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TRAO E RUNA NA OBRA DE NUNO JDICE
Maria Joo Cantinho
Professora Auxiliar do IADE (Lisboa)
[email protected]
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No seu texto Le Murmure, escreve Francis Ponge: a funo do
artista assim
bastante clara: deve abrir uma oficina e a tomar em reparao o
mundo, fragmento a
fragmento, tal como ele lhe aparece. No por que se tenha por um
mgico. Apenas como
um relojoeiro. (PONGE 1971, 193). A mincia uma arte que se forja
na pacincia e, na
tarefa potica, no trabalho incansvel e na astcia, ao nvel da
produo dos seus
efeitos. neste quadro, o de uma tarefa de reparao minuciosa e
metdica1, que se
instaura a poesia de Nuno Jdice, incansvel obreiro e que assume
a sua obra potica
como o resultado de um trabalho oficinal, dirio e metdico. E
tambm neste
contexto, o de uma reparao do mundo, que lhe reconheo a
tonalidade saturnina que
irradia em toda a sua obra, podendo aludir-se a uma espcie de
luz crepuscular que
convoca elos secretos, cifras de um universo assombrado e
arruinado e que nos remete
para uma configurao peculiar da esttica e da crtica literrias,
isto , resultante dessa
exigncia de reparao do mundo e essencialmente da memria das
coisas, num
sentido alegrico, tal como se explicar adiante. Por detrs do
olhar de reconhecimento
de um mundo fragmentado, esconde-se essa vontade de restituio de
sentido, que
irrecusvel no poeta, esse desejo de fazer parar o tempo, para
salvar as coisas
arruinadas.
Desde os seus primeiros livros que o poeta procura dar-nos conta
de um mundo
em que se reconhece a perda, no s do mundo e da experincia, como
das prprias
certezas, das ideologias e da linguagem. E quando me refiro
perda, remeto tambm o
leitor para a ideia de uma ausncia que se encontra sempre
presente na sua poesia: seja
a ausncia do amor ou de uma harmonia primordial, que se
apresenta aqui fragmentada
(e fragmentria), tal como o poeta refere no poema Princpio de
Retrica:
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Na poesia, a perfeio tem o nome de/ harmonia; pelo menos na
esttica
clssica ()/Na/poesia, porm, essa regra nem sempre se/verifica; e
ver-se-, na anlise
do poema, a dissonncia entre as palavras e o mundo/quebrar a
vontade da
beleza/quebrar a vontade de beleza, e trazer/de volta a
inquietao do inacabado,
ou/do que nunca chega a comear. (N. JDICE, Poesia Reunida
1967-2000 2000, 380)
Esta dissonncia entre as palavras e o mundo que quebra a vontade
da
beleza uma condio essencial que move e alimenta a escrita e, em
particular, a
potica de Nuno Jdice, de forma bem assumida na sua obra. E tambm
aqui expressa
a ideia de que o verso no faz seno romper essa
totalidade,/lembrando na insistncia
da slaba a/pura impossibilidade do regresso (Idem). Desde logo,
o percurso judiciano
inscreve-se neste princpio de irrevocabilidade do passado e de
um regresso a um
passado. No entanto, o poeta reserva memria esta tarefa de
restaurao daquele, no
sentido em que essa memria concentra no poema o indcio ou a
marca do ocorrido. A
recordao restitui, como sabemos, essa possibilidade do passado,
como Walter
Benjamin bem explica na clebre carta que escreve a Adorno, em
que diz o seguinte: O
que a cincia constatou, a rememorao pode transformar. A
rememorao pode
transformar o que inacabado (a felicidade) em qualquer coisa de
acabado e o que
acabado (o sofrimento) em qualquer coisa de inacabado.2. Tambm a
potica judiciana
anseia por esta tarefa de restituio do passado, pela rememorao,
como fica claro,
ainda, nesse mesmo poema: No h aqui repetio, mas a nostalgia/do
nico, um
arqutipo que se confunde com a imagem/inscrita no fundo da
memria, de que
todas/as outras constituem o reflexo degradado. (N. JDICE,
Poesia Reunida 1967-
2000 2000, 380).
Teresa Almeida, na introduo de Poesia Reunida (p. 34), relembra
o contexto
da chegada de Nuno Jdice poesia portuguesa, numa poca de intensa
efervescncia
cultural e poltica, em que o poeta conviveu, no apenas com a
poesia do neo-realismo
(sobretudo Carlos de Oliveira), mas tambm do surrealismo e com a
potica de Sophia
Mello Breyner Andresen, David Mouro Ferreira, Ruy Belo, Gasto
Cruz, Herberto
Helder, entre outros. Recusando tanto o neo-realismo quanto os
experimentalismos,
podemos afirmar que o seu percurso claramente inovador na
utilizao de um
discurso prprio (Ibidem) e uma conscincia aguda do fenmeno
potico (Ibidem). O
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poeta reagia essencialmente ao carcter militante do
neo-realismo, afirmando a
absoluta inutilidade da poesia e a sua autonomia absoluta. Pode
dizer-se que Nuno
Jdice jamais perfilhou a ideia de que a poesia deva submeter-se
a qualquer ideologia
e, para ele, o poema no tinha outra justificao que no fosse ele
prprio (Ibidem),
numa contra-corrente do que foram os anos pobres de uma poesia
panfletria,
sobretudo no ps-revoluo. Durante esse perodo, a sua poesia
concentrava um gesto
subversivo, indo na contramo e proclamando o triunfo absoluto da
poesia sobre o
mundo, o seu carcter sagrado, a sua dimenso sobrenatural num
mundo onde a
ausncia de Deus se fazia sentir. (Ibidem, p 35).
Desde os seus primeiros livros que Nuno Jdice toma a poesia como
objecto de
reflexo terica, algo que se inicia logo no seu livro A Noo de
Poema, reflexo que se
torna cada vez mais precisa e se centra na prpria experincia
potica, ao confrontar-se
com o acto da escrita. Em O Pavo Sonoro diz assim:
Ao apresentar a narrativa exacta do que aconteceu, descubro/ que
tambm aqui
no tenho nenhum objectivo, nenhum/pretexto, nenhum facto que
justifique o poema.
Mas ele/ existe apesar disso. E por isso mesmo que, sem
arte/potica e sem
argumentos, o apresento e mantenho. (N. JDICE, Poesia Reunida
1967-2000 2000,
180).
Forma radical de questionamento e tambm enigmtica, a sua origem
revela-se
como um mistrio. E esse mistrio joga-se na relao do sujeito
lrico com a prpria
transcendncia da linguagem e da poesia, que reclama do poeta a
imerso. Ao mesmo
tempo, faz-se imperioso o afastamento do quotidiano, como ele o
escreve no poema
As Inumerveis guas, que d o ttulo ao livro:
() Obtive assim um estranho universo,/que no o reflexo ou a
imagem deste
()/despertando-me da letargia/ da vida comum, incitando-me ao
contacto fsico/ com
essas outras realidades essenciais e primitivas. (N. JDICE,
Poesia Reunida 1967-2000
2000, 157).
A pregnncia das imagens e das figuras define a fora imagtica da
sua poesia,
cujo ritmo o da natureza e dos seus elementos, em particular a
presena obsessiva do
mar, aproximando-se aqui de uma linguagem romntica3 e
simbolista4, inscrevendo-se
assim numa tradio lrica que no se limita apenas ao classicismo,
mas que se integra
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numa teia intertextual que percorre toda a histria da literatura
ocidental. A
aproximao ao simbolismo e ao seu imaginrio de um universo
decadente torna-se
mais notria com A Partilha dos Mitos (1982) e A Lira de Lquen
(1985), em que a
explorao das imagens das mulheres mortas e de um universo
contaminado pela
doena e pela morte se fazem sentir ainda mais, reforando-se
assim a componente
mais mrbida e alegrica.
Na obra de Nuno Jdice, o mar, lugar privilegiado pelo sujeito
lrico, no nos
aparece como um espao luminoso e salvfico (como aparece em
outras poticas de
contemporneos seus), mas o lugar do naufrgio e da catstrofe, dos
temporais e da
prpria morte. Limiar ou passagem, remete para a tenso entre a
viagem e a
permanncia, pela evocao de lugares de partida ou de chegada: os
portos, os cais.
Espao de sonho e de deambulao onrica, mas tambm de pesadelo, de
errncia
contnua e de inquietao constante, nas figuras dos bbados e das
prostitutas, dos
nmadas ou viajantes sem destino, acossados pela vida. O uivo da
morte ou o vento que
percorre as costas desabrigadas traz consigo essa imagem
constante da catstrofe.
Prevalece ainda um registo nocturno da imagem, que confere essa
dimenso saturnina
sua poesia. O universo potico de Jdice o de uma descida ao mundo
inconsciente,
para dele extrair novas ligaes e conexes que o real no deixa
ver. Uma tcnica que o
surrealismo privilegiou, para explorar todas as potencialidades
do sonho e da vida
simblica das suas imagens. Trata-se de mergulhar nesse mundo
informe para, a partir
da descoberta das conexes enigmticas entre os seus elementos,
lhe dar forma.
Poderamos, ainda, falar numa experincia do sublime5, no sentido
em que ela brota
desse abrasamento dos limites, isto , a imaginao soobra no
abismo da razo e
obtm, nesse combate com os limites, uma fruio esttica. H, na
poesia de Jdice,
esse estremecimento que ressalta do reconhecimento da
incomensurabilidade do caos
e da informidade da matria.
Este tambm o mundo em declnio, em que a morte invade a vida, sob
as mais
variadas formas (e imagens). Um mundo de fantasmas que nos
perseguem e nos
assombram, como o diz o poeta, por diversas vezes, aludindo ao
modo como eles nos
chamam pelos nomes/ familiares (N. JDICE, Poesia Reunida
1967-2000 2000, 267). No
seu poema Decadncia, Nuno Jdice evoca essa condio de perda da
experincia e
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do arrastamento da prpria perda da linguagem, dizendo: Quando um
mundo acaba,
no s o vazio que/enche os nossos com o seu peso de dvida;/tambm
as palavras
se desfazem no esprito/que interroga o passado. (Idem, p. 569).
Essa interrogao do
passado, como o sujeito lrico o diz, no mesmo poema, oferece
como resposta um seco
silncio (Ibidem). A ideia de um sujeito lrico, que se reconhece
como uma sombra
sem memria, logo no primeiro livro, A Noo de Poema, perdido
entre as
recordaes e as relquias6, como parte de um outro/tempo e de
outra gente,
crepsculo sem noite nos lugares abandonados assumida como uma
condio
potica que se repercute em toda a obra.
O exlio e o silncio, a condio de espectralidade, o desamparo so
estruturais
na sua obra, como muito bem o notam Ricardo Marques7 e Pedro
Serra8, acentuando a
dimenso saturnina, enigmtica e nocturna, desmedida e excessiva,
razo pela qual a
designa como uma lio de trevas9. A melancolia desenha-se, assim,
na sua obra,
como matriz primeira, onde convergem dois eixos que se sobrepem:
por um lado, esse
exlio, que dominante na nostalgia, que se confunde com o desejo
de um espao e de
um tempo sempre outro e que impulso para a criao; por outro, a
conscincia da
finitude, que tanto pode estar na base da renncia vida, como
constituir uma exigncia
de desprendimento, convertendo-se na condio impulsionadora do
pensamento.
Livros como A Condescendncia do Ser (1988), Enumerao das Sombras
(1989) e As
Regras da Perspectiva (1990) confirmam um percurso e uma
configurao muito
prprias, norteadas para a reflexo do fenmeno potico, no sentido
de explorar as suas
limitaes, mas tambm as inmeras possibilidades que a se abrem, a
partir de uma
estrutura rizomtica10, em que os conceitos e as temticas se
repetem em variantes.
O poema judiciano aparece, assim e deste ponto de vista, como um
litoral ou
um topos de abertura, ou melhor, o rosto belssimo de imagens
mortas11. Por ser nele
que se resgata a decomposio e decadncia, o rosto imagem orgnica
por excelncia
- confere, pela sua unidade, imposta pelo poema, um sentido ao
que j se encontra
morto. Nesta acepo reconhecemos uma das grandes figuras
alegricas de Walter
Benjamin: o fisionomista, de que ele nos fala na sua obra
magistral O Livro das
Passagens, ao referir-se ao coleccionador.
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neste paradoxo, o da prpria vida e da sua ciso com a arte, j que
a vida
orgnica e a arte de uma outra ordem, que jamais alcana a
metamorfose e a
evanescncia da vida, que se crava a alegoria potica. Parto aqui,
no de um conceito
de alegoria clssico, mas sim do modo como Walter Benjamin o
definiu, na sua obra A
Origem do Drama Barroco Alemo e o aplicou posteriormente nos
seus estudos sobre
Charles Baudelaire12. Distinguindo assim o procedimento simblico
da alegoria, Walter
Benjamin reabilitou a alegoria, que era desvalorizada por
Goethe13, no sentido em que
a experincia arruinada e fragmentria constitui o que j no
representvel atravs do
smbolo, mas que pode ainda ser compreendida e salva no olhar
alegrico.
Se Benjamin j identifica essa compreenso enlutada no barroco
alemo, pela
dolorosa constatao da perda da Graa divina, ento a emergncia da
modernidade
reflecte em si a runa do olhar humano, abandonado por Deus e
entregue a si prprio.
Quando falamos de modernidade, referimos essa experincia radical
de perda (do
sagrado e da transcendncia)14 e, ainda, da fragmentao ou
estilhaamento, no
apenas do espao e do tempo, como tambm das prprias categorias da
totalidade e de
unidade, de sistema. Uma experincia de declnio da aura. Esta
converte-se na vivncia,
totalmente diferente do homem moderno, da temporalidade e da
espacialidade nas
grandes cidades, a qual ter empurrado o homem para uma situao de
derrocada do
mundo familiar ou como ele o conhecia anteriormente.
Da que ganhe a maior pertinncia a expresso utilizada por Pedro
Serra, como
uma lio de trevas. Fala ainda o autor de um opus nigrum,
referindo-se claramente ao
procedimento alegrico utilizado pelo poeta, que apenas
reconhece, como significante
comum da experincia, essa noite escura e impenetrvel e que tambm
a prpria
noite da linguagem. No poema Exorcismo, o sujeito lrico
interroga-se: Estarei
preparado para a noite? (N. JDICE, Poesia Reunida 1967-2000
2000, 598). O trabalho
potico escava atravs da memria, atravs de um trabalho invisvel
(ibidem, p. 599).
Alude o sujeito a uma voz que abre o seu poo, na brevidade de um
eco; e a sua gua
negra/ reflecte-me um rosto cujos olhos cegos/no encontram o
cimo. Todo o poema
se move numa atmosfera sonamblica, mais de pesadelo do que de
sonho, onde a
poesia ronda uma ferida abstracta, lugar de onde sai uma luz de
fonte. Mas esta
noite, como o lembra Pedro Serra, tambm a obscura noite, a noite
mstica de S.
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Joo da Cruz, a quem Nuno Jdice dedica um poema, intitulado
Homenagem a S. Joo
da Cruz (Idem, p. 529), aludindo questo da nomeao, to cara
poesia: Noite sem
fim porque/ no teve um princpio e definitiva no olhar /cego de
um reflexo: dando/
o nome s coisas que nunca o tiveram. Significa tal dizer que no
afundamento da
noite e do sonho mstico que nasce a possibilidade de
nomear/salvar as coisas. Tambm
aqui a ideia do sublime aflora, pois a imaginao distendida ao
seu limite, no seu
combate com a razo e o sujeito lrico abisma-se em si prprio,
procurando a
transfigurao da noite informe em linguagem e forma.
Rosa Maria Martelo, num ensaio sagaz sobre Nuno Jdice (MARTELO
2010, 134-
151), referindo-se questo do significado abstracto na poesia
judiciana, diz que
Abstracto , na poesia de Nuno Jdice, um qualificativo
normalmente aplicado a nomes
concretos, de forma a produzir um efeito de deslocamento dos
significados envolvidos
nesses mesmos nomes. (p. 153). Na verdade, esse detalhe no de
menor importncia,
pois visa a demarcao de tudo o que se quisesse destacado da
circunstancialidade ou
da prpria singularidade, para aceder a um outro plano de
existncia. Este , sem
dvida, um dos recursos mais poderosos da construo alegrica do
poema, que visa
subtrair o seu objecto ao circunstancial e permite ligar memrias
e experincias
aparentemente desligadas (p. 114). Este procedimento, segundo a
autora, j aparece
explicitado num dos primeiros livros de Nuno Jdice, O Mecanismo
Romntico da
Fragmentao (1975), onde se define assim o trabalho do poeta:
[a]lgum que possui
o dom de comparar/ e que, perante realidades diversas, entrev /a
luminosidade
distante do Idntico15.
Trata-se, como Rosa Maria Martelo sublinha de um princpio
construtivo (p.
145), que estrutura a potica de Nuno Jdice e que permite, no
apenas subtrair-se ao
circunstancial e ao acidental, como igualmente aplicar-se ao que
no aparece
naturalmente ligado, criando desta forma uma construo potica
escolhida e que
aproxima e compara realidades diversas, numa estratgia de
recomposio onde
reconhecemos o procedimento alegrico. Por outro lado, este
princpio construtivo
permite a identificao do dilogo to intensamente mantido com a
tradio do
Romantismo e do Simbolismo, como refere Ricardo Marques (MARQUES
2013).
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Essa tcnica de deslocamento, como o ressalta Rosa Maria Martelo,
aproxima-se
dos mecanismos de deslocamento aproximveis daqueles que Freud
observou no
sonho (p. 147), algo que a tcnica alegrica modernista explorou
exaustivamente no
surrealismo16. E este deslocamento, que se opera no discurso
potico, obriga a um
trabalho reflexivo constante e metapotico, inseparvel da sua
poesia. justamente a
partir de um mundo assombrado pela runa e pela morte17, que urge
a revisitao do
detalhe e do fragmento, para o obrigar a significar num outro
contexto. Importa
restituir o sentido ao que j se apresenta amorfo e avulso e o
trabalho do poeta , com
efeito, essa (re)constituio do sentido a partir do que j se
encontra desmembrado,
numa procura de salvar o que se encontra votado ao esquecimento,
procurando
inscrever as coisas numa ordem intemporal e absoluta,
subtraindo-as ao tempo fsico.
Retomo ainda Pedro Serra, a esse propsito, onde o autor refere a
dimenso
escatolgica que prpria do poema judiciano, numa tenso para o
Absoluto18 e para a
perfeio, como um anseio de circunscrever imageticamente o
real.
Na verdade, o poema anela o Absoluto ou a Totalidade19, mas um
Absoluto
possvel, j que ele no existe, ainda que a poesia no possa
prescindir dessa tenso.
ela prpria, como se h-de ver, que a alimenta, enquanto pulso.
Porm, este Absoluto
no teolgico20, como o precisa Pedro Serra (p. 13), de carcter
transcendente, mas o
poema joga-se precisamente nesta sublimao, de que nos fala
Jean-Luc Nancy, na sua
obra Ivresse: A embriaguez condio do esprito, ela faz sentir a
sua absolutidade, ou
seja, a sua separao com tudo o que no ele. (). A embriaguez ela
mesma a
absolutizao, o desencadeamento, a ascenso livre para fora do
mundo.21 tambm
esse o desejo que o poema transporta consigo, configurando uma
desestabilizao que
se instala no prprio poema, pela sua condio de excesso, e ela
que se constitui uma
ponte de acesso quele (Idem, p. 40).
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Se at aqui falmos nos efeitos da linguagem e no procedimento
atravs do qual
a potica de Nuno Jdice se constri, no podemos faz-lo seno
assentando a anlise
num outro vector que no menos importante: a teoria do trao, como
um contexto a
partir do qual se desenvolve a ideia de rememorao alegrica no
trabalho potico e
literrio. A propsito da poesia de Baudelaire e da prosa de
Proust, Walter Benjamin
refere-se ideia da rememorao, definindo-a como um procedimento
especfico da
alegoria, na arte e literatura modernas. E, como veremos, a
ideia de rememorao
encontra-se profundamente articulada com a ideia de trao, numa
contraposio, mas
tambm numa justaposio, com o conceito de aura. Na sua obra Livro
das Passagens,
Walter Benjamin define o conceito de trao (Spur) da seguinte
forma:
Trao e Aura. O trao o aparecimento de uma proximidade, por
longnquo que
possa ser o que a deixou. A aura o aparecimento de um longnquo,
por prximo que
possa ser o que o evoca. Com o trao ns apoderamo-nos da coisa;
com a aura, ela
que se apodera de ns.22
E se retomarmos o texto Escavar e Recordar reconhecemos no
texto
benjaminiano a apresentao da figura daquele que visa
aproximar-se do seu passado
como a de um arquelogo que escava: Quem procura aproximar-se do
seu passado
soterrado tem de se comportar como um homem que escava
(BENJAMIN, Imagens de
Pensamento 2004, 219, 220). Escavar, seguir as pisadas e os
vestgios dos antepassados
podem ser definidas, no seu conjunto, como uma tarefa da
arqueologia, isto , o
trabalho da verdadeira recordao (idem). Porm, ela d-se no campo
da linguagem
e, sobretudo, trata-se de um trabalho de construo imagtica23,
como aquele que o
prprio poema judiciano encena. Esta metfora, a do arquelogo que
visa reconstruir o
passado a partir desses traos e vestgios, tambm apresentada por
Freud, numa
analogia com o trabalho do psicanalista e, ainda, por Husserl,
ao aludir ao trabalho do
fenomenlogo. Em qualquer dos casos, o trao corresponde a uma
espcie de
sedimento que, no sendo acessvel directamente, pode ser
(re)presentificado a partir
da rememorao. E o trao ou o rastro configura-se como um
arqutipo, no sentido de
uma vivncia originria. Tambm Jacques Derrida se refere a esta
experincia matricial
da escrita, em vrios textos, sublinhemos, no entanto, a anlise
derrideana da
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arqueologia do trao, seguindo claramente as pisadas de Freud
(DERRIDA, Freud et la
Scne de l'criture 2006).
Retome-se a ideia fundamental deste texto, a partir desse ncleo
temtico da
contraposio aura/trao. O procedimento potico da rememorao que
corresponde
a esta compreenso pode ser caracterizado pelo desejo de se
apoderar de algo,
tornando-o prximo de ns, numa tentativa de restaurao e
reapropriao do passado.
Tal como o arquelogo nas metforas anteriormente citadas - detm o
seu olhar nas
runas do passado e demorando-se sobre os fragmentos, procurando
a sua restaurao,
pela sua inscrio numa ordem de sentido, tambm o poeta recolhe as
runas do
passado (sejam elas vividas ou imaginadas) no poema. Poderamos
assim referirmo-nos
ao poema como uma imagem ou uma constelao ou uma figura
constituda pela
afinidade recproca dos elementos que o compem. Acrescente-se,
ainda, que o poema
seria, no uma representao, mas uma apresentao do passado no seu
carcter
imagtico.
Assim, retome-se a poesia de Nuno Jdice, onde perpassa esse
anseio de
restaurao do passado e dos seus vestgios. Ele torna-se
claramente visvel nas suas
obras Enumerao das Sombras, Meditao sobre Runas e em Um Canto na
Espessura
do Tempo. O facto de remeter o leitor para estas obras no
significa no significa que
esse sopro no exista nas suas obras mais recentes, com uma
tonalidade mais
quotidiana. Nessas obras, como referi, a rememorao estrutural e
d-se atravs da
construo de poemas que se abrem como portas de acesso ao
passado. Porm, o
passado no se apresenta de forma cronolgica e sim sob a forma de
imagem,
corroborando o significado de imagem como apresentao e
leitura/reinterpretao do
passado a partir do presente. Ainda na entrevista que Nuno Jdice
me concedeu, o
poeta afirma: A memria, para mim, nunca corresponde a uma
realidade objectiva,
factual, invarivel. O que se vive vai sendo modificado ao longo
da vida, e o presente
que funciona sempre como a lente ptica que (de)forma aquilo que
est no nosso
passado. (CANTINHO, Storm Magazine 2005).
O sujeito lrico move-se, assim, num territrio onrico que o
transporta, atravs
das imagens, at ao seu passado (vivido ou no), num desejo de o
restaurar e de lhe
conferir um sentido, como uma exigncia de reconhecimento, atravs
das faculdades
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11
da analogia (N. JDICE, Poesia Reunida 1967-2000 2000, 164).
Todavia, se, por um lado,
ele se move nessa tenso, por outro, como j dissemos, o final do
poema acontece como
um despertar desse sonho que o transporta at ao passado. No
poema Enumerao de
Sombras, o sujeito lrico interroga-se:
quem sois, sombras de uma insnia lenta,/corroendo o poema?
Sento-me
vossa beira, descansando da viagem./Conversais, sem que vos oua,
na equvoca
obscuridade/da morte. Ou sou eu que me esqueci de vs e vos
arrasto
comigo,/intranquilos, pedindo-me em vo que vos despea de uma
vida/que o sonho
contamina? (N. JDICE, Poesia Reunida 1967-2000 2000, 334).
Essa convocao, que se abre no espao do sonho, diluindo todas as
evidncias
espcio-temporais para se abrir num limbo que tambm o territrio
da imagem,
corresponde ao modo como o sujeito lrico obedece ao chamamento e
ao trao
mnsico do passado24. Para o fixar no poema, entenda-se. Elas,
sombras de uma
insnia lenta, so ausentes, por pertencerem a um tempo arcaico,
presentificando-se
no poema. Porm, o despertar, tambm ele alegrico, no sentido em
que um
reconhecimento do que j desapareceu, do ocorrido no tempo do
outrora, no se faz
esperar no poema: No vos assusteis. Algum me disse/ quem reis, e
qual a vossa
efmera vontade. Um sopro/de esquecimento agita os ciprestes. Ave
alguma/cantou
esta tarde. (idem, p. 335) Agamben, no seu texto La Fin du Pome
(AGAMBEN, La Fin
du Pome 2002, 136), ressalta esta suspenso que instaurada no
ltimo verso.
Evocando Proust e Baudelaire (que partilham entre si o
procedimento alegrico), cita
Walter Benjamin, que reconhecia nesta suspenso o aparecimento do
fragmentrio, ou
seja, o elemento surpreendente que quebrava bruscamente a
unidade e a organicidade
do poema.
No poema de Nuno Jdice, intitulado Exorcismo, de que j aqui
falmos, da
sua obra Meditao sobre Runas, confrontamo-nos com essa evidncia.
Nesse poema
ressalta de imediato, no primeiro verso, o regresso infncia,
territrio do qual se
reclama a proximidade, no modo como esse arqutipo que se
inscreve e se apresenta
na imagem: Uma linha de sombra traz-me, de novo, a voz/que ouvi
numa infncia de
pedras e gua. () (N. JDICE, Poesia Reunida 1967-2000 2000, 598).
O mesmo poema
rasga o vu da nostalgia, no seu final, como se o sujeito lrico
fosse acordado do sonho:
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12
E volto a abrir a ferida de onde, como/ antiga nascente, corre o
pus das vogais.
Deito/vinagre e cinzas no centro da figura:/a videira seca da
infncia. E/a voz cala-se.
(idem, p. 599). Mais uma vez, o ltimo verso corta bruscamente a
evocao do passado,
relembrando a condio humana, votada irreversibilidade do tempo e
da sua
passagem, mostrando no poema a sua dilacerao ou tenso alegrica,
a sua clivagem
interna, para sermos mais precisos.
Na verdade, e arriscando aqui a minha interpretao, esta tenso
releva de um
outro aspecto que se encontra to entranhado na modernidade e que
o
reconhecimento da perda da aura das coisas, isto , da sua
totalidade e organicidade. O
olhar do poeta apenas tem acesso a uma viso arruinada do mundo,
e isto o mesmo
que dizer uma viso no-aurtica. O seu acesso faz-se a partir
desses fragmentos. Faz-
se tambm a partir de um estranhamento face ao mundo, onde tudo
aparece
contaminado por essa tristeza, convocando imagens como a infncia
perdida ou o amor
que desapareceu. Mas, nesses fragmentos da vida vivida, ele
procura o rosto possvel, a
fisionomia das coisas. Essa a condio da modernidade (e tambm da
ps-
modernidade, na acelerao vertiginosa desse desamparo). Se, por
um lado, o mundo
aparece desprovido de aura, rompendo com uma viso harmoniosa do
mesmo, por
outro, mais o trao ou o vestgio pode assumir o seu potencial de
remisso origem,
num anseio arqueolgico. Porm, esta origem no um incio nem se
confunde com
ele, o ponto inicial em que algo veio a ser, mas antes, como
Derrida bem o notou, uma
falta originria (DERRIDA, Signature vnement contexte 1972) que
reclama a sua
restaurao, como tambm o para Walter Benjamin, quando o autor se
refere s
coisas no mundo de Kafka25, que eram anteriores ao seu tempo ou
demasiado velhas
para ele.
No mundo da alegoria no h repouso para a linguagem, uma vez que
todos os
sinais reenviam para outros, as imagens repercutem-se ad
infinitum, tudo se move para
uma lenta decomposio, num mundo em que o vivo se apresenta
ameaado pelo dente
da morte, encontrando na repetio mecnica e na irreversibilidade
do tempo a marca
derradeira. Porm, o gesto potico vive o sonho da interrupo e da
suspenso do
veredicto. Termino, citando os ltimos versos do poema Orfeu e
Eurdice, onde o
sujeito lrico fala do regresso a casa e da morte da amada
Eurdice e conclui: Deito-te
-
13
na estrofe e deixo-te,/olhando para trs at ao fim do tempo que a
respirao do
verso/me concede.
Conclumos que a salvao do Amor, esse gesto derradeiro de
fidelidade capaz
de resgatar a fragilidade dos corpos, se define na imagem
potica, inscrevendo-se nela,
de forma intemporal e absoluta, que o fim do tempo da respirao
do verso concede
ao poeta. Esse o gesto alegrico por excelncia, resgatando o trao
e arrancando-o ao
esquecimento, isto , subtraindo-o as runas do passado.
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1 Relembro a entrevista que Nuno Jdice me concedeu para a
revista Zuna, em 2010, onde fala do seu trabalho potico: A inspirao
a parte menor da criao. O poema nasce em geral de um objeto, uma
memria, uma imagem - e a partir da que a sua construo vai sendo
desenvolvida. Pode ser um quadro ou uma escultura, como pode ser
uma fotografia, ou uma simples cena do quotidiano. No entanto, a
palavra que vai guiar a escrita potica; e por palavra entendo tambm
o lado fnico, sonoro, que obriga procura de um ritmo e de uma
respirao que vo buscar msica as suas regras. Mas tambm no me
considero um arteso dado que no preciso de trabalhar demasiado o
objeto potico: o poema nasce praticamente j acabado, e se h um
trabalho ele d-se na cabea, antes de passar pgina o texto.
(CANTINHO, Revista Zunai 2010). 2 Benjamin, Walter, Passagen-Werk,
in Gesammelte Schriften, V, [N 8, 1]. 3 Na entrevista que Nuno
Jdice deu a Ricardo MARQUES, in Na Teia do Poema, um percurso
intertextual na Poesia de Nuno Jdice, ed. Chiado, Lisboa, 2013, p.
516, o poeta esclarece qual a sua relao com o Romantismo, de modo a
que no se gerem equvocos. A sua aproximao ao romantismo nasce da
sua relao com o Pr-romantismo alemo, isto , com Novalis, Hlderlin,
com esse mundo nocturno, mas numa tradio contida e sbria, sem
deixar o poema perder o norte. Tambm quero deixar aqui o meu
agradecimento ao Doutor Ricardo Marques pelas sugestes e leitura
atenta do meu texto. 4 Desta intertextualidade nos d conta Ricardo
MARQUES, no seu livro, Na Teia do Poema, abordando de forma notvel
a questo da intertextualidade, refere toda a tradio desde a
Antiguidade Clssica grega e romana, como Homero, Plato, Ovdio,
passando pelo Renascimento, maneirismo, etc. 5 Tal como Kant a
define, na sua obra Crtica da Faculdade do Juzo, traduo do original
alemo por Antnio Marques e Valrio Rohden, Estudos Gerais Srie
Universitria. Clssicos de Filosofia, INCM, Lisboa, 1992. A passagem
a que me refiro desenvolve-se entre os pargrafos 25 e 29. 6 Os
corredores do poema, p. 86. 7 Tema que Nuno Jdice vai beber a Ovdio
e que uma figura fundamental da poesia e da literatura para Nuno
Jdice, de acordo com Ricardo Marques. V. Op. Cit., pp. 215/217.
Aqui, a poesia de Nuno Jdice tambm me faz lembrar esse longo poema
que A Morte de Virglio, de Hermann Broch, sobretudo no olhar
devastado de Ovdio, a caminho do exlio. Expresso judiciana dessa
devastao sobretudo o
-
15
poema Exlio (p. 61) e A respirao do exlio (p. 570). Dante e
Cames so tambm as outras figuras aqui vislumbradas. Recordo, ainda,
o poema Ovdio, escrevendo do ponto euxino (p. 911). 8 SERRA, Pedro,
in Devastacin de Slabas, p. 10: Lo que conlleva que en el poema de
la soledad, tpica estructural de la obra judiciana, se hace
monumento de silencio, de exilio (). 9 SERRA, Pedro, Devastacin de
Slabas, ed. Universidade de Salamanca, Salamanca, p. 10: la obra
potica de Nuno Jdice supone una leccin de tinieblas. 10 Tomo aqui o
conceito abordado por Gilles DELEUZE, na sua obra Capitalisme et
Schizophrnie 2. Mille Plateaux, Les ditions, Paris, 1980, pp.
13/37. 11 V. Poesia Reunida, D. Quixote, Lisboa, 2000, p. 86: Durmo
na perptua/imobilidade do poema, nos recantos esquecidos de uma
praia inacessvel,/litoral eterno de viajantes sem navio./E o poema
esta casa/abandonada, o rosto belssimo de imagens mortas. 12 Os
textos que Walter Benjamin consagrou a Baudelaire encontram-se
reunidos num volume intitulado A Modernidade, traduzidos por Joo
Barrento, na editora Assrio e Alvim. 13 Benjamin, Walter,
Gesammelte Schriften, Band I, 1, pp. 400-401. 14 Refiro-me ao
diagnstico nietszchiano da morte de Deus , sentimento que tambm
subjacente potica de Nuno Jdice. 15 Apud Martelo, Rosa Maria, Op.
Cit., p. 144. 16 Benjamin refere-se a esta tcnica da montagem
surrealista na sua obra magistral O Livro das Passagens, onde se
dedica ao estudo das imagens do inconsciente colectivo e tambm ao
estudo da rememorao proustiana. Nesta tcnica da rememorao reconhece
o autor a sua importncia para a construo alegrica do texto. 17
Recordo tambm o belo livro de Nuno Jdice e de Duarte Belo,
Geografia do Caos, ed. Assrio & Alvim, Lisboa, 2005, em que
abordada a relao das runas actuais com o seu passado, num dilogo
entre a poesia e a fotografia. 18 V. Op. Cit., pp 11, 12: El poema,
para Nuno Jdice, es la realidade absoluta, es la realidade de um
Absoluto posible. 19 Numa entrevista que Nuno Jdice me concedeu em
2005, para a Storm-Magazine, ele refere essa aspirao Totalidade
como o que move o poema, dizendo: A totalidade o objectivo, o alvo
inatingvel. Ela encontra-se no poema ou a sua iluso () (CANTINHO,
Storm Magazine 2005). Entenda-se aqui a Totalidade como o Absoluto.
20 Para corroborar esta ideia, veja-se o que Nuno Jdice diz sobre a
religio na entrevista que d a Ricardo Marques, Op. Cit., p. 520. O
poeta afirma que a sua ruptura com a religio vem dos tempos da
adolescncia, por razes filosficas e polticas. 21 Nancy, Jean-Luc,
Ivresse, Bibliothque Rivages, ditions Payot & Rivages, Paris,
2013, p. 37 : Livresse est condition de lesprit, elle donne sentir
son absoluit, cest--dire sa sparation davec tout ce qui nest pas
lui (). Livresse est elle-mme labsolutisation, le dsenchanement,
lascension libre jusquau dehors du monde. 22 Benjamin, Walter, Das
Passagenwerk, [M 16 a, 5]. O conceito de trao bastante equvoco, mas
sigo aqui a acepo especfica do conceito alemo de Spur, que designa
trao, vestgio. 23 A a sua obra Geografia do Caos tem um papel
paradigmtico, nesta relao com a runa e o trao, do ponto de vista
arqueolgico. 24 Retomo aqui uma categoria da psicanlise freudiana
que se encontra certamente na base da teoria benjaminiana, pois
sabemos o quo importantes foram as investigaes freudianas para o
estudo benjaminiano da percepo e da compreenso da experincia de
choque, que caracteriza toda a modernidade e o seu desencanto. 25
Num texto intitulado Franz Kafka: a propsito do dcimo aniversrio da
sua morte, in Magia e Tcnica, arte e poltica: ensaios sobre
literatura e histria da cultura, trad. Srgio Rouanet, ed.
Brasiliense, S. Paulo, 1994, pp. 137-164.