SECRETARIA DA CASA CIVIL 1 TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA REALIZADA EM 15/12/2015 LOCAL : AUDITÓRIO da ADUFEPE – Campus da UFPE TEMA: Movimento Estudantil DEPOENTES: ABDIAS VILLAR DE CARVALHO JOSÉ ARNOBIO PEREIRA JOSÉ MOURA E FONTES CARMEN DE CASTRO CHAVES JOÃO BOSCO TENORIO GALVÃO MARTHA MARIA HENRIQUE DA SILVA
63
Embed
TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA REALIZADA EM … · favoravelmente a entrada do Brasil na guerra. O prédio foi demolido e, ultimamente, ... haverá uma projeção de slides, e
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
SECRETARIA DA CASA CIVIL
1
TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA REALIZADA EM 15/12/2015
LOCAL : AUDITÓRIO da ADUFEPE – Campus da UFPE
TEMA: Movimento Estudantil
DEPOENTES:
ABDIAS VILLAR DE CARVALHO
JOSÉ ARNOBIO PEREIRA
JOSÉ MOURA E FONTES
CARMEN DE CASTRO CHAVES
JOÃO BOSCO TENORIO GALVÃO
MARTHA MARIA HENRIQUE DA SILVA
SECRETARIA DA CASA CIVIL
2
FERNANDO COELHO: (início de fala não gravada) na minha época de ter sido o
primeiro vice presidente nacional da UNE. E mais, como deputado federal ter tido a
oportunidade de apresentar o projeto restabelecendo, restaurando a UNE nacional.
Nos dois mandatos que cumpri em Brasília, em ambos apresentei esse projeto de
reorganização da UNE que, todavia, não chegou a ser incluído sequer na pauta,
uma vez que (incompreensível). Tive também a oportunidade de, além da anistia,
apresentar uma emenda incluindo entre as pessoas anistiadas, os estudantes, o que
não constava do projeto original do governo, inclusão que se justificava tanto mais
porque, na medida em que a lei tentava anistiar crimes, deixava de anistiar faltas
que foram descaracterizadas como crime, faltas que na ótica do governo eram
consideradas de caráter administrativo. A emenda foi aprovada e, graças a ela,
aqueles que ainda sentiam os efeitos do 477, (trecho incompreensível), puderam ser
contemplados. E, afinal, ainda tive outra participação, que agora a memória me
lembra, quando a ditadura procedeu a demolição do prédio na praia do Flamengo, n°
132, onde eu inclusive havia (...?...) como vice presidente. No Rio de Janeiro foi
impetrada uma medida judicial e sustada a execução do ato do juiz da vara
competente; não obstante, o governo da época era o governo da ditadura, e
mobilizou-se junto ao Tribunal Federal de Recursos, que era a instância competente,
no sentido de ser reformada a resolução, o que foi feito com muita rapidez. Nesse
espaço de tempo, eu fui procurado por um grupo de estudantes e, na tentativa de
impedir a demolição do prédio, apresentei um projeto assegurando o tombamento do
prédio da praia do Flamengo, 132, um prédio do século XVIII. A interferência do
governo federal no Tribunal de Recursos fez com que o recurso, a medida judicial
concedida na instancia anterior, fosse imediatamente revogada e o meu projeto,
apesar de ter sido aprovado, apesar de ter sido aprovado na Comissão de
Constituição e Justiça, foi derrotado na Comissão de Educação, lembro ate que
SECRETARIA DA CASA CIVIL
3
mediante um parecer de uma deputada dar ARENA, Ligia Lessa de Alencar que
disse que não havia interesse cultural no prédio e era, sem sombra de duvida, não
apenas um patrimônio nacional mas, inclusive, de grande de valor histórico, artístico,
da mobilização da classe estudantil, como houve antes, na segunda guerra mundial,
favoravelmente a entrada do Brasil na guerra. O prédio foi demolido e, ultimamente,
o Governo Federal indenizou a UNE, para a construção, no mesmo terreno, de uma
nova sede de acordo com um projeto de Oscar Niemeyer (trecho incompreensível) e
hoje, se não me engano, já está concluída essa reconstrução, na Praia do Flamengo
número 132. Mas hoje nós vamos ouvir o depoimento de algumas pessoas daqui de
Pernambuco; vão ser ouvidos hoje os seguintes que, na época estudantes, sofreram
repressão: Abdias Vilar de Carvalho, Carmem de Castro Chaves, João Bosco
Tenório Galvão, Jose Arnóbio Pereira, Jose Moura e Fontes vão ser ouvidos hoje os
seguintes na época, e Marta Rodrigues da Silva. Em relação à Marta vou ter que
pedir desculpas publicamente porque no convite que foi impresso houve um erro na
grafia, mas essa retificação eu faço aqui; Marta está aqui e vai prestar também o seu
depoimento. A medida que eu for convidando os depoentes... Ah, desculpem... Será
feita uma breve apresentação, haverá uma projeção de slides, e eu também estou
curioso, por que não vi, sobre o movimento estudantil.
(Apresentação em power point)
RAFAEL LEITE - Bom dia a todos. Ontem em reunião, eu e Socorro, e Nadja, que
são relatoras do caso, dessa relatoria sobre Movimento Estudantil, como é um
ambiente de universidade e obviamente viriam muitos estudantes, alunos que
conviveram nesse período, chegamos a conclusão que seria talvez interessante
fazer uma pequena apresentação sobre a temática para elucidar um pouco e trazer
a essa temática esses estudantes mais jovens, o que foi esse período. Na verdade,
vai ser um resumo de 5 minutos, são alguns apontamentos, para aqueles que não
viveram o período que vocês, obviamente, vocês foram atores importantes nesse
processo, que conhecem, eu diria, profundamente esses eventos mas tem alguns
SECRETARIA DA CASA CIVIL
4
apontamentos que a Relatoria conseguiu e a gente tem avançado na elucidação de
alguns casos, e esses tem sido alguns eixos estruturantes da relatoria.
Tem três pontos que definem o que foi a educação brasileira durante o período da
ditadura militar: a repressão do Estado; a politica educacional e o caráter repressivo
do lado da ditadura e a resistência estudantil. Pra falar sobre movimento estudantil
nesse período, tem que entender estes três processos. Eu vou fazer um resumo, o
porquê da repressão do Estado às Universidades. Obviamente que em 1964 com o
golpe, a Universidade era vista como foco de subversão e das entidades que
sentiram primeiramente o golpe, foi a Universidade, por ter esse caráter reflexivo,
pensante, e em poucos meses a lei Suplicy de Lacerda de novembro, dá uma
demonstração disso. Logo em 1964 é a força e a dureza da repressão caía sobre a
Universidade. Alguns instrumentos legais foram levados a efeito pela repressão para
tentar endurecer, tentar enrijecer a Universidade em seu caráter pensante, seu
caráter critico e reflexivo, mas isso vem depois do fechamento da UNE, os IPMS, por
que logo depois de 64 a gente conhece uma serie de prisões, demissões,
aposentadorias, censura à pesquisa, censura à publicações, à circulação de livros,
vocês sabem muito bem como é difícil conseguir um livro, com um sentido marxista
estruturante, um ensaio sobre o que de fato estava acontecendo com o Brasil.
O terceiro ponto é a lei Suplicy de Lacerda logo em novembro de 64, que colocou as
entidades na ilegalidade. Esse é o primeiro artigo da lei que, assim, aos olhos dos
aqui presentes, é uma coisa inadmissível em um Estado democrático de direito:
“Fica vedado aos órgãos de repressão estudantil qualquer
manifestação ou propaganda de caráter político-partidário,
bem como incitar, promover ou apoiar ausência coletiva dos
trabalhos escolares, isto é, manifestações contra o governo;
determina também que diretores de faculdades, de escolas
e reitores incorrerão em falta grave se, perante omissão ou
tolerância, permitirem o não cumprimento da lei”.
SECRETARIA DA CASA CIVIL
5
Um segundo instrumento legal que deu mais força a esse (...?...) do estado foi o
Decreto-Lei 228 de 67, que colocou na ilegalidade as organizações estudantis, o
Decreto 477, que Nadja vai comentar mais a frente, e vocês tem também muito a
acrescentar em 1969; um outro ponto que é bem importante aqui e que a gente não
pode esconder, que é a participação da Reitoria, da própria Universidade Federal de
Pernambuco: a gente tinha a ASI, que era a Assessoria de Segurança e Informação.
Isso foi uma prática do Governo Militar que a partir de 71 de colocar assessorias
especiais do SNI, dentro das Universidades, e as Reitorias foram (...?...), eram
pessoas nomeadas pela ditadura, mas então a própria Reitoria, o órgão de que faz
parte da política educacional do Estado, serviu como um (...?...) da repressão da
ditadura.
Essa é uma citação que eu gosto muito, que fez o historiador Rodrigo Patto, ele fez
uma tese recente sobre as Universidades, que:
“Não existiu a figura do Reitor ou de Diretor crítico em relação ao
regime militar, pois eles seriam afastados imediatamente. No
máximo houve alguns espaços para jogos ambíguos de
negociação, em que alguns dirigentes universitários se
empenharam em proteger certos membros da comunidade
universitária, mas sempre prestando apoio ao Estado”.
Essa é a figura do Reitor durante a ditadura, isso é algo estranho, os poucos que
apoiaram as manifestações estudantis foram sumariamente expurgados, ou
demitidos e aposentados pelas universidades. Já falei sobre essas assessorias de
segurança e informações que são órgãos (...?...) do SNI na Universidade de 71 a 86,
e um outro ponto é a política educacional, que a gente não pode esquecer, que foi a
segunda perna, o segundo braço, da ditadura para reprimir os estudantes e restringir
o caráter pensante, reflexivo e crítico das Universidades . A política educacional do
regime visava dois pontos, ao mesmo tempo que aumentou o número de vagas
universitárias para a classe alta e média, isso é importante salientar, é diferente de
anos recentes que houve uma injeção de ingresso nas Universidades, camadas
SECRETARIA DA CASA CIVIL
6
mais pobres da população conseguiram o ingresso nas Universidades; o ingresso
que foi ofertado durante a ditadura privilegiou, preferencialmente, as classes média e
alta. O segundo ponto que é importante destacar é o caráter técnico profissional da
ditadura que tinha o caráter obviamente de formação das demandas do capital, aí a
gente pode citar o acordo MEC/USAID, que desde 64, que dizem já vinha sendo
articulado pela surdina antes de 64, isso aí (...?...) e o Projeto Rondon, que é outro
projeto da ditadura em 67, o MOBRAL, que vocês conhecem tão bem, que é a
utopia da ditadura que ainda bem que foi mal sucedido, por que na própria (...?...) do
MOBRAL, ele era um projeto totalmente diferente daquele que propunha Paulo
Freire. A reforma da universidade em 68, que instituiu departamentos, regime
interno, que (...?...) enfim, a reforma universitária de 68, ela atendeu algumas
demandas dos próprios estudantes, antes de 64. Algumas demandas aqui já faziam
parte da luta dos estudantes antes de 64. Agora, qual foi a diferença? É que quando
Jango decretou e lançou as reformas de base e logo depois a reforma estudantil que
englobaria muitas dessas reformas, elas eram muito diferentes do que foi proposto
pela ditadura. (...?...).
As disciplinas de Moral e Cívica é OSPB, Estudos de Problemas Brasileiros, enfim,
tudo isso para minar o caráter pensante dos estudantes brasileiros. A Reforma
Educacional de 71 que instituiu a profissionalização compulsória do segundo grau,
extinguiu (trecho incompreensível) obrigatória, passou de quatro para oito anos, é
lamentável nessa reforma de 71 o ensino profissionalizante compulsório, ao mesmo
tempo ele conteve a procura de vagas universitárias das classes mais pobres e
também teve um caráter, explicitamente, de atender as demandas do capital. O
ensino profissionalizante criou muitos estudantes a procura das universidades e
colocou aqueles estudantes principalmente oriundos de camadas mais pobres para
fazerem cursos técnicos profissionalizantes compulsório. Obviamente isso tinha uma
demanda, isso aí tinha um interesse do capital por trás. Isso reflete a pedagogia
tecnicista do período. Aí algumas resistências estudantis, porque nesse período,
(...?...) o que era já uma coisa histórica no Brasil. E mais, os professores, vocês
SECRETARIA DA CASA CIVIL
7
sabem muito bem como era, o processo de admissão dos professores à
Universidade, era uma apadrinhagem; revogação do acordo MEC USAID, revogação
da cobrança de anuidades instituída pelo regime militar, (...?...) pedagógico e etc, A
gente pode aqui discorrer mais de meia hora sobre os problemas e as
reinvindicações estudantis nesse período. Uma das causas estudantis, talvez a
principal, isso aí a gente vai ouvir daqui a alguns minutos de vocês. Isso aqui são
alguns tópicos que apresentei obviamente que isso aqui foi preparado para uma
massa de estudantes que não viveu aquele período, e tem esse caráter um pouco
ilustrativo, por isso estou sendo tão apressado.
Mas tem alguns acontecimentos que foram importantes na resistência estudantil no
período, como a invasão do Restaurante Calabouço e a morte do estudante Edson
Luiz no Rio de Janeiro, em março de 1968, que teve aquela comoção nacional.
(mostra fotos da época / resistência estudantil e. repressão policial). Aqui, o enterro
de Edson Luís, aqui a passeata dos cem mil, aqui as prisões no Congresso de
Ibiúna, que teve 703 presos. Aqui em Pernambuco houve a ocupação da Católica,
(trecho incompreensível). Enfim, isso aqui eu não vou ler: o que ficou da educação
autoritária. São algumas reflexões que eu tenho feito há algum tempo e em algum
momento a gente pode debater e aprofundar. Obrigado.
(Aplausos)
NADJA BRAYNER - Bom, em primeiro lugar eu gostaria de agradecer a Rafael, ele
trabalha com a gente, na assessoria da comissão. E, realmente, nosso objetivo foi,
até eu comentei com alguns colegas convidados, foi recordar um pouco as
questões. E agora nós vamos projetar algumas fotos, umas fotos que colhemos de
alguns documentos confidencias. Bom, essa foto aqui, a gente achou que é
importante destacar, o nosso companheiro Candido Pinto, que sofreu o atentado.
Esse é o local onde ocorreu o atentado a ele e aqui, a Comissão teve acesso a toda
documentação sobre o atentado, (trecho incompreensível)
SECRETARIA DA CASA CIVIL
8
Essa foto aqui, minha gente, garanto que muita gente não conhece; isso aqui foi
uma prisão que ocorreu na Manoel Borba, foram cinco estudantes, Maria Penha de
Souza, Tania Nobre, Tereza Dantas Vilar, Vania Nobre e Ligia Maria Vilar, que a
gente chamava de Pitaco, era como ela era conhecida no movimento estudantil.
Essas companheiras moravam numa república na Avenida Manoel Borba e a policia
começou a vigiar e finalmente prenderam e eu me lembro que isso aconteceu em
Arquitetura, elas estavam em Arquitetura , ficaram de voltar pra Moanoel Borba e
não voltaram. Em resumo, foram presas as cinco; e aquilo lá que vocês estão vendo
é o “material subversivo” que foi aprendido: livros, basicamente livros, enfim, e nós
tivemos acesso a esse material, em nosso trabalho de pesquisa no Instituto de
Criminalística. Essa foto aqui foi do atentado no Colégio Estadual de PE – CEP, foi
colocada uma bomba lá, claro, pelo CCC, mas não tinha assinatura, mas que a
gente tinha a documentação oficial também através de inquérito do Instituto de
Criminalística; essa outra foto aqui, foi na Faculdade de Engenharia onde o
Comando de Caça aos Comunistas fez uma visita, inclusive tem nas janelas aqui
assinado CCC e fizeram também uma destruição lá no D.A., nos corredores, etc.
(Mostra fotos da depredação da Escola de Engenharia 23:10, 1968). Está escrito lá,
vocês estão vendo : “Para o brasileiro todo comunista é o Paredom. O CCC esteve
aqui” Nesse caso ai não teve confronto, foi de madrugada, não machucaram
ninguém; aqui é a relação dos presos em Ibiúna, nossos colegas que foram nos
representando, naturalmente, eu não sei se daria pra ler porque são trinta e nove
nomes, mas tem pessoas aqui que foram presas e que podem falar. Pra gente
ganhar tempo. Na nossa relatoria, no nosso relatório, vai constar o nome de todos
esses que foram presos lá em Ibiúna.
Aqui também tem uma lista absurda, que foi uma correspondência do Diretor de
Ensino da Secretaria Estadual de Educação para os Diretores de Escola, punindo
estudantes secundaristas, por que tinha havi477 na Universidade, e aqui também
eles foram penalizados. São 7, eu vou ler os nomes. Diz assim:
SECRETARIA DA CASA CIVIL
9
“Por determinação do senhor Secretario de Educação e Cultura,
levamos ao conhecimento de V. Sa. que os estudantes abaixo
relacionados transferidos do Colégio Perreira Costa, não poderão
ser matriculados em nenhum estabelecimento de Ensino Médio
Oficial”
São eles: Ramires Maranhão do Vale, Judas Tadeu de Lira Gabriel, Alfredo Lopes
Ferreira, José Sebastião Lins, Geraldo Sobreira Liberalquino, Genezil Aguiar Coelho,
Lilia Maria Pinto Gondim, nossa companheira na assessoria da Comissão, e Paulo
Fernando Magalhães Santos.
Esse outro documento aqui, é uma correspondência enviada pelo Reitor da
Universidade Católica, Potiguar Matos, às autoridades constituídas, à repressão,
citando os nomes de três estudantes aqui, Romildo Rego Barros, Matilde Melo e
Maria do Rosário Collier, irmã de Eduardo Collier Isso era a Universidade Católica
que se destacou pela repressão, e João Bosco está aqui vai prolongar isso.
Isso aqui foi um documento que a gente localizou também no CISA, onde tinha a
relação dos atingidos pelo 477; aqui em Pernambuco nós temos a lista por
Universidade, nós vamos detalhar isso, e foram cerca de oitenta e quatro ou
noventa, (trecho incompreensível) Ademir Alves de Melo, Aécio Flavio Vieira de
Andrade, Alberto Romeu Leite, Alberto Soares da Silva, Alda Maria Custódio de
Lima, Alírio Guerra de Macedo, de medicina, Ana Cristina de Arruda, Ana Elizabeth
Salgueiro, Antônio Batista da Silva, eu não sei se vocês concordam... É preciso ler
tudo? São 89 nomes, não é?
É bom que se diga, que nós temos um documento aqui também, o depoimento do
Clidenor Moura, que foi inclusive do SNI, aqui em Pernambuco, onde ele, inclusive
declara textualmente que fez essas fotografias pensando no futuro, é o seguinte o
que ele diz que pediu ao Dr. Tuma, que não queria fotografia para identidade,
queria fotografia para identificação pessoal, porque são eles que vão (...?...) daqui a
um ou dois anos; “...Eu quero fotografia de corpo inteiro, de frente e perfil, quero
SECRETARIA DA CASA CIVIL
10
fazer essas fotos lá no presidio Tiradentes”. Me perdoem, porque essas fotos
apresentadas são do 477, mas existe outro álbum com as fotografias de Ibiúna, dos
setecentos e tantos estudantes, que ele fez exatamente com esse objetivo, dizendo
que era para o futuro, por que sabia que era no futuro que esse pessoal, saindo da
universidade, iria dar trabalho mais adiante. Gente desculpem, demorei um
pouquinho, mas achamos que era interessante passar isso aí. Agora a gente vai
começar a ouvir os depoimentos. Passo o microfone a Dt. Fernando pra que ele
convide os depoentes.
FERNANDO COELHO - Abdias Vilar de Carvalho. (aplausos) Por favor, a sua
qualificação.
ABDIAS VILAR - Sou Abdias Vilar de Carvalho, sou de Taperoá na Paraíba. Estudei
aqui em Recife, fui presidente do DCE da Federal, fui professor universitário,
sociólogo, Superintendente do INCRA - de São Paulo e de Pernambuco, no período
que passei em São Paulo, foram quase 20 anos em São Paulo, tive que sair daqui
por que não arrumei emprego, mas (trecho incompreensível). Bom, primeiro eu
queria agradecer muito o convite e, segundo, como o presidente falou, éramos
estudantes na época (trecho incompreensível). Eu queria começar a intervenção
fazendo duas citações que eu acho interessantes, não só sobre o momento da
Comissão da Verdade, sobre o Brasil de hoje, mas descrevendo também um pouco
sobre memória. E uma citação que eu gostaria de fazer é do historiador francês
Marc Bloch, que em 1949 escreveu (trecho incompreensível): “A incompreensão do
presente nasce, fatalmente, da ignorância do passado”. E a outra frase que eu
gostaria de lembrar é da filósofa suíça, que é brasileira hoje, que é professora da
PUC de São Paulo, Jeanne Marie Gagnebin. Ela diz que “A verdade do passado
remete mais a uma ética da ação presente”. Estas duas frases dizem muito porque
nós não podemos ignorar o que foi o passado para poder compreendermos o que é
hoje, tanto no Brasil (...?...) com todos os fatos que estão acontecendo, e também a
nossa historia, ela não pode ser colocada de modo a esquecer o passado. Eu acho
que a Comissão da Verdade ela tem essa função cujo titulo, cujo nome
SECRETARIA DA CASA CIVIL
11
homenageado, Dom Helder Câmara, foi um dos mais perseguidos do clero, e
inclusive dentro do próprio clero e do Vaticano. Ele foi uma pessoa perseguida. O
CCC fez ataques, jogou bombas na sua casa. É uma pessoa muito importante,
inclusive numa manifestação que nós fizemos na Católica, na Universidade Católica
de Pernambuco e diante do cerco policial, quando D. Helder chega é uma
verdadeira (...?...) dos estudantes. Eu gostaria de dizer o seguinte: pra mim, eu vou
pedir permissão a Carmem Chaves porque, uma vez, a gente conversando, uma vez
ela disse que as manifestações de 68, tudo o que se seguiu depois de 64,é um
resquício de 64,(...?...). E eu concordo plenamente com ela. Viu Carmem? Vou pedir
permissão a você pra dizer isso, porque se nos formos entender o que ocorreu no
Brasil depois de 64, com o golpe militar de 64, é muito. E tudo as resistências. Na
exposição anterior que começa com a Repressão Estudantil-Politica Educacional e
Resistencia Estudantil, a unidade é sumamente interessante, porque todo mundo
culpa os estudantes da radicalização e de que o 64 foi radicalizado por culpa dos
estudantes, que passaram a ser, na época, classificados como inconsequentes,
como agitadores, e que hoje estão sendo acusados dos mesmos adjetivos pela
imprensa atual. Impressionante isso. Eu trouxe um depoimento que eu colhi, numa
pesquisa que eu fiz, pra vocês. A minha hipótese e a minha tese que eu acho (...?...)
e que eu estou copiando é que, em 64, não fomos nós, os estudantes, os
responsáveis pela radicalização em 64. Ela já existia com o próprio golpe de 64. Eu
trago aqui um depoimento de uma pessoa suspeita, que era da direita, como ele
mesmo disse na entrevista, “Eu sou um cara de direita”. Foi primeiro presidente do
Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário no Brasil, criado em 64 pelo General
Castelo Branco. Ele diz:
“Quando Castelo pensou na substituição dele, aí entrou um detalhe
muito importante, eu tive o privilegio de ser o único civil, talvez pelo fato
de ter sido o presidente da ADESG”, olhem os detalhes, “De ser
convidado pelo Café para uma reunião que colocou os oficias
superiores, todos da Marinha, Exercito e Aeronáutica. O Castelo
Branco abriu a reunião dizendo o seguinte: “meus camaradas”, como
SECRETARIA DA CASA CIVIL
12
eles chamavam os militares, “meus camaradas, está chegando a hora
de pensar na minha substituição, é importante que nós nos fixemos em
algum civil, que possa dar continuidade ao nosso trabalho e que possa
merecer a confiança da Nação”. Quando ele acabou de falar isso,
Costa e Silva” isso foi em em 66/65, “levanta o braço e diz “presidente,
nós discordamos da sua opinião, esse País vivia entregue a civis, foi de
mal a pior, como é que nós, tendo tomado a direção do País, vamos
entregar de novo aos civis e voltar tudo ao que era antes? Nós não
podemos concordar com isso”. Castelo tomou um choque danado e fez
a seguinte argumentação para ele: “Ministro, todo governo militar
seguido de governo militar, vira uma ditadura militar, e o Brasil não
concorda com a ditadura militar. E o Brasil é civilista por natureza”.
Parou; nenhum oficial deu uma palavra a favor, e Castelo descobriu
que estava só e disse: “Diante do silencio enceramos a reunião”, e
retirou-se profundamente chocado”.
Esse documento de uma pesquisa que eu fiz, (...?...) e que já mostra a radicalização
de 64, já estava na cerne de 64, e inclusive com o apoio dos jornais, O Estado de
São Paulo, Folha de São Paulo, o Globo, o único jornal que foi contrário era A Última
Hora, que (...?...) o governo Arraes. Inclusive no PSD, na UDN, que eram os partidos
que deram apoio a ditadura, houve racha dentro. O próprio Castelo Branco, em 30
de novembro de 64, quando fez o Estatuto da Terra, foi chamado por estes partidos
de traidor, traidor do golpe no Brasil. Tem um fato extremamente interessante do
governador que substituiu Arraes, ele viajou, (trecho incompreensível) mais ou
menos assim: “Quando eu viajei, o presidente da republica era Castelo Branco
quando eu voltei, com o Estatuto da Terra que falava de reforma agrária, eu acho
que o presidente da república, a direção politica do país, estava entregue a Brizola e
a Jango”. Então vocês vejam o radicalismo já existia naquela época, e nós não
fomos culpados por isso. A outra coisa é essa história de chamar a juventude de
inconsequente, irresponsável... Nesse livro aqui (...?...) tem uma coisa muito
interessante: “Na minha opinião, a repressão que se abate no Brasil em 64, deve ser
SECRETARIA DA CASA CIVIL
13
analisada em três vias: perseguição e prisão, intimidação e cooptação”; (trecho
incompreensível). Perseguição e prisão, porque eu não tenho todos os nomes na
cabeça mais agora, mas eu não poderia esquecer a prisão do pessoal que foi preso
no Bom Pastor, tem duas aqui presentes, o pessoal da Casa de Detenção, tem
vários aqui presentes, os que sofreram o Decreto 477, como Marcelo, e outros; não
podemos esquecer a luta que nós travamos pelo Hospital das Clínicas, (...?...) era
uma pessoa que integrava a luta; da Faculdade de Engenharia que teve máquinas,
aparelhos importantíssimos, equipamentos, que ficavam guardados e com o tempo
foram desgastando, não é, que os estudantes falavam, e pra lembrar o ídolo de
todos nós, o Cândido Pinto, que foi baleado. Ele não morreu na época, mas veio a
morrer depois, ainda em consequência, e ficou paraplégico; então em perseguição
e prisão são vários, são várias pessoas, e tem muito mais que foram presas desde
64. Eu me lembro que eu estava em 64, eu era presidente da Associação dos
Estudantes Secundaristas da Paraíba. Eu fugi num carro, coberto com grama,
capim. Em 64 houve prisões de várias pessoas e depois em 66 a passeata quando
foi invadida a Igreja de Santo Antônio, aquela igreja ali perto do Diário, tem vários
outros fatos. Rildete, que está ali presente sofreu muito também. Então havia essa
perseguição, e era muito forte. Em segundo lugar a intimidação. Gente, todos nós
sofremos com isso desde 64. O terror instalado em todos os cantos, eu gostei muito
quando o cara falou aqui que o Reitor não era...Que era uma pessoa que fazia parte
do sistema; nós tivemos a repressão em salas de aula, inclusive eu vou citar dois
casos só, dois casos da época. A repressão existia. As pessoas se tornavam
olheiros da gente, e eles utilizavam, sobretudo, mulheres, mulheres boazudas, na
época como se dizia. Eu lembro de uma mulher que, no início de 70, na Faculdade,
sentou no meu colo nem sei porquê, quando eu menos esperei ela estava no meu
colo, conversando, querendo me prender, claro, me denunciaram e eu fui preso por
ela. E (...?...) foi preso na Faculdade de Direito de Pernambuco, ele estava dando
uma entrevista, uma mulher de cabelos compridos, “boazudona”, se lembra
Marcelo? (trecho incompreensível) ele deu a entrevista e depois foi preso lá. Em
setembro de 75/76, eu estava na UNB e nós, da sociologia, dávamos um curso que
SECRETARIA DA CASA CIVIL
14
era intitulado pelo pessoal, que o chamava maldosamente de “Os três parquinhos”,
por que era Marx, Weber e Lukács, os três parquinhos, como o pessoal
popularmente chamava eles e, nesse ano, o curso era sobre Weber. Aí chegou uma
mulher belíssima, de cabelos pretos, sempre escolhiam as mulheres de cabelos
compridos, não sei por quê, e ela queria porque queria que eu desse um curso sobre
Lenine. Nem Lenine fazia parte da bibliografia, nem era época mais, já passou.
Depois se descobriu que ela trabalhava, se lembra de uma época que as pessoas
iam viajar e quando chegava no aeroporto tinha alguém que examinava as pessoas,
e continua ainda hoje, era outra forma de segurança, outro sentido de segurança, e
então os alunos identificavam, por que ninguém conhecia essa pessoa, ninguém
sabe de onde surgiu, e ela veio se matricular no grupo, na UNB em Brasília. Então
nós temos vários exemplos dessa intimidação, muitos pais proibiam os filhos com
medo, eu não sei se vocês se lembram do decreto que criaram, que era obrigado a
qualquer pessoa, visitante, que chegasse no prédio, tinha que denunciar, quem
chegava na hora, escrever o nome e tudo; eu não sei o nome do decreto, mas esse
decreto existia. Eu me lembro, em São Paulo, eu passei em maus lençóis por isso.
(trecho incompreensível). Nós tivemos outra forma de intimidação, na Faculdade de
Ciências Sociais,, tem alguns colegas aqui presentes, na faculdade de Ciências
Sociais em 67, não, em 69 , nós produzimos um curso de Sociologia Rural e o que
aconteceu? Ficou aquele negócio, (trecho incompreensível) por seis, por seis,
depois chegou o professor e disse: “Olha, eu vou ser muito claro: foi proibido porque
o IV Exército proibiu o curso de Sociologia Rural em Pernambuco”. Imagine!
Sociologia Rural proibida em Pernambuco, porque eles tinham muito medo ainda do
que foram as ligas camponesas. Bom, outra coisa que é muito interessante pra
vocês, em 71, é, em 1971 o ministro da Educação, era, se não me engano, Jarbas
Passarinho, faz uma lista de livros proibidos. Dentre esses livros proibidos tinham
três de Pernambuco: Celso Furtado, Josué de Castro e Paulo Freire. Fora os outros
que tinham na lista. Eu pedi pra tirar uma cópia e a reitoria disse: “Não pode, porque
é uma ordem do Ministério da Educação”. A gente tinha que assinar por qualquer
livrinho. Eu me lembro também, que essa intimidação, me lembro quando em 70 eu
SECRETARIA DA CASA CIVIL
15
estava ensinando na Universidade, em Aracaju, tinha um professor... Tiradentes,
nessa época, foi considerado herói nacional, e o professor começou a sua pregação,
antes o dia 21 de abril, quando era feriado, dizendo que o Brasil era um País
pacífico, ordeiro e que nunca tinha havido rebelião, nunca tinha havido golpe. Aí eu
cheguei e disse: “Professor, eu gostaria de sua atenção, por que eu sempre aprendi
que Tiradentes foi enforcado, esquartejado e salgado, Então? Eu sempre aprendi
isso, e hoje o senhor fica dizendo que hoje o Brasil é um País pacifico. Que nunca
houve golpe, nem luta pela independência do Brasil. Então, é uma coisa nova”. Pra
vocês verem, essa intimidação era no Brasil inteiro. Perseguições, nas casas. As
casas tinham que ter as janelas abertas em 64. O Exército vinha, saía todo dia com
o apoio da imprensa falada, escrita, e televisionada. Não era a televisão como a que
tem hoje, mas já existia já. Em Campina Grande tinha um canal que era só... Era
chamado Esgoto 9, era o canal 9 da TV Globo, também chamada Globo Golpe. A
cooptação das pessoas do Conselho Universitário, eu me lembro aqui do caso do
nosso Conselho Universitário, tinha a madre, uma delas era da FAFIRE, por que a
FAFIRE fazia parte da Universidade Federal de Pernambuco, mas não era
autônoma como é hoje, e boa parte da biblioteca era só livro de santos. Por que só
livros de santos? Tem que ter livros científicos, os livros pra o pessoal estudar, né?
Bom, passou o tempo, nós brigamos com um professor historiador, famoso,
propondo um curso sobre Gilberto Freyre, que na época era um cara que teve a sua
fase, mas ele sempre apoiou a ditadura, e é considerado como um grande sociólogo
do Brasil, mas naquela fase apoiava francamente a ditadura, como Suplicy. O
Conselho Universitário naquela época, era composto por Suplicy, Gilberto Freyre
não, mas Suplicy estava lá, o Palhares, que era diretor da Faculdade de Sociologia,
estava lá e assim por diante. Bom, essa cooptação se dá através dos conselhos
universitários, através da lei dos cursos de Moral e Cívica. Gente, pro curso de Moral
e Cívica, chegou um professor que fazia a chamada no começo, no meio e no fim da
aula. Porque primeiro ele fazia no começo, aí todo mundo saía; aí ele começou a
fazer no meio. Mas era uma cara, esse professor, na época do AI 5. Vocês se
lembram daquele BAMERINDUS, na pracinha da República, ali perto do Diário, na
SECRETARIA DA CASA CIVIL
16
praça do Diário, tinha um BAMERINDUS. Eu fui entrando assim, aí ele olha pra
minha cara e diz: “Não era isso que vocês queriam?” Bem alto, todo mundo olha. Eu
só fiquei com medo. Nem sei o que eu fui fazer lá, acho que fui tirar meu salário.
Mas então, essas pessoas foram cooptadas. Ele foi pra Costa Rica. No IV Exército
os Estados unidos fizeram cursos para professores universitários, para empresários
e para civis em geral; era algo para mostrar como era a democracia americana, a
vantagem do capitalismo. A vantagem disso, daquilo e daquilo outro. Uma vez ele
chegou falando na aula, pra gente, sobre isso. Mas aí ele foi e ficou um tempão fora.
E foi um dos cabeças contra a aula de Sociologia Rural nas Ciências Sociais. Essa
disciplina Moral e Cívica continua na pós graduação com o nome de “Estudos de
Problemas Brasileiros”. As canções, lembram delas? “Meu Brasil eu te amo”, o filme
Independência ou Morte, que era pra celebrar a Independência do Brasil, a
libertação dos comunistas, etc., e o 7 de setembro passou a ser um ato militar. Já
era, então depois de 64 nós conseguimos fazer uma coisa interessantíssima, em 65
não houve o desfile como era normal, aquela coisa das escolas como era normal,
etc. né? Nós fizemos um debate sobre o Brasil, e as escolas montaram sem grandes
alardes, sem carro alegórico, sem nada. E por isso eu respondi vários processos,
inclusive o Inquérito Policial Militar, o IPM. Bom, pra terminar como eu estava
dizendo, eu não lembro o nome de todas as pessoas, mas foram várias pessoas
presas, várias prisões no interior, prisões e mortes e que começaram em 64. Eu
disse em minha tese que a radicalização seria em 68, mas não é verdade. Ela vem
de 64, quando dois estudantes foram mortos aqui. Uma outra coisa que você falou,
eu quero só lembrar aqui, é que em 68, aquela passeata grande que teve que ficou
conhecida como a passeata dos Cem Mil, da qual Wladimir Palmeira e josé Dirceu
participavam, os dois grandes líderes da época, ela nasce em Pernambuco. Nós
começamos aqui em Pernambuco a mobilização nas ruas, só que não teve a
repercussão que teve São Paulo e Rio, claro, e inclusive quando o Congresso de
Ibiúna caiu, eu não fui por que meu pai estava doente, Carmen e outras pessoas
que estão aqui, foram, eu dei logo uma declaração: “O Congresso de Ibiúna
continua, nas escolas e nas ruas”, tá publicado isso no Jornal do Comercio e no
SECRETARIA DA CASA CIVIL
17
diário de Pernambuco. Eram dois jornalistas, eu esqueci o nome deles, um era uma
uma moça, que depois eu descobri quem é, mas o rapaz eu não me lembro quem é.
Então, o “Milagre Econômico” dito pela área econômica, por Delfim Neto, na
liderança econômica do País, ele cria uma espécie de limbo, que muitas pessoas,
sobretudo, as de classe média que melhoraram de vida, acharam que o Brasil tinha
melhorado e estão repetindo hoje a mesma coisa. Então era isso, primeiro, pra mim,
a repressão, aliás, o movimento estudantil não é causador do endurecimento do
regime. Segundo, a repressão e o golpe militar de 64 tem que ser analisado pela
perseguição e prisão, pela intimidação e pela cooptação. Muito obrigado. (aplausos)
NADJA BRAYNER - Obrigada.
FERNANDO COELHO: Carmen Chaves (aplausos)
CARMEN CHAVES – Bom dia, eu agradeço bastante o convite. Acho que é
importante a gente relembrar essas coisas que passaram; meu nome é Carmen de
Castro Chaves, eu nasci aqui, fiz toda a minha formação aqui, só saí depois quando
eu me formei em Medicina, e fui fazer residência no Rio de Janeiro, em nefrologia, e
doutorado em São Paulo, e voltei para cá, (trecho incompreensível). Eu tenho um
pouco de dificuldade de tratar desse assunto, é um pouco difícil porque se passaram
tantos anos e eu não conseguia lembrar, ás vezes, da data, da coisa, e ficava
pensando em como é que eu ia fazer essa apresentação. Depois eu me lembrei que
eu tinha uma documentação histórica muito interessante, que era tudo o que a gente
tirou do Arquivo Público, você vai vendo suas passagens, suas (...?...), e tudo o que
foi acontecendo com as pessoas, comigo no caso, então eu peguei essa
documentação e, obviamente, vou deixar aqui pra vocês. Bom, eu vou começar
falando assim, primeiro, por que eu acho que é importante 64; é porque o que
antecedeu 64, quando Jango era presidente, a posse de Arraes, gerou pra gente
aqui, uma esperança no Brasil inteiro, e uma garantia dos direitos dos trabalhadores,
principalmente os rurais; ninguém pode esquecer a felicidade (...?...) a sua
canetinha, dentro do seu bolso, naquela esperança de que agora eles iam ser
SECRETARIA DA CASA CIVIL
18
tratados como gente. E 64 aconteceu exatamente nesse momento, quando havia a
perspectiva, a possibilidade, talvez, de mudar esse sistema terrível, aconteceu o
golpe, todo mundo sabe (trecho incompreensível) e, ás vezes, na nossa vida, nessa
época de 64, e antes de 64, (trecho incompreensível), o comício da Central do Brasil
e todas as turbulências; (...?...)fevereiro, as aulas começaram em março, e aí em 31
de março tanques na rua, muita confusão, a morte do secundarista, e naquela época
já tinha muita denúncia de tortura, pessoas enterradas, com latas na cabeça,
soldado batendo; Em 68 também tinha muitos militares na rua, muitos olheiros, lá no
nosso Departamento de Medicina, tinha o zelador do prédio e tinha também uma
pessoa que trabalhava no Diretório e todo mundo sabia que ele era olheiro. A
primeira coisa que eles fizeram foi fechar os D.A.’s, e nesse fechamento dos D.A.’s
eu acho que teve duas coisas muito importantes. Primeiro, foi que as turmas tinham
representantes, dois representantes, então esses representantes da turma de cada
ano, se juntavam numa reunião que passou a ser o D.A. Não é verdade? E como
isso era possível? Só foi possível por que a gente teve o apoio moral e material de
muitos professores. Eles davam dinheiro pra comprar material, papel, eram feitas
assim, coletas, com muita gente, assim, direto. Obviamente que existiram as
pessoas que estavam identificadas, vocês também sabem os nomes, não vale a
pena dizer, mas a gente precisa fazer esse levantamento da memória da UFPE, a
gente já sabe os nomes, tem um papel, (trecho incompreensível). Então, em 65, eu
até trouxe aqui a documentação, foi permitido que houvessem eleições para os
D.A.’s e tem aqui um documento pra eleição do D.A. da Faculdade de Medicina, em
65, tem aqui quem deu a autorização e etc. Depois, em 66, aconteceu, pelo menos
assim, pra gente, em várias Faculdades, que muitos alunos tinham uma nota que
permitia passar ou eles tinham uma média, mas tinham uma nota que não ajudava,
então foi criado um esquema para essa tal nota ser substituída por uma prova um
tempo depois; e isso foi uma luta que começou, foi muita luta em todos os lugares,
em todos os cursos aconteceu isso. Foi muita mobilização, muito acampamento, e
eu acho que foi aí quando foi começando realmente o movimento estudantil.
Inclusive a pressão foi tanta que eles tiveram que modificar, que ampliar salas para
SECRETARIA DA CASA CIVIL
19
caber pessoas. Aquela sala que tem, por exemplo, na medicina, ela cabia uma
quantidade gigantesca, cerca de 140 alunos e não tinha nem aquela parte de trás.
(trecho incompreensível).
Em 67 eu fui eleita representante de turma e aí começou minha atuação maior no
movimento estudantil. já tinha alguma, claro mas aí se intensificou. (trecho
incompreensível) aconteceu e continuou acontecendo, e essa coisa de participar
desse grande (...?...) que era o movimento estudantil, na época; que depois, nessa
época, tinha muitos cursos e nesses cursos houve uma tentativa de fazer um
aumento no preço da refeição. E aí foi uma batalha imensa aqui na Universidade. E
no fim das contas a gente conseguiu que melhorasse o preço. Nessa época, tenho
certeza, em 67, teve a Lei Suplicy, teve o MEC USAID, não lembro precisamente a
data, mas que era um motivo pra gente (trecho incompreensível), e no nosso caso
teve uma coisa muito interessante, com os alunos de medicina porque tinha um
(...?...), que era Getúlio, era muito querido, e que os alunos de medicina fizeram um
movimento danado pra ele não sair. Isso já era mais ou menos acho que 65/67.
Sessenta e oito começou o movimento estudantil na rua, era passeata, comícios
relâmpago no grande palanque mercado de São José, está ali sentado Marcelo
Melo, que era grande falante nesses comícios, ele sempre falava, subia num
caixotinho; e a gente tinha todas aquelas passeatas (trecho incompreensível) de
uma no dia 27 de março de 68, na Praça 17, tenho anotado, depois vou passar pra
vocês, depois... a gente participou ativamente de todo aquele contexto, e ocorreu
um episódio engraçado. Por que naquele dia, no negócio da igreja, umas pessoas
saíram correndo e sentaram num barzinho ali na Guararapes. Nossa! Os caras
botaram a gente pra fora. Aí então eu fui eleita vice presidente do DCE e foi muito
interessante, por que participava do Conselho Universitário, e aquilo era uma turma
de carneiros, (trecho incompreensível) e outras pessoas; balançando a cabeça e
votando com a Reitoria. e, depois teve uma coisa muito interessante, eu também
não lembro a data, que foi uma decisão em assembleia, uma coisa horrorosa, que
era sobre a invasão da Reitoria; vai-não-vai...vai-não-vai e aí resolveram que vai. Eu
SECRETARIA DA CASA CIVIL
20
era contra, mas como era da direção, tinha que ir, e aí o pessoal quando chegou lá
tinha um pessoal de cavalo e não sei o quê. Aí o pessoal “vamos embora, vamos
embora”, eu digo, “não, a gente não votou? Agora a gente vai ficar aqui pra ver o
que é que vai acontecer”. E aí o Reitor (trecho incompreensível). Depois, não sei a
data, a eleição da UEP foi por aí, e eu me lembro muito, talvez vocês lembrem
também que saiam pessoas dos diferentes partidos, não é, das direções, juntos,
com a urna rolando, e ia de faculdade em faculdade, (trecho incompreensível) e
clandestina, claro que clandestina. E, depois vem a história do 477, que eu acho que
foi por aí. Eu tenha uma coisa aqui que eu vou até deixar pra vocês, que eu recebi
aqui: “Comissão de Processo Sumário, ordem do encarregado, Cita a acadêmica
Carmen de Castro Chaves para apresentar defesa no prazo de noventa e seis
horas, a contar das dezesseis horas do dia 7/7/69”, e aqui, eu escrevi atrás, que a
acusação era essa: “Intimamente ligada aos grupos comunistas do Estado,
partidária da luta violenta contra as instituições democráticas, após a edição do AI5
e do decreto lei 477, exerceu plena atividade subversiva conclamando os estudantes
a lutarem contra os gorilas e lacaios do imperialismo norte americano, (risos).
Atualmente, desenvolve trabalho de reestruturação dos esquemas de atuação
esquerdista na área estudantil”, eu era do DCE e depois da UEP, “sendo vista em
constantes reuniões com elementos que tiveram seus direitos de cursar a
universidade cassados. Nos funerais do padre Henrique foi vista conclamando os
estudantes a realizarem pichamentos e comícios contra as autoridades.” Nesse dia,
essa vocês não sabem, e é muito interessante, como eu era uma boa coletora de
dinheiro por que conhecia muita gente, o pessoal já sabia e eu fui proibida de ir, por
que a polícia andava atrás de mim, aí eu fiquei esperando Eduardo chegar pra eu ir
pra casa e não ia pra passeata. Aí encontrei um professor: “Você hoje...” – “Não,
hoje eu estou proibida de ficar, vou pra casa e tal...” – “Ah sim, tá certo.” E aí,
quando eu recebi esse documento aqui eu pensei, meu deus, como é que eu vou
me defender?, Mas eu sabia o que era, era Dulcinha que estava lá, pensaram que
era eu e eu levei a culpa. Mas eu não podia jamais dizer que era ela. Aí eu me
lembrei do que eu estava fazendo, tinha a ata de que eu tinha atendido paciente,
SECRETARIA DA CASA CIVIL
21
tinha ido pra uma reunião da nefrologia, outra na clínica de Amauri, tudo com os
professores assinando e tinha até apresentado caso. Aí, Boris Trindade pegou e
botou tudo isso num documento e o 477 não podia me pegar por causa das provas.
A acusação não existia por que eu não estava naquele lugar onde estava sendo
acusada de estar. Depois, aí começou todas as assembleias para o Congresso da
UNE, foi toda aquela coisa pra o Congresso da UNE. Algumas pessoas loucas pra ir
pro Congresso e inclusive agora eu vou citar o nome, por que tinha uma pessoa na
Universidade doida pra ir, que era Jason, estava louco pra ir, queria ir de todo jeito
pra esse Congresso, eu fui, Marcos foi também (...?...). E, o Congresso, obviamente,
olhando hoje, era um delírio no fim das contas, por que era um bando de gente, num
lugar que era... o campo; quer dizer, é só chegar numa padaria, comprar os pães
todinhos, e aí estava evidente. Então foi um negócio! E no final das contas foi todo
mundo preso, todo mundo foi fichado, tiraram fotos de frente, de banda, de trás, de
todo jeito. E tem fotos as fotos. E aí eu tenho um papel aqui, que eu nem me
lembrava disso não, que tem algumas pessoas no Congresso, eu sei que eu estava
no meio, dos que não foram soltos logo, na hora. Eu tenho uma listinha, não está
aqui, mas eu passo pra vocês. Umas três ou quatro pessoas ficaram, fizeram um
triagem, isso foi interessante, por que a maioria não teve nada, (trecho
incompreensível). Aí vem a beleza do AI5, 13 de dezembro de 68. Aí pode se
estender pra todo mundo, por que os que ficaram foram presos. Eu tinha também,
não achei aqui, mas devo ter em minha casa, em abril, em 25 de abril de 1969, fui
naquela casa da Manoel Borba, por que eu soube que tinha uma pessoa que estava
com infecção urinária e que tinha me chamado pra eu ir atender. Quando eu vim de
volta subi, e quando eu cheguei lá em cima os caras já tinham levado as meninas
todinhas, e me pegaram e levaram pra lá também. Aí tem um fato curioso, por que
eles não tinham onde colocar a gente. E a gente ficava de dia numa cela e de noite
a gente dormia em camas de lona na sala do secretário, e logo cedo colocavam o
jornal na sala pra o secretário, e a gente dava uma espiada no jornal. Precisamente
na noite do dia 28 de abril, Miranda esteve lá, me acordou com aquela gentileza
(...?...) e aí ele disse: “Cadê Cândido?” eu disse: “Não sei” – “Eu sei que alguém
SECRETARIA DA CASA CIVIL
22
tinha lhe falado onde é que ele está. Eu sei que você sabe” – “Não sei!” Eu não
sabia, nem queria saber, por que eu já tinha uma relação com Cândido, de antes,
por que ele era professor de matemática da minha irmã caçula que era pouco
estudiosa. Então eu já conhecia ele de muito antes por essas coisas. E aí, de
manhã, o cara traz o jornal, quando eu abri dei aquele grito: “O que foi galega?” -
“Pegaram Cândido!”. (trecho incompreensível). Então, eu fiquei lá e só fui solta no
dia 2 de maio. Logo em seguida, em 27 de maio, foi assassinado o padre Henrique e
eu não fui ao enterro, foi aquela coisa que eu já contei, que eu fiquei esperando
Eduardo na porta e depois eu fui chamada para comparecer à delegacia acusada de
agitação estudantil, foi aquele documento que eu li. Bom, depois eu fiquei surpresa
até, em 69 eu fui presa, depois em 70 eu fiz residência e 72 eu voltei pra Recife. Em
73 nasceu minha filha e depois eu fui pra São Paulo e, como eu disse antes, não
continuei apenas médica. Eu participei em São Paulo do Movimento de Renovação
(...?...) do embrião do MDB e aí, destes papeiszinhos que estão por aqui o que me
surpreende, é que depois de muito tempo, é que várias coisas em 70 que eles tem,
como : “relação com elementos subversivos de vários partidos”, em 7 de junho de
72 ainda tem um Pedido de Busca, e depois ainda tem um negócio de estudantes
que foram pra o Congresso da UBES, isso. Mesmo depois que eu não era mais do
movimento estudantil da nossa época, mas eles ainda continuavam e você percebe
pelos documentos que eles eram muito desorganizados. Um mesmo documento,
igualzinho, de um órgão e depois de outro, igualzinho, depois a coisa se repete. Eu
fiz uma limpeza. Agora, tem uma documentação aqui, que é quem ficou preso: fui
eu, Umberto e Ricardo Noblat. Os outros foram soltos. Depois tem esse negócio do
Jornal do Comércio, está aqui, e eu vou disponibilizar pra vocês, (vai mostrando os
documentos que vai disponibilizar pra Comissão). Tem um colega meu, que foi uma
pessoa muito ativa, José Carlos Moreira de Melo, que ele participou comigo e a
gente estava conversando, nós fizemos uma reunião nesse fim de semana passado,
ele foi o coordenador do nosso encontro, é um pessoal que, provavelmente por
causa de 64, ficou com uma liga muito maior, e a gente tem essa coisa, são 46
anos. Mas aí a gente conversou e ele fez um depoimento que eu vou passar para a
SECRETARIA DA CASA CIVIL
23
Comissão. Não sei se vale a pena ler, se tenho tempo? O tempo já tá estourado,
não é? Mas vai ficar aqui. É contando um pouco a trajetória política dele, que ele,
quando estudante foi candidato na eleição, na chapa, e por causa disso foi muito
perseguido, sofreu dificuldades financeiras e teve que ir pra São Paulo. Foi pra UNE,
foi preso várias vezes. Também tem uma coisa que eu acho que é interessante, é
que há alguns anos atrás, em 99, a gente fez uma reunião das mulheres (...?...) em
68, e foi muito interessante, tem muito nome aqui, e a gente podia atualizar isso,
acho que tem uns trinta nomes mais ou menos. E tem uma coisa muito bonita, que
foi em 10 de março de 89, (emocionada) Cândido estava planejando fazer um livro,
por que (...?...) e que a gente tinha umas pessoas, é uma coisa muito diferente, não
sei se a Comissão tem isso? Não? É muito interessante. Então eu só vou ler o nome
das pessoas a serem contactadas: Abdias, Airton, Alberto, Cadoca, eu, Clarice,
Cristina Nascimento, Daura, David, Francisco de Assis, Edmar, João Roberto Peixe,
José de Moura e Fontes, Zé Oto, Lucia Melo, Marcelo Mario Melo,Marcus Cunha,
Matilde, Nadja, Paulo Pontes, (...?...), Rosalina Santa Cruz, Silvio Batuschanski,
Tereza Vilar, Valdir, o irmão de Ezequias, Padre Marcelo Cavalheira, Ricardo Noblat,
Aécio Gomes de Matos, Airton Queiroz, Carlos Alberto Soares, Carlos Henrique