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Jornal de Pediatria - Vol. 75, Supl.2, 1999 S279
ARTIGO DE REVISÃO
S279
0021-7557/99/75-Supl.2/S279Jornal de PediatriaCopyright © 1999
by Sociedade Brasileira de Pediatria
ResumoObjetivos: Apresentar revisão atualizada de publicações
refe-
rentes ao traumatismo cranioencefálico (TCE), descrevendo
osprincípios básicos de seu tratamento e a importância da
prevençãoe tratamento da lesão cerebral secundária, com uma visão
pragmá-tica da terapêutica do TCE no paciente pediátrico, do local
doacidente até a unidade de terapia intensiva.
Métodos: Foram analisados títulos e resumos, nas bases dedados
Medline de 1995 a 1999 e Lilac de 1984 a 1999, livros-textose,
ainda, os Guidelines of Brain Trauma Foundation de 1995,
sendoselecionados os principais trabalhos dentre essas fontes.
Conclusões: Apesar da extensa literatura disponível,
existemgrandes controvérsias em relação às terapêuticas propostas,
princi-palmente no que se refere às crianças. São necessários
estudosprospectivos controlados, que confirmem ou não sua eficácia.
Noentanto, as medidas de prevenção e tratamento da lesão
cerebralsecundária se mostram efetivamente eficazes na redução da
morbi-mortalidade do paciente com TCE.
J. pediatr. (Rio J.). 1999; 75 (Supl.2): S279-S293:
traumatis-mos cerebrais, traumatismos da cabeça, pressão
intracraniana.
AbstractObjective: To present an update on head injury with a
review
of the literature. The authors emphasize the importance of
thesecondary brain injury prevention and describe the basic
principlesof the treatment, from the site of the accident to the
intensive careunit.
Methods: Papers and abstracts from the database Lilac in
theperiod between 1984 and 1999 and Medline between 1995 and
1999were reviewed as well as textbooks and the Guidelines of
theAmerican Brain Trauma Foundation 1995.
Conclusions: Despite the vast literature on the subject
therehave been many controversies regarding the therapeutic
proposals.Prospective studies will be required in order to verify
their efficacy.Nevertheless, the prevention and treatment of the
secondary braininjury has been shown to be effective in reducing
the disability andmortality of the patient with head trauma.
J. pediatr. (Rio J.). 1999; 75 (Supl.2): S279-S293:
braininjuries, head injuries, intracranial pressure.
1. Coordenador Pediátrico da UTI do Hospital João XXIII – Belo
Horizonte/MG. Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica pela
AMIB-SBP.
2. Diretor Técnico Científico e Coordenador do Neocenter Belo
Horizonte/MG. Membro Efetivo do Comitê de Terapia Intensiva da
SBP.
3. Coordenador Clínico da UTI de adultos do Hospital Mater Dei –
BeloHorizonte/MG. Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB.
Traumatismo cranioencefálico em pediatriaPediatric head
injury
Sérgio Diniz Guerra1, Marcos Angelus Jannuzzi2, Anselmo Dornas
Moura3
IntroduçãoTrauma é uma das principais causas de morte na
infância e adolescência. No Brasil é a maior causa entre 10e 29
anos e representa, aproximadamente, 40% das mortesentre 5 e 9 anos
e 18% entre 1 e 4 anos1. Em todo o paíssão mais de 100.000 vítimas
fatais por ano. O traumatismocranioencefálico (TCE) responde por 75
a 97% das mortespor trauma em crianças2. Para cada paciente morto,
pelomenos 3 ficam gravemente seqüelados3.
A mortalidade relacionada à TCE pode ser reduzidanão só com
avanços no atendimento inicial e com cuidadosintensivos, mas,
principalmente, com medidas preventi-vas.
Nenhuma especialidade médica abrange todos os pro-cedimentos de
que um paciente politraumatizado necessi-ta. Em contrapartida, a
avaliação e a abordagem inicial seconstituem em procedimentos
simples que, se feitos deforma rápida e ordenada, trarão grande
benefício à vítima.A seqüência de atendimento prioriza as lesões
que levari-am ao óbito mais rapidamente e, por isso, devem
serprimeiro tratadas. Nesse momento, o diagnóstico precisoe a
história não são essenciais. O tempo é essencial. Oobjetivo é
tratar sem causar danos adicionais3.
O conceito de dano adicional ou lesão secundária valepara
qualquer trauma e principalmente para o sistema
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nervoso central. Devido a sua prevalência e impacto noresultado
final, a prevenção e a correção dos fatorescausadores de dano
cerebral secundário são atualmente asmedidas mais eficazes no
tratamento do paciente comTCE4.
FisiopatologiaO entendimento da fisiologia básica da caixa
craniana
é fundamental para o manuseio do paciente vítima de TCE.Devem-se
evitar medidas terapêuticas demasiadamenterígidas, que não levem em
conta que as variáveis hemome-tabólicas cerebrais se alteram com a
evolução do quadro.
O objetivo é a adequada oferta de oxigênio e glicose aotecido
cerebral, para manutenção de atividade elétrica emetabolismo basal.
Quando esta se torna insuficiente,mesmo que por poucos minutos, as
células morrem ouficam permanentemente lesadas.
A oferta de oxigênio e glicose depende de seu conteúdoarterial e
do fluxo sangüíneo cerebral (FSC), responsávelpor sua chegada ao
tecido. O conteúdo arterial de oxigênio(CaO2) depende,
principalmente, da concentração dehemoglobina e de sua saturação
por O2. A hipoxemia,mesmo que leve, deve ser corrigida, assim como
a anemiagrave. Em geral a hipoglicemia não é problema nasprimeiras
horas pós-trauma. Ao contrário, devido à res-posta
neuroendocrinometabólica, os pacientes apresen-tam-se
hiperglicêmicos, não necessitando de infusão deglicose neste
período5 (mesmo os lactentes). Esta deveser, no entanto,
rigorosamente monitorizada. Uma vezmantidos adequados os níveis das
substâncias citadas,concluímos que a viabilidade do tecido cerebral
dependede FSC.
Por conceito físico (lei de Poiseulle), o fluxo dequalquer
sistema é diretamente proporcional à pressão queo impulsiona e ao
diâmetro do circuito, e inversamenteproporcional ao comprimento do
compartimento e à vis-cosidade do fluido circulante6. A
visualização matemáticadessas relações facilita o raciocínio em
termos de FSC.
menos a pressão intracraniana (PIC), que se opõe àchegada da PAM
ao encéfalo. A PPC é fundamental paraa viabilidade do encéfalo. Em
situações de risco, seus doiscomponentes devem ser monitorizados
continuamente.
A PIC é determinada pela soma dos componentesintracranianos. Em
condições normais, o tecido cerebral,o líqüor e o sangue
representam 80%, 10% e 10%,respectivamente, do conteúdo cerebral7.
Vale lembrar queo volume ou conteúdo sangüíneo cerebral (CSC) não é
omesmo que FSC. Fluxo é velocidade (volume em movi-mento), medido
em ml/100 g de tecido/min, podendoaumentar ou reduzir de acordo com
as variáveis citadas.Pode ocorrer, por exemplo, maior fluxo com
menorvolume, caso este seja impulsionado por maior pressão.
Quanto à dinâmica da PIC, vale o princípio de Monro-Kellie
(Figura 1): sendo o crânio um compartimento nãoexpansível*, o
volume total de seu conteúdo deve perma-necer constante, do
contrário haverá aumento de pressão3.Assim, à medida que novo
volume (um hematoma porexemplo) é adicionado à caixa craniana,
sangue venoso elíqüor são expulsos, de forma que o volume total
docompartimento permanece estável. Enquanto agem osmecanismos de
compensação, não há aumento perceptívelde PIC. Uma vez esgotados, a
PIC aumenta de formaexponencial3. Tal efeito pode ser visualizado
na curva deLangfit ou curva de pressão/volume (Figura 2).
Percebe-se que medidas isoladas de PIC não fornecem qualquerindício
de que o paciente está realmente estável oupróximo do limite de
descompensação.
Qualquer interferência negativa nesse ponto (intuba-ção sem
anestesia, tosse, assincronia com a ventilaçãomecânica, dentre
outros) pode elevar de maneira catastró-fica a pressão
intracraniana. Todo o esforço deve ser feitopara manter o paciente
na porção horizontal da curva, emlugar de tratar os aumentos
inesperados. Por outro lado,pequenas reduções nos componentes
intracranianos po-dem reduzir significativamente a PIC neste ponto,
comodrenagem de poucas gotas de líqüor por derivação ventri-cular
externa ou pequenas reduções no CSC (vasoconstri-ção discreta).
A HIC sustentada pode levar à morte por isquemia
ouherniações.
Em 1951 já se reconhecia ser impossível estimar PICatravés de
sinais clínicos8. A HIC pode manter-se inapa-rente, apenas com
alguma alteração do estado de consci-ência, até que haja
deslocamento de tecido encefálico deum compartimento para outro com
compressão de estru-turas vizinhas: as hérnias cerebrais. As mais
temidas sãode parte do lobo temporal (uncus) através da tenda
docerebelo (transtentorial), com compressão do terceironervo e
trato corticoespinhal, levando, mais comumente,a anisocoria
ipsilateral e plegia contralateral3. A outra é do
onde: P = pressão; p= 3,14; R = raio; C = comprimen-to; V =
viscosidade.
No caso do SNC, as variáveis que podem rotineira-mente ser
alteradas são o raio R dos vasos (principalmenteos arteriais, sendo
a variável de maior impacto), pressãoe viscosidade sangüínea. A
desidratação ou o excesso detransfusão de concentrado de hemácias
podem aumentar aviscosidade e levar à queda do FSC.
A pressão que pode garantir FSC é a pressão deperfusão cerebral
(PPC), calculada a partir da pressãoarterial média
Fluxo = P x p x R4
8 x C x V
PAM = PA sistólica + (2 x PA diastólica)
3
* Mesmo em crianças com fontanela aberta ou suturas ainda não
conso-lidadas, sua distensibilidade é limitada, fazendo com que, em
termospráticos, também seja considerado não expansível.
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próprio cerebelo (tonsilas) através do forame magno, maiscomum
em lesões de fossa posterior. Ambas podemevoluir com
comprometimento da perfusão ou compres-são direta do centro
cardiorrespiratório localizado notronco encefálico (Figura 3).
Nos momentos de herniação iminente, quando já hásofrimento de
tronco, o organismo pode exibir a famosatríade de Cushing, com
bradicardia (por resposta vagal),alterações respiratórias e
hipertensão arterial sistêmica(HAS). A hipertensão arterial é
interpretada como umatentativa do organismo em manter PPC. Não deve
sertratada. O foco deve se voltar para o tratamento da HICque,
apesar de avançada neste momento e de representarrisco imediato de
vida, não indica que o quadro sejairreversível.
A tríade de Cushing é sinal avançado de HIC. Não sedeve
condicionar reconhecimento ou suspeita de HIC aessa resposta. Mais
ainda, muitas vezes o paciente jáapresenta HAS, mas com
taquicardia, secundária à tem-pestade simpática pelo sofrimento
cerebral, desviando aatenção do médico do diagnóstico de HIC.
O encéfalo possui alguns mecanismos de defesa, alémda expulsão
de sangue venoso e líqüor, que preservam suaintegridade. São os
seguintes:
- Barreira hematoencefálica: os poros capilares cere-brais são
60 vezes menores que no restante do organismo9,tornando o tecido
cerebral impermeável à maioria dassubstâncias do plasma e à
passagem de água mais lenta, oque mantém estável a constituição do
parênquima cere-bral, a despeito de grandes variações plasmáticas.
No TCEpode haver alteração de permeabilidade da BHE, levandoa
extravasamento de líquido rico em proteínas, o chamadoedema
vasogênico. O aumento exagerado de pressãohidrostática pode
favorecer este edema9.
- Auto-regulação cerebral: a arteríola pré-capilar cere-bral
responde ao aumento de pressão com vasoconstriçãoe à queda com
vasodilatação. Esse mecanismo mantémFSC estável, na presença de
amplas variações de PAM.Abaixo de determinado limite, 50 mmHg para
adultos, avasodilatação cerebral é máxima, não conseguindo
maismanter FSC suficiente, entrando o cérebro em isquemia.De forma
semelhante, acima de 150 mmHg, ocorreabertura das arteríolas e
inundamento passivo do encéfalo,com aumento de PIC7 (Figura 4).
Durante o TCE, a auto-regulação pode estar alterada,fazendo com
que o encéfalo não seja capaz de manter FSCsuficiente, mesmo em
pressões arteriais apenas discreta-
Figura 1 - Doutrina de Monro-Kellie
Figura 2 - Curva pressão X volume
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mente diminuídas8. Dessa forma, em episódios de hipo-tensão
grave, justifica-se o uso precoce de vasopressores,numa tentativa
de garantir PPC e FSC, até que a reposiçãovolêmica seja concluída,
quando então as drogas podemser suspensas.
A perda de auto-regulação pode ser detectada aomonitor: aumento
de PAM leva a aumento passivo de PICe vice-versa.
- Acoplamento metabólico: o FSC tende a se adequarà demanda
metabólica (ou consumo de O2). Dessa forma,crises convulsivas,
febre ou dor, que elevam o metabolis-mo cerebral (MC), levam a
aumento proporcional de FSC.Em contrapartida, hipotermia ou
anestésicos reduzem MCe FSC proporcionalmente10.
A redução do MC pós-trauma é observada em um terçoà metade das
vítimas de TCE grave e está diretamenterelacionada a pior
prognóstico10. O FSC, apesar dereduzido em valores absolutos em
metade dos pacientes,pode estar em excesso, adeqüado ou
insuficiente para ademanda cerebral, o que representa perda de
acoplamento(a provável causa dos piores resultados)10.
Nestes casos, situações que induzem aumento de MCpodem não ser
acompanhadas de proporcional aumento defluxo, levando à isquemia. O
aumento de MC pode serprejudicial mesmo com preservação do
acoplamento. Oaumento induzido de FSC, com conseqüente aumento
deCSC, em um compartimento já no limite de sua capacida-de, pode
causar um grande aumento de PIC.
- Vasorreatividade aos gases: em geral PaO2 não alteramuito o
diâmetro vascular cerebral, exceto abaixo de 50mmHg, quando ocorre
vasodilatação, com aumento deFSC, o que pode elevar a PIC.
Alterações na PaCO2 alteram o diâmetro dos vasospela alcalose ou
acidose que causam no pH periarteriolar,onde o CO2 liga-se à H2O,
formando ácido carbônico(H2CO3)
11. A alcalose ou acidose metabólicas não
alteramsignificativamente o pH periarteriolar, uma vez que a BHEnão
é permeável a HCO3- e H
+ 11. No entanto, em áreascerebrais onde ocorre isquemia
intensa, a acidose láticatecidual pode inativar a alcalose da
hiperventilação11.
A hipercapnia leva à vasodilatação cerebral e a hipo-capnia, à
vasoconstrição, com redução de FSC e CSC.Alteração de um mmHg na
PaCO2 altera o FSC em 3 a 4%no mesmo sentido (em valores reduzidos
de PaCO2 essaproporção diminui) (Figura 5). Após alguns minutos
dehipocapnia, o líqüor, através da eliminação de bicarbona-to,
inicia a compensação da alcalose, tornando, em horas,a
hiperventilação ineficaz (os vasos retornam ao seudiâmetro
anterior). Por esse motivo, a normalizaçãorápida da PaCO2 pode
levar à acidose periarteriolar,vasodilatação e HIC11.
A perda dos mecanismos de compensação não é umfenômeno de tudo
ou nada. Pode ocorrer em locaisvariados, de apenas alguns dos
mecanismos, e preservaráreas intactas. A reatividade aos gases é o
último mecanis-mo a ser perdido e, quando ocorre, é sinal de
péssimoprognóstico.
Figura 3 - Hérnias cerebrais
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Lesão PrimáriaÉ chamado de lesão primária (LP) o dano ocorrido
no
momento do impacto. É proporcional à intensidade eduração da
força aplicada, assim como à direção doimpacto.
Lesões de couro cabeludo: podem ser fonte de sangra-mento
importante em crianças e vítimas que permanecemmuito tempo na cena
do acidente. Podem estar associadasa fraturas e lesões
intracranianas.
Fraturas de crânio: estão presentes em um grandenúmero de
crianças com TCE, podendo ser lineares,cominutivas, com
afundamento, ou diastáticas. 90% sãolineares2. Indicam que força
significativa esteve envolvidano trauma. Quando localizadas no
trajeto de estruturasvasculares importantes, como a artéria
meníngea média ouseios durais, aumentam em muito o risco de
gravessangramentos intracranianos.
As fraturas com afundamento estão com freqüênciaassociadas a
lesão de dura-mater, parênquima cerebral econvulsões. Em geral sua
correção cirúrgica está indicadase houver escape de LCR,
possibilidade de lesão dural,déficits focais, comprometimento
estético importante, oudepressão maior ou igual à espessura da
tábua óssea local2.
Fraturas de base de crânio ocorrem em 6 a 14% dascrianças com
TCE2. Sinais clínicos e radiológicos permi-tem seu diagnóstico. São
característicos equimose perior-bitária, equimose retroauricular,
escape de líqüor pelonariz, sangramento pelo ouvido ou nariz,
coleção desangue retrotimpânica, paralisia facial, perda auditiva
epneumoencéfalo. Fraturas de face e níveis hidroaéreos nosseios
paranasais também levam à suspeição. As complica-ções mais
freqüentes são fístula liquórica (em geralresolve-se
espontaneamente dentro de aproximadamente 7dias), meningite (mas
não estão indicados antibióticosprofiláticos) e alterações de pares
cranianos (anosmia esurdez, principalmente)2. A suspeita de fratura
de base écontra-indicação à passagem de sonda traqueal ou
gástricapelo nariz3. Há risco de infecção e perfuração da
placacribforme com alojamento intracraniano da sonda.
Lesões Primárias IntracranianasFreqüentemente os patologistas
classificam as lesões
cerebrais pós-traumáticas como lesões focais ou difusas.As
primeiras incluem contusões, hematomas ou avulsões.
As contusões decorrem de aceleração e desaceleraçãoangulares do
cérebro dentro da abóbada craniana, acome-tendo preferencialmente a
região frontal e temporal,devido à arquitetura interna do crânio,
ou, ainda, portraumatismo direto por fratura com afundamento2.
Têmcomponente necrótico e hemorrágico.
Os hematomas intracranianos podem ser extradurais,subdurais ou
intraparenquimatosos. Os subdurais sãogeralmente conseqüência de
sangramento venoso adjacen-te a lesões de parênquima cerebral e,
portanto, freqüente-mente combinados com contusões cerebrais3. Os
extradu-rais são, em geral, secundários a sangramentos
arteriaissituados sob fraturas de crânio, não relacionados
comlesões parenquimatosas, mais raros que os subdurais e demelhor
prognóstico3. Aqueles encontrados profundamen-te no parênquima são
conhecidos como intraparenquima-tosos e são atribuídos a aumentos
localizados de níveistensionais por forças inerciais de
rotação3.
Outras lesões focais podem ser avulsões hipofisárias,avulsões de
nervos cranianos e rupturas pontomedulares,mas são muito mais raras
que as anteriormente descritas.
As lesões cerebrais difusas ocorrem em três formas:inchaço
cerebral, lesão axonal difusa e hemorragias pun-tiformes. A
caracterização exata, na maioria dos casos, sóé possível através de
necrópsia.
O inchaço cerebral é composto de componente sangü-íneo
(hiperemia ou congestão) e de água (edema cerebralpropriamente
dito). Muitos questionamentos e pesquisastêm sido feitos com a
intenção de se determinar qual ocomponente predominante12. Ocorre
em 50% das crian-ças com TCE grave e tem mortalidade acima de 50%.
Évisto na TC como uma redução simétrica dos ventrículos
Figura 4 - Auto-regulação cerebral. Mantém FSC estável den-tro
de amplas variações de PAMFSC - fluxo sangüíneo cerebral; PAM -
pressão arterialmédia
Figura 5 - Relação entre gases arteriais e fluxo
sangüíneocerebral (FSC)
Traumatismo cranioencefálico em pediatria - Guerra SD et
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laterais e das cisternas, com densidade da substânciabranca
normal ou diminuída. Quando predomina o edema,em geral é hipodenso
e pode ser perilesional, focal oudifuso.
O mais aceito é que o componente vascular seja maisprecoce e
abrupto. Por mecanismo de defesa, ocorrehiperemia cerebral
(perfusão de luxo) ou, por perda daauto-regulação, plegia vascular,
com aumento de CSC eHIC12.
O edema cerebral pode ocorrer por alteração de BHE(vasogênico).
Pode ainda ser intracelular, o chamadocitotóxico, decorrente de
lesão isquêmica, que altera abomba de Na+K+ celular, favorecendo a
entrada de água.
Mais tardiamente e em geral não considerado comocomponente do
inchaço cerebral, pode ocorrer o edemaintersticial (ou
hidrocefálico, como preferem alguns), porextravasamento de líqüor
para o parênquima cerebral,secundário à hidrocefalia.
A hidrocefalia no TCE pode ser causada por obstruçãoà circulação
do líqüor decorrente da hemorragia subarac-nóidea traumática
(hidrocefalia comunicante) ou hemorra-gia intraventricular
(hidrocefalia não comunicante)3.
A lesão axonal difusa é secundária a mecanismo
deaceleração/desaceleração rápida, de modo que as diversascamadas
do encéfalo, com massas específicas diferentes,deslizam sobre si,
fazendo uma desconexão entre asligações dos neurônios2. O
diagnóstico é feito com adetecção de alteração do estado de
consciência em pacien-te com tomografia normal ou com pontos
hemorrágicosdifusos. Não são infreqüentes associações de outras
le-sões, sejam difusas ou focais2. A lesão axonal difusa na
suaforma leve é tradicionalmente chamada de concussãocerebral, que,
em sua evolução clássica, caracteriza-sepor quadro de perda
momentânea de consciência, composterior amnésia retrógrada ou
anterógrada, passageira3.Em poucas horas o paciente retorna à
completa normali-dade, sua TC não demonstra qualquer alteração e,
nos diasque se seguem, pode apresentar algumas alterações
decomportamento (síndrome pós-concussional)3.
Múltiplas e difusas hemorragias petequiais são geral-mente
encontradas em pacientes que morrem algumashoras após lesão
cerebral. Ocorrem adjacentes a pequenosvasos do parênquima lesado
pelo evento de aceleração/desaceleração. Alguns as consideram
componente dalesão axonal difusa.
Lesão Secundária
Considera-se lesão secundária qualquer dano causadoao SNC após o
insulto inicial. Os fatores que maisfreqüentemente podem causá-lo
são hipotensão arterial,hipoxemia, hipertensão intracraniana,
hipercapnia ou hi-pocapnia, distúrbios glicêmicos, distúrbios do
sódio,hipertermia e crises convulsivas3.
Destes, os de maior incidência e que encerram piorprognóstico
são hipoxemia e hipotensão arterial, presentes
em até 50% dos pacientes atendidos nas salas de emergên-cia e
aumentando a mortalidade em mais de 100%. Oprincipal papel dos
médicos que lidam com pacientes comgraves lesões cerebrais
traumáticas, seja no pré-hospita-lar, na sala de emergência ou na
terapia intensiva, é evitartais eventos e, quando isso não for
possível, reconhecê-losprecocemente e iniciar tratamento rápido e
agressivo.
Avaliação InicialA avaliação inicial no departamento de
emergência
deverá seguir os preceitos do ATLS®. A escala de comade Glasgow
(ECG) permite classificar os pacientes e, apartir daí, define-se
conduta adequada.
TCE leve: pacientes com escore na ECG de 15 e 14Uma vez
descartadas lesões sistêmicas associadas e
definida indicação de TC, serão internados para observa-ção do
quadro neurológico se não houver disponibilidadede TC (se
indicada), TC alterada, TCE penetrante, histó-ria de perda de
consciência por mais de 5 min, cefaléiamoderada a grave,
intoxicação significativa por álcool oudrogas, fratura de crânio,
rinorréia ou otorréia, amnésiaprolongada, falta de acompanhante
confiável ou possibi-lidade de retorno rápido3.
TCE moderado: escore na ECG entre 13 e 9Após avaliação inicial
estará indicada internação e TC
para todos e, em caso de deterioração, devem ser tratadoscomo
TCE grave3.
TCE grave: ECG entre 8 e 3A abordagem inclui inicialmente
controle de vias
aéreas com estabilização da coluna cervical e colocação deum
colar cervical semi-rígido. A intubação endotraquealestá indicada
para todos, com proteção cerebral farmaco-lógica (quando não houver
contra-indicação). Em casosraros, via aérea cirúrgica pode ser
mandatória. A normo-ventilação com manutenção de oximetria
apropriada deveser o objetivo. Após a estabilização respiratória
ter sidoalcançada, atenção deve ser dispensada à correção
dehipovolemia, idealmente com solução cristalóide aqueci-da,
seguida de reposição de sangue nos casos
necessários.Eletrocardioscopia, oximetria de pulso e débito
urináriodevem ser monitorizados, bem como inserção de SNG (sehouver
suspeita de fratura de base, sonda orogástrica).Avaliação sucinta
da gravidade da lesão neurológica deveincluir quantificação da ECG
(antes e após reanimação),reflexos pupilares à luz e pesquisa de
déficits focais. Logoque o paciente for julgado suficientemente
estável para sertransportado, TC de crânio deve ser realizada
(idealmentenos primeiros 30 min após o trauma). Esta definirá
atrajetória posterior do paciente, bloco cirúrgico em casode lesões
focais drenáveis, com instalação de dispositivopara monitorização
de PIC e encaminhamento para terapiaintensiva, ou, em caso de
lesões não abordáveis cirurgica-mente, colocação de dispositivo de
PIC e terapia intensiva.
Os pacientes de TCE com deterioração neurológica,sinais de HIC
ou herniação iminente devem receber
Traumatismo cranioencefálico em pediatria - Guerra SD et
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tratamento agressivo, investigação e abordagem imediatada causa
(Figura 6). A intervenção precoce melhora seuprognóstico. Assim,
além da queda de 3 ou mais pontos noescore de Glasgow (mesmo que se
mantenha acima de 8),indicam intervenção: posturas de decorticação
ou desce-rebração (principalmente unilaterais), pupilas
dilatadas,fixas, assimétricas ou com reação anormal à luz*,
tríadede Cushing ou HAS inexplicável; apnéia ou PCR súbita3.
Quanto às indicações de TC, a maior discussão serelaciona com o
TCE leve. No entanto, mesmo estespacientes têm perto de 20% de
chance de lesão intracra-niana3. A associação com alterações ao
exame neurológi-co aumenta consideravelmente o risco. Assim, TC
deencéfalo está indicada se ECG < 15, presença de
déficitneurológico, sinais de fratura e cefaléia ou
vômitospersistentes ou progressivos3. No entanto, deve ser
con-siderada para toda criança que apresentou mais que
umamomentânea perda de consciência ou amnésia, mesmo queem
ECG=153.
Até há algum tempo, classificavam-se as lesões emfocais (de
massa) e não focais. Marshall e cols. descre-veram nova
classificação, considerando os já valorizadossinais de lesão com
efeito de massa e desvio da linhamediana e acrescentando a
avaliação das cisternas mesen-cefálicas.
O termo lesão cerebral difusa (LCD) foi dividido emquatro
subgrupos.
LCD Grau I: inclui todas as lesões cerebrais difusasnas quais
não há alteração visível (TC normal para a idadedo paciente).
LCD Grau II: inclui todas as lesões nas quais ascisternas
permanecem presentes, o desvio da linha medi-ana é menor que 5 mm
e/ou não há qualquer lesão dedensidade alta ou mista maior que 25
ml (medida eletro-nicamente pelo tomógrafo).
LCD Grau III: lesões com swelling (inchaço), onde ascisternas
estão comprimidas ou ausentes, o desvio da linhamediana está entre
0 e 5 mm e não há lesão de densidadealta ou mista maior que 25
ml.
LCD Grau IV: presença de desvio da linha medianamaior que 5 mm,
sem lesão de densidade alta ou mistamaior que 25 ml.
As lesões de massa foram divididas em dois subgrupos:
- lesão evacuada: qualquer lesão cirurgicamente eva-cuada;
- lesão não evacuada: lesão maior que 25 ml. Nãoevacuada
cirurgicamente.
A classificação tomográfica foi fator independentealtamente
preditivo de HIC e mortalidade. Pacientes comLCD grau I
apresentaram mortalidade de 10%, contramais de 50% naqueles que
exibiram lesão grau IV13. Essaclassificação, usada em conjunto com
a tradicional divisãode hemorragias intracranianas, permite
avaliação muitomais acurada do risco de HIC e óbito.
A ressonância magnética é pouco disponível em nossomeio e de
difícil realização em pacientes graves.
Coluna vertebralTodos os pacientes com mecanismo de lesão capaz
de
causar trauma de coluna vertebral (aceleração/desacelera-ção,
trauma grave acima das clavículas e mecanismodesconhecido) devem
permanecer imobilizados até que
* Exceto se uma pupila não reagir ao estímulo luminoso direto,
mascontrair-se rapidamente ao estímulo contralateral. Neste caso,
trata-sede lesão direta do nervo óptico do lado não reativo, e não
HIC.
Procedimentos DiagnósticosEncéfaloO exame de escolha para o
paciente com suspeita de
lesão intracraniana é tomografia computadorizada (TC),sem
contraste. A radiografia de crânio traz pouco benefí-cio. Se
negativa, não exclui lesão intracraniana e, quandodetecta fratura,
em geral leva à realização de TC.
Não há indicação clara para a radiografia de crânio,mas é aceita
quando não há TC disponível e nos casos delesões penetrantes da
cabeça e pescoço, principalmente sehouver empalamento3.
Figura 6 - TCE com deterioração neurológica. Fluxograma
deabordagem mais agressiva
Traumatismo cranioencefálico em pediatria - Guerra SD et
alii
-
S286 Jornal de Pediatria - Vol. 75, Supl.2, 1999
esta possibilidade possa ser descartada. A radiografialateral de
coluna cervical pode confirmar, mas não excluirlesões3. Na maioria
dos casos graves, os pacientes perma-necerão imobilizados até o fim
do tratamento definitivo doTCE.
Monitorização na UTIA monitorização iniciada na sala de
emergência deve
ser mantida. Mesmo com recursos sofisticados, algunsparâmetros
clínicos são fundamentais. As pupilas devemser rigorosamente
acompanhadas, tentando-se correlacio-nar suas alterações com
possíveis causas (miose, porexemplo, secundária ao início de
infusão de opióides e nãolesão de ponte). Podem ser o primeiro
sinal de herniaçãopor lesões temporais, antes que aumento de PIC
sejadetectado ao monitor.
Monitorização hemodinâmica: eletrocardioscopia con-tínua:
inúmeros distúrbios de ritmo estão associados aoTCE; pressão
intra-arterial: qualquer episódio de hipoten-são é catastrófico
(além de medir a PAM de formacontínua, a cateterização arterial
torna as coletas desangue seriadas mais fáceis e menos agressivas);
PVC:apesar de suas limitações, pode ser empregada devido
àdisponibilidade e facilidade de instalação, valorizando-sea
tendência, mais que números absolutos; cateter emartéria pulmonar:
apesar da controvérsia, mantém suasindicações (ainda assim, os
autores o têm utilizado rarís-simas vezes, em casos de choque
refratário a volume edrogas, onde as informações obtidas possam
alterar signi-ficativamente a terapêutica).
Monitorização laboratorial: gasometria, glicemia, ele-trólicos,
eritrograma, plaquetas, AP, PTT e fibrinogêniodevem ser feitos de
forma seriada, com o objetivo dedetectar precocemente alterações
danosas, mas corrigí-veis.
Monitorização radiológica: TC deverá ser feita aqualquer momento
em caso de piora e possibilidade delesão tratável
cirurgicamente.
Monitorização da PIC: deve ser instalada assim quedetectada sua
necessidade, e corrigidos os distúrbios decoagulação porventura
existentes. Apesar de utilizadadesde 1951, não existe consenso em
relação às indicaçõespara monitorização da PIC8.
A maior controvérsia diz respeito aos pacientes comTCE grave e
TC normal. Entre as crianças há maioraceitação quanto à
monitorização, uma vez que 60% dasque apresentam ECG < 8 evoluem
com HIC12.
O protocolo do Hospital João XXIII indica monitoriza-ção de PIC
se: ECG < 8, independentemente do achadotomográfico;
pós-operatório de drenagem de contusãocerebral, hematoma subdural
agudo ou hemorragia intra-parenquimatosa; pós-operatório de
hematoma epiduralagudo em que o paciente não recupera a consciência
nas
primeiras 6 horas; pacientes que apresentam ECG entre 9e 13
(incluído) se: a TC de encéfalo demonstrar
lesãointraparenquimatosa, apagamento de cisternas basais oude
ventrículos laterais ou desvio da linha mediana maiorou igual a 5
mm; pacientes que apresentam ECG entre 9e 13 e necessitam de
sedação ou anestesia para tratamentode trauma sistêmico grave.
São consideradas contra-indicações para a instalaçãodo monitor:
distúrbios de coagulação não corrigidos,paciente consciente e em
morte encefálica.
Existem várias técnicas e dispositivos para a monito-rização da
PIC. O primeiro descrito e que ainda éconsiderado o padrão ouro de
medida é o cateter intraven-tricular (CIV). Além de ter baixo custo
e permitir recali-bração, tem a grande vantagem de permitir
drenagem deLCR quando há episódios de HIC. No entanto, devido
acolabamento ou desvio de ventrículos, freqüentementeencontrado,
nem sempre é possível sua instalação. Apre-senta ainda risco
aumentado de complicações infeccio-sas14 e, por ser uma medida em
coluna de líquido, aentrada de bolhas ou obstruções pode alterar ou
impedir amedida da PIC. Além disso, a mudança de posição dopaciente
obriga à nova calibração.
Outro dispositivo de baixo custo que também permiterecalibração
e tem menor número de complicações infec-ciosas que o anterior é o
parafuso de Richmond, instaladono espaço subdural ou subaracnóideo.
Requer, além doparafuso, que é reutilizável e de baixo custo,
monitor comcanal de pressão invasiva, presente na maioria de
nossasunidades. Apesar da instalação ser relativamente simples,em
mãos inexperientes pode ser feita de forma inadequa-da, impedindo
ou alterando desastrosamente a medida.Estes e outros erros,
causados pela coluna de líquido,podem trazer sérios prejuízos aos
pacientes. Além disso,a tábua óssea da criança pode ser muito fina
mesmo parao parafuso infantil, com risco de fratura ou
desaloja-mento. Apesar de todos os inconvenientes, é o
dispositivomais freqüentemente disponível em nosso país, e
osautores acreditam que, com atenção redobrada à instala-ção e
artefatos, tem ainda muita utilidade.
O terceiro monitor disponível em nosso meio é ocateter de fibra
óptica (FO). Pode ser instalado no parên-quima ou no ventrículo
(aqui com benefícios e riscossemelhantes ao CIV). A instalação
intraparenquimatosa ésimples, podendo ser implantado na UTI, até
mesmo pelointensivista, em caso de eventual indisponibilidade
doneurocirurgião, desde que previamente treinado e autori-zado por
este.
A FO pode ser instalada em crianças abaixo de trêsanos. Seu
monitor armazena e imprime, sempre quesolicitado, a medida contínua
das últimas 8h. Não neces-sita de recalibração quando alterada a
posição do paciente,porém, em caso de dúvida, não permite
recalibração apóssua instalação. Tem ainda como desvantagens o alto
custo(do monitor e das fibras, que são descartáveis) e umaeventual
alteração do valor medido, de até 5 mmHg, após
Traumatismo cranioencefálico em pediatria - Guerra SD et
alii
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Jornal de Pediatria - Vol. 75, Supl.2, 1999 S287
o 5º dia de monitorização. No entanto, a troca da fibra
éprocedimento simples, ainda que não isento de riscos.
A troca da FO ou do PR não está indicada rotineira-mente, pois
não mostra benefício no que se refere àprevenção de infecções15. Os
três dispositivos se equiva-lem com relação às complicações
hemorrágicas14.
Os valores descritos para intervenção terapêutica va-riam na
literatura entre 15 e 30 mmHg8. Para criançasexiste ainda maior
dúvida. Mais importante que sermedida isolada é a forma como a PIC
responde aoseventos. Recomenda-se intervenção (ver Medidas
espe-cíficas para controle da HIC) quando PIC>15, secrianças com
idade menor ou igual a 2 anos, craniectomia,fístula liquórica ou
lesão temporal em qualquer idade; PIC>20, se paciente >2 anos
e ausência das situações acima.Como regra, trata-se após 10 min
desses valores, ou após5 min, se >40.
Sempre se avalia PIC em conjunto com PPC. O valormínimo de PPC
para adultos é 70 mmHg. Em crianças, umtanto arbitrariamente, os
autores recomendam: >8 anos,mínimo de 70; entre 3 e 8 anos,
50-60; e
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S288 Jornal de Pediatria - Vol. 75, Supl.2, 1999
Controle de temperatura: estudos experimentais de-monstram que a
hipertermia, mesmo leve, exacerba odano cerebral após trauma ou
eventos isquêmicos19.Temperaturas corporais elevadas devem ser
tratadas agres-sivamente com dipirona, paracetomol, clorpromazina
(porsonda SNG) e métodos físicos.
Defende-se, inclusive, monitorização direta de tempe-ratura
cerebral (intraparenquimatosa), uma vez que estátipicamente acima
da corporal (com diferenças descritasentre 0,3 e 2,1ºC)19.
Analgesia, sedação e BNM: dor, agitação, hipertoniae assincronia
com o ventilador, são experiências desagra-dáveis com repercussões
fisiológicas negativas e váriascomplicações. Uma delas, o aumento
da PIC. No entanto,a sedação excessiva pode aumentar a incidência
de atelec-tasias, pneumonias e úlceras de decúbito.
Recomenda-seavaliação freqüente do nível de sedação e limitar o uso
deBNM, sempre que possível, aos episódios de HIC etransporte. Seu
uso profilático e indiscriminado no TCEaumenta a incidência de
sepse e internações prolonga-das20.
Ventilação mecânica: deve-se evitar trabalhar comelevada pressão
média de vias aéreas, pois dificulta oretorno venoso jugular.
Fisioterapia respiratória: é de fundamental importân-cia para a
prevenção de atelectasias, pneumonias e obstru-ção de cânula
endotraqueal, dentre outras complicações daventilação mecânica. Nos
pacientes mais graves deve-selimitar à aspiração e higiene
brônquica, precedida poranalgesia, sedação e bloqueio neuromuscular
(BNM). Se,mesmo com a espera do efeito máximo dessas drogas,
osprocedimentos levarem a aumento significativo da PIC,recomenda-se
dose prévia de lidocaína (um minuto antes).Seu efeito
vasoconstritor cerebral pode minimizar talcomplicação. O aumento da
PIC (por alguns segundos,após tosse ou outros reflexos) que retorna
rapidamente aonormal, é esperado e representa boa complacência
intra-craniana.
Hidratação venosa: o objetivo é a manutenção depaciente
normovolêmico, garantindo PPC. Desta forma oaporte hídrico após a
reanimação será igual a 100% dasnecessidades diárias. A restrição
hídrica utilizada até háalguns anos atrás não mostrou qualquer
benefício naprevenção ou tratamento do edema cerebral7.
Apesardisto, recomenda-se que se evite sobrecarga de volume.
Devem-se evitar soluções livres de solutos iônicos. Osoro
glicosado isotônico (5%) é considerado solução livrede solutos
pois, após metabolização da glicose, apenaságua livre permanece no
espaço intravascular, levando ahipotonicidade e agravamento do
edema cerebral. Asolução salina a 0,9%(SF) deve ser preferida,
seguida dasolução de Ringer (RL) que, devido à leve
hipotonicidade,pode acentuar discretamente o edema cerebral.
Controle glicêmico: a monitorização seriada da glice-mia é
imprescindível. Em geral, os pacientes apresentam
resposta neuro-endócrina-metabólica, o que leva a hiper-glicemia
nas horas que se seguem ao trauma5. Esta leva àglicólise
anaeróbica, com conseqüente acidose lática eagravamento do dano
cerebral. Os autores recomendaminfusão contínua de insulina nos
pacientes com glicemiaacima de 300 (mg/dl), uma vez que tais
valores estãoassociados a piores resultados neurológicos em
humanose estudos experimentais21. Apesar do cérebro
lesadonecessitar menos de seus nutrientes habituais, tem
menortolerância à sua carência. Dessa forma, a hipoglicemiatambém
representa grande risco. Quando os níveis apro-ximarem-se de 100
mg/dl, deve-se iniciar infusão venosade glicose ou dieta por via
enteral. À admissão, recomen-da-se informar-se com precisão o tipo
de solução que opaciente vinha recebendo nas horas anteriores. Por
vezes,a criança recebe inadvertidamente solução hipertônica
deglicose nesse período, o que pode levar à hipoglicemia derebote
quando do início de solução salina pura.
Distúrbios do sódio: são muito comuns no pacientecom TCE. 95%
dos indivíduos que perdem a consciênciatêm algum grau de Diabetes
Insipido (DI)22. Ocorre umaalteração do eixo hipotálamo hipofisário
(em geral passa-geira), local de produção e armazenamento do
hormônioantidiurético (HAD). Isso leva a sua deficiência,
comconseqüente poliúria, desidratação e hipernatremia (porperda de
água livre). Há desproporção entre osmolaridadeplasmática (elevada
às custas do sódio) e urinária (diminu-ída). O diagnóstico é feito
com base na história de traumagrave e em exames laboratoriais que
confirmam tal discre-pância: Na >150, com densidade urinária
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Jornal de Pediatria - Vol. 75, Supl.2, 1999 S289
A hiponatremia pode surgir por Secreção Inapropriadado Hormônio
Antidiurético (SIHAD) ou por SíndromeCentral Perdedora de Sal
(SCPS). Na primeira, o excessode HAD leva à retenção hídrica, com
hiponatremia dilu-cional e normovolemia ou discreta hipervolemia. O
paci-ente pode apresentar-se oligúrico, hiponatrêmico e comsódio e
densidade urinária elevados. A correção do sódiodeve ser lenta,
exceto se abaixo de 120 mEq/l ou sesurgirem sinais clínicos de
agravamento do edema cere-bral como convulsões ou aumento da PIC. A
correçãorápida desnecessária pode levar a mielinólise pontina23.
Arestrição hídrica é controversa, uma vez que pacientescom HIC,
meningite e SIHAD submetidos a tal condutativeram pior
prognóstico24. Argumenta-se que tal meca-nismo de sobrecarga
hídrica seria um mecanismo decompensação da PPC. Os autores
recomendam manuten-ção de normovolemia e atenção redobrada aos
valores desódio.
A SCPS é causa comum de hiponatremia no pacientecom TCE. O
cérebro produz substância similar ao peptí-deo atrial natriurético,
levando a perda renal de sódio eágua23. Como a perda de sódio é
proporcionalmente maiorque a de água, o sódio urinário encontra-se
elevado e osódio sérico diminuído. O paciente tende a
hipovolemia,podendo ou não exibir suas manifestações clínicas
evolume urinário claramente aumentado. As pressões deenchimento de
câmaras cardíacas estão reduzidas, o quepode ser o único dado a
distinguir a SCPS da SIHAD.
A reposição de Na segue os mesmos princípios daSIHAD e a grande
diferença no tratamento, que reforça aimportância do diagnóstico
preciso, é a necessidade dereposição volêmica rigorosa.
Trato gastrintestinal (TGI)/Nutrição: crianças trau-matizadas
têm risco aumentado de lesão aguda de mucosagastroduodenal25. Uma
das medidas preventivas é a rea-limentação gástrica precoce que
reduz a acidez e aceleraa renovação da mucosa caso alguma pequena
lesão já tenhase instalado. Até que haja regularidade na tolerância
àdieta, associa-se ranitidina como medida de proteção.Alguns
trabalhos sugerem que a elevação do pH gástricopor bloqueadores H2
poderia facilitar o crescimento bac-teriano, aumentando a
incidência de pneumonias. Estudoscomparativos com sucralfato que,
teoricamente, não leva-ria a tal alteração, não mostraram diferença
significati-va26.
O paciente com TCE é considerado hipermetabólico e,portanto, se
não atendido em sua demanda energética,pode entrar em catabolismo e
se tornar rapidamentedesnutrido. Estudos mostram melhor prognóstico
nospacientes alimentados a partir de seis horas do trauma,
viaenteral. Apesar de algum grau de íleo pós-trauma, apreferência é
sempre pelo TGI, com o objetivo de atingir,após o 4º dia de trauma,
100% das necessidades calóricaspara pacientes mantidos em bloqueio
neuromuscular e150% para aqueles sem tal medida27. Reserva-se
nutriçãoparenteral para situações especiais.
Coagulação: o TCE pode levar a graves distúrbios decoagulação
que, se não detectados e corrigidos, podem sercatastróficos. O
cérebro é rico em tromboplastina tecidualque, uma vez liberada,
ativa as cascatas de coagulação,levando a uma coagulopatia de
consumo (CIVD). Estapode também ser causada por choque prolongado e
acido-se, comuns em traumatizados graves. A reposição volêmi-ca
rigorosa com cristalóides e concentrados de hemáciaspode levar
ainda a uma coagulopatia dilucional, commanifestações clínicas e
laboratoriais semelhantes à CIVD,exceto pela presença do produto de
degradação de fibrina(em CIVD), mas que habitualmente não são
dosados emnosso meio. Por último, a hipotermia pode levar à
inativa-ção dos fatores de coagulação, que comumente não
édetectada, uma vez que o sangue é aquecido para taisexames.
Sangramentos ativos, ou mesmo alterações laboratori-ais de tempo
de tromboplastina parcial (PTTA), tempo eatividade de protrombina,
de plaquetas e de fibrinogêniodevem ser corrigidos agressivamente
(assim como ascausas de tais alterações).
Os autores entendem que as conseqüências de umsangramento
intracraniano superam em muito o risco detransmissão sangüínea de
doenças virais. Como regrarecomendam: plasma fresco congelado:
10-20 ml/kg, sePTTA >20s o controle ou RNI > 1,6; plaquetas:
umaunidade/ 5kg de peso corporal livre, se contagem deplaquetas<
50.000; criopreciptado, se fibrinogênio < 50mg/dl (raramente é
necessário).
Anemia x Hiperviscosidade: acredita-se que Ht entre30 e 35%
represente o equilíbrio entre esses extremos.
Anticonvulsivantes: alguns trabalhos demonstrarambenefício com o
uso de anticonvulsionantes profiláticosaté o sétimo dia
pós-trauma28. Após esse período, não háqualquer benefício
comprovado. As drogas de escolha sãodifenilhidantoína e
carbamazepina. São considerados derisco todos os pacientes com
ECG
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S290 Jornal de Pediatria - Vol. 75, Supl.2, 1999
ato de água através dos capilares extracerebrais que tem osporos
muito mais amplos que os da BHE. Estes necessitamde pressão
hidrostática ou gradiente osmótico muito mai-or, para que haja
passagem significativa de água emqualquer sentido9. O manitol causa
ainda redução daviscosidade sangüínea, por diluição e por permitir
maiordeformidade das hemácias na microcirculação. Tudo issoleva a
aumento do FSC e, nas áreas onde há preservaçãoda auto-regulação,
ocorre vasoconstrição, reduzindo oCSC, mas mantendo FSC, uma vez
que suas outrasvariáveis estão favorecidas (ver Fisiopatologia).
Issocausa queda da PIC em poucos min9. Em casos de perdade
auto-regulação, o aumento da PAM pode levar aaumento transitório de
PIC, por invasão do encéfalopelo maior FSC e CSC, sem
vasoconstrição protetora.
Após 15 a 30 min, há retirada de água do parênquimacerebral por
gradiente osmótico com benefício adicionalno controle da PIC9,27.
Esse efeito persiste por 90 min aseis horas (variavelmente).
O manitol deve ser utilizado quando de episódios deHIC
documentada. Não deve ser repetido, exceto se novoepisódio ocorrer.
As indicações para seu uso antes damonitorização da PIC, no
atendimento pré-hospitalar, nasala de emergência ou na UTI,
restringem-se aos pacientescom evidente HIC, sinais de herniação ou
deterioraçãoneurológica.
Os autores aceitam também que, mesmo sem monito-rização e
evidência clínica, mas com sinais tomográficosevidentes de HIC
(apagamento das cisternas e/ou desviode linha mediana maior que 5
mm), se justifica o uso demanitol e hiperventilação leve, como
medidas temporári-as, enquanto a criança aguarda intervenção
cirúrgica oumonitorização de PIC.
O uso do manitol fora das situações acima ou eminfusão contínua
não tem benefício e aumenta os riscos deseus efeitos adversos:
hipovolemia e hiperviscosidade(conseqüentes à diurese abundante),
hipotensão, hiperna-tremia (podendo levar a sangramentos do SNC),
insufici-ência renal aguda (secundária à hiperosmolaridade
plas-mática), ruptura da BHE levando ao acúmulo da droga notecido
encefálico, criando um gradiente osmótico que,neste caso, irá
favorecer o fluxo de água do plasma parao tecido, exacerbando o
edema27. Esse efeito se torna maisacentuado após repetidas doses,
mas principalmente cominfusão contínua.
As doses recomendadas variam de 0,25 a 1,5 g/kg, dasolução a
20%, em bolus. Dose maior deve ser utilizadainicialmente ou em
situações de emergência, e dosesmenores (0,25 g/kg), quando
necessária a repetição fre-qüente. Doses maiores não mostraram
benefício nessasituação e podem também exacerbar as
complicações7.
Além dos cuidados com o equilíbrio hidreletrolítico,deve-se
monitorizar a osmolaridade sérica, uma vez que,com valores acima de
320 mOsm/l, a droga tem efeitoquestionável e traz grande risco de
lesão renal27. Nessescasos, não infundir, exceto se houver sinais
de herniação
transtentorial. A fórmula para o cálculo da
osmolaridadeplasmática tem valor limitado com o uso de manitol,
umavez que trata-se de Osmol exógeno, não considerado noscálculos.
No entanto, se o valor calculado, mesmo sem omanitol, estiver acima
de 320, seu uso está contra-indicado. Na ausência de dosagem
sérica, com HIC dedifícil controle, os autores recomendam
(empiricamente),não repetir o manitol em intervalos menores que 2
horas.
Outra controvérsia é quanto à existência de possívelrebote de
HIC quando da suspensão do manitol. Estudosexperimentais bem
controlados não o evidenciaram9.Recomenda-se checagem
hidreletrolítica e hemodinâmi-ca, quando de sua suspeita (detalhes
em texto específico)9.
Hiperventilação: seu efeito, seja através dos própriosmecanismos
de defesa do organismo ou induzido por VM,é imediato, mas, se
mantida por algumas horas, é anulado(ver Fisiopatologia). Essa é a
razão pela qual algunsdefendem que depois de algum tempo de
hiperventilaçãoé necessário (ou possível) reduzir ainda mais a
PaCO2,para se obter o mesmo efeito de redução de fluxo e CSC.Como o
pH periarteriolar não é mensurável, sem medidade ajuste entre fluxo
e oxigenação tecidual cerebral, éimpossível detectar se a
compensação já ocorreu e qualseria o novo valor de PaCO2 eficaz e
seguro. O risco maiorda hiperventilação não controlada é a redução
extrema deFSC.
A isquemia causada pela hiperventilação tem sidomotivo de muita
discussão. Algumas crianças tem hipere-mia encefálica nas primeiras
horas pós-trauma, mas umnúmero significativo tem baixo FSC6.
Reduzir ainda maiso FSC nestes pacientes pode ser catastrófico, uma
vez quetrata-se de período de aumentada vulnerabilidade a insul-tos
isquêmicos. Está demonstrado que a hiperventilaçãoprofilática piora
o resultado neurológico dos pacientes eaumenta a mortalidade27.
A hiperventilação está indicada como medida tempo-rária, nos
casos de HIC documentada ou clinicamenteevidente, principalmente na
vigência de sinais de hernia-ção transtentorial. Deve-se mantê-la
por uma hora e emseguida retornar aos parâmetros ventilatórios
anterioresem um prazo de 6 horas11. Recomenda-se redução da FRem 1
ciclo por vez, em intervalos de 15 minutos, ouconforme tolerância
do paciente11.
Tem-se discutido sobre qual deve ser a medida inicialquando de
episódio de HIC. O primeiro episódio de HICem paciente
normovolêmico pode ser tratado com mani-tol. Em caso de hipovolemia
ou pior hipotensão arterial,a hiperventilação temporária é mais
aceita. No entanto, sehá queda da PAM, há queda da PPC e,
provavelmente, doFSC. Não seria prudente adotar medida que
reduzisseainda mais o FSC. Nesse ponto, alguns recomendam omanitol
como solução de reanimação, associado a colói-de27. Os defensores
da solução salina hipertônica (SSH)têm aqui seu mais forte
argumento, uma vez que teriam osefeitos benéficos do manitol na
dinâmica cerebral ecardiovascular, sem a posterior diurese e risco
de agrava-
Traumatismo cranioencefálico em pediatria - Guerra SD et
alii
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Jornal de Pediatria - Vol. 75, Supl.2, 1999 S291
mento da hipovolemia. Os resultados de trabalhos recentessão
promissores (mesmo em pediatria)29.
Após as primeiras intervenções na PIC e PPC, o uso domanitol e
hiperventilação deveria ser guiado pela relaçãoentre fluxo e
metabolismo cerebral. Nas situações ondehouvesse HIC com excesso de
FSC (ECO2¯ ), estariaindicada a hiperventilação17. Nos casos onde
houvessebaixo FSC (ECO2- ), o manitol seria utilizado
17. Comoreconhecemos que essas duas medidas não devem
serutilizadas por períodos prolongados, a HIC que requerfreqüentes
intervenções deve ser tratada com coma barbi-túrico.
Coma barbitúrico: o coma barbitúrico tem efeitoprotetor cerebral
de várias maneiras. Reduz o metabolis-mo, levando, em áreas com
acoplamento preservado, àredução de FSC, CSC e PIC. O seu efeito
como redutorda PIC está demonstrado em estudo multicêntrico30.
Nos locais com perda do acoplamento metabólico, nãohá redução do
FSC, mas há atenuação do fenômenoisquêmico, uma vez que a redução
da necessidade deoxigênio torna a oferta mais adequada. Outro
mecanismodescrito é a peroxidação de radicais livres, que minimizao
dano celular cerebral27.
Dentre as complicações mais temidas dos barbitúricos,estão
redução da contratilidade miocárdica e da resistênciavascular
sistêmica (RVS), com conseqüente queda daPAM; distúrbios
hidreletrolíticos, alteração da funçãohepática e depressão
imunológica (celular e humoral),com aumento da incidência de
infecções31. Além deaumentar a incidência, dificulta sua detecção,
já quetornam-se menos freqüentes febre, leucocitose e desviopara a
esquerda na contagem diferencial leucocitária31.É importante manter
alta suspeição e usar contagem deplaquetas, glicemia e dosagem
seriada de proteína Creativa como auxiliares para o
diagnóstico.
A maioria dos trabalhos americanos utiliza Pentobar-bital para
coma barbitúrico. No nosso meio a drogadisponível é Thiopental, à
semelhança de alguns paíseseuropeus. Apesar de apresentarem
diferenças, como amaior lipossolubilidade do Thiopental, muitos
utilizam amesma posologia para ambas, ou até doses maiores
paraeste32. Para pentobarbital preconiza-se dose de ataque de10
mg/kg, infundida em 30 minutos, seguida de infusão de5mg/kg/h,
durante 3 horas e manutenção entre 1 e 3 mg/kg/h (podendo atingir
níveis mais elevados, de acordo coma evolução)30.
Não se deve utilizar Thiopental profilática ou
indiscri-minadamente em todos os pacientes com TCE. Só estáindicado
para aqueles com HIC não responsiva à interven-ção cirúrgica, às
medidas descritas anteriormente, ou paratransporte27. Não se inicia
em paciente hipotenso. Casosurja hipotensão, a droga deve ser
imediatamente suspensae instituída correção agressiva com volume
e/ou drogasinotrópicas e vasoativas. Após estabilização reinicia-se
ainfusão. Muitas vezes os pacientes receberão suportehemodinâmico
até a suspensão do coma barbitúrico.
Todos devem estar intubados, em VM e com monitoriza-ção de PIA e
PVC. Alguns autores recomendam cateter emartéria pulmonar para
todos os pacientes em coma barbi-túrico.
A dosagem sérica de Thiopental, além de raramentedisponível, nem
sempre se correlaciona com o efeitoesperado. A melhor monitorização
é feita através deEletroencefalograma (EEG), também pouco
disponível.Seu registro permite exibição de surtos e supressão
daatividade elétrica, que evidencia o nível adequado deredução do
metabolismo cerebral (cerca de 50%). Aausência de monitorização
aumenta os riscos inerentes aotratamento.
Quando orientados pela PIC e limitados apenas pelainstabilidade
hemodinâmica, os ajustes de dosagem po-dem levar a infusão
excessiva, com elevados níveis séricose grande acúmulo no tecido
cerebral (já favorecido poralteração da BHE) e no tecido adiposo
periférico. OThiopental pode demorar dias para ser eliminado
doorganismo. Aliadas a isso, concentrações elevadas dadroga levam à
abolição de qualquer resposta motora oureflexo de tronco, mantendo
a criança em apnéia emidríase fixa bilateral31. Tal fato pode levar
a graves errosde interpretação, com risco de conclusões
precipitadas arespeito do prognóstico e investimento a ser feito
nacriança. Até mesmo o traçado do EEG pode ser falsamentealterado,
levando à ausência de atividade (nestes casos, adosagem sérica pode
ajudar).
Corticosteróides: o papel de mediadores inflamatóriosna formação
do edema cerebral vasogênico sugere quecorticóides e outros
mediadores bioquímicos podem serúteis em seu controle. No entanto,
nenhum estudo comcorticóides em TCE mostrou benefício no controle
deHIC, ou no resultado neurológico final33.
Pondera-se ainda que seu uso pode aumentar o risco
desangramentos digestivos, hiperglicemia e infecções, au-mentando
as possibilidades de lesão cerebral secundária.Apesar de não ter
sido demonstrado o benefício, umarevisão sistemática dos estudos
com tais drogas tambémnão evidenciou aumento de incidência de
infecções ousangramentos digestivos, como se esperava33.
O interesse no papel dos corticóides ganhou novoalento com
resultados positivos obtidos em vítimas detrauma raqui-medular
contuso. Em 1999 foi iniciado umgrande estudo multicêntrico,
controlado, que pretendeincluir 20.000 pessoas. Até que este e
outros trabalhoscom anti-inflamatórios sejam concluídos, não há
indica-ção para o uso de tais drogas no TCE27,33.
Hipotermia: estudos em modelos animais demonstramque a
hipotermia moderada protege o SNC através daredução do metabolismo
(não só da atividade elétrica, mastambém do gasto energético
basal). É relatada ainda aprevenção de liberação excessiva de
aminoácidos excita-tórios pós-trauma, substâncias potencializadoras
do danocelular; e redução da liberação de citocinas e do
extrava-
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alii
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S292 Jornal de Pediatria - Vol. 75, Supl.2, 1999
samento de leucócitos polimorfonucleares na área lesada(por
preservação da BHE)34,35.
A técnica de resfriamento mais utilizada tem sidocobertores com
água gelada circulante. Permanecem dú-vidas quanto ao melhor
momemto para se iniciar (se nasprimeiras horas, ou após falha de
terapêutica convencio-nal), a temperatura ideal (32 ou 34ºC), a
duração e a formade reaquecimento34,35.
Dentre os efeitos sistêmicos da hipotermia estão des-critos
alterações de ritmo cardíaco, aumento de hematócri-to e viscosidade
sangüínea, desvio de potássio para o meiointracelular, inativação
de fatores de coagulação, aumentode incidência de infecções,
irregularidade farmacocinéti-ca e, durante o reaquecimento, HIC e
choque circulató-rio35. O último, provavelmente, por vasodilatação
sistê-mica.
Alguns trabalhos demonstraram bons resultados com atécnica e, em
1994, foi iniciado estudo multicêntrico paratestar seu benefício em
pacientes com TCE grave. En-quanto se aguarda conclusão, não é
considerada terapêu-tica de primeira linha27.
Craniectomia descompressiva (CD): consiste de reti-rada de parte
de osso craniano, uni ou bilateralmente,podendo ser acompanhada de
abertura e alargamento dadura mater. O objetivo é o alívio de
pressão do comparti-mento. Tal procedimento minimiza os danos do
déficit dePPC e, dependendo da técnica, impede herniação
transten-torial. Muitas dúvidas permanecem, principalmente quan-to
à eficácia, indicações complicações e momento idealpara a
realização (a demora a torna inútil). Recentementealguns trabalhos,
com bons resultados, principalmente emcrianças, reacenderam o
interesse pela técnica36,37.
A técnica mostra-se promissora, sendo necessários, noentanto,
novos trabalhos a respeito. A partir da literaturaconsultada e com
base na avaliação crítica de outrosautores, concorda-se que se o
valor de PIC em um pacientecom inchaço cerebral difuso e ECG >3,
permaneceacima de 25mmHg nas primeiras 48h pós-trauma, adespeito de
terapia rigorosa, incluindo administração dedrogas hipnóticas, e a
PPC não pode ser mantida em níveisaceitáveis, CD deve ser
considerada36,37.
PrevençãoDentre a tormenta de incertezas que cerca o
traumatis-
mo cranioencefálico, esta é a palavra de consenso.
A prevenção da lesão secundária foi abordada anteri-ormente.
Quanto à lesão primária, sua prevenção podeocorrer através de
política educacional, punitiva (de maiorimpacto que a anterior) e
estrutural.
A primeira requer ação conjunta dos segmentos dasociedade, não
estando qualquer indivíduo isento daresponsabilidade de promovê-la
(inclusive crianças, emidade adequada e sob orientação).
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O estabelecimento de punições proporcionais aos da-nos causados
depende das autoridades, mas também depressão exercida pela
comunidade. Da mesma forma,depende o estabelecimento da
obrigatoriedade de disposi-tivos de segurança, como na engenharia
rodoviária, habi-tacional, recreativa e esportiva, que podem
impedir inci-dentes, ou de mecanismos de minimização do
impacto,quando inevitável. Alguns números americanos3 exempli-ficam
a importância de política preventiva:
50% das lesões cranioencefálicas graves poderiamser evitadas
pelo uso de cintos de segurança.
Cadeiras de segurança para crianças salvam pelomenos 160 vidas a
cada ano.
O uso universal de capacetes para ciclistas salvariauma vida por
dia e evitaria um TCE a cada 4 minutos.
Os autores concluem que medidas eficazes e simplesestão ao
alcance de todos, impedindo lesões e permitindoque as crianças
sigam seu crescimento em plenitude: nossamissão.
Agradecimentos
Ao Hospital João XXIII, por nos receber; à equipe,pela dedicação
e compreensão; aos residentes e acadêmi-cos, por aprendermos
juntos; às crianças e seus pais, porconfiarem em nós, e aos nossos
pais, pelo maior ensina-mento.
Traumatismo cranioencefálico em pediatria - Guerra SD et
alii
-
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