Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado Linha de Pesquisa: Formação de Professores Tássia Cristina da Silva Pinheiro Análise de Registros de Representação Semiótica em uma Atividade Matemática com Ribeirinhos Muanenses BELÉM/PA 2015
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Universidade do Estado do Pará
Centro de Ciências Sociais e Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado
Linha de Pesquisa: Formação de Professores
Tássia Cristina da Silva Pinheiro
Análise de Registros de Representação
Semiótica em uma Atividade Matemática
com Ribeirinhos Muanenses
BELÉM/PA 2015
Tássia Cristina da Silva Pinheiro
Análise de Registros de Representação Semiótica em uma
Atividade Matemática com Ribeirinhos Muanenses
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Estado do Pará. Linha de Pesquisa: Formação de Professores. Orientador: Prof. Dr. Fábio José da Costa Alves.
BELÉM/PA 2015
Tássia Cristina da Silva Pinheiro
Análise de Registros de Representação Semiótica em uma
Atividade Matemática com Ribeirinhos Muanenses
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Estado do Pará. Linha de Pesquisa: Formação de Professores. Orientador: Prof. Dr. Fábio José da Costa Alves.
Data de aprovação:
Banca examinadora
__________________________________. Orientador
Prof. Fábio José da Costa Alves Doutor em Geofísica
Profª. Claudianny Amorim Noronha Doutora em Educação
Universidade do Rio Grande do Norte
Agradecimentos
A Deus.
Aos meus pais e ao Victor pelo apoio incondicional em todos os
momentos desta etapa acadêmica.
Aos amigos que se fizeram presentes neste caminhar.
Ao meu orientador Prof. Dr. Fábio José da Costa Alves por ter
acreditado e muito se empenhado para a execução deste projeto.
Aos alunos participantes e ao corpo técnico da Escola Municipal
Belmiro Monteiro Lopes que colaboraram e nos auxiliaram nesta pesquisa.
A todos os professores Doutores e Pós-Doutores do Programa de
Pós-Graduação em Educação – Mestrado da Universidade do Estado do Pará.
A CAPES, pelo investimento financeiro em forma de bolsa de
estudos.
RESUMO
PINHEIRO, Tassia C. S. Análise de Registros de Representação Semiótica em uma Atividade Matemática com Ribeirinhos Muanenses. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2015.
Esta pesquisa tem como propósito analisar os registros de representação semiótica provenientes de uma atividade de modelagem matemática desenvolvida com alunos ribeirinhos muanenses. Apontamos o seguinte problema de pesquisa: como a Modelagem Matemática influencia a capacidade de interpretação dos conceitos matemáticos relativos à função polinomial do 1º grau e na sua transcrição para a forma algébrica? Dessa maneira, nosso objetivo geral é analisar os registros de representação semiótica utilizados pelos alunos na interpretação e transcrição do conceito de função afim durante um trabalho com Modelagem. Para o desenvolvimento da atividade de Modelagem utilizamos a temática do manejo de açaí, a qual se justifica pela presença da cultura do açaí no cotidiano dos alunos, visto que estes são oriundos de uma região de intensa produção e comercialização deste fruto, sendo atores nessa prática. Os sujeitos dessa pesquisa foram alunos do 1º ano do ensino médio modular de uma escola pública estadual do município de Muaná. Caracterizamos esta pesquisa como sendo de abordagem qualitativa e do tipo pesquisa-ação. O material analisado é proveniente dos protocolos da atividade realizada com os alunos e algumas gravações de áudio realizadas durante a execução da pesquisa, também realizamos um diagnóstico sociocultural por meio de formulário. Como resultado, apontamos avanços nos conhecimentos apresentados pelos alunos relativos à interpretação, escrita de expressões algébricas e percepção da matemática em seu cotidiano; apontamos também estagnação no que diz respeito ao tratamento e conversão para registros gráficos. Concluímos que a Modelagem influencia positivamente a interpretação de conceitos matemáticos relativos à função afim e permite discussões de assuntos diversos, bem como faz o aluno se sentir inserido no processo de construção do conhecimento; concluímos também que o processo de Modelagem é limitado pela modalidade de ensino modular devido o pouco tempo disponível para executar atividades desta tendência.
Palavras-chave: Registros de representação semiótica. Ribeirinho. Modelagem.
Educação Matemática.
ABSTRACT
PINHEIRO, Tassia C. S. Análise de Registros de Representação Semiótica em uma Atividade Matemática com Ribeirinhos Muanenses. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2015.
This research aims to analyze the semiotic representation registers from an activity of mathematical modeling developed with riverside muanenses students. We point out the following research problem: how to Mathematical Modeling influences the capacity to interpret the mathematical concepts related to the polynomial function of the 1st degree and it is recorded in the algebraic language? Thus, our overall objective is to analyze the semiotic representation registers used by students in the interpretation and function of the concept of transcription in order for a production with modeling. For the development of modeling activity used the theme of management açai , which is justified by the açai cultural presence in the daily lives of students, since they come from a region of intense production and marketing of this fruit , being actors in this practice. The personages of this research were students of the 1st year of the modular high school in a public school in the city of Muaná. We characterize this research as a qualitative approach and the type action research. The material analyzed comes from the activity of protocols conducted with students and some audio recordings made during the execution of the survey, also conducted a socio-cultural diagnosis through form. The results pointed advancement of knowledge presented by the students concerning the interpretation , writing algebraic expressions and perception of mathematics in their daily lives, also pointed stagnation with regard to treatment and conversion of graphic registers. We conclude that the modeling positively influences the interpretation of mathematical concepts related to function in order and allows various subjects of discussion and make the student feel inserted in the process of knowledge construction , also concluded that the modeling process is limited by the modular teaching mode due to the limited time available to perform activities of this trend.
Iniciamos nossa pesquisa afirmando que esta se dá no campo da
Educação Matemática, a qual, segundo Roseira (2010), tem se dedicado à
busca da compreensão do processo de ensino-aprendizagem da Matemática e
à proposição de ações eficazes no sentido da melhoria da aprendizagem por
parte dos alunos (p.51).
Em consonância com esta ideia, cabe apresentar a trajetória que me
levou a desenvolver tal pesquisa. Iniciei minha carreira profissional em 2011,
ainda recém-formada, com a aprovação em concurso público para professor da
Secretaria de Educação do Pará (Seduc-Pa), em que fui designada a trabalhar
no Sistema Modular de Ensino (Some) no município de Muaná.
Ao iniciar a prática docente tinha o desejo de aplicar todo o
conhecimento matemático e pedagógico ao qual tive acesso durante a
graduação, entretanto me deparei com uma realidade totalmente diferente da
que eu estava acostumada.
Primeiramente, diferente na modalidade de ensino que até aquele
momento só conhecia das histórias contadas por meu pai, que trabalhava há
muitos anos nesse sistema. Em segundo lugar, eram diferentes as condições
de vida nas localidades em que iria trabalhar: locais afastados da sede do
município cujo acesso se dá apenas por pequenas embarcações, sem energia
elétrica 24 horas por dia, com tratamento de esgoto primário e água tratada
pelos próprios moradores.
O Some funciona agrupando as disciplinas que compõem o quadro
do ensino médio em blocos de três disciplinas, por afinidade e/ou carga horária,
cada agrupamento deve ministrar aulas em 50 dias letivos chamados ‘módulo’,
quatro módulos diferentes compõem o ano letivo do aluno. Assim, cada
professor deve cumprir um módulo em quatro localidades diferentes (circuito)
para completar seu ano de trabalho.
Ao entrar em contato com os alunos pude perceber que a maioria
destes demonstrava curiosidade e vontade de aprender para prosseguir seus
estudos, por isso todas as diferenças e adversidades apresentadas não
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diminuíram meu desejo de realizar um trabalho em que o personagem principal
fosse o aluno.
No ano de 2012, tive a oportunidade de participar de um curso de
especialização em Didática da Matemática, o qual me deu novas ferramentas
para aperfeiçoar minha prática docente e principalmente auxiliar os alunos nas
dificuldades durante a aprendizagem dos conteúdos matemáticos.
Nesse período foi possível perceber que as principais dificuldades
apresentadas pelos alunos diziam respeito a problemas com interpretação e
matematização das questões apresentadas, ou seja, transformar o registro
escrito na linguagem verbal para a linguagem matemática. Também percebi
que por utilizar o livro didático adotado pela escola sede os alunos não
compreendiam algumas situações abordadas como problemas típicos das
grandes cidades, isso porque boa parte dos alunos nunca tinha saído do
município.
Diante dessas situações minha inquietação só aumentava, iniciei
pequenas mudanças em minha prática procurando associar o conteúdo que
trabalhava com a realidade do aluno, ainda que minimamente e apenas com
aula expositiva.
O ingresso no curso de mestrado me auxiliou a ampliar as
mudanças que vinha realizando e dando características mais científicas às
minhas inquietações para que elas resultassem de fato na melhoria do ensino e
da aprendizagem de matemática na qual estava inserida.
Com esta pretensão buscamos analisar os registros de
representação semiótica produzidos pelos alunos durante uma atividade de
Modelagem Matemática. Tal atividade foi elaborada por acreditarmos que esta
tendência em sua corrente sociocrítica permita trabalhar os possíveis diferentes
papéis que a educação matemática pode e poderia desempenhar, em um
contexto sociopolítico particular, tal como propõe a Educação Matemática
Crítica.
Skovsmose (2007) afirma que a educação matemática crítica
relaciona-se ao fato de como a educação matemática poderia ser
estratificadora, selecionadora, determinadora e legitimadora de inclusões e
exclusões. Entendemos isso da maneira como o conhecimento matemático é
valorizado nas avaliações e como as pessoas que não dominam as técnicas e
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tecnologias da mesma são discriminadas na comunidade escolar. Esta
supervalorização acaba sendo no sentido mais mecânico da matemática, sem
se preocupar com a aprendizagem de fato dos conceitos matemáticos e não
com a memorização de procedimentos. O autor ressalta a importância de
considerar o que a educação matemática poderia significar para os
potencialmente excluídos.
Esta pesquisa foi desenvolvida em uma realidade que abriga um
público potencialmente excluído, uma localidade afastada da cidade, sem
energia elétrica o dia inteiro, uma escola sem o espaço físico adequado e sem
material didático suficiente para a clientela, ao nos depararmos com tal
realidade nos perguntamos que matemática está sendo ensinada? Devemos
empregar a estes alunos o mesmo currículo daquele empregado aos alunos
das cidades grandes, que tem acesso diário a internet e a informação nos mais
diferentes veículos (comunicativos)?
Skovsmose (2007) aborda a noção de matemática que diz respeito
às competências relacionadas à matemática, abraçamos estas perspectivas
matemáticas quando ele afirma que tais competências consistem na habilidade
para lidar com noções matemáticas, aplicar essas noções em diferentes
contextos e refletir sobre essas aplicações, por isso, acreditamos que, propor
uma atividade relacionada ao cotidiano dos alunos leve-os a refletir sobre o
papel da matemática em sua comunidade e como isso pode afetar sua
realidade.
Esta ideia justifica a utilização do tema Manejo de Açaí na atividade
de modelagem, pois os sujeitos investigados encontram-se em uma região de
grande produção e comercialização de açaí, estando estes sujeitos
intimamente ligados a tal prática por serem coletores e/ou terem nesse trabalho
o sustento de suas famílias.
À ideia de matemática se relaciona a ideia de aptidão literária
proposta por Paulo Freire, na qual a alfabetização ia além da decodificação dos
signos, seria um suporte para o desenvolvimento de cidadãos críticos,
implicando que as pessoas poderiam se ver como possíveis participantes no
processo político.
Sendo assim, o papel do professor e aluno toma um caráter
dialógico, no qual ambos aprendem e ensinam. Em nossa proposta de
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pesquisa enfatizamos que esse caráter é de fundamental importância, pois o
aprendizado do aluno depende de sua vontade de aprender e acreditamos que
vendo o conhecimento matemático presente em sua realidade, isto sirva de
estímulo e desmistifique a ideia de que tal conhecimento só é útil na academia.
Em contrapartida, o professor aprende mais sobre a realidade daqueles alunos
com quem está convivendo e pode, junto com eles, discutir criticamente os
conceitos trabalhados durante as aulas.
Os Registros de Representação Semiótica tal como é abordado por
Duval (2009) procura realizar uma análise do ponto de vista cognitivo por meio
da grande variedade de representações utilizadas em matemática, este tipo de
análise nos permite verificar os avanços e as estagnações durante o processo
de ensino-aprendizagem de matemática. As representações utilizadas em
matemática não devem se confundir aos signos, pois a relação dos signos com
as coisas que eles significam é uma relação de referência, ou seja, uma
operação discursiva intencional de designação, enquanto que as
representações apresentam uma relação de causa com o objeto.
Nossa escolha em utilizar a análise de registros de representação
semiótica se baseia no fato de a compreensão em matemática estar
diretamente ligada a capacidade de distinguir um objeto de sua representação,
daí a importância de se reconhecer objetos matemáticos em suas diversas
representações semióticas possíveis. Aliando esta ideia à Modelagem
entendemos que é possível associar a aprendizagem em matemática com a
construção de um ser crítico.
Procuramos então, responder a seguinte questão nesta pesquisa:
Como a Modelagem Matemática influencia a capacidade de interpretação
dos conceitos matemáticos relativos à função polinomial do 1º grau e na
sua transcrição para a forma algébrica? Para isso, elegemos como nosso
objetivo geral analisar os registros de representação semiótica utilizados pelos
alunos na interpretação e transcrição do conceito de função afim durante um
trabalho com Modelagem.
Trata-se de uma pesquisa do tipo pesquisa-ação e abordagem
qualitativa. O material analisado adveio dos protocolos da atividade realizada
com os alunos e algumas gravações de áudio realizadas durante a execução
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da pesquisa, também realizamos um diagnostico sociocultural por meio de
formulário.
Apresentamos nossa pesquisa em quatro seções, na primeira seção
nomeada “Navegando em Águas Marajoaras” fazemos uma apresentação do
lócus da pesquisa abordando as características geográficas, históricas e
sociais da região. Na segunda seção nomeada “Nos Rios da Teoria”
apresentamos nosso embasamento teórico e ainda um apanhado geral sobre
as pesquisas com temática semelhante pontuando os diferenciais deste
estudo.
Na terceira seção nomeada “Preparando os Instrumentos”
descrevemos os aspectos metodológicos desta pesquisa, apresentando os
sujeitos envolvidos, descrevendo a proposta de atividade que foi aplicada e
como seriam analisados os resultados. Na quarta seção nomeada “Colhendo
os frutos” efetuamos a análise dos dados coletados durante a realização da
atividade, apontando nossos critérios de análise e descrevendo como se deu
cada etapa da atividade. Finalmente, apresentamos nossas considerações
finais sobre toda a pesquisa.
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SEÇÃO I – NAVEGANDO EM ÁGUAS MARAJOARAS
1. Muaná: A flor do Marajó
Muaná é um dos dezesseis municípios que compõe o Arquipélago
do Marajó. Neste município, iniciei minha carreira docente. O local
proporcionou-me muitas experiências positivas e indagações a respeito de
minha prática, as quais me levaram rumo a esta pesquisa, por esta razão
acredito ser conveniente abordar alguns aspectos históricos e sociais da região
para melhor caracterização do lócus da pesquisa.
1.1. Características Geográficas
O município de Muaná está localizado na Mesorregião do Marajó e
Microrregião do Arari, está distante aproximadamente 80 km (em linha reta) da
capital do estado, Belém.
Figura 1: Muaná em destaque no mapa. Fonte: Google Maps, 2015.
Sua área limita-se ao norte pelo município de Anajás, ao sul pelos
municípios de Abaetetuba e Limoeiro do Ajurú, ao leste por Ponta de Pedras e
a oeste por São Sebastião da Boa vista. O acesso até a cidade se dá por via
fluvial, sendo uma viagem de 5h, em média.
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1.2. Aspectos Históricos
Em 1994, o jornal O Diário do Pará noticia o centenário da cidade de
Muaná. Por meio deste nos é informado que a fundação da localidade se deu
com a criação de uma fazenda particular no início do século XVIII, a qual teve
seu status elevado para freguesia no ano de 1757 – Freguesia de São
Francisco de Paula. Mais tarde, em 1895, obteve o foro de cidade com o nome
Muaná, o qual seria utilizado para a cidade e município, em alusão ao rio que
banha a cidade em sua margem esquerda. Segundo o Jornal O Liberal de
1995, Muaná é um vocábulo indígena, cuja tradução é “próxima de cobra”, isso
porque era uma terra ligada a Nu-Anaqui, a conhecida terra das cobras.
Sua localização estratégica permitiu que a cidade tivesse grande
importância para o estado no movimento de independência dos domínios de
Portugal,
“Nas lutas pela independência, Muaná destaca-se, porque, tendo sido malograda a tentativa de 14 de abril de 1823, nesta Capital, para repelir o jugo português, os denodados patriotas que escaparam às sanhas dos estrangeiros dominados, fugiram para o Marajó, procurando refúgio em Muaná. Porém o insucesso da Capital não apagou a chama sagrada pela independência nacional, e os refugiados de Muaná, no dia 28 de maio do referido ano, à frente de 200 homens proclamaram a independência do Brasil sob o governo de D. Pedro I.” (Theodoro Braga, apud Jornal O diário do Pará, p. 8, 20/03/1994)
Os muanenses muito se orgulham de sua participação em um
capítulo tão importante da história paraense, por isso, atualmente, a data 28 de
maio é considerada feriado no município, momento celebrado com marcha das
escolas locais e disputa entre as bandas marciais das mesmas, como podemos
observar nas imagens abaixo.
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Figura 2: Comemoração do feriado municipal de Muaná. Fonte: Alessandra Martins, 2015.
Figura 3: Desfile das escolas no feriado em Muaná. Fonte: Alessandra Martins, 2015.
1.3. A População e Economia
A população muanense é composta por descendentes de negros,
indígenas e mestiços. De acordo com o censo 2010 do IBGE o município
possui pouco mais de 34 mil habitantes, em sua maioria, residentes na zona
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rural do município, sendo a faixa etária até 19 anos, a mais predominante na
região, o que nos mostra a necessidade de melhorias em questões
educacionais para dar oportunidade a esses jovens, de melhores condições de
vida no futuro.
A economia do município é movimentada pela exportação de palmito
e do fruto de açaí, a cerâmica e pecuária nas grandes fazendas. A pesca do
camarão é uma atividade muito comum entre as famílias ribeirinhas do
município, a produção é tão grande que a cidade realiza o famoso Festival do
Camarão sempre no início do mês de Junho.
No entanto, outra atividade está presente diariamente na vida dos
muanenses, a colheita do açaí, principalmente para as famílias que moram nas
localidades fora da sede da cidade. Essas famílias praticam a colheita em
palmeiras nativas presentes nos terrenos de suas casas e a despolpa ocorre
nas cozinhas dos próprios moradores, já que praticamente toda família possui
sua própria máquina para este fim. A estreita relação das famílias muanenses
com a cultura do açaí nos motivou a uma investigação mais profunda da
influência desta prática no ambiente escolar.
1.4. A Educação
No âmbito educacional, de acordo com dados do Instituto Anísio
Teixeira (INEP), sob a administração municipal existem 46 escolas em
funcionamento no município de Muaná, 6 estão localizadas na zona urbana e
40 na zona rural, estas oferecem desde a educação infantil até os últimos anos
do ensino fundamental, além de 1 escola de administração estadual que
oferece o ensino médio, a qual é o ponto de partida de nossa pesquisa.
O Colégio Estadual Dr. Sérgio Mota entrou em funcionamento no
ano de 2003 levando o ensino médio regular para o município. Antes de sua
implantação este nível de ensino era oferecido na modalidade modular apenas
na sede do município, aqueles que quisessem continuar seus estudos
deveriam se deslocar até a cidade ou se encaminhar para capital.
No ano de 2009 a Secretaria de Estado de Educação do Pará
(Seduc-Pa) implantou o Sistema de Organização Modular de Ensino (SOME)
na zona rural do município, contemplando as localidades de Vila de Ponta
Negra, Jararaca, Ilha Palheta, Rio Inamarú e Rio Atatá.
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1.4.1. Sistema de Organização Modular de Ensino
O Sistema de Organização Modular de Ensino é uma modalidade de
ensino criada em 1980 para atender as necessidades das regiões mais
distantes do Estado do Pará (como a zona rural e ilhas), que não tenham
ensino fundamental e médio. O projeto é executado pela Secretaria de Estado
de Educação (SEDUC/PA) em parceria com as prefeituras das cidades
atendidas.
A implantação do SOME nas localidades vem como alternativa para
que a população continue seus estudos sem a necessidade de deixar sua
comunidade, para isso, a escola polo funciona na modalidade modular nessas
localidades em espaço físico cedido pelo município. Acreditamos que o SOME
seja uma alternativa valiosa para a ampliação do acesso a educação em
comunidades distantes.
A organização curricular do sistema modular funciona da seguinte
maneira: as disciplinas que compõe o quadro do ensino médio são agrupadas
em blocos de três disciplinas, por afinidade e/ou carga horária. Em nosso caso,
ficam agrupadas as disciplinas Matemática, Física e Educação Física. Esses
blocos devem ministrar as aulas em cinquenta dias letivos chamados ‘módulo’,
quatro módulos em um ano compõe a carga horária anual do aluno.
O SOME funciona em parceria com a prefeitura, a qual cede o
espaço físico das escolas municipais para o funcionamento do ensino médio
modular. Sob esse suporte espacial físico apontamos a segunda parada de
nossa pesquisa, a Escola Municipal Belmiro Monteiro Lopes, no Rio Inamarú.
1.4.2. Localidade do Rio Inamarú
A localidade palco de nossa pesquisa está às margens do Rio
Inamarú localizado na porção centro-sul do município, este rio se interliga com
rios maiores como o Rio Pará – a Baía do Marajó. A principal rota de chegada
para esta comunidade se dá inicialmente pela estrada em direção ao balneário
Mocajatuba (trecho em vermelho) e lá chegando toma-se uma embarcação
para o Rio Inamarú (trecho em azul), o tempo médio de viagem entre a cidade
de Muaná e o Rio Inamarú é de 30 minutos em média.
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Figura 4: Trajeto Cidade de Muaná-Rio Inamarú. Fonte: http://www.projetoinamaru.net/pt-BR/localizacao.
A comunidade presente nesta região é de pessoas humildes e
acolhedoras. Todas as casas estão localizadas na beira do rio e nos igarapés,
a maioria é distante uma das outras, por isso se faz necessário uma
embarcação para o deslocamento da população circundante.
Figura 5: Casas da comunidade ribeirinha. Fonte: Autora, 2014.
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O lazer dos moradores se dá diariamente pelo banho de rio e pelas
partidas de futebol em campos de “moinha”, áreas cobertas de serragem
proveniente da atividade madeireira da região.
Figura 6: Lazer dos moradores de Muaná. Fonte: Alessandra Martins, 2015.
Em relação ao saneamento básico a comunidade possui tratamento
primário de esgoto por meio de fossas e o tratamento de água é feito por meio
de solução de hipoclorito de sódio misturada à água oriunda do rio. O
fornecimento de energia elétrica se dá por geradores a diesel mantidos pelos
próprios moradores. O acesso à comunicação via telefonia é restrito a antenas
rurais, bem como o acesso a internet apresenta sinais precários.
A escola municipal que atende a localidade chama-se Belmiro
Monteiro Lopes e iniciou suas atividades no ano 2000 disponibilizando para a
comunidade Educação Infantil e Ensino Fundamental I e II. De acordo com o
Censo Escolar realizado no ano de 2013, a Escola Belmiro Monteiro Lopes
possui cerca de 340 alunos distribuídos nas diversas modalidades de ensino
ofertadas e ainda cerca de 40 alunos do ensino médio modular.
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Figura 7: Escola Belmiro Monteiro Lopes. Fonte: Autora, 2013.
A realidade da comunidade também se aplica a escola, a exceção
do fornecimento de água, que é advindo de poço artesiano cedido por um
comerciante da região. Salientamos que a energia elétrica fornecida por
geradores a diesel torna altíssima as expensas com manutenção desta fonte,
por isso é utilizada na escola apenas em ocasiões de extrema importância e
restrita a área administrativa.
Observamos que mesmo com toda peculiaridade e diferença
existente entre a comunidade pesquisada e as escolas regulares das cidades o
público existente na escola é vasto e possui frequência satisfatória, o
transporte escolar é sempre lotado de alunos buscando aprender cada dia algo
novo, acordando ainda antes de amanhecer para mais um dia de aula.
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Seção II – NOS RIOS DA TEORIA
2. Tipos de Modelagem Matemática
Neste capítulo abordaremos as teorias utilizadas para o
desenvolvimento e análise de nossa pesquisa. Iniciamos discutindo sobre as
diferentes concepções sobre Modelagem Matemática, apontando e justificando
nossa escolha por aquela que utiliza o aspecto sócio-crítico. Em seguida
apresentamos as concepções de semiótica utilizadas na Educação
Matemática, finalizando a seção com uma análise do estado da arte da
utilização da semiótica em educação matemática.
2.1. Modelagem Matemática
Atualmente a Modelagem Matemática na Educação Matemática
compõe um campo de vastas pesquisas na academia e de ação em sala de
aula por muitos professores que procuram métodos diferentes de ensinar
matemática nos diversos níveis de ensino. Apesar disso este é um campo
relativamente novo, teve suas investidas mais intensas, e semelhantes ao que
conhecemos hoje, por volta dos anos de 1980. Apresentamos a seguir algumas
concepções de modelagem matemática que nos auxiliaram na realização desta
pesquisa.
2.1.1. Modelagem Matemática no Campo Científico e na Educação
Bassanezi (2004) esclarece a diferença entre a utilização da
Modelagem Matemática como método científico e como estratégia de ensino-
aprendizagem, apontando que no primeiro caso, as vantagens da utilização
deste processo estão na abrangência e poder de síntese, além de que quando
usada como instrumento de pesquisa pode auxiliar nas tomadas de decisão, a
estimular novas ideias e técnicas experimentais e a entender melhor a
realidade.
Enquanto estratégia de ensino-aprendizagem o autor nos diz que o
mais importante é o método utilizado para se chegar ao modelo do que o
modelo propriamente dito, pois é durante a construção que o aluno consegue
compreender os conceitos que estão sendo utilizados.
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Karam & Pietrocola (2009) afirmam que os problemas científicos são
diferentes dos problemas cotidianos e que essa diferença reside principalmente
pela maneira como se solucionam esses problemas, pois o raciocínio científico
é fortemente embasado em estruturas matemáticas. Dessa forma conseguimos
visualizar a diferença entre a modelagem realizada pelas áreas científicas e a
realizada pela educação matemática, na qual a primeira utiliza a linguagem
matemática para estruturar seu pensamento e elaborar modelos da realidade.
Pozo e Crespo (1998 apud Karam et al 2009) afirmam que no
conhecimento científico a importância não se dá em conhecer a realidade, mas
qual o grau de precisão dos modelos projetados para representa-la. Os autores
destacam que pra esse tipo de conhecimento não há o questionamento da
realidade e sim o questionamento dos modelos. No que conhecemos como
ensino tradicional há grande tendência em aproximar e transformar o
pensamento do senso comum dos alunos para pensamento científico.
Contrapondo-se a maneira como a modelagem é trabalhada no
campo científico Almeida et al. (2013, p.12) entendem que a Modelagem
Matemática é o grupo formado por uma situação-problema, uma situação final
desejada e um conjunto de procedimentos e conceitos necessários para passar
da situação-problema para situação final, para isso relações entre realidade e
matemática servem de subsídio para a integração de conhecimentos
matemáticos e não matemáticos, então se associa à situação final uma
representação matemática chamada de modelo matemático.
Para os autores um modelo matemático é “uma representação
simplificada da realidade sob a ótica daqueles que a investigam. Sua
formulação, todavia, não tem um fim em si só, mas visa fomentar a solução de
algum problema”, o desenvolvimento de um modelo ou o processo para se
chegar até ele dependem dos conhecimentos de quem o está desenvolvendo.
Segundo os autores a Modelagem é a atividade de busca à solução do
problema, ao modelo.
Na concepção de Meyer et al. (2013, p. 39) Modelagem Matemática
não se trata de uma metodologia nem de ambiente de aprendizagem, mas de
uma perspectiva de educar matematicamente, na tentativa de resgatar, aos
poucos, outras formas de se trabalhar com a Matemática, sempre com
problemas da realidade, que segundo os autores é sua principal característica.
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Esses autores nos dizem que a principal diferença existente entre a
Modelagem feita pelos matemáticos da área pura e aplicada e aquela
pretendida pelos professores da educação básica é a existência de um
currículo, a necessidade e preocupação de compartilhar conhecimentos
matemáticos, de educar matematicamente outra pessoa. Seus objetivos são
estudar e resolver determinado problema e estes profissionais possuem
ferramental matemático minimamente suficiente para poder começar a fazer
perguntas sobre aquele problema.
Ainda para os autores, a pretensão da Modelagem é que os alunos
aprendam problematizar seus contextos sociais além dos conteúdos
matemáticos exigidos no seu nível de ensino. Pretende-se que ao final do
processo de modelagem o aluno seja capaz de tomar decisões considerando
muito do que já sabia da realidade antes do processo de matematização e que
os conhecimentos matemáticos produzidos/adquiridos os auxilie nessas
decisões.
Em consonância, Caldeira (2009, p.38) afirma que entender a
Modelagem como uma concepção de educar matematicamente, que agrega
proposições matemáticas provenientes das interações sociais e aspectos da
cultura matemática não escolar, ‘deverá fazer com que o estudante perceba a
necessidade do enfrentamento da sua realidade’. O autor ressalta que os
pressupostos básicos dessa perspectiva da Modelagem Matemática é
desenvolver no aluno a capacidade de problematizar, elaborar suas próprias
perguntas, refletir e tirar suas próprias conclusões.
Um obstáculo muito comum quando se trata de modificar a estrutura
atual de ensino nas escolas é a questão do currículo, ter uma serie de
conteúdos que precisam ser cumpridos durante o ano letivo é uma barreira
para a maioria dos professores. Ao propor o ensino por meio de Modelagem,
Meyer et al. (2013) afirmam que essa situação pode ser enfrentada de pelo
menos duas maneiras: o professor ignora a sequência de aprendizagem dos
conteúdos conforme o currículo dominante ou associa a Modelagem ao ensino
tradicional e apresenta os conteúdos desvinculados da realidade.
Almeida et al (2013, p. 22) citam três situações em que a
modelagem pode se apresentar no cotidiano escolar: 1) no âmbito da própria
aula de matemática; 2) em horários e espaços extraclasse e 3) uma
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combinação das duas situações. Os autores explicam que na primeira situação
os conteúdos matemáticos podem ser introduzidos ou aplicados por meio de
atividades de Modelagem durante as aulas regulares, na segunda situação por
se realizar fora das aulas destinadas para o cumprimento do currículo,
professor e aluno têm maior liberdade para trabalhar ou não com conteúdos
estabelecidos pelo currículo. Finalmente na terceira situação existe uma
flexibilidade em relação ao programa escolar e à disponibilidade do professor,
assim as limitações existentes nas outras situações podem ser superadas.
2.1.2. Modelagem Matemática e a Corrente Sócio-Crítica
Nos estudo sobre Modelagem na Educação Matemática no Brasil é
possível encontrar diferentes concepções e, por conseguinte, diferentes
maneiras de se trabalhar com a mesma, sendo assim ao concordar com a
concepção teórica proposta por Barbosa (2001) decidimos adotar tal
concepção para desenvolver esta pesquisa.
Barbosa (2001, p.6) propõe a Modelagem como ambiente de
aprendizagem na qual os alunos são convidados a indagar e/ou investigar, por
meio da matemática, situações oriundas de outras áreas da realidade. O
mesmo ainda afirma que os conceitos e ideias matemáticas exploradas apenas
são passiveis de encaminhamento à medida que os alunos desenvolvem a
atividade, dessa forma fica evidente que a criação de um modelo não é o
objetivo principal da Modelagem nesta visão.
O autor aponta que as experiências de Modelagem no Brasil
procuram partir do contexto sociocultural dos seus alunos e de seus interesses,
tal fato permite a construção de um conhecimento reflexivo pautado na
natureza dos modelos e nos critérios usados em sua construção, aplicação e
avaliação (p.3), assim Barbosa (2001) sugere uma corrente sócio-crítica, na
qual as atividades de Modelagem tem o potencial de gerar algum nível de
crítica nos alunos, potencializando também a reflexão sobre a Matemática, a
Modelagem e seu significado social.
Ao procurar modificações na prática de ensino vigente em nossa
sociedade o questionamento inicial é pela viabilidade da proposta inovadora,
isso não se difere quando se trata de Modelagem. Blum (1995, apud Barbosa,
2003) apresenta cinco razões para aderirmos à Modelagem: motivação a partir
29
da aplicabilidade dos conceitos estudados na escola; facilitação da
aprendizagem por meio da conexão das ideias matemáticas a outros assuntos;
preparação para utilizar matemática em outras áreas; desenvolvimento de
habilidades de exploração e compreensão do papel sócio-cultural da
matemática.
Dentre essas razões, Barbosa (2003, p.3) acredita que compreender
o papel sociocultural da matemática se sobressai aos outros, pois está
diretamente ligado com o interesse de formar sujeitos para atuar ativamente na
sociedade e, em particular, capazes de analisar como a matemática é usada
nos debates sociais. Entretanto, ainda que estes argumentos apontem para as
possíveis melhorias nas condições de aprendizagem na escola, a transição do
chamado ensino tradicional para uma proposta que vislumbre a Modelagem
como ambiente de aprendizagem não é simples. Os alunos e a comunidade
escolar em geral estão acostumados com a proposta de ensino vigente, ainda
que não seja totalmente satisfatório é possível encontrarmos gerações de
sucesso advindas dessa proposta.
Podemos, então, partir de diferentes das funções que professor e
aluno desempenham nas atividades de Modelagem, a respeito disso, Barbosa
(2001) sugere três casos:
Figura 8: Métodos de análise nas atividades de modelagem. Fonte: BARBOSA (2001, p. 9)
No caso 1 o professor apresenta a descrição de uma situação-
problema, com as informações necessárias à sua resolução e o problema
formulado, assim cabe ao aluno apenas o processo de solução do problema.
No caso 2 é apresentado pelo professor um problema advindo de outra
30
realidade, sendo papel do aluno a coleta das informações necessárias para a
resolução da questão proposta. Já no caso 3 temas não-matemáticos são o
ponto de partida para que os alunos busquem informações, formulem e
resolvam o problema. O autor nos deixa claro de que em todos os casos a
participação do professor é de fundamental importância, o que muda em cada
caso é sua maior presença na organização das atividades.
Feito um panorama a respeito da Modelagem Matemática sob a
perspectiva da corrente sócio-crítica é possível caracterizar nossa pesquisa
como um trabalho que agrega as características previamente citadas.
Trabalharemos com alunos de uma escola estadual do Pará, localizada no
município de Muaná, o qual faz parte da mesorregião do Marajó, as turmas
funcionam no Sistema de Organização Modular de Ensino.
O município de Muaná é conhecido pelo pesca de camarão e de
açaí/palmito, o fato da maioria dos alunos e suas famílias estarem diretamente
ligados a produção/extração de açaí optamos pela elaboração de uma
atividade de modelagem que tratasse um desses assuntos, neste caso o
manejo do açaí. A escolha do tema ‘manejo de açaí’ se deu principalmente
pelo fato de que a extração deste fruto se dá de maneira empírica e por meio
de plantas nativas, sendo de fundamental importância que os sujeitos inseridos
nessa realidade reflitam sobre sua prática nessa cultura.
De acordo com as ideias de Barbosa (2001), posicionamos nossa
pesquisa como pertencente ao Caso 1 evidenciado por Barbosa (2001). Os
sujeitos com os quais desenvolveremos este estudo nunca tiveram contato com
atividades deste tipo, sendo este seu primeiro contato com a Modelagem e com
uma metodologia diferente da aula expositiva. Como o tema, a situação-
problema, os dados qualitativos e quantitativos serão fornecidos pelo professor,
a proposta se encaixa no Caso 1, anteriormente explicitado.
Nossa proposta se diferencia das demais encontradas em trabalhos
de Modelagem pelo fato de que não se trata apenas de avaliar a viabilidade do
uso deste ambiente de aprendizagem com um público peculiar, como o
descrito, mas faremos a análise da interpretação dos conceitos a serem
desenvolvidos por meio dos registros de representação semiótica, tal como
abordado por Duval (2009). Portanto, analisaremos como a Modelagem
Matemática influencia a capacidade de interpretação dos conceitos
31
matemáticos relativos a função afim e na sua transcrição para a forma
algébrica.
2.2. Semiótica e Educação Matemática
Trataremos neste capítulo a respeito da teoria que embasa nossas
análises: a semiótica. Por isso, consideramos conveniente apresentar um breve
histórico a respeito do tema, os conceitos que irão compor nossas análises e
ainda um panorama das pesquisas realizadas no país com a mesma temática.
Para iniciar é necessário entender o que é semiótica, recorremos
então à explicação dada por Santaella (1983), a qual expõe que a Semiótica é
a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou
seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e
qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e de sentido
(p.4).
Sobre o caráter histórico, Nöth (2009) afirma: a semiótica
propriamente dita tem seu início com filósofos como John Locke, no século
XVII. A doutrina do signo ou semiótica avant la lettre, compreende todas as
investigações sobre a natureza dos signos, da significação e da comunicação
na história das ciências, tem sua origem coincidindo com a origem da filosofia,
com Platão e Aristóteles na Antiguidade.
Duval (2011) nos diz que o estudo propriamente dito dos signos teve
seu verdadeiro início com a elaboração dos modelos de análise referentes à
diversidade de signos e seu papel no funcionamento da atividade científica e
na comunicação. Ainda segundo Duval (2011) os três modelos fundadores das
análises semióticas que temos hoje surgiram contemporaneamente, os
modelos de Peirce, entre 1810-1910, Saussure, em 1916, e Frege, em 1892 e
1894. Entretanto, para a utilização da abordagem semiótica nas pesquisas
sobre aprendizagem em matemática estes modelos não são suficientes.
Duval (2011) explica que a definição de signo proposta por Saussure
retoma a propriedade comum de evocação de qualquer coisa e também leva a
substituir a noção de sistema semiótico pela de signo, mas é limitada pelo fato
de sua análise eliminar imediatamente a diversidade de enunciados que a
língua permite produzir, assim como as operações discursivas requeridas por
essa produção, interessando-se apenas pela língua.
32
Ao que tange o modelo de Peirce de descrever o papel das
representações e dos signos, em todas as formas de atividade cognitiva, Duval
(2011) aponta que esta se limita à propriedade comum às representações e
aos signos, a de se colocar no lugar do objeto, e ignora a propriedade
específica dos signos, de que sua relação com o objeto é de referência e não
de efeito e causa. O autor afirma ainda que a matemática é o domínio do
conhecimento no qual há a predominância da utilização das representações no
lugar do objeto e conseguir distinguir os objetos de suas representações é uma
das principais dificuldades de compreensão na aprendizagem matemática.
Em seus trabalhos, Frege demonstrou interesse diretamente pelo
modo da produção semiótica que possa ter valor ao mesmo tempo de prova e
de descoberta matemática. No que diz respeito a este estudo, Duval (2011)
destaca seu limite pela consideração das escritas simbólicas utilizadas em
álgebra e em análise como modelo de todas as representações utilizáveis em
matemática, o autor ressalta que Frege não considerou a importância dos
outros sistemas semióticos para a matemática.
Diante das limitações para a aprendizagem matemática
apresentadas pelos modelos fundadores da análise semiótica, Duval (2011)
propõe que as questões diretrizes dos teóricos apresentados sejam adaptadas
para sua utilização. Assim, a questão de Saussure poderia ser: “Quais os
processos de discriminação permitem reconhecer as unidades de sentido
matematicamente pertinentes em uma expressão ou em uma representação
semiótica?”. A questão de Peirce: “Em função de quais critérios podemos
classificar todos os tipos de representações utilizáveis em matemática e no
ensino de matemática?”. Finalmente, a questão de Frege seria: “Quais são os
mecanismos de substituição ou de transformação próprios a cada tipo de
representação utilizada em matemática?”. Estas questões darão base à
proposta de análise de Duval, a dos Registros de Representação Semiótica.
2.2.1. Registros de Representação Semiótica
Raymond Duval (2003; 2009) trata em seus trabalhos a respeito de
registros de representação semiótica na aprendizagem em matemática, por
meio de análises cognitivas, isto porque este tipo de abordagem permite que
inicialmente se descreva o funcionamento cognitivo que possibilita um aluno
33
compreender, efetuar e controlar ele próprio a diversidade dos processos
matemáticos que lhes são propostos em situações de ensino (2003, p.120). A
importância das representações semióticas e a grande variedade dessas
representações utilizadas em matemática caracteriza uma atividade
matemática do ponto de vista cognitivo.
Para compreender o tipo de análise proposta por Duval é importante
destacar as diferenças nos conceitos próprios de semiótica abordadas nas
investigações sobre a natureza do signo e os conceitos tratados por ele nas
investigações sobre os registros de representação. Inicialmente, Duval (2011)
esclarece que os signos diferem das representações, isso porque a relação dos
signos com as coisas que eles significam é uma relação de referência, ou seja,
uma operação discursiva intencional de designação, enquanto que as
representações apresentam uma relação de causa com o objeto.
Duval (2011) afirma que a atividade matemática é constituída de
dois problemas: um epistemológico de acesso aos objetos matemáticos e um
problema cognitivo que é da natureza do trabalho matemático e do
funcionamento do pensamento em matemática. São desses problemas que
surge a necessidade de representações semióticas, vale destacar que o
importante nessas representações é sua potencialidade intrínseca de serem
facilmente transformadas em outras representações semióticas.
O interessante na utilização dos registros de representação
semiótica se dá devido ao fato de a compreensão em matemática estar
diretamente ligada a capacidade de distinguir um objeto de sua representação,
daí a importância de se reconhecer objetos matemáticos em suas diversas
representações semióticas possíveis. Para explicar isso, Duval (2009) aborda
os seguintes conceitos: “chamamos de semiósis a apreensão ou a produção de
uma representação semiótica, e noésis os atos cognitivos como a apreensão
conceitual de um objeto, a discriminação de uma diferença ou a compreensão
de uma inferência”. O mesmo ainda salienta que não existe noésis sem
semiósis.
Na atividade matemática são sempre mobilizados dois tipos de
transformações semióticas, o tratamento e a conversão, os quais distinguem a
atividade matemática de outras formas de atividade intelectual, diante disso se
34
fez necessário a introdução da noção de registros de representação semiótica,
definidos da seguinte maneira:
Um registro é, evidentemente, um sistema semiótico, mas um sistema semiótico particular que não funciona nem como código, nem como sistema formal. Ele se caracteriza essencialmente, pelas operações cognitivas específicas que ele permite efetuar. (Duval, 2011, p.70)
O autor destaca que do ponto de vista cognitivo, a diferença entre registro e
código está no fato de que os registros abrem possibilidades de transformação
dos conteúdos das representações produzidas, o que os códigos não
permitem.
Em Duval (2009), temos que os registros de representação
semiótica constituem os graus de liberdade de que um sujeito pode dispor para
objetivar a si próprio uma ideia ainda confusa, explorar informações ou
comunica-los a um interlocutor. Segundo o mesmo, existem três fenômenos
que confrontam a análise do desenvolvimento do conhecimento e seus
obstáculos. Os fenômenos são: diversificação dos registros de representação
semiótica, diferenciação entre representante e representado e coordenação
entre os diferentes registros.
No primeiro fenômeno, temos que a oposição feita entre linguagem e
imagem é a primeira aproximação da diversificação dos registros de
representação semiótica, pois a linguagem natural e as línguas simbólicas não
podem ser consideradas como formadoras de um único registro, já que
colocam questões de aprendizagem específicas.
O segundo fenômeno nos mostra a dificuldade de diferenciar
representante de representado, pois para que isso de fato aconteça é
necessário associar ao representado outras representações e integrá-las nos
procedimentos do tratamento. Finalmente no terceiro fenômeno entendemos
que o conhecimento de regras de correspondência entre dois sistemas
semióticos diferentes não é suficiente para que eles possam ser mobilizados e
utilizados juntos.
Almouloud (2007) ao analisar os registros de representação
semiótica afirma que ao tratar deste assunto estamos trabalhando o problema
da aprendizagem e dando ao professor um meio que lhe ajudará a tornar
compreensão da matemática mais acessível. De acordo com Duval (2009) as
35
representações podem ser classificadas em mentais, computacionais e
semióticas. Segundo essa classificação as representações:
semióticas são representações ao mesmo tempo conscientes
e externas, o que significa que elas permitem uma visão do
objeto através da percepção de estímulos tendo valor de
significante (p.44);
mentais são todas as representações que permitem uma
visão de objeto na ausência de todo significante perceptível
(p.45);
computacionais são todas as representações cujos
significantes, de natureza homogênea, não requerem visão de
objeto, e que permitem uma transformação algorítmica de
uma sucessão de significantes em outra.
Dessa maneira, a relação/distinção que se dá, de maneira
superficial, entre esses tipos de representação são que as representações
semióticas, como caracterizada anteriormente, possuem as funções de
objetivação, expressão/comunicação e tratamento intencional. As
representações mentais são conscientes internas, pois é notável ao indivíduo,
mas não é comunicada a outros indivíduos, assim possui a função de
objetivação por representar a tomada de consciência.
Já a representação computacional é não consciente por não ser
notada pelo sujeito e externa por ser diretamente visível, esta representação
tem a função de tratamento quase instantânea, que são aquelas efetuadas
antes mesmo de terem sido marcadas e que produzem as informações e as
significações em que um sujeito tem imediatamente consciência.
2.2.2. Atividades Cognitivas de Representação Semiótica
Duval (2009) afirma que existem três atividades cognitivas de
representação inerentes à semiósis, estas são: formação, tratamento e
conversão, descreveremos a seguir em que consiste cada uma delas.
FORMAÇÃO
A formação de uma representação semiótica é recurso a um (ou a
muitos) signo(s) para atualizar a atenção voltada para um objeto ou para se
36
substituir essa atenção (p.54-55), assim a formação diz respeito à designação
nominal de objetos, a reprodução de seu contorno percebido, a codificação de
relações ou de certas propriedades de um movimento.
O autor nos chama atenção para que a formação das
representações semióticas respeite as regras próprias ao sistema empregado,
assim uma representação semiótica não deve sair do domínio definido pelas
regras que constituem tal sistema, pois estas regras permitem o
reconhecimento das representações como representações num registro
determinado (grifos do autor). O seguimento das regras de conformidade de
um sistema propicia que um sujeito dê sentido de uma representação mesmo
que ele não tenha produzido essa representação.
TRATAMENTO
O tratamento é
a transformação de uma representação obtida como dado inicial em uma representação considerada como terminal em relação a uma questão, a um problema ou a uma necessidade, os quais fornecem o critério de parada na série de transformações efetuadas (Duval, 2009, p. 56-57)
Vimos anteriormente, o tratamento é uma transformação interna a
um registro, e segundo este autor corresponde à expansão informacional, vale
salientar que o tratamento ocorre com a utilização apenas de um registro de
representação.
Dessa maneira, Almouloud (2007) afirma que temos os tratamentos
algoritmizáveis, que podem ser exemplificados como os procedimentos de
operações aritméticas, na resolução de equações, gráficos cartesianos
(mudanças de sistema de coordenadas, interpolação) e os tratamentos não-
algoritmizáveis que são exemplificados como figuras geométricas e a língua
natural quando utilizada para expressar as formas de raciocínio (argumentação
e dedução). Nas aulas de matemática é possível perceber que existe uma
valorização excessiva do tratamento dos conceitos matemáticos, os alunos são
levados a um treinamento exaustivo das técnicas operacionais de todos os
objetos matemáticos que lhes são dados a conhecimento, de um ponto de vista
matemático este treinamento é válido para operar com destreza e habilidade
esses conhecimentos. No entanto, de um ponto de vista cognitivo, entendemos
37
que essa valorização seja a causa de tanta confusão na distinção dos objetos
matemáticos e suas representações.
CONVERSÃO
Segundo Duval (2009) converter é transformar a representação de
um objeto, de uma situação ou de uma informação dada num registro em uma
representação desse mesmo objeto, dessa mesma situação ou da mesma
informação em outro registro (p. 58), diferente do tratamento, a conversão
mobiliza mais de um registro, passando de um para outro, sendo assim uma
transformação externa em relação ao registro de partida.
Almouloud (2007) nos diz que existem dois tipos de conversão:
aqueles que utilizam a língua natural e aqueles que não a utilizam. Entre os
que utilizam podemos exemplificar como a compreensão de um enunciado ou a
relação entre gráficos e textos. Enquanto aqueles que não utilizam a língua
natural, temos, como exemplo, a relação entre gráfico e equação (p.73).
Do ponto de vista matemático, a conversão trata apenas de utilizar
um registro mais prático em dada situação problemas, enquanto que do ponto
de vista cognitivo esta é a atividade de transformação fundamental, pois
conduz aos mecanismos subjacentes à compreensão. Para Duval (2009) a
conversão das representações semióticas constitui a atividade cognitiva menos
espontânea e mais difícil de adquirir para a grande maioria dos alunos, pois a
mudança dos registros gera obstáculos que não dependem da complexidade
do campo conceitual. Este autor afirma que uma aprendizagem centrada
especificamente na mudança e coordenação de diferentes registros de
representação produz excelentes resultados na compreensão.
2.2.3. Métodos de Análise dos Registros de Representação Semiótica
De acordo com D’Amore (2005), em Matemática, a aquisição
conceitual de um objeto passa necessariamente pela aquisição de uma ou
mais representações semióticas, isto é, para que o aluno tenha de fato
aprendido determinado conceito ele necessita transitar entre as diversas
formas de representação do objeto matemático em questão. Mas, Duval (2003)
esclarece que passar de um registro de representação a outro não é somente
mudar de modo de tratamento, é também explicar as propriedades ou os
38
aspectos diferentes de um mesmo objeto, assim a representação de um objeto
em registros diferentes nos apresentam conteúdos diferentes desse objeto.
Decorre disso que a passagem de um sistema de representação para outro ou
a mobilização simultânea de vários sistemas de representação não é
espontânea para os alunos.
Diante desse panorama de passagem e mobilização de sistemas,
Duval (2011) fornece quatro métodos de análise:
1. Isolar e reconhecer as unidades de sentido matematicamente
pertinentes;
2. Análise da atividade matemática em função dos pares de
registro mobilizados;
3. Variações funcionais dos modos fenomenológicos de
produção de registros de representação semiótica;
4. Análise das atividades em classe e das produções dos
alunos.
Os métodos apresentados pelo autor oferecem as ferramentas para analisar as
duas condições necessárias para que seja possível compreender, fazer ou
apenas utilizar matemática: reconhecer as unidades de sentido
matematicamente pertinentes no conteúdo das representações semióticas e a
apropriação das operações de transformação próprias de cada registro (p.103).
O autor explica que para isolar as unidades de sentido
matematicamente pertinentes no conteúdo de dada representação é
necessário converter essa representação para outro registro, em seguida gerar
todas as modificações possíveis dessa representação para convertê-las para
esse outro registro. Com isso, é possível observar se as variações feitas no
primeiro registro produzem ou não covariações no segundo. Tem-se com isso
que o segundo registro serve de revelador das unidades de sentido
matematicamente pertinentes nas representações do registro de partida.
Em relação à apropriação das operações de transformação próprias
de cada registro temos o procedimento limitado a um único registro sem
mobilizar de maneira implícita outro registro. Este procedimento diz respeito a
um inventário das variações possíveis que permitem passar diretamente de
uma representação a outra que é reconhecida como sendo do mesmo registro,
39
este inventário permite distinguir as operações de transformação que são
possíveis no interior de um registro e que lhes são específicas.
No método de isolar e reconhecer as unidades de sentido
matematicamente pertinentes tem-se de um ponto de vista cognitivo, a
priorização da organização de tarefas de reconhecimento, as quais são feitas
em função das variáveis cognitivas definidas pelo método de análise das
produções matemáticas, o método consiste em escolher uma resposta entre
várias possíveis e, esta escolha, não deve exigir nenhum trabalho que
demande tempo.
Segundo Duval (2011) a análise do funcionamento cognitivo do
pensamento exigida pela matemática mostra a necessidade da mobilização
simultânea e coordenada de diversos registros para que seja possível falar em
compreensão, diante disso o autor apresenta uma classificação para a análise
da atividade matemática em função dos pares de registro mobilizados. Este
método permite avaliar a distância cognitiva que separa as representações de
dois registros diferentes. A classificação proposta pelo autor considera as duas
características fundamentais que permitem distinguir os registros: registros
discursivos ou não discursivos e registros multifuncionais ou monofuncionais.
Duval (2003) explica que registros monofuncionais são aqueles desenvolvidos
com finalidades específicas de tratamento e os multifuncionais aqueles que
foram desenvolvidos como a língua natural.
Ao que diz respeito às variações funcionais dos modos
fenomenológicos de produção de registros de representação semiótica, Duval
(2011) alerta que não se deve jamais confundir o registro mobilizado e o modo
fenomenológico como se faz essa produção, pois da mesma maneira que um
objeto matemático pode se realizar em registros muito diferentes, a produção
de suas representações também pode ser feita em modalidades muito
diferentes. O autor cita como modo fenomenológico de produção as
representações:
Mentais: não vocalizadas, com função de objetivação para si;
Oral: fala com funções de comunicação dialógica retórica ou
de objetivação;
Gráfico/visual: escrita/desenho com funções de tratamento
não restrita, mas lenta;
40
Monitor de computador: afixagem sobre comando como
função de tratamento “instantâneo” e ilimitado, efetuado por
um software (função de simulação).
Finalmente para Análise das atividades em classe e das produções
dos alunos, Duval (2011) indica que as atividades propostas permaneçam
como atividades matemáticas e visem à aquisição de conhecimentos
matemáticos. Os registros servem então para avaliar a adequação às
condições necessárias para o desenvolvimento da compreensão, permitem
definir o campo de trabalho cognitivamente requerido e analisar as produções
colocando em evidência os pontos de bloqueio.
Na atividade desenvolvida nesta pesquisa buscamos contemplar as
três atividades cognitivas explicitadas por Duval (2003; 2009; 2011). A
elaboração da atividade considerou a mobilização de diferentes tipos de
representação, inicialmente separados, para que haja a oportunidade de
tratamento em cada um deles e gradualmente os alunos serão instigados a
utilizarem mais de um registro, pois, como nos diz Duval (2003), a articulação
dos registros constitui uma condição de acesso à compreensão matemática.
Foi proposta a utilização dos dois tipos de tratamentos
(algoritmizáveis e não algoritmizáveis), pois os alunos trabalharam com
problemas que envolviam a resolução de equações, resolução de valores
numéricos de funções e resolução de operações aritméticas básicas, assim
como os mesmos analisaram os gráficos relativos às funções que estiveram
estudando.
A conversão se fez presente quando os alunos foram solicitados a
propor uma expressão que representava a situação problema dada, quando
foram solicitados a construir um gráfico a partir de uma função dada e quando
foram solicitados a definir a função que representa um gráfico dado. Duval
(2003) ressalta que um sucesso matemático não corresponde a um sucesso
cognitivo, dessa forma a análise dos registros dos alunos não serão avaliadas
separadamente, nossas considerações serão feitas a partir do avanço na
mobilização de diferentes representações do objeto matemático estudado, as
intervenções realizadas, questão a questão tratarão de avaliar os registros
quanto ao tratamento correspondente.
41
Assim, pretendemos com esta pesquisa efetivar uma mudança em
nossa prática na sala de aula. D’Amore (2005) propõe que “construção do
conhecimento matemático” signifique a união da capacidade de representar os
conceitos, de tratar as representações obtidas no registro estabelecido e de
converter as representações num registro para outro, dessa maneira
entendemos que ao observar cada etapa necessária a construção do
conhecimento matemático pelo aluno, temos a oportunidade de diagnosticar
qual a maior dificuldade enfrentada por eles e com isso realizar as intervenções
essenciais.
2.3. Estado da Arte
A fim de nortear o desenvolvimento de nossa pesquisa realizamos
um levantamento a respeito dos trabalhos que foram publicados com a
temática semiótica relacionados à educação matemática. A busca dessas
publicações foi realizada no banco de teses e dissertações da CAPES,
utilizamos como palavras-chave “semiótica e matemática”, dessa forma foram
encontrados 44 trabalhos. O período de publicação dos trabalhos encontrados
data inicialmente do ano 2000, sendo os anos de 2007 e 2008 os mais
produtivos dessa temática com 8 trabalhos publicados em cada ano.
Para a análise nesta pesquisa, consideramos extenso o número de
publicações encontradas, assim restringimos nossa análise para trabalhos
publicados nos últimos cinco anos, logo foram analisados os trabalhos entre os
anos de 2009 a 2014. Nesse período foram publicados 18 trabalhos, os quais
puderam ser agrupados em três categorias: Pesquisa Bibliográfica, Pesquisa
na Educação Básica e Pesquisa no Ensino Superior. A seguir descreveremos
sinteticamente as categorias de agrupamento dos trabalhos e seus conteúdos.
2.3.1. Categoria Pesquisa Bibliográfica
Na categoria Pesquisa Bibliográfica foram agrupados os trabalhos
cujo conteúdo trata de investigações conceituais de semiótica em objetos
matemáticos específicos. Fazem parte deste agrupamento cinco trabalhos:
BUENO (2009), SILVA, L. M. (2010), Almeida (2010), Santos (2011) e Silva, C.
R. (2013).
42
Bueno (2009) investigou a construção do conceito de função e as
perspectivas atuais para a aprendizagem deste conteúdo. O autor analisou a
construção histórica do conceito, investigando a importância das
representações neste processo para com isso, examinar as concepções em
Educação Matemática que abordam a aprendizagem de funções.
Silva (2010) investigou como quatro livros didáticos utilizados na
Educação Básica apresentavam o conceito de função. A autora escolheu dois
livros utilizados na instituição em que exercia docência, o terceiro por ser mais
antigo e o quarto por ser mais recente. Como resultado da investigação, a
autora notou em pelo menos dois livros a influência da filosofia estruturalista
que possibilitou ao grupo Bourbaki o estabelecimento das estruturas
matemáticas. A autora pontua que essa influência se traduz na preocupação
dos autores em apresentar os temas produto cartesiano e relações binárias
como pré-requisitos do conceito de função. Nos livros analisados são utilizados
os registros em língua materna, simbólica (algébrico e numérico), figural e
gráfico, além de exercícios em que podem ser coordenados tais registros.
Almeida (2010) investigou a construção de sólidos arquimedianos
por meio de um estudo bibliográfico. A autora identificou em seus estudos
preliminares que as dificuldades relativas à aprendizagem de Geometria
Espacial estão associadas com a visualização, interpretação e representações
nos objetos tridimensionais. Ao final de sua investigação, a autora constatou
que a construção de sólidos arquimedianos no software Cabri 3D só foram
possíveis mediante a articulação entre o registro figural dinâmico e um registro
discursivo, que diz respeito à língua natural e ao registro algébrico.
No trabalho de Santos (2011), o autor tinha como objetivo descrever
quais são e como operam os diversos registros de representação associados a
matrizes em livros didáticos. O autor realizou sua pesquisa com livros didáticos
das décadas de 1980, 1990 e 2000 e ainda o material didático produzido pela
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Os resultados apresentados
em sua pesquisa mostram que as muitas possibilidades de exploração das
conversões entre os registros de representação semiótica têm sido
minimizadas ou ignoradas, dando-se preferência a apenas um sentido de
conversão.
43
Silva (2013) realizou em sua pesquisa uma reflexão a respeito das
teorias de Registros de Representação Semiótica de Duval e a Semiótica de
Peirce. A autora realizou uma pesquisa bibliográfica para analisar as analogias
encontradas entre as duas teorias, tais como: a) a formação de representação
semiótica pode ser um qualissigno, ícone ou rema; b) o tratamento pode ser
um sinsigno, índice ou dicente; e c) a conversão pode ser um legisigno,
símbolo ou argumento. A partir desta análise, a autora realizou uma aplicação
dos modelos encontrados no estudo de alguns objetos matemáticos referentes
à geometria analítica. Como resultado, apontou que a semiótica peirciana
pode auxiliar na identificação de possíveis problemas e soluções encontrados
nos processos de ensino e aprendizagem dos objetos citados.
2.3.2. Categoria Pesquisa na Educação Básica
Na categoria Pesquisa na Educação Básica estão agrupados os
trabalhos que analisam os registros de representação semiótica produzidos por
alunos da educação básica, assim, fazem parte desta categoria os trabalhos
de: Delgado (2010), Souza, C. (2010), Dell’orti (2010), Santos, A. (2011),
Jordão (2011), Castro (2011), Conceição Jr. (2011), Salgueiro (2011),
Canaveze (2013), Freitas (2013) e Felix (2014). Apresentamos a seguir uma
breve análise destes trabalhos.
Delgado (2010) realizou um estudo de caso com cento e treze
alunos a fim de verificar quais transformações por conversão entre os
diferentes registros de representação da função afim os alunos possuem mais
dificuldades e facilidades. O autor esclarece que nas atividades realizadas
estavam presentes pelo menos duas diferentes formas de representação entre
os registros de representação da função afim que são: língua natural,
expressões algébricas, tabelas de valores e forma gráfica. O autor conclui que
as maiores dificuldades apresentadas pelos alunos estão na conversão em que
o registro de chegada é a expressão algébrica, assim os rendimentos mais
baixos estavam nas questões que solicitavam a conversão da língua natural
para a forma algébrica, de tabela de valores para a forma algébrica, e de
gráfico para a forma algébrica. Em contrapartida, as conversões do registro em
língua natural para tabela foram aqueles que os alunos apresentaram mais
facilidade.
44
Souza, C. (2010) analisou se as atividades presentes no Caderno do
Professor contribuem ou não para a compreensão do aluno a respeito do
objeto Função Exponencial e se os alunos conseguem ou não realizar as
mudanças de registro de representação semiótica à luz da teoria de Duval
(2003). A autora selecionou quatro atividades de introdução do conteúdo
função exponencial presentes no Caderno do Professor de Matemática da 1ª
série do Ensino Médio, as quais foram aplicadas a 14 alunos do 2º ano do
Ensino Médio, os resultados obtidos com a pesquisa mostraram a existência de
dificuldades quanto à realização de mudanças de registros de representação
semiótica e limitação quanto à identificação das variáveis como uma relação
funcional e termo desconhecido.
Dell’orti (2010) investigou em sua dissertação o desempenho de
alunos do 2º ano do Ensino Médio na interpretação e análise de informações
contidas em gráficos. Os alunos participantes desta pesquisa foram divididos
em duplas para realizaram cinco atividades em que eram requisitadas tais
habilidades, as atividades foram analisadas com base na teoria dos registros
de representação semiótica de Duval e pelos níveis de compreensão de
representações gráficas de Crucio. Os resultados apontados pelo autor nos
mostra a necessidade de tratamentos e de mudanças de registro semiótico de
conteúdos matemáticos para que os alunos possam realizar a interpretação de
gráficos.
Santos, A. (2011) analisou uma sequencia didática aplicada a alunos
do 3º ano do ensino médio utilizando o software Geogebra para o ensino de
função logarítmica. As atividades que compunham a sequência foram
adaptadas do Caderno do Professor da secretaria de educação de São Paulo.
Com a análise da produção dos alunos o autor verificou a dificuldade dos
alunos em realizar a conversão partindo do registro gráfico e tendo como
registro de chegada os registros algébricos e a língua natural. O autor afirma
que a utilização do software foi uma estratégia eficiente para que os alunos
compreendessem o comportamento gráfico das funções estudadas.
Jordão (2011) analisou uma sequência didática aplicada para alunos
do 2º ano que abordava a resolução de sistemas lineares quadrados com
auxílio do software Winplot. Em sua análise, a autora pôde verificar que o uso
deste software contribui para a construção do conhecimento, facilitando os
45
processos da simulação, experimentação e visualização. Entretanto a
representação gráfica de alguns casos do sistema linear 3x3 não foi
compreendida pelos alunos, como o caso dos sistemas impossíveis, a autora
salienta então a importância de a sequência didática proposta em sua pesquisa
mobilizar dois registros de representação para que se chegasse à solução
pretendida.
No trabalho de Castro (2011) encontramos uma pesquisa a respeito
da iniciação ao estudo da Álgebra por alunos do 7º ano do Ensino
Fundamental. O objetivo do autor nesta pesquisa foi investigar como as
relações funcionais em diferentes representações contribuem para a introdução
ao pensamento e linguagem de Álgebra. A investigação foi realizada por meio
da aplicação de uma sequência didática e da posterior análise da produção dos
alunos nestas atividades, para tal análise o autor se baseou nos pressupostos
da Teoria dos Registros de Representação Semiótica de Duval. Os resultados
apresentados pelo autor mostram que a maior parte dos alunos envolvidos
conseguiu pensar genericamente e escrever simbolicamente uma expressão
envolvendo duas grandezas, ainda que estes tivessem contato pela primeira
vez com as diferentes representações do objeto matemático explorado.
Conceição Jr. (2011) realizou em seu trabalho uma investigação
com alunos do 2º ano do ensino médio para verificar em que medida o ensino
de inequações por meio de uma abordagem funcional gráfica que envolva o
tratamento e a conversão de registros de representação semiótica, pode ou
não, favorecer o entendimento por parte dos alunos sobre tal conteúdo. A
ferramenta de pesquisa do autor foi a aplicação e análise de atividades a
respeito do conteúdo inequações polinomiais do 1º grau em que as questões
possibilitassem a coordenação de mais de um registro de representação
semiótica. A aplicação foi realizada em dois momentos distintos, no primeiro os
alunos tiveram auxílio do software GeoGebra e no segundo não o tiveram. De
acordo com os resultados apontados por Conceição Jr. (2011), o avanço
percebido no desenvolvimento dos alunos do primeiro pro segundo momento
indicam que os alunos podem ter relacionado a resolução gráfica com a
resolução algébrica. Entretanto, o autor salienta que os alunos apresentaram
dificuldades em explicar no registro da língua natural os procedimentos por ele
utilizados na resolução da atividade.
46
Ainda sob esta perspectiva, temos em Salgueiro (2011), uma
pesquisa sobre como os estudantes lidam com o conceito de função ao se
depararem com uma sequência didática. Os sujeitos que participaram da
aplicação da sequência didática proposta pelo pesquisador são alunos do 2º
ano do Ensino Médio. Para analisar a produção destes participantes o autor se
baseou na Teoria do Erro, segundo Cury (2007), na Teoria dos Registros de
Representação Semiótica de Duval (2005) e as abordagens de pensamento
algébrico de Lins e Gimenez (1997). Como resultado de sua investigação o
autor indica que foram observados indícios de pensamento algébrico nos
registros escritos quando da generalização de situações e da utilização de
linguagem algébrica. Também são apontados erros sobre o conhecimento do
uso de decimais, falta de entendimento do conceito de função como a relação
entre dois conjuntos e a não coordenação entre os registros de representação
semiótica.
Canaveze (2013) apresenta uma pesquisa acerca de como ocorre o
ensino-aprendizagem em um contexto de tarefas que envolvem diferentes
concepções de probabilidade. Os sujeitos participantes desta pesquisa foram
alunos do 2º ano do Ensino Médio, os quais responderam a atividades
selecionadas pela pesquisadora do livro didático “Conexões e Matemática” de
Barroso (2010). Os dados obtidos na pesquisa foram analisados com base na
teoria dos registros de representação semiótica, esta análise revelou a
necessidade de enfatizar com os alunos uma apropriação adequada dos
termos pertinentes à linguagem probabilística. A autora afirma que o uso de
fórmulas foi mínimo e isso fez com que os alunos recorressem ao uso da língua
natural e do registro numérico com formas predominantes de expressar a
escrita nos protocolos das atividades. A autora conclui que o uso de diferentes
registros de representação, conforme o pressuposto de Raymond Duval
contribui para a aprendizagem dos alunos no conteúdo probabilidade.
Freitas (2013) investigou como alunos do 3º ano do Ensino Médio de
uma escola de São Bernardo do Campo, no estado de São Paulo, resolvem
sistemas de equações lineares 2 × 2. A autora utilizou uma sequência didática
que favoreceu o tratamento e a conversão de registros de representação
semiótica. Nas atividades, os alunos deveriam resolver as sequências
matemáticas coordenando os registros algébricos, gráficos e na língua natural,
47
para auxiliar o registro gráfico foi utilizado o software GeoGebra. A análise dos
resultados revelou a evolução dos alunos na resolução deste tipo de sistema,
pois foram capazes de tramitar entre diferentes registros de representação.
Felix (2014) utilizou o objeto de aprendizagem Balança Interativa
para investigar a contribuição de recursos tecnológicos no estudo das
representações semióticas. Os sujeitos participantes da pesquisa eram alunos
que participavam do programa Sala de Apoio à Aprendizagem de Matemática,
os dados recolhidos para análise são oriundos dos registros escritos pelos
alunos. Os resultados destacados pela autora sugerem que a conversão e o
tratamento foram manifestados nos registros efetuados pelos participantes para
ordenar e resolver o problema proposto pela questão e que a utilização de
estratégias diferenciadas (computador, internet, Objetos de aprendizagem)
contribuem para a aprendizagem desses sujeitos ainda que alguns alunos
tivessem dificuldades no pensamento algébrico e nas operações aritméticas.
2.3.3. Categoria Pesquisa no Ensino Superior
Nesta categoria estão presentes trabalhos cujos sujeitos envolvidos
são alunos do ensino superior. Foram encontrados dois trabalhos que se
encaixavam nesta categoria: Rodrigues (2009) e Piza (2009). A seguir
descrevemos sucintamente as pesquisas analisadas.
Em Rodrigues (2009) temos uma investigação a respeito de quais os
conhecimentos de um grupo de alunos dos cursos de Licenciatura em
Matemática, Pedagogia e bacharelado em Administração em relação à leitura e
interpretação de gráficos e tabelas estudados em Estatística. Para esta
pesquisa a autora aplicou um teste diagnostico a 172 sujeitos dos grupos
selecionados e comparou seus desempenhos.
A análise de seus resultados mostrou que os sujeitos investigados
não dominam a compreensão gráfica de “Leitura de dados”, também apontou
que em relação a representação tabular todos os grupos apresentaram
desempenhos insatisfatórios, além de apresentarem desempenho insatisfatório
na conversão do registro gráfico para o registro tabular e vice-versa. A autora
conclui que os conhecimentos estatísticos dos três grupos mostram-se
insuficientes, principalmente quando lhes são requeridos maiores esforços
cognitivos para leitura e interpretação, em especial nas tabelas.
48
O trabalho de Piza (2009) tinha como objetivo investigar se o
desenvolvimento de uma sequência didática que considera o tratamento, a
conversão e a coordenação de diferentes registros de representação semiótica
da parábola, com o uso didático da História da Matemática, possibilita ao
estudante compreender que a parábola caracterizada como seção de um cone
ou lugar geométrico representa o mesmo objeto matemático.
Os sujeitos da investigação de Piza (2009) foram alunos do terceiro
ano do curso de Licenciatura em Matemática que responderam a uma
sequência didática composta por questões que concernem ao conceito de
parábola, especificamente às caracterizações desta curva como seção cônica e
como lugar geométrico. A utilização da História da Matemática buscava
promover a articulação entre os diferentes registros de representação deste
objeto matemático. A análise dos resultados demonstrou que a sequência
didática desenvolvida possibilitou aos investigados compreender que a
parábola caracterizada como seção de cone ou como lugar geométrico
representa um mesmo objeto matemático.
2.3.1.1. Considerações
Todas as teses e dissertações publicadas e analisadas nesta
pesquisa fazem parte de programas de pós-graduação das regiões sul e
sudeste do país, o programa que mais tem contribuído com a temática é o de
Mestrado em Educação Matemática e Mestrado Profissional em Ensino de
Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-Sp). Dentre
os trabalhos analisados, 12 foram de alunos desses programas, e do total de
trabalhos encontrados, 26 pertenciam a esses programas.
Com os resultados oriundos da análise dos trabalhos publicados foi
possível observar que o referencial teórico predominante nas pesquisas em
Educação Matemática é a Teoria dos Registros de Representação Semiótica
de Raymond Duval. Entendemos que isso ocorra em virtude de os trabalhos de
Duval serem voltados especificamente para uma análise cognitiva do
conhecimento matemático. Este autor faz parte da conhecida Didática
Francesa, a qual tem apresentado grande influência nos trabalhos em
Educação Matemática no Brasil.
49
Ainda que seja possível realizar uma pesquisa em que o referencial
teórico utilizado seja a Semiótica de Charles S. Peirce, tal como apresentado
nas comparações entre as duas teorias, feita por Silva (2013), entendemos que
as propostas conceituais apresentadas por Duval sejam mais satisfatórias para
uma análise em conteúdos matemáticos. Motivados por isso, nossa pesquisa
se dará pelas análises das produções dos alunos com base nos Registros de
Representação Semiótica de Duval, procurando a evolução de seu
desempenho por meio dos registros utilizados, além de verificar a possível
relação da utilização de tarefas com temas de seu cotidiano com seu melhor
entendimento do conteúdo abordado.
Devemos considerar as produções dos alunos na resolução de
atividades matemáticas como elementos determinantes para a exploração das
representações matemáticas utilizadas para interpretar seus entendimentos ou
não entendimentos do conteúdo trabalhado. Após estas constatações,
ousamos sugerir que nossa pesquisa se mostra uma contribuição diferenciada
para o programa desta instituição, por ser a primeira desta temática, e ainda
contribuirá com identificação de quais as principais dificuldades reveladas pelos
alunos no conteúdo trabalhado.
50
SEÇÃO III – PREPARANDO OS INSTRUMENTOS
Nesta seção apresentamos os aspectos metodológicos de nossa
pesquisa, apontando e justificando nossas escolhas pelo tipo de pesquisa,
apresentando os sujeitos envolvidos na pesquisa, descrevendo os
procedimentos metodológicos realizados para a efetivação deste trabalho.
3. Aspectos Metodológicos
Freire (1996) afirma que não há ensino sem pesquisa e pesquisa
sem ensino, nas palavras do autor: ‘ensino porque busco, porque indaguei,
porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho,
intervindo, educo e me educo. Pesquiso para conhecer e o que ainda não
conheço e comunicar ou anunciar a novidade’ (p. 16). Assim, ressaltamos que
nossa pesquisa está justificada na crítica de nossa prática, em nosso desejo de
melhorar a mesma, e principalmente em incentivar a vontade de aprender dos
alunos. Apresentamos neste capítulo os direcionamentos dados à pesquisa,
bem como os pressupostos teóricos que embasaram nossos procedimentos.
3.1. Sujeitos da Pesquisa
Com o auxílio de um questionário sociocultural procuramos conhecer
alguns aspectos dos alunos fora da sala de aula, no qual verificamos como
suas relações familiares/pessoais podem influenciar seu desempenho em sala
de aula, bem como sua relação com a escola e a disciplina.
A classe pesquisada foi de 1º ano do ensino médio, a qual era
formada por 24 alunos com idade média de 17 anos, os quais estudaram todo
o ensino fundamental em escolas públicas do município. A respeito da família
foi possível notar que os alunos pertencem a famílias compostas por 4
membros, em média, e que todos apresentam a mãe como sua responsável
feminina e a maioria apresenta o pai como responsável masculino.
A respeito da localização de suas moradias em relação à escola
identificamos que 33,3% dos alunos moram em locais muito afastados da
escola sendo dependentes do transporte escolar para sua frequência nas
aulas. O questionário nos revelou que 71,5% dos alunos não realizam nenhum
tipo de curso extracurricular, enquanto 16% fazem curso de informática e
51
12,5% fazem curso de teologia. Também foi possível verificar que
aproximadamente 59% dos alunos desta turma trabalham regular ou
esporadicamente.
Procuramos averiguar a respeito dos estudos em matemática dos
alunos investigados, para isso perguntamos aos alunos se consideravam ter
dificuldades para a aprendizagem em matemática, 75% afirmaram sentir
dificuldades com a disciplina mesmo sempre prestando atenção nas aulas,
ainda assim 66,6% afirmaram ter suas notas em matemática sempre acima da
média.
Ao serem questionados sobre o hábito de estudar matemática fora
da escola 66,7% afirmaram que costumam estudar alguns dias, geralmente nos
fins de semana, 58,3% informaram serem ajudados por seus colegas a
estudarem os conteúdos trabalhados em sala, nos chamou atenção o fato de
nenhum aluno ser auxiliado pelos seus responsáveis neste momento,
acreditamos que isso seja reflexo do nível de instrução destes responsáveis,
isso porque verificamos que apenas 5% dentre os responsáveis masculinos e
8,7% dentre os responsáveis femininos possui o Ensino Médio completo.
Ainda que os alunos sejam matriculados na escola estadual, as
atividades foram realizadas no ambiente escolar de uma escola municipal, a
qual sedia turmas de ensino médio modular oferecido pelo Estado.
A escola onde desenvolvemos a pesquisa não possui espaços
pedagógicos nem equipamentos para se trabalhar com metodologias que
envolvam o uso de computadores, internet, projetores, DVD, etc.
3.2. Procedimentos Metodológicos
Intitulamos nossa pesquisa como sendo de abordagem qualitativa e
do tipo pesquisa-ação, pois de acordo com D’Ambrósio (1996) a pesquisa
qualitativa é focalizada no indivíduo, com toda sua complexidade, e na sua
inserção e interação com o ambiente sociocultural e natural (p. 103), e
pesquisa-ação pelo fato de estarmos envolvidos com os sujeitos e podermos
intervir e interferir em todas as etapas em busca da melhoria da prática.
Fiorentini (2006) caracteriza pesquisa-ação como sendo um
processo investigativo de intervenção em que caminham juntas a prática
investigativa, a prática reflexiva e a prática educativa (p. 71), dessa maneira
52
este tipo de pesquisa permite a produção de compreensões e orientações que
são utilizadas para a transformação dessa mesma prática. Ainda em
consonância com o autor afirmamos ser uma pesquisa-ação individual por se
tratar de uma intervenção intencionada e planejada com coletas de
informações.
A respeito disso, Araújo e Borba (2006) afirmam que
quando um professor (de matemática) se dispõe a realizar uma pesquisa na área de Educação (Matemática), talvez seja porque ele vem problematizando sua prática, o que poderá leva-lo a se dedicar com afinco ao desenvolvimento de uma pesquisa originada dessa problematização, e para isso, é preciso que ele sintetize suas inquietações iniciais em uma (primeira) pergunta diretriz. (ARAÚJO e BORBA, 2006, p. 30).
Sendo assim o problema advindo de nossa prática ao qual buscamos
responder é: Como a Modelagem Matemática influencia a capacidade de
interpretação dos conceitos matemáticos relativos à função polinomial do 1º
grau e na sua transcrição para a forma algébrica?
Sendo o objetivo geral desta pesquisa: analisar os registros de
representação semiótica utilizados pelos alunos na interpretação e
transcrição do conceito de função afim durante um trabalho com
Modelagem.
Apontamos as seguintes ações realizadas para alcançar tal objetivo:
Observar o conhecimento prévio mobilizado pelos alunos para
resolução das questões propostas;
Analisar os registros utilizados pelos alunos para solução das
problemáticas;
Analisar os possíveis erros cometidos na conversão dos
registros de diferentes representações;
Analisar a interpretação crítica dos alunos diante da
problemática de seu contexto social.
3.3. A proposta de Atividade
Estar atuando em sala de aula foi determinante para a elaboração
do projeto de atividade. Como atuo apenas no Ensino Médio seria mais
propício realizar investigações nestas turmas. Muito tem se discutido a respeito
53
do currículo das turmas de ensino modular, o fato de estas turmas estarem
localizadas nas zonas rurais leva alguns professores a entenderem esse
sistema como educação do campo e assim defenderem um currículo
diferenciado, no entanto nada foi regulamentado a respeito disso, assim para
compor a ementa de cada série nos baseamos nos conteúdos programáticos
para o processo seletivo divulgado pela Universidade do Estado do Pará.
Assim sendo, o conteúdo funções se mostrou, pelos alunos, aquele
que mais causava dificuldades, a maioria deles apresentava problemas com a
matemática básica, com a generalização dos conceitos, com a interpretação de
gráficos, entre outras. Entretanto, a interpretação dos problemas, habilidade
necessária para matematização das informações e conceitos, se manifestava
como a mais frequente complicação entre os estudantes, ainda que os mesmos
afirmassem já terem estudado este conteúdo na série anterior. A identificação
destas problemáticas nos motivou a escolher o conteúdo funções para a
atividade proposta nesta pesquisa.
Sabemos que a ideia de funções não é recente, Sá (2003) nos
lembra de que quando o homem, levado pela necessidade, passou a associar
uma pedra a cada animal visando o controle de seu rebanho, poderíamos
encarar essa relação de dependência entre as pedras e os animais como uma
relação funcional (p. 81). Tal conceito se desenvolveu e consolidou
matematicamente a partir do estudo dos movimentos no século XVII, ou seja,
pela matematização da realidade da época. Sob este pensamento, nossa
proposta se baseia então na tentativa de que nossos alunos possam
reconstruir este conhecimento a partir das relações entre grandezas presentes
na sua realidade.
A construção da atividade seguiu os aspectos propostos por
Barbosa (2001), o qual sugere três casos para o desenvolvimento da
modelagem. De acordo com o autor, no caso 1 o professor apesenta a
descrição de uma situação-problema, com as informações necessárias à sua
resolução e o problema formulado, assim cabe ao aluno apenas o processo de
solução do problema. No caso 2 é apresentado pelo professor um problema
advindo de outra realidade, sendo papel do aluno a coleta das informações
necessárias para a resolução da questão proposta. Já no caso 3 temas não-
54
matemáticos são o ponto de partida para que os alunos busquem informações,
formulem e resolvam o problema.
O autor nos deixa claro de que em todos os casos a participação do
professor é de fundamental importância, o que muda em cada caso é sua
maior presença na organização das atividades, dessa maneira estruturamos
nossa atividade de acordo com o caso 1 proposto pelo autor, pois nossa
participação enquanto professores se deu em todos os momentos da atividade.
Nossa etapa seguinte foi definir que aspecto da realidade dos alunos
seria utilizado para construir a atividade de modelagem. As principais
características das localidades muanenses em que pude trabalhar era que
estas tinham como principal fonte de renda a pesca de camarão e a colheita de
açaí, dessa maneira, já imaginávamos que a atividade deveria envolver uma
dessas práticas.
Iniciamos, então, uma busca via internet por notícias que
envolvessem tais práticas no município. Encontramos inicialmente uma notícia
veiculada pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural – Emater
sobre a liberação de verba para implantação de manejo de açaizais nativos em
algumas localidades do município de Muaná. A informação pareceu
interessante e assim decidimos que esta seria uma temática que poderia gerar
boas discussões para nossa pesquisa.
O período em que elaborávamos a atividade coincidiu com o 1º
Módulo de 2014, neste momento fui deslocada para ministrar as aulas do
SOME na localidade Coqueiro, situada em São Sebastião da Boa Vista,
município vizinho de Muaná. A localidade possuía características semelhantes
às localidades de Muaná, comunidade ribeirinha, com infraestrutura
semelhante e também dependia diretamente do comércio de açaí.
Verificamos que também na região de São Sebastião da Boa Vista
havia a liberação de verba, gerenciada pela Emater, para implantação de
manejo de açaizais em algumas localidades, o que nos permitiu continuar no
planejamento da mesma atividade.
A primeira atividade planejada consistia na apresentação da notícia
veiculada pela Emater seguida de oito questões que procuravam conhecer
sobre o cultivo de açaí na comunidade, os preços praticados na venda de açaí
in natura para a sede do município e para a capital, e ainda um questionamento
55
sobre o preço de venda do açaí em forma de suco. O objetivo da atividade era
fazer com que os alunos apontassem uma expressão matemática que
relacionasse os custos para produção de açaí em forma de suco e a receita
obtida com sua venda.
As discussões oriundas dessa atividade foram muito interessantes,
pois os alunos participaram ativamente e demonstraram conhecimentos
práticos bastante valorosos. Com essa atividade foi possível perceber que os
alunos enquanto participantes ativos dessa comunidade tinham a consciência
de que na venda do produto in natura e sua exportação para a capital era muito
mais vantajosa para os atravessadores do que para o produtor, pois a
diferença de preço praticada entre o produtor e o atravessador era até 150%
menor do que o preço praticado entre o atravessador e comerciante da capital.
Durante as discussões os alunos também apontaram que em relação ao açaí
na forma de suco tinha seu preço associado diretamente a qualidade do suco.
Ainda que as discussões realizadas tenham produzido um bom
material para pesquisa notamos que nossa abordagem ainda necessitava de
algumas modificações. Em primeiro lugar, o texto apresentado como apoio
para atividade não foi utilizado para que o aluno respondesse nenhuma das
questões apresentadas, serviu apenas para iniciar uma discussão que por fim
não teve relação com a informação contida no texto.
Em segundo lugar, a construção matemática apresentada em uma
das questões não foi suficiente para que abordássemos diferentes aspectos da
função afim, o objeto matemático que deveria ser trabalhado na atividade.
Assim, identificamos que pontos deveriam ser modificados para que a atividade
respondesse a nossos anseios.
É importante ressaltar que no período em que me encontrava na
comunidade do Coqueiro, a prefeitura em parceria com a Emater ofereceu aos
moradores um curso sobre manejo sustentável e criação de animais. Nesse
período pude conversar com o técnico que ministrava os cursos, o qual me
explicou superficialmente como se dava a implantação do manejo e me indicou
os materiais com informações detalhadas de como realizar esta técnica. Após
esta conversa estava certa de que esta deveria ser a temática a ser trabalhada
com os alunos daquela região em uma atividade de modelagem matemática.
56
Terminada esta experimentação iniciamos uma pesquisa
documental para a construção da nova atividade de modelagem. A atividade
planejada seria executada no 2º Módulo de 2014, o qual ocorreria em uma
localidade de Muaná, assim realizamos uma busca nos sites da prefeitura de
Muaná e da Emater para verificar se havia informação de que ações eram
realizadas para a promoção do manejo de açaizais.
No site da prefeitura observamos que existiam poucas informações
sobre a implantação do manejo na região, encontramos apenas uma notícia
informando o recebimento de recursos do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf – para ser investido na cadeia
produtiva do açaí, informação semelhante a encontrada no site da Emater.
Com outras buscas encontramos um estudo divulgado pela Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária – Embrapa – sobre como ocorria a implantação de
manejo de açaí auxiliado pela empresa.
Verificamos que as comunidades em que trabalharíamos não foram
beneficiadas com os recursos do programa Pronaf, mas eram grandes
produtoras de açaí. Com isso identificamos que a discussão sobre esta técnica
atingiria tanto a questão social, pois despertaria neles a curiosidade de
conhecer novas maneiras de trabalhar com o açaí, quanto a questão da
aprendizagem em matemática, já que utilizaríamos aqueles conhecimentos
para ensinar um conteúdo matemático.
Estudamos as informações divulgadas pela Embrapa e observamos
que o aspecto que melhor se adequava ao ensino de função afim era o que
tratava dos custos e rendimentos com a implantação do manejo de açaí. Após
esta escolha foi necessário adequar o texto para ser trabalhado em sala de
aula, selecionamos trechos em que eram explicados como deveria ser
realizado o manejo e associamos com os valores apresentados para os custos
e futuros rendimentos.
Com a finalização do texto que seria trabalhado iniciamos a
elaboração de questões que levariam a construção dos conceitos de função,
partindo de uma relação proporcional até o estabelecimento de uma relação
entre grandezas. Foram elaboradas 15 questões que tratavam de proporção,
escrita de expressão algébrica, análise de gráficos e construção de gráficos.
57
A aplicação da segunda atividade de modelagem ocorreu na
localidade Vila Palheta, em Muaná, com 29 alunos do 1º ano do Ensino Médio
Modular, os quais foram divididos em grupos de cinco alunos. Para iniciar o
desenvolvimento da atividade entregamos aos alunos o texto juntamente com
todas as questões, informamos que inicialmente faríamos a leitura em conjunto
do texto de apoio e em seguida os alunos deveriam discutir em seus grupos e
responder a 1ª questão, em seguida suas soluções deveriam ser escritas na
lousa e finalmente faríamos a verificação em conjunto. Este procedimento
seguiria para todas as questões.
Os resultados desta aplicação foram mais reveladores se
comparados a primeira atividade desenvolvida. Notamos que os alunos se
sentiram inseridos com o contexto da atividade e demonstraram curiosidade
com a técnica do manejo. Percebemos que as discussões que ocorriam nos
grupos facilitavam as soluções apresentadas para cada questão, salientamos
que em poucos momentos observamos alunos que não contribuíam com a
discussão em grupo.
Entretanto, verificamos que seria necessário realizar algumas
modificações em nossos encaminhamentos durante a atividade. Apontamos
inicialmente que não conseguimos desenvolver as 15 questões planejadas,
devido alguns contratempos comuns das aulas em sistema modular, sendo
desenvolvidas apenas 8 questões.
Nossas intervenções a cada questão ocorreram verificando junto aos
alunos o que os tinha levado a apresentar aquela resolução para a questão, às
questões que não condiziam com a resposta esperada nós, pesquisadores,
apresentávamos a solução a partir de um registro didático padrão pré-
estabelecido. Com isso, ao analisar os registros dos alunos notamos que os
mesmos acabavam seguindo as características do registro didático padrão em
detrimento aos seus registros próprios.
Observamos durante a atividade que alguns termos utilizados no
texto de apoio não eram familiares para os alunos, nos mostrando a
necessidade de realizar uma conversa com os alunos sobre os conhecimentos
prévios a respeito da cultura do açaí antes de iniciar a execução da atividade. E
finalmente, ao analisar os protocolos dos alunos notamos que apenas este
material não seria suficiente para demonstrar o avanço ou estagnação do aluno
58
em determinado aspecto, se fazendo necessário um teste individual e sem
discussões para analisar tal progresso.
Para a terceira aplicação da atividade de modelagem não realizamos
modificações no texto ou nas questões que já havíamos elaborado, para
otimizar o tempo de execução da atividade e poder trabalhar os diferentes
aspectos da função afim optamos por excluir três questões que inicialmente
seriam utilizadas para exercitar o conceito já trabalhado em outras questões.
Além disso, elaboramos uma atividade que deveria ser resolvida
individualmente pelos alunos, a qual contava com oito itens a serem resolvidos.
Para nos auxiliar em uma conversa inicial sobre a cultura do açaí e o
manejo utilizamos uma cartilha fornecida pela Embrapa sobre as boas práticas
para realização do manejo florestal, a opção pela adoção desta cartilha e não a
ida a campo realizar tais ações se deu devido o curto tempo disponível no
sistema modular para tais projetos.
A terceira aplicação foi executada no período do 3º Módulo na
localidade Rio Inamarú, em Muaná, com 24 alunos do 1º ano do Ensino Médio
Modular. Os protocolos desta aplicação foram os materiais de análise para esta
pesquisa.
Pretendíamos que com a aplicação da atividade o aluno utilizasse os
conceitos já estudados, com os quais já tem certo domínio, para construir, por
meio da modelagem, o conceito de função. Acreditamos que associando seus
conhecimentos matemáticos prévios com o conhecimento de vida relativos à
produção de açaí estes sujeitos pudessem compreender com mais facilidade
os conceitos de função.
A atividade elaborada para ser desenvolvida com os alunos está
disponível no Apêndice, bem como os registros didáticos padrões utilizados
para analisar os registros dos alunos. No capítulo a seguir descrevemos as
etapas realizadas no experimento em questão.
59
SEÇÃO IV – COLHENDO OS FRUTOS
4. A Experiência de Modelagem com Ribeirinhos
Neste capítulo, descreveremos nossa experiência no
desenvolvimento da atividade de Modelagem Matemática, a qual foi a base
para aquisição dos registros de representação semiótica que serão analisados
neste trabalho. Concomitantemente à descrição de nossa experiência faremos
as análises dos registros, tal como propõe Duval (2009, 2011).
4.1. As etapas da Atividade
a) A relação dos alunos com o açaí
Tendo realizado a pesquisa sociocultural partimos para etapa
seguinte ainda buscando dados culturais. Foi solicitado aos alunos que
escrevessem um pequeno texto que mostrasse de que forma o açaí estava
presente em seu cotidiano. O objetivo da criação deste texto era verificar se a
atividade realmente estava dentro do contexto social do grupo pesquisado. Os
resultados desta etapa foram muito proveitosos, pois a cultura do açaí está
intimamente ligada à vida destes sujeitos.
Em nossa análise, conseguimos identificar claramente a presença
do açaí no cotidiano dos alunos, seus relatos foram tão enriquecedores que
pudemos dividi-los em algumas categorias. Na primeira categoria exposta, “O
açaí na minha família”, tal como exposto por Silva (2008), as formas sociais de
apropriação e usos dos recursos naturais se configuram como formas não
capitalistas, com vinculações limitadas com o mercado, se construindo por
meio do trabalho familiar, verificamos diante dos depoimentos desses discentes
que o comércio do fruto é uma fonte de renda para suas famílias e todos
consomem diariamente o suco em suas refeições, como verificamos nos
trechos abaixo:
A02: “meu pai ele o compra o açaí e revende para as fábricas, pra mim ele
serve de alimentação.”
A03: “Eu apanho, consumo, vendo, podemos fazer muitas coisas com o açaí.”
60
A06: “na minha família a maioria vive da venda do açaí, meus irmãos são
peconheiros só quando a época chega, e eu só apenas tomo, não sei
apanhar.”
A07: “todos os anos chega à safra do açaí e é muito bom para a gente toma
um açaí de qualidade e ganhar um bom dinheiro com a venda dele.”
A09: “a minha família gostam muito do açaí o meu pai vende as latas que ele
apanha no mato, e os que compram já leva as latas e já passo a vende a
outras pessoas para tomar o vinho.”
A10: “na safra do açaí minha família ganha bem dinheiro pois eles panham o
açaí e vendem para os compradores de açaí.”
A13: “o açaí na minha casa não falta apanhemos e batemos e também já
estamos apanhando para vende.”
A14: “O açaí é muito importante pra mim e pra minha família também até
mesmo porque é o trabalho de meu pai e meus irmãos porque meu pai vendem
o açaí que ele compra de outras pessoas e meus irmãos apanham açaí pra
vender e pra beber também.”
A15: “na minha casa a gente bebe o açaí, vende e ele é utilizado para fazer
chopp e outras coisas.”
Esse panorama do uso do açaí justifica a existência de uma divisão
de tarefas no tratamento do fruto desde sua colheita, pois segundo as falas dos
alunos cabe aos homens a colheita e a debulha do açaí, ainda na mata, e às
mulheres cabe à higienização e a despolpa.
A08: “eu apanho açaí e vendo, as vezes eu bato, e as vezes eu até coloco de
monho na agua morna.”
A18: “Na minha casa eu não apanho para tomar mais o meu irmão com o meu
pai apanham e também de vez enquanto a gente vende quando ta na safra
dele.”
Na categoria “O açaí na alimentação”, notamos a importância da
presença deste fruto na mesa dos ribeirinhos, para muitos deles o açaí batido é
o principal alimento em suas refeições. Vemos nos depoimentos que existe
61
dependência deste consumo para que se sintam alimentados satisfatoriamente,
tal dependência faz com que algumas pessoas paguem caro pelo litro e se
sujeitem a baixa qualidade de alguns sucos.
A02: “Existe pessoas que não comem nada se não estiver o açaí como
acompanhamento principal.”
A04: “o açaí é uma fruta muito gostosa, que eu não consigo ficar sem bebem
nem um dia. (...) para quem está acostumado comer com açaí, quando não tem
o açaí o individuo não come.”
A05: “eu só faço minhas refeições de almoço e jantar se estiver o açaí.”
A09: “é uma fruta que eu só consigo comer (fazer refeição) se tiver”
A10: “Existem pessoas que só conseguem fazer suas refeições diárias quando
tem o açaí para acompanhar, por exemplo, minha mãe é assim, por isso muitas
vezes ela paga um preço alto por um litro de açaí e as vezes é de péssima
qualidade.”
A11: “quando não tomo ele, nossa (!) parece que eu não almocei ou não
jantei.”
A12: “em minha família principalmente não pode faltar o açaí nas nossas
refeições.”
A18: “sem ele a refeição não tem graça nenhuma.”
A20: “tem muitos que só comem se for com açaí se não tiver o açaí elas não se
alimento direito e se as pessoas não se alimentaram direito pode fazer mal
para sua saúde.”
Ainda nesta categoria, verificamos que os alunos têm consciência
dos riscos do consumo exagerado de açaí, as falas são confusas sobre o mal
que pode ser causado, entretanto esse conhecimento nos demonstra os
saberes oriundos de suas experiências e crenças.
A01: “(consumir) mas sem exagero se não engorda”
A03: “mas não consumir exageradamente porque pode fazer mal para a
pessoa e prejudicar o nosso organismo”
62
A05: “faz bem a saúde mas não em muito excesso, porque assim como ele faz
ele faz mal.”
A15: “o açaí ele é muito gostoso se a gente fizer vontade a gente toma
exagerado, mais não devemos fazer isso.”
Na categoria “O açaí do estado do Pará” os alunos demonstraram
ter conhecimento da presença do açaí fora do estado do Pará como alimento
energético e sua exportação para outros países, no entanto nos chamou
atenção o fato de alguns alunos acreditarem que o nosso estado é o único
produtor do fruto.
A01: “O açaí agora é conhecido não só no nosso estado mais em todo o Brasil,
como um dos energéticos mais popular”
A04: “O açaí é uma fruta gostosa que só encontramos no estado do Pará. [...]
O açaí do Pará é espotado para vários países”
A07: “hoje em dia o açaí esta sendo conhecido no país todo por ser uma fruta
muito gostosa (...) e cada ano se passa percebe-se que o açaí está ficando
conhecido em muitos lugares fora do estado do Pará, esta ficando conhecido
no Brasil todo, e com isso, não demora muito tempo para que o açaí seja
conhecido no mundo todo.”
A12: “(...) e ele é um fruto muito apreciado por todas as pessoas do brasil e do
mundo ele já é exportado para outros países e isso faz com que o açaí ganhe
mais valor em todo o país.”
A13: “esse açaí nosso é levado pra Belém e até outros lugares”
A16: “O açaí é uma riqueza do Pará ele é uma fruta muito conhecida e
consumido em todos os lugares do estado do Pará.”
Na categoria “O açaí na economia” é possível observar o grande
conhecimento dos alunos sobre a importância do açaí na economia local e
ainda como funciona o mercado do mesmo na região. Os alunos demonstram
conhecimentos práticos sobre o preço de venda e compra dependente da
oferta e procura do fruto no período de safra e entressafra.
63
Oliveira (2008) ao tratar dos Saberes da Terra vinculados ao
trabalho nos diz que para moradores de comunidades rurais a terra se
caracteriza como um espaço de liberdade que permite a sua sustentabilidade,
sendo a produção para o próprio consumo e para venda, mas no sentido de
manter sua sobrevivência e não a acumulação do capital. Reconhecemos esta
afirmação nas falas de alunos que informaram que muitas famílias sobrevivem
da renda do comércio do fruto e para outras famílias funciona como renda
complementar, permitindo a movimentação da economia local com a compra
de itens de vestuário e do lar.
A06: “O açaí quando esta no começo ele não é muito caro, mas no final devido
a sua procura ele aumenta de preço muito alto.”
A07: “todos os anos chega a safra do açaí e é muito bom pra gente tomar um
açaí de qualidade e ganhar um bom dinheiro com a venda dele, que ajuda a
gente a comprar muitas coisas que precisamos como roupa, calçados,
eletrodomésticos e uma boa alimentação.”
A10: “Logo no começo da safra o preço dele é bem baixo, começa muitas
vezes com R$ 7,00 reais, só que aos poucos vai aumentando e as vezes chega
até R$ 70,00 reais a lata mas isso é só quando não tem mais quase nada.”
A13: “O açaí é também grande fonte de lucro, quando chega a época em que
começa a dar muito açaí.”
A14: “O açaí é o ganho de vida de muita pessoas muita gente vivem só do
trabalho com açaí e quando o açaí falta em alguns lugares (e) nos outros
lugares tem e então no lugar onde tem vende para o outro lugar que não tem.”
A15: ”O açaí agora nessa época tem muita saída porque é a época que ele
apreta e muita gente compra, ele é vendido pra todos os lugares.”
A16: “Nós paraenses em época de safra, apanhamos bastante assim para os
compradores e assim o açaí é transportado para outras cidades.”
A17: “Aqui no sitio o açaí da uma safra por ano, ai depois acaba.”
64
A19: “Em minha região o açaí esta no período de safra, onde ele dá com muita
frequência e muitos compram e vendem, quando o açaí não tem muitas
pessoas sentem falta dele.”
Os depoimentos dos alunos também nos mostram seus
conhecimentos sobre outras formas de utilização do açaí, como receitas de
consumo que não se limitam ao suco como bolos, mingaus, entre outros, além
de sua utilização na indústria de cosméticos com a produção de shampoos,
sabonetes e perfumes.
A05: “Podemos fazer shampoo, sabonete, creme, perfume, etc. também serve
para obras de artes, cordões, anéis, brincos, etc.”
A11: “serve também pra fazer picolé, sorvete, bolo, perfume, etc.”
Diante dos relatos notamos que nossa atividade seguia o perfil
adequado, pois seria muito importante envolver os conhecimentos empíricos
desses alunos na construção do conhecimento de conceitos matemáticos.
b) Discussão sobre conhecimentos prévios
A terceira etapa de nosso experimento se deu com uma roda de
conversa acerca da temática da produção do açaí com o objetivo de identificar
seus conhecimentos prévios e discutir alguns termos que seriam utilizados na
atividade de modelagem. Como ponto de partida de nossa conversa
apresentamos o texto a seguir.
Boas Práticas para o Manejo Florestal
O Manejo Florestal é um conjunto de técnicas empregadas para colher cuidadosamente parte das árvores
grandes de tal maneira que as menores, a serem colhidas futuramente, sejam protegidas. Com a adoção do
manejo a produção de madeira pode ser contínua ao longo dos anos.
O que são "boas práticas"?
Consideramos boas práticas de manejo florestal e de agroindústria o conjunto de ações que:
• Respeitam o ritmo de produção e recuperação das espécies florestais;
• Garantem o máximo de segurança pessoal durante todo o trabalho;
• Garantem o máximo de higiene desde a coleta até o beneficiamento ou processamento final do produto e
sua comercialização; e
• Respeitam as regras e normas definidas pelo governo (ambientais, trabalhistas etc.).
65
Preste atenção que somente com a adoção de boas práticas é possível garantir a continuidade de uso e a
renda com base em uma economia florestal:
• Sem a conservação da floresta, esgota-se o estoque natural dos produtos florestais;
• Sem o uso de equipamentos e técnicas adequadas, maior é o risco de ocorrerem acidentes graves com o
coletor ou manipulador;
• Sem higiene, a qualidade do produto e o seu preço são menores, há mais desperdício da produção e, por
fim, perda do mercado consumidor; e
• Sem a legalização das atividades florestais se perdem oportunidades de conquistar os mercados abertos
a produtos amazônicos legalizados, além do constante risco de ser multado e ter os produtos ilegais
apreendidos.
Manejo do Açaí
Tipos de ocorrência do açaízeiro
Pré-Colheita
Identificação da área e realização de inventário
66
Desbaste de estipe
Raleamento da mata
67
Colheita
Debulha
Quadro 1: Boas Práticas para o Manejo Florestal. Fonte: Boas Práticas Para O Manejo Florestal E Agroindustrial – Produtos Florestais Não
Diante destas informações deveria realizar uma regra de três para estabelecer uma proporção,
como se segue:
1 𝑡𝑜𝑢𝑐 − 3 𝑒𝑠𝑡𝑖𝑝𝑒𝑠
𝑥 − 900 𝑒𝑠𝑡𝑖𝑝𝑒𝑠
1
𝑥=
3
900
Seguindo as regras de tratamento para solução de uma proporção o aluno encontraria o valor
𝑥 = 300 que significa o número de touceiras por hectare. Assim, deveria realizar uma nova
regra de três pela relação de hectare e tarefa para estabelecer uma proporção:
1 ℎ𝑎 − 300 𝑡𝑜𝑢𝑐
0,3 − 𝑥
1
0,3=
300
𝑥
Efetuando os cálculos (tratamento) necessários encontraria que 𝑥 = 90 touceiras por tarefa.
Quadro 3: Registro didático padrão – questão 1. Fonte: A autora, 2015.
Após a reunião dos alunos em grupo para a solução da primeira
questão dada, pedimos que um representante de cada grupo transcrevesse a
solução para a lousa, para isso com o marcador de quadro branco repartimos o
quadro em cinco espaços e simultaneamente os grupos puderam escrever
seus registros, dessa maneira seria fácil iniciar a socialização. A seguir
exibimos os registros apresentados pelos grupos:
72
Figura 9: Grupo 01 (1ª questão) Fonte: A autora, 2015.
Figura 10: Grupo 02 (1ª questão) Fonte: A autora, 2015.
Figura 11: Grupo 03 (1ª Questão) Fonte: A autora, 2015.
73
Figura 12: Grupo 04 (1ª Questão) Fonte: A autora, 2015.
Figura 13: Grupo 05 (1ª Questão) Fonte: A autora, 2015.
No momento da socialização, os alunos foram indagados sobre o
que representava cada item em seus registros. Durante a discussão, notamos
que 80% dos grupos tentaram estabelecer uma transformação da unidade
hectare em outra unidade não especificada, estes grupos afirmaram que 1
hectare valia 1000, mas não sabiam explicar o significado dessa afirmação,
atentamos aqui que os educandos procuram demonstrar conhecimentos
prévios de mudanças de unidade, no entanto, não saberem justificar sua
resposta, revela a instabilidade desses conhecimentos em seus cognitivos.
Os grupos que utilizaram os dados de plantas adultas, estipes e
galhos, afirmaram que estes valores deveriam ser somados e em seguida
divididos pelo tamanho do terreno, raciocínio aceitável, não fosse a distinção
dos elementos que deveriam ser divididos no terreno. Os grupos que chegaram
74
ao valor de 300 touceiras não conseguiam explicar os cálculos que os levaram
a esse valor, este fato nos chamou muita atenção, pois indica procedimentos
sem significado para estes alunos, sendo para eles de extrema importância
apenas a apresentação de um valor numérico para satisfazer a questão.
A apresentação de diferentes procedimentos entre os grupos foi
muito produtiva para estabelecer um registro padrão, ter grupos que optaram
semelhantemente pela transformação de unidades e grupos que identificaram
que as plantas deveriam ser divididas pelo terreno nos deu a oportunidade de
realizar a intervenção utilizando os próprios registros expostos.
Nossa intervenção iniciou pelo questionamento da relação entre
hectare e tarefa, os alunos releram o trecho do texto que anunciava esta
relação, um aluno afirmou que o número 1000 que haviam escrito representava
metros, então, chamamos atenção de que o texto não tratava de metros, mas,
apenas de hectare e tarefa, e a relação deveria ser feita apenas entre essas
unidades. Diante da afirmação do aluno percebemos que a abordagem apenas
de unidades usadas rotineiramente faz com que as transformações sejam
procedimentos mecânicos e não aprendidos para que possam ser utilizados
para qualquer tipo de unidades. Entender a transformação entre diferentes
unidades como uma proporção era um ponto indispensável para a solução da
questão.
A respeito das plantas, foi questionado se plantas que não fossem
adultas também produziriam açaí, os mesmos afirmaram que não, eram
apenas plantas adultas que produziam o fruto. Alguns alunos disseram que
deveria ser utilizada a quantidade de galhos; novamente foram questionados
se todas as árvores tinham a mesma quantidade de galhos, afirmaram que
não, finalmente os alunos notaram que deveriam utilizar a quantidade de
estipes em produção para encontrar a solução da questão.
Os alunos participantes da pesquisa são habituados à cultura do
açaí, sendo a safra um período complicado na comunidade escolar graças a
evasão de alunos para trabalhar na colheita. O extrativismo na região é
realizado em plantas nativas, sendo a colheita em larga escala realizada
apenas durante a safra, com isso o texto apresentou a estes alunos uma ideia
diferente de cultivo, pois a técnica do manejo permite colher frutos maduros em
diferentes períodos do ano. Logo com a primeira questão, percebemos que a
75
atividade foi bem recebida pelos alunos, a única queixa recebida foi em relação
a alguns valores presentes no texto que segundo eles estavam baixos demais
para a realidade conhecida. Após a socialização todos os grupos conseguiram
chegar à conversão dos registros.
Diante da apresentação das soluções notamos que nenhum dos
grupos conseguiu chegar à conversão dos registros, neste caso, do registro em
linguagem natural para o registro simbólico matemático. Atribuímos a isso o
fato de que todos os grupos identificaram apenas parcialmente os dados que
seriam necessários para solucionar a questão deixando de fora informações
necessárias para a conversão. Todos os grupos apresentaram representações
auxiliares que dizem respeito a alguns valores numéricos referentes à questão.
É importante salientar que todos os grupos executaram o tratamento do
registro corretamente, ou seja, os cálculos apresentados pelos grupos estavam
corretos, ainda que não correspondessem a resposta pretendida.
A respeito das informações necessárias para a solução da questão
observamos que todos os grupos destacaram em seu registro a relação entre
hectare e tarefa corretamente. Os grupos 02, 03 e 04 utilizaram a quantidade
de plantas que compunham um terreno, mas não atentaram para o fato da
relação de inclusão entre plantas adultas, estipes em produção e cachos que
existiam nos açaizeiros, pois nem toda estipe em produção é proveniente de
uma planta adulta, além de que os cachos fazem parte de todas as plantas que
se encontram no terreno. A desatenção apontada neste caso, reflete alguns
obstáculos advindos de conhecimentos anteriores como conjuntos, por
exemplo, saber identificar a inclusão, união e intersecção entre conjuntos são
pontos abordados em aulas com metodologias mais tradicionais com
características que nem sempre dizem respeito a uma realidade conhecida
pelo aluno. O caso apresentado instiga reflexões matemáticas implícitas e que
pode passar despercebida pelos alunos como conteúdo matemático.
Questão 2: O terreno de minha casa mede 5 tarefas, então quantas touceiras farão parte do terreno?
O objetivo desta questão é evidenciar a relação entre grandezas para promover futura
generalização. Na primeira questão foi calculado o número de touceiras por tarefa, 90, ainda
pela ideia de regra três deverá estabelecer uma proporção:
76
1 𝑡𝑎𝑟𝑒𝑓𝑎 − 90 𝑡𝑜𝑢𝑐𝑒𝑖𝑟𝑎𝑠
5 𝑡𝑎𝑟𝑒𝑓𝑎𝑠 − 𝑥
1
5=
90
𝑥
𝑥 = 90 ∙ 5 = 450
Quadro 4: Registro didático padrão – questão 2. Fonte: A autora, 2015.
A solução da Questão 2 tinha como conhecimento prévio a Questão
1, dentre os grupos que não conseguiram chegar à conversão a partir do
conhecimento prévio, encontramos no registro do Grupo 04 diversos cálculos,
nos quais um desses correspondia à solução da questão, entretanto este não
foi utilizado como resposta final para a questão, o que nos leva a identificar a
não compreensão do comando da questão e o significado da resposta da
questão anterior.
Figura 14: Grupo 04 (2ª Questão)
Fonte: A autora, 2015.
Consideramos que o Grupo 01 apresentou uma conversão parcial,
pois apresentou o valor numérico correto, o procedimento utilizado foi a noção
de proporção, no entanto em seus cálculos não utilizou o dado apropriado para
a proporção. Durante a socialização, os grupos que conseguiram alcançar a
resposta correta explicaram seu procedimento para aqueles que não
conseguiram, então estes deveriam escolher um novo registro que
respondesse à questão.
77
Figura 15: Grupo 01 (2ª Questão)
Fonte: A autora, 2015.
Após a socialização houve poucas mudanças nos registros, o Grupo
01 não apresentou um novo registro que corrigisse o equívoco do primeiro
registro, entendemos que tal comportamento mostra a importância dada ao
valor numérico pelos alunos. Pozo e Crespo (2009) afirmam que os alunos se
limitam a encontrar um valor numérico, aplicando cegamente um algoritmo,
sem compreender o que estão fazendo.
Questão 3: Os terrenos de meus vizinhos não têm a mesma medida que o meu, se eu quiser saber a quantidade de touceiras existente nesses terrenos o que preciso fazer?
Neste momento os alunos deveriam fazer cálculos semelhantes àqueles realizados na questão
anterior com valores diferentes, assim diferentes pares seriam encontrados, o que os levaria a
uma generalização da relação entre a área e a quantidade de touceiras, manipulando
algebricamente a proporção, estabelecendo uma primeira estrutura algébrica relacionada à
definição de função, onde haveria a relação entre duas variáveis. O padrão didático adotado é:
78
1
3=
90
𝑥
𝑥 = 90 ∙ 3 = 270
1
4=
90
𝑥
𝑥 = 90 ∙ 4 = 360
1
6=
90
𝑥
𝑥 = 90 ∙ 6 = 540
1
7=
90
𝑥
𝑥 = 90 ∙ 7 = 630
Logo, a expressão que esperávamos ser desenvolvida pelo aluno é 90 ∙ 𝑥 = 𝑦, em que 𝑥
representa a área do terreno e 𝑦 o número de touceiras corresponde a esta área.
Quadro 5: Registro didático padrão – questão 3. Fonte: A autora, 2015.
O objetivo desta questão era solidificar o entendimento da relação
entre as unidades de área envolvidas e o conhecimento de proporção. Ao
analisar os protocolos de atividade dos grupos verificamos que ainda houve
grupos que não identificaram totalmente os dados necessários, notamos que
todos os grupos utilizaram representações auxiliares e executaram os
tratamentos corretamente. O grau de dificuldade desta questão é o mesmo da
questão anterior, a qual deveria ser desenvolvida com mais desenvoltura pelo
fato de que os possíveis erros já terem sido corrigidos anteriormente.
Quanto à conversão, verificamos que o Grupo 04 não apresentou a
conversão entre os registros solicitados nesta questão, observamos em seus
registros cálculos diversos envolvendo os valores numéricos apresentados na
questão, em seguida percebemos a execução correta do procedimento de
79
conversão da questão, mas os alunos apresentam a soma dos valores
encontrados como resposta.
Figura 16: Grupo 04 (3ª Questão) Fonte: A autora, 2015.
O Grupo 01 persistiu utilizando o valor incorreto para proporção em
alguns itens da questão, esse comportamento demonstra que alguns alunos
não se preocupam com o significado dos cálculos que estão executando, mas
preocupam-se apenas com o valor numérico encontrado, dessa maneira os
meios pelos quais se chegam a este valor é pouco apreciado pelos mesmos.
Questão 4: Tiago decidiu mostrar para seu pai o que foi ensinado na
escola sobre manejo de açaí para que este processo fosse feito no seu
terreno, juntos, eles decidiram verificar qual seria o custo total para a
implantação de um açaizal no 1º ano. Que valor eles encontraram?
Para solução desta questão mais uma vez o aluno utilizaria o conceito de proporção,
entretanto, inicialmente, por meio de tratamento aritmético é necessário que o aluno verifique o
custo total de implantação do manejo numa área de 1 hectare.
80
De posse do custo total para referida área deveria ser escrita uma regra de três relacionando
custo e área, lembrando que 1𝑡𝑎𝑟𝑒𝑓𝑎 = 0,3ℎ𝑎, para estabelecer uma proporção, como se
segue:
1 ℎ𝑎 − 955,5
0,3 ℎ𝑎 − 𝑐
1
0,3=
955,5
𝑐
𝑐 = 955,5 ∙ 0,3
𝑐 = 286,65
Conhecido o custo para 1 tarefa, uma nova proporção deve ser estabelecida para calcular o
custo para o terreno de Tiago.
1
5=
286,65
𝑐
𝑐 = 5 ∙ 286,65 = 1433,25
Quadro 6: Registro didático padrão – questão 4. Fonte: A autora, 2015.
Nesta questão, nenhum grupo conseguiu converter os registros.
Diferente de questões anteriores, não foi exclusivamente por causa da não
identificação dos dados a serem utilizados, os dados necessários a solução se
encontravam em uma das tabelas presentes no texto de apoio e todos os
grupos identificaram tais dados, entretanto alguns equívocos foram percebidos
na utilização desses dados. Inicialmente, apontamos que todos os grupos
utilizaram os dados sem atentar que o mesmo indicava valores referentes a um
terreno de 1 hectare. Em seguida, apontamos que os grupos não relacionaram
os dados da tabela com as demais informações contidas no texto, pois o texto
explicava que ações deveriam ser realizadas no 1º ano de implantação do
manejo e quais seriam desenvolvidas a partir do 2º ano e, finalmente,
81
apontamos que o Grupo 03 não considerou as quantidades relativas a cada
ação presente na tabela, procedimento essencial para a solução da questão.
Figura 17: Grupo 03 (4ª Questão)
Fonte: A autora, 2015.
Nossas primeiras observações nesta questão demonstram que os
alunos apresentam dificuldades em interpretar completamente as informações
presentes no texto, pois os grupos identificaram a tabela que continha as
informações mais explicitas para esta questão, mas não identificaram aquelas
que não estavam em evidência ou próximas a tabela.
Esperávamos que neste momento os alunos não apresentassem
mais problemas com relação à transformação das unidades de grandeza que
estavam sendo trabalhadas, mas notamos que estes não se atentaram para a
diferença das unidades. Nossa hipótese sobre este fato consiste no modo de
apresentação diferente dos dados, os quais estavam sendo apresentados em
forma textual e nesta questão foi apresentado na forma de tabela, o que já nos
mostra uma dificuldade em compreender este tipo de ferramenta de
informação, corroborado pelo fato de o Grupo 03 não ter considerado as
quantidades presentes em cada item, levando em consideração apenas os
custos unitários.
Nas questões anteriores não tínhamos identificado nenhum
tratamento aritmético incorreto, nesta questão observamos que um dos grupos
que tinha identificado corretamente todos os dados apresentou um erro na
82
soma dos valores encontrados, especialmente em um número decimal
presente no desenvolvimento da questão.
Durante a socialização, a intervenção foi realizada partindo dos
registros daqueles grupos que não tinham utilizado a unidade correta, foi
solicitado que esses grupos explicassem aos demais qual o procedimento
adotado, em seguida questionamos aos alunos em qual unidade estavam os
valores presentes no texto, todos concordaram que se tratava de hectare,
perguntamos então em que unidade estava medido o terreno da questão, todos
responderam tarefa, finalmente os alunos perceberam que seria necessário
transformar as unidades da mesma maneira que foi feita na primeira questão e
fazer a referida proporção. Após a socialização todos os grupos conseguiram
chegar ao registro esperado.
Questão 5: O pai de Tiago pensou em como seria para seus vizinhos, que
possuem terrenos de áreas diferentes, implantar essa técnica, para isso
calculou os custos e anotou na seguinte tabela:
No questionamento sobre o custo de implantação para terrenos de diferentes áreas,
pretendíamos que o aluno percebesse que o custo depende diretamente da área a ser
manejada. O registro padrão esperado é
𝑐 = 286,65 ∙ 𝑎
Quadro 7: Registro didático padrão – questão 5. Fonte: A autora, 2015.
A Questão 5 requisitava o resultado da questão anterior para sua
solução, o objetivo desta questão era verificar a compreensão dos alunos após
as discussões anteriores, novamente pretendíamos examinar o conhecimento
dos alunos referente a proporção.
Identificamos que os grupos que não conseguiram chegar à
conversão desta questão, também não identificaram corretamente os dados a
83
serem utilizados, mesmo após a discussão da questão anterior estes grupos
permaneceram utilizando os dados referentes a hectare ao invés de tarefa.
Durante a socialização os grupos que tinham executado a conversão
apontaram o equívoco que os demais grupos haviam cometido, por sua vez
estes afirmaram ter cometido os erros por falta de atenção.
A falta de atenção na resolução de questões é uma situação
bastante comum entre os alunos da educação básica. Entendemos que a
distração ocorre com muita facilidade entre estes alunos sendo, por vezes, um
fator agravante para aprendizagem de conteúdos matemáticos. Finalizadas as
discussões, os grupos que não tinham realizado a conversão elegeram uma
nova representação para a conversão dos registros.
Questão 6: O que muda nos custos de produção a partir do 2º ano?
Neste questionamento esperávamos que o aluno observasse que o valor será constante nos
anos seguintes, entrando em contato com outros tipos de funções. Esperamos que o aluno
associe que um comportamento constante está relacionado a uma função constante. O aluno
utilizará os mesmos dados da questão 4 devendo ficar atento a informação de que não haverá
raleamento, roçagem e transplantio de mudas, logo também não serão necessárias rasas de
Arumã, entretanto se faz necessário uma roçagem semestral, a qual um homem executa em 40
dias. Visto isso o cálculo procede como na questão 4.
No 2º ano, o custo de manutenção é R$ 1017,00 para um terreno de 1 ℎ𝑎, assim para uma
tarefa tem-se: 𝑐 = 0,3 ∙ 1017 ∴ 𝑐 = 305,10. Sendo a medida do terreno de Tiago 5 tarefas o