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OS TRONCOS MISSIONEIROS E A CONSTRUO DAIDENTIDADE MISSIONEIRA A
PARTIR DA MSICA
Iuri Daniel Barbosa1
Resumo: Troncos Missioneiros o nome de um disco que rene quatro
artistas da RegioMissioneira do Rio Grande do Sul: Jaime Caetano
Braun, Noel Guarany, Cenair Maic ePedro Ortaa. Alm de fomentar uma
Msica Regional Missioneira, o principal legado dosartistas
relacionados como Troncos Missioneiros est no pioneirismo da
construo deuma identidade missioneira atravs da msica. No que tange
a identidade regional, soenfatizados algumas temticas principais:
as caractersticas de um passado rural; a influnciada cultura
Guarani; a fronteira de integrao/repulso latino-americana. J a
construo deuma Msica Regional Missioneira parte de algumas
influncias anteriores importantes, mas consolidada pelos artistas
citados. Depois deles, h um grande leque de artistas nascidosna
regio que se identificam com a produo musical missioneira, vrios
destes parentesdiretos dos Troncos. Num contexto maior, a partir
dos anos 90, a msica regional do RioGrande do Sul se desenvolve por
dois caminhos: Msica Campeira e a Tch Music. Emambos, h regravaes
da obra musical dos Troncos Missioneiros. Nosso trabalho
vincula-sea uma Geografia Cultural Renovada, a partir da incluso de
novos objetos de estudo, emnosso caso a msica popular.
Palavras-chave: Msica e geografia; fronteira; msica regional;
identidade missioneira.
Abstract: The music lbum named Troncos Missioneiros assembles
four artists from Misses,a region of Rio Grande do Sul, Brazil:
Jaime Caetano Braun, Noel Guarany, Cenair Maic andPedro Ortaa.
Besides encouraging the regional music from Misses, these artists
mainlegacy is their pioneerism towards developing identity to the
region through music. In whatconcerns regional identity, a few set
of themes are emphasized: features of a rural past; theinfluence of
the guarani culture; Latin Americas existing border of
integration/repulsion.The development of the regional music from
Misses begins based on major past influences,though is consolidated
by the artists above. After them several artists born in that
regionidentify themselves to the musical production from Misses, a
lot of those are direct rela-tives from the Troncos. In a bigger
context, from the 90on the regional music from RioGrande do Sul
develops itself in two paths: Msica Campeira and Tch Music. There
areremakes of Troncos Missioneiros work made by both. This paper
subscribes to the NewCultural Geography through including new study
subjects, in this case, popular music.
Key words: Music & Geography; border; regional music; Misses
identity.
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So quatro cernos de angicoFalquejados na minguante,
Que vm trazendo por dianteNosso tesouro mais rico,Que h trs
sculos e picoOs centauros nos legaram
Memrias que no gastaramNos entreveiros da infncia;E olfateando
na distancia,
Algumas que se extraviaram.
Os quatro so missioneiros,Unidos num mesmo abrao;So tentos do
mesmo lao,
Brasas dos mesmos braseiros,Chispas dos mesmos luzeiros,Que onde
um vai o outro vai.
Nenhum pesar os contraiNem desencanto nem mgoa;
Os quatro beberam guaNos remansos do Uruguai.
(BRAUN, 1987)
INTRODUO
Nosso trabalho vincula-se a uma Geografia Cultural Renovada, a
partir daincluso de novos objetos de estudo, como tambm de novas
abordagens a objetosque j eram de interesse, onde os estudos
geogrficos sobre msica exemplificamessa situao (CASTRO, 2009).
Dessa forma, compreendemos a msica comoum texto, um espao
multi-dimensional, aberto, fragmentrio, inacabado eincoerente,
receptivo a mltiplas interpretaes concorrentes (KONG, 2007,
p.155).
Muitas vezes, o carter e a identidade dos lugares so apreendidos
a partirde letras, melodia, instrumentao e da percepo geral ou do
impacto sensorialda msica (KONG. 2007, p. 137). Desse modo, os
estudos que relacionam Msicae Geografia oferecem ricas evocaes de
lugares, de uma forma geralmente ausentenas fontes geogrficas
convencionais (KONG. 2007, p. 137).
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Troncos Missioneiros o nome de um disco (um LP lanado em vinil
em1988 e re-lanado em CD na dcada de 2000) que rene quatro artistas
da RegioMissioneira do Rio Grande do Sul: Jaime Caetano Braun, Noel
Guarany, CenairMaic e Pedro Ortaa. Com registros fonogrficos a
partir dos anos 1970, a obradesses artistas est intimamente
relacionada construo da identidade missioneirano Rio Grande do Sul,
Brasil. Tambm podem ser considerados como troncos deuma Msica
Regional Missioneira, que acabou por influenciar uma
parcelasignificativa da msica regional produzida nesse estado.
OS QUATRO TRONCOS MISSIONEIROS
Em uma rvore, um tronco um tipo de caule lenhoso, resistente,
cilndricoou cnico. J em anatomia, tronco a parte central de onde se
projetam a cabea eos membros. Fazendo analogia com nossos artistas,
podemos dizer que Jayme,Noel, Ortaa e Cenair so a base de onde se
projetar a Msica RegionalMissioneira. Como Jayme os define, so
quatro cernos de angico. Ainda nos anos60, os quatro artistas se
reuniram, objetivados a colocar o territrio missioneirono mapa
musical gacho. Conforme as palavras de Pedro Ortaa (2011):
Em meados de 1966 eu, juntamente com Noel Guarani e Cenair Maic
nosreunimos para tocar e cantar e decidimos que iramos criar um
novo modo detocar e cantar. A maneira que as coisas do Rio Grande
eram colocadas nonos satisfaziam, no era a maneira que queramos
para o norte do nossotrabalho. Nos reunimos para tocar e cantar a
identidade musical missioneira.
Alm dos trs artistas citados no trecho acima, Ortaa faz
referncia aoutro missioneiro, Jayme Caetano Braun, que nos serviu
de fonte e vertente para onosso trabalho (ORTAA, 2011).
Jayme Caetano Braun nasceu no distrito da Timbava, interior do
municpiode Bossoroca2 em 1924. Afirmava ser neto de ndia guarani,
chegou a ser tropeiroe curandeiro, tambm trabalhando em profisses
urbanas, como radialista, jornalistae funcionrio pblico. Braun
morreu em Porto Alegre, em 1999. considerado odifusor da Payada
(poesia declamada, de origem platina) no Brasil. Jaime CaetanoBraun
lanou nove livros de poesia, alm de dez discos contendo payadas e
msicasinstrumentais. Teve poesias musicadas por inmeros artistas,
entre eles NoelGuarany, Cenair Maic, Pedro Ortaa e Lus Marenco.
Tambm de Bossoroca Noel Guarany, nascido em 1941 (faleceu em
SantaMaria, em 1998). Descendente de guaranis e italianos,
trabalhou como balseiro,lenhador, tarefeiro de mate e tambm foi
radialista. Ainda na juventude, percorre
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os pases do Prata, recolhendo canes que chamaria de Cancioneiro
Guarantico3
(SOSA, 2003, p. 25). A esse trabalho, qualifica como Msica de
pesquisa,contrapondo-se aos Festivais de Msica Nativista, dos quais
no participava(POMMER, 2009, p. 175). A ele creditada, por Pommer
(2009), a tarefa dedivulgao e o reconhecimento da regio como
missioneira por seus habitantes.Conforme depoimento do prprio
autor, quando afirma que na poca que eucomecei a cantar no existia
msica missioneira e eu me vi na obrigao de cantare a msica
missioneira est a (MANN, 2002, p. 8).
No fim dos anos 70, passa a ter reconhecimento da
intelectualidade.Apresenta-se em universidades pblicas tornando-se
conhecido do pblicoestudantil. Em 77 foi convidado a participar de
evento no centro do pas, juntamentecom Edu Lobo, Chico Buarque,
entre outros artistas da MPB. Por seu contedocrtico, o show acabou
cancelado pelo governo ditatorial daquele perodo. Passa ater
expresso em jornais do centro do pas, atravs de matrias escrita.
Por contadas reportagens, divulga So Luiz Gonzaga, que comea a
ficar conhecida comocapital da msica missioneira (POMMER, 2009, p.
176).
Tambm nascido em Bossoroca, em 1942, Pedro Ortaa aprendeu a
tocarcom os pais, que eram msicos de bailantas no interior. Em 2008
recebeu ottulo, pelo Ministrio da Cultura, de Mestre da Cultura
Popular Brasileira (BRASIL,2008). Para Ortaa (2011), a diferena da
msica missioneira para a produzidaem outras regies do Estado est na
maneira de cantar-denunciando, protestando,registrando e levando
para o futuro o passado de um povo esquecido, explorado,mas cheio
de encanto e essncias, o povo Guarani. Em outro depoimento,
Ortaaenfatiza a importncia dos Troncos Missioneiros para a
representao histricada regio:
Atravs do nosso canto, o povo foi conhecendo a verdadeira
histria do povomissioneiro, povo de quem foram roubadas as terras,
o gado, as riquezas.Mataram velhos, moos e crianas num extermnio
brbaro. Mas noconseguiram silenciar a voz da verdade, que era
ouvida e esparramada pelovento de coxilha em coxilha, como se fosse
um lamento. No conseguiramapagar sua histria de lutas, fraternidade
e amor a esse cho colorado!(ORTAA apud JDICE, 2009).
Missioneiro, do municpio de Tucunduva, Cenair Maic nasceu em
1947.Aos trs anos, cruzou a fronteira com sua famlia para viver em
acampamentos deextrao de madeira s margens do Uruguai. Criado em
meio aos madeireiros,balseiros e pescadores, absorveu desde cedo
musicalidade de suas formas deexpresso: foi com os pees argentinos
e paraguaios que trabalhavam com seu paique aprendeu os primeiros
acordes da guitarra. Morreu em Porto Alegre emjaneiro de 1989
(MANN, 2002).
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Suas canes falam da natureza (rios, matas, pssaros,
diversidade), retratamos problemas urbanos: o favelado, o louco, os
ndios marginalizados, os semterra, o campo devastado (monocultura,
poluio). Alm de cantar a histria e aidentidade missioneira,
apresentava-se como um artista engajado, valorizando osentido e a
utilidade do povo no seu cantar. Nesse depoimento, Cenair fica
maisclaro:
Eu tenho me dedicado a cantar no s a histria que passou, os
costumes,mas a realidade do homem da minha regio. Eu acho que o
msico, alm decantar as coisa alegres, a paisagem, a histria, tem o
dever de ser til ao povocom o qual convive no dia-a-dia. Ento eu
procuro, dentro da minha msica,dizer alguma coisa que possa motivar
ou sensibilizar pessoas no sentido deresolver certos problemas de
nosso povo. Porque ns, os artistas, temosuma fora na mo, que o
instrumento, e temos a oportunidade de noscomunicar com o povo
atravs dos canais de divulgao. Ento temos o deverde ser til ao
povo. Nossa luta no pode ser com armas, mas atravs dapalavra (MANN,
2002, p. 16).
REPRESENTAES DA IDENTIDADE MISSIONEIRA A PARTIR DOS
TRONCOSMISSIONEIROS
Acreditamos que os textos musicais devem ser entendidos como
dilogossociais em andamento, os quais ocorrem em determinadas
situaes sociais ehistricas e refletem esses cenrios (KONG, 2007, p.
139). Nesse sentido, a obramusical dos Troncos Missioneiros pode
ser contextualizada no bojo dastransformaes que a regio das Misses
passava. Nos anos 1960 ganha fora oprocesso de modernizao do campo
na regio, atravs da substituio da pecuriae lavoura tradicional pela
agricultura de gros4. Neste perodo foi grande o xodorural, sendo
que os Troncos Missioneiros vivenciaram esse processo: nasceramno
campo e migraram para as cidades. Essa transformao do rural no
passoudespercebida pelos artistas, gerando nostalgia de um passado
idealizado, de formaanloga a outros trabalhos que relacionam Msica
Popular e Geografia, conformepontua Kong (2007, p. 140), como uma
consequncia, a paisagem rural e o estilode vida agrrio do passado
so idealizados, principalmente entre migrantesdesarraigados. H uma
saudade de casa e a nostalgia amarga de um modo de vidaque parece
ter sido irremediavelmente perdido, e o passado enevoado passa a
serreavaliado como um lugar sagrado.
Uma das caractersticas em comum a busca por uma aproximao com
ahistria indgena da regio. Noel, por exemplo, evitou seus
sobrenomes portuguesese italianos como nome artstico, preferindo a
alcunha de Guarany. Assim como
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Noel, todos se definem como descendentes de Guaranis, embora no
neguem amestiagem com outras etnias (lusos, espanhis, negros,
mouros, italianos ealemes). Isso acabou gerando sincretismos,
hibridismos, misturas em suascanes. No texto musical, uma destas
misturas est no ritmo chamam, bastanteexecutado pelos missioneiros.
Palavra guarani, significa improviso. Sendo assim,seu ponto de
difuso estaria no sul e leste do Paraguai e nas provncias
argentinasde Corrientes e Misiones. Notamos uma forte relao do
chamam com a localizaodos antigos 30 povos das Redues Jesuticas dos
Guaranis e com as atuais aldeiasindgenas dos Guaranis.
A situao geogrfica da regio missioneira, fronteira do Brasil com
a Ar-gentina (e nas proximidades do Uruguai e do Paraguai), est
presente nas letrasdas canes, nos intercmbios com artistas, e tambm
em ritmos. A fronteira vaiaparecer de duas formas: repulso e
integrao. Repelindo, conforme pontuaMachado (1998, p. 42), como uma
regio de perigo ou ameaa sendo objetopermanente da preocupao dos
estados no sentido de controle e vinculao.Tambm como um fator de
integrao, na medida em que for uma zona deinterpenetrao mutua e de
contante manipulao de estruturas sociais, politicas esociais
distintas (MACHADO, 1998, p. 42): Essa preocupao do Estado
estpresente nas heranas das batalhas pela demarcao dos limites em
que a regiofoi forjada. Exemplo pode ser encontrado na j citada
Payada de Jayme: Por maisde trezentos anos/ fui pastor e sentinela/
Na linha verde e amarela/ peleando comcastelhanos/ Gravando com los
hermanos/ a epopia do fronteiro!/ Poeta, cantore guerreiro/ da
Amrica que nascia/ Na bendita teimosia/ de continuar
brasileiro(BRAUN, 1983). Tambm est presente na Milonga das trs
bandeiras, de PedroOrtaa e Carlos Cardinal: Palmo a palmo
demarcadas/ Nasceram nossas fronteiras/Indiada do queixo roxo/
Escaramuas guerreiras (ORTAA, 2009). Na mesmamsica, a fronteira
pode aparecer tambm como integrao: Hoje em dia todosfalam na
integrao como emblema/ quando ns os cantadores carregamos estetema/
desde que as ptrias nasceram foi esse o nosso lema (ORTAA,
2009).
Proximidade da fronteira facilita os contatos culturais entres
fronteirios efronteirias. Como nos bailes, fandangos, festividades.
Exemplo na letra de Fan-dango da fronteira, de Noel Guarany, onde
comungam-se chinocas dos dois pases:Vou te contar bem diretitnho
das chinocas missioneiras/ dos olhares feiticeiros,carinhoso e
candongueira/ Umas que so argentinas outras que so
brasileiras(GUARANY, 1971). Ideia semelhante est presente tambm no
Baile do Sapucay,de Cenair Maic: Neste compasso da gaita do
sapucay/ Se bailava a noite inteiral na costa do Uruguai/ Luz de
candieiro e o cheiro da polvadeira, hermanavacastelhano e
brasileiros na fronteira (MAIC, 1980). A integrao entre
asfronteiras estar presente como proposta de nome do quarto disco
Sem fronteira,quarto da carreira de Noel Guarany. Ou ento em Trs
Bandeiras, de Pedro
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Ortaa, onde os autores prestam homenagem a trs heris nascidos na
regio Sep Tiaraju5, Andresito Guacurari6, San Martin7: Os trs
tauras que moldaram/Os confins americanos/ Querem ir frente aos
demais/ Abraados como hermanos(ORTAA, 2009).
A proximidade com os pases vizinhos tambm efetivou um maior
contatoentre os Troncos Missioneiros com elementos da msica
platina: instrumentistas,compositores (e suas obras musicais) e
ritmos. Assim, houve intercmbio musicalcom artistas argentinos,
uruguaios e paraguaios. Exemplo desta integrao est nodisco Payador
- Pampa Guitarra, de Jayme e Noel, gravado em Buenos
Aires,Argentina e em So Paulo. Nas gravaes realizadas em Buenos
Aires o disco teveparticipao dos instrumentistas argentinos Raul
Barbosa8 e Bartolom Palermo9.
Outros intercmbios se deram com msicos argentinos que migraram
parao Brasil. Trs instrumentistas tiveram profunda importncia nas
gravaes dosdiscos dos Troncos Missioneiros: os bandoneonistas
Chaloy Jara10 e Ricardo Buri11;e o violonista Lcio Yanel12. Chaloy
gravou em trs dos quatro discos de CenairMaic (Rio de minha
infncia, Caminhos e Canto dos livres) e no discoPayador, de Jayme.
J Ricardo Bury (tambm creditado como Maestro Bury),gravou o disco
Meu Canto, de Cenair, e no disco A volta do payador, de Jayme.Lcio
Yanel foi o violonista que mais gravou com Jayme, participando dos
discosO Payador, Paisagens perdidas e Payadas. Tambm participou do
disco MeuCanto, de Cenair, e do disco Galo Missioneiro, de
Ortaa.
No repertrio dos Troncos Missioneiros, encontramos msicas de
artistasargentinos, uruguaios e paraguaios. De compositores
argentinos, Noel Guaranyregravou trs canes de Atahualpa Yupanqui13:
Milonga del peion de campo,Para ele que mira sem ver e Los Ejes de
mi carreta. Gravou tambm El ranchoe la cambicha de Mario Millan
Medina14; Alma Guarani, de Osvaldo SosaCordero15 e Damsio
Esquivel16; Villa Guillermina, de Gregrio Molina17 e
ViscontiVallejos18. Alm disso, musicou trechos do pico Martin
Fierro, de JosHernandez19, e fez uma verso para Rio Manso, de Cholo
Aguirre20. Tambmregravou canes de compositores uruguaios: duas de
Anibal Sampayo21 e outrados irmos Carlos e Santiago Soares de Lima;
tambm uma de Santiago Chalar22 eClodomiro Perez. E Volve, Volve,
composta em parceria pelos paraguaios Pelala,Ascncio, Gabriel e
Ramn Rodriguez.
O disco Payador, de Jayme, contm quatro temas instrumentais
decompositores argentinos: El beso aquel, de Francisco Cassis23 e
Luiz Mendozza24;La Colonia, de Transito Cocomarola25; El rancho de
la cambicha, do j citadoMrio Millan Medina; e Merceditas de Ramon
Sixto Rios26. No disco A volta dopayador esto dois temas de Ricardo
Buri: Milonga para Don Jaime e SapoRengo.
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J Cenair Maic comps em parceria com Chaloy Jara e Talo Pereira,
fezverso de Zamba para Dicer Adis, de Argentino Luna27 e para
Puente Pessoa(de Mario Cocomarola). Tambm de Cocomarola (esta com
Constante Aguer28),gravou o chamam Km 11. Tambm em seus discos esto
presentes dois temassolados de instrumentistas argentinos que o
acompanhavam: Chaloy Jara e RicardoBuri. Ortaa tambm comps em
parceria com Talo Pereyra e fez verso da canoTriste partida, de
Roberto Galarza29.
Outra aproximao com os pases vizinhos se deu com a incorporao
deritmos de propagao latino-americana (OLIVEIRA; VERONA, 2008) nas
canescompostas pelos Troncos Missioneiros. Segundo Oliveira e
Verona (2008, p. 81),pelo fato de estar situado em regio de
fronteira com dois outros pases (Argen-tina e Uruguai, alm da
proximidade com o prprio Paraguai), por fatores histricos(guerras;
invases), econmicos (comrcio, contrabando) e sociais
(imigraes),assimilou parte da cultura vivenciada pelos povos
circunvizinhos. Dos ritmoslatino-americanos, os mais presentes so a
milonga e o chamam. Alm destes,encontramos tambm a guarnia, o
rasguido doble, a rancheira e a zamba.
Quanto s letras, duas formas poticas encontradas nas obras dos
TroncosMissioneiros so de origem platina: a payada e a gauchesca. A
payada, principalforma de expresso de Jayme Caetano Braun,
encontrada em partes do territriode Argentina, Brasil e Uruguai.
uma poesia de origem platina, hbrido do espanholcom o paye
(sacerdote indgena), (MANN, 2002, p. 6). Em geral, se trata de
umrepente em dcima (estrofe de dez versos) de redondilha maior
(versos de seteslabas) e rima entrelaada (todos os versos rimam
entre si, alternadamente). J agauchesca, muito presente na obra de
Noel Guarany, como afirma Cunha (2011, p.9), uma tradio
potico-literria surgida em fins do sculo XVIII, incio doXIX, no que
hoje o Uruguai e a Argentina. Com os mais variados
objetivospoltico-ideolgicos teve sempre sua temtica ligada a vida
rural nesses pases.
Entendemos que a anlise das letras no corresponde totalidade
para acompreenso de significados do texto musical. Por isso, outros
materiaisintertextuais devem ser includos como os visuais, uma vez
que tambm comunicamsignificados e falam de identidades que as
pessoas desejam desenvolver e apresentar.(KONG, 2007). Na formao
dessa identidade missioneira articulada pelo grupo,algumas imagens
expressam evidncia disso. o caso da imagem das Runas deSo Miguel30
como pode ser visto nas figuras 1 e 3, iconografia bastante
utilizadana representao da regio missioneira, presente nos discos
dos TroncosMissioneiros, como tambm de inmeros outros artistas
identificados com a regio.Outras iconografias bastante presentes so
o Rio Uruguai (Fig. 2) e a Cruz deLorena (ou Cruz Missioneira, fig.
4).
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FIGURA 1 - Capa do disco Sem Fronteira, de Noel Guarany,
1975.
FIGURA 2 Capa do disco Canto dos Livres, de Cenair Maic,
1983.
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FIGURA 3 Capa do disco Ptria Colorada, de Pedro Ortaa, 2007.
FIGURA 4 - Capa do disco Payador, pampa e guitarra, de Noel
Guarany e JaymeCatano Braun, 1976.
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MSICA REGIONAL MISSIONEIRA
Segundo Brum (2005, p. 124), o termo Msica Missioneira
compreendedois significados distintos: no primeiro histrico uma
msica executada nosSete Povos, ensinada pelos padres jesutas,
reproduzida e (re)inventada pelosndios Guaranis; j no segundo, a
Msica Missioneira refere-se ao regionalismo,feita como
possibilidade de nomeao e de classificao do passado missioneirono
presente, no sentido de apologiz-lo para reviv-lo. Chamaremos esta
deMsica Regional Missioneira, na qual a obras obras de Jayme, Noel,
Ortaa eCenair so legtimos troncos. Segundo Pommer (2009, p. 164),
as caractersticasprincipais desta Msica Regional Missioneira,
produto da cultura especfica deuma parte da regio das Misses eram a
denncia e o protesto. Ainda segundo aautora, a msica dos Troncos
Missioneiros pode ser compreendida como arecriao de um passado
especfico, procurando conect-lo ao presente. Segundoa autora, esse
passado est relacionado ao perodo das Redues Jesuticas dosndios
Guaranis.
Os Troncos Missioneiros possuem grande importncia na construo
deuma Msica Regional Missioneira. Podemos dizer que esses artistas
foram o cerne,como bem sugere a analogia ao tronco de uma rvore, de
onde partiram asramificaes que preservam, reconstroem e atualizam a
identidade musicalmissioneira. A construo de uma Msica Regional
Missioneira parte de algumasinfluncias anteriores importantes, como
razes que deram sustentao aos cernes.Muitos dos quais citamos
anteriormente, como os argentinos Atahualpa,Cocomarola, Osvaldo
Sosa Cordeiro, entre outros. Outros, so artistas popularesdas
misses: Reduzino Malaquias31, que gravou no primeiro disco de
Ortaa, eTio Bilia32, ao qual Cenair presta homenagem na sua
Rancheira do Tio Bilia.Seguindo a linhagem dos Troncos
Missioneiros, hoje so ramagens seusdescendentes e parentes diretos:
os irmos Alberto, Gabriel e Marianita Ortaa33;Valdomiro Maic34 e
seu filho Atahualpa, Patrcio Maic35, e por fim, LauraGuarany36.
Alm dos familiares, outros artistas tambm se identificam
comomissioneiros, mesmo que abrangendo outras temticas e propostas
estticasmusicais. Em uma vertente mais relacionada a uma msica de
luta e protesto, estJorge Guedes37 e a Famlia Guedes (seus filhos
Ana e Karay Guedes). Noutra,mais ligada aos festivais de cano
nativa38, tem como expoentes os msicos LuizCarlos Borges39, rlon
Pricles40 e ngelo Franco41. Tambm h uma ramificaomais popularesca,
inspirada em trovadores, geralmente associada a temticasirnicas ou
letras de duplo sentido, onde os expoentes so Xir Missioneiro42
eBaitaca43.
DELLHighlight
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Devemos ressaltar a influncia dos Troncos Missioneiros na Msica
Popu-lar do Rio Grande do Sul, como tambm em outros estados
brasileiros e em pasesvizinhos. A partir dos anos 90, conforme DIAS
(2008, p. 52), a msica regionaldo Rio Grande do Sul tornou-se uma
rea de afirmao de disputas simblicas eafirmaes de legitimidade por
dois grupos: a Msica Campeira, oriunda donativista, e a Tch Music,
provinda de bailes em CTGs. Em ambos grupos, hregravaes da obra
musical dos Troncos Missioneiros.
Na Msica Campeira, onde prevalece o uso de violo, gaita e
contrabaixo(s vezes acrescido de percusso), onde o grande expoente
Luiz Marenco. Marencogravou um disco s com canes de Noel Guarany
(Lus Marenco canta NoelGuarany, de 1996) e outro musicando letras
de Jayme Caetano Braun, intituladoLus Marenco canta Jayme Caetano
Braun, de 1991. Alm disso, durante sua carreira,regravou a cano
Mgoas de Posteiro, de autoria de Cenair Maic, no discoFilosofia de
Andejo de 1993. Tambm na msica campeira, a dupla Csar Oliveira&
Rogrio Mello, fs de Pedro Ortaa, homenageiam o missioneiro com o
ttulo deum tema instrumental no disco Cantigas para o meu cho, de
2010. Por sua vez,o artista Juliano Amaral42 apresenta um espetculo
somente com canes de NoelGuarany e Cenair Maic.
Nas bandas43 de Tch Music e nos conjuntos de baile tambm h
refernciaaos Troncos Missioneiros. Embora no seja to presente como
na msica campeira,h vrias regravaes por alguns dos mais importantes
grupos. Os Serranos, porexemplo, grupo mais bem sucedido da msica
regional gacha (DIAS, 2008),regravou canes de Pedro Ortaa em duas
ocasies: Bailanta do Tibrcio (Nodisco Bandeira dos Fortes, de 1987)
e Timbre de Galo (no disco Os Serranosinterpretam sucessos Gachos).
J o grupo Os Nativos (do Oeste de Santa Catarina)cantam dois temas
recolhidos por Noel Guarany: Na Baixada do Manduca eChimarrita sem
Fronteira, ambas presentes no disco 18 Grandes Sucessos, de1991.
Tambm regravaram Baile da Cola Atada, de Ortaa, no disco Canta
Catrina1997. Por sua vez, a dupla de interpretes Oswaldir &
Carlos Magro, regravou osquatro troncos missioneiros: de Ortaa,
Surungo no campo fundo, no discoVersos, Guitarra e Caminho, de
1989, e Velha Gaita, no disco de mesmo nome,em 1993. Tambm do disco
Velha Gaita, h uma gravao da cano Canto dosLivres, de Cenair Maic.
Homem Rural, tambm de Cenair, est no disco GachoAmigo de 2003.
Prece, poesia de Jayme Caetano Braun, est no disco QuernciaAmada,
de 1997, enquanto Destino de Peo, de Noel Guarany, est no
discoChina Atrevida, de 2004.
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ALGUMAS CONSIDERAES
Alm de fomentar uma Msica (Regional) Missioneira, outro legado
dosartistas relacionados como Troncos Missioneiros est no
pioneirismo da construode uma identidade missioneira atravs da
msica. Como pontua Kong (2007, p.153), a msica , portanto, um meio
pelo qual identidades so (des)construdase como Castro (2009, p. 15)
complementa [evidencia] a importncia dessa arte naformao de
comunidades imaginadas.
Como afirma Pommer (2009, p. 163), ao analisar a produo da
identidademissioneira na cidade de So Luiz Gonzaga, que desde fins
dos anos 60 as obrasde Jayme Caetano Braun e Noel Guarany, podem
ser consideradas um dos pontosde partida na estruturao e na
divulgao do que se acreditava ser a identidademissioneira. Alm de
ser um dos pontos de partida, para a autora a Msica Re-gional
Missioneira (2009, p. 178), continua sendo um dos principais
elementosde divulgao do que chamamos aqui de gacho missioneiro.
NOTAS
1 Mestrando do Programa de Ps-Graduao em Geografia da UFRGS.
Endereo: Av. BentoGonalves, 9500, Prdio 43136, sala 218, Porto
Alegre-RS. CEP: 91509-900. E-mail:[email protected] Na poca, o
municpio de Bossoroca pertencia a So Luiz Gonzaga.3 Desse trabalho
folclorstico, registra canes como Baixada do Manduca, Adeus
Morena,Dcima do potro baio, Chamarrita sem fronteira.4
Especialmente pelo binmio trigo-soja.5 Guarani missioneiro, santo
popular, declarado heri guarani missioneiro rio-grandense pelaLei n
12.366.6 Guarani missioneiro, heri na provncia de argentina de
Misiones.7 Nascido em Yapeju, provncia de Corrientes, heri da
independncia argentina.8 Acordeonista, natural de Buenos Aires,
Argentina. Descendente de guaranis, atualmentereside na Frana, onde
chamado o Embaixador do Chamam.9 Violonista, nascido em Villa
Guillermina, provincia de Santa Fe, Argentina.10 Bandoneonista e
compositor nasceu en Posadas, capital da provincia argentina de
Misiones,em 1931. Morou por mais de 20 anos no Rio Grande do Sul,
onde ficou conhecido como o Reido Chamam.
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154 A R T I G O Tempo da Cincia volume 20 nmero 39 1 semestre
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11 Bandoneonista e compositor. Nasceu na Finlndia em 1943, mas
se mudoucom seus pais para Ober, Provincia de Misiones, aos dois
anos de idade.
12 Violonistas, nascido em Corrientes, em 1946, radicado no
Brasil h mais de 30 anos, violonistacom maior produo na histria do
violo gacho.13 Natural de Buenos Aires, considerado um dos mais
importantes expoentes da MsicaFolclrica Argentina.14 Apelidado de
el cantor chamamecero, nasceu provncia de Goya, em 25 de maio de
1913 efaleceu na cidade de Rosario em 6 de novembro de 1977.15
Compositor de inmeros temas correntino. Nasceu em Concepcion,
provincia de Corrientes,Argentina, em 1906. Foi mundialmente
regravada sua cano Anah.16 Bandoneonista e compositor, filho de
correntinos. Nasceu em 1919 em Rosario, Provincia deSanta Fe,
Argentina.17 Cantor, violonista e compositor, nasceu em Puerto
Libertad, Provincia de Misiones em 1937.18 Jornalista, poeta, e
escritor, Nascido 1927 em Villa Guillermina, provincia de Santa
Fe,Argentina.19 Poeta, poltico e jornalista argentino, conhecido,
principalmente, pelo livro Martin Fierroconsiderado o livro ptrio
da Argentina.20 Cantor, violonista e compositor, nasceu em San
Lorenzo, Provincia de Santa Fe, em 1928.21 Cantor, poeta,
violonista, arpista e compositor, nascido em Paysandu, Uruguai, em
1926.22 Poeta e cantor, nascido em Montevideo, em 1938.23
Bandoneonista e compositor, nasceu em 1922 na cidade de La Paz,
Provincia de Entre Ros,Argentina.24 Ator, poeta, jornalista, e
compositor, nasceu em Bella Vista, Provincia de Corrientes,
Argen-tina, em 1914.25 Bandoneonista e compositor, nascido em
Corrientes, Argentina em 1918. Conhecido comoEl Taita del chamam.26
Cantor, violonista e compositor, nasceu em 1913, em Federacin,
Provincia de Entre Ros.27 Cantor e compositor argentino, nasceu na
provncia de Buenos Aires, em 1941.28 Poeta, cantor, violonista,
escritor que nasceu em 1918, em Buenos Aires.29 Cantor, violonista,
contrabaixista e compositor, nasceu em 1932 no Distriro Alto
Verde,Provincia de Santa Fe.30 Stio arqueolgico localizado na
cidade de So Miguel das Misses, o mais preservado detodos os
situados em territrio brasileiro.31 Gaiteiro, nascido no interior
de So Nicolau, gravou os primeiros discos de Pedro Ortaa,
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alm de um disco solo instrumental, no fim da vida.32 Expoente da
gaita ponto, nascido em Santo ngelo.33 Filhos de Pedro Ortaa,
comumente se apresentam junto ao pai, formando a Famlia Ortaa.34
Irmo de Cenair Maic, com inmeros discos lanados.35 Filho de Cenair
Maic, gravou um CD.36 Interpreta as canes do seu pai, Noel
Guarany.37 Natural de So Luiz Gonzaga, gravou o ltimo disco de Noel
Guarany: A volta do missioneiro.38 Onde o principal meio de difuso
e consumo est nos festivais de cano nativa.39 Acordeonista nascido
no interior de Santo ngelo que trouxe para a Msica
RegionalMissioneira elementos de sua formao formal em Msica na
UFSM.40 Cantor e compositor nascido em So Luiz Gonzaga, faz parte
do grupo Buenas e MEspalho. sobrinho de Luiz Carlos Borges.41
Cantor e compositor nascido em So Luiz Gonzaga, faz parte do grupo
Buenas e MEspalho.42 O espetculo chama-se Prosa Galponeira, pode
ser visto em: 43 Grupos e conjuntos musicais.
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