UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - UFSCAR RAFAEL BIDA GUABIRABA MARTINS ETNOMODELAGEM: MODELAGEM MATEMÁTICA NO INTERIOR DE UMA COMUNIDADE RURAL SUSTENTÁVEL SÃO CARLOS 2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - UFSCAR
RAFAEL BIDA GUABIRABA MARTINS
ETNOMODELAGEM: MODELAGEM MATEMÁTICA NO INTERIOR DE UMA
COMUNIDADE RURAL SUSTENTÁVEL
SÃO CARLOS 2019
RAFAEL BIDA GUABIRABA MARTINS
ETNOMODELAGEM: MODELAGEM MATEMÁTICA NO INTERIOR DE UMA
COMUNIDADE RURAL SUSTENTÁVEL
Texto de qualificação apresentado ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Ademir Donizeti Caldeira
SÃO CARLOS 2019
AGRADECIMENTOS
V ocê não sente nem vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
E o que há algum tempo era jovem novo
Hoje é antigo, e precisamos todos rejuvenescer
(Velha roupa colorida - Belchior)
Nem todas as mudanças que passamos na vida são fáceis, devemos sempre
nos preparar para recebê-las com força e sem temor. Independentemente da
situação, as mudanças exigem sempre muita coragem e persistência. Quando algo
muda em nossa vida, sem que estivéssemos esperando, devemos tentar ver o lado
bom. É pensar que a mudança cria um desafio que pode despertar em nós uma força
que desconhecemos. Devemos ver a mudança como uma oportunidade de novos
renascimentos e novas renovações.
A mudança sempre provoca em nós a necessidade de adaptação, e esta pode
ser um aspecto muito positivo de crescimento e aprendizado. Também não podemos
ter medo das mudanças. Muitas vezes, para que algo que não está bem em nossa
vida mude, precisamos tomar uma atitude, por mais duro que seja. A vida é muito
curta para nos conformarmos com a infelicidade. Se a vida pede mudanças, muda-se
o que precisa ser mudado. E assim, inicio meus agradecimentos a menção do espírito
que foi criado em mim. Que busca o diferente, o novo, o exótico e a mudança diária
da mente.
Agradeço aos meus pais, Cleonice e Jair, que sempre estiveram do meu lado
em todos os momentos de mudança e renascimento. Agradeço por cuidarem de mim
com grande afinco, amor e dedicação. As lágrimas, que não foram poucas, mas
também aos sorrisos que se tornaram colunas em nossa família. Vale dizer que foi
graças a seus sacrifícios que hoje posso me colocar como Mestre em Educação.
Sem esquecer claro, dos meus melhores amigos, que são também meus
irmãos Debora e Luiz (in memorian). Debora foi a pessoa que me tirou sorrisos
bobos, loucos e sem sentido muitas vezes. Sua amizade me deu força a lutar e
permanecer forte nesse momento de mudança que é o processo de mestrado.
No processo de mudança, pessoas chegam devagar e fazem monumentos
em nossas vidas. Evandro foi uma dessas pessoas, se não a principal, que me
auxiliou no processo acadêmico e na vida pessoal, se é que posso separar assim.
Sua companhia foi mais que necessária e chegou em boa hora. Fez da cozinha onde
morávamos, um grande laboratório criativo. As conversas sem fim, as séries não
i o que tornou este processo mais
leve. Sem esquecer a Luciane, que chegou de mansinho e se tornou uma pessoa
tão importante quanto as leituras de Foucault. Uma amizade que foi criada, nesse
processo tão intenso. Sua amizade se fez sincera e um manancial nesse novo
renascimento.
Agradeço também a Dina, por seus ensinamentos e acolhimento na
comunidade, os momentos na comunidade foram essenciais. A Betina e a Bruna,
por nossos cafés após as reuniões de orientação, sem deixar de mencionar a
paciência que tiveram comigo ao me auxiliar revisando meus textos e tirando minhas
dúvidas intermináveis. Bem como aos membros da banca por suas sugestões.
E finalizo agradecendo ao meu orientador. Miro, uma pessoa que me ensinou
mais do que conhecimentos. O coração e a simplicidade com que ensinava, dava
ânimo e convicção de que eu estou no caminho certo. Obrigado a cada ensinamento
e orientação. Assim claro, como aos membros da banca por suas sugestões e todas
que cruzaram este processo.
E à CAPES pelo financiamento desta pesquisa.
Agradeço a todos!
RESUMO Com base no pressuposto de que a Etnomodelagem se fundamenta no processo de
reflexão da rotina de um único indivíduo ou de toda uma comunidade, que não a
acadêmica, esta seria defendida como a análise e estudo dos saberes locais
presentes em diferentes grupos, vinculado a construção social de um povo específico,
em que um dos pressupostos desta concepção seria o estudo dos saberes locais
desenvolvidos pelos membros desta comunidade. Partindo desta ideia, a pesquisa
tem como objetivo discutir como a Etnomodelagem possibilitou a identificação dos
saberes presentes nos modelos construídos em uma comunidade rural, bem como
problematizar o discurso científico hegemônico institucionalizado pela Matemática
acadêmica. Este estudo se desenvolveu a partir de uma abordagem do tipo etnográfica,
ao interagir com os indivíduos pertencentes a uma comunidade de agricultores que
trabalham com a produção de alimentos orgânicos, no município de São Carlos,
estado de São Paulo. Foi possível realizar a conexão de cada um dos aspectos
culturais, como a elaboração dos problemas e os questionamentos que são retirados
dos sistemas que fazem parte da realidade dos indivíduos presentes nesta cultura,
considerando que a matemática acadêmica não é a unica maneira de identificar um
provável conhecimento, tampouco no estudo de diferentes saberes, mas tratou-se da
valorização de todas as formas de saberes. Em sua essência, o processo de
Etnomodelagem não possui o interesse em trabalhar sob a perspectiva de qual
conhecimento é certo ou errado, se é válido ou neutro, mas ir além de uma mera
transmissão de conhecimentos hegemônicos, aqueles que têm sido usualmente
considerados como conhecimentos acumulados pela humanidade, possibilitando
assim a insurreição de outros saberes.
Palavras chave: Etnomatemática. Insurreição de Saberes. Linguagem Matemática. Comunidade CSA.
ABSTRACT Based on the assumption that Ethnomodelling is grounded on the process of reflection
of the routine of a single individual or an entire community, that is not academic, this
would be defended as analysis and study of local knowledge present in different
groups, linked to the social construction of a specific people, where one of the
assumptions of this would be the study of local knowledge developed by members of
this community. Based on this idea, the research aims to discuss how possible
ethnomodeling an identification of knowledge present in the models built in a rural
community, as well as problematize the hegemonic scientific discourse institutionalized
by mathematics academic. This study was taked root using an ethnographic approach,
when interacting with individuals belonging to a farming community who work with
organic food production in the municipality of São Carlos, state of São Paulo. It was
possible to make a connection of each aspect cultural issues, such as the elaboration
of problems and questions that are retired of the systems that are part of the reality of
those present in this culture, considering that academic mathematics is not the only
way to identify a probable knowledge, neither in the study of different undestandings,
but dealt with the valorization of all forms of knowledge. In essence, the process of
Modeling does not have the interest of working from a perspective of which knowledge
is right or wrong, it is valid or neutral, but it is beyond a message transmission of
hegemonic knowledge, those that have been used today considered as knowledge
accumulated by humanity, making possible thus an insurrection of other sabers.
Keywords: Ethnomathematics. Mathematical modeling. Insurrection of Knowledge.
Mathematical language.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Mapa CSA São Carlos / Sítio Centenário ......................................................................... 19
Figura 2. Dina, responsável pela comunidade ................................................................................. 20
Figura 3. Feira de Orgânicos ............................................................................................................ 22
Figura 4. Dina apresentando o espaço de plantio ao pesquisador .................................................. 25
Figura 5. Barracão e local das confraternizações ............................................................................ 53
Figura 6. Mapa Geral do Sítio .......................................................................................................... 55
Figura 7. Controle de Plantio ............................................................................................................ 56
Figura 8. Canteiros CSA São Carlos ................................................................................................ 57
Figura 9. Casa de sementes ............................................................................................................ 59
Figura 10. Berçário de mudas e casa de germinação ...................................................................... 60
Figura 11. Identificação de germinação ........................................................................................... 61
Figura 12. Canteiros ......................................................................................................................... 62
Figura 13. Ferramenta pauzinho ................................................................................................... 63
Figura 14. Tutoração ........................................................................................................................ 64
Figura 15. Caderninho de campo Dina ............................................................................................. 67
Figura 16. Tabela de estimativa de cotas ........................................................................................ 69
Figura 17. Área de secagem ............................................................................................................ 73
Figura 18. Relação Saber local/Conhecimento acadêmico ............................................................. 74
Figura 29. Ferramenta de plantio ..................................................................................................... 75
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Frentes de organização da Abiru ................................................................................ 21
Tabela 2. Etapas do processo de associação Bolsistas CSA .................................................... 26
Tabela 3. Etapas do processo de associação Cotistas CSA ...................................................... 27
Tabela 4. Itens por categoria de cesta ........................................................................................ 28
Tabela 5. Processos das etapas metodológicas ........................................................................ 47
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Tabela de cotas CSA ................................................................................................. 67
SUMÁRIO
DOS CAMINHOS A PESQUISA ................................................................................. 12
PRIMEIRO MOMENTO
DINA, A AGRICULTORA RESPONSÁVEL PELA COMUNIDADE ............................ 19 ABIRU PROJETOS DESENVOLVIDOS .................................................................. 22 A COMUNIDADE QUE SUSTENTA A AGRICULTURA - CSA ................................... 24
SEGUNDO MOMENTO
CAPITULO 1 ETNOMODELAGEM E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA............................................. 30
Modelagem Matemática e o conhecimento acadêmico .................................... 30 Etnomatemática e os saberes locais ............................................................... 36 Etnomodelagem .............................................................................................. 41
CAPITULO 2 FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA .................................................................... 44
Pesquisa do tipo Etnográfico ........................................................................... 45 Instrumentos de produção de dados ............................................................... 48
Observação participativa ............................................................................. 48 Diário de campo do pesquisador ................................................................. 49 Entrevista semiestruturada .......................................................................... 50
CAPITULO 3 ETNOMODELAGEM, OS SABERES LOCAIS ........................................................... 52
Visitas a campo e as possibilidades de Etnomodelagem ................................. 52 Os saberes locais ............................................................................................ 54
Controle de Plantio/Colheita ........................................................................ 54 Processos de Plantio/Colheita ..................................................................... 58 Preços de Produto e Taxas de Associação ................................................. 66
Modelos e análises .......................................................................................... 70
TERCEIRO MOMENTO
REPENSAR A ETNOMODELAGEM DOS CAMINHOS PERCORRIDOS À AQUELES QUE FICAM .................................. 78
A Etnomodelagem como processo de insurreição de saberes ......................... 78 A crítica sobre a tradução e a linguagem na Etnomodelagem ......................... 81 As contribuições .............................................................................................. 84
REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 87 APÊNDICE A .............................................................................................................. 90 APÊNDICE B.............................................................................................................. 92 ANEXO A ................................................................................................................... 93
12
DOS CAMINHOS À PESQUISA
A Modelagem Matemática vem me acompanhando desde a graduação. Meu
trabalho de conclusão de curso foi realizado dentro dos âmbitos da Modelagem1,
na ideia de estudar como esta se comportava quando aplicada em uma sala de
sexto ano do ensino fundamental, durante o ensino de frações. Neste período,
algumas dúvidas surgiram neste processo, das quais não tiveram tempo hábil de
investigação para serem respondidas, o que me impulsionou, segundo orientação
de meus professores, a continuar meus caminhos acadêmicos nesta área.
A escolha em participar do programa de Pós-Graduação em Educação, ao
seguir a linha de pesquisa em Educação Matemática, surge pelo interesse em
aprimorar o ensino do conhecimento acadêmico. Tratar então deste fato, todavia,
refletia também nas preocupações quanto a formação do professor e a adaptação
do uso da Modelagem ao currículo escolar presente nos dias de hoje. Em meio às
reuniões de orientação, durante o mestrado, algumas reflexões vão se
estabelecendo, afinal, seria a Matemática2 a única existente? E se existem outras
matemáticas, como elas se constituem? Como a Modelagem trabalharia com estes
outros saberes?
Tendo em vista que, ao olharmos para os adeptos em utilizar a Modelagem
na educação, estes partem do pressuposto que, a Modelagem, serviria de
mecanismo de motivação a alunos e professores. O que facilitaria o ensino e a
aprendizagem dos conteúdos matemáticos escolares, fazendo com que estes
passem a ter significação. Na ideia de que assim, estariam preparando os indivíduos
para futuras profissões, das mais diversas áreas do conhecimento, devido a sua
interatividade com o conteúdo matemático e outras áreas do conhecimento.
Desenvolvendo então, o aluno enquanto cidadão crítico e transformador de sua
realidade.
Assim, a Modelagem trabalharia como mecanismo de legitimação de um
único conhecimento, plural e hegemônico. Corroborando então, para os
1 A partir deste momento utilizo o termo Modelagem como sinônimo de Modelagem Matemática na Educação Matemática. 2 Ao citar a Matemática com letra maiúscula, me refiro aos nomes de áreas do conhecimento, cursos ou disciplinas.
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dispositivos de sujeição de saberes locais, bem como o controle e normalização do
assujeitamento escolar. E como exercer resistência a esta verdade dada como
absoluta que circunda os conhecimentos acadêmicos e a Modelagem?
Surge então a ideia de estudar os saberes locais desenvolvidos por
membros pertencentes ao ambiente não acadêmico. E como a Modelagem destes
saberes seria possível, sem convergir ao mesmo pressuposto da crítica que
fazemos, ou seja, a legitimação de um único conhecimento em detrimento de outro.
Manifesta-se então a necessidade de buscar na literatura, primeiramente,
como o conhecimento matemático se constitui, sendo não único e firmado seu
processo de formação ligado à subjetividade de cada indivíduo. Para isso, esta
pesquisa se fixou inicialmente em buscar, dentro da crítica a conhecimentos dados
como hegemônicos, a resistência quanto a utilização de termos que pudessem
corroborar a este processo. Assim, quando pensamos na modelagem3 de saberes
desenvolvidos em ambientes não acadêmicos a partir de sua linguagem original,
pensamos no termo: Etnomodelagem.
Nessa perspectiva, surge a ideia de realizar uma pesquisa em uma
comunidade rural sustentável do município de São Carlos. Devido ao fator
primordial de já haver um contato com a comunidade CSA, e estar composta por
membros das áreas acadêmicas ou não. Assim, partimos da seguinte questão
norteadora:
Concentrado neste questionamento, a pesquisa teve por objetivo discutir
como a Etnomodelagem possibilitou, através dos diálogos entre o saber local e o
conhecimento acadêmico, a identificação dos saberes presentes nos modelos
construídos nesta comunidade, bem como problematizar o discurso científico
hegemônico institucionalizado pela Matemática acadêmica. Assim como, entender
a relação Modelagem, Etnomatemática e Etnomodelagem.
3 Ao citar a modelagem com letra minúscula, me referiro ao processo de modelagem que trabalhe com saberes não acadêmicos saberes locais.
Quais as contribuições da Etnomodelagem no processo de
visibilidade dos saberes locais dos indivíduos da comunidade CSA
em diálogo com os conhecimentos acadêmicos?
14
Isto, por meio da identificação os saberes locais que emergem durante o
momento de visitação, bem como na fala e na rotina dos indivíduos da comunidade.
O que possibilitou aprofundar as discussões sobre os saberes que emergem na
agricultura familiar4 e na identidade cultural, econômica e organizacional dos
indivíduos desta comunidade. Baseado nisso, divido este trabalho em três
momentos.
No primeiro momento me detenho a contextualizar o leitor quanto a Dina5.
Seguindo para a descrição dos projetos desenvolvidos na comunidade, bem como
para o destaque do projeto CSA (Comunidade que sustenta a Agricultora), que é o
projeto no qual me detenho. Finalizando pela descrição do projeto CSA, bem como
sua ideologia e processos que a compõe.
No segundo momento, composto por três tópicos, me detenho a descrever
o que está posto na literatura quanto a Modelagem, Etnomatemática e
Etnomodelagem, junto a metodologia utilizada neste trabalho, assim como a
descrição dos dados que emergiram em campo.
Dos capítulos reservados ao segundo momento, no primeiro capítulo
desenvolvo os conceitos que se referem a Etnomodelagem e como esta se aplica
a comunidade rural. Perpasso sobre o que é descrito na literatura, a fim de entender
como a Etnomodelagem conecta os aspectos culturais com os aspectos
acadêmicos, discorrendo sobre sua ligação com outros programas, como no caso,
a Etnomatemática e a Modelagem. As pesquisas e investigações em
Etnomodelagem estão relacionadas com o entendimento dos saberes locais
desenvolvidos por membros de grupos culturais distintos e sua possível relação
com o conhecimento acadêmico.
Seguindo assim, no capítulo dois, assumo a postura de que o cotidiano desta
comunidade está carregado de saberes locais, bem como que os saberes não
estão dissociados de sua cultura. Dessa forma, desenvolvo os caminhos
metodológicos a serem percorridos, em destaque, o método de pesquisa do tipo
etnográfica. Onde, a opção por este estudo, ao invés de Etnografia, dá-se devido
ao fato de que as pesquisas em Educação serem inspiradas e adaptadas às
4 Termo utilizado para definir os pequenos produtores rurais, produtores de subsistência ou produtor de baixa renda, cuja produção seja gerenciada pela família, se contrapondo a agricultura de larga escala. (MANZAL; GONZÁLEZ, 2019) 5 Agricultora responsável pela comunidade.
15
pesquisas etnográficas. Assim, enquanto procedimento metodológico qualitativo,
envolvendo este tipo de pesquisa, tive a possibilidade de validar os resultados
obtidos no estudo por meio da análise dos dados e das teorias discutidas na
fundamentação teórica a serem abordadas.
Quanto ao capítulo três, descrevo os saberes locais do campo de pesquisa
utilizado neste estudo. Encaminho a apresentação e descrição da comunidade
pesquisada junto ao detalhamento do trabalho de campo, obtido por meio do
contato pontual com a cultura do grupo, a fim de descobrir como este se organiza
em seu sistema de significados culturais. Trazendo esta descrição por meio do
compilado entre as anotações de diário de campo, entrevistas e encontros pontuais.
Finalizando em um terceiro momento, me detenho a análise do que foi
observado em campo, problematizando tanto a questão que norteou esta pesquisa,
assim como algumas outras inquietações que surgiram no processo de visitação a
comunidade. Possibilitando então, algumas considerações referentes a
Etnomodelagem além dos conceitos que circundam o saber o local e a matemática
acadêmica.
Este trabalho segue uma aproximação prática da comunidade,
enquadrando-se na observação participativa, que teve o princípio de identificar os
saberes locais partindo do ponto de vista dos sujeitos pertencentes a comunidade,
onde eles transmitem a própria interpretação de sua cultura sem a pretensão de
realizar uma comparação com o conhecimento matemático ou qualquer outra área
do conhecimento acadêmico. O que permite verificar que, enquanto há uma relação
de poder, há uma possibilidade de resistência.
Este estudo permite problematizar a legitimação da matemática acadêmica6
e sua maneira de impor o que e como deve ser ensinado. Além de possibilitar o
conhecimento de diferentes saberes, mediante o reconhecimento da
Etnomodelagem presente no diálogo entre o saber local e o conhecimento
acadêmico. A partir disso analisar, por meio dos registros retirados das resoluções,
os conteúdos que surgem destas atividades e identificar como estes se dispõem, a
fim de responder à questão de pesquisa e cumprir seus objetivos.
6 A matemática acadêmica está relacionada a linguagem universal, caracterizada por um discurso hegemônico, colonizador, formal e predominantemente descontextualizada de outras culturas que não a de sua origem, ou seja, as características da matemática eurocêntricas, destacada por permitir a comunicação entre diferentes meios de institucionalização da disciplina. (LATAS; MOREIRA, 2013).
16
Tudo isto pelo fator primordial de oferecer ao que tem sido posto como
verdade única e absoluta, dentro das pesquisas que envolvem o ensino da
Matemática, assim como, aquelas que envolvem a modelagem de saberes locais,
um mecanismo de resistência. Mostrando a importância de descolonizar as nossas
formas de entender o que e como deve ser ensinado, quando pensamos na
Matemática.
Esta pesquisa justifica-se na crítica ao conhecimento e sua multiplicidade de
objetos, como processo de produção e fabricação de novos saberes, o que são
gerados a todo momento, refletindo nas particularidades do sujeito, ora se
distanciando, ora se aproximando do conhecimento dado e pré-fabricado pelos
discursos acadêmicos e seus dispositivos de assujeitamento, realizadas pelos
meios de sistematizações e controle, como exemplificação, a escola e a
disciplinarização da Matemática.
Não que trabalhe a favor da desinformação, nem na negação do científico,
mas trata-se da insurreição7 de um saber particular adquirido, não de uma
experiência imediata, mas baseada em um conhecimento perpassado
culturalmente por saberes também, em dado momento, locais.
A Etnomodelagem traria então a visibilidade, a oportunidade de insurreição
dos saberes, a hierarquia
, p.12), que são
descritos por Foucault como saberes desqualificados, por não possuírem
unanimidade, tratando-se de saberes pessoais, não comum, mas particulares e
regionais.
A insurreição destes saberes caracteriza-se pela relação com o saber sem
científicos. Esta relação entre o conhecimento matemático local e o conhecimento
acadêmico, executa-se não com o intuito de legitimar um e desqualificar outro, mas
de ativar os saberes individuais e subjetivos a cada indivíduo, contra a ação de
normalização, a fim de hierarquizá-los, ordenando como verdadeiros em nome de
uma ciência detida por alguns.
O uso da Etnomodelagem, como mecanismo de insurreição, traz luz a esta
7 Dado a ideia de insurreição de Foucault (1999a)
17
forma de trabalhar com os saberes locais, não no intuito de recodifica-los ou
sujeitá-los novamente ao conhecimento acadêmico, mas a de propor uma oposição
a esta institucionalização.
19
DINA, A AGRICULTORA RESPONSÁVEL PELA COMUNIDADE
Logo, acredito ser importante descrever, mesmo que discretamente, a pessoa que foi importante aos
caminhos que este estudo seguiu. Assim início dizendo que...
A pesquisa aconteceu em uma comunidade rural, no município de São Carlos,
estado de São Paulo (Figura 1). A comunidade tem como objetivo a produção de
alimentos orgânicos. A pesquisa volta-se quanto a análise dos dados obtidos mediante
ao contato direto com a principal responsável da comunidade, a agricultora Dina
(Figura 2). Possuindo 51 anos, Dina8 conta em uma das visitas que teve a oportunidade
de estudar compreendemos como a conclusão do
ensino médio.
Figura 1. Mapa CSA São Carlos / Sítio Centenário
Fonte: Google Maps 2019, alterado pelo autor. Foto delimitada da área do Sitio Centenário/ CSA São Carlos (esquerda). Foto da localização do CSA São Carlos em relação ao centro do município e a
Universidade Federal de São Carlos.
8 Os dados aqui passados foram passados e autorizados pela própria Dina, em uma entrevista concedida em junho de 2019, durante o processo de estuda da comunidade.
20
Figura 2. Dina, responsável pela comunidade
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019. Dina em uma assembleia da comunidade.
Durante uma das visitas, no momento da entrevista, Dina vem a relatar que atua
como agricultora a mais de 20 anos, porém ela destca que foi em 2010 que começa a
trabalhar com o cultivo de produtos orgânicos. Ela ainda vem a descrever em uma de
suas falas a importância em se especializar no campo da agricultura orgânica,
participando de cursos em alguns municípios como São Carlos, Vargem Grande
Paulista, entre outros. Ela ainda vem a me contar que já atuou em outras áreas durante
sua vida, como limpeza pesada pós construção, doméstica e costureira, além de atuar
como responsável por uma lanchonete durante seis anos e uma floricultura durante
um ano e meio, mas é na agricultura que ela vai encontrar satisfação.
Atualmente reside no Sítio Centenário, junto a sua família, família Brito ,
totalizando cinco moradores fixos: a agricultora responsável, Dina; a filha mais nova e
responsável por auxiliar na organização da comunidade, Jhosy; seus dois filhos mais
velhos, Jhony e Jhuly; e o pai da agricultora, Clemente.
Dina junto da sua filha Jhuly, decidiram criar uma identidade que representasse
21
todos os projetos9 desenvolvidos dentro do sítio, devido a possibilidade de mudança
de local, onde os projetos por eles coordenados não estariam limitados ao Sítio
Centenário, que é hoje o local em que a Dina e a comunidade se estabelece.
É escolhido o nome abiru
mas frentes de organização
(Tabela 1). São estes, os principais responsáveis pela comunidade e organização dos
processos que a envolvem com supervisão da Dina.
Tabela 1. Frentes de organização abiru
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019.
9 Projetos: Feira de orgânicos, Merenda, Sacolão Móvel, CSA Comunidade que sustenta a agricultura.
22
ABIRU PROJETOS DESENVOLVIDOS
A Dina conta com projetos de apoio, desenvolvidos dentro da identidade Abiru,
como forma de escoamento dos alimentos cultivados no sítio, sendo eles, o Sacolão
Móvel, a Feira de Orgânicos (Figura 3), a Merenda e o Comunidade que Sustenta a
Agricultura - CSA. Estes projetos são responsáveis pelos custos da comunidade.
Figura 3. Feira de Orgânicos
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019. Foto retirada em um sábado, dia em que a Feira de Orgânico é realizada. A barraca do meio pertence a comercialização de produtos do
projeto Feira de Orgânicos.
O projeto Feira de Orgânicos se estabeleceu semanalmente aos sábados, junto
a realização da feira livre, localizada na Praça dos Voluntários, município de São
Carlos. Enquanto que o projeto Sacolão Móvel, está focado na distribuição e comércio
dos produtos orgânicos de forma itinerante, não tendo localização fixa, limitado ao
atendimento em praças e pontos conhecidos do município. Assim também, a Merenda,
é um projeto em parceria com a Prefeitura municipal, mediante a contratação dos
serviços de distribuição de produtos orgânicos para escolas municipais de São Carlos.
Estes outros projetos, a comunidade conta com a participação também de
produtores de alimentos orgânicos, localizados em um assentamento, no município de
São Carlos. A iniciativa de incluir estes outros produtores, parte da visita realizada ao
grupo, a fim de entender como estes cultivam seus produtos, em que a Dina identificou
23
um desperdício de alimentos devido à falta de oportunidade de comercializá-los.
A indisponibilidade ocorria devido à falta de meios de locomoção, quanto a
distância entre o assentamento e os locais de distribuição, o que está relacionada
também a dificuldade financeira enfrentada por estes indivíduos. Com isso, a união da
Dina com os produtores do assentamento possibilitou a disponibilidade de produção
para abastecimento destes outros projetos, o que é para os indivíduos deste grupo,
uma fonte de renda estável.
Com esses projetos, além de toda a comunidade se beneficiar, ela também é
capaz de levar a realidade dos orgânicos a parte da população de São Carlos por um
preço considerado justo10, permitindo que não só seus membros conheçam a origem
de seus alimentos, mas que outras pessoas também possam mudar a forma de se
relacionar com a comida, tornando-se menos dependentes da indústria alimentícia
globalizada, investindo, direta ou indiretamente no sustento de outras pessoas, como
o grupo de produtores pertencentes ao assentamento.
Porém, de acordo com a Dina, esses projetos derivam dessa identidade, mas o
principal projeto desenvolvido, que dá nome a comunidade é o projeto Comunidade
que Sustenta a Agricultura - CSA, com início entre os anos de 2013 a 2014 até o
momento deste trabalho.
10 É considerado justo devido a comparação de preços dos grandes mercados com os gastos realizados na produção dos orgânicos da comunidade.
24
A COMUNIDADE QUE SUSTENTA A AGRICULTURA - CSA
O projeto CSA, é o principal projeto da comunidade e também o primeiro a ser
desenvolvido, fazendo com que toda a comunidade mencione ele ao se referir a
comunidade.
O CSA, foca-se no sistema de agricultura familiar, no trabalho com produtos
orgânicos e sazonais. Seus princípios seguem a proposta de relação entre produtor e
consumidor, considerado ideologicamente por seus membros como uma forma mais
justa de produção e consumo.
Na ideia de diferenciar-se quanto os modelos de agricultura em larga escala, a
comunidade segue os princípios de sustentabilidade e de práticas, tais quais:
Ao ser questionada quanto a manutenção do sítio e sua organização, a Dina, descreve o cuidado do sítio, primeiramente seguindo os princípios agroecológicos (termo utilizado pela Dina), cuidando do solo como um organismo vivo que deve ser preservado e cultivado. Ela ainda descreve que estes princípios previnem o aumento de animais e insetos vistos como pragas ou doenças, pois estes são importantes para a saúde do, como ela coloca,
biofertilizantes, o que garante uma produção natural e com custo reduzido. (Trecho retirado do diário de campo. Apresentação do sítio pela Dina. 2018)
Este projeto busca desenvolver a cultura de relacionamento, cujo objetivo é o
de suprir a busca por alimentos orgânicos, saudáveis, sazonais e frescos. O trabalho
e os processos coletivos são fundamentais, no qual todos os membros da comunidade
são coprodutores.
O sistema seguido pelo grupo, orientado pela Dina, percorre a ideia de relação
entre o produtor e o consumidor. A Dina busca estabelecer a garantia de que o
alimento seja consumido e que a produção possa ser planejada, não tendo influência
das variações do mercado, permitindo que se retome o vínculo entre o consumidor e
à terra.
Este discurso é apresentado a todos os indivíduos que visitam o sítio, tendo
como guia a agricultora responsável, Dina, no intuito de tornarem-se membros do CSA.
Isto acontece, a fim de que estes, sintam-se mais próximos dos processos de
manutenção, organização e práticas que envolvem toda a comunidade CSA. Como
mostrado na Figura 4.
25
Figura 4. Dina apresentando o espaço de plantio ao pesquisador
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019. Foto retirada no processo de apresentação da comunidade ao visitante (pesquisador), quanto sua organização, manutenção e saberes locais.
Sabe-se que as intempéries da natureza sempre foram um dos problemas para
o plantio dos alimentos, e a superação dessas dificuldades interferem no trabalho do
agricultor às demandas próprias da produção que exige cuidado contínuo, como
também altera o valor do alimento que vai chegar até a mesa do consumidor.
E para que todos os processos ocorram de forma ordenada, é necessário que
cada indivíduo esteja ciente de seus deveres e obrigações perante a comunidade. Com
isso, esses indivíduos são divididos em grupos, onde a Dina, junto de sua família são
os principais responsáveis por perpassar os conhecimentos necessários aos demais
membros.
Assim, dentro do CSA temos os grupos de Bolsistas CSA e Cotistas CSA. No
qual os Bolsistas CSA são a categoria de membros, que seguindo as etapas de
associação da comunidade (Tabela 2), envolvem-se na participação semanal dos
processos de plantio e organização da comunidade, sendo estes, todos os processos
que exigem uma participação ativa no campo.
26
Tabela 2. Etapas do processo de associação Bolsistas CSA
ETAPA DESCRIÇÃO
1 Visita a horta em data oportuna (ver data da próxima visita aberta ou agendar junto à agricultora responsável).
2 Obter informações específicas, tirar dúvidas e garantir seu interesse junto à agricultora responsável.
3 Ler a Carta de Princípios CSA São Carlos Membro Co-agricultor.
4 Preencher a ficha cadastral.
5 Escolher um dia fixo para cumprir as 4 horas semanais de trabalho.
6 Realizar pagamento da caução (a maneira de pagamento é negociada com cada um).
7 Cumprir os dois meses de treinamento, sendo 4 horas semanais de trabalho no campo, participação nas oficinas, mutirões e reuniões.
8 Assinar a Carta de Princípios CSA São Carlos Membro Co-agricultor.
9 Responder o questionário de consumo. (Anexo A)
10 Escolher o ponto de retirada da cesta e entregar duas sacolas retornáveis para a retirada.
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019.
Além disso, os membros associados a esta categoria dedicam quatro horas
semanais de trabalho em campo, divididos em grupos de três indivíduos para os
períodos da manhã e tarde, atuando semanalmente de segunda-feira a sábado. Assim,
uma vez que investem seu tempo nos processos da comunidade, recebem uma cesta
com alimentos orgânicos, como forma de retribuição.
Os Bolsistas CSA escolhem um dia fixo para cumprir as quatro horas semanais
de trabalho. Além disso, os membros que optam por esta categoria, depositam11 um
valor fixo e único. Esse valor equivale a uma diária em campo para o caso de falta e
necessidade de contratação de um substituto, o que garante o andamento da
produção.
A primeira retirada da cesta acontece após cinco semanas de treinamento de
trabalho em campo. O tempo de permanência no projeto é de no mínimo seis meses
e de no máximo três anos. Alguns destes membros são compostos por estudantes de
diferentes cursos da comunidade acadêmica de São Carlos.
Já os Cotista CSA são a categoria de membros, que seguindo as etapas de
associação da comunidade (Tabela 3), optam por uma das duas categorias existentes,
sendo estas, integral e meia cota12. Estes membros investem financeiramente na
11 O depósito é realizado na conta bancaria da Dina, responsável pela comunidade. 12 O termo cota equivale ao valor monetário estipulado a ser investido mensalmente pelos membros do grupo de Cotistas CSA.
27
produção e, a longo prazo, possibilitam e garantem que parte dos custos sejam
cobertos, tais como gastos com aluguel da propriedade, salário da Dina, maquinário
e meios de distribuição.
Tabela 3. Etapas do processo de associação Cotistas CSA
ETAPA DESCRIÇÃO
1 Visita a horta em data oportuna (ver data da próxima visita aberta ou agendar junto à agricultora responsável).
2 Tirar dúvidas e garantir seu interesse via email.
3 Ler a Carta de Princípios CSA São Carlos Membro Co-agricultor.
4 Preencher a ficha cadastral.
5 Realizar pagamento da cota + caução no valor de uma mensalidade (via depósito ou transferência bancária)
6 Assinar a Carta de Princípios CSA São Carlos Membro Co-agricultor.
7 Responder o questionário de consumo. (Anexo A)
8 Escolher o ponto de retirada da cesta e entregar duas sacolas retornáveis para a retirada.
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019.
contribuem com trinta por cento a menos do valor
integral, o que de acordo com a Dina, pode aumentar a chance de adesão de novos
membros ao projeto CSA, aumentando a entrada de recursos financeiros, contribuindo
para a manutenção dos processos que envolvem a organização e a manutenção da
comunidade.
A primeira retirada da cesta, de produtos organicos produzidos no Sítio, para
cotistas acontece quatro semanas após o pagamento da primeira cota, visto que ela
é um investimento no trabalho da comunidade.
O tempo de permanência dos cotistas no projeto é de no mínimo seis meses,
junto a participação dos membros em mutirões, oficinas e reuniões, o que de acordo
com a Dina é de extrema importância para a organização da comunidade.
Com isso, todos são responsáveis pela participação nas reuniões, mutirões e
nos eventos propostos pelo grupo, tendo o compromisso de estarem sempre
integrados com o que acontece na comunidade. Em troca de sua participação, os
membros recebem semanalmente uma cesta com os alimentos produzidos em
campo. As cestas de alimentos possuem categorias diferentes para Bolsistas, Cotista
CSA integrais e Cotista CSA meia-cota (Tabela 4).
28
Tabela 4. Itens por categoria de cesta COTISTA CSA
BOLSISTAS Integral Meia-cota
3 tipos de folhas
2 tipos de frutos 2 tipos de temperos/ervas
2 tipos de folhas
1 tipos de frutos
1 tipos de temperos/ervas
1 tipo de raiz
1 tipo de PANC
1 tipo de flor
2 tipos de folhas 1
tipos de frutos
1 tipos de temperos/ervas 1
tipo de raiz
1 tipo de PANC 1
tipo de flor
1 tipo de raiz 1 tipo de PANC13
1 tipo de flor
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019.
13 PANCs são plantas alimentícias não convencionais, como verduras, hortaliças ou frutas que não se tem o costume de consumir e que surgem de forma espontânea, ou seja, produtos não tão populares.
29
CAPÍTULO 1
ETNOMODELAGEM E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Após ter apresentado a Dina, os projetos e principalmente o funcionamento do
CSA, surge então a necessidade de buscar na literatura os conceitos que envolvem a
Etnomodelagem, a fim de dar início ao entendimento de como esta contribui para a
visibilidade dos saberes locais, dos membros da comunidade CSA.
Perpasso sobre o que é descrito na literatura, a fim de, primeiramente descrever
como os pesquisadores da área entendem a relação dos aspectos culturais e
acadêmicos, ligando-se com outros programas, como a Etnomatemática e a
Modelagem Matemática. Comparando posteriormente, a Etnomodelagem, com aquilo
que é apresentado mediante a análise de dados obtidos em campo.
Modelagem Matemática e o conhecimento acadêmico
Os primeiros estudos envolvendo a Modelagem no Brasil, surgiram
aproximadamente na década de 70, tendo como referência os autores Aristides
Meyer, Marineuza Gazzetta e Eduardo Sebastiani, conquistando adeptos por todo o
Brasil (MAGNUS; CALDEIRA; DUARTE, 2016).
Um dos precursores, Rodney Carlos Bassanezi, conhecendo a Modelagem
empregada à Matemática Aplicada14, na década de 80 ao coordenar um curso de
formação para professores de Cálculo Diferencial Integral, identifica uma oportunidade
de trabalhar com esta proposta. Durante o processo de formação, Bassanezi verifica
que os problemas gerados pelos professores cursistas eram semelhantes aqueles dos
livros didáticos, com isso ele percebe que a Modelagem, apenas como estratégia de
resolução de problemas, poderia ser usada para além da Matemática Aplicada, mas,
como estratégia de ensino e aprendizagem.
Com isso, nos cursos subsequentes, ministrados para estudantes e
professores, Bassanezi começa a trabalhar com a proposta de que seus participantes
desenvolvessem questões ligadas à problemas da realidade à qual pertenciam, cujo
conteúdo era requerido pelos modelos elaborados. E, com esta proposta, conquista
14 A Matemática Aplicada é uma área da Matemática no qual se trata da aplicação do conhecimento matemático.
30
novos adeptos, principalmente no campo da Educação Matemática (BIEMBENGUT,
2009).
Mesmo a visão dos precursores em Modelagem sendo gerada majoritariamente
sobre os conceitos da matemática acadêmica, é necessário destacar outras
perspectivas que foram surgindo do seu conceito de origem, e por consequência,
despertando o interesse de professores que buscavam trabalhar a matemática
acadêmica transpassando temas recorrentes as ideias que envolvessem o contexto
social.
O conceito de Modelagem, pode agora ser identificado nos novos
pesquisadores, que vão surgindo após os precursores dessa temática, como os
autores Burak, Biembengut, Barbosa e Caldeira, onde:
representam significativamente a área, pelo fato de estarem participando ativamente de eventos importantes, como a Conferência Nacional sobre Modelagem e Educação Matemática (CNMEM), por suas dissertações ou teses estarem ligadas ao tema em questão voltadas para a educação
de procedimentos cujo objetivo é construir um paralelo para tentar explicar
matematicamente, os fenômenos presentes no cotidiano do ser humano, ajudando-o
teóricos muito utilizados na época em que escreveu sua dissertação, que considerar a
construção de modelos é prioridade no processo de Modelagem. Burak tem seu
embasamento teórico relacionado ao ensino e a aprendizagem da Matemática dentro
da perspectiva cognitiva, construtivista, significativa e sociointeracionistas (KLÜBER;
BURAK, 2008).
Para Biembengut (2004, p. 36) a Modelagem pode
despertar no aluno o interesse por tópicos matemáticos que ainda desconhece, ao
desenvolve o entendimento de que o processo de Modelagem resulta na obtenção de
um modelo, a partir da matemática acadêmica e suas estruturas. Sendo assim, sugere
que todas as etapas do processo de Modelagem, prioritariamente, resultem na
obtenção de um modelo final.
aprendizagem no qual os alunos são convidados a indagar e/ou investigar, por meio
31
6). O autor apresenta a proposta de concepção da Modelagem como desenvolvimento
de atividades, valorizando o processo de Modelagem, pois, da forma como é
apresentada, não se limita em conteúdos programáticos, nem na construção de
modelos, mas nas distintas discussões que podem surgir durante sua execução.
Caldeira pensa a Modelagem como uma concepção de Educação Matemática
2005, p. 3).
Para Caldeira (2007) a Modelagem faria com que professores e estudantes
passassem ver a Matemática não como verdades relativas, nem tão pouco absolutas,
mas que existiriam outras formas de olhar os conhecimentos matemáticos.
Mais especificamente, quando entendermos que a cultura da matemática escolar optou por definir previamente determinadas regras e convenções. Estas então, antes mesmo de ganharem significado pelo uso, devem ser
convenções e não esperar que eles estudantes e professor construam seus conhecimentos a partir dessas relações. O que queremos dizer com isso é que a Modelagem Matemática como método não discute o currículo da cultura matemática escolar. Aceita-a passivamente e mais, legítima essa única forma de ver a matemática sustentando um paradigma de que ela pode ser descoberta quando a aplicamos em determinados problemas da realidade. (CALDEIRA, 2007, p.51)
O autor ainda defende a aplicação da Modelagem no ensino e aprendizagem
da Matemática, focando no seu processo, e não somente na obtenção de um modelo
que represente a realidade. Para o autor, o processo de aplicação da Modelagem é
importante devido ao seu potencial de discutir questões retiradas da realidade, como
problemas sociais a qual originou. Caldeira (2009) assim descreve como:
nesse debate da inserção da Modelagem Matemática numa dimensão sócio-cultural, é fazer com que o professor e o estudante compreendam que eles são capazes de produzir conhecimento novo a partir do seu próprio conhecimento, quando perceberem que pode existir um outro conhecimento. Em outras palavras, o que o estudante e o professor não constroem não faz sentido para eles e essa construção se dará quando conseguirmos incorporar nas nossas práticas de sala de aula uma educação pela matemática que leve em consideração não somente um aspecto, mas uma educação matemática que possa ser incorporada tanto pelo professor, quanto pelo estudante numa dimensão mais humana, participativa e democrática. (p.51)
32
Ao analisar todos estes conceitos presentes em diferentes literaturas e sob
diferentes perspectivas, chegamos a um ponto comum quanto a Modelagem, o que
converge na valorização do conhecimento acadêmico, ao ir ao encontro do
entendimento deste conhecimento como único, universal e hegemônico.
Dentro destas perspectivas, tanto os autores que partem do pressuposto crítico,
social e cultural da realidade, quanto aos que não partem desses para conceber a
Modelagem, servem ao propósito de atender o objetivo de ensinar a Matemática, não
excluindo o fato de que este processo trabalhe com a valorização do conhecimento
acadêmico, hegemônico, erudito e eurocêntrico.
O que discutimos em relação a Modelagem, independente da perspectiva
abordada, está no posicionamento não somente da metodologia, mas também das
questões epistemológicas. E sobre estes pontos que desenvolvo uma das críticas
deste trabalho. Como descrito por Caldeira (2009, p.51-52):
Entendendo que o conhecimento matemático (nas suas mais variadas formas) do qual fazemos uso para responder às perguntas sobre nossas indagações cotidianas se sustenta por uma construção humana, por regras e convenções, compartilhadas de técnicas e procedimentos. Estes só irão ganhar significado
semelhanças nas diferenças. Então, a Modelagem Matemática poderá ser um forte instrumento, constituindo-se não como um método de ensino-aprendizagem, mas como um novo conceito de educação matemática que poderá levar estudantes e professores a perceberem que tais conhecimentos não são verdades absolutas, nem verdades relativas que podem estar a serviço de uma determinada maneira de vê-la, podendo existir outras e a aprendizagem ocorrerá quando o estudante conseguir comparar tais maneiras.
Nesta concepção, vejo a Modelagem como um processo de obtenção e
representação da realidade por símbolos matemáticos que refletem o objeto estudado.
Assim, entendo que a Modelagem na perspectiva da Educação Matemática no Brasil
trata-se de um programa que trabalha com o que Foucault (2005, p.11) descreve como
Isto por se tratar de um conhecimento de caráter absoluto e universal, tido como
conteúdos históricos, devido ao fato de emergirem dos saberes locais de diferentes
culturas em diferentes momentos. Sepultados ou mascarados, no sentido de que estes
saberes em algum momento foram sendo aderidos a conceitos acadêmicos (eruditos),
perdendo sua cl
formais (conhecimento acadêmico).
33
E pura e simplesmente porque apenas os conteúdos históricos podem permitir descobrir a clivagem dos enfrentamentos e das lutas que as ordenações funcionais ou as organizações sistemáticas tiveram como objetivo, justamente, mascarar. (FOUCAULT, 2005, p.11)
E quanto ao conhecimento Foucault (1996) o descreve como:
Se quisermos realmente conhecer o conhecimento, saber o que ele é, apreendê-lo em sua raiz, em sua fabricação, devemos nos aproximar, não dos filósofos, mas dos políticos, devemos compreender quais são as relações de luta e de poder. E é somente nessas relações de luta e de poder na maneira como as coisas entre si, os homens entre si se odeiam, lutam, procuram dominar uns aos outros, querem exercer, uns sobre os outros, relações de poder que compreenderemos em que consiste o conhecimento. (...) Pode-se então compreender como uma análise deste tipo nos introduz, de maneira eficaz, em uma história política do conhecimento, dos fatos de conhecimento e do sujeito do conhecimento (p. 23).
Em toda sociedade existem relações de poder diversificadas, que estão dentro
de todo o corpo social, como a escola e a disciplinarização da Matemática, que
funcionam nos meios de produção do conhecimento, na forma de legitimação do
discurso de verdade hegemônica.
[...]estamos submetidos à verdade também no sentido em que ela é lei e produz o discurso verdadeiro que decide, transmite e reproduz, ao menos em parte efeitos de poder. Afinal, somos julgados condenados, classificados, obrigados a desempenhar tarefas destinados a um certo modo de viver ou morrer em função dos discursos verdadeiros que trazem consigo efeitos específicos de poder. (FOUCAULT, 2005, p.180)
A Matemática, não é senão uma visão, isto é, um modo de observar as coisas
e o mundo, em que muitos outros discursos estão em jogo ou fora dele. Entretanto, no
momento em que a ciência conseguiu a tal ponto analisar anatomicamente o homem,
não é de se admirar que muitos saberes, considerados desclassificados, foram
excluídos dessa prática, o que ocorre também com a sujeição dos saberes locais
(FOUCAULT, 2005).
O conhecimento acadêmico e seu poder de dominar, hierarquizar, ordenar ou
desqualificar o saber local é possível também através das práticas desenvolvidas no
discurso da Matemática, sendos estes legitimados pela Modelagem. Nessa exclusão,
34
os planos científicos.
A Matemática, enquanto ciência/disciplina, perde por ter expulsado os saberes
que em certo momento histórico, saem das margens da sociedade para assim insistir
em constituí-la. E sobre esta perspectiva destaca-se a visão de Foucault, ao descrever
que:
No domínio especializado da erudição, tanto como no saber desqualificado das pessoas, jazia a memória dos combates, aquela, precisamente, que até então tinha sido mantida sob tutela. E assim se delineou o que se poderia chamar uma genealogia, ou, antes, assim se delinearam pesquisas genealógicas múltiplas, a um só tempo redescoberta exata das lutas e memória bruta dos combates; e essas genealogias, como acoplamento desse saber erudito e desse saber das pessoas, só foram possíveis, e inclusive só puderam ser tentadas, com uma condição: que fosse revogada a tirania dos discursos englobadores, com sua hierarquia e com todos os privilégios das
dos conhecimentos eruditos e das memórias locais, acoplamento que permite a constituição de um saber histórico das lutas e a utilização desse saber nas táticas atuais (FOUCAULT, 1999a, p. 13).
A Modelagem, no objetivo central de ensinar a Matemática, funciona como uma
engrenagem no processo de legitimação de um conhecimento superior. Independente
da perspectiva adotada, do foco das atividades, dos temas escolhidos, das estratégias
adotadas, a Modelagem coloca em funcionamento, os mecanismos de poder da
Matemática (CALDEIRA; MAGNUS; DUARTE, 2019).
A Modelagem, nesta perspectiva, estaria contribuindo para a formação de corpos dóceis e disciplinados (Foucault, 2013) para a aprendizagem da Matemática. Esses corpos seriam capturados através de temas de suas realidades e, consequentemente, eles se sentiriam interessados pela aprendizagem de conteúdos matemáticos, pois encontrariam nessa relação, matemática/realidade, um sentido nos estudos. Em efeito, o aluno seria governado a partir daquilo que desperta sua atenção, sua curiosidade, seu entusiasmo, seu encanto. Podemos dizer que, na sua forma mais sutil, o poder opera sobre os sujeitos, ele mostra, a partir do interesse do aluno, que
DUARTE, 2019, p.35).
E é assim que, a partir destes conhecimentos matemáticos, ora dominado, ora
dominante, que permite fazer da Modelagem, e seu objetivo intrínseco de trabalhar
com o conhecimento acadêmico, a crítica quanto a sujeição e insurreição dos saberes
locais.
35
Etnomatemática e os saberes locais
A sociedade como a conhecemos tem passado por algumas transformações, o
que reflete na maneira como observamos o mundo. Atualmente falamos em educação
interdisciplinar, medicinas alternativas, diálogo inter-religioso, o que nos leva a
problematizarmos o multiculturalismo.
A Matemática foi influenciada pela diversidade de saberes durante o processo
de desenvolvimento da humanidade em suas características como religião, moral,
línguas, entre outras atividades desenvolvidas em contextos culturais diferentes.
Durante estes processos, cada grupo desenvolveu seus próprios saberes locais,
relacionados à necessidade de quantificar, medir e classificar situações do cotidiano
Na década de 70, com o intuito de valorizar os diferentes saberes, nos atos de
programa de pesquisa que desenvolve cultura, cognição, epistemologia, história
política e ação social, sempre direcionando aos saberes locais.
mos considerar a Etnomatemática como o
campo de estudos que envolve a identificação de saberes locais, pertencentes a
grupos culturais diversos, estando a matemática presentes em suas práticas. Mas não
ficar as várias maneiras,
técnicas, habilidades de explicar, entender os distintos contextos culturais e sociais da
realidade.
Não apenas a matemática acadêmica, desenvolvida a partir do princípio grego-
europeu estaria apta a receber a classificação de Matemática, mas existiriam outras
2005).
Estes saberes estariam relacionados a subjetividade do sujeito e o meio cultural
em que este vive. Saberes estes, considerados abaixo dos níveis de formalidade e
cientificidade requeridos pela academia. Possuindo características singulares, e
particulares a um determinado indivíduo ou grupo cultural. Neste sentido, relaciono a
ideia de Foucault (2005) onde:
eu entendo igualmente toda uma série de saberes não conceituais, como saberes insuficientes elaborados: saberes ingênuos, saberes hierarquicamente inferiores, saberes abaixo do nível do conhecimento ou da cientificidade requeridos. (p.12)
36
referente a Matemática,
quando se refere a esta, ao ser desenvolvida no ocidente como disciplina acadêmica
é, na verdade, uma etnomatemática, que possui sua disseminação no processo de
colonização europeia, sendo influenciada por outras civilizações como a indiana e a
islâmica, e imposta como um conhecimento acadêmico único, hegemônico e
Este processo de influência resultou no que conhecemos hoje como
Matemática, ou seja, conceitos históricos, pertencentes a diferentes grupos, reunidos
em uma única disciplina, através da criação de regras e convenções mediante sua
formação.
Ferreira (1997) ainda declara que depois da frustração quanto o Movimento da
Matemática Moderna, na década de 1970, surgiu uma reação contra a presença de
um currículo comum que apresentava a Matemática como um conhecimento
acadêmico, caracterizado por trabalhar com verdades absolutas.
Além de perceberem que não havia espaço na matemática moderna para a valorização do conhecimento que a criança traz para a escola, esses matemáticos inovadores voltaram seus olhares para outro tipo de conhecimento, também ignorado pela escola: o conhecimento do vendedor de rua [...] o dos índios, [...], o conhecimento do pedreiro, do pescador, da criança brincando, da dona de casa cozinhando, etc. (FERREIRA, 1997, p.13).
No mesmo contexto que surgiram reflexões sobre a diversidade cultural também
emergiria pela primeira vez o termo Etnomatemática, inicialmente utilizado por
hegemônica da Matemática.
cultural, neste sentido, cada cultura desenvolve seus próprios saberes com a finalidade
de responder as perguntas e solucionar problemas das necessidades específicas de
pesquisa, por isso ela é considerada um programa de investigação, que ao ser utilizado
como uma proposta de ação educativa, faz o papel do professor ser essencial, pois é
ele quem realiza a ponte entre investigação e a educação.
Na pretensão de expressar essas ideias em uma palavra, decidi arriscar um abuso etimológico, introduzindo o neologismo etno-matemá-tica. Recorrendo, obviamente com limitada competência, ao grego e, certamente, motivado pelas minhas preocupações históricas e filosóficas com a natureza e o
37
abusivamente, mathema, ou matema, o que provocou reações, esperadas,
usei o óbvio ethno, ou etno. O abuso foi além e ampliei o sentido de etno para
social e cultural, está implícito, com maior ou menor visibilidade e intensidade, em todos os mitos de criação. Daí surgiu etno-matema-tica. Uma parte da
que, no sentido usado a partir da Baixa Idade Média e do Renascimento, é também um neologismo. Realmente, o matema, que é uma das raízes etimológicas d
desempenha a ideia de diferença social e cultural de
determinados ambientes, a fim de explicar o que diz o sufixo tica como os saberes e
técnicas desen desenvolvidos. Isto é, esta perspectiva
traria o processo de explicar, lidar e entender as técnicas desenvolvidas em diferentes
grupos sociais e culturais.
Ele ainda descreve a etnomatemática como um programa etnomatemático, que
teve sua origem na busca em estudar e entender os saberes presentes nas diferentes
culturas, sociedades tribais, grupos de trabalho ou moradores de uma determinada
região (D´AMBROSIO, 2005). O que leva em consideração o estudo de culturas
marginalizadas, onde Foucault (2005) descreve como o saber das pessoas. Há uma
proposta historiográfica remetente a evolução dos saberes que resultam da exposição
clara e mútua destas culturas.
Vemos ainda que diferentes autores contribuíram para que a Etnomatemática
se fundamentasse, o que resultou em diferentes entendimentos e conceitos. Um
levantamento feito por Conrado (2005) em sua dissertação, A pesquisa brasileira em
etnomatemática: desenvolvimento, perspectivas e desafios, busca mapear as
pesquisas em Etnomatemática, e assim, identificar e agrupar suas perspectivas:
Essa pluralidade parece ser reconhecida pela maioria dos pesquisadores e nenhum deles manifesta a necessidade de se uniformizar ou unificar a visão desse campo de estudos, desse modo; sendo assim reconhecem as diversas abordagens e tratam-na com naturalidade. (CONRADO; 2005, p. 97)
se deve tentar estipular uma epistemologia para a Etnomatemática, por significar um
conceito fixo ao programa, o que iria contra as ideias intrínsecas a ela, que seria o
entendimento da busca do homem por conhecimentos através de saberes locais. Para
busca entender os saberes locais de diferentes
38
culturas, com o intuito de valorizar esses saberes, comparando-os em alguns
momentos com os conhecimentos desenvolvidos na academia (CONRADO; 2005).
Por outro lado, pesquisadores como Barton (1995), Powell e Frankenstein
(1997), Ferreira (1997), Knijnik (1996, 2002), olham para Etnomatemática sobre outra
ótica, partindo de uma mesma ideia, a relação da matemática com a Antropologia.
Para Barton (1995), a Etnomatemática estaria dividida em três dimensões
categorizadas por tempo, cultura e matemática. Onde na concepção do autor a
Etnomatemática poderia estar ligada a um grupo cultural antigo ou contemporâneo,
abrangendo grupos étnicos distintos, com ideias que partiriam da Matemática quando
pensadas além de suas convenções existentes.
Powell e Frankenstein (1997) entenderiam a Etnomatemática, a partir da
problematização do conhecimento eurocêntrico. Para os autores, a Etnomatemática
estaria vinculada a dimensão política e social, partindo de fontes não acadêmicas,
possibilitando o diálogo entre saber local e o conhecimento acadêmico, o que revelaria
saberes escondidos pela história.
Ferreira (1997), olharia os conceitos etnomatemáticos a partir da relação com
ideias que envolvessem a Antropologia, compreendendo-a como uma pesquisa
histórica, ao destacar sobretudo como um ato pedagógico.
Enquanto que para Knijnik (2002), a Etnomatemática seria um campo
abrangente e heterogêneo, que investigaria as relações de poder entre o acadêmico e
o cultural. A autora ainda destacaria questões do conhecimento acadêmico, a partir do
olhar etnomatemático, relacionando-as ao fato de produzir ações de exclusão sociais.
Junto a todas estas perspectivas descritas por Conrado (2005), relaciono a
Etnomatemática a pressupostos encontrados nos textos de Foucault, com forte
influência de Nietzsche, ao propor o pensamento de recusa aos fundamentos
tradicionais da filosofia, como as ideias de verdade, objetividade e razão, entendendo-
as como práticas discursivas. O que abre espaço para a problematização dos
conhecimentos globais e sua relação de poder com os saberes locais, defendendo a
educação que valorize diferentes culturas, ao trabalhar com conceitos políticos das
relações de poder dentro da sociedade.
Ao dar destaque a política do conhecimento, articulando-a aos processos que acabam por produzir dinâmicas de exclusão social, Knijnik enfatiza uma das dimensões mais relevantes da Etnomatemática. Em oposição a esta
-Ciência asséptica e imaculada, a Etnomatemática está atenta para compreender os efeitos que são produzidos quando estes mesmos saberes,
39
não hegemônicos, são impedidos de circular no currículo escolar. A Etnomatemática destaca a importância de que se efetive uma conexão entre
Esta conexão é antes de tudo, um posicionamento político. (GIONGO, 2001, p.100)
Esta perspectiva desenvolve um fator comum, a opção pelas minorias,
enquanto grupos considerados marginalizados.
A Etnomatemática questiona a universalidade da Matemática ensinada na escola, sem relações com o contexto social, cultural e político, procurando dar visibilidade a Matemática dos diferentes grupos socioculturais, especialmente daqueles que são subordinados do ponto de vista econômico e/ou social (SCHMITZ, 2001, p.76)
Amplia-se a noção de que a Matemática seria uma atividade elaborada como
forma de trabalhar com problemas em diferentes momentos independente do grupo
social.
(...) a investigação das tradições, práticas e concepções matemáticas de um grupo social subordinado (quanto ao volume e composição de capital social, cultural e econômico) e o trabalho pedagógico que se desenvolve com o objetivo de que o grupo interprete e decodifique seu conhecimento; adquira o conhecimento produzido pela Matemática acadêmica e estabeleça comparações entre o seu conhecimento e o conhecimento acadêmico, analisando as relações de poder envolvidas no uso destes dois saberes (KNIJNIK, 1997, p. 88).
Olho então para a Etnomatemática como campo de estudos que indica
visibilidade aos saberes constituídos no âmbito social, cultural, econômico e todas as
características que compõem nossa sociedade. Esta perspectiva parte de um
posicionamento epistemológico, ao pensar a Etnomatemática a partir dos
questionamentos aos saberes locais, de grupos culturais distintos, marginalizadas por
uma cultura hegemônica.
Knijnik (2012) traz a problematização das relações de poder no campo da
Etnomatemática a fim de evitar o entendimento ingênuo dos saberes locais. Destacar
estas relações que atuam sobre os saberes, permite analisarmos os processos de
escolarização e legitimação do conhecimento.
Pensar a Etnomatemática dentro desta perspectiva permite também admitirmos
a existência de outros usos para a matemática, mas também permite estudarmos as
relações de poder desses diferentes saberes, onde, o conhecimento acadêmico é
usado como parâmetro de hierarquização, isto é, desvalorização e sujeição dos
40
saberes locais.
Uma vez que a Etnomatemática, possibilita conhecer outras visões de mundo,
geralmente inviabilizadas pelo discurso acadêmico, outras formas de vida como a
comunidade CSA, podem ser observados sobre suas próprias orientações formativas.
O que nos faz pensar além do modelo de educação convencional, mesmo em aulas
de Matemática.
Etnomodelagem
Visitar os conceitos que envolvem a Modelagem e a Etnomatemática é
importante para entender a Etnomodelagem. A Etnomodelagem se fundamenta no
processo de reflexão da rotina de um único indivíduo ou toda uma comunidade, que
não a acadêmica, mas de qualquer grupo cultural distinto. Ela seria defendida como a
análise e estudo dos saberes locais, presentes em diferentes grupos, vinculado a
construção social de um povo específico.
O conceito de Etnomodelagem desenvolvido neste tópico segue da relação
entre as ideias expressas na Etnomatemática e Modelagem Matemática. Sendo assim,
os estudos e processos que envolvem a Etnomodelagem devem olhar não somente
para a modelagem como o processo de obtenção de um modelo final, mas
principalmente para o entendimento e valorização dos processos presentes nos
saberes locais.
A relação entre Modelagem Matemática e a Etnomodelagem está no
posicionamento das questões metodológica e epistemológicas. A Modelagem
desenvolvida dentro do ambiente acadêmico esta ligada na legitimação da
Matemática, enquanto que a modelagem, no qual chamamos de Etnomodelagem esta
preocupada em desenvolver ou analisar os (etno)modelos construidos ou identificados
a partir dos saberes locais desenvolvidos por um determinado grupo. A partir de então,
a Etnomodelagem poderia ser considerada como uma concepção prática dos
conhecimentos etnomatemáticos, representados através da modelagem destes
saberes locais
A Etnomodelagem traria então a visibilidade a conhecimentos, que de acordo
com Foucault (1999a), são saberes desqualificados, por não possuírem unanimidade,
tratando-se de saberes locais. Uma vez que a Etnomodelagem estuda os saberes
locais desenvolvidos em ambientes culturalmente diferentes, é necessário entender
41
como os conceitos matemáticos dialogam, conceitualizam e adaptam-se aos saberes
desenvolvidos nesses grupos, através de um processo comparativo de semelhanças
e diferenças, que surgem das linguagens utilizadas.
O processo de investigação destes grupos requer certo cuidado, tratando-se do
olhar de um membro pertencente a uma cultura distinta do pesquisador, o que pode
ocasionar deslocamentos ou distorções quanto aos dados levantados. Grupos
culturais diferentes desenvolvem maneiras pessoais de fundamentar seus saberes.
Estão ligados a dependência de seus ambientes culturais e estruturas políticas e
sociais. Assim, no que diz respeito a Etnomodelagem, os estudos conduzidos por Rosa
relação da Etnomatemática com a M/modelagem15.
Rosa e Orey (2003), veem que a Etnomodelagem poderia ser entendida como
uma proposta incluída no processo de Modelagem junto à utilização da
Etnomatemática quanto aos estudos de saberes locais desenvolvidos por indivíduos
de culturas distintas. No qual, estes saberes seriam traduzidos para a linguagem
Matemática, como forma de representar e contextualizar a Matemática, dentro de
diferentes realidades.
Para Caldeira (2007), a Etnomodelagem considera a matemática constituída
nos saberes locais de grupos distintos, junto a utilização das concepções referente a
Modelagem. Caldeira compreenderia a modelagem como processo de comparação
máticos que as crianças apresentavam de suas relações
Klüber (2007) embora não utilize o termo Etnomodelagem em seu texto,
trabalha com a modelagem de saberes locais. Nesta perspectiva, Klüber desenvolve
esta relação concluindo que o modelo se origina no saber local, tendo o processo de
Modelagem como método de contextualização no processo de ensino da Matemática.
conhecimentos culturais através da valorização e respeito, quando indivíduos
interagem com o próprio ambiente, sendo assim, a Etnomodelagem poderia ser
entendida como a transposição dos saberes locais para o ambiente acadêmico.
Esses pesquisadores convergem ao ponto de que há relação entre modelagem
e saberes locais. Etnomodelagem, seria o processo de produção de questões que se
15 Novamente venho a citar a modelagem com letra minúscula, ao me referir ao processo de modelagem que trabalhe com saberes não acadêmicos saberes locais.
42
originam de situações reais, saberes locais, formando ou não modelos de situações
tiradas da realidade, proporcionando uma análise crítica quanto a constituição,
transmissão e institucionalização de conhecimentos.
Mas a concepção de Etnomodelagem considerada neste trabalho, leva em
consideração as divergências que existem entre estes pesquisadores. Nos detendo a
ideia de que a Etnomodelagem não seria um processo de tradução de saberes locais
para o conhecimento acadêmico, nem na ideia de contextualizar a Matemática
desenvolvida nos ambientes escolares.
Logo, entendemos a Etnomodelagem como forma de observar a
etnomatemática, resultantes de saberes que procedem de relações culturais, não para
acadêmicos. Possibilitando até mesmo uma comparação a Matemática, não na ideia
de validar estes saberes, mas dar visibilidade a saberes ignorados pelos meios de
normalização, destacando novas formas de resolver problemas.
43
CAPÍTULO 2
FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA
De acordo com os objetivos da pesquisa, foram investigados os saberes locais
específicos de uma comunidade focada na produção de orgânicos e, a partir desta
identificação, entender a relação a partir dos diálogos que se formam entre os saberes
locais e a Matemática.
Assim, assumo nesta investigação a postura de que o cotidiano desta
comunidade está carregado de saberes locais, bem como estes não estão dissociados
de sua cultura, dessa forma, num primeiro momento, mergulho nesta comunidade por
meio dos processos da pesquisa do tipo etnográfica o qual será explicitado
posteriormente.
Como primeira etapa metodológica, realizei uma pesquisa bibliográfica a fim de
identificar o que já foi pesquisado sobre o assunto, junto a construção de bases
fundamentais e teóricas, como apresentado por Ludwing (2003):
requer, em primeiro lugar, que sejam feitas consultas em livros, revistas e documentos existentes em bibliotecas bem como em endereços eletrônicos. Na sequência, devem ser selecionados os que interessam, fazer o exame e a leitura deles com técnicas apropriadas, elaborar anotações e fichas e redigir um texto baseado nesse trabalho. (p.7)
Para que os objetivos da pesquisa fossem alcançados, não bastaria uma
consulta bibliográfica, fez-se necessário com o consentimento da Dina, conforme
termo apresentado no Apêndice A, uma aproximação e uma ligação maior do
pesquisador com o saberes desenvolvidos na comunidade pesquisada, ou seja,
observar, ouvir, interagir e registrar com um indivíduo no seu ambiente próprio, para
então poder discutir as questões levantadas.
Assim, foram destacadas características da vida sociocultural de um indivíduo
distinto daquele presente no ambiente acadêmico. Parto do pressuposto de que não é
possível seguir uma teoria pronta, com procedimentos lineares e fechados, que apenas
se adaptam ao contexto, ao invés disso, escolho trabalhar com a pesquisa qualitativa
por entender que seu oco está na análise, na significação e interpretação do contexto
da pesquisa, conforme apresentado por Creswell (2010):
44
pesquisa qualitativa usa métodos múltiplos que são interativos e humanísticos. Os métodos de coleta de dados estão crescendo e cada vez mais envolvem participação ativa dos participantes e sensibilidade aos participantes do estudo. Os pesquisadores qualitativos buscam o envolvimento dos participantes na coleta de dados e tentam estabelecer harmonia e credibilidade com as pessoas no estudo. (p. 186)
Diante dessas escolhas metodológicas de pesquisa, não faz sentido fazer
observações e depois alinhá-las numa melhor teoria geral pré-determinada, fechada,
definitiva e conclusiva. Assim, o presente trabalho buscou identificar os saberes locais
e reconhecer os modelos presentes na fala e na rotina dos indivíduos de uma
comunidade rural, localizada no município de São Carlos.
Realizei a observação quanto às discussões sobre a matemática no cultivo de
orgânicos, assim como, a identidade cultural, econômica e organizacional dos
indivíduos desta comunidade, com o intuito de problematizar o diálogo entre o saber
local e o conhecimento acadêmico.
Assim, reservo aos tópicos a seguir uma breve menção de como os processos
de visitação, entrevistas e demais meios de produção de dados foram realizados.
Tendo o objetivo principal em descrever os métodos utilizados de forma mais técnica,
embora em alguns momentos, descrever as sensações produzidas neste processo é
importante no sentido de proporcionar ao leitor um vislumbre da perspectiva com o
qual foi escrito. Esta postura foi tomada a fim de deixar a descrição dos processos de
forma linear, mas tão próxima do leitor.
Reservo ao capítulo seguinte, uma descrição mais detalhada do processo de
visitação, no intuito de deixar claro ao leitor os saberes identificados em todos os
momentos de visitações, sem rupturas ou outras distrações textuais que possam
surgir.
Pesquisa do tipo Etnográfico
A opção pelo estudo de caso do tipo Etnográfico ao invés de Etnografia é devido
ao fato de que as pesquisas em Educação serem inspiradas e adaptadas às pesquisas
etnográficas, conforme nos mostra Schefer e Knijnik (2015):
tipo etnográfico(via descrição) a lógica das práticas [saberes] numa escola, num lugar, dando voz para membros de grupos por vezes ignorados academicamente. A metodologia, nesse empreendimento científico, permite compreender que,
45
ignorar investigações que sugiram a direção do que é certo ou errado,
Assim, o estudo de caso do tipo Etnográfico busca retratar situações reais da
vida, permitindo descobrir elementos inesperados. Não segue sistemicamente um
agrupamento de procedimentos rígidos e lineares. Não há, nesse contexto, um
referencial teórico pronto para ser aplicado, sendo necessário seguir o princípio da
relativização, que é um princípio básico da etnografia, exigindo um estranhamento e
observação participante.
O método exigiu a observação dos fenômenos pelo pesquisador dos
acontecimentos, dos comportamentos, dos saberes locais, não apenas de acordo com
o modo de ver o mundo, mas de maneira geral. Ao pesquisador exigiu-se o cuidado
em olhar através da ótica de produção cultural do outro, o que implica não apenas
conhecê-los, mas ter uma atitude de crítica em relação ao próprio pesquisador, no
sentido de que o encontro com culturas diferentes modifica o seu próprio olhar. Dessa
forma, o estranho pode passar a ser familiar e o familiar pode passar a ser estranho.
A Etnografia é um tipo de pesquisa muito utilizado nos estudos antropológicos,
pois esse tipo de abordagem caracteriza-se principalmente por uma descrição densa
da problemática de estudo. Nesse sentido, os etnógrafos imergem nos saberes locais
dos membros do grupo observado. Nessa concepção, a etnografia é um conjunto de
técnicas utilizadas na produção dos dados referentes aos valores, hábitos, crenças,
comportamentos sociais e todas as descrições escritas referentes a essas técnicas
(SCHEFER; KNIJNIK, 2015).
Desta maneira, para melhor atender aos objetivos propostos para essa
pesquisa, optei por realizar, durante a fase de produção de dados, um estudo de caso
do tipo Etnográfico, pois essa técnica de abordagem possui objetivos direcionados
para as ações no campo da Educação. Ressalta-se que esse tipo de pesquisa está
-
(ALVES, 2014, p. 93).
Consequentemente, com o objetivo de realizar visitas ao CSA, como
pesquisador, busquei a oportunidade de produzir dados fazendo uma leitura da
realidade vivenciada nesse ambiente cultural específico. Assim, de acordo com a
Tabela 5, apresento os processos das etapas metodológicas da pesquisa:
46
Tabela 5. Processos das etapas metodológicas Etapa Processos
1 PREPARAÇÃO I) Entender o contexto político e se familiarizar com o sistema e a história do grupo a ser estudado;
II) Elaborar perguntas e objetos de observações; III) Obter o acesso e permissão para entrevistas e
observações.
2 ESTUDO I) Realizar as observações e entrevista; II) Recolher dados objetivos e subjetivos de modo
qualitativo e quantitativo; III) Seguir todas as pistas que surjam durante a etnografia; IV) Registrar as observações.
3 ANÁLISE I) Organização e interpretação dos dados;
Fonte: Dados obtidos a partir do texto A Pesquisa, presente no livro Etnologia-Antropologia (LABURTHE-TOLRA & WARNIER, 1997, p.423 - 442).
A princípio, uma visita de reconhecimento foi realizada, seguindo os processos
da etapa de Preparação a fim de estabelecer vínculo com os indivíduos, no intuito de
iniciar uma compreensão e identificação dos saberes locais presente em suas rotinas.
Esta primeira etapa foi desenvolvida no intuito de fazer uma observação que busca
realizar o reconhecimento da interpretação destes indivíduos quanto sua própria
cultura.
Esta primeira visita, tive o acompanhamento do meu orientador, para mostrar a
localização da comunidade, assim como apresentar a Dina. Tendo em vista que este
já era membro da comunidade e tinha familiaridade com os membros ali presentes.
Sendo importante esta ponte realizada entre pesquisador e a agricultora responsável
pela comunidade, para início da pesquisa. Em uma etapa posterior, após desenvolver
afinidade com a rotina da Dina, foi feito o levantamento dos modelos dos saberes
etnomatemáticos presentes, por meio dos diálogos realizados durante as visitações,
com intuito de estabelecer uma análise destes, como descrito nos processos
referentes a etapa de Estudo da proposta metodológica.
Após estes levantamentos, quanto aos saberes etnomatemáticos, referente aos
modelos matemáticos encontrados, foi colocado em consonância com a visão de
realizar uma possível crítica quanto aos conhecimentos16 sujeitados destes indivíduos,
16 Diferencio a partir daqui a utilização dos termos Saber e Conhecimento, utilizando-me da perspectiva presente nas obras de Michel Foucault, na qual o saber possui uma diferenciação do conhecimento. O conhecimento corresponde a formação de um processo de identificação e de classificação dos objetos, enquanto que o saber designa o processo pelo qual o sujeito, não fixo, sofre uma modificação durante o trabalho. Pode-se dizer que o conhecimento é fixo, enquanto o saber é sutil e está em constante mutação. O saber está intimamente ligado a ideia de poder, pois o poder se relacionou e ainda se relaciona com o saber (FOUCAULT, 1996).
47
a uma posição política, cultural, social e organizacional a partir dos processos disposto
na etapa de Análise.
Assim, nesta pesquisa, a combinação dos diversos procedimentos
metodológicos de produção de dados e também as descrições escritas pelos
participantes durante a visita à comunidade forneceram elementos importantes para o
processo analítico e interpretativo dos dados.
Instrumentos de produção de dados
Um dos principais objetivos do procedimento metodológico qualitativo,
envolvendo a pesquisa do tipo Etnográfico, é validar os resultados obtidos neste
estudo por meio da análise dos dados e das teorias discutidas na fundamentação
teórica abordada na revisão de literatura.
Os dados qualitativos e quantitativos foram produzidos por meio dos seguintes
instrumentos:
Observação participativa;
Diário de campo;
Entrevista semiestruturada.
As informações obtidas por meio desses instrumentos de produção de dados
tiveram o objetivo de auxiliar o pesquisador na obtenção da resposta à problemática
deste estudo:
Quais as contribuições da Etnomodelagem no processo de visibilidade dos
saberes locais dos indivíduos da comunidade CSA em diálogo com os
conhecimentos acadêmicos?
Observação participativa
Quanto a observação, pode-se dizer que foi uma técnica de produção de dados
em que além de ver e ouvir, permitiu também examinar. Assim como neste caso, a
observação participante permitiu identificar e dar significado aos dados de maneira que
48
A observação participante, implica, necessariamente, um processo longo.
entrada na área. Uma fase exploratória é, assim, essencial para o desenrolar ulterior da pesquisa. O tempo é também um pré-requisito para os estudos que envolvem o comportamento e a ação de grupos: para se compreender a evolução do comportamento de pessoas e de grupos é necessário observá-los por um longo período e não num único momento (p. 320)
Durante o trabalho de campo, de acordo com os acontecimentos e os pontos
pode ser ativo ou passivo. Na forma passiva, o observador registra os dados de
pesquisa após o período de observação. Já na observação na forma ativa, os registros
podem ser feitos durante esse período (WHYTE, 2005). Para não perder informações
por esquecimento, a maioria de minhas observações foram na forma ativa.
Enquanto método de investigação, a observação participativa me possibilitou
obter uma visão geral e natural dos saberes a serem estudadas. Contudo, este tipo de
observação, apesar de toda a utilidade que apresenta deve ser acompanhada de
outras técnicas. É importante que esta técnica de investigação, unida a outras, dê
sentido ao apurar o entendimento da problemática em análise sob diversas
perspectivas.
Este processo de observação foi enriquecedor no sentido de mostrar uma outra
realidade da qual estava acostumado. Criado em Santo André, um município da
Região do Grande ABC, localizado na Zona Sudeste da Grande São Paulo, tive pouco
contato com o dia a dia de pessoas que vivem no campo. Mesmo crescendo ouvindo
histórias contadas pela minha mãe nascida e criada no interior do Paraná. Lendas,
brincadeiras, cultivo de alimentos, cuidado com animais, me eram próximos só no
imaginário das histórias contadas.
Me fez reviver e compartilhar esta experiência. Tive a liberdade de participar de
forma ativa no processo de observação. Participar de assembleias, festas, eventos,
cultivo e plantio de mudas. Utilizar as ferramentas e mexer com a terra foi apenas um
relance de toda a experiência disponibilizada pela Dina. No qual tento descrever de
forma linear os novos saberes que me foram apresentados de forma múltipla.
Diário de campo do pesquisador
O diário de campo do pesquisador é um método de produção de dados que tem
por finalidade auxiliar o pesquisador nas diferentes perspectivas quanto às
informações produzidas durante o processo do trabalho de campo. Dessa maneira, o
49
diário de campo do pesquisador contém informações detalhadas sobre as
observações realizadas durante o processo de produção de dados (LABURTHE-
TOLRA & WARNIER, 1997).
Assim, como pesquisador anotei em meu diário de campo todas as informações
que me auxiliaram na análise dos dados, podendo reviver todo o processo vivenciado,
como por exemplo, a postura e os comentários dos participantes, de forma detalhada.
Foi essencial registrar os comportamentos deles durante a visita ao grupo, bem como
as conversas informais entre os responsáveis pela comunidade. Todos os registros
foram relevantes para o desenvolvimento da análise e da interpretação dos dados.
Possibilitando a cada novo registro e emersão de um emaranhado de novas reflexões
quanto aos dados obtidos.
Entrevista semiestruturada
Entendo que as entrevistas semiestruturadas podem ser consideradas como
técnicas de pesquisa, que têm por objetivo a obtenção de informações por meio da
elaboração de questões orientadas, com metas definidas em uma perspectiva de
interação social (BAUER; GASKELL, 2017). Dessa maneira, as respostas para essas
questões orientadas possibilitaram o surgimento de outras questões no processo de
interação entre o entrevistado (neste caso o responsável pela comunidade) e o
entrevistador (pesquisador) durante a realização do trabalho de campo deste estudo.
A entrevista semiestruturada (Apêndice B) focalizou nos assuntos sobre os
quais, como pesquisador, pude elaborar, seguindo um roteiro composto por questões
principais que foram complementadas por outras, inerentes às circunstâncias
momentâneas que poderiam surgir durante o processo. Assim, esse tipo de entrevista
possibilitou o surgimento de informações de uma maneira livre, pois as respostas não
estavam condicionadas a uma resposta padrão (BAUER; GASKELL, 2017).
Neste estudo, uma entrevista semiestruturada foi conduzida durante uma das
oito visitas a comunidade, cujos dados foram transcritos para uma futura análise e
interpretação. A entrevista foi realizada com a responsável da comunidade tendo como
objetivo, verificar quais são os saberes locais que essa pessoa desenvolve em seus
saberes.
A entrevista iniciou de forma não tão descontraída, com o diálogo sobre a futura
produção de ervas utilizadas para produção de chás. Mas durante seu
desenvolvimento foi se tornado fluida e confortável.
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Pesquisador: Vocês têm chá aqui também Dina? Dina: Tem! A ideia é da gente construir uma mandala de ervas medicinais. Assim, trabalhar com essa parte da fitoterapia com a galera especializada... mas, a gente tem as ervas aqui. Pesquisador: Quais vocês têm? Dina: Eu tenho alecrim, hortelã, menta, cidreira, nossa tem várias... que eu to lembrando, tem losna... (silêncio) Pesquisador: Capim limão é a mesma que cidreira, não é? Ou não? Dina: Capim cidreira é um, e a cidreira folha é outra. Cidreira folha é essa tudo ramificada aí na frente. Tinha melissa, não sei se ainda tem, tem várias... Então vamos lá?! (Trecho do áudio gravado antes do início efetivo da entrevista com a Dina. 2019).
Por tratar-se de um momento um pouco mais formal na minha concepção, inicio
a entrevista com uma pergunta qualquer, já que a Dina havia oferecido um pouco de
chá, como descrito na fala a cima. Mas a Dina, percebendo o meu desconforto, segue
a entrevista contando um pouco mais do que era perguntando. Gerando então uma
maior aproximação, o que fez surgir os dados e relatos descritos no capítulo seguinte.
51
CAPÍTULO 3
ETNOMODELAGEM, OS SABERES LOCAIS
O principal objetivo desse capítulo é o de descrever os saberes locais do campo
de pesquisa utilizado neste estudo. Encaminho a apresentação e descrição da
comunidade pesquisada quanto ao detalhamento do trabalho de campo, obtido por
meio do contato pontual do pesquisador com a cultura da Dina, a fim de descobrir
como este se organiza em seu sistema de significados culturais. Trazendo esta
descrição por meio do compilado entre as anotações de diário de campo, entrevistas
e encontros pontuais.
Visitas a campo e as possibilidades de Etnomodelagem
Após o levantamento inicial referente aos conceitos presentes na literatura
quanto aos processos que envolvem a Etnomodelagem e a definição do método de
pesquisa inspirada na Etnografia, busquei realizar as visitas, a fim de que o
levantamento de dados fosse ocorrendo. Assim, faz-se necessário destacar o melhor
termo para se referir a comunidade e para isso destaco uma fala da Dina.
Graças ao mapeamento da Lírio isso ficou muito claro pra mim, por que antes era uma confusão, tinha hora que eu não entendia nada. E aí tinha hora que eu não entendia nada, e aí tinha hora que toda vez eu tinha que perguntar para as meninas. Aí eu entendi com o mapeamento que o Abiru sou eu, a Abiru é a Dina, a família de agricultores. Então tudo o que a gente ia falar, a gente falava em nome do Sítio, aí a Jhuly que falou mãe, quando a gente não estiver nesse Sítio mais... Então se tem que... então foi ela que criou o logo, ela que criou, que pesquisou logo e disse mãe isso aqui é você e a comunidade é a CSA então pela comunidade eu sou um membro da CSA, mas eu sou a agricultora. (Fala da Dina, agricultora responsável pela Comunidade CSA, áudio gravado no processo de visitação, maio de 2019)
A partir deste ponto, a comunidade, os processos e as análises a serem
desenvolvidas se referem a Comunidade CSA, por ser o projeto principal da
comunidade, que envolve toda a comunidade. Logo, a primeira visita foi realizada
como forma de reconhecimento, a fim de estabelecer vínculo com a Dina, no intuito de
iniciar a compreensão dos processos que envolvem a comunidade.
Chegamos à entrada da Comunidade CSA e nos dirigimos a um barracão
(Figura 5) que é utilizado para realização de reuniões da comunidade para estabelecer
52
alguns processos, confraternizações e eventos. Após ser apresentado a Dina, dei
início a uma breve explicação, junto ao meu orientador, do motivo da visita, em que
ela se mostrou entusiasmada. Começamos assim nossa visita, por uma breve
introdução ao projeto CSA e como este se organizava em termos de produção,
organização e distribuição dos produtos.
Figura 5. Barracão e local das confraternizações
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2018. O barracão é o local onde os eventos acontecem, assim como, reuniões e assembleias. Foi o local de primeiro contato com a Dina.
Embora rápida, a primeira visita serviu para aproximar-me da comunidade,
dando início as observações dos processos que ali estavam. Começando então a
entender como a Matemática poderia ser identificada a partir de um olhar pessoal, que
esta comunidade possibilitaria.
Foi nesta primeira visita que alguns processos me chamaram atenção, para a
possibilidade de desenvolver o processo de Etnomodelagem como o Controle de
Plantio e os Processos de Plantio/Colheita a que este controle representava. Outra
possibilidade surgiu em visitas posteriores, ao participar de uma das assembleias da
53
comunidade, comumente, realizadas aos domingos, no período da tarde. E foi nesta
reunião que identifiquei uma nova possibilidade de estudo, como o caso da definição
de Taxas de Associação e Preços de produtos.
Com isso dei continuidade às visitas a fim de entender estes processos locais
e suas relações com outros conhecimentos. Finalizando a etapa de Preparação das
visitas e dando continuidade a etapa de Estudo, a fim de realizar as Análises, pois
outras visitas ainda necessitavam serem efetivadas.
Os saberes locais
Neste tópico busco descrever os saberes da comunidade, destacando para a
análise dos processos quanto às relações de semelhanças e diferenças entre os
saberes locais com o conhecimento acadêmico. Dentre estes:
Controle de Plantio/Colheita;
Processos de Plantio/Colheita;
Taxas de Associação e Preços de produtos.
Controle de Plantio/Colheita
A fim de entendermos a comunidade, o diálogo desenvolvido durante o
processo de visitação, mais a análise de documentos produzidos tanto por membros
da comunidade pertencentes ao ambiente acadêmico, quanto por aqueles gerados
pela Dina, proporcionou interpretar e entender como este se fundamenta nos saberes
locais. Durante minhas visitas, identifiquei na fala da Dina uma relação entre saberes
locais e conhecimentos acadêmicos, tal qual, o sistema de controle de plantio/colheita.
A comunidade, de acordo com a Dina, apresentava a necessidade de
mecanismos práticos que pudessem contribuir visualmente com os visitantes
convidados a conhecer a comunidade, assim como, Bolsistas, Cotistas e demais
membros da comunidade, que de alguma forma, mantinham um contato direto ou
indireto com os locais dispostos para plantio. Além, também, de expor aos mesmos,
as atividades desenvolvidas em cada área reservada para este processo.
A partir desta necessidade, no diálogo entre a Dina e estudantes do curso de
Gestão e Análise Ambiental da UFSCar17, surge a ideia de construírem dois mapas
17 Os estudantes do curso de Gestão e Análise Ambiental da UFSCar, realizaram trabalhos pontuais na comunidade
54
físicos e interativos, para contribuírem com a organização do espaço, além de sua
utilização para fins de percepção e educação ambiental, sendo estes mapas18 (Figura
6) construídos mediante o diálogo entre estudantes e agricultores.
Figura 6. Mapa Geral do Sítio
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019. Um dos mapas encontrados expostos no barracão da comunidade.
Esse processo dialógo, um levantamento de dados por parte dos estudantes
com apoio da Dina, identificou vários problemas relacionados a falta de planejamento
local, tais como: falta de uma organização geral, falta de planejamento do sistema de
produção, carência de materiais para a recepção do público externo e administração
do sistema de produção interna, acúmulo de resíduos, problemas com a água, entre
outros. Com isso, concluíram que a proposta de elaborar um mapa interativo era,
inicialmente, suficiente.
Os estudantes então trabalharam em conjunto com as pessoas diretamente
devido a proposta de projeto da professora responsável pela disciplina de Gestão, no qual, está também faz parte da comunidade como membro Cotista. Alguns destes estudantes tornaram-se membros Bolsistas após esta atividade. 18 Os mapas
55
envolvidas na área a serem delimitadas. Tanto os estudantes, quanto a Dina e os
responsáveis da frente de Produção, participaram ativamente nas decisões sobre os
locais a serem mapeados, definindo o conteúdo dos mapas e a estrutura das
informações, de modo que ambos cooperaram de tal forma a permitir uma melhor
compreensão e controle sobre a área de plantio.
A Dina e os responsáveis da frente de Produção, explicaram a localização de
cada área, espaços de colheita, necessidade de espaços de organização,
estruturaram coletivamente o modelo com as informações dispostas. Este processo
serviu para descrever o que era cada área para cada um dos membros, imprescindível
para conter no mapa geral, do qual contemplava a área do Sítio. Resultando assim,
no mapa de Controle de Plantio/Colheita (Figura 7). Contendo uma delimitação dos
respectivos nomes das quadras da área de cultivo, junto a elaboração de um mapa
com o recorte apenas das quadras.
Figura 7. Controle de Plantio
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019. Mapa de Controle de Plantio exposto no barracão.
56
Resumidamente, a ideia era delimitar as áreas construídas, tais como a casa de
sementes, o berçário19, a estufa20, entre outras, sendo o mapa proposto para ser
utilizado de forma educativa com os visitantes e demais membros, no qual tornou-se
visualmente de fácil compreensão por todos.
O mapa remete à área de cultivo, elaborado em material adesivo e colado em
uma superfície metálica como forma de diferenciar os locais disponíveis para plantio,
melhor o que está em processo de produção, o que deve ser colhido e a área
disponível para cultivo.
Os canteiros de plantio foram separados em quadras como forma de controle
durante o processo de implantação do sistema CSA, a fim de melhorar a organização,
de acordo com a necessidade e conhecimento prévio da Dina. Estes recebem o nome
de quadras e são identificadas por letras, simbolizados por figuras retangulares de
diferentes tamanhos. Estes não possuem exatamente a forma retangular, mas de
acordo com a Dina, foi a representação que mais se assemelhou com a forma e divisão
real dos canteiros (Figura 8).
Figura 8. Canteiros CSA São Carlos
19 Nome utilizado pela Dina para classificar o local que armazena as mudas em processo de germinação. 20 Nome utilizado pela Dina para classificar o local que armazena as mudas desenvolvidas, prontas para plantio, Berçário de Mudas.
57
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019. Canteiros para cultivo de produtos orgânicos.
No mapa, o imã amarelo representa a quadra disponível para plantio (Área
disponível), ou seja, que já receberam os cuidados com adubagem e proteção de
terreno. As quadras que possuem imãs verdes representam aqueles que estão em
processo de produção (Em Produção), enquanto os ímãs vermelhos representam as
quadras com produtos em tempo de colheita (Para ser colhido).
Embora estas informações estejam representadas no mapa, o tempo de
colheita, os adubos adotados, os produtos que estão em cultivo não são especificados,
mas de conhecimento da Dina, os quais são repassados aos Bolsistas nos cursos de
ingresso de novos membros, realizado nas férias. No sítio, junto à área de plantio,
existem identificações físicas, a fim de categorizar os canteiros. Com isso o mapa de
controle seria uma representação da realidade.
As quadras do mapa, representadas por retângulos, vão muito mais além do
conhecimento acadêmico ali configurado, não contemplando todas as informações que
os saberes ligados a cada cor de imã/quadras necessitam ou representam. O mapa
criado serve apenas como representação dos saberes que envolvem o processo de
plantio da comunidade, mas destaco a análise para seu processo de construção.
Processos de Plantio/Colheita
Muitos são os processos que envolvem o momento de plantio e sua colheita.
Um dos primeiros processos na Comunidade CSA, para cultivo de produtos orgânicos
armazenamento de sementes.
colocadas, quando necessário as, para secagem devido ao grande índice de umidade
dependendo da época do ano. O processo de secagem, segue o método natural, onde
as sementes colhidas são colocadas sobre uma superfície clara, exposta a luz do Sol
por no mínimo de dois dias.
Anteriormente as sementes eram colocadas em garrafas plásticas e expostas
ao Sol, porém, identificou-se que este método não era tão eficaz quanto estendê-las
sobre uma superfície plana, pois o tempo de secagem era muito mais longo que este
novo método. Estas sementes quando secas, são armazenadas em recipientes como
garrafas, sacos, vidros e latas metálicas, e assim, são guardadas na casa de
58
sementes.
A casa de sementes (Figura 9) funciona como uma poupança, no qual elas são
guardadas com segurança e usadas quando necessário. Algumas, de acordo com a
Dina, podem ser guardadas por muito tempo, sendo retiradas quando necessário,
tanto para disponibilização a outros produtores, como para cultivo de novos produtos.
Figura 9. Casa de sementes
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019. Prateleira com recipientes de armazenamento de sementes.
Além da casa de sementes, outras estruturas são fundamentais para o processo
de plantio/colheita como berçário de mudas e casa de germinação (Figura 10). De
acordo com a Dina, estas estruturas são essenciais ao processo que antecede o
plantio dos produtos, necessitando a identificação e manejo adequado, de tal modo
que garanta a produção de mudas sadias.
59
Figura 10. Berçário de mudas e casa de germinação
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019.
As sementes selecionadas para plantio são plantadas em recipientes de 80x40
cm, contando com 128 espaços disponíveis para plantio. Após as sementes serem
plantadas neste recipiente, os mesmos são colocados em superfícies de isopor na
dimensão de 100x50 cm, contendo pequenos furos para a vazão de água já que são
empilhados devido ao pequeno espaço disponível.
Neste processo, para que a germinação das sementes aconteça, alguns fatores
são necessários, como luminosidade, temperatura, umidade e o tempo necessário de
cada sementes para germinar. O local é coberto e completamente fechado, para
dificultar a entrada de insetos e controlar o processo de transpiração das mudas.
Para manter a terra sempre úmida, os bolsistas responsáveis por estas áreas
regam diariamente os recipientes, atentando-se para as placas de identificação que
contém o nome do produto e a data de plantio das sementes (Figura 11). Após
germinadas, a Dina seleciona os recipientes levando-os para o viveiro de mudas.
60
Figura 11. Identificação de germinação
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019.
O viveiro de muda é o último processo que antecede o processo efetivo de
plantio nos canteiros, onde as sementes germinadas, agora chamadas de mudas, são
separadas em quatro fileiras identificadas de acordo com o momento de plantio.
Os mesmos recipientes com as sementes germinadas são separados nas
fileiras identificadas com placas contendo a semana em que serão plantadas nos
canteiros. Semana 1, semana 2, semana 3 e semana 4, são as identificações das
fileiras, além da identificação já existente dos recipientes. Estas ficam nesta estrutura
esperando o momento certo para serem plantadas nos canteiros.
E nesta direção que a Dina descreve a configuração desta etapa de plantio da
comunidade e como esta foi gerada a partir do apoio de bolsistas pertencentes ao
curso de Gestão e Análise Ambiental da UFSCar:
Como apoio, essa organização [placas de identificação] já apoia, já ajuda, mas lá [viveiro] tem um outro que eu vou te mostrar que é o carro chefe dos bolsistas [mapa de plantio]. Você viu? A gente já colocou pela ordem. Então por exemplo, você é cotista, você raramente vem aqui, mas ai na sua folga,
61
quando você tem um tempinho você vem pro sítio [ênfase na voz] [...] Você precisa entender o processo... Tem dia que você vem, você tem um bolsista
que dia é hoje. Hoje é dia quinze. A tá, dia quinze, como é que eu vou saber agora? É só começar a pensar. Dia quinze é... é segunda semana, é terceira semana, quarta semana do mês? A é terceira semana do mês...legal... a ele pediu que muda? Tal muda, tal muda, tal muda.... Tá com a plaquinha ô... Aqui nessa bancada vai ter a plaquinha e vai ter a plaquinha com datas mais novas, então você vai pegar a com plaquinha mais velha. [...] Então isso aqui dá essa rotatividade que eu te falei. Toda semana semeia, então hoje vai semear, hoje estamos no dia cinco, ainda estamos na primeira semana, aí eu vou semear o da primeira semana. (Trecho retirado do áudio gravado durante uma das visitas. Apresentação do sítio pela Dina. 2019)
Estes processos que antecedem o plantio estão interligados, havendo falha em
uma etapa, afeta a todo o desenvolvimento, pois todas as semanas são plantadas
finalmente, até os canteiros (Figura 12) disponíveis para plantio destacados no mapa.
Figura 12. Canteiros
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019
62
passadas de lonjura e uma passada de grossura21 plantados diferentes
produtos em um mesmo canteiro, consequência do tipo de cultivo por consorciado. O
consórcio é realizado com espécies de diferentes ciclos, com espécies de diferentes
tamanhos.
De acordo com a Dina, a forma consorciada do plantio permite a interação
benéfica para todas as espécies cultivadas. Além disso, possibilita a melhor forma de
utilizar os recursos ambientais, como nutrientes, água e radiação solar, uma vez que
as espécies de plantas possuem ciclos de crescimento diferentes.
Um dos principais objetivos da Dina é o melhor aproveitamento da área. No
cultivo de algumas espécies o espaçamento entrelinhas é essencial e para que o
espaço plantado não fique em repouso, pode-se fazer o cultivo de outra cultura nesse
espaço de modo a se aproveitar de uma maneira mais eficiente.
Para isso o processo de plantio conta também com algumas ferramentas
3). Dina irá
descrever esta atividade da seguinte forma:
Figura 13. Ferramenta pauzinho
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019. Pauzinho é um ferramental desenvolvido pela Dina para auxiliar no processo de plantio.
21 Texto retirado de áudio gravado durante visitação.
64
De lá você vai medir aqui ô, tá vendo, com o pauzinho, vai abrir a palhinha, vai abrir um buraco, aí dali aqui você vai abrir outro né que no caso é esse aqui que já tá aberto e no entremeio você vai abrir outro [...] é trinta centímetros mais ou menos, e o entremeio dá mais ou menos quinze centímetro, aí você põe e aperta. (Trecho retirado do áudio gravado durante uma das visitas. Apresentação do sítio pela Dina. 2019)
Esse processo é um dos mais praticados na comunidade, devido ao tipo de
produ
tutoração consiste na construção de uma estrutura de bambu que busca fornecer
sustentação para o desenvolvimento das plantas, guiando o crescimento e evitando
quebra dos ramos.
Esse processo serve para amarrar a planta ao tutor, e segundo a Dina,
utilizando preferencialmente, materiais elásticos e fazê-
assim evitamos o estrangulamento da muda22
de bambu de dife
madeira inclinada sobre um fio de arame bem esticado (Figura 14).
Figura 14. Tutoração
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019. Tutoração, estrutura de bambu construída pela Dina a fim de fornecer sustentação para o desenvolvimento das plantas.
22 Texto retirado de áudio gravado durante gravação
65
Muitos são os processos de plantio e colheita, que não cabe descrever todos
neste trabalho. O processo de colheita segue principalmente a diretriz do Controle de
Plantio/Colheita. Assim, muitas são as possibilidades de modelos a serem criados
durante as análises deste processo em si.
Preços de Produto e Taxas de Associação
Não cabe estimar o valor de itens da cesta, ou o valor total desta, pois, de acordo
com os princípios do sistema CSA, o valor a ser pago nas cotas, refere-se à
manutenção da comunidade, indo contra a ideia capitalista do agronegócio que visa o
lucro em todos os processos.
Pesquisador: E você tem uma noção de custo de quanto vai na cesta? Ou não controla essa parte? Dina: De custo o que, você fala? De itens? Ou não? Pesquisador: Isso. De custo, assim tipo: A essa cesta que vai para os Cotistas equivale a X reais. Dina: Não. Quando você paga uma cota, essa cota é o valor dos dez mil (custos da comunidade), é uma parcélinha dos dez mil, não é o valor de uma cesta, a cesta é independente, a cesta é referente ao que produz e o que está produzindo, se eu te mandar um sacolão super cheio, igual foi agora [...] eu mandei couve-flor, mandei brócolis, mandei chicória, couve, acho que três tipos de alface, chuchu, cenoura, mandei temperos, mandei manjericão limão, mandei salsa e nem sei que mais que eu mandei. Foi uma cesta tão cheia, tão cheia, tão cheia, que se você for olhar item por item e for avaliar no supermercado, além de estar uma droga, murcha, ruim, cheia de veneno, você vai falar meu que riqueza (Trecho retirado do áudio gravado durante a entrevista. Entrevista Dina. 2019).
Estipular um valor foi necessário, pois, a quantidade de alimentos produzidos
não sofria vazão somente com a distribuição de cestas, o que como visto
anteriormente, originou outros projetos paralelos, a fim de escoar estes alimentos que
ficavam e logo estragavam.
Em entrevista, a Dina relata inicialmente seu método utilizado para estipular os
preços dos produtos, hoje separados por categorias como: folhas, frutos, temperos,
ervas, raízes e flores. Um caderno de campo (Figura 15) é confeccionado a fim de
anotar os custos e gastos de cada canteiro.
Estes valores servem somente para produtos distribuídos na Feira de Orgânicos
e Sacolão Móvel. Assim, a Dina descreve os dados que utiliza para estipular os valores
de cada categoria.
66
Dina: A gente lá no começo, lá atrás, a gente que também é o que eu vou fazer de novo, como tá preparando terra eu vou tornar a anotar. Eu vou começar a anotar no caderninho de campo, assim como os bolsistas tem que ter caderninho de campo, eu também tenho que ter o meu e aí lá atrás eu comecei a anotar os custos de cada canteiro, e aí pra analisar o preço de custo de cada item. Pesquisador: E o que você anotava neste caderno de campo, assim, em relação ao custo, como você estipulava esse custo? Dina: É assim, eu comprei um saco de calcário. Um saco de calcário vai custar dez reais, aí eu tenho que pegar esses dez reais e dividir pelo, vamos supor que é vinte quilos. Eu pego dez, divido pra vinte, sei quanto sai a cem gramas. E no canteiro vai tipo um quilo e duzentos, ou um quilo e cem ou um quilo. E aí eu faço a conta e sei que naquele canteiro foi de calcário tantos reais. Agora o esterco e a torta de mamona, coisas que eu faço aqui o composto isso eu não estipulo o preço, eu estipulo só a quantidade que vai, entendeu. Aí, vamos supor que eu não tenho a mudinha, igual agora, eu passei na cidade e comprei, mas eu estou fazendo as minhas já de volta. Eu comprei, aí se eu comprei, quanto que eu paguei na muda? Aí eu plantei a bandeja inteira vai. A bandeja custou doze reais, então eu anoto lá, muda doze reais. Aí eu plantei só meia bandeja, então muda seis reais. Ai além disso, eu vou colocar aqui as diárias minha, desde a preparação do solo. Eu trabalhei, segunda-feira o dia inteiro, terça-feira o dia inteiro, quarta-feira o dia inteiro, quinta-feira que eu plantei, então eu gastei quatro dias de mão de obra, então eu coloco lá quatro dias de mão de obra Dina. Eu começo a fazer isso comigo, sem contar os bolsistas, porque eu tenho que achar o preço. O custo e o preço. Aí eu vou anotando estas informações. Aí quando eu... gastei quatro dias, todo dia eu vou lá trabalhar naquele canteiro? Não. Aí o dia que eu vou eu tenho que anotar. Aí eu fui um dia e tirei matinho, eu fui um outro dia... Um dia inteiro eu tirei matinho, aí passou mais uns dois dias eu fui lá e vinte minutos eu adubei, aí um outro dia eu fui lá, em meia hora, irrigação. Entendeu? Eu vou anotando, até eu colher. São sete semanas. Pesquisador: O custo de água, junto a tudo isso aí você vai dividindo? Dina: Isso, vou dividindo, pra saber. A única coisa que eu não consegui... a água não... a única coisa que eu não consegui saber foi o aluguel e a energia, porque é num todo geral. Então eu preciso... entendeu... eu não sei como achar essa conta, porque eu tenho que fazer no geral tudo... Por exemplo: Tudo o que eu vendi deu, vamos supor, trinta mil, tudo o que eu vendi. Aí eu tenho que somar esses trinta mil foi em seis meses, vamos dizer assim. Aí eu tenho que pegar a conta de luz de seis meses, o preço do aluguel de seis meses e subtrair, que eu sei. É bastante complicado. (Trecho retirado do áudio gravado durante a entrevista. Entrevista Dina. 2019).
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Figura 15. Caderninho de campo Dina
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019. Esta figura mostra o caderno de anotações de gastos e atividades, utilizado pela Dina. Esta imagem tem o objetivo somente ilustrativo.
O modelo adotado para estipular os valores de cada categoria de produto
depende diretamente dos fatores que envolvem o processo de plantação, assim como
a manutenção da comunidade. Sendo estes fatores alterados conforme a
disponibilidade no campo e os recursos disponibilizados para a manutenção dos
canteiros e dos processos que o envolvem, sendo difícil de montar uma fórmula única
para os cálculos.
Este processo de estimar o valor a ser cobrado por cada categoria de produtos
comercializados nos outros projetos, não seguem a mesma ideia dos valores a serem
cobrados por cada categoria do projeto CSA, como no caso dos Bolsistas e Cotistas
(Quadro 1). Valores cobrados:
Quadro 1. Tabela de cotas CSA
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019. Tabela de valores de contribuição.
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Contando atualmente com quarenta bolsistas e onze cotistas até o primeiro
semestre de 2019, a Dina estimou estes valores com o auxílio de um Bolsistas,
discente do curso de Engenharia Elétrica da UFSCar, com o objetivo de alcançar 100
Cotistas CSA e 50 Bolsistas CSA.
Pesquisador: E como você estipulou essa cota de cinquenta e cem? Dina: No início da CSA, a gente não tinha o hábito de anotar todos os custos, aí veio um menino que ele tava fazendo, acho que era mestrado de parte elétrica, alguma coisa assim. Aí ele queria muito ajudar, e aí ele entrou pra CSA, e aí ele até se tornou Cotista pra nos auxiliar nestas planilhas de custos.
não pega notinha, quando você esquecer, você marca a lápis aqui, a gente vai
passado, a gente viu que o Sítio de porteira fechada é nove mil. E aí o Sítio de nove mil a gente rateou entre cotistas. Então por isso que a gente fala que nossa meta de membros cooperadores é de cento e cinquenta cotas, pra cobrir esses nove mil. Pesquisador: Os gastos destes nove mil, são os gastos dos nove mil aqui do Sítio? Dina: Tudo. É salário, manutenção de tudo, trator, plantio, insumo, sementes, mudas, aluguel energia, tudo. Então é tudo isso que é esses nove mil. Então
aumentadinha, vai vamos jogar dez mil, que aumente mil reais, vamos
condição de fornecer. E quantas cotas pagas precisa ser para ajudar. Então quer dizer o CSA nunca vai pagar cem por cento. Um dia ele pode até pagar, se tiver cento e cinquenta cotas pagas, ele vai pagar o custo total. Mas enquanto ele não chega nem a cem, então a gente tem que dividir. Os bolsistas que vão dar a produção pra escoar pra outros lugares, e os outros lugar que vai chegar dentro dos dez mil. (Trecho retirado do áudio gravado durante a entrevista. Entrevista Dina. 2019).
Estes valores seguem uma ideia criada pela Dina, a fim de melhor estipular as
taxas a serem cobradas para cada categoria específica da comunidade. Estes valores
são referentes aos custos com aluguel, luz, manutenção de equipamentos e da
comunidade, junto ao alvo estipulado para quantidade de membros.
Além dessas estimativas feitas, pela Dina, anteriormente, ela também produziu
uma planilha (Figura 16), a fim de estimar a quantidade de cotas disponíveis, por meio
da disponibilidade de produção dos canteiros.
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Figura 16. Tabela de estimativa de cotas
Fonte: Dados obtidos em pesquisa de campo 2019.
A primeira coluna da planilha, criada por ela, refere-se a estimativa de Cotistas
CSA, no caso, 100 Cotistas CSA. A segunda coluna está relacionada aos produtos
oferecidos em cada uma das 100 cestas, seguida pelo tipo de produto oferecido. Na
penúltima coluna, o valor refere-se à quantidade de mudas a serem plantadas para
suprir à quantidade de produtos a serem distribuídos em cada uma das cestas.
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Por fim, a última coluna refere-se à quantidade de caixas de mudas que
deverão ser cultivadas para suprir a necessidade de plantio. Muitas são as
possibilidades de problematizar esse processo, quando pensamos em sala de aula de
matemática. A própria Dina levanta um problema:
Cada muda vai produzir uma cabeça. Quantas mudas eu preciso, sendo que cada pessoa vai receber duas cabeças? Olha o problema aí. Isso é matemática, é química, é biologia e é tudo. (Trecho retirado do áudio gravado durante visita. Dina. 2019)
Assim, podemos observar como cada processo é rico em possibilidades de
modelagem. Cabe agora dar um passo para além dos processos como estes são e
para isso exige-se agora olhar para a Etnomodelagem.
Modelos e análises
A relação do conhecimento acadêmico pertencente aos bolsistas em diálogo
com os saberes locais da Dina, resultou nos processos descritos no tópico anterior
quanto os saberes desenvolvidos na comunidade. Identifico assim, que as técnicas
que envolveram a criação de cada um dos processos descritos podem ser
relacionadas com os processos que envolvem a Etnomodelagem, onde o diálogo com
os saberes locais resultaram em um etnomodelo que representasse suas práticas
culturais.
Porém, a ênfase destas análises seriam para além da obtenção de modelos
matemáticos, mas sim na busca pela reflexão dos processos que os envolvem, como
na valorização dos saberes locais e culturais pertencentes a Dina, representados
através da relação com os conhecimentos acadêmicos dos membros da comunidade.
Olho para o diálogo entre os saberes locais e os conhecimentos acadêmicos,
a fim de problematizar a legitimação da matemática acadêmica e sua maneira de
impor o que deve ser repassado como Matemática. Sendo assim, possibilitou-me o
entendimento de diferentes saberes sujeitados mediante a utilização da
Etnomodelagem como modo comparativo, o que proporcionou a insurreição destes
saberes como: O controle de plantio/colheita; O processo de plantio/colheita; As taxas
de associação e preços de produtos. Ao trazer dentro desta mesma perspectiva, as
discussões presentes na identidade cultural inserida no comportamento social,
econômico e organizacional dos indivíduos desta comunidade.
71
Trazemos a discussão desta relação, em que a visão da matemática
acadêmica, universal e hegemônica, formada por uma cultura ocidental
idade ou
neutralidade do saber local, mas traria o entendimento de que ambos possuiriam
semelhanças, mas também diferenças.
No caso do mapa de controle de plantio. O processo que antecede a criação
do mapa, é tão importante quanto seu modelo final, pois exigiu-se o compartilhamento
cultural dos envolvidos. Porém, mesmo assim a linguagem local não foi considerada
totalmente, devido a um processo de tradução de saberes, quando olhamos para os
mico).
A discussão necessária para obtenção do modelo foi antecedida por oficinas
de treinamento coordenadas pela Dina, quanto as técnicas necessárias para cultivo
dos produtos, preparação da terra, adubagem, seleção do que ser cultivado, processo
de colheita, preparo de mudas e sementes, entre outros processos.
No caso do mapa de controle, obteve-se a melhora do sistema de produção
como relatado pela Dina. Mas durante a análise no que diz respeito ao outro indivíduo,
a cultura individual, seus saberes, não trouxeram a insurreição de um saber que está
sendo mantido sob tutela, ou escondidos/mascarados nos sistemas formais, o que não
possibilita a autonomia dos envolvidos (FOUCAULT, 1999a).
Os saberes da Dina, sendo estes particulares e não possuintes da cientificidade
requerida, assim como, o conhecimento acadêmico dos bolsistas, tidos como saberes
históricos presentes nos conjuntos sistemáticos e científicos, poderiam ressurgir
através dos meios da Etnomodelagem, que funcionaria como processo de insurreição
destes saberes. Visão esta entendida por Foucault (2005, p.15-16) como:
inserção dos saberes na hierarquia do poder próprio da ciência, uma espécie de empreendimento para dessujeitar os saberes históricos e torna-los livres, isto é, capazes de oposição de luta contra a coerção de um discurso teórico unitário, formal e cientifico. A reativação dos saberes locais - "menores", talvez dissesse Deleuze - contra a hierarquização científica do conhecimento e seus efeitos de poder intrínsecos.
O que ocorreu, porém, foi o conhecimento acadêmico se sobrepondo ao saber
local como legitimo ao não utilizar sua linguagem de origem. Ao traduzir o saber local
Assim, quando pensamos na forma como a Etnomodelagem pode ser desenvolvida,
72
surge a inquietação:
Enquanto que, olhando o Processo de Plantio/Colheita, entendo como um
ponto ramificado dos saberes que envolvem a comunidade. Não existe um processo
único, um caminho único a ser seguido ou uma única sequência. Coloco este
exemplo após o processo de controle, devido a forma com que me foi apresentado,
mas estes não exigem necessariamente a sua sequência pratica.
Além disso, mais uma vez, alguns destes processos tiveram grande influência
do diálogo entre a Dina e membros da comunidade, sendo estes, também
pertencentes ao ambiente acadêmico. Processos estes, tais quais, o
armazenamento de sementes, a germinação, o viveiro de mudas, o cultivo por
consórcio, a tutoração, entre outros, desenvolvidos através da transmissão de
saberes locais, vindas neste caso, do pai da Dina que também é agricultor.
Eles [bolsistas] foram em cima daquilo que a gente não tinha testado ainda. E isso daqui [viveiro] eu mostrei e falei pra eles que... Aí eles fizeram a pergunta, como você faz? Você planta toda semana? Você tem que semear toda semana? Igual você fez essas perguntas, eles fizeram essas perguntas e eu fui explicando como funcionava a agricultura. Aí eles criaram como deveria funcionar o viveiro pra ter uma dinâmica de entendimento fácil e uma rotatividade de pessoas que entendesse aquilo. Meu... maravilhoso, maravilhoso, maravilhoso [tom de empolgação], é só colocar em prática agora. A pesquisa a gente já tem, o desenvolvimento do projeto a gente já tem, a gente tem que ter a ação agora, então desde irrigação, viveiro, casa de sementes eles desenvolveram. (Dina, agricultora responsável pela Comunidade CSA, maio de 2019)
É possível identificar a importância do diálogo entre saber local (Dina) e
conhecimento acadêmico (Bolsistas e Cotistas CSA), durante toda a descrição do
processo de plantio e colheita. O que vai ao encontro do que Foucault (1999a; p.13)
descreve como sendo:
Nessa atividade, que se pode, pois, dizer genealógica, vocês veem que, na verdade, não se trata de forma alguma de opor a unidade abstrata da teoria a multiplicidade concreta dos fatos; não se trata de forma alguma de desqualificar o especulativo para lhe opor, na forma de um cientificismo qualquer, o rigor dos conhecimentos bem estabelecidos. Portanto, não é um empirismo que perpassa o projeto genealógico; não é tampouco um positivismo, no sentido comum do termo, que segue. Trata-se, na verdade,
Ao utilizarmos a ideia de tradução não estaríamos recriando termos? No processo
de deslocarmos a um outro sistema linguístico, utilizaríamos regras que não
estariam previstas no original?
73
de fazer que intervenham saberes locais, descontínuos, desqualificados, não legitimados, contra a instancia teórica unitária que pretenderia filtrá-los, hierarquizá-los, ordená-los em nome de um conhecimento verdadeiro, em nome dos direitos de uma ciência que seria possuída par alguns.
E é seguindo essa ideia que olho para estes processos, utilizando-me de modelos para
melhor representa-los aos leitores de fora desta comunidade. Na ideia de fazer um
deslocamento de linguagem, transponho um processo específico de uma determinada cultura,
para outra. No caso da área de secagem das sementes, identifico que o processo segue o
saber de que quanto maior a área exposta a radiação solar, menor será o tempo de exposição
(Figura 17).
Figura 17. Área de secagem
Fonte: Criado pelo autor. Modelo do processo de testagem da melhor maneira de secagem das sementes. Testagem realizada pela Dina.
Essa experimentação, desenvolvida a partir de um saber local, possuem
semelhanças com as ideias desenvolvidas dentro da esfera do conhecimento
científico. Este saber local, um saber específico, praticado pela Dina mediante as
várias experimentações, assemelha-se a mesma linguagem desenvolvida no
conhecimento acadêmico, onde podemos identificar várias possibilidades de
problemas que resultariam posteriormente em modelos matemáticos.
Estes problemas poderiam surgir referente a área de exposição da semente
(Matemática23), a incidência da luz do Sol sobre as diferentes superfícies (Física), o
23 As palavras em parênteses deste parágrafo referem-se as disciplinas desenvolvidas no ambiente acadêmico assim como sua divisão curricular.
74
fato da melhor superfície possuir uma cor mais próxima do espectro de e
não uma mais (Física), como também no ângulo de refração dos raios de
luz sobre a superfície, aumentando ou diminuindo o tempo de secagem das sementes
(Matemática/Física), a quantidade de umidade de cada semente (Biologia) e o tempo
de secagem de cada uma delas (Matemática).
Muitas são as possibilidades que se formam em apenas um recorte dos
saberes que emergem do processo de secagem, quando pensamos dentro da esfera
do conhecimento acadêmico. Porém, a Etnomodelagem, quando desenvolvida no
ambiente acadêmico, possibilita trabalharmos com diferentes disciplinas escolares,
isso devido ao fato dessa disciplinarização do conhecimento existir nestes ambientes.
Mas o questionamento que surge é:
Esta disciplinarização escolar difere do saber desenvolvido na comunidade é
tão igual a qualquer outro ambiente não acadêmico. Não existe essa separação de
saberes, eles se conectam, se transcendem, não existindo essa separação nos
saberes cotidianos. Outro ponto importante a destacar seria o tipo de linguagem
adotada na execução e descrição dos saberes desta comunidade, em especifico a
Dina que utiliza
(Figura 18).
Figura 18. Relação Saber local/Conhecimento acadêmico
Qual tipo de prática estaríamos valorizando? Aquela que surge de o saber
local ou este saber seria apenas uma nova forma de legitimar o ensino da
Matemática, agora de forma contextualizada?
75
Fonte: Criado pelo autor. Modelo de semelhança de linguagem do saber local com o conhecimento acadêmico.
É possível identificar semelhanças de linguagem ao olhar para a forma com que
os dois grupos utilizam as nomenclaturas de métricas em seus saberes. Cada uma
destas nomenclaturas relacionam-se e fazem sentido somente para os membros
pertencentes a esses ambientes. Claro que não possui a mesma
dimensão que olharmos do ponto de vista da Matemática, mas a ideia
em analisar a relação destas linguagens seria a de entendermos as diferentes
linguagens matemáticas existentes e como estas são importantes quando pensamos
em valorizar diferentes saberes. O que faz com que um conhecimento matemático
hegemônico seja deposto.
Outro exemplo de linguagem, seria no processo de plantio de mudas, em que
a Dina utiliza um ferramental de aproximadamente trinta centímetros para realizar os
buracos nos canteiros, no qual serão plantadas as mudas (Figura 19).
Figura 19. Ferramenta de plantio.
Fonte: Criado pelo autor. Ferramenta de auxilio de plantio criado pela Dina como apoio aos membros que participam do processo de plantio.
Muito semelhante ao caso da no processo de plantio, utilizando-se de
um
descrever a metade ou o ponto médio do segmento da ferramenta. Enquanto esta
possui aproximadamente trinta centímetros, utilizada para mudas maiores, algumas
plantas não necessitam de todo esse espaçamento no canteiro, sendo necessário
uma distância de quinze centímetros aproximadamente, no qual o termo utilizado para
76
A linguagem matemática acadêmica, desenvolvida nos processos da
comunidade são importantes também para definir muitos de seus saberes. Como
destacado os cálculos a serem feitos para a obtenção dos valores de taxas de Cotistas
e Bolsistas, assim como na obtenção dos valores dos preços de cada categoria.
a comunidade. Fatores como tempo de cultivo, materiais necessários para
manutenção de canteiros e comunidade em geral, no qual estes são de conhecimento
dos responsáveis pelo cultivo. As linguagens neste processo se assemelham a ponto
de não ser possível em alguns momentos, diferencia-los. Assim, outros
questionamentos ficam:
Assim, das análises realizadas, alguns pontos são importantes destacar quanto
ao processo de Etnomodelagem, como as diferentes linguagens matemáticas, os
diferentes saberes e suas características rizomáticas. Pontos estes, que se fazem
importantes para compreendermos o processo de modelagem de saberes locais e não
acadêmico. Para melhor compreender estas colocações, farei alguns deslocamentos
filosóficos, a fim de aprimorar a visão quanto as pré-análises.
Tendo em vista as semelhanças, mas, principalmente as diferenças
que surgem das linguagens locais e acadêmicas. Quais cuidados deveriam
surgir quando pensamos na Etnomodelagem?
78
REPENSAR A ETNOMODELAGEM DOS CAMINHOS PERCORRIDOS À AQUELES QUE FICAM
Quais as contribuições da Etnomodelagem no processo de visibilidade dos saberes locais dos
indivíduos da comunidade CSA em diálogo com os conhecimentos acadêmicos?
Dos caminhos percorridos até o momento, passamos por conhecer a
comunidade, assim como o que está descrito na literatura quanto a Modelagem,
Etnomatemática e Etnomodelagem. Mas o que destaco neste momento são para as
inquietações que surgiram no momento de análise dos saberes locais do CSA. Os
caminhos que faltam serem percorridos. Assim, antes de responder à questão que
norteou esta pesquisa, dedico um momento a refletir sobre estas inquietações.
A Etnomodelagem como processo de insurreição de saberes
Qual tipo de prática estaríamos valorizando? Aquela que surge de o saber local ou este saber seria
apenas uma nova forma de legitimar o ensino da Matemática, agora de forma contextualizada?
Esta inquietação vem a surgir no início da pesquisa, com a hipótese de que
estaríamos usando o conhecimento acadêmico para explicar um saber local. Esta
hipótese é confirmada ao observar a forma como os saberes iam emergindo nas
visitações a comunidade, assim como a maneira que a Dina resolvia os problemas
que surgiam. Em destaque, uma das falas já referenciada:
Quantas mudas eu preciso, sendo que cada pessoa vai receber duas cabeças? Olha o problema aí. Isso é matemática, é química, é biologia e é TUDO. (Áudio gravado em uma das visitas. Dina, agricultora responsável pela Comunidade CSA, junho de 2019)
A noção de que o conhecimento é algo dividido, como as disciplinas
acadêmicas, não é validado em ambientes não acadêmicos, afinal ,
como estes descritos pela Dina, o cuidado com a disciplinarização do conhecimento
deve estar em destaque.
Atento-me então a visão de Foucault, ao descrever a relação de saber e poder,
79
para usá-lo como reflexão desta inquietação. Ao fazer o deslocamento conceitual,
utilizo o que ele desenvolveu em um outro campo, e trago estes conceitos para realizar
a crítica e a reflexão na forma como a Etnomodelagem está fundamentada
teoricamente, ao descrever os saberes locais através de conhecimentos acadêmicos.
A abordagem pedagógica que conecta os aspectos culturais da matemática (Etnomatemática) aos aspectos da matemática acadêmica (Modelagem) é denominada de Etnomodelagem. (CORTES; OREY, 2017, p. 14, grifos meus)
Utilizar do saber e suas relações de Poder, relaciono-as com o saber local e a
Matemática como disciplina e suas implicações.
O poder na vigilância hierarquizada das disciplinas não se detém como uma coisa, não se transfere como uma propriedade; funciona como uma máquina.
ser absolutamente indiscreto, pois está em toda parte e sempre alerta, pois em princípio não deixa nenhuma parte às escuras e controla continuamente os mesmos que estão encarregados de controlar; e absolutamente discreto, pois, funciona permanentemente e em grande parte em silêncio. A disciplina faz funcionar um poder relacional que se autosustenta por seus próprios mecanismos e substitui o brilho das manifestações pelo jogo ininterrupto dos olhares calculados. (FOUCAULT, 1999b, p.148)
O sepultamento de alguns saberes, ao utilizar a Matemática para explicar um
saber local é tido em nome, do que
sobressai o lucro no lugar do saber, ao ver o conhecimento como um capital. E é neste
momento que a crítica se estabelece, e é a partir desta crítica que observamos estas
(FOUCAULT, 1999a).
que na primeira perspectiva o filosofo apresenta que os
relacionam-se a conteúdos históricos que foram esquecidos, ou mascarados através
dos sistemas formais, como no caso das etnomatemáticas. Sob esta visão, os saberes
tidos como históricos, presentes ou disfarçados nos conjuntos sistemáticos e
científicos, ressurgem através dos meios da erudição.
Em uma segunda perspectiva, Foucault retrata os saberes como
desqualificados ou não suficientemente conceituais, insuficientemente elaborados nos
80
parâmetros da erudição/ciência, dos saberes marginalizados pelo sistema, excluídos
dos grupos hegemônicos do conhecimento por possuírem características singulares,
particulares, locais, pertencente a um grupo específico. É no ressurgimento destes
saberes, que a crítica de utilizar um conhecimento acadêmico para explicar um saber
local se estabelece.
Com isso, os saberes podem ser considerados sujeitados tanto aqueles que
foram sepultados, como aqueles singulares, locais, particulares. O acoplamento entre
estes saberes desqualificados e os saberes históricos, trata- se do saber histórico das
lutas, o que Foucault chama de genealogia dos saberes (FOUCAULT, 1999a).
Por genealogia dos saberes, entende-se como a relação entre os
conhecimentos acadêmicos e os saberes locais. O que, na verdade, a genealogia, a
luta histórica dos saberes, que resultaria em entender a Etnomodelagem como
ou a validação de um cientificismo qualquer. As geneal -
baseiam-se em acontecimentos particulares, não institucionais e subjetivos
(FOUCAULT, 2005).
Não que trabalhe a favor da desinformação, nem na negação da Matemática,
mas trata-se da insurreição de um saber particular adquirido, não de uma experiência
imediata, mas baseada em um saber perpassado culturalmente por saberes
históricos.
E sobre esta insurreição dos saberes, não contra os conceitos da ciência, mas
contra os efeitos normalizadores das instituições presentes na sociedade. É
exatamente contra as relações de poder, intrínsecos ao discurso cientifico
hegemônico, que a genealogia combate.
A insurreição dos saberes se dá contra a hierarquização dos conhecimentos e
os efeitos de poder por eles gerados. Agem contra a recolonização dos saberes pelo
poder destes discursos unitarios.
Utilizar a Etnomodelagem como forma de modelar um saber local através de
uma linguagem acadêmica, significa subjuga-lo novamente a dominação do que é
colocado como verdade única e aceitável. É dizer que o saber local só é validado
mediante a comparação e descrição da racionalidade da Matemática. O que vai ao
encontro com o que é descrito por Duarte (2011).
Situações como esta indicam que impor uma determinada racionalidade através da Matemática acadêmica significa muito mais do que dar primazia a um modo de pensar, a uma logica especifica: significa a possibilidade de
81
destruir os valores e significados que acompanham a racionalidade de outras culturas. O que significaria impor para tais comunidades do Assentamento de Sumaré, do Parque do Xingu critérios para validação de resultados baseados somente naqueles presentes na Matemática escolar? (p.80)
A Etnomodelagem repensada sobre a perspectiva desta inquietação, faz com
venhamos a realizar a inserção destes saberes locais nos ambientes da ciência na
ideia de torna-los livres, capazes de oposição e autonomia quanto ao discurso formal,
pluralista e unitário. Sobre esta perspectiva, compreendemos a sua aplicação não
como justificativa de contextualizar o ensino da Matemática.
Seria algo como se a Matemática escolar, depois de se afastar do mundo social pelas exigências do formalismo e da abstração que a caracterizam
-se através da correspondência do conteúdo ensinado com sua
conteúdos escolares. (DUARTE; 2011, p.74)
Assim, ao estudar a Etnomodelagem, e a relação com os programas de
Modelagem Matemática e Etnomatemática, repensamos a qual saber estamos
querendo valorizar. Se é o saber local como é dado, legitimar a Matemática como
mecanismo de validar uma etnomatemática, ou, somente mais uma forma de
as ciências, quanto domesticar os corpos e as (Galo; 2004, p.82).
A crítica sobre a tradução e a linguagem na Etnomodelagem Ao utilizarmos a ideia de tradução não estaríamos recriando termos? No processo de deslocarmos a
um outro sistema linguístico, utilizaríamos regras que não estariam previstas no original?
Na construção do de Controle de embora o termo utilizado pelos
bolsistas possuir semelhanças com o termo local a falta de
sentido de uma palavra comparada a outra, seria o mesmo problema que surgiria ao
utilizar a Matemática para explicar um termo local.
A ideia de fidelidade de sentido passa a ser ingênua ao supor que aja
semelhanças exatas entre uma linguagem e outra, como se fosse possível extinguir
as características de cada língua. O que faz repensarmos a teoria que constitui a
Etnomodelagem:
82
(...) a etnomatemática enfatiza os conhecimentos adquiridos nas comunidades (êmico), enquanto etnomodelagem tende a conectar a matemática acadêmica (ético) a esse contexto (...). Essas técnicas podem ser consideradas como as ferramentas básicas que são utilizadas pela etnomodelagem para a tradução entre as abordagens êmica e ética. (ROSA; OREY, 2012, p.869, grifos meus)
De acordo com essa perspectiva, o objetivo primordial para a elaboração de etnomodelos é a tradução dos procedimentos envolvidos nas práticas matemáticas presentes nos sistemas retirados da realidade, que são sistemas simbólicos organizados pela lógica interna dos membros desses grupos culturais. (ROSA; OREY, 2012, p.870, grifos meus)
Pensar em usar a Etnomodelagem sobre mecanismos de tradução, pode
ocasionar uma visão subjugada do saber local. O processo de tradução parte da ideia
de fidelidade do sentido original, o que é ingênuo de se pensar já que a
correspondência de sentido não será exata, independente das semelhanças
existentes entre as linguagens, não sendo possível extinguir as diferenças de cada
língua.
Isto devido ao fato de que a linguagem é dotada de sentido circunscrito pela
cultura, tempo e local. Ainda que as linguagens possuam semelhanças no processo
de tradução, o sentido só será assertivo no contexto ao qual se originou
(VASCONCELLOS; 2011).
Ao focar o modo de expressão do conhecimento, isto é, a prática da linguagem, a busca não é mais pela realidade em si ou pela forma da estrutura mental que identificaria uma essência verdadeira, mas pelo modo como a linguagem, entendida como um sistema de símbolos, que depende de regras de uso, expõe o mundo. Os significados encontram-se na prática da linguagem, nos usos, mas, ao mesmo tempo, não são arbitrários, isto é, não podem ser quaisquer, pois, para fazerem sentido, eles estarão modulados pelas formas regulares da gramática complexos de regras da linguagem e condicionados por formas de vida, que direcionam para o que pode ou não ser empregado ou entendido; determinam as condições de sentido, mas não preestabelecidas definitiva e universalmente: há uma regularidade, mas não um regulamento rígido (VILELA; 2016, p.49)
Pensar na tradução, dentro da Etnomodelagem, a partir dessa perspectiva nos
leva a entender que o tradutor lê o original e interpreta-o, para assim, a partir dessa
interpretação, recriar em sua própria linguagem o que é posto. Isso devido a influência
da cultura ao qual o pesquisador está inserido, a forma de vida a qual este pertence e
momento em que está inserido. É errôneo tratar a tradução como reprodução fiel do
sentido, o que leva a criticarmos a ideia de traduções entre formas de vida diferentes.
Considerar toda tradução como recriação de um saber local tem a vantagem
83
de abandonar qualquer ideia de reprodução fiel da sua origem, não olhando somente
as suas semelhanças, mas também as suas diferenças que existem
(VASCONCELLOS; 2011).
O que nos leva a outra inquietação:
Tendo em vista as semelhanças, mas, principalmente as diferenças que surgem das linguagens
locais e acadêmicas. Quais cuidados deveriam surgir quando pensamos na Etnomodelagem?
São algumas, as semelhanças que surgem no processo de comparação da
linguagem local com a acadêmica, mas, o cuidado que devemos ter são com as
diferenças que emergem ao utilizarmos a Etnomodelagem, ou qualquer outro processo
que envolva esta relação de comparação, que ocorre com o pesquisador.
(WITTGENSTEIN; 2004). A Matemática (CALDEIRA; 2009) vai ser um desses jogos
de linguagem, assim como a linguagem desenvolvida na forma de vida do CSA.
o pensamento e o conhecimento não espelham, numa mente, uma suposta realidade que estaria fora e independente dessa mente; ao contrário, toda forma de pensamento e conhecimento é, necessariamente, uma relação entre mente e coisa (VEIGA-NETO; LOPES, 2007, p. 22).
Essa relação está interligada a cada forma de vida constituída pelos seus jogos
de linguagem específicos. Não há uma linguagem por trás de outra linguagem que
carrega uma essência, mas existe apenas o que é dito, constituído pelas formações
históricas, políticas, sociais e culturais que oferecem condições de possibilidades para
dizer e compreender sobre as coisas do mundo (WITTGENSTEIN, 2004).
Pensar na Etnomodelagem sobre esta inquietação, é pensar na/pela
linguagem que produzimos significações sobre as coisas do mundo, portanto, os
diferentes jogos de linguagem que envolve não apenas a língua, mas também as
ações. Porém, esses jogos não possuem uma característica única que os mantenha
desconectados, nem existe uma característica comum a todos, mas alguns
Por semelhanças de família compreende-se não como sendo um fio único que
perpassa todos os jogos de linguagem, mas como fios que se entrecruzam, como em
uma corda, constituindo tais jogos. Assim, os jogos de linguagem de diferentes formas
de vida podem ou não apresentar semelhanças de família entre si (KNIJNIK et al.;
84
2018).
a
possibilite analogias, ela também permite perceber as diferenças. E é dentro desse
jogo de semelhanças e diferenças que nos situamos, estabelecendo nossa
os jogos de linguagem da forma de vida dos grupos que originam os problemas
propostos as formas de vida no qual se desenvolve os jogos de linguagens da
matemática acadêmica.
A matemática desenvolvida nos ambientes acadêmicos e não acadêmicos,
embora possuam pontos convergentes, divergem em tantos outros. Olhamos para
estas matemáticas como pertencentes a diferentes jogos de linguagem, ligados
diretamente a forma de vida a qual está inserida. Enquanto que uma matemática
trabalharia com um jogo de linguagem específico, das formas de vida pertencentes ao
ambiente acadêmico, a outra olharia, preliminarmente, as formas de vida a qual o
problema se origina, atendendo assim a jogos de linguagem do grupo a ser estudado.
Assim, a matemática vista enquanto linguagem, afeta o modo como a
entendemos. Enquanto essa se prende a regras específicas da linguagem da
matemática acadêmica, aquela se dá a outras formas de vida, a outras matemáticas,
a outros jogos de linguagem, logo, outras regras devem ser consideradas, que não
aquelas específicas as formas de vida escolares.
Desta maneira, ainda que a matemática desenvolvida nos saberes locais,
possuam semelhanças de famílias com aquelas desenvolvidas na escola, estas
possuem outros usos, ligados a outras formas de vida, ou seja, a culturas distintas,
grupos distintos e práticas específicas. No qual estes devem ser respeitados
As contribuições
Quais as contribuições da Etnomodelagem no processo de visibilidade dos saberes locais dos
indivíduos da comunidade CSA em diálogo com os conhecimentos acadêmicos?
Pesquisar as relações de saber local e conhecimento acadêmico através da
Etnomodelagem, buscou problematizar o conhecimento hegemônico permitindo
entender a insurreição dos saberes matemáticos que foram sujeitados por verdades
hegemônicas, ao investigar o saber produzido pela comunidade.
Considero a Etnomodelagem como o processo desenvolvido a partir dos
85
modelos que se constroem dentro de determinados grupos sociais. Sendo assim, sou
levado a pensar que a Etnomodelagem pode ser entendida pela construção de
modelos culturais, que são instrumentos para facilitar o entendimento de sistemas
retirados da realidade de cada grupo distinto.
A Etnomodelagem possue em sua essência, não o interesse em trabalhar sob
a perspectiva de qual saber é certo ou errado, se é valido ou neutro, mas a de ir além
de uma mera transmissão de conhecimentos hegemônicos, aqueles que tem sido
usualmente considerado como conhecimentos acumulados pela humanidade,
possibilitando assim a insurreição de outros saberes.
A intersecção dos programas, Etnomatemática e Modelagem, estão presentes
no processo de Etnomodelagem, o que leva ao encontro do pensamento de como é
possível relacionar a matemática local, que depende de forças que atuam no espaço
sociocultural e se limitam ao seu campo de atuação a partir da estrutura das relações
objetivas entre diferentes agentes.
A matemática acadêmica foi concebida durante diferentes momentos históricos
e por diferentes culturas, através do conhecimento etnomatemático, presente em cada
um de seus modelos matemáticos desenvolvidos para compreensão da realidade, e
mesmo assim se estabelece como uma matemática hegemônica. Neste sentido,
p
Aceitar somente esta universalização da Matemática como absoluta e única é
negar a construção de um múltiplo saber local, ligada ao ambiente sociocultural de
uma determinada comunidade. É negar que a Matemática proveio do conhecimento
próprio de um dado modelo, sujeitado a uma cultura e estabelecida em uma
determinada época.
Sob o ponto de vista pedagógico, vemos, na maioria das vezes, a Matemática
apoiada em um ambiente interno a sala de aula, sendo gerada como um conhecimento
abstrato. A ideia do estudo do ensino da matemática tenta ir além deste conhecimento,
dando início a ideia de Etnomodelagem, utilizando outros saberes para determinar um
modelo, para que, de uma outra maneira, encontre uma resolução próxima a real.
A Etnomodelagem oferece a perspectiva de desenvolvimento, não de forma
reprodutiva, mas produtiva. Não como somente um saber desligado da realidade,
onde o desenvolvimento de interesses encontra barreiras, mas uma ligação clara e
aplicável. Isso traz a reflexão quanto a concepção de consciência coletiva e individual,
86
fundamentada na constituição de saberes distintos, sendo estes hegemônicos ou
dominados.
É preciso ressaltar que o caminho a ser seguido até este momento, não foi
suficiente para aprofundar em todas as questões que surgiram. Assim, um outro
caminho se faz necessário, onde foi construído, com alguns deslocamentos de ideias
retiradas de diferentes tradições filosóficas, a fim de aprofundar na concepção dos
processos de Etnomodelagem e responder à questão de quais contribuições que esta
oferece no processo de diálogo entre os saberes etnomatemáticos e o conhecimento
acadêmico.
A ideia foi a de utilizar alguns deslocamentos. No qual, esses ajudaram a
problematizar e aprofundar as análises quanto aos modelos identificados no processo
de obtenção dos dados retirados da comunidade CSA.
O deslocamento da obra Wittgenstein e Foucault, foi útil na formulação da
perspectiva de Etnomodelagem quanto a ideia de que a matemática, enquanto
linguagem, é constituída através da atividade humana, localizada na cultura e na
história, possibilitando um aprofundamento quanto ao entendimento das análises dos
modelos destacados. Assim, sua diferenciação de linguagem deve ser levada em
consideração.
Esses deslocamentos possibilitaram ter um outro olhar, aprofundado, sobre a
Etnomodelagem. Dito em outras palavras, esse outro olhar ofereceu elementos para
analisar algumas das questões que surgiram durante as visitas.
87
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90
APÊNDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) PARA A DINA
Prezada,
Você está sendo convidado para ETNOMODELAGEM:
MODELAGEM DA MATEMÁTICA NO INTERIOR DE UMA COMUNIDADE RURAL
SUSTENTÁVEL
O nosso principal objetivo identificar os saberes matemáticos locais valendo-se dos possíveis
modelos encontrados no interior de uma comunidade rural e suas contribuições para uma
discussão sobre as relações entre a etnomatemática e a matemática escolar.
Esse trabalho de pesquisa será composto por 8 (oito) a 10 (dez) visitas, 1 (uma) vez por semana
ao Sítio onde reside. Essas atividades serão gravadas (filmagem e áudio) e fotografadas para
que o pesquisador possa verificar o desenvolvimento diante do trabalho proposto.
Apesar de as atividades serem gravadas e fotografadas, a sua identidade será preservada, pois
o foco da gravação e da filmagem será a sua interação com os ambientes e com o pesquisador.
A sua colaboração é totalmente voluntária, e a qualquer momento, você poderá retirar o seu
consentimento ou interromper a sua participação neste estudo. Garantiremos o anonimato de
sua identidade, pois as informações fornecidas não serão associadas com o seu nome em
nenhum documento resultante dessa pesquisa.
Todos os registros e documentos produzidos na realização dessa pesquisa ficarão guardados
sob nossa responsabilidade do professor-orientador Dr. Ademir Donizeti Cadeira em sua sala de
trabalho, onde ficará trancado em arquivo físico de aço apropriado para esse fim pelo prazo de
cinco anos, quando será incinerado. Esses materiais apenas serão consultados por pessoas
diretamente envolvidas nesse estudo.
Caso ocorra algum incômodo durante a condução desta pesquisa você sentir-se cansado ou
desanimado com relação à realização das tarefas de resposta ao questionário e participação no
seminário, que foram propostas para este projeto, as mesmas serão paralisadas até o que você
se sinta à vontade para a sua continuidade.
Procuraremos propiciar a sua participação nessas atividades em um ambiente de convívio
agradável e respeitoso, para que você se sinta valorizada e à vontade para se expressar, bem
como estimulada a participar da apresentação final do trabalho.
Como o pesquisador e o seu professor orientador providenciarão todos os materiais necessários
para a realização dessa pesquisa, você não terá gastos com a realização deste estudo.
Caso você venha a sofrer qualquer tipo de dano resultante de sua participação nessa pesquisa,
lhe será concedido o direito à assistência integral e à indenização por parte do pesquisador e do
professor-orientador, no que se refere às complicações decorrentes desse estudo.
Para esclarecimentos de quaisquer dúvidas, o endereço para contato com o Comitê de Ética em
Pesquisa da UFSCar que funciona na Pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade
91
Federal de São Carlos, localizada na Rodovia Washington Luiz, Km. 235 - Caixa Postal 676 -
CEP 13.565-905 - São Carlos - SP Brasil.
Pesquisador Responsável Orientador: Prof. Dr. Ademir Donizeti Caldeira
Programa de Pós-Graduação em Educação PPGE / UFSCar e-mail: [email protected]
Orientando: Rafael Bida Guabiraba Martins Av. Dr. Francisco Pereira Lopes, 2550 Pq. Arnold Schimidt CEP 13564.002
Fones: (11) 95381.6821 / e-mail: [email protected]
Dina
Comunidade CSA
92
APÊNDICE B
ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA
Prezada,
Gostaria de agradecer em meu nome e também em nome de meu orientador, Professor Dr. Ademir Donizeti Caldeira, a oportunidade para a realização desta entrevista.
Gostaria de informá-la que se em algum momento desta entrevista, a senhora se sentir constrangida com alguma pergunta, terá o direito de não respondê-la ou também de não responder às demais questões.
Posteriormente, a transcrição desta entrevista será enviada para a senhora para verificação e correção da transcrição efetuada, bem como realizar os acertos necessários.
1. Qual é a sua idade?
2. Qual é a sua formação?
3. Aproximadamente quantos anos a senhora trabalha como agricultora? E como começou
nesta área? 4. Teve alguma outra profissão além da agricultura?
5. A senhora tem quantos filhos? Qual a importância da permanência deles na escola em sua
opinião? 6. Como funciona a comunidade quanto a seus grupos mantenedores?
7. Com quais tipos de produtos a senhora trabalha?
8. Como a senhora sabe o tempo de plantio e colheita dos produtos?
9. Como a senhora define os valores a serem pagos por cada grupo?
10. A senhora utiliza outros métodos para comercializar os seus produtos? Quais? Favor explicar
a sua resposta. 11. A senhora identifica alguma prática matemática na produção de seus produtos? Explique a
sua resposta. 12. Como a senhora repassa esses conhecimentos de plantio dos produtos para os membros da
comunidade? Favor explicar a sua resposta. 13. Os conhecimentos que a senhora utiliza durante seu dia foram aprendidos onde?
93
ANEXO A
QUESTIONÁRIO DE CONSUMO
FRUTOS: Tomate, chuchu, abobrinha, pepino, berinjela, jiló, ervilha, vagem, maxixe, milho, quiabo, abobora, pimentão, pimenta balão, pimenta dedo de moça.
FRUTAS: Banana, abacate, maracujá, limão, melão, mamão, melancia, morango, manga, acerola, amora, jabuticaba, goiaba, seriguela.
FLORES: Brócolis ninja, couve flor, repolho, brócolis ramosos.
FOLHAS: Rúcula, almeirão, chicória, acelga, couve, mostarda, espinafre, alho poró, alface (crespa, roxa, americana, lisa, crocantela e romana).
RAÍZES: Batata inglesa, rabanete, batata doce, cenoura, beterraba, mandioca, mandioquinha, inhame.
1. Quais dos itens de frutos, que você consome e que poderia ir toda semana na sua cesta? Quais dos itens gostaria de receber de vez em quando? Quais não gostaria de receber nunca?
2. Quais os itens de folhas que você consome e que poderia ir toda semana na sua cesta? Quais
dos itens gostaria de receber de vez em quando? Quais não gostaria de receber nunca?
3. Quais os itens de flores que você consome e que poderia ir toda semana na sua cesta? Quais dos itens gostaria de receber de vez em quando? Quais não gostaria de receber nunca?
4. Quais os itens de raízes que você consome e que poderia ir toda semana na sua cesta? Quais
dos itens gostaria de receber de vez em quando? Quais não gostaria de receber nunca?
5. Quais os itens de temperos que você consome e que poderia ir toda semana na sua cesta? Quais dos itens gostaria de receber de vez em quando? Quais não gostaria de receber nunca?
6. Quais os itens de frutas que você consome e que poderia ir toda semana na sua cesta? Quais
dos itens gostaria de receber de vez em quando? Quais não gostaria de receber nunca?
7. Conhece as PANCs?
8. Quais os itens de PANCs que você consome e que poderia ir toda semana na sua cesta? Quais dos itens gostaria de receber de vez em quando? Quais não gostaria de receber nunca?
9. Se desses itens que você disse que não gosta, ou tem alguma restrição, considerando todas
as questões anteriores, se houvesse alguma receita para preparo, gostaria de recebe-los?