CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO AMBIENTAL E POLÍTICAS PÚBLICAS Módulo 1 Disciplina: Tutela Administrativa do Meio Ambiente Prof. Dr. Andreas Krell, Professor de Direito Ambiental da Universidade Federal de Alagoas
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO AMBIENTAL E POLÍTICAS PÚBLICAS
Módulo 1
Disciplina: Tutela Administrativa do Meio Ambiente
Prof. Dr. Andreas Krell, Professor de Direito Ambiental da Universidade Federal de Alagoas
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APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA
Prezado(a) cursista.
Você está recebendo o conteúdo didático da disciplina “Tutela Administrativa do
Meio Ambiente”, cujo objetivo principal é habilitar os (as) alunos (as) na utilização
eficaz dos instrumentos de gestão administrativa, especialmente dos processos
administrativos.
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SUMÁRIO
UNIDADE 1: A ineficácia social de grande parte da legislação ambiental no Brasil. Coexistência do Direito Ambiental com o Direito Administrativo. (P. 3) UNIDADE 2: As competências administrativas comuns na Constituição Federal (art. 23 CF) e o conceito do “poder de polícia”. (P. 6) UNIDADE 3: Autonomia administrativa e a função dos convênios e consórcios. Estrutura e funcionamento do Sistema Nacional do Meio Ambiente e dos respectivos sistemas dos Estados. (P. 10)
a) A tradição da forte autonomia administrativa dos entes federativos brasileiros e a função dos convênios e consórcios, segundo o art. 241 da Carta federal. (P. 10)
b) O Sistema Nacional do Meio Ambiente: críticas a sua formação jurídica e seu funcionamento prático; os “sistemas” administrativos estaduais e municipais na área ambiental. (P. 12)
UNIDADE 4: Normatização administrativa, Conselhos de Proteção Ambiental e participação popular na defesa do meio ambiente. (P. 16) UNIDADE 5: Principais instrumentos administrativos para a proteção ambiental: o licenciamento e a fiscalização e aplicação de sanções. (P. 19)
a) O instrumento do licenciamento ambiental: atuação cumulativa dos diferentes órgãos. A intenção organizadora da Res. 237/97 CONAMA; críticas. Exigência, elaboração e avaliação do EIA-RIMA. (P. 19)
b) As sanções administrativas mais importantes previstas na Lei da Natureza (arts. 70ss.) e no Decreto 3.179/99: pontos polêmicos. (P. 23)
CAPÍTULO 6: O Ministério Público, a Ação Civil Pública e o controle da atuação dos órgãos ambientais; a questão do “dano”. Execução de obrigações legais contra entes públicos (P. 28) ATIVIDADE PREVISTA (P. 33) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (P. 33)
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UNIDADE 1: A ineficácia social de grande parte da legislação ambiental no Brasil. Coexistência do Direito Ambiental com o Direito Administrativo.
Resumo introdutório: Introduz-se ao maior problema do Direito Ambiental brasileiro, que é a sua ineficácia social (inefetividade) na aplicação pelos órgãos administrativos, fornecendo algumas propostas teóricas de explicação racional deste fenômeno bem como sugestões para a sua superação. Ao mesmo tempo, tenta-se despertar o interesse do aluno para uma reflexão mais aprofundada do Direito, contrapondo-se a uma mentalidade formalista e meramente legalista.
Existem várias razões pelas graves falhas na aplicação das leis no Brasil.
Especialmente no âmbito do Direito Ambiental, a realidade social difere muito dos
postulados normativos. Por isso, o estudo deste novo ramo do Direito não pode
se limitar a uma análise formalista das normas jurídicas. Convém iniciar a
disciplina Tutela Administrativa com uma reflexão sobre os motivos sociológicos e
políticos da má execução dos mandamentos e das proibições inseridos nas leis
ambientais por parte dos órgãos administrativos de uma sociedade “periférica” (ou
subdesenvolvida), marcada por acentuadas desigualdades regionais e sociais.
No Brasil, sempre existiu uma vasta gama de leis que simplesmente não
são aplicadas. Muitas vezes, há dúvida sobre o órgão administrativo competente;
outras vezes, as repartições incumbidas da sua implementação alegam a falta de
recursos humanos e materiais. São as famosas “leis que não pegam”, sem que
este fracasso leve necessariamente a medidas corretivas por parte do Poder
Público ou reclamações por parte da população. Assim, sabemos que os
municípios brasileiros possuem inúmeras leis ambientais e urbanísticas que
proíbem a poluição sonora causada por bares, exigem o depósito do lixo em
aterros, vetam o lançamento de esgoto sem tratamento em corpos de água,
restringem o corte de árvores etc., mas, ao mesmo tempo, não investem o
suficiente nas estruturas administrativas necessárias para a sua fiscalização.
O mesmo ocorre em nível dos Estados federados, onde as tarefas
preconizadas pelas legislações ambientais não encontram órgãos suficientemente
equiparados para o seu efetivo cumprimento. Este fenômeno pode ser tachado
como a criação de uma legislação “simbólica”, isto é, a promulgação de novas leis
constitui apenas uma tentativa de apresentar o Estado como defensor e realizador
dos valores ou fins por ela formalmente protegidos, sendo absolutamente
“secundária a eficácia normativa da respectiva lei” (NEVES, 1994, p. 34).
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Assim, o Poder estatal, através da edição de normas jurídicas, apenas
finge a sua vontade e capacidade de resolver os problemas, o que rende méritos
políticos para os parlamentares que apresentam os projetos de lei, mas, na
verdade, não têm maior interesse na efetiva aplicação dessa legislação. Esta
notória e muito criticada “falta de interesse político” na efetiva aplicação do Direito
Ambiental se deve à habitual inclinação dos protagonistas político-administrativos
das diferentes linhas partidárias de não ferir os interesses da sua “clientela”, que
normalmente é formada por donos de indústrias, construtoras, imobiliárias,
estabelecimentos de comércio e outros empresários, cujas atividades econômicas
costumam de causar significativos impactos negativos ao meio ambiente.
São estes grupos que exercem expressiva influência em relação às
decisões político-administrativas de muitas prefeituras, secretarias e até
ministérios, através da troca de favores, financiamento de campanhas políticas,
pagamento de propinas etc. Este fenômeno já foi analisado e discutido em várias
obras da Ciência Política, bem como da Sociologia (ex: S. Buarque de Holanda,
R. DaMatta). Ele é a expressão onipresente de uma das caraterísticas da
sociedade brasileira que, ao longo de sua história, talvez mais tem prejudicado o
bem-comum: a falta de diferenciação e a habitual “mistura” entre os interesses
públicos e os privados. E, quando estes espaços se confundem, os interesses da
sociedade quase sempre acabam ficando relegados ao segundo plano.
O único meio eficaz de agir contra esta tendência universal consiste numa
crescente conscientização da população em geral, que deve aprender melhor a
exigir o cumprimento das leis produzidas em seu nome e seu beneficio. Isto
parece uma meta muito difícil num país tachado de “subdesenvolvido” (ou
“periférico”), onde grande parte do povo ainda possui pouca experiência e
vontade de participar ativamente na construção de uma verdadeira “cidadania”.
As teorias que tratam da implementação das leis identificam os chamados
incentivos “naturais” que levam ao cumprimento da norma independentemente da
intervenção dos órgãos estatais encarregados de fiscalização, abrangendo, entre
outros, fatores sociais e morais como a obediência geral à ordem jurídica e o
reconhecimento do meio ambiente como valor, percepções que ainda não
possuem caraterísticas dominantes na sociedade brasileira (VIEIRA, 1996, p.
115). Face à referida falta de participação popular efetiva em muitas regiões do
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país, cresce a responsabilidade de órgãos criados para defender os interesses da
sociedade como o Ministério Público federal e dos Estados, e do próprio Poder
Judiciário, que devem controlar mais intensamente as ações dos órgãos
competentes e sancionar as suas omissões na defesa ambiental.
Por fim, é importante frisar que houve, na última década, manifestações por
alguns doutrinadores do Direito Ambiental brasileiro no sentido de que os
princípios e postulados básicos do Direito Ambiental seriam incompatíveis com os
que regem o Direito Administrativo e que, por isso, certos instrumentos deste
último não seriam aplicáveis àquele novo ramo do Direito. Este tipo de alegação
carece de fundamento científico-acadêmico.
Fato é que certas instituições “tradicionais” do Direito Administrativo (ex.:
discricionariedade; princípios da prevenção e da participação) necessitam de uma
“releitura” para responder adequadamente aos novos valores consagrados na
Carta de 1988, que estabeleceu claros mandamentos normativos para uma
efetiva proteção ambiental. “Não se pode opor indiscriminadamente princípios de
Direito Ambiental aos princípios de Direito Administrativo, antes, é necessário
estabelecer um regime de que os harmonize e os tornem compatíveis”
(ANTUNES, 2005, p. 106).
Bibliografia básica: • BENJAMIN, 2003, p. 335-366. (aprofunda o estudo das teorias da implementação
das leis no Direito Ambiental.)
• KRELL, 2004, p. 89-92.
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UNIDADE 2: As competências administrativas comuns na Constituição Federal (art. 23 CF) e o conceito do “poder de polícia”.
Resumo introdutório: Este capítulo introduz ao tema até hoje atual e bastante polêmico das competências administrativas ou “materiais”, que tem provocado inúmeras dúvidas e perplexidades nas relações entre os órgãos administrativos e os cidadãos na área ambiental. Ao mesmo tempo, pretende-se levar o aluno a uma reflexão mais aprofundada sobre um conceito “clássico” do Direito Administrativo brasileiro, que é o “poder de polícia”, que passa por uma fase de questionamento doutrinário. Por fim, é preciso que se questione a teoria do “poder-dever”, em voga entre os autores nacionais, que alega a existência de um dever jurídico em todas as áreas das competências comuns do art. 23 CF.
Na Carta do 3° Congresso Brasileiro do Magistério Superior de Direito
Ambiental, realizado em junho de 2005, constata-se, de forma lapidar: “A
Administração Pública ambiental tem-se mostrado incapaz de proteger o meio
ambiente na dimensão exigida pela Constituição e pelas leis. Há conflitos de
competência não resolvidos e baixas taxas de cooperação entre os diferentes
níveis de governo. Inexistem políticas públicas adequadas visando ao
fortalecimento das agências ambientais. O resultado contribui muito para a
persistente destruição de recursos ambientais de valor incalculável (n. 4.4).”
Pode-se afirmar que, no Brasil, nunca foram claramente definidas as
relações verticais entre os diferentes níveis da Federação, ficando sempre
duvidoso o que se podia exigir política e juridicamente de cada ente federativo na
cooperação com os demais. Esta situação de competências “concorrentes” pouco
nítidas e até superpostas têm contribuído sempre para uma grande dificuldade da
cobrança dos respectivos serviços por parte da população.
No regime da Constituição de 1967/69, a competência administrativa
resultava direta e necessariamente da respectiva competência legislativa.
Portanto, uma Administração não podia agir para executar as normas de uma
outra esfera política; por outro lado, nenhum Estado membro da Federação podia,
por exemplo, prescrever aos seus municípios o procedimento administrativo a
observar em seus atos.
O art. 23 da CF de 1988 introduziu, pela primeira vez, expressas
competências comuns administrativas (ou “materiais”) dos três níveis federativos.
Estas não devem ser confundidas com as competências legislativas dos artigos
22 e 24, cujos limites tem que ser definidos mediante o uso de critérios
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contextuais da realidade de cada município (geográficos, demográficos, culturais,
ecológicos, sócio-econômicos, administrativos, financeiros etc.). Entretanto, ainda
não foi editada a Lei Complementar, prevista no parágrafo único do art. 23, que
“fixará normas para a coordenação entre União e os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios (...)”, através de uma distribuição mais nítida das numerosas
atribuições elencadas nesta norma, para definir qual ente deverá arcar com os
encargos para o cumprimento das respectivas tarefas administrativas.
O atraso na discussão e aprovação se deve ao receio do Governo Federal
e do Congresso Nacional de que esta lei complementar certamente causará
profundas alterações nas responsabilidades jurídicas, políticas e financeiras dos
três níveis de governo, referentes ao cumprimento das respectivas tarefas. Assim,
resta duvidoso qual dos entes deve assumir a responsabilidade pela prestação
dos serviços para “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer
de suas formas” e “preservar as florestas, a fauna e a flora (art. 23, incisos VI e
VII)”, os quais nos interessam mais aqui. Esta insegurança se materializa, por
exemplo, no âmbito do licenciamento ambiental, como veremos adiante.
Faz sentido considerar os mencionados dispositivos do art. 23 CF como
expressão de um “poder de polícia ambiental” das três esferas governamentais.
Neste ponto, é de frisar que o conceito tradicional do poder de polícia passa
atualmente por uma profunda reelaboração. No Estado de Direito contemporâneo
as liberdades e direitos fundamentais constitucionalmente garantidos aos
indivíduos somente podem ser limitados por normas legais que atribuam de
maneira explícita à Administração Pública os poderes necessários.
Hoje em dia, a grande maioria das áreas administrativas (segurança, saúde,
trânsito, transporte, meio ambiente, urbanismo, construções) já dispõe de um
regime jurídico especial que, para ser eficaz, necessariamente trabalha com
limitações a direitos individuais. Assim, há muitas leis que restringem, em prol do
interesse público, o uso e gozo da propriedade, a liberdade de comércio, de
indústria e outras iniciativas privadas, sujeitando-os a um controle especial
mediante atos de licenciamento, de aprovação, de fiscalização, imposição de
sanções, entre outras medidas.
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Essas atividades são expressões de um “poder de polícia” especial; porém,
elas devem ser consubstanciadas em normas de lei formal (parlamentar). Há
publicações sobre questões de Direito Administrativo, onde encontramos o
conceito do poder de polícia, sem que fique, muitas vezes, suficientemente claro
que esse poder significa nada mais do que a execução das respectivas normas
legais mediante fiscalização, lavra de multas e outras medidas de controle.
A maioria dos autores menciona o poder de polícia de forma pouco crítica,
citando para sua fundamentação o art. 78 do Código Tributário Nacional, que o
define apenas para fins fiscais, isto é, no contexto da cobrança de taxas em
função do exercício do poder de polícia por órgãos públicos. Para análise do
conteúdo material do poder de polícia, o valor desta definição é apenas relativo.
Costuma-se também repetir simplesmente a antiga definição fornecida pelo
famoso autor Hely Lopes Meirelles (falecido em 1990), segundo que o poder de
polícia seria “a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar
e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da
coletividade ou do próprio Estado”. Todavia, é de lembrar que esta definição data
de tempos anteriores ao moderno Estado de Direito e que a referência à uma
(pretensa) “autoridade” doutrinária não consegue substituir reflexões e
argumentos próprios. Deve ficar claro que o conceito é meramente descritivo, e
não fonte de competência: através dele, descreve-se apenas o ato de aplicação
de uma lei. O poder de polícia, portanto, é uma atividade, não uma faculdade. Há
autores que exigem até a sua supressão ou “seu envio ao museu”, visto que ele
representa um perigo permanente para o respeito ao princípio da legalidade na
Administração Pública (cf. SUNDFELD, 1997, p. 16s.).
De qualquer maneira, no Brasil, a competência de polícia (= aplicação da lei)
pertence normalmente à esfera federativa que tiver o direito de regular a
respectiva matéria (MELLO, 2002, p. 731s.) Todavia, como certas atividades
interessam simultaneamente aos três níveis estatais, pela sua extensão a todo o
território nacional (saúde pública, trânsito, transportes etc.), o poder de regular e
de policiar se difunde entre todas as administrações interessadas (LAZZARINI,
1995, p. 143s.). A regra, entretanto, é a exclusividade do policiamento
administrativo; a exceção é a sua concorrência (MEIRELLES, 1989, p. 109).
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Parte da doutrina do Direito Administrativo enfatiza que o clássico poder de
polícia, nos dias de hoje, teria que ser qualificado como dever de polícia,
alegando que a Administração Pública, nos três níveis federativos, na verdade,
teria sempre a obrigação de agir para prestar efetivamente os serviços elencados
no art. 23 CF (cf. BANDEIRA DE MELLO, 2002).
No entanto, para podermos falar de um verdadeiro “poder-dever” dos entes
políticos de atuarem ativamente nas áreas setoriais das competências comuns,
precisa haver uma interpretação sistemática da Carta Federal. Ao mesmo tempo,
é de ressaltar que a densidade e o conteúdo efetivo deste dever não será igual
em relação a todos os serviços e atividades elencadas no art. 23, visto que certos
encargos ali mencionados estão diretamente ligados a direitos fundamentais
sociais do art. 6 CF e na Parte da Ordem Econômica (arts. 193-232 CF: saúde,
educação, assistência, meio ambiente etc.)
Na área do Direito Ambiental, podemos construir este verdadeiro dever
jurídico a partir do dever estabelecido pelo art. 225 CF; além disso, devem ser
analisadas as competências legislativas (arts. 24, 22, 30) e administrativas (arts.
21, 30) na área da proteção ambiental e urbanística.Ao mesmo tempo, devemos-
nos lembrar que o não atendimento a este dever por parte dos órgãos
administrativos não leva necessariamente à responsabilidade jurídica. Até hoje, é
extremamente difícil conseguir a condenação judicial de um entre público em
função de sua omissão na área da proteção ambiental, saúde pública etc.
Bibliografia básica: • KRELL, 2004, p. 93-103 (sobre o art. 23 CF); p. 123-132 (poder de polícia
ambiental).
• FIGUEIREDO, 2004, p. 39-55.
• MEDEIROS, 2004, p. 122-152. (A proteção ambiental como “dever fundamental”)
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UNIDADE 3 Autonomia administrativa e a função dos convênios e consórcios. Estrutura e funcionamento do Sistema Nacional do Meio Ambiente e dos respectivos sistemas dos Estados. Resumo introdutório: Entramos na questão das formas e meios de cooperação dos governos dos diferentes níveis da Federação brasileira, onde existem importantes inovações legislativas para uma gestão ambiental compartilhada mais eficiente. Há uma acurada análise da estrutura jurídica e do funcionamento do Sistema Nacional do Meio Ambiente, que existe desde 1981, mas nunca conseguiu surtir os efeitos almejados. O objetivo é levar o aluno a questionar a propriedade e reconhecer os limites de uma “administração por sistemas” com o fim da implementação de “políticas” nacionais e estaduais de defesa ambiental.
a) A tradição da forte autonomia administrativa dos entes federativos e a função dos convênios e consórcios, segundo o art. 241 da Carta federal
O Brasil adotou o sistema da “separação administrativa” (SILVA, 1998, p.
482), o que significa que cada esfera estatal, a princípio, somente executa as
normas legais de seu próprio nível: a Administração federal (direta e indireta)
aplica as leis federais, a estadual aplica as normas promulgadas pela respectiva
Assembléia e a Prefeitura executa as normas provenientes da Câmara municipal.
Em outros países (ex.: Alemanha), encontramos um sistema em que a União não
mantém um aparato administrativo maior e os Estados federados são obrigados
pela Constituição a executarem as leis federais, o que contribui para uma
economia dos recursos administrativos.
No Brasil, a União criou, a partir dos anos 30 do século XX, uma forte
Administração federal em quase todos os setores, justamente para garantir o
“desenvolvimento nacional” em regiões do país, onde os Estados não possuíam
órgãos próprios ou dispunham de um poder de intervenção bastante reduzido.
Hoje, com o aumento da “força administrativa” na grande maioria dos Estados e
municípios maiores, a coexistência de órgãos executivos nas mesmas áreas
setoriais tem levado a atuações superpostas e à implementação de políticas
“paralelas”, sem maior sintonização entre os diferentes níveis governamentais.
Na área da proteção ao meio ambiente, podemos observar, no país inteiro,
discussões permanentes sobre a correta definição dos limites entre as atribuições
e competências do IBAMA, dos órgãos ambientais estaduais e dos municipais,
especialmente nas capitais e cidades maiores onde já foram instaladas as
respectivas secretarias.
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No entanto, também existiram sempre exceções à estrita separação
administrativa. Primeiro, há leis federais cujo texto prevê a sua execução por
parte dos entes federativos inferiores. Assim, o art. 22, § único, do Código
Florestal (Lei 4.771/65) determina que “nas áreas urbanas (...) a fiscalização é da
competência dos municípios, atuando a União supletivamente”. Esta delegação
legal, contudo, não cria uma obrigação do governo inferior a aplicar a lei.
Também foi concedido aos municípios o direito de executarem leis
superiores em casos de urgência, como no caso da necessidade de impedir
infrações iminentes de normas do Código Florestal ou o Código de Minas, através
de funcionários municipais, quando os órgãos federais competentes não
estiverem presentes (ex.: prefeitura interdita acesso à caverna subterrânea, que
está sendo degradada por visitantes).
Além dos casos de delegação e urgência, a execução planejada de leis de
uma outra esfera estatal, no Brasil, sempre tem sido objeto da celebração de
convênios administrativos, que, até hoje, representam o principal instrumento de
colaboração entre a União, os Estados e os municípios. A doutrina considera os
convênios não como contratos, mas acordos juridicamente não-obrigatórios ou
“atos administrativos complexos”, mediante os quais uma entidade pública
concorda com uma outra sobre a execução de uma tarefa ou atividade da sua
competência. Eles costumam ser negociados individualmente entre as prefeituras
e o Estado ou a União e, normalmente, prevêem também uma ajuda financeira e
técnica para os municípios que, na maioria dos casos, não possuem os meios
para o cumprimento das respectivas tarefas. Em geral, há uma falta de
regulamentação organizada do instrumento do convênio administrativo no Brasil
(cf. Durão, 2004, p. 60ss.) De qualquer maneira, eles voltaram a ser mencionados
pelo art. 241 da Carta Federal, inserido através da Emenda Constitucional
19/1998 como instrumento de prestação descentralizada de serviços públicos.
Os consórcios intermunicipais (CIMs) normalmente são setoriais, tendo por
fim tratar de um único problema ou uma oportunidade comum dos municípios
membros. Os agentes fundadores dos CIMs normalmente são os municípios, o
governo estadual, órgãos do governo federal; também podem participar empresas
privadas e ONGs. Ao mesmo tempo, a autonomia administrativa dos entes
federativos no Brasil é tão expressiva que União e Estados não podem obrigar os
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municípios por lei a formarem associações, consórcios ou colaborar entre si para
executar determinadas funções públicas em conjunto.
É importante o incentivo a instâncias supralocais para garantir uma maior
continuidade das políticas públicas e um tratamento regional mais homogêneo
das questões urbana, sanitária e ambiental (AGENDA 21 BRASILEIRA, 2000, p.
165 - Proposta 4.5.2.8). No Sul do país, já funcionam muitos CIMs para solução
de problemas ligados ao saneamento básico, gestão do meio ambiente em geral,
a disposição final de lixo ou da elaboração conjunto de planos diretores. Razão
principal para a formação de CIMs é de ordem econômica: agrupar um número tal
de municípios de modo que uma determinada atividade atinja uma escala mínima
de rentabilidade. Condição do seu funcionamento sempre é a formação de uma
equipe técnica competente, de tamanho adequado e estável, capaz de sobreviver
às mudanças de seus próprios dirigentes e dos governos políticos. Um importante
passo para uma maior estabilidade destes organismos é a recente Lei dos
Consórcios Públicos ( 11.107, de 6.4.2005), que lhes atribuiu personalidade
jurídica de direito público (art. 6°) e os integrou à Administração indireta dos entes
federativos consorciados.
b) O Sistema Nacional do Meio Ambiente: críticas a sua formação jurídica e seu funcionamento prático; os “sistemas” administrativos estaduais e municipais na área ambiental
Neste ponto, é essencial ressaltar a diferença entre a obrigatória
obediência a lei superior e a facultativa “aplicação ativa” de uma lei. Segundo o
sistema brasileiro, leis de níveis federativos superiores não estão autorizadas a
“dar ordens administrativas” aos órgãos dos entes estatais inferiores, sendo que
estas obrigações somente podem emanar diretamente da CF. Um prova
ilustrativa desta situação é o projeto de uma Lei dos Resíduos Sólidos, que já
chegou a tramitar no Congresso Nacional e previa a obrigação dos municípios de
instituir conselhos locais de resíduos sólidos, elaborar de planos de tratamento e
disposição final, para, assim, se integrar à respectiva Política Nacional.
Estes dispositivos eram, na verdade, inócuos, visto que o sistema brasileiro
não permite (ao contrário ao de outros países) que leis superiores instituam
encargos e deveres administrativos para entes governamentais inferiores. A
autonomia administrativa dos entes estatais é muito forte. São também
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equivocados aqueles que querem diferenciar entre leis federais e leis “nacionais”,
alegando que estas últimas teriam que ser executadas por todos os entes da
Federação, visto que está distinção não tem respaldo na Carta federal de 1988.
Por isso, é de observar que a estrutura de muitos dos chamados Sistemas
Nacionais (de Educação, de Trânsito, de Saneamento, do Meio Ambiente, de
Armas, etc.) não corresponde aos ditames da divisão administrativa entre os
entes federativos. Essas estruturas jurídicas, na verdade, não passam de
“esqueletos” que precisam ser preenchidos através de convênios administrativos
livremente celebrados entre os diferentes governos. Os órgãos federais e
estaduais, no entanto, normalmente não têm desenvolvido as iniciativas
necessárias para firmar tais acordos com os governos inferiores, para que estes
executem e controlem as normas superiores (leis, decretos e resoluções de
conselhos nacionais e estaduais). Apesar do fato de que, alguns anos atrás,
tenha sido lançada, por parte do Ministério do Meio Ambiente, a iniciativa de forjar
um “Pacto Federativo para o Meio Ambiente”, os órgãos federais conseguiram
fechar apenas poucos acordos efetivos com os Estados e municípios.
Há quase 25 anos entrou em vigor a Lei Federal n.° 6.938/81, que criou o
ambicioso projeto de uma Política Nacional do Meio Ambiente, a ser executada
mediante um Sistema Nacional (SISNAMA), o qual abrangesse o país inteiro. A
promulgação desta lei partiu da correta premissa de que qualquer política
ambiental terá maior probabilidade de resolver os problemas locais concretos se
puder contar com o apoio da União e dos Estados - que dispõem dos meios
técnicos e financeiros necessários para tanto. Além disso, o SISNAMA pretendia
incluir também os municípios, visto que todos os problemas ambientais surgem
localmente e uma efetiva fiscalização somente poderia funcionar de forma
descentralizada, com o controle imediato das populações atingidas.
De acordo com o art. 6° da Lei 6.938/81, o SISNAMA compreende o
Conselho de Governo como órgão supremo, o Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA) como órgão consultivo e deliberativo, o Ministério do Meio
Ambiente (MMA) como órgão central e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) como órgão executivo. As
repartições administrativas que tratam de assuntos ligados à proteção ambiental
no âmbito federal são denominadas órgãos setoriais e, na esfera dos Estados
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federados, órgãos seccionais. Ao lado destes, os órgãos ambientais dos
municípios foram declarados de órgãos Locais do Sistema Nacional. O Decreto
federal n.° 99.274/90 contém mais detalhes sobre o SISNAMA.
É fácil observar que faz parte da concepção do SISNAMA a intenção de
obrigar os Estados e municípios a executarem ativamente normas federais, o que,
na verdade, deve ser considerado inconstitucional (cf. MUKAI, 2002, p. 173). É
justamente por falta de obrigatoriedade jurídica da participação ativa dos seus
pretensos “órgãos” seccionais e locais, o SISNAMA (e os sistemas estaduais)
funciona somente mediante o uso dos chamados “meios indutivos”: como os
governos superiores não podem obrigar os inferiores a participarem ativamente
das suas “políticas”, eles devem induzi-los para tal comportamento.
Isto significa que sempre deve haver a oferta de ajuda material aos entes
inferiores, através de programas e fundos, sob a condição de que os governos
interessados tomem as providências administrativas concebidas nas leis
superiores (ex.: criação de secretarias e conselhos, elaboração de planos e
projetos etc.). Esta participação, no entanto, não possui caráter vinculativo ou
permanente, podendo os integrantes abandonar os referidos organismos a
qualquer momento, o que causa a sua instabilidade.
A Lei da Natureza ( 9.605), de 1998, se refere novamente ao SISNAMA,
quando estabelece que “são autoridades competentes para lavrar auto de
infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos
ambientais integrantes do SISNAMA, designados para as atividades de
fiscalização (...)” (art. 70, § 1º). No entanto, pode-se afirmar que nunca existiu
uma base jurídico-constitucional para a instalação obrigatória do SISNAMA.
Apesar da própria Lei 6.938/81 (art. 11 § 1º) prever que a fiscalização e o
controle da aplicação das normas e padrões de qualidade ambiental devem ser
executados pelo IBAMA apenas supletivamente em relação aos órgãos estaduais
e municipais, representantes do próprio IBAMA têm criticado que, até hoje, não
houve uma definição mais clara dos papéis dos órgãos seccionais e locais dentro
do SISNAMA (cf. SILVA, 2002, p. 500s.).
Na prática, boa parte dos municípios continua deixando a fiscalização e o
licenciamento da grande maioria dos projetos ambientalmente relevantes aos
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cuidados dos órgãos superiores (órgãos estaduais e IBAMA), visto que somente
estes dispõem dos meios técnicos necessários. Além disso, prevalece uma
evidente falta de interesse político dos prefeitos de afastar possíveis investidores
com exigências próprias de defesa ambiental. Da mesma forma, dificilmente um
órgão ambiental municipal efetua uma fiscalização in loco, lavrando auto de
infração ou embargando uma atividade que infringe a legislação ambiental.
Segundo uma recente pesquisa do IBGE (2005, p. 37), somente 6% dos
5.560 municípios do Brasil possui uma secretaria exclusiva para cuidar da
questão ambiental e 26% têm secretarias conjuntas com outras temáticas.
Constatou-se também um número restrito de funcionários dedicados à área
ambiental e uma falta de habilitação e/ou capacitação técnica destes. Em geral,
pode-se afirmar que existe, no Brasil, uma expressiva fragilidade da gestão
municipal na proteção ambiental, que põe em dúvida a sua preparação para
assumir mais atribuições dos Estados federados nesta área.
É de frisar também que os órgãos ambientais estaduais e federais, no
passado, quase nunca têm punido municípios por sua omissão na área ambiental,
considerando com muita benevolência as suas pretensas “limitações de atuação”.
Por fim, podemos observar que o evidente avanço da legislação ambiental não
teve correspondência na estruturação administrativa dos órgãos ambientais.
Bibliografia básica: • KRELL, 2004, p. 105-110.
• FREITAS, 2005 (Cap. 2.5-2.10: Trata da cooperação entre as pessoas políticas na área da proteção ambiental).
• SILVA, Vicente Gomes da. 2002, p. 498-513 (analisa criticamente os equívocos do desempenho político e administrativo do IBAMA).
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UNIDADE 4: Normatização administrativa, Conselhos de Proteção Ambiental e participação popular na defesa do meio ambiente.
Resumo introdutório: Chegamos à análise da forma mais importante de normatização administrativa na área ambiental, através de Conselhos de Proteção Ambiental, órgãos colegiados que existem nos três níveis federativos e prevêem a participação da sociedade civil. Serão expostas tanto as limitações quanto as potencialidades institucionais destes grêmios e a sua efetiva contribuição para uma maior participação popular nas diferentes regiões do Brasil.
Hoje existe uma concordância universal sobre a importância da
participação ativa da população na defesa do “seu” meio ambiente. O Poder
Público normalmente desenvolve maiores atividades na área da defesa ecológica
somente quando os cidadãos atingidos cobram essas atitudes dos governantes.
Dentro da abordagem sociológica da teoria do desenvolvimento sustentável,
ganham importância os atores sociais e suas instituições. Devem ser analisadas
as formas complexas de organização social, os arranjos institucionais, a cultura,
os motivos, incentivos e valores, visto que estes fatores determinam, de maneira
decisiva, o comportamento dos homens em relação ao meio ambiente natural.
Dessa perspectiva resulta a visão democrático-participativa da política
ambiental, que considera as condições de poder político como maiores
responsáveis pelos problemas ambientais atuais, que prejudicam acima de tudo
as populações carentes. Em conseqüência, exige-se a superação dessas
estruturas, acompanhada pelo estabelecimento de novas prioridades políticas.
Essa mudança somente pode ser alcançada através de processos de
aprendizagem social que levam a uma cultura de participação, quase sempre
acompanhada pela desconfiança em relação às estruturas de representação
parlamentar. Essa abordagem também aprecia o aumento da eficiência
administrativa e planejadora como conseqüência positiva da participação popular.
Para agir dessa forma é indispensável uma maior conscientização das
populações e comunidades sobre as questões relacionadas à questão ambiental
e sua importância para sua própria saúde e qualidade de vida. O instrumento
essencial para se chegar a certo nível de consciência ecológica é, sem dúvida, a
educação ambiental, salientada pela própria Carta federal (art. 225 § 1, VI) e pela
Lei Federal 9.795, de 1999. Por outro lado, a participação, mesmo no plano local,
pressupõe por parte dos agentes envolvidos uma capacidade de reflexão, de
análise e de proposição em relação aos destinos daquela sociedade.
17
O processo de participação em nível local sempre corre o risco de se
esgotar em demandas imediatistas (asfaltamento, iluminação etc.) questões muito
concretas, importantes para a vida cotidiana, mas que não questionam os
fundamentos dos problemas. Ao mesmo tempo, não deve haver uma
“mistificação” do saber popular, sendo o desafio alcançar uma verdadeira
integração entre este e o saber técnico. Atualmente, busca-se transferir aos
municípios e às organizações não governamentais (ONGs) responsabilidades
públicas nas áreas de educação e saúde, assim como atividades de preservação
do meio ambiente. Esses procedimentos produzem mudanças nos modelos de
gestão pública, que podem vir a fortalecer o poder local ao envolver novos atores.
Existem diversas orientações atuais que defendem a formação de
conselhos locais para o controle da prestação dos principais serviços públicos,
especialmente a fiscalização de recursos públicos transferidos. No entanto, o
sistema colegiado, em si, não significa necessariamente uma democratização do
poder. Há também o perigo da cooptação de organizações populares pelo Estado
e as dificuldades de coexistência com os mecanismos convencionais de
representação, especialmente as Câmaras de Vereadores.
Seguindo o exemplo do CONAMA, todos 26 Estados possuem Conselhos
de Proteção ao Meio Ambiente; um recente levantamento do IBGE revela que um
terço dos 5.560 municípios brasileiros instituíram este tipo de órgãos. No entanto,
variam bastante a composição, as atribuições e as competências destes órgãos
administrativos colegiados (com funções consultivas e também deliberativas,
através de Resoluções). Na sua composição, existe uma tendência para a
“bipartição”, o que significa a concessão de quotas iguais de integrantes do Poder
Público (secretarias, vereadores/deputados, representantes das outras esferas
federativas, como Polícia Militar, MP, IBAMA) e da sociedade civil organizada.
Alguns modelos introduziram até uma “tripartição”, com número igual de
representantes de órgãos governamentais, entidades da sociedade civil
organizada e movimentos ambientalistas (ex.: CE do MT, art. 267). Para defender
os interesses da sociedade civil, podem fazer parte do conselho associações
profissionais como dos engenheiros, arquitetos, jornalistas, universidades,
associações municipais e o Ministério Público, que exerce uma função especial,
sendo, ao mesmo tempo, órgão estatal e defensor dos interesses da sociedade.
18
Muitos conselhos locais, contudo, receberam funções exageradas, como a
deliberação sobre padrões técnicos de emissão, parâmetros de qualidade do
ambiental local e a avaliação de projetos, planejamentos ou RIMAs, que exigem
maiores conhecimentos científicos; assim, fica sobrecarregado o órgão com
atribuições que fogem da sua capacidade. No entanto, um Conselho de Defesa
Ambiental pode servir bem como “palco de publicidade”, tornando mais
transparentes os mecanismos tradicionais de decisão sobre a alocação de
indústrias, atividades de imobiliárias e a realização de obras públicas.
A capacidade da sociedade civil para desempenhar uma verdadeira
participação costuma variar consideravelmente em cada região. Em muitos
municípios, o primeiro passo seria aumentar as chances de participação mediante
campanhas educacionais, criação de foros de discussão etc. Entretanto, qualquer
tentativa de elevar um Conselho de Proteção Ambiental para ser um
“superórgão”, não encontra respaldo legal no sistema jurídico-constitucional. Não
se pode pensar em atribuir a um conselho o direito de emitir normas gerais, do
tipo das Resoluções do CONAMA, que estabeleceram em nível nacional padrões
de qualidade ambiental, parâmetros de emissões, sobre resíduos sólidos etc.
É de frisar também, que os conselhos não fazem parte do Poder
Legislativo, mas do Executivo, isto é, eles são colegiados administrativos
assessores dos chefes de governo, aos quais sempre caberá a decisão final em
caso de conflitos. Por isso, não adianta um conselho ambiental querer fazer
“oposição organizada” ao prefeito ou governador, mas deve se pautar em atos
consultivos e fiscalizadores e criar uma maior transparência dos atos
administrativos e políticos que envolvem questões de proteção ambiental.
Bibliografia básica: • KRELL, 2005, p. 161-166 (Cap. 6: Participação popular na proteção ambiental)
• MEDEIROS, 2004, p. 153-171 (trata da proteção do meio ambiente e necessária construção de um espaço participativo).
• GOHN, 2003, p. 49-98 (Uma das poucas publicações científicas sobre o tema da participação política e a posição dos conselhos “populares” e gestores no Brasil.)
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UNIDADE 5: Principais instrumentos administrativos para a proteção ambiental: o licenciamento e a fiscalização e aplicação de sanções.
Resumo introdutório: Enfrentamos os principais problemas jurídicos e administrativos referentes ao licenciamento de atividades que possam afetar o meio ambiente. Esta abordagem deve ser necessariamente crítica para capacitar o aluno a formar um posicionamento próprio, visto que existem opiniões bastante contraditórias sobre o assunto. Serão expostas as razões pela “cumulatividade” das licenças ambientais e as falhas da Resolução 237/97 do CONAMA, que tentou regulamentar o assunto, além de uma abordagem resumida dos maiores problemas ligados ao processo de elaboração e avaliação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA). No que diz respeito à aplicação de sanções administrativas, torna-se-rá evidente que não existem “soluções prontas” para os problemas de concorrência e superposição das autuações de diferentes níveis governamentais. a) O instrumento do licenciamento ambiental: atuação cumulativa dos diferentes órgãos. A intenção organizadora da Resolução 237/97 do CONAMA; críticas. Exigência, elaboração e avaliação do EIA-RIMA
Ao lado do estabelecimento de padrões de emissão e do zoneamento
ecológico, o instrumento mais importante da Política Nacional do Meio Ambiente é
a outorga de licenças ambientais. A Lei 6.938/81 determina que “a construção,
instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades
utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente
poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação
ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadual competente,
integrante do SISNAMA, sem prejuízo de outras licenças exigíveis” (art. 10).
Esta norma foi regulamentada pelo Decreto 99.274/90, que estabeleceu
como degraus do processo de licenciamento a licença prévia (LP), a de instalação
(LI) e a licença de operação (LO). São declarados competentes para a emissão
desses atos administrativos os órgãos estaduais integrantes do SISNAMA, sem
detrimento de outras licenças legais necessárias (art. 17s.).
Várias prefeituras, contudo, já estão elaborando um procedimento próprio
de licenciamento, já que boa parte das novas Leis Orgânicas municipais (LOMs)
consideram a concessão de licenças ambientais um instrumento básico da sua
própria Política Municipal do Meio Ambiente. Deve ser ressaltado, neste ponto,
que o sistema do licenciamento ambiental no Brasil sempre tem sido cumulativo,
isto é, todas as obras, instalações ou atividades capazes de afetar negativamente
20
a qualidade do meio ambiente podem ser licenciadas, ao mesmo tempo, por
órgãos estaduais e municipais, às vezes também por órgãos federais.
Esta realidade jurídica parece ser pouco racional, mas constitui a prática
em cada vez mais cidades. Isto faz com que, mesmo que o órgão estadual
licencie um projeto, a prefeitura pode avaliar os seus impactos e negar a sua
licença local, prevalecendo a decisão negativa. Ao mesmo tempo, o fato de que
um município licencie uma obra não exclui a atuação dos órgãos ambientais
superiores, sendo que as leis ambientais estaduais normalmente permitem um
controle de quase todas as atividades ambientalmente relevantes. Destarte, onde
um órgão ambiental estadual (por ex.: por razões políticas) exigir licenciar
também um empreendimento de mero impacto local, poderá restar esvaziada a
competência municipal, visto que o Estado se tornaria uma “instância revisora”
dos atos da prefeitura (MACHADO, 2003, p. 378).
Por isso, não convém falar, por enquanto, de um “sistema nacional” na
área do licenciamento ambiental. Antunes (2005, p. 108) alega com razão que o
sistema do “tríplice licenciamento implica que, em não raras oportunidades, a
sobreposição e a contradição de norma gere um clima de insegurança quanto ao
licenciamento e de instabilidade jurídica”, e que “a inexistência de um sistema
claramente definido de competências é um dos mais graves problemas da
legislação ambiental brasileira”.
Todavia, na prática, ainda há poucos governos locais com capacidade
técnica e vontade política para estabelecer um sistema próprio de licenciamento
ambiental. Muitos municípios não exercem a sua respectiva competência, apesar
de possuírem plena legislação a respeito, por falta de estrutura das secretarias.
Se as coisas já se apresentam desta forma no Sudoeste e no Sul do Brasil,
imagine-se a situação na Região Amazônica, onde a situação é pior em virtude do
tamanho dos territórios dos municípios e da baixíssima capacidade técnica das
prefeituras para licenciar atividades como a extração de madeira ou de minérios.
É de frisar também que, no Brasil, o princípio da subsidiariedade ainda não
está sendo respeitado de maneira suficiente, segundo que as entidades estatais
superiores somente devem assumir as tarefas que os entes menores não podem
cumprir de maneira eficiente. Isto significa que apenas aquelas funções e serviços
21
que o próprio município não consegue exercer sozinho devem ser prestados pelo
Estado (cf. DIAS, 2002, p. 214ss.)
No processo do redimensionamento do licenciamento ambiental entre
órgãos estaduais e algumas capitais, alegou-se a necessidade da concordância
do governo estadual para que as prefeituras pudessem assumir a tarefa de editar
licenças, visto que a Lei 6.938/81 teria delegado essa competência aos Estados.
Essas medidas, muitas vezes, são política ou financeiramente interessantes por
envolverem a cobrança de taxas ou multas, sendo que os Estados não querem
“abrir mão” do licenciamento, “porque é esse aí o grande filé da política ambiental”
e que “passam os ossos para os municípios” (MARQUES, 2002, p. 368). Todavia,
a União somente podia ter delegado funções da sua própria competência, que
deve emanar diretamente da Constituição e não pode ser restrita por lei ordinária.
Os já referidos convênios, contudo, podem servir para evitar ações superpostas
dos diferentes níveis federativos. Todavia, quando não houver acordo político-
administrativo, os dois níveis estatais podem exigir sua própria licença.
Outro problema resultante da possibilidade de diferentes licenciamentos
ambientais (cumulativos) é a questão da cobrança de diferentes taxas pelo
exercício do poder de polícia (art. 145, II, CF). Será que o empreendedor,
licenciado pelo Estado e também pelo município, deverá pagar mais do que uma
taxa? É vedada a tributação bis in idem, isto é, o poder estatal não pode cobrar
mais do que um tributo na base do mesmo “fato gerador” tipificado em lei formal.
Uma solução adequada pode ser obtida através da aplicação da subsidiariedade:
deve-se verificar se a prefeitura estabeleceu um processo administrativo
adequado para efetuar um licenciamento ambiental eficiente; se a resposta for
positiva, o particular é obrigado a pagar somente a taxa cobrada pelo município.
Em face dos problemas descritos, a Resolução 237 do CONAMA, de 1997,
tentou estabelecer um sistema racional de subdivisão das atividades de
licenciamento ambiental e evitar a superposição, visto que há projetos e
atividades que mais do que um órgão ambiental quer licenciar, enquanto, em
outros casos, “ninguém se habilita”, por serem política ou financeiramente pouco
interessantes (FINK et alii, 2000, p. 43). Esse diploma normativo, no entanto, não
é capaz de alterar a repartição constitucional das competências administrativas,
nem consegue obrigar os órgãos estaduais ou municipais a nada e, por isso, deve
22
ser considerado, pelo menos parcialmente, inconstitucional (cf. ANDRADE, 1999,
p. 105ss.; MACHADO, 2003, p. 100, 260).
O município brasileiro possui competência de licenciar qualquer
empreendimento ou atividade no seu território, independentemente de se o
mesmo será desenvolvido em áreas pertencentes ou sob controle especial da
União ou do Estado (ex.: terrenos de marinha). Qualquer atividade industrial,
comercial ou de construção civil (entre outras) afeta imediatamente o seu
interesse. E o fato de que os impactos de uma atividade (efluentes, emanações
etc.) ultrapassem as suas fronteiras, não afasta de forma alguma a sua
competência municipal para o licenciamento ambiental. Com isso, não se nega a
utilidade da celebração de convênios para sintonizar a atuação dos órgãos “no
espírito” da Res. 237/97. Onde normas estaduais exigem o “credenciamento” dos
municípios junto ao órgão estadual para poderem exercer o licenciamento
ambiental, isto significa - juridicamente – somente que o Estado se obriga a não
realizar licenciamento próprio dos respectivos projetos autorizados pela prefeitura.
Um importante instrumento de orientação e fundamentação da decisão
administrativa, que licencia um empreendimento, é o Estudo de Impacto
Ambiental (EIA); seus resultados devem ser resumidos no chamado Relatório de
Impacto Ambiental (RIMA). No Brasil, o art. 225, § 1, IV, CF, prescreve a todas as
esferas do Poder Público que “exijam, na forma da lei, estudo prévio de impacto
ambiental para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de
significativa degradação do meio ambiente, a que se dará publicidade”.
O diploma normativo fundamental sobre o EIA/RIMA continua sendo a
Resolução 01/86 do CONAMA, com as alterações introduzidas pela Res. 237/97.
A listagem do art. 2º da Res. 01/86 limita-se a grandes projetos e atividades
públicos e privados. Os órgãos ambientais de todos os níveis, contudo, podem
usar as mesmas técnicas e procedimentos para apreciar outros planos e
programas de desenvolvimento.
Além do EIA/RIMA, a Res. 237/97 introduziu outros tipos de Avaliação de
Impacto ambiental, os chamados Estudos Ambientais, como relatório amb., plano
e projeto de controle amb., relatório amb. preliminar, diagnóstico amb., plano de
manejo, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco
23
(art. 1°, III). Critica-se que estas outras formas avaliação não foram definidas no
seu conteúdo material nem as hipóteses de sua exigibilidade, o que fez com que
muitos empreendedores negam a necessidade de um EIA e “empurram” os
mencionados estudos de menor envergadura, para economizar tempo e dinheiro.
Segundo o art. 5º da Res. 01/86, o EIA deve contemplar as alternativas
tecnológicas e de localização do projeto, avaliar os impactos ambientais nas fases
de implantação e operação da atividade, definir os limites geográficos e
considerar a compatibilidade de outros planos e programas governamentais da
área a ser afetada pelos impactos do projeto. O proponente do projeto deve
contratar “profissionais legalmente habilitados” para realização do EIA, aos quais
cabe levantar os dados técnicos e descrever os detalhes acerca dos potenciais
impactos ambientais e, além disso, efetuar uma avaliação e valoração das
informações apresentadas, recomendando ou recusando a execução do projeto.
Foi retirada a exigência da “independência” destes profissionais que, na verdade,
dificilmente existia, o que levou à aprovação de quase todos os projetos
analisados por parte das consultorias (cf. ANTUNES, 2005, p. 280s).
Os órgãos públicos podem baixar diretivas detalhadas acerca do estudo do
projeto, o que dificilmente acontece na prática. Os conhecimentos técnicos na
área dos EIAs estão concentrados no lado de empresas privadas de consultoria, o
que normalmente leva à aprovação dos RIMAs prlos órgãos ambientais, sem
maiores questionamentos ou exigências de alteração sobre a sua localização, os
processos produtivos, as medidas de saneamento etc. São notórias as
deficiências das estruturas organizacionais dos órgãos ambientais para a
participação eficaz no processo do EIA (remuneração baixa, descontinuidade).
Outros problemas ligados ao uso deste instrumento de avaliação são a
falta de experiência na coordenação desse tipo de trabalho técnico complexo,
lacunas no conhecimento dos modernos métodos e técnicas de pesquisa a serem
empregados ao EIA, e a capacidade reduzida de promover a integração das
diferentes disciplinas. Mesmo assim, a introdução do EIA/RIMA no sistema
brasileiro significou um grande progresso em direção a uma maior informação e
publicidade. São as Administrações estaduais que, na prática, assumiram a tarefa
de ditar os estudos e analisar os RIMAs; no entanto, elas não têm recebido o
aporte necessário de recursos financeiros e humanos, com raras exceções.
24
A audiência pública serve para que o público interessado tome
conhecimento do conteúdo do EIA/RIMA, formulando sugestões e críticas. Ela
pode ser marcada de ofício, a requerimento do MP ou por convocação de, no
mínimo, 50 cidadãos (Res. 09/87 do CONAMA). Infelizmente, a grande maioria
destas audiências pouco tem servido ao seu verdadeiro fim, isto é, possibilitar
uma efetiva participação popular na tomada de decisão sobre o -
empreendimento. Normalmente, há poucas pessoas informadas e preparadas no
lado daqueles que não apóiam o projeto por interesse econômico ou político, o
que já transformou muitas audiências em meros “eventos legitimadores”.
b) As sanções administrativas mais importantes previstas na Lei da Natureza (arts. 70ss.) e no Decreto 3.179/99: pontos polêmicos
O procedimento administrativo dos órgãos da Administração Pública
brasileira não segue um rito uniformizado; cada ente federativo possui
competência para regulamentar os ritos do processo administrativo das suas
repartições. Um grande avanço foi a promulgação da Lei 9.784, de 1999, que
regulamenta o processo administrativo no âmbito da Administração Pública
federal, criando regras sobre o início do processo, os interessados, a
competência, os impedimentos, a forma, o tempo e o lugar dos atos, bem como a
sua comunicação, a instrução e a extinção do processo, a motivação das
decisões administrativas, a anulação e revogação dos atos, o recurso
administrativo e a revisão, além dos prazos (vide FERRAZ/DALLARI, 2003).
A maioria dos Estados e municípios ainda não possui legislação
uniformizada sobre o assunto, sendo que cada lei define o seu próprio
procedimento, o que pode confundir bastante o operador do Direito. Neste
contexto, cabe apenas destacar alguns aspectos do processo administrativo que
guardam relação com a defesa do meio ambiente. Não podemos cair no erro de
querer sancionar o infrator ambiental “a qualquer preço”, privando-o de seu direito
constitucional ao “devido processo legal” (art. 5°, LIV, CF), dentro de que ele
tenha a oportunidade de se defender e expor a sua versão dos acontecimentos.
O Decreto 3.179/99, que hoje concentra as infrações administrativas contra
o meio ambiente na esfera federal, prevê diferentes sanções e procedimentos. O
fato de que estas infrações foram tipificadas num decreto executivo e não numa
lei formal, não representa uma violação do princípio da “reserva da lei” (art. 5°, II,
25
CF), visto que o legislador pode delegar a especificação dos comportamentos a
serem sancionados ao Executivo, o que foi feito através do art. 70 da Lei 9.605/98
(cf. MILARÉ, 2004, p. 687ss.).
O art. 70, § 4°, da Lei 9.605/98 diz que “as infrações ambientais são
apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla
defesa e o contraditório”. Em seguida, o art. 71 estabelece prazos máximos para
este processo. No art. 72 (I-XI) são discriminadas como possíveis sanções do
processo administrativo na área ambiental a advertência, a multa, a apreensão, a
destruição ou inutilização de produto, a suspensão de venda ou fabricação de
produto, o embargo de obra ou atividade, a demolição de obra, a suspensão de
atividades e a restritiva de direitos, que podem ser aplicadas cumulativamente.
A multa representa, sem dúvida, a sanção mais utilizada na prática dos
órgãos ambientais, sendo que a multa simples será aplicada sempre que o
agente, por negligência ou dolo, advertido por irregularidade que tenham sido
praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente ou
opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA (art. 72, § 3°, I-II). A
multa diária, por sua vez, será aplicada sempre que o cometimento da infração se
prolongar no tempo (art. 72 § 5°).
Neste ponto, é importante frisar que, no Brasil, prevalece o entendimento
de que, para aplicação de sanções administrativas, não é preciso a configuração
de dolo ou culpa no agente. O legislador pode criar figuras típicas de infrações
administrativas objetivas, onde há responsabilidade já quando incide o resultado
previsto na descrição da norma, mas também subjetivas, nos quais é preciso
investigar a intenção do agente (MILARÉ, 2004, p. 690s.). É restrita a incidência
dos postulados do Direito Penal sobre o Direito Administrativo sancionador, que
mantém relativa autonomia de seus princípios específicos, como uma tipicidade
mais aberta e a admissibilidade de infrações objetivas. Por isso, no caso da multa
simples, a necessidade de uma prévia advertência e da culpa ou dolo do agente
refere se apenas às irregularidades sanáveis, sendo objetiva a responsabilidade
nos casos em que o dano já se consumiu (ex.: árvores cortados, despejos
lançados) (COSTA NETO et alii, 2001, p. 378, 400s.).
26
O mesmo artigo estabelece que a multa simples pode ser convertida em
serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente
(§ 4°). Nesta linha, o art. 60 do Decreto 3.179/99 determina que “as multas
previstas neste Decreto podem ter a sua exigibilidade suspensa, quando o
infrator, por termo de compromisso aprovado pela autoridade competente, obriga-
se à adoção de medidas específicas, para fazer cessar ou corrigir a degradação
ambiental” e que a multa será reduzida em 90% “cumpridas integralmente as
obrigações assumidas pelo infrator” (art. 60, § 3°).
Há quem critica que os órgãos ambientais, no país inteiro, têm utilizado
este tipo de “transação” sem muito critério, o que teria livrado muitos
degradadores de multas milionárias, especialmente os politicamente mais
influentes. O instrumento não deve ser confundido com o “termo de ajustamento
de conduta” (TAC), que pode ser celebrado por iniciativa dos legitimados para
proposição da Ação Civil Pública, normalmente o MP (art. 5°, § 6°, Lei 7.347/85).
O art. 70, § 1° da Lei da Natureza (9.605/98) declara que “são autoridades
competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo
administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do SISNAMA”, o
que inclui, a primeira vista, também os órgãos estaduais e municipais. No entanto,
é polêmica a questão da aplicação de normas ambientais por órgãos pertencentes
a outro nível de governo daquele que as criou (ex.: município quer aplicar sanções
prescritas em lei federal), especialmente quando existe, na esfera do ente
aplicador, legislação própria para o respectivo caso (cf. KRELL, 2004, p. 126ss.).
Ao mesmo tempo, surgem os problemas da concorrência de multas
referentes à mesma infração, com a solução pouco satisfatória do art. 76 da Lei
9.605/99, que estabeleceu a preferência de multas estaduais e municipais, cujo
pagamento sempre “substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência”, o
que pode levar a manipulações e resultados absurdos. Por isso, há quem
considera o dispositivo inconstitucional, por se chocar com a tradição jurídica
brasileira, que em situações análogas de concorrência sempre deixaria prevalecer
o ato federal (COSTA NETO et alii, 2001, p. 408ss.). É pouco esclarecido também
em que medida é possível a aplicação de sanções administrativas (especialmente
multas) contra órgãos de outros entes federativos (ex.: prefeitura lavra multa
contra universidade federal) (KRELL, 2004, p. 129ss.).
27
Por fim, deve ser ressaltada a importância do princípio da
proporcionalidade - corolário do princípio da legalidade -, cuja aplicação ganha
suma importância no âmbito das infrações administrativas ambientais. A Lei
9.784/99 se refere a este princípio quando determina que nos processos
administrativos será observado o critério da “adequação entre meios e fins,
vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior
àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público” (art. 2, VI).
Um campo fértil para aplicação do referido princípio é o controle
administrativo e judicial da fixação de multa como sanção à infração da poluição
(art. 41 do Decreto 3.179/99), que pode variar de mil a 50 milhões de reais (limite
criado pelo art. 75 da Lei 9.605/98), sem que o texto normativo tivesse
estabelecido critérios para uma gradação, limites mínimos ou máximos. Nestes
casos, a confirmação do auto de infração nas instâncias recursais dependerá da
coerência da sua motivação por parte do órgão aplicador (normalmente o IBAMA).
Bibliografia básica: • KRELL, 2004, p. 111-118 (O exercício desarticulado do licenciamento ambiental
nos diferentes níveis governamentais; virtudes e defeitos da Res. 237/97)
• COSTA NETO, 2004. (No Cap. VI “Da infração administrativa”, Flávio Dino de Castro e Costa Neto, aborda o tema de forma profunda e completa).
• RAMOS, 2005, p. 83-145 (traz abordagem da coexistência e da inter-relação das sanções administrativas e penais).
• MILARÉ, 2004, p. 428-475 (“A avaliação de impactos ambientais”: apresentação atualizada dos vários aspectos do EIA-RIMA).
28
UNIDADE 6: O Ministério Público, a Ação Civil Pública e o controle da atuação dos órgãos ambientais; a questão do “dano”. Execução de obrigações legais contra entes públicos
Resumo introdutório: Busca-se uma melhor compreensão da interligação entre os fatores da responsabilidade administrativa com os da responsabilidade civil. O conceito nevrálgico neste contexto é o “dano” ambiental, que nem sempre se realiza nos casos de infrações legais. O instrumento fundamental de adjudicação deste dano é a Ação Civil Pública, que foi criada para a proteção dos interesses “difusos” da sociedade. A teoria do “risco integral”, dominante na doutrina e em progresso na jurisprudência, não aceita fatores excludentes da responsabilidade objetiva. No entanto, a questão da licitude do ato causador de um dano deve ser tratada com cautela, para que sejam evitados resultados absurdos.
A ação civil pública em defesa dos interesses difusos da sociedade, que foi
regulamentada pela Lei 7.347/85 e significou uma verdadeira revolução no
sistema jurídico-processual brasileiro, pode ser instaurada em defesa do meio
ambiente e de bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico
(entre outros). Aqui, o juiz não controla diretamente a legalidade das medidas da
Administração, mas deve analisar a questão de se há perigo de ocorrer um dano
(patrimonial ou moral) ao meio ambiente ou aos valores citados, e, caso este já se
tenha realizado, como o mesmo deve ser indenizado ou compensado.
A legislação brasileira não define o “dano ambiental”. Normalmente
apontam-se três caraterísticas: a anormalidade, devendo haver modificação das
propriedades físicas e químicas dos elementos naturais de tal grandeza que estes
percam sua propriedade ao uso; a periodicidade, não bastando a eventual
emissão poluidora e a sua gravidade, devendo ocorrer transposição daquele limite
máximo de absorção de agressões que possuem os seres humanos e os
elementos naturais.
Nessa área, deve haver um controle mais denso dos atos administrativos,
visto que o legislador brasileiro deu destaque aos interesses difusos, permitindo
que a sua defesa seja efetuada também pela sociedade civil e o MP, justamente
para criar um contrapeso em relação à negligência com que foram tratados no
passado por parte do poder estatal. A denominação “interesses difusos” abriga
situações jurídicas que são titularizadas por um número indeterminado de
sujeitos, unidos na base da mesma situação de fato (morar na mesma região,
consumir o mesmo produto), não de direito (MAZZILLI, 2002, p. 45s.). Assim, a
introdução da ação civil pública no Brasil foi o reconhecimento de uma necessária
29
ampliação das funções jurisdicionais para apreciação de interesses que
permaneciam sub-representados na sociedade (SALLES, 1998, p. 60) e os quais
não eram defendidos suficientemente por parte da Administração Pública.
Para que a ação civil pública possa proceder, não é necessário que os atos
praticados violem lei ou ato administrativo. É famosa a frase extraída de sentença
judicial de que "não há restrição ao poder revisional dos tribunais sobre o juízo da
Administração, quando esta não reconhece os valores da vida referidos na Lei
7.347/85" (TJSP, 1990). Destarte, a defesa judicial dos interesses difusos atribui
ao juiz a definição do interesse público na situação concreta, sendo essa função
não passiva, limitada à análise de normas legais, mas ativa, com
responsabilidade não apenas pela avaliação dos fatos, mas para “assegurar um
resultado justo e viável" (SALLES, 1998, p. 58, 62, 78s.).
Muitas vezes já existem atos administrativos municipais ou estaduais que
autorizam atividades privadas ou públicas de efeito poluidor e degradante, fato
que pode levar à responsabilidade solidária do Estado. É, portanto, razoável
entender que o mero fato de que foi emitida uma licença por um dos três níveis
governamentais não impossibilita que a respectiva atividade possa ser
considerada causadora de um dano ambiental. A teoria do risco integral, hoje
doutrina dominante no Brasil, não aceita a licitude do ato como fator excludente
da responsabilidade civil objetiva por dano ambiental (art. 14, § 1, Lei 6.938/81).
Milaré (2004, p. 762s.), um dos seus primeiros defensores, chega a afirmar que
não se discute a legalidade do ato administrativo na ação civil pública ambiental,
mas a potencialidade de dano eventualmente contida na licença/autorização".
Nesse contexto, merece atenção também a afirmativa jurisprudencial de
que a preservação do meio ambiente “é tratada por leis federais que definem a
política nacional para sua proteção, de forma que não pode ser preterida em favor
de normas e determinações municipais” (TJSC, 2002).
No entanto, essa teoria não contempla casos em que o Judiciário está
confrontado com obras ou atividades licenciadas por órgão federal ou estadual.
Se, por ex., o IBAMA autoriza a supressão de florestas de preservação
permanente por ser "necessária à execução de obras, planos, atividades ou
projetos de utilidade pública ou interesse social" (art. 3°, § 1°, da Lei 4.771/65),
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poderia o juiz da comarca suspender as obras sob a alegação de que a medida
levaria a um dano ambiental, no sentido da Lei da ação civil pública? Certamente,
muitos enquadrariam tal decisão administrativa federal como discricionária, com a
conseqüente vedação da sindicância do seu mérito.
Os adeptos da teoria do risco integral, em tese, não enfrentariam
dificuldades nesse caso, visto que a licitude do ato impugnado - seja assentada
em ato municipal, estadual ou federal - não levaria à impossibilidade de uma
responsabilidade civil objetiva por dano ambiental. Todavia, ao declarar uma
atividade como "danosa ao meio ambiente", o juiz irá - pelo menos indiretamente -
vergastar o ato autorizador efetuado por parte do órgão ambiental. Entretanto, o
poder estatal, quando aplica um instrumento jurídico-ambiental reativo (a
responsabilidade civil) não pode deixar de considerar as razões que resultaram no
juízo formado no momento anterior em que lançou mão do instrumento preventivo
(a licença), na avaliação da mesma situação fática (BENJAMIN, 2003, p. 356ss.).
Quando um órgão administrativo licencia um projeto ou uma atividade,
interpretando a legislação ambiental de uma determinada maneira e, em seguida,
o MP, um ente público ou uma associação civil discorda dessa interpretação e
instaura uma ação civil pública, o juiz enfrenta a situação de ter de verificar se o
ato administrativo realmente operou a interpretação correta da norma material.
Por isso, não faz muito sentido afirmar que o dano, de que fala o art. 1° da Lei
7.347/85, pode ser constatado pelos tribunais de forma completamente
independente da questão da licitude do ato lesivo. Por sinal, várias sentenças em
ações civis públicas se referem expressamente à existência de um ato
administrativo válido.
O maior problema da proteção ambiental reside talvez na omissão dos
órgãos ambientais da União, dos estados e municípios, que não desenvolvem
atividades eficientes de fiscalização ou deixam de realizar obras e de prestar
serviços públicos; especialmente na área do saneamento básico, o desempenho
estatal tem sido insuficiente, o que se deve aos altos custos das obras e a sua
baixa visibilidade política. Essas omissões infringem diretamente os deveres
constitucionais do Poder Público, nos três níveis federativos, de defender e
preservar o meio ambiente (arts. 225 caput, 23, VI, VII, CF), e de garantir as
ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde pública (art.
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196 CF). A estes deveres correspondem direitos fundamentais das pessoas
atingidas, o que leva à indagação sobre a existência de direitos subjetivos do
cidadão, para poder exigir do Estado a realização de atividades positivas, como a
garantia de certos padrões na proteção e recuperação do meio ambiente.
Muitos juízes brasileiros, até hoje, se recusam a condenar os governos
municipais ou estaduais a adotarem determinadas políticas ou medidas de
proteção ou saneamento ambiental (ex.: construção de estações de tratamento de
esgoto), alegando que tal condenação entraria em choque com o princípio da
separação dos poderes, visto que a adoção de tais medidas envolveria decisões
de ordem financeira e orçamentária.
Costuma-se afirmar também que não cabe uma indevida ingerência dos
tribunais nas opções de ordem técnica e política dos governos e órgãos
administrativos, que teriam o poder exclusivo de apreciar a oportunidade e a
conveniência de suas medidas (cf. MIRRA, 2002, p. 369). Nessa visão
ultrapassada, não caberia ao Judiciário determinar as obras que o município deve
realizar, mesmo que seja para proteger o meio ambiente.
No entanto, é importante ressaltar que pode ser observada, nos últimos
anos, uma mudança no tratamento jurisprudencial da questão em alguns Estados
brasileiros, onde órgãos estatais foram condenados a tomar medidas ativas para
promover o saneamento básico e prestar serviços de alta relevância social (cf.
GOMES, 2003, p. 115ss.).
É de lembrar também que o sistema constitucional brasileiro nunca
estabeleceu tarefas obrigatórias para os municípios, que seria o estabelecimento
legal de certos serviços públicos básicos, os quais os entes locais teriam que
cumprir com regularidade e eficiência, para não sofrer sanções dos níveis
federativos superiores, como acontece em outros países (KRELL, 2003, p. 66s.).
A respeito do argumento da separação dos poderes, é essencial destacar
que o antigo princípio tem sua origem na defesa dos direitos humanos contra o
Estado autoritário, sendo equivocada a sua invocação para sustentar que o Poder
Público possa se omitir na realização dos direitos fundamentais ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e à saúde (PASSOS, 2001, p. 474).
32
Por isso, as correições que os tribunais podem pronunciar em direção do
Executivo omisso devem ser entendidas como exercício da função do Judiciário
como um "contrapoder". As ações administrativas, nesses casos, não podem ser
postergadas por razões de oportunidade e conveniência, nem sob alegação de
contingências financeiras.
Na solução do impasse, o MP deve lançar mão dos instrumentos do
inquérito civil e do termo de compromisso de ajustamento de conduta (TAC),
através dos quais podem ser consideradas as condições específicas para a
efetiva implantação de determinada política pública, mediante fixação de prazos e
eventuais adequações orçamentárias. A própria sentença pode fixar prazos
realistas para o cumprimento da tarefa e da efetiva prestação do serviço público.
Ao mesmo tempo, não se deve desprezar o efeito moralizador e conscientizador
que as decisões judiciais causam sobre os órgãos governamentais, que, muitas
vezes, resolvem realizar as respectivas medidas administrativas
espontaneamente, antes que os litígios cheguem nas instâncias superiores.
Bibliografia básica:
• GOMES, 2003, p. (Controle das omissões administrativas nos atos discricioários na área ambiental; separação dos poderes e indisponibilidade orçamentária).
• KRELL, 2004, p. 61-71 (Relação entre controle judicial do licenciamento e do dano ambiental através da ação civil pública)
• MIRRA, 2003, p. (Supressão da omissão estatal danosa ao meio ambiente).
• SALLES, 1998, p. (Processo e interesse público; funções da ação civil pública).
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ATIVIDADE PREVISTA Após o término da leitura realize a atividade prevista, tendo em mãos todos os
materiais necessários e não esquecendo de consultar, também, material
complementar.
Elabore um texto de no máximo três páginas e discuta quais seriam os
instrumentos jurídicos, administrativos e políticos mais promissores para uma
efetiva melhoria da proteção do meio ambiente e dos recursos naturais no seu
Estado. A proposta desta atividade é fornecer, juntamente com a fundamentação
teórica, subsídios para alcançar o objetivo proposto nesta disciplina.
Certamente o texto realizado por você irá oferecer um excelente diagnóstico da
realidade vivenciada no seu Estado. Procure compartilhar com outros(as) colegas
de curso.
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