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Eu tenho dez anos. Meu nome é Luiz Gonzaga Pinto da Gama. Mas todo mundo me chama de Lui- zinho. É melhor do que se me chamassem de Gon- zaguinha, de Gaminha ou de Pintinho. Nasci na cidade de Salvador, na Bahia, no dia 21 de junho de 1830, às sete horas da manhã. Tenho dois côvados e um palmo de altura, e peso três arrobas. Mais ou menos como todos os meninos da minha idade. Eu sou mulato. Mulato escuro. Puxei mais à mi- nha mãe que ao meu pai. 5
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u tenho dez anos. Meu nome é Luiz Gonzaga Pinto da Gama ... · era) negra como o carvão. Foi trazida para o Brasil como escrava, mas odiava tanto a escravidão que brigava o tempo

Dec 29, 2018

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Page 1: u tenho dez anos. Meu nome é Luiz Gonzaga Pinto da Gama ... · era) negra como o carvão. Foi trazida para o Brasil como escrava, mas odiava tanto a escravidão que brigava o tempo

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Eu tenho dez anos. Meu nome é Luiz Gonzaga

Pinto da Gama. Mas todo mundo me chama de Lui-

zinho. É melhor do que se me chamassem de Gon-

zaguinha, de Gaminha ou de Pintinho.

Nasci na cidade de Salvador, na Bahia, no dia 21

de junho de 1830, às sete horas da manhã.

Tenho dois côvados e um palmo de altura, e peso

três arrobas. Mais ou menos como todos os meninos

da minha idade.

Eu sou mulato. Mulato escuro. Puxei mais à mi-

nha mãe que ao meu pai.

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A minha mãe se chama (ou se chamava) Luiza Mahin.

Ela nasceu na África, na Costa da Mina, e é (ou

era) negra como o carvão. Foi trazida para o Brasil

como escrava, mas odiava tanto a escravidão que

brigava o tempo todo. Então o seu dono preferiu lhe

dar a liberdade antes que todos os escravos se revol-

tassem contra ele.

Ela vendia doces nas ruas. E eu ajudava.

Quando saía pela cidade, ela gritava:

— Olha o beijinho! Olha o doce de jerimum!

E eu:

— Vem logo que só falta um!

Ou então ela dizia:

— Olha a tapioca! Olha o quindim!

E eu:

— Vem correndo que já está no fim!

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Minha mãe é (ou era) bonita, magrinha e baixi-

nha. Lembro dela cantando e rindo com dentes

brancos como leite.

Sempre imaginei que se um dia a Bahia se sepa-

rasse do Brasil ela daria uma linda rainha.

O meu pai fez uma coisa muito feia um dia, e acho

que ele não ia gostar que as pessoas soubessem

disso. Então não vou contar qual é o nome dele.

Só vou dizer que nasceu na Bahia e era branco.

Comigo foi sempre carinhoso e brincalhão.

Meu pai era um fidalgo, ou seja, era filho de pes-

soas ricas e importantes. Desde cedo ensinaram a

ele que a pior coisa do mundo era trabalhar.

Como tinha muito tempo livre, ele passava a vida

entre uma festa e outra. E a coisa que mais gostava

era jogar cartas.