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TRÁFICO DE SERES HUMANOS UMA PERSPECTIVA GERAL SOBRE A EXPLORAÇÃO SEXUAL DE MULHERES DISSERTAÇÃO ESCRITA POR Vera Lúcia Silva Fernandes MESTRADO EM PSIQUIATRIA SOCIAL E CULTURAL - FACULDADE DE MEDICINA, UNIVERSIDADE DE COIMBRA, PORTUGAL SOB ORIENTAÇÃO DE PROFESSOR DOUTOR PEDRO GÓIS E PROFESSOR DOUTOR MANUEL QUARTILHO 2015-2016
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TRÁFICO DE SERES HUMANOS UMA PERSPECTIVA GERAL SOBRE … de... · RESUMO Sob égide da máxima prevenir o tráfico, condenar os ofensores e proteger as ... sobre a temática da exploração

Nov 07, 2018

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TRÁFICO DE SERES HUMANOS UMA PERSPECTIVA GERAL SOBRE A EXPLORAÇÃO SEXUAL DE MULHERES

DISSERTAÇÃO ESCRITA POR Vera Lúcia Silva Fernandes MESTRADO EM PSIQUIATRIA SOCIAL E CULTURAL - FACULDADE DE MEDICINA, UNIVERSIDADE DE COIMBRA, PORTUGAL SOB ORIENTAÇÃO DE PROFESSOR DOUTOR PEDRO GÓIS E PROFESSOR DOUTOR MANUEL QUARTILHO 2015-2016

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II

RESUMO

Sob égide da máxima prevenir o tráfico, condenar os ofensores e proteger as

vítimas, o fenómeno do tráfico de seres humanos tem sido perspetivado como um

problema global que requer uma solução global. O reconhecimento crescente da

multiplicidade de padrões, propósitos e atores envolvidos contribuiu para uma,

igualmente crescente, consciencialização da sua complexidade, estando esta na base da

pressão internacional que suplica aos Estados uma atuação premente na luta contra este

crime. Todavia, se é certo que a atenção para esta questão proliferou, assim como as

suas definições, abordagens e interpretações, também é certo que novos desafios

surgiram. Apesar da controvérsia em torno das várias facetas do fenómeno, bem como

da sua delimitação conceptual, os diferentes focos teoréticos vieram permitir um

entendimento mais abrangente, chamando à atenção para novas dimensões que devem

ser incluídas no momento da elaboração de respostas estratégicas de prevenção e

combate ao crime.

No sentido de aprofundar o conhecimento teórico, a presente dissertação acolheu

o desejo de condensar a informação mais relevante narrada pela literatura científica

sobre a temática da exploração sexual de mulheres vítimas de tráfico humano. Fê-lo

através do enquadramento das questões históricas e teóricas que sustentam esta

realidade, da abordagem à dinâmica organizacional da rede, onde consta a análise dos

seus componentes processuais (recrutamento, transporte, exploração), bem como o

perfil dos principais atores envolvidos. Foi, ainda, alvo de um circunstanciado estudo o

impacto da vitimação na saúde física, social e, sobretudo, mental destas mulheres, que

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III

constatou que ansiedade, depressão e PTSD são as patologias mentais mais reportadas

pela evidência empírica. Por último, tentou-se desconstruir o processo de reintegração

social segundo os principais contextos a ter em conta, designadamente educativo e

formativo, económico, psicossocial, familiar e comunitário.

Concluiu-se, em traços gerais, que a intervenção com vítimas de tráfico deve

orientar-se no sentido da reconstrução da sua identidade, tratando-se esta de uma

questão essencial, visto que estas mulheres, subordinadas a práticas brutais, foram,

frequentemente, tratadas como objetos, acabando, muitas das vezes, por perder o

sentido positivo do self, percecionando-se, elas mesmas, como propriedade de outrem.

Como tal, assuma-se primordial restabelecer a autoestima, construir novas narrativas

que não incluam a vitimação como um fardo imorredouro na vida destas mulheres e

repor competências pessoais adormecidas, rumando sempre no sentido da reintegração

social. Neste ponto, a mobilização de uma rede social de apoio sólida revela-se um fator

de suprema relevância no processo de recuperação. De igual modo, a sociedade precisa

de estar preparada para acolher as suas vítimas. Opções de integração baseadas nos

interesses e necessidades das vítimas, articuladas com os da comunidade, são essenciais

para o sucesso do processo de reintegração, que se encontra, também, dependente dos

serviços disponíveis e da sua qualidade. Não obstante a proliferação de estruturas de

apoio, assistência e proteção, a evidência empírica tem vindo a denunciar a escassez de

recursos, assim como tem apontado para a urgente necessidade de avaliar quer os

serviços quer o processo de reintegração, bem como investigar, de modo mais profundo,

as verdadeiras necessidades das vítimas. Com efeito, entende-se que as principais

estratégias a seguir, em virtude de um sólido e completo apoio às vítimas, devem-se

pautar pela multidisciplinaridade, articulação, cooperação e agilidade comunicativa

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IV

entre os vários serviços e entidades nacionais e internacionais, quer sejam

governamentais ou não governamentais.

palavras-chave: tráfico humano; tráfico sexual; vitimização; consequências na saúde; reintegração social

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V

ABSTRACT

Informed by the motto prevent traffic, condemn offenders and protect victims,

the human trafficking phenomenon has been conceptualized as a global problem that

requires a global solution. The growing acknowledgment of the multiplicity of patterns,

purposes and actors involved has contributed to one, equally growing, awareness of its

complexity, which became the ground for international pressure that demands

governments to act urgently against this crime. However, and even though the focus on

this subject has undoubtedly proliferated, as well as its definitions, approaches and

interpretations, it is also certain that new challenges arose. In spite of the controversy

surrounding several aspects of the phenomenon, as well as its conceptual delimitation,

the different theoretical focuses have permitted a broader understanding, drawing

attention to new dimensions that should be included in preventive and reactive

responses to this crime.

In an effort to achieve a deeper theoretical understanding, the present thesis

intends to synthesize the most relevant information narrated by scientific literature on

sexual exploration of women victim of human traffic. The data analysis was based on

the historical and theoretical framework that sustains the phenomenon; the

organizational dynamics of the traffic network, which includes the examination of its

processual components (recruitment, transportation, exploration); and the profile of the

main actors involved. A detailed study on the impact of victimization on the physical,

social and, especially, mental health of these women was also conducted. Findings

suggest that anxiety, depression and PTSD are the most reported mental pathologies by

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VI

empirical evidence. Finally, an attempt was made to deconstruct the social reintegration

process, informed the main contexts that should be taken into consideration, particularly

the following: educational and formative, economical, psychosocial, familiar and

communitarian.

Broadly speaking, the literature suggests that the intervention with victims of

human traffic should be essentially oriented to identity reconstruction, since these

women, subjected to brutal practices, were, frequently, treated as objects, which often

resulted in the loss of their self-positive sense, perceiving themselves as others property.

As such, it is imperative to restore their self-esteem, construct new narratives that don’t

include victimization as an eternal burden in these women's lives and awake dormant

personal skills, always aiming towards social reintegration. When it comes to the

recovery process, the mobilization of a solid and supportive social network is a vital

factor. Likewise, the community needs to be prepared to harbor its victims. As

literature suggests, options of integration based on the articulation between the interests

and needs of both the victims and the community are essential for the success of the

reintegration process, which is also dependent on available services and their quality.

Regardless of the proliferation of structures of support, assistance and protection, the

empirical evidence has been denouncing the scarcity of resources, as well as the urgent

need to evaluate the services and the process of reintegration, and the obligation to

investigate, in a more detailed way, the real needs of the victims. Indeed, it is

understood that the main strategies to follow, in order to accomplish a solid and holistic

support of the victims, should be multidisciplinary, and guided by the articulation,

cooperation and communicational agility between the multiple services available and

the national and international entities, whether governmental or non-governmental.

keywords: human trafficking; sex trafficking; victimization; health consequences; social reintegration

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VII

ÍNDICE

RESUMO ......................................................................................................................... II

ABSTRACT ..................................................................................................................... V

ÍNDICE .......................................................................................................................... VII

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .................................................................... IX

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 10

i Enquadramento e objetivos do projeto de investigação ............................................ 10

ii Organização do projeto de investigação .................................................................. 11

CAPÍTULO I – ENQUADRAMENTO HISTÓRICO, CONCEPTUAL E

LEGISLATIVO DO TRÁFICO DE SERES HUMANOS ............................................. 16

1.1 Tráfico humano como prática esclavagista do tempo moderno ............................. 16

1.2 Delimitação conceptual ......................................................................................... 18

1.2.1 Tráfico de seres humanos e auxílio à imigração clandestina .......................... 19

1.2.2 Tráfico de seres humanos, prostituição e lenocínio ........................................ 23

1.3 Diplomas legais internacionais .............................................................................. 24

1.4 Enquadramento legal e reposta portuguesa ........................................................... 29

CAPÍTULO II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO DAS QUESTÕES DE TRÁFICO

DE SERES HUMANOS .................................................................................................. 36

2.1 Globalização, fluxos migratórios e tráfico ............................................................. 36

2.2 Redes de criminalidade organizada promovida pelas estruturas de um mundo

globalizado .................................................................................................................. 38

2.3 Feminização dos fluxos migratórios e do tráfico sexual como um resultado de um

complexo de vulnerabilidades ..................................................................................... 39

2.4 Práticas prostitutivas, políticas de intervenção e tráfico sexual ............................ 41

2.5 Pânico moral e a conveniente instrumentalização dos direitos humanos ............. 48

CAPÍTULO III - DINÂMICA ORGANIZACIONAL DA REDE DE TRÁFICO ......... 50

3.1 Fases processuais do tráfico ................................................................................... 50

3.1.1 Recrutamento (1ª Fase) ................................................................................... 50

3.1.2 Transporte (2ª Fase) ........................................................................................ 53

3.1.3 Exploração (3ª Fase) ....................................................................................... 54

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VIII

3.2 Rotas do tráfico ..................................................................................................... 56

3.3 Perfil dos principais atores .................................................................................... 59

3.3.1 Perfil dos traficantes ........................................................................................ 59

3.3.1.1 Fatores motivadores ................................................................................. 61

3.3.2 Perfil das vítimas ............................................................................................. 63

3.3.2.1 Fatores de vulnerabilidade ....................................................................... 64

3.3.2.2 Fatores de perpetuação em situação de exploração ................................ 68

3.4 A realidade portuguesa ......................................................................................... 70

CAPÍTULO IV – IMPACTO DA VITIMAÇÃO .......................................................... 72

4.1 Consequências na saúde das vítimas ...................................................................... 72

4.1.1 Consequências na saúde física ........................................................................ 74

4.1.2 Consequências na saúde mental ...................................................................... 76

4.2 Estigma e marginalização social ............................................................................ 83

CAPÍTULO V – INTERVENÇÃO COM VÍTIMAS .................................................... 88

5.1 Identificação e sinalização das vítimas .................................................................. 88

5.2 Medidas de proteção e assistência ......................................................................... 89

5.3 Necessidades das vítimas ....................................................................................... 91

5.4 Modelos de intervenção psicoterapêuticos ........................................................... 93

CAPÍTULO VI – PROCESSO DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL – COMPLEXIDADE

E DESAFIOS .................................................................................................................. 97

6.1 Fragmentação do processo de reintegração social – Desconstrução dos seus

principais níveis .......................................................................................................... 99

6.1.1Dimensões da reintegração – Do micro ao macro .......................................... 99

6.1.1.1 Contexto educacional e formativo .......................................................... 99

6.1.1.2 Contexto económico ............................................................................. 100

6.1.1.3 Contexto psicossocial ........................................................................... 101

6.1.1.4 Contexto familiar .................................................................................. 102

6.1.1.5 Contexto comunitário ........................................................................... 105

CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES FUTURAS ............................ 105

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 112

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IX

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CAP Centro de Acolhimento e Proteção

DSM-V Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5th edition

(Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª

edição)

GRETA Grupo de Peritos sobre o Tráfico de Seres Humanos

I PNCTSH I Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos

IEEI Instituto dos Estudos Estratégicos e Internacionais

II PNCTSH II Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos

III PNCTSH III Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

OPC Órgão(s) de Polícia Criminal

OSCE Organização para a Segurança e Cooperação na Europa

OTSH Observatório do Tráfico de Seres Humanos

PRA Prostitution Reform Act (Lei de Reforma da Prostituição)

PTSD PostTraumatic Stress Disorder (Perturbação de Stress Pós-

Traumático)

RAPVT Rede de Apoio e Proteção às Vítimas de Tráfico

SAT Teoria da Ação Situacional

UNODC United Nations Office on Drugs and Crime (Escritório das Nações

Unidas sobre Drogas e Crime)

VIH/SIDA Vírus da Imunodeficiência Humana/ Síndrome da Imunodeficiência

Adquirida

WHO World Health Organization (Organização Mundial de Saúde)

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INTRODUÇÃO

i ENQUADRAMENTO E OBJECTIVOS DO PROJECTO DE

INVESTIGAÇÃO

A exploração sexual de mulheres vítimas de tráfico de seres humanos tem-se

revelado, ao longo dos tempos, um fenómeno tão complexo como preocupante, quer

pela perversidade inerente e consequentes efeitos, em especial na vida das vítimas que

caíram na sua teia, quer pela realidade oculta que se desenrola nas margens da

sociedade e que dificulta a denúncia de um sistema labiríntico e altamente organizado.

Dada a viabilidade e lucro deste obscuro negócio, o tráfico de seres humanos é,

atualmente, uma realidade com impacto económico análogo ao tráfico de droga e armas,

movimentando, todos os anos, segundo dados da Organização das Nações Unidas, cerca

de 24 mil milhões de euros e vitimizando mais de 2,4 milhões de pessoas por ano. É

precisamente este contexto de crescente procura, aliado à falta de volição política e

recursos materiais, à corrupção de organismos de Estado no controlo de fronteiras e na

aplicação de políticas, bem como a exiguidade de legislação adequada e cooperação

nacional e internacional e a relutância das vítimas em cooperar com as autoridades que

faz com que esta seja uma atividade com um reduzido risco de deteção e altamente

lucrativa, escorando a sua perpetuação.

Com efeito, o desenvolvimento de trabalhos que centrem a sua análise nesta

problemática são primordiais para a compreensão do fenómeno, bem como pela

capacidade que deles poderá advir no que diz respeito ao despertar de consciências, quer

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dos Estados, imprensa e/ou sociedade civil. Falar em tráfico humano de forma objetiva

e crua tornou-se premente para a sua denúncia e combate.

Tratando-se de um artigo de revisão, o objetivo cardeal desta dissertação visa,

através de uma extensa análise à literatura existente, descrever, aprofundar, analisar,

sistematizar, refletir e discutir o conhecimento teórico sobre o fenómeno do tráfico

humano, matéria ainda pouco explorada no nosso país, com particular enfoque na

questão da exploração sexual de mulheres, que, de acordo com o Global Report on

Trafficking in Persons – 2012, da United Nations Office on Drugs and Crime

(UNODC), sustenta mais de metade dos casos de tráfico humano. Mais, tratando-se este

de um evento traumático, interessa, especialmente, compreender quais as repercussões

na saúde física, social e, sobretudo, mental destas mulheres, assim como dissecar as

principais necessidades das vítimas, bem como as várias dimensões que constituem,

posteriormente, o seu processo de reintegração social.

Pretende, ainda, com base na informação conquistada, traçar uma análise, sob o

ponto de vista crítico, do plano estratégico de políticas apoio às vítimas e combate ao

crime de tráfico, de modo a tecer recomendações futuras. Espera-se, no final, conseguir

denunciar os possíveis hiatos nas políticas implementadas e indicar um conjunto de

medidas que se assumam de suprema relevância na supressão desta perturbadora

realidade, tentando sempre integrar a componente mais humanista, preocupada com as

questões da vitimação

*

ii. ORGANIZAÇÃO DO PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO

A presente dissertação encontra-se dividida em seis capítulos principais.

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12

O Capítulo I será dedicado ao enquadramento histórico, conceptual e legislativo

das questões de tráfico humano. Através de uma perspetiva histórica, será, inicialmente,

discutida a frequente analogia entre tráfico de seres humanos e práticas de escravatura

moderna. Posteriormente, veremos que, apesar das significativas evoluções políticas e

legislativas, a controvérsia em volta do conceito de tráfico humano é ainda muito

comum (sendo este, em virtude das similitudes e sobreposições várias, associado a

outras práticas, como auxílio à imigração clandestina, prostituição e lenocínio), o que

constitui um sério entrave ao nível da identificação e intervenção sobre o problema.

Destarte, preconizando a uniformização, o Protocolo de Palermo, considerado o

diploma legal que reúne maior consenso internacional relativamente às questões do

tráfico, avança com a primeira definição clara do termo que nem assim se eximiu de

críticas. Todavia, este protocolo peca por se recolher em absoluto silêncio relativamente

a algumas matérias, não avançando, por exemplo, com propostas objetivas de

reabilitação e reintegração das vítimas, deixando, com efeito, algumas pontas soltas, que

tentam ser atadas por outros certificados suplementares. Assim, de seguida e de modo

sumário, serão referenciados os principais diplomas legais, complementares ao susodito

protocolo, com maior reconhecimento e relevância internacional no âmbito do tráfico de

seres humanos, especialmente ligados à exploração sexual de mulheres, bem como a

evolução legislativa do crime no ordenamento jurídico português.

O Capítulo II apresentará o enquadramento teórico das questões de tráfico. Se é

inegável que a globalização lançou os alicerces que permitiram o desenvolvimento do

tráfico, ao favorecer uma crescente competição liberal de economias e mercados,

contribuindo para um agravamento das desigualdades económicas que estimularam um

aumento dos fluxos migratórios e, consequentemente, da criminalidade, oportunamente,

associada a estes movimentos, também é indubitável que uma análise que toma por base

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apenas um fator causal de tão complexo assunto é insuficiente para a sua compreensão

cabal. Com um estudo mais detalhado e minucioso compreenderemos que a

concetualização do tráfico humano está, pois, muito dependente da perspetiva teórica

adotada, que poderá ser mais centrada na questão da migração, prostituição, do crime ou

dos direitos humanos, e que acaba por ditar, forçosamente, a direção da análise.

Consciente disso, o presente trabalho propõe-se a examinar o fenómeno do tráfico sob a

lente das referidas abordagens.

No Capítulo III será exposta a dinâmica organizacional da rede de tráfico,

começando por uma breve análise às suas fases processuais, a saber: recrutamento,

dando conta dos principais métodos utilizados, sendo o mais comum o recurso à mentira

e fraude; transporte, onde, atendendo a uma lógica economicista que equilibra os

propósitos de redução do risco de deteção, rentabilização dos trajetos e minimização dos

custos, se explica de que modo as vítimas são movimentadas; e exploração, com

enfoque nos diferentes tipos de exploração sexual existentes e, sobretudo, nos métodos

de controlo utilizados pelos traficantes para a sua concretização. Posto isto, segue-se

uma análise ao perfil dos principais atores envolvidos, traficantes e vítimas.

Constataremos, assim, que os traficantes, discriminados consoante os papéis que

desempenham, ao contrário do vulgar estereótipo difundido, nem sempre são

desconhecidos da vítima. Verificaremos, também, à luz das teorias criminológicas, que

a perpetuação deste crime é sustentada por um vasto conjunto de fatores e

circunstâncias contextuais, para além das motivações pessoais, que devem ser inseridas

num quadro teórico que contemple o comportamento humano como resultado de um

processo cognitivo que pondera os riscos e os benefícios. Por outro lado, na tentativa de

construir um perfil da mulher vítima, surgem certos apanágios individuais e contextos

situacionais onde esta se insere que suscitam o interesse dos traficantes, tornando-as

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alvos desejáveis, fáceis e vulneráveis, que devemos atentar, bem como os fatores que as

impelem a permanecer na situação de exploração. Concluiremos este capítulo com uma

breve análise às singularidades da exploração sexual de mulheres vítimas de tráfico no

contexto português.

No Capítulo IV serão descritas as principais consequências na saúde física,

mental e social das vítimas. A situação de tráfico, enquanto evento traumático, constitui

um episódio com impacto altamente negativo, capaz de destruir física, cognitiva e

emocionalmente as vítimas, bem como moldar, profundamente, a forma como estas se

percecionam e se relacionam consigo e com os outros. Ansiedade, depressão e

perturbação de stress pós-traumático são apontadas como as principais patologias

mentais resultantes da experiência de tráfico, evidenciando, deste modo, a importância

de um acompanhamento psicoterapêutico especializado. Mais, o presente capítulo

analisa, sob a luz teórica de Goffman, os vários tipos de estigmas sociais que resultam

da experiência de tráfico e que podem conduzir à total marginalização das vítimas.

Neste sentido, o Capítulo V é dedicado, inteiramente, à matéria da intervenção

com vítimas. Após vários anos registados pela prevalência de medidas orientadas para a

repressão do crime, foi reconhecida, mais recentemente, a necessidade de transitar para

um paradigma mais holístico e humanista que reconhecesse, em pleno, os direitos das

vítimas, o que acabou por incentivar a promoção de medidas específicas dirigidas à sua

proteção e assistência. Posto isto, tornou-se ponto assente que, depois da identificação e

sinalização de um caso de tráfico, a intervenção deve ser modelada por uma célere

resposta aos problemas de saúde urgentes, bem como garantir o acesso a bens e serviços

que permitam suprimir as necessidades básicas da vítima, essenciais ao seu

restabelecimento físico e psicológico. Espaço, ainda, para uma breve referência aos

modelos de intervenção psicoterapêuticos que têm vindo a ser adotados para as vítimas

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de tráfico, sendo, curiosamente, os mesmos utilizados para vítimas de outros tipos de

crime, como violência doméstica, tortura ou violação. Embora sejam escassas as

menções na literatura sobre esta temática, o modelo de intervenção em crise tem surgido

como a resposta mais comum numa fase inicial. Seguindo os imperativos éticos e

securitários preconizados pelas boas práticas, estratégias como reconstrução da

autoestima, autoconfiança, desenvolvimento de capacidades pessoais, reconexão com o

self e com a sociedade têm sido pontos essenciais neste acompanhamento psicológico,

que se revela imprescindível para o processo de recuperação e reintegração.

O Capítulo VI pretende, precisamente, dissecar os principais níveis que

compõem o processo de reintegração social, designadamente a dimensão educacional e

formativa, económica, psicossocial, familiar e comunitária. A reintegração refere-se,

assim, ao complexo e contínuo processo de reintrodução na estrutura social e económica

que contempla, como objetivo último, a autossuficiência e a sustentabilidade a longo

prazo, e que envolve não só o indivíduo, mas, também, o ambiente cultural onde este se

insere, devendo, por conseguinte, atender às especificidades da vítima e ao seu perfil

psicossocial.

Por último, serão apresentadas as principais considerações finais, bem como

recomendações futuras que devem ser atendidas pelos projetos de investigação pósteros.

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CAPÍTULO I

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO,

CONCEPTUAL E LEGISLATIVO DO TRÁFICO

DE SERES HUMANOS

1.1 TRÁFICO HUMANO COMO PRÁTICA ESCLAVAGISTA DO TEMPO

MODERNO

O tráfico de seres humanos é, frequentemente, perspetivado como um fenómeno

atual, impulsionado pela era da globalização e marcado, sobretudo, pelo fim da Guerra

Fria. Embora, aparentemente, óbvia, esta explicação causal não é tão linear como se

poderá julgar a priori. Se, por um lado, é verdade que este fenómeno teve o seu ímpeto

com o colapso dos regimes comunistas1 e com a era da globalização, por outro, não

podemos cair num reducionismo indolente que tenta compreender um fenómeno tão

complexo atendendo a uma causa singular, embora ela possa ser, na maioria das vezes,

a instigadora de outras.

O tráfico de seres humanos tem sido conceptualizado como um fenómeno com

profundas raízes históricas, frequentemente associado à escravidão, havendo, com

efeito, inúmeros escritos que desvelam a existência iniludível de um mercado ativo de

escravos no império greco-romano, onde os beligerantes vencidos se convertiam em

mão-de-obra subserviente de práticas agrícolas ou manufaturação, coexistindo, de modo

1 O colapso dos regimes comunistas nos estados da europa leste e central, juntamente com o conflito da

Jugoslávia, produziram uma onda de migração para a europa ocidental inigualável desde a segunda

grande guerra. Com efeito, o número de mulheres traficadas dentro da europa escalou exponencialmente,

deslocando uma maior atenção para o fenómeno (Goodey, 2003; Hughes, 2008; Vocks & Nijboer, 2000).

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paralelo, o comércio de mulheres e raparigas jovens com finalidades de exploração

sexual (Miers, 2003).

Com o transitar do tempo, as práticas esclavagistas foram-se solidificando pelos

vários séculos da história. Por altura da Idade Média assistíamos, impávidos, ao seu

brutal florescimento. Aqui, portugueses e espanhóis apresentaram o seu grande

contributo, ou não tivessem sido estes dois povos a inaugurar a era dos descobrimentos,

assumindo, desde início, um importante papel na exploração do comércio transatlântico

de escravos (sendo a maioria oriundo de África, conhecido como o tráfico negreiro),

viabilizado através do estabelecimento de rotas intercontinentais que estabeleciam,

especialmente, a parceria entre três continentes, Europa, África e América (o designado

comércio triangular) e que permitiram intensivas trocas de bens, pessoas e capitais.

Com a ascensão do liberalismo europeu, a escravatura passou a ser considerada

moralmente controversa, despertando as consciências mais humanistas, que se

figuraram num vasto conjunto de movimentos sociais, políticos e até legislativos,

ansiando a sua abolição.

Apesar de extinta, em 1981, parece, ainda, existir, no mundo contemporâneo,

resquícios indeléveis de práticas de escravatura pretéritas que assumem particularidades

muito semelhantes ao tráfico de seres humanos. Se considerarmos a escravatura como

um direito de propriedade2 de um determinado ser humano sobre outro, então

chegaremos à conclusão que nem com a sua abolição formal esta prática deixou de

cessar. Facto revelador de tal acontecimento repercute-se naquilo que é a finalidade

basilar do tráfico humano, a exploração. As semelhanças entre estes dois fenómenos são

2 A conceção de escravatura enquanto direito de propriedade deve ser considerada, no entanto, demasiado

restritiva não se aplicando por isso a todos os contextos históricos e culturais. Por exemplo, a nível

histórico podem-se referir os atuais contratos de atletas profissionais, os quais são, regularmente,

comprados e vendidos em sociedades de valores e onde existe uma reivindicação legítima desse mesmo

direito. A nível cultural temos o exemplo da Índia, em que os escravos (Dalit) não são propriedade de

uma pessoa, mas têm determinadas obrigações para com toda a sociedade, devendo subserviência às

castas superiores (Quirk, 2008).

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passíveis de ser encontradas ainda em outros parâmetros, nomeadamente nas rotas do

tráfico, que incluem países de origem, transição e destino, constituindo, tal como hoje,

um fluxo económico e migratório pujante (Quirk, 2008; Santos et al., 2008).

Posto isto, poder-se-á ou não considerar o tráfico de seres humanos uma prática

de escravatura moderna? Embora, alguns autores considerem o tráfico como um modo

de escravidão coeva, a verdade é que, ao admitirmos essa conceção, estaríamos, por um

lado, a amplificar em demasia o nosso campo de análise, uma vez que o termo

escravatura poderia surgir como um guarda-chuva concetual, albergando muitas

similitudes com outras conceções (como por exemplo, o trabalho forçado para o Estado,

tráfico de seres humanos ou o trabalho infantil), como, por outro lado, a restringi-lo,

visto que o tráfico de pessoas apresenta, em si, determinadas especificidades que não se

coadunam com a escravatura. No entanto, com definições cada vez mais amplas no

conceito de tráfico de seres humanos, a hipótese de escravatura tem vindo a ser incluída

nas mesmas (Quirk, 2008).

1.2 DELIMITAÇÃO CONCEPTUAL

A discussão sobre definições taxativas no âmbito do tráfico humano surgiu,

somente, na segunda metade da década de 90, e, no entanto, mais de vinte anos depois,

a confusão entre os conceitos perpetua-se. Contribuindo para esta babel terminológica

está o facto de diferentes instituições governamentais e órgãos de comunicação social

utilizarem termos descritivos distintos para designarem o mesmo fenómeno (ex: human

trafficking, trade of human beings, illegal immigrant smuggling, alien smuggling, etc.)

(Lobasz, 2009; Salt, 2000; Troshynski, 2012).

O termo tráfico humano carrega em si o peso morto da vaguidade, envolto por

definições pouco claras e inequívocas associadas aos obsoletos códigos legais (Schauer

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& Wheaton, 2006). A delimitação deste conceito não reúne, na maioria das vezes, a

anuência coletiva dos autores, ficando, este, dependente da perspetiva teórica que cada

um adota, que poderá ser mais centrada na questão da migração, da prostituição, do

crime, do trabalho ou dos direitos humanos (Derks, 2000).

A confusão entre os vários conceitos (e.g. tráfico humano, prostituição,

lenocínio, imigração ilegal) tem fomentado discursos discriminatórios a respeito das

vítimas, repercutindo-se, em alguns casos, na sua perseguição criminal. A verdade é

que, apesar dos esforços realizados, persiste ainda a necessidade de identificar as

vítimas de tráfico como verdadeiras vítimas. Apesar das recomendações nesse sentido,

estas cidadãs continuam a ser, constantemente, deportadas para os seus países de

origem, e não poucas vezes acusadas pelo crime de permanência ilegal, fazendo

prescrever o estatuto de vítima (Kartushch, 2001). Por outro lado, a coexistência do

crime de tráfico com outros ilícitos, como fraude, extorsão, falsificação de documentos,

rapto, ofensas à integridade física, entre outros, têm contribuído para intensificar esta

indefinição e permitir que os responsáveis sejam julgados por outros crimes mais fáceis

de provar em tribunal e com molduras penais menos severas (Couto, 2012).

1.2.1 TRÁFICO DE SERES HUMANOS E AUXÍLIO À IMIGRAÇÃO CLANDESTINA

O termo de tráfico de seres humanos, é, errónea e comumente, ladeado como

sinónimo de introdução clandestina de migrantes (human smuggling), também

conhecido como apoio à imigração ilegal. A distinção entre os conceitos, importante a

ser tecida pelas repercussões políticas e legais que acarreta posteriormente, sobretudo no

desenho de estratégias de combate ao fenómeno (Salt, 2000; Väyrynen, 2003), foi bem

expressa por Graycar (1999), que aclarou que o smuggling está relacionado com a forma

como uma pessoa entra num país e com o envolvimento de uma terceira parte que a

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auxilia no acesso ao mesmo, enquanto o tráfico envolve não só a forma como o

migrante se introduz no país estrangeiro, mas, também, as suas condições de trabalho.

Tabela 1 – Principais diferenças entre auxílio à imigração ilegal e tráfico de seres

humanos

Auxilio à imigração ilegal

(smuggling) Tráfico de seres humanos

Carácter Internacional Nacional ou internacional

Tipo de crime Crime contra o Estado Crime contra pessoas

Posição da

vítima

Implica o consentimento dos indivíduos

que são auxiliados

Contempla ameaças, fraude, coerção

ou uso de força

Objetivo

Vantagem material, sem

propósito de exploração

Exploração da vítima, com vista à

obtenção de lucro

Com efeito, o Protocolo Adicional Contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por via

Terrestre, Marítima e Aérea das Nações Unidas (2000a) define, segundo o artigo 3.º,

alínea a), o smuggling de migrantes como o “facilitar da entrada ilegal de uma pessoa

num Estado Parte do qual essa pessoa não é nacional ou residente permanente com o

objetivo de obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício

material”. Deste modo, o smuggling surge associado às políticas de migração, tratando-

se, no fundo, de um contrato mútuo entre duas partes, a pessoa que aceita guiar e

transportar a outra entre fronteiras de forma ilegal (smuggler) e a que se propõe

voluntariamente3 a tal (smuggled) (Väyrynen, 2003). Difere, portanto, da situação de

tráfico que preconiza a existência de engano, fraude, coerção, força ou exploração por

3 A voluntariedade assume-se, aqui, como conceito-chave. Todavia, importa referir a enorme dificuldade

em objetivar o termo, pelo que, muitas das vezes, este ato, aparentemente voluntário, é reflexo das

condições adversas de pobreza ou de questões sociais e políticas que o tornam quase forçado. Ademais,

subsiste, ainda, a questão da escassez de informações com a qual os migrantes se debatem.

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parte do traficante sobre a pessoa traficada. Aliás, é precisamente o quesito da

exploração o propósito fundamental do tráfico (Lobasz, 2009; Salt, 2000; Ostrovschi1 et

al., 2011; Troshynski, 2012). Assim, tal como sugere Väyrynen (2003), o smuggling,

sustentado pela fraca legislação, ineficácia do controlo de fronteiras, corrupção de

entidades policiais e pelo crescente poder dos grupos de crime organizado, trata-se de

um caso especial de imigração ilegal que viola os direitos do Estado, enquanto o tráfico

humano viola os direitos humanos. Não obstante, persiste, todavia, a dificuldade, em

termos práticos, em separar estes dois conceitos, pelo que tráfico e smuggling estão,

muitas vezes, interrelacionados e sobrepostos. Uma situação de smuggling poderá

converter-se, na chegada ao país de destino, num caso de tráfico, isto ocorre quando os

migrantes se veem envolvidos em situações de exploração (Chibba, 2013; Goodey,

2003; Logan et al., 2009; Santos et al., 2008; Schauer & Wheaton, 2006; Surtees, 2008).

Salientar, ainda, que as vítimas de tráfico, contrariamente ao que o senso comum poderá

pensar, não têm, necessariamente, de ser migrantes, podendo ser residentes nacionais

traficados dentro do próprio país ou até turistas (Jones et al., 2007; Logan et al., 2009;

Raymond & Hughes, 2001; Troshynski, 2012), contrariamente ao smuggling onde a

questão da transnacionalidade se assume como requisito obrigatório.

De acordo com o artigo 3.º do Protocolo Adicional à Convenção das Nações

Unidas Prevenção Contra a Criminalidade Organizada Transnacional relativo à

Prevenção, Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e

Crianças, vulgarmente conhecido como Protocolo Contra o Tráfico de Pessoas, vulgo

Protocolo de Palermo, podemos definir o tráfico humano como:

“o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de

pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto,

à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à

entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma

pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração. A exploração deverá

incluir, pelo menos, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de

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exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à

escravatura, servidão ou extração de órgãos” (Nações Unidas, 2000b)

A alínea b) do referido artigo entende, ainda, que o consentimento dado pelas

vítimas, tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a), deve ser

considerado irrelevante no caso de ter sido empregue qualquer um dos meios

referenciados anteriormente. Deste modo, são eliminados os problemas relacionados

com o consentimento e todas as vítimas são iguais perante a lei (Hodge, & Lietz, 2007).

Embora esta seja a definição amplamente aceite, ela não se exime de críticas,

uma vez que a explanação do conceito surge de forma demasiado imprecisa e

controversa, passível de dar azo a infindas interpretações. Em grande medida porque

deixa em aberto o entendimento sobre os elementos da coerção e exploração (Chibba,

2013; Kim, 2007; Munro, 2005). Ainda de referir que este Protocolo não apresenta uma

definição de vítima, esta só viria a surgir, pela primeira vez, em 2005, na Convenção do

Conselho da Europa Relativa à Luta Contra o Tráfico de Seres Humanos como sendo

“qualquer pessoa física sujeita ao tráfico de seres humanos”, desvelando, assim, a

crescente preocupação dada ao estatuto da vítima nos últimos anos.

Ainda sob alçada do artigo susodito, o Protocolo define três elementos basilares

que constituem o tráfico de seres humanos:

1) Ação ou Ato, deve incluir um dos seguintes componentes: recrutamento,

transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de outrem;

2) Meios, deve constar, pelo menos, um dos seguintes itens: uso de força,

ameaça, coação, sequestro, fraude, engano, abuso de autoridade ou de uma

situação de vulnerabilidade, concessão ou receção de benefícios4.

4 Chibba (2013) sugere, ainda, a necessidade de introduzir um novo elemento-chave, o Processo, que

seria justificado pelos novos desafios resultantes da globalização e das céleres e reestruturantes alterações

nas economias mundiais, bem como dos desenvolvimentos tecnológicos, particularmente da Internet.

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3) Propósito, sublinha a necessidade de um elemento subjetivo exigível ao

agente, a intenção de explorar a vítima, não exigindo, com efeito, a sua

concretização para que ocorra a consumação do crime de tráfico de seres

humanos (Chibba, 2013; UNODC, 2009; UNODC, 2015).

Relativamente ao conceito de exploração, é largamente discutido que este é

vago, polémico e ambíguo, carecendo, assim, de uma definição legislativa consensual

(UNODC, 2015). O dicionário comum destaca-lhe dois significados distintos. O

primeiro refere-se à exploração como uma forma de usar ou retirar benefício de alguma

coisa ou situação, por exemplo, um recurso natural da terra. O segundo centra-se nas

relações interpessoais, sendo este uma forma pejorativa de obter vantagem sobre alguém

em benefício próprio (UNODC, 2015). É precisamente neste segundo sentido que

devemos entendê-lo quando o conjugamos com o tráfico de seres humanos. Em virtude

da sua polissemia, o Protocolo de Tráfico de Pessoas optou por não definir o termo,

antes apresenta uma lista onde constam os diferentes tipos de exploração (UNODC,

2009). Assim, entende que podem ser considerados casos de exploração os trabalhos ou

serviços forçados, a escravidão ou práticas semelhantes à escravidão, servidão, remoção

de órgãos e exploração de prostituição dos outros5 ou outras formas de exploração

sexual. Para esta dissertação interessa-nos, sobretudo, este último.

1.2.2 TRÁFICO DE SERES HUMANOS, PROSTITUIÇÃO E LENOCÍNIO

Embora, frequentemente, associados, prostituição e tráfico constituem

fenómenos distintos. A prostituição, prática que consiste na venda de favores sexuais

em troca de dinheiro, produtos ou privilégios, na qual a mulher é tida como o principal

5 O termo exploração da prostituição de outros surgiu, pela primeira vez, na 1949 Convention for the

Suppression of Traffick in Persons and Explotation of the Prostitution of Others e pretendeu direcionar o

foco criminal para a pessoa que, sub-repticiamente, obtém vantagem sobre a outra, afastando esta

responsabilidade da vítima que se prostitui (UNODC, 2015).

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ator (Schauer & Wheaton, 2006), distingue-se do tráfico por uma série de

características. Em primeiro lugar, e tal como já foi referido, o elemento nuclear que

define o tráfico não é a natureza do trabalho realizado, mas a existência de coerção, isto

significa que releva para estes casos as condições em que certa atividade é realizada e

não a atividade per se (Doezema, 1999). Em segundo lugar, a pessoa que se prostituiu

tem, ao contrário da vítima de tráfico, uma série de liberdades, sobre o seu corpo,

rendimentos, movimentos, duração da atividade. Em casos de tráfico está sempre

implícita uma relação de subserviência.

A questão carrega sérias dúvidas quando a prostituição não é tão facilmente

entendida como uma escolha profissional voluntária, mas como um exercício que está, à

semelhança do tráfico, sujeito à coação por parte de um proxeneta, prática classificada

de lenocínio e punida pelo nosso ordenamento jurídico sob alçada do artigo 169º do

Código Penal. Assim, concluiu-se que ainda que possam existir casos em que a

prostituição seja forçada, isto não pressupõe, fatalmente, que tal situação se trate de um

caso de tráfico com finalidades de exploração sexual.

1.3 DIPOLMAS LEGAIS INTERNACIONAIS

Ao longo das últimas décadas, o debate político em torno das questões de tráfico

de seres humanos tem-se mantido bastante aceso. Questões associadas aos mercados do

sexo (cada vez mais globalizados) e aos movimentos migratórios têm integrado o

catálogo de preocupações primárias por parte dos Estados em virtude dos severos

problemas sociais e socioeconómicos que desencadeiam. Nesse sentido, vários têm sido

os instrumentos legais, elaborados e/ou ratificados, que procuram prevenir e combater

este crime através de uma série de princípios elementares que tencionam fomentar a

investigação, cooperação e monitorização do fenómeno à escala internacional,

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salientado a importância de uma precauciosa articulação de conhecimentos e estratégias

interestatais e a necessidade de potencializar os recursos disponíveis.

Destarte, serão, sumariamente, referenciados os diplomas legislativos relativos

ao tráfico de seres humanos com ligações a serviços de exploração sexual de mulheres

com maior reconhecimento e relevância internacional.

O primeiro instrumento, verdadeiramente, relevante onde foi abordada, de modo

objetivo, a questão do tráfico foi o Acordo Internacional para a Repressão do “Tráfico

de Escravos Brancos”, assinado, em 1904, em Paris. Seguido, em 1910, pela Convenção

Internacional para a Repressão do Tráfico de Escravos Brancos que regulamentava a

proibição dos bordéis, a abolição da prostituição e a punição dos agentes angariadores

(Couto, 2012; Ministério da Justiça, 2003).

Sucederam-se, posteriormente, uma série de convenções assinadas em Genebra.

Destaque para a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e

Crianças (1921) e para a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de

Mulheres Adultas (1933) (Ministério da Justiça, 2003).

Outros documentos, como a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas

de Discriminação contra as Mulheres, adotada pela Assembleia-Geral das Nações

Unidas, em 1979, e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 2000,

embebidos por um espírito protetor dos direitos humanos, assumiram, também, um

carácter importante na luta contra o tráfico humano (Couto, 2012; Ministério da Justiça,

2003).

Em meados de 1949, a Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da

Exploração da Prostituição de Outrem da ONU vem recolocar no centro do debate o

tema da prostituição como uma forma de exploração (Ministério da Justiça, 2003).

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Em 2000 foi adotada a já referida Convenção das Nações Unidas contra a

Criminalidade Organizada Transnacional e o seu Protocolo Adicional relativo à

Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e

Crianças, considerado o diploma legal que reúne maior consenso internacional

relativamente às questões do tráfico de seres humanos e também o primeiro a avançar

com uma definição clara do termo (Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2007,

2007). Este diploma legal, responsável pelas bases de ação internacional na prevenção e

combate ao fenómeno, colocou em evidência a importância da proteção e da assistência

às vítimas, bem como da cooperação entre nações, e assumiu particular influência nas

medidas legislativas, políticas e sociais de vários países, incentivando um aumento de

produção de textos sobre a matéria (Couto, 2012).

Dez anos após a sua entrada em vigor, foi realizado, no dia 14 de maio de 2013,

na Assembleia Geral das Nações Unidas, um encontro de alto nível, para analisar o

progresso alcançado até à data e perspetivar estratégias futuras, em conexão com o

Plano Global de Ação de Combate ao Tráfico de Pessoas. Com efeito, ficou assente que,

atualmente, cerca de 83% dos países têm legislação adequada no combate ao tráfico de

pessoas e, numa das áreas com mais fragilidades, a que está relacionada com a justiça,

25% dos países registaram aumentos ao nível de condenações (Resolução do Conselho

de Ministros n.º 101/2013, 2013). Todavia, julga-se imprudente relacionar linearmente

este aumento de condenações com a eficácia das estratégias adotadas.

Salientam-se, ainda, ao nível europeu: a Decisão-Quadro 2002/629/JAI, do

Conselho, de 19 de julho, relativa à Luta Contra o Tráfico de Seres Humanos

(futuramente substituída pela Diretiva n.º 2011/36/UE, do Parlamento Europeu e do

Conselho, de 5 de abril de 2011), que veio aclarar algumas das orientações do Protocolo

de Palermo, nomeadamente a questão do conceito de vítima de tráfico, da irrelevância

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do consentimento, entre outros elementos, ulteriormente, adicionados (Couto, 2012;

Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2007, 2007); a Declaração de Bruxelas

Contra o Tráfico de Seres Humanos (2002) e a formação de um Grupo de Peritos sobre

o Tráfico de Seres Humanos (GRETA) da Comissão Europeia, responsável por elaborar

recomendações para serem analisadas e adotadas pelos Estados-Membros da União

Europeia (Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2007, 2007); a Diretiva do

Conselho 2004/81/EC, de 29 de Abril de 2004, relativa à autorização de residência

emitida a nacionais de países terceiros que sejam vítimas de tráfico de seres humanos ou

tenham sido sujeitos a uma ação para facilitar a imigração ilegal, que cooperem com as

autoridades competentes (ibidem); e a Convenção contra o Tráfico de Seres Humanos,

de 16 de maio de 2005, no âmbito do Conselho da Europa, instrumento internacional

que obriga os Estados signatários a disponibilizarem informações periódicas relativas à

sua implementação. A Convenção foi ratificada por Portugal no dia 27 de fevereiro de

2008 (Resolução do Conselho de Ministros n.º 101/2013, 2013).

Relativamente à Organização para a Segurança e Cooperação na Europa

(OSCE), foi lançado, em 2003, o Plano de Ação Contra o Tráfico de Seres Humanos,

elencando várias recomendações aos Estados com vista à adoção de novas estratégias

contra o tráfico, particularmente na área da proteção, apoio, acolhimento e

repatriamento das vítimas e estabelecimento de unidades especiais de combate ao

tráfico nos países de origem e de destino (Resolução do Conselho de Ministros n.º

81/2007, 2007). A 7 de dezembro de 2011 foi promulgada a Declaração Ministerial de

Vilnius para o combate a todas as formas de tráfico de seres humanos. Nesta

Declaração, os Estados reafirmaram a sua determinação em implementar os

Compromissos da OSCE, incluindo o Plano de Ação de Combate ao Tráfico de Seres

Humanos, e a utilizar as estruturas relevantes da OSCE de forma mais enérgica,

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invocando ao princípio da cooperação entre a OSCE e outras organizações

internacionais e regionais, bem como com a sociedade civil (Resolução do Conselho de

Ministros n.º 101/2013, 2013).

Em 2005, é adotada, em Varsóvia, a Convenção do Conselho da Europa relativa

à Luta Contra o Tráfico de Seres Humanos, assinada por Portugal a 16 de maio de 2005

e aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 1/2008, de 14 de janeiro,

embora o processo de ratificação apenas tivesse sido concluído a 1 de julho de 2008

(Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2007, 2007; Resolução do Conselho de

Ministros n.º 94/2010, 2010; Resolução do Conselho de Ministros n.º 101/2013, 2013).

Esta Convenção foi o primeiro documento internacional que dissecou, categoricamente,

a definição de vítima de tráfico, tolhendo a possibilidade de cada Estado-Parte decidir

sobre quem deverá ou não ter esse estatuto. Nesse sentido, este instrumento legal

destaca-se por uma acentuada relevância sobre a questão dos direitos humanos, ao

mesmo tempo que lista um conjunto de medidas de apoio às vítimas de tráfico,

contemplando assistência psicológica, física, apoio à sua reintegração na sociedade,

aconselhamento, informação, bem como alojamento adequado e compensação.

Compreende, ainda, medidas de proteção ao nível judicial (segurança, realojamento,

alteração da identidade), prevê um período de reflexão6, com duração mínima de 30 e

máxima de 60 dias, cujo propósito cardeal visa a recuperação física e emocional da

vítima, proporcionando-lhe tempo e espaço para que esta tome uma decisão esclarecida,

a par da possibilidade de se conceder uma autorização de residência, quer por motivos

6 Durante o período de reflexão são asseguradas às vítimas as condições básicas de subsistência,

alojamento, segurança e proteção, assistência medica, psicológica e jurídica adequadas, bem com serviços

de tradução linguística. Em paralelo, a vítima não poderá ser afastada do país, sendo que, posteriormente

a este período, poderá ser autorizada a residência por um prazo de um ano, renovável por períodos iguais

no caso de se manter a sua necessidade de proteção. Poderá ainda beneficiar de um programa de

segurança ao abrigo da Lei de proteção de testemunhas em processo penal (Lei n.º 93/99, de 14 de julho e

Decreto-Lei 190/2003, de 22 de agosto), bem como de um programa de repatriamento assistido.

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humanitários, quer por circunstâncias de cooperação com as autoridades judiciais

(Resolução do Conselho de Ministros n.º 94/2010, 2010; Couto, 2012).

No âmbito das Nações Unidas foi adotado, em 2010, o Plano Global de Ação de

Combate ao Tráfico de Pessoas (GA n.º 64/293, de 12 de agosto), que revela um esforço

suplementar na articulação de mecanismos de prevenção, cooperação e repressão ao

nível mundial (Resolução do Conselho de Ministros n.º 101/2013, 2013).

Por último, como já referido, em 2011, a Decisão-Quadro 2002/629/JAI, do

Conselho, de 19 de julho de 2002 é substituída pela Diretiva n.º 2011/36/UE, do

Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres

humanos e à proteção de vítimas, pretendendo-se, deste modo, promover uma

intervenção abrangente, direcionada para os direitos humanos, vítimas e questões de

género. Como aspeto estruturante, esta Diretiva apresenta um conceito mais amplo de

tráfico de seres humanos, introduzindo novas formas de exploração, como a

mendicidade forçada ou a exploração de atividades criminosas, em especial a prática de

pequenos furtos ou roubos, tráfico de droga ou outras atividades similares, em que as

componentes da ilicitude e do lucro estejam incluídas. A referida Diretiva foi objeto de

transposição para a ordem jurídica nacional através da Lei n.º 60/2013, de 23 de agosto,

que alterou o Código Penal. Importa contudo referir que muitos dos normativos

previstos nessa Diretiva já tinham sido atempadamente acolhidos no nosso ordenamento

jurídico interno (Resolução do Conselho de Ministros n.º 101/2013, 2013).

1.4 ENQUADRAMENTO LEGAL E RESPOSTA PORTUGUESA

Portugal tem percorrido, ao longo dos últimos anos, um caminho de

consolidação e aperfeiçoamento dos seus mecanismos de referência nacional.

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O crime surgiu, pela primeira vez, no ordenamento jurídico português com o

artigo 217º do Código Penal de 1982 que determinava que:

1 - Quem realizar tráfico de pessoas, aliciando, seduzindo ou desviando alguma, mesmo com o

seu consentimento, para a prática, em outro país, da prostituição ou de atos contrários ao pudor

ou à moralidade sexual, será punido com prisão de 2 a 8 anos e multa até 200 dias.

2 - Se o agente praticar as condutas referidas no número anterior com intenção lucrativa,

profissionalmente ou utilizar violência ou ameaça grave, será a pena agravada de um terço nos

seus limites mínimo e máximo.

3 - Se a vítima for cônjuge, ascendente, descendente, filho adotivo, enteado ou tutelado do

agente, ou lhe foi entregue em vista da sua educação, direção, assistência, guarda ou cuidado,

será a pena agravada de metade, nos seus limites mínimo e máximo.

(Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro)

O crime de tráfico humano elencava, assim, na Secção II – Dos Crimes Sexuais,

sob Titulo III – Dos Crimes Contra Valores e Interesses da Vida em Sociedade,

prevendo os bens comuns a toda a comunidade como objeto nevralgicamente afetado,

ao invés dos interesses individuais das vítimas.

Contrariamente ao que hoje entendemos, o artigo 217º não contempla a

possibilidade de existência de tráfico humano dentro das fronteiras nacionais,

remetendo tal situação para os artigos 215º e 216º referentes ao lenocínio e lenocínio

agravado, respetivamente. É, precisamente, a partir deste momento que se passa a punir

a exploração da prostituição e não a prática de prostituição em si mesma (Santos et al.,

2008).

A 15 de Março de 1995, é introduzida uma alteração ao Código Penal, pelo

Decreto-Lei 48/95, que desloca o crime de tráfico de pessoas para o título Crimes

Contra as Pessoas do capítulo Dos Crimes Contra A Liberdade e Autodeterminação

Sexual. Com efeito, o crime passa a estar previsto no artigo 169º, estabelecendo que:

Quem, por meio de violência, ameaça grave, ardil ou manobra fraudulenta, levar outra pessoa à

prática em país estrangeiro da prostituição ou de atos sexuais de relevo, explorando a sua

situação de abandono ou de necessidade, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

(Decreto-Lei 48/95, de 15 de março)

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Esta alteração não veio a trazer alterações relativamente ao espaço geográfico

onde o crime é cometido, no entanto, curiosamente, faz cair a questão do consentimento

da vítima, existente na antiga versão. A explicação para esta situação vem, justamente,

na sequência do que já foi referido sobre a prática de prostituição não ser criminalizada.

A reforma de 1998, introduzida pela Lei n.º 65/98, de 2 de setembro, não trouxe,

praticamente, alterações. Só no ano de 2001, em virtude da promulgação do Protocolo

de Palermo, se veio a alterar, pela Lei n.º 99/2001, de 25 de agosto, os artigos 169º e

170º do código penal, relativos ao tráfico de pessoas e lenocínio, respetivamente. As

alterações mais significativas concernentes ao crime de tráfico referem-se à introdução

de novos elementos, como o abuso de autoridade resultante de uma relação de

dependência hierárquica, económica ou de trabalho da vítima e o aproveitamento de

situações de especial vulnerabilidade.

Com a revisão de 2007, o crime previsto no artigo 160º, passou a integrar o

capítulo dos Crimes Contra a Liberdade Pessoal, sob a Lei n.º 59/2007, 4 de setembro.

1 - Quem oferecer, entregar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa para fins de

exploração sexual, exploração do trabalho ou extração de órgãos:

a) Por meio de violência, rapto ou ameaça grave;

b) Através de ardil ou manobra fraudulenta;

c) Com abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica,

económica, de trabalho ou familiar;

d) Aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade

da vítima; ou

e) Mediante a obtenção do consentimento da pessoa que tem o controlo sobre a vítima;

é punido com pena de prisão de três a dez anos.

2 - A mesma pena é aplicada a quem, por qualquer meio, aliciar, transportar, proceder ao

alojamento ou acolhimento de menor, ou o entregar, oferecer ou aceitar, para fins de exploração

sexual, exploração do trabalho ou extração de órgãos.

3 - No caso previsto no número anterior, se o agente utilizar qualquer dos meios previstos nas

alíneas do n.º 1 ou atuar profissionalmente ou com intenção lucrativa, é punido com pena de

prisão de três a doze anos.

4 - Quem, mediante pagamento ou outra contrapartida, oferecer, entregar, solicitar ou aceitar

menor, ou obtiver ou prestar consentimento na sua adoção, é punido com pena de prisão de um a

cinco anos.

5 - Quem, tendo conhecimento da prática de crime previsto nos números 1 e 2, utilizar os

serviços ou órgãos da vítima é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais

grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

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6 - Quem retiver, ocultar, danificar ou destruir documentos de identificação ou de viagem de

pessoa vítima de crime previsto nos números 1 e 2 é punido com pena de prisão até três anos, se

pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

(Lei n.º 59/2007, 4 de setembro)

Esta reforma progressista introduziu no ordenamento jurídico português algumas

alterações bastante inovadoras. Para além de voltar a incluir as questões do

consentimento da vítima, considerando-o, desta vez, irrelevante, criminalizou, pela

primeira vez, outras finalidades do tráfico humano para além da exploração sexual,

como o tráfico laboral ou de órgãos, contemplando, ainda, um agravamento da moldura

penal no caso de a vítima ser menor. Ademais, o pressuposto de mobilidade

transfronteiriça não é, agora, exigido, podendo este crime ocorrer dentro do próprio

país. Além de que, passou a prever a responsabilidade penal de pessoas coletivas e a

criminalizar aqueles que, conscientemente, utilizam os serviços de pessoas traficadas.

Por último, em 2013 surgem novas alterações, pela Lei n.º 60/2013, de 23 de

agosto, que acrescentam a mendicidade, escravidão e exploração de outras atividades

criminosas ao rol de finalidades do tráfico humano, bem como preveem um

agravamento de um terço, nos limites mínimos e máximos, da moldura penal a quem:

tiver colocado em perigo a vida da vítima; agir com especial violência; causar danos

particularmente graves ou o suicídio da vítima; seja funcionário no exercício das suas

funções; estiver envolvido no quadro de uma associação criminosa.

*

Sem prejuízo da legislação específica sobre o crime, outras leis confessaram-se

fundamentais nesta matéria, nomeadamente aquelas que se destinavam a regular aspetos

migratórios. Destaque para a Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime

jurídico de entrada e permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território

nacional, o Decreto-Lei n.º 368/ 2007, de 5 de novembro, que define o regime especial

de concessão de autorização de residência para vítimas de tráfico ou de ações de auxílio

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à imigração ilegal e a Diretiva 2004/81/EC, de 29 de abril, relativa ao título de

residência concedido aos nacionais de países terceiros que sejam vítimas do tráfico de

seres humanos ou objeto de uma ação de auxílio à imigração ilegal, e que cooperem

com as autoridades competentes (Couto, 2012; Resolução do Conselho de Ministros n.º

94/2010, 2010).

Não obstante as significativas evoluções políticas e legislativas já enunciadas, só

em meados de 2007 viria a ser aprovado, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º

81/2007, de 22 de junho, o primeiro instrumento de referência nacional especificamente

orientado para combater de forma integrada o flagelo do tráfico humano com o I Plano

Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos (I PNCTSH), que vigorou entre os anos

2007 a 2010. Enquadrando-se nos compromissos assumidos por Portugal nas várias

instâncias internacionais, mais concretamente no âmbito da Organização das Nações

Unidas, do Conselho da Europa, da União Europeia e da Comunidade dos Países de

Língua Portuguesa, este Plano pretendeu reforçar o conhecimento acerca do fenómeno,

bem como a ação pedagógica e preventiva junto dos diversos intervenientes, a proteção

e assistência às vítimas e o sancionamento dos traficantes, ao mesmo tempo que

pretendeu reforçar a imprescindibilidade de uma atuação articulada de todas as

entidades envolvidas. Como tal, foram traçadas quatro grandes áreas estratégicas de

ação: 1) conhecer e disseminar informação; 2) prevenir, sensibilizar e formar; 3)

proteger, apoiar e integrar, 4) investigar criminalmente e reprimir.

Na sequência deste Plano foi criada a primeira casa-abrigo no país, designada de

Centro de Acolhimento e Proteção (CAP), dirigida, exclusivamente, para apoiar

mulheres vítimas de tráfico e seus filhos menores e dar resposta às suas necessidades de

integração. O apoio, aqui, prestado é, suficientemente, abrangente e contempla, entre

outros, as dimensões da proteção e segurança, do apoio médico, jurídico e psicológico,

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da tradução e do acesso a programas oficiais. De igual modo, foi, também, criado o

Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH), cujo principal objetivo assenta na

recolha de dados e na produção de estatísticas que apoiem a tomada de decisões, quer

em termos de prevenção e de apoio às vítimas, quer em termos de repressão.

Com objetivo de dar continuidade à ação desenvolvida pelo seu plano

antecessor, foi aprovado, em 2010, o II Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres

Humanos (II PNCTSH), através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 94/2010, de

29 de novembro, com entrada em vigor só no ano seguinte até 2013. Embora apresente

novos domínios, sobretudo relacionados com a investigação, formação e envolvimento

ativo dos vários intervenientes, o Plano continua a apostar na harmonização entre a

vertente repressiva do combate ao crime, fundida com estratégias de prevenção, apoio e

inclusão às vítimas, assim contempla, à semelhança do anterior, quatro áreas

estratégicas: 1) conhecer, sensibilizar, prevenir; 2) educar e formar: 3) proteger e

assistir; 4) investigar criminalmente e cooperar.

Destaque, ainda, para a recente implementação da Rede de Apoio e Proteção às

Vítimas de Tráfico (RAPVT), cujo propósito major reside na prevenção, proteção e

reintegração das vítimas, aliada à cooperação e partilha de informações pertinentes

(Resolução do Conselho de Ministros n.º 101/2013, 2013).

Atualmente, encontra-se em vigor, desde 2014 até 2017, o III Plano Nacional

Contra o Tráfico de Seres Humanos (III PNCTSH), através da Resolução do Conselho

de Ministros n.º 101/2013, dividido, agora, em cinco áreas estratégicas (fragmentadas

num total de 53 medidas): 1) prevenir, sensibilizar, conhecer e investigar; 2) educar,

formar e qualificar; 3) proteger, intervir e capacitar; 4) investigar criminalmente; 5)

cooperar (Resolução do Conselho de Ministros n.º 101/2013, 2013).

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Por último, importa referir, ainda, o Projeto CAIM (Cooperação, Ação,

Investigação, Mundivisão), um projeto-piloto em Portugal, cujo objetivo se prendeu

com a adoção de uma estratégia coordenada de responsabilidade partilhada no combate

ao tráfico e no apoio e proteção às vítimas do crime, impulsionando o atualmente

modelo de referenciação nacional, a legislação em vigor e as medidas de política

(Associação para o Planeamento Familiar , 2016), bem como a importância de alguns

instrumentos, como os Planos Nacionais para a Igualdade, Contra a Violência

Doméstica, de Ação para a Inclusão e do Plano para a Integração dos Imigrantes, que,

embora não sejam específicos na matéria, têm funcionado como um elemento de

referência para a promoção de direitos humanos, contemplando, inclusive, algumas

medidas direcionadas à prevenção e combate ao tráfico (Couto, 2012).

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CAPÍTULO II

ENQUADRAMENTO TEÓRICO DAS

QUESTÕES DO TRÁFICO DE SERES

HUMANOS

Como já referido, a conceptualização do tráfico de seres humanos está

dependente da perspetiva teórica adotada, que poderá ser mais centrada na questão da

migração, da prostituição, do crime, como crime organizado, ou dos direitos humanos,

moldando, impreterivelmente, a direção da análise do fenómeno.

2.1 GLOBALIZAÇÃO, FLUXOS MIGRATÓRIOS E TRÁFICO

A globalização neoliberal é, recorrentemente, decretada réu do desenvolvimento

das sociedades contemporâneas e apontada como causa indissociável do emergir do

tráfico de pessoas e da sua expansão por todo o mundo (Marshall, 2001; Santos et al.,

2008; Schauer & Wheaton, 2006; Winterdyk & Reichel, 2010).

Segundo Nunes (2003), a globalização traduz-se, essencialmente, pela criação de

um mercado mundial unificado, em virtude dos desenvolvimentos operados nos

sistemas de transportes e nas tecnologias da informação, criando, assim, as condições

necessárias para a ocorrência de mutações económicas, sociais, culturais e políticas à

escala global. No catálogo das transformações com maiores repercussões ao nível

macro, listam exemplos como a intensiva liberalização das trocas, nomeadamente

através de uma quebra de fronteiras, que permite a livre circulação de pessoas, bens e

serviços (e.g. o Acordo e Convenção de Schengen), bem como a uma diminuição do

poder estatal, cada vez mais incapaz de promover um acesso equitativo de

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oportunidades, e as políticas de mercantilização da economia, que substituíram os

modelos tradicionais de produção, fomentando a massificação do consumo através de

um aumento significativo de empresas transnacionais que investem nos mais diferentes

locais do globo terrestre (Santos et al., 2008). A globalização favoreceu, assim, a

crescente competição das economias e dos mercados, contribuindo para um

agravamento das desigualdades económicas, particularmente sentidas nos países mais

frágeis do ponto de vista político-económico, estimulando, com efeito, um aumento dos

processos migratórios e, consequentemente, da criminalidade associada a estes

movimentos (Marshall, 2001; Santos et al., 2008),

Apesar dos inegáveis avanços proporcionados por este processo de unificação

mundial, a verdade é que a globalização passou, também, a ser motivo de muitas

preocupações por parte dos Estados, entre as quais se destaca a questão da imigração

ilegal, que surge como um dos problemas mais complexos que o mundo ocidental

enfrenta, situação essa que tem conduzido a um crescente endurecimento das políticas

de controlo e das medidas de regulamentação dos fluxos migratórios (Weitzer, 2007).

Contrariamente ao expectável, os controlos fronteiriços restritos, resultantes das

rígidas políticas migratórias, parecem estar, paradoxalmente, a promover um aumento

da vulnerabilidade dos imigrantes face à situação de exploração, que, mercê das

limitadas oportunidades migratórias legais, são coagidos a recorrerem a processos de

mobilidade furtivos para entrarem nos países de destino (Goodey, 2003; Kim, 2007;

Marshall, 2001; Salt, 2000; Väyrynen, 2003). Consequentemente, este processo arrasta

consigo o medo de deportação, que surge como um dos fatores explicativos da

permanência em situação de tráfico (Kim, 2007). Uma das soluções apresentadas por

Marshall (2001) para contornar este problema seria a existência de mecanismos que não

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contemplassem um contacto direto dos migrantes com as autoridades, de modo a

encorajar a reportação de casos de exploração.

2.2 REDES DE CRIMINALIDADE ORGANIZADA PROMOVIDAS PELAS

ESTRUTURAS DE UM MUNDO GLOBALIZADO

Como refere Marshall (2001), a reflexão crítica sobre a eficácia efetiva das

severas políticas de migração deve ser realizada com a maior das prudências. Será que

este apertado controlo reduz, efectivamente, a migração ilegal ou, pelo contrário,

transforma a sua natureza, encorajando-a a mover-se para uma forma mais organizada?

De facto, e como referido anteriormente, quanto mais rígidas as leis contra a entrada de

migrantes ilegais, mais sinistras parecem ser as formas de criminalidade utilizadas para

contornar essas mesmas barreiras, dando ensejo ideal ao desenvolvimento de atividades

criminosas, muitas vezes, estruturadas por redes de crime organizado. Estas redes, cuja

presença depende, naturalmente, da existência de mercados ilegais onde a procura e a

oferta é, substancialmente, alta, são seduzidas pelos grandes lucros e pelo reduzido risco

inerente à prática, que está associada à insuficiente regulamentação, em virtude da

corrupção das autoridades policiais e fronteiriças, bem como à fraca perseguição

criminal dos ofensores (Aronowitz et al., 2010; Marshall, 2001; Salt, 2000; Väyrynen,

2003).

Do ponto de vista criminológico, e segundo a teoria das atividades de rotina, este

comprometimento no controlo é um dos grandes responsáveis pela ocorrência do crime,

a par da convergência espácio-temporal da motivação individual do ofensor e da vítima

que, mercê da sua situação de vulnerabilidade, se torna um alvo adequado. Assim, esta

teoria preconiza que o guardião eficaz é instrumental em controlar ou erradicar

atividades criminosas (Aronowitz et al., 2010). No entanto, esta conclusão parece nascer

de um raciocínio demasiado rudimentar, devendo, em todo o caso, analisar-se a

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possibilidade da existência de um deslocamento do crime em virtude deste apertado

controlo.

Não obstante, a perspetiva do tráfico enquanto mero produto do crime

organizado apresenta, per se, várias limitações, desde logo porque a evidência empírica

tem vindo a revelar que uma parcela bastante significativa das vítimas é recrutada por

membros familiares ou conhecidos das vítimas que não têm qualquer envolvimento em

organizações criminosas, limitando, por conseguinte, o tráfico a uma atividade menos

estruturada e mais rudimentar.

2.3 FEMINIZAÇÃO DOS FLUXOS MIGRATÓRIOS E DO TRÁFICO SEXUAL

COMO UM RESULTADO DE UM COMPLEXO DE VULNERABILIDADES

Se há um ponto assente no estudo sobre o tráfico de seres humanos é o de que as

suas vítimas são caracterizadas por múltiplas vulnerabilidades (e.g. Dewan, 2014;

Ekberg, 2004; Goodey, 2003; Kim, 2007; Logan, et al., 2009; Schloenhardt, & Loong,

2011;Vocks, & Nijboer, 2000). É, precisamente, por referência a esta linha de

pensamento que o paradigma da interseccionalidade, teorizado por Kimberlé Crenshaw

nos anos 90, analisa o crime de tráfico humano relacionando-o, estritamente, com as

desigualdades socialmente determinadas. Este paradigma desvela uma relação de

interação e interdependência múltipla e, muitas vezes, simultânea entre identidades

sociais, potencialmente vulnerabilizantes, que concorrem para a opressão

discriminatória, tais como género, raça, etnia, classe, idade, orientação sexual, estatuto

socioeconómico, capacidade física e intelectual, contexto social e cultural, analisando as

suas contribuições para a desigualdade social (Neves, 2010, 2011). Assim, pressupõe

que as intersecções das várias categorias de identificação social situam as mulheres

oriundas de países mais pobres e com menos oportunidades académicas e profissionais

como, estruturalmente, mais propensas para a exploração.

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De facto, as mulheres, enquanto categoria social, estão, historicamente,

enquadradas num contexto sociocultural dominado por uma ideologia patriarcal que as

tem relegado, ao longo dos anos, a papéis sociais mais passivos e circunscritos à esfera

doméstica e familiar (Amâncio 1998; Héritier 1996; Nogueira 2001 cit in Dias &

Machado, 2008; Nicolson, 1996), motivo pelo qual estas não têm tido tantas

oportunidades de desenvolvimento educacional e profissional como os homens. No

entanto, com a emergência da era industrial, o mercado laboral internacional passou,

crescentemente, a solicitar mão-de-obra, mesmo que pouco qualificada, acabando por

justificar a sua gradual presença nos fluxos migratórios, tornando-as mais vulneráveis à

discriminação (Crenshaw, 1991) e à exploração. Com efeito, mulheres e raparigas

constituem o grupo social mais afetado para a exploração sexual, situação que pode ser

explicada pela maior procura destes serviços por parte de homens, reforçando, uma vez

mais, a presença das assimetrias de género, características de uma cultura assente na

dominação masculina sobre a feminina (Kempadoo, 1998).

De facto, havemos, ao longo da história, presenciado uma série de pensamentos e

discursos culturais inveterados nas sociedades que reproduziram, insistentemente, um

aparente império masculino. O próprio discurso médico apelou, em tempos, neste

sentido de diferenciação e subalternidade. Lembremo-nos, por exemplo, da questão da

histeria, uma doença, fundamentalmente, feminina que desvelava, acreditavam os

antigos, um transtorno psíquico que estaria relacionado com o órgão reprodutor

feminino, denunciando, deste modo, uma tal vulnerabilidade intrínseca ao sexo

feminino. Vinculadas a esta obsoleta conceção estão as ideias de que homens e

mulheres possuem uma natureza sexual e psicológica diferente, que a supremacia é uma

característica inerente ao homem, sendo, por conseguinte, a superioridade masculina e a

inferioridade feminina dados naturais (Bem 1993 cit in Dias & Machado, 2008). Com

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efeito, partindo desta conceção de patriarcado, e tal como a perspetiva interaccionista do

género sugere, a violência contra a mulher, surge, portanto, como um mecanismo

compensatório para o exercício do controlo e da construção da própria masculinidade

entre os homens, que sentem que a sua autoridade e virilidade em perigo (Dias &

Machado, 2008). De igual modo, a análise dos estudos interculturais corrobora,

também, a ideia de que a violência contra a mulher se foca, essencialmente, nas

desigualdades de género e poder ao epilogar que a violência contra a mulher é maior e

ao verificar mais desigualdade económica, mais autoridade masculina e menos poder

feminino. Ademais, a análise intercultural tem enfatizado que uma maior igualdade de

género, quer no contexto conjugal, quer no contexto social mais alargado, é um dos

fatores associados ao decréscimo das taxas de violência contra a mulher,

simultaneamente com fatores como maior autonomia financeira, existência de sanções

contra a violência e de estruturas que facilitem a saída da mulher de relações abusivas

(Campbell, 1999; Levinson 1989 cit in Dias & Machado, 2008).

2.4 PRÁTICAS PROSTITUTIVAS, POLÍTICAS DE INTERVENÇÃO E

TRÁFICO SEXUAL

Tradicionalmente, o tráfico de seres humanos com finalidades de exploração

sexual de mulheres tem sido associado à prostituição. A prostituição, enquanto

fenómeno presente nas sociedades desde a antiguidade clássica, constituiu elemento

nevrálgico de controversos debates, ao longo da história, em torno das questões do

género e dos discursos sobre a sexualidade. Encarada, maioritariamente, pelas

sociedades ocidentais, como prática moralmente desviante e censurável, o certo é que,

mesmo sob o cauto domínio do ascetismo cristão, as práticas prostitutivas

manifestaram-se, sempre, como acontecimentos comuns na europa ao longo da idade

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média até, aparentemente, meados do século XIX (Garton, 2009). Numa época,

considerada pelos historiadores, notável pela austeridade, repressão e puritanismo

sexual excessivo, as ideias vitorianas disseminadas no século susodito, negaram a

hipótese de que a mulher possuísse sentimentos sexuais e enalteceram o falacioso

pensamento de que os homens estariam repletos de desejos sexuais, sendo, por isso,

percecionados como perigosos, não só para as mulheres, mas também para si próprios.

Como tal, ao negarem as relações sexuais aos seus maridos, exceto para fins de

reprodução, as mulheres estariam a ajudá-los a controlar a sua natureza primitiva

(Caplan, 1987; Seidman, 1990). Ainda assim, curiosamente, a prostituição cresceu nas

ruas esconsas e as doenças venéreas proliferaram. Se o casamento idílico era restritivo,

então a prostituição seria um mal necessário, oscilando, concomitantemente, entre o

ideal perverso e o socialmente útil, na medida em que evitava que as pulsões sexuais

masculinas fossem dirigidas às mulheres ditas honradas. Vivia-se, por conseguinte,

numa época, considerada por muitos, de grande hipocrisia, onde se pregava a virtude

mas se praticava o vício (Garton, 2009).

Num vaivém de movimentos dicotómicos que ora pretendiam censurar e abolir a

prostituição, ora regulamentá-la, aprovando-se, inclusivamente, leis orientadas para o

controlo de doenças infectocontagiosas e de defesa da saúde pública, às quais Josephine

Butler, perentoriamente, se rebelou7, os discursos sobre a prostituição foram cravando a

sua importância nas agendas internacionais (Couto, 2012).

Na viragem do século XIX para o século XX, a maioria dos regimes baseados na

regulamentação da prostituição, existentes no mundo ocidental, tinham dado prioridade

aos esforços internacionais que visavam combater o comércio de escravos brancos

7 A campanha da feminista de Josephine Butler começou com tentativas de revogação da Contagious

Diseases Acts in Britain, alegando que a regulação da prostituição seria uma licença oficial a favor do

vício masculino.

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(white slave trade), temática contra a qual Butler também se teria insurgido,

impulsionando conferências internacionais que se debruçaram sobre os ideias de

prevenção e criando instrumentos legislativos internacionais dos quais a Convenção

para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição de Outrem de

1949 é resultado (Doezema, 1998). A partir desta altura, o interesse internacional sobre

questões de prostituição e tráfico pareceu desvanecer até meados dos anos 80, altura em

que surge um manifesto interesse sobre a problemática visada, estimulada pelos

movimentos feministas liberais que colocavam, de novo, o tema da prostituição em

voga (Doezema, 1998, 1999). De modo avesso ao feminismo radical, estes movimentos

vêm defender que a prostituição nem sempre oprime e objetifica as mulheres,

considerando a existência de casos em que esta escolha é realizada voluntariamente

(Santos et al, 2008).

A verdade é que a prostituição se tem assumido, cada vez mais, no mundo

contemporâneo, como uma indústria em crescente expansão, dominada pela ideologia

de uma economia de mercado livre, enfatizando, para muitos, a mulher como mera

mercadoria (Ekberg, 2004). Segundo Anderson & Davidson (2003) esta rápida

expansão é consentida por três motivos: o mercado é pobremente regulado; largamente

estigmatizado e parcialmente criminalizado. Contudo, os fatores que promovem esta

expansão global da exploração sexual são de tal forma complexos que não permitem

conclusões lineares, não devendo porém, tal como refere Raymond (2004), esta

complexidade constituir justificativa para a inação.

O grande busílis da questão inerente à prostituição reside no duelo que equilibra

noções de coação, livre-arbítrio e consentimento: Poderá ou não a mulher escolher

prostituir-se? É, precisamente, através da lente pela qual se observa esta problemática,

que poderá ser mais centrada na criminalização da prostituição ou na sua legalização,

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que irão ser desenvolvidas abordagens e estratégias que almejam conter o tráfico sexual

(Derks, 2000), que, segundo a Victims of Trafficking and Violence Protection Act

(2000), deve ser entendido como o recrutamento, asilo, transporte, fornecimento ou

obtenção de uma pessoa com o propósito do comércio sexual.

Persistem, essencialmente, três grandes abordagens relativamente à questão da

regulamentação do trabalho sexual, e que se adaptam aos particulares contextos

sociopolíticos e étnicos:

i) perspetiva proibicionista - proíbe a prostituição e penaliza prostitutas e

proxenetas, mas não necessariamente os clientes;

ii) perspetiva regulacionista - procura regular mais do que proibir ou abolir

a prática de prostituição, por exemplo, através da legalização; e

iii) perspetiva abolicionista - pretende abolir a prostituição, penalizando os

clientes e proxenetas mas não as prostitutas (Scoular, 2010).

A favor da legalização da prostituição constam argumentos que defendem que a

normalização da prática, para além de desenvolver a política económica, irá restringir o

abuso dos homens contra as mulheres, controlar e regular uma indústria clandestina,

aumentar os rendimentos e promover a saúde e a proteção dos trabalhadores (Raymond,

2004). Para alguns, designadamente para ativistas defensores dos direitos dos

trabalhadores na indústria do sexo, o tráfico sexual é fundado e suportado pelo caracter

ilegal da prática da prostituição. Assim, entendem que a proibição da prostituição está

na origem de um mercado esconso e lucrativo que propicia o tráfico. Com efeito, uma

das formas de solucionar este problema seria legalizar a prostituição e garantir a estas

mulheres os seus direitos básicos (direito à autodeterminação, ausência de violência no

local de trabalho, ordenado justo, direito ao serviço de saúde, direito de poder deixar o

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trabalho ou o empregador, acesso a remédios legais e tratamento justo e equitativo

perante a lei) (Derks, 2000; Doezema 1998 cit in Schauer & Wheaton, 2006.).

De acordo com esta corrente de pensamento, destacam-se as políticas liberais da

Holanda e Nova Zelândia, que, no entanto, não se eximiram dos mais acutilantes

julgamentos.

Uma revisão da Prostitution Reform Act (PRA)8, a lei nova zelandesa que

descriminalizou a prostituição no país, em 2003, revela que apesar do Comité ter

concluído que a indústria não se expandiu em tamanho, como os opositores à

descriminalização tanto profetizavam (Prostitution Law Review Committee, 2008;

Weitzer, 2013), e de mais de 90% dos trabalhadores sentiram os seus direitos legais

defendidos pela PRA, a maior parte dos trabalhadores da indústria do sexo entrevistados

alegou que esta pouco ou nada poderia fazer em relação à violência perpetrada. Muitos

trabalhadores continuavam vulneráveis à exploração, sendo, inclusivamente, forçados

pelos clientes a práticas contra a sua vontade. A desconfiança do trabalho das

autoridades policiais, bem como o persistente estigma social, foram evocados como

fundamento que tolhia a denúncia da violência e dos crimes sofridos (Prostitution Law

Review Committee, 2008).

Também a política holandesa tem sofrido sérias censuras. Não é novidade que o

Red Light District tem sido, perniciosamente, associado a atividades criminais, como o

tráfico de drogas, fraude, lavagem de dinheiro e tráfico de seres humanos9. O governo

demonstrou-se inábil de orientar e providenciar apoio e formação às autoridades locais

8 O propósito da PRA debateu-se com a descriminalização a prostituição (embora a proíba a menores de

18 anos) e criação uma rede de trabalho que salvaguardasse os direitos humanos dos trabalhadores na

indústria do sexo e os protegesse da exploração, ao mesmo tempo que promovia o bem-estar, a saúde e

segurança, apresentando-se um condutor da saúde pública (Prostitution Law Review Committee, 2008) 9 Com base em entrevistas realizadas a 202 indivíduos, a Scharlaken Koord

9 (Wijk et al. 2010 cit in

Spapens & Rijken, 2014) estima que 8% do número total de prostitutas que trabalham em Amesterdão são

vítimas de tráfico sexual. Em contrapartida, a polícia amesterdanesa admite a possibilidade desta

percentagem de se situar entre os 30-40%. Aterradoramente, os serviços de saúde acreditam que 90% dos

indivíduos trabalham involuntariamente (Spapens & Rijken, 2014).

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nos seus novos papéis como inspetores no setor da prostituição, que revelaram não ter

as competências necessárias para identificar e atuar adequadamente em casos de tráfico

humano. É desta gritante necessidade, de prevenir e combater o crime sério e

organizado, que, em 2008, foi implementado o projeto Emergo (Spapens & Rijken,

2014).

Embebida por uma filosofia dissonante, a Suécia, que orgulhosamente se

declarou trabalhar para a criação de uma sociedade onde a igualdade de género fosse

norma, reconhece, contrariamente à Nova Zelândia (Prostitution Law Review

Committee, 2008), a inseparabilidade dos fenómenos de prostituição e tráfico,

encarando-os como práticas nefastas que não podem, nem devem ser separadas. Assim,

entende que devem ser colocadas em prática medidas contra a prostituição. Com efeito,

em Janeiro de 1999, surgiu a primeira tentativa do país em expor aquilo que acredita ser

a raiz da prostituição e do tráfico de seres humanos: a procura (Ekberg, 2003). Na

mesma linha, também Raymond (2004) sugere que a procura masculina é o principal

fator, mas não o único, na expansão mundial da indústria do sexo, responsável pela

sustentação da exploração. A autora alega, assim, que o “comprador” tem escapado

impunemente a uma análise mais minuciosa e tem sido, frequentemente,

desresponsabilizado pelas suas ações, principalmente pela falta de interesse que

manifesta em discernir sobre noções como prostituição forçada ou voluntária, tráfico e

prostituição.

Em conjunto com a educação pública, campanhas de alerta e apoio à vítima, a

inovadora lei sueca proíbe a troca de serviços sexuais, criminalizando os compradores.

Com a sua entrada em vigor, o risco de punição dos compradores aumentou

significativamente, o que originou uma acentuada queda na procura e,

consequentemente, na compra, tornando os mercados da prostituição menos lucrativos e

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impelindo os traficantes a escolherem outros destinos. O governo tem, também,

investido na assistência a mulheres vítimas de violência, providenciando abrigos,

aconselhamento e formações. Esta lei, que revela um carácter assaz preventivo e

totalmente consonante com uma política de tolerância zero, pode ser vista como um

incentivo à evasão da prostituição e como uma solução a um já longo pedido de auxílio

por parte das vítimas (Ekberg, 2003).

Evidenciando uma iniludível oposição às políticas liberais, há quem defenda que

a legalização parece aumentar tanto a procura como a oferta (desvelando uma relação

interativa causa-efeito) e conceder uma maior permissão e leniência moral e social da

prática de prostituição de mulheres e crianças, disseminando, segundo Raymond (2004),

um modelo de sexualidade masculina baseado na exploração sexual de mulheres

(Ekberg, 2004; Hughes, 2008; Raymond, 2004; Spapens & Rijken, 2014). Na mesma

linha de pensamento, também Aghatise (2004) entende que é impossível combater o

tráfico onde a prostituição é legal. Spapens e Rijken (2014) entendem que a legalização

da prostituição não conseguiu pôr termo ao tráfico; primeiro, porque pecou pela

inexistência de medidas específicas para travar uma verdadeira luta contra o tráfico

humano, segundo, porque concedeu aos traficantes uma conveniente oportunidade de

trabalharem num contexto onde as regras eram mais brandas. Há, inclusive, quem

enfatize a ineficácia quer da criminalização, quer da legalização da prostituição no

combate ao tráfico, avançando com soluções criativas, como Lee e Persson (2013), que

sugerem uma política alternativa hibrida capaz de conjugar a regulamentação legal de

bordéis combinando com severas sanções para os clientes que procuram os serviços fora

dos locais específicos.

Independentemente da orientação adotada, a favor ou contra a legalização ou

descriminalização da prostituição, uma coisa parece, unanimemente, certa, a erradicação

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desta prática é impossível de ser realizada. Todavia, esta desconcertante certeza não

deverá, nunca, ser fundamento para a inércia dos Estados. A intervenção nestes casos é

fulcral, a assistência a estas mulheres imprescindível e a sua perseguição criminal pouco

profícua. As medidas repressivas contra a exploração sexual continuam a ser um ponto

nevrálgico nesta luta. Releva, sobretudo, desconstruir a errónea crença de que a

prostituição é a solução última para os casos de pobreza extrema e, neste sentido, a

criação de alternativas exequíveis deverá ser um rumo a tomar. A maneira mais eficaz

de garantir que as pessoas não entram nesta indústria é certificando-se que estas

encontram outras formas de ganhar dinheiro. No entanto, é importante referir que o

desejo de abandonar esta atividade não é transversal a todos os envolvidos, pelo que

uma abordagem one size fits all não se assume adequada (Prostitution Law Review

Committee, 2008). Entende-se que é, supremamente, relevante, por um lado, a adoção

de medidas preventivas de combate ao tráfico sexual, bem como medidas de proteção e

reintegração para aqueles que abandonam situações de prostituição e tráfico, e, por

outro, iniciativas com o intuito de assistir a saúde dos que trabalham nesta atividade,

campanhas de sensibilização e alerta para questões de risco, como o HIV/SIDA.

Destaca-se ainda a importância de se implementar programas educacionais que

promovam a igualdade de género, raça e económica (Farley, 2009).

2.5 PÂNICO MORAL E A CONVENIENTE INSTRUMENTALIZAÇÃO DOS

DIREITOS HUMANOS

É inequívoca a ligação existente entre tráfico e direitos humanos. A maior parte

das práticas associadas ao tráfico (debt bondage, trabalho forçado, escravidão, servidão,

exploração sexual) são, claramente, proibidas pela Declaração Universal dos Direitos

Humanos e inconiventes com alguns dos mais importantes direitos defendidos pelo

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susodito documento, como o direito à vida, liberdade, segurança, integridade,

autodeterminação, trabalho, entre outros. Assim, durante a última década, tem sido,

consensualmente, reconhecido, a um nível internacional, a importância de se

desenvolver uma abordagem ao tráfico focada nos direitos humanos, isto é, uma

estrutura conceptual orientada para lidar com o fenómeno do tráfico, baseando-se nos

standards dos direitos humanos internacionais e operacionalmente dirigida a promover

e proteger as violações desses mesmos direitos. Isto requer, naturalmente, uma análise

aos modos como estas transgressões ocorrem durante o ciclo de tráfico, bem como as

obrigações estatais que estão sob domínio da lei internacional dos direitos humanos.

Esta abordagem procura, ainda, identificar e reparar as condutas discriminatórias e a

distribuição iníqua do poder que subjazem ao tráfico e que são responsáveis pela

impunidade dos ofensores (United Nations Human Rights, 2014).

Apesar de uma aparente transição de paradigma inerente às questões do tráfico,

parecendo este mais voltado, agora, para os aspetos humanitários relacionados com as

vítimas, muitos autores, como Berman (2003), Davies e Davies (2008) e Weitzer (2007,

2013), denunciam uma instrumentalização dos direitos humanos, que parecem ser um

excelente subterfúgio capaz de legitimar um discurso discriminatório que apela ao

estigma social e ao pânico moral com intuito de endurecer as políticas migratórias, bem

como abolir o comércio sexual a um nível global. Com efeito, aproveitando-se,

dissimuladamente, dos ideais filantrópicos que subjazem à temática dos direitos

humanos, muitos discursos, sobretudo na arena política, e leis anti-tráfico têm sido

ensaiados, consoante as prioridades dos Estados, a favor da perseguição penal do crime,

que se sobrepõe, frequentemente, às necessidades das vítimas.

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CAPÍTULO III

DINÂMICA ORGANIZACIONAL DA REDE DE

TRÁFICO

3.1 FASES PROCESSUAIS DO TRÁFICO

Uma analogia à ideia de sistema pode ser tecida com a rede que envolve o

tráfico de seres humanos, na medida em que também esta é constituída por uma

diversidade de elementos/atores devidamente estruturados, seguindo uma hierarquia,

cujos papéis distintos lhes são atribuídos. Assim, torna-se possível compreender a

importância de cada elemento no funcionamento da totalidade deste sistema,

contribuindo para a formação de uma verdadeira teia articulada, de maior ou menor

escala. Envolvidos por um ambiente comum, os países em que operam, estas redes são

possuidoras de diversos mecanismos e estratégias que possibilitam e facilitam o

transporte e o comércio das vítimas. Com efeito, o tráfico de pessoas deve ser entendido

como um processo que se desenrola num continuum, tendo na sua base vários

fundamentos etiológicos, que se desenvolve por uma série de etapas das quais se podem

destacar o recrutamento, transporte e exploração.

3.1.1 RECRUTAMENTO (1ª FASE)

Contrariamente ao que o senso comum possa sugerir, poucas mulheres e

raparigas escolhem livremente prostituir-se (Farley, 2009; Jones, Sulistyaningsih, &

Hull, 1998; Raymond & Hughes, 2001). Segundo Farley e colaboradores (2003), 89%

da amostra entrevistada confessou querer evadir-se da prostituição mas não ter

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alternativas económicas para sobreviver. Existem, efetivamente, fatores que facilitam e

impulsionam a entrada na indústria do sexo. As condições que, indiretamente,

constituem um fator facilitador para o recrutamento, tornando estas mulheres vítimas

vulneráveis ao fenómeno do tráfico e da exploração, são diversas. A evidência empírica

aponta para as condições económicas e políticas no país de origem, como situações de

pobreza, desespero económico, ausência de um rendimento sustentável e opressão

política, não sendo, todavia, correto afirmar que a pobreza constituiu o fator precipitante

único. Também a situação doméstica, a falta de suporte ou a pressão direta e coerção de

familiares listam os principais motivos (Raymond, & Hughes, 2001; Van Hook et al.,

2006).

Os métodos de recrutamento têm-se desenvolvido e modificado ao longo do

continuum tempo-espaço (Hodge, & Lietz, 2007; Surtees, 2008), assinalando a peculiar

flexibilidade e adaptabilidade do fenómeno às conjunturas vigentes. Hodge e Lietz

(2007) identificaram quatro modalidades gerais sobre as quais as estratégias podem ser

subsumidas. A primeira, velada pela ilusão de um melhor futuro, através de promessas

de emprego (geralmente como empregadas de mesa, domésticas, babysitters ou

modelos) ou um casamento promissor, propõe-se, aparentemente, a oferecer melhores

condições de vida num país estrangeiro (Aronowitz et al., 2010; Galiana, 2000; Goodey,

2003; Hodge, & Lietz, 2007; Kim, 2007; Lobasz, 2009; Logan et al., 2009; Vocks, &

Nijboer, 2000). A segunda, passa pela aproximação e abordagem a prostitutas, mulheres

que trabalham em clubes noturnos ou outro tipo de serviços dentro da indústria do sexo,

prometendo-lhes ganhos maiores num trabalho análogo. Da amostra de Vocks e Nijboer

(2000) uma larga percentagem de mulheres já tinha trabalhado como prostituta e mais

de 50% sabia que iam ter de trabalhar na indústria do sexo. As mulheres que recaem

nesta categoria têm conhecimento acerca do tipo de trabalho que lhes é requerido, ao

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contrário do que acontece com o grupo anterior, mas nada sabem sobre as condições

laborais em que vão ser forçadas a trabalhar (Doezema, 2000; Goodey, 2003; Hodge, &

Lietz, 2007). Ainda que alguém consinta trabalhar na prostituição, tal não significa

sujeitar-se a condições semelhantes às da escravatura moderna (Vocks, & Nijboer,

2000). A terceira modalidade, e menos comum, é o rapto. Neste caso, para transportar

as suas vítimas os traficantes necessitam, geralmente, de corromper elementos policiais

(Hodge, & Lietz, 2007; Kim, 2007; Lobasz, 2009; Vocks, & Nijboer, 2000). Por último,

subsistem as situações mais raras, de recrutas que se aproximam de famílias carecidas e

que se aproveitam da sua inerente fragilidade para proporem uma troca traiçoeira,

logrando-lhes que o dinheiro adquirido servirá para ajudar a família (Flamm, 2003;

Hodge, & Lietz, 2007; Kim, 2007).

Em suma, as formas de recrutamento revestem-se, fundamentalmente, de um

misto de persuasão e engano. Na maior parte dos casos são as falsas promessas de

emprego, aliciantes do ponto de vista económico e social, a estratégia mais utilizada

(Hughes, 2002; Vocks, & Nijboer, 2000). As expetativas da vítima face a uma vida

melhor foi uma técnica particularmente visível nas antigas repúblicas da União

Soviética, onde se seduziam as mulheres à imigração através do “glamour ocidental

aliado a uma lógica consumista, de liberdade e de autodeterminação sexual divulgado

pelos media” (Santos et al., 2008, p.20). No entanto, existem muitas outras estratégias,

não tão subtis, como o são o caso da violência, rapto, ameaça, chantagem ou uso de

drogas (Santos et al., 2008). A verdade é que, seja qual for o método empregue, os

traficantes, tendencialmente, procuram alvos vulneráveis, pelo que estes tendem a ser

mais fáceis de controlar (Flamm, 2003; Kelly 2004 cit in Hodge, & Lietz, 2007).

Ademais, facilmente percebemos que se trata de um fenómeno caraterizado por uma

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grande versatilidade, capaz de se ajustar às situações mais adversas (Schauer, &

Wheaton, 2006).

3.1.2 TRANSPORTE (2ª FASE)

O transporte das vítimas contempla três modalidades, via terrestre, aérea,

marítima, havendo, também, a hipótese de combinação das susoditas modalidades,

restringindo, assim, as hipóteses de as vítimas serem identificadas (Couto, & Machado,

2010; Santos et al., 2008). Com efeito, temos vindo a assistir a uma tendência de

diversificação de rotas usadas pelos traficantes que pode ser explicada por diferentes

fatores relacionados com a redução do risco de deteção e controlo, rentabilização dos

trajetos e minimização de custos (Instituto dos Estudos Estratégicos e Internacionais

(IEEI), 2012).

Relativamente à documentação e identificação, existe, frequentemente, um

recurso aos meios legais, através da apresentação de vistos de turistas, estudantes ou

trabalho provisório que são, posteriormente, apreendidos pelos traficantes. Muitas vezes

a vítima faz-se acompanhar pelo próprio intermediário, noutros casos poderá viajar

sozinha (uma tendência que se tem vindo a acentuar) ou até com outras vítimas,

encontrando-se, posteriormente, com alguém que a espera à chegada. Noutros casos, as

vítimas são introduzidas através de rotas controladas por associações criminosas (Couto,

& Machado, 2010; Santos et al., 2008).

Após entrarem no país, são movimentadas regularmente, não permanecendo por

muito tempo no mesmo local, satisfazendo, por um lado, os clientes, sempre com novas

ofertas e dificultando a deteção das mesmas pela polícia ou serviços sociais (Galiana,

2000; Schauer, & Wheaton, 2006). A alta mobilidade surge, assim, como uma evidente

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estratégia dos traficantes para evitarem a imputação do crime de tráfico (Vocks, &

Nijboer, 2000).

3.1.3 EXPLORAÇÃO (3ª FASE)

O tráfico humano com finalidades sexuais explorativas é concretizado através de

diversas formas, como a prostituição, casas de massagem e de convívio, pornografia,

cyber-sex, trabalho em bordéis, bares, clubes de strip, casas privadas, serviços de

acompanhamento de luxo, entre outros (Logan et al., 2009).

É através de uma ampla combinação de estratégias, que obedecem a um padrão

de controlo coercivo, que os traficantes procuram criar uma teia de dependências,

quebrando emocionalmente as suas vítimas. Neste jogo opressivo, onde o medo é um

elemento preponderante para a imposição do seu inquestionável domínio, a hipótese de

morte torna-se um cenário real, atingindo as vítimas com a estranha sensação de já não

terem controlo sobre si e sobre a sua segurança. Rapidamente compreendem que a

obediência cega é a opção mais viável. Assim, para sobreviver, tornam-se subservientes,

escravas dos desejos dos seus agressores, perpetuando a sua situação de clausura

(Hodge, & Lietz, 2007; Zimmerman et al., 2003).

A evidência empírica avança com uma lista de métodos e estratégias reportados

em vários casos de tráfico e que permitem ao traficante aumentar o isolamento da vítima

e incutir medo. Estas estratégias, geralmente, variam de acordo com a vítima, tipo de

tráfico e etapa do processo, bem como em função do local e as oportunidades

proporcionadas pelas circunstâncias (UNODC, 2009).

Um dos procedimentos mais difundido refere-se à apreensão de passaportes e

documentos de identidade (Zimmerman et al., 2003). Assim, sem identidade legal num

país estrangeiro, onde as barreiras linguísticas e normas culturais e comportamentais se

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erguem como obstáculo, as mulheres veem-se entregues à misericórdia dos seus

traficantes (Goodey, 2003). Aliado, a esta estratégia os traficantes recorrem,

frequentemente, ao debt bondage, isto é, as vítimas são obrigadas a pagar os custos

referentes à viagem, alimentação, alojamento, roupas e dependências de drogas e álcool

(uma adição, na maioria das vezes, estrategicamente imposta pelos agressores como

meio de criar dependência). Quando chegam ao país de destino as vítimas são avisadas

que contraíram uma dívida e que somente mediante a sua extinção poderão ver a sua

liberdade reavida. Para algumas, esta é a primeira vez que se apercebem de que estão a

ser sujeitas a alguma espécie de escravidão (Aghatise, 2004). Devido à falta de

transparência e integridade dos agressores, esta dívida, regra geral, inexistente ou

exagerada, vai crescendo e acumulando, atirando as mulheres para um ciclo vicioso

imperecível (Hodge, & Lietz, 2007; Logan et al., 2009; Raphael, & Ashley, 2008;

Raymond, & Hughes, 2001; Surtees, 2008; UNODC, 2009).

As ameaças à integridade física, e o seu efetivo cumprimento, realizadas contra

as vítimas, familiares ou amigos é, também, um recurso comum, hábil de edificar de

uma sufocante atmosfera de insegurança e imprevisibilidade. Acresce-se, ainda, a

constante monitorização, confinamento das vítimas no local de trabalho, proibição de

contacto com o exterior, exposição pública de conteúdos sexuais, ameaça de denúncia à

polícia por estatuto ilegal ou envolvimento em atividades fraudulentas ou ilegais a que

as vítimas foram coagidas, promoção de parcerias com entidades policiais corruptas de

modo a que as vítimas se tornem hesitantes em contactá-las (Hodge, & Lietz, 2007;

Logan et al., 2009; Vocks, & Nijboer, 2000).

Uma vez que o controlo está estabelecido, as vítimas são encorajadas a participar

em atos sexuais violentos, abusivos e degradantes (Raymond, 2004), sendo a

prostituição a via mais comum (Hodge, & Lietz, 2007). Geralmente, as vitimas têm

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pouco controlo sobre o tipo e quantidade de clientes que servem, bem como sobre as

horas que são forçadas a trabalhar. Algumas mulheres reportaram servir 40 a 50 homens

por noite (Zimmerman et al., 2003). A exaustão física assoma-se, também, como uma

estratégia de controlo, na medida em que, para além da questão lucrativa, incapacita as

mulheres de considerarem estratégias de autodefesa ou evasão (ibidem).

Destaque, ainda, para a Internet, que veio revolucionar o paradigma da indústria do

sexo, ao disponibilizar, em larga escala, milhares de materiais a custo muito reduzido,

abrindo um leque de novas oportunidades aos traficantes de prostituírem as suas vítimas

(Hodge, & Lietz, 2007).

3.2 ROTAS DO TRÁFICO

As rotas do tráfico descrevem, à semelhança dos tradicionais fluxos migratórios,

um movimento de Sul para Norte (Santos et al., 2008) e, mais recentemente, de Leste

para Oeste (Peixoto et al., 2005). No entanto, existem muitos outros fluxos que não

seguem esta tendência, nomeadamente em regiões onde predomina o tráfico interno.

As principais rotas intercontinentais identificadas pela literatura são a Rota

Norte de África - Europa do Sul; a Rota América do Sul – Europa; e a Rota Ásia -

Europa. No entanto, existem diversas rotas intraeuropeias que têm evoluído e

modificado ao longo da última década (IEEI, 2012).

Com efeito, a evidência empírica indica como principais países de origem a

Ásia, América do Sul, África Ocidental e Europa Central e de Leste, especialmente

países da ex-União Soviética. Por seu turno, os destinos são, preferencialmente, países

industrializados e economicamente atrativos, como o caso da Europa Ocidental, Estados

Unidos, bem como vários países da Ásia e a Austrália, muitos dos quais possuem,

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inclusivamente, indústrias sexuais legalizadas (Hodge & Lietz, 2007; Schauer &

Wheaton, 2006).

Figura 1 – Principais países de origem e destino das vítimas de exploração sexual no

âmbito do tráfico humano

(Adaptado de Santos et al., 2008)

Nas rotas globais do tráfico, Portugal encontra-se entre os países de destino e de

trânsito da Europa Ocidental (embora com uma incidência média e não muito alta),

sendo as rotas de chegada diversificadas, dependendo do país de origem das vítimas.

Segundo Santos e colegas (2008), não há registo de que Portugal seja um país de

origem, embora alguns relatórios o mencionem como um país de trânsito para países do

leste europeu. Todavia, começam a surgir indícios de situações de tráfico interno e de

movimentações em zonas contíguas à fronteira espanhola, onde mulheres integradas no

mercado sexual alternam e prostituem-se, diariamente, entre Portugal e Espanha

(ibidem).No entanto, de um modo geral, não existem dados estatísticos, nem

investigação sistemática sobre Portugal como país de trânsito de vítimas de tráfico. A

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atenção das autoridades tem-se centrado nas vítimas detetadas no território nacional,

carecendo, por conseguinte, de uma habitual prática de troca sistematizada de

informação entre países que permita recolher a informação sobre as vítimas que terão

transitado por Portugal no seu percurso para outros destinos (IEEI, 2012).

Importa, ainda, referir que o tráfico se processa através de rotas que podem ser

diretas ou indiretas. As rotas indiretas, que contemplam um ou mais países de trânsito,

exigem uma análise mais minuciosa, uma vez que assumem uma complexidade

superior, já que não são homogéneas e podem incluir ou não exploração no país de

trânsito. Com efeito, importa distinguir duas realidades e lógicas distintas: as rotas de

exploração e as rotas logísticas (ibidem). Nas rotas indiretas de exploração há uma

exploração da vítima nos diferentes países de trânsito, o que tende a estar associado a

um sistema logístico transnacional, por parte redes de traficantes mais organizadas, que

permite a exploração nos diversos locais de trânsito. A rotação das vítimas assume-se

como a estratégia privilegiada pelos traficantes com um duplo objetivo, por um lado,

reduzir o risco de deteção pelas autoridades, por outro, garantir uma renovação da

oferta, de forma a atrair mais clientes. As rotas de exploração apresentam, assim, uma

correlação positiva com o nível de complexidade da mesma, isto é, rotas mais

complexas (com mais países de trânsito) apresentam, na sua maioria, situações de

exploração (ibidem). De modo avesso, nas rotas indiretas logísticas, o trânsito por

diferentes países não envolve a componente da exploração, assentando, por conseguinte,

numa justificação logística relacionada com propósitos de facilitação de transporte,

minimização de custos ou como subterfúgio ao controlo das autoridades fronteiriças.

Estas rotas implicam estadias mais curtas nos países de trânsito e tendem a estar

associadas a redes de traficantes mais informais. Importa, todavia, salientar a

possibilidade de rotas mistas, sugerindo a possibilidade de haver um aproveitamento de

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oportunidade de exploração em algum país de trânsito que não estaria programada

inicialmente (ibidem).

Ainda por referência à mesma fonte, nos casos de tráfico para exploração sexual,

as rotas indiretas (61%) predominam sobre as diretas (34%), bem como as rotas de

exploração sobre as rotas de logística, sugerindo, assim, uma complexidade acrescida

nestas redes que se esperam de maior dimensão, mais organizadas e com maior

capacidade logística de exploração em diversos países, bem como de controlo na

movimentação das vítimas.

3.3 PERFIL DOS PRINCIPAIS ATORES

3.3.1 PERFIL DOS TRAFICANTES

O estereótipo que os meios de comunicação social difundem do típico traficante

é o de um homem desconhecido para a vítima, que a engana e a trafica, obrigando-a a

integrar o esconso mundo da prostituição. Na realidade, os traficantes são mais diversos

do que aquilo que os media apresentam (Surtees, 2008). Estes podem ser pessoas

conhecidas ou próximas das vítimas, como vizinhos, namorados (loverboys) ou amigos,

ou sujeitos completamente incógnitos que angariam as vítimas através de agências de

emprego, ficcionais ou legais, de viagens, de modelos ou matrimoniais. Na sua

pesquisa, Vocks e Nijboer (2000) destacam, à semelhança de Raphael e Ashley (2008),

que a maior parte do recrutamento é realizado por amigos, namorados, conhecidos, e até

familiares das vítimas, que, prontamente, se oferecem para tratar da documentação

necessária e implicações com a viagem. Em qualquer um dos casos, as pessoas que se

dedicam a este tipo de atividade são, segundo Couto e Machado (2010), motivadas por

questões económicas e financeiras.

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Surtees (2008) refere que, na maior parte dos países do sul e leste europeu, os

traficantes são homens, contudo, tem-se vindo a assistir a um aumento de mulheres

recrutas. Muitas vezes, o que acontece é que as futuras vítimas são aliciadas pelos seus

traficantes a convidar as suas amigas para trabalhar no estrangeiro, tendo um papel,

neste recrutamento, inconsciente e não intencional. As vítimas traficadas podem,

também, assumir este papel quando obrigadas ou ludibriadas por falsas promessas pelos

seus traficantes. Em casos não tão raros, e devido ao lato período de abuso, as vítimas

podem começar a identificar-se com os seus traficantes, tornando-se, também elas,

recrutas. Esta situação ocorre, essencialmente, por dois motivos; porque sentem uma

certa afinidade com os seus agressores e desenvolvem o conhecido Síndrome de

Estocolmo, ou porque, em resultado da vivência do seu evento traumático, se

apresentam de tal forma insensibilizadas face ao sofrimento dos outros (ibidem). A

autora refere, ainda, que recentemente tem surgido um novo padrão de recrutamento, o

tráfico realizado por casais. Nesta situação, a mulher normalmente recruta a vítima e o

homem fica encarregue de todo o trabalho relacionado com o acompanhamento e

transporte. É uma estratégia com algum sucesso na medida em que as vítimas depositam

mais facilmente confiança numa mulher.

Atendendo aos papéis desempenhados na rede de tráfico, Schauer & Wheaton

(2006) propõem uma categorização dos traficantes em quatro subgrupos: 1)

organizadores, aqueles que planeiam e organizam o tráfico; 2) intermediários, os que

recrutam, transportam e vendem as mulheres; 3) operadores, incluem-se os donos dos

bordéis ou clubes noturnos, bem como os proxenetas; 4) auxiliares, oficiais do governo

e da polícia corruptos com uma participação ativa no fenómeno do tráfico.

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3.3.1.1 Fatores motivadores

Se tomarmos por base os ensinamentos da Teoria da Ação Situacional (SAT)

compreendemos que uma explicação adequada da ação não pode ser tecida se não

considerar a interação entre o indivíduo e o ambiente (Wikström, & Treiber, 2007;

Wikström et al, 2012a). Como tal, importa, primeiramente, perceber quais são os fatores

pessoais e ambientais causalmente importantes, uma vez que são esses mesmos fatores

que irão interagir e influenciar o processo de perceção-escolha responsável por

impulsionar os indivíduo a seguir ou não as normas (Wikström, & Treiber, 2007;

Wikström, & Svensson, 2008; Wikström, & Svensson, 2010; Wikström et al, 2012a).

Segundo Wikström e Svensson, “os indivíduos cometem crimes por serem quem são

(devido à sua moralidade e capacidade de exercer autocontrolo) [fatores individuais],

mas também devido ao ambiente onde eles atuam (contexto moral - regras morais

coletivas e a sua aplicação) [fatores ambientais]” (2010, p. 398). Assim, esta teoria

propõe que o crime seja um resultado do processo de perceção-escolha que é iniciado e

guiado pela interação entre a propensão individual para o crime10

e a exposição

criminógena11

(Wikström, 2009, Wikström et al, 2009; Wikström et al, 2012a;

Wikström et al, 2012b). Deste modo, se podemos alegar que cada pessoa tem um nível

diferente de propensão criminal, também podemos afirmar que existem contextos mais

ou menos criminógenos (Wikström et al, 2009; Wikström et al, 2012a).

10

As principais características individuais que afetam a propensão criminal do indivíduo são as normas

morais e os hábitos (estando aqui incluídas as emoções morais a eles associados, como a vergonha e a

culpa). As normas morais são, no fundo, regras que definem o que é certo e o que é errado em

determinadas circunstâncias. Por seu turno, os hábitos morais referem-se a respostas automatizadas a

situações que são familiares ao indivíduo e que são baseadas numa habituação moral de agir de

determinada forma como reação àquela particular circunstância (Wikström et al, 2009; Wikström &

Svensson, 2010). Os indivíduos que têm normas morais e hábitos morais que correspondem aquilo que

está estabelecido na lei tendem a ter uma propensão criminal baixa, contrariamente aos indivíduos que

têm normas morais e hábitos morais conflituosos com as leis, que tendem a ter uma propensão criminal

alta (Wikström & Svensson, 2008; Wikström & Svensson, 2010). 11

O contexto criminógeno depende, em grande medida, do contexto moral (das regras morais que se

aplicam nesse contexto, bem como da severidade das sanções) no qual a pessoa encontra oportunidades

ou fricções que podem causar como resposta possível o ato criminoso (Wikström et al, 2009; Wikström et

al, 2012a).

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Na realidade, quando conjugamos esta teoria com o fenómeno do tráfico sexual

percebemos que a perpetuação deste é escorada por um vasto conjunto de fatores e

circunstâncias contextuais, para além das inerentes motivações pessoais dos seus

autores. Pobreza, conflitos políticos e sociais, falta de esperança no futuro são meros

exemplos que propiciam o descontentamento social e impelem os indivíduos a procurar

novas oportunidades em países industrializados, seduzidos pela sua imagem de sucesso

e riqueza (Hodge, & Lietz, 2007). Ora este desejo de conquista de uma vida melhor,

para além de constituir uma forte ambição que traça um caminho no sentido da evolução

e do progresso, é, por outro lado, um potencial fator de vulnerabilidade, astuciosamente

explorado pelos traficantes, que veem no tráfico um meio fácil de obtenção de lucros.

Uma legislação inadequada (quer pela leveza das sanções aplicadas contra os

traficantes, quer pela sua efetiva ausência), a corrupção dos organismos de Estado, a

relutância das vítimas em testemunhar contra os seus agressores, bem como o estatuto

legal ou semi-legal da prostituição apresentam-se como algumas das circunstâncias

contextuais capazes de criar ambientes facilitadores à atuação dos traficantes (Hodge, &

Lietz, 2007; Logan et al., 2009), que, após um balanço decisional cognitivamente

ponderado, optam por incorrer no crime do tráfico quando as hipóteses de sucesso

parecem superar o risco de se ser descoberto.

Efetivamente, o tráfico sexual assume-se como uma atividade ilícita de alto

rendimento e com baixos riscos de deteção. Desde logo porque as vítimas são

reutilizáveis, contrariamente ao que ocorre, por exemplo, no tráfico de drogas ou armas.

Isto significa, portanto, que constituem uma fonte de rendimento contínuo, e ainda que

os preços possam variar substancialmente, a venda de mulheres para o comércio sexual

edificou-se, ao longo dos tempos, como negócio altamente rentável e requerido.

Ademais, os traficantes são exímios em maximizar os seus lucros mantendo os custos

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reduzidos. Conseguem-no, essencialmente, através da exploração das vítimas, quer seja

pela imposição de uma excessiva carga horária, quer seja pelo não pagamento dos

serviços prestados, bem como pelas precárias condições laborais e de alojamento a que

as vítimas são sujeitas (Logan et al., 2009; Zimmerman et al., 2003).

3.3.2 PERFIL DAS VÍTIMAS

A evidência empírica revela que a maior parte das vítimas são mulheres jovens

que vivem em situações precárias, algumas, inclusivamente, de pobreza extrema

(Galiana, 2000; Kim, 2007; Urada et al., 2015), originárias, com frequência, de

sociedades patriarcais (Gajic-Veljanoski, & Stewart, 2007). Tratam-se, portanto, de

mulheres frágeis a determinados níveis, mormente económico e familiar, com uma

enorme vontade de mudar as circunstâncias em que se deparam e com expectativas de

uma vida melhor (Hughes, 2002; Neves, 2011; Nichols, & Heil, 2015; Santos et al.,

2008).

De acordo com Kootstra (1999 cit in Vocks, & Nijboer, 2000), a maior parte das

vítimas da europa central e leste situam-se na faixa etária dos 18 aos 25 anos.

Geralmente solteiras e sem filhos, são, maioritariamente, provenientes de famílias

problemáticas e disfuncionais, famílias monoparentais, pais alcoólicos, situações de

incesto, problemas financeiros, problemas psicossociais, maus tratos, entre outros.

Relativamente à formação académica, esta difere de país para país e consoante os

tempos. Atualmente, as vítimas parecem registar um menor nível educacional e um

menor grau de integração social no seu próprio país (Vocks & Nijboer, 2000).

Vocks e Nijboer (2000) avançam com uma tríade tipológica de vítimas. Segundo

os autores, podemos afirmar que existe uma ordem de frequência pela qual estas

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categorias surgem e associado a este aumento de frequência corresponde uma

diminuição da coerção e violência exercida. Menos frequente, seriam as mulheres

raptadas ou vendidas. As vítimas que recaem neste grupo nunca teriam tido

oportunidade de tomar a sua própria decisão. Originárias, predominantemente, da

europa central, as vítimas reportam que, na maioria dos casos, os seus raptores eram

conhecidos, amigos ou companheiros. Algumas foram levadas à força após renunciarem

uma oferta dos traficantes. Na maior parte das vezes, estas vítimas não apresentam

problemas financeiros. Em virtude dos fracos laços familiares, torna-se fácil para os

traficantes leva-las sem risco de denúncias (ibidem). Na segunda categoria estariam

incluídas as mulheres enganadas que, vivendo sob circunstâncias financeiras indigentes,

se encontram mais motivadas para aceitarem trabalhos no exterior. Dentro deste grupo

estão ainda compreendidas mulheres ambiciosas que, mesmo não vivendo no limiar da

pobreza, não têm medo de correr riscos (ibidem). Por último, apresentam-se as mulheres

exploradas, a maioria oriundas da europa central e já com experiência prévia na

prostituição, concordam em trabalhar na indústria do sexo na europa ocidental. Tal

como no grupo anterior, o traficante é, frequentemente, alguém por si conhecido.

Provêm de famílias disfuncionais, carentes de laços sociais estruturados, com uma

pobre educação académica, estão dispostas a correr riscos, visto que pouco têm a perder.

No entanto, ressalva-se que nada sabem sobre as condições de trabalho a que vão ser

sujeitas (ibidem).

3.3.2.1 Fatores de vulnerabilidade

A questão da pobreza, conjuntamente com a da migração, são os temas

prevalentes na problemática do tráfico humano e deste parecem ser indissociáveis.

Aparentemente, a extrema pobreza permanece como o fator mais importante que

contribuiu para a vulnerabilidade das mulheres (Logan et al., 2009). No entanto, à

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semelhança da linha de pensamento de Bales (2005 cit in Logan et al., 2009), e dada a

complexidade da questão, parece muito reducionista tecer, unicamente, esta ligação

causal, devendo, por conseguinte, atender-se a outros fatores determinantes, como por

exemplo o contexto cultural e situacional onde a vítima se insere e as suas

características pessoais (Logan, 2007). Estão, assim, incluídas situações relacionadas

com a corrupção do governo local, que facilita não só o recrutamento, como, também, a

ausência de punição e responsabilização dos traficantes (Bales 2005 cit in Logan et al.,

2009); o isolamento das vítimas e a sua separação ou afastamento da família e amigos,

bem como a sua estadia em países estrangeiros, onde as barreiras linguísticas e

significativas diferenças culturais impõem uma cisão entre estas e a comunidade local,

impedindo-as de procurar ajuda e amparo; a falta de documentação dos migrantes que

culmina na inexistência de um estatuto legal e a falta de conhecimento sobre os seus

direitos que obstam a procurar assistência, aumentam, ainda mais, o medo destas em ser

deportadas pela sua permanência ilegal ou atos ilegais a que foram sujeitas sob coação

dos traficantes (Logan, 2007).

De um ponto de vista mais restritivo, Vocks e Nijboer (2000) partem da

premissa de que todos os indivíduos agem orientados por um objetivo. Assim, também a

maioria dos casos de tráfico sexual envolvem decisões explícitas tomadas pelas vítimas

que, dentro de um vasto conjunto de alternativas possíveis, fazem a sua opção de modo

mais ou menos racional e com base informada. Trata-se, portanto, de uma perspetiva

que se aplica somente a vítimas que têm um comportamento decisivo para a sua

situação de tráfico (por exemplo, mulheres que aceitam trabalhar no comércio sexual),

excluindo, assim, os casos de vítimas de rapto.

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Para melhor compreender os processos decisionais subjacentes que antecedem a

escolha, os autores baseiam-se em três teorias criminológicas: Teoria da Escolha

Racional, Teoria da Tensão e Teoria do Controlo Social.

A Teoria da Escolha Racional direciona o seu foco de análise para o facto de o

indivíduo agir sob uma escolha racional realizada por si, cujo objetivo se centra na

obtenção de benefícios através de situações ilegais (Hirch et al., 2000). Com efeito,

representa uma ligação à filosofia utilitária preconizada por dois nomes sonantes da

Escola Clássica de Direito Penal, Bentham e Beccaria, que defende o indivíduo como

ser cognitivamente ativo, afastando-se das orientações positivistas que delegavam o

Homem para a qualidade de ser determinado, com comportamentos já determinados à

partida, não deixando espaço para o livre arbítrio (Cusson, 2006). Segundo Lovett, “os

seres humanos são entidades distintas capazes de considerar um leque de diferentes

possibilidades do curso da ação, deliberando, selecionando e realizando (ou pelo

menos tentando realizar) uma ou mais”. (2006, p.240). No fundo, o indivíduo

compreende, a priori, que ao seu comportamento podem estar implicadas

consequências negativas, estas são devidamente ponderadas no momento de decisão

(Clarke, & Felson, 1993). Concorrem, aqui, uma série de capacidades cognitivas várias

relacionadas com a habilidade de prever o devir e, naturalmente, que tal se encontra

relacionado com experiências pretéritas que coadjuvam nesta tomada de decisão.

Noções de risco e confiança são, por conseguinte, cruciais no momento de ponderação

(Vocks, & Nijboer, 2000). Assim, os autores assumem, à semelhança do que acontece

noutras situações, que as vítimas tentam otimizar um balanço entre perdas e ganhos e

que essa ponderação é responsável pela sua decisão final que as poderá direcionar para a

situação de exploração (Vocks, & Nijboer, 2000).

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67

A Teoria da Tensão alega que as estruturas sociais são responsáveis por criarem

uma forte pressão sobre os seus membros, impelindo-os a perseguir determinados

objetivos culturais, como o sucesso monetário ou a riqueza pessoal. Ora esta tensão

exercida, que coage a atingir o sucesso, irá, com efeito, atenuar a conformidade com as

normas institucionais, propiciando a procura de comportamentos particularmente

inovadores capazes de alcançarem o objetivo pretendido quando os meios legítimos

para tal estão condicionados à partida (Vocks, & Nijboer, 2000), como, por exemplo, a

procura de entrada ilegal em países economicamente atrativos. Esta imperfeita

coordenação entre objetivos culturalmente impostos e diferentes meios de acesso produz

uma tensão em direção à anomia (Merton, 1968), acabando por criar pressão para

aceitar propostas que poderão estar na base de algumas situações de exploração.

Por último, à semelhança da Teoria da Escolha Racional, a Teoria do Controlo

Social defende que os atores fazem um balanço entre custos e benefícios das várias

linhas de atuação possíveis, optando por aquela que considerarem mais profícua. A

especificidade desta teoria reside na hipótese de que os laços sociais são hábeis de

produzir comportamento conforme as normas, estes podem ser entendidos como custos

sociais na escolha de um comportamento desviante e, por conseguinte, inibidores

aquando a tomada de decisão. A existência dos laços sociais que unem o indivíduo ao seu

grupo social permite exercer controlo sobre os estes, atuando como uma barreira aos

comportamentos antissociais e delinquentes. As famílias, bem como outros grupos sociais

ou institucionais, assumem-se não só como impulsionadores ou inibidores de um

comportamento, mas também como uma rede de apoio económico, social e emocional

(Hirschi, 2007; Vocks, & Nijboer, 2000). Deste modo, a ausência de laços sociais

emerge como um fator vulnerabilizante que impulsiona as mulheres a caírem na teia dos

traficantes.

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68

Apesar do raciocínio lógico subjacente a esta reflexão, a verdade é que este

discurso parece surgir como um responsabilizador das vítimas, como se estas fossem

culpadas pela situação de exploração.

3.3.2.2 Fatores de perpetuação em situação de exploração

Uma das grandes questões que se coloca quando se debatem temas em que a

violência reiterada surge como elemento preponderante passa por entender o motivo

pelo qual as vítimas perpetuam a sua situação. Trata-se, portanto, de um ponto de

discussão incontornável, complexo e nada linear na sua explanação. Embora as teorias

da escolha sob risco ou incerteza defendam que as ações são um produto de um

processo decisional, que pondera um amplo conjunto de alternativas possíveis, estas

teorias ignoram, largamente, o impacto das emoções durante esse procedimento.

Remando contra a grande tradição cognitiva e consequencialista, Loewenstein e colegas

(2001) interessaram-se por analisar o papel dos sentimentos na tomada de decisão em

resposta a situações sob condições de risco e incerteza. Assim, os autores sugerem que

os sentimentos têm um papel predominante no processo, revelando que as reações

emocionais a situações de risco divergem das avaliações cognitivas, havendo uma certa

tendência para que estas orientem o comportamento.

No caso do tráfico sexual, a continuação do abuso que mantém as vítimas

aprisionadas surge associada a vários fatores, em grande medida relacionados com as

estratégias de controlo e o comportamento intransigente dos seus traficantes. Por um

lado, o medo - como uma poderosa ferramenta de dominação – de delatar os agressores,

não só resultante da intimidação física e psicológica tecida à própria vítima, mas,

também, consequente de ameaças erigidas contra os seus familiares, amigos ou outras

vítimas (Free the Slaves & Human Rights Center, 2004; Hodge, & Lietz, 2007; Logan

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et al., 2009: Mukasey et al., 2008). Algumas vítimas sentem-se responsáveis pela sua

vitimização, o que, em conjunto com sentimentos de descrença, vergonha, dissociação,

acomodação, apatia e baixa autoestima, diminui a capacidade de estas escaparem

(Gajic-Veljanoski, & Stewart, 2007). Acresce, ainda, o receio de deportação ou outros

impasses legais, reforçado pela falta de confiança no sistema de justiça. Por outro lado,

o isolamento, como produto das limitações de contacto impostas com o exterior e da

estreita monitorização de movimentos, denunciando não só uma intransponível

fragilidade como incutindo um terror psicológico muito característico de um mundo

orwelliano, onde cada passo é devidamente controlado. Importa referir que o isolamento

não está, exclusivamente, relacionado com esta obsessiva delineação geográfica,

podendo ser agravado pelas parcas capacidades linguísticas e contrastes culturais e

étnicos que impedem a vítima de se relacionar com a comunidade local, aumentando,

com efeito, a sua dependência em relação aos traficantes (Logan et al., 2009). Também

a falta de informação sobre alternativas possíveis e serviços disponíveis, aliada ao

desconhecimento dos seus direitos enquanto cidadãs e à ausência do reconhecimento de

que estão a ser vítimas de um crime se assumem como um fator determinante para que

estas se quedem na situação de abuso. (Hodge, & Lietz, 2007; Logan et al., 2009).

Sob outra perspetiva, Hughes e Denisova (2001) contemplam quatro cenários

possíveis que favorecem a saída das mulheres da rede de tráfico: 1) tornando-se pouco

rentáveis devido à quebra emocional em resultado do trauma sofrido; 2) tornarem-se

pouco rentáveis em virtude de uma gravidez em estado avançado; 3) serem ajudadas por

um cliente; 4) morrendo.

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3.4 A REALIDADE PORTUGUESA

Ainda que Portugal seja um país onde se registe uma substancial predominância

do tráfico laboral sobre o sexual, serão apresentados, de seguida, tendo por base a

investigação levada a cabo por Santos e colaboradores (2008), algumas das principais

especificidades do fenómeno de tráfico para fins de exploração sexual de mulheres no

contexto português.

Quanto ao perfil das vítimas, estas caracterizam-se por serem, habitualmente,

jovens, com tendência a englobar idades cada vez mais baixas. Tratam-se, de grosso

modo, de mulheres, geralmente de origem brasileira, leste europeias e africanas

(sobretudo nigerianas), cujo consentimento para trabalhar na indústria do sexo teria sido

dado, tendo, muitas delas, já tido trabalho no ramo. Vêm, na sua maioria, de contextos

sociais vulneráveis, com fortes carências económicas e com dependentes a seu cargo

(Santos et al., 2008).

Corroborando esta informação, os relatórios anuais, elaborados pela OTSH,

indicam, também, que a maior parte das vítimas são originárias de países como a

Nigéria, Brasil, Guiné-Bissau e Senegal, sendo, com efeito, a via a área e terrestre os

modos de transporte mais utilizados pelos traficantes. Como estratégias de controlo e

coação constam as ameaças diretas, indiretas e verbais, controlo de movimentos,

isolamento, coação, sonegação da documentação, dependência económica, privação de

alimentos, ofensas corporais e agressões físicas a familiares no país de origem.

Constata-se, ainda, que as ONGs e outras entidades apresentam um maior

número de casos sinalizados, em comparação com os OPC, o que poderá indicar falta de

confiança, por parte das vítimas, em denunciar a situação de exploração às autoridades

policiais (Observatório de Tráfico de Seres Humanos, 2016, 2015, 2014, 2013, 2012,

2011).

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No que concerne ao perfil do traficante, este apresenta-se bastante diferenciado.

Quanto à nacionalidade existe referência a parcerias frequentes entre cidadãos

portugueses (donos dos estabelecimentos) e cidadãos estrangeiros (recrutadores e

controladores). Denota-se, também, um envolvimento de mulheres nas redes de tráfico,

que acabam por desempenhar diversos papéis. Os traficantes, que se inserem num

escalão etário variado, com tendência para se situarem entre os 30 e os 50 anos,

normalmente, efetuam o acompanhamento da vítima desde o país de origem até

Portugal (Santos et al., 2008).

Quanto à estrutura da organização, esta revela-se pouco rígida e, por vezes,

rudimentar, diferente dos grupos mafiosos de Leste que atuaram em Portugal nos finais

da década de 90 e princípios de 2000 (ibidem).

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CAPÍTULO IV

IMPACTO DA VITIMAÇÃO NA SAÚDE DAS

VÍTIMAS

4.1 CONSEQUÊNCIAS NA SAÚDE DAS VÍTIMAS

Ao longo do tempo têm sido vários os estudos realizados que procuraram

avaliar o impacto da vitimação resultante do tráfico sexual. A documentação dos danos

relacionados com a saúde, física e mental, associada à experiência traumática do tráfico

é crucial para o desenvolvimento de estratégias de proteção da saúde das vítimas

(Goldenberg, 2015). No entanto, existe, ainda, pouca evidência sobre as consequências

resultantes do tráfico humano na saúde das vítimas, e, sobretudo, sobre as suas

necessidades, especialmente relativas à saúde mental (Oram et al., 2012; Ostrovschi1 et

al., 2011).

As desordens mentais, capazes de tornar os indivíduos disfuncionais, são

condições clinicamente expressivas associadas à angústia pessoal ou a um

funcionamento diminuído e são caracterizadas por uma alteração no humor, modo de

pensar, emoções e/ou comportamento (Devine, 2009). De acordo com a WHO, a saúde

mental tem sido diferencialmente definida pelos investigadores de diversas culturas

(World Health Organization, 2001). Apesar da dificuldade de estabelecer um conceito

transculturalmente preciso e holístico, a OMS enfatiza a saúde mental como o estado de

bem-estar no qual o individuo está consciente das suas próprias capacidades, consegue

lidar com o stress normal da vida, trabalhar produtivamente e ser capaz de contribuir

para a sua comunidade (World Health Organization, 2014).

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Com efeito, o tipo de práticas, atitudes e comportamentos cometidos pelos

traficantes têm implicações ressonantes na saúde mental das vítimas, podendo os efeitos

do trauma ser persistentes e devastadores.

Em 1694, a palavra trauma é utilizada, em inglês, pela primeira vez como algo

pertencente a feridas ou a lesões corporais externas. O sentido do termo só viria a ser

alargado ao campo da saúde mental no século XIX (Lowery, 2012). Atualmente, o

Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5th edition (DSM-V)

(American Psychiatric Association, 2013) define trauma como uma exposição real ou

ameaça de morte, dano sério, ou violência sexual que contemple um ou mais dos

seguintes critérios: 1) experienciar diretamente o(s) evento(s) traumático(s); 2)

testemunhar pessoalmente o(s) evento(s) que ocorreram a outrem; 3) ter conhecimento

de evento(s) traumático(s) que ocorreram a um membro próximo da família ou amigo –

em casos de ameaça de morte ou morte efetiva a membros da família ou amigos

próximos, o(s) evento(s) devem ter sido violentos ou acidentais; 4) experienciar repetida

ou excessivamente detalhes aversivos do(s) evento(s) traumático(s)12

.

Apesar de profícua, esta definição, avançada pela APA, tem sido fortemente

criticada por muitos autores, uma vez que descora uma série de eventos,

designadamente as ameaças major à integridade psicológica que, apesar de não se

afigurarem uma ameaça contra a vida, creem-se, igualmente, eventos traumáticos. De

parte ficaram situações de abuso emocional extremo, perdas irreparáveis ou separações,

humilhação e degradação, coação psicológica e algumas experiências sexuais (Briere, &

Scott, 2015). Com efeito, Briere e Scott (2015) catalogaram um conjunto alargado dos

principais eventos traumáticos, designadamente abuso infantil, violência interpessoal

em massa, desastres naturais, acidentes de transportação em larga escala, acidentes que

12

Compreenda-se que o último critério descrito não se aplica à exposição através dos media, televisão,

filmes, ou imagens, a menos que esta se revele relacionada com o trabalho.

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resultam de incêndios e queimaduras, acidentes de veículos motores, violações e

agressões sexuais, ataques físicos perpetrados por estranhos, violência entre parceiros

íntimos, tráfico sexual, tortura, guerra, testemunho ou confrontação com o homicídio ou

suicídio de outrem, condições médicas que colocam a vida em risco, exposição dos

técnicos de emergência ao trauma. Sublinha-se, ainda, a possibilidade de coocorrência

de vários eventos, tal como é passível de se verificar no fenómeno do tráfico sexual,

sendo certo que a combinação de múltiplos traumas e de múltiplas respostas

sintomáticas dificulta a discriminação e conexão entre certos sintomas e traumas.

Estudos sobre o trauma descrevem um amplo conjunto de sintomas pós-

traumáticos e identificam a interação de múltiplos fatores como contribuidores para a

sua gravidade (Briere, & Spinazzola, 2005). A violência exercida, bem como a sua

frequência e a severidade, têm sido os principais fatores em consideração para o

fenómeno do tráfico humano, uma vez que são apontados como fortes influenciadores

da experiência traumática (Abas et al. 2013; Couto & Machado, 2010). A investigação

tem, também, sugerido que muitas das pessoas traficadas experienciam numerosos

traumas associados, em particular no que concerne a mudanças na identidade,

envolvendo todas as estruturas do self, e nas relações (Devine, 2009).

4.1.1 CONSEQUÊNCIAS NA SAÚDE FÍSICA

As consequências materialmente físicas, que resultam da própria violência física

e sexual exercida, e que decorrem de práticas como privação alimentar, do sono e

sensorial, das condições de clausura, pobres cuidados higiénicos e de saúde, nutrição

inadequada, falta de descanso, ataques físicos com ou sem objetos, tortura, sexo forçado

e desprotegido, mutilações. Estão, ainda, incluídos nesta esfera o uso frequente e

coercivo de métodos contracetivos e de substâncias psicotrópicas empregues pelos

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traficantes como meio de criar adição e dependência e ao mesmo tempo estimular o

aumento da produtividade (Alempijevic, Pavlekic, & Aleksandric, 2007; Devine, 2009;

Ditmore, 2006; Kiss et al., 2015; Zimmerman et al., 2003). Estas práticas podem-se

traduzir em terríveis danos manifestamente físicos, e frequentemente observados por

vários autores (Acharya, 2011; Alempijevic et al., 2007; Ditmore, 2006; Free the Slaves

& Human Rights Center, 2004; Oram et al., 2012; Silverman et al., 2011; Zimmerman

et al., 2003; Zimmerman et al., 2006). Destacam-se:

i) Fadiga, exaustão, perda de peso, perda de apetite, problemas de sono;

ii) Sintomas neurológicos - relacionados com o sistema nervoso central, tais

como dores de cabeça, problemas de memória e concentração, tonturas,

desmaios;

iii) Sintomas gastrointestinais – dores abdominais ou estomacais, vómitos,

diarreia, prisão de ventre, síndrome do colon irritável;

iv) Sintomas cardiovasculares – dores no peito ou coração, palpitações;

v) Sintomas músculo-esqueléticos – fraturas, contusões, traumatismos

concussões, dores nas costas e dentes;

vi) Sintomas oftalmológicos – visão embaciada/desfocada, visão dupla, dores

oculares (muitas vezes associadas a enxaquecas);

vii) Sintomas dermatológicos – furúnculos, pele seca, comichão, espinhas,

sudorese, erupções cutâneas, lacerações;

viii) Implicações na saúde sexual e reprodutiva - doenças sexualmente

transmissíveis, infeções ginecológicas, infertilidade, amenorreia e

dismenorreia, dores genitais, gravidez indesejada, complicações resultantes

de abortos, dor pélvica.

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76

As sintomatologias apresentadas, que muitas vezes aparecem interligadas,

podendo ser um resultado de outra, variam consoante o tempo decorrido após o evento

traumático, com especial tendência a desvanecer com o transitar do tempo, na maioria

das situações. Naturalmente, muitos deles são uma consequência das condições

ambientais inerentes à situação de clausura (Zimmerman et al., 2006).

As repercussões da exploração sexual a nível psicológico advêm, naturalmente,

da carga emocional que resulta das práticas anteriormente descritas, mas, também, da

conjugação com a violência psicológica perpetrada, que compreende chantagem,

dissuasão, mentira, intimidação, ameaças às vítimas e às suas famílias, insultos,

humilhações, manipulação emocional, situações em que presenciam a morte de outrem

(normalmente de outras vítimas), lavagem cerebral e privações económicas e

isolamento. Estas condições resultam num forte impacto na forma como as vítimas

percecionam a sua experiência de vitimação, sendo constantemente acompanhadas por

um sentimento de imprevisibilidade e falta de controlo sobre a sua própria vida

(Alempijevic et al., 2007; Zimmerman et al., 2003). Ressalva-se, contudo, a

possibilidade de algumas doenças físicas serem, efetivamente, um reflexo do stress

emocional que, não poucas vezes, é ignorado e não tratado (Clawson et al., 2008;

Zimmerman et al., 2006).

4.1.2 CONSEQUÊNCIAS NA SAÚDE MENTAL

Como refere Scott-Storey (2011 cit in Wathen, 2012), o bem-estar físico, mental

e psicológico das vítimas é fortemente afetado pelas experiências abusivas cumulativas

(incluindo, sobretudo, os abusos sofridos durante a infância) e, neste sentido, o impacto

dos seus efeitos varia de acordo com a forma de violência exercida, a severidade,

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cronicidade e exposição a múltiplos tipos de abuso (físico, sexual, psicológico) que

surgem e ressurgem durante o ciclo vital.

Quando nos reportamos às consequências da vitimação do tráfico sexual não

estamos, somente, a referirmo-nos aos aspetos físicos que, mercê das agressões

corporais, podem ser percecionados no imediato, ou em sua consequência, na saúde da

vítima. As sequelas deste tipo de violência transcendem a pura dimensão física,

estendendo-se, também, à dimensão psicológica e emocional destas mulheres, o que

nem sempre é visível, dificultando, deste modo, a avaliação e extensão do dano. Este

penoso fardo de sofrimento, decursivo das exposições à violência, que, teimosamente,

carregam, acaba por se manifestar em condições de saúde mental agudas e/ou crónicas.

Ainda que os sintomas, físicos e mentais, registem um progressivo declínio com o

passar do tempo, os sintomas psicológicos permanecem extremamente problemáticos

quando comparados com o grupo de controlo (população geral feminina), inibindo a

mulher de se envolver de novo em atividades normais do quotidiano (Zimmerman et al.,

2006). Abas e colaboradores (2013), referem que o tipo e a severidade da violência irá

influenciar a duração da recuperação de uma desordem mental.

Apesar das críticas que possam ser apontadas a um vasto conjunto de estudos,

quer pelo facto destes aplicarem escalas de triagem em detrimento de instrumentos de

diagnóstico, quer por incluírem na sua amostra mulheres em diferentes estádios do

processo pós-tráfico, ou até por combinarem diferentes etnias, o que limita e

compromete a validade interna da investigação (Abas et al., 2013), a evidência empírica

tem assinalado, como patologias mentais mais comuns, decursivas do tráfico sexual, a

ansiedade e desordem de pânico, depressão major, perturbação de stress pós-traumático,

abuso de substâncias (que, muitas vezes, surge como um mecanismo de coping), bem

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como a sua comorbidade13

(Clawson et al., 2008; Hossain et al., 2010; Kiss et al., 2015;

Oram et al., 2012; Ostrovschi1 et al., 2011). Tsutsumi e colegas (2008) sugerem a

existência de um risco significativamente acrescido de depressão e PTSD entre

mulheres que foram traficadas para exploração sexual quando equiparadas com

mulheres traficadas para exploração laboral. Por seu turno, o estudo de Ostrovschi1 e

colegas (2011) sustenta a hipótese de que mulheres diagnosticadas, após o seu retorno,

com comorbidade de PTSD ou outra desordem de ansiedade ou humor são mais

suscetíveis de continuar a suster um diagnóstico de desordem psiquiátrica ao longo dos

2-12 meses seguintes.

A perturbação de stress pós-traumático (PTSD) trata-se de uma condição que

inclui três constelações de sintomas, designadamente: 1) imagens e memórias intrusivas

do trauma (flashbacks, pesadelos, períodos de dissociação no qual pessoa sente e

comporta-se como se o evento traumático estivesse a re-ocorrer); 2) evitamento e

entorpecimento (incluindo fobias a lugares ou eventos que despoletem memórias do

trauma, retraimento social e um esmorecimento geral das emoções); 3) híper-excitaçao

ou excesso de atividade do sistema nervoso autónomo (incluindo sintomas como fraca

concentração e memória sobre novos eventos, reações sobressaltadas, transpiração,

palpitações, irritabilidade e insónia). É considerado agudo quando a duração dos

sintomas é inferior a três meses e crónico quando a sintomatologia persiste por três

meses ou mais. A evidência empírica indica a possibilidade do apoio social, história

familiar, experiência de infância, variáveis de personalidade e pré-existencia de

desordens mentais influenciarem o desenvolvimento desta perturbação. No entanto, ela

13

A comorbidade pode refletir a severidade da condição, sendo, habitualmente, entendida como um

elemento preditor de resultados piores. No entanto, mencionar que fatores de risco como abuso prévio,

severidade do abuso durante o tráfico, duração da experiência de tráfico ou baixos níveis de apoio social

podem influenciar a suscetibilidade do diagnóstico de comorbidade (Ostrovschi1 et al., 2011).

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tem sido, também, observada em indivíduos que não apresentam condições

predisponentes (Devine, 2009).

Tristeza e solidão, associados, frequentemente, ao quadro depressivo, são os

sentimentos dominantes mais reportados pelas vítimas, perpetuando-se ao longo do

tempo. Não é novidade que o isolamento social contribuiu para uma intensificação dos

estados de tristeza, e, nesse sentido, salienta-se, uma vez mais, a importância de uma

rede sólida de apoio, quer por parte dos serviços, quer dos familiares e amigos

(Zimmerman et al., 2006). No entanto, esta tentativa de vinculação com a vítima pode-

se tornar um grande desafio para quem a tenta ajudar. Para algumas vítimas, o trauma,

sobretudo quando induzido por alguém em quem elas confiavam, pode resultar numa

profunda desconfiança para com o outro, o que dificulta o trabalho dos profissionais que

intentam, de facto, a sua coadjuvação (Clawson et al., 2008).

Implícito às situações de tráfico estão as dissonâncias que esta experiência

produz nos pensamentos, sentimentos e comportamentos expectáveis em pessoas sãs e

livres, podendo limitar as suas decisões racionais. Uma vez que um comportamento

submisso, em virtude do medo coagido pelos traficantes, é adotado, existem,

naturalmente, mudanças cognitivas que tomam lugar como parte integrante do processo.

Deste modo, as cognições podem-se tornar limitadas, por exemplo, em situações em que

as vítimas centralizam toda a sua energia na sua sobrevivência ou entram em

hipervigilância como modo de resposta a uma possível ameaça. Por outro lado, podem,

também, surgir situações de acomodação cognitiva, sustentadas pela regulação de

emoções, onde a vítima tenta neutralizar o seu medo à ameaça ou a ambientes aversivos.

Neste caso, é frequente a vítima fantasiar ou mudar a sua atenção para outro objeto que

não a ameaça. Um outro mecanismo é o de reavaliar cognitivamente a situação. Este

processo de racionalização está associado a uma diminuição das emoções negativas e

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contempla vários cenários, como minimização do dano, justificação da situação,

comparação social com outros que possam estar em circunstâncias piores, aceitação da

situação como um dever ou uma fatalidade divina (Gross, 1998a; Gross, 1998b; Logan

et al., 2009). Com efeito, em alguns casos, ao implementar estratégia de resiliência e

mecanismos de defesa que procuram normalizar o abuso, algumas mulheres podem

passar a considerar o evento abusivo como uma situação normal da vida, tornando

difícil, para si, identificar-se como vítima (Devine, 2009).

No mesmo rumo, Ehlers e colegas (2000) alegam que a destruição mental está

associada a esta total subordinação, com implicações diretas na perceção que estas

mulheres tecem sobre si mesmas. Segundo Pearlman & Courtois (2005), os

sobreviventes de traumas cumulativos desenvolvem maiores distorções cognitivas sobre

si próprios, crenças essas que são reforçadas quando, já na vida adulta, se recapitulam

insatisfações, abandono e abusos do passado.

Sujeitas aos mais desumanos tratamentos e diminuídas, muitas vezes, a meras

mercadorias, as vítimas de tráfico sexual sentem-se inúteis, usadas e apáticas, acabando

por perder o seu sentido de identidade. Assim, é frequente demonstrarem desinteresse

generalizado e incapacidade em perspetivar o futuro, assumindo, intimamente, que não

têm qualquer tipo de controlo sobre si ou sobre a sua vida. O desapego emocional pode

surgir, aqui, como uma estratégia psicológica defensiva de autoproteção (Zimmerman et

al., 2006). Por outro lado, a evidência empírica relata, também, a existência de casos de

Síndrome de Estocolmo (Gajic-Veljanoski & Stewart, 2007). Exemplos frequentemente

observados incluem situações em que os traficantes são familiares, amigos ou

companheiros. No entanto, poderá ser difícil determinar se alguém se submete aos seus

traficantes porque sofre deste síndrome, pautado por uma ligação aparentemente

irracional com os agressores, ou porque tomou uma decisão racional baseada na

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premissa de aceitação da situação como necessária à sua sobrevivência (UNODC,

2009).

Apresentam-se, também, dificuldades de concentração na realização de tarefas

básicas e lapsos de memória, que podem ter sérias implicações práticas para as vítimas

cujo estatuto residencial ou benefícios sociais possam estar dependentes da

credibilidade dos seus relatos durante os procedimentos legais (Zimmerman et al.,

2006).

Também pensamentos e memórias sensoriais, recorrentes e repetitivos, de

eventos traumáticos, típicos de PTSD, são descritos como um dos sintomas mais

frequentemente observados no momento da intervenção primária, assim como

distúrbios de sono, com relações e implicações intrincadas com a saúde física,

sintomatologia depressiva e potencial ideação suicida (ibidem). Zimmerman e colegas

(2006) indicaram que, num momento inicial, 56% das mulheres da sua amostra

reportaram ter sintomas que sugerem a existência de PTSD, seguindo-se um substancial

declínio, que poderá estar relacionado com os serviços de apoio que estas mulheres

receberam. Não obstante, o risco de desenvolver esta desordem num ponto mais tardio

continua presente, particularmente quando esta população enfrenta outros eventos de

vida (como, por exemplo, quando iniciam o processo de reintegração social) que, pelo

seu caracter inquietante, atuam como gatilho. Com efeito, tem sido proposto que as

experiências pré-trauma, como o abuso infantil, possam atuar através dos mecanismos

cognitivos e biológicos e aumentar o risco de PTSD na vida adulta. Memórias de um

abuso prematuro ocorrido na infância podem ser reativadas por um trauma similar

posterior (Abas et al., 2013). Vários estudos têm, também, documentado uma

associação significativa entre extensão e intensidade das experiências de agressão e a

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severidade dos sintomas da perturbação de stress pós-traumático (Pico-Alfonso, 2005;

Roberts, 2002).

Para além da ansiedade e nervosismo que decorrem após os eventos traumáticos,

a evidência empírica alega que as mulheres traficadas continuam a receber ameaças,

pelo telefone ou pessoalmente, contra si ou a sua família e que a proteção pelas

autoridades tem sido extremamente limitada. Como tal, as manifestações de medo e

ansiedade podem representar reações a um perigo atual (Zimmerman et al., 2006).

As respostas pós-traumáticas das vítimas incluem, ainda, problemas no controlo

de emoções, hostilidade, irritabilidade, explosões súbitas de raiva, automutilação,

sentimentos de entorpecimento e alienação dos outros, baixa autoestima,

hipervigilância, dificuldades de concentração, ideação e comportamento suicida,

alterações da consciência (dissociação), aumento da tomada de riscos, abuso de álcool e

drogas como mecanismo de coping para evitar estados emocionais vulneráveis, perda de

controlo, falta de esperança no futuro (Clawson et al., 2008; Ditmore, 2006; Hossain et

al., 2010; Zimmerman et al., 2008).

Ainda que limitado, o conhecimento obtido da revisão sistemática de Oram e

colegas (2012) sugere que uma maior duração do período de exploração possa estar

relacionada com altos níveis de distúrbio mental. Todavia, Tsutsumi e colaboradores

(2008) alegam não ter encontrado qualquer correlação entre a duração do tráfico, bem

como a idade das vítimas quando traficadas, com ansiedade, depressão ou PTSD,

propondo que a própria experiência seja, per se, razão explicativa para justificar o

desenvolvimento de perturbações mentais. Já para Abas e coautores (2013) a duração do

tráfico apresenta uma associação limítrofe com a desordem mental. Esta discrepância de

resultados sugere a necessidade de desenvolver novos estudos capazes de avaliarem

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mais eficazmente a relação entre a duração do período de tráfico e o desenvolvimento e

severidade de patologias mentais associadas ao fenómeno.

Importa, todavia, salientar que a análise da vitimação causada pelo crime de

tráfico sexual deve ser realizada com a maior prudência, não se devendo limitar ao

estudo das consequências físicas e psicológicas. Deve, ainda, atentar a níveis mais

latentes, aos efeitos colaterais que resultam destas consequências principais. Referimo-

nos às ressonâncias emocionais, comportamentais, cognitivas e sociais que advêm do

abuso físico, sexual e psicológico e que têm implicância direta no processo de

recuperação e de reintegração da vítima na sociedade (Couto & Machado, 2010).

Conhecer as necessidades das vítimas tornou-se ação premente para o sucesso do seu

tratamento, ainda que exista pouca informação sobre as necessidades de saúde mental

desta vulnerável população (Hossain et al., 2010).

4.2 ESTIGMA E MARGINALIZAÇÃO SOCIAL

Goffman (1975), um pioneiro no estudo do estigma, define o termo como uma

relação especial entre atributo e estereotipo profundamente depreciativa e hábil de

conduzir à discriminação14

. O autor não restringe o estigma apenas a pessoas com

necessidades especiais, mas a todos aqueles que são marginalizados pela sociedade.

Para os estigmatizados, a sociedade, ao estipular padrões entendidos como desejáveis,

acaba por segregar e eliminar aqueles que neles não se inserem, desvalorizando e

reduzindo as suas oportunidades, impondo-lhes uma perda de identidade social e

determinando uma imagem deteriorada consoante os seus interesses. O indivíduo que se

14

A título de curiosidade, o autor distingue três tipos de estigma, totalmente diferentes entre si: as

abominações corporais, traduzidas por várias deformidades físicas; os defeitos de caráter, que se revelam,

aos olhos dos outros, pela falta de vontade, paixões indomáveis ou não naturais, crenças perdidas ou

severas, desonestidade, sendo estes inferidos a partir de relatos conhecidos que relacionam o sujeito a um

passado ligado a distúrbios mentais, prisão, consumo de álcool e drogas, homossexualidade, desemprego,

tentativas de suicídio ou até comportamento político de extrema-esquerda; e estigmas tribais de raça,

nação e religião que podem ser transmitidos de geração em geração, acabando por contaminar todos os

membros de uma família.

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situa fora da norma que a sociedade toma como padrão passa a assumir a categoria de

nocivo e, como tal, deve ser afastado. A sociedade surge, aqui, como autora do desvio e

responsável pela marginalização de alguns dos seus membros. Da mesma maneira que

prevê a criminalização de determinados comportamentos, segregando e excluindo, os

seus perpetradores, também sobre ela recai a responsabilidade de excluir aqueles que, de

certa forma, se desviam do padrão previsto para determinada categoria, considerando-os

menos aptos, menos produtivos, talvez, e menos capazes de satisfazer os ideais

propostos (Cusson, 2006).

Na mesma linha de pensamento, também Corrigan (2004) decompôs a

estigmatização em quatro processos cognitivo-sociais. O primeiro, designado de sinais,

refere-se a indicadores evidentes, embora falíveis, que podem assinalar a presença de

uma doença mental (sintomas psiquiátricos, défices de competências sociais, aparência

física, rótulos). O segundo, os estereótipos – estruturas de conhecimento que o público

geral aprende sobre determinado grupo social – são especialmente eficientes a

categorizar informação sobre grupos sociais. São considerados sociais porque

representam uma concordância coletiva sobre determinadas noções que se referem a

grupos sociais, e eficientes porque podem, rapidamente, gerar impressões e expectativas

sobre indivíduos que pertençam aos grupos estereotipados. Contudo, o conhecimento

sobre os vários tipos de estereótipos não implica o seu apoio. O terceiro processo

refugia-se no preconceito. Indivíduos preconceituosos apoiam e sustentam estereótipos

negativos que, consequentemente, gerarão reações emocionais negativas.

Contrariamente aos estereótipos (crenças), as atitudes com cariz preconceituoso

envolvem uma componente avaliativa geralmente negativa. O preconceito (resposta

fundamentalmente cognitiva-afetiva) conduz à discriminação (comportamento reativo),

o quarto processo. Os comportamentos discriminatórios manifestam-se, per si, como

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ações negativas contra os membros fora do grupo (que se podem camuflar, por

exemplo, sob a forma de evasão ou exclusão desses indivíduos) ou, exclusivamente, por

ações positivas para os membros do grupo.

É, precisamente, sob a perspetiva teórica de Goffman que podemos incluir o

tráfico sexual na grande “máquina” da estigmatização, uma vez que a experiência de

tráfico, para além de poder constituir um trauma, arrasta consigo uma série de

consequências e efeitos, diretos e indiretos, que se podem desenrolar num continuum de

tempo volúvel, e que se intrometem na mais variadas esferas da vida das vítimas.

Referimo-nos, assim, aos vários tipos de estigmas sociais que, mercê deste pesaroso

evento, podem conduzir à total marginalização das vítimas. Desde logo a estigmatização

que resulta componente sexual vinculada ao fenómeno do tráfico, associado, muitas

vezes, à prostituição, vista, aos olhos das culturas hermeticamente mais conservadoras –

como, por exemplo, a cultura nepalesa, onde o trauma é, frequentemente, agravado pela

rejeição familiar e social (Crawford & Kaufman, 2008) – como uma prática moralmente

questionável e ignominiosa que frustra as expectativas da sociedade e que acaba por

fazer com que a vítima se sinta culpada e tenha vergonha, mesmo que tenha atuado sob

coação.

Frequentemente associado à prostituição estão, também, os estigmas que advêm

de doenças sexualmente transmissíveis, não só inerente à pessoa que a contrai, mas

também em virtude da responsabilidade social que carrega em transmiti-la (Acharya,

2011).

Relacionando, ainda, com a questão médica, apresenta-se, também, a

estigmatização que resulta da intervenção psicológica/psiquiátrica e, consequentemente,

dos rótulos popularescos atribuídos aqueles que sofrem de perturbações mentais. Não é

novidade que saúde e bem-estar mental são conceitos ideológicos, socialmente

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construídos e definidos, assim como também é sabido que os contextos sociais e

culturais desempenham um papel fulcral na hora do diagnóstico, bem como nos padrões

de resposta ao tratamento (Devine, 2009). Com efeito, aos clínicos exige-se um cuidado

acrescido na construção do diagnóstico, que não deve ser realizado de forma leviana.

Ser clinicamente mal diagnosticado pode ser verdadeiramente estigmatizante e

totalmente contraproducente no processo de recuperação, podendo, inclusive, propiciar

o desenvolvimento uma identidade de vítima passiva no paciente (ibidem). Assim,

importa, primeiramente, perceber que ansiedade, hipervigilância, depressão, desespero,

apatia, vergonha, entre outras, são reações normais a situações anormais, e que, nem

sempre indiciam a existência de um trauma, a menos que os sintomas sejam

prolongados e interfiram com o normal funcionamento psicológico e social dos

indivíduos (Devine, 2009; Ostrovschi1 et al., 2011).

Por outro lado, fazer referência, ainda, ao ciclo vicioso que se gera a partir do

isolamento das vítimas e que dificulta a sua reintegração. Se é certo que é

imprescindível que as vitimas se libertem do seu passado, também é certo que os passos

para essa mudança rumo à reintegração passam, indubitavelmente, por voltar

estabelecer relações com os outros. Ora, no caso das vítimas de tráfico esta dificuldade é

acrescida. A incapacidade de confiar no outro e de com ele se relacionar, que surge

como uma resposta defensiva frequente, ressaltando um indivíduo apreensivo e hostil,

conduz a uma terrível solidão e alienação social. Um comportamento que contemple tal

atitude estará apenas a afastar as pessoas, como que concedendo-lhes permissão para

que estas desenvolvam imagens distorcidas sobre a sua identidade real (Goffman, 1975;

Pearlman & Courtois, 2005). Este afastamento social propicia, também, a que o

indivíduo desenvolva pensamentos distorcidos sobre a sua própria identidade. É,

precisamente, neste contexto que Corrigan (2004) faz a distinção entre o conceito

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estigma público (resultante da aprovação do preconceito que o público comporta sobre

determinado grupo social) de auto estigma (resultante da interiorização do estigma

público). Esta última noção surge como uma pincelada revivalista da proposta de

Lemert (2004) sobre o desvio secundário. Para este autor, a interiorização de uma

autoimagem desviante estimularia o indivíduo a reorganizar toda a sua personalidade

em função do papel que lhe fora atribuído, passando a ver-se a si mesmo de acordo com

a etiqueta colocada pela sociedade. Deste modo, o indivíduo etiquetado seria visto

permanentemente como desviante, por si e pelos outros, dificultando-se-lhe a

convivência com a sociedade normativa, o que ocasionaria o agrupamento de

desviantes. Este processo de rotulagem persuadiria os indivíduos a transformarem-se

naquilo que os outros veem nele, um desviante, e sendo este o seu destino, o indivíduo

não lhe ofereceria resistência.

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CAPÍTULO V

INTERVENÇÃO COM VÍTIMAS

Em Portugal, assim como noutros países, a intervenção junto das vítimas tem-se

baseado num modelo tripartido que integra a sua identificação, sinalização e integração,

exigindo, em cada uma das fases, procedimentos e diligências específicos (Associação

para o Planeamento da Família, 2016).

5.1 IDENTIFICAÇÃO E SINALIZAÇÃO DAS VÍTIMAS

Identificar vítimas de tráfico de seres humanos pode constituir um grande

desafio (Musakey et al., 2008). Todavia, a evidência empírica aponta para a existência

de determinados sinais de alerta, que podem facilitar este reconhecimento, dividindo-os

em três grupos: 1) indicadores situacionais, permitem-nos saber mais sobre o contexto

situacional onde o indivíduo está inserido. Situações que contemplem, por exemplo, um

grupo de mulheres sem conhecimento do idioma local a trabalharem no mesmo

estabelecimento ou a viverem juntas numa residencial privada, bem como aspetos

atinentes ao modo como são transportadas podem constituir uma suspeita e um forte

indicador de tráfico; 2) indicadores biográficos, como a idade, o género, país de origem,

ou através de uma série de questões, como por exemplo, saber mais sobre a situação

profissional ou legal, saber quanto recebe de salário, se tem liberdade para comunicar

com a sua família e amigos, é possível discernir se estamos perante uma situação de

tráfico; 3) o próprio comportamento da mulher durante a entrevista pode providenciar

alguma informação sobre a sua situação (Logan et al., 2009; Mukasey et al., 2008;

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UNODC, 2009). Acresce, ainda, os sinais físicos que expõem, manifestamente, o abuso

a que as vítimas foram sujeitas por parte dos traficantes e dos clientes (UNODC, 2009).

Com efeito, as situações de tráfico podem ser sinalizadas através das instâncias

de aplicação de lei, por exemplo através de atividades de policiamento regular, treinadas

para identificar situações concretas de tráfico ou no decurso de investigações de outros

crimes em que haja suspeita da sua existência (Clawson et al., 2006; Logan, 2007;

Logan et al., 2009; UNODC, 2009). Situações como o controlo fronteiriço, queixas nas

quais as vitimas de tráfico sejam potenciais testemunhas, denúncias contras as vítimas

de tráfico, controlo de pessoas, veículos e estabelecimentos para verificação de

documentos ou outros, policiamento de rotina às instalações nas quais as vítimas

possam estar a ser exploradas, pesquisa e análise de anúncios nos meios de

comunicação social, policiamento comunitário e de proximidade, atividades de rotina

em embaixadas e consulados podem constituir oportunidades para que a polícia

identifique o fenómeno do tráfico (UNODC, 2009). Também através de organizações

não-governamentais, serviços de apoio social e assistência, médicos ou de empego a que

as vítimas recorrem, ou pelo meio de vizinhos, clientes, colaboradores ou membros da

comunidade, evidenciando, assim, a importância de se educar a sociedade com um

comportamento pró-ativo para a denúncia e combate do fenómeno do tráfico. Menos

comum, a autoidentificação da própria vítima como tal e a sua denúncia (Clawson et al.,

2006; Florida State University, 2003; Free the Slaves & Human Rights Center, 2004;

Logan, 2007; Logan et al., 2009; UNODC, 2009).

5.2 MEDIDAS DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA

A importância de reconhecer em pleno os direitos das vítimas incentivou a

promoção de medidas específicas dirigidas à sua proteção e assistência. Como tal, as

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vítimas da União Europeia veem, assim, consagrado o seu direito a terem apoio a partir

do momento em que as autoridades competentes determinem haver motivos críveis para

acreditar que elas possam ter sido objeto de tráfico humano. Esta assistência deve ser

incondicional e não estar dependente da vontade da vítima em cooperar no processo

criminal, no entanto, só deverá ser prestada depois do seu consentimento devidamente

informado. Como tal, as vítimas devem ser esclarecidas sobre a existência de um

período de reflexão cujo propósito major é o de lhes permitir tomar uma decisão

ponderada quanto à sua colaboração no processo (Comissão Europeia, 2013).

Assim, depois da identificação em situação de tráfico, torna-se imperativo

garantir às vítimas o acesso gratuito a bens e serviços essenciais ao seu restabelecimento

físico e psicológico (alojamento condigno e seguro, assistência material, tratamento

médico, assistência psicológica, aconselhamento jurídico, serviços de tradução e

interpretação, etc.), devendo, sempre, ser-lhes prestada todas informações acerca dos

seus direitos. Nesta fase surge, em muitos casos, a necessidade de um acolhimento

institucional, de preferência, especificamente desenvolvido para albergar vítimas de

tráfico (no território português foi desenvolvido o CAP), uma vez que se trata de uma

população com particulares exigências, tanto a nível de segurança como de intervenção.

No caso de não ser possível, este acolhimento deve ser prestado por outras organizações

voltadas para o apoio de vítimas de outros tipos de crime ou de situações de exclusão

social.

Algumas vítimas podem requerer assistência para ficar no país de destino,

regressar a casa ou mudar de país, sublinhando, deste modo, a importância do

desenvolvimento de programas de retorno assistido que perspetivem a reintegração das

vítimas na comunidade, dando continuidade a um processo de recuperação que se

espera longo e demorado. Como tal, o Protocolo descreve uma série obrigações

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respeitantes à repatriação (termo que não deve ser confundido com deportação) das

vítimas de tráfico que deve, preferencialmente, ser voluntária. Quando uma vítima

retorna para o seu país de origem, a repatriação deve ser assistida, facilitada e bem

planeada, de modo a garantir a segurança da vítima, bem como do processo judicial que

decorra do crime de tráfico (Lyneham, 2014; Nações Unidas, 2000b; Schloenhardt, &

Loong, 2011).

5.3 NECESSIDADES DAS VÍTIMAS

A última década tem sido palco de um célere crescimento de serviços prestados

às vítimas de tráfico sexual, o que poderá indicar, por um lado, um aumento de pedidos

de assistências por parte dos sobreviventes, por outro, uma crescente preocupação face

ao problema. No entanto, poucas têm sido as investigações que se centram na avaliação

dos serviços de saúde mental, bem como nos serviços de apoio psicossocial, prestados

aos sobreviventes após uma situação de tráfico (Aberdein, & Zimmerman, 2015).

As vítimas de tráfico sexual, e, consequentemente, as necessidades sentidas,

diferenciam-se de outros tipos de vítimas por uma série de especificidades inerentes à

própria complexidade do fenómeno (designadamente, barreiras linguísticas, acesso

limitado à justiça em virtude do seu estatuto ilegal, limitado entendimento do sistema

legal e direitos legais no país de destino, alvos “socialmente propícios” de preconceito,

necessidades de saúde, física e mental, e económica urgentes, isolamento da sua rede

familiar e de amigos, medo de denúncia, etc.), especificidades essas que devem ser

atendidas no momento da assistência (Logan, 2007).

Segundo Ostrovschi e colegas (2011), o propósito do tratamento e assistência

pode ser dividido em dois momentos: 1) num período de intervenção em crise, quando

as necessidades urgentes são conhecidas e o apoio é necessário para a segurança e

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estabilização, física e mental, da vítima. Devem aqui ser considerados fatores de risco

os seguintes: represálias por parte da rede de tráfico contra a vítima ou a sua família,

risco da vítima ser presa, detida ou processada por ofensas relacionadas com a sua

situação de tráfico (por exemplo, por prostituição ou documentos falsos) (Schloenhardt,

& Loong, 2011); 2) e num período de reabilitação, quando o apoio é necessário para

uma recuperação a longo prazo. Com efeito, podemos assumir que as necessidades das

vítimas (habitação, aconselhamento, serviços médicos, jurídicos, alimentação, vestuário,

proteção, educação, tratamentos de drogas, competências pessoais, emprego, formação,

etc.) variam consoante os estádios em que estas se encontram, exigindo medidas

imediatas e a longo prazo (Ostrovschi et al., 2011).

Dada a complexidade do fenómeno e a improficuidade das generalizações sobre

as experiências e necessidades das vítimas de tráfico, entende-se que devem ser

realizadas dois tipos de avaliação, que pretendem aferir as carências particulares: uma

avaliação individual, efetuada por profissionais competentes, que centre a sua análise

em fatores relacionados com a vítima, designadamente, necessidades físicas,

psicológicas, jurídicas, sociais e económicas das vítimas, opções de reintegração

desejadas e que possam estar acessíveis, particularidades da vítima (idade, educação,

experiencia profissional, motivação), e uma avaliação situacional, voltada para a

situação em torno da vítima e capaz de analisar as opções disponíveis para a integração

na comunidade (abrigos, serviços médicos, sociais, programas de assistência, etc.)

(Ministry of Foreign Affairs of Denmark, 2008).

O período de recuperação, baseado nas necessidades individuais, precede a

reintegração na sociedade. Não obstante, isto não significa que este se extinga com o

início do processo de reintegração. A reabilitação e reintegração são processos que

requerem um comprometimento a longo prazo, quer por parte das vítimas, quer das

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organizações/instituições que providenciam serviços de apoio, no entanto, esta

continuidade no tratamento pode ser bastante desafiante. Um dos primeiros obstáculos a

enfrentar debate-se com a coordenação de serviços e a carência de meios. Sem o apoio

externo e com limitados recursos torna-se muito difícil de providenciar um tratamento

efetivo e confiável a longo termo (Wickham, 2009).

5.4 MODELOS DE INTERVENÇÃO PSICOTERAPEUTICOS

Apesar do iniludível crescente interesse, legal e científico, na questão dos

serviços e tratamentos dirigidos a pessoas sexualmente exploradas, uma investigação

mais profunda e detalhista, bem como a criação de programas de avaliação, são

indispensáveis para determinar quais as melhores opções de tratamento para esta

população. Embora tenham sido realizados alguns esforços no sentido de desenvolver

manuais de orientação técnica, como o WHO Ethical and Safety Recommendations for

Interviewing Trafficked Women (Zimmerman, & Watts, 2003) e o Caring for Trafficked

Persons: Guidance for Health Care Providers (Zimmerman, & Borland, 2009) são

exemplo, capazes de fornecer linhas de orientação genérica sobre o fenómeno

especialmente destinados a profissionais, muito pouca investigação tem sido conduzida

para aceder à eficácia das modalidades terapêuticas, do mesmo modo que as abordagens

psicoterapêuticas, recorridas pelos profissionais de saúde, têm sido, maioritariamente,

utilizadas para o tratamento de vítimas de outros crimes, como violência doméstica,

tortura ou abuso sexual (Ijadi-Maghsoodi et al., 2016).

Abas e colegas (2013) sugerem a aplicabilidade de modelos cognitivos

desenvolvidos para o PTSD e depressão. Mais, os autores apontam para a importância

de se ter em conta o abuso crónico destas mulheres antes e durante a experiência de

tráfico. Todavia, o conhecimento sobre a eficácia de um tratamento para o PTSD e

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depressão, e sua comorbidade, é, ainda, muito limitado, sobretudo em casos de traumas

severos. Deste modo, reclama-se a necessidade de avaliar os tratamentos que aparentam

ser promissores, tais como a terapia narrativa ou a terapia cognitiva-comportamental

focada no trauma, com ou sem farmacologia (Abas et al., 2013; Ostrovschi1 et al.,

2011). Uma coisa parece consensual entre os autores, é necessária uma abordagem

multidisciplinar e culturalmente sensível, baseada nas necessidades individuais dos

sobreviventes (Abas et al., 2013; Ijadi-Maghsoodi et al., 2016; Mukasey et al., 2008).

Abas e colaboradores (2013) sugerem, ainda, que a estabilização física e psicológica

deve ser antecedida ao recurso a uma terapia psicológica focada no trauma.

Não obstante, apesar das escassas referências na literatura sobre os modelos de

intervenção psicológica em casos de vítimas de tráfico, o modelo de intervenção em

crise tem surgido como a resposta inicial (não querendo significar que não seja

necessária a continuidade deste apoio numa fase posterior) mais adotada pelos

profissionais competentes, procurando assegurar a estabilização da vítima (Couto,

2012). A sua aplicabilidade alargada permite uma grande flexibilidade na aplicação das

estratégias que variam consoante o profissional. Assim, pretende-se identificar os

mecanismos de coping falhados e substituí-los por outros adaptativos, mobilizando os

recursos do indivíduo, movendo-o, estrategicamente, em direção à estabilização da crise

e permitir-lhe o regresso a uma vida funcional e independente (Roberts, & Ottens,

2005).

Com efeito, o trauma, como elemento causal da crise, constitui um evento de vida

com um impacto altamente negativo na vida da vítima, capaz de moldar profundamente

a forma como esta se perceciona e relaciona consigo e com os outros (Pearlman &

Courtois, 2005). Enfrentar um trauma é um passo crítico, mas que precisa ser dado.

Destarte, os primeiros esforços a realizar devem ser no sentido da sua recuperação, de

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lhe restituir a identidade que, aos poucos, se foi dissolvendo. Deste modo, fala-se,

amplamente, no conceito de empowerment das vítimas, isto é, de lhes dar uma voz

ativa, salientando que as suas capacidades e competências pessoais subsistem apesar da

ocorrência de um infausto acontecimento, devolver-lhes o controlo outrora julgado

perdido, mostrar que, na sua vida, elas ainda têm poder de decisão. Para tal, é

fundamental que os técnicos permitam que as vitimas expressem os seus sentimentos e

ajudá-las a compreender as particularidades do evento traumático, tornando-as capazes

de o processar de forma emocionalmente construtiva (Roberts, & Ottens, 2005).

Estratégias que atentem à reconstrução da autoestima, autoconfiança e à reconexão com

o self e com a sociedade são imprescindíveis nestes casos (Clawson et al., 2008; Devine,

2009). Assim, apela-se à urgência de uma resposta de cariz psicológico, que se assume

fundamental no processo de recuperação (Hossain et al , 2010), podendo, a sua

ausência, comprometer o mesmo e contribuir para uma potencial vulnerabilidade à

revitimização (Collins et al., 2013). Ainda que o processo de reintegração seja

importante na recuperação física, psicológica e na inclusão social, a verdade é que nem

todas as vítimas recebem um tratamento, físico e mental, eficaz e adequado

(Zimmerman et al., 2003).

Em casos de tráfico sexual, o sigilo é um dos princípios basilares para o

estabelecimento de uma aliança terapêutica, essencial para a consolidação de uma

relação de confiança baseada num interesse genuíno e de aceitação incondicional do

outro. O medo e a vergonha são os principais obstáculos à procura de ajuda. A

possibilidade do traficante descobrir, de ser deportada, de alguém saber o que lhes

aconteceu, o estigma associado à prostituição propícia a que muitas vítimas com

carências imperativas de tratamento clínico não recorram aos serviços de saúde mental.

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Ademais, o estigma inerente à própria doença mental dificulta, ainda mais, esta procura

(Clawson et al., 2008; Office of Women in Development, 2007; Viergever et al., 2015).

Os técnicos devem ser hábeis de criar uma ligação empática com a vítima, criando

um ambiente seguro, através de estratégicas gerais de intervenção com vítimas, como a

escuta ativa, postura axiologicamente neutra, respeito pelo próximo. Através de uma

cuidadosa escolha de vocabulário, adequado às capacidades linguísticas de cada

indivíduo em concreto, e de um tom de voz cordial, o técnico deve colocar as questões

de forma sensível e permitir que a vítima exponha livremente as suas angústias, medos,

experiências (e significado que atribui às mesmas) e as suas expectativas. Deste modo,

será possível recolher mais informação sobre o fenómeno e sobre as necessidades que

cada vítima apresenta, providenciando ensinamentos sobre a forma como cada mulher

reage perante uma experiência semelhante (Ijadi-Maghsoodi et al, 2016; Zimmerman et

al., 2003). Salientar, ainda, a importância da ética profissional. O terapeuta deve assumir

uma postura autêntica e emocionalmente integra, isto significa que deve estar consciente

e atento aos sentimentos e necessidades do outro, trabalhar para entender as suas origens

e utilizar o seu conhecimento para ajudar o paciente, contornando, concomitantemente,

as situações de contratransferência ou de traumatização vicariante que possam surgir

nestes encontros (Pearlman & Courtois, 2005).

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CAPÍTULO VI

PROCESSO DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL

- COMPLEXIDADES E DESAFIOS

Temas de prevenção, proteção e condenação dominaram, largamente, os

conceitos e conteúdos expostos nas campanhas anti tráfico, registando uma clara

prevalência de medidas orientadas para a repressão do crime, descorando, com efeito, a

importância de assuntos assaz pertinentes sobre a reabilitação e reintegração das vítimas

que elucidam para a necessidade de transitar para um paradigma mais holístico e ligado

às questões humanitárias.

Hermenêuticamente, o termo reintegração pressupõe, per se, uma integração

prévia do individuo na sociedade. Todavia, em muitas das vítimas de tráfico, esta

incorporação com o tecido social nem sempre existiu, tendo, aliás, sido esse um dos

fatores de risco que facilitaram o seu recrutamento e impulsionaram a situação de

exploração. Embora a consciencialização das limitações do conceito esteja presente,

este será, amplamente, utilizado como um sinónimo de inclusão social, visto ser esse o

propósito major do termo.

A reintegração é muito mais do que um mero movimento geográfico, é um

processo difícil, complexo e contínuo pelo qual um migrante retornado é reintroduzido

na estrutura social e económica e se torna autossuficiente. Trata-se, portanto, de um

processo de recuperação e integração socioeconómica que envolve, não só o indivíduo,

mas, também, o ambiente cultural onde este se insere e cuja finalidade primária passa

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por alcançar a sustentabilidade a longo prazo. A IOM estipula que a reintegração está

completa quando o indivíduo se torna um membro ativo na vida política, cultural, civil e

económica do país (Derks, 1998; Office of Women in Development, 2007; The Asia

Foundation, 2005). Ora, para isto acontecer, o plano de reintegração deve incluir as

condições mínimas de vida, envolvidas pelos princípios de segurança, bem-estar

psíquico e mental, bem como o acesso a oportunidades pessoais, sociais e económicas,

reassegurando os direitos humanos e salvaguardando os indivíduos contra uma nova

vitimização, represálias e retaliação (Schloenhardt, & Loong, 2011), devendo, por

conseguinte, ser seu objetivo primordial a prevenção da estigmatização, o incentivo à

formação profissional, assistência legal, cuidados de saúde, proteção e bem-estar social,

médico e psicológico (The Asia Foundation, 2005). O sucesso deste processo reside,

essencialmente, no potencial proporcionado, quer pelas instituições formais, quer pelas

informais, para que as vitimas possam desenvolver capacidades pessoais que rumem em

direção à sua independência e autoeficácia (Brunovskis, & Surtees, 2012).

A seleção da intensidade e duração deste processo deve, naturalmente, atender às

especificidades da vítima e ao seu perfil psicossocial, podendo este ser influenciado por

uma palete variada de fatores, tais como as capacidades individuais e motivação das

vítimas, perceção que a vítima tem da experiência de tráfico e dos seus ecos, história

familiar, rede social de apoio, aceitação social, serviços disponíveis na comunidade,

intenção e complacência das instituições e organizações que fornecem apoio às vítimas,

entre outras (Ministry of Foreign Affairs of Denmark, 2008).

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6.1 FRAGMENTAÇÃO DO PROCESSO DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL

– DESCONSTRUÇÃO DOS SEUS PRINCIPAIS NÍVEIS

O processo de reintegração ocorre em várias esferas da vida do sujeito e, como

tal, o seu impacto atinge diferentes níveis sociais (individual, familiar, comunitário,

societal). Seguidamente, serão analisados os principais contextos visados pelo plano de

reintegração.

Salientar, ainda, que o processo de reintegração exige uma intervenção

multidisciplinar, onde as confluências de intervenientes de distintas áreas são

imprescindíveis para a prestação de um sólido e completo apoio às vítimas. Idealmente,

o plano de reintegração deveria ser composto por equipas de médicos, psicólogos,

juristas e trabalhadores sociais que auxiliem a vítima nos obstáculos que,

indubitavelmente, acabam por surgir no decurso de uma vida social ativa.

6.1.1 DIMENSÕES DA REINTEGRAÇÃO – DO MICRO AO MACRO

6.1.1.1 Contexto educacional e formativo

As oportunidades educacionais têm uma relativa influência no fenómeno do

tráfico. Uma percentagem bastante digna das vítimas apresenta, como já referido, baixos

níveis de formação académica. Estas limitadas oportunidades educacionais tornam os

indivíduos mais vulneráveis à exploração, uma vez que acabam por ser ultrapassados

por aqueles que têm melhores formações académicas aquando a procura de um

emprego. Deste modo, eles apresentam-se mais dispostos a correr riscos, ansiando por

uma oportunidade que lhes pareça mais lucrativa. A questão educativa extravasa a pura

medida pós-tráfico, é certo que as instituições que prestam serviços à vítima devem

desenvolver opções educativas diversas, com vista à inclusão social, no entanto, esta

medida deve, também, ser adotada como uma medida profilática. A oferta educativa

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deve contemplar uma educação formal e não formal. Ainda que possa ser utilizado o

programa das escolas básicas e secundárias prescritas pelo Ministério da Educação,

questões como a saúde reprodutiva, nutrição, higiene, prevenção de doenças,

pensamento crítico, resolução de problemas, competências de vida e treino vocacional

devem ser abordadas e trabalhadas com as vítimas (Office of Women in Development,

2007).

6.1.1.2 Contexto económico

As oportunidades económicas são um dos pontos críticos para o sucesso da

reintegração. Desesperadas por não conseguirem sustentar-se sozinhas, algumas das

vítimas acabam por regressar ao comércio sexual, entendido como a única solução de

subsistência. Importa, todavia, sublinhar que a situação económica não é a única

responsável por este retorno, muitas das vezes a própria personalidade da vítima a torna

suscetível (Derks, 1998).

Em contexto económico, mais do que um simples apoio financeiro, devem ser

desenvolvidos treinos vocacionais e de competências que permitam que a vítima

adquira habilitações capazes de lhes proporcionar uma participação ativa e mais

confiante no mercado de trabalho. Com efeito, as vítimas devem ser orientadas, mas

devem ser sempre elas a tomar decisões acerca do seu futuro. As oportunidades

económicas devem jogar com a dinâmica procura-oferta, atendendo, por conseguinte, às

necessidades sociais, isto é, o desenvolvimento do trabalho deve respeitar aquilo que é

útil para toda a comunidade. Será, por exemplo, improfícuo treinar a vítima para uma

profissão já ocupada por outros profissionais que tenham graus académicos mais

elevados, da mesma forma que o treino vocacional deve ser baseado numa análise

realista do mercado (Office of Women in Development, 2007).

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Não obstante, esta não se trata, meramente, de uma questão de sobrevivência

económica, trata-se, também, de aceitar que as promessas realizadas na fase do

recrutamento não serão nunca concretizadas. Ora, isto poderá ter um forte impacto na

parte psicológica do indivíduo, o que nos leva para o próximo nível, o contexto

psicossocial (ibidem).

6.1.1.3 Contexto psicossocial

Como, exaustivamente, mencionado, as vítimas de tráfico sofrem, comumente,

experiências severas de traumas físicos e psicológicos em resultado da violência

perpetrada pelos seus traficantes. Uma vez respondidas as necessidades urgentes de

saúde, deve ser prestado um aconselhamento e apoio psicológico contínuo capaz de as

libertar do quadro ansioso e depressivo, tão representativo nestas situações, e de as

ajudar no processo de reconstrução da autoestima e autoconfiança, elementos

indispensáveis para a (re)construção de relações sociais saudáveis (Office of Women in

Development, 2007).

Visto que o fenómeno do tráfico não afeta, somente, as vítimas diretas, afetando,

também, a sua dinâmica familiar e a comunidade onde estas se inserem, deve ser

prestada uma intervenção compreensiva e abrangente. Uma vez que a reintegração

pressupõe uma relação intrincada entre o indivíduo e a sociedade, não deve ser só a

vítima a constituir o alvo da intervenção, também a sociedade deve estar envolvida na

consciencialização do fenómeno, dado que este acaba por afeta-la, indiretamente. O que

acontece é que, muitas vezes, a sociedade está demasiado voltada para si e demonstra-se

preconceituosa para com alguns dos seus membros, dificultando a sua relação social. É

importante criar uma sociedade desprendida de preconceitos e preparada para acolher as

vítimas.

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6.1.1.4 Contexto familiar

A reintegração na família é considerada a mais desejável, pelo que esta é

entendida como o pilar da afeção e organização social, uma fonte central de apoio e

segurança, não só financeira, mas também moral, sobretudo quando o apoio estatal e

cívico é fraco (Brunovskis, & Surtees, 2012; Derks, 1998). Torna-se, portanto,

imperioso analisar as dinâmicas familiares de modo a compreender quais as opções de

integração viáveis para cada vítima em concreto. Esta análise deve prestar particular

atenção para a capacidade da família em providenciar esse apoio porque, também esta,

pode-se encontrar em profunda desarmonia e altamente traumatizada (Brunovskis, &

Surtees, 2012). Como tal, deve ser prestada uma intervenção à família, que deverá ser,

também, alvo de acompanhamento.

Não obstante, existem várias razões para que a vítima não queira ser reintegrada

na sua família ou comunidade, por exemplo, em virtude da estigmatização ou do medo

de rejeição, desonra ou represálias, do mesmo modo que nem todas as famílias acolhem

as vítimas de braços abertos. Este processo torna-se ainda mais complicado quando um

membro da família esteve ligado à situação de tráfico. Indivíduos que foram traficados

por um membro familiar apresentam um risco acrescido de voltarem a ser traficados.

Com efeito, não será objeto de profunda estranheza que algumas vítimas optem por

começar uma vida nova, criando um lugar novo, numa comunidade diferente (Derks,

1998).

6.1.1.5 Contexto comunitário

Se, por um lado, a reintegração na família pode ser, em alguns casos, difícil de

solidificar, em contexto comunitário esta dificuldade pode apresentar-se, ainda, mais

acentuada. É certo que a comunidade desempenha um importante papel no sucesso do

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processo de reintegração, no entanto, o ambiente e o contexto social e cultural onde a

vítima é colocada assume-se como um elemento-chave capaz de ditar, em muitas

situações, o seu êxito ou fracasso (Derks, 1998). Como já foi mencionado

anteriormente, esta (re)inclusão da vítima no tecido social pode ser obstaculizada por

uma série de preconceitos visceralmente enraizados, como aqueles que advêm dos

vários tipos de estigmas sociais vinculados à experiência de tráfico (associação do

fenómeno com a prostituição, doenças sexualmente transmissíveis, doenças mentais

resultantes do trauma, etc.) que, ao funcionarem como elemento de tensão entre

indivíduo-sociedade, restringem a procura de ajuda e podem conduzir à total

marginalização das vítimas (Brunovskis, & Surtees, 2012), denunciando um

funcionamento da sociedade como, concomitantemente, fator de proteção e risco,

dependendo do seu grau de aceitação social.

No sentido de combater a insipiente estigmatização, a evidência empírica tem

preconizado uma série de medidas preventivas cujo propósito major reside na

sensibilização, consciencialização e educação da sociedade sobre os contornos que o

fenómeno do tráfico poderá assumir. Deste modo, várias têm sido as apostas em

campanhas informativas, que assentam, sobretudo, na difusão de informação nos media

ou em alguns locais públicos (por exemplo, em contexto académico), na formação

técnica de pessoal especializado e até iniciativas dirigidas a potenciais clientes de

serviços sexuais, no sentido de os desencorajar. Assim, entende-se que uma

massificação de um saber informado aumenta a probabilidade de serem identificados

mais casos, envolvendo, estrategicamente, a sociedade na denúncia e luta contra o

crime.

Apesar de profícua, esta estratégia declara-se insuficiente, intimando o

aperfeiçoamento de medidas mais proativas que incidam nas causas estruturais do

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problema, designadamente situações de pobreza, exclusão social, desigualdade de

oportunidades no acesso à educação e ao trabalho, desigualdade de género,

discriminação étnica ou racial, marginalização social, entre outras (Ekberg, 2004). É

necessária uma resposta ecuménica que promova o desenvolvimento económico

sustentável das comunidades, capaz de combater as assimetrias entre os países e as

regiões, responsáveis pela criação de um terreno fértil que possibilita a perpetuação do

problema.

Destarte, podemos concluir que o sucesso da reintegração passa, também, pela

estruturação da sociedade, dos serviços que esta tem disponíveis para as suas vítimas,

não só em quantidade, mas também em qualidade. Impõe-se, portanto, um

melhoramento do sistema social de apoio, bem como a existência de um saber técnico

especializado, contínuo e atualizado, totalmente consciente das complexidades e

exigências destas vítimas (Office of Women in Development, 2007).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS E

RECOMENDAÇÕES FUTURAS

Apesar das profundas raízes históricas que envolvem o tráfico de seres humanos,

foi só a partir dos anos 90 que este começou a ser perspetivado como um fenómeno

fortemente globalizado, acabando por despertar a atenção internacional que rapidamente

se orientou para a produção de discursos e medidas que intentassem a sua prevenção e

combate.

Não obstante as controvérsias em torno do tema, parece consentâneo concluir

que situações de pobreza, marginalização, exclusão social e económica, violência de

género, discriminação, desigualdade social e de oportunidades, baixa escolaridade,

corrupção e existência de conflitos armados sejam as raízes que propiciam o

alastramento deste fenómeno, atuando como fatores facilitadores de situações de

vulnerabilidade que desencadeiam, consequentemente, processos de exploração. O

tráfico surge, assim, como um fenómeno altamente complexo, etiologicamente

pluridimensional e particularmente flexível, dificultando o conhecimento da sua

verdadeira dimensão e configuração. Agudizando ainda mais este obstáculo, apresenta-

se a questão da inconsonância conceptual que, mercê das estreitas relações e da

insipiência generalizada, confunde a essência do tráfico com outras práticas, por vezes,

ilícitas, e obsta à clara definição do termo, produzindo severas repercussões, políticas e

legais, no desenho de estratégias profiláticas e de erradicação do crime. Mais, tratando-

se este de um fenómeno transnacional, a necessidade de aproximar ordenamentos

jurídicos, em virtude de se estabelecer compromissos políticos que alcancem um

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entendimento sobre os seus contornos, assume-se primordial. Como conseguiremos

conter um fenómeno se não somos capazes de o identificar e compreender consensual e

cabalmente? Esta trata-se, efetivamente, de uma questão nevrálgica que deve ser

atendida preliminarmente com vista à implementação de práticas estratégicas

globalmente uniformes e que, concomitantemente, sejam capazes de atender às

especificidades de cada caso.

As questões de tráfico têm sido perspetivadas, ao longo do tempo, por diferentes

focos teóricos (podendo estes, como vimos, ser mais centrados na questão da migração,

prostituição, crime organizado ou direitos humanos) que vieram permitir um

entendimento mais compreensivo e abrangente do fenómeno, desvelando a inegável

interatividade entre fatores individuais, sociais, culturais, políticos e económicos,

chamando, assim, à atenção para novas dimensões que devem ser incluídas no momento

da elaboração das respostas estratégicas (prevenção, combate, proteção e assistência). O

cruzamento das pluralidades analíticas mencionadas na literatura científica viabilizou o

esboço de pertinentes conclusões que serão, seguida e sumariamente, apresentadas.

Uma intervenção preventiva eficaz deverá incidir sobre as múltiplas

vulnerabilidades das vítimas, orientando-se para a redução de fatores de tensão ao

mesmo tempo que se assuma competente em providenciar um melhoramento da

integração social dos grupos de risco (p.e. mulheres jovens, pobres, com fracos laços

familiares e sociais). Assim, o Estado, numa conjugação de esforços com outras

entidades, deve ser proactivo na atuação sobre as causas estruturais que permitem que

situações de exploração ocorram, como o caso da pobreza, desigualdade, discriminação,

entre outras, devendo, como tal, criar condições, no país de origem, que promovam a

igualdade de oportunidades, independentemente do género, idade, situação económica,

raça ou etnia, e que motivem os cidadãos a permanecerem e a contribuir, positivamente,

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para a prosperidade do país. A evidência empírica revela, também, que o endurecimento

das políticas de migração, ao contrário de conter os fluxos migratórios, parece encorajar

o aparecimento de formas criativas que contornam, ilicitamente, os obstáculos criados

pela aprovação das leis, mostrando-se, por conseguinte, uma estratégia improficiente na

luta contra o tráfico. Todavia, esta complexidade não deve constituir justificativa para a

inércia dos Estados. Entende-se, pois, que a regulação e o controlo deverão ser medidas

a tomar, no entanto, estas deverão reconhecer sempre os direitos humanos como o

elemento orientador. Tratar as vítimas de tráfico como criminosos não só é errado como

contraproducente, sendo esse um dos grandes motivos que sustenta a falta de confiança

nas autoridades e favorece a perpetuação de situações de exploração. Como tal, requer-

se, por parte da justiça criminal, um modelo de resposta que reflita sobre as particulares

necessidades deste grupo específico de vítimas, exigindo-se uma formação

especializada aos vários técnicos que intervêm diretamente com esta população.

Por outro lado, sabe-se que a opinião pública pode apresentar uma forçosa

condenação das vítimas de tráfico, verificada, sobretudo, em contextos culturais mais

conservadores, incutindo na vítima um sentimento de não-pertença ou de aceitação do

rótulo de desviante, responsabilizando-a pela situação de tráfico. Com efeito, a questão

preventiva deverá, sobretudo, contemplar a mudança da mentalidade social coletiva,

livre de pré-juízos e pré-conceitos, como forma de combater a ignorância e a criação de

estereótipos e discursos discriminatórios que promovem, ainda mais, as desigualdades e

a marginalização de alguns membros da sociedade, algo que só se alcançará com tempo

e maturidade. No sentido de promover este metamorfismo, apela-se ao desenvolvimento

e implementação de programas educacionais que atuem como alicerces na construção

de uma sociedade mais justa e baseada na disseminação de ideais de igualdade e que

atentem contra qualquer forma de violência e domínio patriarcal. A natureza escondida

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e clandestina do tráfico humano aumenta, assim, a necessidade do alerta público cujo

principal propósito passa pela sensibilização, consciencialização e educação da

sociedade civil sobre os contornos que o fenómeno poderá assumir. Campanhas

informativas sobre os perigos desta realidade, quer ao público geral, quer a grupos

especialmente vulneráveis, como, por exemplo, profissionais da indústria do sexo, bem

como o alerta de questões de risco, como doenças sexualmente transmissíveis, têm sido

estratégias preventivas oportuna e amplamente aplicadas.

Os danos causados pela vitimação do crime de tráfico humano são incalculáveis,

não se podendo somente falar em danos físicos e psicológicos. As vítimas deste

fenómeno vivenciam múltiplas camadas de trauma. Juntamente com a avassaladora

experiência que é, indiscutivelmente, a violência física, sexual e psicológica, elas são,

consequentemente, afetadas a outros níveis, como o emocional, social, cognitivo e

comportamental, o que torna o processo de recuperação ainda mais difícil, bem como a

sua reintegração socioprofissional. Deste modo, o fenómeno tem sido, frequentemente,

associado a severas repercussões a médio e longo prazo que se arrastam e intrometem

nas mais variadas esferas da vida das vítimas, evidenciando, assim, uma maior

probabilidade, por parte destas, de requererem uma resposta coordenada entre os

serviços de apoio médico, social e legal. Apesar de o conhecimento sobre as

necessidades das vítimas ser o ponto de partida para o desenvolvimento de tratamentos

de saúde física e mental eficazes e adequados às idiossincrasias de cada indivíduo –

sabemos que o modo pelo qual o mesmo fenómeno é experienciado varia de indivíduo

para indivíduo, consoante a sua capacidade de resiliência, de igual forma, naturalmente,

as necessidades (serviços médicos e psicológicos, desintoxicações, apoio social,

abrigos, proteção policial, tradutores, etc.) que advêm dessa experiencia serão, também

elas, diferentes – a verdade é que ainda persiste um limitado saber sobre as carências

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que assaltam esta categoria de vítimas. Esta escassez de informação está

intrinsecamente associada à constante recusa de algumas vítimas em falar sobre tão

delicado assunto ou até mesmo à sua não-denúncia. Razões como ignorância sobre o

crime de tráfico, autoculpabilização e receio do estigma social parecem explicar, em

parte, o porquê de algumas mulheres não reportarem o abuso de que foram vítimas. A

revivência do trauma, o medo de retaliações por parte dos traficantes ou de serem

estigmatizadas pela sociedade, a desesperança de que alguém possa, efetivamente, fazer

algo por elas são algumas das razões que as compelem a recolherem-se num devoto

silêncio. Para além disso, o facto de este tipo de vitimação exigir uma intervenção que

se perspetiva por um longo período de tempo, algo que raramente acontece, é um fator,

por si, limitador.

Assim, dada a insuficiência de estudos empíricos sobre a matéria, concluiu-se

necessária mais e melhor informação sobre as necessidades desta população. Mais,

mostra-se imperativo o acesso a narrativas sobre experiências pessoais e respetivos

significados atribuídos com vista a desenvolver um apoio informado e adequado de

modo a mitigar os danos físicos, psicológicos e sociais associados ao tráfico. Isto

implica um verdadeiro comprometimento dos serviços, por um lado, mas também das

vítimas, da sua família e comunidade, por outro, elementos cruciais para uma

(re)inclusão social de sucesso. Quanto mais soubermos sobre o perfil das vítimas, mais

efetivas e eficientes serão as medidas e os serviços desenvolvidos e prestados, serviços

esses que terão, posteriormente, implicações no processo de participação legal da

mulher em tribunal, uma vez que este está dependente da sua condição emocional e

capacidade intelectual para testemunhar. Destarte, providenciar um apoio e

aconselhamento físico, psicológico e emocional tem-se demonstrado fundamental no

processo de recuperação e reintegração, bem como constituído um elemento imperioso

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na relação sinérgica entre o sistema de justiça criminal e as vítimas. Com efeito, importa

garantir às vítimas um pleno conhecimento sobre os seus direitos. Não poucas vezes,

por uma série de constrangimentos (p.e. desconhecimento sobre os serviços disponíveis,

receio que tal comprometa os procedimentos migratórios, falta de identificação com o

estatuto de vítima, pressão familiar para desistir da assistência, desconfiança nos

serviços, medo de represálias, vergonha e estigma social, etc.), as vítimas recusam

assistência. Esta questão deve ser claramente percebida e esclarecida, assim com o

impacto desta escolha no seu processo de reintegração deve ser avaliado. Ainda que

constitua uma árdua missão, a comparação entre um grupo de vítimas que receberam

apoio e assistência e um grupo de controlo seria uma pertinente investigação a levar a

cabo, de modo a que se possam comparar os fatores implicados no sucesso do processo

de reintegração.

Não obstante a crescente proliferação de estruturas de apoio, assistência e proteção,

a literatura científica tem, também, reportado e denunciado a escassez de recursos e

serviços disponíveis (p.e. limitados recursos financeiros que permitem investir em

questões prioritárias de tráfico, fraca colaboração entre diferentes agências e serviços,

distribuição desigual dos serviços, escassez de recursos humanos competentes e

especializados, limitados acessos linguísticos, etc.), sugerindo, deste modo, a urgente

necessidade de uma reforma. O quesito pecuniário assume-se medular. Uma análise

ponderada sobre os destinos das verbas disponíveis deve ser acautelada, tendo sempre

em atenção a aplicabilidade e exequibilidade dos programas de assistência e apoio a

médio e longo termo.

Por outro lado, deverá ser preocupação da comunidade científica a avaliação dos

serviços prestados, com base em normas uniformes e estandardizadas, capaz de apurar,

comparar e refletir criticamente sobre as práticas aplicadas e seus respetivos termos. O

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presente trabalho não encontrou qualquer tipo de avaliação sobre a adequabilidade do

tipo e duração da assistência pós-tráfico, nem sobre qual o impacto desta nos resultados

de reintegração. De igual modo, assume-se, também, imperativo uma avaliação sobre o

processo de reintegração, isto implica compreender de que forma podemos medir uma

reintegração com sucesso. Uma das soluções seria desenvolver indicadores gerais

capazes de uniformizar os resultados e proporcionar comparações minimamente viáveis.

Com efeito, seria importante que estudos futuros explorassem os efeitos de

combinações de variáveis nos resultados obtidos após a situação de tráfico,

considerando, por exemplo, o impacto da idade, género, problemas existentes antes da

experiência de tráfico, tipo de exploração, duração da exploração, tipo de abuso,

duração da recuperação, tipo de recuperação, país onde a assistência foi prestada, tipo

de assistência, entre outros. Para tal, a cooperação das vítimas é imprescindível, a sua

experiência pessoal deverá ser um indicador a ter em conta. Ora isto pressupõe a

existência de um período de follow-up que permitirá não só conhecer a evolução dos

tratamentos implementados e a sua eficácia, mas também compreender a relação com os

serviços de apoio, bem como dissecar o processo da sua reintegração socioeconómica.

Todavia, releva salientar que a questão do follow-up exige um cuidado acrescido no

modo como as vítimas serão abordadas. Esta aproximação não deve ser invasiva nem

demasiado constante pelo que poderá atirar a vítima contra um estatuto, e consequente

identificação, de vítima imperecível.

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Tráfico de Seres Humanos.

Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro. Diário da República – I Série, n.º 221.

Aprova o Código Penal.

Decreto-Lei 48/95, de 15 de março. Diário da República – I Série-A, nº63. Aprova o

Código Penal.

Decreto-Lei n.º 368/ 2007, de 5 de novembro. Diário da República – I Série, N.º 212.

Define o regime especial de concessão de autorização de residência a vítimas

de tráfico de pessoas a que se referem os n.ºs 4 e 5 do artigo 109º e o n.º 2 do

artigo 111º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho.

Diretiva 2004/81/EC, de 29 de abril, relativa ao título de residência concedido aos

nacionais de países terceiros que sejam vítimas de tráfico de seres humanos ou

objeto de uma ação de auxílio à imigração ilegal e que cooperem com as

autoridades competentes.

Lei n.º 23/2007, de 4 de julho. Diário da República – I Série, N.º 127. Aprova o regime

jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do

território nacional.

Lei n.º 59/2007, 4 de setembro. Diário da República – I Série, N.º 170. 23ª alteração ao

Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro.

Diretiva n.º 2011/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril, relativa à

prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à proteção de vítimas.

Lei n.º 65/98, de 2 de setembro. Diário da República – I Série-A, N.º 202. Altera o

Código Penal.

Lei n.º 99/2001, de 25 de agosto. Diário da República – I Série-A, N.º 197. 9ª alteração

ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro,

com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 6/84, de 11 de maio, pelos

Decretos-Lei n.os 132/93, de 23 de abril, e 48/95, de 15 de março, e pelas Leis

n.os 65/98, de 2 de setembro, 7/2000, de 27 de maio, 77/2001, de 13 de julho, e

97/2001 e 98/2001, ambas de 25 agosto. Lei n.º 52/2005, de 31 de agosto.

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Lei n.º 60/2013, de 23 de agosto. Diário da República – I Série-A, Nº. 162. Procede à

30.ª alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de

setembro, à quarta alteração à Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, e à primeira

alteração às Leis n.º 101/2001, de 25 de agosto, e 45/2011, de 24 de junho,

transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2011/36/UE, do

Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril, relativa à prevenção e luta

contra o tráfico de seres humanos e à proteção das vítimas, e que substitui a

Decisão Quadro 2002/629/JAI, do Conselho

Public Law 106-386 – Oct. 28, 2000. 106th

Congress. Victims of Trafficking and

Violence Protection Act of 2000.

Resolução da Assembleia da República n.º 1/2008, de 14 de janeiro. Diário da

República – I Série, N.º 9. Aprova a Convenção do Conselho da Europa

Relativa à Luta contra o Tráfico de Seres Humanos, aberta à assinatura em

Varsóvia em 16 de maio de 2005.

Resolução do Conselho de Ministros n.º 101/2013. Diário da República, 1.ª série, n.º

253 (2013)

Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2007. Diário da República, 1.ª série, nº 119

(2007)

Resolução do Conselho de Ministros n.º 94/2010. Diário da República, 1.ª série, n.º 231

(2010)