Transformação do Bagaço de Cana-de-açúcar em Bio-petróleo por Intermédio de Solventes Orgânicos Célia Raquel Rodrigues Fernandes Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Química Orientadores: Prof.ª Doutora Maria Filipa Gomes Ribeiro Prof.º Doutor Marcelo Maciel Pereira Júri Presidente: Prof.ª Doutora Maria Joana Castelo-Branco de Assis Teixeira Neiva Correia Orientador: Prof.ª Doutora Maria Filipa Gomes Ribeiro Vogal: Prof.º Doutor João Miguel Alves da Silva Julho de 2018
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Transformação do Bagaço de Cana-de-açúcar em
Bio-petróleo por Intermédio de Solventes Orgânicos
Célia Raquel Rodrigues Fernandes
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em
Engenharia Química
Orientadores: Prof.ª Doutora Maria Filipa Gomes Ribeiro
Prof.º Doutor Marcelo Maciel Pereira
Júri
Presidente: Prof.ª Doutora Maria Joana Castelo-Branco de Assis Teixeira
Neiva Correia
Orientador: Prof.ª Doutora Maria Filipa Gomes Ribeiro
Vogal: Prof.º Doutor João Miguel Alves da Silva
Julho de 2018
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1 “Don’t go on finding new papers all the time, or you will never finish your thesis!”, Babak.
Sísifo Recomeça1.... Se puderes Sem angústia E sem pressa. E os passos que deres, Nesse caminho duro Do futuro Dá-os em liberdade. Enquanto não alcances Não descanses. De nenhum fruto queiras só metade. E, nunca saciado, Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar. Sempre a sonhar e vendo O logro da aventura. És homem, não te esqueças! Só é tua a loucura Onde, com lucidez, te reconheças... Miguel Torga, Diário XIII
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Agradecimentos
Numa primeira instância, queria agradecer aos meus orientadores, à Professora Doutora Filipa
Ribeiro por me ter dado a oportunidade de realizar esta tese, pela orientação e conselhos ao longo
deste período. Ao Professor Doutor Marcelo Pereira pela confiança depositada em mim para trabalhar
num tema tão importante e tão interessante, e por estar sempre disponível para analisar comigo toda
a minha tese.
Gostaria de agradecer à fundação brasileira COPPETEC e à Petrobras pelo apoio financeiro.
Queria também agradecer ao Professor Doutor João Bordado por me ter dado indicações para
a segunda parte da minha dissertação, ajudando-me a definir o processo de produção e o
dimensionamento de equipamentos.
Ao Prof.º Doutor Rafael Garrett (LBCD – UFRJ), e ao Mestre Matheus de Souza (LaCES-UFRJ)
pela execução e interpretação dos resultados dos testes no HPLC-MS/MS.
Ao Ubirajara do Nascimento, à Bianca de Oliveira e à Doutora Maria Luisa Gonçalves, do
LaCES-UFRJ, pela execução e auxílio na interpretação dos resultados dos testes de Termogravimetria.
À Doutora Carla Barbato (COPPE/PEQ – UFRJ) pela determinação da viscosidade, à Mestre
Rosana Maurício (LABTeR/EQ - UFRJ) pelo teste de calorimetria e ao Prof.º Doutor Márcio Nele
(COPPE/PEQ - UFRJ) que possibilitou a realização destes testes.
A todas as pessoas do grupo LaCES por me terem acolhido, pelos ensinamentos e pelas novas
amizades. Ao Guilherme pela simpatia, preocupação e poemas de incentivo; ao Serginho pelas caronas
e apoio de IT; ao Miguel pela companhia nas jantas e pelas discussões saudáveis; às meninas pelas
risotas e conversas na copa, e à Débora pela simbiose e entreajuda nos problemas com as nossas
reacções.
Ao Nuno e à Thalita por me acompanharem e explicarem todo o processo teórico e pratico da
minha dissertação. Ao Bira pelas novas aprendizagens sobre o mundo das válvulas, mecânica e todas
as curiosidades que isso acarretou e por me ter salvo de alguns SOS’s. Gostaria de voltar a agradecer
ao Matheus pela sua disponibilidade ininterrupta para me esclarecer qualquer dúvida e por partilhar
comigo todo o seu conhecimento nesta área, tendo-me ajudado bastante na compreensão de toda a
envolvente da minha tese.
À Tânia e à Marta pela amizade; pela companhia, mesmo distantes; por me fazerem rir, por
terem sempre algo de bom a dizer, qualquer que fosse a situação, e por serem uma fonte de positivismo
e objectividade. Ao Nuno pelas dicas no ASPEN.
Às minhas amigas portugas de longa data, Laura e Joana, e também ao tuga Sérgio, por me
terem ajudado em todo este processo da tese, pela sua amizade, a acomodação, e tudo mais, e por
me terem acolhido neste novo país ao qual já chamam de casa.
JB por aguentar o meu humor cómico-sarcástico, por me ouvir, por me fazer rir, pela amizade;
e por me ter apoiado. Principalmente, por ser capaz de apagar todos os quilómetros e fusos horários,
e conseguir estar presente na minha vida.
Por último, queria dar um muito obrigado à minha Mãe, Pai, Irmão e Avó por serem as pessoas
mais importantes na minha vida, por estarem sempre a meu lado, nos bons e maus momentos, e por
poder contar sempre com eles para tudo.
vi
vii
Sumário
Actualmente há um grande foco no desenvolvimento e investigação de combustíveis derivados
de biomassa, porém, existem vários obstáculos que têm levado a que a introdução destes bio-óleos
numa refinaria continue num impasse.
No presente trabalho, procura-se promover um conceito recente de bio-óleo, denominado de
bio-petróleo. Este é produzido a partir da hidrólise e acetalização da fibra do bagaço de cana-de-açúcar,
biocombustíveis de 2ª geração. Com este método obtém-se um bio-óleo muito mais estável que o bio-
óleo de pirólise, e com um grau superior de miscibilidade com as fracções petrolíferas, sendo por isso
excepcionalmente compatível o co-processamento de bio-petróleo numa refinaria de petróleo.
Essencialmente, este trabalho encontra-se dividido em duas partes principais. Na primeira
parte produziu-se o bio-petróleo, em regime descontínuo e regime semi-contínuo, tendo-se como
objectivo a optimização da metodologia de testes realizados anteriormente, mas presentemente
executados numa escala superior. Subsequentemente foi realizada a caracterização físico-química do
bio-petróleo, de forma a obter informação fundamental para a segunda parte do projecto.
Na segunda etapa deste estudo foi concebido um processo industrial semi-contínuo, baseado
no processo semi-contínuo laboratorial, com o objectivo de se averiguar a viabilidade económica deste
processo, ainda muito preliminar. Tendo-se definido a localização da unidade fabril piloto no Brasil e a
capacidade de projecto de 1,3 kton/ano, foi possível dimensionar todo o equipamento base.
Por fim, obteve-se um custo de produção do barril de bio-óleo, revelando-se muito competitivo,
50 US$. Note-se que neste valor ainda nem são contabilizados quaisquer benefícios que possam advir
de um projecto verde, benefícios esses que podem surgir tanto a nível do próprio governo, benefícios
fiscais, como do “novo” mercado de carbono (créditos cambiáveis).
Palavras-Chave: Bio-petróleo, bagaço de cana-de-açúcar, biocombustíveis de segunda geração,
acetalização, hidrólise.
viii
ix
Abstract
Nowadays there is a major focus in new biomass-derived fuels development and research,
however, there are several obstacles that delay the introduction of this bio-oils into oil refineries. In the
current work a recent concept of bio-oil, entitled biocrude, is divulged. This oil is produced by hydrolysis
and ketalization of the sugarcane bagasse fiber, second-generation biofuel. With this method is obtained
a bio-oil far more stable than the known pyrolysis bio-oil, and in addition, it has a greater miscibility in
crude oil, therefore, its co-processing in an oil refinery is exceptionally compatible.
Essentially, this work is divided into two main parts. In the first part, the biocrude is produced in
two regimens, in a batch reactor, and in a semi-continuous reactor. The key goal was to reproduce and
optimize the tests carried out previously but currently executed on a larger scale. Thereafter, the
physicochemical characterization of the oils was accomplished, in order to obtain fundamental
information for the second part of the project.
In the second part of the study, a semi-continuous industrial process was designed, based on
the semi-continuous laboratory process, with the aim of ascertaining the economic viability of this
process which is still very preliminary. Having defined the location of the pilot plant in Brazil and the
project capacity of 1.3 kton/year, it was possible to size all the main equipment.
Finally, the cost of producing the barrel of biocrude was obtained at a very competitive cost of
US$ 50. Yet, is important to note, that this amount does not account any benefits that can come from a
green project, benefits that can arise as well as tax benefits from the government, or as, tradable credits
from the ”new” carbon market. (tradable credits).
Keywords: Biocrude, sugarcane bagasse, second generation biofuel, ketalization, hydrolysis.
Sumário .................................................................................................................................................. vii
Abstract.................................................................................................................................................... ix
Índice ....................................................................................................................................................... xi
Índice de Tabelas .................................................................................................................................. xiii
Índice de Figuras ................................................................................................................................... xvi
Lista de Acrónimos e Abreviaturas ........................................................................................................ xix
Tabela 4 - Propriedades físico-químicas do bicarbonato de sódio, sulfato de sódio, óxido de cálcio e
sulfato de cálcio[63]. ................................................................................................................................ 40
Tabela 5 - Propriedades físico-químicas do bio-petróleo, determinadas pelos testes descritos no
Tabela 8 - Resultados experimentais das segundas sete reacções em reactor descontínuo. ............. 44
Tabela 9 - Quantidade de bicarbonato de sódio necessária para neutralizar o pH do bio-petróleo para
pH igual a 7. .......................................................................................................................................... 45
Tabela 10 - Resultados da quantificação de di-acetais de xilose (XDA) e de glicose (GDA), os mono-
acetais de xilose (XMA) e os mono-acetais de glicose (GMA) por HPLC-MS/MS da reacção em
Tabela 11 – Balanço mássico ao processo em regime descontínuo, as massas apresentadas estão
em gramas. ............................................................................................................................................ 49
Tabela 12 - Resultados experimentais da reacção em regime semi-contínuo. .................................... 50
Tabela 13 - Resultados da quantificação de di-acetais de xilose (XDA) e de glicose (GDA), os mono-
acetais de xilose (XMA) e os mono-acetais de glicose (GMA) por HPLC-MS/MS da reacção em
Tabela 14 – Balanço mássico ao processo em regime semi-contínuo, as massas apresentadas estão
em gramas. ............................................................................................................................................ 53
Tabela 15 – Condições operatórias no processo de secagem. ............................................................ 56
Tabela 16 - Condições operatórias nos reactores R-301 e R-302. ...................................................... 57
Tabela 17 - Condições operatórias no reactor de neutralização D-303. .............................................. 58
Tabela 18 – Condições operatórias consideradas para a filtração do bagaço não consumido nos
reactores principais (H-401). ................................................................................................................. 58
Tabela 19- Balanço de massa do processo semi-industrial de produção de bio-petróleo. .................. 63
Tabela 20 - Compatibilidade do aço inoxidável 316 e do aço de carbono com os compostos mais do
agrícolas, resíduos de animais e urbanos; e biomassa moderna: tecnologias avançadas de conversão
de biomassa em electricidade e o uso de biocombustíveis) (adaptado de [17]). ...................................... 6
Figura 3 – Cotação estimada de energias renováveis no consumo global energético, 2008 (adaptado
de [18]). ...................................................................................................................................................... 6
Figura 4 - Cotação estimada de energias renováveis no consumo mundial de energia, 2016 (adaptado
de [17]). ...................................................................................................................................................... 7
Figura 5 – Preços F.O.B. do barril de petróleo (US$), segundo o seu grau API, nos últimos 35 anos
(1983 a 2018)[19]. ..................................................................................................................................... 7
Figura 6 - Percursos de conversão da biomassa em energia[22]. ............................................................ 8
Figura 7 - Produção mundial de biocombustíveis e a participação por tipo e por país ou região em
Figura 45 – Flowsheet do modelo RadFrac da coluna D-402.............................................................. F-6
Figura 46 – Inputs no Paking and Sizing da simulação no Aspen Plus V8.4. ..................................... F-7
xix
Lista de Acrónimos e Abreviaturas
LaCES - Laboratório de Catálise e Energia Sustentável
GEE – gases de efeito estufa
RCEs -Reduções Certificadas de Emissões
HPLC-MS/MS – Cromatografia Líquida de Alta Eficiência – Espectrofotómetro de Massa
% m/m – percentagem mássica
% m/v – percentagem de massa de x por volume de y
% v/v – percentagem volumétrica
XDA – xilose de di-acetal (nomenclatura IUPAC – 1,2:3,5-di-O-isopropilideno-α-D-xilofuranose)
GDA – glicose de di-acetal (nomenclatura IUPAC – 1,2:5,6-Di-O-isopropilideno-α-D-glicofuranose)
XMA – xilose de mono-acetal (nomenclatura IUPAC – 1,2-O-isopropilideno-α-D-xilofuranose)
GMA – glicose de mono-acetal (nomenclatura IUPAC – 1,2-O-isopropilideno-α-D-glicofuranose)
PFD – Process Flow Diagram
1
1. Introdução
Neste primeiro capítulo faz-se uma apresentação geral do tema, iniciando-se pela
contextualização do estudo, descrevendo brevemente os tópicos da revisão bibliográfica.
Apresentam-se, também, os objectivos do trabalho e por fim descreve-se a organização do
documento nos demais capítulos.
Actualmente sabe-se que o aumento da poluição do ar, e não só, advém do uso de
energia de fonte fóssil, principalmente da queima de petróleo e carvão. Em função dessa
preocupação global, ao longo dos anos cada vez tem havido uma maior aposta em fontes de
energia renovável, tal como a hídrica, a eólica, a solar, a geotérmica, das marés e a biomassa.
As apostas referidas em cima também são o resultado de políticas globais
conscientes, tendo sido o Protocolo de Quioto o primeiro tratado jurídico internacional que
explicitamente pretendeu, e pretende, limitar as emissões quantificadas de gases com efeito
de estufa (GEE)[1]. Desde essa altura, têm sido implementados vários sistemas de políticas
verdes, onde se aplicam punições aos mais poluidores e onde se promovem inovações verdes.
Em alguns países surgiram taxas fiscais sobre as emissões de GEE, e/ou benefícios fiscais e
apoios a empresas com tecnologia amiga do ambiente. Presentemente, derivado destas
políticas surgiu o mercado de carbono. Nos últimos tempos este investimento tem estado
direccionado para os biocombustíveis, dos quais os mais patentes são o biodiesel e o
bioetanol.
Neste sentido, têm sido investigados e desenvolvidos de bio-óleos, produzidos a partir
das mais variadas biomassas, com o objectivo de se produzir um óleo o mais análogo ao
petróleo. O bio-óleo produzido a partir de pirólise da biomassa tem sido o mais amplamente
estudado e desenvolvido, todavia, este apresenta alguns problemas. O óleo de pirolise é um
bio-óleo muito oxigenado, sendo muito corrosivo, pouco miscível com as fracções do petróleo,
instável termicamente e com tendência a polimerizar quando exposto ao ar[2]. É imprescindível
o seu pré-tratamento, para a remoção do oxigénio em excesso, trazendo assim grandes
dificuldades e custos acrescidos no seu co-processamento em refinarias.
No laboratório LaCES (Laboratório de Catálise e Energia Sustentável) foi estudado e
desenvolvido um bio-óleo produzido a partir da hidrólise e acetalização da biomassa de cana-
de-açúcar[3][4][5]. Este bio-óleo é semelhante ao óleo de pirolise, mas é mais estável e não tem
o problema de excesso de oxigénio na sua composição. Apesar de ser um estudo ainda algo
preliminar, devido a resultados de vários testes pensa-se que, com o desenvolvimento de um
processo de produção deste óleo e a determinação do seu custo de produção, será viabilizada
a sua introdução em refinarias petrolíferas.
1.1. Motivação do Trabalho e Objectivos
Sendo notório que, o crescimento da consciencialização social para todos os problemas
derivados da dependência do petróleo e das respectivas consequências, tanto políticas como
2
ambientais, é importante apostar em estudos que mostrem preocupação quanto a este tema.
É fundamental que empresas/laboratórios, como o LaCES, apostem na investigação e
desenvolvimento de métodos que possam vir a conceder alguma autonomia energética e
melhores condições de vida à população mundial em geral.
Neste estudo encontram-se dois objectivos principais, primeiramente, realizar a
reprodução dos testes de produção do bio-óleo, intitulado de bio-petróleo, numa escala
superior, e assim, fazer a verificação das condições já utilizadas em pequena escala. Em
seguida, após obtenção do bio-petróleo, realizar o máximo de testes físico-químicos, para uma
melhor caracterização do mesmo. Por fim, tem-se como intuito a determinação do custo de
produção do bio-petróleo.
1.2. Estrutura e Organização da Dissertação
A presente dissertação encontra-se dividida em seis capítulos, e anexos, apresentando-
se em seguida uma introdução e contextualização da estrutura destes:
Capítulo 2 – Executa-se um enquadramento teórico dos estudos realizados nesta área.
Para tal, recorreu-se a uma pesquisa bibliográfica exaustiva. Foi descrita a importância das
fontes energéticas renováveis, com um maior foco no bio-óleo de bagaço de cana-de-açúcar,
e nos processos actualmente utilizados para a sua produção. Por fim, tenta-se clarificar o
porquê da importância deste método inovador de produção de bio-óleo, intitulado de bio-
petróleo;
Capítulo 3 - São descritas, minuciosamente, as caracterizações físico-químicas do bio-
petróleo utilizadas, e as condições em que foram executadas. Foi, também, documentado todo
o pré-tratamento do bagaço de cana-de-açúcar;
Capítulo 4 – Discutem-se e analisam-se os resultados experimentais dos dois reactores
em regime descontínuo e em regime semi-contínuo;
Capítulo 5 - Introduz-se o processo industrial de produção de bio-petróleo e faz-se a
avaliação económica de um processo de pequena dimensão. Nesta avaliação económica
calcula-se o investimento necessário, executa-se um plano de investimento e por fim
determina-se o custo de produção de um barril de bio-petróleo;
Capítulo 6 - Apresentam-se as principais conclusões do trabalho e algumas sugestões
para optimizações futuras do processo de produção de bio-petróleo.
Posteriormente, na revisão bibliográfica deste trabalho vai-se descrever
detalhadamente a importância das fontes de energia utilizadas e como essa “decisão” tem
afectado o mundo inteiro desde a era da industrialização, era em que a energia passou a tomar
um papel preponderante no desenvolvimento industrial e tecnológico.
3
2. Revisão Bibliográfica
2.1. A Energia e as Mudanças Climáticas
Desde o século XVII e XVIII, era em que se deu a revolução industrial, as fontes
energéticas passaram a tomar um papel preponderante no desenvolvimento mundial, contudo
foi também a partir da revolução industrial que a poluição passou a constituir um problema
para o homem.
Com a utilização crescente de energia oriunda de fontes fósseis (carvão mineral,
petróleo e gás natural) e em menor escala, pelo desflorestamento, deu-se um rápido aumento
da produção de gases com efeito estufa (GEE).
Na figura seguinte apresenta-se o aumento das emissões de dióxido de carbono (CO2)
e a reorganização da distribuição de combustíveis utilizados no mundo inteiro desde 1973 até
2015:
Figura 1 – A distribuição de combustíveis (gás natural: azul; petróleo: azul claro; carvão: castanho; e outros: cinzento) utilizados em 1973 e, mais tarde, em 2015, e a quantificação do dióxido de carbono
emitido na sua queima. Numeração: 3. No carvão está incluído a turfa e o óleo de xisto; 4. Outros inclui lixo industrial e lixo municipal não renovável[6].
Nestes gráficos nota-se que as emissões de dióxido de carbono (apesar de este não
ser o único GEE) duplicaram, principalmente devido à queima de petróleo e óleo de xisto
(incluído na percentagem do carvão).
O efeito estufa é um mecanismo natural e indispensável à vida, que equilibra o
aquecimento térmico da Terra, sendo este essencial para manter a temperatura ideal à
sobrevivência da humanidade, e de todo o planeta. Embora o mesmo seja um fenómeno
necessário, com este aumento desmedido da poluição ambiental, o efeito de estufa passou a
tornar-se prejudicial[7].
Quando os raios solares atingem o planeta, têm dois destinos. Uma parte é absorvida
pela Terra e transformada em calor. A outra é reflectida e direccionada para o espaço, sob a
forma de radiação ultravioleta. Os GEE, quando em excesso, retêm esta radiação térmica e
4
irradiam o calor excedente de volta para a superfície, resultando assim no aquecimento
global[8].
2.1.1. Tratado de Quioto: Mercado de Carbono
Em 1997 a Organização das Nações Unidas (ONU) convocou vários países
desenvolvidos a assinarem um tratado, o Protocolo de Quioto. Este estabelece que os países
signatários deveriam reduzir as suas emissões de gases que provocam efeito de estufa
segundo metas estipuladas ao longo dos anos. As metas não são completamente restritas,
sendo que estes limites, metodologias, e o prazo temporal para o seu cumprimento
dependente de cada país ou grupo de países[9].
Nos termos do Protocolo, os países devem cumprir os seus objectivos principalmente
através de medidas nacionais, tais como impostos sobre as emissões de carbono. No entanto,
o protocolo oferece-lhes também meios adicionais para cumprir os seus objectivos através de
três mecanismos:
- Comércio Internacional de Emissões: os países com compromissos de redução de
emissões de carbono podem negociar o excedente das metas de emissões entre si.
Isto significa que, países que não alcancem a meta de redução de emissões podem
utilizar o remanescente de redução de outro país signatário e assim cumprir as suas
obrigações;
- Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL): países em desenvolvimento podem
implementar projectos que contribuam para a introdução de tecnologias verdes nestes
países, obtendo como resultado as Reduções Certificadas de Emissões (RCEs);
- Implementação conjunta (IC): Os países com compromissos no âmbito do Protocolo
de Quioto são elegíveis para transferir e/ou adquirir unidades de redução de emissões
(RCEs) e utilizá-las para cumprir parte da sua meta de redução de emissões.
Criando-se assim o mercado de carbono, este é um instrumento que ajuda a
estimulação do investimento ecológico e ajuda os transgressores a cumprir os seus objectivos
de emissões sem pôr em causa a economia do seu país[10].
Para uma melhor compreensão, deste mercado de commodities, é essencial que se
faça uma exposição mais precisa do modo de operação dos RCEs. Um RCE dá o direito de
emitir uma tonelada de dióxido de carbono (ou o equivalente em outros gases de estufa, o
metano, o óxido nitroso e compostos fluorados). Aqueles que emitem menos que o limite
permitido, têm direito a créditos: os créditos de carbono. Esse crédito torna-se um título de
crédito que pode ser negociado com quem emitiu quantidades de GEE além do permitido. Com
isso, cria-se um modelo de troca, ou seja, um mercado que permite a simbiose entre quem
está disposto a comprar e quem quer vender essas permissões[11].
5
Visto tratar-se de um incentivo, o preço dos RCEs, negociado no mercado, deve ser
necessariamente inferior ao da multa que o emissor deveria pagar ao poder público (em 2017
estiveram entre 3,76 e 18,30 US$[12]).
Independentemente da “desculpa do dever” acordado, este não deve de ser usado
como uma “permissão para poluir”, sendo por isso importante existir legislação sobre o preço
a que são vendidos os RCEs. Não podendo ser um valor tão insignificante que não cause
qualquer impacto nas companhias incumpridoras. Acabando assim, por actuar como um
“engodo” para os mais poluidores e não como uma medida que auxilia a diminuição das
emissões de carbono no planeta.
Apesar de o Brasil já ter ratificado o documento a 23 de Agosto de 2002, e sendo um
país subdesenvolvido, não estava obrigado a cumprir metas. Com o intuito de implementar a
iNDC (intended Nationally Determined Contribution) do protocolo de Quioto, em 2015 o Brasil
apresentou o compromisso de restringir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até
2025, em comparação aos dados registados em 2005. Além disso, apresentou, também, a
contribuição indicativa subsequente, a redução em 43% das emissões de gases de efeito
estufa até 2030[13]. Na última Conferência da ONU sobre Mudança do Clima (COP23 em 2017)
o Brasil confirmou a sua intenção de cumprir estas metas[14].
Portugal, por pertencer à união europeia e por ter uma economia menos desenvolvida,
isto quando comparado a outros países membros, tem metas não tão restritas como o Brasil.
No COP23 ficou defenido que os países membro da EU têm como objectivo reduzir as
emissões de GEE em 40% entre 1990 e 2030. Portugal em vista a auxiliar a EU nesse sentido,
também se aliou a um plano bastante ambicioso, o Powering Past Coal Alliance, onde assumiu
que até 2050 o país alcançará uma pegada neutra em carvão[15].
2.2. Biomassa e Biocombustíveis
Ao longo dos anos, em função da referida preocupação global, cada vez existe uma
maior aposta em fontes de energia renováveis e sustentáveis, tal como a hídrica, a eólica, a
solar, a geotérmica, das marés e a biomassa.
Como qualquer realidade no mundo, se não houver ganhos financeiros envolvidos,
não é pelo facto de haver uma crescente consciencialização social que haverá um aumento
“repentino” do número de empresas a investir em tecnologias verdes. Esta mudança de
postura no mercado mundial deve-se, em grande parte, à dependência do petróleo, o que
torna um país mais vulnerável em termos energéticos, levando a que a economia do mesmo
esteja submissa à flutuação do preço do barril de petróleo. Em certos casos, é resultado da
obrigatoriedade política no cumprimento das metas do Protocolo de Quioto.
Com vista à utilização de outras fontes de energia sustentáveis surgiram os
biocombustíveis. Estes são produzidos a partir de várias formas, tendo como matéria-prima a
biomassa. A biomassa é qualquer recurso renovável oriundo de matéria orgânica, quer tenha
origem animal ou vegetal, que posteriormente pode ser utilizado para produção de energia[16].
6
Na figura seguinte apresenta-se o panorama mundial do consumo energético e a
cotação da biomassa neste sector:
Figura 2 - Participação de biomassa no consumo total de energia e no consumo de energia por sector, 2016 (biomassa tradicional: combustão directa de madeira, lenha, carvão vegetal, resíduos agrícolas,
resíduos de animais e urbanos; e biomassa moderna: tecnologias avançadas de conversão de biomassa em electricidade e o uso de biocombustíveis) (adaptado de [17]).
Como se pode observar, a biomassa ainda constitui uma fatia importante do consumo
energético mundial (12.8%), no entanto a grande parte da biomassa consumida ainda é a mais
poluente, a tradicional (7,8%).
Seguidamente, apresentam-se duas figuras onde se pode observar a evolução da
distribuição do consumo de energia renovável mundial entre 2008 e 2016:
Figura 3 – Cotação estimada de energias renováveis no consumo global energético, 2008 (adaptado de [18]).
7
Figura 4 - Cotação estimada de energias renováveis no consumo mundial de energia, 2016 (adaptado de [17]).
Após a análise destas duas figuras pode-se constatar que houve uma redução
significativa da percentagem de biomassa tradicional utilizada, de 13% em 2008 para 7,8% em
2016. Já a percentagem de biocombustíveis teve um ligeiro aumento, em 2008 a percentagem
estimada de biocombustíveis consumidos era 1,5 vezes inferior (0,6%) à de 2016 (0,9%). Isto
é derivado, particularmente, das novas tecnologias de produção e das normas legislativas
aplicadas em cada país.
Contudo, o aumento do consumo de biocombustíveis não é tão significativo devido à
crise que se tem sentido no sector petrolífero, e que levou a uma redução substancial do preço
do barril de petróleo nos últimos 10 anos (Figura 5). Com um preço do barril de petróleo tão
baixo, não é tão lucrativo o investimento em biocombustíveis, pois estes, em geral, vão ter um
preço de venda superior.
Figura 5 – Preços F.O.B. do barril de petróleo (US$), segundo o seu grau API, nos últimos 35 anos (1983 a 2018)[19].
8
Apesar de a produção de petróleo ter continuado a aumentar ao longo dos anos[20], o
seu preço não segue nenhuma linearidade. Este está sujeito a estratégias de mercado e à
estabilidade política do país onde é extraído, levando a uma grande instabilidade do seu preço.
É de notar que, o preço do petróleo está dependente do seu °API, um óleo com um °API baixo,
isto é, um óleo muito pesado, tendo um preço mais baixo que um de °API superior.
2.2.1. Processos de Conversão da Biomassa
A biomassa pode ser transformada através de três tipos de procedimentos
tecnológicos: termoquímicos, bioquímicos e físico-químicas, a partir dos quais é possível
A conversão do tipo termoquímica engloba a combustão directa, a gaseificação, e a
pirólise. A conversão bioquímica consiste na digestão anaeróbica, e na fermentação e
hidrólise. Por fim, relativamente à conversão físico-química faz parte a prensagem, a
extracção, e a transesterificação[21].
Na Figura 6 faz-se referência de todos os processos, conhecidos, capazes de
converter biomassa em energia (note-se que a prensagem não foi mencionada, devido a não
se um processo tão pertinente).
Figura 6 - Percursos de conversão da biomassa em energia[22].
9
A partir desta figura pode-se concluir que os biocombustíveis capazes de serem
produzidos a partir de biomassa são [22]:
- O metanol, o hidrogénio e o gás de síntese obtidos a partir da gaseificação de
biomassa lenho-celulósica;
- O diesel (e gasolina) obtido a partir do hidrotratamento e refinação do óleo de
pirólise;
- O etanol produzido a partir da hidrólise/fermentação de açúcares/amido ou
biomassa lenho-celulósica;
- O biodiesel produzido a partir da transesterificação de óleos vegetais ou
animais.
2.2.2. Biocombustíveis de Primeira e Segunda Geração
Os biocombustíveis podem ser divididos em dois grupos, biocombustíveis de primeira
geração e biocombustíveis de segunda geração. Esta definição deriva do tipo de biomassa
utilizada como matéria-prima. Note-se que, a biomassa usada para a produção de
biocombustíveis depende muito da região em que este são produzidos.
Os biocombustíveis de 1ª geração resultam do aproveitamento de produtos para fins
alimentícios (açúcares, amidos e lípidos), como a cana-de-açúcar, o milho, a beterraba, o trigo
e gorduras animais. A sua produção traz alguns problemas, pois pode competir com a
produção de alimentos, inflacionando assim tanto os preços do alimento utilizado. Como
também condiciona o cultivo de outros alimentos nessas terras, podendo resultar em
problemas ambientais. Neste grupo são contemplados o etanol, o biodiesel, bioálcool (metanol
e butanol) e o biogás.
A produção de biocombustível de 2ª geração dá-se através do reaproveitamento da
fibra de produtos alimentares, em vez de só usar açúcares facilmente extraíveis, amidos ou
óleos como na geração anterior. A segunda geração permite o uso de quaisquer formas de
biomassa lenho-celulósica, sendo as mais comuns, o bagaço de cana-de-açúcar, os refugos
de madeira florestal, palha do trigo, lixo municipal e a lixívia negra (indústria papeleira)[16].
Na Figura 7 faz-se uma análise aos vários biocombustíveis disponíveis no mercado.
Pode-se concluir que, em 2015, o maior produtor de biocombustíveis foram os Estados Unidos
e que o biocombustível que mais produziu, e produz actualmente, é o etanol.
10
Figura 7 - Produção mundial de biocombustíveis e a participação por tipo e por país ou região em 2015 (HVO: Óleo vegetal hidrogenado)[23].
Todavia há 10 anos observava-se o inverso, o biodiesel era o biocombustível mais
utilizado e o etanol o segundo, praticamente nas mesmas proporções, mas invertidas[24]. Isto
deve-se a novas tecnologias e novos investimentos no sector dos biocombustíveis, mais
recentemente têm-se tido um grande foco nos bio-óleos, possíveis combustíveis do futuro.
Para se poder ter uma noção geral das vantagens e desvantagens dos
biocombustíveis vai-se aqui definir os mais importantes em termos de produção mundial, o
biodiesel e o etanol.
• Biodiesel
O biodiesel é feito a partir da transesterificação de uma mistura diversificada de lípidos,
incluindo óleo de cozinha reciclado, óleo vegetal e gordura animal. Para além de se obter
biodiesel, e ésteres metílicos (rendimento de 90 a 95%), também se obtém um subproduto, o
glicerol. Antigamente havia um mercado disponível para este excedente, no entanto, com o
aumento da produção global de biodiesel, o preço de mercado para este glicerol bruto
(contendo 20% de água e resíduos de catalisador) sofreu uma grande desvalorização. O
biodiesel pode ser usado a 100% ou combinado com qualquer quantidade de diesel de
petróleo, todavia misturas até 20% de biodiesel podem ser usadas em equipamentos diesel
sem qualquer, ou quase nenhuma, modificação[25].
Para além da produção de grandes quantidades de glicerol, existem mais duas
dificuldades, sendo a primeira o seu custo, que é mais elevado face ao custo do combustível
convencional[26]; e a segunda, o facto de um biocombustível de 1ª geração ter uma eventual
competição com produtos alimentares, podendo levar a uma produção intensiva e não
sustentável de matérias-primas[27].
• Etanol Biocombustível
O etanol biocombustível é obtido a partir das mais variadas biomassas, tanto de
biomassa derivada de culturas alimentares como de biomassa lenho-celulósica,
principalmente, a cana-de-açúcar, milho, trigo ou beterraba. O principal processo industrial é
a fermentação, existindo também outros métodos utilizados, um deles é a hidratação do
etileno, e outra possibilidade é a redução do acetaldeído[28].
11
Mais recentemente, nos Estados Unidos, tem-se vindo a tentar produzir etanol de 2ª
geração a partir da hidrólise de resíduos vegetais e florestais, que, actualmente são eliminados
pois são considerados um desperdício[29].
Existem três tipos de etanol que podem ser usados como combustível de veículos:
etanol comum, etanol aditivado e o etanol que se mistura com a gasolina. Contudo o etanol
puro, ou o adicionado à gasolina a uma percentagem elevada, só pode ser utilizado em carros
flex, veículos que funcionam com dois combustíveis. Estes veículos estão equipados com um
motor de combustão interna a quatro tempos que tem a capacidade de ser reabastecido e
funcionar com mais de um tipo de combustível, misturados no mesmo tanque e queimados na
câmara de combustão simultaneamente[30].
Na Europa o etanol é maioritariamente utilizado como etanol combinado com gasolina
até 10%[31], isto porque não há muita matéria-prima disponível para a sua produção, logo não
existem no mercado muitos veículos flex[32]. Já nos EUA e no Brasil o uso de veículos movidos
a etanol é muito comum, principalmente, devido às grandes apostas dos governos destes
países na indústria do etanol a partir do milho e da cana-de-açúcar, respectivamente.
Actualmente no Brasil, por regulamentação do Governo Federal, toda a gasolina
comercializada no país é misturada com a proporção de álcool anidro que pode variar entre
20 e 27%[33].
Este apresenta uma característica técnica importante que o torna bom como aditivo
da gasolina devido ao seu elevado índice de octano, compensando parcialmente o seu menor
conteúdo energético.
Apesar de todas estas vantagens, o etanol só tem um conteúdo energético de
aproximadamente 65% do da gasolina pura, o que leva a um aumento do consumo volumétrico
de 20% a 30%, dependendo das características do veículo, criando problemas em termos de
armazenamento[34].
2.2.3. Biomassa Lenho-celulósica: Cana-de-açúcar
Os biocombustíveis de primeira geração produzidos a partir de açúcares e óleos
vegetais podem ser facilmente extraídos usando tecnologia convencional. Em comparação, os
biocombustíveis de segunda geração são produzidos a partir de biomassa lenho-celulósica, o
que torna mais difícil extrair o combustível necessário.
A biomassa lenho-celulósica é constituída, principalmente, por três componentes, a
celulose, a hemicelulose e a lenhina, como se ilustra na figura seguinte,
12
Figura 8 - Estrutura da parede celular da planta e secção transversal da microfibrila (fios de moléculas de celulose agregados a uma matriz de hemicelulose e lenhina)[35].
Cada espécie de biomassa tem percentagens diferentes destes compostos, o que
significa que o biocombustível produzido a partir de cada espécie vai ser diferente. Na Tabela
1 pode ser visualizada a variação de composição química de algumas biomassas.
Tabela 1 - Composição química de algumas biomassas lenho-celulósicas[36].
• Celulose
A arquitectura da parede celular dos vegetais é determinada, principalmente, pela
celulose (vide Figura 9), um polissacarídeo semi-cristalino que é o componente principal das
plantas. A celulose é composta por unidades de D-glicose condensadas
((C6H10O5)n + nH2O → n(C6H12O6)) através de ligações glicosídeas do tipo β (1 → 4).
Figura 9 - Representação esquemática da molécula de celulose[36].
A celulose é um polímero de cadeia linear com uma estrutura de haste alongada e
bastante rígida, auxiliada pela conformação equatorial dos monómeros de glicose. Numa
cadeia, os vários grupos de hidroxilo, formam pontes de hidrogénio com os átomos de oxigénio
da mesma cadeia (intra-), ou uma cadeia vizinha (inter-), mantendo as cadeias firmemente
ordenadas, e formando microfibrilas com elevada resistência à tensão, que conferem as
propriedades cristalinas da parede celular, tornando a celulose insolúvel em água e em um
grande número de outros solventes. Estas cadeias altamente ordenadas (cristalinas) vão-se
alternando com cadeias menos ordenadas (amorfas), mais susceptíveis a serem hidrolisadas.
O grau de cristalinidade da celulose, normalmente expresso em percentagem,
depende da origem e do processo de obtenção desta, mas normalmente situa-se entre 50 a
70%. O tamanho ou extensão da cadeia de celulose irá depender do grau de polimerização,
isto é, massa molecular da celulose por massa molecular da glicose[36][37].
• Hemicelulose
Sobre a superfície das microfibrilas, agrega-se a hemicelulose, Figura 10, que reveste
a celulose, formando o chamado domínio celulose-hemicelulose da parede celular das plantas.
A hemicelulose é um polímero heterogéneo de cadeia ramificada, que confere estabilidade e
flexibilidade à célula.
Figura 10 - Representação esquemática da molécula de hemicelulose[36].
Quando comparada com a celulose, a hemicelulose apresenta uma maior
susceptibilidade à hidrólise, pois como consequência do seu carácter amorfo oferece uma
maior acessibilidade aos catalisadores ou enzimas.
Ao contrário da celulose, esta é composta por diferentes monómeros, tal como, a
D-glicose, a D-galactose, a D-manose, a D-xilose, a L-arabinose, o ácido D-glucurónico e o
ácido 4-O-metil-glucurónico (Figura 11).
14
Figura 11 - Representação esquemática de alguns dos monómeros da hemicelulose[38].
A xilose é, na maioria dos casos, o monómero de açúcar presente em maior
quantidade na hemicelulose, embora em madeiras maciças a manose possa ser o açúcar mais
abundante[36][39].
• Lenhina
A lenhina é a segunda macromolécula orgânica mais abundante nos materiais lenho-
celulósicos. Esta possui uma conformação tridimensional amorfa, a sua estrutura química é
bastante complexa e ainda não é conhecida completamente.
Sendo que, a composição e a estrutura da lenhina variam de espécie para espécie,
dependendo da matriz de celulose-hemicelulose, cada planta apresenta uma estrutura
diferente consoante o material que a constitui[40][41]. Não obstante, a lenhina é classificada
consoante uma proporção de três compostos: o álcool cumarílico, o álcool coniferílico, e o
álcool sinapílico (Figura 12):
2.2.3.1. Bagaço de cana-de-açúcar
O bagaço de cana-de-açúcar é a matéria-prima principal na produção de etanol de 2ª
geração e bio-óleo.
De seguida vão-se aludir as razões pelas quais a cana-de-açúcar é uma das
biomassas que em que o investimento mais compensa em termos de biocombustíveis. Na
Figura 13 apresentam-se os valores médios de três tópicos importantes para esse
entendimento, a redução das emissões de GEE, balanço energético e produtividade das
Figura 12 – Estruturas das moléculas primárias da lenhina: o álcool cumarílico (A), o álcool coniferílico
(B), e o álcool sinapílico (C)[41].
C B A
15
biomassas mais utilizadas no mundo. Contudo, só estão disponíveis resultados referentes ao
etanol, pois ainda não foi desenvolvido um bio-óleo capaz de ser utilizado como
biocombustível, logo não existem pesquisas sobre a produtividade deste em comparação com
os combustíveis fósseis e outras biomassas.
Figura 13 – Tabela ilustrativa das diferentes biomassas mais produzidas em cada região/país (cana-de-açúcar, milho, trigo, e beterraba), que resume três tópicos comparativos importantes: redução das emissões de GEE – quantificação das reduções de GEE com a utilização do etanol como substituto da gasolina e calculado com base no ciclo de vida das diferentes matérias-primas (legislações da EU e
EUA em 2009); balanço energético - unidades de energia renovável por unidade de entrada de combustíveis fósseis (2006 e 2008); e produtividade – litros de etanol por área de cultivo (2005)[42].
Pela análise da Figura 13 pode-se concluir que, se se tiver em conta os três pontos
referidos acima, em todos eles a cana-de-açúcar é a biomassa mais vantajosa.
A longo prazo é essencial a sustentabilidade de uma biomassa, pois este é um factor
determinante na definição de uma fonte renovável, sendo que a cana-de-açúcar atinge um
valor de produtividade, praticamente, duas vezes superior às outras matérias-primas
apresentadas.
Assegurando a sustentabilidade da biomassa, as reduções das emissões são um
factor fulcral. Estas são a força motriz dos investimentos nos biocombustíveis, e uma vez mais
a cana-de-açúcar é claramente a matéria-prima mais benéfica para o meio ambiente.
A relação entre a energia renovável produzida e a energia fóssil usada é de 9,3, para
o etanol, sendo este valor o mais alto para todos os combustíveis líquidos de biomassa no
mundo, já que a relação correspondente para os diversos tipos de biodiesel produzidos está
entre 2,0 e 3,0[34].
Apesar de na figura anterior apenas se referenciar o etanol de primeira geração,
demonstra-se seguidamente que esta linha de pensamento, quanto à utilização da cana-de-
açúcar, também se verifica para o bagaço de cana-de-açúcar, biomassa lenho-celulósica.
Na Figura 14 demonstra-se que a utilização de bagaço de cana-de-açúcar, como
matéria-prima para produzir etanol, promove uma redução de GEE mais positiva. Isto porque,
previamente, quando o bagaço da cana não tinha qualquer uso, este era muitas vezes
16
incinerado de forma a produzir mais energia para o processamento de etanol, mas com a
introdução de novas e mais avançadas tecnologias agrícolas e industriais a palha de cana-de-
açúcar passou também a ser recuperada.
O aproveitamento integral da cana além de optimizar a produção de biocombustíveis,
também contribui para reduzir as queimadas dos palhiços da cana-de-açúcar. Estes eram, e
em alguns locais ainda são, queimados na altura da safra da cana, sendo que o
aproveitamento da palha não fazia parte do processo de colheita. Actualmente, em muitos
países este costume tem vindo a ser alterado devido a legislações ambientais mais
apertadas[36].
Figura 14 - Potenciais reduções de GEE com a queima de etanol, comparativamente às
emissões obtidas pela queima da gasolina, em função do tipo de matéria-prima (etanol lenho-
celulósico, etanol de cana-de-açúcar e etanol de milho). Note-se que estas estimativas não incluem
emissões resultantes do cultivo das matérias-primas[43].
As estimativas sugerem que o abastecimento de veículos com etanol lenho-celulósico
poderia reduzir as emissões em 86-94 por cento em comparação com a gasolina[43].
Após ter sido realizada uma pesquisa critica quanto à sustentabilidade, às vantagens
e às desvantagens da utilização da cana-de-açúcar, é fundamental averiguar a viabilidade
desta matéria-prima quanto à capacidade de produção de cana-de-açúcar a nível mundial.
No mundo, a cana-de-açúcar é o cereal mais produzido, sendo que o Brasil se destaca
como o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo[44].
Vale a pena ressalvar que, apesar de todas estas vantagens da cana-de-açúcar, este
é um cereal que requer um clima apropriado para o seu cultivo, regiões com climas tropicais,
e necessita de uma área de cultivo muito grande, factores que são decisivos na hora de
determinar a exequibilidade de projectos de produção de biocombustíveis.
Por exemplo, claramente, na Europa ou nos Estados Unidos a utilização de cana-de-
açúcar como matéria-prima não seria viável, pois a Europa não tem área de plantio disponível,
e tal como os EUA não tem o clima adequado. Uma indústria que envolva a cana-de-açúcar
vai ter sempre de se localizar relativamente próxima ao local de cultivo, isto porque se trata de
uma matéria-prima muito vulnerável à degradação bacteriológica, e em termos de transporte
é um material muito volumoso.
17
2.3. Bio-óleo
A produção de biocombustíveis tem crescido a nível mundial. Contudo, para uma
melhor transição entre os combustíveis fósseis e os renováveis é necessária a integração dos
biocombustíveis nas refinarias de petróleo. O uso da infra-estrutura actualmente existente para
produção, a respectiva distribuição e transporte de biocombustíveis resultaria em custos, que
seriam altamente, reduzidos.
Entre as várias estratégias para introduzir biocombustíveis de segunda geração nas
refinarias, a pirólise ou pirólise rápida tem sido, geralmente, aceite como o processo principal
para realizar esta conversão. No entanto, as várias tentativas de produzir um bio-óleo
semelhante ao petróleo falharam, até ao momento, sendo que este é utilizado somente no
aquecimento e na produção de energia eléctrica.
2.3.1. Bio-óleo de Pirólise
A pirólise da biomassa consiste num processo de decomposição de material orgânico
lenho-celulósico a temperaturas elevadas na ausência de oxigénio, que permite produzir um
líquido escuro e muito viscoso, denominado por bio-óleo de pirólise[45].
Para além do bio-óleo, a pirólise produz coque e gases, incluindo metano, hidrogénio,
monóxido de carbono e dióxido de carbono, em proporções que dependem da composição da
biomassa utilizada. Os principais componentes da biomassa lenho-celulósicos, como já foi
referido, a celulose, a hemicelulose e a lenhina, vão-se decompor diferentemente, pois cada
um tem uma gama de temperaturas de decomposição distinta. No processo de pirólise, os três
componentes não são decompostos ao mesmo tempo como é ilustrado na Figura 15.
A hemicelulose seria a mais fácil de ser pirolisada, seguindo-se a celulose, enquanto a lenhina
seria a mais difícil[46].
Figura 15 - Taxa de decomposição dos constituintes principais da biomassa lenho-celulósica
(ilustração modelo da técnica de termogravimetria: aplicação de uma taxa de aquecimento que resulta
numa perda de massa do material analisado por grau de aquecimento)[46].
18
A pirólise pode ser classificada em pirólise rápida ou lenta, consoante a temperatura e
a taxa de aquecimento a que se dá o processamento.
Em termos de rendimento, actualmente a pirolise rápida é a mais utilizada, a pirólise
lenta, para além de durar várias horas, produz mais coque a baixas temperaturas. A pirólise
rápida leva segundos a ser concluída e produz em média 70% de bio-óleo, em comparação
com os 30% obtidos a partir da pirólise lenta.
A uma temperatura intermédia (450 a 800 °C) e sob taxas de aquecimento
relativamente elevadas (pirólise rápida), o produto principal é o bio-óleo. Acima da temperatura
referida obtém-se maioritariamente gás de síntese[47][48]. Na Tabela 2 apresentam-se os
rendimentos de cada tipo de pirólise classificada consoante a sua temperatura e tempo de
residência no reactor:
Tabela 2 - Rendimentos obtidos para diversos tipos de pirólise[49].
Ressalva-se que, a biomassa utilizada necessita de um pré-tratamento pois a
produtividade do processo depende disso. A biomassa deve passar por três processos:
secagem (aproximadamente 10%), moagem e classificação granulométrica (no máximo 2
mm).
Se a percentagem de humidade for superior obtém-se muita água no bio-óleo; sendo
a transferência de calor no reactor é muito importante, se as partículas de biomassa possuírem
uma dimensão superior a 2 mm não vai ser possível fornecer o calor necessário durante o
período de aquecimento (alguns segundos).
Seguidamente, na Figura 16 apresenta-se um diagrama que ilustra o processo de
pirólise rápida:
19
Figura 16 - Esquema das etapas do processo da pirólise rápida da biomassa (adaptado de
[49]).
Apesar de se obter um rendimento elevado, em bio-óleo, a partir da pirólise este
produto quando é obtido não tem as semelhanças com o petróleo que seriam desejáveis. A
incompatibilidade principal deste óleo é o facto de possuir um número elevado de compostos
oxigenados, como ácidos, açúcares, álcoois, aldeídos, cetonas, ésteres, furanos, fenóis,
oxigenados mistos, guaiacóis, seringóis, resultando num teor de oxigénio muito elevado, de
35 a 40%. Para além desta divergência, este também possui outras propriedades e
características que não são tão desejáveis. Em seguida enumeram-se estes tópicos[50]:
- O seu teor de água é de 15 a 50%, O elevado teor de água do bio-óleo contribui para
a sua baixa densidade energética, diminui as taxas de reacção de combustão devido
à sua temperatura de vaporização relativamente elevada e ao seu elevado calor
específico na fase de vapor. Além disso, o elevado teor de água provoca dificuldades
no processo de ignição e aumenta o tempo de atraso da mesma, tornando-se
problemático no que se refere à utilização de bio-óleo em aplicações de motores de
ignição por compressão[51];
- A sua densidade é superior à da água, aproximadamente 1,2 kg/L, o que resulta num
poder calorifico 60% inferior ao do petróleo;
- Solúvel em solventes polares, mas completamente imiscível em hidrocarbonetos;
- Instável, podendo sofrer polimerização e condensação ao longo do tempo. Sendo que,
estas reacções são favorecidas com o aumento de temperatura e pela presença de ar
e luz, resultando num aumento de viscosidade e separação de fases;
- Muito viscoso, esta caracteristica elevada é um ponto muito importante em aplicações
como combustível;
- Corrosivo e não volátil, os líquidos de pirólise não podem ser completamente
vaporizados. Se o líquido é aquecido a 100 °C, ou mais, para se tentar remover água
20
ou destilar fracções mais leves, o óleo reage rapidamente e eventualmente produz um
resíduo sólido com cerca de 50% em peso do líquido original e algum destilado,
contendo compostos orgânicos voláteis e água. Para queima em motores a gasóleo
as principais dificuldades são a difícil ignição, formação de coque e corrosividade[52].
Devido a estas incompatibilidades conclui-se que o bio-óleo deve ser tratado para que
possa ser usado como substituto do gasóleo (ou gasolina) ou para ser possível o seu co-
processamento em refinarias petrolíferas. O processo de upgrading vital na sua optimização
como combustível é a hidrodesoxigenação, que permite reduzir os compostos oxigenados do
óleo, reduzindo a sua instabilidade, e a sua corrosão e, além disso, aumenta a sua
miscibilidade com hidrocarbonetos. Todavia, devido ao custo elevado deste processo
(consumo de H2), quando comparado com o processamento de derivados do petróleo, esta
opção até hoje tornou inviável a sua utilização como biocombustível[52].
2.3.2. Bio-petróleo
Um estudo desenvolvido no Laboratório de Catálise e Energia Sustentável (LaCES)[3],
propôs a construção de uma “ponte” entre biomassa e refinaria através de uma reacção de
hidrólise e acetalização de hidrocarbonetos. O grande pilar desta “ponte” é baseado na
produção de um hidrocarboneto modificado, um acetal de hidrocarboneto facilmente produzido
a partir da celulose e hemicelulose. Este acetal pode ser convertido em hidrocarbonetos
aromáticos com alto índice de octano, quando submetido a um processo clássico de refinação
da indústria do petróleo (Figura 17).
Figura 17 - Esquema explicativo do processo de inserção do bagaço de cana-de-açúcar em
refinaria petrolíferas, desenvolvida no LaCES (adaptado de [53]).
Como está ilustrado na Figura 17, produziu-se um bio-óleo no qual as moléculas
1,2:3,4-Di-O-isopropilideno-a-D-xilose (DX) e 1,2:5,6-Di-O-isopropilideno-a-D-Glicose (DG)
constituiam os compostos maioritários.
bio-petróleo contendo di-acetais
isopropílicos de xilose e glicose
DG
Gasóleo de FCC
compostos aromáticos
com alto índice de octano
Zeólito
21
Por fim, de forma a se poder validar a inserção deste bio-óleo numa refinaria, foram
efectuados testes de craqueamento catalitico com o bio-óleo, e misturas deste com gasóleo
de FCC (cracking catalitico fluidizado). Estes estudos comprovaram que o bio-óleo pode ser
convertido a xilenos, benzenos e outros hidrocarbonetos aromáticos, compostos já utilizados
em gasolinas de alto índice de octano[53]. Além disso, o co-processamento de gasóleo e bio-
óleo melhorou o rendimento e a qualidade da gasolina em relação ao gasóleo puro, e também
reduziu a quantidade de compostos oxigenados e coque em comparação com o bio-óleo puro,
o que demonstra um efeito sinérgico[3].
Resumindo, através deste processo consegue-se alcançar um bio-óleo de aspecto
semelhante ao bio-óleo de pirólise. No entanto este possui várias vantagens que o diferenciam
do bio-óleo de pirólise e o assemelham ao petróleo, sendo por isso intitulado de bio-petróleo.
O bio-petróleo é produzido a partir de um processo composto por 3 fases:
- Pré-tratamento: secagem, moagem e classificação granulométrica da biomassa lenho-
celulósica;
- Reacção de hidrólise e acetalização dos hidrocarbonetos da fibra da biomassa com
um solvente em meio ácido;
- Neutralização do meio e secagem do óleo.
• Pré-tratamento
O pré-tratamento é essencial em qualquer conversão de biomassa lenho-celulósica.
Em geral este pode ser classificado em três tipos: físico, químico e biológico.
Numa primeira fase é fundamental que se reduza o teor de humidade presente na
biomassa, de forma a reduzir-se a água obtida no final do processamento do bio-petróleo. De
seguida este sofre um tratamento físico, moagem e peneiração. Este processo é aplicado para
que os polímeros lenho-celulósicos estejam mais acessíveis e para que haja uma maior área
especifica disponível para a conversão futura[54].
• Hidrólise e Acetalização
A hidrólise, como a palavra diz, é a quebra de moléculas por acção da água. Existem
dois tipos de hidrólise química, em meio ácido e em meio básico. Contudo, em geral,
tratamento ácido é mais efectivo na quebra dos polissacarídeos presentes na biomassa[54].
22
Figura 18 - Clivagem das ligações β-1,4 glicosídicas da celulose em meio ácido e obtenção do
monossacárido, glicose (hidrólise ácida)[55].
Algumas combinações como pH, temperatura e tempo de reacção podem extrair
grande número de açúcares, principalmente os monómeros xilose (hemicelulose) e glicose
(celulose)[56]. De relembrar que no subcapítulo 2.3.1 foi referido que a celulose, a hemicelulose
e a lenhina têm graus de degradação diferentes, sendo que a hemicelulose é o polímero mais
facilmente degradado termicamente, seguido pela celulose (vide Figura 15, página 17).
Ácidos fortes, como o ácido sulfúrico e o ácido clorídrico, têm sido amplamente
utilizados no tratamento de materiais lenho-celulósicos, porque são agentes poderosos para a
hidrólise da celulose. A vantagem de usar ácidos fortes é obter um rendimento elevado em
açúcar monomérico, bem como a possibilidade de se optar por condições de temperatura mais
baixas, mas note-se que estes são muito corrosivos e requerem reactores com materiais mais
resistentes, pelo que é importante que estes sejam usados na menor proporção possível[57][58].
Consequentemente, na maioria das vezes, o ácido sulfúrico acaba por ser o mais satisfatório,
isto porque tem um preço inferior e menores problemas de corrosão que o ácido clorídrico[59].
A introdução de um grupo acetal/cetal numa molécula é denominada de acetalização.
Os compostos acetais, normalmente, são utilizados na química orgânica sintética como grupos
protectores de carbonilos de aldeídos e cetonas, pois tratando-se de um equilíbrio reversível
pode evitar-se que estes sofram ataques em posições indesejadas e depois reverter a
formação do acetal (Figura 19)
Figura 19 - Reacções de acetalização de aldeídos ou cetonas[60].
Analisando a Figura 19, pode-se concluir que a formação de um hemiacetal a partir de
um aldeído e um álcool é uma adição nucleofílica, e a formação de um acetal a partir de um
hemi-cetal
hemi-acetal acetal
cetona
aldeído
cetal
23
hemiacetal é uma reacção de substituição nucleofílica, com o oxigénio do grupo carbonilo
inicial a sair em forma de uma molécula de água[61].
A acetalização é um processo que só ocorre em meio ácido, e para manter este
equilíbrio no sentido do acetal, é necessário remover a água da mistura reaccional, para que
não haja hidrólise do produto da reacção para o hemiacetal. Como a formação de acetal reduz
o número total de moléculas presentes, este sentido reaccional deixa de ser favorável
entropicamente com a formação do produto final, acetal e água.
Uma vez que os compostos a sofrerem acetalização são açúcares, pode-se constatar
que, como estes possuem vários grupos OH que podem actuar como grupo álcool na formação
do acetal (ou cetal), as ligações entre os açúcares podem ser bastante diversas, obtendo-se
um óleo de uma composição bastante complexa[62].
Por fim, o óleo produzido é posteriormente neutralizado, com um sal, e toda a água é
removida.
No decurso do trabalho que tem vindo a ser realizado foi possível demonstrar todo o
potencial do uso do bio-petróleo como combustível verde. Sendo por isso imprescindível a
obtenção de uma caracterização físico-química mais detalhada e a elaboração de um processo
semi-contínuo industrial para o seu processamento. Após comprovada a sua importância como
biocombustível, torna-se indispensável a averiguação da sua viabilidade económica, tal como
o seu custo de produção.
24
3. Parte experimental
3.1. Análises de Caracterização Físico-química do Bagaço de
Cana-de-açúcar e do Bio-petróleo
De forma a adquirir um conhecimento mais aprofundado das características físico-
químicas e composição do bio-petróleo produzido foram executadas algumas análises tanto
ao óleo produzido, como ao bagaço de cana-de-açúcar.
3.1.1. Análise Qualitativa e Quantitativa dos Acetais no
Bio-Petróleo por Cromatografia Líquida de Alta
Eficiência – Espectrómetro de Massa (HPLC-MS/MS)
A análise por HPLC-MS/MS foi realizada num cromatógrafo de alta eficiência (Figura
20), modelo 1260, da Agilent Technologies acoplado a um espectrómetro de massa QTRAP
5500, produzido pela AB Sciex, (Figura 20), o qual era um espectrómetro de massas híbrido
quadrupolo-armadilha de iões (ion trap).
Figura 20 – Equipamento de HPLC-MS/MS, modelo Agilent 1260, da Agilent Technologies acoplado a um espectrómetro de massa QTRAP 5500, produzido pela AB Sciex.
Na cromatografia foi utilizada uma coluna modelo Hypersil GOLD (100 mm x 2,1 mm;
com tamanho de partícula de 3 μm) fabricada pela Thermo-Fischer, a qual foi mantida a 35 °C.
A fase móvel utilizada consistiu em (A) solução aquosa de 5 mM de formato de amónio e (B)
25
acetonitrila. A análise cromatográfica foi realizada em modo de eluição por gradiente (0 –
0,5 min, 15% B; 0,5 – 10 min, 90% B; 10 – 11 min, 90% B; 11.1-15 min, 15% B) a um caudal
de 350 μL/min. O volume de injecção foi de 8,0 μL.
A ionização deu-se por electrospray e operou em modo positivo. Os parâmetros
relativos à evaporação do solvente e ionização foram optimizados de modo a garantir uma
sensibilidade máxima. Em seguida, estão descritos os parâmetros referidos e os seus valores:
gás cortina (CUR) = 15 psi; dissociação activada por colisão (CAD) = média; voltagem do spray
(IS) = 5500 V; temperatura da fonte (TEM) = 400 °C; fonte de gás 1 (GS1) = 40 psi; fonte de
gás 2 (GS2) = 45 psi; potencial de decluster (DP) = 30 V; potencial de entrada (EP) = 10 V;
potencial de saída da célula de colisão (CXP) = 10 V.
3.1.2. Análise Comparativa dos Acetais no Bio-Petróleo por
Infusão em Espectrómetro de Massas
Soluções de 30 μg/mL do bio-petróleo foram infundidas com um caudal de 20 μL/min
no espectrómetro de massas (Figura 21), modelo API 2000, da AB Sciex. Estas tiveram como
solvente metanol e água com uma razão de 1:1.
Figura 21 - Espectrómetro de massas, modelo API 2000, da AB Sciex.
A infusão foi conduzida em modo negativo, seguindo os parâmetros descritos em
seguida: gás cortina (CUR) = 20 psi; voltagem do spray de iões (IS) = 4000 V; temperatura da
fonte (TEM) = 25 °C; fonte de gás 1 (GS1) = 20 psi; fonte de gás 2 (GS2) = 5 psi; potencial de
decluster (DP) = 20 V; potencial de entrada (EP) = 10 V; e potencial de focalização (FP) = 400
V.
A posição vertical e horizontal da fonte foi de 3,5 e 0 cm, respectivamente.
26
3.1.3. Análise Termogravimétrica (TG) ao Bagaço de
Cana-de-açúcar e ao Bio-petróleo
As análises termogravimetricas foram realizadas no equipamento TG 209 F1 Iris da
Netzsch (Figura 22), na gama de temperaturas de 35 °C a 800 °C e a uma taxa de aquecimento
de 10 °C/min. A análise foi efectuada em atmosfera de azoto, sob fluxo de protecção da
balança de 10 mL/min e fluxo de purga de 60 mL/min. As amostras utilizadas para a
termogravimétrica foram de ± 10 mg de bagaço macerado.
Figura 22- Equipamento de análises termogravimétricas da marca Netzsch, modelo TG 209 F1 Iris.
As perdas de massa associadas com certos intervalos de temperatura são
consideradas um indicativo da quantidade de componentes químicos diferentes presentes no
bagaço de cana-de-açúcar e da sua temperatura de degradação.
3.1.4. Determinação da Viscosidade do Bio-petróleo
(Reómetro)
Para a determinação da viscosidade do óleo foi utilizado um reómetro da marca TA
Instruments, modelo Discovery hybrid rheometer DHR-3 (Figura 23). Para a realização das
medidas foi utilizada uma placa de Peltier em aço de diâmetro de 40 mm e o cone superior
tinha um ângulo de 2,0°.
Foram feitas 5 medidas em peak hold de 40 a 80 °C, de 10 em 10 °C.
27
3.1.5. Calorimetria
Com o calorímetro Pyris Diamond DSC, da Perkin Elmer (Figura 24) foi possível obter
a capacidade específicas tanto do bio-petróleo produzido em regime descontínuo, como em
semi-contínuo. Este encontra-se acoplado a dois equipamentos, um acessório de
arrefecimento, o Intracooler 2P, e um controlador de análise térmico, o TAC 7/DX (Figura 24),
também da mesma marca.
Figura 24 – Aqui apresentam-se os dois equipamentos, o calorímetro Pyris Diamond DSC, da Perkin Elmer, à esquerda, e o controlador de análise térmico, o TAC 7/DX, à direita, por baixo do ecrã (o
Intracooler 2P encontrava-se em baixo).
Figura 23- Equipamento de medição da viscosidade da marca TA Instruments, modelo DHR-3 e visão detalhada da placa de Peltier.
28
Cada material possui um calor específico diferente, o calor específico representa a
quantidade de calor que se deve fornecer a 1,0 g de determinado material para que a sua
temperatura se eleve em 1,0 °C. Um calorímetro consiste num equipamento utilizado para
medir as quantidades de calor absorvidas ou cedidas por uma substância.
Com este calorímetro mediu-se a troca de temperatura de uma substância de
capacidade calorífica conhecida, uma safira, e posteriormente mediu-se a troca de
temperatura do bio-petróleo, que foi previamente pesado. A medição de calor específico foi
realizada numa gama de temperaturas de 10 °C a 140 °C com uma taxa de aquecimento de
10 °C/min.
Esta análise foi executada numa atmosfera de azoto, sob um fluxo de 20 mL/min.
3.1.6. Determinação da Densidade
As densidades foram medidas à temperatura ambiente (25 ± 2 °C) e para tal, a
amostra foi pesada num recipiente graduado, previamente aferido. Após a pesagem a
densidade foi determinada utilizando a relação entre a massa obtida (numa balança analítica
com quatro casas de precisão) e o volume preenchido do recipiente utilizado (2 mL).
O procedimento foi realizado por duas vezes, tendo sido obtido então um valor médio
de densidade.
3.2. Pré-tratamento do Bagaço de Cana-de-Açúcar
Inicialmente teve de se pré-tratar o bagaço de cana-de-açúcar que foi usado nos
testes. O bagaço utilizado foi obtido na feira livre do Bonsucesso, bairro da cidade do Rio de
Janeiro, a Outubro de 2015.
O pré-tratamento do bagaço de cana-de-açúcar consiste em 4 passos:
❖ 1ª Lavagem e Secagem
❖ Moagem
❖ Peneiração
❖ 2ª Lavagem e Secagem
Em seguida vai-se explicar o fundamento de cada procedimento e a sua metodologia.
Como neste trabalho se pretendia averiguar a qualidade do óleo produzido apenas a
partir da fibra do bagaço da cana-de-açúcar, biocombustível de 2ª geração, foi necessário
remover todos os açúcares que não provinham da fibra. Note-se que este bagaço provém da
indústria açucareira, onde a cana é esmagada para assim se poder retirar o caldo de cana, o
qual fica assim impregnado na fibra do bagaço.
29
Na primeira etapa lavou-se o bagaço duas vezes com água destilada. Esta lavagem
serviu apenas para retirar partículas sólidas e resíduos do caldo de cana presentes na fibra
para que bactérias ou outro microrganismo não degradassem o bagaço e assim este pudesse
ser armazenado por um período mais longo.
Após esta lavagem foi necessário secar o bagaço, durante 12 horas à temperatura
ambiente e posteriormente foi seco numa estufa a 135 °C por 30 minutos.
O material já seco foi moído num moinho de facas (V611, Vencedora), vide Figura 25,
e classificado quanto à sua granulometria num peneirador vibratório (J-1 B, da Thomas
Scientific), vide Figura 25, onde foi recolhida a fracção que ficou entre os peneiros com uma
abertura de malha de 0,125 mm e 0,850 mm.
Figura 25 - Equipamentos do pré-tratamento: À esquerda tem-se o moinho de facas modelo V611 da
Vencedora (3600 rpm) e à direita tem-se o peneirador vibratório modelo J-1 B da Thomas Scientific.
Por fim realizou-se a segunda lavagem, o bagaço peneirado foi novamente lavado
para retirar os últimos vestígios de sacarídeos “livres” da sua superfície.
Consoante os materiais disponíveis no laboratório foi possível optimizar esta última
etapa para um máximo de 50 g de bagaço por lavagem. Como se trata de uma montagem
mais complexa, na Figura 26 apresenta-se o esquema desta segunda lavagem.
30
Figura 26 - Montagem da segunda lavagem de bagaço de cana-de açúcar.
Inicialmente o bagaço foi lavado e filtrado a vácuo, num funil de Büchner com 4 L de
água destilada a 50 °C (passo 1). Em seguida retirou-se todo o bagaço do funil e transferiu-se
o material para um balão Erlenmeyer de 1 L com o auxílio de 800 mL de água destilada a
50 °C. Este Erlenmeyer foi parcialmente submerso num banho de aquecimento regulado para
os 50 °C e com agitação mecânica a 80 rpm durante 20 minutos (passo 2). Após este tempo,
o Erlenmeyer foi retirado e o bagaço voltou a ser filtrado a vácuo. Foram adicionados 400 mL
de água destilada para a transferência e lavagem (passo 3).
Os passos 2 e 3 foram repetidos por 9 vezes, isto porque pelas análises efectuadas
às alíquotas de cada lavagem detectou-se que só a partir da nona lavagem é que já não
existiam açúcares dissolvidos na amostra. A determinação da sacarose existente na água
destilada após cada lavagem foi realizada num equipamento de cromatografia líquida (1200
Series, Agilent Technologies) acoplado a um espectrómetro de massa (API 2000 ESI−MS/MS,
Applied Biosystems/MDS Sciex)[4].
Finalmente, o bagaço foi seco na estufa durante 30 minutos, em seguida este foi
retirado e colocado no dessecador. O processo foi repetido até que a pesagem analítica desse
constante, isto é, segunda casa decimal constante.
Na Figura 27 apresenta-se o bagaço de cana-de-açúcar integral, após a primeira
lavagem e o bagaço final, antes de ser armazenado para reacção.
31
3.3. Produção de Bio-petróleo em Escala Laboratorial
Neste trabalho fez-se um aumento de escala da produção de bio-petróleo. Este óleo
já tinha sido produzido antes pelo laboratório, LaCES-UFRJ, mas em uma escala menor[4].
Com estes testes foi possível analisar se este processo era reproduzível em maior escala e se
se podiam reproduzir resultados semelhantes ou mais satisfatórios.
Para isso foram realizados testes em dois regimes, primeiro em descontínuo e
posteriormente em regime semi-contínuo. Ao repetir esta reacção para qualquer um dos
reactores sabia-se, devido a estudos prévios efectuados no laboratório, que certas condições
já estariam fixas e só se tentariam optimizar certas variáveis. Por exemplo, no caso de
reactores descontínuos usaram-se condições de temperatura menos severas de que no
reactor semi-contínuo, isto para garantir que não haveria degradação do produto, por
conseguinte a temperatura foi uma das variáveis fixadas para cada sistema.
3.3.1. Reagentes e Solventes
Para a realização das actividades experimentais, para além do bagaço de cana-de-
açúcar que já foi referido, foram utilizados os seguintes reagentes e solventes: acetona (99%;
VETEC), ácido sulfúrico (95-99%; VETEC), acetato de etilo (99%, VETEC), bicarbonato de
sódio (99%, VETEC), cloreto de sódio (99%, VETEC) e sulfato de sódio anidro (99%, VETEC).
3.3.2. Neutralização e Secagem do Bio-petróleo
Tanto num regime como no outro, após reacção, o óleo produzido tem pH ácido e
contém água. A remoção da água é o último passo, visto que, para além de haver água que
vem no bagaço e água formada durante a reacção de acetalização, a reacção de neutralização
também liberta água.
Figura 27 - Bagaço de cana-de-açúcar em três fases: fase inicial, após a primeira lavagem, e depois da lavagem final (previamente moído e peneirado).
32
Como se trata de uma etapa comum às duas reacções, primeiramente descreve-se o
processo de neutralização e remoção de água, e só depois se expõem as reacções de
produção do bio-petróleo.
Note-se que, que existem dois métodos de neutralização, o segundo método é
resultado de uma optimização do processo inicial. Paralelo a este estudo estavam a ser
conduzidos testes semelhantes, mas de menor escala, e notou-se que havia uma perda notória
de óleo com o método inicial. Optou-se então por se tentar melhorar o método de
neutralização.
No método inicial de neutralização do bio-petróleo foram necessários muitos mais
passos e um esquema de montagem mais elaborado, como se pode observar na Figura 28.
Figura 28 -Esquema da montagem inicial da neutralização e secagem do bio-petróleo.
Nesta primeira neutralização começou-se por retirar cuidadosamente o conteúdo do
reactor para um gobelé e filtrou-se o óleo do bagaço que não reagiu para um filtro de papel,
com o auxílio de acetato de etilo. Aproximadamente 300 mL.de acetato de etilo (99,5%,
VETEC) eram suficientes para remover todo o óleo que tinha ficado no bagaço e ajudar no
transporte do restante líquido do reactor para o gobelé e depois para a filtração.
Em seguida passou-se o funil do bagaço para outro Erlenmeyer para o neutralizar com
água destilada até pH igual a 7. Quando o bagaço estivesse neutralizado colocava-se a secar
na estufa por aproximadamente 20 minutos.
33
Juntou-se à parte líquida 100 mL uma solução aquosa de 5% m/m de bicarbonato de
sódio (99%, VETEC) e agitou-se de forma a neutralizar o óleo até pH igual a 7 (Equação ( 1
)).
Depois de filtrar todo o óleo do precipitado para uma ampola de decantação separou-
se a fase aquosa da fase orgânica.
À fase aquosa juntou-se cloreto de sódio (99%, VETEC) para saturar a fase aquosa e
permitir obter mais óleo retido nesta fase, adicionou-se também 50 mL de acetato de etilo para
aumentar o volume de fase orgânica disponível para reter o óleo. Filtrou-se o fluido do
precipitado e voltou-se a proceder do mesmo modo por mais três vezes. Note-se que a fase
orgânica que se foi retirando foi sendo adicionada à fase orgânica separada inicialmente.
À fase orgânica total foi adicionado sulfato de sódio anidro (99%, VETEC) para
remover toda a água presente. Posteriormente a fase orgânica foi filtrada para um balão e
usou-se acetato de etilo para a transferência. Por fim destilou-se a fase orgânica num rotavapor
e o bio-petróleo puro, de pH neutro, foi separado dos solventes, acetona (99%, VETEC) e
acetato de etilo (99,5%, VETEC).
Quando se alterou a metodologia para a neutralização definitiva, apenas se alterou a
forma como se adicionava o bicarbonato de sódio. Ao invés de se adicionar uma solução
aquosa alcalina adicionou-se o sal anidro em estado sólido, neste caso o bicarbonato de sódio
(99%, VETEC). Desta forma elimina-se a obrigatoriedade de decantar a fase aquosa da fase
orgânica, pois a quantidade de água produzida é insignificante e facilmente eliminada com um
composto exsicante, neste caso o sulfato de sódio (99,5%, VETEC).
Um dos problemas quando se alterou este procedimento foi a dificuldade em promover
uma mistura “perfeita” entre o óleo produzido e o bicarbonato de sódio (99%, VETEC) em pó,
consequentemente foi necessário utilizar uma quantidade muito superior à que foi determinada
pelos cálculos estequiométricos da reacção, vide equação ( 1 ).
De forma a economizar os solventes gastos para a sua possível purificação e
reutilização, quando se fez a neutralização utilizou-se como solvente de transporte a acetona
(99%, VETEC) e não o acetato de etilo (99%, VETEC). Como a acetona (99%, VETEC) é um
dos reagentes e não é 100% consumida, ao adicionar-se a acetona (99%, VETEC) como fluido
auxiliar pode-se destilar a acetona não consumida e a acetona adicionada após neutralização
(aproximadamente 200 mL). Assim, posteriormente pode-se optar pela sua reutilização.
Aquando da etapa de secagem/exsicação do óleo usou-se acetato de etilo (99%,
VETEC) para o transporte (entre 200 e 150 mL), um solvente mais barato e de mais fácil
acesso.
Por fim conseguiu-se obter o bio-petróleo, como é ilustrado na figura seguinte,
Figura 29 – O bagaço depois de pré-tratado e o bio-petróleo final.
3.3.3. Reactor Descontínuo
No reactor descontínuo, um reactor Parr de 600 mL, modelo 4563 da Parr Instrument
Co (Figura 30) fez-se reagir 10 g de bagaço de cana-de-açúcar com acetona (99%; VETEC)
na presença de ácido sulfúrico (95-98%; VETEC).
Figura 30- Montagem do reactor Parr (modelo 4563) e do seu controlador de temperatura, pressão e agitação (modelo 4848) da Parr Instrument Co.
As condições fixadas para o rector Parr foram a pressão de 120 psi (aprox. 8,3 bar),
agitação mecânica a 600 rpm (correspondente à agitação máxima do sistema) e temperatura
35
regulada para 90 °C, sendo que o reactor demora cerca de 30 minutos até chegar à
temperatura estabelecida no controlador. O reactor foi pressurizado no início da reacção com
uma mistura de gasosa de 5% O2/He em base molar.
No fim de cada reacção, antes de abrir o reactor, este foi arrefecido num banho de
gelo até uma temperatura de aproximadamente 18 °C. Posteriormente o reactor era
despressurizado.
Em seguida o bio-petróleo produzido foi neutralizado e seco conforme um dos
procedimentos já apresentados no subcapítulo 3.3.2.
No fim de cada reacção pesava-se a massa de bagaço seco que não foi consumida e
a massa de bio-petróleo produzido. Posteriormente as amostras de bio-petróleo produzido
eram analisadas no equipamento de HPLC-MS/MS (1260 Series, da Agilent Technologies,
acoplado ao QTRAP 5500, da AB Sciex).
3.3.4. Reactor Semi-contínuo
Fazia todo o sentido evoluir no sentido do aumento da mecanização do sistema, de
forma a reduzir tempo e custo. Ainda que, geralmente, se consiga obter conversões mais
elevadas num reactor batch, a utilização deste tipo de reactor dificulta a evolução deste
processo para um processo de grande escala, e uma vez que o objectivo final destes testes
seria a industrialização deste processo, um processo descontínuo não seria a primeira opção.
Embora que, com um processo em reactor descontínuo, inicialmente se tenha um baixo
investimento, este não é exequível para um processo com altas capacidades de produção.
Principalmente por exigir bastante mão-de-obra, e pelos longos períodos de tempo
despendidos na manipulação de materiais envolvidos na carga, descarga e limpeza do reactor.
O reactor semi-contínuo utilizado foi um reactor em forma tubular, na entrada e saída
deste reactor existiam duas redes que retinham o bagaço dentro do reactor, como se tratasse
de um reactor de leito fixo. Note-se que o fluxo de mistura reaccional líquida, acetona (99%;
VETEC) e ácido sulfúrico (95-98%; VETEC), que percorre o “leito” de bagaço entra pela base
do reactor e tem um fluxo no sentido ascendente até à saída no topo.
O reactor, com um volume de aproximadamente 205 mL, foi executado à medida
numa das oficinas da universidade a que o laboratório pertence (LaCES), conforme está
ilustrado na Figura 31.
36
Neste reactor reproduziu-se a reacção realizada no reactor descontínuo, mas sendo
este um reactor de maior dimensão, foi possível usar 20 g de bagaço de cana-de-açúcar em
vez das 10 g utilizadas no reactor Parr. Na Figura 32 apresenta-se a montagem feita para
executar este processo:
Figura 32- Esquema de montagem do reactor semi-contínuo (isolado com lã de vidro) e dos seus sistemas de pressurização, de aquecimento e refrigeração (montagem inicial durante a recirculação do
solvente para o aquecimento do reactor).
Figura 31- Reactor tubular com resistência metálica feito por encomenda
(diâmetro de 3,2 cm e comprimento de 25,5 cm).
37
Neste esquema figura a bomba (LC – 8A, Shimadzu) utilizada para pressurizar todo o
sistema (até 8 bar), em conjunto com uma válvula de backpressure, que podem ser vistos em
maior detalhe na Figura 33.
Figura 33 - Sistema de pressurização do reactor: à esquerda tem-se a bomba LC - 8A da marca Shimadzu e à direita aparece a válvula de backpressure.
O sistema de aquecimento baseava-se numa camisa metálica de aquecimento e numa
resistência. O sistema continha três termopares, um no interior do reactor e outro no exterior
do reactor para controlar o calor fornecido pela camisa de aquecimento. O outro termopar está
colocado junto à resistência de pré-aquecimento dos reagentes, colocada à entrada do reactor.
A potência do aquecimento era controlada por um transformador de voltagem da corrente
(ATV-115-M, STP – sociedade técnica paulista Ltda) e pelo controlador.
Geralmente, o transformador estava regulado entre os 15 e os 20 Volts e o controlador
permitia passar 35% da corrente da resistência de aquecimento à entrada do reactor. O
termopar externo ao reactor estava fixado para sensivelmente uns 5 a 15 °C acima da
temperatura requerida para a reacção. Note-se que há algum grau de incerteza nos valores
das variáveis fixadas do sistema de aquecimento, porque havia algumas instabilidades neste
sistema. Verificaram-se assim algumas dificuldades em manter constantes as variáveis
fixadas, obrigando o operador a alterar algumas destas variáveis ao longo das reacções, de
modo a que fossem alcançados os valores pretendidos.
O sistema de arrefecimento baseava-se apenas em dois banhos de gelo. Um para o
recipiente que contém a mistura líquida reaccional à entrada do reactor, para que estes
compostos não reajam até à sua entrada no reactor. O outro banho localizava-se na tubagem
após o reactor, de forma garantir que não existiam perdas por evaporação.
Após esta clarificação do funcionamento dos equipamentos do semi-contínuo vai-se
passar à descrição do processo semi-contínuo.
38
Antes de fazer qualquer montagem teve de se colocar os 20 g de bagaço no reactor
(atenção que este é muito compressível) e depois montou-se o sistema conforme ilustra a
Figura 32. Ligou-se a bomba e iniciou-se a recirculação de acetona (99%; VETEC). Colocou-
se a tubagem de entrada e saída num Erlenmeyer com a acetona, e esperou-se até que a
temperatura da reacção fosse constante (sendo permitido um desvio entre 3 a 4 °C). Este
passo demorou entre 15 a 30 minutos.
Em seguida passou-se a tubagem de entrada do reactor para um Erlenmeyer em
banho de gelo que continha a mistura líquida reaccional, acetona (99%; VETEC) e ácido
sulfúrico (95-99%; VETEC). A saída foi colocada num novo Erlenmeyer onde se recolheu o
bio-petróleo formado e deixou-se reagir durante uma hora com um caudal pré-definido.
Ressalva-se que a proporção de ácido sulfúrico/acetona (v/v) é maior neste processo
semi-contínuo do que no descontínuo, esta razão já havia sido estudada anteriormente[4].
Ao fim de 1 h mudou-se a tubagem de entrada para um Erlenmeyer que continha
apenas acetona pura (99%; VETEC) e acetona reciclada do sistema e aumentou-se o caudal
para reduzir o tempo de remoção do óleo formado, que ainda se encontrava retido no
processo. Deixou-se passar acetona até que só saísse acetona pura, isto é, até que o fluido à
saída fosse completamente transparente, de forma a que, todo o óleo e ácido sejam
removidos.
Este bio-petróleo produzido foi neutralizado e seco de acordo com o segundo
procedimento apresentado no subcapítulo 3.3.2. Note-se apenas que, como este processo
envolvia volumes muito superiores em vez de se efectuarem filtrações pela acção da
gravidade, as filtrações eram efectuadas a vácuo, tanto para se realizar a neutralização do
bagaço, como para filtrar o bicarbonato de sódio (99%; VETEC) ou o sulfato de sódio (99%;
VETEC).
No fim de cada reacção pesava-se a massa de bagaço seco que não foi consumido e
a massa de bio-petróleo produzido. Posteriormente as amostras de bio-petróleo produzido
eram analisadas no equipamento de HPLC-MS/MS (1260 Series, da Agilent Technologies,
acoplado ao QTRAP 5500, da AB Sciex).
39
4. Resultados Experimentais e Discussão
Neste capítulo apresentam-se os resultados experimentais e a discussão dos
mesmos. Primeiramente é importante explicar como foi avaliada a eficácia de cada reacção.
A eficácia foi medida por três parâmetros a quantidade de bio-petróleo produzido em relação
ao bagaço utilizado, o rendimento da reacção; a quantidade de bagaço que reagiu em função
do bagaço inicial, a conversão da reacção; e a quantidade de acetais formada. Nas equações
( 2 ) e ( 3 ) encontra-se a fórmula para o cálculo do rendimento e da conversão da recção,
respectivamente.
A percentagem de acetais foi calculada por análise no equipamento de cromatografia
líquida (1200 Series, Agilent Technologies) acoplado a um espectrómetro de massa (API 2000
ESI−MS/MS, Applied Biosystems/MDS Sciex) e permitia saber se a acetona havia sido
incorporada no óleo e formado estes grupos protectores, acetais, e qual o tipo de acetal
formado [3], [4].
Os acetais detectados por HPLC-MS/MS estão divididos em 4 moléculas diferentes,
os di-acetais de xilose (XDA) e de glicose (GDA), o nome comercial de 1,2:3,5-di-O-
isopropilideno-α-D-xilofuranose e 1,2:5,6-Di-O-isopropilideno-α-D-glicofuranose,
respectivamente. E os mono-acetais de xilose (XMA) e os mono-acetais de glicose (GMA), o
nome comercial de 1,2-O-isopropilideno-α-D-xilofuranose e
Densidade a 25 °C (kg/m3) 2217,03 2690,16 3297,63 4538,05
Tabela 5 - Propriedades físico-químicas do bio-petróleo, determinadas pelos testes descritos no método experimental.
Bio-petróleo
Estado físico a 25 °C Líquido
Densidade a 25 °C (kg/m3) 1100-1200
Calor especifico a 25 °C (J/(g.K))(Anexo A) Reactor Descontínuo Reactor Semi-contínuo
1,351 1,814
Viscosidade (Pa.s) (Anexo B) 40 °C 0,97 -
80 °C 0,06 -
41
Apesar de não ter sido determinada a densidade a 60°F (15,55 °C), a partir da equação
seguinte, foi-se calcular o grau API deste óleo utilizando o valor mais baixo da densidade (1100
kg/m3) determinada, a aproximadamente, 25 °C.
Note-se que a densidade relativa da amostra, neste caso o bio-petróleo, é a densidade
medida relativamente à densidade da água, logo o 𝜌𝑎𝑚𝑜𝑠𝑡𝑟𝑎 é 1100 kg/m3/1000 kg/m3, obtendo-
se assim um grau API negativo.
De um modo geral, a classificação do grau API contribui para o dimensionamento do
preço do produto no mercado. Quanto maior o grau API, maior o valor do produto no mercado,
todavia o óleo com um °API entre 40 e 45° lidera os preços mais altos. Acima de 45°, as
cadeias moleculares tornam-se mais curtas e menos valiosas para as refinarias (vide Figura
5, página 7).
O petróleo que possui °API menor que 10°, é um petróleo muito pesado, este é
constituído, praticamente, só de hidrocarbonetos aromáticos, consequentemente este não
poderia ser introduzido numa refinaria a 100%, como já seria expectável. Considerando esta
escala, e tendo em vista a valorização futura do bio-petróleo, este poderia ser diluído num
hidrocarboneto mais leve para produzir um óleo com um grau API superior.
Quando se olha para este assunto numa óptica diferente, é patente que este tipo de
comparações e assunções são muito úteis quando se trata de diferentes tipos de petróleo,
mas o bio-petróleo é um biocombustível e não um petróleo. Quando se alude a um petróleo
mais pesado, refere-se a um óleo muito viscoso (maiores custos de processamento), que
contém mais metais pesados, enxofre, azoto, e elevada acidez, e são estas as características
que levam a que um baixo grau de API esteja associado a um petróleo de baixo valor de
mercado.
Porém, o bio-petróleo não contém estes componentes (pode conter, mas em
proporções desprezáveis), pois é produzido a partir de materiais lenho-celulósicos.
Logo, no caso do bio-petróleo, as funções e composição químicas são outras e este
não pode ser avaliado por esta escala. Teria que ser definida uma outra escala no caso deste
biocombustível de forma a se ter uma avaliação fidedigna do mesmo.
Para além de que, a viscosidade do bio-petróleo, apesar de ser alta a temperatura
ambiente, com um aumento pouco significativo da temperatura de processamento sofre uma
redução drástica da viscosidade (vide Anexo B), não causando assim problemas no
bombeamento e manuseamento do bio-petróleo. A 40 °C obtém-se uma viscosidade de
0,97 Pa.s, como se apresenta na Tabela 5, ao passo que, a 80 °C já tem uma viscosidade de
0,06 Pa.s.
É de salientar que, apesar da viscosidade do bio-petróleo, em média, ser mais elevada
que a do bio-óleo de pirólise (0,035 a 1 Pa.s a 40 °C, consoante a matéria-prima[52]), isto é
justificável pelo elevado conteúdo de água presente no óleo de pirólise, cerca de 15 a 30%[52]
°API=141,5
ρamostra
− 131,5 ( 5 )
42
(note-se que em média o petróleo contém no máximo 0,5% de água na sua composição[51]).
Evidentemente que, este teor em água vai facultar uma viscosidade inferior ao bio-óleo,
melhorando assim as suas propriedades de transporte, contudo, vai diminuir muito o seu valor
energético.
Apesar de se ter chegado à conclusão de que a utilização do grau API não seria muito
útil na classificação do bio-petróleo, é vantajosa a realização de uma comparação entre o grau
API e o calor específico de um óleo pesado e do bio-petróleo, pois actualmente é o único termo
comparativo disponível.
O grau API encontra-se directamente ligado à estimativa de cálculo do calor especifico
do petróleo, e por isso sabe-se que para um petróleo com uma densidade relativa de 0,95 (o
óleo mais pesado que se encontrou) tem-se um calor específico de 1,67 J/(g.K) a 15,56 °C[66],
e pelas razões já explicitadas anteriormente, tem um calor especifico inferior ao de um petróleo
leve (densidade relativa de 0,85), este tem um calor especifico mais elevado, de 1,84 J/(g.K)[66].
Para o bio-petróleo foi-se usar a determinação deste valor a partir de um calorímetro, obtendo-
se os valores de calor específico a 15,56 °C de 1,469 e 1,712 J/(g.K) em regime descontínuo
e regime semi-contínuo, respectivamente (vide Anexo A), valores estes que não são muito
díspares dos do petróleo leve e pesado.
Agora seguindo para a análise do poder calorifico do bio-óleo de pirólise,
recorrendo-se a testes referenciados na literatura[51], observou-se que, em média, este valor é
inferior a metade do poder calorifico do petróleo, e que como já foi mencionado, isto é
consequência do elevado teor de água na composição do bio-óleo.
Lembre-se também, da importância da relação entre o calor específico (ou poder
calorífico), numa base volumétrica, e a densidade dum material. O facto de o bio-petróleo (e
do bio-óleo de pirólise) ser um combustível muito denso, promove a redução de custos no
transporte, havendo uma economia do volume necessário para transportar um óleo com
elevado potencial energético volumétrico.
4.2. Reactor Descontínuo
Iniciaram-se os testes no reactor descontínuo com as condições mais favoráveis que
já haviam sido estudadas, para além das condições já descritas, 8 bar, 90 °C e agitação
mecânica a 600 rpm, foram usados 200 mL de acetona (99%; VETEC) e 0,8 mL de ácido
sulfúrico (95-99%; VETEC) que se fizeram reagir durante 2 horas e 30 minutos com as 10 g
de bagaço. Posteriormente a este teste fizeram-se mais 3 testes no reactor batch todos
baseados neste teste padrão.
No segundo teste aumentou-se o tempo de reacção em 90 minutos, a reacção passou
a ter uma duração de 4 horas.
No terceiro teste aumentou-se a proporção de biomassa/acetona (m/v), usou-se um
volume de acetona (99%; VETEC) de 150 mL e consequentemente juntou-se um volume
inferior de ácido sulfúrico (95-99%; VETEC), 0,6 mL, para se manter a proporção de 0,4% (v/v)
de ácido sulfúrico/acetona.
43
Como com o segundo teste se aumentou o rendimento, vide Tabela 6, resolveu-se
aumentar ainda mais o tempo de reacção, neste último ensaio aumentou-se a duração da
reacção para 5 horas.
Nestes 4 testes, depois de obtido o óleo, foi usado o primeiro procedimento de
neutralização e secagem do bio-petróleo.
Na Tabela 6 encontram-se os resultados obtidos nestes primeiros 4 testes, massa de
óleo formado, massa de bagaço após reacção, rendimento (ɳ), massa de bagaço consumido
na reacção e a conversão da reacção.
Tabela 6 - Resultados experimentais das primeiras quatro reacções em reactor descontínuo.
1 2 3 4
móleo (g) 3,99 4,12 3,08 4,11
mbagaço residual (g) 6,85 6,30 6,46 6,20
ɳ (%) 39,9 41,2 30,8 41,1
mbagaço consumido (g) 3,15 3,70 3,54 3,80
Conversão (%) 31,5 37,0 35,4 38,0
Analisando os resultados observa-se que o bio-petróleo 2 é o que tem o maior
rendimento, muito semelhante ao 4 e ao 1. Em termos de conversão, o bio-petróleo 4 é o
melhor, sendo que o 2 e o 3 também têm valores análogos.
Após terminados estes 4 testes foi-se quantificar a percentagem de acetais formados
em cada reacção, cujos valores se encontram na Tabela 7.
Tabela 7 - Resultados da quantificação de di-acetais de xilose (XDA) e de glicose (GDA), e os mono-acetais de xilose (XMA) e glicose (GMA) por HPLC-MS/MS das primeiras quatro reacções em reactor
descontínuo.
Acetais (%) 1 2 3 4
XMA 6,0 6,8 5,3 5,5
GMA 0,2 0,2 0,1 0,1
XDA 20,7 14,7 14,4 11,7
GDA 14,5 10,4 9,7 7,6
Total 41,4 32,1 29,4 25,0
Como se pode observar na Tabela 7, o bio-petróleo 1 é o que está mais enriquecido
em acetais formados de uma forma global, contudo este não apresenta o rendimento mais
elevado em bio-petróleo.
Todavia, o aumento da duração da reacção na amostra 2 e na amostra 3 resultam
numa diminuição dos acetais quantificados, o inverso do que foi obtido na produção de óleo,
que teve um aumento de rendimento. Independentemente de estes dois óleos terem produzido
rendimentos mais elevados, não são aumentos tão significativos que justifiquem um aumento
da duração da reacção em 1h30min e/ou 2h30min, e que justifiquem as perdas significativas
de acetais presentes.
44
Concluindo, depois de se avaliar as características de cada bio-petróleo produzido,
isto é, a severidade da reacção, o rendimento, a conversão e a percentagem de acetais
formados, pontos já referidos anteriormente, deduziu-se que o primeiro óleo era o que
apresentava o conjunto de resultados mais satisfatório.
Como um dos objectivos deste trabalho era fazer uma caracterização físico-química
do bio-petróleo foi necessário produzir-se uma quantidade superior do bio-petróleo, isto para
se ter a massa de amostra necessária para a realização de determinadas análises.
Deste modo, de forma a se obter uma massa de bio-petróleo de aproximadamente
20 g foram realizadas mais 7 reacções em descontínuo, segundo as condições operatórias do
primeiro ensaio, o bio-petróleo optimizado. Os resultados apresentam-se na Tabela 8.
Ressalva-se que parte dos óleos desta segunda fase, desde o óleo número 4 ao 7,
foram neutralizados e secados recorrendo à segunda metodologia descrita no subcapítulo
3.3.2.
Tabela 8 - Resultados experimentais das segundas sete reacções em reactor descontínuo.
A massa total dos ensaios resultantes da reprodução do teste padrão (o primeiro teste,
da primeira fase de ensaios em reactor descontínuo) foi de 24,2 g de bio-petróleo.
Como se pode observar na Tabela 8 tanto o rendimento como a conversão variam
muito se se observar o teste 1, 3 e 4., a única justificação possível destes desvios é erro
experimental.
A partir do teste 4, quando o procedimento de neutralização foi alterado, foi notório o
aumento da massa de óleo produzido. Como já foi referido no subcapítulo 3.3.2, nos 3
primeiros bio-petróleo estava-se a perder muito óleo na neutralização, derivado da
necessidade de haver decantação e nos últimos 4, como se alterou o procedimento, observou-
se uma melhoria nos resultados.
Neste novo método, de forma a garantir que o bicarbonato de sódio sólido adicionado
fosse gerar uma mistura “perfeita” e assim neutralizasse o bio-petróleo, sem necessidade de
um excesso de sal muito elevado, o bicarbonato de sódio foi adicionado directamente no
reactor. O reactor ainda com todo o seu conteúdo reaccional foi fechado novamente e apenas
o agitador foi ligado (660 rpm) durante 15 a 20 minutos. Já no sétimo bio-petróleo tentou-se
efectuar esta neutralização fora do reactor, para se averiguar se a quantidade de sal iria ser
afectada por uma agitação menos vigorosa, sendo que nesta vez apenas se recorreu a um
agitador magnético.
45
Esta alteração da neutralização dos óleos 4, 5 e 6 resultou na não quantificação das
massas de bagaço consumido, pois este foi filtrado em conjunto com os precipitados da
neutralização. Poder-se-ia ter quantificado a massa de bagaço separando o precipitado do
mesmo, mas como o objectivo desta replicação de testes não era avaliar a conversão, este
passo não foi efectuado.
O primeiro teste, o teste 4, não teve tão bom rendimento quanto o 5, 6 e 7, muito
provavelmente devido a erros do operador, que não se deve ter adaptado imediatamente à
alteração da técnica nesta primeira tentativa. Possivelmente o bagaço e o precipitado da
neutralização não devem ter sido bem lavados, com solvente, e parte do óleo foi arrastado
com os sólidos. Como neste caso o único objectivo era produzir em quantidade, isto não
prejudicou em nada o seu propósito.
Posteriormente foi comprovado comparativamente por infusão no espectrómetro de
massas do bio-petróleo padrão era análogo aos espectros de massa destes 7 óleos, garantido
assim a formação “padrão” de acetais e permitindo a junção dos 7 bio-petróleos para se
proceder à sua caracterização físico-química.
Foi pesada a massa de sal necessária em cada uma destas últimas neutralizações
(bio-petróleo 4 ao 7) e como se pode ver na Tabela 9, na neutralização do sétimo bio-petróleo
foi necessário uma quantidade de sal superior à do 4, 5 e 6, este resultado foi consequência
da agitação menos intensa.
Tabela 9 - Quantidade de bicarbonato de sódio necessária para neutralizar o pH do bio-petróleo para pH igual a 7.
4 5 6 7
mbicarbonato de sódio (g) 12,5 12,5 12,5 14
Como foi dito no subcapítulo 3.3.2 as quantidades de bicarbonato de sódio utilizadas
foram muito superiores ao valor calculado através de cálculos estequiométricos, que segundo
os cálculos seria de aproximadamente 2,5 g (ver Anexo C). Por isso pode-se concluir que
mesmo utilizando a agitação máxima do reactor, esta não foi suficiente para garantir uma boa
mistura, sendo necessário usar um excesso de 317%.
No fim também foi realizada uma análise da percentagem de acetais no óleo
descontínuo resultante da junção dos 7 bio-petróleos (Tabela 10):
Tabela 10 - Resultados da quantificação de di-acetais de xilose (XDA) e de glicose (GDA), os mono-acetais de xilose (XMA) e os mono-acetais de glicose (GMA) por HPLC-MS/MS da reacção em reactor
semi-contínuo.
Acetais (%) Batch
Padrão
XMA 9,1
GMA 1,5
XDA 18,7
GDA 9,2
46
Acetais (%) Batch
Padrão
Total 38,4
Os resultados corroboram com os valores já expectáveis.
4.2.1. Pressupostos e Balanço de massa do Reactor
Descontínuo
Por fim fez-se o balanço de massa, do processo de produção do bio-petróleo em
descontínuo, tendo como base os resultados do padrão usado para replicar os últimos 7
ensaios. Todo o processo descontínuo já foi previamente descrito no subcapítulo 3.3.3.
Vai-se agora enunciar a estratégia de resolução seguida para a elaboração do balanço
de massa de todo o processo, assim como os principais pressupostos.
Pré-tratamento:
- O bagaço inicial continha 40% de humidade[67];
- O bagaço seco detinha 7,4 % de humidade[68] (vide Anexo D).
Reactor:
- A acetona incorporada no bio-petróleo é aproximadamente 21% (vide Equação (
4 ), página 39) (esta percentagem foi obtida por um cálculo muito grosseiro, onde
se considera que a diferença entre a massa de óleo e o bagaço consumido é o
valor de acetona que foi incorporado no óleo[3]);
- O bagaço após reacção não arrasta nenhum outro componente;
- A solubilidade da água na acetona foi considerada desprezável;
- A água que se consome na hidrólise é considerada equivalente à que se forma na
acetalização, por isso assume-se que a quantidade de água contida no bagaço é
a mesma quantidade de água que sai no efluente do reactor (apesar de não ter
sido executada a quantificação analítica da água contida no bio-petróleo).
Neutralização:
- A quantidade de água formada na neutralização é estequiométrica.
Remoção de Água:
- O sulfato de sódio remove toda a água. (assumiu-se que o óleo final produzido em
laboratório não continha água apesar de não ter sido feita a quantificação analítica
desta no bio-petróleo)
Destilação:
- Na destilação remove-se toda a acetona.
47
Após terem sido explicitados todas as considerações necessárias à concepção do
balanço de massa (Tabela 11) já é possível apresentá-lo, mas em primeiro lugar vai-se expor
um diagrama de blocos do processo de produção do bio-petróleo, em regime descontínuo (
Figura 34).
Note-se que não estão representadas as etapas em que se adiciona solvente, acetona
ou acetato de etilo como auxiliar de transporte, porque se achou que são etapas que foram
extensivamente descritas nos métodos experimentais e que estes solventes no balanço de
massa actuam como “inertes”, pois tanto estes precipitados, como os seus produtos foram
sempre recuperados, e por isso são etapas desnecessárias no diagrama.
48
Figura 34 - Diagrama de blocos do processo de produção de bio-petróleo em escala laboratorial.
49
Tabela 11 – Balanço mássico ao processo em regime descontínuo, as massas apresentadas estão em gramas.
Iniciaram-se os testes no reactor semi-contínuo com as condições mais favoráveis que
já haviam sido estudadas[4] e as que foram adaptadas à dimensão do reactor. Para além das
condições já descritas, 8 bar e 20 g de bagaço de cana-de-açúcar, usaram-se novas condições
que foram definidas à medida que se obtinham os resultados em menor escala. Os testes em
pequena escala estavam a ser efectuados em paralelo com estes testes de escala superior.
Foram realizados 4 testes no reactor, mas apenas se vai apresentar o resultado mais fidedigno.
Neste teste as condições utilizadas foram 120 °C, ácido sulfúrico e acetona na proporção de
1/500 (% v/v). Optou-se ainda por uma reacção com a duração de 1 h e um caudal de 7 mL/min,
isto devido aos resultados obtidos em testes paralelos ainda não divulgados publicamente.
Em seguida apresenta-se a Tabela 12, onde se têm os resultados da reacção:
Tabela 12 - Resultados experimentais da reacção em regime semi-contínuo.
Teste Semi-contínuo
móleo (g) 9,2
mbagaço residual (g) 11,0
ɳ (%) 45,9
mbagaço consumido (g) 9,0
Conversão (%) 45,2
Ressalva-se que o bio-petróleo foi neutralizado e seco utilizando a segunda
metodologia descrita no subcapítulo 3.3.2.. Como foi dito nesse subcapítulo a quantidade de
bicarbonato de sódio utilizada (100,1 g) foi muito superior ao valor calculado através de
cálculos estequiométricos, que segundo os cálculos seria de aproximadamente 3,2 g (ver
Anexo C). Por isso pode-se concluir que a agitação foi muito fraca, sendo necessário usar um
excesso de 317%, um valor muito desajustado do valor calculado para este procedimento.
Procedeu-se então às análises de HPLC-MS/MS do bio-petróleo semi-contínuo, ver
Tabela 13.
Tabela 13 - Resultados da quantificação de di-acetais de xilose (XDA) e de glicose (GDA), os mono-acetais de xilose (XMA) e os mono-acetais de glicose (GMA) por HPLC-MS/MS da reacção em regime
semi-contínuo.
Acetais (%) Teste Semi-contínuo
XMA 8,7
GMA 0,7
XDA 27,7
GDA 14,3
Total 51,4
Como era de prever, conseguiu-se obter uma percentagem mais elevada de acetais,
melhorando-se a qualidade do óleo. O equilíbrio da reacção de acetalização é favorecido em
51
meios básicos, provavelmente o menor tempo em contacto com ácido, no reactor semi-
contínuo, aumentou o rendimento em acetais e a conversão da biomassa.
A partir do cálculo da acetona incorporada (vide Equação ( 4 ), Página 39), conclui-se
que este valor é muito díspar do resultado da quantificação de acetais. Este resultado,
nitidamente, foi consequência de erro experimental, provavelmente por perdas de óleo
derivadas de uma recuperação deste, pós-recção, pouco eficiente. Como se passou a ter uma
quantidade muito superior de bagaço, tornou-se mais difícil de remover todo o óleo da fibra do
bagaço.
Pode-se também realizar uma estimativa muito simplista desta percentagem, tendo
em conta a quantificação de acetais. Sabendo que é necessária uma mole de acetona para
formar uma mole de mono-cetal. Pode-se deduzir que x% de acetona formou 9,4% de
mono-acetais e 2x% de acetona formou 42% de di-acetais, resultando esta estimativa numa
incorporação de 30,4%. Apesar de simplista, este cálculo resultou num valor equivalente ao
valor já comprovado por testes anteriores[3], onde o valor encontrado também é em torno dos
30% de acetona incorporada.
4.3.1. Pressupostos e Balanço de massa do Reactor Semi-
contínuo
Por fim fez-se o balanço de massa, do processo de produção do bio-petróleo em semi-
contínuo, tendo como base os resultados do teste realizado. O diagrama de blocos do
processo de produção do óleo em regime semi-contínuo é igual ao do regime descontínuo,
como foi apresentado na Figura 34 (vide página 48).
Todo o processo está descrito no subcapítulo 3.3.4. No entanto, note-se que não estão
representadas as etapas em que se adiciona solvente, tal como também já foi descrito no
processo descontínuo.
Vai-se agora enunciar a estratégia de resolução seguida para a elaboração do balanço
de massa de todo o processo, assim como os principais pressupostos.
Pré-tratamento:
- O bagaço inicial continha 40% de humidade[67];
- O bagaço seco detinha 7,4 % de humidade[68] (vide Anexo D).
Reactor:
- A acetona incorporada no bio-petróleo é aproximadamente 2% (vide Equação ( 4
), Página 39);
- O bagaço após reacção não arrasta mais nenhum componente;
- A solubilidade da água na acetona foi considerada desprezável;
52
- A água que se consome na hidrólise é considerada equivalente à que se forma na
acetalização, por isso assume-se que a quantidade de água contida no bagaço é
a mesma quantidade de água que sai no efluente do reactor (apesar de não ter
sido executada a quantificação analítica da água contida no bio-petróleo).
Neutralização:
- A quantidade de água formada na neutralização é estequiométrica.
Remoção de Água:
- O sulfato de sódio remove toda a água. (assumiu-se que o óleo final produzido em
laboratório não continha água apesar de não ter sido feita a quantificação analítica
desta no bio-petróleo)
Destilação:
- Na destilação remove-se toda a acetona.
Após terem sido explicitados todas as considerações necessárias à concepção do
balanço de massa já é possível apresentá-lo, vide Tabela 14.
53
Tabela 14 – Balanço mássico ao processo em regime semi-contínuo, as massas apresentadas estão em gramas.
Custo de Produção 3,5 3,7 3,1 3,4 3,7 3,9 4,1 4,3 4,5 4,7
91
Representou-se, num gráfico, para um ano intermédio de exploração, em que a capacidade de
produção da fábrica é 100%, a distribuição de custos no custo total de produção:
Figura 39 - Distribuição percentual dos custos de fabrico (directos, indirectos e fixos) e das despesas gerais no custo total de produção para o ano de 2018 (5,3 M€),
Para o ano intermédio em estudo, verifica-se que os custos directos representam a maior
porção dos custos de produção. Este facto deve-se principalmente ao custo das matérias-primas que,
como referido anteriormente, representa a maior fatia dos custos directos.
Por fim apresentam-se os resultados do custo do barril de bio-petróleo (Tabela 51) e faz-se
uma comparação entre o custo do barril de bio-petróleo e o custo do solvente (Figura 40), neste caso
foi usado a acetona, tendo esta um custo limitante e que faz elevar o preço do barril.
Tabela 51 – Custo de Produção de um barril de Bio-petróleo.
Ano Produção anual
(ton) Custos de produção (€/ton Bio-petróleo)
Custos de produção (€/bbl Bio-petróleo)
Custos de produção (US$/bbl Bio-petróleo) 2, [91]
2018 1256 4246 43 50
2019 1256 4312 43 51
2020 1256 4035 41 48
2021 1256 3792 38 45
2022 1256 3929 40 47
2023 1256 3934 40 47
2024 1256 4066 41 48
2025 1256 4198 42 50
2026 1256 4331 44 51
2027 1256 4463 45 53
2 1 € encontrava-se equivalente a 1,1752 US$ no dia 8 de Julho de 2018.
92
Nos 3 primeiros anos, devido a amortização do projecto e do elevado capital em divida o
preço de produção do bio-petróleo é mais alto. Após a amortização do projecto o custo decresce até
45 US$. Sendo que a 9 de Julho de 2018 o preço do barril do petróleo estava a 73,72 US$[118].
Figura 40 - Preço do Solvente versus o Custo de Produção do Bio-petróleo (2018).
Pela análise do gráfico pode-se concluir que o preço do solvente influencia extremamente o
custo de produção de um barril de bio-petróleo, por essa razão, para além de melhorias em termos
processuais também irá ser muito importante a utilização de um solvente alternativo à acetona.
42
43
44
45
46
47
48
49
50
51
1328 1210 1093 975 858 740 623 505
Cu
sto
de
Pro
du
ção
do
Bio
-pet
róle
o
(US$
/bb
l de
Bio
-pet
róle
o)
Preço do Solvente (US$/ton)
93
6. Conclusões e Trabalho Futuro
Este capítulo apresenta as conclusões principais do presente trabalho e algumas sugestões de
trabalho futuro.
6.1. Conclusões
Como se pode observar pelos resultados dos reactores descontínuo e semi-contínuo, a
conversão e o rendimento (de aproximadamente 32 e 40% no descontínuo, e para 45 e 46% no semi-
contínuo, respectivamente) são superiores no semi-contínuo. Era expectável que o rendimento
aumentasse, mas a conversão deveria ser superior no descontínuo. No entanto isso não se verificou,
isto provavelmente é devido ao aumento de temperatura na reacção do semi-contínuo, aumento esse
que é permitido devido à redução do tempo de residência. Com esta redução do tempo reduziu-se
também a degradação do óleo produzido no reactor e aumentou-se a abertura da fibra da cana-de-
açúcar, obtendo-se assim uma maior quebra dos polímeros cristalinos da celulose, mais difíceis de
alcançar (Anexo D).
Quanto à formação de acetais de hidrocarbonetos também podemos concluir que houve um
aumento da sua produção no reactor semi-contínuo (de 41,4% no descontínuo para 51,4%), sendo
visível um aumento quantitativo da incorporação da acetona no óleo. Este aumento pode ser justificado
pelo rendimento mais elevado no semi-contínuo, que consequentemente resultou num maior número
de moléculas de xilose e glicose disponíveis a serem hidrolisadas.
No entanto quando se calcula a acetona incorporada no óleo a partir da equação ( 4 ), o
resultado (de aproximadamente apenas 2%, quando comparado com os 21% no descontínuo) não é
coerente com os resultados experimentais, mas como foi esclarecido anteriormente, quando se passou
a utilizar o reactor semi-contínuo passou-se a utilizar o dobro da massa de bagaço, o que pode ter
levado a perdas de bio-petróleo. Estas podem ter resultado de uma lavagem ineficiente, e podem
também ser derivadas de perdas no sistema, dado que este processo envolve um volume muito
superior e se trata de um reactor semi-contínuo que tem de ser desmontado para a remoção do bagaço.
Relativamente à segunda parte do estudo, o processo industrial e a análise económica do
processo com uma capacidade reduzida.
À medida que se analisa este processo semi-contínuo conclui-se que se trata de um ponto de
partida muito importante para um processo industrializado, mas embora presentemente se esteja
apenas a abordar um conceito inicial e não um processo concludente. Espera-se que num futuro
próximo se possa apostar na instalação de uma planta piloto deste processo e assim se poder alcançar
as melhorias desejáveis, tanto tecnológicas como energéticas. Esta situação leva a uma optimização
do processo com equipamentos mais funcionais e com uma integração das utilidades onde haja o
reaproveitamento máximo de todas as correntes e efluentes. Lembrando também que tanto o bio-
petróleo, como o bagaço que não for consumido, estes podem ser utilizados como fontes energéticas
para uma fábrica mais sustentável.
94
Contudo, este estudo, ainda que simplista, deu uma visão de uma possível transferência da
tecnologia já aplicada no processo semi-contínuo, a nível laboratorial, para um processo em escala
piloto.
Após ter sido obtido o PFD do processo (Anexo E) foi possível executar a avaliação económica,
onde foi efectuado o cálculo do investimento (e custo de equipamento base) e o respectivo plano de
investimento, tendo-se determinado que o investimento necessário para a instalação projectada ronda
os 10,2 M€, dos quais 50% são provenientes de capital alheio. Foi então realizado um plano de
investimentos com a duração de ano e meio, onde se concluiu que a partir do 10º mês seria necessário
recorrer-se ao empréstimo bancário.
Finalmente efectuou-se o custo de produção, e mesmo sem ter sido realizada uma optimização
do processo, e mesmo com a crise petrolífera que ainda se vive no momento obteve-se um custo de
produção de um barril de bio-petróleo de 50 US$.
É um custo que consegue rivalizar com o preço de venda actual do barril de petróleo, 73,72
US$ (dia 9 de Julho de 2018)[118], não obstante que, a queda de preços do barril petróleo tem vindo a
diminuir. Todas as crises ao longo da exploração petrolífera, são temporárias, isto porque estas
flutuações de preços são, maioritariamente, provenientes de políticas no país exploratório e estratégias
globais governamentais. Note-se que apenas há dois anos o preço do barril rondava os 50 US$[118].
Por fim, deve-se ressalvar que não foi executado nenhuma investigação aprofundada dos
incentivos inerentes a uma planta que utilize tecnologia verde, uma vez que estes benefícios podem
ser obtidos de diversas fontes. Consequentemente, não foi possível quantificar os impactos que estes
teriam no custo de produção do bio-petróleo, mas é certo que haveria reduções muito positivas.
Ainda assim, foi possível constatar que existem alguns apoios governamentais, fiscais e não
só, para impulsionarem os investimentos em projectos que sejam “amigos do ambiente”. Para além
desta mais-valia, existe também o mercado do carbono, mercado onde empresas verdes negociam os
seus créditos verdes por quantias monetárias significativas.
6.2. Trabalho futuro
Seguidamente apresentam-se algumas sugestões de trabalho futuro que seriam importantes para
complementar o trabalho efectuado para esta dissertação de mestrado:
• Repetir o teste realizado no reactor semi-contínuo em triplicado, e realizar mais testes em
condições diferentes;
• Executar mais técnicas de caracterização para um melhor conhecimento da composição do
bio-petróleo e das suas características físico-químicas. Como por exemplo, a percentagem de
humidade e o pH após reacção e após neutralização, a variação da viscosidade cinemática ao
longo do tempo, etc.;
• Optimizar o processo de produção do bio-petróleo, tanto a nível de tecnologia como a nível de
integração das utilidades;
• Desenvolver um processo industrial contínuo em que toda a biomassa possa ser reaproveitada;
95
• Fazer uma análise económica mais detalhada, incluindo análises de sensibilidade a diferentes
variáveis, tais como utilidades e aumento da capacidade da fábrica;
• Utilizar um solvente alternativo à acetona, de modo a tornar este processo mais rentável e
sustentável. A alteração deste solvente também poderá vir a influenciar o tipo de processo. Pois,
no caso de se utilizar uma cetona mais pesada, isto iria resultar, possivelmente, numa reacção a
temperatura atmosférica, reduzindo assim os custos em materiais utilizados. Note-se que, já
estão a ser feitos estudos relativos aos solventes disponíveis no mercado;
• Fazer uma nova análise económica recorrendo a materiais mais acessíveis monetariamente,
como o aço de carbono com revestimento anticorrosivo ou teflon, como o termoplástico, etc,,
sendo estes opções viáveis para o projecto em estudo (reactores com relativamente baixas
temperaturas e pressões). Presentemente, existem cada vez mais alternativas ao aço inox 316,
todavia, neste projecto, optou-se por uma selecção de materiais mais conservativa, existindo por
isso, a possibilidade de uma redução muito significativa do custo do equipamento base;
• Fazer uma análise mais aprofundada dos possíveis apoios do governo a este tipo de processos e
à situação do mercado do carbono no Brasil (a aplicação de um limite de emissões de GEE está
prestes a ser implementada no Brasil);
Algumas destas ideias já se encontram a ser testadas, tal como novos processos contínuos.
96
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A-1
Anexos
A. Resultados da Calorimetria
Em seguida, na Figura 41, apresentam-se os resultados dos testes de calorimetria do óleo em
regime descontínuo e do óleo em regime semi-contínuo.
Figura 41 - Calor específico do óleo em regime descontínuo e regime semi-contínuo, em função da temperatura.
Os valores mais importantes formam resumidos na tabela seguinte:
Tabela 52 – Alguns valores do calor específico do óleo em regime descontínuo e regime semi-contínuo, em função da temperatura.
Temperature (°C) Calor específico (J/(g,°C))
Reactor Descontínuo Reactor Semi-contínuo
15,56 1,469 (erro3) 1,712
25 1,351 1,814
35 1,369 1,825
75 1,906 1,743
100 2,438 1,869
120 2,695 2,061
3 A determinação de capacidade específica não foi realizada para este valor, sendo que este se encontrava perto
do limite do intervalo de estabilização do calorímetro (10 °C) deve ter sido gerado um erro.
-5
-3
-1
1
3
5
7
9
10 60 110
Calo
r E
sp
ecíf
ico
(J/(
g.°
C))
Temperatura (°C)
Descontínuo
Semi-contínuo
B-2
B. Resultados da Determinação da Viscosidade
Em seguida, na Figura 42, apresentam-se os resultados dos testes de reometria do óleo em
regime descontínuo para a determinação da viscosidade.
Figura 42 – Viscosidade do bio-petróleo produzido em regime descontínuo em função da temperatura.
Como se pode observar, apesar de o bio-petróleo ser um óleo muito viscoso à temperatura
ambiente, com o aumento da temperatura a sua viscosidade diminui acentuadamente.
Note-se que só foram determinadas as viscosidades para 5 temperaturas, 40, 50, 60, 70 e
80 °C, e que a viscosidade obtida para cada temperatura é um valor médio. No entanto, ajustou-se uma
trendline polinomial de 2º grau para se poder extrapolar o valor da viscosidade para outras
temperaturas.
0,00
0,50
1,00
1,50
2,00
2,50
3,00
3,50
4,00
4,50
5,00
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Vis
cosid
ade (
Pa.s
)
Temperatura (°C)
C-3
C. Cálculo da Massa de Sal para o Processo de Neutralização
Segundo a reacção ( 1 ) (página 33) sabe-se que para 1 mol de ácido sulfúrico é necessário
duas moles de bicarbonato de sódio para a neutralizar o ácido.
Sabendo o peso molecular do ácido sulfúrico, do bicarbonato de sódio e do óxido de cálcio e a
quantidade de ácido utilizado na reacção determina-se o sal necessário estequiometricamente, isto é
apresentado na tabela seguinte:
Tabela 53 – Resultados dos cálculos de determinação do sal necessário à neutralização do ácido utilizado nas reacções em laboratório.
PM (g/mol) Densidade (g/mL) Descontínuo padrão Semi-contínuo
H2SO4 98,078 1,839 0,8 mL 1 mL
NaHCO3 84,007 - 2,52 g 3,15 g
No caso do processo industrial, o sal utilizado é o óxido de cálcio (equação ( 13 )),
Neste caso tem-se uma proporção de 1 mol de ácido para 1 mol de sal, sendo que foi utilizado um
excesso de 10%, isto é exposto na tabela seguinte:
Tabela 54 - Resultado do cálculo de determinação do sal necessário à neutralização do acido utilizado na reacção industrial.
PM (g/mol) Densidade (g/mL) Estequiométrico (kg) Excesso (kg)
H2SO4 98,078 1,839 48,31 -
CaO 56,0774 - 27,62 30,38
H2SO4(aq)+CaO(s)→CaSO4(aq)+H2O(l) ( 13 )
D-4
D. Resultados da Termogravimetria
Na figura seguinte representa-se o resultado o teste de temogravimetria do bagaço após o
pré-tratamento:
Figura 43 – Resultado do teste de termogravimetria do bagaço pré-tratado em função do tempo.
Note-se que como já foi referido, assumiu-se que a humidade presente no bagaço era cerca
de 7,4%, isto porque em vários artigos de referencia, tal como no [68], é dito que se pode fazer uma
estimativa do teor de humidade presente no bagaço de cana-de-açúcar assumindo que a percentagem
de perda de massa até 105 °C representa a humidade que o bagaço contém.
Como se pode observar na Figura 44, os vários patamares de perda de massa da Figura 43
estão intimamente relacionados com a temperatura de degradação dos compostos que constituem o
bagaço (vide Figura 15, página 17). O pico das temperaturas de decomposição dos componentes (e a
gama de temperaturas) hemicelulose, celulose e lenhina são 240 °C (220 a 260 °C), 300 °C (235 a
310 °C), e 342 °C (300 a 475 °C), respectivamente[119][120].