem n'esses casos expelle orim do seu encaixe natural. Mais tres casos semelhantes ob-servei, e o ultimo aqui na corte foi visto pelos Drs. "Werneck

e Pertence.

Não posso deixar de dizer ainda duas palavras sobre umamoda perniciosa hoje geralmente adoptada :

Já vos fallei na anemia das grandes cidades. Essa cache-xia procede de varias transgressões hygienicas, mas sobretu-do da falta de insolação e do exercício ao ar livre e puro. Osmovimentos activos estimulão as oxydaçoes (combustões) in-ternas, as reparações orgânicas, todos os actos nutritivos emuma palavra. Pois bem: em vez da gymnastica e dos passeios

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DA MODA EM RELAÇÃO GOM A HYGIENE 125

a pé, tão convenientes a ellas, as senhoras adoptárão as saias

presas e o salto de um decimetro nas botinas, que vierão

prejudicar completamente a sua funcção ambulatória!A base da stação vertical acha-se em um triângulo cujo

vértice é o calcaneo e os outros ângulos as extremidades dolo e 5o metatarsianos nas suas articulações com os artelhoscorrespondentes: esse triângulo termina a aboboda formada

pelos ossos do tarso. Ora, é justamente no meio do triângulo,no ponto correspondente á concavidade da aboboda que secolloca o salto da botina da moda, eliminando o ponto de apoiodo calcaneo o mais importante dos tres. Tal inversão com-

pleta das leis da statica do esqueleto, senhores, esse abomina-vel talon Luiz X V, obriga a mulher a contorsões de volan-tim que me sorprehendem. [Hilaridade.)

Para manter um equilíbrio tão instável a mulher é obriga-da a inclinar o corpo para diante, deslocando o centro de gra-vidade, o que produz o mais desgracioso andar. Ora, senhores,o andar é um estylo : perde-se sempre que se deixe pelo arti-ficial o natural por peior que seja Todo o disfarce é uma fal-

sificação.Tão intuitivos são os inconvenientes da botina moderna»

que julgo-me dispensado de enumera-los. Nossas mais em

ti es gerações deformadas pelo espartilho legárão-nos o abas-

tardamento do typo feminino, e especialmente as variadasmoléstias de utero, desconhecidas quasi de nossas avós ;nossas mulheres, com o terrível talon Luiz XV, transmittirãoás filhas e netas vicios de conformação da bacia, pernase columna vertebral, que hão de prejudicar completamente as

gerações futuras, obrigando talvez a sociedade a recolonisar-se

com as mulheres selvagens, para melhorar a raça humana.

É isso pouco mais ou menos o que diz Fleury.Ainda tenho um requerimento a fazer. Pedirei a isenção

do serviço activo das modas para as pobres crianças quasi tão

torturadas como as senhoras. É uma verdadeira barbaridade

deformar esses organismos ainda não desenvolvidos e nos

quaes a impressão dos arreios do vestuário fica indelével.

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] 26 CONFERÊNCIAS POPULARES

\

Peço para as crianças calçado largo e sem salto, e vestidosamplos que deixem desenvolver sem pêas-a constituição.

Se fosse possivel deixarmos estas vestes pretas de lã,reprovadas no verão mesmo na Europa.... A côr negra retémmais o calor do que qualquer outra, e em nosso paiz isso é de

grave inconveniente.A vida humana, senhores, nos climas tropicaes, mantém-se

á custa de artifícios physiologicos, que só a acclimação porséculos pode tornar fáceis. As oxydações internas do actonutritivo, os movimentos da vida de relação e fibrillares, asacções chimicas vitaes, a combustão do assucar do fígado no

pulmão, o trabalho cellular, os phenomenos nervosos, o

próprio pensamento desenvolvem uma quantidade de calor

que não pode ser exactamente determinada, mas tão elevada

que permitte ao homem manter o calor do seu sangue semprea 37° centígrados em todos os climas, apezar da irradiação,mesmo em uma atmosphera glacial. Ora, temos um verão de30 e 35° cent.: devemos ter o sangue aos 37° indispensáveis ávida e á saude, e não podemos dispensar os actos nutritivosthermogenos.

É a evaporação da água pela transpiração da pelle e

perspiração pulmonar que rouba o excesso de calor. Ha de o

pulmão pois converter-se em órgão refrigerador passandoparte das suas funeções de hematose, descarbonisação dosangue, ao fígado: d'ahi a hypercrinia d'este órgão ea fre-

quencia de suas lesões nos climas equatoriaes, d'ahi também o

perigo de sua compressão.E nú e a sombra que o homem se acha em melhores

condições para viver nos climas quentes. A experiência odemonstrou a todos os selvagens da zona torrida. Deveriaportanto o nosso vestuário ser o mais leve e amplo possivel.

Um bom tratado de hygiene intertropical, e especialmenteda respectiva vestimentaria e bromatclogia, é uma lacunaainda não preenchida. A nós, que tanto falíamos na necessi-dáde de colonisação, incumbe essa tarefa. Sem a acclimaçãotoda a colonisação é perdida.

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DA MODA EM RELAÇÃO COM A HYGTENE 127

O tempo obriga-me a parar aqui. Resumamos em duasproposições a matéria da nossa conferência ;

Ia: a Moda deve ser verdadeiramente progressiva melho-rando sempre.

2a: a Moda deve andar de harmonia com as leishygienicas.

Peço desculpa de ter por tanto tempo roubado a vossaattenção desenvolvendo tão mal um assumpto digno de melhororador [muitos não apoiados), e permitti que, se tivertempo, complete estas observações em uma outra oceasião.

(Applausos geraes do auditório).